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5.11.

As classes no capitalismo brasileiro atual

A análise da luta de classes e das classes em luta é um aspecto fundamental tanto


da estratégia quanto da tática das/os comunistas. Sua análise deve ser feita em
conjunto com a da formação econômico-social brasileira e considerar tanto
aspectos objetivos (as relações de produção existentes e o papel de cada classe na
produção e reprodução, os níveis de rendimentos e as condições de vida) quanto
subjetivos (a ideologia dominante, uma incipiente ideologia dos dominados, o
papel das posições revolucionárias ou reformistas) e ainda o componente histórico,
seja da formação econômico-social, seja das lutas.

Ainda nos falta avançar muito nessa análise de classes, da qual conseguimos fazer
apenas um esboço, inicial e superficial. No entanto, um ponto fundamental é
demarcar campo com todo reformismo, oportunismo e peleguismo mediante a
correta caracterização da burguesia, de seu estado e de seus aliados como inimigos
de classe do proletariado e das demais classes exploradas – sem qualquer espaço
para subordinação do proletariado e para compromissos com a burguesia, como
quer que os pelegos a definam (“nacional”, “progressista”, “desenvolvimentista”
e/ou “democrática”).

Neste começo de século 21, o Brasil é um país capitalista – ou seja, as relações de


produção capitalistas são largamente dominantes – que ocupa uma posição
dominada na divisão internacional do trabalho do sistema imperialista mundial.
Isso significa que essas relações de produção fundamentais no Brasil atual opõem,
de forma antagônica e inconciliável, capital e trabalho assalariado. Dentre as
diversas classes e frações de classe que constituem esses dois polos (também
considerando a posição intermediária da pequena burguesia), a contradição de
classe principal é aquela que opõe, de maneira antagônica e inconciliável,
burguesia e proletariado. Os inimigos de classe principais a serem derrotados na
luta de classes do proletariado e de seus aliados são os patrões, isto é, o conjunto
da classe burguesa (de capital nacional ou estrangeiro), os seus aliados internos (o
latifúndio) e externos (o imperialismo, principalmente dos EUA).

No Brasil atual, a classe operária é constituída por aquela parcela de


trabalhadores/as assalariados/as, na cidade e no campo, que trabalham nas
atividades produtivas, ou seja, produtoras de mais-valia para os patrões,
constituídas pelas atividades industriais, pela construção civil, pela indústria
extrativa e pelo conjunto do agronegócio. Ao lado da classe operária há um amplo
conjunto de demais trabalhadores/as assalariados/as, empregados/as do comércio,
do setor de serviços (enfermeiras/os na saúde, professoras/es na educação,
domésticas, garis na limpeza, e demais assalariados/as em alimentação, turismo
etc.), dos transportes (motoristas e cobradores/as de ônibus, metrô, trens, balsas,
por exemplo), funcionários/as administrativos/as, servidores/as públicos/as.
Também compõem a gama de assalariados/as os/as trabalhadores/as
terceirizados/as, seja nas atividades “finalísticas” das empresas, seja no setor de
serviços (manutenção, limpeza, segurança, atendimento).
Ao lado desses/as assalariados/as, um grande contingente das classes dominadas
no Brasil é composto pelos chamados “por conta própria”, trabalhadores/as
informais que se viram como podem na produção e venda de alimentos, no
comércio de mercadorias de pequeno valor, na prestação de serviços diversos
(“bicos”). Dentro desse grupo têm se destacado recentemente os/as
trabalhadores/as de aplicativo, como motoristas de Uber e outras plataformas e
entregadores/as de IFood e similares. Trabalhadores/as autônomos/as também
integram as classes trabalhadoras, ainda que possam ter a propriedade dos seus
meios de trabalho (taxi, caminhão).

Além dessas classes e camadas exploradas, interligadas e imbrincadas com elas,


existe uma enorme massa popular nas periferias, principalmente das grandes
metrópoles, mas também nas médias e pequenas cidades, composta por
desempregados/as, impossibilitados de trabalhar, vivendo na mera subsistência ou
dos escassos programas estatais.

No campo brasileiro, além do proletariado rural e demais trabalhadores/as


assalariados/as agrícolas, explorados pelos monopólios do agronegócio e pela
produção capitalista majoritária, sobrevive uma classe camponesa, caracterizada
por relações de trabalho não assalariadas e pela ausência da posse da terra e,
portanto, por lavrar a terra alheia em troca de uma pequena parte da sua produção.
Uma parte desses/as camponeses/as conseguiu, de várias formas, alguma posse de
terra na qual exercem cultivo ou criação de baixa produtividade, em geral indo
muito pouco além da própria subsistência. Ao lado desses camponeses pobres,
existem aqueles/as que se dedicam à agricultura familiar, isoladamente ou em
cooperativas, que em geral têm rendimentos e condições de vida um pouco
melhores.

A simples enumeração dessas classes, camadas e setores dominados no Brasil,


ainda que mero esboço, já mostra a complexidade das classes dominadas e de suas
relações com os patrões. Entre a massa dominada, portanto, existem vários
aspectos de diferenciação, que possibilitam separá-la em grupos, categorias,
dificultando sua unidade na luta – algo que é bastante explorado pelo inimigo de
classe, seja a burguesia, seja os pelegos reformistas e oportunistas.

O principal aspecto dessa diferenciação entre as classes dominadas é o nível de


rendimentos e de condições de vida, que aqueles/as com salários mais elevados
buscam manter, em alguns casos tentando aproximar-se da pequena burguesia.
Além dessa diferenciação de renda, embora associado a ela, existem diversas
conquistas obtidas por categorias profissionais, que também funcionam como
diferenciação dentre as classes dominadas: carteira assinada e outras conquistas
trabalhistas, plano de saúde, estabilidade (servidores públicos), sindicalização etc.

A luta comunista tem como tarefa imprescindível mostrar os aspectos comuns que
unem as lutas das classes dominadas – a exploração capitalista, a repressão do seu
estado – em busca de sua ação unida, enquanto classe, contra os patrões e seus
governos.

Nessa grande maioria da população brasileira, nesse amplo leque da massa


trabalhadora – cujas condições, em conjunto, se deterioram com a longa crise do
capital e a ofensiva burguesa – a classe operária deve ocupar o papel de dirigente,
com a tarefa de organizar em torno de si uma ampla frente de explorados/as da
cidade e do campo, englobando camponeses/as, demais trabalhadores/as
assalariados/as, a massa popular e o exército industrial de reserva. Aos/às
comunistas cabe trabalhar incansavelmente na organização e no estímulo às lutas
concretas da classe que permitirão esses avanços.

Do lado das classes dominantes, dentre a burguesia brasileira, seu principal


componente é o grande capital, ou seja, o capital monopolista-financeiro. Esse
grande capital se constituiu a partir de um longo processo de centralização, tanto
horizontal (expropriação de capitais de seus concorrentes diretos), quanto vertical
(expropriação ao longo de sua cadeia produtiva, fornecedores, distribuidores), e de
expansão para demais setores – processo que engloba diversas formas concretas
de interpenetração/fusão entre capital industrial, agrário, comercial e bancário.

Esse capital monopolista brasileiro também tem diversos níveis de relação com os
monopólios transnacionais. Por um lado, ambos são concorrentes, seja entre as
empresas instaladas no país ou entre elas e as mercadorias importadas, seja nos
mercados internacionais, com as subsidiárias brasileiras no exterior ou as
exportações nos mercados externos. Mas há também diversas relações de
complementariedade, desde parceria entre seus capitais (“joint-ventures”) à
integração em uma mesma cadeia produtiva. Ou seja, não há antagonismo entre
monopólios brasileiros e monopólios transnacionais, mas relações de concorrência
e complementariedade. Em suma, essa “grande burguesia” (o capital monopolista)
domina praticamente todos os setores da atividade econômica do país, submetendo
inclusive as demais frações burguesas (não-monopolistas) e dirigindo o estado.

Mais concretamente, o capital monopolista-financeiro no Brasil reúne as principais


frações da burguesia brasileira, as suas frações dominantes, compostas por capitais
que acumulam prioritariamente tanto na esfera bancária e comercial, quanto na
industrial e no agronegócio de exportação. Os bancos no Brasil compõem um setor
monopolizado, formado por poucos bancos de capital nacional (Itaú, Bradesco,
Safra) ou estrangeiro (Santander), resultantes de décadas de centralização de
capitais – e ainda três grandes bancos estatais. Além dos bancos, os mercados
financeiros brasileiros são compostos por empresas não bancárias que
crescentemente se aproximam da magnitude dos principais monopólios bancários
(XP, Nubank, C6), além dos fundos de pensão (incluindo os estatais) e o capital
estrangeiro investido na dívida pública e na bolsa de valores.

Os monopólios industriais expandiram-se para o setor bancário (Votorantim, por


exemplo), além de controlarem os mais importantes setores industriais, como
automotivo (inteiramente dominado pelos monopólios transnacionais), siderúrgico
(CSN, Usiminas), químico (Braskem), de alimentos e bebidas (JBS, Ambev),
mantendo a expressiva concentração nas regiões sudeste e sul. A indústria
extrativa mineral (Vale e Petrobrás, essa com seu capital majoritariamente em
mãos privadas, nacionais e estrangeiras) destina-se fundamentalmente à
exportação, cresce acima dos demais setores industriais e ilustra à perfeição a
relação de concorrência e complementariedade com os capitais estrangeiros, não
apenas na participação no seu próprio capital como também nos contratos de longo
prazo com os monopólios importadores, especialmente chineses.

O setor do agronegócio de exportação também se caracteriza pela forte presença


de monopólios transnacionais (Bunge, Cargill) ao lado dos monopólios brasileiros
(Raízen, Cosan) e vem ganhando importância entre as frações dominantes, dado
seu constante e mais elevado ritmo de acumulação e lucratividade, principalmente
na região centro-oeste, além do sudeste e sul.

Por fim, há diversos monopólios mais recentes nos setores de comércio e serviços
(Magazine Luiza, Matheus, Havan), incluindo transnacionais (Amazon), que
expandem sua atuação em escala nacional, constituindo redes em todas as regiões
do país.

Ainda que existam importantes diferenças entre essas frações monopolistas, essa
grande burguesia tem sido capaz de uma ação conjunta na formulação do programa
hegemônico da ofensiva burguesa (“reformas” trabalhista, sindical,
previdenciária; privatizações e concessões) contra as classes trabalhadoras. Sua
disputa se dá sobre aspectos particulares desse programa, na defesa dos seus
mercados e na disputa pelos fundos públicos.

Os capitais não-monopolistas, quaisquer que sejam os seus setores, tendem a


funcionar, na prática, como subordinados/complementares ao grande capital
monopolista-financeiro, não possuindo entre si nenhum tipo de contradição
antagônica. Os capitais não-monopolistas buscam atuar em setores, produtos,
mercados ou locais em que não há atuação do capital monopolista. Outra forma de
complementariedade é se integrar à cadeia de produção do capital monopolista
(produção de insumos, realização de parte da transformação industrial,
distribuição). A incapacidade de concorrer com os monopólios e a tendência a uma
menor lucratividade caracterizam o capital não-monopolista. Politicamente,
também são inimigos de classe do proletariado e das demais classes dominadas ao
necessitar constantemente aprofundar a exploração para manter os seus lucros.

Entre esses dois conjuntos de classes, dominantes e dominadas, está a pequena


burguesia, as camadas médias, composta por pequenos proprietários na cidade e
no campo, por profissionais (“liberais”, assalariados, servidores públicos,
militares) e por intelectuais, cujos rendimentos e condições de vida situam-se bem
acima da massa trabalhadora. Há importantes diferenças nesses níveis de
rendimentos, em especial na crise prolongada do capitalismo brasileiro. A parte
inferior da pequena burguesia está constantemente “ameaçada” de proletarização,
o que pode tanto fazê-la aliar-se às classes dominadas contra o capitalismo, quanto
aliar-se em desespero à burguesia e à direita (incluindo a extrema-direita, fascista)
em busca de manter seu antigo padrão diferenciado. A pequena burguesia sempre
foi a base da representação política, dos aparelhos ideológicos e do aparelho
repressivo capitalista. Ao mesmo tempo, forneceu importantes quadros para a luta
revolucionária. Diante dessas ambiguidades das camadas médias, a atuação dos/as
comunistas em seu meio pode conseguir aliados importantes para o campo da
Revolução – sempre tomando cuidado absoluto para que seu caráter vacilante não
contamine a prática, a organização e a ideologia dos/as comunistas.

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