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CURITIBA
JANEIRO DE 2007
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SUMÁRIO
1. Introdução.....4
Literatura citada.....29
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1. INTRODUÇÃO
Este texto poderia ser considerado como um capítulo a ser acrescentado ao documento
“As classes sociais no campo no Brasil” (Carvalho, 2006), assim como outros capítulos a
serem elaborados poderiam se referir a cada uma das demais classes sociais no campo ali
identificadas. No entanto, devido a diversos tipos de premências político-sociais relacionadas
com a necessidade de retomada do estudo e debate sobre as classes sociais no país, no caso
em particular aquelas no campo, o texto básico anteriormente referido foi elaborado
abordando a questão das classes sociais no campo partindo do geral para o particular, sem um
tratamento diferenciado por classe social. E, na demanda sempre crescente de novas opiniões,
foi distribuído como uma contribuição ao debate sobre o tema.
Sob quaisquer que sejam as nomeações externas a eles próprios, sejam pequenos
produtores rurais, agricultores familiares ou camponeses --- ou sob as dezenas de autoidentidades
que se possa registrar no campo a partir das falas camponesas, esses camponeses estão sempre
demandando dos intelectuais e de seus próprios dirigentes políticos, por vezes de uma maneira
velada, explicações e definições políticas sobre a sua posição no contexto da formação social
brasileira contemporânea, seja essa posição como classe social, seja como modo de produção, ou
outra além dessas, dependendo dos critérios classificatórios que se adote.
Esses produtores rurais cuja reprodução social da família dependem do seu território de
vida, da comunidade em que se inserem, da produção para o autosustento, da renda agrícolas que
conseguem obter pela venda de produtos extrativistas, agrícolas, pecuários, florestais, piscícolas e
artesanais, possuem autoidentidades sociais próprias as mais distintas, como expressão social das
mudanças históricas econômicas, sociais, políticas, étnicas e culturais que se verificaram nos
territórios em que hoje se encontram.
Para se considerar o camponês como classe social é necessário que haja possibilidades
efetivas de se identificar as contradições sociais interclasses e as lutas sociais de classe daí
decorrentes que lhe afirmam como classe social, mesmo que por vezes, e em conjunturas
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É nesse contexto ideológico adverso que se retoma o estudo e o debate sobre as classes
sociais no campo e, neste caso particular, sobre o campesinato.
Reproduzo a seção sobre a estrutura de classes sociais que identifiquei em estudo recente,
conforme consta de Carvalho (2006: 28-9). Nela, o campesinato é identificado como classe social.
A estrutura de classes sociais identificada, de fato constituída por três classes sociais e três
categorias sociais, não abarca as outras frações de classe da burguesia além da fração burguesia
agrária, como a fração burguesia industrial, a fração burguesia comercial e a fração burguesia
bancária, ainda que todas elas estejam presentes no campo, mas não são do campo. Essa
identificação da estrutura de classes no campo não contempla, outrossim, nem os pequenos
comerciantes locais nem os prestadores de serviços autônomos familiares. Sem dúvida alguma
que essa omissão intencional é uma limitação da compreensão da estrutura social no campo.
Classe social ‘proletariado rural’ (não proprietários da terra que vendem a força de
trabalho):
a propriedade privada da terra e dos recursos naturais que ela suporta (ou a posse mansa
da terra) por uma família singular ou por um grupo doméstico de produtores rurais,
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e a presença como única força de trabalho aquela dos membros da família singular ou do
grupo doméstico proprietários da terra como trabalhadores diretos nos processos de
trabalho ou nos de extrativismo que essa família desenvolve nessa terra.
Para fins de delimitação entre a classe social campesinato e a fração da burguesia agrária
denominada pequena burguesia agrária eu considerei que quando a família singular ou o grupo
doméstico proprietário privado da terra camponesa introduz no seu processo de trabalho a relação
social de assalariamento ela se posiciona como tendo pertencimento à fração pequena burguesia
agrária da classe social burguesia agrária, desde que mantenha a força de trabalho dos membros
da família como trabalhadores diretos. Nesse critério o que eu estava levando em conta era a
relação social de assalariamento com o assalariado permanente (fração assalariado permanente do
proletariado rural), em particular com a sua camada trabalhadores produtivos.
Alguns autores tenderam a introduzir como um dos critérios de delimitação de classe entre
a burguesia agrária e o campesinato a proporção entre a quantidade de trabalho incorporado pela
da força de trabalho da família singular ou do grupo doméstico proprietário privado da terra em
relação à quantidade de trabalho incorporado pela força de trabalho assalariada nos produtos dos
processos de trabalhos. Assim, sempre que a quantidade de trabalho da força de trabalho familiar
fosse maior ou igual ao trabalho incorporado pela força de trabalho assalariada no produto obtido
(valor de uso) se teria, na expressão dominante, um caso de agricultura familiar. Porém, sempre
que nessa proporção a quantidade de trabalho da força de trabalho assalariada fosse maior do que
aquele correspondente à força de trabalho da família, se estaria em presença de um caso de
pequena burguesia agrária.
Essas duas frações do campesinato, com interesses imediatos de classe distintos daqueles
do campesinato devido às suas situações contraditórias de classe e, ainda, com pouca a nenhuma
identidade social de classe, não só tornam o campesinato débil enquanto classe social como não
proporcionam as condições político ideológicas necessárias para que o próprio campesinato
desenvolva a consciência de classe e se torne, quiçá utopicamente, e se isso for possível e
desejável, um modo de produção camponês numa outra ou nova formação social brasileira.
O conceito de camponês (Costa, 2000, in Carvalho (org.), 2005: 183 ss) não se limita à
idéia, por vezes aplicada de maneira mecanicista, de unidade de produção-unidade de consumo,
sem considerar que a racionalidade camponesa repousa na centralidade da razão reprodutiva e
não exclui, por si mesma, a relação da unidade camponesa com outros setores da sociedade
envolvente. Isso pressupõe, evidentemente, que do ponto de vista econômico as relações dos
camponeses com os demais setores da sociedade se dão pela mercadoria, não se considerando
nessa perspectiva aquelas relações sociais como as de parentesco, de compadrio, de vizinhança,
comunitárias e religiosas.
vê constrangido a introduzir no seu processo de trabalho mercadorias (meios de trabalho) que lhe
subordinem ao capital industrial e ao comercial, sempre mediados pelo capital bancário, nada nos
permite inferir ou supor que os camponeses se constituiriam num modo de produção simples de
mercadorias.
Os critérios econômicos, ainda que determinantes, não são os únicos em presença para a
identificação da classe social, assim como das suas frações e camadas de classe. Os atributos
políticos e ideológicos têm relevância para ponderarem os critérios econômicos numa formação
social dada. Na expansão e generalização do capitalismo contemporâneo sob a égide das
propostas neoliberais mundialmente globalizantes, as dimensões político-ideológicas dessa
ofensiva têm desempenhado um papel fundamental para a redução das oposições a esse tipo de
pensamento único. Sem dúvida alguma que a desagregação do bloco soviético e a mudança dos
regimes políticos dos paises do leste europeu representaram um alento para esse expansionismo
capitalista. No entanto, o culto idolátrico ao mercado, a desregulamentação da economia em nome
da livre iniciativa, as fusões e incorporação entre grandes empresas capitalistas, a expansão em
rede dos capitais multinacionais, a redução do Estado e dos espaços públicos e, sobretudo, os
avanços burgueses na inovação científica e tecnológica, foram os elementos decisivos para a
generalização capitalista no âmbito mundial. Essa dinâmica do capital, com seus rebatimentos
políticos sobre os organismos internacionais multilaterais e sobre a conduta dos governos
nacionais, afetou ora positiva ora negativamente as classes sociais no campo no Brasil, entre elas
o campesinato.
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Extrair o máximo conveniente (do valor-trabalho) na exploração dos camponeses de maneira que essa transferência
de renda agrícola não seja tão elevada que impeça o camponês explorado de obter uma renda agrícola líquida mínima
que lhe satisfaça, mesmo nos mais baixos patamares, a reprodução social da família. Nessas relações sociais desiguais,
a burguesia impõe periodicamente a seleção dos camponeses que poderão se manter como associados, através de
índices de resultados e de operações que sejam altamente favoráveis à rentabilidade da empresa capitalista contratante.
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associado pelas trocas comerciais de venda de insumos e de compra de produtos, ambos sob seu
domínio direto.
Essa autonomia relativa apresenta maior amplitude nos casos em que os camponeses dessa
fração campesinato-autônomo adotam outra matriz de produção e tecnológica que lhes afasta da
dependência das trocas comerciais com a burguesia agroindustrial e a agrocomercial. A matriz de
produção e tecnológica da agroecologia, da agricultura orgânica, da biodinâmica, da agricultura
ecológica, da permacultura e outras similares proporciona a esses camponeses a possibilidade
efetiva de autogestão na produção, não dependendo assim dos insumos de origem industrial. E, se
aliada a essa dimensão se acrescentar as dimensões do autoconsumo familiar e da venda direta de
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seus produtos aos consumidores finais, essa autonomia se amplia e lhes permitem reduzir quase
ao limite a transferência do valor produzido pela família.
Ainda que essas perspectivas estejam restritas à unidade de produção, e sua inserção nas
relações com o mercado consumidor final, os camponeses da fração campesinato-autônomo têm a
possibilidade, mesmo mantida a matriz de produção e tecnológica não dependente dos insumos
diretos de origem industrial para a produção, com a realização da cooperação intercamponesa
(associações, cooperativas, agroindústrias camponesas, transportes solidários etc.) seja a para
agroindustrialização seja para a oferta de produtos e subprodutos no atacado, o campesinato-
autônomo, nesta última perspectiva, tem a possibilidade efetiva de realizar uma acumulação
camponesa, esta relacionada com a melhoria continuada do padrão de vida familiar e com o
desenvolvimento das forças produtivas nos processo de trabalho com o objetivo, de maneira geral,
de reduzir a penosidade do trabalho e compensar a redução relativa da força de trabalho familiar
que possam migrar para a cidade pelas mais distintas razões.
Mesmo que reconhecido pelo senso comum camponês que eles são explorados nas trocas
comerciais, esse saber se restringe à inferências sobre a relação de preços (preços pagos e
recebidos pelo camponês), mas sem articular esse processo de exploração à matriz de produção e
tecnológica adotadas, ao crédito rural subsidiado que utiliza e às macropolíticas públicas que
favorecem a afirmação da expansão e da reprodução da burguesia agroindustrial e da
agrocomercial, logo, da classe social burguesia que lhe é contrária.
Mesmo que essas lutas de resistência camponesa na terra contra a grilagem se dêem de
maneira pontual ou localizada do ponto de vista territorial e dispersa pelo país elas têm uma causa
comum que é o expansionismo territorial e a exploração dos recursos naturais pela burguesia,
negando ou expropriando quem estiver no seu caminho. O caráter de resistência dessas lutas
sociais camponesas contra a exclusão social exercida pelas práticas econômicas da burguesia
pode contribuir para o aumento da consciência de classe camponesa.
esse determinismo dos mercados sob o controle burguês, enquanto classe dominante, faz
com que os camponeses se limitem a realizarem os seus interesses imediatos corporativo,
induzindo-os ora às negociações com a burguesia ora à reivindicação e ao protesto
perante as políticas públicas;
A consciência de classe do campesinato é incipiente, quiçá diluída num senso comum que
a faz sentir-se subjetivamente diferente da burguesia, mas não alcançando um nível de consciência
que lhe permite ter a percepção objetiva da contradição de classe com a burguesia. Consciência
essa que manifestaria e se afirmaria na luta social concreta quando a luta pelos seus interesses
imediatos, portanto luta de caráter tático, contribuísse política e ideologicamente para o acúmulo
de forças do próprio campesinato no sentido de alterações na correlação de forças políticas entre a
realização dos interesses gerais de classe do campesinato em relação àqueles da burguesia. Mas,
essa dimensão da luta social não se verifica, a não ser parcial e limitadamente na luta pela terra.
Mas, o pressuposto é de que essas lutas sociais se dêem entre as classes sociais, no
confronto político-ideológico para que os interesses gerais de uma classe se sobreponham aos
interesses gerais da outra classe que lhe é contraditória. Isso quer dizer que as lutas sociais
reivindicatórias perante os governos desviam os objetivos estratégicos das lutas gerais de classe
para a conciliação entre classes, mediada pelo poder político da classe dominante.
A suposição por parte do pessoal e das instituições das organizações não governamentais
da sociedade civil, como os sindicatos de trabalhadores rurais e os movimentos e organizações
sociais populares no campo, de que as lutas sociais de reivindicação e de protestos que parcelas do
campesinato efetua tradicionalmente perante os governos poderiam, pela mobilização política e
pelo confronto com as autoridades instituídas, despertar nos camponeses envolvidos a consciência
crítica da exploração de classes, necessariamente não se verifica. Ao contrário, ao centrar as lutas
sociais naquelas sem caráter de classe e restritas aos interesses imediatos corporativos, como as
reivindicações perante os governos, o campesinato aí implicado tende a se desviar da
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Essa autonomia é relativa devido ao fato de que essa fração do campesinato tende a
realizar investimentos em meios de trabalho (instalações, máquinas, motores e implementos)
necessários para reduzir a penosidade do trabalho e aumentar a produtividade da força de
trabalho, tendo em vista garantir uma oferta de produtos nos mercados cuja renda monetária
líquida familiar lhes proporcionem uma melhoria continuada da qualidade de vida familiar,
segundo os padrões de qualidade de vida estabelecidos pela própria família camponesa e pelos
valores presentes e socializados no seu contexto histórico sócio-cultural.
A autonomia aqui referida não significa que esse camponês esteja alheio aos mercados,
nem que negue a monetarização de suas transações comerciais. Implica, isso sim, que relações
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sociais não-mercantis são pressupostas, que trocas de produtos entre os membros da família
ampliada e da comunidade sejam relevantes e necessários para a afirmação do seu território, que a
cooperação entre famílias seja considerada como prática social de vizinhança, de compadrio ou de
solidariedade sem que essas dimensões das relações sociais sejam consideradas como menores
que aquelas nos mercados, e que um outro modelo de produção e tecnológico que não aquele
instaurado de cima para baixo pela burguesia e seus governos seja adotado e onde a produção
interna de insumos (sementes, matrizes animais, fertilizantes, rações, produtos terapêuticos, etc)
seja uma prática contemporânea e pertinente à manutenção da autonomia camponesa.
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O estudo de Del Grossi et al. (2001) considera como parte do público potencial (da reforma agrária – HMC) as
famílias rurais de trabalhadores agrícolas, pluriativos e desocupados, bem como as famílias agrícolas e pluriativas
residentes em área urbanas, o que atingiu, em 1997, o montante de 3,1 milhões de famílias. No caso do estudo,
consideraram-se como famílias agrícolas àquelas em que a totalidade de seus membros tinha como ocupação principal
as atividades agrícolas, sendo pluriativas aquelas onde ocorria a combinação entre atividades agrícolas e não agrícolas
entre os componentes do domicílio. (cf. Proposta PNRA: 13)
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Tudo leva a crer, entretanto, que a fração campesinato-associado não ultrapassaria nesse
mesmo ano (2003) a um total estimado de 600 mil imóveis camponeses 5, mesmo se considerando
a forte expansão dos contratos de produção animal e vegetal, inclusive para a produção de matéria
prima para a bioenergia como mamona, cana de açúcar, girassol, etc, em várias regiões do país, e
da ampliação crescente da tendência de cessão de parte das terras de parcela dos camponeses-
associados para o plantio de árvores objetivando a produção de matéria prima para a produção de
celulose, que os camponeses-associados estão efetuando com as agroindústrias e o agrocomércio.
parte dos membros da família proprietária da terra (ou posseira) deixa de se incorporar
como trabalhadora direta no processo de trabalho da unidade de produção seja devido à
perda de identidade social camponesa que induz esses membros da família a migrarem,
seja devido às preferências pessoais de buscarem atividades de outra natureza;
a família camponesa não encontra sustentação financeira própria (ou pelo crédito) para a
realização de inversões que aumentem a produção e a produtividade da unidade de
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Obteve-se esse total pela subtração do número de imóveis abaixo de 10 has do total de imóveis abaixo de 50 has em
2003, ou seja, 3.125.947 (imóveis do estrato com menos de 50 has) menos 1.338.711 (imóveis do estrato com menos
de 10 has), sendo igual a 1.787.236 imóveis.
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Somente com contratos para a produção de fumo se estima um total de 230.000 camponeses-associados no país.
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O total de imóveis estimado para a fração campesinato-autônomo, pela subtração referida no corpo do texto
(1.787.236 – 600.000 = 1.187.236), foi arredondado para 1.200.000 de imóveis.
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Qualquer uma das alternativas anteriores adotadas como prática econômica pelos
camponeses, ainda que determinadas pela necessidade econômica da reprodução social da família
e pelo padrão de qualidade de vida que estipulam para si próprios (hábitos de consumo e de
trabalho), afeta e é conseqüência dos seus desejos e aspirações como pessoas e famílias. Como de
maneira geral as idéias dominantes são aquelas das classes dominantes, esses desejos e aspirações
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estão relacionados com a crescente e continuada melhoria da qualidade de vida familiar, esta
motivada pelos valores da classe média urbana. Nesse sentido, a busca de rendimentos familiares
crescentes é ao mesmo tempo uma necessidade de satisfazer esses hábitos de consumo e de
trabalho sugeridos pela ideologia dominante e um esforço de superação das condições objetivas
materiais, relativamente precárias, em que os camponeses se encontram.
Nessa perspectiva, a ampliação da renda agrícola líquida familiar é apenas, ainda que
relevante, um elemento do esforço para a garantia e a melhoria do padrão desejado de qualidade
de vida. Há, no entanto, outros elementos que necessitam ser considerados, sejam eles de ordem
objetiva sejam subjetiva. Dois desses elementos são: a cultura camponesa e o seu território.
A cultura camponesa, ainda que não isolada da cultura dominante, apresenta diferenciais
de valores e comportamentos que proporcionam aos camponeses os elementos da sua identidade
social, variável no tempo e no espaço em função das interações que estabelecem com as
concepções de mundo capitalistas. Como elementos da cultura camponesa deve-se levar em
consideração a família, a religiosidade, o sincretismo religioso, as festividades, a vizinhança, o
compadrio, as danças, as músicas, as artes plásticas, as formas distintas de teatro, a comunidade,
os saberes ancestrais, as crenças e tabus, as cosmogonias nas relações com a natureza e com o
mundo urbano. Enfim, mas não finalmente, uma totalidade de ser e de viver, mesmo que em
constante interação com a modernidade neoliberal burguesa.
Devo sugerir que a identificação dos interesses gerais do campesinato, enquanto classe,
deveria dar conta dessa multiplicidade de elementos anteriormente citados. Não é suficiente a
referência à exploração econômica realizada pela burguesia nos processo de troca nos mercados.
A redução dos interesses gerais do campesinato, em particular do campesinato-autônomo, a esse
elemento simplifica equivocadamente a complexidade dos interesses gerais de classe do
campesinato.
ocorre apenas nas trocas comerciais que realiza. As dimensões política e a ideológica dessa
contradição desempenham papel relevante na dinâmica das contradições de classe entre
campesinato e burguesia. No entanto, dado o caráter hegemônico da ideologia dominante liberal-
burguesa, as dimensões política e ideológica são insuficientemente correlacionadas com a
dimensão econômica e os interesses gerais do campesinato-autônomo são reduzidos à dimensão
econômica, como a melhoria e aumento da renda agrícola líquida.
O modelo de produção e tecnológico dominante ao ter sido concebido a partir dos valores
liberal-burgueses consagra e institui, na sua aplicação, esses mesmos valores e os comportamentos
que lhe são correlatos. Esse modelo dominante nega, portanto, o modo de viver e de produzir
camponês, pois, o processo de trabalho é sempre portador de uma concepção de mundo. Portanto,
ao se introduzir na unidade de produção camponesa o modelo de produção e tecnológico liberal-
burguês, seja pela associação dos camponeses com a burguesia através dos contratos de produção
e ou os de cessão de terras para arrendamento capitalista, se está corroendo, por dentro, a
racionalidade camponesa que tem na maneira como se relaciona com a natureza um dos seus
alicerces.
que mediam as relações de trocas comerciais; a segunda fração pela pequena escala de produção da maior parte dos
camponeses dessa fração de classe.
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suas atividades sejam mediadas por tecnologias e equipamentos que ampliem a produtividade do
trabalho, é indispensável para garantir as subjetividades fundamentais que fazem parte dos
interesses gerais do campesinato como classe social. Essas subjetividades não se revelam na
dimensão econômica percebida sob o olhar capitalista, este predominantemente centrado na
mercantilização e na busca incessante de lucros.
A consciência de classe se constrói na percepção que cada classe social tem das suas
contradições sociais de classe na formação social e na luta social que realizam para superarem
dialeticamente essas contradições de classe. Se o campesinato não percebe e não compreende a
exploração econômica e a subalternidade política e ideológica a que está sujeito nas suas relações
sociais de contradição com a burguesia, fica prejudicado o desenvolvimento da sua consciência de
classe pela incompreensão da contradição de classe em que se insere.
A aliança política entre classes ou entre frações dessas classes sociais com contradições
sociais estruturais de classe ocorre quando os interesses imediatos de frações de classe de classes
sociais distintas sejam conjunturalmente similares. É exemplo emblemático dessas alianças
políticas conjunturais para a realização de interesses imediatos corporativos tanto de parte de
frações do campesinato com de frações da burguesia agrária as pressões conjuntas que realizam
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sobre os governos para a obtenção e ampliação do volume de créditos rurais subsidiados a serem
liberados e para a aprovação dos processos de securitização de dívidas de financiamentos
anteriores não pagos. Essas alianças interclasses sociais com contradições de classe, no médio
prazo, apenas reafirmam as contradições sociais entre essas classes sociais e, portanto, o processo
de exploração e de subalternidade a que está submetido estruturalmente o campesinato em relação
com a burguesia.
As alianças sociais assim como as lutas sociais são expressão da dimensão política das luta
de classes, a partir de contradições objetivas econômicas. Sendo uma luta política, ainda que os
resultados possam ser de natureza econômica, essa luta se evidencia como luta de classes quando
uma das classes em contradição, no caso o campesinato, têm ganhos efetivos que resultam, ao
menos conjunturalmente, em perdas relativas para a classe social que lhe explora, como a
burguesia. Esses ganhos de fato se expressam na redução da exploração econômica a que estão
sujeitos.
Quando esses ganhos decorrentes das lutas sociais camponesas são obtidos a partir de
recursos das políticas públicas, estes oriundos do fundo geral de mais-valia (recursos oriundos da
arrecadação governamental), não se pode afirmar que se configuraram lutas sociais com caráter de
lutas de classes. No limite se poderia afirmar que esse fundo geral de mais-valia é disputado não
somente pelo campesinato mas, também, pela burguesia e pelo proletariado. Mas, como esse
fundo deveria ser de utilização para atender a interesses públicos mais gerais, esses ganhos
particulares de benefícios pela pressão política de uma classe social ou de uma fração dela sobre
os governos não se constituem como resultados da luta de classes. É sim resultado de pressões
políticas de frações de classe do campesinato que poderiam, em determinadas circunstâncias, estar
em alianças com frações da burguesia agrária, como por exemplo, nas lutas pelo crédito rural
subsidiado.
Quando o proletariado pressiona o Estado para gerar leis e políticas públicas que lhe
beneficiem em detrimento dos interesses da burguesia, mesmo sem questionar estruturalmente as
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relações sociais de produção capitalistas, mas refreando a capacidade burguesa de realizar os seus
interesses econômicos no curto prazo, está-se diante de um processo político de lutas de classes.
A presença das idéias dominantes no senso comum camponês reduz ou não motiva os
camponeses a se indagarem e a pesquisarem os motivos do seu empobrecimento relativo em
relação ao crescente enriquecimento da burguesia, assim como as razões de por que ao aumento
do esforço da força de trabalho familiar camponesa não corresponde necessariamente a uma
melhoria na qualidade de vida dessa mesma família?
Essa associação dos camponeses com as empresas do agronegócio burguês lhes retira a
autonomia política e ideológica, além da econômica, de base camponesa, pois esses
camponeses consideram, pelos contratos que realizam com a burguesia, que esse tipo de
associação direta é a melhor forma de aumentarem sua renda agrícola familiar, mesmo
que isso concorra para a perda da sua identidade social camponesa. Dessa maneira, suas
contradições de classe como campesinato com a burguesia ficam amortecidas ou
mascaradas pela simbiose entre os interesses imediatos dessa fração do campesinato com
os interesses imediatos da burguesia, mesmo quando nas situações-concretas esses
interesses imediatos do campesinato-associado sejam consequência das manipulações
político-financeiras da burguesia;
LITERATURA CITADA
Proposta PNRA (2003). Proposta de Plano Nacional de Reforma Agrária. Brasília, outubro,
mimeo 51 p.