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SAÚDE MENTAL E O NÚCLEO FAMILIAR: SUBJETIVIDADE E AS

MÁQUINAS DE ÓDIO NA CONTEMPORANEIDADE


Eixo: Transversal

Resumo: Este trabalho visa tecer reflexões sobre os processos de subjetivação na contemporaneidade, tendo como
escopo analítico as correlações entre a esfera política, histórica e os modos de afetação no núcleo familiar, tendo este
contexto como um dos campos centrais da saúde mental. Para a realização de tal tarefa, este manuscrito se alinha à
perspectiva crítica da abordagem transdisciplinar, confeccionando um diálogo entre a clínica, política e a filosofia.
Doravante, munido de um compromisso ético de uma psicologia social crítica e política. Portanto, este escrito
também é um gesto de denúncia, evidenciando a urgência de nosso tempo, as operações de adoecimento mental e os
desafios das práticas em psicologia frente a disseminação do discurso de ódio na atual conjuntura.

Palavras-chave: Saúde mental; Ódio; Política.

Introdução

30 de outubro de 2022, fim do segundo turno das eleições presidenciais: o Brasil dividido por uma diferença
de 1,8% entre o presidente eleito e o não eleito. 8 de janeiro de 2023, o Congresso Nacional é “tomado” pelo que
agora se tornou a nova “oposição”. Podem esses eventos produzirem repercussões apenas na esfera pública? As
relações familiares, em sua suposta privatização inerente, ficam fora dessa disputa? Melhor, não há entre a
instituição familiar e as esferas produção de afeto político uma relação intrínseca? Com o levantamento dessas
questões se explicitam caminhos interpretativos e construções de narrativas em que a polarização política se constitui
como uma força subjetivante de caráter destrutivo e adoecedor, que não só obtém êxito em reafirmar uma dinâmica
social produtora de ódio como também transmuta o real em uma bivalência dispare em que não há possibilidade de
interação ou conexão. Nesse cenário urge a necessidade de colocar o campo da psicologia como componente
interseccionado pelas dinâmicas internas e externas do real, as quais possuem limiares que produzem fissuras e linhas
de fuga, em uma tentativa de propor um rascunho das operações de adoecimento em saúde mental em consonância
com a introjeção do discurso de ódio e seus efeitos nocivos nas dinâmicas familiares, a isto chamamos de gesto
denúncia.

Objetivo

A fim de mapear as produções de subjetividade contemporânea, este trabalho se debruça sobre os estudos
macros e micropoliticos de nosso tempo, tendo o núcleo familiar como um dos objetos centrais desta investigação em
consonância aos aspectos afetivos em sua saúde mental. Tendo como pressuposto que os processos macro e
micropolíticos se diferem, mas não se separam, este trabalho coloca sobre escopo de análise crítica as dinâmicas
discursivas e como estas são nodais nos atravessamentos das conjunturas familiares, marcando tal processo como
engrenagem importante nas produções de afeto e adoecimento psíquico. Além disso, este trabalho efetiva um gesto de
denúncia dos efeitos políticos nas famílias, em suas configurações e sua saúde mental. Sendo assim, este trabalho se
apresenta enquanto um relato de pesquisa que se endereça a refletir sobre a atual conjuntura política no Brasil e as
dinâmicas de adoecimento que podem ser provocadas por esta.

Metodologia

Este é um trabalho confeccionado por duas pessoas e a quatro mãos, por um profissional do campo psi em
atuação em política públicas em Niterói e em clínica, e por uma acadêmica em uma formação crítica em Psicologia.
Ao que tange tais mãos, uma delas informa da experiência de trabalho com de acolhimento e mapeamento das
famílias no município de Niterói. O Projeto Escola da Família, uma política pública implantada em Niterói no ano de
2020, tem como objetivo primário promover o combate a violência no município de Niterói, preparando profissionais
de saúde para o trato de mulheres, gestantes e crianças em situação de violência física e simbólica. A segunda mão
que constrói este trabalho está incorporada a uma formação em uma psicologia absolutamente compromissada com os
direitos humanos, uma psicologia que convoca os que atuam nela para a transformação deste mundo, aposta na
manifestação da multiplicidade humana e defende a diferença humana. A terceira mão parte de um corpo posto
diretamente em xeque pelas violências intrafamiliares, um corpo feminino sobre o qual se põe um espaço paradoxal
em que socialmente é posto como a personificação do núcleo familiar mas que nas entranhas dessas relações é o
principal alvo sobre o qual se impõe formas de adoecimento e violência. A quarta mão está impregnada de uma
posição ativista, pautada principalmente nas confluências dos direitos civis e nas implicações da transformação do
real ─ toma-se o real profundamente entrelaçado entre a formação formal e as práticas profissionais. Tendo como
referencial teórico-metodológico uma psicologia social crítica, este trabalho também se instrumentaliza através de
importantes contribuições de pensamentos dos intelectuais: Michel Foucault (2021), Gilles Deleuze e Félix Guattari
(2011). Pois, compreende-se que tais pensadores fornecem importantes instrumentos de reflexão e inflexão sobre o
sócio que marcam os processos de subjetividade de cada tempo como matriz central de produção de afeto e
significação sobre estes. Não obstante, o núcleo familiar se alinha a este contexto, onde o lugar social familiar é
necessariamente um resultado de intensos processos históricos, políticos e culturais. Outrossim, os principais meios
informacionais da atualidade são parceiros cruciais a este trabalho, apreendendo que os trabalhos jornalísticos são
capazes de informar dados importantes sobre a realidade brasileira e seus acontecimentos. Sendo assim, neste
trabalho, se torna relevante explicitar notícias brasileiras que informam sobre os acontecimentos de violência no
contexto familiar e suas repercussões no âmbito da saúde mental, principalmente no período dos anos de 2018 e 2022,
representantes do contexto eleitoral brasileiro.

Resultados

Em 9 de julho de 2022, Marcelo Arruda foi morto em meio a comemoração familiar de seu aniversário por um
“rival” político munido de uma arma. Marcelo, então tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT), escolheu como
tema de sua festa a figura representativa do partido, Luiz Inácio da Silva, em paralelo, Jorge José da Rocha Guaranho
fica sabendo em outro evento comemorativo que estaria ocorrendo uma festa com tema representativo do adversário
do político que apoia, Jair Messias Bolsonaro, partindo dessa informação se cria o ímpeto de intervir nesse cenário.
“(...) após a celebração, a festa foi invadida pelo agente penitenciário aos gritos “Bolsonaro” e “mito” (MENDES,
2022, p.1). Tiros foram trocados e, no fim, a violência contaminou os demais presentes. Com Jorge baleado no chão,
os familiares de Marcelo o chutam (G1, 2022, p.1). A cena choca não só pelas violências presentes no cenário
descrito, mas pelas profundas feridas psíquicas nos membros familiares que acompanharam o desenrolar do
assassinato. Esse é um dos dados que nos informam sobre os atravessamentos entre o político, o familiar e a saúde
mental. O evento descrito anteriormente desvela um quadro sintomático que assola e assombra a família brasileira em
tempos de polarização extrema do cenário político do país, em que uma discordância entre partidos políticos têm a
potencialidade de instigar comportamentos agressivos, violências sem precedentes e adoecimento mental. Em
paralelo, se evidencia na atual conjuntura brasileira a insurgência da propagação do discurso de ódio, dado o caráter
neofascista tão presente no último governo. As hipóteses foucaultianas contribuem na compreensão de aspectos que
tanto atravessam os discursos e as práticas presentes em certas segmentaridades históricas, sendo estes
concomitantemente produtores de formas de estar, pensar e agir no mundo.

Considerações finais

Tendo isso em vista, observamos que nosso trabalho realiza um mapeamento parcial das produções de
subjetividade atuais a partir de um recorte político de ódio e seus efeitos psíquicos. Por isso, não há como abarcar o
fenômeno em sua globalidade, o que nos faz compreender que mais articulações teóricas e afetivas terão de ser feitas
para que seja possível traçar um esboço abrangente da polarização política, sua relação intrínseca com o discurso de
ódio e suas repercussões adoecedoras, principalmente no que tange a saúde mental das famílias do Brasil. Enquanto
profissionais e acadêmicos da área de Psicologia, consideramos que é fundamental que a esfera pública, política por
excelência, seja associada à esfera privada, uma vez que não há possibilidade de não afetação entre essas duas esferas
do real. Portanto, uma articulação multidisciplinar se faz necessária, sendo que a Psicologia se encontra no limiar
entre essas estruturas. Sendo assim, uma psicologia crítica, em seus compromissos éticos e políticos, se interessa em
realizar denúncias e provocações sobre tal cenário, tal como feito neste manuscrito. Outrossim, esta tarefa de
denúncia, não só nos direciona a mundos outros, mas instiga reflexões sobre nossas práticas em saúde mental, a fim
de proporcionar influxos e novas condições de possibilidade de existência que retiram o caráter destrutivista tão
presente na atual conjuntura macro e micropolítica.
Referências
DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia, 2. ed. Rio de Janeiro: Editora 34, 2011.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 13. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra; 2021.

INFOGRÁFICO: ENTENDA ORDEM DOS ACONTECIMENTOS NO DIA DO ASSASSINATO DE PETISTA EM FESTA DE ANIVERSÁRIO,
SEGUNDO A POLÍCIA. Site G1 - Oeste e Sudoeste. Disponível em: <https://g1.globo.com/pr/oeste-sudoeste/noticia/2022/07/16/infografico-
entenda-ordem-dos-acontecimentos-no-dia-do-assassinato-de-petista-em-festa-de-aniversario-segundo-a-policia.ghtml> . Último acesso em 24 de
maio de 2023.

MENDES, Sandy. PETISTA É ASSASSINADO POR BOLSONARISTA EM FESTA DE ANIVERSÁRIO NA QUAL HOMENAGEAVA LULA.
Site do OUL: Congresso em Foco. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/area/pais/homem-e-morto-por-bolsonarista-em-aniversario-
com-tematica-do-pt/>. Último acesso em 24 de maio de 2023.

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