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SUMÁRIO
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9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 64
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1 TEORIA FREUDIANA
Fonte: encrypted-tbn0.gstatic.com
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1.1 O que a Psicanálise tem a comentar sobre a política, de qual política se
trata?
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na maquinaria do poder é aquele constituído por esse discurso que pode supor um
Outro não barrado, discurso social que não admite o equívoco, a separação, a falta
ou a diferença. O “todos somos iguais”, a imagem, a autoestima e a onipotência do
“eu me basto e não preciso dos outros para tocar a minha vida” são os emblemas e
pilares desse discurso. Pois bem, estes não são os traços que caracterizam o tempo
do narcisismo? A agressividade, a violência, a ambivalência do amor e do ódio
(elevados ao extremo) marcam o narcisismo: momento que inaugura a identificação
primordial (da conquista) da primeira imagem de si (unificada) para o infans, “eu sou
tudo para ela e ela é tudo para mim”. (COSTA, COSTA-ROSA, 2020).
Junto aos valores que impulsionam ímpetos narcisistas e incitam a
competitividade, de vencer a qualquer “custo”, Rosa sublinha uma violência nesses
discursos,
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é o seu principal representante, logo, não se posiciona de forma neutra e defende
claramente os interesses de uma determinada classe social. Nesta perspectiva, o
Estado, em seu ideário neoliberal, enquanto expressão dos interesses do capital,
visará o fortalecimento do mercado, assegurando-se de obter as condições propícias
para o enriquecimento e acúmulo das riquezas. Notemos que a classe social mais
favorecida neste sistema econômico de funcionamento é a que detém a maior
capacidade financeira de poder de compra (COSTA, COSTA-ROSA, 2020).
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é o próprio objeto, consumido pelos ideais vendidos pela política de vida neoliberalista
nos “mercados” do MCP.
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seus clamores. Esse olhar muda a nossa empreitada, exigindo-nos recorrer a outros
campos do saber. Neste caso, seguindo de Lacan aos escritos de Marx, em especial
à caracterização conhecida do que é a mais-valia em sua obra.
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Bordieu, existe no campo político um jogo particular de forças, dentre as quais uma
delas instaura a imposição de princípios que determinam uma visão e uma divisão do
mundo social.
No pensamento de Marx, a política é mediada pela economia. Não por menos,
Marx não deixou de medir esforços para criticar a economia e a política de sua época.
O questionamento do pensamento marxiano aponta para uma organização social do
trabalho na qual o trabalhador recebe apenas uma pequena parte do produto que ele
mesmo ajudou a produzir, para depois este mesmo produto circular no mercado como
mercadoria. Este mecanismo se associa ao que chamamos de economia política (nos
Manuscritos econômico-filosóficos, por estar dialogando com Adam Smith, Marx
prefere adotar a locução “economia nacional” no lugar de “economia política”), em
outros termos, esta é a política arregimentada pelo modo de produção do capital, ao
ver de Marx, com o desígnio de instituir a infelicidade da sociedade.
Sustentada no livre-comércio, e na consequente não intervenção do Estado, o
caráter capitalista da economia política visa a acumulação do excedente que se extrai
pela circulação da mercadoria, venda e capital ganho. E o que permitiria a acumulação
do excedente? A exploração do proletariado, os trabalhadores que existem senão
para (re) produzir a perda de sua humanidade ao se tornarem uma classe de escravos,
como afirmara Marx (COSTA, COSTA-ROSA, 2020).
Fonte: cliapsicologia.com.br/wp-content/uploads
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O recurso aos domínios do saber derivados da estética é crucial para a
Psicanálise em seu arcabouço ético-político-clínico. A ética que corresponde ao
desejo, a política de fazer oposição a toda ou qualquer prática que ameace extinguir
a diferença, a clínica com sua técnica amparada nos pilares anteriores, aliadas à
estética, ganham em oportunidade de abertura e sensibilização aos sentidos
constantemente ignorados no convívio social.
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Tanto a Psicanálise quanto a estética tratariam do indizível, do que não se
pode dizer em palavras e do que está na enunciação dos discursos. Nesse sentido,
parece-nos interessante o que discorreu Dionísio (2018) sobre a dimensão sensível
da escuta flutuante em Psicanálise e o seu tom análogo ao trabalho de recepção-
estética. Das aproximações sugeridas pelos autores, é pertinente uma escuta que seja
estética, sensível e implicada nos eventos irrompidos da política econômica capitalista
(DIONÍSIO 2010; 2018; RANCIÈRE 2009).
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estudo parece não ter sido assumido pelos filósofos contemporâneos, os quais, de
modo recorrente, viram nas ideias deste autor um grande desafio e um vasto campo
a ser interrogado (MEZAN, 2013).
Contudo, não só os filósofos questionaram o saber psicanalítico. Diante da
provocação freudiana de que o sujeito não encontra seu fundamento na razão e sim
no inconsciente, outras ciências, entre as quais podemos citar a psiquiatria
fenomenológica, também interpelaram a psicanálise, seja para lhe cobrar rigor
epistemológico, seja para questionar a cientificidade do seu conhecimento, ou ainda,
para tentar extrair dela apenas os aspectos que deveriam ser tomados como suas
principais contribuições. Dessa forma, se até aquele momento fenomenologia e
psicanálise caminharam isoladas entre si com seus fundadores, algumas décadas
depois, os seguidores de Freud, Husserl, ou de ambos, acabaram por encontrar meios
de fazer com elas se encontrassem. A respeito desse encontro, um primeiro aspecto
a ser considerado por conta de suas implicações históricas, refere-se à particularidade
com que filosofia e psiquiatria tomaram parte nesse debate (TATOSSIAN, 2012).
Nos países de língua alemã, a psiquiatria fenomenológica, por ter sido
marcadamente influenciada pelos trabalhos de Husserl e Heidegger, tendeu a se
afastar do inconsciente freudiano, ora opondo-se explicitamente a ele, ora ignorando
a sua existência. Tal posicionamento representa, em grande medida, a tendência que
a tradição alemã seguiu em suas críticas dirigidas à psicanálise, que consistiu em
atacar a“ doença incurável” que acometeu a metapsicologia freudiana, a saber, sua
herança materialista, mecanicista, determinista e naturalista, a fim de lhe oferecer um
outro solo epistemológico ou, ainda, de negar seu ineditismo. Em solo francês, no
entanto, a trajetória do diálogo entre fenomenologia e psicanálise se constituiu de
modo mais consistente e por outras vias daquelas iniciadas na tradição germânica.
Segundo Tatossian (2006), duas foram as razões para isso, a saber, a inflexão
antropológica e existencial que a fenomenologia husserliana ganhou entre seus
seguidores – Sartre, Merleau-Ponty e Ricoeur –e, em especial, a renovação
psicanalítica proposta por Lacan. No caso francês, embora a discussão com a
psicanálise tenha se dado muito mais pelas mãos dos filósofos do que dos psiquiatras,
não se pode deixar de considerar que a abertura proporcionada por aqueles acabou
por persuadir alguns psiquiatras nessa direção. No caso destes, contudo, tal
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aproximação se deu menos por motivos epistemológicos do que pelas necessidades
oriundas da confrontação com os pacientes doentes no curso de suas experiências
clínicas, fato este que levou os franceses a se aproximarem do método clínico
psicanalítico, ao mesmo tempo em que criticavam as bases teóricas da
metapsicologia e tentavam, assim, revê-las (TATOSSIAN, 2012).
Por este motivo, Assoun considera que a relação dos franceses com a
psicanálise freudiana é controversa, haja vista que aceitar o método psicanalítico e
tratar a doutrina psicanalítica como um sistema arbitrário faz com que aquele fique
sem respaldo. No que diz respeito às críticas tecidas pela tradição fenomenológica, o
principal ponto de impasse com o qual a psicanálise se depara seria a
incompatibilidade que há em assumir um modelo energético para explicar o
funcionamento do psiquismo e utilizar-se de um método que busca traduzir o sentido
dos fenômenos apresentados no contexto clínico. Assim, cabe melhor precisar de que
forma o diálogo entre fenomenologia e psicanálise se construiu no campo da
psiquiatria germânica e, também, que rumos ele tomou no contexto intelectual francês
Fonte: upload.wikimedia.org
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A família de Freud a início vivia na cidade de Freiberg, atualmente nominada
de Pribor, situada a noroeste da Morávia, território da Europa Central que corresponde
à ex-Tchecoslováquia. A família Freud é originária de judeus e foi caracterizada pelo
movimento Errância, que obrigou os judeus a mudar de cidade devido às dificuldades
econômicas e perseguições. Como judeus, os Freud se estabeleceram em Freiberg
sem exceção, se estabelecendo em uma comunidade judaica que falava iídiche ou
alemão. Portanto, a história familiar com a árvore genealógica de sobrenome Freud
está relacionada à lenda judaica de Errância. Freud declarou, em sua biografia, que
durante os séculos XIV ou XV a família de seu pai fugira para o leste, migrando no
século XIX para a Lituânia e Galícia, até se fixar em Freiberg. De acordo com Jorge &
Ferreira:
O nome Freud tem a mesma raiz da palavra freude, que em alemão significa
alegria, prazer, regozijo, e se origina de Freid, que é o nome da bisavó
materna do pai de Freud. A mudança foi adotada pela família do pai de Freud,
em 1789, quando o imperador José II emancipou os judeus, estendendo-lhes
os direitos dos cidadãos do Império Austro-húngaro. Seu pai, Kallamon Jacob
Freud, filho e neto de rabinos, trabalhava no comércio de lã e se casou com
Sally Kanner, sobre cuja vida e condições de morte se sabe muito pouco.
Deixou o marido viúvo com dois filhos: Emanuel e Philipp (JORGE &
FERREIRA, 2010).
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Em 1859, durante a guerra austro-italiana, os negócios de Jacob estavam em
crise devido à guerra e ao processo de desenvolvimento industrial, o que fez com que
a cidade sofresse desemprego e alta inflação. No entanto, os judeus de língua alemã
começaram a ser perseguidos pelos tchecos, forçando a família Freud a se mudar
para Leipzig, na Alemanha. A partir daí, começaram as dificuldades financeiras da
família (TERCEIRO, 2016)
Em 1860, a família Freud estabeleceu-se em Leopoldstadt, Viena. Freud disse
em sua autobiografia que entrou na Universidade de Viena para estudar medicina aos
17 anos e se tornou o primeiro aluno da classe, o que lhe deu alguns privilégios que
considerou especiais. Freud falava francês e inglês, satisfatoriamente latim, grego e
hebraico e é fluente em espanhol e italiano (JORGE & FERREIRA, 2010). No curso
de medicina, este tinha que frequentar cerca de 30 horas semanais, divididas em aulas
práticas e teóricas.
Segundo Jorge e Ferreira (2010), Freud se identifica com a biologia e a
zoologia, cujo professor, Ernst Wilhelm von Brucke, dirigia um laboratório de pesquisa
e anos mais tarde, em 1876, oferece-lhe uma bolsa de estudos. Aprimorando-se em
seus estudos biológicos, Freud desenvolve uma pesquisa cujo tema era as glândulas
sexuais das enguias. Sua atuação neste laboratório foi tão comemorada pelo próprio
Freud que ele descreve na obra Um estudo autobiográfico:
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Freud, Dr. Brauer, o apresentou à paciente Anna O. (Bertha Pappenheim),
descrevendo sobre o tratamento que fora feito com tal paciente.
Eles iniciaram esse trabalho no início da década de 1880, e Breuer relatou
alguns de seus casos, incluindo o caso de Anna O como ponto de partida para a
Psicanálise. Breuer contou a Freud como ele lidou com essa jovem histérica, informou
que a doença de seu pai e o cuidado com ele a deixaram exausta para aprofundar
seus sintomas físicos. Por meio da hipnose, Breuer a curou, aliviou sua dor e
descobriu o poder de cura pela palavra (REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA DE
PSICOLOGIA, 2009).
Durante o período que trabalhou no Hospital Geral de Viena, Freud começou a
estudar as propriedades da cocaína e seus efeitos terapêuticos. Essa substância foi
introduzida nos Estados Unidos e na Europa sem restrições, Freud se entusiasmou
com seu uso, passou a usá-la e a prescrevê-la como “estimulante, para os distúrbios
digestivos, para combater os vícios da morfina e do álcool e para o tratamento da
asma e dos estados depressivos” (JORGE & FERREIRA, 2010).
O psicanalista brasileiro, Carlos Terceiro, fez questão de elucidar sobre a
utilização da cocaína como uso medicinal:
Salienta-se que a cocaína, nesta época, não tinha o sentido etimológico que
hoje se dá à palavra, ou seja, de droga. Pois, conforme o Dicionário Michaelis,
a droga “é o termo genérico para qualquer substância alucinógena,
entorpecente, cujo uso, além de alterar o humor e o comportamento, pode
levar à dependência e à tolerância “ (MICHAELIS, 2016). Assim, nessa
época, a cocaína era utilizada como medicamento para dar energia ao corpo,
aliviar a sinusite e a febre, como também para o tratamento de viciados em
ópio, morfina e bebidas alcoólicas, sendo usado como ingrediente em
bebidas como o vinho (TERCEIRO, 2016).
Segundo Jorge & Ferreira (2010), além de comercializar produtos para injeções
hipodérmicas, pomadas e vaporizadores, a Parke Davis também comercializa cigarros
e charutos feitos com folhas de coca e lançara a bebida Coca Cordial e durante o
mesmo período, Freud escreveu um artigo sobre o uso de cocaína como anestésico,
intitulado Uber Coca. Nesse artigo, o médico de Viena mencionou o efeito anestésico
da cocaína em soluções concentradas na pele e nas membranas mucosas.
Terceiro (2016) salientou que:
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que escreveu uma Comunicação preliminar a esse respeito, apresentando-a
no Congresso Oftalmológico de Heildelberg. De acordo com Koller (apud
JORGE e FERREIRA, 2010, p. 11) “a cocaína foi competentemente trazida
ao conhecimento dos médicos vienenses pela minuciosa compilação e pelo
interessante ensaio terapêutico do meu colega de hospital Dr. Sigmund
Freud”. (TERCEIRO, 2016).
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sintomas físicos são formados. Portanto, ele usou a sugestão hipnótica para produzir
sintomas para provar e justificar suas ideias (REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA
DE PSICOLOGIA, 2009).
Com base nas ideias de Charcot, Freud, em colaboração com o Dr. Breuer,
começou o estudo dos mecanismos psíquicos da histeria e presumiu sua teoria acerca
da etiologia sexual das neuroses, que a neurose possuía causas reprimidas. Através
desse estudo, ele iniciou a prática da Psicanálise. De acordo com Jorge & Ferreira
(2010), o estudo da histeria é a base da Psicanálise, porque os sintomas e as queixas
principais da histeria são direcionadas para a sexualidade. Assim, segundo Jorge &
Ferreira (2010):
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Fonte: universoracionalista.org
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destinado a ocultar as ideias e fazer a expressão da consciência desaparecer porque
é dolorosa, de repressão. Esse conteúdo de ordem psíquica é encontrado no
inconsciente. Segundo Freud as descobertas acerca do inconsciente:
Nos pressupostos teóricos de Freud, ele soube que as cenas relatadas pelos
pacientes já haviam ocorrido e, posteriormente, descobriu que eram imaginadas, mas
tinham a mesma força e consequências psicológicas, e tinham os efeitos psicológicos
de situações reais. Nesse caso, Freud entendeu que a realidade psíquica tem valor
real para os indivíduos, mesmo que não corresponda objetivamente à realidade.
Portanto, o funcionamento psíquico é concebido a partir de três pontos de vista:
I. Ponto de Vista Econômico - afirma que existe uma energia que alimenta os
processos psíquicos.
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II. Ponto de Vista Tópico – Analisa-se que o aparelho psíquico se constitui por um
número de sistemas que se diferenciam quanto à natureza e o modo como
funcionam, ou seja, representam um lugar psíquico.
III. Ponto de Vista Dinâmico – Existem forças em conflito no interior do psiquismo.
Tais forças estão ativas e se originam por meio da pulsão, que representa um
estado de tensão que busca no objeto suprimir este estado. Nesta pulsão
existem o Eros e o Tanado. O Eros significa a pulsão de vida, abrangendo as
pulsões sexuais e as de auto conservação. Tanatos é a pulsão de morte,
autodestrutiva, manifestando-se como pulsão agressiva (TERCEIRO, 2016).
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Em Freud a noção de sujeito não se confunde com aquele Eu moderno, que
havia sido instalado como mestre em sua própria casa. O Eu de Freud é
descentrado, do mesmo modo como a Terra de Galileu e o Homem de Darwin
(KUPFER, 2010).
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mudanças corporais são universais até certo ponto, e algumas diferenças são
descartadas. No entanto, o que acontece no plano psicológico da existência da
relação com o meio ambiente está relacionado às diferenças culturais, aos diferentes
grupos sociais e aos indivíduos pertencentes ao mesmo grupo.
Becker (2003 apud TERCEIRO, 2016), acredita que é necessário que o
adolescente se integre a um determinado grupo, o que o levará a encontrar a própria
identidade em um momento crítico da sociedade. De acordo com a Psicanálise, esse
grupo pode substituir os pais para ajudar os adolescentes a entenderem suas
aplicações e se tornarem parceiros. Conforme Becker, (2003) “O adolescente não é o
futuro da pátria, nem a esperança do amanhã. Seu lugar é aqui, seu tempo é o
presente, e sua vida lhe pertence para vivê-la da maneira que escolher”.
Durante a fase de desenvolvimento sexual, vários eventos ocorreram, entre
eles o complexo de Édipo, que é a razão da construção da personalidade do indivíduo.
De acordo com Bock, Furtado & Teixeira, o complexo de édipo:
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A esse respeito, D’Agord analisa que:
A construção teórica de Freud originou-se, sem dúvida, das ficções que ele
elaborou a partir da sua escuta dos pacientes em análise. (…) Uma
construção em análise é o procedimento de extrair inferências a partir de
fragmentos de lembranças e de associações do sujeito em análise. Esses
fragmentos de lembranças não têm sentido em si mesmos, mas é justamente
desse sem-sentido que eles extraem a sua importância na construção de
hipóteses (D’AGORD, 2000/2001).
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estabeleceu um novo modelo de inteligibilidade e novas formas de conhecimento,
rompendo assim com Paradigma dos tempos. Este modelo de inteligibilidade
representa uma forma desconhecida ou criada pela experiência analítica.
Por conseguinte, Freud estabeleceu a associação livre, que é a regra básica
do método analítico, ao contrário da escuta flutuante do analista. Esse modelo
compreensível e inconsciente é criado na relação que existe no espaço analítico entre
o analisando e o analista. Esta relação envolvida nas técnicas psicanalíticas é
chamada de transferência (ROCHA, 2008).
Porque na análise da experiência coexistem os dois polos que constituem a
experiência humana, por um lado, alguns objetos foram marcados pela impressão do
desejo inconsciente e descobertos por meio desse método. Do outro lado se tem a
palavra que significa e (re) significa, na dinâmica da transferência, as experiências
passadas, as quais representam a base dos conflitos que geram os distúrbios
psíquicos (TERCEIRO, 2016).
Em essência, a experiência analítica é uma experiência de linguagem
específica da experiência analítica, porque é uma palavra que revela desejos e
fantasias no inconsciente. A linguagem é a base da experiência analítica, pois no
diálogo analítico, o sujeito em processo do conhecimento de si mesmo, constrói e se
(re) constrói na tentativa de se tornar sua verdadeira identidade, embora escondido
(ROCHA, 2008).
Conforme comenta Terceiro (2016), o método das associações livres permite
que o analisado tenha ideias sem considerar o sistema de censura, sem ter que fazer
escolhas deliberadas sobre suas intenções e sem buscar as razões lógicas da
confusão espontânea em seu discurso livre. Além disso, o sujeito não necessita
considerar os requisitos de rotulagem social, nem considerar a censura da consciência
moral, mas em vez disso, lança pensamentos com intenções conscientes em torno da
atração inconsciente.
Nessa busca de propiciar que os pacientes realmente falassem abertamente e
livremente, Freud criou esse espaço de análise, o lócus onde se encontra o divã para
o paciente se deitar ou sentar e a poltrona do analista. Neste lócus, particularmente,
é evitado o face-a-face no diálogo terapêutico, o que deixa livre o espaço da análise
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com o objetivo de que a linguagem do inconsciente se manifeste para que seja
possível fazer as associações livres (ROCHA, 2008).
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Fonte: psicoativo.com
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mecanismos que podem suprimir e ocultar a percepção de perigos internos devido a
perigos reais ou imaginários no mundo real.
Estes mecanismos de defesa se dividem em:
1. Recalque
Responsável por suprimir uma parte da realidade, não sendo percebido pelo
indivíduo, prejudicando o sentido do todo, pois ao tornar-se invisível, altera e deforma
a visão holística.
O indivíduo “não vê”, “não ouve” o que ocorre. Existe a supressão de uma parte
da realidade. Este aspecto que não é percebido pelo indivíduo faz parte de um todo
e, ao ficar invisível, altera, deforma o sentido do todo.
É como se, ao ler esta página uma palavra ou uma das linhas não estivesse
impressa, e isto impedisse a compreensão da frase ou desse outro sentido ao que
está escrito. Um exemplo é quando uma proibição é percebida como permissão
porque não se “ouve” o “não”.
O recalque, ao suprimir a percepção do que está acontecendo, é o mais radical
dos mecanismos de defesa. Os demais referem-se a deformações da realidade.
2. Formação Reativa
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3. Regressão
4. Projeção
5. Racionalização
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É o mecanismo de defesa que o indivíduo constrói um argumento que convence
de forma intelectual, justificando estados deformados da consciência. Seria a razão a
serviço do irracional, cujo material é fornecido pela própria cultura. “Dois exemplos: o
pudor excessivo (formação reativa), justificado com argumentos morais; e as
justificativas ideológicas para os impulsos destrutivos que eclodem na guerra, no
preconceito e na defesa da pena de morte” (FREUD apud BOCK, FURTADO &
TEIXEIRA, 2001).
O ego possui outros mecanismos de defesa, dentre os quais:
6. Identificação
7. Isolamento
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de concentração no sujeito que procura não deixar que seu pensamento se afaste do
seu objeto atual”.
8. Anulação Retroativa
Um mecanismo psicológico pelo qual o sujeito tenta fazer com que seus
pensamentos, palavras, gestos, atos passados nunca tenham acontecido; para tanto,
ele utiliza um pensamento ou um comportamento tendo uma significação oposta.
Trata-se de uma compulsão aparentemente “mágica”, particularmente característica
da neurose obsessiva.
Segundo Bock, Furtado & Teixeira (2001) as pessoas geralmente usam esses
mecanismos de defesa porque eles distorcem a realidade para resistir a perigos reais
ou resultados imaginários que podem existir interna e externamente. Esses
mecanismos não são classificados como patológicos, mas são responsáveis por
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distorcer a realidade. Só expondo a realidade se pode superar a falsa consciência da
realidade e eliminar a falsa consciência.
Fonte: feministvoices.com
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ortodoxos e se formou em medicina. Ele é culturalmente proficiente e pode falar várias
línguas, mas sua carreira nunca teve sucesso, principalmente por ser judeu e também
polonês, o que significa que pertence a uma classe desfavorecida da sociedade
judaica (FEBRAPSI, 2008[?]).
Moritz foi casado duas vezes. O primeiro casamento foi desfeito quando ele
contava 37 anos de idade. Aos 45 conheceu e casou-se com Libussa, também judia,
de origem eslovaca, 24 anos mais moça que ele, descrita por Melanie em sua
autobiografia como uma jovem culta, espirituosa e interessante. Depois do
casamento, o casal estabeleceu-se em Deutsch-Kreutz, Áustria. Neves Em algum
momento no período entre o nascimento das duas últimas filhas, a família mudou-se
para Viena, na esperança de melhorar sua difícil situação financeira. Em Viena, o Dr.
Reizes trabalhou como assistente de um dentista e, para complementar sua renda,
como consultor médico de um teatro de variedades.
O casal teve quatro filhos: Emilie (1876), Emanuel (1877), Sidonie (1878) e
Melanie Reizes. Conforme descrito na Biografia apresentada pela FEBRAPSI,
Melanie sentia-se protelada por seus genitores:
Melanie Klein sentia grande atração pela atmosfera cultural da família de sua
mãe, filha de um rabino. Tanto o pai quanto o avô de Libussa eram muito respeitados
tanto por seu saber quanto por sua tolerância. Melanie herdou da família a vontade
de aprender e logo se tornou uma estudante ambiciosa, consciente de suas notas.
Sonhava em estudar medicina e especializar-se em psiquiatria, o que nunca se
realizou em virtude da situação financeira da família, agravada com a morte do pai em
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1900. Ela chegou a estudar arte e história na Universidade de Viena, mas não chegou
a graduar-se.
O irmão Emmanuel foi seu grande mentor intelectual. Ele iniciou o curso de
medicina que abandonou para se dedicar às artes. Era muito doente, portador
de cardiopatia consequente a doença reumática, tuberculose e depressão.
No final da vida tornou-se viciado em drogas. Emmanuel tinha para com suas
irmãs um relacionamento com matizes incestuosos e, para com a família em
geral, um vínculo marcado pelo êxito em provocar culpa e vitimizar-se. Para
Melanie, ele teria sido um pai substituto, um companheiro íntimo e um amante
imaginário e ninguém em sua vida jamais conseguiu substituí-lo. No período
compreendido entre 1887 e 1902, Melanie Klein sofreu grandes perdas: a
irmã Sidonie, em 1887, de tuberculose; o pai, em 1900, de pneumonia; o
irmão Emmanuel, em 1902, de cardiopatia (FEBRAPSI, 2008[?]).
Durante a infância dos filhos, Melanie Klein teve vários episódios de depressão
e se afastou da família por longos períodos, para viagens de repouso ou para
internação em clínicas especializadas. Durante tais ausências, sua casa e família
ficavam a cargo de sua mãe, que se colocava em sua vida de forma intrusiva e
autoritária. A mãe a via e fazia com que ela própria se visse como uma pessoa doente,
neurastênica e incapaz. Mãe e filha mantinham entre si um relacionamento estreito e
afetuoso, porém marcado por atitudes e sentimentos ambivalentes: amor e ódio, apoio
e intrusão, liberdade e controle, dependência e autonomia.
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O ano de 1914 foi marcado por grandes acontecimentos na vida de Melanie
Klein. Em 1º de julho nasceu seu último filho, Erich Klein. Em 6 de novembro morreu
sua mãe, Libussa. Além disso, aos 32 anos de idade ela encontrou-se com a
psicanálise: leu o texto “Sobre os Sonhos”, de Sigmund Freud, e provavelmente iniciou
sua análise com Sandor Ferenczi, buscando livrar-se da depressão. Para Melanie
Klein, antes de se tornar uma profissão ou um interesse intelectual, a psicanálise foi
uma experiência de crescimento e um caminho de cura pessoal.
Fonte: psicologorigoni.com.br
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branco, o Terror Branco, francamente antissemita, o que teve como
consequência a expulsão dos psicanalistas judeus da Sociedade e sua
dissolução. Assim, em 1919, Melanie Klein saiu de Budapeste com os filhos
para estabelecer-se por um curto período em Rosemberg com os sogros. Seu
marido, do qual se divorciaria em 1923, mudou-se por razões profissionais
para a Suécia, onde permaneceu até 1937, novamente casado e depois
divorciado. Morreu na Suíça em 1939 (FEBRAPSI, 2008[?]).
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relacionamento com a primogênita Melitta, que se tornara analista e também
ingressara na Sociedade Britânica. Na elaboração da perda de Hans, Melanie Klein
escreveu o texto “Uma contribuição para a psicogênese dos Estados Maníaco-
Depressivos” (1935). Em 1940, publicou “O Luto e suas Relações com os Estados
Maníaco-depressivos”.
A mudança da família Freud de Viena para Londres, no final dos anos 30, em
virtude da Segunda Grande Guerra, faria com que a Sociedade Britânica se dividisse
ideologicamente em dois grandes grupos: o dos adeptos de Melanie Klein, que tinha
à frente Susan Isaacs, Paula Heimann e Joan Rivière, e o dos adeptos do freudismo
clássico, entre os quais figurava Melitta. Um terceiro grupo, composto por analistas
independentes, não alinhados com nenhum dos dois anteriores, se formaria depois,
num período marcado pela polêmica. Apesar da contundência dos debates, Klein e
seu grupo permaneceram na Sociedade Britânica e na Associação Internacional de
Psicanálise (IPA). Não foram expulsos, como viria a acontecer com Lacan na década
seguinte, nem abriram uma dissidência contra Freud, como haviam feito Adler e Jung
anteriormente.
Ao longo de sua obra, Melanie Klein formulou uma teoria que possibilitou a
compreensão da vida mental primitiva e abriu novos horizontes dentro do campo da
psicanálise. Para Kristeva, (2002) que dedicou à psicanalista o segundo volume da
coleção “O Gênio Feminino”, a clínica da infância, da psicose e do autismo, em que
predominam nomes como Bion, Winnicott e Frances Tustin, seria inconcebível sem a
inovação kleiniana. Melanie Klein seria em seu entender a refundadora mais ousada
da psicanálise moderna.
Melanie Klein sempre se considerou e fez questão de ser vista como uma
seguidora de Freud. Um de seus maiores desapontamentos deveu-se à indiferença
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que Freud demonstrava em relação a seus trabalhos em psicanálise de crianças, que
divergiam radicalmente da orientação do mesmo trabalho desenvolvido por Anna
Freud. É famosa uma passagem sua, quando em conversa com Betty Joseph, uma
das mais importantes analistas inglesas contemporâneas, Klein protestou ao ser
chamada de "kleiniana", visto que se considerava "freudiana". Ao que Joseph
respondeu: "Tarde demais, você é uma kleiniana, queira ou não queira"
GROSSKURTH, 1992).
Na opinião de Elias Mallet da R. Barros, esta passagem nos coloca diante de
um problema epistemológico: o de quando um autor com um pensamento psicanalítico
próprio e original, pode ou não ser considerado como tendo se desviado, ou
simplesmente ter desenvolvido o pensamento psicanalítico criado por Freud
(BARROS, 1989).
Também é importante recordar aqui que as contribuições de Melanie Klein à
psicanálise se desenvolveram a partir de alguns dos textos mais tardios de Freud,
como "Além do Princípio do Prazer" (1920), "O Ego e o Id" (1923) e "Inibição, Sintoma
e Angústia" (1926).
Para Neves (2007), os principais desenvolvimentos teóricos de Klein, são
classicamente:
39
Fonte: vittude.com
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forma de regulação abstrata que desconsidera as condições materiais e simbólicas
dos sujeitos por eles protegidos. Ao serem universalizados e destituídos de carga
étnica, racial, econômica, social e de gênero, os direitos se tornam transcendências
que, na rotina dos corpos, hierarquias e instituições, naturalizam processos de
desigualdade social. A título de exemplo, o Brasil é o país com a terceira maior
população carcerária do mundo, sendo dois terços homens negros e pardos. O Brasil
mata seus jovens negros de periferia trinta vezes mais do que os países europeus,
inclusive em guerra. Nas periferias, discursos sobre a implementação de direitos
humanos universais convivem com práticas iníquas, excludentes e desiguais de
aplicação da justiça (GUERRA, 2020).
Esse paradoxo da disjunção reaparece com nova roupagem ao tomarmos pela
psicanálise a não coincidência do sujeito consigo mesmo, dado que o inconsciente é
destituído de qualidades. Além disso, a imagem do sujeito não corresponde ao seu eu
nem se reduz à representação de seu corpo. As diferentes representações do sujeito
escapam, inclusive, a sua experiência inconsciente de satisfação, sendo matriciadas
pela forma que ganham na linguagem (GUERRA 2017).
A essa multiplicidade de maneiras de presentificação de um corpo no mundo
corresponde uma multiplicidade de modos regulatórios no laço social. Direitos
humanos universais, leis jurídicas nacionais, lei do crime e lei superegoica - que rege
inconscientemente os atos compulsivos e repetitivos do sujeito - convivem no mesmo
plano em que sujeito e corpo social estabelecem suas tensionadas formas de
convivência. A relação que se firma entre esses códigos não é exatamente
hierárquica. Com igual força, eles disputam o campo político, comunitário e subjetivo,
e se mesclam, ganhando maior ou menor intensidade, conforme a perspectiva que se
tome para ler o complexo sistema que, então, se cria (GUERRA; BISPO; SOUZA,
2016).
41
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Freud foi, como se viu, mais de uma vez alinhado com uma visão da memória
como conservação de um registro estático da experiência do organismo e do sujeito
psíquico, que podia estar ou não acessível ao resgate, mas que permanecia
relativamente idêntico a si mesmo ao longo do tempo, salvo pelo eventual desgaste
passivo devido à corrupção de sua base física no cérebro. Restituído ao seu contexto,
a abordagem freudiana pode aparecer mais claramente como apontando para uma
visão dinâmica e integrativa da memória, protagonizada pela reorganização constante
das conexões ativas que formam o seu correlato neural. Assim, se a neurobiologia
contemporânea da memória se afastou consideravelmente das concepções do
localizacionismo oitocentista e da morfologia especulativa dos engramas, foi numa
direção que a aproxima de uma teoria como a de Freud e de outros autores que
tomaram a mesma orientação e/ou a desenvolveram nas décadas posteriores, até o
presente. O resultado é que Freud e as correntes teóricas psicanalíticas que deram
continuidade aos seus pontos de vista ainda parecem ser interlocutores relevantes
para o debate contemporâneo sobre a memória na psicologia e nas neurociências
cognitivas (SHEVRIN, 2014; BOCCHI; VIANA, 2012).
Uma concepção psicodinâmica sobre a memória remonta, sob muitos
aspectos, à natureza criativa que a memória tem em Freud, na qual a fantasia
inconsciente e o desejo são capazes de res-significar vivências e de instaurar novos
sentidos a partir da experiência passada. Existem aproximações entre aspectos da
teoria da memória em Freud, a neurobiologia subjacente ao conceito de facilitação
(Bahnung), a ideia de LTP e essa concepção dinâmica que desponta a partir de
investigações neurocientíficas mais recentes, a fim de apontar a existência de uma
42
mesma linha de pensamento sobre a memória, ligada à integração contínua de
funções psíquicas e à experiência do seu uso. Ou seja, se hoje a memória é entendida
sob um ponto de vista neurodinâmico, isso não foi inaugurado recentemente. A
novidade encontra-se nas evidências científicas e experimentais que lhe dão respaldo,
e que surpreendentemente corroboram algumas prerrogativas de Freud sobre o tema.
E Freud, ao que tudo indica, estava ciente das implicações da sua teoria
psicodinâmica sobre a memória quando a formulou como uma função construída ao
longo da história das vivências do aparelho psíquico. Através das vicissitudes do
aparelho, a percepção e a memória são modificadas por novas representações
trazidas pelas diferentes fases do desenvolvimento do indivíduo, o que imprime um
modo particular de organização e de atualização dos traços mnêmicos. Na Carta 52,
o autor se refere à memória como um “rearranjo” entre os processos: “o material
presente sob a forma de traços mnêmicos fica sujeito, de tempos em tempos, a um
rearranjo, de acordo com as novas circunstâncias – a uma retranscrição”. Empolgado,
anuncia a Fliess essa grande novidade: “o que há de essencialmente novo em minha
teoria é a tese de que a memória não se faz presente de uma só vez, e sim ao longo
de diversas vezes, e que é registrada em vários tipos de indicação” (BOCCHI; VIANA,
2012).
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confusão por parte do cientista, o que comprometeria sua credibilidade. Daí uma baixa
tolerância para aquilo que podemos denominar instabilidade teórica, ou seja, a
constante reformulação de pressupostos na atividade teorizante do cientista
(TORRIANI; TRISTAN, 2016).
No âmbito da literatura psicanalítica, a questão da continuidade ou ruptura nas
teorias de Freud se mostrou uma falsa alternativa, requerendo uma abordagem mais
diferenciada. Após uma aprofundada análise do pensamento freudiano, Monzani
(2014) conclui que:
44
diferença entre uma teoria especulativa e uma ciência edificada sobre a
interpretação da empiria. Esta não invejará à especulação o privilégio de uma
fundamentação limpa, logicamente inatacável, mas de bom grado se
contentará com pensamentos básicos nebulosos, dificilmente imagináveis, os
quais espera apreender de modo mais claro no curso de seu
desenvolvimento, e está disposta a eventualmente trocar por outros. Pois
essas ideias não são o fundamento da ciência, sobre o qual tudo repousa; tal
fundamento é apenas a observação. Elas não são a parte inferior, mas o topo
da construção inteira, podendo ser substituídas e afastadas sem prejuízo. Em
nossos dias vemos algo semelhante na física, cujas concepções básicas
sobre matéria, centros de força, atração etc. não seriam menos problemáticas
do que as correspondentes na psicanálise. (FREUD, [1914] 2010, p. 13).
45
havido um pressuposto mais ingenuamente empirista, agora Freud parece admitir o
que Immanuel Kant poderia ter considerado serem conceitos empíricos. O caráter
convencional dos conceitos é aceito, pois sem maleabilidade não haveria avanços
científicos, mas isso seria distinto de uma mera arbitrariedade. É bom lembrar que, na
sua autocompreensão, Freud se imagina como o fundador de uma nova ciência que,
por meio de sua capacidade de intervenção terapêutica, poderia trazer grandes
benefícios (ou malefícios) à humanidade. Como vimos, segundo o pai da Psicanálise,
haveria pelo menos dois momentos na prática científica. O primeiro momento seria o
de uma abordagem necessariamente confusa e exploratória da experiência. Não é
claro, porém, porque o pesquisador não poderia e não deveria tentar buscar clareza
conceitual. Freud afirma que a experiência não seria a fonte dos conceitos, mas, ao
contrário, que os dados estariam submetidos aos conceitos, e o sentido destes últimos
seria continuamente negociado. Deste modo, parece haver um afastamento da
concepção empirista ingênua da ciência e uma aproximação a um tipo de
convencionalismo ou mesmo pragmatismo. O segundo momento seria um de
rearrumação lógica, em que os conceitos seriam revistos para que se tornassem mais
consistentes, mas Freud avisa que mesmo assim o progresso da ciência exigiria do
teórico conceitos maleáveis. Estas duas passagens se limitam a registrar instantes no
que podemos chamar o devir (evitaremos o termo ‘desenvolvimento’) teórico
freudiano, em que a reflexão metodológica se mostra incontornável. Devem ser
tomadas pelo que são, sem tentativas de extrapolação ou generalização indevida
(TORRIANI; TRISTAN, 2016).
46
5 HABITAR O INÓSPITO: A CONDIÇÃO HUMANA
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47
afirmar que a angústia, tal como a concebem Heidegger e Freud, abre a possibilidade
de se conquistar um solo comum de diálogo entre o filósofo e o psicanalista, naquilo
em que apontam para os fundamentos do desenvolvimento psíquico e emocional
humano (BARBOSA, 2020).
A razão por que Freud recorre a essa analogia é para argumentar que as
instâncias operam com leis diferentes: “essa diferenciação espacial corresponde a
uma diferenciação funcional, na medida em que cada um desses lugares é regulado
por leis próprias, constituindo assim uma espécie de subsistema no interior do
aparelho”. Precisamos distinguir, então, inconsciente, pré-consciente e consciente.
Em uma nota de rodapé de 1919, Freud identifica a consciência com a percepção. A
consciência, diz Freud: “nada mais é do que um órgão sensorial para a percepção de
qualidades psíquicas” (ZAIDAN et al, 2019).
No sentido dinâmico, podemos diferenciar o inconsciente do pré-consciente,
pois enquanto o último caracteriza conteúdos que, ainda que não estejam na
consciência, podem se tornar conscientes a qualquer momento, o reprimido
caracteriza conteúdos que apesar de sua intensidade não podem se tornar
conscientes. O aspecto dinâmico expressa o jogo de forças que ocorre no aparelho
psíquico. O inconsciente enquanto sistema está presente na concepção de que as
localidades psíquicas são regidas por leis próprias. Enquanto o inconsciente é regido
predominante mente por processos primários, na consciência e no pré-
48
consciente predominam processos secundários. Dizemos predominantemente porque
Freud nos faz uma advertência importante, a respeito da presença da consciência
durante o sonho, de que isto: “nos alerta contra identificar os processos primários com
processos inconscientes” (ZAIDAN et al, 2019).
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aquele aspecto da nossa vida mental cujos conteúdos intencionais obedecem regras
lógicas elementares e são ordenados de acordo com o ‘princípio de realidade’” (idem,
ibidem). Tanto a unidade da apercepção quanto o Eu referem-se, em última análise,
a organizações de processos mentais que encontram sua expressão nos conceitos e
nos juízos - no pensamento discursivo, nos termos kantianos; nos processos
psíquicos secundários sob o império do princípio de realidade, segundo Freud. Como
parte da justificativa, Longuenesse recorre a duas referências que compõem a
extensa obra do psicanalista; de modo mais rápido, ao texto intitulado Formulações
sobre os dois princípios do acontecer psíquico, publicado em 1911, e ao artigo de
1923, O Eu e o Isso, que é a fonte principal da autora quanto à noção freudiana de Eu
(FILLA, 2019).
Nas Formulações, a principal preocupação de Freud é indicar algumas
consequências resultantes da imposição do princípio de realidade ao aparelho
psíquico. Para uma breve explanação, é suficiente recuperar do texto freudiano que,
a princípio, em seu funcionamento primário, os processos psíquicos eram governados
pelo princípio de prazer, cuja tendência se resumia à satisfação, mas este estado de
repouso psíquico passa a ser perturbado por urgentes necessidades internas. O
organismo, que procurava livrar-se de qualquer aumento de tensão que lhe afligia,
tenta o caminho da satisfação alucinatória de desejo para resolvê-lo, por meio da
reanimação de traços mnêmicos do objeto desejado, retidos de vivências anteriores
de satisfação. Contudo, a via alucinatória se mostra ineficaz para eliminar os estímulos
endógenos, que continuam perturbando o indivíduo, de modo que, logo no início de
seu desenvolvimento, ele se vê obrigado a buscar uma alteração no mundo real que
viabilize a satisfação – “Assim se introduziu um novo princípio na atividade psíquica;
já não se representou o que era agradável, mas sim o que era real, ainda que fosse
desagradável” (FILLA, 2019).
Contudo, a imposição desse novo princípio, representante da realidade, não se
desenrola sem consequências, as quais, como já foi dito, são elencadas por Freud, a
começar por uma série de adaptações do aparelho psíquico, como o aumento da
importância dos órgãos sensoriais dirigidos ao mundo exterior, da consciência ligada
a eles e o desenvolvimento das funções da atenção e da memória. Todavia,
Longuenesse destaca especialmente o papel do princípio de realidade quanto ao
50
surgimento da capacidade de formar juízos, visto que, depois do seu estabelecimento,
ao invés de excluir ideias causadoras de desprazer dos processos associativos
através da repressão, “surgiu o juízo imparcial que decidiria se uma determinada
representação era verdadeira ou falsa, quer dizer, se estava ou não em consonância
com a realidade; e o fazia por comparação com os traços mnêmicos da realidade”.
Em outras palavras, o estabelecimento do princípio de realidade passa a exigir que o
indivíduo diferencie percepção objetiva de recordação e julgue se é possível
reencontrar um objeto real que corresponda àquilo que é representado
subjetivamente. Este exame de realidade, que busca inibir o investimento de uma
imagem mnêmica até a alucinação, é uma das atribuições do Eu, conforme virá a
afirmar Freud. É ao que Longuenesse (2017) parece se referir quando afirma que o
Eu nos permite “adquirir uma representação perceptiva confiável do mundo”.
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social com o que ocorre no que Freud nomeou como Outra Cena, palco das fantasias?
Esclarecer o sentido em que essas relações podem ser pensadas implica situar como
a Psicanálise poderia ler, por exemplo, os efeitos das modificações sociais
contemporâneas para o sujeito. Essa discussão mostra a forma como a Psicanálise,
de modo subversivo e na contramão da perspectiva de controle defendida pela
sociedade contemporânea, traz o sujeito como resposta inédita. Assim, a noção de
realidade permite situar como a clínica psicanalítica deve operar e como considerar o
discurso e a narrativa do paciente. Permite, ainda, discutir como a Psicanálise se
posiciona eticamente na cultura. Trata-se, então, de uma noção bastante específica
para a Psicanálise, polêmica, mas fundamental para o entendimento da própria
Psicanálise, especialmente de suas práxis.
Freud elabora a Psicanálise a partir da escuta de suas pacientes histéricas e
da consideração daquilo que em seus relatos remetia ao que nomeou como Outra
Cena, o Inconsciente. Ou seja, a Psicanálise surge de uma demanda clínica de um
trabalho que reconfigura essa demanda. Assim, considera-se que a Psicanálise
fulgura no momento em que Freud declara que sua escuta analítica não tinha como
desígnio extrair informações sobre os fatos, mas sobre as fantasias inconscientes.
Isto é, a Psicanálise passa a existir quando Freud afirma que se interessa pela
realidade psíquica.
O sintoma histérico foi lido por Freud como uma solução de compromisso entre
forças conflitantes. Essa construção diante do não suportável, conflitivo, resultaria na
conversão histérica, a qual mostra que Freud aposta em uma realidade psíquica,
havendo, portanto, a passagem da consideração do trauma como evento social para
evento inconsciente. Consequentemente, as mulheres ditas histéricas encontravam
na expressão corporal do sintoma a maneira legítima de denunciar a opressão que as
acometia. Uma vez que ninguém estava disposto a promover uma escuta dessa
angústia, essas mulheres encontraram em Freud ouvidos dispostos à escuta daquilo
que não se pode dizer.
Como ratifica Copos (2013), o corpo humano inclui-se na análise. É a partir
desse corpo que a Psicanálise instaurou uma realidade que se difere da realidade
compartilhada: uma realidade psíquica. Freud esbarra na realidade psíquica da
histérica vendo ali uma expressão do psiquismo como uma forma de arranjo de seu
52
inconsciente ao tentar significar corpo e realidade. Na obra “Estudos sobre a histeria”,
Freud aponta três pontos basilares da histeria: haveria um episódio traumático tendo
relação com impulsos libidinais que foram recalcados; os sintomas histéricos não
estavam desconexos, havia uma lógica, eles faziam sentindo e tinham um porquê de
ser; e uma alternativa para se buscar a cura seria a evocação da lembrança traumática
seguida por um episódio catártico. Ele precisou redimensionar esses pontos para
elaborar a Psicanálise.
A clínica da histeria conduz Freud à adoção da hipótese do inconsciente e à
extração das consequências clínicas dessa hipótese de trabalho, empreendimento
que será a veia condutora de toda a sua obra. Assim, é situando a fantasia
inconsciente como realidade psíquica que Freud cria a Psicanálise, ainda que a
realidade psíquica se constitua a partir de um hiato, de uma falta. Para se
aprofundarem essas noções, remete-se à experiência do desamparo descrita por
Freud nos primórdios de sua obra (REIS E SILVA, 2020).
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Para a Psicanálise, a formação da personalidade coincide com a formação e
estruturação da mente. Para Freud, o ser humano não é um indivíduo. Isso porque ele
está “dividido”. Seus desejos, suas razões e seus apelos morais não coincidem. Pois
são formados em momentos diferentes da vida, usando estruturas mentais diferentes.
53
A infância tem papel essencial na formação da personalidade. Para Freud, a
infância já é um lugar da sexualidade, do desejo, das pulsões. E os eventos da
infância, mesmo quando “esquecidos” (recalcados), podem perdurar por toda nossa
vida, guiando nossas percepções, emoções e crenças. Polêmicas, ousadas e radicais,
suas teorias a respeito de fenômenos como interpretação dos sonhos, sexualidade e
inconsciente ainda são alguns dos temas mais estudados e criticados nesse campo
de saber. Como se sabe, a motivação sexual foi muito enfatizada por Freud,
particularmente, nos seus primeiros trabalhos. Uma das mais conhecidas - as cinco
fases do desenvolvimento psicossexual da criança - ainda provoca acaloradas
discussões entre os profissionais da área (FERREIRA, 2014).
De acordo com Freud, as crianças passam por cinco fases de
desenvolvimento:
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De acordo com o psicanalista, a fase fálica é a mais crucial para o
desenvolvimento sexual na vida de uma criança. Ela se concentra nos órgãos genitais
- ou a falta deles, se a criança for do sexo feminino - e os complexos de Édipo ou
Electra surgiriam. Para um homem, a energia sexual é canalizada no amor por sua
mãe, levando a sentimentos de inveja (às vezes violentos) contra o pai. Geralmente,
no entanto, o menino aprenderá a se identificar com o pai, em termos de órgãos
genitais correspondentes, reprimindo assim o complexo de Édipo. Por outro lado, o
complexo de Electra, embora Freud não tenha sido tão claro assim, principalmente
diz respeito ao mesmo fenômeno, porém invertido, para as meninas. Esta fase dura
de três a quatro anos.
55
Freud tentou ordenar este caos aparente propondo três hipotéticas instâncias da
formação da personalidade: id, ego e superego.
7.2 O ID
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a escapar de toda possibilidade de discernimento. Podemos encontrar neste ponto
um aspecto impessoal justamente onde existe um ponto que se impõe de maneira
inconsciente, como a experiência de uma força quase exterior e não menos imperativa
por isso. Ele possui um aspecto impessoal exatamente lá onde é inconsciente, onde
o indivíduo encontraria dificuldades a se reconhecer. Em francês – língua na qual
Deleuze e Guattari leram Freud e o criticaram –, podemos ilustrar tal questão de
maneira ainda mais precisa graças ao uso corrente e pronominal da palavra que é
usada para traduzir o que no Brasil foi traduzido como id18: le ça pode ser traduzido
como o id ou o isto. Esta segunda variante, talvez menos freudiana, nos mostra
entretanto o caráter impessoal de tal instância pelo simples fato de que se trata de um
pronome demonstrativo substantificado, sublinhando justamente este aspecto do
problema de descentramento da personalidade (MARTINS, 2015).
7.3 O EGO
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57
ou regular os impulsos do Id, de modo que a pessoa possa buscar soluções mais
adequadas, ainda que menos imediatas e mais realistas (QUEDER, 2018).
O ego é uma espécie de altar das identificações, ele é propriamente um produto
das relações identificatórias. Depois da concepção de um superego de cunho arcaico
e que foi determinado por imagines parentais de certa forma herdadas pelo complexo
de Édipo, as identificações sucessivas que nos acometem fazem com que ao longo
desta lógica sucessiva nos distanciemos gradativamente dos pais de uma cena
arcaica, numa trajetória rumo a uma impessoalidade crescente. O ego é uma instância
que abre o indivíduo a uma multiplicação de referências identificatórias que ultrapassa
e excede a rigidez marcadamente mais regressiva do superego. A respeito desta
questão, Freud nos diz:
Não esqueçamos […] que a criança aprecia seus pais diferentemente nas
diversas épocas de sua vida. Na época em que o complexo de Édipo cede
seu lugar ao superego, eles são certamente grandiosos, e posteriormente
testemunham de uma grande desvalorização. Produzem-se então também
identificações com certos pais posteriores (educadores, chefes…), tais
identificações fornecem regularmente contribuições importantes à formação
do caráter, mas concernem apenas ao ego; elas não influenciam mais o
superego, que foi formado a partir das imagines parentais.
7.4 O SUPEREGO
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O superego da criança não se edifica verdadeiramente sobre o modelo dos
pais, mas sobre o modelo do superego dos pais; ele se preenche do mesmo
conteúdo, ele se torna um portador da tradição, de todos os julgamentos de
valor à prova do tempo que por esta via são perpetuados geração após
geração […] nesta tradição da raça e do povo, que só cede muito lentamente
à influência do presente, às novas modificações. Este passado age através
do superego depois de muito tempo, ele tem um papel importante na vida
humana, independente das condições econômicas.
Fonte: miro.medium.com
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força contrária aos interesses do ego. Ele determina normas que definem e limitam a
flexibilidade do Ego.
É necessário esforço para tornar consciente os conteúdos do inconsciente
O id é inteiramente inconsciente, o ego e o superego o são em parte. “Grande
parte do ego e do superego pode permanecer inconsciente e é normalmente
inconsciente. Isto é, a pessoa nada sabe dos conteúdos dos mesmos e é necessário
despender esforços para torná-los conscientes”. O propósito da psicanálise nesses
termos, o propósito prático da psicanálise “é, na verdade, fortalecer o ego, fazê-lo mais
independente do superego, ampliar seu campo de percepção e expandir sua
organização, de maneira a poder assenhorear-se de novas partes do id” (QUEDER,
2018).
8 NEUROSE E PSICOSE
Fonte: encrypted-tbn0.gstatic.com
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embasamento para o estudo da psicossomática. As neuroses de transferência
constituem o segundo grupo. Elas foram também chamadas de psiconeuroses de
defesa. Este agrupamento engloba as histerias, fobias e as neuroses obsessivas.
Segundo Freud, apenas estas poderiam produzir a transferência, pois para isso seria
necessário dirigir catexias libidinais às pessoas. O terceiro grupo era composto pelas
neuroses narcísicas, ou seja, as psicoses. De acordo com Freud, a psicanálise não
reunia condições para tratar pacientes acometidos desse tipo de neurose. A
justificativa usada pelo fundador da psicanálise era a de que tais pacientes não
conseguiam a revivescência do conflito patogênico e a superação da resistência
devido à regressão. Freud supunha que essas pessoas abandonavam as catexias
objetais e que sua libido objetal se transformava em libido do ego (POLETTO, 2012).
Nos trabalhos iniciais de Freud verifica-se uma distinção mais radical entre
neurose e psicose. Correspondendo às neuroses, os conflitos interiores do indivíduo,
cujo significado inicial lhe escapa, remetendo para os conflitos infantis recalcados que
serão acessíveis pela transferência. Já as psicoses envolvem os conflitos entre o
indivíduo e o mundo, pouco ou dificilmente acessíveis pela transferência, mesmo com
revelações diretas do inconsciente. No Rascunho H, a paranoia, Freud classifica então
como psicoses: a confusão alucinatória, a paranoia e a psicose histérica. No texto “As
neuropsicoses de defesa”, Freud refere que os pacientes que analisou apresentavam
boa saúde antes do adoecimento. Entretanto, em determinado momento “houve uma
ocorrência de incompatibilidade em sua vida representativa”. Isto é, seu eu foi
confrontado com uma experiência, representação ou sentimento que provocou um
afeto aflitivo que o indivíduo optou por esquecê-lo. Sendo assim, percebe-se uma
dificuldade de mediação entre a representação incompatível e seu próprio eu
(POLETTO, 2012).
Freud afirma que quando a defesa utilizada contra uma representação
incompatível é efetivada, separando-a do seu afeto, esta representação permanece
na consciência, embora enfraquecida e isolada, o mecanismo em ação nessa situação
é o de recalcamento (verdrängung) que é caracteristicamente usado pelas neuroses.
Conforme Verdrängung é habitualmente traduzido como recalque ou repressão. Esta
palavra vem do verbo verdrängeng, que significa em alemão empurrar para o lado,
desalojar. Este verbo ainda remete a uma sensação de sufoco, de incomodo que leva
62
o sujeito a desalojar, deixar de lado o material que o incomoda. Entretanto, segundo
essa significação, tal material permanece junto ao sujeito, pressionando pelo retorno,
e exigindo a mobilização de esforço para mantê-lo longe. Partindo desses elementos,
as conotações mencionadas da significação relacionadas ao termo verdrängung se
aproximam ao emprego do termo no contexto psicanalítico (POLETTO, 2012).
O recalque, mecanismo de defesa relacionado por Freud às neuroses, não
consegue eliminar a fonte pulsional que, de maneira constante, emite estímulos que
chegam à consciência e reivindicam satisfação. O que este mecanismo faz é empurrar
para o lado e não extinguir por definitivo determinado conteúdo. O material recalcado
está de certa forma presente também em sua ausência e, mesmo desalojado, se
manifesta à distância. Ele pressiona pela volta à consciência, fica numa espécie de
‘salão contíguo ao consciente’ tentando o retorno, já que sua manutenção afastada
exige um esforço para mantê-lo fora de cena. O recalque é um estado que exige
grande empenho de força para se manter, pois a pressão pelo regresso é constante.
Este retorno aparecerá, segundo Freud, sob a forma de sintomas, dos atos falhos,
dos chistes e dos sonhos (POLETTO, 2012).
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9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
64
DIONÍSIO, G. H. Da pesquisa psicanalítica como estratégia do detalhe: ensaio
sobre um "método". São Paulo: Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita
Filho. 2018.
FREUD, S. ([1914] 2010). Introdução ao narcisismo. In: FREUD (2010), op. cit., v.
12, p. 9-37.
LONGUENESSE, B. (2017). I, Me, Mine - Back to Kant, and Back Again. Oxford:
Oxford University Press.
65
LOURENÇO, L. C. D. & PADOVANI, R. C. Fantasias freudianas: aspectos centrais
e possível aproximação com o conceito de esquemas de Aaron Beck. Psico-USF,
Bragança Paulista, v. 18, n. 2, p. 321-328, maio/agosto. 2013.
POLI, M. C. Freud e Lacan com Marx: mais, ainda. In: COELHO DOS SANTOS, T.;
MALCHER, F. (orgs.). Psicanálise no século XXI: ideologias políticas,
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66
SIMANKE, R. T. 2016. “Freud e a sexualidade infantil antes de Freud”. In: Birman,
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SIMANKE, Richard Theisen. Freud e sua Bahnung (facilitação) na história das teorias
dinâmicas da memória. Modernos & Contemporâneos-International Journal of
Philosophy [issn 2595-1211], v. 3, n. 5, 2019.
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