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FONTES DA TEORIA FREUDIANA

SUMÁRIO

1 TEORIA FREUDIANA ............................................................................................. 4

1.1 O que a Psicanálise tem a comentar sobre a política, de qual política se


trata?...... ..................................................................................................................... 5
1.2 A noção de política e a sua necessária compreensão ...................................... 9
1.3 Psicanálise, estética e a política ..................................................................... 10
1.4 A História de Freud ......................................................................................... 14
1.5 Freud e a Psicanálise ..................................................................................... 19
1.6 Pressupostos Teóricos E Princípios do Método Psicanalítico ........................ 24
1.7 O Aparelho Psíquico: Concepções Teóricas .................................................. 27

2 A PSICANÁLISE PARA MELANIE KLEIN ............................................................ 33

2.1 A História de Melanie Klein ............................................................................. 33


2.2 Klein e a Psicanálise ....................................................................................... 36
2.3 O Setting Psicanalítico .................................................................................... 39

3 DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS ............................................................. 40

3.1 Reequilibração cognitiva ................................................................................. 41

4 FREUD E A INSTABILIDADE TEÓRICA NA METAPSICOLOGIA ....................... 43


5 HABITAR O INÓSPITO: A CONDIÇÃO HUMANA ................................................ 47

5.1 O inconsciente freudiano ................................................................................ 48


5.2 Eu na teoria freudiana..................................................................................... 49

6 FANTASIA E REALIDADE PARA A PSICANÁLISE FREUDIANA ........................ 51


7 FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE SEGUNDO A PSICANÁLISE ..................... 53

7.1 A formação da personalidade segundo a Teoria Estrutural ............................ 55


7.2 O ID ................................................................................................................ 56
7.3 O EGO ............................................................................................................ 57
7.4 O SUPEREGO ................................................................................................ 58
7.5 Relações entre os três componentes da psique na formação da
personalidade ............................................................................................................ 60

8 NEUROSE E PSICOSE ........................................................................................ 61

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9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 64

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1 TEORIA FREUDIANA

Fonte: encrypted-tbn0.gstatic.com

Na extensa mitologia que se encontra difundida em parte significativa da


historiografia da psicanálise, um dos mitos mais recorrentes é o da absoluta
originalidade de Freud (SIMANKE; CAROPRESO, 2017). Mesmo quando Freud
retoma – e desenvolve à sua maneira, certamente – ideias amplamente difundidas na
literatura científica e filosófica de sua época, essas ideias são apontadas como
criações originais suas, com uma veemência que se manifesta na razão direta da sua
importância para a construção do aparato teórico psicanalítico. A etiologia sexual dos
transtornos mentais, a sexualidade infantil, a repressão e o inconsciente são apenas
os exemplos mais destacados de questões que têm uma longa história, anterior e
independente de Freud, que é sistematicamente ignorada por esse tipo de
historiografia (SIMANKE, 2016).
O resultado é um enaltecimento imaginário e ingênuo de que um personagem
da estatura de Freud realmente não carece. Além disso, essa atitude impede que se
percebam os vínculos de Freud com o contexto intelectual em que seu pensamento
se formou. Isso traz evidentes prejuízos para a compreensão do processo de
constituição dos conceitos psicanalíticos, mas também para a avaliação efetiva da
contribuição de Freud para as diversas áreas de conhecimento com as quais dialogou
(SIMANKE, 2019).

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1.1 O que a Psicanálise tem a comentar sobre a política, de qual política se
trata?

Sobre qual política estão discorrendo os psicanalistas se torna um assunto de


grande relevância, sobretudo no que toca ao seu lugar de escuta e compreensão dos
fenômenos sociais. A intenção é distanciar em definitivo a Psicanálise de uma
pretensa neutralidade científica. Estamos, sem dúvida alguma, optando por dizer que
o analista não precisa ter a escolha de permanecer em sua torre de marfim, na
poltrona acolchoada de seu consultório. Do ponto de vista da ética da Psicanálise, é
inapropriado ao analista a escolha de tomar uma posição diante das demandas sociais
e das violências que acometem a população? Antes de imediatamente respondermos
com um alto e sonoro “não”, de antemão já assumido por nós, vale expormos o que
os analistas têm discursado sobre o tema.
Segundo Rosa (2016), a política é o que engendra gozo e desejo nas cenas,
nos acontecimentos experimentados pelos sujeitos nas relações sociais, numa
realidade compartilhada. Mais do que aquilo que pode gerar um governo, exercendo
um poder sobre o sujeito, diz respeito a uma produção, a um consenso do que é
comum para ser apropriado e elegível por uma sociedade. Percebamos que não se
trata apenas de ideias veiculadas entre povos; diz-se de ações impregnadas por ideias
e que se materializam em ato. Na política, há uma determinada forma de enxergar o
mundo, de se posicionar, de dirigir-se às escolhas, de reconhecer e de aceitar as
diferenças entre cada sujeito. Importa salientarmos - para o espanto de alguns de nós,
inadvertidos do que há na enunciação das palavras - a coexistência de “políticas” nas
vidas das pessoas; e não “política”, como poderíamos supor.
Ainda para Rosa (2016), “A política apresenta-se em duas faces: não apenas
como poder e domínio sobre o sujeito, mas também como a ação no espaço entre as
relações, ou seja, aquela que tem no horizonte a produção do mundo comum”. Posto
isso, cumpre trazer à baila neste momento a primeira face apresentada pela autora.
Vejamos que o poder e o domínio exercido pela política mencionada fazem jus a um
discurso que no contemporâneo se mostra regulador do laço social, da relação que
os sujeitos constroem com o mundo ao seu redor e com os outros sujeitos. Este
discurso foi definido por Jacques como o discurso do capitalista. O sujeito enredado

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na maquinaria do poder é aquele constituído por esse discurso que pode supor um
Outro não barrado, discurso social que não admite o equívoco, a separação, a falta
ou a diferença. O “todos somos iguais”, a imagem, a autoestima e a onipotência do
“eu me basto e não preciso dos outros para tocar a minha vida” são os emblemas e
pilares desse discurso. Pois bem, estes não são os traços que caracterizam o tempo
do narcisismo? A agressividade, a violência, a ambivalência do amor e do ódio
(elevados ao extremo) marcam o narcisismo: momento que inaugura a identificação
primordial (da conquista) da primeira imagem de si (unificada) para o infans, “eu sou
tudo para ela e ela é tudo para mim”. (COSTA, COSTA-ROSA, 2020).
Junto aos valores que impulsionam ímpetos narcisistas e incitam a
competitividade, de vencer a qualquer “custo”, Rosa sublinha uma violência nesses
discursos,

[...] modalidades de violência que ficam mascaradas em inúmeras questões


sociais como nas situações de miséria, sempre acompanhadas de um
processo histórico de exploração e de humilhação, ou nas catástrofes ditas
naturais que, embora aparentemente atinjam a todos, certamente incidem
mais direta e intensamente sobre aqueles mais frágeis na organização social
e sem recursos para minorar os efeitos da natureza. (ROSA, 2016, p. 26).

Dessa constatação material e histórica, chama-se a atenção para as


consequências da política social-econômica capitalista, “toda” estruturada no
consumo e no lucro. Uma política que existe à bancarrota da classe trabalhadora
paupérrima, daqueles que estão à margem da sociedade. Nas argumentações de
Checcia (2015), associado à política sempre está o poder - o poder de analisar ou o
poder de coibir. Os poderes atrelados a uma política teriam a potência de colocar uma
posição em análise a ponto de retificá-la ou infligir uma coerção a um lugar ocupado.
Estes poderes, em um específico panorama, estariam ligados ao Estado.
Para nos determos à política com a qual, a nosso ver, a Psicanálise partilha, é
pertinente tecer considerações sobre a política contemporânea de Estado. O Estado
entendido como nação representaria os interesses de uma população; ele é subscrito
a um país. Em um sentido objetivo, a nação se define como um conjunto de pessoas,
com suas histórias particulares, regionais e localizadas, que se consideram parte de
um mesmo território - geográfico, cultural e político. É notável, portanto, que desde a
1ª Revolução Industrial, por volta do século XVIII, vige um sistema econômico
nomeado por Marx de modo de produção capitalista. Por intermédio deste, o Estado

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é o seu principal representante, logo, não se posiciona de forma neutra e defende
claramente os interesses de uma determinada classe social. Nesta perspectiva, o
Estado, em seu ideário neoliberal, enquanto expressão dos interesses do capital,
visará o fortalecimento do mercado, assegurando-se de obter as condições propícias
para o enriquecimento e acúmulo das riquezas. Notemos que a classe social mais
favorecida neste sistema econômico de funcionamento é a que detém a maior
capacidade financeira de poder de compra (COSTA, COSTA-ROSA, 2020).

Nutrindo e concomitante às diversas violências às minorias, assinalamos o


MCP, edificando-se no campo das formações sociais de maneira hegemônica e
conduzindo discursos que agem para anular as diferenças, a história dos sujeitos.
Tudo se passa como se a única história a ser contada devesse ser a dos vencedores,
dos colonizadores, ou, como brincou Lacan, a do herói “comum” - aquele que está a
serviço dos bens. Esta é uma lógica estruturante de um modo de se portar na
realidade, de relacionar-se com o Outro. Apresenta-se como um modelo de
identificação que propaga como lei fundante da vida aquela que dita que quem deve
vencer é o mais forte. Isso é o que pode justificar a irônica (para dizer trágica, de uma
outra maneira) cena em que o explorado se identifica com o explorador (ROSA,
PENHA, FERREIRA, 2018).
Ainda conforme Rosa (2016): “Aqui, política e Psicanálise nos ajudam a
entender. Explico: a ambivalência está no cerne do sujeito e da agressividade que
habita cada um, ou seja, amor e ódio são dirigidos ao mesmo objeto, e o ódio está
sempre presente como potencialidade”. O amor e o ódio, colocados em ato
intensamente, trazem ao palco um enredo ideológico que anula o sujeito,
individuando-o. Há a produção de uma realidade na qual o sujeito não se reconhece
fora dela, não há dentro ou fora, “eu e o Outro somos um só”.
A reflexão que se segue, com Braunstein (2010), permite-nos afirmar que o
sujeito - ao se estruturar pelos significantes-mestres que vêm do discurso capitalista,
ou, como propõe o autor, do discurso dos mercados - não só não admite o que é
diferente de si, mas adere muito bem aos estereótipos, aos padrões de ser humano e
de conduta fornecidos pela cultura de mercado. O sujeito, além de consumir a
imagem, as bugigangas, os objetos comprados, consome a si próprio, adora-se. Ele

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é o próprio objeto, consumido pelos ideais vendidos pela política de vida neoliberalista
nos “mercados” do MCP.

Nos questionamentos levantados por Rosa, Penha e Ferreira (2018), acerca da


forte intolerância existente entre as pessoas no contemporâneo, no discurso do
capitalista, os sujeitos não fazem laços. Concordamos com os autores quando estes
ainda apontam que, no Brasil, essa análise se expressa por meio de uma “onda”
crescente de jovens eleitores conduzidos por um revisionismo histórico e intolerantes
à política, interessados em candidatos à presidência que propagam o ódio e a
violência.

Nossa metodologia de investigação psicanalítica nos permite explorar esse


tema sem abrir mão de sua polissemia. Trata-se de um método que surge de
nossas experiências de atendimento psicanalítico em territórios marcados
pela exclusão social e política; da escuta dos sujeitos em situações sociais
críticas. (Rosa, Penha e Ferreira, 2018, p. 107).

A escolha de alinhar a Psicanálise às análises críticas oferecidas pelo


materialismo histórico - em relação ao que fornece suporte às formas de organização
da vida em sociedade. Na altura em que a pesquisa deste artigo foi realizada, os
autores encontrados para dialogar com o tema proposto no texto eram os que mais
se dedicavam ao tema “Psicanálise e política”.
Ressaltamos que os autores exploram, cada um ao seu modo, o conceito de
política à luz da Psicanálise de Freud e Lacan. Checcia (2015), se dedica mais a tecer
considerações acerca de uma política da Psicanálise, enquanto (ROSA, 2016), e em
outros artigos nos quais divide a autoria (ROSA; PENHA; FERREIRA, 2018),
desenvolve exaustivamente a noção de política em suas consequências devastadoras
ao sujeito, em sua concepção de desejo e produção de laço social. Os autores trazem
contribuições que muito nos interessam e nos servem de âncora para sustentar as
teorizações que iniciamos, contudo, acreditamos que não fica claro ainda acerca de
qual política estão comentando. Em torno das práxis psicanalíticas da qual partimos e
a partir do objeto de estudo recortado, este aspecto que ressaltamos é imprescindível.
Poli (2017) nos possibilita dar conta desta lacuna, ao passo que estão ao
encontro do que optamos ao redor da articulação entre Psicanálise e política. Antes
de enveredarmos para uma política da Psicanálise, preferimos debater sobre qual
política confere materialidade ao sofrimento psíquico e às demandas populares em

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seus clamores. Esse olhar muda a nossa empreitada, exigindo-nos recorrer a outros
campos do saber. Neste caso, seguindo de Lacan aos escritos de Marx, em especial
à caracterização conhecida do que é a mais-valia em sua obra.

1.2 A noção de política e a sua necessária compreensão

Uma pequena digressão sobre o conceito de política é oportuna para o


desenvolvimento de nossa reflexão. A mínima compreensão deste conceito, em
Bordieu (2014), e Marx (2010), na leitura que fizemos dos textos cotejados de suas
obras, faz parte das contribuições da Psicanálise, apropriando-se da estética, a uma
escuta que alcance a política em vigor no nosso tempo.
Antes de definir o que é a “política”, Bordieu (2014), introduz a concepção de
“campo”. O campo seria um “microcosmo”, componente do mundo social, o espaço
onde ocorrem as disputas, as lutas, os jogos de forças. Como exemplo da definição
citada, por exemplo, há o campo artístico, o campo religioso, os campos da Saúde e
da Assistencial Social, pensados como instituições. A política, enquanto isso, “[...] é
uma luta em prol de ideias, mas um tipo de ideias absolutamente particular, a saber,
as ideias-força, ideias que dão força ao funcionar como força de mobilização”
(BORDIEU, 2014, p. 108). A política, vista sob a perspectiva de um dispositivo de
produção, de um específico laço social, seria um conjunto de ideias que agencia
alguém ou alguma coisa a produzir um produto.
Bordieu (2014), lembrou que existem condições diferentes de acesso à política
e, para cada condição social de ingresso à política, isto é, se o sujeito é mulher ou
homem, negro ou branco, pobre ou rico, há uma propensão maior ou menor de
responder aos problemas colocados por essa política. No funcionamento do campo
político, um certo número de pessoas - a minoria em termos de proporção numérica,
mormente os donos do capital - detém as condições sociais de acesso a este campo,
ao passo que os demais estão excluídos; no caso, a grande massa populacional.
Do ensaio que utilizamos de Bordieu (2014), levantamos duas perguntas, às
quais, em nossa compreensão Marx pôde responder há um século e algumas décadas
atrás: via de regra, quem são aqueles que fazem política e quem são os políticos? No
campo político, as lutas travadas em vista do poder sobre o Estado são entre quais
adversários? Principiando as respostas, de pronto, por intermédio do próprio sociólogo

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Bordieu, existe no campo político um jogo particular de forças, dentre as quais uma
delas instaura a imposição de princípios que determinam uma visão e uma divisão do
mundo social.
No pensamento de Marx, a política é mediada pela economia. Não por menos,
Marx não deixou de medir esforços para criticar a economia e a política de sua época.
O questionamento do pensamento marxiano aponta para uma organização social do
trabalho na qual o trabalhador recebe apenas uma pequena parte do produto que ele
mesmo ajudou a produzir, para depois este mesmo produto circular no mercado como
mercadoria. Este mecanismo se associa ao que chamamos de economia política (nos
Manuscritos econômico-filosóficos, por estar dialogando com Adam Smith, Marx
prefere adotar a locução “economia nacional” no lugar de “economia política”), em
outros termos, esta é a política arregimentada pelo modo de produção do capital, ao
ver de Marx, com o desígnio de instituir a infelicidade da sociedade.
Sustentada no livre-comércio, e na consequente não intervenção do Estado, o
caráter capitalista da economia política visa a acumulação do excedente que se extrai
pela circulação da mercadoria, venda e capital ganho. E o que permitiria a acumulação
do excedente? A exploração do proletariado, os trabalhadores que existem senão
para (re) produzir a perda de sua humanidade ao se tornarem uma classe de escravos,
como afirmara Marx (COSTA, COSTA-ROSA, 2020).

1.3 Psicanálise, estética e a política

Fonte: cliapsicologia.com.br/wp-content/uploads

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O recurso aos domínios do saber derivados da estética é crucial para a
Psicanálise em seu arcabouço ético-político-clínico. A ética que corresponde ao
desejo, a política de fazer oposição a toda ou qualquer prática que ameace extinguir
a diferença, a clínica com sua técnica amparada nos pilares anteriores, aliadas à
estética, ganham em oportunidade de abertura e sensibilização aos sentidos
constantemente ignorados no convívio social.

No início do ensaio intitulado O ‘Estranho’, Freud afirmou que entendia por


estética “[...] a teoria das qualidades do sentir”. Ele mencionou que raramente os
psicanalistas se sentem convocados a pesquisar este tema. Buscando contribuir com
Freud, perguntaríamos: a estética se preocupa com as qualidades do sentir; e a
Psicanálise, também não se preocuparia? Não é para o que sente o sujeito em suas
experiências no sofrimento e no desejo que a escuta do analista está voltada? E, se
raramente os analistas estudam o tema da estética, por outro lado, ou pelo menos
acreditamos que assim deveria ser, os analistas não fazem outra coisa que não
estarem atentos aos temas que tocam no interesse da estética.
Em tempos de indiferença e insensibilidade a acontecimentos que subestimam
a vida humana, tratando-a somente a partir da posição (status quo) social que ela
ocupa, propomos aproximar a Psicanálise do ramo da estética. Diante da atual política
e do regime de relações de poder existentes nas instituições do Estado, torna-se
fundamental dar um destino, nomear as sensações que nos sãos provocados. As
elaborações teóricas de Dionísio (2010 - 2018) sobre a relação entre Psicanálise,
estética e arte são bem-vindas para o objeto de trabalho neste artigo.
Dionísio (2010) investe numa aproximação entre a recepção-estética e a
Psicanálise quando em relação ao sujeito do inconsciente, à experiência de si defronte
às injunções apresentadas pela realidade. O autor destaca que a análise toca naquilo
que há de mais íntimo do sujeito no plano das suas sensações, à semelhança do que
seria o encontro do artista e do espectador com a obra de arte. Segundo Rancière
(2009), na teoria freudiana, a relação entre o pensamento (consciente) e o não-
pensamento (inconsciente) se forma no terreno da estética.

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Tanto a Psicanálise quanto a estética tratariam do indizível, do que não se
pode dizer em palavras e do que está na enunciação dos discursos. Nesse sentido,
parece-nos interessante o que discorreu Dionísio (2018) sobre a dimensão sensível
da escuta flutuante em Psicanálise e o seu tom análogo ao trabalho de recepção-
estética. Das aproximações sugeridas pelos autores, é pertinente uma escuta que seja
estética, sensível e implicada nos eventos irrompidos da política econômica capitalista
(DIONÍSIO 2010; 2018; RANCIÈRE 2009).

Na esteira da presente reflexão, perguntarmos sobre como estamos escutando


a política, precavidos pela Psicanálise, é o mesmo que respondermos: há que se ter
um posicionamento, lê-se implicação, frente à política pautada na manutenção de
privilégios. Freyze-Pereira (2010), no que toca a relação da obra de arte com o
intérprete/espectador, trouxe a noção de “Psicanálise implicada” para expressar a
escuta analítica que se faz num contexto diferente do tradicional setting. Rosa também
decidiu aderir ao termo, contudo, localizando-o nas problematizações possíveis a
serem feitas em relação ao sujeito no laço social, nos seus modos de gozar e desejar
na relação com o Outro. Este é o trabalho que nos conduz à “[...] perspectiva da
Psicanálise implicada, aquela em que as teorizações sobre desejo e gozo incluem o
modo como os sujeitos são capturados e enredados na máquina do poder, de modo
que algumas vezes tenha suspendido seu lugar discursivo” (DIONÍSIO, 2018).
A escuta estética, na marcação que expomos, alcança a arte do bem-dizer, a
implicação e a responsabilidade do sujeito nas escolhas que tateiam o desejo que o
habita. O reconhecimento do sujeito naquilo que a maquinaria do poder em suas
capturas o impele a sentir é o ponto-de-estofo necessário para que outros sentidos
sejam criados com base neste vínculo. A Psicanálise implicada no registro de uma
intensão ampliada, para além dos consultórios, mostra-se em seu ato estético como
um proveitoso meio de operar junto aos sujeitos e aos efeitos (danosos à singularidade
do desejo na dimensão criativa) da política econômica capitalista (ROSA, 2010).
A partir do caminho trilhado por Freud na psicanálise e por Husserl na filosofia,
temos o que Assoun chama de “divórcio epistêmico” (2009) operado pela psicanálise
em relação à filosofia, um divórcio que se dá na medida em que Freud coloca o status
do psiquismo em outra dimensão que não a da consciência. Todavia, embora tenha
inicialmente sido sustentado por Freud, este afastamento entre os dois campos de

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estudo parece não ter sido assumido pelos filósofos contemporâneos, os quais, de
modo recorrente, viram nas ideias deste autor um grande desafio e um vasto campo
a ser interrogado (MEZAN, 2013).
Contudo, não só os filósofos questionaram o saber psicanalítico. Diante da
provocação freudiana de que o sujeito não encontra seu fundamento na razão e sim
no inconsciente, outras ciências, entre as quais podemos citar a psiquiatria
fenomenológica, também interpelaram a psicanálise, seja para lhe cobrar rigor
epistemológico, seja para questionar a cientificidade do seu conhecimento, ou ainda,
para tentar extrair dela apenas os aspectos que deveriam ser tomados como suas
principais contribuições. Dessa forma, se até aquele momento fenomenologia e
psicanálise caminharam isoladas entre si com seus fundadores, algumas décadas
depois, os seguidores de Freud, Husserl, ou de ambos, acabaram por encontrar meios
de fazer com elas se encontrassem. A respeito desse encontro, um primeiro aspecto
a ser considerado por conta de suas implicações históricas, refere-se à particularidade
com que filosofia e psiquiatria tomaram parte nesse debate (TATOSSIAN, 2012).
Nos países de língua alemã, a psiquiatria fenomenológica, por ter sido
marcadamente influenciada pelos trabalhos de Husserl e Heidegger, tendeu a se
afastar do inconsciente freudiano, ora opondo-se explicitamente a ele, ora ignorando
a sua existência. Tal posicionamento representa, em grande medida, a tendência que
a tradição alemã seguiu em suas críticas dirigidas à psicanálise, que consistiu em
atacar a“ doença incurável” que acometeu a metapsicologia freudiana, a saber, sua
herança materialista, mecanicista, determinista e naturalista, a fim de lhe oferecer um
outro solo epistemológico ou, ainda, de negar seu ineditismo. Em solo francês, no
entanto, a trajetória do diálogo entre fenomenologia e psicanálise se constituiu de
modo mais consistente e por outras vias daquelas iniciadas na tradição germânica.
Segundo Tatossian (2006), duas foram as razões para isso, a saber, a inflexão
antropológica e existencial que a fenomenologia husserliana ganhou entre seus
seguidores – Sartre, Merleau-Ponty e Ricoeur –e, em especial, a renovação
psicanalítica proposta por Lacan. No caso francês, embora a discussão com a
psicanálise tenha se dado muito mais pelas mãos dos filósofos do que dos psiquiatras,
não se pode deixar de considerar que a abertura proporcionada por aqueles acabou
por persuadir alguns psiquiatras nessa direção. No caso destes, contudo, tal

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aproximação se deu menos por motivos epistemológicos do que pelas necessidades
oriundas da confrontação com os pacientes doentes no curso de suas experiências
clínicas, fato este que levou os franceses a se aproximarem do método clínico
psicanalítico, ao mesmo tempo em que criticavam as bases teóricas da
metapsicologia e tentavam, assim, revê-las (TATOSSIAN, 2012).
Por este motivo, Assoun considera que a relação dos franceses com a
psicanálise freudiana é controversa, haja vista que aceitar o método psicanalítico e
tratar a doutrina psicanalítica como um sistema arbitrário faz com que aquele fique
sem respaldo. No que diz respeito às críticas tecidas pela tradição fenomenológica, o
principal ponto de impasse com o qual a psicanálise se depara seria a
incompatibilidade que há em assumir um modelo energético para explicar o
funcionamento do psiquismo e utilizar-se de um método que busca traduzir o sentido
dos fenômenos apresentados no contexto clínico. Assim, cabe melhor precisar de que
forma o diálogo entre fenomenologia e psicanálise se construiu no campo da
psiquiatria germânica e, também, que rumos ele tomou no contexto intelectual francês

1.4 A História de Freud

Fonte: upload.wikimedia.org

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A família de Freud a início vivia na cidade de Freiberg, atualmente nominada
de Pribor, situada a noroeste da Morávia, território da Europa Central que corresponde
à ex-Tchecoslováquia. A família Freud é originária de judeus e foi caracterizada pelo
movimento Errância, que obrigou os judeus a mudar de cidade devido às dificuldades
econômicas e perseguições. Como judeus, os Freud se estabeleceram em Freiberg
sem exceção, se estabelecendo em uma comunidade judaica que falava iídiche ou
alemão. Portanto, a história familiar com a árvore genealógica de sobrenome Freud
está relacionada à lenda judaica de Errância. Freud declarou, em sua biografia, que
durante os séculos XIV ou XV a família de seu pai fugira para o leste, migrando no
século XIX para a Lituânia e Galícia, até se fixar em Freiberg. De acordo com Jorge &
Ferreira:

O nome Freud tem a mesma raiz da palavra freude, que em alemão significa
alegria, prazer, regozijo, e se origina de Freid, que é o nome da bisavó
materna do pai de Freud. A mudança foi adotada pela família do pai de Freud,
em 1789, quando o imperador José II emancipou os judeus, estendendo-lhes
os direitos dos cidadãos do Império Austro-húngaro. Seu pai, Kallamon Jacob
Freud, filho e neto de rabinos, trabalhava no comércio de lã e se casou com
Sally Kanner, sobre cuja vida e condições de morte se sabe muito pouco.
Deixou o marido viúvo com dois filhos: Emanuel e Philipp (JORGE &
FERREIRA, 2010).

Jorge e Ferreira (2010) ao analisar algumas biografias sobre Freud presumem


que Jacob teve um segundo casamento, e Rebekka, e esta morreu entre 1852 e 1855.
No entanto, Freud ignorou o segundo casamento de seu pai, e seu pai, em 1855 se
casou com Amalia Nathanson, que era 20 anos mais jovem que sua idade. Jacob e
Amalia tiveram oito filhos, três meninos e cinco meninas. Ao descrever as
características de Jacob, alguns biógrafos analisaram que ele era um homem simples,
com grande otimismo, simpatia, generosidade e senso de humor. Amália é
caracterizada pela beleza, vaidade e inteligência, com um caráter determinado e muito
inteligente (JORGE & FERREIRA, 2010).
Em 6 de maio de 1856, nasceu o filho mais velho do casal, chamado Schlomo
Sigismund, cujo nome estava em memória do falecido avô. O próprio Freud mudou o
nome de Sigismundo e assinou o nome de Sigmund Freud. “Sem dúvida, Freud foi
um filho amado pelo pai e o predileto de sua mãe, que o chamou durante toda sua
vida de “meu Sigi de ouro” (JORGE & FERREIRA, 2010).

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Em 1859, durante a guerra austro-italiana, os negócios de Jacob estavam em
crise devido à guerra e ao processo de desenvolvimento industrial, o que fez com que
a cidade sofresse desemprego e alta inflação. No entanto, os judeus de língua alemã
começaram a ser perseguidos pelos tchecos, forçando a família Freud a se mudar
para Leipzig, na Alemanha. A partir daí, começaram as dificuldades financeiras da
família (TERCEIRO, 2016)
Em 1860, a família Freud estabeleceu-se em Leopoldstadt, Viena. Freud disse
em sua autobiografia que entrou na Universidade de Viena para estudar medicina aos
17 anos e se tornou o primeiro aluno da classe, o que lhe deu alguns privilégios que
considerou especiais. Freud falava francês e inglês, satisfatoriamente latim, grego e
hebraico e é fluente em espanhol e italiano (JORGE & FERREIRA, 2010). No curso
de medicina, este tinha que frequentar cerca de 30 horas semanais, divididas em aulas
práticas e teóricas.
Segundo Jorge e Ferreira (2010), Freud se identifica com a biologia e a
zoologia, cujo professor, Ernst Wilhelm von Brucke, dirigia um laboratório de pesquisa
e anos mais tarde, em 1876, oferece-lhe uma bolsa de estudos. Aprimorando-se em
seus estudos biológicos, Freud desenvolve uma pesquisa cujo tema era as glândulas
sexuais das enguias. Sua atuação neste laboratório foi tão comemorada pelo próprio
Freud que ele descreve na obra Um estudo autobiográfico:

Por fim, no laboratório de fisiologia de Ernst Brucke encontrei tranquilidade e


satisfação plena — e também homens que pude respeitar e tomar como meus
modelos: o próprio grande Brucke e seus assistentes, Sigmund Exner e Ernst
Fleischl von Marxow (FREUD apud JORGE & FERREIRA, 2010).

Conforme descrito por Terceiro (2016) em 1880, ele participou de um exame


médico, formou-se médico no ano seguinte e recebeu um prêmio honorário. Dois anos
depois, em 1882, ele conheceu Martha Bernays, se apaixonou fortemente e quis se
casar com ela. Devido às dificuldades financeiras na época, ele não pôde se casar
imediatamente, então Freud deixou sua carreira de pesquisador, deixou o laboratório
de Brook e trabalhou como clínico geral no Hospital Geral de Viena. Porém, não
gostou de trabalhar naquele hospital e mudou-se para o departamento de psiquiatria
no ano seguinte. A respeito de sua etapa de vida, Freud afirma em sua autobiografia:
“Tornei-me tão atuante no Instituto de Anatomia Cerebral quanto o havia sido no de
fisiologia” (JORGE & FERREIRA, 2010). Também em 1882, o amigo pessoal de

16
Freud, Dr. Brauer, o apresentou à paciente Anna O. (Bertha Pappenheim),
descrevendo sobre o tratamento que fora feito com tal paciente.
Eles iniciaram esse trabalho no início da década de 1880, e Breuer relatou
alguns de seus casos, incluindo o caso de Anna O como ponto de partida para a
Psicanálise. Breuer contou a Freud como ele lidou com essa jovem histérica, informou
que a doença de seu pai e o cuidado com ele a deixaram exausta para aprofundar
seus sintomas físicos. Por meio da hipnose, Breuer a curou, aliviou sua dor e
descobriu o poder de cura pela palavra (REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA DE
PSICOLOGIA, 2009).
Durante o período que trabalhou no Hospital Geral de Viena, Freud começou a
estudar as propriedades da cocaína e seus efeitos terapêuticos. Essa substância foi
introduzida nos Estados Unidos e na Europa sem restrições, Freud se entusiasmou
com seu uso, passou a usá-la e a prescrevê-la como “estimulante, para os distúrbios
digestivos, para combater os vícios da morfina e do álcool e para o tratamento da
asma e dos estados depressivos” (JORGE & FERREIRA, 2010).
O psicanalista brasileiro, Carlos Terceiro, fez questão de elucidar sobre a
utilização da cocaína como uso medicinal:

Salienta-se que a cocaína, nesta época, não tinha o sentido etimológico que
hoje se dá à palavra, ou seja, de droga. Pois, conforme o Dicionário Michaelis,
a droga “é o termo genérico para qualquer substância alucinógena,
entorpecente, cujo uso, além de alterar o humor e o comportamento, pode
levar à dependência e à tolerância “ (MICHAELIS, 2016). Assim, nessa
época, a cocaína era utilizada como medicamento para dar energia ao corpo,
aliviar a sinusite e a febre, como também para o tratamento de viciados em
ópio, morfina e bebidas alcoólicas, sendo usado como ingrediente em
bebidas como o vinho (TERCEIRO, 2016).

Segundo Jorge & Ferreira (2010), além de comercializar produtos para injeções
hipodérmicas, pomadas e vaporizadores, a Parke Davis também comercializa cigarros
e charutos feitos com folhas de coca e lançara a bebida Coca Cordial e durante o
mesmo período, Freud escreveu um artigo sobre o uso de cocaína como anestésico,
intitulado Uber Coca. Nesse artigo, o médico de Viena mencionou o efeito anestésico
da cocaína em soluções concentradas na pele e nas membranas mucosas.
Terceiro (2016) salientou que:

O médico oftalmologista Koller leu o artigo de Freud, influenciando-o a iniciar


testes com a cocaína, a qual era inoculada nos olhos de rãs, coelhos e
cachorros. Koller foi tão influenciado pelos escritos de Freud sobre a cocaína,

17
que escreveu uma Comunicação preliminar a esse respeito, apresentando-a
no Congresso Oftalmológico de Heildelberg. De acordo com Koller (apud
JORGE e FERREIRA, 2010, p. 11) “a cocaína foi competentemente trazida
ao conhecimento dos médicos vienenses pela minuciosa compilação e pelo
interessante ensaio terapêutico do meu colega de hospital Dr. Sigmund
Freud”. (TERCEIRO, 2016).

É importante notar que Koller é historicamente conhecido como o pai da


anestesia local, e a experiência relatada em seu ensaio tornou-se importante para a
microcirurgia ocular. Com base em (JORGE & FERREIRA, 2010), presume-se que
Freud não permaneceu com os estudos sobre os efeitos anestésicos da cocaína
porque não via Martha há dois anos pois ela morava em Viena. Para acessá-la o mais
rápido possível, Freud encerrou suas pesquisas sobre as propriedades da cocaína e
seus efeitos terapêuticos e escreveu uma monografia sobre o assunto.
Mais tarde, ganhou uma bolsa para trabalhar no Hospital Salpêtrière, em Paris,
onde trabalhava o neurologista Jean Martin Charcot. Charcot pretendendo esclarecer
que a histeria é uma doença neurogênica que segue as leis, não um produto de
simulação e, portanto, recorreu à hipnose. Viver com Charcot o deixou interessado
em questões histéricas. Naquele momento, as características da histeria eram um
mistério, porque os sintomas da histeria não são se adequavam às patologias
previamente estabelecidas.
O relato clínico de Charcot teve certo impacto em Freud, tanto que ele, como
Charcot, sempre questionou teorias e enfatizou a prática clínica. Após retornar de
Paris, Freud estabeleceu-se como médico em Viena. Apresentou-se como um
especialista neurológico, traduzindo para o alemão dois livros do mestre Charcot:
Leçons sur les maladies du système nerveux (Lições Sobre as Doenças do Sistema
Nervoso) e Leçons du mardi (Lições de TERÇA-FEIRA), publicados em 1886 e 1894
(JORGE & FERREIRA, 2010).
Incentivado pela pesquisa de Charcot, Freud lançou as bases para a teoria da
etiologia sexual das neuroses. Quando trabalhou no hospital, às vezes acompanhou
Charcot para ouvir relatos de pacientes hipnotizados submetidos a experimentos de
hipnose. No livro "Freud Além da Alma", relata que Freud internou uma paciente com
histeria, que é considerada uma doença mental de origem psíquica.
Charcot acreditava que a histeria é uma doença causada pela expressão
emocional, e o poder dessa emoção foi transferido para o corpo, formando assim, os

18
sintomas físicos são formados. Portanto, ele usou a sugestão hipnótica para produzir
sintomas para provar e justificar suas ideias (REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA
DE PSICOLOGIA, 2009).
Com base nas ideias de Charcot, Freud, em colaboração com o Dr. Breuer,
começou o estudo dos mecanismos psíquicos da histeria e presumiu sua teoria acerca
da etiologia sexual das neuroses, que a neurose possuía causas reprimidas. Através
desse estudo, ele iniciou a prática da Psicanálise. De acordo com Jorge & Ferreira
(2010), o estudo da histeria é a base da Psicanálise, porque os sintomas e as queixas
principais da histeria são direcionadas para a sexualidade. Assim, segundo Jorge &
Ferreira (2010):

A indagação fundamental da histeria — “Sou homem ou mulher? ” — iria


levar Freud, muito mais tarde, à descoberta de que não há a inscrição da
diferença sexual no inconsciente. Este fator é o responsável pela
bissexualidade constitucional do sujeito. Já a tradução feita pelo neurótico
obsessivo dessa mesma indação é: “Qual o sexo do meu objeto — masculino
ou feminino? ” (JORGE & FERREIRA, 2010, p. 12).

Freud ousou colocar os “processos misteriosos” do psiquismo, suas “regiões


obscuras”, isto é, as fantasias, os sonhos, os esquecimentos, a interioridade do
homem, como problemas científicos. A investigação sistemática desses problemas
levou Freud à criação da Psicanálise.

1.5 Freud e a Psicanálise

19
Fonte: universoracionalista.org

A Psicanálise, criada por Freud da Áustria, recupera a importância das


emoções para a Psicologia e assume que o subconsciente é o objeto de pesquisa
(BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 2001).
Em tese, a característica da Psicanálise é incluir um conjunto de conhecimentos
sistemáticos relacionados à vida psíquica. O método de pesquisa baseado na
Psicanálise se caracteriza por uma forma interpretativa, buscando compreender o
significado oculto das coisas representadas por meio de ações, palavras ou produtos
imaginários. Classificam-se como produções imaginárias, os sonhos, delírios, as
associações livres, os atos falhos (BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 2001).
A análise busca o autoconhecimento, por meio do qual o autoconhecimento
realiza a cura. Ao lidar com os pacientes, Freud utilizava como método de atendimento
deixá-los expressar livremente suas ideias e apontava que eles se sentiam
envergonhados ao relatar seus sonhos e imagens. Portanto, nominou de resistência
a oposição em tornar consciente o pensamento. Ele nomeou o processo psíquico

20
destinado a ocultar as ideias e fazer a expressão da consciência desaparecer porque
é dolorosa, de repressão. Esse conteúdo de ordem psíquica é encontrado no
inconsciente. Segundo Freud as descobertas acerca do inconsciente:

(…) constituíram a base principal da compreensão das neuroses e


impuseram uma modificação do trabalho terapêutico. Seu objetivo (…) era
descobrir as repressões e suprimi-las através de um juízo que aceitasse ou
condenasse definitivamente o excluído pela repressão. Considerando este
novo estado de coisas, dei ao método de investigação e cura resultante o
nome de psicanálise em substituição ao de catártico (FREUD, apud BOCK,
FURTADO & TEIXEIRA, 2001).

Freud se preocupava em entender o que fazia os pacientes esquecerem os


fatos da vida, interna e externamente. Ele analisou que esse fato esquecido traz dores
e sofrimento a esses pacientes e essa é a causa de tal esquecimento.
De acordo com o trabalho de Bock, Furtado & Teixeira (2001), no livro "A
Interpretação dos Sonhos", Freud discutiu o conceito de estrutura e funcionamento da
personalidade. Na teoria da Psicanálise, ele propôs o conceito de divisão do aparelho
psíquico:

1. Inconsciente – Diz respeito ao conjunto de conteúdos reprimidos que não se


fazem presentes no campo da consciência. Tais conteúdos reprimidos não
estão acessíveis pelos sistemas pré-consciente e consciente, pois são crivados
por censuras internas.
2. Pré-Consciente – Concebido como o sistema, cujos conteúdos permanecem
acessíveis ao consciente em algum momento.
3. Consciente – Sistema que recebe tanto as informações do mundo exterior,
quanto do mundo interior, apresentando-se a percepção acerca deste mundo,
como também a atenção e o raciocínio (BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 2001).

Nos pressupostos teóricos de Freud, ele soube que as cenas relatadas pelos
pacientes já haviam ocorrido e, posteriormente, descobriu que eram imaginadas, mas
tinham a mesma força e consequências psicológicas, e tinham os efeitos psicológicos
de situações reais. Nesse caso, Freud entendeu que a realidade psíquica tem valor
real para os indivíduos, mesmo que não corresponda objetivamente à realidade.
Portanto, o funcionamento psíquico é concebido a partir de três pontos de vista:

I. Ponto de Vista Econômico - afirma que existe uma energia que alimenta os
processos psíquicos.

21
II. Ponto de Vista Tópico – Analisa-se que o aparelho psíquico se constitui por um
número de sistemas que se diferenciam quanto à natureza e o modo como
funcionam, ou seja, representam um lugar psíquico.
III. Ponto de Vista Dinâmico – Existem forças em conflito no interior do psiquismo.

Sobre tais forças, Carlos escreveu:

Tais forças estão ativas e se originam por meio da pulsão, que representa um
estado de tensão que busca no objeto suprimir este estado. Nesta pulsão
existem o Eros e o Tanado. O Eros significa a pulsão de vida, abrangendo as
pulsões sexuais e as de auto conservação. Tanatos é a pulsão de morte,
autodestrutiva, manifestando-se como pulsão agressiva (TERCEIRO, 2016).

Na Psicanálise, os sintomas podem aparecer na forma de produção,


comportamento ou pensamento, causados pelo conflito psicológico entre o desejo e o
mecanismo de defesa, que sinaliza ou oculta o conflito e substitui a satisfação do
desejo. Esses sintomas podem ser usados como um ponto de partida para a
investigação psicanalítica.
Depois de estudar as causas e funções da neurose, Freud descobriu que os
desejos e pensamentos reprimidos estão relacionados a sexualidade nos primeiros
anos de vida. Essas experiências traumáticas são suprimidas, levando a sintomas
neuróticos, pois deixam marcas na estrutura do indivíduo. Freud descobriu que a
sexualidade é o centro da vida psicológica, o que mostra que a função sexual existe
desde o início da vida, o que é contraditório à crença dos teóricos de que a
sexualidade só existe após a puberdade.
Ele enfatizou que o tempo da sexualidade é longo e complicado, e a idade
adulta é a fase da reprodução e do prazer sexual para homens e mulheres. Essas
visões de Freud contradiziam as visões de uma época em que o sexo estava
relacionado apenas à reprodução.
A esse respeito, Macedo & Dockhorn analisam que:

A afirmação da existência de um sujeito de Inconsciente e de Sexualidade, o


qual não se adapta, na ética de sua existência, às determinações de
pressupostos regidos pela verificação, pela objetividade ou pela
replicabilidade de situações, impõe a Freud a necessidade de buscar um
rumo próprio e original na complexidade inerente ao processo de investigação
da Psicanálise (MACEDO & DOCKHORN, 2015).

Dessa forma, a Psicanálise rompeu com a epistemologia, perturbando a


concepção de homem e de subjetividade, pois:

22
Em Freud a noção de sujeito não se confunde com aquele Eu moderno, que
havia sido instalado como mestre em sua própria casa. O Eu de Freud é
descentrado, do mesmo modo como a Terra de Galileu e o Homem de Darwin
(KUPFER, 2010).

Portanto, a Psicanálise foi criada no cenário científico do século 19, período


este em que as razões científicas dominaram. Segundo Birman (1994), no século XIX,
a física era considerada um modelo científico ideal devido aos seus procedimentos
experimentais e linguagem matemática que representava o discurso científico.
Ao contrário da visão da física, os conceitos filosóficos praticam o discurso
metafísico e se desviam da exigência científica de declarar com segurança os dados
relacionados à experiência.
Ao considerar a Psicanálise como disciplina científica, Freud se distanciou do
discurso metafísico da filosofia. Portanto, o espírito investigativo de Freud foi
desenvolvido:

Nas pesquisas a respeito das experiências ocorridas no cenário da clínica


que lhe impuseram, por exemplo, o reconhecimento da diferença crucial entre
a recordação de um fato real e os conteúdos originários das cenas
fantasmáticas próprias ao desejo e à sexualidade infantil (MACEDO &
DOCKHORN, 2015).

Freud descobriu que o indivíduo se desenvolve por meio de um processo


denominado psicossexual cuja função está relacionada à sobrevivência e encontra
prazer no próprio corpo. Nesse corpo foi encontrada excitação sexual, o que levou
Freud a especular sobre as seguintes etapas do desenvolvimento sexual:
– Fase oral (a zona de erotização é a boca);
– Fase anal (a zona de erotização é o ânus);
– Fase fálica (a zona de erotização é o órgão sexual) (BOCK, FURTADO e
TEIXEIRA, 2001).
De acordo com Freud (apud BOCK, FURTADO e TEIXEIRA, 2001, p. 97), após
essas etapas, ocorre o período de latência, que se estende até a puberdade e se
caracteriza pela diminuição da atividade sexual. A puberdade é o estágio final do
desenvolvimento sexual: o estágio genital. A característica desse estágio é que o
objeto de desejo não está no corpo em si, mas fora do indivíduo.
Preuschoff (2003 apud TERCEIRO, 2016) ressalta que a ciência ainda não
alcançou resultados concretos quanto aos fatores que desencadeiam o início da
puberdade e aos fatores que representam as alterações físicas. O corpo e as

23
mudanças corporais são universais até certo ponto, e algumas diferenças são
descartadas. No entanto, o que acontece no plano psicológico da existência da
relação com o meio ambiente está relacionado às diferenças culturais, aos diferentes
grupos sociais e aos indivíduos pertencentes ao mesmo grupo.
Becker (2003 apud TERCEIRO, 2016), acredita que é necessário que o
adolescente se integre a um determinado grupo, o que o levará a encontrar a própria
identidade em um momento crítico da sociedade. De acordo com a Psicanálise, esse
grupo pode substituir os pais para ajudar os adolescentes a entenderem suas
aplicações e se tornarem parceiros. Conforme Becker, (2003) “O adolescente não é o
futuro da pátria, nem a esperança do amanhã. Seu lugar é aqui, seu tempo é o
presente, e sua vida lhe pertence para vivê-la da maneira que escolher”.
Durante a fase de desenvolvimento sexual, vários eventos ocorreram, entre
eles o complexo de Édipo, que é a razão da construção da personalidade do indivíduo.
De acordo com Bock, Furtado & Teixeira, o complexo de édipo:

Acontece entre 3 e 5 anos, durante a fase fálica. No complexo de Édipo, a


mãe é o objeto de desejo do menino, e o pai é o rival que impede seu acesso
ao objeto desejado. Ele procura então ser o pai para “ter” a mãe, escolhendo-
o como modelo de comportamento, passando a internalizar as regras e as
normas sociais representadas e impostas pela autoridade paterna.
Posteriormente, por medo da perda do amor do pai, “desiste” da mãe, isto é,
a mãe é “trocada” pela riqueza do mundo social e cultural, e o garoto pode,
então, participar do mundo social, pois tem suas regras básicas internalizadas
através da identificação com o pai (Bock, Furtado & Teixeira, 2001)

Freud construiu um referencial teórico-científico baseado em pressupostos


conceituais que permitem a construção de conhecimentos que afetam os processos
mentais e patologias dos pacientes.

1.6 Pressupostos Teóricos E Princípios do Método Psicanalítico

Como mencionado anteriormente, Freud estabeleceu sua teoria com base em


seu atendimento clínico. Após a realização dos atendimentos, Freud relatava o caso,
não só descrevendo, mas também analisando e interpretando. Assim, estabeleceu a
teoria psicanalítica por meio da análise dos depoimentos dos pacientes, ou seja,
analisando os fragmentos da memória dos pacientes e estabelecendo conexões que
parecem não ter sentido, Freud explica o conteúdo da fala e infere o que não foi dito
no encontro.

24
A esse respeito, D’Agord analisa que:

A construção teórica de Freud originou-se, sem dúvida, das ficções que ele
elaborou a partir da sua escuta dos pacientes em análise. (…) Uma
construção em análise é o procedimento de extrair inferências a partir de
fragmentos de lembranças e de associações do sujeito em análise. Esses
fragmentos de lembranças não têm sentido em si mesmos, mas é justamente
desse sem-sentido que eles extraem a sua importância na construção de
hipóteses (D’AGORD, 2000/2001).

Com base no conteúdo acima, o Estudo de Caso da Psicanálise parece estar


entrelaçado com a experiência clínica, pois o atendimento clínico é realizado
inicialmente, para então construir o significado clínico relacionado ao caso descrito
pelo paciente. No texto intitulado Psicanálise e Teoria da libido, Freud conceitua a
Psicanálise como:

1) um método para a investigação dos processos mentais, que são quase


inacessíveis por qualquer outro modo; 2) de um método (baseado nesta
investigação) para o tratamento de distúrbios neuróticos; 3) e uma coleção
de informações psicológicas obtidas ao longo dessas linhas e que,
gradualmente, se acumula numa nova disciplina científica (FREUD,
1923[1922]/1974).

Na definição da Psicanálise, Freud apontou que este é um método investigativo


dos processos psíquicos inconscientes. No cenário de análise, a eficácia desse
método é investigar o inconsciente. O caminho evolutivo dos métodos de pesquisa
começou com o método catártico de Breuer.
Brauer disse que este tratamento, catártico, oferece a possibilidade de liberar
os afetos e emoções associadas ao evento traumático. Ao vivenciar fatos
desagradáveis ou dolorosos, não se pode vivenciar ou expressar essa emoção.
Portanto, ao liberar emoções, os sintomas são eliminados.
Conforme Mezan:

aos poucos, foi modificando a técnica de Breuer: abandonou a hipnose,


porque nem todos os pacientes se prestavam a ser hipnotizados;
desenvolveu a técnica de concentração, na qual a rememoração sistemática
era feita por meio da conversação normal; e por fim, acatando a sugestão (de
uma jovem) anônima, abandonou as perguntas — e com elas a direção da
sessão — para se confiar por completo à fala desordenada do paciente
(Mezan (apud BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 2001).

Portanto, Freud definiu sua ideia básica de estudar inconsciente de forma


gradativa. Vale destacar que no processo de construção da teoria psicanalítica por
meio da escuta da experiência clínica, Freud criou um novo espaço epistemológico e

25
estabeleceu um novo modelo de inteligibilidade e novas formas de conhecimento,
rompendo assim com Paradigma dos tempos. Este modelo de inteligibilidade
representa uma forma desconhecida ou criada pela experiência analítica.
Por conseguinte, Freud estabeleceu a associação livre, que é a regra básica
do método analítico, ao contrário da escuta flutuante do analista. Esse modelo
compreensível e inconsciente é criado na relação que existe no espaço analítico entre
o analisando e o analista. Esta relação envolvida nas técnicas psicanalíticas é
chamada de transferência (ROCHA, 2008).
Porque na análise da experiência coexistem os dois polos que constituem a
experiência humana, por um lado, alguns objetos foram marcados pela impressão do
desejo inconsciente e descobertos por meio desse método. Do outro lado se tem a
palavra que significa e (re) significa, na dinâmica da transferência, as experiências
passadas, as quais representam a base dos conflitos que geram os distúrbios
psíquicos (TERCEIRO, 2016).
Em essência, a experiência analítica é uma experiência de linguagem
específica da experiência analítica, porque é uma palavra que revela desejos e
fantasias no inconsciente. A linguagem é a base da experiência analítica, pois no
diálogo analítico, o sujeito em processo do conhecimento de si mesmo, constrói e se
(re) constrói na tentativa de se tornar sua verdadeira identidade, embora escondido
(ROCHA, 2008).
Conforme comenta Terceiro (2016), o método das associações livres permite
que o analisado tenha ideias sem considerar o sistema de censura, sem ter que fazer
escolhas deliberadas sobre suas intenções e sem buscar as razões lógicas da
confusão espontânea em seu discurso livre. Além disso, o sujeito não necessita
considerar os requisitos de rotulagem social, nem considerar a censura da consciência
moral, mas em vez disso, lança pensamentos com intenções conscientes em torno da
atração inconsciente.
Nessa busca de propiciar que os pacientes realmente falassem abertamente e
livremente, Freud criou esse espaço de análise, o lócus onde se encontra o divã para
o paciente se deitar ou sentar e a poltrona do analista. Neste lócus, particularmente,
é evitado o face-a-face no diálogo terapêutico, o que deixa livre o espaço da análise

26
com o objetivo de que a linguagem do inconsciente se manifeste para que seja
possível fazer as associações livres (ROCHA, 2008).

No divã, o analisando pronuncia o seu discurso na presença do analista, o


qual – como suporte imaginário – além de substituir as pessoas que foram de
grande importância na vida do analisando e fazem parte da história de seus
conflitos, se torna uma referência essencial para que o analisando seja
reconhecido enquanto sujeito (TERCEIRO, 2016).

Na dinâmica desse jogo nominado de transferencial, onde o analisando


trabalha as palavras do analista, este as atravessa em todos os sentidos. A este
trabalho do analisando, “Freud deu o nome de Durcharbeitung, perlaboração,
essência do trabalho analítico” (FREUD, 1914/1982).
Ao explicar o que diz o objeto analisado, o analista emprestará suas palavras
para que ele possa assumir suas próprias palavras e fazer suas próprias descobertas
no campo da análise. Quando o significado de uma palavra é encontrado, o que dá
sentido à informação misteriosa escondida em seu inconsciente, ainda deixa uma
sensação de dor sem nome. No âmbito de poder assumir os próprios desejos e ser
sujeito desses desejos, a análise pode libertar o sujeito.
Ao analisar a experiência analítica, Freud afirma que esta é libertadora, pois:

todo tratamento psicanalítico [Jede psychoanalytische Behandlung] é uma


tentativa [ist ein Versuch] para libertar [zu befreien] o amor recalcado [die
verdrängte Liebe], que encontrou no sintoma a incômoda solução de um
compromisso [die in einem Symptom einen kümmerlichen
Kompromissausweg gefunden hatte] (FREUD, 1907/1982).

Freud enfatizou que o propósito da análise é tentar dar às pessoas a liberdade


de amar, trabalhar e estabelecer sua própria existência. A diferença entre o homem e
outras criaturas da natureza é que ela pode se tornar o sujeito de sua própria história.

1.7 O Aparelho Psíquico: Concepções Teóricas

27
Fonte: psicoativo.com

Freud introduziu os conceitos de id, ego e superego em sua teoria do aparelho


psíquico. Esses conceitos envolvem o sistema de personalidade. Freud apud Bock,
Furtado & Teixeira (2001) afirma que:
Id – Se constitui enquanto um reservatório da energia de ordem psíquica, lócus
das pulsões de vida e de morte. O id é regido pelo prazer.
Ego – Responsável por equilibrar as exigências do id com as exigências da
realidade e as ordens advindas do superego, regulando e alterando o princípio do
prazer para conseguir a satisfação, possuindo as seguintes funções: percepção,
memória, sentimentos e pensamento.
Superego – Origina do complexo de Édipo, por meio da internalização das
proibições, dos limites e da autoridade. O superego tem as funções de regular a moral
e os ideais, baseado nas exigências sociais e culturais.
Perceber eventos no mundo externo ou interno às vezes restringe e causa dor,
portanto, para evitar participar desse comportamento doloroso, os indivíduos
suprimem a realidade e não registram as percepções externas. Dessa forma, eles
eliminam o conteúdo psicológico específico que interferiria no pensamento. Freud
chamou essa supressão de mecanismo de defesa. Esse mecanismo de defesa é
executado pelo ego, que está inconsciente, ou seja, independente da vontade.
Acredita-se que o ego exclui conteúdo classificado como indesejável da consciência
porque protege o aparelho psíquico dessa forma. Além disso, o ego é responsável por
expor a realidade e ao mesmo tempo defender a mente por meio de vários

28
mecanismos que podem suprimir e ocultar a percepção de perigos internos devido a
perigos reais ou imaginários no mundo real.
Estes mecanismos de defesa se dividem em:

1. Recalque

Responsável por suprimir uma parte da realidade, não sendo percebido pelo
indivíduo, prejudicando o sentido do todo, pois ao tornar-se invisível, altera e deforma
a visão holística.
O indivíduo “não vê”, “não ouve” o que ocorre. Existe a supressão de uma parte
da realidade. Este aspecto que não é percebido pelo indivíduo faz parte de um todo
e, ao ficar invisível, altera, deforma o sentido do todo.
É como se, ao ler esta página uma palavra ou uma das linhas não estivesse
impressa, e isto impedisse a compreensão da frase ou desse outro sentido ao que
está escrito. Um exemplo é quando uma proibição é percebida como permissão
porque não se “ouve” o “não”.
O recalque, ao suprimir a percepção do que está acontecendo, é o mais radical
dos mecanismos de defesa. Os demais referem-se a deformações da realidade.

2. Formação Reativa

Diz respeito ao afastamento do desejo em determinada situação. O ego é


responsável por realizar essa ação, afastando desejos agressivos e transformando-
os em atitudes de ternura e superproteção. Contudo, ressalta-se que tais desejos de
carinho podem esconder o seu oposto, ou seja, a verdadeira motivação, preservando
os indivíduos de descobrirem acerca de si mesmos. O ego procura afastar o desejo
que vai em determinada direção, e, para isto, o indivíduo adota uma atitude oposta a
este desejo.
Um bom exemplo são as atitudes exageradas — ternura excessiva,
superproteção — que escondem o seu oposto, no caso, um desejo agressivo intenso.
Aquilo que aparece (a atitude) visa esconder do próprio indivíduo suas verdadeiras
motivações (o desejo), para preservá-lo de uma descoberta acerca de si mesmo que
poderia ser bastante dolorosa. É o caso da mãe que superprotege o filho, do qual tem
muita raiva porque atribui a ele muitas de suas dificuldades pessoais. Para muitas
destas mães, pode ser aterrador admitir essa agressividade em relação ao filho.

29
3. Regressão

Este mecanismo de defesa se apresenta quando o indivíduo retorna a etapas


anteriores de seu desenvolvimento, agindo de forma primitiva. É o processo psíquico
que o Ego recua, fugindo de situações conflitivas atuais, para um estágio anterior. É
o caso de alguém que depois de repetidas frustrações na área sexual, regrida, para
obter satisfações, à fase oral, passando a comer em excesso.
A regressão é uma noção de uso muito frequente em Psicanálise e na
Psicologia contemporânea; é concebida, a maioria das vezes, como um retorno a
formas anteriores do desenvolvimento do pensamento, das relações de objeto e da
estruturação do comportamento.
Freud é levado então a diferenciar o conceito de regressão, como o demonstra
esta passagem acrescentada em 1914 em três espécies de regressões:

a) Tópica - no sentido do esquema do aparelho psíquico. A regressão tópica é


particularmente manifestada no sonho, onde ela prossegue até o fim. Encontra-
se em outros patológicos em que é menos global (alucinação) ou mesmo em
processos normais em que vai menos longe (memória).
b) Temporal - em que são retomadas formações psíquicas mais antigas.
c) Formal - quando os modos de expressão e de figuração habituais são
substituídos por modos primitivos. Estas três formas de regressão, na sua
base, são apenas uma, e na maioria dos casos coincidem, situa-se mais perto
da extremidade perceptiva.

4. Projeção

Se apresenta sob a forma de distorções do mundo externo e interno. É uma


confluência de distorções do mundo externo e interno. O indivíduo localiza (projeta)
algo de si no mundo externo e não percebe aquilo que foi projetado como algo seu
que considera indesejável. É um mecanismo de uso frequente e observável na vida
cotidiana.
Um exemplo é o jovem que critica os colegas por serem extremamente
competitivos e não se dá conta de que também o é, às vezes até mais que os colegas.

5. Racionalização

30
É o mecanismo de defesa que o indivíduo constrói um argumento que convence
de forma intelectual, justificando estados deformados da consciência. Seria a razão a
serviço do irracional, cujo material é fornecido pela própria cultura. “Dois exemplos: o
pudor excessivo (formação reativa), justificado com argumentos morais; e as
justificativas ideológicas para os impulsos destrutivos que eclodem na guerra, no
preconceito e na defesa da pena de morte” (FREUD apud BOCK, FURTADO &
TEIXEIRA, 2001).
O ego possui outros mecanismos de defesa, dentre os quais:

6. Identificação

É o processo psíquico por meio do qual um indivíduo assimila um aspecto, uma


característica de outro, e se transforma, total ou parcialmente, apresentando-se
conforme o modelo desse outro. A personalidade constitui-se e diferencia-se por uma
série de identificações.
Freud descreve como característica do trabalho do sonho o processo que
traduz a relação de semelhança, o “tudo como se”, por substituição de uma imagem
por outra ou “identificação”.
A identificação não tem aqui valor cognitivo: é um processo ativo que substitui
uma identidade parcial ou uma semelhança latente por uma identidade total.

7. Isolamento

É um processo psíquico da neurose obsessiva, que consiste em isolar um


comportamento ou um pensamento de tal maneira que as suas ligações com os outros
pensamentos, ou com o autoconhecimento, ficam absolutamente interrompidas, já
que foram (os pensamentos, os comportamentos), completamente excluídos do
consciente.
Entre os processos de isolamento, citemos as pausas no decurso do
pensamento, formulas, rituais, e, de um modo geral, todas as medidas que permitem
estabelecer um hiato na sucessão temporal dos pensamentos ou dos atos.
Certos doentes defendem-se contra uma ideia, uma impressão, uma ação,
isolando-as do contexto por uma pausa durante a qual “…nada mais tem direito a
produzir-se, nada é qualificada de mágica por Freud; aproxima-a do processo normal

31
de concentração no sujeito que procura não deixar que seu pensamento se afaste do
seu objeto atual”.

O isolamento manifesta-se em diversos sintomas obsessivos; nós o vemos


particularmente em ação no tratamento, onde a diretriz da associação livre, por lhe se
oposta coloca-o em evidencia (sujeitos que separam radicalmente a sua análise da
sua vida, ou determinada sequência de ideia do conjunto da cessão ou determinada
representação do contexto ideoafetivo).
Freud reduz, em última análise, a tendência para o isolamento a um modo
arcaico de defesa contra a pulsão, a interdição de tocar, uma vez que “…o contato
corporal e a finalidade imediata do investimento de objeto, quer o agressivo quer o
terno”.
Nesta perspectiva, o isolamento surge como “…uma supressão da
possibilidade de contato, um meio de subtrair uma coisa ao contato; do mesmo modo
quando o neurótico isola uma impressão ou uma atividade por pausa, dá-nos
simbolicamente a entender que não permitirá que os pensamentos que lhes dizem
respeito entrem em contato associativo com os outros”.
Na realidade, pensamos que seria interessante reservar o termo isolamento
para designar um processo especifico de defesa que vai da compulsão a uma atitude
sistemática e concentrada, e que consiste numa ruptura das conexões associativas
de um pensamento ou de uma ação, especialmente com o que os precede e os segue
no tempo.

8. Anulação Retroativa

Um mecanismo psicológico pelo qual o sujeito tenta fazer com que seus
pensamentos, palavras, gestos, atos passados nunca tenham acontecido; para tanto,
ele utiliza um pensamento ou um comportamento tendo uma significação oposta.
Trata-se de uma compulsão aparentemente “mágica”, particularmente característica
da neurose obsessiva.
Segundo Bock, Furtado & Teixeira (2001) as pessoas geralmente usam esses
mecanismos de defesa porque eles distorcem a realidade para resistir a perigos reais
ou resultados imaginários que podem existir interna e externamente. Esses
mecanismos não são classificados como patológicos, mas são responsáveis por

32
distorcer a realidade. Só expondo a realidade se pode superar a falsa consciência da
realidade e eliminar a falsa consciência.

2 A PSICANÁLISE PARA MELANIE KLEIN

Desde os anos 1940, quando a famosa e polêmica discussão envolveu


radicalmente membros da Sociedade Psicanalítica Britânica entre 1942 e 1944, o
sistema psicanalítico kleiniana foi gradual e seguramente integrado à Sociedade
Britânica, e então se expandiu para outros países: originalmente países da América
Latina, e depois se expandiu para outros países europeus, onde as ideias de Klein
começaram a ser reconhecidas e se tornaram cada vez mais importantes nesses
países.
Por último, formaram-se alguns grupos de orientação kleiniana nos Estados
Unidos, o perene e absoluto baluarte da Psicologia do ego, inspirada no trabalho de
Heinz Hartmann e respaldada por Anna Freud.

2.1 A História de Melanie Klein

Fonte: feministvoices.com

Melanie Klein nasceu em Viena em 30 de março de 1882, filha de Moritz Reizes


e Libussa Deutch. Moritz Reizes era um judeu polonês nascido em Lvberg, Galícia.
Por muitos anos, ele foi um estudioso do Talmud, mas pode ter sido influenciado pelo
movimento de libertação judaico Haskalah, rompeu com elementos religiosos

33
ortodoxos e se formou em medicina. Ele é culturalmente proficiente e pode falar várias
línguas, mas sua carreira nunca teve sucesso, principalmente por ser judeu e também
polonês, o que significa que pertence a uma classe desfavorecida da sociedade
judaica (FEBRAPSI, 2008[?]).
Moritz foi casado duas vezes. O primeiro casamento foi desfeito quando ele
contava 37 anos de idade. Aos 45 conheceu e casou-se com Libussa, também judia,
de origem eslovaca, 24 anos mais moça que ele, descrita por Melanie em sua
autobiografia como uma jovem culta, espirituosa e interessante. Depois do
casamento, o casal estabeleceu-se em Deutsch-Kreutz, Áustria. Neves Em algum
momento no período entre o nascimento das duas últimas filhas, a família mudou-se
para Viena, na esperança de melhorar sua difícil situação financeira. Em Viena, o Dr.
Reizes trabalhou como assistente de um dentista e, para complementar sua renda,
como consultor médico de um teatro de variedades.
O casal teve quatro filhos: Emilie (1876), Emanuel (1877), Sidonie (1878) e
Melanie Reizes. Conforme descrito na Biografia apresentada pela FEBRAPSI,
Melanie sentia-se protelada por seus genitores:

Dentro da família, Emilie era a predileta do pai, Sidonie a mais bonita e


Emanuel uma espécie de gênio. E embora a mãe tivesse em Melanie sua
filha preferida, confessou-lhe que ela não fora desejada. Libussa amamentou
os três primeiros filhos, mas Melanie teve uma ama-de-leite que, segundo ela,
“me amamentava a qualquer hora que eu pedisse”. Ainda segundo Melanie
Klein em sua autobiografia, “nessa época, Trub King ainda não fizera sua
obra devastadora”, referindo-se ao pediatra neozelandês que defendia um
regime alimentar severo para os bebês. Com relação ao pai ela diz: “Não me
lembro de alguma vez ele ter brincado comigo. Doía-me pensar que meu pai
era capaz de afirmar com toda franqueza e sem consideração por meus
sentimentos que preferia minha irmã mais velha, sua primogênita. ” Desde
cedo Melanie exibia uma notável autoconfiança. Na velhice dizia às pessoas
que “não era tímida em absoluto” e, de fato, nunca se deixara passar
despercebida durante toda a sua tumultuada e importante vida (FEBRAPSI,
2008[?]).

Melanie Klein sentia grande atração pela atmosfera cultural da família de sua
mãe, filha de um rabino. Tanto o pai quanto o avô de Libussa eram muito respeitados
tanto por seu saber quanto por sua tolerância. Melanie herdou da família a vontade
de aprender e logo se tornou uma estudante ambiciosa, consciente de suas notas.
Sonhava em estudar medicina e especializar-se em psiquiatria, o que nunca se
realizou em virtude da situação financeira da família, agravada com a morte do pai em

34
1900. Ela chegou a estudar arte e história na Universidade de Viena, mas não chegou
a graduar-se.

O irmão Emmanuel foi seu grande mentor intelectual. Ele iniciou o curso de
medicina que abandonou para se dedicar às artes. Era muito doente, portador
de cardiopatia consequente a doença reumática, tuberculose e depressão.
No final da vida tornou-se viciado em drogas. Emmanuel tinha para com suas
irmãs um relacionamento com matizes incestuosos e, para com a família em
geral, um vínculo marcado pelo êxito em provocar culpa e vitimizar-se. Para
Melanie, ele teria sido um pai substituto, um companheiro íntimo e um amante
imaginário e ninguém em sua vida jamais conseguiu substituí-lo. No período
compreendido entre 1887 e 1902, Melanie Klein sofreu grandes perdas: a
irmã Sidonie, em 1887, de tuberculose; o pai, em 1900, de pneumonia; o
irmão Emmanuel, em 1902, de cardiopatia (FEBRAPSI, 2008[?]).

Ainda conforme a FEBRAPSI, em 1903, logo após completar 21 anos, Klein se


casou com Arthur Steven Klein, engenheiro químico de caráter sombrio e tirânico de
quem estava noiva desde 1899. Arthur era seu primo em segundo grau por parte de
mãe e amigo de Emmanuel. Sua família residia em Rosemberg, na parte eslovaca da
Hungria. Nada se sabe sobre a cerimônia.

Em um texto intitulado “Chamado de Vida”, que seus biógrafos consideram


autobiográfico, Melanie Klein escreve sobre o choque vivido por uma moça,
Anna, na noite de núpcias: “E, portanto, tem de ser assim, a maternidade tem
que começar com repugnância? ” O casal passou a lua-de-mel em Zurique e
se estabeleceu na cidade do noivo. Dois meses depois do casamento,
Melanie descobriu que estava grávida e em 19 e janeiro de 1904 nasceu a
primeira filha, Melitta. Melanie teria dito que estava gostando de ser mãe, mas
sua autobiografia contém o seguinte trecho: “Lancei-me o máximo que pude
no papel de mãe e no cuidado de minha filha. Sabia o tempo todo que não
estava feliz, mas não havia saída”. Em 2 de março de 1907 nasceu Hans, o
segundo filho, cuja gravidez foi marcada por um estado de profunda
depressão. Em 1908 os Klein mudaram-se de Rosemberg para Krappitz; no
ano seguinte para Hermanetz e em 1910 para Budapeste, o que possibilitou
a convivência de Melanie com a parte da família do marido estabelecida
naquela cidade, com a qual manteria uma sólida ligação afetiva (FEBRAPSI,
2008 [?]).

Durante a infância dos filhos, Melanie Klein teve vários episódios de depressão
e se afastou da família por longos períodos, para viagens de repouso ou para
internação em clínicas especializadas. Durante tais ausências, sua casa e família
ficavam a cargo de sua mãe, que se colocava em sua vida de forma intrusiva e
autoritária. A mãe a via e fazia com que ela própria se visse como uma pessoa doente,
neurastênica e incapaz. Mãe e filha mantinham entre si um relacionamento estreito e
afetuoso, porém marcado por atitudes e sentimentos ambivalentes: amor e ódio, apoio
e intrusão, liberdade e controle, dependência e autonomia.

35
O ano de 1914 foi marcado por grandes acontecimentos na vida de Melanie
Klein. Em 1º de julho nasceu seu último filho, Erich Klein. Em 6 de novembro morreu
sua mãe, Libussa. Além disso, aos 32 anos de idade ela encontrou-se com a
psicanálise: leu o texto “Sobre os Sonhos”, de Sigmund Freud, e provavelmente iniciou
sua análise com Sandor Ferenczi, buscando livrar-se da depressão. Para Melanie
Klein, antes de se tornar uma profissão ou um interesse intelectual, a psicanálise foi
uma experiência de crescimento e um caminho de cura pessoal.

2.2 Klein e a Psicanálise

Fonte: psicologorigoni.com.br

O ano de 1918 foi importante para o início da carreira de psicanalista. Foi


realizado em Budapeste o 5º Congresso Internacional de Psicanálise e Sandor
Ferenczi foi escolhido para a presidência. Durante o Congresso, encantada, Klein
ouviu Freud ler “Linhas de Avanço em Terapia Psicanalítica”. Já no ano seguinte, em
julho, ela apresentou à Sociedade Húngara de Psicanálise seu primeiro artigo, “Der
Familienroman in statu nascendi”, relato da análise de uma criança, depois do qual foi
admitida como membro. O aspecto insólito do artigo era que descrevia a análise de
Erich, seu último filho, cuja identidade foi encoberta nas versões posteriores. O
objetivo era mostrar os resultados obtidos quando uma mãe cria o filho de acordo com
conceitos psicanalíticos esclarecidos.

A Sociedade de Psicanálise de Budapeste, considerada por Freud o principal


centro de psicanálise da época, seria dizimada pouco tempo depois por
razões políticas. A queda do Império Austro-Húngaro foi seguida por um
regime comunista de duração breve que, por sua vez, deu lugar a um regime

36
branco, o Terror Branco, francamente antissemita, o que teve como
consequência a expulsão dos psicanalistas judeus da Sociedade e sua
dissolução. Assim, em 1919, Melanie Klein saiu de Budapeste com os filhos
para estabelecer-se por um curto período em Rosemberg com os sogros. Seu
marido, do qual se divorciaria em 1923, mudou-se por razões profissionais
para a Suécia, onde permaneceu até 1937, novamente casado e depois
divorciado. Morreu na Suíça em 1939 (FEBRAPSI, 2008[?]).

Em 1921, Melanie Klein mudou-se para Berlim, também um importante centro


tanto de atividade como de formação psicanalítica. Em 1922, aos 40 anos, tornou-se
membro associado da Sociedade Psicanalítica daquela cidade. Em 1924, iniciou sua
segunda análise, com Karl Abraham, como Ferenczi, um destacado discípulo de
Freud. A morte precoce de Abraham (1925) privaria Melanie de seu analista e protetor,
encorajando seus detratores a se declararem abertamente, mostrando desprezo pela
ascendência polonesa, ênfase na falta de estudos universitários e ironia perante uma
mulher que se pretendia mestra e, além disso, analista de crianças

Sem Abraham, ela ficaria exposta às críticas dos membros mais


conservadores da Sociedade de Berlim, contrários, sobretudo, às suas ideias
relativas ao atendimento de crianças, originais e ousadas. Tais ideias
contrariavam o pensamento de Sigmund Freud e de sua filha Anna, a qual
também se dedicava à psicanálise infantil. Enquanto Anna via a psicanálise
numa perspectiva pedagógica, Melanie Klein mostrava-se determinada a
explorar o inconsciente infantil. Para isso, introduziu uma modificação técnica
essencial, substituindo a palavra pelo brincar, garantindo a maior proximidade
possível entre a psicanálise de adultos e de crianças. Na época, o
assassinato de Hermine von Hug-Hellmuth, por um sobrinho que havia sido
seu paciente, também serviu para reforçar a oposição à psicanálise de
crianças (FEBRAPSI, 2008[?]).

Numa postura diferente da adotada pelos alemães, os ingleses receberam a


proposta de trabalho de Melanie Klein com respeito, curiosidade e entusiasmo. Ainda
no ano de 1925, avisado de suas qualidades por James Strachey, o célebre tradutor
e editor de texto da Standard Edition das Obras de Freud e um dos animadores do
famoso grupo londrino de Bloomsbury, Ernest Jones a convidou a proferir palestras
em Londres. Para essa cidade mudou-se no ano seguinte e ali viveu até o fim de sua
vida, desenvolveu-se plenamente no âmbito profissional e fundou uma escola frutífera
até os dias atuais. Em 1927, tornou-se membro da Sociedade Psicanalítica Britânica.
Em 1932, Melanie Klein publicou seu primeiro livro, a coletânea “A Psicanálise
de Crianças”, ao qual fará referências ao longo de toda a sua obra. Mas, no âmbito
afetivo, a década de 30 lhe traria duas experiências devastadoras: a morte de seu
segundo filho, Hans, ao escalar uma montanha, e a deterioração definitiva de seu

37
relacionamento com a primogênita Melitta, que se tornara analista e também
ingressara na Sociedade Britânica. Na elaboração da perda de Hans, Melanie Klein
escreveu o texto “Uma contribuição para a psicogênese dos Estados Maníaco-
Depressivos” (1935). Em 1940, publicou “O Luto e suas Relações com os Estados
Maníaco-depressivos”.
A mudança da família Freud de Viena para Londres, no final dos anos 30, em
virtude da Segunda Grande Guerra, faria com que a Sociedade Britânica se dividisse
ideologicamente em dois grandes grupos: o dos adeptos de Melanie Klein, que tinha
à frente Susan Isaacs, Paula Heimann e Joan Rivière, e o dos adeptos do freudismo
clássico, entre os quais figurava Melitta. Um terceiro grupo, composto por analistas
independentes, não alinhados com nenhum dos dois anteriores, se formaria depois,
num período marcado pela polêmica. Apesar da contundência dos debates, Klein e
seu grupo permaneceram na Sociedade Britânica e na Associação Internacional de
Psicanálise (IPA). Não foram expulsos, como viria a acontecer com Lacan na década
seguinte, nem abriram uma dissidência contra Freud, como haviam feito Adler e Jung
anteriormente.

Na verdade, a escola kleiniana expandiu conceitos freudianos e, em meio à


turbulência da época, definiu um período de produção teórica exuberante. A
década de 30 ficaria marcada pelo conceito de posição depressiva e a de 40
pela posição esquizoparanóide. Em 1946, Melanie Klein publicou um de seus
textos mais importantes: “Notas sobre os Mecanismos Esquizóides”. No início
da década seguinte o grupo kleiniano lançou o livro “Desenvolvimentos em
Psicanálise”. Em 1957, Melanie Klein publicou “Inveja e Gratidão”, seu último
livro com grandes novidades teóricas. O texto “Narrativa da Análise de uma
Criança, no qual Melanie Klein trabalhou até poucos dias antes de sua morte,
em 22 de setembro de 1960, seria editado logo em seguida (FEBRAPSI,
2008[?]).

Ao longo de sua obra, Melanie Klein formulou uma teoria que possibilitou a
compreensão da vida mental primitiva e abriu novos horizontes dentro do campo da
psicanálise. Para Kristeva, (2002) que dedicou à psicanalista o segundo volume da
coleção “O Gênio Feminino”, a clínica da infância, da psicose e do autismo, em que
predominam nomes como Bion, Winnicott e Frances Tustin, seria inconcebível sem a
inovação kleiniana. Melanie Klein seria em seu entender a refundadora mais ousada
da psicanálise moderna.

Melanie Klein sempre se considerou e fez questão de ser vista como uma
seguidora de Freud. Um de seus maiores desapontamentos deveu-se à indiferença

38
que Freud demonstrava em relação a seus trabalhos em psicanálise de crianças, que
divergiam radicalmente da orientação do mesmo trabalho desenvolvido por Anna
Freud. É famosa uma passagem sua, quando em conversa com Betty Joseph, uma
das mais importantes analistas inglesas contemporâneas, Klein protestou ao ser
chamada de "kleiniana", visto que se considerava "freudiana". Ao que Joseph
respondeu: "Tarde demais, você é uma kleiniana, queira ou não queira"
GROSSKURTH, 1992).
Na opinião de Elias Mallet da R. Barros, esta passagem nos coloca diante de
um problema epistemológico: o de quando um autor com um pensamento psicanalítico
próprio e original, pode ou não ser considerado como tendo se desviado, ou
simplesmente ter desenvolvido o pensamento psicanalítico criado por Freud
(BARROS, 1989).
Também é importante recordar aqui que as contribuições de Melanie Klein à
psicanálise se desenvolveram a partir de alguns dos textos mais tardios de Freud,
como "Além do Princípio do Prazer" (1920), "O Ego e o Id" (1923) e "Inibição, Sintoma
e Angústia" (1926).
Para Neves (2007), os principais desenvolvimentos teóricos de Klein, são
classicamente:

Fonte: Neves (2007)

O autor ainda ressalta que “a interação entre introjeção e projeção foi


posteriormente desenvolvida intensivamente nos estudos que culminaram na
conceituação da identificação projetiva” (NEVES, 2007).

2.3 O Setting Psicanalítico

39
Fonte: vittude.com

Normalmente, este é um conceito técnico ao qual os analistas das escolas de


inglês atribuem grande importância e se refere à situação em que a análise é
realizada. É uma série de recursos e procedimentos disponibilizados aos pacientes
do serviço, desde o espaço físico do consultório (incluindo móveis e objetos) no início,
até a quantidade de reuniões semanais em seu próprio ritmo, incluindo a postura
correta e interpretações que o analista dá ao analisando.

Segall, ao escrever sobre a técnica de Melanie Klein, diz que

"a técnica kleiniana é psicanalítica e se fundamenta rigorosamente em


conceitos psicanalíticos freudianos, sendo seu contexto formal o mesmo da
análise freudiana... Não é só o cenário formal que é o mesmo da análise
clássica: respeita-se também, em todos os aspectos essenciais, os princípios
psicanalíticos tal como foram apresentados por Freud" (SEGALL, 1982)

Segall cita como fatores constituintes da Psicanálise kleiniana o Setting


Psicanalítico, a frequência de sessões semanais (ideal o número de cinco sessões),
o uso do divã, e ressalta a interpretação como o instrumento essencial de trabalho do
analista, que deve evitar rigorosamente todas as formas de crítica, apoio, conselho,
julgamento, encorajamento e reasseguramento (SEGALL, 1982).

3 DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

Partindo da constatação do paradoxo contido nos direitos humanos


fundamentais, discutiremos como a subjetividade se articula na composição política
da presença dos corpos jovens na periferia. Os direitos humanos fazem valer uma

40
forma de regulação abstrata que desconsidera as condições materiais e simbólicas
dos sujeitos por eles protegidos. Ao serem universalizados e destituídos de carga
étnica, racial, econômica, social e de gênero, os direitos se tornam transcendências
que, na rotina dos corpos, hierarquias e instituições, naturalizam processos de
desigualdade social. A título de exemplo, o Brasil é o país com a terceira maior
população carcerária do mundo, sendo dois terços homens negros e pardos. O Brasil
mata seus jovens negros de periferia trinta vezes mais do que os países europeus,
inclusive em guerra. Nas periferias, discursos sobre a implementação de direitos
humanos universais convivem com práticas iníquas, excludentes e desiguais de
aplicação da justiça (GUERRA, 2020).
Esse paradoxo da disjunção reaparece com nova roupagem ao tomarmos pela
psicanálise a não coincidência do sujeito consigo mesmo, dado que o inconsciente é
destituído de qualidades. Além disso, a imagem do sujeito não corresponde ao seu eu
nem se reduz à representação de seu corpo. As diferentes representações do sujeito
escapam, inclusive, a sua experiência inconsciente de satisfação, sendo matriciadas
pela forma que ganham na linguagem (GUERRA 2017).
A essa multiplicidade de maneiras de presentificação de um corpo no mundo
corresponde uma multiplicidade de modos regulatórios no laço social. Direitos
humanos universais, leis jurídicas nacionais, lei do crime e lei superegoica - que rege
inconscientemente os atos compulsivos e repetitivos do sujeito - convivem no mesmo
plano em que sujeito e corpo social estabelecem suas tensionadas formas de
convivência. A relação que se firma entre esses códigos não é exatamente
hierárquica. Com igual força, eles disputam o campo político, comunitário e subjetivo,
e se mesclam, ganhando maior ou menor intensidade, conforme a perspectiva que se
tome para ler o complexo sistema que, então, se cria (GUERRA; BISPO; SOUZA,
2016).

3.1 Reequilibração cognitiva

41
Fonte: encrypted-tbn0.gstatic.com
Freud foi, como se viu, mais de uma vez alinhado com uma visão da memória
como conservação de um registro estático da experiência do organismo e do sujeito
psíquico, que podia estar ou não acessível ao resgate, mas que permanecia
relativamente idêntico a si mesmo ao longo do tempo, salvo pelo eventual desgaste
passivo devido à corrupção de sua base física no cérebro. Restituído ao seu contexto,
a abordagem freudiana pode aparecer mais claramente como apontando para uma
visão dinâmica e integrativa da memória, protagonizada pela reorganização constante
das conexões ativas que formam o seu correlato neural. Assim, se a neurobiologia
contemporânea da memória se afastou consideravelmente das concepções do
localizacionismo oitocentista e da morfologia especulativa dos engramas, foi numa
direção que a aproxima de uma teoria como a de Freud e de outros autores que
tomaram a mesma orientação e/ou a desenvolveram nas décadas posteriores, até o
presente. O resultado é que Freud e as correntes teóricas psicanalíticas que deram
continuidade aos seus pontos de vista ainda parecem ser interlocutores relevantes
para o debate contemporâneo sobre a memória na psicologia e nas neurociências
cognitivas (SHEVRIN, 2014; BOCCHI; VIANA, 2012).
Uma concepção psicodinâmica sobre a memória remonta, sob muitos
aspectos, à natureza criativa que a memória tem em Freud, na qual a fantasia
inconsciente e o desejo são capazes de res-significar vivências e de instaurar novos
sentidos a partir da experiência passada. Existem aproximações entre aspectos da
teoria da memória em Freud, a neurobiologia subjacente ao conceito de facilitação
(Bahnung), a ideia de LTP e essa concepção dinâmica que desponta a partir de
investigações neurocientíficas mais recentes, a fim de apontar a existência de uma

42
mesma linha de pensamento sobre a memória, ligada à integração contínua de
funções psíquicas e à experiência do seu uso. Ou seja, se hoje a memória é entendida
sob um ponto de vista neurodinâmico, isso não foi inaugurado recentemente. A
novidade encontra-se nas evidências científicas e experimentais que lhe dão respaldo,
e que surpreendentemente corroboram algumas prerrogativas de Freud sobre o tema.
E Freud, ao que tudo indica, estava ciente das implicações da sua teoria
psicodinâmica sobre a memória quando a formulou como uma função construída ao
longo da história das vivências do aparelho psíquico. Através das vicissitudes do
aparelho, a percepção e a memória são modificadas por novas representações
trazidas pelas diferentes fases do desenvolvimento do indivíduo, o que imprime um
modo particular de organização e de atualização dos traços mnêmicos. Na Carta 52,
o autor se refere à memória como um “rearranjo” entre os processos: “o material
presente sob a forma de traços mnêmicos fica sujeito, de tempos em tempos, a um
rearranjo, de acordo com as novas circunstâncias – a uma retranscrição”. Empolgado,
anuncia a Fliess essa grande novidade: “o que há de essencialmente novo em minha
teoria é a tese de que a memória não se faz presente de uma só vez, e sim ao longo
de diversas vezes, e que é registrada em vários tipos de indicação” (BOCCHI; VIANA,
2012).

4 FREUD E A INSTABILIDADE TEÓRICA NA METAPSICOLOGIA

Fonte: encrypted-tbn0.gstatic.com

Para o historiador, a transformação da ciência constitui um desafio sério,


sobretudo na medida em que a mera verificação de uma teoria se torna difícil por
causa de seu caráter abstrato. Para o clínico interessado em aplicações, porém, é
também desorientador não encontrar uma base teórica firme sobre a qual possa
alicerçar sua prática. A existência de mudanças teóricas significativas indicaria

43
confusão por parte do cientista, o que comprometeria sua credibilidade. Daí uma baixa
tolerância para aquilo que podemos denominar instabilidade teórica, ou seja, a
constante reformulação de pressupostos na atividade teorizante do cientista
(TORRIANI; TRISTAN, 2016).
No âmbito da literatura psicanalítica, a questão da continuidade ou ruptura nas
teorias de Freud se mostrou uma falsa alternativa, requerendo uma abordagem mais
diferenciada. Após uma aprofundada análise do pensamento freudiano, Monzani
(2014) conclui que:

Trata-se de vários procedimentos e operações. [...] O que temos é sempre


uma progressiva rearticulação e redefinição dos conceitos determinada por
sua lógica interna e pela progressiva integração dos dados da experiência.
Ora se trata do aprofundamento e do alargamento de um conceito (sedução).
Ora se trata de uma progressiva diferenciação no interior de um mesmo
conceito (ego). Ora da emergência de uma noção implícita, mas ordenadora
(a pulsão de morte) etc. E cada uma dessas operações leva, por sua vez,
frequentemente, a que se obrigue a repensar o conjunto dos conceitos que
lhe são vizinhos e assim por diante. (MONZANI, 2014, p. 295).

Pelo movimento pendular, Monzani entende a alternação entre um polo e seu


oposto, seu exemplo disso sendo o tratamento dado aos conceitos de ego consciente
por um lado e o de inconsciente por outro lado. Freud teria inicialmente elaborado um
conceito de ego no Projeto de uma psicologia para neurológios (1895) que passaria
então por um certo abandono, durante o qual ele se ocupou do conceito oposto, o
inconsciente, até os anos 1920, quando voltaria a tratar do ego. Pelo movimento
espiralado, trata-se de entender “[...]essa imagem no espaço e cilindricamente, em
que as mesmas questões são abordadas, “esquecidas”, retomadas, mas não no
mesmo nível em que estavam sendo tratadas anteriormente” (MONZANI, 2014). Isso
sugere a figura da hélice, pois a espiral em três dimensões gera um cone.
Em seus escritos metapsicológicos, Freud relaciona explicitamente a questão
da instabilidade teórica com a sua compreensão do que seria um conceito, sobretudo
em duas breves passagens de Introdução ao narcisismo (1914) e Os instintos e seus
destinos (1915). Vejamos estes trechos na íntegra:

Não nos sentimos bem ao abandonar a observação em favor de estéreis


disputas teóricas, mas não podemos nos furtar a uma tentativa de
esclarecimento. É certo que noções como a de uma libido do Eu, energia dos
instintos do Eu e assim por diante não são particularmente fáceis de
apreender nem suficientemente ricas de conteúdo; uma teoria especulativa
das relações em jogo procuraria antes de tudo obter um conceito nitidamente
circunscrito como fundamento. Acredito, no entanto, ser justamente essa a

44
diferença entre uma teoria especulativa e uma ciência edificada sobre a
interpretação da empiria. Esta não invejará à especulação o privilégio de uma
fundamentação limpa, logicamente inatacável, mas de bom grado se
contentará com pensamentos básicos nebulosos, dificilmente imagináveis, os
quais espera apreender de modo mais claro no curso de seu
desenvolvimento, e está disposta a eventualmente trocar por outros. Pois
essas ideias não são o fundamento da ciência, sobre o qual tudo repousa; tal
fundamento é apenas a observação. Elas não são a parte inferior, mas o topo
da construção inteira, podendo ser substituídas e afastadas sem prejuízo. Em
nossos dias vemos algo semelhante na física, cujas concepções básicas
sobre matéria, centros de força, atração etc. não seriam menos problemáticas
do que as correspondentes na psicanálise. (FREUD, [1914] 2010, p. 13).

Tomando como referência a física, o pai da Psicanálise esclarece que entende


a empiria como fundamento da ciência e a teoria como uma superestrutura
descartável. Os fatos clínicos permaneceriam inalterados como pedras coloridas num
caleidoscópio, e as hipóteses poderiam ser reformuladas, dando-nos múltiplas
interpretações. Podemos notar inicialmente a dificuldade de que tal substitutibilidade
requereria um desacoplamento total da empiria em relação à teoria, o que é impossível
após a aquisição da linguagem, pois pelo menos alguns fatos terão que ser
interpretados segundo conceitos (ou habilidades categorizadoras verbais). Em
outras palavras, não é possível termos uma empiria puramente nocional ou intuitiva,
pré-verbal), logo, alguns conceitos deverão permanecer após o processo de revisão
teórica. Freud opõe uma teoria especulativa a uma ciência intérprete da empiria,
reconhecendo que a primeira poderia se dar ao luxo de procurar conceitos claros e
fixos como fundamento. A, porém, supostamente teria que se contentar apenas com
conceitos imprecisos e mutáveis. Deste modo, a consulta à experiência não precisaria
de maiores controles lógicos. A teoria especulativa se moveria de cima para baixo, ao
passo que a ciência empírica - interpretativa avançaria no sentido inverso, de baixo
para cima. Fica sugerido, pouco convincentemente, que o lidar com a empiria seria
razão suficiente para eximir o pesquisador de maior rigor lógico e controle
experimental (TORRIANI; TRISTAN, 2016).
A Física é invocada como referência metodológica, apesar da grande
diferença entre o seu objeto de estudo e o da Psicologia. Como observa Kathleen
Wilkes, “Freud me parece ter sido um daqueles que acolhiam as ciências físicas como
um superego para a Psicologia em geral. ” Pode-se perceber agora também um
cuidado maior em reconhecer a impossibilidade de se evitar o uso de conceitos na
descrição dos fenômenos. Se, na passagem citada do ano anterior, poderia talvez ter

45
havido um pressuposto mais ingenuamente empirista, agora Freud parece admitir o
que Immanuel Kant poderia ter considerado serem conceitos empíricos. O caráter
convencional dos conceitos é aceito, pois sem maleabilidade não haveria avanços
científicos, mas isso seria distinto de uma mera arbitrariedade. É bom lembrar que, na
sua autocompreensão, Freud se imagina como o fundador de uma nova ciência que,
por meio de sua capacidade de intervenção terapêutica, poderia trazer grandes
benefícios (ou malefícios) à humanidade. Como vimos, segundo o pai da Psicanálise,
haveria pelo menos dois momentos na prática científica. O primeiro momento seria o
de uma abordagem necessariamente confusa e exploratória da experiência. Não é
claro, porém, porque o pesquisador não poderia e não deveria tentar buscar clareza
conceitual. Freud afirma que a experiência não seria a fonte dos conceitos, mas, ao
contrário, que os dados estariam submetidos aos conceitos, e o sentido destes últimos
seria continuamente negociado. Deste modo, parece haver um afastamento da
concepção empirista ingênua da ciência e uma aproximação a um tipo de
convencionalismo ou mesmo pragmatismo. O segundo momento seria um de
rearrumação lógica, em que os conceitos seriam revistos para que se tornassem mais
consistentes, mas Freud avisa que mesmo assim o progresso da ciência exigiria do
teórico conceitos maleáveis. Estas duas passagens se limitam a registrar instantes no
que podemos chamar o devir (evitaremos o termo ‘desenvolvimento’) teórico
freudiano, em que a reflexão metodológica se mostra incontornável. Devem ser
tomadas pelo que são, sem tentativas de extrapolação ou generalização indevida
(TORRIANI; TRISTAN, 2016).

46
5 HABITAR O INÓSPITO: A CONDIÇÃO HUMANA

Fonte: data:image/jpeg

“Na angústia, ele sente-se '‘estranho’'” (2012), escreveu Martin Heidegger,


naquela que é conhecida por ser uma das obras mais notáveis do século XX, a saber,
Ser e Tempo. Apresentando a angústia como uma abertura ao estranho, o a
inospitalidade do Dasein. Não se tratava, todavia, de um simples lampejo autor em
meio a uma obra marcada exatamente pela aridez de linguagem. Ao contrário, essa
frase revela, sobretudo, a condição fundamental do existir humano. Iniciar por ela,
portanto, transcende a um mero recurso estético ou de estilo, porquanto lança-nos de
imediato para aquele que é o tema central da presente tese, especificamente, a
condição de indeterminação revelada pelo afeto da angústia. Além disso, ela nos
serve de ponto de partida para pensar um possível diálogo entre as preocupações
ontológicas do filósofo alemão e aquelas que, suspeitamos, ocuparam o psicanalista
Sigmund Freud. Este, ao desenvolver os alicerces da metapsicologia, apresentou a
angústia como uma manifestação afetiva desvinculada de qualquer objeto e, por isso,
como uma expressão privilegiada da pulsão em toda sua potência de indeterminação
e estranheza. Assim, se para Freud as pulsões são marcadas pela indeterminação de
seu objeto e estão no fundamento do aparelho psíquico, para Heidegger, o nada é o
lugar onde se sustenta o existir humano. Em todo caso, parece que para ambos é a
radical face da indeterminação que está em questão quando a angústia se manifesta.
Caso as coisas se deem desse modo, então, talvez não soe demasiado arriscado

47
afirmar que a angústia, tal como a concebem Heidegger e Freud, abre a possibilidade
de se conquistar um solo comum de diálogo entre o filósofo e o psicanalista, naquilo
em que apontam para os fundamentos do desenvolvimento psíquico e emocional
humano (BARBOSA, 2020).

5.1 O inconsciente freudiano

É preciso ter clareza de qual é o objeto da psicanálise. Ainda que o biológico


exista e não seja recusado por Freud, não é o seu objeto. O objeto da psicanálise é o
psíquico, em particular, o inconsciente.
Nas Conferências Introdutórias, Freud demarca o campo psicanalítico:

Essa é a lacuna que a psicanálise busca preencher. Ela pretende fornecer à


psiquiatria o fundamento psicológico faltante; espera descobrir o terreno
comum a partir do qual se possa compreender a convergência do distúrbio
físico e do psíquico. Para tanto, é necessário que ela se mantenha livre de
todo e qualquer pressuposto anatômico, químico ou fisiológico que lhe seja
estranho, que trabalhe com conceitos auxiliares puramente psicológicos, e é
por essa mesma razão que, receio, ela lhes parecerá estranha inicialmente
(FREUD, 1916a, p. 27).

A razão por que Freud recorre a essa analogia é para argumentar que as
instâncias operam com leis diferentes: “essa diferenciação espacial corresponde a
uma diferenciação funcional, na medida em que cada um desses lugares é regulado
por leis próprias, constituindo assim uma espécie de subsistema no interior do
aparelho”. Precisamos distinguir, então, inconsciente, pré-consciente e consciente.
Em uma nota de rodapé de 1919, Freud identifica a consciência com a percepção. A
consciência, diz Freud: “nada mais é do que um órgão sensorial para a percepção de
qualidades psíquicas” (ZAIDAN et al, 2019).
No sentido dinâmico, podemos diferenciar o inconsciente do pré-consciente,
pois enquanto o último caracteriza conteúdos que, ainda que não estejam na
consciência, podem se tornar conscientes a qualquer momento, o reprimido
caracteriza conteúdos que apesar de sua intensidade não podem se tornar
conscientes. O aspecto dinâmico expressa o jogo de forças que ocorre no aparelho
psíquico. O inconsciente enquanto sistema está presente na concepção de que as
localidades psíquicas são regidas por leis próprias. Enquanto o inconsciente é regido
predominante mente por processos primários, na consciência e no pré-

48
consciente predominam processos secundários. Dizemos predominantemente porque
Freud nos faz uma advertência importante, a respeito da presença da consciência
durante o sonho, de que isto: “nos alerta contra identificar os processos primários com
processos inconscientes” (ZAIDAN et al, 2019).

5.2 Eu na teoria freudiana

Fonte: encrypted-tbn0.gstatic.com

Basicamente, Longuenesse afirma que é possível que o Eu de Freud seja


considerado como um descendente da unidade transcendental da apercepção de
Kant. Assim como, para Kant, o uso do Eu no Eu penso estaria conectado à
consciência de uma unidade de conteúdos mentais ordenada por regras lógicas, a
saber, à consciência de que se está engajado em uma atividade, que o indivíduo
considera como própria, de ligação de representações de acordo com regras, o
conceito freudiano de Eu também consistiria em uma organização de eventos mentais
cujos conteúdos apresentariam um tipo específico de unidade, na medida em que os
últimos seriam estruturados conforme regras lógicas elementares, levando em conta
que o Eu é governado pelo princípio de realidade e opera por processos psíquicos
secundários, segundo a terminologia psicanalítica de Freud (CORDEIRO, 2014).
A primeira relação explorada por Longuenesse, a mais próxima da hipótese
geral e aquela que se pretende retomar, consiste no seguinte paralelo - da mesma
forma que a unidade transcendental da apercepção, que fundamenta o uso do Eu no
Eu penso, é uma condição necessária para a aquisição de conceitos, para a ligação
dos conceitos em juízos e inferências e para que haja “representações de objetos
externos sistematicamente conectadas” (LONGUENESSE, 2017), o Eu de Freud “é

49
aquele aspecto da nossa vida mental cujos conteúdos intencionais obedecem regras
lógicas elementares e são ordenados de acordo com o ‘princípio de realidade’” (idem,
ibidem). Tanto a unidade da apercepção quanto o Eu referem-se, em última análise,
a organizações de processos mentais que encontram sua expressão nos conceitos e
nos juízos - no pensamento discursivo, nos termos kantianos; nos processos
psíquicos secundários sob o império do princípio de realidade, segundo Freud. Como
parte da justificativa, Longuenesse recorre a duas referências que compõem a
extensa obra do psicanalista; de modo mais rápido, ao texto intitulado Formulações
sobre os dois princípios do acontecer psíquico, publicado em 1911, e ao artigo de
1923, O Eu e o Isso, que é a fonte principal da autora quanto à noção freudiana de Eu
(FILLA, 2019).
Nas Formulações, a principal preocupação de Freud é indicar algumas
consequências resultantes da imposição do princípio de realidade ao aparelho
psíquico. Para uma breve explanação, é suficiente recuperar do texto freudiano que,
a princípio, em seu funcionamento primário, os processos psíquicos eram governados
pelo princípio de prazer, cuja tendência se resumia à satisfação, mas este estado de
repouso psíquico passa a ser perturbado por urgentes necessidades internas. O
organismo, que procurava livrar-se de qualquer aumento de tensão que lhe afligia,
tenta o caminho da satisfação alucinatória de desejo para resolvê-lo, por meio da
reanimação de traços mnêmicos do objeto desejado, retidos de vivências anteriores
de satisfação. Contudo, a via alucinatória se mostra ineficaz para eliminar os estímulos
endógenos, que continuam perturbando o indivíduo, de modo que, logo no início de
seu desenvolvimento, ele se vê obrigado a buscar uma alteração no mundo real que
viabilize a satisfação – “Assim se introduziu um novo princípio na atividade psíquica;
já não se representou o que era agradável, mas sim o que era real, ainda que fosse
desagradável” (FILLA, 2019).
Contudo, a imposição desse novo princípio, representante da realidade, não se
desenrola sem consequências, as quais, como já foi dito, são elencadas por Freud, a
começar por uma série de adaptações do aparelho psíquico, como o aumento da
importância dos órgãos sensoriais dirigidos ao mundo exterior, da consciência ligada
a eles e o desenvolvimento das funções da atenção e da memória. Todavia,
Longuenesse destaca especialmente o papel do princípio de realidade quanto ao

50
surgimento da capacidade de formar juízos, visto que, depois do seu estabelecimento,
ao invés de excluir ideias causadoras de desprazer dos processos associativos
através da repressão, “surgiu o juízo imparcial que decidiria se uma determinada
representação era verdadeira ou falsa, quer dizer, se estava ou não em consonância
com a realidade; e o fazia por comparação com os traços mnêmicos da realidade”.
Em outras palavras, o estabelecimento do princípio de realidade passa a exigir que o
indivíduo diferencie percepção objetiva de recordação e julgue se é possível
reencontrar um objeto real que corresponda àquilo que é representado
subjetivamente. Este exame de realidade, que busca inibir o investimento de uma
imagem mnêmica até a alucinação, é uma das atribuições do Eu, conforme virá a
afirmar Freud. É ao que Longuenesse (2017) parece se referir quando afirma que o
Eu nos permite “adquirir uma representação perceptiva confiável do mundo”.

6 FANTASIA E REALIDADE PARA A PSICANÁLISE FREUDIANA

Fonte: data:image/png

Investigar o estatuto da realidade para a Psicanálise tem grande relevância


clínica, uma vez que permite situar a especificidade da clínica psicanalítica ao se
propor a operar com o sujeito do inconsciente. Tem ainda interesse particular na
atualidade quando a noção de indício, derivada da Medicina baseada em evidências,
ganha destaque e poder nos discursos sobre tratamentos psicológicos. Pode-se,
assim, apresentar algumas questões: qual a relação das fantasias inconscientes, da
realidade psíquica, com os eventos sociais? Como correlacionar o que ocorre na cena

51
social com o que ocorre no que Freud nomeou como Outra Cena, palco das fantasias?
Esclarecer o sentido em que essas relações podem ser pensadas implica situar como
a Psicanálise poderia ler, por exemplo, os efeitos das modificações sociais
contemporâneas para o sujeito. Essa discussão mostra a forma como a Psicanálise,
de modo subversivo e na contramão da perspectiva de controle defendida pela
sociedade contemporânea, traz o sujeito como resposta inédita. Assim, a noção de
realidade permite situar como a clínica psicanalítica deve operar e como considerar o
discurso e a narrativa do paciente. Permite, ainda, discutir como a Psicanálise se
posiciona eticamente na cultura. Trata-se, então, de uma noção bastante específica
para a Psicanálise, polêmica, mas fundamental para o entendimento da própria
Psicanálise, especialmente de suas práxis.
Freud elabora a Psicanálise a partir da escuta de suas pacientes histéricas e
da consideração daquilo que em seus relatos remetia ao que nomeou como Outra
Cena, o Inconsciente. Ou seja, a Psicanálise surge de uma demanda clínica de um
trabalho que reconfigura essa demanda. Assim, considera-se que a Psicanálise
fulgura no momento em que Freud declara que sua escuta analítica não tinha como
desígnio extrair informações sobre os fatos, mas sobre as fantasias inconscientes.
Isto é, a Psicanálise passa a existir quando Freud afirma que se interessa pela
realidade psíquica.
O sintoma histérico foi lido por Freud como uma solução de compromisso entre
forças conflitantes. Essa construção diante do não suportável, conflitivo, resultaria na
conversão histérica, a qual mostra que Freud aposta em uma realidade psíquica,
havendo, portanto, a passagem da consideração do trauma como evento social para
evento inconsciente. Consequentemente, as mulheres ditas histéricas encontravam
na expressão corporal do sintoma a maneira legítima de denunciar a opressão que as
acometia. Uma vez que ninguém estava disposto a promover uma escuta dessa
angústia, essas mulheres encontraram em Freud ouvidos dispostos à escuta daquilo
que não se pode dizer.
Como ratifica Copos (2013), o corpo humano inclui-se na análise. É a partir
desse corpo que a Psicanálise instaurou uma realidade que se difere da realidade
compartilhada: uma realidade psíquica. Freud esbarra na realidade psíquica da
histérica vendo ali uma expressão do psiquismo como uma forma de arranjo de seu

52
inconsciente ao tentar significar corpo e realidade. Na obra “Estudos sobre a histeria”,
Freud aponta três pontos basilares da histeria: haveria um episódio traumático tendo
relação com impulsos libidinais que foram recalcados; os sintomas histéricos não
estavam desconexos, havia uma lógica, eles faziam sentindo e tinham um porquê de
ser; e uma alternativa para se buscar a cura seria a evocação da lembrança traumática
seguida por um episódio catártico. Ele precisou redimensionar esses pontos para
elaborar a Psicanálise.
A clínica da histeria conduz Freud à adoção da hipótese do inconsciente e à
extração das consequências clínicas dessa hipótese de trabalho, empreendimento
que será a veia condutora de toda a sua obra. Assim, é situando a fantasia
inconsciente como realidade psíquica que Freud cria a Psicanálise, ainda que a
realidade psíquica se constitua a partir de um hiato, de uma falta. Para se
aprofundarem essas noções, remete-se à experiência do desamparo descrita por
Freud nos primórdios de sua obra (REIS E SILVA, 2020).

7 FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE SEGUNDO A PSICANÁLISE

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Para a Psicanálise, a formação da personalidade coincide com a formação e
estruturação da mente. Para Freud, o ser humano não é um indivíduo. Isso porque ele
está “dividido”. Seus desejos, suas razões e seus apelos morais não coincidem. Pois
são formados em momentos diferentes da vida, usando estruturas mentais diferentes.

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A infância tem papel essencial na formação da personalidade. Para Freud, a
infância já é um lugar da sexualidade, do desejo, das pulsões. E os eventos da
infância, mesmo quando “esquecidos” (recalcados), podem perdurar por toda nossa
vida, guiando nossas percepções, emoções e crenças. Polêmicas, ousadas e radicais,
suas teorias a respeito de fenômenos como interpretação dos sonhos, sexualidade e
inconsciente ainda são alguns dos temas mais estudados e criticados nesse campo
de saber. Como se sabe, a motivação sexual foi muito enfatizada por Freud,
particularmente, nos seus primeiros trabalhos. Uma das mais conhecidas - as cinco
fases do desenvolvimento psicossexual da criança - ainda provoca acaloradas
discussões entre os profissionais da área (FERREIRA, 2014).
De acordo com Freud, as crianças passam por cinco fases de
desenvolvimento:

I – A fase oral (0 – 1 ano)


Desde o nascimento, Freud afirma que a primeira fase de desenvolvimento de
uma criança se concentra na região oral. Tendo como exemplo principal foco a
amamentação da mãe, a criança obtém prazer no momento da sucção e sente
satisfação com a nutrição proporcionada pelo ato. Caso a amamentação fosse
interrompida precocemente, o autor afirmava que a criança teria atitudes suspeitas,
não confiáveis ou sarcásticas, enquanto aquela que for constantemente amamentada
terá uma personalidade confiante e ingênua. Com duração de um ano a um ano e
meio, a fase oral termina com na época do desmame.

II – A fase anal (1 – 3 anos)


Após receber orientações sobre higiene íntima, a criança desenvolve uma
obsessão para com a região anal e o ato de brincar com as próprias fezes. Freud
afirmava que a criança vê esta fase como uma forma de se orgulhar das suas
"criações", o que levaria à personalidade "anal expulsiva". A criança poderia também
propositadamente reter seu sistema digestivo como forma de confrontar os pais, o que
levaria à personalidade "anal retentiva". Esta fase tem duração de um a dois anos.

III – A fase fálica (3 – 5 anos)

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De acordo com o psicanalista, a fase fálica é a mais crucial para o
desenvolvimento sexual na vida de uma criança. Ela se concentra nos órgãos genitais
- ou a falta deles, se a criança for do sexo feminino - e os complexos de Édipo ou
Electra surgiriam. Para um homem, a energia sexual é canalizada no amor por sua
mãe, levando a sentimentos de inveja (às vezes violentos) contra o pai. Geralmente,
no entanto, o menino aprenderá a se identificar com o pai, em termos de órgãos
genitais correspondentes, reprimindo assim o complexo de Édipo. Por outro lado, o
complexo de Electra, embora Freud não tenha sido tão claro assim, principalmente
diz respeito ao mesmo fenômeno, porém invertido, para as meninas. Esta fase dura
de três a quatro anos.

IV – O período de latência (5 anos – puberdade)


Freud dizia que o período de latência no desenvolvimento da criança não é
um período psicossexual, mas sim uma fase de desejos inconscientes reprimidos.
Neste período, a criança já superou o complexo da fase fálica e, embora desejos e
impulsos sexuais possam ainda existir, eles são expressos de forma assexuada em
atividades como amizades, estudos ou esportes, até o começo da puberdade.

V- A fase genital (puberdade e vida adulta)


Segundo Freud, na fase genital, a criança mais uma vez volta a sua energia
sexual para seus órgãos genitais e, portanto, em direção às relações amorosas. Ele
diz que esta é a primeira vez que uma criança quer agir de acordo com seu instinto
de procriar. Os conflitos internos típicos das fases anteriores atingem aqui uma relativa
estabilidade conduzindo a pessoa a uma estrutura do ego que lhe permite enfrentar
os desafios da idade adulta. Neste momento, meninos e meninas estão ambos
conscientes de suas identidades sexuais distintas e começam a buscar formas de
satisfazer suas necessidades eróticas e interpessoais (FERREIRA, 2014).

7.1 A formação da personalidade segundo a Teoria Estrutural

As observações feitas por Freud revelaram uma série interminável de conflitos


psíquicos. A um instinto opunha-se outro. Eram proibições sociais que bloqueavam
pulsões biológicas e os modos de enfrentar situações que se chocavam.

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Freud tentou ordenar este caos aparente propondo três hipotéticas instâncias da
formação da personalidade: id, ego e superego.

7.2 O ID

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É no Id que estão as pulsões. O Id é irracional, ilógico e impulsivo. O Id busca


o prazer, desconsiderando as consequências. Ele quer a satisfação imediata de seus
impulsos. O Id pode ser comparado a um cavalo que tem muita força, mas que
depende do cavaleiro para usar adequadamente essa força.
Os conteúdos do Id são quase todos inconscientes, e isto inclui as
configurações mentais que nunca se tornaram conscientes, da mesma forma como o
material que não foi aceito pela consciência.
Um pensamento ou uma lembrança, que foi excluído da consciência, mas que
se encontra na área do Id, será capaz de influenciar toda vida mental de uma pessoa
(QUEDER, 2018).
O id representa e se faz lugar da parte pulsional da vida psíquica humana, ele
não conhece nem normas (interditos ou exigências) nem realidade (tempo ou espaço)
e é regido unicamente pelo princípio do prazer, pela satisfação imediata e
incondicional de seus imperativos. O id é, portanto, o eixo fundamental das pulsões
sexuais. Trata-se de uma instância inteiramente inconsciente. Em A decomposição da
personalidade psíquica, Freud nos diz que ele:

[…] é a parte obscura, inacessível, de nossa personalidade; o pouco que


nós sabemos dele, o aprendemos pelo estudo do trabalho dos sonhos e da
formação de sintomas neuróticos, e o essencial disto possui um caráter
negativo, não se deixando descrever em posição oposta ao ego.

Enquanto instância completamente inconsciente, o id é vivido como algo que


faz irrupção a despeito do ego e do superego, ele faz fazer e ao mesmo tempo tende

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a escapar de toda possibilidade de discernimento. Podemos encontrar neste ponto
um aspecto impessoal justamente onde existe um ponto que se impõe de maneira
inconsciente, como a experiência de uma força quase exterior e não menos imperativa
por isso. Ele possui um aspecto impessoal exatamente lá onde é inconsciente, onde
o indivíduo encontraria dificuldades a se reconhecer. Em francês – língua na qual
Deleuze e Guattari leram Freud e o criticaram –, podemos ilustrar tal questão de
maneira ainda mais precisa graças ao uso corrente e pronominal da palavra que é
usada para traduzir o que no Brasil foi traduzido como id18: le ça pode ser traduzido
como o id ou o isto. Esta segunda variante, talvez menos freudiana, nos mostra
entretanto o caráter impessoal de tal instância pelo simples fato de que se trata de um
pronome demonstrativo substantificado, sublinhando justamente este aspecto do
problema de descentramento da personalidade (MARTINS, 2015).

7.3 O EGO

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O Ego está em contato com a realidade. Funciona a nível consciente e pré-


consciente, embora também contenha elementos inconscientes. O Ego protege o Id,
mas extrai dele a energia suficiente para suas realizações. O Ego tem a tarefa de
garantir a saúde, segurança e sanidade da personalidade (autopreservação).
Ego tem a função controlar as exigências dos instintos do Id, decidindo se elas
devem ou não ser satisfeitas, adiando-as para momentos mais favoráveis ou as
suprimindo inteiramente. O ego busca o prazer e evita o desprazer. Assim, o ego é
originalmente criado pelo Id, na tentativa de melhor enfrentar as necessidades de
reduzir a tensão e aumentar o prazer. Contudo, para fazer isto, o Ego tem de controlar

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ou regular os impulsos do Id, de modo que a pessoa possa buscar soluções mais
adequadas, ainda que menos imediatas e mais realistas (QUEDER, 2018).
O ego é uma espécie de altar das identificações, ele é propriamente um produto
das relações identificatórias. Depois da concepção de um superego de cunho arcaico
e que foi determinado por imagines parentais de certa forma herdadas pelo complexo
de Édipo, as identificações sucessivas que nos acometem fazem com que ao longo
desta lógica sucessiva nos distanciemos gradativamente dos pais de uma cena
arcaica, numa trajetória rumo a uma impessoalidade crescente. O ego é uma instância
que abre o indivíduo a uma multiplicação de referências identificatórias que ultrapassa
e excede a rigidez marcadamente mais regressiva do superego. A respeito desta
questão, Freud nos diz:

Não esqueçamos […] que a criança aprecia seus pais diferentemente nas
diversas épocas de sua vida. Na época em que o complexo de Édipo cede
seu lugar ao superego, eles são certamente grandiosos, e posteriormente
testemunham de uma grande desvalorização. Produzem-se então também
identificações com certos pais posteriores (educadores, chefes…), tais
identificações fornecem regularmente contribuições importantes à formação
do caráter, mas concernem apenas ao ego; elas não influenciam mais o
superego, que foi formado a partir das imagines parentais.

O ego é lugar de toda identificação que se dá num tempo lógico posterior ao


campo identificatório mais regressivo do psiquismo humano, isto é, das chamadas
identificações primárias, que foram para o indivíduo os trilhos para uma saída no
declínio do complexo de Édipo e cederam seus lugares ao superego (MARTINS,
2015).

7.4 O SUPEREGO

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O Superego se desenvolve a partir do Ego e atua como um juiz ou censor sobre


as atividades e pensamentos do Ego.
Nele estão os códigos morais, modelos de conduta e os parâmetros que
constituem as inibições da personalidade. Freud descreve três funções do Superego:
consciência, auto-observação e formação de ideais.
Enquanto consciência pessoal, o Superego age tanto para restringir, proibir ou
julgar a atividade consciente, porém, ele também pode agir inconscientemente. As
restrições inconscientes são indiretas e podem aparecer sob a forma de compulsões
ou proibições. O Superego tem a capacidade de avaliar as atividades da pessoa,
independentemente das pulsões do Id para tensão-redução e independentemente do
Ego, que também está envolvido na satisfação das necessidades (QUEDER, 2018).
Esta instância psíquica é apresentada por Freud como uma herdeira
transgeracional que remonta, ao menos, aos avós quando estes imprimiram um
superego aos pais e estes imprimiram um superego em seus filhos. O superegonão
se constituiria a partir de uma identificação aos pais, mas a partir da transmissão do
superego que foi transmitido aos pais pelos avós, e assim por diante no sentido
ascendente. Freud supõe também a existência de uma temporalidade surperegoica
marcadamente arcaica que se dá em uma relação viva com o passado e as tradições
de cada povo, nas origens do que Freud chamava de Kultur. Algumas linhas de A
decomposição da personalidade psíquica a respeito da temporalidade em jogo nas
questões do superego:

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O superego da criança não se edifica verdadeiramente sobre o modelo dos
pais, mas sobre o modelo do superego dos pais; ele se preenche do mesmo
conteúdo, ele se torna um portador da tradição, de todos os julgamentos de
valor à prova do tempo que por esta via são perpetuados geração após
geração […] nesta tradição da raça e do povo, que só cede muito lentamente
à influência do presente, às novas modificações. Este passado age através
do superego depois de muito tempo, ele tem um papel importante na vida
humana, independente das condições econômicas.

Presumimos encontrar nessa instância psíquica portadora de toda uma


tradição, um papel que ultrapassa a forma de experiência subjetiva que atribuímos a
uma pessoa e remonta aos mais diversos interditos ascendentes, ancestrais. Neste
sentido, grosso modo, para o que Freud apresenta como sendo o superego, não há
descendência, apenas ascendência. Em última instância, toda descendência é
produzida e sobre determinada pela ascendência à qual remontaria uma genealogia
do superego. Neste aspecto, o indivíduo se encontra finalmente reduzido a um ponto
de uma linhagem da espécie humana e da sua própria família. A relação entre o
indivíduo e sua genealogia superegoica seria assim uma concepção impessoal e
quase metafísica do superego (MARTINS, 2015).

7.5 Relações entre os três componentes da psique na formação da


personalidade

Fonte: miro.medium.com

A meta fundamental da psique é manter e/ou recuperar um nível aceitável de


equilíbrio dinâmico que maximiza o prazer e minimiza o desprazer.
Todo o processo inicia-se no Id, que é de natureza primitiva, instintiva. 0 ego,
surge do id e existe para lidar com a realidade das pulsões básicas do id e também
atua como mediador entre as forças que operam no Id e no Superego e as exigências
da realidade externa. O Superego, surge do ego, e age como um freio moral ou uma

60
força contrária aos interesses do ego. Ele determina normas que definem e limitam a
flexibilidade do Ego.
É necessário esforço para tornar consciente os conteúdos do inconsciente
O id é inteiramente inconsciente, o ego e o superego o são em parte. “Grande
parte do ego e do superego pode permanecer inconsciente e é normalmente
inconsciente. Isto é, a pessoa nada sabe dos conteúdos dos mesmos e é necessário
despender esforços para torná-los conscientes”. O propósito da psicanálise nesses
termos, o propósito prático da psicanálise “é, na verdade, fortalecer o ego, fazê-lo mais
independente do superego, ampliar seu campo de percepção e expandir sua
organização, de maneira a poder assenhorear-se de novas partes do id” (QUEDER,
2018).

8 NEUROSE E PSICOSE

Fonte: encrypted-tbn0.gstatic.com

Os primeiros escritos da obra freudiana categorizavam transtornos emocionais


em três grupos e Freud os denominava de psiconeuroses. As neuroses atuais
compunham o primeiro agrupamento, caracterizando-se como transtornos emocionais
resultantes da ausência ou inadequação da satisfação sexual; seus sintomas não
eram de natureza simbólica. Para tal transtorno a investigação deveria ser direcionada
para as desordens sexuais atuais e não em acontecimentos importantes da vida
passada. Sua etiologia, neste sentido, é somática e não psíquica. Essa denominação
está em desuso na psicanálise, entretanto, recentemente tem servido como

61
embasamento para o estudo da psicossomática. As neuroses de transferência
constituem o segundo grupo. Elas foram também chamadas de psiconeuroses de
defesa. Este agrupamento engloba as histerias, fobias e as neuroses obsessivas.
Segundo Freud, apenas estas poderiam produzir a transferência, pois para isso seria
necessário dirigir catexias libidinais às pessoas. O terceiro grupo era composto pelas
neuroses narcísicas, ou seja, as psicoses. De acordo com Freud, a psicanálise não
reunia condições para tratar pacientes acometidos desse tipo de neurose. A
justificativa usada pelo fundador da psicanálise era a de que tais pacientes não
conseguiam a revivescência do conflito patogênico e a superação da resistência
devido à regressão. Freud supunha que essas pessoas abandonavam as catexias
objetais e que sua libido objetal se transformava em libido do ego (POLETTO, 2012).
Nos trabalhos iniciais de Freud verifica-se uma distinção mais radical entre
neurose e psicose. Correspondendo às neuroses, os conflitos interiores do indivíduo,
cujo significado inicial lhe escapa, remetendo para os conflitos infantis recalcados que
serão acessíveis pela transferência. Já as psicoses envolvem os conflitos entre o
indivíduo e o mundo, pouco ou dificilmente acessíveis pela transferência, mesmo com
revelações diretas do inconsciente. No Rascunho H, a paranoia, Freud classifica então
como psicoses: a confusão alucinatória, a paranoia e a psicose histérica. No texto “As
neuropsicoses de defesa”, Freud refere que os pacientes que analisou apresentavam
boa saúde antes do adoecimento. Entretanto, em determinado momento “houve uma
ocorrência de incompatibilidade em sua vida representativa”. Isto é, seu eu foi
confrontado com uma experiência, representação ou sentimento que provocou um
afeto aflitivo que o indivíduo optou por esquecê-lo. Sendo assim, percebe-se uma
dificuldade de mediação entre a representação incompatível e seu próprio eu
(POLETTO, 2012).
Freud afirma que quando a defesa utilizada contra uma representação
incompatível é efetivada, separando-a do seu afeto, esta representação permanece
na consciência, embora enfraquecida e isolada, o mecanismo em ação nessa situação
é o de recalcamento (verdrängung) que é caracteristicamente usado pelas neuroses.
Conforme Verdrängung é habitualmente traduzido como recalque ou repressão. Esta
palavra vem do verbo verdrängeng, que significa em alemão empurrar para o lado,
desalojar. Este verbo ainda remete a uma sensação de sufoco, de incomodo que leva

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o sujeito a desalojar, deixar de lado o material que o incomoda. Entretanto, segundo
essa significação, tal material permanece junto ao sujeito, pressionando pelo retorno,
e exigindo a mobilização de esforço para mantê-lo longe. Partindo desses elementos,
as conotações mencionadas da significação relacionadas ao termo verdrängung se
aproximam ao emprego do termo no contexto psicanalítico (POLETTO, 2012).
O recalque, mecanismo de defesa relacionado por Freud às neuroses, não
consegue eliminar a fonte pulsional que, de maneira constante, emite estímulos que
chegam à consciência e reivindicam satisfação. O que este mecanismo faz é empurrar
para o lado e não extinguir por definitivo determinado conteúdo. O material recalcado
está de certa forma presente também em sua ausência e, mesmo desalojado, se
manifesta à distância. Ele pressiona pela volta à consciência, fica numa espécie de
‘salão contíguo ao consciente’ tentando o retorno, já que sua manutenção afastada
exige um esforço para mantê-lo fora de cena. O recalque é um estado que exige
grande empenho de força para se manter, pois a pressão pelo regresso é constante.
Este retorno aparecerá, segundo Freud, sob a forma de sintomas, dos atos falhos,
dos chistes e dos sonhos (POLETTO, 2012).

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