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BREVE CURSO DE TUPI ANTIGO

Prof. Joubert Di Mauro

Primeira Parte

É com muito prazer que lhes ofereço as quatro aulas iniciais da primeira parte
do nosso curso de tupi antigo. Excluídos os conteúdos literários, é o mesmo
curso que já ofereço por email e que teve uma repercussão como jamais
imagináramos. Espero que vocês gostem também do curso nesta formatação,
adaptada à rede:

Primeira Aula

O ALFABETO

Uma das maiores dificuldades quando a gente inicia o estudo do tupi é a grafia
das palavras, cada autor escreve como está acostumado a escrever no alfabeto
da sua lingua e adota uma série de sinais gráficos para interpretar os sons que
não percebe bem.

1. O y, principalmente, tem um som típico. Para pronunciá-lo corretamente é


preciso colocar os lábios na posição de i e a lingua na posição de u, que é o
inverso do som do u francês, embora muitos digam que pareça o u francês.

Se depois do y vier uma vogal, como em yara, a impressão que se tem ao


ouvir o som é de y(g)ara, parece um g. Para este som de y já se viu tudo que é
grafia possível: u, com trema, y com circunflexo, i com circunflexo, etc.
O Padre Anchieta grafava y(g).

ABARÉ
Nós vamos procurar ficar fora destas dificuldades e adotar o alfabeto
português com algumas pequenas alterações.

2. O som do (R) é sempre leve,brando, mesmo no início de palavras. Nunca


tem o som forte que usamos em rato. Rana, Rura, se falará sempre com o som
de Paris,arame,etc...

3. O som do (S) é meio chiado, não tão sibilado e nunca terá o som de z,
mesmo que fique entre duas vogais. No caso,como em português e para
facilitar a nossa pronúncia, coloca-se dois ss, como em essá=olho, mas
poderia ser esá e o som seria o mesmo. Encontra-se eçá em muitos autores.

4. O u depois do q, como em palavras que soam Que e Qui, é líquido, não


aparece, portanto, vamos substituí-lo pelo k que é o som exato. Ke e Ki. Itaqui
será itaki e em vez de Quera, escreveremos Kera=dormir. (Pitúna okéri = A
noite adormecida)

Jassytatá etá

5. O d inicial nunca é puro, é um d nasal, isto é, nd e mesmo no meio da


palavra o som é nasal. O b tem sempre o som nasal, próximo a mb,
principalmente no meio das palavras. As consoantes são bastantes dúbias e
confusas, principalmente o P, o B e o M. Exemplos: Burity, Murity, Maranã,
Paranã, Biri, Piri, são palavras que comumente se confundem. E o c, às vezes,
se muda para p, como em Ibiracuéra para Ibirapu&eacutera.

6. Ao contrário das consoantes, as vogais tupis são riquíssimas: a,e,i,o,u,y ,


vogais orais e outras tantas nasais, com til, além dos sons diferentes que
representam quando devidamente acentuadas: â, á, ê, é, î, í, ô, ó, ú.

7. Não existem no tupi os sons de F-J-L-V e Z, nem é compatível com a


língua os grupos bla, bra, pla, pra, cla, tra, gra e outros, isto é, grupos com
duas consoantes juntas. Por influência do português algumas daquelas letras
entraram na grafia tupi, e assim, as palavras hoje escritas com J, que se
pronuncia como dj , deveriam ser com i. As poucas que têm L tinham r
brando.

Segunda Aula

caamondossara

FUNDAMENTOS

A) A maioria das palavras tupis é constituída por raízes com uma ou duas
sílabas que já definem praticamente de que assunto se trata. Por exemplo:
CAA é mato,planta, SOO é animal, bicho, aliás no mundo inteiro e em
qualquer língua, qualquer jardim zoológico também é Zoo, ou Soo, tanto faz,
dependendo da pronúncia mais ou menos branda. Y é sempre água, ou um
líquido qualquer, A é cabeça, coisa arredondada, e também, semente, raiz.
Tais monossílabos se perdem no passado da humanidade e não se sabe deles, a
origem. Outras raízes importantes são:
Sy = mãe
Tuba(ruba) = pai, tronco
Aba = pessoa, homem, indio
Yby = a terra, o chão
Oca = a casa, o abrigo
An = sombra, vulto, fantasma
Uã = o talo, a haste
Itá = a pedra, o objeto duro, metal
Ara = dia, luz, tempo, clima, hora, nascer.

Como se pode observar são substantivos simples e com eles são compostos
uma infinidade de vocábulos. É muito importante saber estas pequeninas
palavras porque elas nos permitem identificar de imediato o assunto sobre o
qual se está falando.

B) A infinidade de nomes tupis que a gente encontra na geografia brasileira,


nas denominações dos animais, das plantas, etc., são quase sempre descrições
perfeitas e rigorosas das coisas a que se referem e envolvem uma explicação
inteira.
Cada palavra é uma verdadeira frase, o que aliás é um dos grandes prazeres do
estudo da lingua. Decifrar o significado das palavras recorrendo, inclusive, a
uma visita ao local.
Um exemplo bom disto é:
Paranapiacaba=parana-epiaca-caba , mar-ver-lugar onde. Lugar de onde se vê
o mar. Quem conhece diz que a descrição é perfeita.

CUNHÃ

C) As regras para você construir uma palavra ou uma frase são bem claras e
definidas, e o conhecimento destas regras é importante para compreender a
língua. É preciso também observar e considerar com muito cuidado o fato de
que o tempo muitas vezes altera profundamente as raízes e os elementos
essenciais das palavras, tornando difícil sua tradução. Exemplos conhecidos
são Butantan e Botucatu, que na verdade seriam Yby-tãtã, terra-dura, firme e
Ybytu-catu, vento-bom.

Algumas regras para composição de palavras:

1. Na reunião de duas palavras a regra geral pode ser observada nos exemplos
abaixo:
Exemplos: itá+piranga= itapiranga=pedra vermelha (aqui ficou igual)
ybaca+oby= ybacoby=céu azul (aqui caíu a última vogal)
ybaca+piranga=ybapiranga=céu vermelho (aqui caíu a última sílaba)

2. Na reunião de dois substantivos o possuidor vem primeiro e o possuído


depois, sem ajuda de preposição:
Exemplos: Tupãoca ou Tupanaroca= Casa de Deus
Jaguaressá= ôlho de onça , isto é, jaguara=onça e essá=ôlho
Abapy=pé de homem, isto é, aba=homem, indio, pessoa e py=pé

3. Na reunião de um substantivo e um adjetivo:


Exemplos: guirá+tinga= pássaro branco (como em portugues)
pirá+juba= peixe amarelo "

D) A língua tupi é aglutinante e não flexiona em gênero e número. Não há


artigo definido nem indefinido. Para se distinguir sexos utiliza-se as palavras
macho=mena e fêmea=cunhã. Para o plural usa-se os sufixos etá e tyba
(muitos) e (grande quantidade).

PIRATYBA

NUMERAIS
Não existe número além de quatro, em tupi antigo. Usando mãos e pés
expressa-se, porém, o número que se deseja:

1 = ojepé iepé (ele s&oacutezinho)


2 = mocõi mocoin (fazer um par)
3 = mossapyr mossapira (fazer triângulo, ou vértice, ou bico)
4 = irundyc irundi (fazer pares)
5 = xe pó ambó (a mão, com cinco dedos)
10 = mocõi pó (um par de mãos)
20 = xepó xepy (mãos e pés)
22 = xepó xepy mocõi

ORDINAIS

Primeiro = ypy
segundo = mocõia
terceiro = mossapyra
quarto = irundyca

Os pronomes pessoais e que servem também de possessivos são:

xe = eu, meu, minha


nde = tu, teu, tuas, teus
i = ele, dele, deles, dela, delas
oré = nós, nosso, nossa, nossos, nossas
pe = vós,vosso...
i = eles, deles...

ATENÇÃO:

sobre os pronomes e os prefixos verbais relativos a estes pronomes falaremos


com mais detalhes na aula seguinte pois são importantíssimos na língua

VERBOS

Em Tupi o verbo se conjuga com partículas que vêm antes dele e não como no
português, por mudanças nas terminações. Um exemplo clássico do modo
indicativo:

Em português:
eu mat - o
tu mat - as
ele mat - a
nós mat - amos
vós mat - ais
eles mat - am

Em tupi
xe a - jucá
nde re - jucá
i o - jucá
ore ore - jucá
pe pe - jucá
i o - jucá
na segunda pessoa do singular usa-se também ere
na primeira do plural usa-se também oro
usa-se também jandé, ou yané, também na primeira do plural, quando
queremos indicar "nós todos".
usa-se também pee(~). til sôbre o e final, na segunda do plural.
Com tais partículas precedentes conjugamos os verbos dispensando-se até os
pronomes pessoais.

PYASSABA

Não existem verbos auxiliares na língua tupi. Os verbos, aicó ou icó, que
significa ser, estar e recô que significa ter,possuir, são empregados sem
obrigatoriedade, porque quando no tupi se diz: xe catu, ou seja, eu bom, está
implícito o eu sou bom. Icó e recô são evidentemente usados como auxiliares
quando o sentido de uma frase dúbia assim o exigir.

Em geral a voz do verbo é sempre a mesma para expressar, presente, pretérito,


mais que perfeito... mas, dependendo do sentido da frase,
ajucá pode ser: eu mato, eu matava, eu matei, matara ou eu tinha morto
ojucá pode ser: ele mata, ele matava...etc. e também eles matam, eles
matavam...etc.
orejucá : matamos, matávamos etc.
Para firmar o sentido da frase, porém, quanto ao tempo do verbo e em não se
sabendo o contexto da frase, empregam-se partículas e até advérbios
esclarecedores.

Exemplos de outros tempos verbais:


Passado: ajucá umã=eu matei, acaruramó=eu comi (usa-se também, coiré)
Condicional: ajucá mo=eu mataria, acarumo=eu comeria
Futuro: ajucá ne=eu matarei, acarune=eu comerei (usa-se
também,rama,reme,mirã)
Gerúndio: jucá bo=matando, carubo=comendo
Imperativo: ejucá =mate, ecaru=come
Para conjugar os verbos na forma negativa, basicamente, coloca-se a partícula
negativa nda, que toma, também, as formas - nd`,na, n` - por eufonia e o
sufixo átono i no final do verbo.
Ex." nd`ajucá i=não mato

CUNHÃTAIN(~) ETÁ

Para fins de exercício convém desenvolver os exemplos acima. Isto é


importante porque o capítulo mais difícil da gramática e da própria índole da
língua tupi é o que trata dos verbos, tantas são as regras, terminações,
partículas, além de advérbios e outras variadas formas de construção verbal,
citadas pelos primeiros autores, que é mesmo difícil aplicá-las com segurança.

Os autores mais modernos, pior ainda, quizeram arrolar tantas variações sutis
de formas verbais que criaram mais dificuldade ainda.
Entretanto não vale desanimar, com a prática, no construir de frases e no
traduzir, a gente acaba percebendo que, por exemplo: ndacaru-ramói significa
que ainda não comí, que acaru-rama, significa que eu hei de comer e caru-
mirã é comerei depois, ou futuramente.

Sem muita regra, no ouvido, a gente acaba percebendo que deve ser assim
mesmo. Talvez um certo sentido onomatopéico que funciona,
independentemente de se estudar com meticulosidade todas as regrinhas,
excessões e irregularidades dos verbos.
No português igualmente é assim, além do que dificilmente empregamos
também formas mais sutis, como por exemplo, o vós, segunda pessoa do
plural, embora o estudemos na gramática.

Voltaremos ao assunto , apresentando exceções e outras construções menos


usuais em outra parte de nosso curso.
PREPOSIÇÕES

As preposições em tupi são colocadas sempre após o nome, portanto são


posposições. Daquelas estudadas por Figueira e citadas por Theodoro
Sampaio, Plinio Ayrosa e os modernos, vamos nomear somente as principais:

mo, ou bo = por, pelo, pela


me, ou pe = por, ao
supé = a, ao, para e também, em busca de, contra (contrariamente)
sossé = mais do que, por cima, em cima, sobre, em cima de
tobaké, ou obaké = em presença de, diante de,
sui = de, do, da
supi,upi,rupi = como, com, segundo, conforme,
pyri = perto de, junto de, com, para, em, a
ressé = por causa de, com, por, pelo
pupê = em, com, dentro de, no meio de, entre
riré, ré, roiré, iré = depois de, em seguida, depois que

ADVÉRBIOS

Classificam-se, como em outras línguas, em tempo, modo, etc. Os mais


conhecidos e usados, inclusive com o emprêgo do adjetivo na função de
advérbio são os seguintes:

ecatú = bem
poxy = mal
pucu = longo
atã = forte
ikê, kê = aqui
apê, apuê = longe
umá = onde
ybaté, áribo = em cima, no alto
mairarê, oirandé, oirã = amanhã
umã = já
cori = hoje, logo mais
cori coeme = amanhã de manhã
ariry = depois
cuessé = ontem
retê = demais
nhóte, nitio, mbaê = nada
nhum = só
(Para formar os advérbios muito comuns, que em português correspondem
àqueles terminados em "mente", basta acrescentar ao final do substantivo ou
adjetivo o sufixo rupi ou retê.)
CONJUNÇÕES

Algumas das mais usadas são:


saê, reme, mahy = se, como, porque, quando
anhê = pois, assim é
assui, upité = logo, portanto, assim que
te, aé, nde = mas, antes, finalmente, senão, ante
coytê = então, depois disto
coty, anjé = até, até que

TATÁ

PREFIXOS e SUFIXOS

É grande o número de prefixos e sufixos de que se serve a lingua tupi para


formar palavras derivadas. É importante conhecê-los, inclusive para que se
aprenda a isolar o tema da palavra que nos textos vem escrita sem separação
alguma.

PREFIXOS:

mo, ou mbo
sema = sair mossema = fazer sair, enxotar
acuba = quente moacuba = aquecer

ro, ou no
sema=sair nossema=sair com, retirar
kéra=dormir rokéra=dormir com

poro,moro
sema=sair morossema=sair ou saida de gente
pissyca=apanhar poropissyca=apanhar gente
aussuba=amar moraussuba=amar os outros, amor

tes
obá=rosto tobá=rosto de gente sobá=rosto de coisa (bicho)
mbiú=comida tembiú=comida de gente sembiú=comida de animal

je,nhe,jo,nho,mi,mbi
mima=esconder nhemima=esconder-se nhomima=esconderem-se
moúba=acomodar jemoúba=acomodar-se
aussuba=amar joaussuba=amarem-se (uns aos outros)
ú=comer mbiú=comido
mboé=ensinar mimboé=ensinado

PAJÉ

SUFIXOS

sara,ara
tyma=enterrar timbara=o que enterra
poia=alimentar poitára=o que alimenta
potara=querer potassara=o que quer

bora,pora
canhema=fugir canhembora=fujão
py=pé pypora=pegada

saba,aba
tyma=enterrar tymbaba=lugar de enterrar
poranga=belo porangaba=beleza
jucá=matar jucassaba=matador,ação de matar

suara,suera,tyba
pope=na mão popessuara=o que está na mão
atá=andar atássuera= o que anda
arassá=araçá arassatyba= araçazal (muito araçá)

rama,ama
mena=marido menama=futuro marido
jucapyra=morto jucapyrama=o que será morto

puera,buera
mena=marido menduera=o que foi marido
monhangara=o que faz monhagaruera=o que fez

eyma: (importante sufixo de negativa)


poranga=belo porangueyma=não belo
pajerama=futuro pajé pajerameyma=o que não será pajé

ABÁ

Aqui terminamos a primeira parte do nosso estudo. Fizemos um resumo da


gramática e estudamos os elementos da frase tupi.

Dúvidas, comentários, sugestões. Passe um email agora:

tupi@painet.com.br

http://www.painet.com.br/joubert/index.html

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