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Revue franco-brésilienne de géographie / Revista franco-brasilera de geografia

29 | 2016
Número 29

Impactos socioambientais da
certificação fairtrade nas
cooperativas de produtores
familiares de café e manga no
Brasil
Impacts sociaux et environnementaux de la certification fairtrade sur les coopératives de producteurs familiaux de
café et de mangue au Brésil
Socioenvironmental impacts of fairtrade certification on family farmers’ coffee and mango cooperatives in Brazil

Guilherme José Ferreira de Araújo, Daniel Magalhães e Edvânia


Tôrres Aguiar Gomes
https://doi.org/10.4000/confins.11401

Resumos
Português Français English
A inclusão dos pequenos produtores agrícolas nos nichos de mercado de produtos
sustentáveis e solidários pode contribuir para a agregação de valor e ampliação das
alternativas de comercialização da produção familiar. Dentre as opções disponíveis para
acessar estes mercados está a certificação Fairtrade ou de comércio justo, direcionada
exclusivamente para associações e cooperativas com predominância de agricultores
familiares em países em desenvolvimento. Para exibir o selo Fairtrade e se beneficiar das
melhores condições de comercialização deste mercado, as organizações de produtores
precisam cumprir com os critérios do padrão Fairtrade que incluem aspectos
organizacionais, sociais, trabalhistas e ambientais, bem como cobrir os custos de
certificação. O presente artigo busca identificar e discutir os impactos sociais e ambientais
da certificação de cooperativas de produtores familiares no Brasil. Para tanto, foram
analisadas organizações certificadas de café nas regiões das Matas de Minas e Montanhas
do Espírito Santo e de manga no Polo Frutícola Petrolina-Juazeiro. Estas regiões foram
escolhidas por sua localização periférica, alta dependência socioeconômica na atividade
agrícola, relevância da produção familiar e baixos índices de renda per capita e de
desenvolvimento humano. A análise qualitativa se baseia em entrevistas com gerentes e
técnicos das cooperativas, órgãos governamentais, associações de produtores rurais,
sindicato de produtores e trabalhadores rurais, consultora regional da FLO e visitas a
produtores membros e unidades de beneficiamento das cooperativas.
L´inclusion des petits producteurs agricoles dans les "niches" du marché des produits
durables et solidaires peut contribuer à une meilleure valeur ajoutée, ainsi qu´à une
augmentation des options de commercialisation de la production familiale. Parmi ces
alternatives disponibles pour accéder à ces marchés, existe la certification Fairtrade ou
commerce équitable qui vise exclusivement les associations et coopératives avec
prédominance de producteurs agricoles familiaux dans les pays en voie de
développement. Pour exhiber le label Fairtrade et se bénéficier des meilleures conditions
de commercialisation de ce marché, les organisations de producteurs doivent respecter
les critères d´exigence Fairtrade qui comprennent les aspects liés à l´organisation, les
aspects sociaux et environnementaux, et honorer les frais de certification. Le présent
article cherche à identifier et débattre les impacts sociaux et environnementaux de la
certification des coopératives de producteurs familiaux au Brésil. Pour cela, nous avons
analysé les coopératives certifiées de café dans les Régions Matas de Minas et les
montagnes de l´Espírito Santo et de mangue dans la région agricole de Juazeiro –
Petrolina. Ces régions ont été choisies en raison de leur situation périphérique, de leur
grande dépendance socio-économique vis-à-vis de l´activité agricole, de leur importance
dans la production familiale et de leur bas niveau de rente par tête et développement
humain. L´analyse qualitative se base sur des entretiens avec des gérants et techniciens
des coopératives, organismes gouvernementaux, associations de producteurs ruraux,
syndicats de producteurs et travailleurs ruraux, bureau régional de la FLO et visites à des
producteurs membres et des unités.

The inclusion of small-scale farmers in Market niches for sustainable and solidary
products can contribute to add value and wide trade alternatives for family farming
production. Within the range of possibilities to access these market niches, Fairtrade
certification is directed to associations and cooperatives mainly composed of small-scale
farmers in developing countries. In order to stamp Fairtrade label and benefit from
Fairtrade market conditions, producers organizations must comply with criteria set by
Fairtrade Labelling Organization International (FLO) that include organizational, social
and environmental aspects, as the payment of the certification costs. The present article
aims to investigate and evaluate the social and environmental impacts of Fairtrade
certification of small farmers’ cooperatives in Brazil. Therefore, this study examines
mango cooperatives in the Fruit Polo Petrolina/Juazeiro and coffee cooperatives located in
the Region of Matas de Minas and Mountains of Espírito Santo. These regions were chosen
due to its peripheral localization, high socioeconomic dependence on agricultural
activities, regional relevance of family farming and low income per capita and human
development indexes. The qualitative analysis is based on interviews conducted with
experts, cooperatives managers, technical assistants, producers and rural worker
syndicates, FLO regional consultant and visits to producers and cooperatives’ facilities.

Entradas no índice
Index de mots-clés : Fairtrade , Impacts sociaux environnementaux, coopératives,
agriculture familiale
Index by keywords: Fairtrade, social environmental impacts, cooperatives, family farming
Índice geográfico: Matas de Minas (MG), Montanhas do Espírito Santo (ES), Petrolina (PE)
Índice de palavras-chaves: Fairtrade, Impactos socioambientais, cooperativas, agricultura
família

Texto integral

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Créditos: Hervé Théry
1 A crescente conscientização dos consumidores em relação as práticas de
produção e comercialização agrícola proporcionou uma transformação no
comércio mundial de alimentos. Os produtores que visam o mercado externo
tem que se adequar não só às normas dos países importadores que visam
assegurar a qualidade e salubridade dos produtos, mas também às exigências
dos consumidores preocupados com os impactos sociais e ambientais da
produção. Para satisfazer estas novas demandas, foram criados nichos de
mercado que oferecem alternativas mais éticas e sustentáveis para a produção
de alimentos, 'destacando-se, dentre outros, os orgânicos, agroecológicos e os
solidários (WENZEL; KIRIG; RAUCH, 2010) (POOTS et al., 2007).
2 Dado que existe uma distância enorme entre produtores e consumidores no
mercado moderno e que certos critérios de qualidade não podem ser
confirmados no fim da cadeia de produção, foram criadas organizações privadas
e públicas que buscam atestar a veracidade das informações fornecidas através
de sistemas de certificação. Apesar de aumentar a credibilidade destas
iniciativas, as certificações de terceira parte implicam maiores custos e se
apresentam como barreiras de entrada para pequenos produtores (SIDWELL,
2008).
3 Dentre as alternativas disponíveis, a certificação Fairtrade ou de comércio
justo é direcionada as cooperativas onde predominam pequenos produtores e
que possuam instalações em países em desenvolvimento, seguindo a
recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para o suporte e
promoção deste tipo de empreendimento (MASCARENHAS, 2007).
4 Esta forma de organização de produção tem o objetivo de incentivar a lógica
cooperativista, uma vez que não realiza certificação individual, mas sim da
empresa como um todo. Além de possibilitar a diluição dos custos de certificação
e o cumprimento gradual do padrão Fairtrade de boas práticas agrícolas, as
cooperativas certificadas podem ofertar sua produção em um mercado
alternativo com condições especiais (MURRAY; RAYNOLDS; TAYLOR, 2006).
5 A Fairtrade Labelling Organization International (FLO) é uma organização
guarda-chuva que engloba muitas iniciativas nacionais de comércio justo com
sede em Bönn, na Alemanha. Essas organizações trabalham para conscientizar os
consumidores em seus países acerca das dificuldades enfrentadas pelos
produtores familiares de países em desenvolvimento e do potencial das cadeias
de comercialização solidárias para melhoria de suas condições de vida.
6 O padrão Fairtrade para os pequenos produtores inclui aspectos
organizacionais, bem como um conjunto de práticas agrícolas que visam garantir
a salubridade dos produtos, relações de trabalho mais justas e proteção dos
recursos naturais e ecossistemas. Os critérios são definidos como obrigatórios e
de desenvolvimento, acrescidos do tempo hábil para a adequação em relação ao
primeiro ano de certificação (FLO, 2011).
7 Além de cumprir as normas da Fairtrade, as organizações, incluindo todos os
membros, têm que cobrir os custos anuais da vistoria realizada pela FLOCERT,
que é um braço independente da FLO responsável pelas auditorias. Estas
também devem arcar com os custos internos para o gerenciamento e fiscalização
dos membros e os custos individuais de adequação em toda a propriedade (FLO,
2011).
8 Este artigo busca identificar e discutir as influências sociais e ambientais da
certificação Fairtrade no Brasil. Para tanto, foram examinadas cooperativas
produtoras de manga no polo frutícola Petrolina/Juazeiro e cooperativas de café
na transição entre as regiões Matas de Minas e as Montanhas do Espírito Santo.
Estas áreas foram escolhidas por se situarem em locais periféricos, também por
apresentarem dependência socioeconômica na atividade agrícola, pela grande
quantidade da produção familiar e pelos baixos índices de renda per capita e de
desenvolvimento humano (IDH).
9 A análise qualitativa utilizada neste trabalho se baseia em entrevistas com
gerentes e técnicos das cooperativas, órgãos governamentais, associações de
produtores rurais, sindicato de produtores e trabalhadores rurais, consultora
regional da FLO e visitas às unidades de beneficiamento das cooperativas e
propriedades de produtores membros.

Contextualização do debate
10 Nos anos 50, o Governo Brasileiro iniciou o planejamento sistemático da sua
economia, onde a indústria deveria estar à frente do processo de
desenvolvimento através da substituição das importações e a agricultura
assumiria o papel de gerar as divisas necessárias para tais investimentos
(ANDRADE, 1983).
11 Não foram desenvolvidas políticas de investimento na reforma agrária porque
se acreditava que este modelo andava na contramão da modernização
(GRAZIANO DA SILVA, 2003), dessa forma, a maioria dos agricultores excluídos
das políticas de desenvolvimento rural não foi capaz de superar as contradições
do mercado, reforçando o processo de marginalização (GUANZIROLI et al., 2001),
(MAGALHAES, 2012).
12 Os problemas de acesso aos insumos agrícolas e ao mercado consumidor
consolidou-se como um dos maiores desafios para os pequenos produtores,
principalmente no período pós Revolução Verde, quando a detenção destes
passou a ser fundamental para melhor inserção no mercado global (GLAESER,
1987).
13 A ideia do fair trade ou comércio justo surgiu a partir dos anos 50 nos países do
Norte como uma alternativa para os pequenos produtores frente as implicações
do mercado convencional, com o objetivo de amenizar as desigualdades
existente no âmbito das relações comerciais com os países do Sul
(MASCARENHAS, 2007). Organizações buscaram estabelecer uma forma de
comércio que incentivasse o desenvolvimento social, com investimentos em
diversas áreas, inclusive na formação de recursos humanos qualificados, como a
criação de escolas (ARAÚJO, 2011).
14 O modelo do fair trade é muito presente principalmente no âmbito dos países
do Norte e vem se fortalecendo desde os últimos 20 anos, redesenhado as formas
do comércio mundial (KISTER, 2015), bem como o perfil de consumidores, que se
dispõem a contribuir para que pequenos produtores tenham seu retorno
financeiro justo na dinâmica do comércio global (WENZEL; KIRIG; RAUCH, 2010).
15 De acordo com Levi e Linton (2003) fair trade é parte de um movimento de
consumo ético que utiliza o poder de compra dos consumidores para promover
transformações nas práticas comerciais. Segundo Raynolds (2002) este é um
movimento que atua para redução da pobreza. Um dos seus maiores desafios é
transformar a relação desigual entre os comércio dos países do Norte e do Sul.
16 A Fairtrade Labelling Organization International (FLO) é uma das dezenas que
atuam no segmento do comércio justo, a FLOCERT é seu órgão de certificação
independente. A organização também é composta por redes de produtores e 25
outras organizações de comércio justo. Tida como uma organização guarda-
chuva, já está presente em mais de 60 países ao redor do mundo somando um
número de 1,2 milhões de produtores envolvidos no sistema (FAIRTRADE, 2015).
17 O padrão Fairtrade de qualidade e boas práticas agrícolas para organizações de
pequenos produtores (SPO) contêm quatro capítulos: requisitos gerais, comércio,
produção (meio ambiente e condições de trabalho) e desenvolvimento do negócio
(FLO, 2011). Alguns critérios estão direcionados unicamente para melhoria das
condições de trabalho, principalmente em casos onde o processo de produção é
intensivo (OPITZ; POOTS; WUNDERLICH, 2007).
18 A maior diferenciação do padrão Fairtrade em relação as outras certificações
para o mercado convencional, reside no capítulo desenvolvimento do negócio,
que inclui critérios organizacionais de transparência, decisões democráticas e
participativas, prestação de contas e distribuição justa dos benefícios adquiridos
entre membros, trabalhadores e comunidades (FLO, 2011).
19 Além da Fairtrade, que possui um protocolo para certificação de
aproximadamente 11 produtos alimentícios e outros tipos de bens, existem
outras organizações com a mesma filosofia, por exemplo, a EZA 3 Welt, com sede
na Áustria, que certifica café, chá, chocolate e temperos, também as empresas,
CONTIGO fairtrade, GEPA, a dwp, El Puente, entre outros grupos, que possuem
protocolos para diversos produtos como artesanato, vestuário etc.
20 O mercado internacional dos produtos fair trade representa uma ínfima fatia
do comércio global, no entanto é registrado um crescimento rápido. Em 2002
circulavam cerca de 400 milhões de dólares com os produtos (RAYNOLDS, 2002).
Em 2010, os consumidores gastaram aproximadamente quatro bilhões de dólares
somente no segmento do comércio justo. Entre 2009 e 2010 foi registrado um
crescimento em torno de 27% (FAIRTRADE, 2011).
21 De acordo com Wenzel, Kirig, Rauch (2010) os Estados Unidos, Reino Unido,
França, Suíça e Alemanha são os países onde registra-se uma maior taxa de
crescimento anual da comercialização de produtos do comércio justo. Após estes,
destaca-se também Canadá, Áustria, Holanda, Itália, Suécia e Japão com um
mercado voltado para o comércio justo consolidado. Quatro dos primeiros
apresentaram um crescimento anual superior a 40% até o ano de 2006. Com
relação ao número de organizações atuantes neste nicho, em 2001 registravam-se
202, alcançando no ano de 2005 o número de 608 empresas.

Identificação das áreas pesquisadas


22 Dentre as 39 cooperativas e associações de produtores Fairtrade certificadas no
Brasil, 23 tem o café como seu principal produto e 12 frutas frescas ou sucos de
frutas (FLO, 2011). Na última década, houve um aumento no número de
cooperativas e associações com predominância de agricultores familiares que
optaram por investir na certificação Fairtrade como estratégia para aumentar as
opções de comercialização, bem como para obter diferenciais de preços e
recursos para investimentos.
23 Neste artigo foram investigadas cooperativas de café na região das Matas de
Minas e Montanhas do Espirito Santo e de manga no Polo Frutícola Petrolina-
Juazeiro (mapa 1). Ambas apresentam alta dependência econômica e social da
atividade agrícola, predominância de produção familiar e municípios com PIB
per capita e índice de desenvolvimento humano (IDH) abaixo da média
brasileira.
24 A escolha destes produtos ocorreu em função da grande quantidade de
agricultores familiares envolvidos na sua produção, incluindo um significativo
número de produtores com a certificação Fairtrade. Também em função da sua
importância econômica para localidade onde estão inseridos, uma vez que são
comercializados em larga escala, alcançando mercados estratégicos em diversos
centros no mundo.
25 A primeira área que será abordada nessa pesquisa corresponde as regiões das
Matas de Minas (MG) e Montanhas do Espírito Santo (ES) (mapa 1) cujo
apresentam atualmente1 três cooperativas de café Fairtrade certificadas:
COOCAFÉ, COORPOL e CAFESUL, com sedes respectivamente nas
municipalidades de Lajinha (MG), Manhuaçu (MG) e Muqui (ES). A PRONOVA e a
COOFACI, que ainda eram certificadas no início deste trabalho, deixaram a
certificação respectivamente em 2015 e 2014.
Mapa 1. Localização dos municípios visitados nas Regiões Matas de Minas e Montanhas do
Espírito Santo e no Polo Frutícola Petrolina-Juazeiro.

Fonte: Base de dados do IBGE, 2010.


26 Apesar de ambas as regiões serem periféricas, socioeconomicamente
dependentes da produção do café e com grande participação agricultores
familiares, essas cooperativas apresentam grandes diferenças no que se refere à
inserção no mercado e dotação de recursos.
27 A COOCAFÉ, a maior cooperativa de café na região, tem aproximadamente
6.500 membros, sendo uma das maiores organizações individuais de produtores
certificados. Cada uma das outras três cooperativas de café Fairtrade possuem de
120 a 200 membros. Todas as quatro tem elevada representação de produtores
familiares (>90%) em seu quadro de membros. A COORPOL e a COOFACI são
constituídas apenas por produtores familiares. A COORPOL possui um técnico,
que é o único funcionário que desempenha as funções de comercializador e
degustador.
28 Um dos maiores problemas da região é a falta de mão de obra na época da
colheita, o que gera um aumento dos custos de produção. Por ser uma região
montanhosa, o processo é mais artesanal e intensivo em trabalho, sendo difícil a
substituição da colheita manual por tecnologias poupadoras de mão de obra. A
forma mais comum de trabalho permanente é através do sistema de parceria,
onde os proprietários cedem uma parcela de terra para os ‘meeiros’ que em troca
fornecem parte de sua produção e prestam serviços para o proprietário.
29 Devido aos períodos de baixas nos preços do café e a alta volatilidade do
mercado, muitos trabalhadores e pequenos produtores têm abandonado a
atividade cafeeira, apostando em outras culturas ou até migrando para os
centros urbanos próximos. O êxodo rural é maior entre os mais jovens que
enxergam nos centros urbanos melhores condições de vida, garantia de um
salário mínimo, férias e direitos trabalhistas.
30 Umas das estratégias que tem possibilitado a viabilidade da produção familiar
de café é o aumento considerável da qualidade do produto, que depende não só
da altitude, microclima e solo, maior cuidado do cafeeiro e práticas de colheita e
pós-colheita. Para tanto, é necessário o treinamento dos produtores, dos
apanhadores de café e ações de assistência técnica a fim de introduzir as
melhores práticas e inovações nos sistemas produtivos familiares.
31 A tradição de plantio de café nas encostas e topos de morros (30- 45%) é
responsável pelo agravamento da erosão, um dos principais problemas
ambientais das regiões das Matas de Minas e Montanhas do Espírito Santo; muito
influenciado também pelo desmatamento sofrido pela região no último século.
Muitas propriedades cultivam café nestas áreas há muitos anos, onde
normalmente as partes mais altas são destinadas ao cultivo do café e as mais
baixas para a criação de gado.
32 Outro problema ambiental enfrentado pelos produtores são as pragas do
cafeeiro como a broca do café e a cigarra. Antes da certificação, muitos
produtores faziam o controle de pragas com agrotóxicos muito agressivos, o que
não só aumentava o risco de contaminação humana como dos lençóis freáticos e
cursos d’água.
33 A segunda área do estudo é o Polo Frutícola Petrolina/Juazeiro (mapa 1)
localizado na porção semiárida dos Estados de Pernambuco e Bahia. Na área
foram entrevistados produtores da cooperativa Manga Brasil – Município de
Juazeiro e a Cooperativa do Projeto de Irrigação Nilo Coelho 6, N-6 – Município de
Petrolina (BRASIL, 2014). Ambos os municípios tiveram o início de sua ascensão
econômica no final da década de 1970, em virtude de investimentos no setor
agrícola.
34 As cooperativas de manga pesquisadas compreendem um universo de
aproximadamente 70 produtores que não eram integrados ao mercado global
antes de iniciar um processo de certificação Fairtrade. Sua produção escoava
para grandes redes do mercado nacional e local, porém devido aos investimentos
do governo federal para construção do packing house2 e acesso à certificação
agrícola, alguns produtores conseguiram exportar a produção (ARAUJO, 2011).
35 Os principais resultados dos investimentos na região foram alcançados em
meados da década de 80, quando produtores de uva e manga conseguiram
exportar sua produção para Europa e Estados Unidos (ANDRADE, 1983).
36 Os pequenos produtores da região enfrentam diversos problemas com relação
aos impactos da produção e ao mercado. Em função da concorrência, dos
escassos subsídios e da falta de infraestrutura, os agricultores permanecem as
margens do mercado consumidor e dependentes de intermediários, até mesmo a
nível local. Diante desta situação investem em técnicas rudimentares para o
sistema de irrigação, além do usar uma quantidade excessiva de agrotóxicos, o
que agrava os impactos no solo, formando erosão e lixiviamento em épocas de
chuva (ARAUJO, 2011).
37 Os tipos convencionais e rudimentares de irrigação (aspersão ou sulco), além
da erosão, fornecem em diversos casos maior quantidade de água que a lavoura
necessita, encharcando o solo, originando microclimas, modificando a qualidade
do produto e tornando o ambiente mais vulnerável às ações de pragas, além do
elevado índice de desperdício de água (ARAUJO, 2011).

Influências sociais e ambientais da


certificação nas cooperativas de café
38 A maioria das informações em relação às adequações necessárias para o
cumprimento do padrão Fairtrade é repassada aos produtores através dos
assistentes técnicos das cooperativas durante as visitas e treinamentos. Estes
enfatizam os critérios obrigatórios e os pontos específicos em que os auditores
são mais severos durante as vistorias.
39 Para administrar esta questão, as cooperativas desenvolvem mecanismos
próprios para evitar descumprimentos e sanções nas auditorias. Na PRONOVA,
nem todos os membros das cooperativas quiseram se adequaram ao padrão da
certificadora. Dentre as razões apresentadas estão a produção de café com
qualidade inferior ao tipo exportação e a resistência dos produtores que não
querem mudar as práticas agrícolas vigentes, mesmo recebendo esta orientação
também da cooperativa. A PRONOVA, para selecionar os produtores aptos a
participar dos lotes Fairtrade das cooperativas, classifica seus membros como
ativos, inativos, advertidos ou suspensos.
40 Outra cooperativa, como a CAFESUL encontrou oposição por parte de alguns
membros que se desligaram da cooperativa por acreditar que a certificação
traria um aumento relevante dos custos de produção. Alguns retornaram após
constatarem que o processo de adequação não era tão complicado e oneroso
como esperado.
41 A fim de gerenciar o cumprimento do padrão Fairtrade, a CAFESUL definiu
pré-requisitos para se tornar um novo membro da cooperativa, apresentados na
cartilha do membro. Esta contém todas as adequações que precisam ser feitas
pelos produtores para ingressar na cooperativa. Na primeira visita do assistente
técnico, lê-se a cartilha que contém as exigências que serão verificadas na
segunda visita. Dentre as exigências estão a suspensão do uso de agrotóxicos
proibidos pelo Fairtrade, proibição do uso de transgênicos, armazenamento dos
agrotóxicos em ambiente isolado e identificado e o uso do equipamento de
proteção individual (EPI) para aplicação de defensivos agrícolas.
42 O EPI visa evitar a contaminação de familiares e trabalhadores responsáveis
pela aplicação dos defensivos agrícolas, sendo um dos critérios obrigatórios e
controlados durante as auditorias. Embora a maioria dos membros possua este
equipamento, foi relatado pelos assistentes técnicos que os aplicadores reclamam
do desconforto e do calor causado pelo uso da vestimenta após horas sob o sol.
Os técnicos sugerem a divisão do período de aplicação em intervalos ao invés de
um dia direto, mas a inconveniente tarefa de vestir, retirar e limpar o
equipamento após as aplicações já se revela motivo suficiente para que parte
deles não faça uso da proteção.
43 Com o objetivo de reduzir a contaminação humana e ambiental, a COOCAFÉ
desenvolve, em parceria com a SANDOZ/SYNGENTA, um projeto de educação
ambiental com elementos da cultura local para conscientizar as crianças e jovens
dos riscos e maneiras mais seguras para o uso de agrotóxicos nas escolas
municipais rurais da região.
44 Em relação aos critérios de trabalho, os produtores membros tiveram que
formalizar os contratos de parcerias com os meeiros e autenticá-los junto ao
sindicato de trabalhadores rurais dos municípios. Sob estas condições, os meeiros
puderam se tornar membros das cooperativas como também participar dos lotes
de exportação via mercado Fairtrade.
45 Muitos produtores e trabalhadores foram treinados pelas cooperativas através
da assistência técnica e dias de campo. Estima-se mais de 1.200 pessoas tenham
sido treinadas apenas pela PRONOVA. Esta cooperativa desenvolve desde 2013
um concurso anual interno de qualidade do café, onde 25% da pontuação é
referente às condições ambientais da propriedade. As premiações em dinheiro
são financiadas com parte do prêmio referente às vendas das cooperativas no
mercado Fairtrade.
46 A COOCAFÉ também criou uma escola em Lajinha que está prestes a oferecer
também cursos técnicos para capacitar os jovens que queiram se inserir na
dinâmica econômica local com boas perspectivas profissionais e assim diminuir
a saída principalmente de jovens para os centros urbanos em busca de melhores
perspectivas profissionais.
47 As etapas do pós-colheita de lavagem e separação, mucilagem e fermentação
do café podem ser bastante intensivas no uso de água dependendo do processo
utilizado. Qualquer método de processamento do café que utilize água deveria
tratar a água residual para evitar contaminação do solo e dos lençóis freáticos.
48 O padrão Fairtrade exige que os produtores e cooperativas tratem a água
residual do processamento do café e verifica se estes possuem as licenças
ambientais para tal (FLO, 2011). O composto formado pela casa e polpa do café
associado à agua residual do processamento pode ser utilizado como fertilizante
natural, além, de aumentar a matéria orgânica do solo e reduzir a incidência
direta do sol.
49 Na maioria das propriedades rurais da região, os resíduos domésticos (esgoto)
ainda são conduzidos para fossas negras com sumidouro, quando não
diretamente para cursos d’água. Algumas das cooperativas (COORPOL e
COOFACI) desenvolveram ações para reduzir a contaminação do solo e cursos
d’água por esgoto doméstico financiados pelo Banco Nacional do
Desenvolvimento (BNDES), Fundação Banco do Brasil e a Fair Trade USA. Estes
recursos foram obtidos devido aos esforços destas cooperativas para serem
percebidas como agentes importantes na promoção do desenvolvimento rural
sustentável.
50 O projeto ‘Fossas Séptica Econômicas e Quintais Agroecológicos’ foi
desenvolvido pela COORPOL em parceria com a Prefeitura e Sindicato de
Trabalhadores Rurais de Caratinga e o  Centro de Informação e Assessoria
Técnica (CIAAT) para a implementação de 300 unidades de fossas sépticas (150
em Sacramento e 150 na área de atuação do CIAAT) associadas a quintais com
100 árvores frutíferas.
51 Já o projeto ‘Águas Limpas’ foi uma parceria entre a COOFACI e a Fair Trade
USA para reduzir a contaminação dos recursos hídricos na área de atuação da
COOFACI através da instalação de 30 mini estações para o tratamento de esgoto
que retorna a água para os rios com 82% de pureza.
52 Outro problema para a sustentabilidade dos recursos hídricos é a preservação
das nascentes, influenciado pela retirada da vegetação próxima. Em
propriedades com tamanho bastante restrito, como é o caso da comunidade de
Palmeiras (na área de atuação da CAFESUL) as nascentes estão localizadas muito
perto das residências e das áreas de plantio. Muitas destas nascentes que estão
debilitadas ou já secaram e podem ser revitalizadas com soluções simples.
53 A CAFESUL iniciou recentemente um projeto para proteger e revigorar as
nascentes d’água através do cercamento das áreas de contenção e do plantio de
mudas em seu interior. A cooperativa conseguiu recursos da Fundação Banco do
Brasil que irão beneficiar cerca de 50 produtores da comunidade de Palmeiras e
busca outros parceiros para ampliar o número de produtores atendidos.
54 Embora o mercado de produtos Fairtrade tenha crescido bastante nas últimas
décadas, a demanda ainda se apresenta bastante aquém da produção das
cooperativas certificadas em conformidade com o padrão Fairtrade (WEBER,
2007). Isso gera uma competição por contratos onde os vencedores são
normalmente as cooperativas que apresentam melhor qualidade do produto,
competências empresariais, reputação, maior escala e menor distância em
relação aos exportadores certificados.

Influências sociais e ambientais da


certificação nas cooperativas de manga
55 As exigências para certificação agrícola no Polo Petrolina/Juazeiro tiveram
início no final da década de 1990. Neste período o debate sobre a segurança
alimentar e os impactos ambientais provenientes da agricultura estavam em
expansão por todo mundo.
56 O Programa Integrado de Frutas (PIF), desenvolvido pelo Governo Brasileiro
(Ministério de Agricultura Pecuária e Abastecimento) foi o primeiro selo de
certificação adotado na região. Em seguida surgiram certificações estrangeiras
como a Eurep GAP (atual Global GAP), Tesco Nature Choice, Rainforest Alliance,
US GAP e Fairtrade (SANHUEZA, 2014).
57 Embora a certificação da Global GAP seja mais antiga e a mais utilizada na
região, houve cooperativas que preferiram se certificar nas normas da Fairtrade,
cujo objetivo é beneficiar os pequenos produtores a alcançar o mercado global,
além de incentivar transformações na infraestrutura da organização. Enquanto
que a certificação para adquirir um selo voltado para o mercado convencional
traria maiores dificuldades para escoar a produção, devido a competição com
grandes empreendimentos.
58 Os produtores do polo acreditam que após a inserção da região na rota da
certificação agrícola houve um crescimento da importância das questões de
preservação ambiental e melhoria das condições de trabalho ofertadas. A
certificação da Global GAP, bem como Tesco Nature Choice, Fairtrade entre
outras, priorizam uma produção salubre para oferecer ao consumidor um
produto livre de contaminação (CINTRA, VITTI, BOTEON, 2009).
59 Dentre as empresas certificadoras presentes na região somente a Fairtrade tem
o compromisso com as cooperativas de pequenos produtores, no sentido de
contribuir com sua inserção no mercado global. A Global GAP prioriza a
produção livre de contaminação, o que envolve também aspectos de gestão
ambiental, porém no que concerne a oportunizar uma comercialização justa, a
empresa não desenvolveu nenhum pilar. Dessa forma, não é interessante para os
pequenos agricultores investir nesta certificação. A maioria dos que se
encontram neste perfil escoa seus produtos para as capitais ou na própria região,
restando para os médios e grandes o interesse no investimento em um selo
voltado para o comércio internacional.
60 A Fairtrade é maior representante do segmento do comércio justo. Já para o
mercado convencional, a Global GAP ocupa a posição de maior certificadora no
mercado mundial. Ambas as organizações requerem que a produção siga
padrões de salubridade para assegurar um alimento inócuo. A primeira oferece
um preço fixo, com pouca variação, independente das oscilações do mercado, e
também um valor extra, nomeado de prêmio, o qual deve ser destinado para
investimento na empresa local.
61 Em geral, a produção da Fairtrade é destinada para lojas especializadas em
comércio justo, como as weltläden3 na Alemanha, também pode-se encontrar
seus produtos em grandes cadeias de supermercados, que destinam um espaço
para este tipo de produto. Entre as organizações com foco no mercado
convencional encontra-se a Global GAP que possui uma visão ampla,
comercializando com todo tipo de produtor, sem oferecer nenhum suporte aos
pequenos agricultores e destina sua produção para as mais diversas cadeias
varejistas e retalhistas do mundo. A Tesco Nature Choice, conhecida como um
dos protocolos mais rigorosos para certificação, está voltada em grande parte
para o mercado britânico entre outros países da Europa continental (ARAÚJO,
2011). Os produtores de pequeno porte que não possuem certificação,
comercializam no mercado local ou nacional, em alguns casos eles vendem para
agricultores certificados.
62 A certificação Fairtrade esteve presente no polo desde o ano de 2003 até
aproximadamente final de 2012. Nesse período foram certificadas cooperativas
no Projeto Irrigado Nilo Coelho 6 (N-6), em Petrolina (PE) e posteriormente a
Manga Brasil, localizada no Município de Juazeiro (BA) recebendo o selo da
FLOCERT. Desde então, tornaram-se cooperativas de pequenos produtores
exportadoras de manga, tendo o mercado europeu como o seu principal destino.
63 Para se manterem com o selo internacional, as cooperativas tiveram que
realizar uma série de transformações no âmbito da administração e da
infraestrutura. As exigências de adequação variaram desde a construção de
packing house para acondicionamento dos produtos até questões de higiene
pessoal dos trabalhadores (SEBRAE, 2009).
64 A construção do packing house foi a transformação mais significativa que as
cooperativas tiveram que realizar. Os altos custos e as dificuldades para alcançar
o padrão exigido foram os maiores empecilhos para conceber a construção. A
montagem de um packing house tem o valor mínimo de aproximadamente 83 mil
dólares. Os produtores com outras certificações como a Global GAP, Rainflorest
Alliance, Tesco Nature Choice, etc. possuem packing house avaliados em mais de
1 milhão de dólares. Não obstante, as cooperativas precisam melhorar também
outros aspectos da infraestrutura das fazendas, com vistas a alcançar e manter o
selo da certificadora (ARAUJO, 2011).
65 Os produtores entrevistados afirmam que a certificação Fairtrade tem
proporcionado importantes transformações no seu processo de produção, como
também na renda. Uma das razões é explicada devido ao preço fixo e o prêmio
que tem contribuído com o crescimento econômico, as transformações são
percebidas pelo crescimento da preservação ambiental e medidas voltadas para
melhoria da higiene no local de trabalho.
66 A aquisição de certificação agrícola em geral inclui a implementação do uso
obrigatório do EPI (Equipamento de Proteção Individual) para todos os
funcionários. O que trouxe diversos impactos positivos, como a melhora no
quesito de segurança do trabalho. Houve uma redução nas taxas de pessoas
afetadas por doenças originadas pela aplicação de agroquímicos (ARAUJO, 2011).
67 Outra alteração encontrada foi a mudança nos sistema de irrigação do modo
de aspersão para gotejamento. Os agricultores afirmam que esta modificação
implicou na redução da erosão causada pelo uso intenso do sistema de aspersão
(CINTRA, VITTI, BOTEON, 2009).
68 A quantidade e variedade de agroquímicos usados na produção foi reduzida e
os produtores tiveram que utilizar somente os produtos autorizados pela
certificadora e pela legislação brasileira. Diante de outra exigência da
certificação houve avanços no armazenamento de pesticidas e fertilizantes, que
passaram a ser dispostos em locais isolados e com identificação específica para
evitar acidentes. Inclusive, somente o pessoal capacitado e com o devido
equipamento de proteção passaram a ter acesso a essas áreas. O destino do lixo
também passou a ser regulado para evitar o descarte direto no meio ambiente.
Segundo especialistas e também produtores, estas medidas contribuíram
significativamente com a diminuição dos casos de contaminação por insumos
agrícolas (ARAUJO, 2011).
69 A destinação das embalagens também tem alta consideração para a
certificação. Por isso, é exigido que a fazenda tenha um local específico protegido
e sinalizado para depositar o produto, como também os resíduos excedentes que
passaram da validade para utilização. Normalmente esses locais são tanques com
divisórias, onde também é depositado o óleo dos tratores e demais veículos
utilizados na lavoura. As embalagens devem passar pelo processo da tríplice
lavagem e serem entregues à Associação do Comércio Agropecuário do Vale do
São Francisco (ACAVASF), a central de recebimento de embalagens de agrotóxico
que atua na região (ARAUJO, 2011).
70 O programa de certificação Fairtrade trouxe benefícios para as cooperativas,
trabalhadores e para a preservação ambiental da região. No entanto, observa-se
que abrangência do protocolo é limitada e não enfatiza a importância da
preservação da vida silvestre, da vegetação nativa, da recuperação dos solos
degradados e outras questões socioambientais importantes.
71 Alguns problemas foram identificados, os quais contribuíram negativamente
para a comercialização das mangas no mercado externo e expansão do selo
Fairtrade na região. Produtores afirmaram que no polo havia um empresário de
grande porte certificado, o que não se enquadra nas exigências da FLOCERT para
certificação. No entanto, o seu empreendimento estava ofertando sua produção
pelo mercado Fairtrade, competindo com os pequenos produtores da região
(ARAUJO, 2011).
72 Outra questão apontada pelos cooperados é a falta de comunicação entre a
FLOCERT e as cooperativas do polo, causando, em alguns casos, a perda da
produção ou a venda não programada para o mercado convencional (ARAUJO,
2011).
73 Também observou-se que os altos custos para certificação são elementos
limitadores da sua expansão na região. As cooperativas estudadas não
continuaram com a certificação, inclusive a Associação de Pequenos Produtores
Manga Brasil fechou as portas. Desde 2013, as cooperativas não estão mais com a
Fairtrade devido uma série de fatores, dos quais se destacam a valorização do
produto no mercado nacional e os altos custos de investimento exigido. Na
perspectiva dos produtores, este cenário não contribui para manutenção da
certificação, que envolve despesas anuais com auditorias e a adequação a um
padrão internacional de produção.

Conclusão
74 O objetivo inicial das cooperativas quando buscam a certificação Fairtrade é,
fundamentalmente, aumentar as alternativas e condições de comercialização no
mercado exterior. Contudo, a adequação dos produtores e organizações
contribuiu para aumentar a proteção da saúde dos produtores e trabalhadores,
para melhoria das práticas produtivas, redução dos riscos de contaminação da
água e solo e maior proteção dos recursos naturais.
75 O valor do prêmio recebido pelas cooperativas é fundamental para o
financiamento das atividades de treinamento de assistência técnica, melhoria da
estrutura das cooperativas, aperfeiçoamento da qualidade do produto e das
condições de vida dos produtores. Entretanto, o destino destes recursos para
adoção de práticas agrícolas sustentáveis depende do real engajamento das
cooperativas e membros na busca pela sustentabilidade.
76 Mesmo promovendo uma alternativa para os pequenos produtores atingirem o
mercado internacional e contribuindo com a redução dos impactos ambientais
da produção agrícola, a certificação Fairtrade enfrenta diversos desafios para
fazer jus ao nome. Os altos custos de adesão à certificação excluem produtores
desprovidos dos recursos financeiros mínimos para cumprir com as exigências,
além de haver casos onde grandes produtores competem deslealmente com os
pequenos.
77 Nos últimos dois anos, houve uma redução do número de organizações de
produtores Fairtrade certificadas, caindo de 50 para 39. Isto se explica devido as
dificuldades destas em comercializar seus produtos através do mercado
Fairtrade e o custo anual de certificação. Algumas destas organizações tiveram
graves problemas financeiros, em parte devido ao aumento de sua estrutura e
investimentos realizados. Estes foram influenciados pelo sucesso inicial com as
vendas pelo mercado Fairtrade, principalmente durante os anos 2008 a 2011,
período em que foi conduzido o programa de compras responsáveis apoiado pela
Fairtrade USA e Wal-Mart.
78 No ano de 2010 as organizações de produtores certificados no Brasil lançaram
a Fairtrade Brasil (BR FAIR), oficialmente inaugurada em 2012, tendo por objetivo
representar o grupo de cooperativas certificadas de maneira democrática e
participativa. A fundação da organização no Brasil ocorreu visto a necessidade
de assegurar o mercado consumidor e inibir mudanças que prejudicassem as
associações certificadas, além de pleitear modificações no sistema de acordo com
os interesses das cooperativas.
79 No ano de 2015, foi aberto o mercado interno para os produtos Fairtrade,
reduzindo assim a dependência das organizações certificadas em relação aos
exportadores e a demanda externa para a comercialização de seus produtos com
o selo. Esta medida será importante para o fortalecimento das cooperativas
certificadas e para a continuidade das transformações socioeconômicas e
ambientais nas áreas produtoras.
80 Diante do exposto, nota-se que a certificação Fairtrade, mesmo com alguns
desafios, tem alcançando um maior nível de organização no Brasil, assegurando
sua função de servir como uma alternativa ao mercado convencional. Além de
identificar os benefícios da certificação Fairtrade, apoiando pequenos produtores
no escoamento de sua produção, deve-se, contudo, reconhecer as limitações do
programa, como as barreiras para a inclusão dos produtores mais vulneráveis e
de regiões periféricas.
81 Agradecimentos à Coordenação de Apoio ao Pessoal de Nível Superior (CAPES)
e a Vice-Reitoria de Pesquisa da Universidade de Innsbruck pelo financiamento
da pesquisa.

Bibliografia
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Notas
1 Três outras cooperativas de café da região possuíam a certificação Fairtrade. A COCAES
encerrou suas atividades em 2013. A COOFACI decidiu não renovar a certificação pois não
conseguia realizar vendas através do mercado Fairtrade desde o ano de 2011 e a
PRONOVA, até então um modelo de cooperativa que havia feito grandes avanços em
termos de qualidade da produção, foi adquirida neste ano devido a problemas
financeiros.
2 São galpões onde é realizada uma série de procedimentos na fruta para se enquadrar no
padrão de exportação.
3 Termo em alemão que significa lojas do mundo. Estes empreendimentos formam uma
rede comercial especializada somente em produtos de origem do comércio justo.

Índice das ilustrações


Mapa 1. Localização dos municípios visitados nas Regiões Matas de
Título Minas e Montanhas do Espírito Santo e no Polo Frutícola Petrolina-
Juazeiro.
Créditos Fonte: Base de dados do IBGE, 2010.

URL http://journals.openedition.org/confins/docannexe/image/11401/img-
1.jpg
Ficheiro image/jpeg, 348k

Para citar este artigo


Referência eletrónica
Guilherme José Ferreira de Araújo, Daniel Magalhães e Edvânia Tôrres Aguiar Gomes, «Impactos
socioambientais da certificação fairtrade nas cooperativas de produtores familiares de café e
manga no Brasil», Confins [Online], 29 | 2016, posto online no dia 11 dezembro 2016, consultado
o 30 agosto 2023. URL: http://journals.openedition.org/confins/11401; DOI:
https://doi.org/10.4000/confins.11401
Autores
Guilherme José Ferreira de Araújo
Universidade Federal de Pernambuco, guigeorecife@gmail.com

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Daniel Magalhães
Universität Innsbruck, daniel.magalhaes@student.uibk.ac.at

Edvânia Tôrres Aguiar Gomes


Universidade Federal de Pernambuco,torres@ufpe.br

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