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2 - Reconciliação. O Método de Deus
2 - Reconciliação. O Método de Deus
O MÉTODO DE DEUS
(Exposição sobre Efésios 2)
D. M. LLOYD-JONES
Título original:
Editora:
Copyright:
Lady E. Catherwood
Tradução do inglês:
Odayr Olivetti
Revisão:
1995
Impressão:
Imprensa da Fé
ÍNDICE
PREFÁCIO
Não sei de nenhum outro capítulo da Bíblia que exponha com tanta clareza e
perfeição, ao mesmo tempo, a mensagem evangelística essencial para o
incrédulo e a posição e os privilégios do crente.
janeiro de 1972
Estes sermões foram originalmente impressos na “Westminster Record”, mês a
mês, e agora foram adaptados para a publicação em livro por minha esposa. A
ela, e ao Dr. Frank Crossley Morgan que tem insistido comigo que eu faça o que
venho fazendo há uns dez anos, estou profundamente agradecido.
D. M. Lloyd-Jones
INTRODUÇÃO
- Efésios 2:1
A primeira coi sa que ele nos vai recordando é que é plano de Deus e que é
atividade de Deus. Ele começa dizendo: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo, o qual nos abençoou...’’.Esse é o ponto de partida. Estamos
interessados em algo que Deus fez. Aqui não estamos interessados na atividade
humana, estamos olhando para algo que o Senhor Deus todo-poderoso fez
acontecer. Este é Seu plano, trazer e reunir, pôr novamente sob a liderança em
Cristo todas as coisas. Isso logo nos lança de volta à doutrina da Queda - onde a
divisão se introduziu, onde as coisas se desencaminharam. O plano e propósito
de Deus é tornar a reunir em Cristo todas as coisas. É Seu plano, e é Deus que
opera ativamente nele. E algo que Deus está fazendo acontecer. Não faço pausa
em cada ponto para acentuar a extrema relevância disso tudo para a nossa
situação presente, não somente como cristãos, mas também como cidadãos deste
mundo. O que está sendo esquecido por uma imensa maioria é que o fato
realmente importante no mundo atual é a atividade de Deus - o que Deus está
fazendo, não o que os homens estão fazendo. Naturalmente, os homens estão
fazendo coisas, e está bem que as façam. Não estou tentando diminuir a
importância do trabalho dos estadistas e de todas essas coisas; entretanto, de
acordo com o apóstolo, o que se deve entender acima de tudo mais é o que Deus
está fazendo. Há esta história invisível por trás da história visível, e a invisível é
muito mais importante. Há esta história espiritual que, por assim dizer,
está subjacente a toda história secular, e à luz da qual a história secular se torna
relativamente sem importância.
Pois bem, tudo isso faz parte do plano de Deus e é resultado da Sua atividade. O
apóstolo nos faz lembrar que isso é algo que Deus planejou “antes da fundação
do mundo”. Temos aqui o alicerce mesmo da nossa fé. Nada é contingente
quanto ao plano de Deus. O que Deus está fazendo não depende do homem, nem
mesmo da resposta do homem depende; em última instância, é tudo de Deus. Se
o plano de Deus dependesse da nossa resposta, então eu estaria sem nenhuma
esperança. Basta que vocês leiam a história da Igreja para verem que,
provavelmente, a Igreja Cristã não teria durado mais que um século, se
dependesse do homem. Mas estas coisas não dependem do homem;
dependem de Deus. Ele planejou tudo antes da fundação do mundo, e, portanto,
é absolutamente seguro e certo.
O que Paulo nos lembra a seguir é que se deve tudo inteiramente à graça, ao
amor, à misericórdia e à compaixão de Deus: inteiramente pela graça. Lembro-
lhes estas coisas porque, quando passarmos aexaminar este capítulo dois,
veremos que o apóstolo continua a repetir-se. Tudo é “para o louvor da glória da
sua graça”(VA). Ele o dissera no capítulo primeiro, versículo 6, e de novo no
versículo 12 - “com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós os que
primeiro esperamos em Cristo”, e mais uma vez, no versículo 14 - “o qual é o
penhor da nossa herança, para a redenção da possessão adquirida, para louvor
da sua glória”. É tudo resultado da graça de Deus - o próprio fato de que nos
sentamos juntos numa igreja cristã, que comemoramos a morte de Cristo, que
nos pomos a considerar esta grande salvação. E tudo resultado da graça sublime
e abundante, das riquezas da Sua graça. Devemos apegar-nos a estes temas e
mantê-los em nossas mentes.
Isso nos leva ao ponto subseqüente, que apenas mencionei: que é tudo no Senhor
Jesus Cristo e por meio dEle. Isso de salvação sem Cristo no centro não existe.
Não devemos dar ouvidos aos que dizem como Deus os abençoa, se Cristo não
estiver no ponto central. Eles podem pensar que as suas orações estão sendo
respondidas, que eles estão sendo guiados em muitas outras coisas semelhantes;
mas, de acordo com este argumento apostólico, Deus não trata conosco,
exceto em Jesus Cristo. Todas as bênçãos vêm nEle, por meio dEle e por
Ele. Gostaria de lembrá-los de que, nos catorze primeiros versículos do capítulo
primeiro, o apóstolo se refere ao Senhor Jesus Cristo quinze vezes. Ele sabe
como estamos prontos a esquecê-10, e como estamos prontos a pensar que
podemos resolver algumas coisas diretamente com Deus. Nada é tão trágico na
história da humanidade como o fato de que, apesar de Deus haver exposto mais
que claramente a cruz diante de nós,
damos-lhe as costas e parece que pensamos que Deus pode abençoarmos sem
ela. Mas não nos abençoa. “Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a
remissão das ofensas.” O Seu propósito é “tornar a congregar em Cristo todas as
coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus
como as que estão na terra”. Tudo deve centralizar-se em Cristo; e se Ele não é
absolutamente central para nós, não temos nenhum direito ao nome cristão.
Como é vital que tenhamos clara compreensão destas coisas!
E então, numa frase memorável, o apóstolo nos dissera o que Deus fez por nós e
nos oferece em nosso Senhor e Salvador e por meio dEle. Eis o que ele diz: “O
qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em
Cristo”, Lembremo-nos destas coisas. Obtivemos perdão - “o perdão dos
pecados”(l:7, VA). Essa é a primeira coisa que todos nós necessitamos. Sem ela,
todos estaríamos desamparados, porém a recebemos - a remissão dos pecados e
o perdão. Não somente isso - a adoção, a filiação, a condição de herdeiros, uma
herança maravilhosa, “co-herdeiros com Cristo”; sim, e Deus selou tudo
isso para nós pelo Espírito Santo. Ele quer que estejamos certos e seguros disso
tudo, e quer que saibamos que estamos em união com Cristo - que estamos “em
Cristo”. São essas as bênçãos. “O qual nos abençoou com todas as bênçãos
espirituais nos lugares celestiais em Cristo.” Aqui estamos, nesta terra, mas
estamos também nos lugares celestiais -verdade que veremos o apóstolo
desenvolver neste capítulo dois. Ora, todas as bênçãos que estamos gozando são
espirituais. Por vezes, a porção do cristão neste mundo é difícil; ele está cercado
de problemas, provações e tribulações; contudo, é abençoado “com todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais”. E se ele se der conta disso
e permanecer ali, e puser os seus afetos nas coisas de cima, não nas da terra, irá
regozijar-se com alegria indescritível e cheia de glória.
e revelação”. Ele ora para que os olhos de seu entendimento sejam iluminados,
para que venham a saber certas coisas. Eles tinham sido introduzidos nesta
esfera, ele lhes diz, porém, se realmente hão de usufruir a vida cristã, se hão de
vivê-la plenamente, se hão de funcionar como povo de Deus aqui na terra,
precisam ter este entendimento espiritual de certas coisas. Quais? A grandeza
desta salvação, e a sua glória: “Para que saibais qual seja a esperança da sua
vocação”. Mas então ele prossegue, dizendo que deseja que saibam também da
certeza disso: “e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos”.
Vocês vêem que o apóstolo não está meramente escrevendo um tratado
de teologia. Em toda a linha, o seu objetivo é muito prático, muito pastoral. Ele
quer ajudar estas pessoas, quer que elas se regozijem em tudo isso. Muito bem,
diz ele, esta é a maneira de fazê-lo. Não comece olhando para si mesmo, mas
olhe mais longe, para estas coisas grandiosas e gloriosas: a esperança da sua
vocação; as riquezas da glória da sua herança nos santos; e então esta outra
maravilha: - “a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos”.
Temos consciência da debilidade, temos consciência das dificuldades, vemos a
oposição que há contra nós, o mundo organizado em pecado, a malignidade
dos homens, o diabo, o inferno, tudo quanto está contra nós. Sei disso,
diz efetivamente Paulo; por isso, a única coisaque vocês devem saber é
esta “sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos”. Se tão-
somente soubessem isso! Eles tinham que ter iluminados os olhos do seu
entendimento para fazer isso, pelo que ele ora no sentido de que se lhes
iluminem os olhos.
Ele não somente ora por eles dessa maneira, porém, de imediato passa a dar-lhes
alguma instrução a respeito. Ele lhes diz que o poder que opera neles é o mesmo
poder que ressuscitou a Cristo “dentre os mortos” e que O colocou à direita de
Deus nos céus, “acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e
de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro”.
É esse o poder que opera em nós! Não seriamos crentes, não fora esse poder
operando em nós: “a sobreexcelente grandeza de seu poder sobre nós, os
que cremos, segundo a ...”. Nós cremos “segundo a” operação do Seu grande
poder, quer dizer, em virtude da, como resultado da operação do Seu grande
poder.
somos membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos; trata-se de uma
unidade orgânica. Assim, o poder de Cristo está em nós; pertencemos a Ele,
estamos nEle, e Ele está em nós. o apóstolo está desejoso de que eles saibam que
nada pode frustrar o propósito de Deus, nada pode resistir a Deus. Estas coisas
são valores absolutos e certos. O que eu e você temos que compreender é que é
justamente esse poder que está operando em nós, e que, se afinal somos cristãos,
é porque esse poder já começou a operar em nós.
O apóstolo já lembrara a estes efésios que isso já tinha acontecido com eles. São
dois os seus temas, e agora ele os desenvolve juntos e ao mesmo tempo: esta
grande idéia ser tudo reunido em Cristo, e do poder de Deus que o efetua. Ele
fizera a mesma coisa no capítulo primeiro, da seguinte maneira: diz ele no
versículo 11: “em quem também obtivemos herança” (VA); depois, no versículo
13, “em quem também crestes” - em quem vós também tendes herança. Ele já
estabelecera lá o seu tema: este grande propósito de Deus já está sendo posto em
ação. Nunca houve nada que o deixasse mais surpreso do que o fato de ser
ele, dentre todos os homens, “o apóstolo dos gentios”. Aqui ele está escrevendo
uma Epístola aos efésios, que eram gentios - ele, que era hebreu de hebreus, da
tribo de Benjamim, fariseu, instruído aos pés de Gamaliel, um dos nacionalistas
mais apaixonados que o mundo conheceu - aqui está ele, este fervoroso judeu,
escrevendo realmente a pessoas que tinham sido gentios pagãos, e se dirigindo a
elas como iguais, regozijando-se com elas por estarem compartilhando a
mesma experiência. Como é que isso viera a acontecer? Há somente
uma resposta: é o poder de Deus. Ele já tinha exposto o seu tema desse
modo nos versículos 11 a 14 do capítulo primeiro. Agora, porém, no capítulo 2,
ele passa a desenvolvê-lo em detalhe. O propósito do capítulo primeiro fora
fazer uma grande declaração geral. Mas ele nunca para nisso. Ele agora diz, com
efeito: vamos adiante e vejamos concreta-mente na prática o que Deus fez. Vocês
se tornaram co-herdeiros, “em quem também vós estais, depois que ouvistes a
palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido,
fostes selados com o Espírito Santo da promessa, o qual é o penhor da nossa
herança (a herança que temos juntos), para redenção da possessão adquirida”.
No entanto, isto é tão estonteante que temos que compreender como chegou a
acontecer. Assim, no capítulo dois o apóstolo nos diz em detalhe como foi que os
judeus e os gentios se tornaram um, como foi que Deus conseguiu reunir em
Cristo estes elementos completamente
Mas havia também outra questão, um obstáculo muito sério, a relação dos
gentios com a lei, com a lei de Deus. A lei de Deus só fora dada aos judeus;
nunca foi dada aos gentios. Foi algo que Deus deu somente aos judeus e a
ninguém mais. E, naturalmente, isso logo levantou uma enorme parede de
separação. Aqui estavam os judeus, sob a lei; ali estavam os gentios, os cães, os
fora da lei, estranhos à comunidade de Israel, sem esperança e sem Deus no
mundo. Ora, isso era um tremendo problema, e na segunda metade do capítulo,
do versículo 11 ao fim, o apóstolo passa a mostrar-nos como Deus tratou desta
segunda dificuldade que consistia em vencer o obstáculo da lei. Foi o que Deus
fez, afirma Paulo; Ele venceu esses dois obstáculos. Ele fez “dos dois um novo
homem”, sobrepujou todas as dificuldades; nada ficou sem ser tratado.
Entretanto, vocês notam que imediatamente ele nos faz lembrar da maneira
como foi feito isso, E aqui ele retorna aos seus grandes temas e aos seus grandes
princípios esboçados no capítulo primeiro. Vocês notam que ele começa dizendo:
“E (ele) vos vivificou” - Deus! É Deus o tempo todo, do começo ao fim; foi
Deus que venceu os obstáculos, foi Deus que nos reuniu. E de novo nos lembra
imediatamente - não se atrasa um segundo sequer - que é em Cristo que Deus fez
essas coisas; sim, e pelo sangue da Sua cruz - repete-se tudo. Como estes
apóstolos se repetem, e vão adiante dizendo a mesma coisa! Por quê? Porque é
questão crucial, porque sem isso não hásalvação, e porque somos
constantemente propensos a esquecer estas coisas. Persistimos em introduzir a
nossa justiça própria e os nossos méritos, e continuamos perguntando: bem, não
há nada que eu deva fazer? Desejamos tanto fazer algo e justificar-nos a nós
mesmos. Não, é o que Paulo diz, é tudo em Cristo, e tudo pelo sangue da Sua
cruz. O problema o requer
necessariamente; nenhuma outra coisa poderia fazê-lo. Ele nunca teria vindo à
terra, nunca teria morrido, se houvesse outra maneira. E tudo em Cristo. E vocês
ainda verão que ele continua salientando que é tudo pela graça. Note-se que está
entre parêntesis - “estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou
juntamente com Cristo” - e então, entre parêntesis “(pela graça sois salvos)”.
“Você não escapará disso”, diz efetivamente Paulo. “Não deixarei que você vá
embora com a sua constante afirmação do seu ser pessoal, dos seus méritos e dos
seus poderes. Livre-se disso tudo; vocêjamais se gloriaránisto.enquantonão vir
que é tudo pela graça: “pela graça sois salvos”. E ele prossegue, desenvolvendo
e repetindo o tema.
Mas o que ele quer acentuar acima de tudo, no contexto imediato, é que nada
menos que o grande poder de Deus poderia fazê-lo. E nisso que este capítulo se
liga imediatamente ao fim do capítulo anterior, onde ele estivera falando acerca
deste grande poder de Deus, que se manifestou em Cristo, ressuscitando-0 dentre
os mortos e colocando-0 à Sua direita naquela posição de suprema exaltação.
Então, “e vos vivificou” -Ele fez isso com vocês em Cristo, porque vocês
pertencem a Ele, vocês estão nEle, vocês são membros do Seu corpo, e nada,
senão o poder de Deus, poderia fazê-lo.
Pois bem, o apóstolo começa com isso - esse é o tema dos versículos 1 a 3 deste
capítulo dois: “E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em
que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das
potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência. Entre
os quais todos nós também antes andávamos nos desejos de nossacarne, fazendo
a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira,
como os outros também”. O homem em pecado é isso, isso é o que todos
nós ainda seriamos, se Deus nos tivesse deixado entregues a nós mesmos. É o
que são todos os não cristãos. E o argumento do apóstolo é este: se você quer
conhecer a grandeza do poder de Deus, você tçm que compreender a
profundidade do pecado, tem que compreender o problema com o qual Deus Se
defrontou, tem que compreender o problema com o qual você se defronta. O
apóstolo quer mostrar-nos este poder. Diz ele que primeiro temos que descer, e
que só nos aperceberemos da altura a que fomos elevados se nos apercebermos
da profundidade em que tínhamos afundado. Esse é o primeiro ponto.
O segundo, naturalmente, segue-se daí. Ele vai adiante para mostrar-nos o que
Deus fez por nós. Esse é o tema dos versículos 4 a 7: “Mas Deus, que é
riquíssimo em misericórdia... estando nós ainda mortos em nossas ofensas” -
estávamos no fundo daquela sepultura, como Cristo esteve na sepultura - Deus,
quando ainda estávamos lá, graças à Sua riquíssima misericórdia, pelo Seu muito
amor com que nos amou, “estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos
vivificou juntamente com Cristo... e nos ressuscitou juntamente com ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus”. E é somente
quando entendermos e captarmos algo sobre isso, que compreenderemos
a grandeza do poder de Deus. Muitos há que pensam na salvação e
no cristianismo em termos de um pouco de moralidade e decência. Que insulto
ao cristão! - como se o cristão fosse apenas um indivíduo bondoso, agradável e
inofensivo. Nada disso! O cristão é alguém que passou por uma tremenda
transformação. Houve nele esta ação dinâmi-
ca. Ele foi levantado, ressuscitado; ele está nos lugares celestiais. Este é o poder
de Deus! E se você pensar no seu cristianismo nestes termos, verá que nada,
senão o poder de Deus, poderia fazê-lo. O apóstolo coloca o ponto diante de nós
em detalhe, e temos que considerá-lo.
Depois ele passa ao terceiro ponto, que nunca lhe é possível deixar fora. Nesta
altura você diz a si mesmo: “Isto tudo seria verdade? Eu estava realmente assim,
morto em ofensas e pecados, andando de acordo com o curso deste mundo,
dominado pelo príncipe das potestades do ar, vivendo para as paixões da carne e
da mente, filho da ira e desobediente? Eu estive nesta situação? Seria verdade
que agora estou em Cristo, nos lugares celestiais? Seria verdade que Deus fez
tudo isso e me transferiu daquela situação para esta? Por que Ele o fez?"
Há somente um resposta: é tudo segundo as riquezas da Sua graça, para que nos
séculos vindouros Ele pudesse mostrar as abundantes riquezas da Sua “graça
pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus, porque pela graça sois
salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das
obras, para que ninguém se glorie; porque somos feitura sua...”. Agora vocês
vêem a argumentação do apóstolo. Vocês vêem como este capítulo é seqüência
do capítulo primeiro.
consigo mesmo? Para você é algo espantoso você estar fazendo este tipo de
leitura? Está você interessado nestas coisas - isto lhe causa admiração? Se você
compreendesse a verdade, causaria. A incompreensão destas coisas é que explica
a nossa perda e a nossa falta de sentimento de maravilha e adoração.
É isso que explica a nossa falta de amor a Deus. Você está preocupado com a
frieza do seu coração? Estou certo de que está, como todos nós devemos estar.
Acaso não é de causar espanto, que nos aproximemos da Ceia do Senhor,
comamos o pão e bebamos o vinho, e fiquemos tão impassíveis que os nossos
corações não transbordem de amor a Deus? Por que não transbordam de amor?
Porque não nos damos conta do amor de Deus. Se você quer amar a Deus, não
tente pôr em ação alguma coisa dentro de você; trate de aperceber-se do Seu
amor, e ore no sentido de que os olhos do seu entendimento sejam iluminados,
para que você possa dar-se conta do poço do qual foi tirado, das profundezas nas
quais você tinha afundado, daquela situação terrível, precária e perigosa em que
se achava, e do que Deus fez por você, por Sua graça, em Cristo. Essa é a
maneira de compreender isso. “Nós o amamos a ele porque ele nos amou
primeiro”, declara João, e o argumento é o mesmo (1 João 4:19). O
entendimento destas coisas é essencial para que se tenha sentimento de
maravilha, de amor e de louvor.
Passemos, porém, a algo ainda mais prático. A razão pela qual não nos damos
conta destas coisas é que não sentimos como devíamos o peso do fardo das
outras pessoas. Os cristãos não passam de um punhado no mundo atual. As
grandes multidões estão fora de Cristo, estão fora da Igreja, vivendo na
impiedade e sem religião, e num terrível estado de pecado. Estamos preocupados
com elas? As suas condições pesam em nós? Temos senso de missão quanto aos
nossos concidadãos em nosso país? As condições em que se acham as multidões
de outros países, envoltas em trevas morais, são um peso sobre nós?
Estamos interessados nos empreendimentos missionários? Pensamos
nestas coisas? Sentimos o peso delas? Oramos a Deus a respeito?
Estamos perguntando: “Que posso fazer? Como posso ajudar? Que
contribuição posso fazer?” Se não, só há uma explicação - nunca chegamos
a compreender a verdade acerca dos que se acham num estado de
pecado. Apenas nos irritamos por causa deles, ficamos incomodados com
eles. Mas isso não basta; temos que preocupar-nos com as almas, temos
que preocupar-nos com o pecado. Temos que ver os pecadores como eles são,
filhos da ira, prisioneiros do inferno, vê-los nesta degradação, nesta corrupção
que o apóstolo descreve. Se tão-somente enxergássemos isso,
os nossos corações correriam para eles; nós os veríamos como nosso Senhor os
vê - e o Seu grande coração transbordava de compaixão por eles. A pobreza do
nosso zelo missionário e evangelístico deve-se inteiramente a isto: não temos
enxergado de verdade a situação dos de fora - o que eles são, o que poderiam ser,
e o que Cristo fez.
Vocês vêem, então, porque é que o apóstolo se preocupa tanto com estas coisas,
porque é que ele ora por estes efésios, para que sejam iluminados os olhos do seu
entendimento. Vocês vêem que a doutrina que ele nos apresenta afeta a
totalidade da nossa vida cristã. Afeta-me individualmente, afeta a minha vida de
oração, o meu louvor, os meus atos de culto, o meu amor, a minha relação com
Deus, a minha relação com outras pessoas - tudo é dominado e dirigido por esta
doutrina. O apóstolo expôs tudo isso em princípio no capítulo primeiro.
Sim, todavia, ele afirma que você não deve vê-lo apenas em princípio; você deve
entendê-lo e captá-lo em detalhe. Por isso ele nos leva aos detalhes, e começa a
fazê-lo neste capítulo dois. E eu e você devemos fazer o mesmo. Devemos
contemplar os homens em pecado até ficarmos horrorizados, até ficarmos
alarmados, até que nos aflijamos por eles, até
que oremos por eles, até que, tendo compreendido a maravilha da nossa
libertação daquele estado terrível, nos percamos num arrebatado sentimento de
maravilha, de amor e de louvor.
O HOMEM EM PECADO
A VIDA SEM DEUS
A MENSAGEM CRISTÃ PARA O MUNDO
RESSUSCITADOS COM CRISTO
AS SUBLIMES RIQUEZAS DA SUA GRAÇA
PELA GRAÇA POR MEIO DA FÉ
13
15
O SANGUE DE CRISTO
18
20
21
22
ORANDO NO ESPÍRITO
25
CIDADANIA CELESTIAL
29
O ÚNICO FUNDAMENTO
O CRESCIMENTO DA IGREJA
O HOMEM EM PECADO
“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desobediência, entre os quais todos
nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da
carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros
também. ” - Efésios 2:1-3
Com estas palavras o apóstolo está interessado em mostrar aos cristãos efésios, e
a todos outros cristãos a quem ele estava escrevendo, e portanto a nós, a
grandeza e a glória da salvação cristã. Estes efésios já tinham crido no
evangelho. Paulo já tinha dado graças a Deus pela fé que eles tinham no Senhor
Jesus e pelo seu amor para com todos os santos. Eles tinham sido selados com o
Espírito Santo e tinham em si o penhor da herança. E, contudo, o apóstolo ora
para que os olhos do entendimento deles sejam iluminados. Eles estão apenas no
começo, são simples crianças. Ele quer que eles captem algo da amplitude,
da grandeza e da majestade desta maravilhosa salvação. E, sujeitos como ainda
estão à tentação, e vivendo num mundo contraditório e cercados de paganismo e
de oposição em diversas formas, o apóstolo está particularmente desejoso de que
eles tenham claro entendimento da grandeza do poder de Deus para com os que
crêem. E seguramente essa é uma coisa que necessitamos saber e da qual
devemos estar certos na vida cristã. Nada é mais vital do que termos claro
conhecimento acerca do poder de Deus que se manifesta nesta salvação cristã.
O apóstolo escreve com o fim de ajudá-los nesse aspecto. Ele não somente ora
por eles, mas também os instrui. E as duas coisas devem andar sempre juntas.
Ele ora para que os olhos do seu entendimento sejam iluminados pelo Espírito
Santo. Isso é absolutamente vital. Sem o entendimento que só o Espírito Santo
pode nos dar, palavras como as que vamos considerar, obviamente serão
completamente sem sentido para nós. Além disso, provavelmente as odiaremos e
as acharemos pessimistas e mórbidas. Diz o homem, por natureza, que o que ele
quer é algo que o alegre, não uma terrível análise da natureza humana como esta,
que é tão deprimente. Noutras palavras, sem que tenhamos mente
espiritual, não podemos ter esperança de entendê-las. Por isso o apóstolo coloca
isso em primeiro lugar. Primeiro vem a sua oração. Depois, havendo orado, ele
coloca diante dos efésios o conhecimento e a instrução.
Como podemos ter uma verdadeira concepção da grandeza do poder de Deus na
sal vação? Este é um tema que se repete constantemente nas cartas do apóstolo
Paulo. Vejam a magnífica declaração em Romanos 1:16, “não me envergonho do
evangelho de Cristo”. Porquê? Porque “é o poder de Deus para salvação de todo
aquele que crê”. O poder! Como medi-lo? O apóstolo nos dá as medidas precisas
aqui.
e vaga em suas idéias de redenção. A idéia comum é que o nosso Senhor é uma
espécie de amigo a quem podemos recorrer quando estamos em dificuldades,
como se isso fosse tudo. Ele é isso - graças a Deus porque é! Mas isso não é a
redenção em sua inteireza, nem em sua essência. Vocês não poderão começar a
medir a redenção, enquanto não compreenderem algo do que a Bíblia nos ensina
acerca do homem em pecado e de todo o efeito do pecado sobre o homem. Ou
deixem-me expressá-lo de outro modo. Vocês não terão a mínima possibilidade
de entender a doutrina da encarnação, se não entenderem esta doutrina do
pecado. Diz-nos a Bíblia que o homem estava em tais condições que
era necessária a vinda da Segunda Pessoa da Trindade santa e bendita dos céus à
terra. Ele teve que descer, assumir a natureza humana e nascer como um bebê.
Isso era absolutamente essencial antes de se poder redimir o homem. Por quê?
Por causa do pecado, da natureza do pecado. Portanto, vocês vêem, vocês não
poderão entender a encarnação, se não tiverem claro entendimento sobre o
pecado. De igual modo, vejam a cruz no Calvário. Que é ela? Que significa?
Que nos diz? Que está acontecendo ali? Torno a dizer que vocês não terão a
mínima possibilidade de entender a morte de nosso Senhor e o que Ele fez na
cruz, se não entenderem claramente esta doutrina do pecado. O caráter
completamente vago das idéias de muitos sobre a morte de nosso Senhor deve-se
inteiramente a isto. Não gostam da doutrina da substituição; não gostam da
doutrina do sofrimento penal. Isso porque nunca entendem o problema. Porque
não começam com o homem em pecado. Estas são as grandes doutrinas
cardinais da fé cristã, e não podem ser entendidas, a não ser à luz da terrível
condição do homem em pecado.
Deixem-me, porém, ser ainda mais prático. Talvez alguém diga: ah, bem, você
fala acerca das suas doutrinas. Não estou interessado em doutrinas, não sou um
dos seus teólogos, sou um frio homem do mundo, homem de negócio, e quero
saber algo sobre a vida e como viver. Muito bem, enfrentemos esse caso. Estou
asseverando que vocês não poderão entender a vida como esta é neste mundo
neste momento, se não entenderem esta doutrina do pecado. Vou além, a minha
opinião é que, sem isto, vocês não poderão entender a totalidade da história
humana, com todas as suas guerras, seus conflitos, suas conquistas, suas
calamidades, e tudo o que ela registra. Afirmo que não há explicação
adequada, salvo na doutrina bíblica do pecado. Só se pode entender
verdadeiramente a história do mundo à luz desta grande doutrina do homem,
do homem decaído e em pecado. Leiam os seus livros sobre a filosofia
da história, e verão que eles andam às tontas. Não sabem interpretar os
fatos, não conseguem dar uma explicação adequada; todas as suas idéias são
completamente falsificadas pela história. Isto porque eles nunca se apercebem de
que o ponto de partida é a condição pecaminosa do homem decaído.
São essas, pois, algumas das razões pelas quais devemos considerar esta matéria.
Há, em última análise, somente duas explicações propostas quanto a por que o
homem é como é e por que o mundo é como é hoje, e por que ele sempre foi o
que foi. Há o ensino bíblico; e há todos os outros ensinos não bíblicos.
Contrariamente ao ensino bíblico, há o ensino popular atual, segundo o qual o
homem é o que é, e as coisas são o que são porque o homem não teve tempo
suficiente ainda para avançar até a perfeição. Outrora ele era um animal, é o que
nos dizem, e isso há não muito tempo. Milhões de anos não são nada, e há
apenas alguns milhões de anos o homem era um animal. Habitava nas florestas,
trepava nas árvores, e assim por diante. Não se pode esperar que de repente
se torne perfeito, dizem eles. Ele está se desfazendo desses vestígios e relíquias
animalescos, porém, ainda não o fez completamente. Ele o está fazendo
progressivamente, é certo, mas é preciso dar-lhe tempo. Noutras palavras, o
problema da humanidade é simplesmente problema de tempo. Tais pensadores
não têm muito conforto para dar aos que estamos vivos agora, porque eles dizem
que em muitos bilhões de anos por vir, provavelmente o homem conseguirá
chegar à perfeição. E tudo uma questão de tempo, uma questão de
conhecimento, uma questão de crescimento e instrução, e assim por diante.
Agora, ou vocês crêem nisso, ou nalguma variante disso, ou então crêem no que
a Bíblia diz acerca do homem. Aqui nos é dito exatamente em que consiste
o conceito bíblico.
ele enquanto não o fizer. Isso se chama arrependimento. Ela é realista. E se não
houvesse outra razão para crer na Bíblia, e para crer que a Bíblia é a Palavra de
Deus, esta seria suficiente para mim; ela me diz o que eu sei que é a completa
verdade acerca de mim mesmo. E não sei doutra coisa que o faça. Os seus
romances não o fazem - eles dizem o que me agrada e não me levam apensar
com muito rigor sobre mim mesmo. Eles tentam levantar o meu moral, tratam-
me psicologicamente; no entanto, o que eles dizem não é verdade. Unicamente o
conceito bíblico é realista.
Não somente isso, é também radical, desce às profundezas. Não enfrenta apenas
certos aspectos do problema do homem em geral e do indivíduo; enfrenta todos
eles. Embora penoso, o processo toma o seu bisturi, por assim dizer, e se põe a
dissecar até o câncer ficar exposto. É radical. E é por isso que, às vezes, é
extremamente difícil não nos impacientarmos com o que o mundo está sempre
tão pronto a acreditar. O mundo, com as suas idéias e filosofias, está apenas
medicando sintomas, administrando os seus barbitúricos num sentido espiritual,
e os seus anódinos, as suas aspirinas, etc.; e porque a nossa dor é aliviada por
algum tempo, achamos que estamos bem, mas o estado de saúde nunca foi
diagnosticado, nunca foi posto às claras; não é enfrentado. O mundo não gosta
de nada que seja desagradável; tem medo disso, e assim não o enfrenta. Nunca é
radical. Todavia, como veremos, a Bíblia é muito radical.
Depois, a última coisa que eu gostaria de dizer em geral a respeito disso é que
este conceito bíblico é, ao mesmo tempo, mais pessimista e otimista que todos os
outros conceitos. O homem sempre foi atrás de alguma utopia, sempre tem feito
isso, através dos séculos. Mas nunca chega lá. Portanto, tudo isso é final e
completamente pessimista. Só existe um conceito verdadeiramente otimista da
vida, e é aquele que nos diz que, apesar de estar o homem nas profundezas do
pecado, o poder de Deus pode vir, pode segurá-lo e pode elevá-lo às alturas, e
que isto foi feito em Jesus Cristo, o nosso Senhor.
Tivemos um visão geral desta situação. Mas partamos agora para os detalhes,
para o ensino específico. Nestes três versículos o apóstolo faz um sumário de
modo o mais admirável, e talvez o mais perfeito da Bíblia toda - um sumário da
doutrina bíblica, do conceito escriturístico sobre o homem em pecado. Ele diz
quatro coisas a respeito disso. Em primeiro lugar, ele descreve o estado do
homem em pecado. Em segundo lugar, ele nos dá uma explicação deste estado e
nos explica por que o homem se acha neste estado. Em terceiro lugar, ele nos diz
a que
esse estado e condição leva na prática. E em quarto lugar, ele nos diz como Deus
vê o homem nesse estado. Seria essa a minha análise destes três versículos. Em
resumo: as condições; por que o homem está nestas condições; quais os
resultados práticos por estar ele nessas condições; e o que Deus pensa disso.
Tudo isso está neste três versículos.
Que significa isso? Suponho que a melhor maneira de definir a morte é dizer que
é exatamente o oposto e a antítese da vida. Então, que é a vida? Bem, na Bíblia a
vida é sempre descrita e definida em termos da nossa relação com Deus. Vejam
as palavras do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo em João 17:3: “E a vida
eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus
Cristo, a quem enviaste”. Isso é vida! Que é a morte? O oposto disso. Deus é o
Autor da vida - “Aquele que tem , ele só, a vida e a imortalidade”. Ele é a
fonte da vida, o mantenedor da vida. Deus é Vida e dá vida, e fora de Deus não
há vida. Portanto, podemos definir a vida como segue: a vida é conhecer a Deus,
estar em relação com Deus, ter prazer em Deus, corresponder-se com Deus, ser
semelhante a Deus, compartir a vida de Deus e ser abençoado por Deus.
Segundo a Bíblia, a vida é isso. Portanto, ao definirmos a morte, devemos defini-
la como o oposto daquilo tudo. E quando o fizermos, veremos de um relance que
o que Paulo diz sobre o não cristão não é nada menos que a pura verdade. Ele
está morto, é o que Paulo diz: Estando vós mortos” (“Vós estáveis mortos”, VA);
e os não cristãos ainda estão mortos. Que é que ele quer dizer? Ele quer dizer
que eles são ignorantes de Deus; não conhecem a Deus. Mais adiante, neste
capítulo, o apóstolo expressa isso claramente. Aqui ele diz que aquelas pessoas,
antes da sua conversão, estavam exatamente nessa condição. No versículo 12 diz
ele que “naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel,
e estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus...”.
“Vós estáveis sem Deus”; não O conheciam. Estavam separados da vida de
Deus, sem comunhão com Deus. Ah, vocês podem ter falado sobre Deus, mas
Deus era uma espécie de termo filosófico para vocês, era algum Ser
imaginário nalgum lugar qualquer, apenas Alguém sobre quem conversar.
Vocês não O conheciam, não se correspondiam com Ele; vocês estavam fora da
Sua vida.
Você conhece a Deus? Não pergunto: você fala sobre Deus? Pergunto, sim: Deus
é real para você? Você O conhece? “A vida eterna é esta: que te conheçam...”.
Você pode dizer, “Meu Deus”?
nestas coisas, e não se interessapor elas. O seu interesse está nos homens e em
sua aparência, e no que eles têm falado e dito; o mundo e os seus interesses
exercem tremenda atração sobre ele. A situação é perfeita-mente simples: estas
outras coisas são espirituais, são de Deus, e aquele tipo de homem não vê nada
nelas. Por quê? Porque ele está “morto”, e não tem nenhuma vida espiritual. A
lei das afinidades é certa. Os semelhantes se atraem, “pássaros de penas iguais
voam juntos” - gente do mesmo tipo andajunto. Nasce acriança, e ela quer leite;
a suanatureza o requer, mas um objeto inanimado não. Essa é a segunda verdade
acerca do homem em pecado.
No entanto, ele não somente não gosta destas coisas, vamos adiante e
expressemos o ponto como as Escrituras o expressam; ele até as
odeia. Literalmente as odeia, não somente porque lhe são enfadonhas,
porém, também porque, de algum modo, ele sente que o fato de não gostar
delas o condena. E ele não gosta de sentir isso. Naturalmente ele se dispõe a ter
alguma espécie de religião, mas contanto que a possa controlar, controlar o que
se diz, e coisas como essas. Ah, sim, tem que haver um limite de tempo nas
coisas de Deus; não, contudo, nas coisas do mundo. Esse é o ódio que ele tem de
Deus. “A inclinação da carne”, afirma Paulo, “é inimizade contra Deus, pois não
é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (Romanos 8:7).
O que as segue, é claro, é que esse tipo de vida não é abençoado por Deus e,
portanto, é infeliz. A vida do homem em pecado é infeliz. Se você contestar isso,
só há uma coisa para dizer-lhe, e é que você não é cristão. Se você não concorda
que a vida ímpia, que a vida do mundo, é infeliz, e que a única vida feliz é a vida
cristã, você está simplesmente proclamando que não é cristão. Desejar este tipo
de vida, esse tipo de existência, é simplesmente proclamar que você não tem
natureza
espiritual. A verdade acerca dessa vida é que ela é miserável, infeliz. Olhem por
baixo da superfície, e a verão clamar a vocês. O modo de ser do mundo, com
todas as suas mudanças, suas constantes mudanças, é uma proclamação de que
aqueles que o seguem são profundamente infelizes. É por isso que eles vivem
mudando. Cansam-se de tudo, estão sempre em busca de algo novo. Estão
sempre em busca de emoções, e correm atrás delas. Por quê? Porque lhes é
intolerável passar algumas horas a sós consigo mesmos. Acham a sua própria
companhia tão miserável que passam a vida fugindo de si mesmos. Essa é a
extensão da miséria de uma vida de pecado: não hárecursos nem reservas,
porque eles estão fora da vida de Deus. Esse é o homem em pecado. Ele
está morto.
Apresso-me a uma segunda questão. A segunda verdade que Paulo nos diz sobre
essas pessoas é que elas são governadas por este mundo: “Em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo”. Que declaração! “O curso deste
mundo”! A palavra que de fato eleusoufoi era, “a era deste mundo”. Que é que
ele quer dizer com isso? Penso que ele quer dizer que essa espécie de vida é vida
sob o controle, a perspectiva e a mentalidade do presente mundo - o “presente
século mau”, como lhe chamam as Escrituras (Gálatas 1:4). Ora, a
dificuldade quanto ao homem em pecado é que ele é levado, é controlado,
é absolutamente governado por esse tipo de vida e por esse tipo de perspectiva.
Isso é uma coisa que a Bíblia ensina do começo ao fim. De acordo com a Bíblia,
o mundo está sempre contra Deus.
com a expressão “o mundo” não se trata do universo físico, das montanhas, dos
rios, etc. O mundo é uma mentalidade, uma perspectiva, um conceito de vida
sem Deus. Deus é excluído; é o próprio homem concebendo e organizando a
vida, e controlando a vida. Essa mentalidade é que é descrita como “o mundo”.
Paulo o expressou uma vez por todas neste mesmo capítulo que estamos
considerando. Vejam de novo o versículo 12: “Portanto”, diz ele, “lembrai-vos
de... que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel,
e estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no
mundo”. Estar sem Deus é “estar no mundo”. E estar no mundo é ser governado
pela perspectiva e pela mentalidade do mundo. O apóstolo diz a mesma coisa em
Romanos 12: 2: “E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos
pela renovação do vosso entendimento...”, Como cristão, diz o apóstolo, não se
amolde a este mundo, com a sua mentalidade e a sua perspectiva; você está
noutra esfera. “Transforme-se”, “renove a sua mente” para condizer com
aquele novo mundo. Ou vejam o que o apóstolo João diz, muito
explicitamente: “Não ameis o mundo, nem o que no mundo há... a
concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1 João
2:15-17). O mundo é isso. Não amem o mundo, diz com efeito João, vocês não
lhe pertencem, ele é completamente oposto a Deus. Não amem o mundo!
Não somente isso, mas o apóstolo vai adiante para dizer-nos que, por sua vez,
isso é controlado por um princípio mau que há na vida. Ouçamo-lo colocá-lo
desta forma: “Em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo,
segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos
da desobediência”. A palavra “espírito” aqui significa princípio; há um princípio
mau que, diz ele, está operando neste mundo. E essa palavra “operar” é forte. Há
nela, uma energia, uma força, um poder. Não há nada mais patético do
que pensar numa vida de pecado como uma vida passiva ou negativa. O fato é
que existe este poderoso princípio do mal em ação neste mundo, e é somente o
homem que crê na Bíblia e teve a sua mente e seu entendimento iluminados pelo
Espírito Santo que pode ver isso. Vocês imaginam que tudo o que vêem na vida
hoje simplesmente sucede de qualquer maneira, de alguma forma? Vocês não
conseguem ver quão organizado é, quão uniforme, quão astuto, quão parecido
em todas as suas partes? Há um princípio do mal em operação. Numa era
obscura como esta, damos graças a Deus por toda e qualquer indicação de
melhoramento. Refiro-me ao fato de que houve certos filósofos que foram
suficientemente sinceros para dizer-nos que a última guerra mundial os
convenceu disso. Pensem num homem como o finado Dr. Joad. Ele eraum ateu,
um incrédulo, antes da guerra. Depois passou a crer na realidade de Deus, e nos
diz por quê. Disse ele que a segunda guerra mundial o convenceu de que, em
todo caso, a Bíblia estava certa nisto, que há um princípio do mal em ação. Disse
ele que não podia explicar a guerra de nenhum outro modo; ele pôde ver que não
se tratava de acidente ou de algo negativo, porém, que havia um poder
demoníaco em ação, o “espírito que agora opera nos filhos da desobediência”.
Cabe-nos como povo cristão,
reconhecer que essa pobre gente que está sem Deus no mundo está sendo
dominada e controlada por esse princípio mau.
Mas ainda precisamos dar mais um passo para trás. Diz o apóstolo que esse
princípio mau é governado pelo diabo e por todos os seus poderes: “Em que
noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das
potestades do ar”. Que declaração! Entretanto, certamente, dirá alguma pessoa
sofisticada, você não está querendo dizer que ainda acredita no diabo! A resposta
é simples: acredito no diabo porque tenho que acreditar. Tenho que acreditar,
não apenas porque ele está aí - isso basta para mim - mas eu acredito porque não
posso explicar a vida sem ele. E é porque o diabo é ignorado que o mundo é
como é. O diabo é tão astuto que ele domina o homem e, ao mesmo tempo, o
persuade de que ele não está sendo dominado. O homem até pensa que está se
emancipando ao dar as costas à Bíblia. O diabo é também chamado “o deus
deste mundo”. O Senhor Jesus Cristo chamou-o “o príncipe deste mundo”.
Referência é feita a ele como “Belzebu, príncipe dos demônios”. E é ele que está
dominando tudo. Ele odeia Deus. Ele era um anjo que fora criado perfeito por
Deus, um anjo refulgente. Levantou-se contra Deus porque queria ser Deus;
e odeia a Deus, e o seu único objetivo é estragar a criação de Deus e arruinar o
mundo de Deus. Por isso veio ao mundo e enganou Eva e Adão, e daí em diante
é o que vem fazendo. Ele domina a vida do homem. Todos nós estamos, por
natureza, sob o domínio de satanás. Ele tem as suas forças, os seus poderes; ele é
“o príncipe”. Do quê? “Das potestades do ar.” Vocês notam como Paulo se
expressou sobre isso no capítulo seis desta Epístola, versículo doze: “Não temos
que lutar contra a carne e o sangue”. Se vocês pensam que o problema com
que se defrontam os estadistas hoje é apenas lidar com outros
homens semelhantes a eles, vocês são tragicamente ignorantes
politicamente, para não dizer espiritualmente. Se vocês pensam que é apenas
questão de personalidades, um homem ou outro, como Hitler ou Stalin,
vocês ainda não começaram a entender o ponto. “Não temos que lutar contra a
carne e o sangue, mas sim, contra os principados, contra as potestades, contra os
príncipes das trevas deste século” - isto é, as potestades do ar, trevas - “contra as
hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais.”
Diz-nos a Bíblia que existem estes poderes invisíveis, e o diabo é “o príncipe das
potestades do ar”. Pode-se interpretar a palavra “ar” destas duas maneiras: pode-
se dizer príncipe das potestades das trevas, ou príncipe das potestades invisíveis.
Não são poderes terrestres,
pertecem a outra esfera, são etéreos, por assim dizer, são espirituais. Não têm
corpos, mas têm existência real. E a tragédia do homem é que, porque não pode
ver os espíritos do mal, não acredita neles. Como não pode ver o Espírito Santo,
não crê no Espírito S an to. Como não pode ver a Deus, não crê em Deus. Não se
dá conta de que está numa esfera espiritual. Isso é porque ele está morto. É por
isso que ele está sem entendimento espiritual. “O príncipe das potestades!” Ah, o
poder do mal. O não cristão é absolutamente dominado e controlado por
esses poderes, e está morto às mãos deles.
Nós também, que somos cristãos, ainda somos confrontados por eles. É isso que
o apóstolo diz no capítulo seis desta Epístola. Como cristãos, temos que lutar
contra este poder. “Cristão, não procure repouso ainda; fora com os sonhos de
comodidade!” E me parece que muitos cristãos estão sonhando com
comodidade, e estão pensando e sonhando com um tipo de salvação em que não
há conflito e luta. Neste mundo, nunca! Há estes poderes do mal, as potestades
do ar, com toda a sua sutileza e malignidade, com toda a sua esperteza e as
transformações do seu chefe “em anjo de luz” para poder derrubar-nos. E isso
que nos está confrontando. O admirável é algum de nós
simplesmente permanecer nesta vida cristã. Somos confrontados por aquele que
não hesitou em chegar ao Filho de Deus e tentá-10 e dizer-Lhe com
absoluta confiança: “Se tu és o Filho de Deus”. Foi ele que
repetidamente derrotou os patriarcas e os santos do Velho Testamento. Cada um
deles caiu uma e outra vez diante dele. E ele se opõe a nós com todo o seu poder,
força e energia, com todos os batalhões que ele comanda, com o princípio mau
que ele introduziu em toda perspectiva e mentalidade do mundo. Está organizado
em forma visível, porém ele próprio é invisível; e está em toda parte.
O PECADO ORIGINAL
“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desobediência, entre os quais todos
nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da
carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros
também.” - Efésios 2:1-3
Como é vital que compreendamos isto! Vital não somente do ponto de vista do
entendimento do evangelho, mas certamente, num sentido muito prático,
absolutamente essencial para o entendimento dos tempos nos quais vivemos,
internacionalmente e também num sentido nacional. Nada é tão fátuo como a
idéia de que a doutrina cristã é afastada da vida. Não existe nada mais prático, e
o mundo está hoje em suas atuais condições de desordem porque os homens não
querem reconhecer a veracidade daquilo que a Bíblia ensina sobre o homem.
Observem a situação industrial, e mesmo a financeira. Qual é o problema? Bem,
o que nos dizem é que a produção não é tão alta como deveria ser. Porque não é?
Essa é a questão. Por que não estamos produzindo mais? Ê a resposta é,
obviamente, que não estamos produzindo mais porque o homem se encontra
num estado de pecado. Vocês notam que digo “o homem”, não “os homens”.
Digo “o homem” para incluir todos os homens. Não estamos produzindo quanto
deveríamos produzir porque os empregadores e os empregados estão ampliando
cada vez mais a sua
recordam como um dia o nosso Senhor voltou-Se para os judeus e lhes disse:
“Vós tendes por pai o diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai” (João
8:44). Também se lembram de como, no Velho Testamento, muitas vezes vêem
que certos ímpios são tratados como “filhos de Belial”, ou por outra expressão
semelhante. Devemos, pois, considerar a expressão como dizendo que a
desobediência é a origem deste caráter distintivo. Somos filhos da desobediência
no sentido de que é a desobediência que nos leva a sermos exatamente o que
somos. Pois bem, é isso que o apóstolo está ressaltando aqui.
É sempre esse o ponto essencial da explicação bíblica sobre por que o homem é
assim. O problema primário, essencial, é a desobediência. Foi isso que levou a
todos os nossos problemas e desgraças. Noutras palavras, trata-se da nossa
relação com Deus. E vocês notam que a ênfase é que o pecado não é meramente
negativo, não é meramente ausência de qualidades, não é meramente ausência de
alguma coisa; é positivo, é ativo, á deliberado. É des-obediência, é fuga da
obediência, é questionar o direito que Deus tem de exercer o comando sobre nós,
noutras palavras, é rebelião. E é isso que Bíblia nos diz sobre o homem,
do começo ao fim. O homem não é simplesmente uma pobre criatura que nunca
teve chance e para com quem, portanto, vocês devem ser muito compassivos e
muito tolerantes. Essa é a idéia moderna, vocês sabem. A doutrina bíblica do
pecado saiu realmente do pensamento dos homens háuns sessenta ou setenta
anos, e apsicologiaentrou em seu lugar. Épor isso que a disciplina e a punição
desapareceram. A idéia agora é que, na verdade, todos nós somos,
essencialmente, muito bons, e o problema é que nunca nos foi dada uma chance.
O que necessitamos, dizem, é encorajamento. Não acreditamos na lei e nas
sanções morais. Isso é considerado duro e cruel. O resultado disso tudo é a
bancarrota da disciplina em todos os departamentos da vida-no lar, naescola, nas
ruas, na indústria, no comércio, em toda parte. Vocês vêem como esta doutrina é
vital! A Bíblia ensina que os nossos problemas decorrem todos da desobediência
inicial; que o homem é um rebelde contra Deus e deliberadamente se rebela
contra Deus. E, naturalmente, isso tudo provém do seu amor próprio. É a auto-
afirmação do homem, o posicionamento do homem contra Deus, o seu desejo de
ser deus.
Ele não gosta da idéia de que há alguém acima dele, mesmo Deus. Ele gosta de
pensar que o homem é supremo, está acima de todas as coisas, e pode olhar de
cima para todas as coisas. Esse é o coração e o cerne da objeção do homem a
Deus e da sua oposição a Deus, O homem se ofende por natureza com a idéia de
que existe algo ou alguém que ele não pode abarcar com a sua mente; e quando
se lhe diz que ele é tão-somente uma criatura e que a sua atitude para com o
Criador, o Senhor Deus Todo--poderoso, deveria ser a de humilhar-se e cair
sobre o seu rosto diante de Deus, ele se opõe a isso. Acha que é um insulto, e
afirma que não é uma criatura, e que além dele não existe nada. Daí vocês têm o
ateísmo do homem moderno, a sua objeção a Deus e a sua negação de Deus.
Isso tudo surge do fato de que ele se opõe a esta idéia de que ele é uma
criatura, de que ele é alguém que Deus fez, criou e modelou para Si.
Por isso não há nada que ofenda tanto o homem natural como o evangelho que
lhe diz que ele é salvo unicamente pela graça de Deus, que ele, como um
mendigo, tem que aceitar como uma dádiva gratuita. Diz ele: não afundei tanto
assim, não sou perfeito, talvez, mas não sou um mendigo, há algo que eu possa
fazer e que sou capaz de fazer. É a doutrina da graça que o homem odeia mais
que tudo. Essa é “a ofensa” ou “o escândalo da cruz”; e isso continua existindo
porque o homem acredita em sua auto-suficiência, em sua capacidade, em seu
poder inerente. Essa é uma expressão da sua desobediência. Ele não quer aceitar
a graça, não quer acreditar nela, rebela-se contra ela e luta contra ela.
Certamente todos hão de reconhecer que isso nada mais é que uma descrição do
homem como ele é fora da fé cristã. Ele é completamente desobediente, e se
orgulha disso com arrogância. Ele promove a sua personalidade e a sua auto-
suficiência. E essencial forçar a questão a esse ponto. A desobediência, como eu
disse, é ativa, ativa até igualar-se à inimizade. Se não compreendermos isso, é
sinal que ainda não entendemos esta doutrina. Portanto, deixem-me interpretar o
que o apóstolo diz aqui com o que ele diz na Epístola aos Romanos, capítulo
oito, versículo sete: “A inclinação da carne”, diz ele, “é inimizade contra Deus,
pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser”. Que declaração!
E que importante adendo! O homem desobedece porque está em inimizade
contra Deus; odeia a Deus. Ah, mas, vocês dirão, conheço muitos que não são
cristãos, porém que dizem que crêem em Deus. Não, não crêem! Crêem numa
ficção, num produto da sua imaginação; eles não crêem em Deus. Se cressem em
Deus, creriam em Seu Cristo, como o nosso Senhor mesmo argumenta em João
8:30-45. Mas não crêem. Crêem simplesmente no que eles pensam e
imaginam que Deus é, no deus que eles próprios fabricaram. Isso não é Deus!
“A inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus,
nem, em verdade, o pode ser.”
incapaz. O homem natural não é sujeito “à lei de Deus, nem, em verdade, o pode
ser” - ele é incapaz disso. Desde a queda de Adão, isso de livre-arbítrio, de
vontade livre quanto a obedecer a Deus, não existe. Adão tinha livre-arbítrio;
nunca mais ninguém o teve. A liberdade de vontade perdeu-se na Queda; nesta o
homem passou a ser escravo do pecado e a estar sob o domínio do diabo. Sua
vontade está presa. “Se ainda o nosso evangelho está encoberto”, diz o apóstolo
aos coríntios (2 Coríntios 4:3 e 4) “para os que se perdem está encoberto. Nos
quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos”, para que não
creiam no glorioso evangelho de Cristo. O diabo não os deixa crer. “O valente
guarda, armado, a sua casa, em segurança...” (Lucas 11:21). Essa é a condição do
homem sob o domínio do diabo; ele não é livre. Não é livre para não pecar.
“Filhos da desobediência”! “Nem, em verdade, o pode ser”! E incapaz disso. Tal
a profundidade em que o homem afundou em pecado. E, contudo, é aí que entra
o paradoxo, por assim dizer. Apesar disso, tudo o que o homem faz, ele o faz
deliberadamente. Ele quer pecar, gosta de pecar, gloria-se em pecar. Não exerce
negativamente a sua vontade para pecar; o que ele não pode fazer é querer o bem
positivo, o bem espiritual. É incapaz disso, e aí está porque ele precisa “nascer
de novo” e ter nova natureza. Mas ele pode querer o mal, e sente prazer em
praticá-lo. O que ele não percebe é que ele se tornou incapaz de querer o bem e
de querer alguma coisa que esteja direcionada para a salvação. Ele não é livre
para isso. Filhos da desobediência, a prole da desobediência, a progênie da
desobediência! Há no universo uma mente má, e nós somos seu fruto. Esse é o
ensino bíblico. Acaso não é extraordinário que alguém que tem
entendimento nestas questões possa discutir isso por um momento que seja? O
mundo atual está simplesmente demonstrando e provando esta verdade.
Os homens e as mulheres são escravos do diabo, estão sob a escravidão
do diabo; estão sob o poder e domínio de satanás.
que aquilo. Somos o que somos, em todos os aspectos, “por natureza”. Se vocês
preferirem outra tradução, poderiam usar em seu lugar a expressão “por
nascimento”, “e éramos por nascimento filhos da ira, como os outros também”.
Esta doutrina não é popular hoje. O homem em pecado jamais gostou dela. O
que ele gosta de dizer, naturalmente, é que todos nós nascemos neutros. Vejam
aquela criança, quão maravilhosa e perfeita! Bem, porque é que elapeca quando
cresce? Ora, dizem eles, vocês vêem aqui qual é o problema; é o mundo
pecaminoso ao qual ela vem: ela vê coisas más, vê maus hábitos, e aos poucos
vai sendo influenciada por eles. Dizem eles que com a criança tudo está bem,
mas com o ambiente não. Se tão-somente a criança fosse colocada num mundo
perfeito, ela permaneceria perfeita; entretanto, vem a um mundo imperfeito e vê
e pega hábitos, ouve falar e vê as coisas que as pessoas fazem, e gradativamente
assimila essas coisas e as pratica. E tudo questão de ambiente, mau exemplo, má
influência. Não, diz a Bíblia, não é não. Essa criança foi formada em iniqüidade,
e foi concebida e nasceu em pecado. Quando vimos a este mundo, a nossa
natureza já está corrompida. Herdamos uma natureza pecaminosa dos nossos
antepassados e dos nossos pais; começamos com isso. As tendências e os desejos
estão todos ali, e tudo o que o mundo faz é dar-nos um canal de escoamento. Há
dentro de nós umarebelião, um desejo de ter as coisas proibidas. Isso aparece
logo no início. É uma das primeiras coisas que manifestamos, todos nós. Por
quê? Bem, “por natureza”.
Passamos a seguir à palavra muito importante “todos”. “Em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desbediência. Entre os quais todos nós
também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da
carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira” - e de novo ele o
diz- “como os outros também.” Ou, se vocês preferirem outra tradução - “como
o restante da humanidade”. “Todos”, é universal. Ora, isso é uma coisa
impressionante. Este ponto era muito apropriado para o argumento particular do
apóstolo precisamente aqui. Seu tema é, vocês se lembram, como Deus
em Cristo, na plenitude dos tempos, vai reunir todas as coisas em Cristo, “tanto
as que estão nos céus como as que estão na terra”. E diz o apóstolo que Ele já
começou a fazê-lo, No capítulo primeiro, versículo onze, ele afirma que alguns
que são judeus creram no evangelho e estão no reino. Ele prossegue, dizendo
que alguns que eram gentios também obtiveram herança. Aqui ele retoma o
ponto - “E vos vivificou”. Ele fez a mesma coisa com vocês, gentios. Mas seu
grande desejo é que ninguém pense que ele está dizendo estas coisas somente
acerca dos gentios. Não, “todos” nós andávamos nos desejos da nossa carne,
“todos” nós éramos filhos da ira, como os outros também. O que ele diz aqui
sobre o homem em pecado é verdade com relação ao judeu, como também
com relação ao gentio.
Como era difícil para o judeu acreditar nisso! Durante séculos ele tinha
acreditado que estava completamente separado: o judeu! Fora estavam os cães,
os gentios, os estrangeiros. Estes estavam fora da “comunidade de Israel”. O
judeu era filho de Deus, estava a salvo porque era judeu. Ele era totalmente justo
e melhor do que todos os outros que eram pecadores, os cães dos gentios, os
quais estavam fora. Como lhe era difícil aceitar uma doutrina que afirma que ele
era tão pecador como o gentio! Essa era a pedra de tropeço para o judeu; ele
não gostava disso. E esta classificação da humanidade ainda se vê em diferentes
formas e moldes. No entanto, aqui o apóstolo diz, “não somente os gentios”, mas
“também os judeus”. E vocês notam que até a si mesmo ele inclui. Tendo
começado com “vós”, agora diz “nós”. Essa é a verdade a respeito de Paulo, o
apóstolo! É inimaginável, não é? Mas essa fora a tragédia da sua vida antes da
sua conversão. Como Saulo de Tarso, ele estava satisfeito com a sua vida;
“segundo ajustiça que há
na lei, irrepreensível” (Filipenses 3:6). E (em Romanos, capítulo 7) ele nos conta
como foi que veio a enxergar o seu erro. Foi quando ele entendeu a lei, que
dizia: “Não cobiçarás”. Então “reviveu o pecado, e eu morri”. Quando se deu
conta de que a lei dizia “você não pode desejar”, “você não pode cobiçar”, ele
viu o real significado da lei e viu que ele era um terrível pecador. Escrevendo a
Timóteo, ele diz: “Esta é uma palavra fiel, e digna de toda aceitação, que Cristo
Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal”
(1 Timóteo 1:15). Ele se considera o principal dos pecadores. “Todos
nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne...”.
Esta é a verdade com referência a “todos”. Todavia, as pessoas ainda são muito
lerdas para ver isso. Dizem elas: veja esta descrição do pecado que você faz
naqueles três versículos. E claro, diz o homem, que eu posso ver muito bem que
isso se aplica a certas pessoas. Eu ando pelas ruas e vejo aquele pobre bêbado, e
aquela mulher decaída. Vejo pecado em seus trapos e em seus vícios. Você está
totalmente certo no que diz com relação a tais pessoas e quando fala de uma
natureza má e das luxúrias da carne, das luxúrias da mente, e assim por diante.
Concordo plenamente com você. Mas nós não somos daquele tipo de
gente. Porventura não existe gente boa, de boa moral, e decente, gente íntegra e
religiosa? Você está falando isso dessa gente? A resposta do apóstolo Paulo é
“todos”, “como os outros também”; toda a humanidade, sem uma única
excessão. Todos fomos formados em iniqüidade, concebidos em pecado.
“Todos” nós temos esta natureza pecaminosa.
Deixo o assunto nesta altura, porque estou pregando com a suposição de que me
estou dirigindo a cristãos. Mas se eu estivesse pregando isto a um auditório
misto, não pararia aí, não me atreveria a parar aí. Eu continuaria, dizendo: “Mas,
quando estávamos nesta situação, em Sua
infinita graça e amor e misericórdia, Deus nos vivificou”. Nada menos que isso
podeira fazê-lo. Que outra coisa mais poderia tratar do homem em tais
condições? Nada menos que o soberano poder de Deus - o poder que, como
Paulo dissera ao final do capítulo primeiro, fez o Senhor Jesus ressuscitar dentre
os mortos e O elevou e O colocou “à sua direita nos céus, acima de todo o
principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia”.
Nada menos que o poder de Deus pode resgatar e redimir e salvar o homem.
Entretanto, Ele o fez em Cristo. E nós, que somos cristãos, fomos levantados
daquela terrível condição em que estivéramos outrora, unicamente por causa da
Sua maravilhosa graça.
A VIDA SEM DEUS
“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desobediência, entre os quais todos
nós também antes andávamosnos desejos da nossa carne, fazendo a vontade
da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os
outros também. ” - Efésios 2:1-3
Agora ele chega ao terceiro ponto, a verdadeira maneira pela qual tudo isso se
mostra e se manifesta na prática, em nosso viver comum. Ao tratar disso, ele
nos apresenta incidentalmente este terceiro grande poder contra o qual nós temos
que lutar nesta vida terrenal. Ele já tinha tratado do mundo e do diabo; agora vai
tratar da carne. Temos um conflito contra o mundo, a carne e o diabo - e agora
vamos examinar este conflito com a carne. O homem em pecado, segundo o
apóstolo, está levando uma vida dominada pelas “concupiscências da carne”.
Isso porque ele nasce com uma natureza corrupta, resultante do pecado original,
por sua vez resultante daquela transgressão e rebelião original do homem contra
Deus, o que produziu a Queda. Noutras palavras,
vemo-nos aqui, nestes três versículos, no centro mesmo das maiores profundezas
da doutrina cristã; e Paulo nos faz lembrá-las a fim de capacitar-nos a ver a
grandeza, não somente do poder de Deus, e sim também do Seu amor e da Sua
graça e da Sua misericórdia. O espantoso é Ele ter sequer olhado para tais
pessoas ou sequer preocupar-Se conosco!
Que é uma ofensa (ou um delito)? É uma transgressão externa. De fato o sentido
radical da palavra é de algo que se aparta do verdadeiro e do íntegro. O homem
foi criado com o propósito de ser ele íntegro, verdadeiro, justo e santo; ele se
apartou disso, afastou-se disso, não é mais íntegro. E como algo inclinado ou
caindo ao chão; saiu da sua posição verdadeira, da posição perpendicular. __
Que é que ele quer dizer com a palavra “pecados”? E um termo muito amplo e
compreensivo. Inclui todas as manifestações do pecado considerado como um
princípio interior. E isso que ele quer dizer com o termo “pecados”. Os pecados
são as manifestações externas deste princípio interior chamado pecado e que
estivemos considerando. Há em cada um de nós este princípio corrupto, e este se
manifesta no que chamamos pecados. Temos, pois, aqui, uma definição muito
compreensiva da vida do homem fora da graça divina- uma queda do
verdadeiro, do certo, do íntegro e do justo, e todas as manifestações externas
deste princípio mau que há dentro de nós. E isso que se quer dizer com ofensas e
pecados. E, de acordo com o apóstolo, esta é a vida do homem separado da graça
de Deus; é como ele “anda”, diz o apóstolo. Vocês notam como ele o expressa:
“em que noutro tempo andastes”. E depois, noutra frase: “Entre os quais todos
nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne”. O que ele quer dizer
por “conversação”, como geralmente se dá no caso da Versão Atualizada
(inglesa), não é “conversa”, mas “maneira de viver”. Vocês recordam do que o
apóstolo diz no fim do capítulo três da Epístola aos Filipenses: “A nossa
conversação está nos céus”(VA). Não significaconversa ou fala. É um termo que
se usava
Essa é a declaração que vamos considerar agora. Essa é a vida do homem sem a
graça de Deus em Jesus Cristo. Ela está corrompida. É uma vida vivida nos
desejos da carne. E o que o apóstolo salienta e que, portanto, eu estou desejoso
de salientar, é: esta verdade se refere a todos os homens, sem exceção. E verdade
universal, válida para toda a humanidade; não se refere apenas a certas pessoas,
porém, a todas: “todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa
carne...e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também”.
Devemos apegar-nos com firmeza a esta idéia da universalidade das condições
do homem. Todos os homens estão, por natureza, vivendo uma vida que
é segundo os desejos da carne.
três: “Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa
carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos”. É de imediato evidente
que a palavra “carne” é empregada aí pelo apóstolo em dois diferentes sentidos,
doutro modo ele estaria sendo repeticioso. Emprega “carne” primeiro num
sentido geral, e depois num sentido particular. Assim, é muito importante
sabermos a conotação precisa cada vez que ele emprega o termo.
No entanto, há dois outros sentidos que são mais particulares e mais espirituais
em sua conotação. E estes são importantes para o nosso propósito no momento.
O primeiro é de novo moderadamente geral, ou tem um sentido moderadamente
amplo. “Carne” é empregada pelo apóstolo para indicar algo que é a completa
antítese do Espírito, do Espírito Santo. Há um perfeito exemplo disso em Gálatas
5:17: “Porque a carne cobiça contra o Espírito (com E maiúsculo), e o Espírito
contra a carne: e estes opõem-se um ao outro”, Ali ele está empregando o
termo “carne” num sentido espiritual amplo; representa tudo que, no homem, é
oposto à ação, ao poder e à influência do Espírito Santo. Ora, isto
é tremendamente importante, e, portanto, deixem-me oferecer-lhes
mais definições a respeito. Carne, neste sentido, significa a natureza
humana num estado de pecado, o homem em pecado. Ou vejam uma
definição ainda mais compreensiva de “carne”. É a completa natureza do
homem sem a graça renovadora de Cristo; assim, abrange a alma e as
faculdades morais e intelectuais, bem como o corpo. Carne, neste sentido
amplo, geral, espiritual, é o homem em pecado, o homem todo, sem a graça
de Cristo. Inclui, portanto, o meu corpo e as suas funções, a minha mente,
os meus afetos, o meu tudo; o homem total, a totalidade do homem num estado
de pecado.
Mas finalmente o apóstolo usa este termo “carne” num sentido espiritual mais
restrito, referindo-se somente ao que se pode denominar a parte sensorial da
nossa natureza, ao corpo, á parte animal da natureza e às manifestações dessa
porção animal. E importante que tenhamos estas quatro definições claramente
em nossas mentes, e especialmente as duas últimas, as que têm referência
espiritual - o homem todo em pecado e, secundariamente, aparte animal do
homem em pecado, aparte corporal do homem, a parte sensorial, sensual do
homem em pecado.
E importante entender isso com clareza porque temos esta palavra “carne” duas
vezes neste versículo três, com o apóstolo usando-a em dois diferentes sentidos.
Bem, alguém dirá, isso não seria embaralhado e confuso? Como posso saber em
que sentido ele a está usando em dado ponto? A resposta é muito simples. Se
você levar em consideração o contexto, jamais errará. Esteja atento ao contexto,
e o contexto o fará acertar. Veja, por exemplo, este caso aqui: “Entre os quais
todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne” - aí está
a realidade toda, o homem completo; particularmente, ele diz: “fazendo a
vontade da carne e dos pensamentos”. Agora, neste segundo exemplo, “carne” é
o oposto de “pensamentos” ou “mente”, não sendo mais o homem todo. Que é,
então? Bem, é unicamente a parte corporal do homem, a parte animal da
natureza humana. Vê-se que o contexto dá a resposta. Na primeira vez, carne é
geral; na segunda, é particular, o oposto da mente, do intelecto, da parte superior.
Desse modo, carne em geral cobre os desejos do corpo e os desejos da mente.
Sempre devemos ser cautelosos, observando estas distinções, quando lemos
estas Epístolas.
O que o apóstolo está dizendo é que o homem vive sua vida de ofensas e
pecados porque é governado e dominado pelos desejos da carne - carne no
sentido geral. Mas o que quer dizer ele com desejos? Novamente temos um
termo muito importante, trata-se de um forte desejo (ou cobiça). E de fato o
termo não significa mais que isso. O forte desejo pode ser bom ou mau. Há, por
exemplo, uma bem conhecida declaração feita pelo nosso Senhor durante a
última Ceia com os seus discípulos, quando disse: “Desejei muito comer
convosco esta páscoa, antes que padeça” (Lucas 22:15). O termo traduzido por
“desejei muito” é exatamente o que foi empregado no texto que
estamos focalizando. O sentido geral é, pois, forte desejo. Todavia, de novo
é evidente que se vocês prestarem atenção ao contexto, saberão se se trata
O apóstolo no-lo mostra fazendo aqui estas duas importantes subdivisões. Vocês
percebem como é importante captar isso. Todos nós nos referimos às vezes a
certas pessoas como sendo elas pecadoras. E quando dizemos isso, pensamos em
certa classe de pessoas - pensamos em bêbados, assassinos, adúlteros etc. Por
outro lado, há gente boa, pessoas excelentes, que nunca se fizeram culpadas
dessas coisas, e nós nunca sonharíamos em dizer que tais pessoas vivem segundo
os desejos da carne. “Desejos da carne”, dizemos, “é claro que lemos sobre
eles no jornal. Lá estão, as pessoas que enchem os tribunais com os seus
casos de divórcio.” Os desejos dacarne! Mas o ensino do apóstolo é que
todos nós, sem uma só exceção, vivemos por natureza nos desejos da carne. Não
há uma única exceção, desde que Adão caiu. A humanidade inteira vive nos
desejos da carne. Vejamos como o apóstolo demonstra essa verdade.
Primeiramente ele se refere aos “desejos da carne”. Que é que ele quer dizer
com desejos aqui? A palavra que ele emprega é diferente de “forte desejo”
(cobiça). Desejo é uma ordem, uma ordem categórica. Vou além, desejo é ter
uma vontade imperiosa que nos incita à ação, que
nos leva à ação. Lembro que uma vez ouvi uma expressão utilizada por uma mãe
a respeito das suas filhas, A pobre mulher não fora muito favorecida com os bens
deste mundo e, contudo, viu certa ocasião as filhas muito bem vestidas, como as
demais jovens. Nós sabíamos que ela realmente não tinha como propiciar-lhes
aquele luxo. Algumas pessoas fizeram observações a respeito e perguntaram
como acontecera. A resposta da senhora foi: “Elas tinham que ter isso”. Tinham
que tê-lo! - sem qualquer argumento. Ela de fato não podia dar-lhes
aquilo, porém as filhas tinham que tê-lo! Isso é desejo, esta ordem imperiosa
que vem e à qual não se resiste. As cobiças da carne manifestam-se nos desejos
da carne. Aqui apalavra carne se refere ao corpo, à parte animal da nossa
natureza.
Em que o apóstolo está pensando? Está pensando em fome, sede, sono, desejo de
prazer, desejo de felicidade, desejo de satisfação, sexo, desejo de atrair e de ser
atraente. Ora, todas estas coisas constituemparte essencial da nossa natureza e
estrutura corporal, animal. Há esse lado do homem, e Deus o fez. Portanto, em si
mesmo, é essencialmente bom -a fome, o desejo de comer, de beber, de folgar,
dormir e repousar, o desejo de alegria, felicidade e prazer, o desejo sexual, o
desejo de ser atraente. Vocês vêem esses desejos em toda a criação animal,
nos animais e nas aves. Estão igualmente no homem. E não há nada de
errado nisso. O homem foi feito assim por Deus, e por Ele foi dotado
destes vários instintos, qualidades, faculdades e propensões. São bons,
todos eles. Quando Deus fez o homem, em acréscimo ao restante da
criação, olhou tudo, o homem inclusive, “e viu que era muito bom”.
Mas esperem, não terminamos ainda. Essa é somente uma subdivisão das
cobiças da carne. Todos estarão dispostos a concordar com o que eu disse até
aqui. “Sim, naturalmente”, dizem, “olhem para eles,
Expert, conhecedor. Em francês no original. Nota do tradutor.
vejam, que horrível!” Mas meu caro amigo, agora vou mostrar-lhe que, por mais
respeitável que você possa ter sido toda a sua vida, você é igualmente culpado de
viver “nos desejos da carne”; pois estes não se manifestam somente por meio
dos desejos do corpo, e sim, também, vocês percebem, por meio dos “desejos da
mente”. Nesse ponto um homem como Charles G. Finney erra em sua teologia.
Ele não reconhece esta verdade. Ele limita tudo ao que eu estive dizendo, e não
percebe que a mesma verdade se aplica à mente, ao intelecto e ao
entendimento, como ao outro aspecto.
Vocês percebem a importância disso tudo. Posso imaginar certa espécie de gente
dizendo a si mesma o seguinte: “Bem, por certo isso é muito interessante se a
gente está interessado nesse tipo de coisa, mas, afinal, a Inglaterra está passando
por época de crise no momento; e o mundo inteiro, e o seu futuro, está na mais
precária situação. Por que você não fala algo sobre isso? Causará surpresa a
vocês se eu disser que estou pregando sobre isso o tempo todo? “Como você
comprova isso?”, dirá alguém. A minha resposta é que se comprovará quando
você entender esta doutrina do pecado e enxergar a extrema futilidade
e fatuidade de só confiar na ação política. Os políticos pensam que este tipo de
situação pode ser resolvida implorando aos homens e às mulheres que se
disciplinem voluntariamente. Devemos comer menos, devemos fumar menos,
devemos importar menos, disciplinando-nos pessoalmente, devemos dar mais
duro no trabalho. Já fizeram esse apelo, mas não parece que tenha sido atendido;
por isso eles aumentaram a taxa das compras. Dizem eles que isso funcionará.
Não obstante, não está funcionando. Por quê? Porque eles nunca se aperceberam
do sentido dapalavracoè/pa. Os homens simplesmente não podem atender porque
são levados por seus impulsos, são cativos. Cobiça é força, é poder. Aumenta-se
o preço, mas eles continuarão a comprar; poderão moderar o vício de fumar por
uma semana ou duas depois de se fazer um orçamento, mas os estatísticos nos
mostram que após algumas semanas tudo volta ao nível anterior. E isso
continuará sendo assim. Por quê? Porque o homem é impulsionado por desejos,
por cobiças. Não consegue impor disciplina a si mesmo.
Há somente uma coisa que pode lidar com esse tipo de situação. É aque
mencionei no começo. E “a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os
que cremos”. É o que Thomas Chalmers chamava “o poder expulsivo de um
novo afeto”. Assim, se vocês estão pensando simplesmente neste país e numa
crise em particular, o rumo certo para encontrar-se a resposta acha-se nesta
passagem das Escrituras. Mas, além e acima disso, se vocês estão pensando,
como deviam, no fim da sua vida neste mundo e no fim do mundo, em Deus, no
juízo e na eternidade, bem, então, vocês têm que continuar pensando nisso;
porque naquele estado de cobiça vocês não poderão subsistir diante de Deus
e não poderão fruí-IO. É preciso que vocês sejam libertos deste domínio da
cobiça da carne, que se manifesta nos desejos do corpo e nos desejos da mente.
E é somente o poder de Deus no Senhor Jesus Cristo, mediante o Espírito Santo,
que nos pode libertar. No entanto, bendito seja Deus, que pode, que o faz, que o
fará. Pecado! - ah, as profundezas, a imundície, a fealdade, o poder disso tudo!
Há somente um abrigo seguro, e este é estar sempre olhando para Ele, recebendo
da Sua plenitude, confiando na força do Seu poder. Aí, pois, estamos a salvo.
A IRA DE DEUS
“Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne,
fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da
ira, como os outros também. ”
- Efésios 2:3
O apóstolo se expressa desta maneira: diz ele que todos nós “éramos por
natureza filhos da ira, como os outros também”. Temos aqui uma afirmação
dupla. E não há dúvida de que estas duas questões que somos compelidos a
examinar juntas são dois dos assuntos mais difíceis e complexos de toda a gama
e ramo da doutrina bíblica. E por isso que com freqüência elas têm levado à
grande incompreensão e constituem assuntos que muitas vezes as pessoas, em
sua ignorância, não somente deixam de entender, porém também repelem
ferozmente. Não há, talvez, assunto que tenha levado mais vezes pessoas a
falarem - conquanto inconscientemente - de maneira blasfema, do queprecisa-
mente esta matéria que agora vamos considerar. O apóstolo diz duas coisas: que
estamos todos sob a ira de Deus; e, em segundo lugar, que estamos todos sob a
ira de Deus por natureza.
Por que devemos examinar estas coisas? Pode bem ser que alguém faça essa
pergunta. Por que despendei nosso tempo com um assunto
como este, que é um assunto difícil? Existem muitas outras coisas que no
presente são interessantes e atraem a atenção. Por que não tratar delas? E, em
todo caso, no meio de todos os problemas com os quais o mundo se defronta, por
que dar atenção a algo como este assunto?
Bem, para que não haja alguém que fique agasalhando tal idéia e seja provocado
a fazer tal pergunta, permitam-me aventar certas razões pelas quais nos convém
considerar esta matéria. A primeira é que faz parte das Escrituras. Está nesta
passagem da Bíblia e, como veremos, está em toda parte na Bíblia. E se
considerarmos a Bíblia como a Palavra de Deus, e como a nossa autoridade em
todas as questões de fé e de conduta, não podemos selecionar e escolher aqui e
ali; temos que tomá-la como é e considerar cada uma das suas partes e porções.
Em segundo lugar, devemos fazê-lo porque, depois de tudo, o que nos é dito aqui
é uma questão de fato. Não é uma teoria, é uma declaração de fato. Se a doutrina
bíblica da ira de Deus é verdadeira, é o fato mais importante que nos confronta, a
cada um de nós, neste momento; infinitamente mais importante que qualquer
conferência internacional que se realize, infinitamente mais importante que
a questão se haverá uma terceira guerra mundial ou não. Se esta doutrina é
verdadeira, estamos todos envolvidos nela, e dela depende o nosso destino
eterno. E em toda parte a Bíblia declara que ela é um fato.
Outra razão para considerá-la é que todo o argumento do apóstolo é que nunca
poderemos entender o amor de Deus, enquanto não entendermos esta doutrina.
É o meio pelo qual avaliamos o amor de Deus. Fala-se muito hoje sobre o amor
de Deus e, contudo, se verdadeiramente amássemos a Deus, nós o
expressaríamos, nós o demonstraríamos. Amar aDeus não é meramente falar
sobre isso; amar a Deus, como Ele mesmo assinala constantemente em Sua
Palavra, é cumprir os Seus mandamentos e viver para a Sua glória. Aqui o
argumento é que realmente não poderemos entender o amor de Deus, se não o
virmos à luz desta outra doutrina que agora estamos considerando. Assim,
desse ponto de vista, é essencial que o façamos.
salvação? Por que teve que acontecer tudo isso, antes de podermos ser salvos?
Desafio a quem quer que queira responder à questão adequadamente sem levar
em conta esta doutrina do juízo de Deus e da ira de Deus. Esta se torna ainda
mais comprovadamente verdadeira quando examinamos a grande doutrina da
cruz e da morte do nosso bendito Senhor e Salvador. Por que Cristo morreu? Por
que teve que morrer? Se dizemos que somos salvos por Seu sangue, por que
somos salvos por Seu sangue? Por que foi essencial que Ele morresse naquela
cruz e fosse sepultado e ressuscitasse antes de podermos ser salvos? Há
somente uma resposta adequada a estas perguntas, e essa é esta doutrina da ira
de Deus. A morte de nosso Senhor não é absolutamente necessária, se
esta doutrina não é verdadeira. Assim, vocês vêem, é um assunto vital
para considerarmos.
não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece”. Noutras palavras, todos
os homens estão sob a ira de Deus, e se não cremos no Filho de Deus, a ira de
Deus permanece sobre nós. Que é que pode ser mais claro ou mais explícito? Aí
está, no Evangelho Segundo João, o apóstolo do amor.
O ensino do apóstolo é, pois, que, enquanto não crermos no Senhor Jesus Cristo,
estamos sob aira de Deus. E a ira de Deus é uma expressão do Seu ódio ao
pecado, uma expressão dapunição do pecado. Uma clara
Se você crê que a Bíblia é divinamente inspirada, não poderá dizer: “Mas eu não
entendo”. Não se lhe pede que entenda. Eu não entendo isso, não tenho
apretensão de entendê-lo. Contudo, parto desta base, que a minha mente não só é
finita, é pecaminosa, porém, além disso, eu não tenho a mínima possibilidade de
entender plenamente a natureza de Deus, e a justiça e a santidade de Deus. Se
vamos basear tudo em nosso entendimento, bem podemos desistir agora mesmo.
Pois aBíblianos diz que “o homem natural” e a “mente natural” não podem
entender as coisas do Espírito de Deus (ver 1 Coríntios, capítulo 2). Foi o desejo
de entender que levou à Queda. O orgulho e arrogância intelectual é o primeiro e
o último pecado. O dever da pregação não é pedir ao povo que entenda; a tarefa
confiada ao pregador é a de proclamar a mensagem. E a mensagem é que todos
estão sob a ira de Deus, até crerem no Senhor Jesus Cristo. Mas de fato devemos
dar mais um passo ainda.
Isso nos leva à segunda questão. Diz o apóstolo que todos nós estamos nestas
condições por natureza - “e éramos por natureza filhos da ira, como os outros
também”. Que é que significa a expressão por natureza ? Já mostramos num
estudo anterior desta série que ela só tem um sentido, que é, “por nascimento”.
Todos nós éramos por nosso próprio nascimento filhos da ira, como os outros
também. Notem que o apóstolo não diz “nos tornamos” filhos da ira por causa da
nossa natureza; diz ele que “éramos”. Noutras palavras, em harmonia com
a Bíblia toda, o apóstolo não ensina que nascemos neste mundo num estado de
inocência e num estado de neutralidade, e que depois, porque pecamos, nós nos
tornamos pecadores e passamos a estar debaixo da ira de Deus. Não é o que ele
diz; ele diz exatamente o oposto. O que diz
é que nascemos neste mundo sob a ira de Deus; desde o momento do nosso
nascimento estamos sob a ira de Deus. Não é apenas uma coisa que nos vai
acontecer, tampouco é algo que só resulta das nossas ações. Há quem ensine
isso, mas é flagrante negação, não somente do ensino desta passagem, porém,
como veremos, do ensino apresentado em toda parte nas Escrituras. O apóstolo
não está dizendo que estamos sob a ira de Deus somente por causa da nossa
natureza ou da manifestação da nossa natureza. Ele afirma que estamos nesta
situação “por nascimento”.
Então, que significa isso? Pode-se ver a resposta no capítulo cinco da Epístola
aos Romanos, onde é feita uma argumentação minuciosa e completa, do
versículo doze ao fim do capítulo. Qual é o argumento? Façamos um sumário
dele. Naquele capítulo, a grande verdade que o apóstolo está interessado em
provar é que a nossa relação, como crentes, com o Senhor Jesus Cristo, é
exatamente análoga à nossa relação anterior com Adão. Ele fica repetindo a
comparação, indo e vindo. Fala sobre o que era verdade a respeito de nós em
Adão, e depois mostra o que é verdade a respeito de nós agora, em Jesus Cristo.
Ele começa, no versículo doze, dizendo: “Pelo que, por um homem entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos
os homens por isso que* todos pecaram”, e assim continua. Qualquer leitura
atenta e despreconcebida desse argumento, que é básico para a doutrina paulina
da segurança, compelir-nos-á a vermos que, através dele todo, o apóstolo nos diz
que a nossa relação com Adão era idêntica à nossa presente relação com Cristo.
Portanto, se crermos que somos o que somos em Cristo por causa do que Deus
nos imputou em Cristo, também temos que crer exatamente da mesma maneirana
verdade correlata, quanto ao que nos foi imputado em Adão. Esse é o argumento.
Entretanto o apóstolo não se contenta com uma afirmação meramente geral a
respeito, também o faz em particular. Permitam-me destacar os versículos
pertinentes. Vejam o versículo doze: “Pelo que, como por um homem entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos
os homens por isso que todos pecaram”. A punição do pecado é a morte. Adão
pecou,
“por isso que” - locução pouco usada hoje em dia no sentido de “porque”. Cf. ARA, in loco:
“porque”. Nota do tradutor.
e lhe sobreveio a morte, sim, porém não somente a Adão - sobreveio a todos os
homens. Como conseqüência de um só pecado de Adão, a morte passou a todos
os homens. Por quê? A últimaparte do versículo explica: “todos pecaram” em
Adão. Essa é a afirmação que mais adiante exporemos.
Vejam a seguir os versículos treze e catorze desse capítulo. Paulo introduz uma
afirmação num parêntese, começando no versículo treze: “Porque até à lei estava
o pecado no mundo, mas o pecado não é imputado, não havendo lei. No entanto
a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não pecaram à
semelhança da trangressão de Adão”. Estaria você tentado a dizer: que significa
isso tudo? Não posso acompanhá-lo, quero um simples evangelho de conforto. É
assim que nos inclinamos a falar, nós que pensamos que porque vivemos
no século vinte somos grandemente superiores a todas as gerações que viveram
antes de nós. Orgulhamo-nos de que somos tão cultos e intelectuais e capazes de
entender grandes coisas, ao passo que as gerações anteriores eram primitivas.
Não percebemos, porém, que o apóstolo Paulo escreveu estas palavras apessoas
que viveram quase dois mil anos atrás, e que ele tencionava que elas as
entendessem. Não estava escrevendo a grandes filósofos; estava escrevendo a
simples cristãos, muitos dos quais eram apenas escravos, e outros eram soldados
da casa de César; e ele tencionava que aquelas pessoas entendessem estas coisas.
Vergonha para nós, cristãos modernos, que precisamos ser mimados e que só
queremos algo agradável, fácil e simples. Se você não aceita esta doutrina, então,
é a Palavra de Deus que você está rejeitando.
Pergunto outra vez: que é que isto significa? Diz Paulo que até à lei o pecado
estava no mundo. A lei foi dada por intermédio de Moisés, vocês se lembram;
todavia houve aquele longo intervalo entre Adão e Moisés, provavelmente pelo
menos um período de quase dois mil e quinhentos anos. Pois bem, durante todo
aquele longo período o pecado estava no mundo, mas, diz ele, o pecado não é
imputado quando não há lei. Noutras palavras, se não há uma lei para definir o
pecado, o pecado não é dado a conhecer ao homem. Cabe à lei dar a entender o
pecado à mente, ao coração e à consciência do homem. Se, por exemplo,
não houvesse leis sobre estacionamento e trânsito, eu e você
poderíamos continuar a praticar coisas errôneas e más, porém, se não houvesse
lei sobre estas questões, não poderíamos ser punidos. É o que ele está dizendo,
“o pecado não é imputado, não havendo lei”. “No entanto”, diz ele, “a morte
reinou desde Adão até Moisés”. Eis o problema: embora a lei não tenha sido
dada até o tempo de Moisés, não obstante,
Notem então o ponto subseqüente, que é mais extraordinário ainda. Diz ele que a
morte reinou de Adão a Moisés, “até sobre aqueles que não pecaram à
semelhança da transgressão de Adão”. Que é que isso pode significar? Significa
que a morte reinou até sobre as pessoas que realmente não cometeram um ato de
pecado como fez Adão quando caiu. Quem eram? E há só umarespostapossível:
eram crianças que morreram na infância. Todos os outros homens pecaram.
Todos os que viveram, desde Adão, cometeram atos deliberados de pecado. Os
únicos que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, que não
pecaram deliberadamente, são as crianças demasiado novas para exercerem a
sua vontade por serem incapazes de usar a consciência. A morte reinou,
diz Paulo, de Adão aMoisés, até mesmo sobre as crianças pequenas.
Porque estas morrem? Há somente umaresposta. Morrem porque a
transgressão de Adão as envolve. “A morte reinou desde Adão até Moisés, até
sobre aqueles que não pecaram à semelhança de Adão.”
Contudo, passando ao versículo quinze, lemos: “Mas não é assim o dom gratuito
como a ofensa. Porque, se pela ofensa de um morreram muitos”, Aí está de
novo. Depois ele volta a atenção para o outro lado, acerca de Jesus Cristo. No
versículo dezesseis temos: “E não foi assim o dom como a ofensa, por um só que
pecou”. E então: “Porque o juízo veio de uma só ofensa, na verdade, para
condenação, mas o dom gratuito veio de muitas ofensas parajustificação”. O
juízo, acondenação, foi por um só; o pecado de Adão trouxe isto sobre toda a
humanidade. Entretanto, inversamente, diz ele, muitos pecados são perdoados
segundo a justiça de Um, Jesus Cristo. Depois, mais uma vez, no
versículo dezoito: “Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre
todos os homens para condenação”. Não seria tão explícito quanto
possível? “Assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens” -
sem exceção - “para condenação.” Nascemos “filhos da ira”. E finalmente, no
versículo dezenove: “Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos
foram feitos pecadores”. Eu, vocês e toda a humanidade fomos feitos, ou, como
diz uma tradução mais precisa,
“constituídos” pecadores por aquele pecado de Adão. Esse é o ensino. Todos nós
somos “por natureza filhos da ira, como os outros também”.
Ah, dirá você, não entendo isso, não posso compreender isso, parece-me quase
imoral. Claro que você não o entende. Quem pode entender tais coisas? Não é
questão de entendimento, a questão é se você crê nas Escrituras ou não. Pois o
apóstolo diz exatamente a mesma coisa em 1 Coríntios, capítulo 15, aquele
grande e maravilhoso capítulo que se lê nos funerais. “Porque, assim como todos
morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo”, e assim por
diante. É precisamente o mesmo argumento. É a base da fé crista. Quer
entendamos quer não, é a verdade. Você tem que explicar a universalidade
do pecado; tem que explicar a universalidade da morte, e especialmente a morte
de crianças. E esta é a resposta bíblica. Adão era toda a humanidade e
representava a humanidade toda. Ele foi o nosso cabeça federal. Assim como o
Senhor Jesus Cristo é o representante de todos os que são salvos, assim como a
Sua justiça nos é imputada, igualmente Adão foi o nosso representante e o seu
pecado nos é imputado. Nele nós caímos, nele e por causa da sua ação sofremos
a condenação eterna. Exatamente da mesma maneira, os que crêem em Cristo
são redimidos por Ele, são salvos nEle e são justificados nEle, por causa da Sua
ação a nosso favor. Esse é o argumento. Se você crê por um lado, acerca de
Cristo, terá que crer por outro, acerca de Adão. Se negar este, estará
virtualmente negando aquele.
Portanto, sejamos cautelosos. Não existe nada mais trágico do que o modo como
muitos cristãos introduzem as relíquias das suas filosofias e do seu entendimento
pessoal na fé cristã. Muitos que afirmam que crêem na Bíblia, e que reconhecem
a sua autoridade, rejeitam-na neste ponto porque não gostam da doutrina, ou
porque não conseguem conciliar certas questões. Mas a conciliação aí está,
diante de nós. Apesar de estarmos mortos em ofensas e pecados, odiosos e
odiando uns aos outros, corrompidos pelo pecado, pecadores na prática, vivendo
em delitos e pecados e sob a ira de Deus, e absolutamente desamparados e sem
esperança, o mesmo Deus contra quem pecamos, o mesmo Deus que ofendemos,
providenciou o caminho da libertação para nós. Ele o fez na Pessoa do Seu bem-
amado Filho, que Ele não poupou do sofrimento, da agonia e do opróbio do
Calvário e daquela morte cruel. Ele nos ofereceu e nos provê o caminho da
completa libertação e reconciliação conSigo, a despeito do fato de que o nosso
pecado em Adão, os nossos próprios pecados, e o nosso estado pecaminoso só
merecem a Sua ira eterna. Esse é o amor de Deus! Esse é o “admirável amor,
divinal”! Deus fez por nós, que nada merecemos senão a ira eterna, o que nós
mesmos jamais conseguiríamos fazer.
Queira Deus, em Sua graça, habilitar-nos a receber estas coisas, para que
possamos considerar o próximo versículo com o seu glorioso “mas”. Apesar de
ser verdade quanto a nós tudo o que estivemos considerando, “Deus, que é
riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando
nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo”.
Bendito seja o nome de Deus!
A MENSAGEM CRISTÃ PARA O MUNDO
Veremos agora estas palavras somente de maneira geral. Faço isso por diversas
razões. Uma é que o próprio texto nos impele a fazê-lo, mas há também certas
razões especiais. Uma acusação frequentemente lançada contra a mensagem
cristã, especialmente contra a modalidade evangélica dessa mensagem, é que ela
é distante da vida, que é irrelevante para as circunstâncias imediatas nas quais os
homens e as mulheres se acham. Noutras palavras, há, da parte de alguns,
uma objeção ao método expositivo de pregar o evangelho; é que esta
nunca parece enfrentar de fato as realidades da situação na qual os homens e as
mulheres se vêem dia a dia, e que é irrelevante para toda a situação mundial em
que nos achamos. Desejo, pois, mostrar que esta acusação
Procuremos mostrar como éfeito isso, ecomo isso éfeito naprópria passagem que
estamos considerando. Já consideramos em detalhe os três primeiros versículos
deste capítulo, e o fizemos para que nos víssemos como somos por natureza e
como o mundo é por natureza. Vocês não poderão começar a resolver os
problemas da humanidade enquanto não souberem a verdade acerca do homem.
Quão fútil é tentar fazê-lo sem isso. Vocês têm que começar com o caráter, a
natureza, o ser do homem. Em vez de começar com conferências e
discursos internacionais sobre eventos contemporâneos, necessitamos ir muito
Temos que começar com esta doutrina. Qual é a verdade sobre o homem em
pecado? Que é que caracteriza o homem quando está em pecado, sem a graça de
Deus? Já examinamos esta matéria. O homem está morto espiritualmente; é
governado pelo diabo, que opera mediante poderosas forças a seu comando que,
por sua vez, produzem e dominam a mente e a perspectiva do mundo. Essa é a
situação do homem. E o resultado é que o homem, dominado por esse mau
poder, leva uma vida de ofensas e pecados; na verdade, ele nasceu de tal
maneira, por ser descendente de Adão, que a sua própria natureza é decaída. Ele
começa com uma natureza corrompida. E, finalmente, ele está sob a ira de
Deus. Essa é a declaração do apóstolo nos três primeiros versículos.
Qual será então a relevância disso tudo para a presente situação? Que é que isso
nos diz, face a toda a situação mundial na época atual? E evidente que
facilmente se pode deduzir várias coisas deste ensino.
contratos internacionais, quando vocês estão lidando com gente que rompe os
seus contratos matrimoniais e outros contratos pessoais, pois as nações
consistem de indivíduos. A nação não é algo abstrato, e não temos direito de
esperar de uma nação uma conduta que não vemos no indivíduo. Todas estas
coisas têm que ser vistas em conjunto.
Noé, assim será também nos dias do Filho do homem”; “Como também da
mesma maneira aconteceu nos dias de Ló” - em Sodoma - “assim será” (Lucas
17:26-30). Desse modo o nosso Senhor via a história.
Se captarmos este ensino, ficaremos livres, uma vez por todas, do falso
entusiasmo e das falsas esperanças dos homens que realmente acreditam que,
introduzindo alguma nova organização, pode-se banir a guerra e eliminá-la para
sempre. A resposta da Bíblia é que não se pode fazer isso enquanto o homem não
nascer de novo. Isso é deprimente? Contesto dizendo que, se é deprimente ou
não, não deve ser essa a nossa preocupação; o que deve constituir a nossa
preocupação é conhecer a verdade. O homem moderno se diz realista. Ele se
opõe ao cristianismo porque, segundo ele, o cristianismo não enfrenta os fatos.
Não é realista, diz ele; é sempre “castelos no ar”, e vocês vão para os seus
templos e lá se fecham, e não encaram os fatos da vida. Contudo, quando lhe
damos os fatos, ele contesta sobre o fundamento de que eles são deprimentes. Os
otimistas políticos e filosóficos é que não são realistas; as pessoas que nunca
encararam os fatos acerca do homem em pecado é que estão fechando os olhos e
dando as costas para a realidade. A Bíblia enfrenta isso tudo; tem uma visão
realista da vida neste mundo e somente ela a tem.
que, vocês se lembram, Paulo nos diz que a pregação da cruz era “loucura para
os gregos”. Que alguém que foi crucificado em fraqueza deva ser o nosso
Salvador, e deva ser o caminho para a salvação, para eles era absurdo e ridículo.
Eles não davam nenhum valor à mansidão e à humildade; a coragem, a força e o
heroísmo eram as grandes virtudes. E, pois, muito importante que
compreendamos que não faz parte da mensagem cristã exortar o povo à
coragem, ao heroísmo e ao sacrifício próprio. Não há nada de especificamente
cristão nessas idéias. O cristianismo não as condena, mas não é essa amensagem
cristã. E o ponto que estou acentuando aqui é que quando isso foi apresentado
como sendo a mensagem cristã, confundiu as pessoas e levou apropria
divisão que o evangelho se destinava a curar.
Pois bem, passemos à terceira questão. Há muitas pessoas que parecem pensar
que a mensagem cristã consiste simplesmente em apelar para que o mundo
ponha em prática os princípios cristãos. Isso éapenas a posição pacifista, assim
chamada. Ora, dizem eles, vocês, cristãos, estão sempre pregando sobre
salvação pessoal e sobre doutrinas e tudo mais; por que não fazem algo acerca
das guerras? Muito bem, dizemos nós, que é que vocês querem que façamos? O
que vocês têm que fazer, replicam eles, é dizer às pessoas que pratiquem o
Sermão do Monte. Por que não lhes dizem que voltem a outra face e amem uns
aos outros e assim por diante? Então se daria fim às guerras. Vocês têm a
solução; tão- somente façam as pessoas porem em ação os princípios do
ensino de Cristo. Qual é a resposta para isso? A resposta é o ensino dos
três primeiros versículos deste capítulo dois da Epístola de Paulo aos Efésios.
Vocês podem pregar o Sermão do Monte a pessoas que estão mortas “em ofensas
e pecados” até ficarem exaustos e nem vocês nem elas ficarão mais sábios. Elas
não conseguem praticá-lo. Não querem fazê-lo. São “inimigos e estranhos em
suas mentes”. São governadas por “cobiças”. Fazem “a vontade da carne e dos
pensamentos”. É isso que as governa e as dirige. Como podem praticar o Sermão
do Monte?
Para resumir até aqui, o princípio negativo é que amensagem cristã, o evangelho
cristão, não tem nenhuma mensagem direta para o mundo, exceto dizer que o
mundo, como é, está sob a ira de Deus, isto é, está sob condenação, e que todos
os que morrerem neste estado irão para a perdição. A única mensagem da fé
cristã para o mundo incrédulo, em primeiro lugar, é simplesmente acerca do
juízo, um apelo para o arrependimento, e dar-lhes a segurança de que, se se
arrependerem e forem convertidos a Cristo, serão libertos. Portanto, a Igreja, a fé
cristã, não tem nenhuma outra mensagem para o mundo fora dessa.
Não somente isso; também podemos ser introduzidos num reino que não é deste
mundo e tornar-nos seus cidadãos. A medida que percorrermos este capítulo,
veremos Paulo elaborar bem as suas próprias palavras. O que é maravilhoso, diz
ele, é que vocês, gentios, estão em Cristo, e, graças ao Seu sangue, se tornaram
concidadãos dos santos; tomaram-se cidadãos do reino de Deus, do reino de
Cristo, do reino da luz, do reino dos céus - um reino que não é deste mundo,
reino inabalável, reino imutável. Esse é o reino no qual entramos.
mundial, que a Liga das Nações ia abolir a guerra para sempre. Havia muitos que
acreditavam que o Pacto de Locarno, de 1925, finalmente ia fazer isso, e
estavam muito alegres. Estavam confiantes em que nunca mais haveria uma
guerra como a de 1914 - 18. E quando começou a guerra de 1939, eles não
sabiam como explicar o fato. Mas o verdadeiro cristão, sabedor de que o homem
é uma criatura governada por cobiças, e que acobiça sempre produz guerra, sabia
muitíssimo bem que nenhum Pacto de Locarno nem qualquer outra coisa poderia
abolir ou eliminar a guerra. Sabia que a guerra poderia surgir a qualquer tempo,
e quando ela veio ele não ficou surpreso. Como o Salmo 112 o expressa
no versículo sete: “Não temerá maus rumores; o seu coração está
firme, confiando no Senhor”. Crendo como cremos nesta doutrina bíblica
do homem em pecado, jamais devemos surpreender-nos com o que acontece no
mundo. Vocês estão surpresos com todos os assassinatos, roubos, violência,
assaltos, mentira, ódio, carnalidade e sexualismo? Vocês se surpreendem quando
vêem os seus jornais? Não deveria acontecer isso, se vocês são cristãos.
Deveriam esperar isso. O homem em pecado necessariamente se comporta desse
modo; não pode conter-se, ele vive, anda em ofensas e pecados. Ele o faz
individualmente, e o faz em grupos; portanto, haverá conflitos e
desentendimentos industriais, e haverá guerras. Ah, quepessimismo!-exclamará
alguém. Eu digo: não, que realismo! Encarem isso, estejam preparados para isso,
não esperem nada melhor de um mundo como este; é um mundo
decaído, pecaminoso, ímpio, mau; e, enquanto o homem continuar em pecado, é
assim que será. E hoje é como nos dias de Sodoma e Gomorra, e como na época
do Dilúvio!
Mas, graças a Deus, ainda não terminei. Continuo e digo que o cristão é alguém
que, compreendendo que vive em tal mundo, e que, não tendo nenhuma ilusão
acerca dele, não obstante sabe que está ligado a um Poder que o habilita, não
somente a suportar o que quer que lhe venha num mundo como este, porém, de
fato o capacita a ser “mais que vencedor” sobre essa realidade toda. Ele não
apenas o suporta passivamente, não meramente o tolera, não somente o
“aguenta” e exercita a sua coragem. Não, isso é estoicismo, é paganismo. O
cristão, estando em Cristo, o cristão, sabendo algo do que o apóstolo chama
“a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos”,
é fortalecido, é habilitado a suportar; seu coração não fraqueja, ele não
é derrotado, de fato é capaz de regozijar-se nas tribulações. Que o mundo faça
com ele o pior, que o inferno seja solto, ele é mantido firme. “Esta é a vitória que
vence o mundo, a nossa fé” (1 João 5:4). Assim é que,
EM CRISTO JESUS
“Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos
amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou, juntamente
com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos
vindouros as abundantes riquezas de sua graça pela sua benignidade
para conosco em Cristo Jesus. ” - Efésios 2:4-7
ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela
graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos
lugares celestiais em Cristo Jesus”.
Pois bem, há, obviamente, algumas observações preliminares que se deve fazer
sobre uma declaração como essa. A primeira que me sinto constrangido a fazer é
que isto é cristianismo verdadeiro; essa é a própria essência do cristianismo, e
nada menos que isso. O que estas palavras descrevem é o centro vital de toda
essa matéria. É o que Deus fez para nós e por nós, e não primariamente algo que
tenhamos feito. Noutras palavras, o cristianismo não significa apenas que eu e
vocês tomamos uma decisão. Naturalmente isso está incluído, mas não é
a essência do cristianismo. As pessoas podem decidir parar de fazer certas coisas
e começar a fazer outras; isso não é cristianismo. As pessoas podem acreditar
que Deus lhes perdoa os seus pecados; porém, isso, em si, não é cristianismo. A
essência do cristianismo é a verdade que temos aqui - e este é o fato real, e nada
menos que isso é o fato real.
Gostaria de acentuar também que isto é verdade quanto a todos os cristãos. Mais
adiante veremos que aqui nos defrontamos com o maravilhoso ensino e doutrina
acerca da união do cristão com o Senhor Jesus Cristo. Com efeito, há certas
escolas de pensamento cristão que têm feito grande dano neste ponto, dando-nos
a impressão de que se trata de algo a que somente certos cristãos chegam, de que
se você realmente se entregar ao cultivo da vida cristã, poderá esperar chegar
finalmente a esta união com Cristo. É óbvio que eles pensam que existem
muitos cristãos que ainda não ocupam esta posição e que precisam ser
exortados e concitados e estimulados a lutar até alcançarem essa condição.
Ora, isso está inteiramente errado, é inteiramente falso. Você não pode
ser cristão, de modo nenhum, sem a verdade que estamos examinando agora; é
esta verdade que nos faz cristãos; sem ela não estamos na posição cristã
absolutamente.
Há duas maneiras de examinar esta grande declaração. Há alguns que têm uma
idéia puramente objetiva dela. Pensam nela exclusivamente em termos da nossa
situação, ou da nossa posição, na presença de Deus. O que quero dizer é que eles
pensam nela como sendo algo que, num sentido, já é verdade a nosso respeito
em Cristo, mas não é verdade a nosso respeito na prática. Consideram esta como
uma declaração do fato de que após a morte ressuscitaremos e participaremos da
vida da glória que está à espera de todos os que estão em Cristo Jesus.
Afirmam que a verdade é que o Senhor Jesus Cristo já ressuscitou dos mortos;
Ele foi vivificado quando estava morto na sepultura, foi ressuscitado, apareceu a
certas testemunhas, subiu ao céu e está na glória, nos lugares celestiais. Pois
bem, dizem eles, isso aconteceu com Ele, e, se crermos nEle, acontecerá
conosco. Eles afirmam que essa verdade quanto a nós é pela fé agora, porém
realmente só pela fé. Não é real em nós agora, é inteiramente real nEle, mas se
tornará real em nós no futuro. Pois é isso que eu considero uma idéia puramente
objetiva desta declaração. E, naturalmente, como declaração, está perfeitamente
certa, exceto que não vai suficientemente longe. Tudo isso é verdade quanto a
nós. Chegará a hora em que todos nós, cristãos, seremos ressuscitados, a menos
que o nosso Senhor volte antes de morrermos. Os nossos corpos serão
transformados e glorificados; e nós viveremos e reinaremos com Ele, e
entraremos em Sua glória e dela participaremos com Ele. Isso é perfeitamente
verdadeiro.
Contudo, há uma prova mais forte, parece-me, no versículo cinco. Diz o apóstolo
que, “estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou com Cristo”, e
então, entre parêntesis, “(pela graça sois salvos)”. Ele diz, noutras palavras: o
que estou falando é sobre a sua salvação neste momento. “Pela graça sois
salvos” significa “pela graça vós jáfostes salvos”. Esse é o tempo verbal, “fostes
salvos”. Evidentemente é algo experimental. É algo subjetivo, não puramente
objetivo. A tragédia é que muitas vezes as pessoas colocam estas coisas
como elementos opostos, ao passo que, na realidade, as Escrituras
sempre mostram que ambas as coisas devem andar juntas. Há um lado
objetivo da minha salvação, mas, graças a Deus, há também um lado
subjetivo. Eum erro ensinar, como o moderno movimento bartiano tende a
ensinar, que tudo é objetivo, que tudo está em Cristo e que em mim não
há absolutamente nada. Isso me parece um grave erro, porque as
Escrituras, felizmente para nós, sempre acentuam o experimental, o pessoal,
o subjetivo, o que eu desfruto aqui e agora. Minha salvação não está completa e
exclusivamente em Cristo; uma vez que eu estou em Cristo, ela está em mim
também.
É isso que o apóstolo está desejoso de que entendamos. Noutras palavras, esta
realidade deve ser interpretada espiritual e objetivamente, deve ser entendida
experimentalmente. O que Deus fez por nós espiritualmente, diz o apóstolo, é
comparável ao que Ele fez ao Senhor Jesus Cristo no sentido físico quando O
ressuscitou dentre os mortos e O levou para Si para que Ele Se assentasse nos
lugares celestiais. Devemos retornar ao fim do capítulo primeiro. O poder que
está operando para conosco e em nós, os que cremos, é o mesmo poder que Deus
“manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e
pondo-o à sua direita nos céus, acima de todo o principado, e poder, e potestade,
e domínio, e de todo nome que se nomeia, não só neste século, mas também no
vindouro; e sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o
constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que
cumpre tudo em todos”. Agora, diz Paulo, quero que vocês saibam que
exatamente o mesmo poder que fez isso está operando em vocês espiritualmente.
Isso, então, nos capacita a dizer tudo o que aconteceu conosco, se somos
cristãos, aconteceu por esse mesmo poder de Deus. Todos os tempos verbais que
o apóstolo emprega justamente nestas palavras que estamos estudando estão no
passado; ele não diz que Deus vai nos ressuscitar, vai nos vivificar, vai fazer-
nos sentar nos lugares celestiais; ele afirma que Ele já o fez, que
quando estávamos mortos Ele nos vi vificou. E o tempo aoristo, o passado, é
algo que se completou, e uma vez por todas já foi feito. Assim é que temos que
dizer de nós mesmos, como cristãos, que fomos vivificados,
fomos ressuscitados, e estamos sentados nos lugares celestiais.
Ou, talvez, numa colocação melhor, possamos dizer - e seguramente é o que o
apóstolo tinha em mente - que a situação do cristão é exatamente o oposto da
situação do não cristão. O não cristão é alguém que está morto em ofensas e
pecados, está sendo levado de acordo com o curso deste mundo, de acordo com
o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da
desobediência; ele vive segundo os desejos da carne, fazendo a vontade da carne
e damente; ele está, por natureza, sob a ira de Deus. Esse é o não cristão. E o
cristão, que é? O exato oposto disso - vivificado; vivo; ressurreto; sentado nos
lugares celestiais; inteiramente diferente, contraste completo. O “mas” assina-a
em toda parte este aspecto de contraste. E, obviamente, não poderemos entender
verdadeiramente a nossa posição como cristãos, se não compreendermos que é
um completo contraste com o que éramos antes. Vocês vêem como, na
interpretação das Escrituras, é importante tomar tudo em seu contexto. Temos
que ter claro entendimento acerca do nosso estado em pecado porque, se não,
jamais teremos claro entendimento acerca do nosso estado na graça e na
salvação.
Cristo, ressuscitou-nos juntos e nos fez sentar juntos nos lugares celestiais em
Cristo Jesus” (VA). Aqui sem dúvida nos vemos face a face com uma das mais
grandiosas e mais maravilhosas doutrinas cristãs, uma das mais gloriosas, fora
de toda e qualquer contestação. Trata-se do ensino completo das Escrituras com
respeito à nossa união com Cristo. É um ensino que vocês encontrarão em
muitos lugares. Remeto-os ao capítulo cinco da Epístola aos Romanos, que, de
muitas maneiras, é a mais extensa exposição da doutrina. Mas igualmente ela
pode ser encontrada no capítulo seis da Epístola aos Romanos. Também
se encontraem 1 Coríntios, capítulo 15, o grandioso capítulo freqüentemente lido
nos funerais; todavia igualmente se vê em 2 Coríntios, capítulo 5. Similarmente
o ensino se acha naquelas belas palavras do fim do capítulo dois daEpístola aos
Gálatas- “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive
em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual
me amou, e se entregou a si mesmo por mim”. Esta é a coisa mais maravilhosa e
mais espantosa, e, para mim, é sempre uma questão que me causa grande
surpresa que esta bendita doutrina receba tão pouca atenção. Por uma outra razão
o povo cristão parece temê-la. Não tenho dúvida que é principalmente pela razão
que já dei, que o ensino católico (seja romano ou anglicano ou de qualquer outro
tipo) sempre propenso a dar a impressão de que esta é uma realização final do
místico, a meta suprema do maior santo, mas nada tem a ver com o resto de nós,
cristãos comuns. A nossa réplica é que, de acordo com este ensino, em Efésios,
capítulo 2 e noutros lugares, vocês não são cristãos enquanto não estiverem
unido a Cristo e “nele”. Esta doutrina da nossa união com Cristo não deveria vir
no fim da doutrina cristã, deveria vir no início, onde o apóstolo a coloca.
ou cabeça, o que aconteceu com Adão aconteceu por isso com toda a sua
posteridade e conosco,
Mas a coisa não fica nisso. Há outro aspecto da união, que podemos chamar
místico ou vital. E algo que o nosso Senhor ensinou pessoalmente, nas famosas
palavras do capítulo quinze do Evangelho Segundo João, onde Ele diz: “Eu sou a
videira verdadeira, vós as varas”. A união entre as varas e a videira não é
mecânica, é vital e orgânica. Estão unidas; a mesma seiva, a mesma vida no
tronco e nos ramos. Contudo, essa não foi a única ilustração utilizada. No final
do capítulo primeiro desta Epístola Paulo diz que a união entre o cristão e o
Senhor Jesus Cristo é comparável à união das diversas partes do corpo com o
corpo todo, e especialmente com a cabeça. Pois bem, qualquer dos meus dedos é
parte vital do meu corpo. Não foi simplesmente amarrado nele; há uma
união viva, orgânica, vital. O sangue que corre através da minha cabeça,
corre através dos meus dedos. Isso indica uma espécie de unidade
interna essencial, e não uma união meramente federal ou legal ou pactuai. Há, de
fato, mais uma ilustração empregada nesta Epístola aos Efésios, no capítulo
cinco, onde se nos diz que a união entre a Igreja e Cristo, e, portanto, entre todo
membro da Igreja e Cristo é comparável à união entre um marido e sua esposa -
“ambos serão uma só carne”. Essa união é mística. Essa é a união entre Cristo e
a Igreja.
Todas estas bênçãos que usufruímos tornaram-se nossas porque estamos ligados
a Cristo dessa maneira dupla - de maneira forense, federal, pactuai, porém
também desta maneira vital e viva. Podemos
afirmar, pois, que o que aconteceu com Cristo aconteceu conosco. Este é o
mistério e amaravilha danossa salvação, e é a realidade mais gloriosa que jamais
podemos contemplar. O Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Deidade eterna,
desceu do céu à terra; assumiu a nossa natureza humana, compartilhou da
natureza humana; e como resultado da Sua obra, nós, seres humanos,
compartilhamos da Sua vida e estamos nEle, e somos participantes de todos os
benefícios que dEle vêm. Meus amigos, eu os fiz lembrar-se logo no princípio, e
devo repeti-lo, que o cristianismo é isso, e nada menos que isso. E se não
compreendemos isso, eu pergunto: que é o nosso cristianismo? Isto não é algo a
que você chega, é algo com que você começa. Você não obtém nenhum
benefício de Cristo, a não ser em termos da sua união com Ele - “todos nós
recebemos também da sua plenitude”, diz João, “e graça por graça” (João 1:16).
Ora, neste ponto, o apóstolo está primariamente interessado em salientar o
aspecto positivo disso tudo, e não o negativo. Ele tratará do aspecto negativo um
pouco mais adiante, neste capítulo. Mas, necessariamente, é preciso ter em
mente o negativo também. No entanto, o que o apóstolo está primariamente
interessado em salientar é que, ao passo que estávamos mortos, agora estamos
vivos. A pergunta que surge de imediato é: como é que isto pode acontecer? Algo
precisa acontecer antes que nós, que estamos mortos e sob a ira de Deus,
possamos passar a estar vivos. Não posso auferir nenhum benefício, de espécie
alguma, enquanto não se faça algo para satisfazer a ira de Deus, pois não
apenas estou morto e não apenas sou uma criatura de desejos e domínios
pelo deus deste mundo, eu estou sob a ira de Deus - “éramos por natureza filhos
da ira, como os outros também”. E, graças a Deus que alguma coisa aconteceu!
Cristo tomou sobre Si a nossa natureza, levou sobre Si os nossos pecados, foi ao
local de punição; a ira de Deus foi derramada sobre Ele. Esse é todo o
significado da Sua morte na cruz, é o pecado sendo punido, é a ira de Deus se
manifestando contra o pecado. E se não vemos isso na cruz do Calvário, estamos
olhando para aquela cruz sem os olhos do Novo Testamento. Há nesse terrível
aspecto da cruz, e nós nunca devemos esquecê-lo. Jamais devemos esquecer o
brado de desamparo: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”
Isso aconteceu porque Ele estava experimentando a ira de Deus contra o pecado,
nada menos que isso. Mas aqui o apóstolo está muito mais interessado em
acentuar o aspecto positivo. Cristo não somente morreu e foi sepultado; Ele
ressuscitou. Deus agiu “resuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o à sua direita
nos céus, acima de todo o principado, e
Ora, o cristão é alguém que tem que afirmar esta verdade. O princípio do
cristianismo é dizer: “Portanto agora nenhuma condenação há para os que estão
em Cristo Jesus” (Romanos 8:1). O cristão não é alguém que está esperando ser
perdoado; não é alguém que espera que finalmente será capaz de satisfazer as
exigências da lei e de estar na presença de Deus. Se é um cristão que entende o
cristianismo, ele diz: já estou lá, não estou mais morto, estou vivo, fui vivificado,
vida me foi dada. E o primeiro aspecto importante dessa declaração é o negativo,
que afirma que não estou mais morto. Deixei de ser morto; estou morto para o
pecado, estou morto para a lei, estou morto para a ira de Deus. “Portanto agora
nenhuma condenação há.” Você pode dizer isso? É a declaração que todo cristão
deveria ser capaz de fazer. E se você não tem essa segurança, é simplesmente
porque você não entende as Escrituras. As Escrituras fazem esta asserção
definida: não sou cristão, não posso ser cristão sem estar em Cristo. Segue-se
que, se estou em Cristo, o que
é verdade a respeito dEle é também verdade a meu respeito. Ele morreu uma vez
para o pecado, e eu, nEle, morri uma vez para o pecado. Quando o Senhor Jesus
Cristo morreu naquela cruz no Monte Calvário, eu estava morrendo com Ele tão
definida e certamente (e ainda mais) como sou responsável pelas ações da Grã-
Bretanha, por exemplo, na China, no último século, quando a sua gente
introduziu lá, vergonhosamente o comércio do ópio. Embora eu não o tenha feito
pessoalmente, embora tenha sido feito antes de eu nascer, sou responsável
porque sou britânico, e me sinto responsável e sinto vergonha. Exatamente da
mesma maneira, quando Cristo morreu na cruz e sofreu a ira de Deus contra
o pecado, eu estava participando nisso; eu estava nEle, eu estava morrendo com
Ele. Estou morto para a lei, estou morto para a ira de Deus, eu posso dizer com
Augustus Toplady:
Os terrores da lei, os terrores de Deus Comigo nada têm, nada podem fazer-me;
Mais que isso, porém, Ele nos viviflcou, Ele nos tornou vivos; e se você está
vivo, não está mais morto. Uma coisa ou outra - você não pode esperar tornar-se
vivo; ou está vivo ou está morto. Você está espiritualmente morto, ou está
espiritualmente vivo?
Mas examinemos o caso mais profundamente. Quer dizer que Deus colocou um
novo espírito de vida em mim. “A lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me
livrou da lei do pecado e da morte.” “A lei do Espírito de vida, em Cristo” está
no cristão. Isto é o oposto da morte e da inércia. Antes de entrar em nós este
espírito de vida em Cristo Jesus, estávamos mortos em ofensas e pecados, e
sujeitos a um espírito muito diferente - “o príncipe das potestades do ar, o
espírito que agora opera nos filhos da desobediência”. Todavia a verdade já não
é essa. Há um novo espírito de vida.
põe nova disposição em minha alma. Notem que digo “disposição”, não
faculdades; o de que necessita o homem não são faculdades; necessita é de uma
nova disposição. Qual a diferença, vocês perguntarão, entre faculdades e
disposição? Pode-se dizer que é algo assirm a disposição é aquilo que determina
a tendênciae ouso das faculdades. Éa disposição que governa e organiza o uso
das faculdades, que faz de um homem um músico, de outro um poeta e de outro
alguma outra coisa. Assim, a diferença entre o pecador e o cristão, entre o
incrédulo e o crente, não é que o crente, o cristão, tem certas faculdades que
faltam ao outro. Não, o que acontece é que esta nova disposição dada ao cristão
dirige as suas faculdades de maneira inteiramente diversa. Não lhe é dado um
novo cérebro, não lhe é dadaumanova inteligência, ou alguma outracoisa.
Ele sempre teve essas coisas; são seus servos, seus instrumentos,
seus “membros”, como lhes chama Paulo no capítulo seis de Romanos; o que é
novo é uma nova tendência, uma nova disposição. Ele mudou de direção, há
agora um novo poder agindo nele e guiando as suas faculdades.
E isso que faz de um homem um cristão. Há nele este princípio de vida, há esta
nova disposição. E esta afeta o homem todo; afeta a sua mente, afeta o seu
coração, afeta a sua vontade. É algo que sucede instantaneamente ao homem,
não gradativamente. O nascimento é repentino, o nascimento é instantâneo, não
é um processo gradual. Lá estava o homem, em dado momento morto, no
momento seguinte vivo. Ele foi vi vificado; esta disposição, este princípio de
vida penetrou nele. E, obviamente, é algo que acontece no nosso subconsciente.
O nosso Senhor deixou isso claro (não deixou?) paraNicodemos naquela
famosa declaração: “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas
não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que énascido do
Espírito”. E secreto, não se pode ver nem entender, não é possível explicá-lo
plenamente; tudo o que se sabe é que aconteceu. “Eu era cego, e agora vejo” (VA
e ARA). Não entendo isso, não posso explicar, nem fisiologicamente, nem
anatomicamente, nem de nenhuma outra maneira; tudo o que eu sei é que eu era
cego, não podia ver, mas agora posso ver. Eu estava morto, agora estou vivo. É
secreto, é misterioso, é miraculoso, é maravilhoso, é incompreensível; porém
conheço os efeitos, aprecio osresultados, estou ciente do fato de que isso
aconteceu. Então, que será? É um ato criador de Deus. É por isso que vocês
vêem este apóstolo e outros se referindo muitas vezes a esse fato como uma nova
criação - “Se alguém está em Cristo, nova criatura é (nova criação); as coisas
velhas já passaram; eis que tudo se fez novo”. Sim,
ele tem os mesmos olhos, olha para as mesmas coisas para as quais olhava antes,
contudo não as vê como costumava vê-las. O pobre ébrio tinha olhos e podia
olhar para um bar, e via certas coisas; ele continua tendo olhos, continua vendo o
mesmo bar, e, todavia, não é a mesma coisa, é inteiramente diferente. Ele está
olhando para a mesma coisa, mas vê uma coisa absolutamente diferente. Por
quê? - não foi o bar que mudou. Ele mudou, ou melhor, foi mudado. Um novo
homem, umanova disposição, um novo princípio dominante, nova vida!
Você está vivo? Deus colocou em você este princípio de vida? Precisamente
como você é neste momento, você sabe se isto aconteceu com você, que há esta
diferença essencial entre você e o homem do mundo? Terei que entrar nesse
assunto em detalhe mais adiante. Mas este é o começo de tudo. Veja aquela
criança que acabou de nascer. Ela não pode raciocinar, não pode pensar, não
pode dar conta de si, dos seus gostos e do que lhe desagrada; não obstante, ela
manifesta vida: está viva, e tão viva como sempre estará. O seu entendimento e
tudo mais se desenvolverão, mas ela está viva e mostrando que está.
Vivificados! Estávamos mortos, sem vida, não podíamos mover-nos
espiritualmente, não tínhamos apetite espiritual, não tínhamos apreensão
nem entendimento, espiritualmente. No entanto, se somos cristãos, isso não é
mais verdade; fomos vivificados juntamente com Cristo, o princípio de vida
entrou, fomos regenerados. Não há cristianismo sem isso. Meramente crer que
você está perdoado não é suficiente. Cristianismo é isto: crer e saber que, devido
estarmos unidos a Cri sto, algo da Sua vida está em nós como resultado desta
união vital e indissolúvel, desta conexão íntima, mística. A vida da Cabeça passa
pelos membros - “vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular” (1
Coríntios 12:27). Você tem consciente percepção dEle? Você sabe que Ele
está em você e você nEle? Você pode dizer: “Eu vivo, não mais eu, mas Cristo
vive em mim”? Você tem vida? Você foi vivificado? Este é o começo do
cristianismo. Não há cristianismo sem isso. Não é que eu e você não devemos
estar lutando. Claro que devemos lutar, estudar, jejuar, suar e orar. Temos que
fazer estas coisas; mas isso é algo que vem na seqüência. A primeira coisa é este
conhecimento da vida. Porventura você tem consciência de um princípio que
está agindo dentro de você, por assim dizer, a despeito de você mesmo,
influenciando você, moldando você, guiando você, convencendo-o (do pecado),
levando você avante? Você está ciente de que é possesso? - se posso dizê-
lo assim, sob o risco de ser mal entendido. O cristão é um homem possesso;
este princípio de vida entrou nele, esta nova disposição o possui. Ele tem
consciência de uma ação que se efetua dentro dele. “Vivificados juntamente com
Cristo”! Que coisa tremenda! É algo objetivo; porém, graças a Deus, também é
subjetivo. Não é uma coisa que está totalmente nEle e que me deixa onde eu
estava. Nada disso! Deus começou em mim uma boa obra, e eu a conheço. Ele
colocou esta nova vida em mim - em miml Nasci de novo e estou em união com
Cristo.
Queira Deus, por Seu Espírito, iluminar os olhos do nosso entendimento, para
que comecemos a compreender esta estupenda operação do poder de Deus em
nós.
RESSUSCITADOS COM CRISTO
“Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos
amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou, juntamente
com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos
vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade
para conosco em Cristo Jesus. ” - Efésios 2:4-7
Continuamos o nosso estudo desta declaração do que Deus fez para nós em
nosso desamparo e desesperança nos termos da sua descrição nos três primeiros
versículos deste capítulo. Certamente não existe exposição mais maravilhosa
nem mais extraordinária da verdade concernente ao cristão do que a que se acha
nestes versículos! Portanto, devemos admitir, todos nós, ao lermos os sete
primeiros versículos deste capítulo, que os nossos problemas, na maioria, são
resultantes do fato de que pesa sobre nós a culpa de um duplo fracasso: por um
lado, falhamos em não perceber a profundidade do pecado e, por outro lado,
falhamos em não perceber a grandeza, a altura e a glória da nossa salvação.
Muitíssimas vezes nos contentamos em pensar em nossa salvação meramente
em termos do perdão dos pecados. Não que queiramos depreciar isso, pois não
há nada mais maravilhoso nem mais glorioso. O meu ponto é que parar nisso
certamente é trágico. E na verdade eu acredito que, em grande parte, deve-se
toda a condição e estado da Igreja hoje ao fato de que falhamos nesses dois
pontos. É porque nunca nos demos conta da profundidade do abismo do qual
fomos tirados pela graça de Deus que não o agradecemos a Deus como
devíamos. E depois há a nossa falha em não percebermos as grandes altitudes às
quais Ele nos elevou. É disso que o apóstolo está tratando agora. Ele nos está
falando acerca do livramento, da salvação. Aqui, naturalmente, o apóstolo não
está muito interessado na maneira pela qual somos salvos. Nesta altura ele não
está interessado na evangelização; essa é algo que já aconteceu; ele
está escrevendo a pessoas que já são cristãs, e ele quer que elas percebam
e entendam qual é realmente a verdade concernente a elas como pesso as cristãs.
Ele quer que elas conheçam “a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós,
os que cremos”, pelo que ele faz uma exposição a respeito.
Já vimos que o que nos faz cristãos é a nossa união com Cristo. Esta doutrina da
nossa união com Cristo é absolutamente vital. A primeira coisa a que ela leva é a
regeneração, como já vimos.
Agora devemos dar o segundo passo, porque a Epístola não se limita a dizer-nos
que fomos vivificados juntamente com Cristo, mas diz também que Deus “nos
ressuscitou juntamente com ele”. Devemos ter sempre em mente, ao tratarmos
deste ensino, que o apóstolo está elaborando uma comparação aqui. O seu
argumento é que o que espiritualmente é verdade quanto a nós é similar ao que
aconteceu com o nosso Senhor fisicamente, quando Ele foi ressuscitado dentre
os mortos. Ele levou os nossos pecados em Seu corpo no madeiro, morreu, Seu
corpo sem vida foi descido, foi sepultado num túmulo, a pedra foi rolada sobre o
túmulo - não há dúvida sobre isso; é um fato. Ele foi morto, literalmente morreu
pelos nossos pecados. Entretanto na manhã do terceiro dia Ele ressurgiu, Ele foi
ressuscitado dentre os mortos. E o apóstolo desenvolve tudo isso em termos da
nossa experiência. Portanto, tenhamos em mente o que aconteceu com o nosso
Senhor. Lá esteve Ele, por aquele período, morto e numa sepultura, no reino
dos mortos. Mas Ele saiu do estado e lugar dos mortos. As vestes fúnebres foram
deixadas no túmulo, porém Ele não estava lá. Vocês recordam a maneira
pictórica pela qual os evangelistas nos descrevem isso, e a surpresa das mulheres
e de outros que foram ao sepulcro. Foram para ver o corpo na sepultura, mas não
havia corpo algum, somente as vestes fúnebres. Ele ressuscitou, foi tirado, não
estava mais morto, não estava mais na sepultura. Ele agora estava noutro reino,
estava vivo, tomado dentre os mortos. E Ele apareceu, vocês se lembram, a
pessoas escolhidas durante quarenta dias; em várias ocasiões e de várias
maneiras Ele Se manifestou às testemunhas escolhidas; e depois subiu ao céu.
São esses os fatos que devemos ter em mente. A nossa salvação, segundo o
apóstolo, é comparável a isso, nada menos que isso. Houve completa mudança
no reino em que o nosso Senhor estava: morto, no túmulo; vivo, manifestando-
Se, e de uma nova maneira. Ora, essa é a verdade, diz o apóstolo, acerca de
todos os que são verdadeiramente cristãos. Nada menos que isso. Fomos
ressuscitados juntamente com Cristo. Graças à nossa união com Ele, o que
aconteceu com Ele aconteceu conosco - não, como ele assinala aqui, no sentido
físico, todavia no sentido espiritual. Acontecerá também no sentido físico;
isso virá, mas o que ele quer que os crentes efésios entendam agora é
que, espiritualmente, precisamente o mesmo poder (como ele tinha argumentado
no final do capítulo primeiro) que ressuscitou o Senhor Jesus
Cristo está agindo agora em nós, os que cremos, e está realizando esta obra
maravilhosa em nós.
Então, o que é que isso nos diz acerca do cristão? Que é que isto nos diz como
verdade a respeito de nós? Podemos considerar a questão do modo como
consideramos a declaração acerca do nosso Senhor. Podemos considerar este
“ressuscitar juntamente” primeiro de maneira negativa. Logo que o nosso
Senhor ressuscitou dentre os mortos, certas coisas deixaram de ser verdadeiras a
respeito dEIe. E exatamente a mesma coisa se pode dizer do cristão. Há certos
fatores negativos que são de tremenda importância. E talvez a melhor maneira de
expor tudo isso seja em termos do capítulo seis da Epístola aos Romanos,
porque ali vocês têm realmente um amplo comentário sobre esta frase
que estamos considerando. Em todas estas Epístolas vocês têm a mesma doutrina
essencial. Algumas delas desenvolvem um ponto minuciosamente, outras o
fazem com outro ponto, mas a doutrina essencial é a mesma em cada uma delas.
E é por isso que o melhor comentário sobre qualquer Epístola do apóstolo Paulo
sempre será ler as suas outras Epístolas - e se vocês não o fizerem, mais cedo ou
mais tarde perderão o rumo. E outro ponto que defendo é este: se vocês
estudarem de fato qualquer destas Epístolas cuidadosamente, exaustivamente, e
tomarem tempo nisso, cobrirão toda gama da doutrina cristã; ao passo que,
se rasparem de leve a superfície delas, não terão uma verdadeira
concepção sobre o ensino do apóstolo. Vejamos agora como ele desenvolve
isso tudo no capítulo seis da Epístola aos Romanos.
Eis o que, evidentemente, sepode dizer acerca do cristão. Ocristão, por definição,
não está mais morto espiritualmente. Não está mais num túmulo espiritual.
Estava! - estávamos todos mortos em ofensas e pecados. Estávamos mortos,
estávamos num túmulo espiritual. Mas, como cristãos, saímos disso. Como
Cristo saiu do túmulo, nós também saímos do túmulo, e estamos fora dele.
Deixamos para trás as vestes fúnebres, e nada mais. Não estamos mais naquele
reino, não pertencemos mais àquela esfera, a nossa condição é inteiramente
nova. Ora, este é apenas outro modo de dizer que toda esta questão de
regeneração e salvação constitui a mudança mais profunda possível; e tornar-se
cristão é a experiência mais profunda, o fato mais profundo de todo o
universo. Não é nada menos que a diferença existente entre a morte e a vida,
entre estar num túmulo e andar em liberdade e sem amarras pelo mundo.
apegar-nos tenazmente. Aqui estão algumas das negativas. O fato de que não
estamos mais mortos e de que não estamos mais no túmulo é uma prova
categórica de que não estamos mais sob a ira de Deus, e não mais estamos sob
condenação. O apóstolo o expressa de maneira muito interessante no último
versículo do capítulo quatro da Epístola aos Romanos. Referindo-se ao nosso
Senhor, ele diz: “O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para
nossa justificação”. Isso quer dizer que a morte do nosso Senhor foi por causa
das nossas ofensas. Ele morreu porque levou sobre Si as nossas ofensas; tomou
sobre Si os nossos pecados e as nossas transgressões, e como o castigo era a
morte, Ele morreu. Mas, como saber se Deus ficou satisfeito com essa oferenda?
A resposta é a ressurreição! “Por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para
nossa justificação”! O ressurgimento de Cristo dos domínios damortee do
sepulcro, o Seu reaparecimento, éprova absoluta de que Deus está satisfeito por
ter sido o pecado punido verdadeiramente. Evidentemente, pois, isso se aplica a
nós com igual força. E o apóstolo prossegue, paraconcluiro argumento logo no
versículo seguinte, o versículo primeiro do capítulo cinco. “Sendo pois” - vocês
vêem a lógica! “Sendo pois justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso
Senhor Jesus Cristo.” Fomos ressuscitados dentre os mortos com Ele e, portanto,
fomos justificados e, conseqüentemente, não estamos mais sob a ira de Deus. Ele
o expressacom mais força aindano versículo primeiro do capítulo oito: “Portanto
agora nenhuma condenação hápara os que estão em Cristo Jesus”. Nenhuma
condenação! A condenação leva à morte; mas não estamos mais mortos,
ressuscitamos; portanto, não há condenação. Vocês recordam o contraste. Que
éramos? Mortos. Não somente estávamos “mortos em ofensas e pecados”,
todavia também éramos “por natureza filhos da ira, como os outros
também”. Todos quantos nascemos neste mundo, nascemos sob a ira de Deus,
sob condenação. Mas não estamos mais nessa situação; ressuscitamos dentre os
mortos, demos fim à morte: “portanto agora nenhuma condenação há para os que
estão em Cristo Jesus”.
Todo cristão deve saber essa verdade, e todo cristão deve gozar essa segurança.
Porquê? Porque você está em Cristo, não por causa de alguma coisa existente em
você. Por causa da sua união com Cristo, porque você foi ressuscitado com Ele.
O primeiro fator básico da segurança é que cremos nisto; aceitamos isto pelafé,
reconhecemos a sua veracidade. Fui introduzido em Cristo, fui ligado a Cristo; e,
portanto, quando Ele ressuscitou e deixou aquela esfera, eu também a deixei.
“Por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação”! Você se
dá
conta de que não está mais sob a ira de Deus? Você se dá conta de que, portanto,
não há nenhuma condenação para você? Você se dá conta de que o castigo foi
imposto e sofrido, e que você não mais tem por que temer o castigo vindouro?
Essa é a primeira dedução de Paulo.
Depois ele passa à outra. Diz ele que, porque não estamos mais mortos, e sim,
vivos, também estamos mortos para a lei, Não estamos “debaixo da lei, mas
debaixo da graça”, diz ele. E no capítulo sete da Epístola aos Romanos ele
elabora o ponto empregando uma comparação. Diz ele que uma mulher,
enquanto o seu marido não morrer, estará presa a ele e por ele, e não poderá
casar-se com outro homem sem se fazer adúltera. Contudo, quando o marido
morre, ela está livre para casar-se outra vez; não está mais presa àquele marido e
por ele. Diz o apóstolo que exatamente essa é a nossa relação com a lei, como
cristãos. Todos nós nascemos “debaixo da lei”. A lei de Deus nos enfrenta, nos
desafia e nos condenaporcausado nosso fracasso; e Deus nos trata pela lei.
Mas, se estamos em Cristo, não mais estamos debaixo da lei, porém debaixo da
graça. Não significa, é claro, que não temos mais que guardar a lei moral, mas
sim, que a nossa relação com Deus não é mais uma relação legal, judicial; é uma
relação pessoal, de pai e filho. Naturalmente o pai, se for um bom pai, verá que o
filho seja disciplinado e obedeça a certas leis, todavi a a relação mudou. O
homem em pecado está em desarmonia com Deus e é tratado por Ele de maneira
puramente legal. Contudo os que estão “em Cristo” foram retirados daquela
esfera. A lei executou a suapuniçãoplenae completa
enaextensãoplenaecompletano Senhor Jesus Cristo e, se estamos nEle, a lei não
tem mais exigências quanto a nós, nesse sentido. Não estou mais debaixo da lei,
estou debaixo da graça. Essa é a segunda dedução. E que coisa tremenda é
compreendermos que estamos numa relação totalmente nova com Deus. Isso
vem à tona, como veremos adiante, em certos aspectos práticos.
Há, porém, uma afirmação mais extraordinária. Diz o apóstolo que, porque
ressuscitamos com Cristo, agora estamos “mortos para o pecado", No versículo
dois do capítulo seis de Romanos o apóstolo responde a pergunta que ele tinha
feito no versículo primeiro - “Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado
para que seja a graça mais abundante?” - dizendo: “De modo nenhum. Como
viveremos no pecado, nós os que para ele morremos?” (ARA). Uma vez que
ressuscitamos com Cristo, estamos mortos para o pecado. Diz ele ainda,
no versículo seis: “Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com
ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos
mais ao pecado”. Pois bem, esta é, evidentemente, uma
afirmação muito importante e vital. Que é que significa? Está claro que não
significa que somos perfeitos, que estamos sem pecado e que nunca mais vamos
pecar. Sabemos que isso não é verdade. “Se dissermos que não temos pecado,
enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós”, diz o apóstolo João, em
sua Primeira Epístola, capítulo primeiro. Então, que significa? Em que sentido é
certo dizer que o cristão está morto para o pecado? É certo neste sentido: antes
de nos tornarmos cristãos estamos “mortos em ofensas e pecados”; mas como
cristãos, isso já não é verdade quanto a nós. Antes pertencíamos ao reino
do pecado, aos domínios do pecado, e estávamos sob o poder do pecado. Éramos
controlados pelas cobiças da carne, que se manifestavam como desejos da carne
e da mente. A nossa vida era pecaminosa, éramos controlados pelo pecado,
dominados pelo pecado, governados de várias maneiras por estas cobiças e
paixões da mente e do corpo. Ora, isso não é mais verdade a nosso respeito.
Estamos mortos para aquele reino do pecado, não estamos mais lá, fomos
retirados. “O pecado não terá domínio sobre vós”, diz o apóstolo em Romanos,
capítulo 6. Não mais andamos em ofensas e pecados, como costumávamos fazer.
Outrora estávamos mortos em ofensas e pecados, como os outros
também; “Entre os quais todos nós também antes andávamos” daquela
maneira. Mas, já não é essa a verdade sobre o cristão. Ele não gasta mais o
seu tempo lá, não anda lá, não vive lá; não pertence mais àquela esfera, foi tirado
daquela esfera. Repito que isso não significa que ele é perfeito; porém não
pertence mais àquela esfera. É como alguém que se muda de um país para outro,
é como alguém que está seguindo os trâmites para a sua naturalização; há
completa mudança em sua posição, em sua relação com o Estado. E essa é a
verdade quanto ao cristão. Ele não serve mais ao pecado. Ou, para fazer uso da
ilustração do apóstolo outra vez, ele não é mais servo do pecado. Antes ele era
um consumado escravo. Gostemos ou não, o fato acerca de toda e qualquer
pessoa não regenerada é que é escrava do pecado, governada por um princípio
mau. Todavia, não é mais esse o caso, com referência ao cristão. Não mais
somos escravos do pecado, fomos retirados disso. É verdade que, em
nossa insensatez, aindapodemos dar ouvidos ao diabo, aindapodemos rendermos
à tentação, ainda podemos obedecer a um impulso pecaminoso, mas isso não
significa que somos escravos do pecado. Não somos mais controlados por ele.
Esse é o princípio, e é nesse sentido que estamos mortos para o pecado. “Aquele
que está morto está livre do pecado” (VA).
Talvez possamos fazer uma colocação ainda melhor deste ponto da seguinte
maneira: diz o apóstolo, no versículo seis do capítulo seis de Romanos:
“Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado”, com Cristo.
Esta tradução é melhor do que a da VA, que diz: “Sabendo que o nosso velho
homem está crucificado com Cristo”. Sabemos disso, diz o apóstolo. Como
cristãos, essa é a verdade a nosso respeito. Que significa? Que é o velho homem?
A resposta se acha no capítulo cinco. O velho homem é o homem adâmico, o
homem que estava em Adão. Vocês recordam a comparação. Todos nós
estávamos em Adão, éramos descendentes lineares de Adão, e estávamos nele.
E mais, ele era o nosso chefe e representante federal; mas não somente isso,
estávamos presos a ele pelos laços de carne, sangue e descendência; há a mesma
união dupla, federal e vital - todos nós estávamos em Adão. E cada um de nós
que nasceu neste mundo nasceu filho de Adão. Temos natureza adâmica, nossa
posição diante de Deus é a de Adão. Adão caiu, e nós caímos com ele.
Conseqüentemente, estávamos sob a ira de Deus,
Deus; não estão cônscios de Deus, não têm uma relação viva com Deus. Vivem
neste mundo como se Deus não existisse. Eles estão absolutamente mortos para
Deus. Mas, tendo sido ressuscitados com Cristo, estamos “vivos para Deus”. E
esse é o fato máximo que você poderá saber sobre si mesmo, que você está vivo
para Deus, em harmonia com o Eterno, e foi despertado para uma realidade
infinita e absoluta.
Vocês viram aquela flor? Lá está ela, de noite, fechada; vem o sol e, de repente,
ela começa a abrir-se e a receber vida do glorioso sol. É o que acontece com o
cristão. Ele está “vivo para Deus”. Que significa? Significa que temos uma
atitude inteiramente nova paracom Deus. Não estamos mais em inimizade contra
Deus. O apóstolo continua no capítulo oito da Epístola aos Romanos, dizendo
que a mente natural, o homem natural, está em inimizade contra Deus. De fato
veremos, nesta Epístola aos Efésios que estamos estudando, que Paulo diz mais
adiante que nós éramos “estranhos e inimigos no entendimento pelas
nossas obras más” (cf. Colossenses 1:21). E quanta verdade há nisso!
Mas, quanto ao cristão, já não é verdade. O cristão não está mais em inim
izade contra Deus. Ele quer bem a Deus. Não tem mais a sensação de que Deus é
um monstro terrível que se põe contra nós, esperando para esmagarmos,
condenar-nos, destruir-nos. Não, ele passou a conhecer Deus, e a saber que Deus
é amor, misericórdia, bondade e compaixão. Ele não foge mais de Deus e não
tenta esconder-se entre as árvores, como fez Adão, evitando a Deus a todo custo.
É isso que o homem natural ainda faz; o homem natural faz o que pode para
evitar a Deus. É por isso que ele odeia a idéia da morte. A morte é, para ele, o
inimigo mais terrível. Por quê? Porque ela significa que ele terá que comparecer
à presença de Deus. Nem sempre ele põe esse temor em palavras, porém o sente
nos ossos. Ele sabe que essa é a verdade, e a odeia por essa mesma
razão. Significa postar-se diante de Deus. É por isso que ele não freqüenta
um local de culto, é por isso que ele não lê a Bíblia, é por isso que ele não gosta
de funerais - Deus! A morte leva-o para perto de Deus, e ele odeia isso; fica
aterrorizado e, por isso, evita a Deus.
O cristão, no entanto, não é assim. “Assim como o cervo brama pelas correntes
de águas, assim suspira minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de
Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus?”
(Salmo 42:1-2). Que mudança! Mudança da morte para a vida. Mudança
absoluta. Mudança essencial. Haverá mudança maior do que esta, que agora a
pessoa queira bem o Ser que antes temia com tremor e terror? Deus Se torna o
nosso Pai. E o maior desejo do cristão verdadeiro é chegar mais perto de Deus.
Você
pode dizer com sinceridade que o que mais deseja neste momento é conhecer
melhor a Deus e aperceber-se de Sua presença? Se pode, você é cristão. Se não,
será melhor reexaminar os seus fundamentos; pois, quando um homem está em
Cristo, ele tem nova natureza, e esta nova natureza clama por Deus. O nosso
Senhor costumava levantar-Se muito antes do alvorecer para orar a Seu Pai;
costumava passar a noite orando. Seu Pai! Ele queria a Sua presença, tinha
prazer na comunhão. E essa é a característica do cristão, ele está “vivo para
Deus”. Pensemos nas ilustrações óbvias. E como um instrumento elétrico:
desligado está morto; ligando-se, torna-se vivo. O microfone recebe a minha
voz. Por quê? - porque está vivo para mim. Mas, se o desligarem, estará morto. E
como era o homem, não estava vivo para Deus; todavia agora está vivo para
Deus, é sensível a Deus, deseja a Deus, ama a Deus, busca a Deus. “Ah,
soubesse eu onde encontrá-lo!”, é o seu clamor. Não pode ver a Deus como
gostaria, não O conhece bastante bem. Está “vivo para Deus”.
Contudo não somente está vivo para Deus, ele anda “em novidade de vida”. Que
frase maravilhosa! E o completo contraste, vocês vêem, com a morte. O apóstolo
diz isso de novo no capítulo quatro desta Epístola aos Efésios, desta maneira: ele
fala sobre o “novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeirajustiça e
santidade”. Qual é então a verdade a respeito do cristão? E que ele não está mais
andando em ofensas e pecados, está vivendo esta vida inteiramente nova, não
mais governado pela carne e seus desejos, mas governado por esta nova maneira
de ver. Como isto se manifesta? Permitam-me resumir o ponto. Manifesta-se em
sua mente, manifesta-se em seu coração, manifesta-se em sua vontade. Esse é o
modo de dizer se você é cristão ou não. O cristão é alguém que, havendo
ressuscitado com Cristo, anda em novidade de vida. E o homem vive com sua
mente, seu coração e sua vontade.
O cristão tem mente nova. Que é isso? Paulo diz, no capítulo doze da Epístola
aos Romanos: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela
renovação do vosso entendimento” ou “da vossa mente” (VA e ARA). E o
cristão tem mente nova, que se manifesta das seguintes maneiras: ele vê tudo de
maneira diferente. Não pensa mais em termos do tempo, começa a pensar em
termos da eternidade, A vida do incrédulo está inteiramente presa ao tempo, ele
nunca vai além, nem quer ir, pois tem medo, Pensar naquele “desconhecido país
de cujas fronteiras nenhum viajor retorna” o inquieta. Não, ele não está
interessado na eternidade. Mas o cristão está. O cristão vê que esta vida
é temporária, limitada pelo tempo. Eternidade! - sua mente começa a
atuar em função dessa realidade. E agora ele não pensa somente em termos do
corpo e de uma alma racional, também começa a pensar em termos do espírito.
Como pensa o não cristão? Bem, o “mundo do seu pensamento” é limitado por
este mundo e seu conhecimento, sua cultura, sua arte, seus negócios, seus
prazeres e outras coisas semelhantes. Coloquem nisso tudo o que quiserem - não
quero deixar nada fora - coloquem tudo o de que vocês dispõem nisso, mas ainda
lhes digo que é uma vida e uma perspectiva inteiramente limitadas pelo corpo e
pela alma racional, e nada que vá além disso. Entretanto o cristão não para
aí. Ele se dá conta de que há nele o que se chama espírito, há nele aquilo que o
torna consciente do fato de que ele pertence a outro domínio e a outra esfera, e
ele se põe a viver mais e mais nessa esfera, e cada vez menos na outra. Não é
somente o tempo, não é somente o material; é a eternidade, é o espiritual, é o
perene. Ele é elevado a uma “esfera de pensamento” inteiramente nova. E agora
julga todas as coisas à luz dessa nova esfera. Tem um novo padrão de valores,
avalia as coisas de maneira totalmen te diferente. O que ele quer saber agora,
sobre qualquer coisa, não é que tipo de proveito ele pode tirar disso, que tipo de
prazer lhe trará; mas, antes, que valor tem para a sua alma. E como isso afeta a
sua relação com a eternidade. Como toca em sua relação com Deus e com Jesus
Cristo. Ele vê tudo de maneira diferente e tem um padrão de valores totalmente
novo, porque tem esta mente renovada em Cristo. Ele anda em novidade de vida.
Outra coisa óbvia é que ele se interessa pela Bíblia como nunca antes. Antes ele
punha todos os outros livros adi ante daBíblia; agora ele põe a Bíblia adiante de
todos os outros livros. Ele compreende que a Bíblia é o único livro que o leva a
Deus e a uma crescente participação na vida de Deus. Sua mente começa a atuar
com base no Livro; este lhe fala, ele sente prazer nele, gloria-se nele, emociona-
se com ele.
Ele vê também que passa cada vez mais tempo em meditação. Que arte perdida,
a arte da meditação! Todavia o cristão medita. Ele pára para pensar, põe de lado
os jornais, desliga o rádio e o televisor, não fica o tempo todo correndo atrás de
algum entretenimento; ele se assenta repousadamente e pensa em si, em Deus, na
glória e na eternidade. Tem mente nova. Vocês vêem que completo oposto ele é
do homem natural? Uma coisa que o homem natural nunca faz é meditar. Ele faz
tudo o que pode para evitá-lo, e o mundo se afana em satisfazê-lo; o mundo
sabe do que ele gosta e o ajuda a fugir de si mesmo e de todas estas
coisas maravilhosas.
homem tem desejos inteiramente novos. Eis o que o nosso Senhor diz sobre ele:
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos”.
O seu maior desejo agora não é de ter mais prazer e satisfação momentânea; é de
justiça, de verdadeira santidade. Ele diz com Davi: “Cria em mim, ó Deus, um
coração puro, e renova em mim um espírito reto”. Esse é o seu maior desejo. O
maior desejo do cristão verdadeiro é estar limpo por dentro, ser puro, ser santo,
ser justo, ter um coração que esteja livre do pecado. E ele se entristece por causa
do pecado. Agora ele não considera a dor que se segue ao pecado como
um aborrecimento e um problema. Não o considera como o
inevitável concomitante do prazer e das práticas ilícitas. Não, agora ele
compreende que opecadonão émeramenteuma ofensa à lei, porém uma ofensa a
Deus que tanto o amou e enviou o Seu Filho unigênito para morrer por ele.
Como você considera os seus pecados e os seus fracassos? Qual é a primeira
coisa que vem à sua mente quando você peca? É o medo do castigo? Se é, você
ainda está debaixo da lei em seu pensamento. Se, antes, é o sentimento de que
você entristeceu Aquele que o ama, então o seu pensamento é cristão. Os desejos
são absolutamente novos; não são mais os desejos da carne e daquela mente
pecaminosa; são desejos, os desejos do próprio Cristo, de ser agradável aos olhos
de Seu Pai.
O novo homem também tem o desejo de orar. Não quero deixar ninguém
deprimido, mas se você tem a nova vida, desejará orar como nunca antes. Será
seu anelo ter tal intimidade com Deus que desejará falar com Ele mais do que
com qualquer outro. Você sabe dos começos dessa experiência? Isto é
essencialmente verdade quanto ao cristão. Oração! Depois, igualmente, ele
deseja comunhão com os santos. “Nós sabemos que passamos da morte para a
vida”, diz João, “porque amamos os irmãos” (1 João 3:14). Os irmãos, seus
conservos em Cristo, a família de Deus, as pessoas que estão interessadas nestas
coisas, estas são as pessoas que amamos e que tanto queremos. E, naturalmente,
outra coisa é um real interesse pelas almas dos que estão fora destas coisas. Você
não pode ser cristão sem ter esse interesse. Eles estão mortos em ofensas e
pecados; são criaturas presas às cobiças - eles não sabem disso, mas nós
sabemos; e eles estão sob a ira de Deus. O nosso Senhor tinha grande compaixão
das pessoas; Ele as via “como ovelhas sem pastor”; e, necessariamente, o cristão
tem que conhecer algo desse sentimento. Aí está o coração transformado.
A seguir, uma palavra sobre a vontade. O cristão exerce a sua vontade numa
nova direção. Ele quer agradar a Cristo e agradar a Deus. O que ele pergunta
agora não é: do que eu gosto? O que eu quero? -
porém, o que é próprio de alguém que pertence a Cristo? Qual é a vontade de
Deus quanto a mim? São estas as coisas que ele deseja agora. A vontade,
negativa e positivamente, é inteiramente renovada.
Fomos “ressuscitados juntamente com ele”. Por isso, somos diferentes na mente,
no coração e na vontade.
Podemos resumir tudo isso fazendo algumas perguntas simples. Você foi
ressuscitado? Você foi ressuscitado juntamente com Cristo? Você está vivo para
Deus? Você tem consciência de Deus? Você conhece aDeus? Você O deseja?
Estas questões são vitais. “Considerai-vos como mortos para o pecado, mas
vivos para Deus em Cristo Jesus.” E se estão, esta é a exortação do apóstolo:
“Apresentai-vos a Deus, como vivos dentre os mortos, e os vossos membros (as
vossas faculdades) a Deus, como instrumentos de justiça”. O cristão é alguém
que ressuscitou com Cristo do domínio do pecado e da morte para uma nova
vida na qual ele está “vivo para Deus”.
“Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos
amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou, juntamente
com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos
vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade
para conosco em Cristo Jesus. ” - Efésios 2:4-7
Expondo o que esta grande declaração fala acerca de nós mesmos como cristãos,
vimos que fomos vivificados para uma nova vida e ressuscitados com o Senhor
Jesus para a nova vida.
Mas a história não termina aí. Vai além. Deus não somente nos vivificou e
ressuscitou com Cristo, Ele “nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo
Jesus". Pois o nosso Senhor, depois de ressuscitar dentre os mortos, não
permaneceu indefinidamente na terra. Ascendeu ao céu, e está assentado à mão
direita de Deus na glória. Portanto, o apóstolo prossegue e afirma que isso
aconteceu também ao crente. E, naturalmente, tem que acontecer com o crente.
Digo que tem que acontecer ao crente por esta razão, que a doutrina da nossa
união com Cristo insiste nisso. Como fomos vivificados com Ele, segue-se
necessariamente que todas as outras coisas que aconteceram com Ele
deverão acontecer espiritualmente conosco. Portanto, por necessidade,
fomos levados a assentar-nos com Ele nos lugares celestiais.
Outra coisa que devemos ter em mente é que todas estas afirmações feitas pelo
apóstolo estão no pretérito. Ele não está dizendo que estas coisas nos vão
acontecer; elas aconteceram. Vocês notam que ele fala com clareza - “pela graça
sois (ou estais) salvos”, “fostes salvos”. Do mesmo modo “fostes vivificados”,
“fostes ressuscitados”, “estais” assentados. É algo que já se realizou. Não é uma
profecia, não é uma predição, não é a apresentação de uma esperança de algo
que vai acontecer. O verdadeiro ponto em que o apóstolo está interessado é
que estes efésios percebam que isto é verdade quanto a eles. Ele diz: quero que
os olhos do seu entendimento sejam iluminados para que vocês possam saber
que esta mudançajá ocorreu, já é algo que constitui um fato concreto. Tem que
ser assim, reitero, por causa da nossa união com o nosso Senhor.
Que é que isso significa? Talvez o melhor plano seja começar considerando a
expressão traduzida por “lugares celestiais”. Vê-se a mesma expressão no
capítulo primeiro, versículo três; “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares
celestiais em Cristo”. Uma tradução melhor é “nos mais altos céus”. “Lugares” é
realmente uma palavra acrescentada pelos tradutores, na verdade um acréscimo
infeliz porque não comunica plenamente a idéia que estava na mente do
apóstolo. Localiza-a demais, Os mais altos céus! Que se quer dizer com
a expressão “os mais altos céus”? E a mesma coisa que o apóstolo tem em mente
quando, num notável trecho de autobiografia que temos na Segunda Epístola aos
Coríntios, no capítulo doze, ele nos diz, no versículo dois, que conhecera um
homem, fazia catorze anos, que fora “arrebatado ao terceiro céu”. Era como se
pensava naqueles tempos. O primeiro céu era a atmosfera, as nuvens, etc., que
vemos; o segundo céu eram os domínios das estrelas, da lua e do sol; e o terceiro
céu era o lugar onde Deus manifesta especialmente a Sua presença e a Sua
glória, o lugar em que o Senhor Jesus Cristo, no Seu corpo glorificado,
habita agora. Esse é o terceiro céu. Sempre que temos a expressão
“lugares celestiais”, ou “os mais altos céus”, ela geralmente tem esse sentido e
conotação. Assim, essa é a esfera na qual fomos introduzidos como resultado da
nossa regeneração. Como resultado da nossa regeneração, pertencemos ao
terceiro céu, aos mais altos céus, a esse lugar onde a glória e a presença de Deus
se manifestam desta maneira maravilhosa e esplêndida. Que é que isso significa
concretamente na prática para nós? Para responder esta pergunta precisamos
expor a nossa passagem.
Ao fazê-lo , devemos ter em mente que nestes versículos, quatro, cinco, seis e
sete, temos o contraste com o que tivemos nos versículos
- Ill -
um, dois e três. Estávamos lá - mas Deus! Ele nos elevou a uma posição
inteiramente nova e diferente. Esse é o contraste, o qual se manifesta, como
vimos, com simplicidade e naturalidade. Estando mortos, foi nos dada vida. O
oposto de estar espiritualmente morto é ser regenerado. O oposto de uma vida de
pecado e de estar sob condenação é ser justificado pela fé, não estar mais sob
condenação, viver esta nova vida para Deus. É exatamente como este terceiro
passo, descrito como “assentados nos lugares celestiais em Cristo Jesus”.
O apóstolo tira muito desta idéia. Escrevendo aos gálatas, capítulo primeiro,
versículo 4, ele diz, referindo-se à nossa salvação, que Cristo
“se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau”.
Seu argumento é que Ele faz isso agora. Não é uma referência à morte e àpartida
deste mundo. O cristão é liberto do presente século mau agora. Ele ainda está
nele, porém não é mais dele; não está mais preso por ele, sua perspectiva não é
mais determinada por ele. O apóstolo João é igualmente categórico sobre isto e
igualmente se regozija com isto, como todos nós deveríamos regozijar-nos -
“Esta é a vitória que vence o mundo...” (1 João 5:4). Uma diferença entre o
não cristão (o incrédulo) e o cristão é que o não cristão é dominado pelo mundo,
é absolutamente controlado por ele. Não há necessidade de demonstrar isso; o
modo como o povo vive é prova absoluta disso. Tudo vem retratado nos jornais.
Os não cristãos são totalmente controlados por “o que você tem que fazer”, e por
“o que todo o mundo faz”. Controlado pelo mundo! Por outro lado, o cristão tem
vitória sobre o mundo. Que contraste! Ele foi tirado desta esfera.
Vê-se esta ênfase em toda parte nas Escrituras. Vocês notaram o que nos é dito
acerca daqueles filhos da fé, aqueles homens de fé em Hebreus, capítulo 11 ?
Isso é sempre verdade a respeito deles. Eis o que lemos: eles “confessaram que
eram estrangeiros e peregrinos na terra”. Essa era a situação deles, apesar de
ainda estarem neste mundo. Vocês recordam que nos é dito que os patriarcas
Abraão, Isaque e Jacó habitavam em tendas, em tabernáculos. Por quê? - bem, a
sua idéia era imprimir neles e em todos os demais que eles eram apenas
residentes temporários (essa é a expressão empregada), estrangeiros e
peregrinos, viajores, tão-somente de passagem por este mundo. Este não era o
seu lugar de habitação permanente, eles estavam em marcha, em movimento.
“Aqui”, diziam eles, “não temos cidade permanente, mas estamos em busca da
que é do porvir”; “estrangeiros e peregrinos na terra”. E vocês recordarão como
o apóstolo Pedro, conclamando as pessoas às quais estava escrevendo a terem
uma vida digna da sua alta vocação em Cristo, faz esta colocação: “Amados”,
diz ele, “peço-vos como peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das
concupiscências carnais que combatem contra a alma; tendo o vosso viver
honesto entre os gentios; para que, naquilo em que falam mal de vós, como
de malfeitores, glorifiquem aDeus no dia da visitação, pelas boas obras que em
vós observem” (1 Pedro 2:11-12). Notem os termos do apelo: “Amados, peço-
vos, como a peregrinos e forasteiros”; isto é, vocês não pertencem a este mundo!
Compreendam isso! Na verdade, esta idéia é um dos termos mais importantes de
todas as Escrituras. Assim que o homem se toma cristão, uma das primeiras
coisas de que toma consciência
é que ele foi separado do mundo. Antes lhe pertencia, era da sua própria
essência; agora ele está ciente da separação, foi tirado dele, não lhe pertence
mais. Tornou-se estranho a ele em sua mente, em sua perspectiva, em seus
gostos, em tudo. Naturalmente o mundo ainda pode tentá-lo, mas ele está
cônscio de que está fora dele. Estava nele, agora está fora dele. E se ele for
bastante tolo para olhar de novo para o mundo e para deixar-se seduzir por ele,
bem, estará simplesmente contradizendo o que lhe aconteceu. Uma vez que
estamos nos mais altos céus com Cristo, não pertencemos mais a este mundo.
“Não ameis o mundo”, diz João, “nem o que no mundo há” (1 João 2:15). Essa é
a primeira negativa.
Eis a segunda: visto que estamos nos mais altos céus com Cristo, não estamos
mais sob o domínio de satanás, e não estamos mais no reino de satanás.
Estávamos lá outrora - “em que noutro tempo andastes segundo o curso deste
mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos
filhos da desobediência, entre os quais todos nós também antes andávamos”. E
nisso que estávamos, vítimas e vassalos de satanás; não somente dominados pela
mente do mundo, mas dominados por aquele que controla a mente do
mundo. Estávamos no reino de satanás, sob o poder de satanás, sob o domínio de
satanás. Essa é a situação do incrédulo. O mundo ri disso e o ridiculariza. Causa
espanto ao mundo que haja quem acredite na existência do diabo, e com isso o
mundo prova que está sob o domínio do diabo. É tão completamente insensato e
cego que nem sequer tem consciência disso. “Se ainda o nosso evangelho está
encoberto”, diz Paulo, “para os que se perdem está encoberto...” (2 Coríntios
4:3). Tais pessoas pensam que não são cristãs porque são cultas e
inteligentes demais. A verdade sobre elas, naturalmente, é que elas foram
golpeadas pelo diabo e tão cegadas por ele que não conseguem ver.
Estão inteiramente sob o seu domínio. Mas quando alguém se torna cristão e é
transferido para os mais altos céus, isso já não é verdade a seu respeito. Esse é
precisamente o argumento de Paulo ao dirigir-se a Agripa, a Festo e aos que com
ele estavam, quando ele compareceu diante deles como prisioneiro (Atos 26:18).
Disse ele que quando Cristo lhe aparecera no caminho de Damasco e lhe dera
Sua grande comissão, Ele dissera: vou enviá-lo ao povo e aos gentios, “para lhes
abrires os olhos, e das trevas os converteres à luz, e do poder de satanás a
Deus...”. Esse é o dever da pregação, diz o Senhor ressurreto a Paulo, essa é a
Minha comissão a você; estas pessoas estão sob o poder de satanás, estou
enviando você para pregar-lhes o evangelho, a fim de que elas sejam tiradas de
sob o
poder de satanás e trazidas para Deus. - Que transferência! - para fora do seu
domínio! João diz a mesma coisa em sua Primeira Epístola: “Sabemos que
somos de Deus, e que todo mundo está no maligno” (5:19). O mundo inteiro está
nos laços do maligno, porém nós não estamos; somos de Deus, estamos
inteiramente afastados dali. O mesmo apóstolo afirma que o maligno “não nos
toca”. Antes não só nos tocava, dominava-nos; mas agora estamos tão afastados
do seu reino, domínio e poder que ele não pode tocar-nos. Ele pode rugir, pode
seduzir-nos, mas não pode tocar-nos. Ou ainda vejam como o apóstolo se
expressa sobre o assunto escrevendo aos colossenses. Diz ele que o cristão
é alguém que, entre outras coisas, foi transferido do reino das trevas para o reino
do amado Filho de Deus. Estou convencido de que, se nós, que somos cristãos,
percebêssemos que não estamos mais sob o domínio de satanás, que ele não tem
nenhuma autoridade sobre nós, que não precisaremos ter medo dele se
compreendermos quem e o que somos, isso revolucionaria as nossas vidas. Esta
é a verdade concernente a nós. Estamos nos mais altos céus, não nos domínios
de satanás. E nesta esfera celestial, estamos fora do domínio e do reino de
satanás e do mal.
A terceira negativa é a seguinte: posto que estamos nos mais altos céus, não
estamos mais sob a ira de Deus sobrevinda ao mundo inteiro. Vocês se lembram
da coisa final que o apóstolo disse acerca do incrédulo: “Éramos por natureza
filhos da ira” - como que dizendo, pertencemos à esfera da ira - “como os outros
também”. Todavia agora Deus agiu sobre nós e nos ressuscitou juntamente com
Cristo, e não pertencemos mais àquela esfera, pertencemos à esfera dos mais
altos céus. Esta é a coisa mais tremenda e estonteante que há. Este mundo
em que nos achamos é um mundo condenado, é um mundo sob julgamento. Não
há nada que seja exposto mais claramente nas Escrituras, do começo ao fim, do
que isso. Vai haver um julgamento deste mundo, e este mundo com todo o mal
nele existente, em sua própria constituição, além das pessoas a ele pertencentes,
vai ser julgado, e a ira de Deus se derramará sobre ele. Haverá um terrível
julgamento e uma destruição medonha. Fracas prefigurações disso foram o
Dilúvio, a destruição de Sodoma e Gomorra, os diversos cativeiros dos filhos de
Israel, a destruição de Jerusalém em 70 A.D. Tudo isso dá uma pálida idéia da
ruína e da desgraça que esmagarão o mundo e todos os que se opõem a Deus,
sob a ira de Deus. O cristão é tirado disso tudo; ele já passou da morte, e
do juízo, para a vida. Nada disso o tocará, nada disso o afetará, nem lhe
fará dano algum, ele não precisa temer em nenhum sentido; ele já está fora dessa
esfera porque está nos mais altos céus com Cristo. Aí estão, pois, as
A primeira coisa que é uma verdade quanto a nós, no aspecto positivo é que
pertencemos ao reino de Deus. Agora pertencemos a uma esfera celestial. Isto é
real, é um fato. Não é que eu vou pertencer a ela, já estou lá. Vejam como
algumas passagens das Escrituras nos descrevem isso. Vocês se lembram de
como Paulo o expressa, escrevendo aos filipenses? Ele está falando a respeito de
pessoas que não obedecem a verdade, pessoas cujo deus é o seu ventre, que se
deleitam em sua vergonha, e coisas que tais, “cujo fim”, diz ele, “é a
perdição”. “Mas”, diz ele, “a nossa cidade está nos céus”, ou seja, a
nossa cidadania está nos céus. Não está aqui, não somos mais cidadãos da esfera
do mundo, a nossa cidadania está nos céus; ou, como alguém o traduziu, somos
“uma colônia do céu”. Aquela é a nossa pátria, este mundo é apenas uma
colônia. Não pertencemos àquilo que está condenado à destruição. Os reinos
deste mundo e tudo o que lhes pertence desaparecerão, mas nós, que
pertencemos a Deus, permaneceremos para sempre. É, pois, certo dizer a nosso
respeito que o céu é realmente agora o nosso lar. Sei que neste século é costume
caçoar de hinos que dizem: “Aqui não passo de estrangeiro; o céu é o meu lar”.
Entretanto, essa é a verdade quanto a nós, cristãos; a nossa cidadania está no céu.
E não conheço melhor maneira de submeter-nos à prova, a nós e à
nossa profissão de fé, do que questionarmos a nós mesmos sobre este
ponto. Você está ciente, você tem no seu íntimo consciência de que é estrangeiro
neste mundo? Você se sente alienado dele? Tem consciência de uma diferença
existente em você mesmo? Sente que pertence a outra esfera, que você está
simplesmente passando por este mundo? A nossa cidadania, de que nos
orgulhamos, de que nos ufanamos, é essa cidadania. A nossa cidadania, o nosso
viver real, está no céu. Tornem a ver as palavras de Colossenses: o Pai “nos tirou
da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor”
(1:13).
No entanto, eu suponho que não existe declaração mais gloriosa desta verdade
do que aque se acha naEpístola aos Colossenses, de novo, no capítulo três.
Ouçam esta assombrosa afirmação acerca do cristão -“Porque já estais mortos, e
a vossa vida está escondida com Cristo em Deus”. Essa é a verdade a respeito de
você, Se você é cristão, isto só pode ser verdade a seu respeito, você não tem
como evadir-se disto, porque você está em Cristo.Você está morto. O homem
adâmico, o homem que você era, está literalmente morto, e sua vida está
escondida com Cristo em Deus. Você pertence a uma esfera
completamente diferente e a um reino completamente diferente. Cristãos, vocês
sabem
disso? Estão cientes disso? Essa é a questão vital, esta percepção de que são
doutro lugar, estrangeiros e peregrinos na terra - estamos longe de casa, estamos
longe de casa apenas por algum tempo, para cumprirmos o propósito de Deus;
mas o nosso lar, a nossa pátria, a nossa cidadania, é lá no céu. Essa é a
comunidade a que pertencemos.
Não vejo como uma pessoa tem direito de dizer-se cristã se não tem ciência das
influências celestiais em sua vida. “No amor celestial permanecendo, não temerá
mudança o meu coração”. Vocês têm conhecimento disso? Vocês têm
experiência do amor celestial a guiá--los,aconquistá-loseafal ar com vocês?
MentalidadecelestiallÉtriste, porém tenho ouvido crentes evangélicos brincarem
sobre isso e dizerem a respeito de outros: “Eles se tornaram tão celestiais em sua
mentalidade que não têm utilidade nenhuma na terra”. E se julga inteligente essa
afirmação! Que tragédia! Não há como tornar-nos exageradamente celestiais em
nossa mentalidade. O problema com todos nós é que não somos suficientemente
celestiais em nossa mente, não sabemos disso o bastante, não ficamos lá o
suficiente. Não nos damos conta do que é certo a nosso respeito, os olhos do
nosso entendimento não foram iluminados. O cristão é, necessariamente, um
homem de mentalidade celestial, a vida de Deus penetrou nele, e suamente
mudou, como vimos. Ele costumava ser governado pelos desejos, pelas cobiças
da mente e da carne. Já não é mais governado por essas coisas - elas o tentam,
o experimentam; mas não é dominado por elas porque há esta outra influência.
Ele está consciente dela, ele a conhece. O Espírito de Deus trata com ele,
trabalha nele, move-o, e o atrai e o arrasta daqueles poderes para este.
A característica principal dos mais altos céus é que este constitui a esfera na qual
Deus, de maneira peculiar e especial, Se manifesta e manifesta a Sua presença e
a Sua glória. E isso que faz do céu, céu. Se vocês quiserem prova disso, leiam o
livro de Apocalipse, particularmente os capítulos quatro e cinco. João, vocês se
lembram, viu uma porta aberta no céu e teve uma visão. A primeira coisa que ele
viu foi a glória de Deus. Essa é a característica dos mais altos céus. Portanto, eis
o que significa a declaração que estamos examinando: estamos nos mais altos
céus, e isso significa que estamos numa esfera em que nos achamos perto
de Deus. Antes, estávamos mortos em ofensas e pecados, no túmulo
deste mundo, longe de Deus, estranhos a Ele, alienados e inimigos em
nossas mentes, não O conhecendo; agora, nos mais altos céus, estamos perto
de Deus. Daí o apóstolo Tiago pode escrever: “Chegai-vos a Deus, e ele se
chegará a vós” (4:8). Ah, dirá alguém, ser-me-á possível chegar-me a Deus?
Poderei chegar perto de Deus? Naturalmente! E, por esta razão, diz o autor da
Epístola aos Hebreus: “Visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho
de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a nossa confissão”. Mas
não somente isso, “Cheguemos pois com confiança ao trono da graça, para que
possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em
tempo oportuno” (4:14-16). Sim, é possível.
Permitam-me expressá-lo com mais clareza, como com mais clareza essa mesma
Epístola aos Hebreus o expressa no capítulo 10, versículos dezenove e vinte. Aí
está uma prova de que estamos nos mais altos céus e perto de Deus: “Tendo pois,
irmãos”, diz o texto, “ousadia para entrar no santuário” - no lugar santíssimo, no
“santo dos santos”, podemos entrar ali - “pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo
caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo um
grande sumo sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com
verdadeiro coração, com inteira certeza de fé...”. Poderão vocês encontrar
uma declaração mais explícita que essa? O cristão está habilitado a entrar
no lugar santíssimo, ou seja, a chegar à propria presença de Deus, onde se vê a
glória da Shekinah - a glória da presença de Deus. Ou escutem esta outra
majestosa declaração a seu respeito, no capítulo doze da Epístola aos Hebreus.
Onde estamos, quando nos reunimos como cristãos na igreja? Onde estamos? Ao
pé do Monte Sinai? Chegamos a um lugar de exigências morais, leis e
condenação? Chegamos a um lugar onde apenas expressamos comiseração uns
aos outros, lamentamos pelos nossos pecados e falhas, baixamos a cabeça e
achamos que não há esperança para nós? Se você vem com essa disposição, você
não é
cristão. Não! Nós chegamos “ao monte de Sião, e àcidade do Deus vivo, à
Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos; à universal assembléia e
igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o juiz de todos, e
aos espíritos dos justos aperfeiçoados; e a Jesus, o Mediador de uma Nova
Aliança, e ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Abel”. É aonde
viemos; não estamos indo para lá, estamos lá agora. Como cristão, você já
chegou lá. Aí é onde estamos -na Jerusalém celestial. Estamos nos mais altos
céus, com inumeráveis anjos; não os vemos, mas eles estão aí, nós estamos
naquela esfera, estamos sentados lá com Cristo. E aonde você chegou; aperceba-
se disso, e viva de acordo. Chegando-nos a Deus, entramos no
“lugar santíssimo”, e temos comunhão com Deus. E você? Você conhece
a Deus? Torno a perguntar: você está gozando comunhão com Ele? Você é capaz
de achá-10? Pode aproximar-se dEle e saber que Ele está ali? Deveria, se é que
você está nos mais altos céus. Aperceba-se da sua posição, e viva de acordo.
No entanto, há mais uma coisa. Desde de que estamos nos mais altos céus, já
conhecemos algo da vida do céu mesmo neste mundo. E isso também é algo
essencial e vital. Uma vez que somos cristãos, uma vez que estamos com Cristo
nos mais altos céus, já gozamos algo da vida do céu, agora mesmo. O apóstolo
fala noutro lugar sobre participar das primícias; fala sobre um antegozo; a grande
colheita ainda não chegou, porém os primeiros frutos estão disponíveis, podemos
tê-los em nossas mãos, podemos partilhar deles. Em Israel havia uma festa das
primícias, vocês recordam, justamente para lembrar aquele povo isto, e a
nós também. O antegozo! E vislumbres da glória! Não é dado a muitos de nós
sermos elevados ao terceiro céu, como aconteceu com o apóstolo Paulo. Eu não
tive essa experiência; mas, mesmo assim, deveríamos saber algo da glória,
deveríamos ter tido um ocasional vislumbre. Deveríamos ter ouvido
ocasionalmente algo da música; deveríamos ter uma sensação da vida que se
vive lá. Isaac Watts estava certo disto; eis como o expressa em seus versos:
Se você está em Cristo, está eternamente salvo, completo. Mas você goza o
descanso? Você compreende que estas coisas são verdadeiras? Regozija-se
nestas coisas? Você ainda está tentando fazer-se cristão? Se está, está entendendo
mal toda a sua situação, está negando o que aconteceu com você. Descanse na
obra de Cristo e por Ele concluída - goze o descanso da fé! “Portanto resta ainda
um repouso para o povo de Deus” (Hebreus 4:9). Seja o nosso objetivo entrar
nesse repouso, diz a Palavra, simplesmente nos dando conta de que Ele já
fez tudo. Tomara, irmãos, que especialmente nos demos conta da vitória! -pois
ainda estamos na carne, e ainda há o mundo, a carne e o diabo
para combatermos. Somos mortais medrosos, esmorecemos e trememos, e
Você sabe que está nos mais altos céus? Tem ciência da separação? Tem ciência
da Presença? Você pode chegar perto de Deus e saber que Ele está com você e
você com Ele, e que todos os seus temores são levados embora? Você vê e ouve,
às vezes, algo da glória celestial e sua música e sua alegria? Você alguma vez vê
“as glórias eternais refulgindo ao longe para revigorar seu débil esforço? Tendo
em vista a vida em sua pior expressão, você pode dizer: “A nossa leve e
momentânea tribula-ção produz para nós um peso eterno de glória mui
excelente; não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que não se vêem;
porque as que se vêem são temporais, e as que não se vêem são
eternas”? “Pensai nas coisas que são de cima, e não nas coisas que são da
terra” (2 Coríntios 4:17-18; Colossenses 3:2).
AS SUBLIMES RIQUEZAS DA SUA GRAÇA
“Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela
sua benignidade para conosco em Cristo Jesus.” - Efésios 2:7
O apóstolo, vocês recordam, nos esti vera lembrando o que Deus fez por nós em
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por meio dEle. Quando estávamos
naquele desesperador estado de pecado, Deus interveio, Deus agiu, e nos
vivificou juntamente com Cristo. Ressuscitou-nos juntamente com Ele em
novidade de vida e nos fez assentar juntamente com Ele nos lugares celestiais.
Mas agora surge a questão, por que Deus fez tudo isso? Qual foi o Seu motivo?
Que levou Deus a fazer tudo isso por criaturas como nós? A resposta é dada no
versículo sete, e é introduzida pela palavra para, logo no início: para mostrar
(ou para que mostrasse). Ele fez tudo isso “para”, “a fim de”, “com a intenção
de”, “com o objeto, ou com o objetivo de”... Esta palavra para (ou para que) é,
pois, tremendamente importante, e é vital considerarmos juntos o que o apóstolo
nos fala aqui concernente a este grande propósito.
Falemos com clareza. Argumentei sobre esse ponto desde o começo do capítulo,
e isso ainda faz parte da essência do que terei de dizer ao expor o versículo sete.
Graças a Deus, há um elemento subjetivo na salvação; graças a Deus por todo
sentimento, por toda experiência, por tudo o de que temos consciência de nós
mesmos. Se não temos consciência deste elemento subjetivo, a nossa situação,
ao que me parece, é muito incerta. Por outro lado, não há nada que seja tão
fatal para o nosso bem estar como pensar unicamente dessa maneira subjetiva e
deixar de captar com as nossas mentes e com nosso entendimento esta
apresentação objetiva da verdade que temos nesta parte de Efésios e na maioria
das Epístolas do Novo Testamento. O que quero dizer é que, se tão-somente
tivéssemos esta genuína concepção escriturística de nós mesmos como somos
como cristãos e membros do corpo de Cristo neste momento, a maior parte das
coisas que nos entristecem se desprenderia de imediato de nós
completamente. Estas coisas passariam a parecer-nos triviais, pequeninas e
insignificantes.
Isto é uma coisa que se pode ilustrar da seguinte maneira: o melhor modo de
livrar-nos de coisas pequenas é olhar para as grandes. Vejam, por exemplo, as
interessantes estatísticas que foram preparadas, penso, pelas autoridades médicas
de Barcelona, Espanha, durante a Guerra Civil Espanhola, pouco antes da
segunda guerra mundial. São muito interessantes. Um determinado número de
pessoas estiveram recebendo
Pois bem, tudo isso acontece igualmente na vida cristã. Em nossas vidas somos
perturbados por isto e aquilo, e nos inclinamos a resmungar e a queixar-nos;
ficamos a indagar por que Deus nos trata dessa maneira e por que permite que
nos aconteçam certas coisas. O antídoto para isso tudo é ver-nos objetivamente
como realmente somos no propósito de Deus. E se tão-somente fizéssemos isso,
todas as nossas dificuldades desapareceriam. Ou permitam-me expressar-me
deste modo: se tão-somente nós tivéssemos uma pequena concepção da glória
que nos espera e para a qual vamos, essa percepção transformaria a nossa
visão da nossa vida neste mundo e das coisas que nos sucedem neste
mundo. Essa é a espécie de tratamento que o apóstolo nos aplica neste
versículo sete. Esta é a cura do egocentrismo e do interesse próprio que
acabam levando à introspecção, a sentimentos mórbidos e a diversas formas
de dificuldade. O que se tem que fazer- e aí está por que o apóstolo escreve esta
carta e por que todas as cartas do Novo Testamento foram escritas - é conseguir
que tais pessoas levantem a cabeça e se vejam objetivamente no grande
propósito e plano de Deus.
Examinemos, então, este versículo desta maneira: por que Deus fez tudo issol
Por que foi que Ele interferiu? Por que nos vivificou, nos ressuscitou e nos fez
assentar nos lugares celestiais com Cristo? A resposta, diz o apóstolo, é que isto
faz parte do Seu plano grandioso e do Seu grandioso propósito - “para”, “a fim
de...”. Façamos o estudo na forma de uma série de proposições.
graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus”. Deus fez tudo isso,
diz Paulo, para apresentar um grandioso espetáculo a todas as eras vindouras,
não somente neste mundo mas também no mundo por vir. Deus vai fazer uma
grande demonstração, vai manifestar a Sua glória. Vocês podem notar que é isso
que o apóstolo coloca em primeiro lugar. Essa é a principal razão por que Deus
fez tudo isso, diz ele. Agora, surge imediatamente a questão: será que
normalmente pensamos em coisas como essa? Não seria verdade que, quanto à
maioria de nós, fazemos exatamente o oposto? Partimos de nós mesmos;
epensamos na salvação como algo para nós, algo de que necessitamos, algo
que queremos, algo em que nós estamos interessados. Sempre somos subjetivos,
sempre começamos a partir de nós mesmos. Mas o que temos de aprender é que
o primeiro objetivo e intenção da salvação - não me entendam mal - não tem a
ver conosco, porém com a glória de Deus. Esse é o ensino das Escrituras todas,
do começo ao fim. Noutras palavras, não devemos nem começar com os nossos
pecados, e sim com o pecado. Temos que aprender a ver todas as coisas mais
historicamente. É extremamente difícil, não é? É dificílimo para qualquer
geração ter uma visão histórica, porque estamos no mundo num momento
particular e há diversos problemas - ouvimos as notícias pelo rádio, vemos
as manchetes nos jornais - e estamos tão mergulhados neles que nos inclinamos a
não ver nada mais. É extremamente difícil dar-nos conta de que havia seres
humanos neste mundo hácem anos, e que eles tinham problemas e dificuldades,
não é? Mais difícil ainda é compreender que há mil anos havia neste mundo
seres humanos que nunca pensaram em nós. Achamo-nos tão importantes, e
pensamos que o nosso tempo neste mundo, o nosso pequenino setor, constitui a
totalidade da história. Entretanto, os que viveram antes de nós pensavam a
mesma coisa; e podemos estar certos de que daqui a cem anos e, se o nosso
Senhor não voltar antes, daqui a mil anos, as gerações então existentes na terra
nunca dedicarão sequer um pensamento a nós. Mas como nos é difícil aperceber-
nos disso! E, contudo, é justamente isso que temos de fazer. Temos que aprender
a ver a nós mesmos e a ver todo o problema do homem, toda acrise da história e
especialmente todo o tema da salvação, desta maneira objetiva, desta maneira
histórica.
Eis o que estou querendo dizer: em vez de começar comigo, com os meus
pecados e com os meus problemas pessoais, tenho que começar a pensar em
termos do pecado, de todo o problema do homem e de todo o problema do mal
neste mundo. Pois somente quando eu fizer isso é que começarei a ver o que o
apóstolo quer dizer quando afirma que o
É assim que se deve ver o problema do pecado. A Queda é uma coisa terrível aos
olhos de Deus. Não é primariamente um problema social.
Vocês pensavam na salvação dessa maneira? Uma pergunta que é bom fazer é:
por que Deus enviou Seu Filho? Não permita Deus que nos limitemos a dar uma
resposta sentimental, subjetiva, deixando de ver queDeus enviou SeuFilho afim
de vindicar-Se. Essa é a maior teodicéia de todos os séculos; Deus está Se
vindicando e está declarando e mostrando a verdade a Seu respeito.
resposta cabal é reconhecer que não sabemos, e não devemos inquirir a respeito
porque isso está além de nós. Mas, de qualquer forma, podemos saber e dizer
isto: se Deus não tivesse permitido a possibilidade do mal e da Queda, o homem
não seria inteiramente livre, e, portanto, não seria inteiramente perfeito. O
homem, como Deus o fez, tinha realmente livre-arbítrio. Ele o perdeu por ter
caído em pecado, todavia originalmente o tinha; e o livre-arbítrio era parte
integrante da perfeição do homem. Contudo, seja qual for a explicação, é
evidente que Deus teve domínio sobre isso de tal modo que, mediante a
redenção, Ele manifestou certos atributos do Seu santo ser, da Sua natureza e do
Seu caráter que doutra maneira nunca poderiam ser conhecidos, mas que
agora certamente são muito conhecidos.
Mas, o que talvez seja muito importante para nós é a terceira proposição: toda
esta manifestação e vindicação do caráter, do ser, da grandeza e da glória de
Deus dá-se mediante a Igreja. Deus realiza este feito tremendo por nosso
intermédio e através de nós, em primeira instância. Examinem de novo o ponto.
Deus fez isso tudo “para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas
da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus”. Este é para
mim o pensamento mais avassalador que podemos captar, que o
poderoso, eterno, sempiterno Deus está Se vindicando, a Si, à Sua santa
natureza e ao Seu santo ser, mediante algo que Ele faz em nós, conosco, e por
meio de nós. Isto é cristianismo, este é o significado da nossa condição
de membros da Igreja, isto é o que significa ser cristão; nada menos que
isto! Aqui somos retirados do nosso estado e dos nossos caprichos subjetivos, e
das nossas condições transitórias, e nos vemos de repente neste grande plano da
eternidade que Deus trouxe à luz e pôs em execução como resultado da queda do
homem em pecado.
- “para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida
dos principados e potestades nos céus”. Essa é a idéia. Deus está usando a Igreja,
e vai usar a Igreja nos séculos futuros, a fim de fazer uma demonstração e uma
exibição da Sua estupenda e eterna sabedoria aos principados e potestades nos
lugares celestiais.
Não somente isso, Ele projetou e planejou um modo de libertar-nos. Ele mesmo
produziu o método de salvação. O homem não o pediu, o homem não o queria, o
homem não sabia do que necessitava, o homem não foi consultado, não deu nem
uma única sugestão. A salvação é inteiramente de Deus, do princípio ao fim.
Essa é toda a tese de Paulo: “Pela graça sois salvos”, “fostes salvos”, e nada
mais ! Que manifestação do ser e do caráter de Deus !
Outra maravilha é Deus ter-nos feito o que fez, ter feito de nós o que fez, anós
que já fomos vivificados, ter Ele colocado em nós um princípio de vida
espiritual, em nós que estávamos completa, absoluta e desespe-radamente
mortos. Ele pôs nova vida em nós, a Sua própria vida em nós; Ele nos
ressuscitou juntamente com Cristo, estamos vivos para Ele, temos os novos
interesses e a nova perspectiva, estamos assentados nos
lugares celestiais. Ele já nos fez isso tudo, porém quando estivermos na glória,
de vestes brancas e com palmas, seremos absolutamente perfeitos, sem mancha,
nem ruga, nem qualquer outra coisa semelhante. Não haverá nem suspeita de
culpa; a mais poderosa lente de aumento não achará nada de errado em nós e
sobre nós; seremos absolutamente íntegros e completos, purificados de todos os
vestígios do pecado. Não é surpreendente a pergunta do ancião, “Quem são
estes?” Como se tornaram assim? O que é esta brancura imaculada, esta glória?
É tão-somente a manifestação do caráter e do ser de Deus. Mediante a Igreja Ele
o faz dessa maneira especial.
Nada vejo de bom em mim; “Em mim, isto é, naminha carne, não habita bem
algum”; não tenho nada que me recomende, não tenho nada do que me gabar. Eu
não sou nada; Ele é tudo, DEUS! A Sua graça em Cristo Jesus! Se você enxergar
esta verdade, então inevitavelmente você pensará dessa forma.
A outra coisa que vejo aqui é a absoluta certeza de todas estas coisas, a
segurança disso tudo. Se a minha confiança na minha salvação cabal e final e na
minha perfeição última se baseasse em mim, na minha energia, no meu zelo e
nos meus propósitos e desejos, sei que nunca chegarialá.
Aminhasegurançasebaseianisto, que Deus, o Deus infinito e eterno, está
vindicando a Sua reputação eterna por meu intermédio. E se Ele tivesse
começado a salvar-me e depois deixasse a obra por fazer ou inacabada, e eu
merecidamente chegasse ao inferno, o diabo teria a maior alegria que lhe fosse
possível. Ele diria: há um ser que Deus começou a salvar, todavia deu em nada.
É impossível, isso não pode acontecer; não existe idéia mais monstruosa do que
a idéia de que você pode cair da graça, que você pode nascer de novo e depois
ser condenado eternamente. O caráter de Deus está envolvido! E impossível.
Seu objetivo não é meramente salvar-me, é vindicar o Seu ser e a Sua natureza,
eeu estou sendo utilizado paraessefim. O fim é absolutamente certo, porque o
caráter de Deus está envolvido nisso. “Aquele que em vós começou a boa obra a
aperfeiçoará até o dia de Jesus Cristo” (Filipenses 1:6).
Quem sou eu, e o que sou eu, para que Deus sequer olhasse para mim e me
escolhesse para fazer parte do Seu plano e do Seu propósito, para vindicar Sua
Pessoa, Sua grandeza, Sua glória, Sua sabedoria, Seu amor, Sua misericórdia,
Suacompaixão perante os principados e as potestades nos lugares celestiais?
“Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela
sua benignidade para conosco em Cristo Jesus. ” - Efésios 2:7
Devemos ver mais uma vez esta magnífica declaração que começa no versículo
quatro. Jamais o faremos demasiadas vezes. “Mas Deus, que é riquíssimo em
misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos
em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com ele e nos fez assentar nos
lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindouros as
abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo
Jesus.”
Quero considerar agora as três últimas palavras em particular: “em Cristo Jesus”
(ou “por intermédio de Cristo Jesus”, VA). Pois aí vocês têm o evangelho todo e,
particularmente, toda a essência da mensagem do Natal.
O apóstolo esti vera explicando que, ao fazer o que fez por nós como cristãos,
Deus estava manifestando a glória do Seu ser e dos Seus procedimentos. Mas no
versículo sete ele vai adiante e nos diz que Deus está manifestando a Sua glória e
as maravilhas da Sua graça, não somente pelo que Ele fez e fará em nós, por
nosso intermédio e sobre nós, porém ainda mais pelo modo como o fez - “em sua
benignidade para conosco por intermédio de Cristo Jesus”
Paulo jamais poderia deixar isso de fora. Receio que muitos de nós poderiam
deixá-lo fora, e o deixem, mas Paulo nunca se esquece dessa verdade. Este
nome! - vocês o vêem em toda parte, em todas as suas Epístolas. Observem-nas,
leiam-nas e vejam como ele o vive repetindo - o nome de Jesus Cristo. Se houve
algum homem que poderia utilizar-se e apropriar-se das palavras do conhecido
hino: “Suave soa o nome de Jesus aos ouvidos do crente verdadeiro”, é o
apóstolo Paulo. Notem como ele o repete nesta passagem o tempo todo: “nele”;
“juntamente
Este sermão foi pregado no domingo anterior ao Natal.
com Cristo”; nos lugares celestiais “em Cristo Jesus”. E, tendo usado o nome
tantas vezes, vocês pensariam que ele poderia terminar dizendo: “para mostarnos
séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça em sua benignidade para
conosco”. Mas ele tem que dizê-lo novamente - “em sua benignidade para
conosco por intermédio de Cristo Jesus”. Aqui chegamos ao ponto no qual, de
todos eles, podemos realmente começar a avaliar as sublimes riquezas da graça
de Deus. Alguns gostariam de traduzir as palavras desta maneira: “... as
incomensuráveis riquezas ou, nas palavras que o apóstolo emprega no
capítulo seguinte, versículo oito: “as insondáveis riquezas” (ARA).
Seria uma tarefa simples provar isto mediante incontáveis citações, mas
tomemos apenas as palavras do nosso Senhor: “Eu sou o caminho, e a verdade e
a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”(João 14:6). Certamente isso
deveria ser suficiente. Não podemos orar sem Ele; oramos em Seu nome, oramos
por amor do Seu nome. Nada podemos alegar em nosso favor senão Cristo.
Como podemos aproximar-nos de Deus sem Ele? Como poderia chegar alguma
coisa a nós sem Ele? João, vocês se lembram, no prólogo do seu Evangelho, faz
exatamente a mesma colocação. Referindo-se ao Senhor Jesus Cristo, ele diz:
“E todos nós recebemos também da sua plenitude, e graça por graça”. É tudo em
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por intermédio dEle. “Deus estava em
Cristo (Deus, por intermédio de Cristo estava) reconciliando consigo o mundo”
(2 Coríntios 5:19). E assim que Ele reconcilia o mundo; e todas as bênçãos de
Deus nos vêm e fluem para
nós por intermédio dEle. Ele é a “cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude
daquele que cumpre tudo em todos” (Efésios 1:22-23). A Igreja é o Seu corpo.
Auferimos toda a nossa vida, toda bênção, todo poder e a nossa própria
preservação do fato de que somos Seus membros. Ele é a Cabeça, e, portanto,
gozamos todas as bênçãos que temos, por intermédio de Cristo Jesus. Poderei
supor, pois, que todos nós temos claro entendimento disto, que (como Paulo o
expressa noutro lugar) estamos inteiramente “encerrados” para Cristo? (Gálatas
3:23). A própria lei foi o preceptor, o pedagogo, para trazer-nos a Cristo,
para encerrar-nos para Cristo, para fazer-nos ver que não podemos conhecer a
Deus nem receber nenhuma bênção de Deus exceto em Cristo Jesus e por meio
dEle. Ele é o único canal, o único e exclusivo Mediador entre Deus e o homem.
Em todo lugar é - “por intermédio de Cristo Jesus”.
O simples fato de que Ele olha para nós já indica insondáveis riquezas da Sua
graça. Mas temos algo aqui que vai além, pois nos é possível, às vezes, fazer
uma amabilidade a outras pessoas sem sacrificar-nos nem um pouco. Um
multimilionário vêumapessoapaupérrima. Não a conhece, não tem nenhum
interesse por ela, e até pode achar que é uma ofensa a si mesmo olhar para tal
pessoa. Seria uma atitude
Pois bem, é algo semelhante a isso que estamos considerando aqui. Falo com
cautela e com reverência, mas me parece que é quando examinamos isto por este
aspecto que realmente começamos a ter uma noção da medida das
incomensuráveis riquezas da graça de Deus. Tal afirmação é paradoxal, e,
todavia, transmite verdadeiro significado. Nunca seremos capazes de fazer uma
avaliação disto; está além desta possibilidade; a realidade é tão maravilhosa que
as medidas do homem são totalmente inadequadas; e, contudo, as Escrituras nos
exortam a fazer um esforço. Prossigamos, vamos tão longe quanto nos
seja possível. Parece-me que, nesta passagem, é o que o apóstolo nos
está exortando a fazer. Ele ora no sentido de que os olhos do nosso entendimento
sejam iluminados para que possamos tentar medir o imensurável e tentemos
escalar estas alturas, cujas culminânciasjamais poderão ser alcançadas. Estamos
tentando medir, computar, avaliar o que Deus realmente fez. É como Ele vai
manifestar as sublimes riquezas da Sua graça em todas aquelas eras futuras “pela
sua benignidade para conosco”. Sim, mas - o modo como Ele o fez - “por
intermédio de Cristo Jesus”!
Que é que isso significa? Falo cautelosamente por esta razão, que obviamente
estamos penetrando o mistério, não somente do amor de Deus, mas também o
mistério do ser de Deus. E aqui que temos que parar de entender e, portanto,
temos que “tiras os sapatos dos pés” (Êxodo 3:5). Entretanto observemos o que
dizem as Escrituras. Se vocês querem medir as insondáveis riquezas, ou as
sublimes riquezas da graça de Deus em Cristo Jesus, poderão começar vendo o
problema do ponto
de vista do Pai. Eis a questão: Deus pode sofrer? Deus sofre? Os teólogos têm
discutido esta grande e importante questão: “A Passibilidade ou a
Impassibilidade de Deus”; Deus é passível ou impassível? Um tema tremendo!
Nunca poderemos resolver isso, nunca poderemos delimitá-lo. Neste ponto as
nossas mentes começam a vacilar, e nos pomos a especular. Não o entendemos, e
obviamente não fomos destinados a entendê-lo, em parte por causa das nossas
condições finitas e, mais ainda, por causa das nossas condições pecaminosas. E,
todavia, por outro lado, parece que temos de ter o cuidado de não
ignorar declarações escriturísticas, ou, ademais, que não as diminuamos.
Há certas coisas expostas nas Escrituras que devemos estudar e considerar, e nas
quais devemos pensar e meditar, com o maior cuidado possível. De qualquer
forma, isto seguramente podemos dizer, que o que Deus fez por nós mediante
Cristo Jesus não foi feito sem nenhum custo para Deus.
Examinemos a matéria do ponto de vista de Deus como Pai. Estes são os termos
empregados: “Vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de
mulher, nascido sob a lei” (Gálatas 4:4). Estou interessado no “envio”. Ah, vocês
poderão dizer, isto é um antropomorfismo, isto é, uma condescendência para
com a nossa incapacidade humana, Deus apresentar-Se dessa maneira. Sim, mas
há uma verdade na apresentação, houve um ato de enviar. O Filho, o
Senhor Jesus Cristo, estava no seio do Pai desde toda a eternidade,
permanecendo etemamente com Deus, co-igual e co-eterno. Deus o Pai O
envia. Não entendo plenamente o que isso significou para Deus, porém sei
que há o propósito de quepensemos nisso nestes termos humanos, que Deus O
enviou. E aí é que fazemos a pergunta: que é que isso significou para Deus o
Pai? E por intermédio de Cristo Jesus que Ele vai mostrar as insondáveis
riquezas da Sua graça, é mediante esta ação que todos os principados e
potestades, nos lugares celestiais, irão admirar a multiforme sabedoria de Deus;
não somente o que eles verão na Igrej a, mas também no modo como Deus
trouxe a Igreja à existência, “por intermédio de Cristo Jesus”.
Vejam alguns outros termos. “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu
Filho unigênito” (João 3:16). Que palavra de peso! -Ele “deu”! Deu Seu Filho
unigênito! Pois bem, nós estamos familiarizados com estes termos. Falamos de
pessoas que dão a vida pelo seu país, falamos de pais que entregam seus filhos
para a obra missionária no exterior; eles os dão, eles os enviam, eles os deixam
partir. Dar - mas quanto custa! Estes são os termos empregados com relação a
Deus. Contudo, vejam outra expressão, mais extraordinária ainda: “Aquele
que nem a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos
não dará também com ele todas as coisas?” (Romanos 8:32). Examinem essa
grande declaração e notem os termos: Ele não O “poupou”. Deus é passível ou
impassível? Que significa a palavra “poupar”? Deus o Pai sabia o que era
necessário antes de se poder elaborar o método da salvação, sabia o que era
necessário antes de Ele poder ser “justo e justificador daquele que crê em Jesus”
(Romanos 3:26). Ele sabia o que isso envolveria para o Filho em sofrimento, e
Ele não O poupou, mas O entregou a tudo quanto aquela morte
significava, aquela morte cruel, angustiosa. Ele sabia disso tudo. Ele não O
poupou, Ele O entregou, por todos nós. Pois bem, estes são os termos com
os quais temos que lutar quando consideramos esta grande questão
da passibilidade de Deus. Mas há outros. “Àquele que não conheceu pecado, o
fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios
5:21). Deus o Pai, de Seu próprio Filho fez pecado
- não pecador, fez com que Ele fosse pecado, com o qual Ele ia tratar
- por nós, para que nEle fôssemos feitos justiça de Deus. E isso naturalmente
indica retrospectivamente algumas das extraordinárias afirmações registradas no
capítulo cinqüenta e três do livro do profeta Isaías: “O Senhor fez cair sobre ele
a iniqüidade de nós todos”. O Senhor fez isso sem nenhum sentimento? Deus o
fez sem nada sofrer? É um grande mistério.
Depois, avancemos mais e vejamos Sua vida. Vocês já pararam para pensar e
meditar nisso? Como deve ter sido para o eterno Filho de Deus, viver num
mundo como este, um mundo de pecado? Vocês têm às vezes um sentimento de
completo desgosto quando andam pelas ruas
*
Essas coisas são fatos, e devemos concentrar-nos nos fatos, devemos ir direto de
volta aos fatos. Não somos salvos por uma filosofia, nem por alguma bela idéia,
nem por alguma fantasia maravilhosa, nem por alguma concepção poética. Não,
estas coisas são fatos literais, duros, sólidos. Ele desceu à terra e passou por tudo
isso por nós e pela nossa salvação. E tudo fato literal! Vej am-nO no Jardim do
Getsêmani suando em agonia “grandes gotas de sangue”. “As insondáveis
riquezas da sua graça, por intermédio de Cristo Jesus.” E depois a cruz - a dor e
o sofrimento! “Não podemos saber, não podemos dizer, que dores Ele teve que
sofrer!” Mas sabemos que Ele esteve lá, outra vez em agonia. Ele bradou:
“Tenho sede”. E depois, acima de todos os outros sofrimentos, o sentimento de
abandono - “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” “As sublimes
riquezas da sua graça em sua benig-nidade para conosco, por intermédio de
Cristo Jesus”. Suportar o esmagador fardo do pecado do mundo; suportar a ira
do Seu santo Pai;
Ah, se fosse só Londres! Nota do tradutor.
ser feito pecado! Essa é a medida. E quando Ele estava sofrendo estas coisas
todas, continuava sendo o eterno Filho de Deus, bem como Filho do homem.
Sofrimento como o dEle não podemos imaginar; porém Ele sofreu o suficiente
para cumprir plenamente a pena imposta ao pecado. É “por intermédio de Cristo
Jesus” que nos vêm as bênçãos.
Ele morre, eles O levam e O sepultam num túmulo. Vocês recordam como Pedro
falou perfeitamente sobre isso em seu discurso a certos judeus incrédulos,
quando disse: “Matastes o Príncipe da vida” - o que significa, o Autor da vida
(cf. ARA). Aí vocês têm de novo a medida absoluta: morte (“matastes”) - vida
(“o Autor da vida”). O Autor da vida foi morto. Aí está a medida das sublimes
riquezas da graça de Deus. Eles O mataram, fizeram baixar o Seu corpo e O
sepultaram num túmulo, e sobre este rolaram uma pedra. Essa é a medida de
todos esses fatos. Então Deus O ressuscitou, como Paulo nos diz aqui, tirou-O
dentre os mortos, levou-0 para o céu, e O glorificou e O exaltou. Aí está o
movimento completo, da glória da eternidade à terra e ao túmulo, e então de
volta à glória. Essa é a medida das “sublimes riquezas da sua graça”.
O ponto visado pelo apóstolo é que Deus fez isso tudo com a finalidade de
mostrar a todas as eras futuras a Sua glória e grandeza, e especialmente as
sublimes riquezas da Sua graça. E permitam que se torne a salientar, para
mostrá-las não somente aos homens. E de fato um tema pertimente aos homens,
mas não somente a eles; é o que deixa os anjos extasiados. Um hino que às vezes
cantamos expressa perfeita mente esta verdade:
1
Expressão presente no Credo Niceno (125 A. D.). Nota do tradutor.
2
Com inicial minúscula, para advertir os que pensam que Cristo é um Ser (homem) diferente em Sua
humanidade do comum dos mortais; que a Sua natureza humana é na verdade super-humana. Nota
do tradutor.
PELA GRAÇA POR MEIO DA FÉ
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de
Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie; porque somos feitura
sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para
que andássemos nelas”.
- Efésios 2:8-10
Nestes três versículos o apóstolo resume a grande argumentação que ele nos
transmite nos sete primeiros versículos deste capítulo. Ele a traz toda a um
centro focal. Imagino que, em certos aspectos, podemos dizer que em parte
alguma desta Epístola se vê declaração mais importante que esta. Naturalmente,
tudo vem prenhe de doutrina, como temos visto; mas, certamente, do nosso
ponto de vista, e para que se tenha verdadeiro e claro entendimento do que é que
nos faz cristãos, não há nada que seja mais importante do que essa declaração
particular. E, portanto, é óbvio que é igualmente importante no sentido prático.
Aqui está, seguramente, uma declaração que precisa ser aceita como
determinante em toda obra de evangelização. De igual modo, ela deve
determinar toda a nossa prática da vida cristã, porque a crença e a prática são
inseparáveis. Não se pode separar terminantemente o conceito que a pessoa tem
destas coisas, do seu relacionamento integral com elas. Por isso digo que nesta
passagem estamos face a face com uma das declarações mais cruciais de todas as
Escrituras, e obviamente é por isso que o apóstolo a expõe desta forma especial.
Por essa mesma razão também, ele já tinha orado, no capítulo primeiro, para que
os olhos do nosso entendimento fossem iluminados. Jamais poderemos repetir
isso em demasia. Esta grande Epístola, talvez a maior de todas em
alguns sentidos, impregnada de profunda teologia e de afirmações
doutrinárias, foi, não obstante, escrita primordialmente com o objetivo de ajudar
as pessoas de maneira prática e pastoral. Noutras palavras, não devemos pensar
que ela é, primeiramente e acima de tudo, uma tentativa da parte do apóstolo, de
escrever um tratado teológico. O apóstolo não era um teólogo profissional -
pergunto se deveria existir tal coisa. O apóstolo era pregador e evangelista. Tal
homem, é evidente, tem que ser teólogo - se não o for, não poderá ser um
verdadeiro evangelista - no entanto não se tratava de uma questão profissional. A
abordagem do apóstolo não
é acadêmica, não é teórica; ele estava interessado em ajudar aqueles crentes a
viverem a vida cristã. Foi por isso que lhes escreveu. Mas ele sabia que ninguém
pode viver esta vida cristã se primeiro não tiver um verdadeiro entendimento do
que é que afinal nos faz cristãos. Portanto, quando Paulo lhes escreve, ele parte
desta grande doutrina, e depois passa à sua aplicação.
É o que ele faz aqui, em sua oração por eles, no sentido de que os olhos do seu
entendimento sejam iluminados, para que eles possam conhecer a esperança da
vocação de Deus, as riquezas da glória da Sua herançanos santos e, talvez mais
importante que tudo mais, aimensurável grandeza do Seu poder para conosco, os
que cremos. Essa era a dificuldade daqueles crentes; não se davam conta desse
poder. E é esta a nossa dificuldade - a nossa incapacidade de perceber a
imensurável grandeza do poder de Deus em nós, os que cremos. Assim ele
procurou revelá-la, expô-la e colocá-la claramente diante deles. Ele a
tinha exposto em detalhe: a descrição negativa nos versículos 1 a 3; a
positiva nos versículos 4 a 7. Feito isso ele diz: agora, então, tudo vem a
dar nisto... Vocês podem notar que ele começa com a palavra “Porque”. “Porque
pela graça sois salvos.” É uma continuação; ele retrocede ao que estivera
dizendo, e depois o coloca mais uma vez de um modo que não nos deixará
esquecê-lo nunca mais.
E uma descrição do que significa realmente ser cristão. Cada vez me convenço
mais de que a maior parte dos nossos problemas na vida cristã surge nesse ponto.
Pois, se não estivermos certos no começo, estaremos errados em toda parte. E,
visto que muitos ainda estão confusos nesse primeiro passo, estão sempre cheios
de problemas, dificuldades e perguntas, e não podem entender isto, e não
conseguem ver aquilo. É porque nunca entenderam bem o alicerce.
Bem, aí está para nós - e, como eu disse, não há declaração mais clara sobre isso
em parte alguma das Escrituras.
Que é que o apóstolo diz? Diz ele que somos cristãos inteiramente como
resultado da graça de Deus. Ora, certamente ninguém pode contestar isso.
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de
Deus.” Notem o método do apóstolo aqui. A declaração toda está em três
versículos e, em certo sentido, podemos tomar os três versículos como nossas
divisões e subtítulos. Primeiro ele faz uma declaração positiva no versículo 8.
Coloca a seguir uma negativa, no versículo 9; e o propósito danegativa é reforçar
a positiva. Está apenas dizendo a mesma coisa negativamente. E depois,
no versículo 10, ele parece combinar as duas, a positiva e a negativa.
Não precisamos demorar-nos aqui, porque já estivemos tratando disso nos sete
versículos anteriores. Qual é o objetivo desses versículos? Não será apenas
mostrar-nos essa mesma verdade negativa e positivamente? Qual é o objetivo
dessa horrível descrição do homem como ele é por natureza em conseqüência do
pecado nos três primeiros versículos, senão justamente mostrar que o homem,
como ele é, não merece nada, exceto a retribuição aos seus pecados? Ele é por
natureza filho da ira, e não somente por natureza, mas também por conduta, por
seu comportamento, por sua atitude em geral para com Deus - vivendo segundo
o curso deste mundo, governado pelo príncipe das potestades do ar. Esse é o tipo
de criatura que ele é; morto em ofensas e pecados, criatura cheia de cobiças,
cobiças da carne, “fazendo a vontade da carne e dos pensamentos”. Não existe
descrição mais horrorosa do que essa. Não se pode imaginar um estado pior do
que esse. Uma criatura como essa merece alguma coisa? Tem algum direito
diante de Deus? Poderá ir à frente com alguma causa ou demanda para defender?
Todo o ponto visado pelo apóstolo é que tal criatura não merece nada das mãos
de Deus, senão a retribuição aos seus pecados. E depois ele desenvolve o seu
argumento com o seu grande contraste - “mas Deus” - que já consideramos em
detalhe. E o propósito disso, seguramente, é exaltar a graça e a misericórdia de
Deus, e mostrar que, onde o homem não merece absolutamente nada, Deus não
somente lhe dá, e lhe dá liberalmente, mas faz chover sobre ele “as imensuráveis
riquezas da sua graça”.
O apóstolo nunca se cansava de dizer isso. Que mais poderia ele dizer? Quando
ele olhava para trás.paraoblásfemoSaulo de Tarso, que odiava a Cristo e a Igreja
Cristã e fazia o máximo que podia para exterminar o cristianismo, respirando
ameaças e morte; quando olhava para trás e via isso, e depois olhava para si
mesmo como ele agora era, que poderia ele dizer, senão isto: “Sou o que sou
pela graça de Deus”? E devo confessar que ultrapassa a minha capacidade de
entender como algum cristão ou alguma cristã, ao olhar para si, possa dizer
coisa diferente. Se quando você dobra os joelhos diante de Deus não se der conta
de que é “devedor à misericórdia, única e exclusivamente”, confesso que não
entendo você. Há alguma coisa tragicamente defeituosa, ou no seu sentimento de
pecado, ou na suacapacidade de percepção da grandeza do amor de Deus. Este é
o tema sempre presente no Novo Testamento, a razão pela qual os santos dos
séculos sempre louvaram o Senhor Jesus Cristo. Eles vêem que quando estavam
em total desesperança, verdadeiramente mortos, e eram vis e
repugnantes, “odiosos, odiando-nos uns aos outros”, como diz Paulo escrevendo
a Tito (3:3). Deus olhou para eles. Foi “quando éramos ainda pecadores”, mais,
foi “quando éramos inimigos” que fomos reconciliados com Deus pela morte do
Seu Filho - inimigos; alienados em nossas mentes, completamente opostos. Não
seria certo que temos que ver que é pela graça, e somente pela graça, que somos
cristãos? E totalmente imerecido, é somente como resultado da bondade de
Deus.
Não admira que o apóstolo Paulo tenha tanto gosto em colocar a questão dessa
maneira em especial, porque, antes da sua conversão, antes de se tornar cristão,
ele bem sabiao que erajactar-se. Nuncahouve uma pessoa tão satisfeita consigo
ou mais segura de si do que Saulo de Tarso. Tinha orgulho próprio em todos os
aspectos - orgulhava-se de sua nacionalidade, da tribo em que nascera em Israel,
de haver sido criado como fariseu e de haver sentado aos pés de Gamaliel,
orgulhava-se de sua religião, da sua moralidade, do seu conhecimento. Ele nos
fala disso tudo no capítulo três da Epístola aos Filipenses. Ele costumava jactar-
se. Levantava-se e dizia coisas semelhantes a estas: quem pode contestar isto?
Aqui estou, um bom homem, de boa moral, religioso. Observem-me nos meus
deveres religiosos, observem o meu viver, observem-me em todos os aspectos;
tenho-me dedicado a esta vida piedosa e santa, e estou satisfazendo a Deus. Essa
era a sua atitude. Gabava-se. Achava que era um homem de tanto valor e que
tinha vivido de tal maneira que podia orgulhar-se disso. Essa era uma das
suas grandes palavras. Mas chegou a ver que uma das maiores
diferenças resultantes do fato de haver-se tornado cristão foi que tudo isso foi
jogado fora e passou a ser irrelevante. Por isso acostumou-se a usar linguagem
forte. Olhando para trás, para tudo aquilo de que tanto se jactara, ele diz: “É
escória e perda!” Não se contenta em dizer que tudo aquilo era mal; é vil, é sujo,
é nojento. Jactância? Foi excluída! Entretanto o apóstolo conhece tão bem o
perigo neste ponto que não se contenta com uma declaração geral; ele indica
particularmente dois aspectos nos quais somos propensos à jactância.
O primeiro é esta questão de obras. “Pela graça sois salvos, e isto não vem de
vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie”. E sempre
com relação às obras que somos mais propensos a jactar-nos. É nesse ponto que
o diabo nos tenta de maneira a mais sutil. Obras! Essa era a razão pela qual os
fariseus eram os maiores inimigos de Jesus Cristo; não porque fossem meros
faladores, mas porque realmente faziam coisas. Quando aquele fariseu disse
(Lucas 18:12) -“Jejuo duas vezes na semana”, estava falando a verdade; quando
ele disse: “ dou os dízimos de tudo quanto possuo”, estava sendo rigorosamente
exato. Os fariseus não falavam apenas, faziam realmente estas coisas. E é por
isso que eles ficaram tão aborrecidos com a pregação do Filho de Deus e foram
grandemente responsáveis pela Sua crucifixão. Seria ir longe demais dizer que é
sempre mais difícil converter uma pessoa boa do que uma pessoa má? Penso que
a história da Igreja prova isso. Os maiores opositores da religião evangélica
sempre têm sido gente boa e religiosa. Alguns dos mais cruéis perseguidores de
que fala a história da Igrej a pertenciam a essa classe. Os santos sempre
sofreram mais profundamente nas mãos de gente boa, de bom nível
moral, religiosa. Por quê? Por causa das boas obras. O evangelho bíblico
sempre denuncia a confiança nas boas obras, o orgulho pelas boas obras e
a jactância acerca das boas obras, e aquelas pessoas não aguentam isso. Toda a
sua posição foi edificada sobre isso - o que elas são, o que elas fizeram e o que
elas estão sempre fazendo. Isso constitui toda a posição delas e, se vocês lhes
tirarem isso, elas ficarão sem nada. Por isso elas odeiam a pregação realmente
bíblica, e a combaterão até não poderem mais. O evangelho faz de nós
mendigos. Ele nos condena, a todos e a cada um de nós. Não há diferença, Paulo
afirma em toda parte, não há diferença entre o gentio, que está fora da
comunidade, e o judeu religioso, aos olhos de Deus - “Não há um justo, nem um
sequer”. Assim, é preciso que as obras desapareçam, que não nos gabemos
delas. Mas nós temos a tendência de gabar-nos delas - o nosso viver virtuoso, as
nossas boas ações, as nossas observâncias religiosas, a nossa freqüência aos
cultos (e particularmente quando vimos de manhã bem cedo),
e assim por diante. São estas coisas, as nossas atividades religiosas, que nos
fazem cristãos. É esse o argumento.
No entanto o apóstolo desmascara e denuncia tudo isso, e o faz com muita
simplicidade, da seguinte maneira: diz ele que falar sobre as obras é voltar ao
jugo da lei. Se você pensa, diz ele, que é a sua vida virtuosa que faz de você um
cristão, está tomando a ficar debaixo da lei. Mas é inútil fazê-lo, diz ele, por esta
razão. Se você tornar a colocar-se debaixo da lei, estará condenando a si próprio,
pois “nenhuma came será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela
lei vem o conhecimento do pecado”, Se você quiser tentar justificar-se por
sua vida e por suas obras, você estará indo direto para a condenação, porque as
melhores obras do homem não são suficientemente boas aos olhos de Deus.
Todos fomos condenados pela lei - “Todos pecaram e destituídos estão da glória
de Deus”. “Não há um justo, nem um sequer”. Portanto, não sejam tolos, diz
Paulo; não se apartem da graça, pois fazê-lo é ir para a condenação. As obras de
homem nenhum serão suficientes para justificá-lo aos olhos de Deus. Que tolice,
então, tornar a ficar debaixo das obras!
Mas não somente isso, no versículo dez ele explica que fazer isso é fazer o
contrário do que se deve. Tais pessoas pensam que pelas suas boas obras elas se
fazem cristãs, ao passo que, diz Paulo, é exatamente o contrário. “Somos feitura
sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que
andássemos nelas.” A tragédia é que as pessoas pensam que, se tão-somente
fizeren certas coisas e evitarem outras, e tiverem uma vida virtuosa, e saírem
para ajudar outras pessoas, dessa maneira se tornarão cristãs. Que cegueira!, diz
Paulo. Esta é a maneira de ver as boas obras: Deus nos faz cristãos para
que pratiquemos boas obras. Não é uma questão de as boas obras levarem ao
cristianismo, e sim de o cristianismo levar às boas obras. É exatamente o oposto
daquilo em que as pessoas tendem a crer. Portanto, não há nada que seja tão
completa contradição da verdadeira posição cristã como essa tendência que
temos de jactar-nos e de pensar que, porque somos o que somos e fazemos o que
fazemos, tornamo-nos cristãos. Não; Deus faz cristãos, e depois eles vão praticar
as suas boas obras. A jactância é excluída. “Onde está logo a jactância? É
excluída. Por qual lei? Das obras? Não; mas pela lei da fé.” Vemos que as obras
são excluídas na questão de alguém se tornar cristão. Não devemos jactarmos
das nossas obras. Se de alguma forma mostrarmos que achamos que temos
bondade, ou se estivermos confiantes em alguma coisa que fizemos, estaremos
negando a graça de Deus. Isto é o oposto do cristianismo.
Contudo, a lástima é que não são somente as obras e as ações que tendem a
insinuar-se. Existe algo mais - a fé! A fé tende a introduzir-se e afazer com que
nos jactemos. Há uma grande controvérsia acerca deste versículo - “Porque pela
graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus”. A
grande questão é, a que se refere a palavra “isto”? E há duas escolas de opinião.
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto (a fé) não vem de vós, é
dom de Deus”, diz uma escola. Mas, de acordo com a outra escola, a palavra
“isto” não se refere à “fé”, e sim à “graça”, mencionada no início da
frase: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto (esta posição
na graça) não vem de vós, é dom de Deus”. Seria possível resolver a disputa?
Não. Não é questão de gramática, não é questão de língua. Vocês verão que,
como usualmente acontece, as grandes autoridades estão divididas entre as duas
escolas, e é muito interessante, quase divertido, notar os lados aos quais elas
pertencem. Por exemplo, se eu perguntasse qual era a opinião de Calvino sobre
isso, estou certo de que vocês logo responderiam que Calvino dizia que “isto” se
refere à fé, e não à graça. Mas a verdade é que Calvino disse exatamente o
oposto, que “isto” se refere à “graça” e não à “fé”. E uma questão que não se
pode resolver. E há um sentido em que realmente isso não tem a
mínima importância, porque no fim dá no mesmo. Noutras palavras, o
importante é não recair nas “obras”.
Mas há muitos que fazem isso. Transformam a sua fé numa espécie de obras. Na
verdade, existe muito ensino evangelístico popular atualmente que afirma que a
diferença que o Novo Testamento faz pode ser expressa desta maneira: no Velho
Testamento Deus olhava para o povo e dizia: aqui está aMinha lei, aqui estão os
DezMandamentos; guardem-nos, e Eu os perdoarei e vocês serão salvos. Mas,
esse ensino continua e diz: não é assim agora. Deus pôs tudo isso de lado, não
existe mais lei, Deus simplesmente nos diz: “Creiam no Senhor Jesus Cristo”, e
vocês serão salvos. Noutras palavras, o que dizem os que tal coisa ensinam
é que, crendo no Senhor Jesus Cristo, a pessoa se salva. Todavia isso
é transformar a fé em obras, porque isso eqüivale a dizer que a nossa ação é que
nos salva. Mas o apóstolo diz: “Não vem de vós”. Se “isto” se refere à fé ou à
graça, não importa; “sois salvos”, diz Paulo, “pela graça, e isto não vem de vós”.
Se é a minha fé que me salva, eu mesmo me salvei; porém Paulo afirma que isso
não vem de você. De modo que jamais devo falar da minha fé de molde a fazê-la
vir “de mim mesmo”. E não é só isso. Se me tornei cristão dessa maneira,
certamente isso também me dá base para jactar-me, para gloriar-me; mas Paulo
diz:
“Não de obras, para que ninguém se glorie”. A minha jactância tem que ser
excluída totalmente.
Portanto, quando pensamos na fé, temos que ter o cuidado de examiná-la à luz
do que foi dito. A fé não é a causa da salvação. Cristo é a causa da salvação. A
graça de Deus no Senhor Jesus Cristo é a causa da salvação, e jamais devo falar
de um modo que apresente a fé como acausa da salvação. Então, o que é a fé? A
fé é apenas o instrumento pelo qual a salvação chega a mim. “Pela graça sois
salvos, por meio da fé.” A fé é o canal, é o instrumento através do qual esta
salvação, que é da graça de Deus, vem a mim. Sou salvo pela graça, “por meio
da fé”. A fé é simplesmente o meio através do qual a graça de Deus, que
traz salvação, entra em minha vida. Portanto, devemos ser sempre extremamente
cautelosos, jamais dizendo que é a nossa fé que nos salva. A fé não salva, crença
não salva, Cristo salva - Cristo e a Sua obra acabada. Não a minha crença, não a
minha fé, não o meu entendimento, nada que eu faça - “não vem de vós”, “a
jactância é excluída”, “pela graça, por meio da fé”.
Isso nos leva ao último princípio, que resumo da seguinte maneira: o fato de
sermos cristãos é totalmente resultante da obra de Deus. O
real problema de muitos de nós é que a nossa concepção do que é que nos faz
cristãos é demasiado fraca, demasiado pobre; é a nossa incapacidade de perceber
a grandeza do que significa ser cristão. Paulo diz: “Somos feitura sua”! É Deus
que fez algo, é Deus que está operando; somos Sua feitura. Não trabalho nosso,
mas Seu trabalho. Portanto, digo de novo, não é a nossa vida virtuosa, não são os
nossos esforços todos e a esperança de por fim sermos cristãos, que nos torna
cristãos. Mas permitam-me ir mais longe. Não é a nossa decisão, o nosso
“decidir-nos por Cristo”, que nos faz cristãos; isso é obra nossa. A decisão entra
nisso, porém não é a nossa decisão que nos faz cristãos. Paulo afirmaque
somos feitura Sua. E assim vocês vêem quão gravemente o nosso
pensamento leviano e nosso falar leviano representam mal o cristianismo!
Lembro-me de um homem muito bom - sim, um bom cristão - cujo modo de dar
testemunho era sempre este: “Eu me decidi por Cristo há trinta anos, e nunca me
arrependi”. Era a sua maneira de expressá-lo. Não é esse o modo como Paulo
descreve o tornar-se cristão. “Somos feitura sua”! Essa é a ênfase. Não algo em
que tomei parte ativa, não algo que decidi, mas algo que Deus fez por mim.
Aquele homem faria melhor se se expressasse assim: há trinta anos eu estava
morto em ofensas e pecados, porém Deus começou a fazer algo em mim; tomei
consciência de que Deus estava lidando comigo; senti que Deus me esmagava;
senti as mãos de Deus me refazendo. E assim que Paulo expressa o fato; não, eu
me decidi, não, eu tive parte ativa na entrada no cristianismo, não, eu
decidi seguir a Cristo, não, absolutamente. Isto tem seu papel, mas depois.
Somos feitura Sua. O cristão é alguém em quem Deus operou. E vocês podem
observar que tipo de trabalho é, segundo Paulo. Não é nada menos que uma
criação. “Criados em Cristo Jesus para as boas obras.” O apóstolo gostava muito
de dizer isso. Ouçam-no dizê-lo aos filipenses: “Tendo por certo isto mesmo, que
aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até o dia de Jesus Cristo”
(1:6). DEUS! Ele começou uma boa obra em você! E obra de Deus! Ele veio
quando você estava morto e o vivificou, pôs vida em você. É isso que faz de um
homem um cristão. Não as suas boas obras, não a sua decisão, mas a
determinação de Deus concernente a você posta em prática.
É aqui que vemos como as nossas idéias, em relação ao que o cristão é, estão
desesperadamente aquém do ensino bíblico. O cristão é uma nova criação. Não é
apenas um bom homem, ou um homem que melhorou um pouco; é um novo
homem, “criado em Cristo Jesus”. Ele foi introduzido em Cristo, e a vida de
Cristo penetrou nele. Somos
Se você está interessado em obras, diz Paulo, vou dizer-lhe qual é o tipo de obras
nas quais Deus está interessado. Não são aquelas miseráveis obras que você
pode fazer como uma criatura por natureza em pecado. E uma nova classe de
obras - “criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para
que andássemos nelas” - as boas obras de Deus\ Que quer dizer ele? Ele quer
dizer que o nosso problema é não somente que a nossa idéia do cristianismo é
inadequada, a nossa idéia de boas obras é ainda mais inadequada. Ponham no
papel as boas obras que as pessoas pensam que são bastante boas para fazê-
las cristãs. Juntem-nas e ponham no papel todas aquelas coisas em que elas estão
confiando, Ponham-nas no papel, e depois levem-nas a Deus e digam: é isso que
tenho feito. Quecoisaridícula!-émonstruosa. Vejam o que elas estão fazendo.
Essas não são as obras em que Deus está interessado. Em que consistem as boas
obras de Deus? Bem, o Sermão do Monte e a vida de Jesus Cristo dão a resposta.
Não se trata apenas de um pouco de bondade e moralidade negativas, talvez
fazer ocasionalmente alguma benevolência e valorizar muito isso. Não, amor
desinteressado! “De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que
houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve
por usurpação ser igual a Deus, mas se fez sem nenhuma reputação e
tomou sobre si a forma de servo e se fez semelhante aos homens; e, achado
na forma de homem humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte e
morte de cruz” - dando-Se por outros sem pensar no preço. Essas são as boas
obras de Deus. “Amar a Deus de todo coração e alma e mente e forças, e ao
nosso próximo como a nós mesmos”! Não apenas lhe fazendo uma ocasional boa
ação, mas amando-o como a si mesmo! Esquecer-se a si próprio em seu interesse
por ele! S ão essas as boas obras de Deus e foi para essas boas obras que Ele nos
criou.
Segundo esta definição, cristão é aquele que foi feito de novo conforme a
imagem e modelo do Filho de Deus. E o que o apóstolo diz no capítulo quatro
destaEpístola, no versículo 24, nestes termos: “E vos revistais do novo homem
que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade”. Não um pouco de
bondade, mas santidade verdadeira, “a santidade da verdade”, e total e absoluta
justiça! E já no capítulo primeiro Paulo o tinha dito no versículo quatro:
“Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que
fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor”. Escrevendo aos
romanos, ele diz: “Os que dantes conheceu também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho”\ Que é um cristão? Simplesmente um bom
homem? Alguém que é só um pouco melhor do que qualquer outra pessoa?
Absolutamente não! Ele é como Cristo! Conforme à imagem do Filho de Deus!
Como pode um homem que está morto em ofensas e pecados ressurgir e chegar a
isso? É impossível. “Pela graça sois salvos”; “não vem de vós”; “para que
ninguém se glorie”. Ninguém pode alcançar isto, ninguém pode elevar-se a isto.
É obra de Deus, e só de Deus. O cristão é alguém que se espera seja semelhante
a Cristo. Ele tem dentro de si a vida de Cristo. “Vivo, não mais eu, mas Cristo
vive em mim.” Que é cristianismo? É “Cristo em vós, a esperança da glória”;
“Feitos segundo a imagem do Filho de Deus”. Graças a Deus é de graça! Se não
fosse de graça, não teríamos esperança, estaríamos todos arruinados, estaríamos
condenados. Todavia, desde que é de graça, desde que é obra de Deus, desde que
eu sou feitura de Deus, eu sei que, apesar de mim mesmo, apesar do pecado
que ainda resta em mim, serei aperfeiçoado e me tornarei perfeito. Se isso fosse
deixado conosco, não haveria nenhuma esperança para nós. Quem somos nós
para enfrentar o mundo, a carne e o diabo? Mas, graças a Deus é “pela graça”.
Somos feitura Sua. Estamos em Suas mãos - e se Ele começou boa obra em nós,
continuará com essa obra até completá-la. Se você não se render pronta e
voluntariamente, Ele o castigará, tirará as suas arestas, com o cinzel as aparará
para esculpí-lo. Se você está no plano de Deus, Ele o fará segundo a imagem de
Cristo. Ele continuará a Sua boa obra até remover toda “mácula e ruga e coisa
semelhante”, e você estará na presença de Deus, “santo e irrepreensível” e “com
grande alegria”.
Graças a Deus não são as obras; graças a Deus não é a minha fé; graças a Deus
não é nada de que eu possa me gloriar. “Longe esteja de mim gloriar-me, a não
ser na cruz de nosso ienhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para
mim e eu para o mundo” (Gálatas 6:14). “Pela graça, por meio da fé”!
13
FEITURA DE DEUS
“Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as
quais Deus preparou para que andássemos nelas. ”
-Efésios 2:10
Contudo, é uma declaração tão profunda e gloriosa que seria um grande erro
deixá-la aqui. Ela faz parte de um argumento, mas também é uma declaração em
si mesma, uma declaração positiva, e uma das mais importantes e vitais que já
pudemos ver. Aqui nos é dada uma das definições que Paulo faz do que significa
ser cristão. E não existe, suponho, nenhuma declaração mais elevada a respeito
deste assunto do que justamente esta, que somos feitura de Deus. Essa é a
verdade acerca de nós todos como cristãos, e essa é a verdade acerca da Igreja
Cristã.
Cabe a nós aprender a pensar em nós mesmos desse modo; e somente quando o
fizermos é que funcionaremos verdadeiramente como cristãos,
Cada vez mais me parece que todas as nossas dificuldades provêm realmente da
nossa incapacidade de compreender a verdade a nosso respeito e a nossa situação
como cristãos. A nossa dificuldade central -e éumacoisaespantosade se ver-é
anossa incapacidade inicial de obter o conceito verdadeiro destas questões.
Somos em demasia criaturas presas à tradição. Começamos com idéias erradas -
o homem sempre começa com uma concepção errada do cristianismo.
Persistimos em pensar nele em termos de bondade, de prática do bem ou algo
semelhante; é extremamente difícil desfazer-nos dessa idéia. No entanto, isso é
algo que fica desesperadamente aquém do grande conceito neotestamentário.
Estes cristãos do Novo Testamento estão sendo constantemente exortados a
aperceber-se do privilégio da sua posição. Embora não passando de um punhado
de gente numa grande sociedade pagã, sempre lhes é dito que se regozijem, que
considerem o seu destino maravilhoso; sempre se lhes faz lembrar o que eles
são, e lhes é dito que levantem a cabeça e avancem triunfantemente. Tudo isso é
feito, é claro, à luz do que o Novo Testamento expõe como sendo a
verdadeira doutrina concernente ao cristão.
Essa matéria pode ser colocada na forma de perguntas. Somos dominados por
um senso de privilégio e por um sentimento de alegria? Qual é o nosso
entendimento do que seja um cristão? Qual é o nosso conceito da Igreja? Não é
verdade que, geralmente falando, sempre nos inclinamos a pensar nela
meramente em termos humanos? Temos a tendência de pensar na Igreja de Deus
como um instituição e sociedade humana, pensamos nela em termos das
atividades dos homens e do que os homens estão fazendo e não estão fazendo, e
de comissões e reuniões e organizações ecoisas parecidas. Indubitavelmente,
todas estas coisas fazem parte dela, e são essenciais, mas não constituem a
Igreja. Não é isso que faz da Igreja a Igreja. E também é exatamente a mesma
coisa quanto ao cristão individual. Estamos confiantes, temos segurança, quando
pensamos em nós mesmos e consideramos a vida cristã com-pleta e tudo o
quepertence a essa vida? Pensamos nela unicamente em termos de nós mesmos e
do que fazemos e pretendemos fazer, ou nos vemos como parte de um
grande processo? Compreendemos que temos o privilégio de ser introduzidos
num grande projeto, num grande plano? Ora, essa é a idéia e a perspectiva que
o apóstolo está colocando diante de nós nesta passagem, de maneira
positiva. Passemos imediatamente, pois, àconsideração dos termos que ele
emprega.
Deus éo artífice. Deus é que age. E assombroso que alguém possa ter caído no
erro específico que acabei de esboçar, porque a Bíblia não é senão o registro da
atividade de Deus. Como é possível que alguém possa ler a Bíblia, começando
com as palavras, “No princípio... Deus”, possa depois pensar que a coisa toda é
atividade do homem? Em toda parte é Deus quem age. Ele fez o homem, Ele fez
o mundo. O homem pecou - Deus foi em busca dele. Foi Deus quem chamou
Abraão; foi
Deus quem criou os reis; foi Deus quem chamou os profetas; foi Deus quem deu
a lei; foi Deus quem deu as instruções para a construção do tabemáculo e do
templo; e foi Deus quem, na plenitude dos tempos, enviou Seu Filho. É feitura
de Deus, atividade de Deus, do princípio ao fim. E contudo, até nós, que somos
cristãos, somos propensos a esquecer isso, e muitas vezes somos propensos a
pensar em nossa vida cristã, e no fato de sermos cristãos, em termos de algo que
nós fizemos, ou de algo que nós alcançamos. Mesmo tendo começado
damaneiracerta, inclinamo--nos a deixar que, com o tempo, a outra idéia se
insinue. Insistimos em pensar que Deus é mais ou menos passivo e simplesmente
está pronto a reagir favoravelmente ao que fazemos e ao que desejamos. Mas
o próprio termo que o apóstolo utiliza aqui deveria impossibilitar
esses pensamentos. Deus é o artífice. Deus é Quem está modelando a obra. E um
maravilhoso quadro que representa Deus como uma espécie de Artesão, uma
espécie de Artífice. O quadro nos convida a pensar em Deus como numa grande
oficina, e nos impulsiona a observá-lO dando forma, modelando e trazendo à
existência alguma coisa.
Pois bem, este é o ensino bíblico característico com relação aDeus. Vejam a
descrição que as Escrituras nos dão de Deus como Oleiro. Vocês as vêem no
Velho Testamento, vocês as vêem no Novo Testamento. Este mesmo apóstolo,
escrevendo aos romanos, emprega essa metáfora. Aí está um pouco de barro; o
artífice, o oleiro, vem e apanha essa massa de barro informe, e se põe a trabalhar
nele: Ele o faz girar e vai tirando as arestas e as pontas; ele tem certos tomos de
modelagem, e o coloca num deles. Ele vai modelando, vai fazendo algum tipo
de vaso; essa é a descrição que nos é dada - o oleiro e o barro, e essa
é precisamente a idéia do apóstolo aqui, que Deus é o Oleiro, e nós somos o
barro que está sendo formado e modelado. A obra é Sua, não nossa. Ele é o
Oleiro, o Artesão, que está produzindo uma peça de arte.
Na verdade o apóstolo usa outro termo que é ainda mais explícito. “Somos
feitura sua, criados em Cristo Jesus.” Naturalmente isso nos leva direto de volta
à idéia original da criação. “No princípio criou Deus os céus e a terra.” Que é
criação? A idéia mesma, a idéia essencial da criação, é que algo é feito do nada;
não existia, mas foi trazido à existência. E precisamente esse o modo como o
apóstolo pensa no cristão. Portanto, devemos dar adeus para sempre a todas as
idéias de melhoramento, e especialmente de automelhoramento. O fato
mais importante acerca do cristão é que ele é uma nova criação, uma
nova criatura. Deus, o Criador, Deus o Oleiro, Deus o grande Artífice, Deus o
Autor de grandes realizações, Deus o Artesão, trouxe à existência algo
ern rainha vida, algo que não estava lá antes - é isso que faz de mim um cristão.
Eu não seria cristão sem isso. Assim é que, naturalmente, falar em nações cristãs
e dizer que alguém é cristão porque pertence à uma nação cristã é simplesmente
uma gritante negação de todo o ensino bíblico. É ação de Deus, ação específica,
uma nova criação. O Deus que no princípio (como Paulo o expressa em 2
Coríntios 4:6) “disse que das trevas resplandecesse a luz”, esse mesmo Deus, de
igual modo, “resplandeceu em nossos corações, para iluminação do
conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo”. É isso que significa
ser cristão. Nada menos que isso! Como se pode expressar essa verdade mais
claramente? O que me interessa não é simplesmente que tenhamos a idéia certa,
porém que todos nós venhamos a ver que não existe maior falsificação do
cristianismo do que a idéia de que somos cristãos por causa de alguma coisa que
nós somos, ou de alguma coisa que nós fazemos. Temos que dar-nos conta de
que somos feitura do grande Artífice, do grande Artesão. Não existe nada mais
maravilhoso do que isto, que eu, assim como sou, sou algo que foi trazido à
existência, algo que foi modelado por Deus, que sou como barro nas mãos do
oleiro. Quando penso em minha vida cristã neste mundo, devo parar de
pensar nela simplesmente em termos do que faço e do que estou fazendo,
mas, antes, devo pensar nela em termos do que Ele está fazendo comigo,
que estou nas mãos do Autor de grandes realizações, do grande Criador, e
que Ele está trabalhando em mim e sobre mim. Essa é a concepção e esse é o
ensino do apóstolo nesta passagem.
fazendo: Ele está formando Cristo em nós. “Meus filhinhos”, diz Paulo aos
gálatas (4:19), “por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja
formado em vós.” Essa é a idéia neotestamentária do que é ser cristão. Euma
grande concepção mística, umaconcepção vi tal. Neste ponto nós estamos
totalmente fora do domínio das nossas pequenas obras e decências e
moralidades. Cristo está sendo formado em mim!
Como será que Deus faz isso? Vejam por um momento os meios que Deus
emprega para formar Cristo em nós. Tomem a minha ilustração da oficina ou da
fábrica. Vocês podem ir a uma loja e ver ali um artigo já pronto para a venda,
uma bela taça, um belo vaso, ou lá o que seja. Como esse artigo veio a existir?
Talvez vocês tenham tido a feliz ocasião de ser levados a visitar a fábrica. Vocês
já foram a uma fábrica de vidro ou a um lugar semelhante? Lembro-me de haver
visitado uma em Veneza, e lá vimos os homens fazendo realmente as
coisas maravilhosas que tínhamos visto prontas. Ficamos admirados
quando vimos o comecinho. Bem, é algo parecido que temos que pensar
agora. Como Deus produz este artigo concluído, o cristão? Vão à oficina, e
lá vocês verão exatamente como é feito. E isto que esta Epístola nos diz.
atenção aos que os recebem; são dados simplesmente para que Deus faça uso
deles, a fim de levar avante o Seu grande propósito.
Que mais? Vemos outro elemento posto diante de nós no capítulo doze da
Epístola aos Hebreus. Circunstâncias e disciplina. Qual será o ensino do capítulo
doze de Hebreus? Estes cristãos hebreus estavam tendendo a murmurar e
queixar-se porque estavam passando por provações, dificuldades e tribulações; e
o argumento que lhes é apresentado é que tudo isso está acontecendo com eles
porque eles são filhos. “O Senhor corrige a quem ama”! (ARA). O autor faz uso
de uma ilustração. Vej am os nossos pais terrenos, diz ele. Eles nos corrigem;
porém por que nos corrigem? Porque estão preocupados com o nosso bem-estar,
porque estão preocupados com o nosso desenvolvimento. O bom pai castiga
o filho, não simplesmente para aliviar as suas emoções contidas, mas porque isso
é do mais alto interesse do filho, porque ele ama o filho, porque ele está
pensando no futuro do filho. E o argumento do autor é que Deus, como nosso
Pai, faz exatamente a mesma coisa conosco. Não significa que toda vez que algo
vai mal conosco necessariamente estamos sendo castigados por Deus. Estamos
vivendo num mundo de pecado, estamos vivendo num mundo no qual as causas
secundárias operam, e com muita freqüência as nossas doenças, enfermidades
e provações nos acontecem meramente como resultado de causas secundárias;
entretanto há nas Escrituras ensino muito claro e explícito, segundo o qual Deus
castiga os Seus filhos. Ele o faz com a finalidade de aperfeiçoá-los. Noutras
palavras, se não dermos ouvidos ao ensino das Escrituras, se não o aceitarmos
positivamente, se Deus começou a operar em nós e a formar-nos e a modelar-
nos, Ele produzirá o resultado final mediante este outro método. Este pode
incluir correção, castigo -o uso que o oleiro faz do torno sugere isto, certos
ângulos têm que ser removidos, eé preciso eliminar certas arestas. Deus nos
coloca no torno, por assim dizer. Ou, para usar a mesma ilustração deste capítulo
doze de Hebreus, Ele nos coloca num ginásio, Ele faz que passemos por
ditos exercícios para podermos ser perfeitos. Sua intenção é que nos
desenvolvamos. Na verdade, eu gostaria de remetê-los ao capítulo onze
da Primeira Epístola aos Coríntios, com referência à Ceia do Senhor, onde o
apóstolo nos ensina muito explicitamente que alguns membros da igreja de
Corinto estavam doentes e fracos simplesmente por causa do pecado deles e da
sua recusa a julgar-se, examinar-se e corrigir-se a si mesmos. Deus estava
lidando com eles por meio das doenças. E o apóstolo acrescenta: “e (há) muitos
que dormem”. Grande mistério, esse, mas é evidente que o ensino é que alguns
podem até morrer, porque
isso faz parte do método de Deus tratar com eles. Não entendemos isso
plenamente, porém aí está o ensino. E tudo o que me interessa neste momento é
que vejamos que isso faz parte do processo que se segue na grande fábrica. Se
houver resistência desta massa de barro, se houver alguma dureza, se houver
alguma dificuldade, Deus tem o Seu método, Ele tem a Sua maquinaria, Ele tem
a Sua maneira de agir. Ele está produzindo um artigo perfeito e usa todos estes
diversos meios e métodos. Somos feitura Sua!
Se são esses os meios que Deus usa, qual é a obra propriamente ditai O que é
que, concretamente, Ele faz conosco? O que é que Ele faz em nós? De novo
simplesmente destaco certas coisas que são da maior importância. Uma das
primeiras coisas das quais o homem toma consciência quando Deus começa a
agir nele é que ele fica inquieto, torna-se convicto do seu pecado. Olhe para o
passado, para a sua experiência pessoal, e estou certo de que você verá que essa
é a verdade. Você estava levando a sua vida de certa maneira e seguindo certo
rumo. Milhares de outras pessoas estavam fazendo a mesma coisa. Subitamente
(ou gradativamente, não importa), você tomou consciência de certa inquietação.
De um modo ou de outro, deixou de ser feliz como era. Questões começaram a
surgir em sua mente. Note que não digo que você se sentou e disse de si para si:
“Agora estou começando a pensar”. Nada disso - surgiram perguntas em sua
mente. Não foi assim? Donde elas vieram? Vieram de Deus. Isso é obra do
Espírito Santo - a convicção de pecado. O homem é detido. Sente que tem
deparar, fica inquieto; não entende o que se passa, fica aborrecido; de fato
procura safar-se disso. Talvez se entregue à bebida, ou mergulhe no trabalho, em
qualquer coisa, para livrar-se dessa inquietação. Mas aí está, algo está
acontecendo com ele. Deus está em perseguição do homem. Como diz o poeta;
Do Senhor eu fugia
Do Senhor eu fugia
Do Senhor eu fugia
nos secretos labirintos da minha mente.
O passo seguinte é uma iluminação da mente para ver a verdade. Que processo
maravilhoso! Um homem para quem estas expressões não significavam nada,
embora as tenha ouvido a vida toda, de repente começa a ver algo nelas. As
vezes ele lia a Bíblia, e ficava aborrecido com ela; agora ele vê que ela é uma
Palavra viva, e a deseja ler. Isso é Deus; Deus no Espírito agindo no homem e
abrindo cada vez mais a sua mente para a percepção e o entendimento da
verdade. E Ele que está fazendo isso - introduzindo o pensamento; a luz e o
poder do Espírito, Deus abrindo as coisas, a Palavra se abrindo diante de nós; os
nossos olhos, o nosso entendimento, sendo iluminados. E então, por sua vez, isso
leva a um desejo da verdade, e à sede da verdade. “Desejai”, diz Pedro, “como
crianças recém-nascidas, o genuíno leite da palavra...” (VA). Como você pode
desejá-lo, se não nasceu? - se não tem vida espiritual? Mas se você tem vida o
desejará, como a criança deseja leite. E, ainda mais importante, alegrar-se na
verdade, regozijar-se na verdade, ter prazer na verdade. Isto é obra de Deus, é
como Deus faz todas estas coisas.
E, por sua vez, essa verdade leva a isto, que ficamos cientes da nossa nova
natureza, que Deus implantou em nós, o novo princípio de vida. Apesar de nós
mesmos, vemos que temos uma nova perspectiva. Digo de novo que podemos
não gostar disso, porém é um fato. Vejo que
não sou mais o que era. Posso dizer a mim mesmo: quisera Deus eu nunca
tivesse ouvido isso, para que eu pudesse sair com os meus companheiros como
antes! Todavia, não consigo. Eu posso forçar-me a ir, mas não me sinto feliz com
eles, vejo que sou diferente. Tenho nova perspectiva, nova maneira de ver; tenho
novos desejos; e tenho novas capacidades. Somos feitura Sua! Ele é o Oleiro, e
nós somos o barro. E o que o apóstolo nos ensina aqui.
E tudo isso está nesta vida. Vocês gostariam de saber qual é propósito
culminante? Isto é um processo. Vocês não se tomam perfeitos num instante. A
santificação é um processo, e Deus nos leva através desse processo pelos meios
que j á indiquei .Vocês querem saber o resultado disso tudo? Bem, este é o fim
pinacular, que valerá para nós na glória, na eternidade, quando a obra realmente
estará terminada. O Senhor deu os apóstolos e os outros ministérios para “o
aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério...até que todos
cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão
perfeito, à medida da estatura completa de Cristo”. Esse vai ser o fim. Eu e
vocês, tão certo como somos cristãos neste momento, estamos avançando com o
fim de chegar “à medida da estatura da plenitude de Cristo” (VA,
A única outra coisa que eu diria é que, à luz desta doutrina, é absolutamente
certo que chegaremos àperfeição. “Aquele que em vós começou aboa obra a
aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo” (Filipenses 1:6). Nada que seja de fora
de nós poderá impedí-lo j amais; nada que seja de dentro de nós poderá impedi-
lo jamais. Deus nunca inicia uma obra para entregá-la meio-completa. Isso é
totalmente incompatível com a Sua majestade e a Sua glória. Quando Deus
começa, continua. Se Deus pegou você e começou a modelá-lo conforme a
imagem de Cristo, amigo cristão, tão certo como o sol está brilhando nos céus,
Ele dará prosseguimento a essa obra até você atingir “a medida da estatura da
plenitude de Cristo”. Ele dará continuidade a ela até que não haja “mácula, nem
ruga, nem coisa semelhante”, nenhum defeito, e você possa estar diante
dEle perfeito e completo, exultante de alegria. Que doutrina gloriosa! Sim, mas
em certos aspectos, que doutrina terrificante! Se você é cristão e de alguma
forma resiste à vontade de Deus quanto a você, estej a preparado para o que lhe
virá. Esteja preparado para a correção, para o castigo. Estej a preparado, talvez,
paraum tratamento duro e severo - porque Ele vai aperfeiçoar você. Ele firmou o
Seu amor em você, e você está nas mãos dEle. Em Sua fábrica não há refugos. A
obra de Deus é sempre perfeita, e é sempre completa. Que bendita base de
segurança! - a despeito daminha desobediência, da minha pecaminosidade e
daminha imperfeição. A minha única esperança é que estou em Suas mãos,
que Ele é o Oleiro e eu sou o barro, e que eu sei que Ele fará que se cumpra a
Sua perfeita vontade. Se dependesse de mim, ou de qualquer de nós, de há muito
que a coisa toda seria um completo fracasso. Contudo, somos feitura Sua!
Concluo deixando com vocês três ou quatro perguntas como testes. Isso está
acontecendo com vocês? Vocês podem dizer que são feitura de Deus? Vocês têm
aquele sentimento subjetivo de que Deus está tratando com vocês? Vocês têm
consciência da Presença e das mãos?
OS JUDEUS E OS GENTIOS
esse grande poder. Ele ilustra para eles o que está querendo dizer. É admirável, é
espantoso, que estes efésios, estes gentios, sejam membros da Igreja Cristã, lado
a lado com os judeus. E só existe uma coisa que tornou isso possível, esta
sobreexcelente grandeza do poder de Deus. É o mesmo poder que Deus
manifestou ressuscitando o Senhor Jesus Cristo dentre os mortos.
Como isso é demonstrado? Desta maneira: havia dois obstáculos principais entre
estes e sua vinda para Deus, a fim de serem cristãos e membros da Igreja. O
primeiro obstáculo era o seu estado e condição em pecado. O apóstolo trata
disso nos dez primeiros versículos deste capítulo. Já estivemos tratando disso,
não o olvidemos. Ele os faz lembrar-se do que eles eram. Mas agora são cristãos.
Que foi que os mudou, que foi que os trouxe daquilo para isto? Há só uma
resposta: é o poder de Deus - nada menos que isso. Lá estava aquele
terrível obstáculo - e continua sendo o grande obstáculo entre todos os homens e
Deus - a morte do pecado. Nada, senão o poder de Deus, poderia ter lidado com
tal situação.
Significa isto: Paulo começa fazendo-os lembrar-se de que de fato eles eram
“gentios na carne”. Era um simples fato da história, um fato literal, sólido, que
como gentios eles não tinham sido circuncidados. Portanto, eram “gentios na
carne”. “Na carne” aqui não é um contraste com “no espírito”, porque, se fosse,
o apóstolo pareceria estar dizendo: é verdade que vocês eram gentios na carne,
porém, naturalmente, no espírito vocês estavam bem. Não é nada disso que ele
quer dizer. Eis o que ele quer dizer: é um duro fato de que vocês eram gentios na
carne; não tinham a marca, o sinal, o símbolo de serem judeus - vocês
não tinham sido circuncidados. Mas ele não abandona o ponto aí. Poderia fazê-
lo, entretanto sai numa espécie de digressão que termina no fim do versículo, e
depois volta ao ponto de origem, no princípio do versículo 12. Mas a digressão
vem carregada de interesse. “Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo
éreis gentios na carne”, éreis chamados incircuncisão pelos que a si mesmos se
intitulavam ou se chamavam circuncisão, circuncisão na carne, feitapelas mãos.
A dificuldade era que os judeus se haviam agarrado a isso, que era realmente um
fato, e o tinham transformado num problema. Visto que tinham entendido
mal oensino das suas próprias Escrituras, passaram apensarqueaúnicacoisa que
realmente importava era o sinal na carne. Estavam considerando isso de maneira
material, carnal, e para eles nada importava, senão a circuncisão qua *
circuncisão. Para eles isso era tudo, era da máxima importância, e nada mais
importava. Eles tinham entendido errada-mente o propósito todo, até mesmo a
circuncisão propriamente dita; com isso criaram esta grande barreira, este grande
obstáculo no mundo antigo. O apóstolo faz a sua colocação com estas palavras:
vocês eram gentios na carne. Sim, e por aquelas pessoas que se diziam A
Circuncisão vocês eram apelidados e descritos como A Incircuncisão. Os que
falam somente em termos da carne e daquilo que é feito pelas mãos dos homens,
pensando unicamente nesse nível, põem-se à parte e dizem: “Nós somos A
Circuncisão, e aqueles outros são A Incircuncisão".
Este é um ponto muito importante que vocês devem observar quando lêem as
Epístolas do Novo Testamento. Vejam, por exemplo, o que Paulo escreve aos
filipenses (3:3): “A circuncisão somos nós” -nós, os cristãos! - “que servimos a
Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne”. E
exatamente o mesmo ponto. Noutras palavras, para termos um verdadeiro
entendimento
Porque, como. Em latim no original. Nota do tradutor.
destas Epístolas paulinas, temos que entender o ponto que ele está defendendo
neste versículo. Não somente era um fato e uma verdade que os gentios não
tinham sido circuncidados; desafortunadamente, os judeus tinham exagerado
esse fato, e tinham feito daquilo uma parede de separação que parecia
completamente irremovível.
Pois bem, essa pequena exposição é vital para ter-se entendimento de tudo o que
temos para dizer. Havia dois aspectos deste segundo obstáculo que Deus tinha
que vencer antes de os efésios poderem tornar-se cristãos. Primeiramente havia a
atitude dos judeus para com os gentios. E depois, em segundo lugar, havia a
atitude de Deus para com os gentios. A atitude de Deus tinha que manifestar-se
porque, afinal de contas, eles não tinham sido circuncidados, não eram da
semente de Abraão. Mas, antes de passarmos aisso, temos que examinar esta
atitude judaica, esta “circuncisão e incircuncisão”, esta divisão. Há, creio eu, um
elemento próximo do sarcasmo na maneira pela qual o apóstolo se expressa -
“éreis...chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam (ou se intitulam)
circuncisão feita pela mão dos homens". Vocês podem observar a ênfase que ele
dá. O grande ponto que ele defende é que Deus venceu este obstáculo duplo.
Ambas estas dificuldades foram sobrepujadas por Cristo e pelo que Ele fez. A
atitude do judeu para com o gentio foi corrigida, se o judeu se tornou cristão; e
a atitude de Deus para com eles também mudou. Assim, toda a questão da lei foi
solucionada por nosso Senhor e Salvador. Esse é o argumento real e concreto do
apóstolo.
Aqui o apóstolo fala sobre a causa, sobre a moléstia. Vejam este caso dos judeus,
como ele o coloca no versículo onze. Podemos expressá-lo da seguinte forma,
como um postulado: a divisão do mundo antigo era devida a uma só coisa, e essa
era que as diferenças tinham-se tornado barreiras, as diferenças tinham-se
tornado uma “parede de separação que estava no meio”. As diferenças existem, e
menosprezá-las é tolice. As diferenças são fatos. E mesmo quando se tem
verdadeira unidade, permanecem as diferenças. Todavia a tragédia é que os
homens exageram as diferenças e as transformam em barreiras, em
obstáculos, em “cortinas”, em paredes de separação no meio. Era exatamente o
que aqueles judeus estiveram fazendo. A ordenação de Deus era que houvesse
judeus e gentios. Deus é que tinha formado a nação dos judeus. Havia uma real
diferença. Os judeus eram circuncisos, os outros não. Mas isso não era para ser
uma barreira. Deus não criou uma nação para não se importar com as outras; Ele
criou a nação dos judeus para falar por meio deles ao mundo inteiro. Entretanto
o judeu o tinha entendido erroneamente. Ele transformara essa diferença numa
barreira, mantinha-se separado e desprezava os demais. A Circuncisão -
A Incircuncisão!
Como isto se desenvolve e a que leva? Segundo o apóstolo, parece que o faz da
seguinte maneira: primeiramente leva ao orgulho. É certamente um fato que o
problema em foco é causado pelo orgulho, pelo ego. Esta é a causa fundamental
de toda divisão, de toda barreira, de todo obstáculo. Essa é a causa de todas as
barreiras de separação que se interpõem. E acausa basilar de tudo quanto divide
as pessoas. O orgulho e o ego! O orgulho cega, o orgulho é um espírito poderoso
que nos dirige, nos subjuga e nos domina. Sob a influência do orgulho a pessoa
não pensa direito, toma-se preconceituosa. Não é capaz de ver coisa
alguma como verdadeiramente é. O preconceito é uma das maiores maldições da
vida, e geralmente tem a sua base e as suas raízes no orgulho. Tem o poder de
cegar completamente a gente. Como funciona? Primeiramente impede-nos de
ver os dois lados de uma questão. Para quem é governado pelo preconceito, não
existe um segundo lado, há somente um, não há outro. Ele está completamente
cego. Ora, essa era a atitude do judeu: “A Circuncisão”, “A Incircuncisão”! Ele
não admitia os gentios, ele voltava as costaspara eles. Não seria essa a essência
de todas as contendas?
Depois, outro modo de funcionar do preconceito é este: sempre nos leva a ter um
falso conceito de nós mesmos. O preconceito, e o orgulho que leva ao
preconceito, não somente impedem a pessoa de ver que há outro lado; também
produzem nela um conceito próprio inteiramente falso. Dessa maneira, o
preconceito sempre exagera o que há de verdade a seu respeito. Era uma
ordenança de Deus que o judeu fosse circunci-dado, porém o judeu exagerava
isso ao ponto de dizer que só haviauma verdadeiranação na terra, anação judaica.
Os outros povos eram “cães”. Ele exagerava o que era verdade a seu respeito.
Ele pensava que simplesmente porque era judeu, necessariamente estava em
boas relações com Deus, e não precisava de mais nada. Por isso os
judeus crucificaram o Filho de Deus, porque Ele lhes mostrou que isso não
era verdade.
Outra coisa que o preconceito faz é tomar-nos incapazes de ver e perceber que o
que quer que sejamos, e o que quer que tenhamos, não se devem a nós, mas foi
Deus quem nos deu. Os judeus tinham esquecido completamente que a
circuncisão era um dom de Deus. “Somos descendência de Abraão, e nunca
servimos a ninguém” (João 8:33), disseram os judeus a Cristo certa ocasião.
Pobres tolos cegos! Como se pudessem responder por si! Todos nós tendemos a
fazer a mesma coisa. Vejam como os homens se gabam da sua capacidade.
Que direito tem o homem de gabar-se da sua capacidade? Foi ele que
a produziu? Foi ele que a gerou? Não, ele nasceu com ela, foi-lhe dadapor Deus.
Todos estes dons nos são dados por Deus. Um homem se orgulha da sua
aparência. Ele é responsável por tê-la? Ele a produziu? Não obstante, é isso que
o orgulho faz, como vocês vêem. Exagera o que temos, e afirma que nós o
produzimos. E não se apercebe, com humildade, de que é tudo dado por Deus e
vem das Suas generosas mãos. São estas as sementes da desunião, da guerra e do
derramamento de sangue.
Ademais, o preconceito faz que tenhamos um falso conceito dos outros. Visto
que nos faz exagerar o que temos, faz-nos também diminuir o que eles têm.
Vocês o reconhecem atuando em sua própria vida, não reconhecem? Como
sempre aumentamos o que é do nosso lado e tiramos do outro! Relutamos em
reconhecera bondade quando ela está nos outros: não queremos reconhecê-la. E
porque não queremos, não a reconhecemos. De fato, subtraímos, tiramos até não
deixar nada. O judeu estava convencido de que não havia nada de valor nos
gentios; nem lhes pareciam humanos; eram “cães”. Exatamente da mesma
maneira o grego, com a sua cultura, considerava os outros como bárbaros,
Notem as duas coisas que Paulo acentua: “na carne”, e “feita pela mão dos
homens”. “Incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela
mão dos homens.” Com a expressão “a carne” aqui, ele se refere à ênfase dada
às aparências, às exterioridades e àquilo que é puramente físico. Nacionalidade!
E puramente da carne. E um cabal acidente nascer numa nação, e não noutra.
Certamente é um fato a existência de diferentes nações e nacionalidades; mas
nós nos
Povo ou nação superior. Em alemão no original. Nota do tradutor.
Vejam, porém, por um momento a outra frase. Não somente “a carne”, mas
também “feita pela mão dos homens”, diz Paulo, isto é, puramente humana.
Quais são as coisas que estão causando divisão na Igreja hoje? Por que não nos
sentamos todos juntos à mesa da comunhão? Ah, diz um, você não pode vir à
mesa e comer do pão e beber do vinho se não foi confirmado, se certas mãos não
foram impostas sobre a sua cabeça. “Feita pela mão dos homens”, vocês vêem!
Não importa se a pessoa nasceu de novo e tem em si o Espírito de Deus e se
está vivendo como um santo a vida cristã. Não participará porque ela não foi
São estas, pois, as causas. Qual a cura? O apóstolo a expõe claramente aqui.
Unicamente Cristo pode curar, e a razão disso é que
é necessáriaumamudançadocoração. Não basta apenas apelar para aboa vontade,
para a bondade, para o amigável e para a fraternidade. Simplesmente não
funciona, e não funcionará; de fato nunca funcionou. Tampouco é suficiente
apenas apelar em geral para que os homens e as mulheres apliquem o ensino de
Cristo. Esse é o apelo popular hoje. Venham, dizem eles, vamos tomar e aplicar
os ensinamentos de Cristo. Alguns pensam que, se você fizesse isso, se este país
fizesse isso, de algum modo até a guerra seria banida e não haveria mais
problema. A resposta
Certamente isto se aplica à profissão de fé feita por adultos batizados na infância, como também ao
batismo de adultos. Nota do tradutor.
a isso é, de novo, que não é verdade, simplesmente não é fato. Já foi tentado. Foi
tentado nas escolas onde não acreditam mais na disciplina. Foi tentado nas
prisões, onde também ninguém mais crê realmente na disciplina. E vocês vêem
os resultados, vocês vêem o aumento da barbárie e do destemor de Deus. Mais
importante que isso, porém, é algo que vai contra as Escrituras, não é bíblico,
não é ensino de Deus, ensino que mostra que, enquanto o homem não vier estar
“sob a graça”, terá que ser mantido “sob a lei”. A natureza humana é má e
sempre se expressará, pelo que você tem de refreá-la, você tem que dominá-
la. Quando há feras selvagens em volta de você, você tem que estar preparado
para enfrentá-las. A idéia de que, se você for falar suavemente com pessoas que
têm a mentalidade de Hitler elas lhes darão ouvidos e deixarão de ser agressivas,
é quase patética e fátua demais, nem merecendo consideração.
Não, há somente um método, o método de Cristo. Ele nos diz a verdade sobre
nós. Ele faz que nos encaremos a nós mesmos. Face a face com Ele, vejo a
minha total inutilidade, a minha indignidade, a minha miséria. Quando
contemplo a face de Cristo, vejo que não tenho nada do que me gabar. Esqueço
tudo o que tenho exagerado, todas as coisas em que tenho confiado. Aqui não
sou nada, sou um mendigo. Cristo faz--rae ver a verdade sobre mim. Você jamais
conseguirá unidade entre os homens, enquanto eles não virem a verdade acerca
deles próprios. Ele faz-me ver também que a mesma coisa vale realmente para
todos os outros; que vale para aquela outra pessoa de quem não gosto, e vale
para a outra nação; que somos todos iguais, que somos um no pecado, um
no fracasso; que estamos todos debaixo da ira de Deus; que as coisas
cuja importância nós temos exagerado são trivialidades. “Não há um justo, nem
um sequer”; somos todos réus condenados diante de um Deus santo. Ele a todos
nos humilha até ao pó. Ele já demoliu a maior parte das diferenças.
Depois Ele nos mostra que todos nós necessitamos da mesma graça, da mesma
misericórdia, do mesmo amor, E juntos recebemos estas bênçãos e todos juntos
as compartilhamos. Prestamos culto à mesma Pessoa e nos regozijamos na
mesma salvação. Tendo compreendido isso tudo, daí em diante a minha lealdade
não é a mim, e sim a Ele; e a do outro homem não é a si, mas a Ele. Assim nos
esquecemos um do outro e não mais somos desconfiados, invejosos e
contenciosos; vamos juntos a Ele, e juntos entoamos o Seu louvor.
Esta é a única base da unidade. Não a organização, nem nenhuma outra coisa,
mas a humildade do novo homem em Cristo, a vida dominada por Cristo, a vida
centralizada em Cristo. Eis o que derruba todas as paredes interpostas: “de
ambos os povos fez um” em Cristo. Queira Deus abrir os nossos olhos para isto
em todas as nossas relações pessoais. Queira Deus abrir os olhos da Igreja para
isto. Que o mundo veja que só há uma esperança de paz verdadeira, vir reunir-se
aos pés do Príncipe da paz, o Rei da justiça.
Esta obra, no original inglês, foi publicada em 1972 (Ia edição). Nola do tradutor.
15
SEM CRISTO
O apóstolo trata dessa questão em muitas das suas Epístolas. Ele o faz, por
exemplo, de maneira particularmente clara, na Epístola aos Romanos, capítulo
dois, versículos vinte e oito e vinte e nove, onde ele diz: “Porque não é judeu o
que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas
é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não
na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus”. Noutras palavras,
os judeus tinham sido totalmente incapazes de ver que todo o objetivo disso era
algo espiritual na mente de Deus. O apóstolo estava muito preocupado com isso.
Alguns, quando ouvem quenão existe mais circuncisão e incircun-cisão, judeu e
gentio, e assim por diante, mostram-se propensos a dizer: bem, então não
precisamos dar atenção a estas coisas. Alguns cristãos
têm sido bastante tolos para dizer que, uma vez que somos cristãos, não
necessitamos do Velho Testamento. Todavia, isso, diz ainda o apóstolo na
Epístola aos Romanos, está completamente errado. “Qual é logo a vantagem do
judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão?” E ele replica: “Muita, em toda a
maneira, porque, primeiramente, as palavras de Deus lhes foram confiadas”.
Depois, no capítulo nove da Epístola aos Romanos, ele torna a desenvolver o
mesmo argumento. Ele fala da sua grande tristeza e dor no coração - “Porque eu
mesmo poderia desejar ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que
são meus parentes segundo a carne; que são israelitas”. Que é que ele quer dizer?
Ele prossegue para dar aresposta: “dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os
concertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os pais, e dos quais é
Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito etemamente”. Havia
um propósito e objetivo muito real na distinção entre judeu e gentio. Não era
como os judeus o interpretavam, que o faziam erroneamente, mas lá estava o
fato, e era extremamente importante. Aqui, agora, neste versículo doze de
Efésios, capítulo dois, Paulo nos dá o verdadeiro conceito da matéria em foco.
No versículo onze ele nos dá o falso conceito da circuncisão; no versículo doze
ele nos dá o verdadeiro conceito da circuncisão e da falta dela.
Como devemos entender isto? A resposta é que tudo o que Deus fez aos judeus e
por eles sob a antiga dispensação foi feito na expectação de Cristo. Tudo no
Velho Testamento olha para o futuro, para Cristo. Nunca devemos examinar
aquelas coisas em si e de si. Tudo quanto Deus fez àqueles judeus, àqueles
israelitas, Ele o fez como preparação para a vinda do Senhor Jesus Cristo. O
apóstolo o expressa numa frase em Gálatas 3:23 desta maneira: diz ele que o
propósito de Deus foi manter-nos “encerrados para aquela fé que se havia de
manifestar”; “a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo”, nunca foi seu
propósito fazer coisa alguma em si e de si. Foi aí que os judeus erraram.
Eles pensavam que a lei era alguma coisa em si mesma, e que eles foram salvos
porque possuíam alei, ao passo que os outros não. Não, dizPaulo, alei éonosso
preceptor, o nosso aio, para levar-nos aCristo. Opropósito de todas aquelas
coisas era encerrar-nos para aquela fé que se havia de manifestar.
Podemos ver o ponto mais ou menos assim: Deus fez o homem à Sua imagem, e
o homem vivia em harmonia e em comunhão com Deus. Mas, ele pecou e caiu,
apartando-se de Deus. Que lástima! Depois que ele deu nascimento à sua
progênie, a terra encheu-se de gente, e até ao tempo do chamamento de Abraão o
mundo inteiro e todos os seus povos e nações estavam numa mesma relação com
Deus. Não houve nenhuma divisão importante até à vocação de Abraão. Já havia
uma espécie de divisão entre a linhagem de Caim e a de Sete, contudo Deus
tratava igualmente todas as nações e todos os povos, até quando Abraão
foi chamado. Então Deus fez algo novo. Ele disse a Abraão que ia fazer
dele uma nação, que dos seus lombos surgiria uma grande nação, um
povo especial e peculiar pertencente ao própr: o Senhor Deus. Ele ia criar uma
nova nação, uma nação especial. Ia separá-la de todos os outros povos e
manteria uma peculiar relação com essa nação especial. Essa é a formação de
Israel, essa é a gênese da comunidade de Israel, o povo de Deus. Depois Ele fez
certas alianças com esse povo. Fez-lhe certas promessas. Comprometeu-Se com
ele. Ele separou este homem, Abraão, e lhe disse: “Em ti e em tua semente serão
abençoadas todas as famílias da terra”. Deus fez aliança com Abraão,
comprometeu-Se com ele, fez um juramento - esse é o significado das alianças.
Estas promessas foram repetidas muitas vezes - a grande e única aliança repetida
em várias formas - a Isaquee a Jacó, a Moisés no Sinai, e ainda a Davi, e
pregadas pelos profetas. É isso que se quer dizer com estas expressões,
“a comunidade de Israel”, “os concertos da promessa”, e assim por diante. Todas
tinham em vista a futura vinda do Messias, o grande Libertador. Noutras
palavras, o que temos que compreender é que agora Deus via o mundo e o seu
povo de duas maneiras: via o povo da aliança de um modo; via os demais povos
de outro modo. E o povo da aliança era conhecido pelo sinal e pela marca da
circuncisão. Todo menino nascido em Israel tinha que ser circuncidado no oitavo
dia porque pertencia ao povo da aliança, à nação de Israel, ao povo de Deus. De
um lado está o povo de Deus; do outro estão os gentios.
É isso que o apóstolo está lembrando aos efésios, e este é o seu objetivo ao fazê-
lo: ele quer que eles se apercebam da grandeza da sua salvação. Quer que
compreendam que o fato de agora se haverem tornado concidadãos, co-herdeiros
com os santos e da família de Deus, é a coisa mais assombrosa que poderia
acontecer. A única maneira pela qual eles poderão entender isto é
experimentando algo da “sobreexce-lente grandeza do poder de Deus sobre nós,
os que cremos”. Não é somente o poder que nos ressuscita da morte no pecado, é
um poder que sobrepuja esta tremenda questão de como os que estão fora da
relação pactuai, da aliança, poderão ser introduzidos. Assim, ele prossegue,
para explicar-lhes e expor-lhes isso. Ninguémjamais se regozijará em
Cristo como deve, se não compreender qual era a sua situação antes de se
tomar cristão. O problema com todos os cristãos professos que não se regozijam
em Cristo é que eles nunca se deram conta do que eles eram em pecado. Não
ajuda nada dizer-lhe que você deve ser “sempre positivo”; você tem que partir do
que há de negativo em você. Se você não se der conta do que você era antes de
ser tomado por Deus, jamais O louvará como deve. Por isso Paulo desce a
minúcias. Há muitos que nunca viram qualquer necessidade de Cristo. Por quê?
Porque estão satisfeitos consigo e pensam que tudo está bem com eles como eles
são. Esse é o
problema. Paulo está desejoso de que os seus leitores entendam esta questão. Ele
orou no sentido de que Deus abrisse “os olhos de seu entendimento”, para que
pudessem entendê-la. Vocês estavam longe, diz ele, mas agora “pelo sangue de
Cristo chegastes perto” - você seria capaz de ver o que Deus fez? Você não
consegue ver a medida do Seu amor, da Sua graça e misericórdia, e do Seu
ilimitado poder?
São essas as duas únicas posições que importam. Todos estamos, ou “em
Cristo”, ou “fora de Cristo”. Você sabe exatamente onde está? Isto não é teoria, é
fato real, é experiência. E o que vai determinar o nosso destino eterno. É porque
ignoram o que é estar “fora de Cristo” que milhões de pessoas no mundo atual
passam o domingo de manhã lendo os jornais e o lixo dos tribunais, em vez de
investigarem a Palavra de Deus. Não se apercebem de como é terrível a sua
situação por estarem “fora de Cristo”. Por isso Paulo lhes diz em detalhe o que
significa isso com as cinco expressões já mencionadas. Elas podem ser
classificadas em duas divisões.
Primeiro consideremos: o que significa estar sem Cristo quanto à nossa relação
com Deus. Aqui o apóstolo diz duas coisas, as duas primeiras das cinco
expressões. A primeira é que nós estamos num estado e numa condição de
“separados da comunidade de Israel”. A
referência é àuma agremiação de cidadãos ou de pessoas definidamente
constituídas numa comunidade política. No mínimo significa certo número de
pessoas definidamente constituídas numa comunidade. É algo separado e
distinto, algo que pode ser reconhecido. Portanto, o que nos é dito é que Deus,
da maneira que indiquei, formou uma comunidade para Ele. Este é o método de
salvação estabelecido por Deus; Ele forma um povo, uma comunidade. Ele
separa as pessoas e Se mantém numa relação especial com elas. Uma descrição
minuciosa disso tudo é dada no capítulo dezenove do livro de Êxodo. O apóstolo
Pedro o cita em sua Primeira Epístola, capítulo dois, versículos nove e dez. Deus
reuniu aquelas pessoas antes de lhes dar os Dez Mandamentos, e lhes
disse: “Sereis a minha propriedade peculiar”, “Vós sois a geração eleita,
o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido.” Ele separou esse povo para
Si e o apartou de todos os demais. Mas não ficou nisso. Fez isso porque tinha um
interesse especial por ele. E um povo que constitui a Sua “propriedade peculiar”.
Assim, bem mais tarde, por meio do profeta Amós, Deus disse a respeito da
nação de Israel: “De todas as famílias da terra a vós somente conheci” (Amós
3:2). Obviamente, isso não significa que Ele não tomava conhecimento de todas
as outras. Certamente que tomava. “Conhecer” nas Escrituras significa ter
interesse pessoal e especial por, estar preocupado com, importar-se com, ver com
os olhos de um pai e com amorosa contemplação. “De todas as famílias da terra
a vós somente conheci” - a referência é a Israel. Deus via todas as nações, porém
não as conhecia, não tinha esse interesse especial por elas; elas estavam fora da
comunidade de Israel, eram estranhos. De fato, a palavra empregada por Paulo
aqui é muito interessante. Aqui se lê “(estáveis) separados”; a tradução deveria
ser “tendo-se feito separados”, ou “tendo-se tomados separados”. Noutras
palavras, nunca houve o propósito de que alguém estivesse nessa situação; é
tudo conseqüência da Queda, conseqüência do pecado. O homem separou-se,
passou a estar fora do interesse peculiar de Deus.
Então a primeira coisa que significa estar “sem Cristo” é que você está fora
daquele círculo no qual Deus está peculiarmente interessado. Você não pertence
ao povo da aliança. Você é tão-somente um de uma grande multidão nalgum
lugar; não há este interesse especial, este especial objeto de interesse.
“Separados da comunidade de Israel.” Hoje é a Igreja Cristã que corresponde à
comunidade de Israel. A coisa mais terrível acerca do não cristão é que ele está
fora daquele círculo e não pertence ao povo de Deus. Você está separado da
comunidade de Israel? Você se sente estranho num culto cristão? Você se
pergunta: do
que é que esse homem está falando? Que será isso tudo? Não lhe parece muito
prático, não é como uma pregação sobre conferências internacionais, sobre a
fabricação de armas atômicas ou sobre questões políticas correntes. Não é
relevante, é obsoleto. É alheio a você, é-lhe estranho? Ou você sente que lhe diz
respeito? É uma coisa terrível a pessoa sentir-se um forasteiro, um intruso, sentir
que não tem parte nestas coisas, que de algum modo elas nada têm a ver consigo.
Você está dentro? Você ama os irmãos na fé? Você tem parte nestas coisas? É
terrível estar “fora de Cristo”, “separado da comunidade de Israel”.
O que a seguir o apóstolo nos diz é que os gentios eram “estranhos ao concerto
da promessa”, ou “às alianças da promessa” (ARA). Já lhes fiz lembrar as
alianças feitas por Deus. Deus tomou Abraão. Não porque houvesse algo de
peculiarmente bom em Abraão; ele era um pagão entre outros pagãos. Deus o
chamou e lhe disse: Eu pus Meus olhos em você, vou abençoar você, empenho-
Me pessoalmente com você. Como nos lernbra o autor daEpístola aos Hebreus,
Deus o fez com juramento (6:13-18). Empenhou-Se e fez um juramento, para a
segurança de Abraão e sua semente. As promessas de Deus! Leiam o
Velho Testamento e as verão uma após outra. Deus chama homens, separa-
os, dá-lhes uma revelação, uma visão, dirige-Se a eles, envia-lhes uma palavra. E
o que os mantém em marcha. Este foi o segredo do povo descrito no capítulo
onze da Epístola aos Hebreus - as promessas. Deus olhava para os do Seu povo e
lhes dizia: não se preocupem; deixem que as outras nações os invejem e tentem
destruí-los; deixem que os homens se levantem contra vocês; não importa; vocês
são o Meu povo, nunca os deixarei desaparecer, “Não te deixarei, nem te
desampararei” (Hebreus 13:5); apegue-se à palavra da minha aliança e às
Minhas promessas, olhem para o futuro, para o seu cumprimento.
Isto significa, primeiramente, que ele não tem nenhuma esperança nesta vida.
Vocês já tinham percebido que sem Cristo não hánenhuma esperança nesta vida,
neste mundo? - absolutamente nenhuma! Será exagero? Em resposta eu lhes
peço que considerem as declarações dos pensadores mais profundos que o
mundo conheceu, e verão que, invariavelmente, eles são pessimistas. As maiores
obras de Shakespeare são tragédias. Todas as religiões, fora a fé cristã, são
profundamente pessimistas. O único consolo que lhe dão é que chegará o
tempo em que você escapará deste mundo; poderá ter que passar por uma
série de reencarnações - mas aqui não há esperança, você terá que livrar-se dele
e, de um modo ou de outro, perder-se nalgum nirvana. Elas não dão esperança
alguma ao homem neste mundo. É a carne, o corpo, dizem elas, que causa todos
os nossos problemas, e não há esperançapara você enquanto estiver no corpo.
Por isso você tem que sair deste mundo. O hinduísmo, o budismo e todo o resto
são completam ente sem esperança. São produtos de pensamento profundo sem a
revelação; e todas elas são totalmente destituídas de esperança. Isso é algo que
vocês verão em todas as grandes filosofias, em todas as grandes religiões. Vê-lo-
ão em toda grande literatura. Já notaram que os nossos maiores poetas são 1
Tudo isso nos vem habilmente resumido no livro de Eclesiastes, onde o autor
diz: “Vaidade das vaidades! é tudo vaidade”. Isso não é dito de maneira
superficial, num momento de decepção; é a conclusão a que chegou um
profundo pensador que tentara todas as possibilidades, considerara todas as
coisas que se nos oferecem, e viu que todas elas juntas não chegam a nada. “O
que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; de modo
que nada há novo debaixo do sol” (1:9). Não há esperança para o mundo, ele não
vai ficar cada vez melhor. Todo o fútil idealismo dos últimos séculos é
totalmente condenado por todas as grandes expressões do pensamento dos
séculos - e, naturalmente, está totalmente desacreditado hoje pelos fatos e
eventos. Sem Cristo não há esperança nesta vida e neste mundo. “Vaidade
de vaidades! é tudo vaidade!”, pode-se escrever rotulando todas essas coisas.
Não somente não há esperança de que as coisas melhorem, também não há
esperança de que o próprio homem melhore. Ele não é nada melhor do que era
sob a dispensação do Velho Testamento. Continua cometendo os mesmos
pecados, continua culpado das mesmas faltas; não há prova de que houve
progresso espiritual do homem. O homem é tão podre hoje como quando caiu no
jardim do Éden. Além disso, não há o que ver no futuro. Todos estamos
envelhecendo, as nossas energias vão fenecendo, a morte virá, inevitavelmente.
Façam vocês o que fizerem, não se livrarão dela. Essa é a vida sem
Cristo. Deixemos que Shakespeare, com seu jeito inimitável, resuma o
ponto para nós. Já no período final da sua vida, ele o expressou
perfeitamente num dos seus últimos dramas, A Tempestade (“The Tempest”).
Os suntuosos palácios,
E o que somos,
Como feitos de sonhos, e um sono cerca A nossa curta vida,
Assim como não há esperança nesta vida, neste mundo, certamente não há
nenhuma esperança além desta vida para quem está fora de Cristo. Amorte é
apenas o fim da jornada para ele. Como Horácio Bonar diz em seu hino:
“Falecem os homens cercados de trevas, sem uma esperança que alegre
suatumba”. Eles olham parao futuro, mas o que vêem? Nada! Não conseguem
ver através da morte, não têm “a fé que vê através da morte”. Que é que existe
além da morte? Eles não sabem. Ou dizem que não há nada, ou que há um
tormento, ou uma série dereencamações. Não sabem; e quando chegam ao fim,
deixam tudo, caem os palácios e as torres, e o que fica? - Nada! Sem esperança!
Essa é a vida sem Cristo. Esta é a vida que estão tendo milhões neste país hoje,
milhões que nos julgam tolos porque nos assentamos para ouvir o velho
evangelho nas igrejas. Eles pensam que têm vida e liberdade - todavia eis a
sua situação: “não tendo esperança”!
Mas, pior ainda: “sem Deus”! Que é que Paulo quer dizer com isso? Refere-se
obviamente a uma vida sem nenhuma experiência subjetiva de Deus. Deus
continua existindo, porém essas pessoas não o sabem, não têm consciência disso;
e não O fruem! Permitam-me fazer um sumário disso nos seguintes termos: eles
não conhecem a Deus enão estão em comunhão com Deus; portanto, eles estão
sem a ajuda, a paz e a alegria que vêm mediante o conhecimento de Deus e a fé
nEle. O mundo deles estáenterrado em colapso, tudo vai indo mal e eles se
vêem sós. Em seu completo isolamento e desolação, eles não têm nada,
porque não conhecem a Deus. Os cristãos também têm problemas nesta
vida, ocorrem acidentes, as coisas vão mal; quanto às circunstâncias, o
cristão pode ser idêntico a outro homem. Mas há esta grande diferença: o
outro está sem Deus; o cristão tem Deus e conhece a Deus.
Quão diferente do salmista é esse outro homem sem Deus! O salmista, vocês
recordam, disse isto: “Quando meu pai e minha mãe me
Contudo, esse outro homem não sabe disso; ele é deixado entregue a si mesmo
quando o seu mundo cai por terra e tudo vai mal. Ele não somente está “sem
esperança”, mas também está “sem Deus”, e não pode olhar para o futuro, para o
dia em que, segundo o livro de
Apocalipse, “Deus limpará de seus olhos toda a lágrima”, e não mais haverá
tristeza, nem suspiros, nem pranto. O homem sem Cristo não conhece essas
coisas. Quão diferente é o nosso Senhor! Ouçam o Senhor dizer pessoalmente:
“Eis que chega a hora, e já se aproxima, em que vós sereis dispersos cada um
para suaparte, e me deixareis só; mas não estou só, porque o Pai está comigo”
(João 16:32). Ele não estava “sem Deus”. Deus estava com Ele quando todos O
tinham abandonado e fugido. “Mas não estou só, o Pai está comigo.”
Que coisa terrível é estar “sem esperança” e “sem Deus” “no mundo” - pertencer
a este mundo passageiro que está debaixo da ira de Deus, debaixo da
condenação, e que deverá ser destruído. “O mundo passa, e a sua
concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre”
(1 João 2:17).
Essas palavras vêm a alguém que está “sem Cristo”? Se vêm, você se dáconta de
onde está? Você está fora dacomunidade, fora do interesse especial de Deus,
você não conta com promessas que o sustentem, com “nenhuma esperança”,
você está “sem Deus”, “no mundo”! Se você vê isso, e se você compreende o
que significa, há só uma coisa para você fazer - fugir para Cristo. Outrora os
efésios tinham estado naquela situação - “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que
antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto”. Você não precisa
continuar sendo um forasteiro. Não precisa continuar e achar que estas coisas
não lhe dizem respeito. Deus está falando com você. CreianEle, ouça-O,
aja baseado no que Ele diz, vá a Ele, confesse a Ele tudo quanto sej a
verdade quanto a você, e se lance sobre o Seu amor e graça e misericórdia
e compaixão. E Ele o receberá e lhe dirá que enviou Seu Filho para morrer e
derramar Seu sangue por você, para que você se tornasse “concidadão dos santos
e da família de Deus”. Você verá que passou a ter nova vida e nova esperança,
conhecerá a Deus e saberá que Ele nunca o deixa nem o desampara. Fuja para
Ele.
Se você está ali, regozije-se nEIe. Estar “em Cristo”! Não há nada que sobrepuje
isso. É o céu na terra. E o antegozo da bem-aventurança eterna.
16
CHEGASTES PERTO
“Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de
Cristo chegastes perto. ” - Efésios 2:13
Evidentemente, estas palavras dão prosseguimento à declaração que começa no
versículo onze. Ao mesmo tempo são, por assim dizer, o complemento dessa
declaração, que já foi estudada. O apóstolo está expondo aqui a grandeza desta
salvação cristã. Ele quer que compreendamos que ela é tão grandiosa que nada
menos que o poder de Deus a poderia realizar. Esse é o argumento geral. O poder
que nos toma cristãos é precisamente o mesmo poder que tomou Jesus dentre os
mortos, mostrou-0 na ressurreição gloriosa e depois O elevou às alturas,
aos lugares celestiais, onde Ele está assentado à direita do poder de Deus. Esse é
o tema. Não devemos ignorar a floresta por causa das árvores. As árvores são
gloriosas, mas a floresta é mais, e é melhor. A medida que avançarmos,
mantenhamos as duas coisas juntas em nossas mentes.
E sobre “a sobreexcelente grandeza do Seu poder sobre nós, os que cremos” que
o apóstolo está escrevendo, e é o que ele quer que compreendamos.
Necessitaremos do auxílio do Espírito Santo para compreendê-lo, porque as
nossas mentes são por demais pequenas, fracas e inadequadas. Oramos, pois,
como Paulo fez pelos efésios, no sentido de que sejam “iluminados os olhos do
nosso entendimento”, para que realmente possamos conhecer essa verdade. O
apóstolo escreve a sua carta com o fim de ajudar-nos nisso. Duas coisas, diz
ele, são essenciais, se queremos entender a grandeza da salvação cristã: a
primeira é a percepção da nossa condição sem esse entendimento; e a segunda é
a percepção da nossa condição resultante disso. Anteriormente examinamos a
nossa condição sem a salvação, nos termos da descrição feita no versículo doze
deste capítulo. “Naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de
Israel, e estranhos aos concertos (ou alianças) dapromessa, não tendo
esperança, e sem Deus no mundo.” Somente quando compreendermos isto,
em primeiro lugar, é queperceberemos quão maravilhoso é que alguém
seja cristão. Afinal de contas, o admirável é - não que muitos não são cristãos; o
admirável é que alguém seja cristão. Nada explica isso, a não ser o poder de
Deus em Cristo. Somente captamos isso quando nos
damos conta do que o homem é por natureza, quando nos damos conta do que
ele é em conseqüência do pecado. Mas devemos ir muito além. Se nos cabe
medir este grande poder, não devemos limitar-nos a medir a profundidade da
qual fomos levantados e tirados, entretanto também devemos medir a altura à
qual fomos elevados e exaltados.
Aí estão os dois polos que representam os extremos nos quais todos os cristãos
se acharam: primeiramente, fora de Cristo; depois, em Cristo. É o que o apóstolo
está expondo aqui, no versículo treze. Tendo dado o aspecto negativo, passa
agora aexpor o positivo. Vocês recordam que nos dez primeiros versículos ele
estivera fazendo exatamente a mesma coisa, porém de um ângulo diferente. Lá a
sua preocupação era com a condição espiritual real e concreta - mortos em
ofensas e pecados - e em mostrar como fôramos elevados às alturas. Aqui, como
vimos, ele o expõe mormente em função da lei, e em termos do nosso nível
e posição aos olhos de Deus e em Sua presença. Mais uma vez assevero que é
essencial que compreendamos os dois lados.
Para todos os que têm alguma experiência pastoral, nada é mais claro do que o
fato de que, quando os que se sentem infelizes acerca da sua salvação, não têm
segurança e não têm alegria em sua vida cristã, a causa geralmente está numa
destas duas coisas, ou, com muita freqüência, nas duas juntamente. Eles estão
nessas condições, ou porque nunca se tornaram verdadeiramente convictos do
pecado, porque nunca enxergaram realmente a sua situação de desesperança, ou
então porque nunca enxergaram a sua verdadeira posição como cristãos e as
alturas às quais foram elevados. Assim, as duas coisas sempre devem ser
tomadas juntas. E no Novo Testamento sempre estão juntas-e
invariavelmente são tomadas na ordem acima indicada: primeiro o elemento
negativo; depois o positivo. Já vimos isso neste capítulo.
O apóstolo sempre parte do negativo. Vocês recordam como, quando ele estava a
caminho de Jerusalém e estava se despedindo dos presbíteros desta mesma igreja
de Efeso numa grande e lírica ocasião -ele não tivera tempo de ir a Efeso, pelo
que pedira aos presbíteros que viessem encontrar-se com ele. Encontraram-se em
Mileto, e, num dos mais comoventes trechos da literatura que conheço, o
apóstolo fala, dizendo efetivamente; gostaria de lembrar-lhes como, quando
estava com vocês, não cessei, noite e dia, de dar-lhes com lágrimas o
meu testemunho do evangelho e de pregá-lo. E o que ele pregava?
“O arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (Atos
20:21, VA e ARA). Vocês nunca verão o apóstolo dizer que , primeiro as pessoas
vêm a Cristo e depois se arrependem. Impossível
Temos considerado o negativo; vejamos agora o positivo. Aqui está ele numa
frase - também aqui o apóstolo segue o seu método invariável. Primeiro ele
declara o seu tema geral numa só sentença; depois ele o parte e o toma
fragmento por fragmento. É o que ele faz no restante do capítulo. Neste
versículo treze mais uma vez nos vemos face a face com um dos mais gloriosos
sumários que o apóstolo faz, da fé cristã em geral. Está tudo aí nesse único
versículo. As vezes sinto que se eu pudesse dizer isto como deveria e como o
Espírito Santo pode habilitar-nos a dizê-lo, não haveria necessidade de dizer
mais nada. Ei-lo: “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe,
jápelo sangue de Cristo chegastes perto”.
branco, e depois um pouco mais, e um pouco mais, e por fim você diz: ah, isto é
branco! Não é nada disso. Isso é totalmente falso; isso é um completo contraste
com o que o apóstolo está ensinando aqui. É preto ou branco, diz ele, e não há
estágios intermediários quase imperceptíveis. Não é como aquelas sutis
mudanças de cor do espectro, onde não se pode dizer em que dado ponto termina
uma cor e começa outra. Absolutamente não. Este contraste é claro e definido.
Muitos estão em dificuldades quanto à sua posição como cristãos porque nunca
entenderam o ensino das Escrituras sobre este assunto. O contraste entre o não
cristão e o cristão é verdade válida para todos. Digo isso porque posso imaginar
alguém dizendo: ah, espere um minuto, naturalmente posso entender o contraste
em sua forma extrema como ali o apóstolo o coloca, porquanto, afinal de contas,
ele estava escrevendo acerca daqueles efésios que nem sequer criam em Deus,
que eram pagãos, em pleno mundo, vivendo a vida típica de um pagão -
e, naturalmente, quando um pagão desses passa a ser cristão, o
contraste, obviamente, é extremo e espantoso. E os que assim pensam
prosseguem dizendo que ainda é o mesmo nos dias atuais. Alguns que se
tornaram cristãos tinham sido ébrios, maridos espancadores e quase assassinos -
não podiam ter sido mais ímpios. Claro, quando alguém assim se torna cristão,
tem-se este assustador contraste, e você está justificado em ressaltar o seu “mas”,
e em dizer “agora” e “depois”, “tempos passados”, “anteriormente”, e assim por
diante. Todavia, dizem eles, certamente isso não se aplica aos que foram criados
de boa e respeitável maneira, num país cristão, pessoas que eram enviadas à
Escola Dominical quando crianças e eram levadas aos cultos pelos seus pais, e
que nunca praticaram nenhuma dessas coisas violentas, torpes e extremas. Por
certo essas pessoas apenas “cresceram” no cristianismo e nelas a mudança é
quase imperceptível. Certamente, argumentam eles, você não dá ênfase a este
contraste extremo no caso dessas pessoas - pode-se aplicar-se aos pagãos e aos
de fora, não porém, por certo, a alguém que foi belamente criado num país
cristão. A minha réplica é que é tão extremo o contraste no caso daqueles como
no outro; que a diferença entre não cristão e cristão é sempre igualmente grande.
O que decide se somos ou não cristãos não é nem o que fazemos nem o que
somos: é a nossa relação com Deus. “Chegastes perto”, “fostes aproximados”
(VA e ARA), diz Paulo. Ele não diz “progredistes”, ou “melhorastes”, ou “agora
estais vivendo uma vida melhor”. Não, o que faz de você um cristão é que “Vós,
que antes estáveis longe, fostes aproximados”; estais perto de Deus, ao passo que
Ora, é exatamente a mesma coisa em toda esta questão de ser cristão. Não estou
realmente interessado em saber se você vivia nas sarjetas da vida ou nas
vivendas mais respeitáveis. As únicas perguntas que faço são: você está perto de
Deus? Você conhece a Deus? Você entrou nos “santos dos santos”, “no lugar
santíssimo”? Essa é a questão; as outras são irrelevantes. Quanto à
respeitabilidade, à bondade, à moralidade e à ética, você pode ser um exemplo
de todas as virtudes e, todavia, não conhecer a Deus. Fazendo-se o julgamento
por meio desse teste de relações pessoais, segundo as Escrituras não há diferença
entre o mais vil e torpe pecador, de um lado, e o mais respeitável pecador, do
outro. “Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus.” “Não há um justo,
nem um sequer.” Todos eles estão fora da porta, não têm entrada na sala de
audiências, na presença do Monarca, a porta se lhes fecha e ficam fora. Mas
você dirá: ah, eles são diferentes; vejam a roupa que usam, não se vestem igual!
Digo que não me interessa. A única pergunta que faço é: eles estão fora da porta,
ou dentro?
Lembro-me de alguém que me disse uma vez (e uso a ilustração porque penso
que aplica muito bem o ponto): sabe, às vezes quase chego a desejar ter tido uma
vida suja, violenta e extremamente pecaminosa. Por quê?, perguntei. Bem,
respondeu ela, para que eu pudesse experimentar esta grande mudança que tais
pessoas experimentam quando se convertem. Vocês vêem a falácia e o
entendimento errôneo? Essapessoa estava vendo a questão inteiramente em
termos de conduta e comportamento, negativamente. Se ela a tivesse visto
somente em termos de conhecer a Deus e de regozijar-se nEle, teria visto que
não havia diferença entre ela e o mais torpe e vil pecador. O teste é positivo. Este
“mas”, “agora” - “anteriormente”, “tempos passados”, este contraste extremo!
Jamais devemos dar-lhe demasiada ênfase.
este ponto mais minuciosamente. Mas aqui já se vê, nessa forma particular. O
que ele diz é que os que estavam mais longe foram introduzidos, foram
aproximados, de maneira sumamente admirável tiveram entrada, por assim dizer,
no lugar santíssimo. Esta é a verdade referente a todos quantos são cristãos, e é a
esta verdade que devemos dar ênfase. O não cristão está sem Deus, sem Cristo;
não tem acesso, não tem conhecimento, não tem entrada.
Mas agora estou interessado numa visão geral disto. E a coisa mais maravilhosa
da vida. Vejam-na assim: vocês se lembram do que aconteceu quando Adão e
Eva pecaram no jardim do Éden, no Paraíso? Foram expulsos do jardim, e lá no
extremo oriental do jardim, junto à porta, Deus pôs “a espada flamejante, e
querubins”. Para quê? Para proibir a reentrada do homem e da mulher no
Paraíso, no j ardim do Éden. Esse é o efeito da Queda e do pecado. O homem é
mantido fora da presença de Deus. “Sem Cristo”! “Sem Deus no mundo”! E
“sem esperança”! E não pode voltar por causa da espada flamejante e
dos querubins. “Mas agora, em Cristo Jesus”, a porta está aberta, e o homem, a
despeito da Queda e do pecado e da vergonha, e de toda a verdade sobre ele,
pode voltar a entrar, tem acesso à presença de Deus. Foi reconciliado com Deus,
foi restabelecido no favor de Deus, a inimizade foi removida, a ira de Deus
contra ele foi apaziguada e satisfeita. Houve uma substituição - uma expiação;
eles foram postos juntos de novo; o homem foi aproximado, foi introduzido na
sala de audiências, foi apresentado ao Rei da glória. 3
Vejam a verdade também no prólogo do Evangelho Segundo João. Diz ele que
“a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder (a autoridade) de serem feitos
filhos de Deus”. Entendemos bem isso? -que o cristão é alguém que não somente
tem acesso à presença de Deus, mas que O conhece como Seu Pai? Cristo lhe
deu autoridade para ser filho de Deus. Foi adotado. E embora esteja indo à
presença do Deus eterno e santo, vai com a confiança de filho. Tem autoridade,
a autoridade do Senhor Jesus Cristo, para dizer que é filho, e não há porteiro que
possaproibi-lo, não há inimigo quepossa fazê-lo recuar. Ele tem o seu certificado
de nascimento nas mãos e diz: vou ver meu Pai. “Aproximados”! Ele sabe que é
filho de Deus não somente por ter nas mãos o certificado-o certificado é a
Palavra de Deus, as Escrituras; tem outra forma de certeza também. “Porque não
recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas
recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai”, afirma
Paulo em Romanos (8:15). Essa é a posição do cristão. Ele não ora a um
Deus distante, nem está preocupado com formas, aparências e beleza de
linguagem. Ele vai como um filho a seu Pai. “Aba, Pai”! Conhece a Deus como
seu Pai, tem espírito filial, todo o seu coração busca a Deus, e ele sabe que o
coração de Deus está aberto para ele. Isto é cristianismo verdadeiro. Será
surpreendente que o apóstolo dê ênfase ao contraste entre o que estas pessoas
eram e o que são agora?
E, naturalmente, visto que o cristão sabe que Deus é seu Pai e que é filho de
Deus ele sabe que Deus o ama. Ele sabe que “até mesmo os cabelos da sua
cabeça estão todos contados” (Mateus 10:30). Ele sabe que Deus tem interesse
pessoal por ele, que nada lhe pode suceder independentemente de Deus; que,
embora sendo Deus tão grande e eterno em Sua majestade, em Seu poder, em
Sua glória e em Sua energia, Ele é um Pai interessado em cada um dos Seus
filhos, sabe tudo a nosso respeito e se preocupa com o nosso bem-estar. O cristão
sabe que ali, à direita de Deus, está Aquele que veio do céu à terra e se
identificou conosco, tomou o Seu lugar ao nosso lado, tomou sobre Si o
nosso pecado e morreu pelos nossos pecados. Assim, o cristão vai à presença de
Deus sabendo essas coisas. É o que significa “fostes aproximados”.
1
Título de um drama de Shakespeare e nome do seu principal personagem. Nota do tradutor.
2
Hebraico, “aquele que habita”. Implicitamente, “a glória daquele que habita”. Nota do tradutor.
3
É interessante o original inglês, que salienta a formação etimológica da palavra atonement. Houve “an
at-one-ment” - “an atonement”. “At-one-ment” - ato de ficar no lugar de alguém. Expiação
substitutiva. Nota do tradutor.
O SANGUE DE CRISTO
“Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de
Cristo chegastes perto.” - Efésios 2:13
Temos aqui o lado positivo desta grande dimensão do amor e do poder de Deus
para conosco em Cristo. Vimos que há três coisas aqui, e agora passamos à
terceira e última delas.
A terceira é, pois, a seguinte: como é que tudo isso acontece, como ocorre essa
grande mudança, o que é que nos dá o direito de dizer: “antes... longe” e
“agora...aproximados” - o que é que nos traz para “perto de Deus O apóstolo
trata disso na parte final deste versículo: “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que
antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto”. “Pelo sangue de
Cristo.” Aí está a declaração que sempre se vê, em toda parte, no Novo
Testamento, neste contexto. Já a vimos. O apóstolojános tinhafalado no capítulo
primeiro, versículo sete - “em quem (em Cristo) temos a redenção pelo
seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça” - e vai
sempre repetindo isso. E continuará a repeti-lo. O restante deste capítulo é, num
sentido, simplesmente um desenvolvimento e uma exposição deste versículo
treze. Ele o expõe em detalhe e fica repetindo as suas frases. É a história
completa do Novo Testamento, é o coração
da men sagem cristã e da fé cristã. Como é que se faz para que cheguemos perto
de Deus? A única resposta é: “em Cristo Jesus”, e especialmente “em” ou “pelo
seu sangue”.
Eis aí o alicerce da fé cristã. Se isto não estiver claro para nós, não poderemos
estar certos em lugar nenhum. Digam os críticos o que quiserem, esta é
certamente a mensagem do Novo Testamento. Em Cristo Jesus, e pelo Seu
sangue. O nosso evangelho é um evangelho de sangue; o sangue é o alicerce;
sem ele não há nada. Portanto, temos que penetrar isto a fundo e dar ênfase às
coisas que o apóstolo está com tanta preocupação em salientar ao escrever aos
efésios.
Como chegamos perto de Deus? Que direito temos de buscar a face de Deus e de
chegar perto dEle? Bem, começamos com negativas. Primeiramente e acima de
tudo, não é pelo que eu sou por natureza. Não é por causa de alguma bondade
existente em mim. Meu direito de ir a Deus não se baseia no fato de que eu vivo
uma vida virtuosa ou tente viver uma vida virtuosa, ou que tenho boa
moralidade. Não é mediante isso que se chega a Deus; não é isso que me leva
para perto de Deus. Há muita gente de boa moral no mundo que nem sequer está
interessada em Deus; e mesmo que estivesse interessada em Deus, a sua
moralidade, sozinha, nunca seria suficiente. Não precisamos demorar-nos nisto,
o apóstolo já o tinha salientado nos versículos anteriores: “não vem das obras”!
Assim é que, se nalgum sentido estamos pondo a confiança em nós mesmos e
em nossa bondade e em nossa moralidade, estamos negando o evangelho. Não
há maior negação da fé cristã do que pensar que porque você é uma boa pessoa
tem direito de chegar a Deus em oração. Isso é uma completa e absoluta negação
disso tudo. Se fosse verdade, Cristo nunca teria precisado vir ao mundo - menos
ainda teria precisado morrer na cruz do Calvário. E, contudo, penso que
vocês concordarão que é essencial dar ênfase a isto. Muitíssimos são os que vão
à presença de Deus exatamente como o fariseu descrito pelo nosso Senhor na
figura do fariseu e do publicano que foram orar no templo (Lucas 18:9-14). O
fariseu foi direto à frente, ficou de pé e disse: “Ó Deus, graças te dou, porque
não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda
como este publicano. Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo
quanto possuo”. Esse homem, diz o nosso Senhor, não vai para casa justificado;
não foi ouvido por Deus, não está perto de Deus. Há um sentido em que
ninguém está mais longe de Deus do que o homem que pensa que a sua bondade
tem algum valor, por pequeno que seja, na presença daquele fogo ardente,
daquele fogo consumidor, a santidade de Deus.
Em segundo lugar, o nosso direito de chegar a Deus não é pelas boas obras que
fazemos aos outros. Muitos são os que tomam essa posição. Dizem eles: bem, é
claro que admito que não sou perfeito, mas, afinal de contas, estou tentando
chegar a isso, estou tentando compensar isso fazendo o bem; estou envolvido em
atividades filantrópicas, procuro ajudar os outros, saio do meu caminho para
fazê-lo. Vocês concordarão que existe aí um grande grupo de pessoas. Admitem
que não têm nada do que se gabar, são suficientemente sinceros para conhecer
que há dentro delas coisas feias, torpes e vis. Ah, sim, dizem elas, porém,
certamente, se procuramos compensar isso e fazer expiação por isto mediante a
prática de boas obras, isso nos dará admissão à presença de Deus. Aí estão os
idealistas, os benfeitores públicos, os que falam em “reverência pela vida” e em
fazer o bem. As vezes fazem grandes sacrifícios; podem renunciar a uma
importante profissão, podem sacrificar as comodidades do lar e ir a distantes
partes do mundo. Certamente estão fazendo um grande benefício, mas, se
pensam que esse benefício que fazem é o que lhes garante admissão a Deus e os
faz aceitáveis a Deus, estão negando o evangelho, exatamente como o primeiro
grupo.
Todavia vou mais longe ainda. Nem porque somos religiosos e temos interesse
nos cultos e em Deus é que chegamos perto de Deus. Aqui está algo que está
num plano mais elevado que o das pretensões anteriores. As outras duas só vêem
o ego. Mas aqui se trata de alguém que realmente se preocupa com religião e
com a relação com Deus. Ele desej a cultuar a Deus. No entanto, se ele põe a sua
confiança unicamente em suas práticas religiosas, de nada lhe valerão. E
contudo, de novo, vocês concordarão que há muitíssimos que pertencem a esse
grupo. Freqüentam cultos, valorizam a ordem. Podem sacrificar-se para
fazer isso e se levantam muito cedo porque acham que há algum mérito especial
nisso. Fazem isto e aquilo, observam formas e seguem o ritual, e confiam nessas
coisas como sendo elas o meio de aproximação. Mas até isso é uma negação da
mensagem cristã. O apóstolo Paulo era um homem altamente religioso antes da
sua conversão. Martinho Lutero era um homem altamente religi oso antes da su a
conversão. João Wesl ey era um homem altamente religioso antes da sua
conversão. Você pode jejuar, suar e orar, porém isso pode ser o maior obstáculo
para chegar “perto de Deus”. Não é esse o caminho.
Como posso entrar à presença de Deus? Uma coisa é clara: não posso fazê-lo por
mim mesmo, por nenhum dos meios que indiquei. Sej a eu ativo ou passivo, seja
eu altamente religioso ou não, seja o que for que eu faça, nunca conseguirei
chegar por mim mesmo à presença de Deus. Totalmente correto, diz o apóstolo;
a verdade a seu respeito é que, em Cristo Jesus, os que antes estavam longe,
agora foram aproximados. E uma coisa que lhe foi feita] você foi aproximado,
trazido para perto. Não é atividade sua, é de Outro, é algo que foi feito para
você, que aconteceu a você. Porque isso é verdade, naturalmente isso é
evangelho. Ouçam o apóstolo Paulo dizê-lo quando escreve aos coríntios:
“Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo” (2 Coríntios 5:19). Não
é o mundo que se reconcilia com Deus. Não é essa a mensagem. A nova
mensagem é que, ao passo que os homens tinham falhado completamente, Deus
estava em Cristo reconciliando conSigo o mundo. Ou vejam as palavras do
Senhor Jesus Cristo. Não é assustador que nós, tendo nossas Bíblias abertas
diante de nós, podemos continuar tentando encontrar Deus e chegar perto dEIe
pelos meios que estive indicando, quando o próprio Filho de Deus disse: “Eu sou
o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”? Dava para
pensar que isso seria suficiente, uma vez por todas. É a afirmação mais
categórica que se poderia imaginar. “Ninguém vem ao Pai, senão por mim.”
E, todavia, aí estão os que dizem: vou na força da minha bondade, vou sentar-
me, vou relaxar, e verei Deus falar comigo. E Cristo nem é mencionado, nem
parece necessário!
sinta quão pobre é a minha vida. Quando leio as vidas dos santos, vejo como são
pobres e imperfeitos os meus esforços. Mas quando olho para o Filho de Deus!
Há os que falam sobre a “imitação de Cristo”, e sobre como vão seguir a Cristo;
porém nunca sabem o que estão dizendo. Cristo nos condena completamente.
Quem pode segui-10? Não há quem possa segui-10; é impossível; Ele é por
demais exaltado. Não é o Seu exemplo que me aproxima de Deus.
Há somente um meio pelo qual mesmo Cristo pode me levar para perto de Deus,
e esse ê - pelo Seu sangue, por Sua morte; pelo Seu corpo partido, pelo Seu
sangue derramado, pela Sua vida vertida. Por isso Ele instituiu a Ceia do Senhor
com o pão partido e o vinho derramado, como uma perpétua rememoração do
fato de que a Sua morte é o único caminho para Deus. Vemos aí o prodigioso
pré-conhe-cimento (apresciência) de Deus em Cristo. Sabendo quão prontos
estão os homens a cair no erro e na heresia, Ele estabeleceu, impôs e ordenou a
Ceia do Senhor - pão, vinho; pão partido, vinho derramado - para ser uma
perpétua pregação do fato de que esse é o único caminho para a presença de
Deus. O véu é o Seu corpo - tinha que ser rasgado. A morte de Cristo! É somente
pela morte de Cristo, pelo sangue de Cristo, que o ser humano pode ser levado
para perto de Deus.
Como pode a morte de Cristo realizar essa obra? Há duas principai s idéias aqui.
Vou expô-las resumidamente a vocês. A primeira é a que comumente é chamada
“expiação”. O sangue de Cristo faz expiação por nossos pecados. Vocês se
lembram da momentosa declaração feita por João Batista no início do ministério
do nosso Senhor? “Eis”, disse João, vejam, “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o
pecado do mundo” (João 1:29). Aí está, numa única frase. O Senhor Jesus
Cristo, que é Ele? E o Cordeiro, o Cordeiro pascal, o Cordeiro do sacrifício. Ele
é Aquele em quem se resumem todo o cerimonial e todo o ritual do
Velho Testamento. O Cordeiro de Deus, o Cordeiro providenciado por Deus -
não os cordeiros providenciados pelos homens. Por que era necessário um
cordeiro? Por que devia haver um sacrifício? A resposta é que “o salário do
pecado é a morte” (Romanos 6:23). Deus decretou e declarou que o homem,
pecando, morreria. E, portanto, o salário do pecado é a morte. E Deus
igualmente estabeleceu e decretou que isso só poderia ser coberto com uma
morte sacrificial e expiatória. Assim é que lemos: “Sem derramamento de
sangue não há remissão” de pecados (Hebreus 9:22). A punição dada por Deus
pelo pecado é a morte espiritual, a separação de Deus por toda a eternidade.
Gostemos ou não, é um fato. A lei não desculpa a ignorância da lei. Você não
concordar com a lei não faz nenhuma diferença quando enfrenta acusação no
tribunal. E assim é a lei de Deus. “O salário do pecado é a morte.” E todos nós
somos pecadores. E a pena tem que ser cumprida - de outra forma Deus deixa de
ser justo, deixa de ser reto e santo. Então, por que Cristo veio ao mundo? Veio,
diz o autor da Epístola aos Hebreus, para que “provasse a morte por todos”
(Hebreus 2:9). Veio, diz Pedro, por esta razão: levar “ele mesmo em seu corpo os
nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos
viver para a justiça” (1 Pedro 2:24). Foi por isso que Ele veio. Que aconteceu na
cruz? “Aquele que não conheceu pecado, (Deus) o fez pecado por nós”, declara
Paulo; “para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). “Deus
estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus
pecados.” Deus toma os meus pecados - Ele tomou os meus pecados, eu diria, e
os imputou a Jesus Cristo; Deus os colocou sobre Ele; tomou a minha dívida e a
colocou sobre Ele; exigiu dEle a penalidade; e esta foi cumprida. Esse é o
método de salvação determinado por Deus - em Cristo e pela morte de Cristo.
Por que Cristo morreu? A resposta é que “Deus fez cair sobre ele a iniqüidade de
nós todos”; é que “pelas suas pisaduras fomos sarados”. Deus O feriu para que
nós não fôssemos feridos. Por isso Ele morreu, por isso o Seu sangue
Como isto acontece? Eis a explicação: toda aliança era ratificada e selada com
sangue. Ao lerem o Velho Testamento vocês verão isso em toda parte. Quando
Deus fazia uma aliança com o homem, ela era sempre ratificada e selada com
sangue. Um animal era morto e o seu sangue era esparzido sobre o documento.
De fato verão que o templo foi santificado e consagrado da mesma maneira - os
vasos do templo, os livros e o livro da lei. Verão que os sacerdotes eram
separados pelo sangue esparzido sobre eles. Verão que quando um leproso era
purificado, colocavam
sangue sobre ele. Esse é o método de Deus, o método para firmar e selar esses
atos. Toda aliança de Deus é ratificada e selada por meio da aspersão de sangue.
E a Nova Aliança foi ratificada da mesma maneira, desta vez pelo sangue de
Jesus Cristo. Não mais “o sangue de touros e bodes, e a cinza de uma novilha
esparzida sobre os imundos” (Hebreus 9:13). É o sangue de Cristo. Ele ratificou
a Nova Aliança. Ouçam as expressões utilizadas, especialmente naEpístola aos
Hebreus. Lemos que Jesus é “o Mediador da Nova Aliança” (VA). Verão
isso claramente no capítulo doze. Igualmente no capítulo treze lemos acerca do
“Deus de paz, que pelo sangue do concerto (aliança) eterno tornou a trazer dos
mortos a nosso Senhor Jesus Cristo, grande pastor das ovelhas” (versículo 20). O
sangue da aliança eterna! Certamente vocês notaram como o Senhor Jesus
Cristo, quando instituiu a Ceia do Senhor, tomou o cálice, depois de cear, e
disse: “Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue” (Lucas 22:20) - a “nova
aliança no meu sangue”. Notaram como Paulo lembra isso aoscoríntios,em 1
Coríntios, capítulo 11: “Semelhantemente também, depois de cear, tomou
o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as
vezes que beberdes, em memória de mim”. São esses os termos. A aliança é
ratificada com sangue. Noutras palavras, a Nova Aliança entre Deus e o homem
não seria segura para nós, se o sangue de Cristo não fosse esparzido sobre ela.
Esse é o selo que a garante. Levar os nossos pecados não seria suficiente. Antes
de eu poder chegar perto de Deus e de ser aproximado dEle, tenho que ser um
beneficiário, sob a Nova Aliança; e Cristo é o Mediador da Nova Aliança. É Ele
que Se põe entre Deus e o homem. Ele é o Árbitro que nos reúne. É aquele
que estende as mãos para Deus, de um lado, e para nós, de outro. Ele é Deus; Ele
é homem; sim, ele é Mediador completo. Portanto, é por meio do sangue da
aliança que eu posso chegar perto de Deus.
Alguém poderá dizer nesta altura: ouvi tudo o que você disse, mas me vejo tão
grande pecador que, quando começo a orar, aflijo-me com isso; como posso
chegar perto de Deus? A resposta é que você precisa crer neste ensino,
aperceber-se do que ele diz e chegar-se a Deus com ousadia, pelo sangue de
Jesus. A primeira coisa que é preciso que se faça é ouvir o que diz o sangue de
Cristo. Alguma vez lhe ocorreu que o sangue de Cristo fala? Não se lembra do
que nos é dito em Hebreus 12:22-24: que chegamos à Jerusalém celestial, ao
Monte Sião, etc., “e a Jesus, o Mediador de uma Nova Aliança”, e finalmente,
“ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Ábel”? Sangue fala. O de
Abel
falou. Que disse? Ouçam Gênesis 4:10. Deus Se dirigiu a Caim, depois que este
assassinara Abel, e disse: “Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a
mim desde a terra”. O sangue de Abel derramado estava clamando a Deus por
vingança. E assim que fala o sangue de Abel. Fala de juízo, fala de vingança,
fala de maldição, a maldição que caiu sobre Caim. Mas o sangue de Jesus “fala
melhor do que o de Abel”. Que fala? Fala de perdão, de expiação, fala de paz
com Deus. Está clamando e bradando para você: “Eu morri, você pode viver. A
pena foi cumprida; você está livre.” Você ouve o sangue de Jesus? Ele está
falando, e fala coisas melhores do que as que o sangue de Abel fala. Ouça o
sangue de Cristo, que lhe fala que Ele provou a morte por você e sofreu a
pena imposta a você, que a lei de Deus foi satisfeita e que o caminho para
a presença de Deus está livre.
Entendo, você dirá, vejo agora como posso ir à presença de Deus porque vejo
que os meus pecados receberam o devido tratamento. Estou, pois, na presença de
Deus. Mas, o que será de mim se eu tomar a cair em pecado, o que será de mim
se eu fizer algum mal? Aí está, na Primeira Epístola de João, a sua resposta: “Se
andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o
sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado” (1:7). Você
pecará; mas o sangue de Cristo ainda o purificará do seu pecado. Você foi
trazido para perto de Deus, você está andando em comunhão com Ele, mas
cai empecado. Você pensa: estou acabado, é o fim, pequei contra a luz.
Não! Volte! O sangue de Cristo ainda tem poder, limpará você de todo pecado e
de toda mácula, você pode continuar andando com Deus, gozando da comunhão
com Ele. “Vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo fostes
aproximados.”
Quero fazer-lhe uma pergunta. Você foi aproximado? Posso dizer-lhe, com muita
simplicidade, como saber se foi ou não. Se você ainda fala em ser
suficientemente bom, você não foi aproximado, não chegou perto. Se você ainda
confia em si mesmo de algum modo, ainda está longe. Se você fala que ainda
não é suficientemente bom, também não chegou perto - porque enquanto você
continuar falando que não é suficientemente bom, você estará dizendo que acha
que pode tornar-se suficientemente bom. Todavia não pode. Nunca estará mais
perto que agora. Nunca! Se vivesse mil anos, não chegaria mais perto. J amais
você será suficientemente bom para vir à presença de Deus. Assim, se
você ainda está dizendo: ah, isso é maravilhoso, mas eu não sou bom o bastante,
sou pecador, significa que você não chegou perto. O único que é trazido para
perto é aquele que diz: sei que sou pecador, sei dos meus pecados do passado, sei
que ainda tenho uma natureza pecaminosa; porém, embora eu saiba disso, sei
que estou na presença de Deus, porque estou em Cristo. Ouvi a voz do sangue de
Jesus, e ele me falou de perdão, de reconciliação, de expiação, de Deus estar
satisfeito, de Deus ser “justo e justificador daquele que tem fé em Jesus”
(Romanos 3:26). Foi feita a aspersão do sangue sobre a minha consciência.
Ainda que o inferno me denuncie, sei que Deus me aceita; estou confiante
unica, completa e inteiramente em Jesus Cristo, e Ele crucificado. “Seu sangue
limpa o mais imundo, seu sangue vale para mim.” Unicamente em Seus méritos
sei que tenho acesso a Deus e que Deus me recebe, que fui “aproximado pelo
sangue de Cristo”. Tenhamos, pois, “ousadia para entrar no lugar santíssimo,
pelo sangue de Jesus”; mas ainda “com reverência e santo temor”. Ousadia,
confiança, entretanto sempre lembrando que “o nosso Deus é fogo consumidor”.
Não voluvelmente, não levianamente, não com desatenção, não com petulância,
não tem-pestuosamente, não carnalmente. “Com reverência e santo temor” -
todavia sabendo, tendo certeza, com segurança, porque eu entro à presença de
Deus “pelo sangue de Jesus”.
18
“Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a
parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade, isto é,
a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si mesmo
dos dois um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz reconciliar ambos com
Deus em um corpo, matando com ela as inimizades.” - Efésios 2:14-16
O apóstolo sentiu, porém, que não bastava apenas ficar nisso. E algo tão
maravilhoso, tão estupendo, que ele teve que dividi-lo, fragmentá-lo, em suas
partes componentes, a fim de que eles vissem de maneira mais pormenorizada
como essa realidade estonteante veio a existir.
Mas a mensagem da Bíblia é que Deus é Deus de paz, e produz e faz a paz, em
Seu Filho unigênito, o nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo, e por intermédio dEle. 0 resultado é que vocês vêem que o Senhor é
descrito nesses termos em todo o Velho Testamento, na profecia. Vocês vêem,
por exemplo, um homem como Jacó, no fim da sua vida longae cheia de
mudanças, abençoando os seus filhos e as várias tribos que iriam desenvolver-se
daqueles filhos; e quando ele chega a Judá, diz: “O cetro não se arredará de Judá,
até que venha Silo”. Que é Siló? Siló é paz, o Autor da paz, o Príncipe da paz. A
Jacó foi dado ver isso. Não o entendeu plenamente, porém a estes homens,
inspirados pelo Espírito Santo, fora dado certo entendimento do grande
propósito de Deus, e Jacó tinha visto que era de Judá que Siló viria. Siló! “Ele
é a nossa paz.” DELE se diz ainda que não somente é “o Rei de Justiça”, mas é
também “o Príncipe da Paz”. São títulos atribuídos a Ele. Permitam-me lembrar-
lhes também que quando, finalmente, na plenitude dos tempos, o Filho de Deus
nasceu, pastores que vigiavam os seus rebanhos durante a noite ouviram um
grandioso hino entoado por anjos. Sua mensagem era: “Glória a Deus nas
alturas, paznaterra, boavontade para com os homens”. E por toda parte é assim.
“Ele é a nossa paz.” Esta é a essência mesma da salvação. O apóstolo se
expressa desse modo a fim de nos mostrar mais ainda quão admirável e
espantosa é a nossa salvação. Devo lembrar-lhes de novo que esse é o grande
tema, a espécie de “leit motif ”* que segue paralelamente o grande, o grandioso
“motif ” central propriamente dito. O apóstolo queria que estes efésios se dessem
conta da natureza gloriosa da sua salvação. Isto ele expõe de diversas maneiras
nos versículo 1 a 13, eaqui.no versículo 14, dá mais um passo. Como vimos, no
versículo 1 a 10 o apóstolo nos mostra que é o pecado que causa a morte.
Somente quando compreendemos verdadeiramente a natureza do pecado é que
compreendemos verdadeiramente a natureza da salvação. É por isso que não há
nada que seja tão antibíblico e tão tolo como dizer: só quero o positivo. Não
se preocupe com o negativo, não fale muito sobre o pecado; queremos saber do
amor de Deus e do positivo. Contudo você jamais o saberá, se não compreender
o negativo. O apóstolo salienta esta verdade constantemente. Para medir o amor
de Deus você primeiro tem que descer antes de subir. Você não parte do nível em
que está e daí sobe; temos que ser tirados de um calabouço, de um poço horrível;
e se você não tiver idéia da medida dessa profundidade, só medirá a metade do
amor de Deus.
Tema característico que se repete constantemente numa partitura. Em francês no original. Nota do
tradutor.
Nos dez primeiros versículos o apóstolo nos mostra que Deus tem que vencer o
pecado, pois este leva à morte espiritual.
Feito isso, ele prossegue e nos mostra, nos versículos 11 e 13, como o pecado
sempre leva à separação - separação entre os judeus e os gentios, “chamados
incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela mão dos
homens”. Separação! Separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças
da promessa! O pecado separa o homem do homem, como também de Deus.
Mas neste versículo catorze o apóstolo nos mostra que o pecado não se detém na
ação de separar os homens, vai além; o pecado põe os homens em inimizade; e
não somente em inimizade uns com os outros, porém também com Deus. Isso é
o cúmulo do pecado, o aspecto deveras horrível do pecado; é onde se vê a
extrema fealdade do pecado. O pecado não somente separa os homens de Deus e
uns dos outros, produz um estado de inimizade contra Deus e de uns contra os
outros. Por isso o grande problema atual é o problema da paz. Essa é a razão
das conferências que se realizam. Essa é a grande preocupação de todo o mundo
- não haveria um jeito de banir a guerra, de reconciliar os homens, de estabelecer
uma paz durável, segura e permanente? Como poderão os homens ser
reconciliados? Sabemos destas divisões, destes conflitos, no mundo inteiro, nas
nações, em grupos dentro das nações, como também entre nação e nação. O
mundo todo parece estar num estado de luta e inimizade. Por quê? E aí que
vocês vêem a relevância das Escrituras. E é neste ponto que se vê como é difícil
às vezes ser paciente, como cristão. E, contudo, temos que ser pacientes. Vemos
o mundo e os seus homens, os seus grandes homens, assim
chamados, visivelmente perdendo tempo tentando o impossível. Às vezes é
difícil ser paciente. Mais difícil ainda quando a gente vê homens, mesmo
na Igreja Cristã, entendendo e interpretando de forma completamente errada as
Escrituras e, por assim dizer, levantando-se diante do mundo e dizendo: vocês só
têm que fazer o que lhe dizemos, e a paz que procuram e esperam logo será uma
realidade. Isso é trágico; não passa de pura incapacidade de entender declarações
como a que estamos considerando.
em Deus; começamos excluindo Deus. Não pode ser assim. Seja o que for, não é
religioso. Não tem a mínima ligação com Deus e com Cristo. Agora somos
adultos, não somos mais crianças, de modo que não se trata disso, isso nem deve
ser levado em conta. Por isso tentamos encontrar alguma outra explicação e cura.
Mas o fracasso terrível é evidente por todos os lados. E, necessariamente,
continuará assim, enquanto o homem não enxergar a explicação verdadeira. Ele
não vê que é devido estar em más relações com Deus que ele está em más
relações com os seus semelhantes.
O Senhor Jesus Cristo fala disso com muita clareza e uma vez por todas. Alguém
aproximou-se dEle um dia e disse: “Mestre, qual é o grande mandamento na
lei?” E esta foi a Sua resposta: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu
coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e
grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: amarás o teu próximo
como a ti mesmo” (Mateus 22:36-39). Pois bem, o importante aí é observar a
ordem: primeiro, a relação com Deus; segundo, a relação do homem com o seu
semelhante, homem ou mulher. Toda a tragédia do mundo moderno deve-se ao
fato de que o primeiro é inteiramente descartado, e os homens pensam
que podem começar do segundo. Contudo você não pode fazê-lo, porque deve
amar o seu próximo como a si mesmo, deve amar o seu próximo como você se
ama a si mesmo. Portanto, o problema é: como devo amar a mim mesmo? E,
segundo a Bíblia, eu nunca amarei a mim mesmo da maneira certa enquanto eu
não me vir a mim mesmo como estou na minha relação com Deus. Portanto, não
tenho a mínima possibilidade de cumprir o segundo mandamento, a não ser que
já esteja esclarecido quanto ao primeiro. E impossível. E o homem hoje, não
reconhecendo a Deus, não começando com Deus, e não se submetendo a Deus,
está tentando reconciliar-se com o seu semelhante. E, naturalmente, não
está tendo sucesso, e nunca terá. Ele está violando a lei da sua própria natureza.
Ele foi feito por Deus, foi feito para Deus; e ele não se verá verdadeiramente a si
próprio, e não verá verdadeiramente nenhuma outra pessoa, enquanto não se veja
e não veja os outros à luz da lei de Deus, face a face com Deus.
É isso que está por trás da declaração aqui: “Ele é a nossa paz”. Somente Cristo é
a nossa paz. Sem Ele não há paz. O mundo pode continuar a desenvolver-se
intelectualmente e em todos os outros aspectos, pode aumentar o seu
conhecimento da ciência, da sociologia, da psicologia e de tudo mais, pode
multiplicar as suas instituições, pode
instruir-nos neste e naquele aspectos, porém isso não levará a nada, porque o
problema nunca poderá ser solucionado, exceto em nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo, e por meio dEle. É quase incrível que seja necessário dizer isso.
Mas é. A história prova isso cabalmente. O século vinte deveria ter sido o melhor
e o mais grandioso século que o mundo já conheceu, conforme e entendimento
humano. Vejam-no, porém. É um dos piores, um dos mais aterradores. Isso é
muito deprimente, dirá alguém, não devo estar tão deprimido assim. A resposta é
que não é questão de depressão, é questão de encarar os fatos. Se você está
realmente preocupado com o problema do homem e do mundo, como está com o
seu próprio problema, terá que enfrentá-lo radicalmente. E aí estão os fatos. Se
você tentar partir do segundo mandamento, isso levará ao desastre, porque o
homem não é meramente intelecto, não é meramente um ser social. Segundo as
Escrituras, há um princípio mau atuando nele; ele está infeccionado pelo pecado,
espiritualmente está mal de saúde. E antes de começar a instruí-lo, você terá de
curá-lo. Ele precisade nova vida. O apóstolo o diz em termos de uma declaração
geral que, é claro, é totalmente consoante com o cristianismo - “Ele (e somente
Ele) é a nossa paz”.
Ora, isso significa várias coisas. Primeiramente e acima de tudo, significa que
Ele, pessoalmente, é a nossa paz. O que quero dizer com isso é que o Senhor
Jesus Cristo não somente faz a paz - Ele faz a paz, como espero demonstrar-lhes
- mas Ele mesmo é a paz. Ele é a nossa paz. O que é simplesmente outra maneira
de dizer que nós temos que estar em Cristo, antes de podermos gozar as bênçãos
de Deus como o Deus da paz. Somente quando estivermos relacionados com
Cristo, somente quando estivermos incorporados em Cristo, ou, para usar
uma expressão bíblica, enxertados em Cristo, somente quando formos membros
de Cristo e partes do Seu corpo, participando da vida de Cristo e haurindo da
vida de Cristo - somente quando tudo isso for real em nós é que realmente
gozaremos as bênçãos da paz. Mais uma vez, quando compreendermos isso,
veremos a indescritível superficialidade de muitacoisaque se diz nos dias atuais.
Não quero que me entendam mal, nem quero faltar com o respeito para com os
chamados pacifistas, todavia o real problema com aquele ensino é a sua falta de
entendimento teológico, e a sua incapacidade de compreender o problema do
pecado. E isso não se aplica somente ao caso deles, mas também atoda
conversa leviana dos homens e mulheres que dizem que o problema é
muito simples, que tudo que é preciso fazer é convidar o povo para reunir-se e
falar-lhe agradavelmente, terminando tudo com um aperto de mãos, e
tudo estará bem, Houve estadistas que acreditavam sincera e genuinamente que
se tão-somente pudessem reunir-se com Hitler ao redor de uma mesa e conversar
com ele, toda a coisa seria resolvida. “A paz em nosso tempo”, diziam eles, “nós
nos reunimos com eles, fizemos um acordo de cavalheiros.” No entanto, não
demorou muito, e eles descobriram que o homem cujas mãos eles tinham
apertado não era um cavalheiro. E esse continua sendo o problema. Quão
superficial, quão patético, pensarem ainda os homens que mediante frases feitas
podem resolver os problemas do pecado do homem. Não, “Ele é a nossa
paz”; Ele, o eterno Filho de Deus, que teve que nascer como uma criança
em Belém. É isso que foi essencial para solucionar este problema. E, todavia,
eles dizem que simplesmente sendo bom, agradável e amistoso, e falando através
de uma mesa, podem acertar tudo. Se fosse tão simples assim, a encarnação
jamais precisaria ter ocorrido, a morte na cruz nunca teria acontecido; mas, antes
de poder haver paz, estas coisas tiveram que acontecer. Ele mesmo, a Pessoa
bendita, é a nossa paz. E é somente quando entendemos algo desta mística
doutrina do cristão como membro do corpo de Cristo é que verdadeiramente
participamos dessa paz e a usufruímos.
Entretanto Ele também faz a paz, diz o apóstolo. Este é um ponto sobre o qual
devemos ter claro entendimento. Como Cristo faz a paz? Devemos interpretar
isso escrituristicamente, não sentimentalmente. Notem os termos: “Ele é a nossa
paz”; e depois, Ele fez a paz-fazendo a paz”. Que é que significa isso? A
interpretação superficial, sentimental dos textos a que me referi, parece entender
que o processo é o seguinte: o Senhor Jesus Cristo nos ensina a fazer a paz.
Dizem tais intérpretes: “Você lê as Escrituras e depois, no espírito das
Escrituras, e daquilo que você entendeu das Escrituras, procure o seu
inimigo, ponha em prática o ensino, e você o ganhará”. O argumento, ao
nível internacional, é que, se uma só nação simplesmente se
desarmasse completamente, o efeito que causaria sobre todas as outras nações
seria tão estonteante que nunca mais quereriam outra guerra.
Uma vez ouvi um homem falar numa reunião, creio que uns trinta e cinco
minutos, e que nesse espaço de tempo nos conduziu, assim pensou ele, através
de toda a Epístola dos Efésios sem nenhuma dificuldade! Disse-nos que a sua
mensagem era deleitavelmente simples. Era um pacifista muito conhecido e que
tinha sofrido bastante pelo seu pacifismo; homem honesto, homem sincero, um
bom homem. O que ele entendia do nosso texto (Efésios 2:14-16) era que ele
simplesmente consistia numa questão de aplicar o ensino de Cristo e o espírito
cristão.
O clímax do seu discurso foi uma história que ele nos contou e que, para ele,
provava inteiramente o ponto. Disse ele que fazia parte do corpo diretivo de uma
escola para meninas, escola pública, e ele nos contou que vários colegas de
direção sentiam-se mal com o fato de haver punições e recompensas na escola.
As crianças que procediam mal eram punidas de várias maneiras, e ele e outros
achavam que esse não era o método de Cristo, não era o método cristão. Não
devia haver nenhuma punição, nenhuma disciplina nesse sentido; em vez disso,
as crianças deveriam ser convidadas a agir como adultos, deveriam revestir-se de
dignidade, e deveria ser-lhes dito que no futuro seriam tratadas como adultos, e
que os inspetores e inspetoras de alunos confiariam nelas. Assim, disse ele, após
muitos anos, eles persuadiram os seus colegas da junta diretora e o corpo
docente a concordarem nisso, e naquela escola em especial todas as formas de
punição foram abolidas. Disse ele: alguns dos nossos amigos, naturalmente,
tinham profetizado que isso levaria ao desastre, mas vocês sabem, continuou ele,
no mesmo ano em que fizemos isso, o número de admissões em Oxford e
Cambridge foi mais alto do que nunca antes. É isso que acontece, disse ele,
quando se põe em prática o amor de Cristo. Aí está! Tão simples! Simplesmente
aplicar o ensino. Faça isso individualmente, faça-o em comunidades, em grupos
e em classes; faça-o entre países, e nunca mais haverá problema algum!
Que perversão das Escrituras! Seria realmente necessário que o Filho de Deus
deixasse as cortes celestiais se a resposta fosse essa? A morte de cruz seria
necessária, se a solução fosse apenas uma questão de aplicar algum ensino? Não
é o que nos é dito aqui. Ele, Cristo, fez a paz. Não é que Ele me manda fazer algo
- Ele faz isso, é certo, mas eu só posso fazer o que Ele me diz porque Ele fez
algo primeiro. Ele fez a paz. Ele é a nossa paz. Ele é o Príncipe da paz. E o Deus
de paz que faz apaz. Não é primariamente os homens aplicarem certo ensino, é
algo fundamental feito por Deus em Cristo que produz uma situação
inteiramente nova. E por isso que não me canso de dizer que o dever da
Igreja Cristã não consiste meramente em dar conselho aos estadistas e a outros, e
em dizer-lhes como solucionar os seus problemas; pois não poderá haver paz
entre os homens enquanto os homens não se tornarem cristãos. É impossível. Por
isso o evangelho é necessário, por isso Cristo veio. Não se pode aplicar a não
cristãos um ensino destinado aos cristãos. Fazê-lo é uma rematada heresia. Estas
Epístolas não foram escritas para o mundo, foram escritas para os cristãos.
Temos que nascer de novo, temos que ser criados de novo, antes de ser possível
que isso se aplique a nós. Cristo faz a paz. Essa é a proposição fundamental. Ele
é a nossa
O apóstolo nos diz nestes versículos como Cristo traz à existência a paz. Para
que haja paz verdadeira, duas coisas são indispensáveis. E preciso que os
homens sejam reconciliados com Deus, e que sejam reconciliados uns com os
outros. O apóstolo dá atenção a ambos os problemas. Ele parte da reconciliação
dos homens uns com os outros. Ele procede assim, entendo eu, porque o que
predominava em sua mente naquela hora era o seguinte: ele estava olhando para
a Igreja Cristã e nela via judeus e gentios. Assim ele inicia com o fato concreto
da Igreja. Ali, juntos, louvando a Deus, estão homens que antes eram
inimigos mordazes. Que foi que os juntou? Paulo começacom essa questão e
dela trata nos versículos 14 e 15. Depois, no versículo 16, ele mostra
como ambos juntos foram trazidos a Deus e como foi abolida a inimizade
entre eles e Deus.
Como, então, Cristo reconcilia os homens uns com os outros? Como Ele
aproxima uns aos outros em amor? Como Ele destrói a inimizade que há entre os
homens? Primeiro Paulo o coloca negativamente. Diz ele que Cristo derrubou “a
parede de separação que estava no meio”, entre nós. Neste ponto permitam-me
indicar que a Versão Autorizada, e na verdade a Versão Revista (inglesas), não
são tão boas como deviam ser. Sem dúvida, a Versão Revista Padrão é melhor.
Eis a tradução da Versão Autorizada e (com ligeira variação apenas) da Versão
Revista: “Ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um e derrubou a parede de
separação que estava no meio, entre nós, tendo abolido em sua carne a
inimizade, até (essa palavra é acrescentada, não está no original, e vem impressa
em itálicos), até a lei dos mandamentos”. Não está muito bom, e é melhor
entendê-lo assim: “Derrubou a parede divisória de hostilidade (ou de inimizade)
abolindo a lei dos mandamentos” (tradução semelhante à de Almeida). Ele
derrubou a parede de separação (de inimizade) que estava no meio. Como? -
abolindo a lei dos mandamentos nas ordenanças. Essa é a melhor maneira de ver
isso. Então, que significa? Que é que uniu o judeu e o gentio na Igreja Cristã? A
resposta é que o Senhor Jesus Cristo desfez a inimizade. Havia no meio uma
espécie de parede de separação entre eles. Havia uma parede divisória entre eles,
no meio. O apóstolo está usando aqui, como figura, algo que era característico
do templo. No templo vimos que o Pátio dos Gentios era o mais distante. Os
gentios não tinham permissão para entrar no Pátio do Povo, dos judeus. Havia
uma parede que os separava, uma parede de separação, no meio. De fato, aquele
velho templo estava cheio
Mas por que lhe chama inimizade? Porque, afinal de contas, foi Deus que
determinou os detalhes concernentes à construção do templo, foi Deus que deu a
lei aos filhos de Israel. E, contudo, Paulo afirma que foi essa lei dos
mandamentos contida nas ordenanças que realmente produziu a inimizade. Esse
é um ponto muito importante e muito sutil, e é aí que vemos exatamente o que o
pecado faz ao homem. Como já vimos, Deus tinha dividido a raça humana em
dois grupos. Deus criou para Si um povo especial descendente de Abraão. São os
judeus, a comunidade de Israel, o povo de Deus. Os judeus estavam
realmente separados de todos os outros povos, e o propósito era que
estivessem separados mesmo. Deus lhes deu leis especiais, estas “leis dos
mandamentos nas ordenanças”, como Paulo as descreve. Ele se refere à
lei cerimonial, à lei acerca das ofertas queimadas e dos sacrifícios, das ofertas de
cereal, e de todas as outras sobre as quais lemos no livro de Levítico e noutros
lugares. Deus as determinou. Eram esses os meios pelos quais os filhos de Israel
deviam aproximar-se de Deus e ser abençoados por Ele; e, se não os
observassem, Deus não Se encontraria com eles, e não os abençoaria. Deus lhes
deu a lei. Não deviam comer certos tipos de animais, e assim por diante. Eram,
todas elas, leis de Deus, a lei cerimonial, a lei dos mandamentos nas ordenanças,
em preceitos. Bem, vocês dirão, se é assim, onde entra a
inimizade? Precisamente onde entra o pecado. Deus dividiu o mundo em
dois grupos, e deu estes mandamentos. Mas não o fez para criar inimizade; fez
isso para que os filhos de Israel dessem testemunho dEle, das Suas santas leis e
do caminho da salvação. No entanto, por causa do princípio do pecado, do ego e
do egoísmo, eles interpretaram o ato de Deus de tal modo que diziam: nós, e
somente nós, somos o povo de Deus, e estes outros são cães, mal chegam a ser
seres humanos.
o judeu odiava o gentio. Mas não era essa a intenção de Deus. A lei fazia parte
da revelação de Deus, fazia parte do plano de salvação feito por Deus. Entretanto
o homem em pecado transforma os próprios dons de Deus em causas de
inimizade. É assim que as paredes intermediárias entram. Não se trata de um
ponto puramente acadêmico. O mundo atual está cheio dessas divisões. Vejam os
dons que Deus dá aos homens. Todos eles são manifestações da Sua
generosidade e bondade. Ele dá o dom da inteligência e do entendimento, dá
perspicácia a certos homens, e eles prosperam e têm sucesso. Ele derrama
chuvas de dons destas várias formas. Mas, pergunto, todos os homens se
ajoelham e agradecem a Deus os dons da Sua graça aos homens? Será que
atribuem com humildade a glória e a honra a Ele e lhe dão graças, sendo que é
Ele quem dá “toda a boa dádiva e todo o dom perfeito”? Sabemos muito bem
que não o fazem. Eles estão fazendo o que o judeu e o gentio fizeram. O homem
dotado de inteligência diz: naturalmente, eu tenho cérebro, tenho entendimento.
Vejam aquele outro sujeito, ele não sabe nada. E assim o despreza. E o outro
homem olha para ele e diz: quem é ele? Quem ele pensa que é? Inimizade! E
tudo por causa dos dons de Deus. Dá-se o mesmo com todos os dons que Deus
dá. São dons de Deus, são maravilhosos, e se nós todos compreendêssemos isso
e fôssemos humildes, todos nós os desfrutaríamos juntos. O homem sem
talento diria: que maravilha esse homem! Que coisa esplêndida Deus tê-
lo dotado de tal capacidade! Todavia não é assim; estas coisas levam à inveja e à
rivalidade, à inimizade, ao ódio, à malícia, à crueldade, ao escárnio e a tudo o
que só serve para envenenar a vida.
Não haverá paz enquanto isso tudo não for derrubado. Cristo, diz o apóstolo
aqui, derrubou tudo isso, nesta questão de religião, e o fez uma vez por todas,
pois “Ele aboliu a lei dos mandamentos contida nas ordenanças Foi como Ele
fez. O que significa que agora o método de Deus não é mais o de ofertas
queimadas, sacrifícios e coisas que só eram peculiares e especiais para o judeu.
É mediante Cristo, e somente mediante Cristo. Assim, aquilo que tinha levado à
inimizade, à inveja e à rivalidade, foi eliminado por Cristo. A causa da inimizade
foi removida. E quando os homens vêem isso em Cristo, a inimizade desaparece.
O judeu que realmente entende a doutrina de Cristo, não se separa mais em
termos da lei cerimonial. Ele diz: isso terminou em Cristo; portanto, agora estou
na mesma posição do gentio. E o gentio também vê que não existe mais essa
peculiar distinção entre ele e o judeu, e que o caminho é em Cristo, tanto para ele
como para o judeu. Assim eles vêm juntos a Deus da mesma maneira, em nosso
Senhor e
FAZER A PAZ:
O MÉTODO DE CRISTO
“Para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz. ” - Efésios
2:15
Aqui está a essência do argumento; Cristo é a nossa paz. “Ele é a nossa paz” -
tudo está nEle. E também é verdade que Ele faz a paz: “Para criar em si mesmo
dos dois um novo homem, fazendo a paz”. Ele é a paz; Ele faz a paz. E vimos
que o apóstolo nos diz que o Senhor Jesus Cristo faz a paz entre homem e
homem, e entre o homem e Deus. Ele é a paz em todos os aspectos. O apóstolo
os coloca naquela ordem, homem e homem primeiro, e depois, no versículo 16,
que estudaremos mais adiante, ele mostra como ambos são reconciliados e
unidos num só corpo para Deus. A ordem, naturalmente, é interessante.
Teologicamente a ordem é inversa, porém o apóstolo está falando num
sentido prático e pastoral. Ele parte do fato concreto da Igreja, com judeus
e gentios juntos e de joelhos prestando culto de igual maneira; ele parte daí, de
homem e homem, e depois mostra como ambos vão juntos a Deus. No momento
estamos vendo o modo como Ele reconcilia o homem com o homem. Diz-nos o
apóstolo que isto é feito de duas maneiras: primeiro, negativamente, e depois,
positivamente. Já consideramos o aspecto negativo, expresso nas palavras: Ele
“desfez alei dos mandamentos, que consistia em ordenanças”. Ele já removeu a
parede intermediária de separação - a inimizade - que estava entre judeu
e gentio.
Pois bem, isto é somente negativo, e não é tudo; na verdade, não é suficiente.
Este é o ponto que estou desejoso de salientar agora. Só abolir as paredes
intermediárias de separação não produz paz. Essa é a tragédia de grande parte
do pensamento atual, parece-me, que tanta gente não tenha uma verdadeira
concepção da paz. A paz, segundo as Escrituras, não
significameramenteacessação de hostilidades. Tampouco significa meramente a
prevenção de hostilidades de fato. Mas, pela maneira como se fala de “paz”
correntemente hoje, é óbvio que é isso que muitos querem dizer com o termo
paz. Considera-se a paz apenas como uma condição na qual não ocorre conflito
real. A paz vem a ser mera ausência de guerra. Essa pode ser a idéia que o
homem tem de paz; não é a idéia que Deus tem. Não é essa a noção bíblica de
paz. Meramente deixar de lutar não é paz, meramente prevenir hostilidades
futuras não é paz. Vocês vêem quão dolorosamente o evangelho está sendo
mal usado, mal interpretado, mal apresentado hoje pelos que ensinam que apenas
temos que aplicar “o ensino de Cristo” à situação internacional para resolver o
problema da tensão mundial. Descobriremos mais outras razões para dizer isso à
medida que avançarmos. Deus não Se contenta com mera ausência de inimizade
visível e agressiva e da manifestação dessa inimizade. Quando Deus faz apaz,
faz algo interno, algo vital. Não
satisfaz a Deus que os homens tão-somente não se agarrem pela garganta; a idéia
que Deus tem da paz é que as pessoas se abracem e demonstrem verdadeiro
amor mútuo. Isso é paz cristã, nada menos que isso. Não apenas que não lutemos
uns contra os outros, e sim que nos amemos uns aos outros, que haja união e
unidade, que realmente nos tomemos um e nos amemos uns aos outros como nos
amamos a nós mesmos. Essa é a verdade ressaltada neste trecho particular da
argumentação que agora estamos estudando. Deve-se pensar na paz em
termos de coração, de atitude; é questão de unidade e amor essencial,
vital, interior. O que Paulo nos diz é que Cristo produziu essa paz. Como o
fez? Eis a resposta: “Para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo
a paz”.
Vocês vêem a imediata relevância disso tudo, como tudo isso é importante. Não
é uma doutrina e teologia árida. O que está mais agudamente nas mentes dos
homens hoj e é o desej o de paz - porém eles precisam vê-la de maneira certa.
Entretanto, fora esta aplicação geral, não conheço nada que seja mais edificante,
nada que sej a tão fortalecedor da fé, nada, portanto, que seja tão confortante
como a percepção da verdade daquilo que o apóstolo nos diz aqui. A Igrej a, diz
ele, é umanova criação: “Para fazer em si mesmo dos dois um novo homem”
(VA). Ora,
Essa é a verdade: a Igreja é algo absolutamente novo, algo que foi trazido à
existência, algo que não existia antes. É comparável ao que aconteceu no
princípio, quando Deus criou os céus e a terra. Não existia nada antes de Deus os
criar. Criação significa trazer à existência algo que antes não havia, algo não
existente; é fazer algo do nada.
Essa é a frase empregada aqui. Suas implicações nesta questão de produzir a paz
são óbvias. Como Deus faz a paz entre judeu e gentio? Não é por uma
modificação do que havia antes; tampouco por um melhoramento daquilo que
existia antes. Deus não toma simplesmente um judeu e lhe faz algo, e não toma
um gentio e apenas lhe faz algo, e com isso os congrega. Nada disso! E uma
coisa inteiramente nova. Criação! Pois bem, isto é vital para a situação toda.
Quando somos introduzidos na Igreja Cristã, nós entramos como novas
criações, entramos em algo que é inteiramente novo. Há um sentido em que
ela não tem relação com nada do que existia antes.
Permitam-me ilustrar isso. Não se deve conceber a Igreja como uma coalizão de
vários partidos. Não, é a abolição de algo velho e a criação de algo inteiramente
novo. Ou permitam que eu use outra ilustração. O ponto que precisa ser ilustrado
aqui vê-se claramente na diferença entre os Estados Unidos da América e o
Reino Unido, semelhantemente na diferença entre os Estados Unidos da
América e a Comunidade Britânica de Nações. No Reino Unido ou na
Comunidade Britânica de Nações há uma associação de várias nações,
nacionalidades, povos e tribos. Todos eles pertencem à mesma comunidade,
mas continuam como nações separadas - a suanacionalidade não é demolida, não
é destruída. Elas permanecem como nações separadas, porém, por certas razões,
decidiram trabalhar juntas. Essa é a verdadeira característica da Comunidade
Britânica de Nações, outrora mantida pelo poder da força, agora mantida em
união por interesses comuns e propósitos comuns. A idéia de nacionalidade
individual permanece, mas voluntariamente entram num associação. É, portanto,
uma associação que pode
ser desfeita porque não deixaram de existir estes elementos particulares. Dá-se o
mesmo com o Reino Unido - ingleses, galeses, escoceses e irlandeses. A
nacionalidade não foi abolida, ainda está presente, todavia eles decidiram
trabalhar juntos e fazer certas coisas em comum. Mas nos Estados Unidos da
América a situação é muito diferente. Os Estados Unidos da América não são
uma união de nações, não é uma junção de distintas nações. Noutras palavras,
houve homens que foram para aquele país, homens procedentes de diversos
países da Europa e doutros lugares e, para serem verdadeiros cidadãos dos
Estados Unidos, tiveram que por fim ao seu passado. Formou-se uma nova
nação. Não é uma junção de alemães, suecos, finlandeses, noruegueses, ingleses,
franceses, italianos, gregos e outros. Absolutamente não! Eles fazem o máximo
que podem, e com razão, para esquecer tudo isso. São americanos; deram cabo
do antigo alinhamento, dos velhos laços nacionais. Passou a existir umanova
nação. Pois bem, esse é o tipo de coisa que temos na passagem em foco. A Igreja
não é uma espécie de coalizão de judeus e gentios; passou a existir algo
absolutamente novo, algo que simplesmente não existia antes. Criação! - “para
criar em si mesmo dos dois um novo homem”. Este é um princípio sumamente
importante.
orgânica de todas as partes, cada qual fornecendo algo, como o apóstolo nos dirá
mais adiante, no capítulo quatro.
Aí está, pois, o argumento como tal; porém há certas coisas que devemos
salientar. Por exemplo, o velho homem é excluído inteiramente. Isso decorre
necessariamente de tudo o que estivemos dizendo. O judeu, como judeu, foi
posto fora, como também o gentio foi posto fora, em Cristo. Se vocês acreditam
nesta nova criação, têm que compreender que tudo mais foi eliminado, foi posto
de lado inteiramente. “Não há judeu nem grego...porque todos vós sois um em
Cristo Jesus” (Gálatas 3:28). Outro princípio óbvio é que nada do que
pertencia ao velho estado tem valor ou relevância no novo estado. Se isso
nos parece alarmante, só temos que ler o que Paulo diz em Gálatas 6:15: “Em
Cristo Jesus nem a circuncisão nem a incircuncisão têm virtude alguma”. Que
tremenda declaração! Em Cristo Jesus a circuncisão é irrelevante, “nada vale”
(VA). Mas a incircuncisão é igualmente irrelevante, também “nada vale”. Em
Cristo Jesus, na esfera da Igreja, nesta questão de relação com Deus e paz entre
os homens, há somente uma coisa que importa - uma nova criação. Assim é que
o judeu se foi, o gentio se foi; tudo o que pertencia ao judeu, tudo o que
pertencia ao gentio - é tudo irrelevante daí em diante. O que importa é anova
criatura. Não existe pensamento mais fortalecedor ou mais consolador do
que esse. Isso me diz que toda a realidade da minha velha vida não importa mais.
Os pecados que outrora cometi foram enfrentados e vencidos, e não mais
importam. Pesam tão pouco quanto a circuncisão e a incircuncisão. Se estou em
Cristo, sou uma nova criatura. O velho
0 faça, rejeite-o, resista a ele, diga-lhe que tudo se acabou, que o velho homem
que antes você era está morto, e que você não tem mais nada a ver com ele. O
que há é algo absoluta e inteiramente novo.
Um terceiro princípio é que todos nós somos iguais nesta nova relação porque
todos nós nos tornamos algo novo. Como Cristo forma a Igreja, como o judeu e
o gentio andam juntos? Não é porque o gentio se fez judeu ou prosélito do
judaísmo. Havia muitos na Igreja Primitiva que achavam que era isso. Todavia
não é esse o caminho; não é que o gentio se tornou judeu, que ele teve que
sujeitar-se à circuncisão e cumprir todo o cerimonial. Contudo, por outro lado, o
judeu não tem que se tornar gentio. A glória deste caminho é que o velho homem
é inteiramente excluído. Não é uma modificação do gentio e uma modificação
do judeu; não é uma reunião em torno de uma mesa de conferência e os dois
lados opostos concordarem em ceder algo e em buscarem um meio termo numa
base de cinqüenta por cento de concessões mútuas. Absolutamente não! Algo
absolutamente novo é trazido à existência. O judeu não se tornou gentio, o
gentio não se tornou judeu. E um novo homem, uma nova criação.
O nosso quarto princípio leva-nos mais longe ainda. A unidade deste novo corpo
ê uma unidade absoluta. Uso a expressão avisadamente. Não existe isso de um
segmento judaico da Igreja Cristã. Não existe isso de um segmento gentílico da
Igreja Cristã. E isso nunca existirá. O velho homem foi eliminado. O próprio
Senhor Jesus Cristo esclareceu isso uma vez por todas com uma declaração
sumamente importante, deste ponto de vista, em Mateus, capítulo 21, versículo
43. Dirigindo-Se aos judeus, disse Ele: “Portanto, eu vos digo que o reino de
Deus vos será tirado, e será dado a uma nação que dê os seus frutos”. Essa nova
nação é a Igreja. Os judeus, na qualidade de judeus, deixaram de ser o povo
especial de Deus. Há uma nova nação. Ej amais haverá um segmento judaico na
Igreja, numa posição diferente do segmento gentílico. Tudo isso acabou. Essa é a
afirmação feita pelo próprio Senhor. Vocês recordam como o apóstolo Pedro diz
a mesma coisa em
1 Pedro 2:9 e 10: “Vós”, diz ele (usando sobre a Igreja, composta por judeus e
gentios, as mesmas palavras que Deus dissera à nação de Israel
pouco antes da dádiva da lei), “Vós” (a Igreja) sois a geração eleita, o sacerdócio
real, a nação santa, o povo adquirido” (“um povo peculiar”, VA). Essa é a nova
nação. E não é uma mistura de judeu e gentio, mas um novo homem; o judeu
acabou, o gentio acabou, uma nova criatura. Não há mais, diz Paulo, judeu nem
gentio, bárbaro, cita, escravo nem livre, homem nem mulher. Graças a Deus tudo
isso acabou, há tão-somente um novo homem, em Cristo Jesus.
O modo como Ele faz a paz pode ser expresso finalmente da seguinte maneira:
eu e você temos paz e gozamos paz um com o outro, e há paz na Igreja, somente
se compreendemos e praticamos os princípios que acabamos de enunciar. Em
última análise, há somente dois grandes princípios. Temos que parar de pensar
em nós mesmos da maneira antiga e nos velhos termos, em todos os aspectos.
Como cristãos, como membros da Igreja, temos que parar de pensar uns
nos outros em termos de nacionalidade. Politicamente ainda fazemos isso. Na
Igreja Cristã temos que deixar de fazê-lo. Temos que esquecer tudo isso. Temos
que deixar de pensar nas pessoas em termos do seu nascimento natural, ou em
termos de sua capacidade. Todas estas coisas dividem: nacionalidade,
nascimento, educação, casta, todas estas coisas dividem. Na Igreja e como
cristãos, não devemos pensar mais em nós mesmos nestes termos, porque no
momento em que começarmos a introduzir essas categorias, não haverá mais
paz; haverá divisão, separação, inimizade. Não somente isso, não devemos nem
mesmo pensar mais uns nos outros em termos da nossa vida e do nosso
comportamento anteriores - a nossa anterior bondade ou maldade, a nossa
anterior moralidade ou imoralidade. Isso não importa, não pesa na Igreja.
Na Igreja Cristã o homem altamente respeitável não deve olhar para outro e
dizer: lembro bem o que ele era, lembro de onde ele veio; terá esse homem igual
direito na Igrej a? Isso é apropria antítese da paz. É a atitude do irmão mais
velho condenada pelo nosso Senhor na parábola do Filho Pródigo. Todas essas
categorias foram-se.
Irei mais longe. Na Igreja Cristã, até a sua religião anterior você esquece. Não
importa se você era muito religioso ou não, a questão é se você é cristão agora.
Você pode ter sido muito devoto; não importa - é possível ser devoto sem ser
cristão. Tudo isso acabou. Os velhos termos e categorias não se aplicam mais, e
na esfera da Igreja você não faz mais nenhuma daquelas perguntas acercade um
homem. Você simplesmente olha para ele e vê nele as marcas de Cristo. Talvez
vocês se lembrem da imortal história relacionada com o velho Philip Henry, pai
do comentador
Outra notável ilustração acha-se em Atos, capítulo 15: “E alguns dias depois
disse Paulo a Barnabé” - Barnabé era um bom homem, vocês se lembram, “o
filho da consolação”; ele e Paulo tinham viajado juntos - “disse Paulo a Barnabé:
tornemos a visitar nossos irmãos por todas as cidades em que já anunciamos a
palavra do Senhor, para ver como estão. E Barnabé aconselhava que tomassem
consigo a João,
chamado Marcos. Mas a Paulo parecia razoável que não tomassem consigo
aquele que desde a Panfília se tinha apartado deles e não os acompanhou naquela
obra”. João Marcos tinha desertado numa viagem anterior, e Paulo dizia: não,
não está direito levá-lo. “E tal contenda houve entre eles, que se apartaram um
do outro. Barnabé, levando consigo a Marcos, navegou para Chipre. E Paulo,
tendo escolhido a Silas, partiu, encomendado pelos irmãos à graça de Deus.” Por
que foi que Barnabé quis que João Marcos fosse com eles? - vocês
pensarão. Eles eram parentes! E este excelente e nobre cristão, Barnabé,
esquecendo por um momento a doutrina, disse: vamos levar Marcos conosco. E
a sua única razão para isso era que Marcos era seu parente. Na Igreja Cristã você
deve esquecer isso. Você não deve levar seu parente consigo se ele já falhou e se
há alguém melhor; não dê preferência a um homem porque pertence à sua
família. Não, nem judeu nem gentio; o velho homem se foi. Trata-se de algo
novo! Não arraste para dentro as suas relações familiares. Quantas vezes se faz
isso! Vejo-o com muita freqüência. Um homem é chamado por Deus para iniciar
uma obra, homem indubitavelmente chamado por Deus, e depois, quando
se aproxima da morte, nomeia ao seu filho como o seu sucessor. As vezes pode
estar certo; muitíssimas vezes pode estar errado, e vocês verão a obra começar a
decair e a definhar, e finalmente acaba morrendo. Por quê? Porque o filho não
fora realmente chamado por Deus. É muito natural, concordo, porém não é
cristão. Paulo e Barnabé se separaram porque a questão das relações de família
entrou em cena.
Este perigo de deixar que o passado se intrometa vê-se em toda parte. Lembram-
se de como Paulo teve que resistir a Pedro na cara por causa desta mesma
questão? Certas pessoas tinham descido de Jerusalém, certos judeus, e disseram
a Pedro: você não deve comer com os gentios. Pedro lhes deu ouvidos, e surgiu
uma divisão. Todo o esforço dos judaizantes se baseava nisso. Eles diziam: você
sabe que não basta crer em Cristo, você tem que ser circuncidado também. E
com isso eles causavam divisão. Eles não compreendiam que o antigo se fora.
A circuncisão não tem mais importância. Jánãoimportao judeu <j«ajudeu - o
judeu porque judeu.
De muitas maneiras, a mais perfeita ilustração do que estou tentando dizer acha-
se na Primeira Epístola aos Coríntios. A igreja de Corinto estava em grande
dificuldade, e Paulo teve que escrever-lhe uma carta. Havia divisões
pecaminosas, primeiramente quanto a homens. “Eu sou de Paulo. Eu sou de
Apoio. Eu sou de Cefas.” Qual é o melhor pregador? Qual o mais eloqüente? De
qual deles você gosta?
Mencionei há pouco que bens materiais não deveriam entrar nesta esfera. Tiago
trata disso, vocês se lembram, no capítulo dois da sua Epístola. Diz ele: naigreja,
em sua assembléia, se entrar um homem com um grande anel de ouro, não o
conduza à frente porque ele é rico; e se entrar outro em andrajos, não lhe diga:
você, sente-se lá atrás. Não faça esse tipo de coisa na igreja, diz Tiago; não
reconhecemos essas distinções, não avaliamos os homens por suas roupas ou
seus penduricalhos. Você deve ver a alma, a relação com Deus e com Cristo; e aí
todos são um. “As coisas velhas já passaram, eis que tudo se fez novo.”
Para resumir a questão com uma palavra positiva, vamos a Colossenses 3:15.
Paulo estivera lidando com brigas e disputas. Eis o que convém lembrar, diz ele:
“E apaz de Deus (ou apaz de Cristo), para a qual também fostes chamados em
um corpo, domine em vossos corações”. Você sabe o que ele quer dizer com a
frase, “A paz de Cristo domine em vossos corações”? Quer dizer: a paz de Cristo
aja como mediador; a paz de Cristo aj a como árbitro entre vocês (cf. ARA).
Todos vocês, com as suas posições rivais e as suas diferenças, digam: “A paz
de Cristo decida isto. Não vou decidir; não é questão de direitos meus, de
exigências minhas; estou disposto a concordar com qualquer coisa que promova
a paz de Cristo entre nós, bem como a paz de Cristo em meu coração”. Nomeiem
a paz como árbitro, diz Paulo, e a paz reinará entre vocês.
O ÚNICO MEDIADOR
“E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as
inimizades.” - Efésios 2:16
se o homem não tivesse rebelado contra Deus e não tivesse caído e se afastado
de Deus.Todos os problemas são devido a isso. Inversamente, portanto, temos
direito de dizer que a unidade entre os homens só é possível quando os homens
forem reconciliados com Deus. A importância dessa afirmação é óbvia. Há os
que falam levianamente sobre a aplicação do ensino cristão aos problemas, e os
que nos dizem que é tudo muito simples. Mas, conforme este ensino é
impossível, enquanto os homens e as mulheres não forem reconciliados com
Deus. É pura perda de energia, de fôlego e de tempo tentar conseguir
comportamento cristão dos que não são cristãos. Eles não têm condições de
reagir de acordo. A pessoa tem que estar de bem com Deus antes de poder estar
de bem com os seus semelhantes. Lembro-lhes como o nosso Senhor
respondeu quando Lhe perguntaram qual é o primeiro e grande mandamento.
A resposta foi: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua
alma, e de todo o teu pensamento”; e depois: “E o segundo, semelhante a este, é:
amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Entretanto você não conseguirá
praticar o segundo enquanto não praticar o primeiro. Este é um princípio básico,
fundamental.
Vejamos como o apóstolo desenvolve isto. Num sentido ele está passando a um
novo tema. Noutro sentido ele está dando continuidade ao que vinha expondo. O
fato é que ambos são inseparáveis. Por isso ele os liga com a palavra “e”, que
realmente significa neste versículo “em acréscimo”. Que é que o apóstolo está
dizendo? Talvez, a melhor maneira de abordar o assunto seja examinar esta
grande palavra “reconciliar” - “E pela cruz reconciliar ambos com Deus”. A
palavra que de fato o apóstolo empregou e que é traduzida por “reconciliar” é
muito interessante. Só se acha num outro lugar na Bíblia, e esse é
Colossenses 1:20 e 21. Ali ele usa a mesma palavra - porém em nenhum outro
lugar. A palavra “reconciliar” vocês encontram em muitas passagens na Versão
Autorizada (inglesa; como também em Almeida). Vê-la-ão em Romanos 5:10.
Vê-la-ão em 2 Coríntios 5:18,19 e 20. No entanto, em todos esses casos a
palavra utilizada pelo apóstolo não é a mesma que ele utilizou aqui. A raiz é a
mesma; num sentido o significado essencial é o mesmo, mas aqui ele usou uma
palavra muito especial, ele acrescentou um prefixo que não usa noutros lugares.
Portanto, ao expormos isto, devemos tomar a palavra como ele a usou, o prefixo
inclusive.
Que é, pois, que significa a palavra “reconciliar”? Permitam-me opinar que ela
inclui as seguintes idéias e concepções: primeiramente significa a mudança de
uma relação hostil para uma relação
Mas, em quarto lugar, também significa isto: não é meramente que os dois
envolvidos num problema ou numa disputa ou numa contenda decidam entrar
em acordo. Esta palavra utilizada pelo apóstolo implica que é uma das partes que
toma a iniciativa da ação, e que é a parte superior ou mais elevada que o faz.
Um componente dessa palavra indica uma ação que vem de cima. E a palavra
grega “kata”; ela sugere uma ação descendente, que vem de cima. Não é que as
duas partes se juntem como que voluntariamente; é uma delas trazendo a outra a
esta posição de completa amizade e concórdia. E, finalmente, em quinto lugar, a
palavra tem o sentido de restabelecimento de algo que havia antes. Pois bem, a
nossa palavra “reconciliar” (inglês: “reconcile”), que é uma transliteração da
palavra latina, ela própria sugere isso. Reconciliar! Antes eles estavam
conciliados, agora estão re-conciliados, trazidos de volta para onde estavam. A
palavra tem todos esses sentidos, e é especialmente este último ponto que é
introduzido pelo prefixo especial que se vê na palavra utilizada aqui pelo
apóstolo, o prefixo apo, um trazer de volta, o prefixo re. A isso é que se dá
ênfase aqui.
promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo”. O contrário disso é, “ser
aproximado”, ser trazido para perto. O que há de terrível no pecado, justamente
o que somos propensos a esquecer, é que o pecado não é uma mera transgressão
da lei - é isso; que o pecado não é só desobediência - é i sso; que o pecado não é
só errar o alvo - ê isso; a coisa mais pavorosa quanto ao pecado, e mais
devastadora, é que ele significa romper a comunhão com Deus. Quer dizer que
somos cortados, extirpados de Deus, que ficamos fora da relação com Deus, que
ficamos sem Deus. Ora, é isso que o apóstolo salienta aqui. Todavia nem
aí termina. O pecado produz também inimizade entre o homem e Deus. E essa é,
segundo este ensino em toda parte, a condição do homem em pecado. Isso
aconteceu no princípio da história. Deus fez o homem para Si, e o homem estava
em comunhão com Deus. Oh, se tão-somente fixássemos essa idéia como
devíamos! Fomos feitos para Deus, fomos destinados a Deus; nunca fomos feitos
para o mundo, para a carne e para o diabo. O homem foi fetio para Deus, foi
destinado a viver em comunhão com Deus, foi destinado a fruir Deus. E essa era
a sua condição original. Mas a lástima foi que o pecado entrou; e o que há
de terrível quanto ao pecado não é simplesmente que Adão e Eva comeram o
fruto proibido - isso é verdade, foi uma ação praticada, foi rebelião, foi
arrogância, foi uma infração do mandamento de Deus e desprezo da Sua lei -
porém o terrível foi que rompeu a comunhão. O homem estava andando com
Deus e, de repente, deu-Lhe as costas. É isso que há de mais temível no pecado.
Portanto, o problema é esse, é isso que precisa ser endireitado. Não é apenas
uma questão de sermos perdoados por ações particulares. Não é esse o único
problema. O problema básico é: como se pode restabelecer essa comunhão?
Como é possível recuperá-la? ^
É justamente neste ponto que muitos erram em seu pensamento sobre estas
coisas. Isso porque não entendem o significado da morte de Cristo, e da cruz, e
porque não vêem sentido numa celebração da Ceia. Dizem eles: certamente não
há grande problema; quando uma criança faz algo errado, o pai a perdoa e fica
tudo bem; não é assim com Deus? Se eu confessar os meus pecados, se eu disser
que sinto muito, Deus não me perdoará? E a resposta do Novo Testamento é que
não é tão simples assim. Se fosse, o Senhor Jesus Cristo nunca teria vindo ao
mundo; certamente nunca teria ido para a cruz. Não, o problema é problema
de comunhão, é o problema de como se pode restabelecer a comunhão. E isso
não é importante só em nossa entrada inicial na vida cristã; não há nada que seja
mais vitalmente importante para os cristãos em todos os
Quando Deus chamou Abraão e formou a nação de Israel, Ele já estava dando
um grande passo para que se efetuasse a reconciliação. O mundo todo tinha
pecado em Adão e tinha caído, afastando-se de Deus e, assim, todos estávamos
separados de Deus. O homem não fez nada a respeito, e não poderia fazer. Mas
Deus fez, Deus agiu. Das massas da humanidade Ele formou uma nova nação
para Si, um povo para ser Sua propriedade peculiar, um povo com o qual Ele
poderia ter comunhão e o qual poderia ter comunhão com Ele, uma nova nação,
uma
No entanto, o problema não era só esse. E pena, mas judeus precisavam ser
reconciliados por esta razão também, que eles tinham entendido tão inteiramente
mal o que Deus tinha feito em Abraão, e na nação, que eles achavam que o
simples fato de que eram descendentes físicos de Abraão os salvava. João
Batista sabia disso, porque, quando começou a pregar àqueles judeus, ele disse:
“Não presumais, de vós mesmos, dizendo: temos por pai a Abraão; porque eu
vos digo que, mesmo destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão” (Mateus
3:9). Mas era o que diziam. Certa ocasião o Senhor Jesus Cristo disse a eles: “Se
vós permanecerdes na minha pal avra, verdadeiramente sereis meus discípulos; e
conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Eles, porém, se ofenderam e
disseram: “Somos descendência de Abraão, e jamais fomos escravos de alguém;
como dizes tu: sereis livres?” (João 8:33, VA e ARA). Os judeus tinham
entendido tudo errado; pensavam que devido serem judeus estavam em boas
relações com Deus, mas com isso trouxeram condenação sobre si. Precisavam
ser reconciliados. E além do mais, como vimos em ocasião anterior, a atitude
deles para com os gentios era terrivelmente pecaminosa. Eles os consideravam
como
Isso nos leva ao próximo princípio, que é que o judeu e o gentio são
reconciliados com Deus exatamente da mesma maneira, não diferentemente. “E
pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo” - esse é o ponto, essa é a
ênfase aqui. Ora, “um corpo” não se refere ao corpo físico do Senhor Jesus
Cristo. “Um corpo” é a Igreja. Assim, o que ele ensina é que os judeus e gentios
são reconciliados com Deus exatamente da mesma maneira; não há mais
diferença alguma entre eles. Há somente um modo de ser reconciliado com
Deus. “Há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus
Cristo homem” (1 Timóteo 2:5). Não há caminhos diferentes rumo ao reino de
Deus para o judeu e o gentio; há somente um caminho, e este é, de novo, “um
corpo”. A razão pela qual dou ênfase a isso é que há um ensino muito popular,
porém que, à luz deste versículo e doutros, parece-me terrivelmente,
perigosamente antibíblico e que afirma que agora, durante esta dispensação, é
em Cristo e por Sua graça e Sua morte que os homens são salvos, mas que no
futuro os judeus serão salvos pela observância da lei. A eles será pregado, não o
evangelho da graça de Deus, e sim o “evangelho do reino”, e a lei, e eles
guardarão a lei e entrarão no reino pela guarda da lei. Digo de novo,
deliberadamente, que isso é uma negação do fato de que há um só modo pelo
qual o homem pode ser reconciliado com Deus, a saber, mediante Jesus Cristo, e
Este crucificado. Não há acesso à presença de Deus, exceto por intermédio do
único Mediador; “reconciliar ambos com Deus em um corpo”, e é este o único
corpo, o único caminho. E neste úniço corpo, a Igreja; e homem nenhum jamais
foi nem jamais será reconciliado com Deus, a não ser por este meio. Abraão e os
santos do Velho Testamento, todos aqueles cujos pecados foram cobertos, estão
realmente reconciliados com Deus em Cristo. Nas gerações futuras todos serão
reconciliados da mesma maneira. É pela graça de Deus, e unicamente pela graça
de Deus, que todo e qualquer homem pode ser salvo.
Nenhum homem, torno a dizê-lo, nunca pôde nem poderá salvar-se por seus
próprios esforços e lutas, não importa o que lhe preguem. Tampouco a lei pode
salvá-lo; como Paulo diz: “O que era impossível à lei, visto como estava
enfermapelacarne...” (Romanos 8:3). Cristo tinhaque vir. “Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo”, e não há outro caminho. Aqui o apóstolo dá
ênfase ao Senhor Jesus Cristo. Foi Deus que O enviou, mas foi Cristo que, com a
Sua vinda e com toda a Sua obediência ativa e passiva, o realizou. “Ele é a nossa
paz”, e somente Ele é a nossa paz. Digo e repito que, se não atribuirmos todo o
louvor, toda a honra e toda a glória ao Senhor Jesus Cristo, não somos cristãos. E
Sua ação\ é ação de Deus em Cristo e por meio dEle. O homem está morto em
ofensas e pecados, é um inimigo e estranho em sua mente pelas suas más obras;
ele odeia a Deus; não faz nada realmente bom, e não é capaz de fazê-lo. Como
seria possível a reconciliação? Encontramos a resposta na definição da palavra: é
uma ação do alto, é um movimento da parte de Deus, do Deus contra quem nos
rebelamos e a quem demos as costas. E Ele que inicia o grande movimento. Ele
o começou no Velho Testamento. Ele o continua no Novo; é perfeito. É Sua
ação. E tudo em Jesus Cristo. E tudo a graça de Deus em Cristo. “Deus estava
em Cristo reconciliando consigo o mundo.” Essa é a mensagem.
Mas, em particular se vê que o apóstolo afirma que foi ‘‘pela cruz “E pela cruz
reconciliar ambos com Deus em um corpo.” Volta a chamar a atenção de vocês
para a maneira pela qual o apóstolo vai repetindo estas coisas. “Mas agora em
Cristo Jesus”, dissera ele no versículo treze, “vós, que antes estáveis longe, já
pelo sangue de Cristo chegastes perto.” Aqui ele não se restringe a dizer para
“reconciliar ambos com Deus em um corpo”; ele inclui - “pela cruz”. Ele
introduz isto porque tem que introduzi-lo. Não háreconciliação sem acruz.Eque é
que a cruz significa? A passagem paralela de Colossenses 1:20 o
diz perfeitamente: “Havendo por ele feito a paz pelo sangue de sua cruz”. É a
morte, a vida entregue abnegadamente, o sangue derramado, a vida vertida. E
como Deus faz a paz, é como Cristo faz a paz, é como se concretiza a
reconciliação.
O ensino verdadeiro é que, antes de ser possível a reconciliação, algo tem que
acontecer da parte de Deus, bem como da nossa parte. O pecado trouxe
inimizade entre ohomem eDeus. Deus odeia o pecado. A ira de Deus manifesta-
se contra o pecado. E antes que possa haver reconciliação, antes que Deus possa
abençoar de novo, esta inimizade terá que ser removida pelo sangue da cruz. Por
que ele menciona o sangue, por que a cruz, por que a morte? Porque essa é a
explicação de todo o ensino do Velho Testamento acerca dos sacrifícios. Esse foi
o método de Deus, foi Deus que ordenou isso tudo como figura daquilo
que seria feito em Cristo. Não era assim que o faziam? Tomavam o animal e
punham as mãos sobre a suacabeça. Que é que significava isso? Eles estavam
transferindo simbolicamente os seus pecados e os pecados do povo ao animal.
Depois o animal era morto e o seu sangue era derramado; e o sangue era
apresentado como oferta; o animal era oferecido como um sacrifício. Esse é o
ensino. E é precisamente esse o ensino do Novo Testamento acerca da morte de
Cristo na cruz. “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes
imputando os seus pecados.” Por que não? Porque Ele imputou os pecados
do mundo aEle\ Deus tomou os meus pecados e os seus e os colocou sobre a
cabeça de Cristo, e então, na qualidade de Cordeiro de Deus, Ele O matou. Não
lhes imputando os seus pecados! Porque “Aquele que não conheceu pecado, o
fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios
5:21). Pelo sangue da Sua cruz! Pela cruz Ele o fez! A inimizade - a inimizade
contra Deus foi posta sobre Cristo e ali foi eliminada. Ele a matou ali. Esse é o
ensino. Esse é o significado do grito de desamparo: “Meu Deus, meu Deus, por
que me desampa-raste?” Visto que o sangue de Cristo, o sangue do Cordeiro de
Deus, foi derramado sobre o Calvário, o caminho da reconciliação está livre.
A inimizade foi removida, e Deus pode olhar para o homem com benig-nidade e
está pronto a abençoá-lo, a recebê-lo e a restaurá-lo. Os judeus precisavam disso,
os gentios precisavam disso, e, juntos em Cristo, eles o receberam. Em Cristo,
pelo Seu sangue, eles podem entrar juntos no “Lugar Santíssimo”. Que
evangelho maravilhoso, que declaração estupenda! Que aconteceu no Calvário?
Cristo foi morto. Sim, mas por Sua morte Ele matou a inimizade! Ele fez dos
principados e potestades um espetáculo público, cravou na cruz a lei, e o homem
foi reconciliado com Deus. Todos são reconciliados da mesma maneira, em
Cristo. Seja você judeu ou gentio, bárbaro ou cita, escravo ou livre, homem
ou mulher, bom ou mau, alto ou baixo, você terá que vir dessa maneira. Cristo
morreu pela Igreja. Ou, como diz o apóstolo Paulo em seu discurso de despedida
aos presbíteros da igreja de Efeso: “...a igreja de Deus, que ele resgatou com seu
próprio sangue” (Atos 20:28). Um corpo! O único modo de reconciliar Deus
com o homem, e o homem com Deus, é pela cruz, pela morte de Cristo, que
mata a inimizade, que remove todos os pecados. “O sangue de Jesus Cristo, seu
Filho, nos purifica de todo o pecado.”
21
PAZ COM DEUS
“E, vindo, ele evangelizou a paz, e vós que estáveis longe, e aos que estavam
perto. ” - Efésios 2:17
Mas agora surge a questão: como é que tudo isso que foi feito e que foi
preparado chega a nós? o versículo que estamos focalizando agora responde
essa pergunta. “E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe e aos
que estavam perto.” Noutras palavras, tendo aberto o caminho e a possibilidade,
o Senhor agora nos vem e nos diz que Ele, tendo feito o que fez, proclama-o,
anuncia esta boa notícia, que a paz entre o homem e Deus, paz da qual o homem
angustiosamente
necessita, é obtenível.
Primeiro, há os que dizem que este versículo é uma referência ao que o nosso
bendito Senhor fez enquanto esteve neste mundo. As palavras que temos que
considerar são: “vindo, ele evangelizou apaz”. Que significa este “vindo”? Um
grupo gostaria de fazer-nos acreditar que é uma referência à encarnação, à
primeira vinda de nosso Senhor, e ao Seu ministério terreno, descrito nas páginas
dos quatro Evangelhos. O segundo conceito é o que afirma que esta é uma
referência à pregação do Senhor Jesus Cristo por intermédio dos apóstolos; não à
Sua pregação feita pessoalmente por Ele, mas à Sua pregação mediante a
Igreja, mediante os apóstolos - o que aconteceu depois da Sua morte,
ressurreição e ascensão e subseqüente envio do Espírito Santo sobre a Igreja no
dia de Pentecoste.
Embora sej a um ponto interessante, não é, felizmente, uma questão vital, num
sentido final. Contudo, é de interesse e, portanto, devemos vê-lo de passagem.
Há certas considerações que, ao que me parece, militam fortemente contra o
primeiro conceito. Lendo os Evangelhos, vocês verão que o ministério do nosso
Senhor limitou-se aos judeus. Ele dizia de Si que não tinha sido enviado “senão
às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mateus 15:24). Ele disse especificamente
aos Seus discípulos: “Não ireis pelo caminho das gentes” - dos gentios (Mateus
10:5). O Seu ministério estava limitado aos judeus. Vocês recordam o incidente
da mulher siro-fenícia. Quando ela veio pedir uma bênção para a sua filha, a
resposta dEle foi: “Não convém tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos
cachorrinhos” (Marcos 7:27). Essa era a Sua atitude em toda parte. Todavia, não
é tão simples assim, porque vemos que ocasionalmente em Seu ensino Ele
mostrava que realmente viera para todos, tanto para os judeus como para os
gentios. Creio que há uma insinuação disso mesmo na grande declaração de
Lucas 4:18, com a Sua citação de Isaías, capítulo 61, onde se vê que Ele estava
pregando um evangelho para todos os povos, especialmente na seqüência do
Seu discurso. Ele disse também, certa ocasião: “Ainda tenho outras ovelhas
que não são deste aprisco” (João 10:16) - clara referência aos gentios. E depois
vocês se lembram de que, embora tenha recusado o pedido de André e Filipe que
fosse ver os gregos que tinham vindo e disseram: “Queríamos ver a Jesus”, não
obstante Ele continuou e disse: “E eu, quando for levantado da terra, todos
atrairei amim” (João 12:21,32). Foi uma clara predição de que Ele ia fazer algo,
mediante Sua morte, que abriria a porta de entrada até para os gregos, para os
gentios, para os que estavam “longe”. Parece-me, pois, que um bom exame dos
quatro Evangelhos leva-nos à conclusão de que, conquanto o nosso Senhor tenha
limitado deliberadamente o Seu ministério e o dos Seus discípulos aos judeus
durante a Sua vida na terra, Ele deu ocasionais indicações de que haveria algo
mais amplo e maior depois que Ele realizasse na cruz a obra que fora enviado
para realizar.
É a figura do homem sem Deus, inquieto como o mar revolto. Qual a causa
disso? A explicação, no sentido espiritual, é a mesma das condições do mar.
Tudo começou no Éden. O homem foi feito por Deus e foi colocado no Paraíso.
Não havia movimento nenhum, nenhuma inquietação no Paraíso, pois somente
uma coisa atuava sobre o homem - Deus! Deus fez o homem à Sua imagem, o
homem estava em correspondência, em comunhão com Deus, fruía Deus, e a sua
vida era
uma vida de inalterada paz e bem-aventurança. Não havia infelicidade, não havia
problema, não havia dificuldade, não havia ansiedade. O homem estava num
estado de inocência e de completa paz, quietude e liberdade. No entanto, o
homem caiu. Deu ouvidos a outra força, a outro poder, e ao lhe dar ouvidos,
ficou sujeito a esse poder. O poder do diabo, o poder do mal, o poder do inferno
começou a atuar sobre ele, e daquele momento em diante a vida do homem foi
de inquietude e conflito. O homem, fora da relação com Deus, é exatamente
como ornar. Continua havendo nele uma rememoração, uma lembrança, da sua
retidão original. Ele não sabe disso, ele não pode dizer nada a respeito; ele
não acredita na Bíblia, não acredita na teologia; não obstante, é um fato.
A analogia é perfeita, não é? Ah, a lama e a sujeira lançadas por tudo isso!
Milhões passam o domingo lendo sobre isso. A lama e a sujeira! Está em todos
os jornais, em toda parte, nas conversas do povo; está se tomando por demais
óbvio. A respeitabilidade está desaparecendo, o pecado está se tornando
escancarado outra vez. A tempestade soprou durante algum tempo, e a lama e a
sujeira estão ficando cada vez mais evidentes. O homem em pecado é isso - sem
paz, sem sossego, sem tranqüilidade; como as ondas revoltas do mar, a sua vida
espirra lama, sujeira e coisas nojentas. O horror e a fealdade disso tudo! E a
tragédia é que, em sua ignorância e cegueira, o homem não percebe nada
disso. Ele não sabe, não entende; acha que os seus problemas são causados pelas
circunstâncias, ou pelo ambiente, ele está sempre em busca de paz e procurando
ter repouso. Mas não consegue; esforça-se quanto pode, e falha.Tudo isso indica
o fato de que a suprema necessidade do homem, a necessidade fundamental do
homem, é a necessidade de paz e repouso, mente serena, coração tranqüilo.
Observem ainda que longe e perto são distinções relativas, não são distinções
absolutas. Permitam-me oferecer-lhes uma ilustração.
Falemos com clareza sobre isso. Há alguns que obviamente se acham tão longe
quanto é possível estar do reino de Deus. As pessoas às quais me referi há
pouco, cuja idéia de felicidade consiste em embebedar-se e tornar-se piores que
animais, pessoas que vivem em sentinas de vício e iniqüidade sem jamais terem
um pensamento sobre Deus ou sobre moralidade, porém que só vivem de acordo
com a sua natureza animal, estão, vocês costumam dizer, tão longe do reino
de Deus quanto é possível conceber. Mas há outros que são amáveis, pacíficos,
respeitáveis, que nunca praticam males visíveis aos outros, que odeiam essas
coisas, procuram fazer o bem, empreendem luta moral, trabalham pela elevação
da raça, estão cheios de boas obras, de boas ações, de boas realizações, de
interesses e trabalhos intelectuais, que se interessam pelas coisas da mente etc.,
que freqüentam um local de culto, que são membros de igreja, talvez. A primeira
vista, e superficialmente, as duas posições perecem diametralmente opostas, e a
tendência geral é dizer que elas não têm nada em comum.
Posso oferecer-lhes uma ilustração quase ridícula? Você quer sair, e entra numa
fila de ônibus. O ônibus chega, e você está, digamos, no décimo lugar da fila. As
pessoas começam a entrar no ônibus. Você diz: “Ótimo, eu vou entrar”. O nono
passageiro entra, e o motorista diz: “Ninguém mais, lotado.” Ajudaria em
alguma coisa você ter sido o próximo, se ainda houvesse lugar? O fato é que
você está fora do ônibus, e o fato de você ser o próximo na fila não o ajuda. Ou,
a mesma coisa com alguém que vai pegar um trem, e justo no momento em que
ele vai mostrar o bilhete na entrada da plataforma de embarque, ouve-se o
apito e o trem parte. Diz ele: quase o peguei! - mas isso o ajuda?
Essas ilustrações podem ser divertidas, porém espero que os que se riem façam a
si mesmos esta pergunta solene: “Estou dentro do reino, ou apenas perto?” Pode
ser que você estej a à porta de entrada há muitos anos. Você seria incapaz de ver
que isso não o ajudará? Pergunto: você está dentro? Você conhece a Deus? Você
sabe que os seus pecados estão perdoados? E quando você vai orar a Deus
quando tem algum problema, você sabe que O vê e que você está falando com
Ele? Você tem acesso com confiança e ousadia? Você entra pelo sangue de Jesus
no “Lugar Santíssimo”? Essa, digo eu, é a questão, e não há outra. Tão perto e,
contudo, tão longe! Estar uma polegada fora do reino não é nenhuma vantagem
sobre o homem que está a mil milhas de distância. “Paz aos que estavam longe,
e, aos que estavam perto.” Todos têm necessidade da paz. “Os ímpios, diz o meu
Deus, não têm paz.” “Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus.” Ou,
como Agostinho o diz finalmente em sua experiência pessoal: “Tu nos fizeste
para Ti, e os nossos corações não descansam enquanto não acham repouso em
Ti”. Intelectualistas morais, vocês têm repouso? Está tudo tranqüilo por dentro,
há paz em sua alma, e paz entre vocês e Deus? Esta é a necessidade de todos.
E o caminho está livre para você agir assim também, pois Cristo o abriu.
Opecado foi removido, a inimizade, o antagonismo, foi destruído, e você pode ir
confiantemente à presença de Deus.
E tendo levado a Ele os seus problemas e dificuldades, deixe-os com Ele, deixe-
os lá. “Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti” (Isaías 26:3).
Firme no Senhor! - você tem ampla, franca e aberta entrada, pelo sangue de
Jesus Cristo. Entre, olhe para Ele, tenha firme a sua mente nEle, e você
começará a gozar a Sua bem-aventurada paz. Cristo nos dá paz com Deus, paz
com os outros, paz interior. “Ele veio e pregou a paz aos que estavam longe e aos
que estavam perto.” Alguém que tem vivido como que nas próprias mandíbulas
do inferno pode ler estas palavras. Meu amigo, você pode ter esta paz, agora.
Mas se a sua situação é de quem sempre esteve interessado e sempre
esteve muito perto, você também pode tê-la, agora. Vocês podem tê-lajuntos. É
dádiva inteiramente gratuita de Deus, mediante Jesus Cristo, o nosso Senhor.
Você j á a tem? Regozija-se nela? A paz que Jesus Cristo oferece pode ser sua
agora e para todo o sempre.
22
ACESSO AO PAI
“Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito.’’ - Efésios
2:18
mesmo Espírito. Temos que meditar nisto, temos que deter-nos nisto, temos que
aprofundar-nos nisto, temos que dedicar tempo a isto; pois, como tentarei
mostrar a vocês, encontramos reunidas neste único versículo as coisas mais
estupendas que já nos foram ditas ou que já compreendemos acerca de nós
mesmos.
Como estão empenhadas em nossa salvação? Esta Epístola nos esteve dizendo
isso. O apóstolo ocupou quase todo o capítulo primeiro para dizer-nos que foi o
Pai que planejou e deu início à salvação. Vocês se lembram da frase várias vezes
repetidas, “segundo o mistério da sua vontade” ou semelhante, “segundo o
beneplácito de sua vontade”, “segundo o seu beneplácito, que propusera em si
mesmo, de tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da
plenitude dos tempos”. O Pai “faz todas as coisas, segundo o conselho da
sua vontade”. Os teólogos costumavam falar em “Trindade Econômica”, ou
“Economia da Trindade”. Esta grande obra, esta grandiosa tarefa de salvação foi
dividida entre as três Pessoas. O Pai concebeu e planejou a salvação. Ele a
imaginou, projetou-a, decidiu sobre ela, determinou-a. O Deus eterno e
sempiterno! E Seu plano e Seu propósito. Nunca apresentemos a fé cristã e
aposição cristã quanto à salvação como se esta fosse algo que o Filho teve que
arrancar do Pai. Foi o Pai que enviou o Filho. Vocês notam, na oração sacerdotal,
no capítulo dezessete do Evangelho Segundo João, com que clareza o nosso
Senhor diz: “Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que (Tu) me
deste a fazer”; Ele veio “para que dê a vida eterna a todos quantos lhe
deste”; “eram teus, e tu mos deste”. Todas essas referências são ao Pai. O Pai é
Quem concebe, inicia e põe em movimento este grande e glorioso plano e
método de salvação.
do mundo”. Tudo o que aconteceu foi conhecido antes e foi previsto. O Pai
concebeu o plano e o Filho ofereceu-Se voluntariamente para vir executar o
plano. O Pai deu-Lhe as pessoas, o Pai deu-Lhe uma obra para realizar, e Ele
veio e arealizou. E ali, pouco antes da cruz, Elepôde dizer que a tinha realizado.
Conhecemos bem os grandes fatos; mas não nos esquecemos. Lembremo-nos
constantemente do que essa obra envolveu para o Filho que, embora sendo
“igual a Deus”, “não teve por usurpação o ser igual a Deus”, contudo,
“humilhou-se, fazendo-se indigno de honra”. Ele veio dessa maneira tão
humilde; Ele soube o que é ser pobre e sofrer privações e pobreza; Ele Se
misturava com as pessoas comuns e teve uma vida comum. Poderíamos
conceber o que isso significou para Ele? Sofreu contra Si próprio “a contradição
dos pecadores”; suportou a ruindade, o despeito e a inveja deles. No entanto,
acima e além de tudo, Ele levou sobre Si os nossos pecados, suportou que por
nós Ele fosse feito pecado pelo Pai, embora Ele não conhecesse pecado;
suportou que fosse lançada sobre Ele a iniqüidade de nós todos; foipara acruz,
para levar “em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro”. Foi o que Ele fez.
Cumpriu a lei ativamente, viveu sob a lei como homem, “nascido de mulher,
nascido sob a lei”, colocou-Se deliberadamente sob ela, por Seu querer foi
batizado por João Batista, identificando-Se com o pecador e com tudo o que está
envoi vido nisso, e morreu e foi sepultado. O Príncipe, o Autor da vida, morreu
e foi colocado num túmulo; mas ressuscitou. Aí estão os fatos magníficos. Essa é
a parte do Filho - procedente do seio do Pai, procedente da eternidade. Ele estava
no princípio com Deus, nada foi feito sem Ele; porém Ele deixa a glória, põe-na
de lado - “Tenro, Ele deixa de lado a Sua glória” - e leva avante a Sua grande
tarefa. Por Ele, mediante Ele, este Filho bendito! Essa é a obra realizada pelo
Filho.
Há então a obra realizada pelo Espírito Santo. E Ele que a leva a cabo em nós,
pessoa por pessoa. Essa é a Sua obra. Vocês notam que o Filho Se subordina
voluntariamente ao Pai. E o Espírito Santo Se subordina ao Filho e ao Pai. São
co-iguais, são co-etemos, e são iguais em todos os aspectos; e, contudo, por
causa da nossa salvação, há esta subordinação do Filho ao Pai, e do Espírito
Santo ao Filho e ao Pai juntos. E o Espírito S anto vem e aplica a obra redentora.
Aplica-a a mim, aplica-a a você. E Ele que nos faz participantes de Cristo; é Ele
que nos leva a ver a nossa necessidade e todas as outras coisas que espero
considerar mais adiante; é Ele que aplica a grande redenção que foi levada a
efeito pelo Filho. E o faz não somente ao indivíduo, mas também o faz à
Igreja. Ele edifica a Igreja, Ele enche a Igreja com a Sua vida e com a Sua
presença. Essa é a obra realizada pelo Espírito Santo. Ele “não falará de si
mesmo”. Ele falará simplesmente de Cristo. “Ele me glorificará”, diz o Senhor; e
Ele o fez, e ainda o faz.
No entanto, passemos a uma terceira proposição. Vemos que aqui somos postos
face a face com a doutrina da Trindade, é-nos dito que as três Pessoas da
Trindade estão interessadas em nós e em nossa salvação e a estão levando a
efeito em nós. E depois nos é dito que o fim da salvação, a meta suprema da
salvação, o objetivo da salvação, é que conheçamos a Deus como o nosso Pai.
“Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito.” Pois bem,
esse é o principal fim e objetivo da salvação. E o que o apóstolo está
especialmente interessado em ressaltar aqui, o fato de virem todos os cristãos
juntos ao Pai. Os judeus e os gentios vêm juntos, como um só corpo e como um
só espírito, à Sua presença. Esse é o clímax. O apóstolo já nos estivera falando
sobre como o Senhor Jesus Cristo removeu as barreiras, os obstáculos e os
empecilhos entre o gentio e o judeu, como Ele removeu esta comum inimizade
entre mim e Deus, e de fato ele foi mais longe, ao ponto de nos dizer no
versículo dezesseis que Ele reconcilia a ambos, o judeu e o gentio, com Deus
“pela cruz em um corpo, matando com ela as inimizades”. Bem, dirá alguém,
certamente você não pode ir além disso. Haverá alguma coisa que supere a
reconciliação? Há! E por isso que eu disse que este versículo dezoito é o clímax.
A reconciliação é
O apóstolo, parece-me, diz-nos três coisas aqui. A primeira é que temos acesso
por um só Espírito ao Pai. Pois bem, a palavra “acesso” é importante e
interessante. Também pode ser traduzida pela palavra “aproximação”, ou melhor
ainda, penso eu, pela palavra “apresentação”: “Porque por ele ambos temos
apresentação ao Pai por um mesmo Espírito.” Significa que a relação foi
restabelecida, aquela relação amigável com Deus com a qual somos aceitáveis a
Ele e temos certeza de que Ele tem boa disposição para conosco. Ora, o
importante para compreender-se aqui é que o Senhor Jesus Cristo não Se limita
a preparar ou abrir o caminho para isto. Ele de fato o efetua, de fato o produz. É
Ele que nos apresenta ao Pai, que nos leva, nos toma pela mão e nos guia até a
Sua presença. Meu desejo é salientar o fato de que este é realmente o grande fim
e objetivo da salvação. E suponho que nunca houve uma época em que fosse
necessário salientar isto mais do que a época atual. Nós todos nos tornamos tão
subjetivos, e estamos tão interessados em nossos temperamentos, estados
mentais, sentimentos e condições que, quando damos os nossos testemunhos,
dizemos que o que a salvação nos fez foi fazer-nos felizes, ou foi eliminar isto
ou aquilo; e aí paramos. Contudo, o grande objetivo da salvação é levar-nos
à presença de Deus - nada menos que isso, nada que esteja abaixo disso.
Certamente vocês notam como o S enhor disse esta mesma coisa no versículo
três do capítulo dezessete de João: “E a vida eterna é esta” - as pessoas dizem:
recebi a vida eterna, estou salvo, tenho a vida eterna. Sim, mas o que é a vida
eterna? Não é apenas que você não é mais o que era; inclui isso, entretanto isso é
relativamente pouco. A grande realidade é a seguinte - “A vida eterna é esta: que
te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem
enviaste”. Ou então ouçam-nOemHebreus 10:19: “Tendo pois, irmãos,
ousadiapara entrar no santuário, pelo sangue de Jesus” - foi o que o sangue de
Jesus fez, habilitou-me a entrar no “santuário”, no “lugar santíssimo”.
Vocês vêem a figura, vocês captam a idéia que está na mente de Paulo. Sob
o cerimonial do Velho Testamento as pessoas comuns não tinham permissão para
entrar no “lugar santo”, menos ainda no “lugar santíssimo”. Ao lugar santo
somente os sacerdotes tinham permissão para ir. Mas
Mas o que nos diz a passagem que estamos estudando é que mediante Cristo,
pelo Espírito Santo, nós mesmos podemos entrar no “lugar santíssimo”. Temos
acesso ao Pai: não mais ficamos no pátio externo, não mais entre os sacerdotes,
apenas; o “véu” foi rasgado, podemos entrar lá diretamente. Pedro diz a mesma
coisa em 1 Pedro 3:18: “porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados,
o justo pelos injustos...”. Por quê? Para que eu não vá para o inferno? Para
que eu seja feliz? Para que eu não caia mais nalgum pecado particular?
Tudo perfeitamente verdadeiro; porém não é o que Pedro diz; o que ele diz é
isto: “Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-
nos a Deus”. “Estas coisas vos escrevemos”, diz João, já ancião e próximo do
fim da vida, “para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão
(como apóstolos) é com o Pai, e com o seu Filho Jesus Cristo.” Este, meus
amigos, é o grande fim e objetivo da salvação, que entremos na presença de
Deus e tenhamos comunhão com Ele. Não estamos m ai s longe, fomos trazidos
para perto, estamos dentro,
estamos face a face com Ele, temos comunhão com Deus. Conhecer a Deus, e a
Jesus Cristo, a quem Ele enviou! Você tem acesso, vocêdeu--se conta dele? Você
está exercendo o seu direito a ele?
Passemos, porém, à segunda ênfase. A segunda coisa que ele nos diz é que
temos acesso ao Pai, Agora notem a mudança do termo. O que ele diz no
versículo dezesseis é: para Ele (Cristo) “pela cruz reconciliar ambos com Deus
em um corpo”. Por que ele não diz então, “Porque por ele ambos temos acesso a
Deus em um mesmo Espírito”? Ele mudou de termo, ele diz: “ao Pai”. Não é por
acidente. Ele o faz deliberadamente. Por quê? Aqui de novo está algo que é
estonteante em sua imensidão, e irresistível, se tão-somente nos dermos conta
disso, que Deus em Cristo e pelo Espírito Se torna nosso Pai. Por isso o nosso
Senhor, quando nos deu a Sua oração modelo, ensinou-nos a dizer: “Pai
nosso, que estás nos céus”. Por isso também o Senhor Jesus Cristo,
quando falava com a mulher samaritana sobre a adoração, usou o mesmo
termo. Ela, com as suas idéias indoutas sobre adoração, fala “neste monte” e “em
Jerusalém”. Mas o nosso Senhor muda todo o curso da conversação, eleva-a e
diz: “O Pai procura a tais que assim o adorem”; “Deus é Espírito, e importa que
os que o adoram o adorem em espírito e em verdade”; são essas as pessoas que o
Pai procura para que O adorem. Ou vejam ainda como Cristo o expressa em João
14:6: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por
mim”. Há pessoas que talvez tenham crido em Deus, todavia elas jamais
conhecerão a Deus como Pai, exceto em Jesus Cristo e pelo Espírito. “Ninguém
vem ao Pai, senão por mim.” E ouçam Pedro dizê-lo também em sua Primeira
Epístola: “E, se invocais por Pai aquele que sem acepção de pessoas...” (1:17). E
o Pai que invocamos. E, de novo, João diz: “A nossa comunhão é com o Pai” -
não, “com Deus”, “com o Pai”; ele usa a palavra Pai aqui. Este é, obviamente, o
ensino de todo o Novo Testamento, e é também o que distingue a posição cristã.
O cristão é alguém que foi introduzido na mesma relação com Deus que o
Senhor Jesus Cristo tem com Ele como Filho do homem. Isso é
cristianismo, isso é salvação. Vocês notam como Ele ora. “Pai”, diz Ele, “é
chegada a hora”, e também, “Pai justo”, e “Pai santo”. Não um Deus
distante, mas Pai! Assim é que compreendemos - e é isto que significa - que
Ele está pronto a receber-nos e a ouvir-nos.
Saber isso é saber que Deus tem amoroso interesse por nós. “Nós conhecemos, e
cremos no amor que Deus nos tem”, diz ainda João em I João 4:16, e nós
confiamos nisso, descansamos nisso. “Nós conhecemos, e cremos no amor que
Deus nos tem”; é o que você dirá quando
se der conta de que veio ao Pai. Se você conhece a Deus como seu Pai, você
sabe que até os cabelos da sua cabeça estão todos contados. Você sabe? O Pai - é
ao Pai que estamos vindo. Você notaram aquela declaração sumamente
admirável do nosso Senhor em Sua oração sacerdotal, registrada em João 17:23?
Imagino que, de todas as declarações concernentes ao cristão, nenhuma supera
esta: “Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para
que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que os tem amado a eles
como me tens amado a mim”. Se somos verdadeiramente cristãos, e se viemos
ao Pai, sabemos que Deus nos ama como ama a Seu próprio Filho.
Logo, sabemos que Ele nunca nos deixará nem nos abandonará. Logo,
sabemos que o que quer que aconteça, por baixo sempre estão os braços do
Eterno.
Isso me leva ao terceiro e último ponto, a saber, que temos este acesso. “Através
dele, ambos temos acesso ao Pai por um só Espírito”(VA). Nós o temos, diz
Paulo. Posso colocá-lo na forma de várias perguntas? Temos isto? Fazemos uso
do acesso? Descansamos nele? Gozamos a paz dele resultante? Você sabe que
Deus o ama? Você sabe que Ele realmente ama você? Você O conhece como seu
Pai? Você de fato sabe que “todas as coisas contribuem juntamente para o
bem daqueles que amam a Deus”? Mas, venha, deixe-me levá-lo a um
ponto mais alto e fazer-lhe esta pergunta: você sabe o que é estar no
“lugar santíssimo”? Temos acesso, apresentação, pelo Espírito ao Pai.
Somos levados por Cristo, pelo Seu sangue, para dentro do “lugar
santíssimo”, por meio do Espírito Santo. Isso é verdade sobre você? Você
conheceu, sentiu, percebeu a presença de Deus? Foi isso que Cristo veio fazer,
diz o apóstolo. E um avanço com relação à reconciliação, vocês vêem. Não é
meramente perdão, não é meramente que a inimizade se foi. Temos acesso,
temos direito de entrar. Vocês se aproximam de Deus na plena certeza da fé?
Vocês dão ouvidos à exortação da Epístola aos Hebreus quando diz:
“Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça”? (Hebreus 4:16). Vocês
vão a Deus com o instinto, a segurança e a confiançacom que uma criança vai a
seu pai? E ao Pai que estamos indo, diz o apóstolo. Vocês sabem como se porta
uma criança. Ela está em dificuldade, tem o seu pequeno problema, alguma coisa
a está afligindo tremendamente, e ela corre para o seu pai ou para a sua mãe. Ela
fala aos pais sobre o que a aflige, conta tudo, confiante em que eles poderão
dar um jeito naquilo, e então se alegra. Esse é o tipo de coisa que o apóstolo quer
comunicar. “Se não vos converterdes e não vos tomardes como crianças, de
modo algum entrareis no reino dos céus”, diz o nosso
Senhor (Mateus 18:3, ARA). E então, nós vamos instintivamente a Deus como
ao nosso Pai? Levamos a Ele as nossas preocupações e os nossos problemas,
aborrecimentos e ansiedades? Vamos com essas coisas a Ele e, como a criança,
havendo-Lhe falado tudo sobre elas, nós as deixamos com Deus, confiantes e
certos de que Ele tratará delas todas e que, portanto, podemos gozar a Sua paz,
que excede todo o entendimento?
Acaso posso resumir tudo com uma pergunta final? Estamos desfrutando de
Deus? “Qual é o fim principal do homem?”, indaga a primeira pergunta do Breve
Catecismo da Assembléia de Westminster. E eis a resposta dada: “O fim
principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lO para sempre”. E, em
conformidade com o apóstolo nesta passagem, o gozo começa agora, nesta
existência, neste mundo. Não temos que esperar até irmos para o céu. O
propósito quanto a nós é que fruamos a Deus aqui na terra, conheçamo-lO como
nosso Pai, e descansemos neste conhecimento, desfrutemos o conhecimento
e fruamos ao próprio Deus na comunhão com Ele.
Isso é apenas o começo do que este versículo nos fala. Ele nos assegura que o
amor de Deus por nós é tão grande que as três Pessoas da Trindade tomaram
parte no processo de tratar conosco, de tal maneira e por tais meios que eu e
você, perdidos, condenados e sem esperança, pudéssemos, mesmo enquanto
formos deixados neste mundo de pecado e dor, gozar o companheirismo do Pai,
andar com Ele com amizade e em comunhão, e desfrutá-10. Cada vez mais
devemos olhar para a frente, para vê-10 como Ele é, sem nenhum véu que O
esconda dos nossos olhos, e havemos de fruí-10 em plenitude por toda a
eternidade. Desfrutamos de Deus? É totalmente possível, é livre, mediante
Cristo e pelo Espírito Santo.
“Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito.” - Efésios
2:18
Mas surge logo a questão sobre como ter esse acesso. Sendo esse o fim, a meta e
o objetivo da nossa salvação, a grande pergunta é: como chegar ali? Noutras
palavras, somos aqui postos face a face com a grande questão da oração. Não me
proponho tratar da questão da oração em sua inteireza ou em sua plenitude. Só
estou interessado em tratar desse assunto na medida em que ele é tratado neste
versículo particular, que centraliza a nossa atenção no ponto mais importante
concernente à oração, a saber, o nosso conhecimento de como obtemos acesso, o
meio de “chegar perto de Deus”.
Não há nada que seja mais importante do que isso. Como estamos usufruindo os
benefícios de nossa fé cristã? Este é o melhor ponto para ser submetido a prova:
se o nosso cristianismo não nos ajuda quando estamos em dificuldades, então,
para dizer o mínimo, ele é muito defeituoso. Se ele não nos ajuda, não nos dá
suporte e não faz toda a diferença do mundo para nós nos nossos momentos de
crise, que valor tem? Há outras coisas que parecem maravilhosas quando o sol
está brilhando e tudo vai bem; o mundo e suas idéias parecem completamente
satisfatórios então. E quando tudo parece estar contra nós que chega a hora da
prova. E quando tudo parece estar contra nós, parece “levar-nos ao desespero”, a
pergunta é: podemos prosseguir e dizer, “Sei que a porta está aberta e que Ele
ouvirá minha oração”? essa é a questão. “Não veio sobre vós tentação”, diz o
apóstolo Paulo aos coríntios, “senão humana; mas fiel é Deus, que vos não
deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o
escape...” (1 Coríntios 10:13). Sabemos disso? Nossas orações são eficientes,
eficazes? Temos confiança nelas? Você sente, depois de orar, que a carga
foi aliviada? Quando você vai aDeus em oração, deixa realmente a questão com
Ele? A criança e seu pai são a ilustração perfeita deste ponto. O pequenino em
dificuldade vai ao pai e logo se sente feliz porque tem a
Essa é, inevitavelmente, a questão com a qual temos que nos defrontar quando
consideramos esta grande declaração. Há muitos que deixam de gozar os
benefícios da salvação; há muitos que não se aproveitam deste acesso ao Pai e
para os quais, portanto, a oração não é real, pela razão que ignoram ou nunca
captaram claramente o ensino deste versículo particular. Todavia, temos aqui a
chave da verdadeira oração. Eles falham porque, ou o ignoram completamente,
ou porque nunca o compreenderam em sua plenitude e, portanto, nunca
agiram firmados nesse ensino. Oração não é matéria simples; não há
maior falácia do que pensar que a oração é coisa simples. Há muitos
que contrastam a oração com o ensino, com a doutrina, com a teologia.
Sua atitude é: não posso incomodar-me com doutrina etc., mas a oração é tudo
para mim; não importa o que você crê, o que importa é orar a Deus. Ora, isso, é
claro, é uma completa negação do ensino deste versículo.
Este versículo nos mostra com muita clareza, não somente que a oração não é
tão simples assim, mas também que a oração está baseada no ensino, num
entendimento verdadeiro. Vejamos isso da seguinte maneira: vocês recordam
como os discípulos certa ocasião foram ao nosso Senhor e disseram: “Senhor,
ensina-nos a orar, como também João ensinou aos seus discípulos” (Lucas 11:1).
Você já se sentiu assim? Atrevo-me a dizer que, se você nunca sentiu
necessidade de que lhe ensinassem a orar, é porque você nunca orou. Precisamos
que nos ensinem a orar. Aqueles discípulos tinham observado o seu
Senhor, viram-nO levantar-Se muito antes do alvorecer, subir ao monte
para orar, viram-nO orando horas seguidas, às vezes a noite inteira. Cada
um dizia aos seus companheiros: como é que Ele faz isso? - pois eu vejo que
cinco minutos parecem uma eternidade. Não consigo orar cinco minutos, e Ele
fica orando horas. Cono é que Ele faz isso? “Senhor, ensina-nos a orar.” Eles
estavam certos: precisamos que nos ensinem a orar.
e oração. E o nosso Senhor lhe disse: “A hora vem, em que nem neste monte
nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não sabeis; nós (os judeus)
adoramos o que sabemos porque a salvação vem dos judeus... Deus é Espírito, e
importa que os que o adoram o adorem em espírito e verdade” (João 4:20-24). O
problema dos samaritanos era que a idéia que faziam de Deus era errada. Eles O
localizavam num certo monte e, na verdade, muitos judeus eram culpados do
mesmo erro, pois localizavam Deus no templo. Mas o nosso Senhor diz: vocês
não podem adorar com essas idéias erradas, “Deus é Espírito, e importa que os
que o adoram o adorem em espírito e verdade”. Temos que saber
certas verdades, antes de podermos adorar a Deus. E no momento em que
digo isso, vejo como é inevitável que grande parte do que chamamos orar
e orações é necessariamente inútil. Com muita freqüência nos apressamos a
recorrer à oração porque estamos desesperados e, por assim dizer, quase
dispostos a, nas palavras do poema, clamar a “todo e qualquer deus que exista”.
Não conhecemos a Deus a quem oramos. Portanto, o ensino é essencial à oração,
porque eu preciso saber a quem eu estou orando, e preciso saber como entrar à
Sua santa presença. Pois bem, é exatamente desse assunto que este versículo
trata.
Mas existem outros que tendem a desviar-se num ponto diferente. Eles dão
ênfase a um destes dois princípios e deixam de lado o outro. Dão ênfase à
doutrina correta concernente ao Senhor Jesus Cristo, à Sua obra expiatória etc.,
tudo certinho, porém negligenciam a necessidade absoluta da operação do
Espírito Santo. E, segundo o ensino de Paulo, a oração deles é igualmente inútil.
Você pode ser inteiramente ortodoxo e, ao mesmo tempo, estar espiritualmente
morto. Você pode dizer todas as coisas certas, e ainda não conhecer a Deus e não
ter confiança nas orações que você faz. E pena, mas eu tenho conhecido gente
assim. Pessoas certamente ortodoxas, entretanto não conheciam aDeus, nunca se
aperceberam da vital importância desta doutrina do Espírito nesta questão de
oração. E assim as suas orações eram mecânicas, corretas, porém inúteis.
Por outro lado, há aqueles que colocam toda a sua ênfase no Espírito Santo e
ignoram completamente o nosso Senhor e Suas obras. Este é o perigo peculiar a
todos os místicos. Os místicos descobriram que há um ensino muito definido a
respeito do Espírito Santo. Descobriram, e estão muito certos, que o cristianismo
é algo vivo, vital, real. Dizem eles: toda esta ortodoxia é boa a seu modo, mas
muitos são ortodoxos, porém completamente mortos. O grande valor do
cristianismo é que ele é vivo. Vejam , por exemplo, o caso de George Fox, o
primeiro quaere, o verdadeiro fundador da Sociedade dos Amigos. Essa era a sua
grande mensagem. Ele costumava olhar para os lugares de culto do seu
tempo, há 300 anos, e dizia: vejam estas pessoas; dizem todas as coisas
certas, mas observem as suas vidas; falem com elas e verão que estão
mortas. Ele dizia que o grande valor do cristianismo é que ele leva a gente a
um vivo conhecimento de Deus; é algo interior, um poder, uma luz interior. Até
certo ponto ele estava salientando uma verdade vital. A obra do Espírito Santo é
absolutamente essencial. No entanto a tragédia do movimento posterior dos
quaeres - não estou falando de George Fox neste ponto, pois ele ensinava a
doutrina verdadeira - a tragédia é que nos séculos subseqüentes o movimento
quaere inclinou-se a colocar sua exclusiva ênfase no Espírito, e tem ignorado e
esquecido a doutrina concernente ao nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Segundo o ensino
do apóstolo nesta passagem, isso é igualmente errôneo. Todo ensino que passa
por alto o Senhor Jesus Cristo é necessariamente errôneo. “Por meio dEle - pelo
Espírito Santo.” Os dois são essenciais.
Devo dar mais um passo e dizer que não somente estes dois princípios são
absolutamente essenciais, mas também nada mais deve ser-lhes acrescentado
jamais. Isso é tudo, é exclusivo. A minha razão para dizer isso é que o ensino
católico - do catolicismo romano e doutras formas de catolicismo que imitam o
romanismo sem crerem no papa -é dado a fazer acréscimos. A igreja católica
romana coloca ao lado do Senhor Jesus Cristo e do Espírito Santo a virgem
Maria. Ela é introduzida como medianeira ~ como um mediador adicional, como
um meio adicional, como alguém que é de importância vital em nossa vinda
a Deus. Todavia, acrescentar qualquer coisa ou qualquer pessoa ao Senhor Jesus
Cristo e ao Espírito Santo, não é somente negar as Escrituras, é também desviar-
se tragicamente em toda a questão de oração. E um erro, é uma negação do
ensino bíblico, orar à virgem Maria, ou aos “santos” que viveram no passado -
“santos” dos quais se afirma que eram tão piedosos que podiam exercer a função
daquilo que os católicos chamam de “supererrogação” - eles têm tal abundância
ou excesso de justiça ou retidão que podem dar um pouco disso à nós, e com isso
podem ajudarmos ! Não devemos acrescentar nada e ninguém àquilo que é
claramente indicado na passagem que estamos estudando. “Por meio dele
ambos temos acesso por um Espírito ao Pai.” Assim vocês vêem a
importância do ensino. Vocês vêem o que o nosso Senhor quis dizer quando
afirmou, “Em espírito e em verdade”. Vocês vêem como é vital que, antes
de começarmos a falar em oração, devemos parar e pensar, e deixar-nos guiar
pelo claro ensino das Escrituras, como estamos prestes a fazer. Vamos olhar
agora a estes dois princípios separadamente.
Permitam-me procurar deixar isto mais claro e mais simples. Háum versículo na
Primeira Epístola de Pedro que me parece demonstrá-lo muito explicitamente.
Ele reúne em si o grande ensino deste capítulo dois da Epístola aos Efésios.
Pedro o coloca desta maneira: “Porque também Cristo padeceu uma vez pelos
pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos aDeus; mortificado, na verdade,
nacarne, mas vivificado pelo Espírito” (3:18). (Ou “morto” ou “tendo sido
morto” (ARA e VA)). Aí está, parece-me, uma perfeita declaração desta
doutrina. Cristo, vocês notam, “padeceu uma vez pelos pecados, o justo
pelos injustos” - com que fim e objetivo? “Levar-nos a Deus”; “tendo sido morto
na carne, mas vivificado pelo Espírito.” Ou também vocês verão o apóstolo, em
Romanos, dizendo isso com igual clareza. Referindo-se ao nosso Senhor, ele diz:
“O qual por nosso pecados foi entregue, e
ressuscitou para nossa justificação” (4:25). Ele quer dizer que é por meio de
Cristo, é em Qisto, é por Cristo, e pelo que Ele fez, que temos este acesso a
Deus. A parte disso não temos acesso nenhum a Deus.
Do mesmo modo, não podemos ler o Velho Testamento sem ver claramente que
é necessário receber instrução sobre a nossa aproximação a Deus. O Velho
Testamento está repleto deste ensino. Esse é o significado das ofertas queimadas,
dos sacrifícios, das ofertas de cereal e de todo o cerimonial restante. Deus tinha
dito e ensinado àquele povo que esse era o único meio pelo qual podia
aproximar-se dEle. Ele designou um sumo sacerdote chamado Arão, disse-lhe
exatamente o que ele devia fazer, deu-lhe todas aquelas instruções. Arão devia
entrar levando o sangue de um animal morto. Por quê? Porque com isso
Deus nos está ensinando que é somente pelo Seu caminho, o caminho por
Ele prescrito, que temos acesso à Sua presença.
Pois bem, é em nosso Senhor Jesus Cristo e por Ele que temos nosso acesso a
Deus. O Senhor Jesus Cristo nos introduz à presença de Deus porque Ele é o
nosso grande substituto, levando sobre Si os nossos pecados. E isso que
devemos colocar em primeiro lugar, como faz o apóstolo. “Mas agora, em Cristo
Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto.”
Vocês notaram a repetição dos termos? Seu sangue, Sua carne, Seu corpo, Sua
cruz? E o que sempre tem que vir primeiro. Spurgeon costumava dizer, e cada
vez mais estou convencido da veracidade do seu pronunciamento, que o modo
definitivo de provar se um homem está pregando verdadeiramente o evangelho
ou não, é observar a ênfase que ele dá ao “sangue”. Não basta falar sobre a cruz
e a morte; a prova é “o sangue”. “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes
estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto.” Temos visto que há
pessoas que, embora concordem que os pecadores são trazidos para perto pela
morte de Cristo, pela cruz de Cristo, são contudo muito insatisfatórios na sua
explicação de como isto se dá. Eles consideram grande demonstração do amor de
Deus o fato de Ele perdoar os homens apesar de terem eles crucificado Seu
Filho. Deus, dizem eles, tirou vitória da derrota aparente, e você pode
confiar num Deus que faz semelhante coisa. Essa é a sua interpretação da
morte e da cruz; o sangue de Cristo não entra. Mas Paulo afirma que a salvação é
“pelo sangue de Cristo”. E o autor da Epístola aos Hebreus afirma a mesma
coisa. É o sangue de Cristo que, em primeira instância, é essencial. E por esta
razão: o nosso Senhor Jesus Cristo é “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do
mundo”. “O sangue”, vocês vêem, levamos a pensar necessariamente em
sacrifício, em expiação; e se as
Assim, qualquer conceito da cruz e da morte de Cristo que não leve “o sangue”
para o centro e que não faça dele uma necessidade absoluta, é uma falsa
representação da cruz. Cristo é que leva o nosso pecado. Ele morreu no Calvário
pelos nosso pecados, para receber o castigo que os nossos pecados deviam
receber. O justo e santo Deus tinha que punir o pecado, e Ele o puniu ali. A
pregação da cruz que não mencione a retidão e a justiça de Deus, e a necessidade
absoluta de punição, é uma apresentação completamente falsa da doutrina da
morte de Cristo. Aí está, vocês vêem, aberto diante de nós: “pelo seu sangue”,
“seu corpo”, “sua morte”, repetidos em toda parte. E o tema central do
Novo Testamento. Leiam o livro de Apocalipse, e vocês verão que ali se diz que
as pessoas vestidas de branco “lavaram os seus vestidos e os branquearam no
sangue do Cordeiro”. “Aquele que nos ama, e em seu sangue nos lavou dos
nossos pecados” (7:14; 1:5). Esta verdade está em toda parte. Como podem os
homens querer explicar a sua entrada à presença de Deus sem este fato
sumamente maravilhoso, que o Filho de Deus foi levado à morte por Seu próprio
Pai mediante a lei por causa dos nossos pecados, e com o fim de reconciliar-nos
conSigo!
Mas a coisa não pára aqui. Primeiro Ele é Aquele que leva os nossos pecados,
porém, em acréscimo, Ele é o nosso grande Sumo Sacerdote. “Tendo sido morto
na carne”, diz Pedro, “mas vivificado pelo Espírito.” “Por nossos pecados foi
entregue”, diz Paulo, “e ressuscitou para nossa justificação.” E isso é
maravilhoso. Ou vejam ainda a expressão
O Senhor Jesus Cristo morreu nacruz, o Seu sangue foi derramado, o Seu corpo
foi enterrado numa sepultura. Ah, dirá alguém, esse é o fim; portanto até Ele foi
derrotado! Absolutamente não! Ele ressurgiu. Tendo Ele ressuscitado e tendo-Se
manifestado, entrou no “lugar santíssimo”. Passou pelos céus e entrou no céu
propriamente dito. Foi ímediatamente à presença de Deus, e apresentou o Seu
sangue. Não apresentou sangue de touros e bodes. Ele não tenta purificar com as
cinzas de uma novilha. Ele faz uso do “seu próprio sangue”. É pelo sangue de
Jesus! Ele entrou, Deus O aceitou e aceitou a oferta do Seu sangue. Deus disse,
noutras palavras, que está satisfeito com a obra que Ele realizou. Deus
proclama que a morte de Cristo é suficiente, que a Sua justiça foi satisfeita.
Ele admite o Sumo Sacerdote à Sua presença, e O convida a assentar-Se à Sua
destra. O resultado é que o trono de Deus, que é trono de juízo, toma-se trono de
misericórdia e graça. “Cheguemos pois com confiança ao trono da graça”, é a
mensagem de Hebreus 4:16. E como posso saber que é trono da graça? Meu
único meio de saber isso é que o Senhor Jesus Cristo está assentado ao lado de
Deus. O meu Representante! Aquele que veio e tomou sobre Si a minha
natureza, e que levou sobre Si os meus pecados! Ele foi aceito por Deus, Ele é o
grande Sumo Sacerdote. Ele me conhece, Ele sofreu tentações, como eu as tenho
sofrido, Ele conhece as minhas fraquezas e a minha fragilidade. Ele está com
Deus, e o fato de Ele estar lá me garante que aquele trono é de misericórdia
e graça. Deus é eternamente justo e santo, mas, por causa de Cristo e do que Ele
fez por nós e pelos nossos pecados, Deus em Sua graça sorri para nós e nos
recebe como Seus filhos. Cristo nos salva, então, não somente pelo
derramamento do Seu sangue, e sim também por Sua entrada nos céus como o
nosso grande Sumo Sacerdote.
Há ainda outro modo pelo qual Ele me ajuda a ter acesso ao Pai.
Talvez você diga: muito bem, posso ver que os meus pecados são perdoados
dessa maneira, porém, quando penso em Deus, em Sua eternidade de poder, de
majestade e de grandeza, quando penso especialmente em Sua santidade e em
Suapureza absoluta, continuo achando que estou impuro. Creio que os meus
pecados estão perdoados, mas, infelizmente, ainda me falta retidão; como posso
comparecer diante de Deus? Como posso chegar perto de Deus? Leio nas
Escrituras que Isaías, quando teve uma visão do Senhor, disse: “Ai de mim, que
sou um homem de lábios impuros”, e como posso chegar perto de Deus?
A resposta continua sendo, “em Cristo”. E desta maneira, que Ele não somente
nos livrou dos nossos pecados e ressuscitou para a nossa justificação; mais que
isso, porém, Ele foi feito nossajustiça. “Mas vós sois dele, em Jesus Cristo”, diz
o apóstolo Paulo, “o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e
santificação, e redenção” (1 Coríntios 1:30). Ou leiam o que ele igualmente diz
nestes termos: “Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós, para que
nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). Permitam-me usar uma
ilustração simples. Veja-se um grande salão de festas, com gente maravilhosa
presente e com uma grande cerimônia em andamento. Lá estou eu, fora, na rua;
eu gostaria de entrar, fui convidado, mas eu me sinto em andrajos, acho que a
minharoupa é indigna. Se eu entrar, todos olharão para mim e eu me sentirei
estranho e infeliz, e não vou gostar. Que posso fazer? A resposta é que me é dado
um novo manto, um manto de justiça. Visto-me da justiça de Jesus Cristo. É o
que as Escrituras ensinam: Sua vida virtuosa, perfeita, Sua vida de santidade, é-
me dada, é atribuída a mim, é-me imputada, é computada em meu favor.
Assim como os meus pecados foram atribuídos e imputados a Ele, também a Sua
justiça é atribuída a mim. Ele cumpriu a lei perfeitamente; Deus considera isso
como tendo sido feito por mim, Ele põe isso na minha conta, para meu crédito,
Sou revestido da justiça de Cristo. Foi por isso que o conde Zinzendorf pôde
dizer, no hino que João Wesley traduziu, e que aqui traduzimos:
Vestido com a justiça de Cristo! Será esta uma doutrina seca e árida? É uma
doutrina tão vital para você que, se não crer nela, você não poderá
orar. Só quando você estiver cônscio de que está coberto pela justiça de Cristo
que poderá ir à presença de Deus com confiança e certeza. Mas, com isso, você
poderá fazê-lo, como esse hino diz tão perfeitamente. Ninguém poderá fazer
alguma acusação contra mim; nem Deus, pois é o próprio Deus que me justifica
e me dá a justiça do Seu Filho.
Finalmente, gostaria de dizer algo assim: temos este acesso por meio de Cristo,
não somente porque nos é dada a Sua justiça, porém também porque nos é dada
a Sua vida. Nascemos de novo dEle, tomamo-nos “participantes da natureza
divina”, Ele é o “primogênito entre muitos irmãos”. Na verdade, Paulo já vem
dizendo isso extensamente neste capítulo. Diz ele, vocês se lembram, naqueles
passos maravilhosos: “Estando nós ainda mortos em nossas ofensas,
nos vivificou juntamente com Cristo, e nos ressuscitou juntamente com Ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus”. Tendo consumado a Sua
obra, Cristo passou pelos céus, tomou Seu lugar, está sentado à mão direita de
Deus; e, de maneira maravilhosa, “em Cristo”, eu também estou ali. É dessa
maneira que eu tenho o meu acesso à presença do Pai. Se Cristo não tivesse
morrido pelos meus pecados, Deus não me receberia; vou além, Deus não
poderia receber-me. E uma necessidade absoluta. Vocês podem imaginar que o
Pai Celeste enviaria o Seu Filho unigênito, o Seu bem-amado Filho ao mundo
para padecer tanto sofrimento e agonia se não fosse absolutamente essencial? A
cruz teria acontecido, se não houvesse total necessidade dela? E inimaginável.
É mediante Cristo. Você depende absolutamente dEle. Se Ele não tivesse entrado
lá com Seu sangue, você nunca poderia entrar. Mas, visto que Ele entrou, você
pode entrar.
E bom lembrar que Ele está lá, um Sumo Sacerdote que pode compadecer-Se,
porque Ele esteve aqui, neste mundo, e por causa de tudo quanto Ele sofreu. Ele
transmite ao Pai as nossas orações com o Seu santo incenso. É, pois,
simplesmente natural que estes vários escritores sempre terminem com
exortações: “Tendo pois, irmãos, ousadia para entrar no lugar santíssimo, pelo
sangue de Jesus”; e também, “Cheguemos pois com confiança ao trono da
graça” - com confiança, com segurança, com certeza. “Pois” - à luz da doutrina
de Cristo como
Aquele que leva o pecado, como o Sumo Sacerdote, como a nossa Justiça,
Aquele em quem fomos incorporados, Aquele com quem fomos crucificados,
Aquele com quem morremos, morremos para a lei, morremos para o pecado, e
fomos resuscitados em novidade de vida -“Assim também vós considerai-vos
como mortos para o pecado, mas vivos para Deus, por meio de” - e somente por
meio de - “Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos 6:11, VA).
Você se deu conta da sua completa dependência do Senhor Jesus Cristo e da Sua
obra perfeita? Se não se deu, não admira que as suas orações pareçam vãs e
fúteis e vazias. Doravante, quando você buscar a Deus, comece com Cristo.
Agradeça ao Senhor Jesus Cristo o que Ele fez por você, agradeça a Deus que
Ele O enviou para fazê-lo; diga a Ele que você compreende que depende
inteiramente dEle, mas que, tendo esta fé, você sabe que Ele está à sua espera
para recebê-lo. Chame-Lhe seu Pai, e diga-Lhe que você sabe que Ele é seu Pai
porque Ele é o Pai do seu Senhor e Salvador, Jesus Cristo - “Porque por meio
dele temos acesso ao Pai por um só Espírito”.
ORANDO NO ESPÍRITO
“Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito. ” - Efésios
2:18
Em vista do fato de que esse é o mais alto privilégio e a maior bênção quejamais
podemos experimentar, não é surpreendente que justamente neste ponto é que a
maioria de nós, na verdade todos nós, muitas vezes vemos grande dificuldade, e
talvez continuemos em grande dificuldade. Suponho que, em última análise, a
coisa mais difícil que tentamos fazer, porque é a maior coisa que fazemos, é
orar. E, quanto à oração, há problemas que muitas vezes agitam as mentes e os
corações do povo de Deus. Não é de admirar, pois não há nada maior que a
oração. Por isso o adversário das nossas almas preocupa-se particularmente em
atacar-nos neste ponto. Isso é uma coisa que todos nós aprendemos pela
experiência. Não há nada, em nenhum sentido, que seja tão difícil como orar.
Permitam-me lembrar-lhes algumas das muitas dificuldades, para que possamos
ver o objetivo que o apóstolo tem em mente quando afirma o que temos neste
versículo.
Estas expressões não são usadas ao acaso pelos escritores do Novo Testamento.
“No Espírito”, para eles, fazia parte da própria essência da oração. E, na verdade,
ao dizerem isso tudo, estavam apenas mostrando como a palavra de Zacarias
cumpriu-se, quando ele profetiza que o4 ‘Espírito de graça e de súplicas” seria
derramado nesta era do Messias (12:10).
Ainda mais, não digo que você não deve ter horas de oração fixas; mas, no
momento em que começar a fazer isso, terá que ser cauteloso. Haverá sempre o
perigo de você estar orando porque é meio-dia ou são 7 horas ou alguma hora do
dia e da noite, e não porque você está ansioso para estar em comunhão com
Deus. Todas estas coisas podem tornar-se em perigos. E por isso que, parece-me,
há certasfrases e expressões que jamais devemos empregar. Este ensino acerca
da oração no Espírito indica que nunca devemos falar em “dizer as nossas
orações”, nem empregar aquela outra frase leviana que tantas vezes está nos
lábios de algumas pessoas, “dizer uma oração”. Há quem fale em entrar
num edifício e “dizer uma oração”. Quer dizer que estão recitando uma
frase. Você não pode “dizer uma oração” quando está tendo comunhão com
Deus. Onde está o Espírito Santo? Onde está o elemento de vida? Repetir frases
não é orar. Não, diz o nosso Senhor, você tem que livrar-se disso tudo; a oração é
uma realidade espiritual. “Deus é Espírito, e importa que os seus adoradores o
adorem em espírito e em verdade.” O Espírito Santo é absolutamente essencial; e
sem Ele não podemos orar de verdade, pois a oração é uma viva, vital e real
comunhão com Deus, que é Espírito. Deus é Espírito. E a oração realmente
significaque o meu espírito está em comunhão com Deus. É pessoal. É
companheirismo, este companheirismo imediato, e nada menos que isso. Dessa
maneira o apóstolo lembra aos efésios que nesta matéria o Espírito Santo
é absolutamente essencial. Você pode ler suas orações sem o Espírito Santo.
Você pode repetir frases sem o Espírito Santo. Você pode ficar de joelhos e falar
sem o Espírito Santo. Entretanto você não pode fazer contato com Deus, não
pode comunicar-se realmente com Deus, que é Espírito, sem a atividade do
Espírito Santo, permitam-me ir mais longe, ao ponto de dizer que, sem o Espírito
Santo, nem o próprio Senhor Jesus Cristo e Sua obra, sós, podem levar-nos a esta
relação vital com Deus. “A hora vem, e agora é, em que os verdadeiros
adoradores adorarão o Pai (não neste monte, nem ainda em Jerusalém, mas) em
espírito e em verdade.” E isso que vem, diz Ele. E é isso que o Espírito Santo
produz e possibilita. Sem o Espírito Santo a oração é mecânica, sem vida,
difícil, a oração fica sendo uma tarefa terrível; mas comEle tudo mudae a
oração se toma livre e gloriosa, e o gozo supremo da alma.
Isso nos deixa agora com a pergunta: o que seria exatamente que o Espírito faz
nesta questão de oração? E as respostas são quase intermináveis. Vou
simplesmente dar alguns títulos. Em certo sentido poderíamos resumir tudo
dizendo que é Ele que, como intermediário, transmite-nos e torna vivido e real
para nós tudo o que foi feito pelo nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Todavia,
dividamos o assunto da seguinte maneira: por que eu oro, porque devo orar,
porque tenho desejo de orar? A resposta é, que é o Espírito Santo que cria em
mim uma mente espiritual. Por natureza o homem, como vimos extensamente
neste capítulo, não tem mente espiritual ou perspectiva espiritual. E sem a ação
do Espírito, a oração é uma completa impossibilidade; simplesmente não
conseguimos orar. Naturalmente, pode ser que nos tenham ensinado a dizer
nossas orações, e podemos ir fazendo isso mecanicamente a vida toda. E, que
pena, muitos de nós permanecem crianças nesta questão até o túmulo! Ensinados
a dizer as suas orações de manhã e de noite - e vocês verão adultos, homens
inteligentes, homens de
E o Espírito que nos mostra a nossa necessidade, é Ele que nos faz lembrar-nos
dos nossos pecados. Não há nada que tenha tanta probablilidade de levar um
homem a orar como a sua consciência do seu pecado e da sua necessidade. E
esta é a obra peculiar do Espírito Santo. Vocês vêem a diferença entre
meramente correr para apresença de Deus com certas petições, e
verdadeiramente ter companheirismo e comunhão. Você diz a si próprio: vou ter
esta audiência com o Rei eterno, imortal, invisível. Quem sou eu para entrar lá?
Que espécie de criatura sou eu? Como estou vestido? Como estou calçado? Qual
a minha aparência? Noutras palavras, o Espírito Santo está fazendo você ver
o seu pecado, Ele o está convencendo e o está tornando convicto da
sua necessidade, Ele está produzindo no seu íntimo uma santa tristeza,
um verdadeiro arrependimento. Isso tem o poder de induzi-lo à oração. Ele o
está preparando.
Isso nos leva ao próximo ponto, o qual é que Ele nos mostra a necessidade que
temos de Deus e da misericórdia de Deus e da bênção de Deus. Imediatamente
você é retirado da esfera das generalidades e se dá conta de que é uma alma
isolada. Você já não tem interesse pelas coisas e meros eventos e
acontecimentos; você foi levado pelo Espírito Santo a compreender que Deus lhe
deu esta dádiva especial, a alma, o espírito. Você vei o a este mundo como um
indivíduo, e embora sej a uma só pessoa dos milhões de pessoas neste mundo,
ainda assim você é um
ser isolado, distinto, separado e tem relação com esse Deus que também é
Espírito e é pessoal, e você vai encontrá-10. Assim você começa a sentir o
desejo de conhecê-10 e de estabelecer contato. O Espírito Santo faz isso. Pois
bem, isso é da própria essência da oração; ela se torna pessoal nesse ponto, e
deixa de interessar-se apenas pelas formas, aparências e coisas desse gênero.
Tudo isso ainda é muito vago. Mas um passo vital é dado quando a pessoa
começa a sentir necessidade de Deus. Quanto a vocês não sei, porém cada vez
mais eu me vejo procurando esta coisa singular em todas as pessoas. As pessoas
que me atraem, das quais eu gosto, são as que me dão a impressão de que têm
fome de Deus, que em suas almas anelam pelo Deus vivo. Eu coloco essas
pessoas adiante das demais. Esta é a coisa realmente vital, sentir fome, sentir
sede de Deus. Em certo sentido, não há o que supere isso. Você pode ser muito
ocupado e muito ativo sem isso. Pode sertão ocupado que você se toma quase
impessoal, alheio a si próprio, não percebendo a condição da sua própria alma e
a sua necessidade de Deus e da sua relação com Deus. O Espírito Santo
produz essa consciente necessidade de Deus.
Depois o Espírito de Deus vai adiante e nos revela Deus em Sua glória. Isso
também é algo absolutamente vital e essencial. Tenho para mim que, em última
análise, todas as dificuldades da oração provêm da nossa incapacidade de
compreender a verdade sobre Deus. Ah, que diferença faria! Somos todos como
Moisés, não somos? E acaso não somos como Josué, depois dele? Queremos
correr para a presença de Deus. Vocês se lembram de como Moisés, perto da
sarça ardente, não entendeu muito. Ele ia investigar, ia correr para lá. Então veio
a voz e falou: para trás! “Tira os teus sapatos de teus pés; porque o lugar em
que tu estás é terra santa.” Esse é o terreno em que eu e vocês estamos quando
nos dedicamos à oração. Vamos estar na presença de Deus. E o Espírito nos
revela Deus em Sua glória e em Sua majestade. Entretanto não só isso, Ele nos
revela Deus como nosso Pai. E assim Ele cria em nós o desejo de conhecer a
Deus e de manter comunhão com Ele. Foi algo semelhante a isto que levou o
salmista a dizer: “Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a
minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo”
(42:1-2). O Deus vivo! Ele não quer mais simplesmente orar a Deus, ele quer o
Deus vivo e quer um ato vivo e real de comunhão, a experiência de estar com
Deus. Ora, é somente o Espírito que faz isso. E quando acontece esse tipo
de coisa, a oração é totalmente diferente. Toma-se a coisa mais animadora do
mundo, toma-se a coisa mais emocionante. Ela deixa de ser formal,
Além disso, o Espírito realiza a obra que o próprio Senhor nosso declara que é a
Sua obra mais especial e mais peculiar, a saber: Ele mantém os nossos olhos fitos
no Senhor Jesus Cristo. Disse o Senhor que o Espírito Santo O glorificaria: “Ele
me glorificará” (João 16:14). Esse é o Seu supremo propósito e função. E é
exatamente o que Ele faz. Havendo nos mostrado a nossa total pecaminosidade,
debilidade e pequenez, e a glória de Deus, Ele nos leva ao Senhor Jesus Cristo.
Ele nos faz vê-lO em toda a glória e maravilha de Sua Pessoa, em toda a glória e
maravilha da Sua obra. Vemo-10 como o Mediador. Permitam-me colocá-lo na
forma de perguntas. Sempre que oramos percebemos anossa completa e absoluta
dependência do Senhor Jesus Cristo e da Sua obra expiatória? Estamos sempre
conscientes do fato de que, sem o sangue de Jesus, não podemos ter acesso à
presença de Deus? Certamente nós todos teríamos que confessar que milhares
das vezes em que oramos, “tomamos isso como líquido e certo”. E vejam só o
que tomamos como líquido e certo: o fato mais glorioso da história! Não damos
graças a Deus por ele, não meditamos nele, não pensamos nele até os nossos
corações serem arrebatados. Nós apenas o pressupomos. Haverá coisa mais
terrível, ou, em certo sentido, mais próximo do blasfemo, do que presumir
simplesmente o sangue do Calvário e a morte de Cristo? O Espírito Santo nunca
nos permitirá fazer isso. Ele nos revelará o Senhor Jesus Cristo em toda a Sua
glória e, graças a Deus, em Sua total suficiência. Assim é que, quando estiver na
presença de Deus, e terrivelmente cônscio da sua própria pecaminosidade, da sua
indignidade, da sua impureza, da sua baixeza e da sua fraqueza, o Espírito
Santo revelará a você que foi quando nós estávamos “ainda fracos” que
Cristo “morreu a seu tempo pelos ímpios”; que foi quando éramos “inimigos”
que fomos salvos pela morte do Senhor Jesus Cristo (Romanos 5:6,10). Será
então que o Espírito o fará lembrar que Cristo disse: “Eu não vim chamar os
justos, mas os pecadores, ao arrependimento” (Mateus 9:13). Será então que
você verá desfilarem Maria Madalena e todos os demais chegando a Deus,
conduzidos por Ele. O Espírito Santo mostrará tudo isso a você. E você verá que,
apesar da sua baixeza indescritível, não obstante você tem acesso à presença de
Deus. Você dirá com Charles Wesley:
Ele revela, Ele desvenda o Senhor Jesus Cristo. Quando você se põe a orar, você
tem aquelas exaltadas visões da Pessoa e da obra do Senhor Jesus Cristo? E isso
que prova que você está orando “no Espírito”. Você não pode orar no Espírito
sem ser levado a vê-lO e aperceber-se dEle como nunca antes.
Permitam-me colocar tudo numa pergunta. Você gosta de orar? Você sempre
gostou de orar? E para você a ocupação mais agradável? Se não é, é porque você
esqueceu que as operações do Espírito Santo são absolutamente essenciais à
oração. Portanto, quando você for orar, lembre-se disso. Ore a Ele, peça-Lhe que
o anime, que o vivifique. Ele o fará; Ele já o fez sem você perceber. O desejo de
orar foi produzido por Ele, o simples pensar nisso. É Ele que produz todos estes
bons desejos; Ele “opera em vós tanto o querer como o efetuar”
(Filipenses 2:13); peça-Lhe, pois, e Ele o fará crescer. Vá a Ele, seco e
amortecido como você está, diga-Lheque você tem vergonha de si próprio, diga-
Lhe que você quer conhecer a Deus, diga-Lhe que você quer fruir a Deus, diga-
Lhe que você quer esta liberdade no Espírito; e peça a Ele que torne isso
possível, e persevere até que a resposta venha. E virá! Ouça de novo a palavra do
apóstolo em Romanos 8:26 e 27, neste sentido: “O Espírito ajuda as nossas
fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o
mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis. E aquele que
examina os corações sabe qual é a intenção do Espírito”. É tão maravilhoso que,
mesmo quando nos vemos completamente desamparados e não sabemos pelo
que orar ou o que fazer, e, digamos, ficamos desesperados-não chegamos a
experimentar esse extremo, graças a Deus - mesmo então nos vemos gemendo,
sem saber o que estamos dizendo. E o próprio Espírito fazendo intercessão por
nós, em nós, por meio de nós, com gemidos inexprimíveis. Se Ele faz isso sem a
nossa solicitação, sem que Lho peçamos, quanto mais certo é que, se
verdadeiramente Lhe pedirmos e buscarmos o Seu auxílio, Ele nós responderá!
E, começando a orar no Espírito Santo, teremos verdadeiro acesso à presença de
Deus, e não somente glorifi-caremos a Deus, como também começaremos a
gozá-lO para sempre.
25
A UNIDADE CRISTÃ
Agora vamos dar nossa atenção às duas palavras do apóstolo, “Assim já” (ARA),
ou “Portanto, agora” (VA). Noutras palavras, em nossa consideração do capítulo
dois desta grande Epístola, chegamos ao ponto no qual o apóstolo, tendo
completado a sua declaração maior, faz um sumário, ou faz uma pausa
momentânea para juntar as diversas verdades que estivera dizendo. E como ele o
faz, é importante que igualmente o façamos. Sempre se corre o perigo, quando se
trata de uma grande seção das Escrituras como esta, de que, ao se tratar dos
vários pormenores, como estivemos fazendo, e tivemos que fazê-lo
necessariamente, pode-se muito bem perder a linha mestra de orientação ou
o argumento principal da seção. Por isso é muito importante que, exatamente
como nos sugerç o apóstolo, façamos uma breve pausa e consideremos o que
estivemos extraindo e captando.
- a lei dos mandamentos nas ordenanças - foi demolida. Há esta entrada, este
acesso à presença de Deus no Senhor Jesus Cristo e por meio do Espírito Santo.
O que precisamos ter em mente é esta grande questão de unidade, da unidade
que existe entre todos os que são verdadeiramente cristãos. E isso que o apóstolo
tem superiormente em seu pensamento
- este “um só corpo”, este “um só novo homem”; “nós ambos”, temos acesso
por um só Espírito, e assim por diante. É sobre isso que ele deseja que tenhamos
claro entendimento. E, portanto, é bom observar o que em geral constitui esta
unidade, o que a produz, o que a traz à existência e lhe dá continuidade. Aqui
nos vemos face a face com uma das grandes e cruciais declarações das
Escrituras.
na Igrej a com os judeus, o apóstolo mostra o que teve que acontecer com o
judeu e com o gentio antes de poderem sequer entrar na Igreja, antes de sequer
poderem ir à presença de Deus. Assim é que, aqui, de passagem, somoslevados
aestapedra fundamental, aestaposição básica na qual vemos claramente o que
nos torna cristãos. Noutras palavras, aí nos é dada uma esplêndida definição do
cristão.
Outra coisa que nos é exposta é que nenhuma outra coisa pode unir
verdadeiramente os homens, a não ser este evangelho. Vemos isso da seguinte
maneira: o apóstolo, ao expor e mostrar como foi produzida esta maravilhosa
unidade, de passagem nos mostrou o que teve que acontecer para que isso se
tornasse realidade. À medida que vamos tendo discernimento das coisas que
dividem homens e mulheres, somos levados e impelidos à conclusão de que
nada, senão o poder de Deus em Cristo e por meio do Espírito Santo no
evangelho, pode unir homens e mulheres. É certamente algo muito importante
que devemos ter em mente na hora presente. Quando digo isso, estou pensando
não somente na Igreja, mas também na situação internacional em geral. Há muita
prosa falsa, leviana e superficial sobre a unidade na Igreja e entre as nações.
Mas, como eu entendo o ensino das Escrituras, e especialmente esta seção
particular, não há nada que seja tão perigoso, e afinal tão fátuo e tão
completamente fútil, como esta vaga e geral conversa sobre juntar pessoas e
estabelecer o que chamam “uma unidade”.
Temos que reconhecer que há ocasiões em que parece haver uma unidade: porém
acabará se evidenciando apenas uma unidade superficial, apenas uma aparência.
As vezes, por causa de certas circunstâncias, as pessoas se unem, levadas talvez
por uma necessidade comum ou por um perigo comum, e então se vêem
conversando e cooperando umas com as outras, e trabalhando juntas. Mas isso
não é necessariamente uma verdadeira unidade, como a história o demonstra
com muita clareza. Pode haver uma aproximação de homens ou nações, ou entre
diferentes segmentos da Igreja Cristã, com objetivos específicos, e as
pessoas superficiais são tentadas a dizer que afinal a inimizade foi abolida e
são todos um. No entanto, uma comunidade de interesse ocasional não é uma
real unidade. Leiam os seus livros de história secular e observem o que as nações
têm feito, notem como houve estranhas combinações de países em ocasiões
diferentes, e como no momento parecia que eles tinham formado uma firme
amizade, que nunca poderia ser dissolvida. Mas então, poucas páginas adiante
em seu livro de história, vocês verão estes dois países, que pareciam ter-se
tomado um, em conflito um com o outro. Eis a explicação. Quando pareciam
estar numa firme amizade,
foi somente porque havia tais circunstâncias no caso de ambos os países, que era
compensador e conveniente a eles que se juntassem. Isso se vê com freqüência
durante uma guerra. Surge de repente um inimigo comum, e os outros (que
realmente não se dão bem e sempre foram antagônicos), por causa daquele
perigo comum, cooperam entre si com a finalidade de manter o inimigo por
baixo; porém depois, no momento em que isto se realiza, eles voltam a
desentender-se. O que parecia unidade não era unidade nenhuma, era pura
fachada, mera aparência. Isso não é unidade real.
unidade viva, unidade de sangue e de nervos. É um todo, com várias partes, não
certo número de partes postas juntas para formarem um todo. Começa-se do
centro para fora, e não vice-versa. Talvez eu possa fazer um sumário disso tudo
dizendo que a unidade entre os cristãos é uma unidade completamente inevitável
por causa daquilo que é verdadeiro quanto a todos e a cada um. Às vezes penso
que esse é o princípio mais importante de todos. Parece-me que, com toda essa
conversa sobre unidade estamos esquecendo a coisa mais importante, que a
unidade não é uma coisa que o homem tem que produzir ou arranjar: a
verdadeira unidade entre os cristãos é inevitável e indeclinável. Não é criação
do homem; é, como tão claramente nos foi mostrado, criação do próprio Espírito
Santo. E a minha tese é que existe essa unidade neste momento entre cristãos
verdadeiros. Não me importa quais sejam os rótulos que lhes ponham, a unidade
é inevitável; eles não a podem evitar, por causa daquilo que realmente
caracteriza cada um dos cristãos, individualmente falando.
fracasso umas das outras e fazendo várias coisas inamistosas umas contra as
outras. Todos nós sabemos muito bem disso. A arte da política, geralmente assim
chamada, seja política local ou imperial ou internacional, baseia-se precisamente
na suposição de que não se pode confiar em ninguém e que você tem que estar
de olho nos seus melhores interesses, fazendo concessões quando lhe for
conveniente.
Então, que é que o evangelho faz para produzir esta unidade? Como foi que estes
judeus e gentios vieram a estar juntos? Por que todos os verdadeiros cristãos são
necessariamente um? Eis algumas das respostas:
Todos somos pecadores, e nada, senão o evangelho, leva as pessoas a verem isso.
Todos nós somos pecadores, cada um de nós. Vou além e digo: todos nós somos
igualmente pecadores. O que determina se você é um pecador ou não, não é a
soma total dos pecados que você cometeu, é a sua atitude total para com Deus.
Aqui é que vemos quão fúteis e superficiais são todas as divisões e distinções.
Era isso que mantinha separados o judeu e o gentio. O judeu dizia: somos o povo
de Deus e temos as Escrituras, os oráculos de Deus, temos a lei, temos
o cerimonial e o templo; estes outros não têm nada destas coisas. E achavam que
isso os acertava, que isso fazia uma diferença vital. Mas o propósito geral da
pregação do evangelho, diz o apóstolo Paulo, é mostrar ao judeu que ele é tão
pecador quanto o gentio. “Não há um justo, nem um sequer.” “Todos pecaram e
destituídos estão da glória de Deus.” Todo o mundo “tornou-se culpado diante de
Deus”. Nesta altura vocês vêem como é inteiramente superficial, e que
disperdício de tempo é favorecer as nossas divisões entre gente muito má, gente
má,
gente boa, gente muito boa, e gente nobre. São nossas classificações, não são? A
um homem chamamos pecador, um de fora; e julgamos outro respeitável, muito
fino e muito bom. Realmente atribuímos significação a todas estas divisões e
distinções. No momento em que você vem para o evangelho, tudo isso é
demolido e se torna completamente irrelevante. A prova, afinal de contas, não é
o que somos entre nós e de acordo com as nossas medidas e os nossos padrões.
Cada um de nós tem que vir à presença de Deus. E, face a face com Ele, somos
todos pecadores, somos todos vis. Não O conhecemos. Não O servimos como
devíamos. Quebramos as suas leis. Cada um foi por seu próprio caminho.
“Todos nós andamos desgarrados como ovelhas” (Isaías 53:6).
todos nós somos igualmente pecadores, porém também somos todos igualmente
incapazes. Pois bem, essa era a dificuldade com o judeu; ele não percebia a sua
incapacidade. Achava que o seu conhecimento da lei ia salvá-lo de um modo ou
de outro. Mas ele passou a ver que não ia. Como o apóstolo diz no capítulo três
de Romanos: “pela lei vem o conhecimento do pecado”. Certamente! Muito
valiosa nesse aspecto! “Eu não conheceria a concupiscência, se a lei não
dissesse: não cobiçarás” (Romanos 7:7). Ela marca a coisa. A lei é de
inestimável valor nesse aspecto. No entanto, o tolo judeu achava que o seu
conhecimento da lei puro e simples de algum modo o salvava. Mas não o
fazia nem podia fazê-lo. A lei simplesmente condena; não ajuda a salvar. Isso é
vital para o argumento geral deste apóstolo, e para o argumento geral do
evangelho em toda parte. Ouçam-no dizê-lo também em Romanos 8:3: “Portanto
o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando
o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado
na carne; para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos
segundo a carne, mas segundo o Espírito”. Aí está, uma vez por todas. Não
somente somos todos pecadores, todos nós juntos, porém igualmente somos
todos incapazes em nosso pecado. Podemos, com grande determinação e força
de vontade, tentar ser melhores, mas inutilmente. Há pessoas que podem levar
uma vida excelente, abstêmia e nobre; podem dedicar-se e aperfeiçoar-se e a
elevar-se na escala moral; entretanto quão fútil isso é, pois a tarefa é chegar a
Deus! E ocioso gabar-se dos cavalos de força dos seus carros motorizados
quando você se defronta com uma montanha que o carro mais poderoso não
poderá subir. E essa é a situação do homem em pecado. Não importa quão
grande seja a luta moral de um homem, ele, por si mesmo, nunca poderá chegar
a satisfazer a Deus e às Suas exigências. Ninguém poderá permanecer de pé no
juízo simplesmente firmado em sua justiça própria e por seus próprios
esforços; quando compreendemos isso, todos só temos que dizer:
Meus labores, minha mão Cumprir jamais poderão O que Tua lei exige;
E isso, naturalmente, leva a outro ponto que o apóstolo salienta. Todos nós
viemos ao mesmo e único Salvador. Como o apóstolo se delicia em repetir o
nome! “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue
de Cristo chegastes perto” - vejam vocês como ele o repete logo! “Porque ele é a
nossa paz, o qual de ambos os povos fez um”; “Na sua carne (ele) desfez a
inimizade, isto é, a lei dos mandamentos”; “para criar em si mesmo dos dois um
novo homem”; “e pela cruz (ele pudesse) reconciliar ambos com Deus em um
corpo”; “e, vindo ele, evangelizou a paz”; “porque por ele ambos temos acesso.”
É sempre esta bendita Pessoa. Aqui estamos começando a ver o assunto
positivamente. Estamos todos juntos no pó, nas cinzas e em trapos. Então
erguemos os olhos e olhamos juntos para a mesma Pessoa bendita. Não estou
interessado num Congresso Mundial das Crenças. Não posso ajoelhar-me e estar
com pessoas, das quais uma está com os olhos postos em Confúcio, outra em
Maomé, outra em Buda e outra em algum filósofo. Não posso! Há somente Um
para quem olhar, o bendito Filho de Deus. E eu não tenho nenhum sentimento de
unidade e nenhuma comunhão com quem não esteja olhando comigo para
o mesmo Salvador. “Há um só Deus e um só Mediador (unicamente
um Mediador) entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1 Timóteo 2:5).
Não há unidade sem isso. Estamos juntos no fracasso e na incapacidade, e agora
estamos olhando juntos para a mesma Pessoa bendita. E se não estamos, de que
vale falar em unidade? De que vale falar em ter coisas em comum e em afirmar
que somos todos um, se há alguma dúvida sobre Ele, quanto a se Ele é o Filho de
Deus ou apenas homem? Sehouverqualquerdúvidasobreisso, não haverá unidade,
não haverá comunhão. Temos que confessar juntos que há somente um Salvador,
unicamente um Senhor Jesus Cristo, Deus e homem, duas
naturezas em uma pessoa, nascido da virgem, Maria, crucificado sob
PôncioPilatos, ressurreto. Épreciso quenão haja dúvida sobre Ele! Não haverá
unidade, a menos que estejamos de acordo sobre Ele! O mesmo Salvador, a
mesma Pessoa!
Todas estas coisas são comuns a todos os cristãos. Além disso, temos o mesmo
Espírito Santo habitando em nós, vivendo em nós,
agindo em nós, e realizando exatamente a mesma obra em nós. O apóstolo já o
tinha mencionado. É “por um só Espírito” que temos este nosso acesso ao Pai.
“Operai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em
vós tanto o querer como o efetuar” - o mesmo Deus, o mesmo Espírito Santo!
Unidade maravilhosamente orgânica! Quão diferente é isso de dizer-se
superficialmente: unamo--nos. Há um inimigo comum, esqueçamos as nossas
diferenças! Necessitamos de uma mudança radical. É a nossa natureza que causa
divisões, e seja o que for que não trate da nossa natureza, não terá a
mínima possibilidade de resolver o problema. E para mudar a nossa natureza,
eis o que é necessário - é preciso que venha o Espírito Santo. E Ele veio, está em
todos nós, está produzindo em nós - e isto é talvez, em muitos aspectos, o que há
de mais maravilhoso - a mesma nova natureza. “Se alguém está em Cristo, nova
criatura é (uma nova criação); as coisas velhas jápassaram; eis que tudo se fez
novo.”0 cristão não é alguém que fez automelhoramento, ou que até certo ponto
aprendeu a dominar-se e, na linguagem das Escrituras, “limpou o exterior do
copo e do prato”. Nada disso! Ele é um novo homem. Deus o fez “participante
da natureza divina”. E a natureza divina é caracterizada pelo amor.
Como podemos conseguir unidade, se não houver amor? Mas o Espírito Santo
produz este novo homem, esta nova natureza. Este “fruto do Espírito” vê-se em
todos os cristãos, e assim é que temos a unidade inevitável. Todos os cristãos
nascem do Espírito, do mesmo Espírito. “Necessário vos é nascer de novo”,
disse Cristo a Nicodemos. “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido
do Espírito é espírito.” Isto é absolutamente essencial. Os homen nunca serão
um, se não tiverem esta mesma natureza comum. Em Cristo nós a temos. E Ele
criou em Si mesmo “dos dois um novo homem, fazendo a paz”. Esta Sua
nova humanidade! E assim, com esta no va natureza, com esta nova
disposição dentro de nós, nós que somos cristãos, temos os mesmos
interesses, estamos preocupados com as mesmas coisas e temos os
mesmos desejos. Por isso, quando nos encontramos, logo vemos que temos
esta co-participação em interesses e desejos. Não é difícil achar algo de que falar
quando você se encontra com um cristão. Você o reconhece na hora. Vocês
conversam sobre as mesmas coisas, sobre estes assuntos espirituais; não ficam
mais conversando sobre o mundo e as suas pomposas e superficiais nulidades, e
sim, sobre os interesses eternos, a alma, Deus, Cristo, a salvação, o novo
nascimento, e todas estas coisas. Os cristãos se reúnem e se falam. É como são
descritos os fiéis do Velho e do Novo Testamentos. Pessoas que se conhecem,
que se sentem mutuamente
atraídas, que se entendem; não precisam de introduções bem elaboradas, logo
pegam estes tópicos comuns, os mesmos desejos os anima, e compartilham as
mesmas esperanças. Como é inevitável a unidade entre os cristãos!
Depois isso nos leva a esta verdade: temos o mesmo Pai. “Porque por meio dele
(ou por ele) ambos temos acesso ao Pai por um só Espírito” (VA). Pertencemos
uns aos outros porque pertencemos a Deus. Somos filhos do mesmo Pai. Ora
membros de uma família, podemos discordar e brigar às vezes, porém há por trás
uma unidade fundamental. Essa é a diferença entre a verdadeira unidade entre
os cristãos e esta unidade produzida artificialmente sobre a qual o mundo e,
infelizmente, a Igreja tanto falam no presente. Você pode olhar para uma família
e dizer: eles parecem odiar uns aos outros, vejam como brigam. Mas, se você
procurar conviver com eles, logo verá que eles são um, porquanto há uma
unidade de sangue. Eles pertencem à mesma família, ao mesmo pai. Eles têm
direito, por assim dizer, têm liberdade de discordar, entretanto há sempre esta
unidade básica. Todavia, naquelas outras pessoas, que à superfície parecem tão
unidas, por baixo, no coração, não há nada sólido, e a aparência de unidade entra
em colapso na hora da maior necessidade. Como cristãos verdadeiros, temos um
só Pai. Somos filhos do mesmo Rei celestial. E, portanto, temos os
mesmos interesses familiares.
Não somente o acima exposto caracteriza a todos nós como cristãos, mas até as
mesmas provações nós temos. Temos as mesmas tentações. Temos os mesmos
problemas. Isso às vezes nos faz compreender a unidade mais que qualquer outra
coisa. Quando você pensa que está só em suas dificuldades, provações e
tribulações, e vem à casa de Deus, como fez o homem do Salmo 73, você logo se
dá conta: “Bem, de qualquer forma, não estou sozinho nisto”. Você encontra
alguém e começa a contar-lhe os maus momentos pelos quais está passando.
E quando você lhe pergunta como vão as coisas com ele, ele lhe diz a mesma
coisa que aconteceu com você na mesma semana. Visto que somos espirituais,
visto que temos esta nova natureza, temos os mesmos inimigos - o mundo, a
carne e o diabo - e eles nos atacam do mesmo modo. Assim entendemos,
levamos as cargas uns dos outros, temos compaixão uns pelos outros. “Não veio
sobre vós tentação, senão humana”, ou “senão a que é comum aos homens”
(VA). E o que Paulo diz aos coríntios (1 Coríntios 10:13). Estamos todos
tomando parte na mesma batalha, na mesma luta “contra os principados, contra
as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes
espirituais da maldade nos lugares celestiais”. Mas, louvado seja Deus, na luta
experimentamos a mesma graça divina, a mesma libertação, o mesmo Salvador,
o mesmo Guia, Mentor e Amigo.
E, finalmente, estamos todos marchando e indo para o mesmo lar eterno. Como
cristãos, compreendemos como ninguém que este mundo é passageiro, que esta
existência é tão-somente uma escola preparatória. Este não é nosso lar; estamos
marchando para o céu, para a glória. Temos a mesma esperança posta diante de
nós. Há muitas diferenças aqui - diferenças de nacionalidade, diferenças de
dons. Podemos diferir na aparência, e em mil e um outros aspectos - sim,
mas todos nós estamos indo para o mesmo lugar, para a mesma eternidade e a
mesma glória, para o mesmo Deus, para o mesmo céu. Temos os olhos postos na
mesma “recompensa de galardão”.
Queira Deus, em Sua graça infinita, dar-nos capacidade para ver estas coisas. A
unidade do Espírito é o único e veraz vínculo da paz. Graças a Deus, todos os
que pertencem a Ele, nascidos do Seu Espírito, são dEle e são um, apesar da sua
cegueira, do seu pecado e da sua incapacidade de levar à plena realização essa
gloriosa verdade!
“Assim, que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus.” - Efésios 2:19
Esse é o tema aqui - o privilégio de ser cristão. Ele quer que estes efésios se
dêem conta disso. É um retorno ao tema do versículo dezenove do capítulo
primeiro e o seu contexto. O apóstolo disse a essas pessoas que ele estava orando
por elas, pedindo que os olhos do seu entendimento fossem iluminados, para que
elas soubessem “qual seja
No caso dos efésios não havia dúvida ou questão alguma acerca desta matéria.
Diz o apóstolo: portanto, agora vocês não são mais aquilo, são isto. Era óbvio,
estava claro e patente para todos. Essas pessoas, quando pagãs, haviam tido certo
tipo de vida. Por outro lado, os judeus tinham vivido um diferente tipo de vida e
seguiam um padrão muito diferente de culto. Ninguém podia ser convertido do
paganismo ao cristianismo e estar na fé cristã sem passar por uma mudança
muito grande. Tinhaque deixar certas práticas e costumes, tinhaque renunciar a
certos deuses aos quais servia antes, declará-los “não deuses”, e muitas outras
coisas. Era uma mudança óbvia. Paulo dizia: “Já não mais sois..., mas (sois)...”.
Isso é algo que se aplica verdadeiramente aos chamados “cristãos da primeira
geração”. Aplicava-se ao caso dalgreja Primitiva. Também é aplicável ao
contexto da obra missionária estrangeira. As missões estrangeiras ocupam-se de
lugares onde o evangelho nunca fora ouvido. O evangelho é pregado a pessoas
que estavam no paganismo e nas trevas. É ouvido pela primeira vez, e as pessoas
crêem, e a mudança delas é óbvia.
Notem como esta questão é sutil. Vemos isso muitas vezes na prática. Alguém
pode estar vivendo na família, alguém que está vivendo na família há anos, é
quase da família e, contudo, não é da família. Embora esta pessoa esteja
compartindo a vida da família de todas as formas que possamos conceber, ele ou
ela ainda não pertence à família. E é aí que entra a dificuldade. Um estranho, um
visitante, poderia muito bem pensar e dizer: obviamente, esta pessoa é da
família. E, todavia,
Aí vemos, numa figura, a idéia que precisamos ter bem presente em nossas
mentes. Esse tipo de coisa acontece na Igreja de Deus; esta mesma situação, de
viver com uma família e não pertencer a ela, estar num país e não ser seu
cidadão. E possível estar num grupo e não ser do grupo. Certamente vocês se
lembrarão de que quando os filhos de Israel subiram do Egito e foram para
Canaã, é-nos dito, numa frase deveras extraordinária, que “subiu também com
eles uma mistura de gente” (ou, “uma multidão mista”, VA, Êxodo 12:38).
Foram com eles, partilharam os mesmos riscos, os mesmos problemas e
dificuldades que os filhos de Israel enfrentaram, porém não pertenciam a eles.
Eram uma “multidão mista”. Mas de fato o apóstolo leva mais longe o ponto,
na Epístola aos Romanos, quando diz: “Nem todos os que são de Israel
são israelitas” (Romanos 9:6). Que frase! Você olha para aquele monte de gente,
e diz: são todos de Israel. Todavia não é essa, necessariamente, a conclusão
certa. Há Israel e “Israel”. Há um “Israel” do espírito, como também há um
Israel da carne. Há um remanescente no povo. Esse é o ensino do apóstolo, e
nestas Epístolas do Novo Testamento, é uma doutrina vital e sumamente
importante. Você pode ser de um grupo e, contudo, não pertencer realmente a
ele. O apóstolo João diz a mesma coisa acerca de certas pessoas que tinham
saído da Igreja Cristã Primitiva. “Saíram de nós”, diz João, “mas não eram de
nós; porque, se fossem de nós, ficariam conosco” (1 João 2:19). Tinham estado
entre eles, mas não eram deles. Tinham estado na Igreja e pareciam
cristãos, porém nunca pertenceram realmente à Igreja.
mudança de alto a baixo. Que houve uma mudança exterior é evidente, mas ele
não está interessado na mudança exterior, e sim, na interior. E, portanto, não há
nenhuma necessidade de hesitar em afirmar que cada um de nós, neste momento,
ou é cristão, ou não é. Ou estamos “em Cristo”, ou estamos “fora de Cristo”.
Aristóteles uma vez lançou como proposição, sem dúvida verdadeira, que “Não
há meio entre os opostos”. Os opostos são opostos, e não há nada no meio, não
há nenhum meio entre eles. E “ou - ou.” No capítulo sete do Evangelho
Segundo Mateus, o nosso bendito Senhor e Salvador dá ênfase exatamente a
este ponto. Você não pode estar ao mesmo tempo no caminho estreito e
no caminho largo. Você não pode entrar por duas portas no mesmo
instante. Você não pode passar ao mesmo tempo por uma borboleta ou catraca, e
por uma porta larga. E impossível. Pois bem, é aí que começa a diferença entre o
cristão e o não cristão. O cristão entra por uma porta estreita e segue um
caminho estreito. O outro faz exatamente o contrário. Temos que ser uma coisa
ou outra. Essa é a afirmação do nosso Senhor. Vocês podem notar como Ele vai
repetindo isso - o profeta verdadeiro, e o falso; a boa árvore, e a ruim; o bom
fruto, e o mau; e, finalmente, nessa tremenda descrição dacasa sobre a rocha e da
casa sobre a areia. É sempre uma coisa ou outra, é ou - ou. Ou vocês são cristãos
ou não são cristãos. E estas coisas são absolutas. Vocês não são mais estranhos e
estrangeiros; vocês são cristãos, estão no corpo.
A posição do cristão não é uma posição vaga, indefinida, incerta. É verdade que
se vocês pensarem nela principalmente em termos de conduta e de
comportamento superficiais, então ela pode muito bem ser vaga. Posso traçar
facilmente um quadro descritivo e mostrar a vocês dois homens. Um deles é
notável por sua elevada moralidade, nunca faz mal a ninguém, sua palavra é sua
promissória, é honesto, justo e reto, um homem completamente bom, em todos
os sentidos da palavra. Entretanto, vejam agora o outro homem. Olhando os dois
de maneira geral, vocês não podem dizer que o segundo é bom como o primeiro.
Às vezes faz coisas que não devia fazer, ele não tem, talvez, um caráter
louvável. E, todavia, pode dar-se o caso deste segundo homem ser cristão e o
outro não. Pois o que determina se um homem é cristão ou não, não é a
sua aparência geral e o seu comportamento. Aquele estrangeiro que vive
em nosso país se parece exatamente com um inglês, faz as mesmas coisas, etc.;
não obstante o fato é que ele continua sendo estrangeiro. O fato de que ele se
parece com o cutro homem não significa que é como ele. A questão é:
suaresidência se apóianum passaporte ou em suacidadania? Vocês vêem, a prova
não é esta aparência geral, superficial. É exata-
mente isto que o Novo Testamento está sempre salientando. Este é um ponto
realmente fundamental. Concordaríamos que, ou somos definidamente cristãos,
ou senão, não somos cristãos? Concordaríamos que não existe isso de haver uma
posição intermediária em que o indivíduo espera ou tenta ser cristão? Se você
está simplesmente esperando ou tentando ser cristão, você não é. Estar na soleira
da porta não é estar dentro, e não ajuda nada estar na soleira quando a questão
é: você está dentro ou não? Quantas vezes isso é descrito nas Escrituras! O nosso
Senhor traça o quadro das pessoas que vêm bater àporta e dizem: “Abre para
nós”; mas a resposta que vem de dentro é: não, vocês estão fora, não são daqui.
Ou somos cristãos, ou não somos cristãos.
Ou vejam a outra ilustração que talvez coloque isso de maneira mais clara ainda.
Tomem o caso de uma pessoa que se acha noutra terra como forasteiro, como
estrangeiro. Pode ter vivido ali vinte, trinta, quarenta anos, gosta de viver ali, é
estimado por todos e se sente feliz. Todas as distinções parecem irrelevantes.
Que importa se o que ele tem é um passaporte, e não uma verdadeira cidadania,
e tem que providenciar renovação e visto e tudo o mais? Mas, esperem! Súbita e
inesperada-mente, o país natal deste homem e o no qual ele está vivendo, têm
um
litígio; não resolvem o litígio, e é declarada guerra. E este homem, que pode
estar vivendo há quarenta anos no país, de repente vê que é um estrangeiro, e
que todos o olham com suspeita. Poderá ser posto em reclusão ou ser enviado de
volta ao seu país. Parecia ser um membro da comunidade, um cidadão do país,
unido aos verdadeiros cidadãos; porém quando surge uma crise, uma prova, uma
tribulação, logo fica claro que, afinal, ele é um estrangeiro. Vimos muito desse
tipo de coisa neste país em 1914 e em 1939. As vezes chega a ser trágico,
contudo acontece.
geral. Não vou testar vocês, vocês vão testar a si próprios. Amigo, você quer
saber se você é ou não um estranho e forasteiro? Bem, responda estas perguntas:
você se sente realmente bem na igreja? Você se sente à vontade entre os
cristãos? Você se sente em casa? Ou você tem a incômoda sensação de que, de
algum modo, é de fora? É o que acontece quando você vai hospedar-se numa
casa de família, não é? Os hospedeiros são excelentes e mostram amizade, mas
você sente que não é dali, não se sente muito à vontade, está cônscio de que não
está em seu próprio lar, não consegue descontrair-se. Você é um estranho, afinal
de contas, embora todos lhe sejam bondosos, afáveis e amigos. Você se sente
em casa entre o povo de Deus? Você fica à vontade? Ou, apesar de tudo, não
passa de um estranho, um de fora, um intruso que realmente não se enquadra?
Ou, permitam-me colocá-lo assim: você se sente bem, tão bem entre os cristãos
como noutros círculos sociais e com outros tipos de companhia- e com as risadas
e pilhérias, as brincadeiras, e talvez as bebidas e o jogo, você tem liberdade com
eles e tem muito que dizer? Você é um deles? É assim? Você se sente um pouco
fora do seu elemento na igreja? Isto é tremendamente importante. Quando você
o coloca em termos de família, você vê como isso é inevitável. É um
desses imponderáveis, como lhes chamamos, algo que dificilmente você poderá
escrever, isto é, pôr no papel, mas você simplesmente sabe o que é. É assim que
eu me sinto, você diz; e o seu sentimento está certo.
mental, orgânico, e mais profundo que qualquer outra coisa. “Nós sabemos que
passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos.” Sentimento geral!
Mas não é só questão de linguagem, há algo mais. Você sabe algo dos assuntos
que estão discutindo? Você os entende, tem interesse nas questões? Outra vez,
permitam-me usar uma ilustração. Todos nós já tivemos este tipo de experiência.
Estamos hospedados numa casa de família, talvez. São todos excelentes,
bondosos e afáveis, e nos pomos a conversar. Então, de repente, alguém entra e,
observando o seu semblante, você pode dizer que aconteceu algo de grande
interesse para a família. Eles ficam sem graça, querem falar sobre o assunto,
porém
você está ali, e eles não podem fazê-lo. Por isso falam por meio de insinuações,
alusões indiretas e rodeios. Você não sabe do que estão falando. Eles se portam
desse modo porque você é um estranho - eles gostam de você, não o estão
insultando, mas você não os entende. Há estes problemas e questões íntimos que
eles não podem compartilhar com você, embora gostem muito de você, porque
você não pertence à família. Dá-se o mesmo com um país. E também é assim na
vida cristã. As questões, os assuntos e os problemas da vida cristã são do
seu conhecimento? Você se interessa por eles? Ou quando você se assenta e ouve
pessoas falando sobre eles, ou talvez quando você ouve alguém que está
tentando pregar, você diz a si mesmo: de que se trata? Não entendo. Se ele
estivesse falando sobre a visita de algum estadista estrangeiro, ou sobre alguma
nova medida apresentada no parlamento, claro que eu entenderia; todavia estas
outras coisas - de que se tratam? Que é isso? E tão aborrecível! É desse tipo a
maneira pela qual você pode verificar se é da família ou não.
“Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus.” - Efésios 2:19
Para as pessoas cujos olhos não foram iluminados pelo Espírito Santo, a Igreja é
tão-somente uma instituição. Eles podem gostar dela como instituição, podem
gloriar nela como instituição, mas não é isso que o apóstolo gostaria que estas
pessoas vissem. Ele ora no sentido de que os olhos do seu entendimento fossem
iluminados para que elas soubessem qual “a esperança da sua vocação, e quais as
riquezas da glória da sua herançanos santos; equal a sobreexcelen te grandeza do
seu poder sobre nós, os que cremos” (1:18). Já iniciamos a nossa consideração
deste versículo mostrando como o apóstolo ressalta a vital importância de
estarmos absolutamente certos de que estamos na posição descrita neste
versículo. Não podemos esperar compreender os privilégios da posição se não
soubermos em que consiste a posição, e se não estivermos completamente
seguros de que estamos nela. Vimos a importância de saber com certeza que não
somos mais estranhos e estrangeiros, de saber, como me aventurei a colocá-lo,
que não residimos mais baseados num passaporte, e sim que realmente nós
temos as nossas certidões de nascimento, que realmente somos membros
da Igreja. A minha opinião é que, se tão-somente nos déssemos conta do que é
ser cristão e membro da Igreja Cristã, muitos dos nossos problemas, senão todos,
seriam imediatamente resolvidos. Se tão-somente pudéssemos subir às alturas
danossa alta vocação em Cristo Jesus e darmos conta de que ocupamos esta
posição, as picuinhas e os problemas
Portanto, certamente não há nada que seja mais importante hoje, de todos os
pontos de vista, do que compreendermos estas coisas. É importante para nós
pessoalmente. Muitas das nossas aflições, dificuldades e tribulações, muitos dos
nossos problemas seriam encarados de maneira inteiramente diferente, se de fato
nos víssemos como somos em Cristo. E, mais importante ainda, se toda algreja
simplesmente compreendesse o que ela é, j á estaria na estrada real de chegada a
um verdadeiro avivamento e a um poderoso despertamento espiritual. É
porque deixamos de compreender estas coisas que não oramos por
avivamento como devíamos, e não o buscamos e não ansiamos por ele. Não é
de admirar, então, que o apóstolo dê tanta ênfase a isto. Aqui ele o coloca na
forma de várias figuras. Temos as três figuras apresentadas juntas, quase
concomitantemente: a primeira, a Igreja como um grande Estado ou reino; sim,
mas ela é também uma família; sim, e também um templo. Ele j á nos dera antes
uma figura na qual compara a Igrej a a um corpo, um só corpo, um só novo
homem. E vocês verão que, no capítulo cinco desta Epístola, ele usa ainda outra
ilustração, pois nessa passagem ele diz que a relação entre a Igreja e o Senhor
Jesus Cristo é a que existe entre uma esposa e o seu esposo. É interessante notar
que, desse modo, o apóstolo usa uma variedade de figuras e ilustrações; e é
importante entender a razão pela qual ele o faz. Toda e qualquer ilustração é
insuficiente. A verdade é tão grande, tão multifacetada, tão gloriosa, que ele se
vê forçado a multiplicar as suas figuras e imagens. Cada uma delas comunica
algum aspecto particular, e nos habilita a ver uma faceta peculiar da verdade não
transmitida muito bem pelas outras ilustrações e figuras.
Passemos agora à primeira figura. “Não sois estranhos e estrangeiros”! (VA), diz
o apóstolo. Bem, nesse caso, o que somos? “Concidadãos dos santos”! Essa é a
primeira figura. Que é que isso nos diz? Ensino deveras rico! Aqui ele compara
a Igreja a uma cidade, ou
a um Estado, ou a um reino. Não nos surpreende que o apóstolo tenha feito isso.
Naqueles tempos antigos havia grandes cidades-Estados, ou Estados-cidades;
certas cidades eram, em si mesmas, verdadeiros Estados. Mas, acima e além
disso, naturalmente, havia grandes Estados, grandes reinos, grandes impérios. Na
ocasião em que escreveu estacarta, provavelmente o apóstolo era prisioneiro em
Roma, a própria metrópole e centro nervoso do grande Império Romano. Roma
era a capital, e tinha os seus povos espalhados por todo o mundo civilizado da
época, com governadores e outros funcionários importantes pondo em execução
as ordens e instruções do governo central e, em última instância, do imperador.
Não admira, pois, que o apóstolo tenha pensado na Igreja como algo semelhante
a isso. Ela é como um grande Estado, um grande império, um grande reino, e ele
usa a ilustração para transmitir a estes efésios um ensino muito precioso.
Não se trata de uma nova idéia que de repente ocorreu ao apóstolo Paulo. E uma
concepção muito importante que se acha na Bíblia toda. Há grandes seções das
Escrituras que simplesmente não poderemos entender, a não ser que captemos
esta idéia particular. Na vocação de Abraão - que é um dos grandes pontos
divisórios da história - Deus estava dando os primeiros passos para a formação
de uma nação paraEle próprio. Até aquela altura Deus tratava com o mundo
inteiro, por assim dizer. Os onze primeiros capítulos do livro de Gênesis tratam
do mundo todo e da história do mundo todo e de toda a sua população. Mas,
no começo do capítulo doze de Gênesis, no chamamento de Abraão, o registro
começa a tratar especial e especificamente da história de uma única nação. Ali
nos é apresentada logo a idéia de que o povo de Deus é reino de Deus, nação de
Deus - toda esta concepção de Estado. No capítulo dezenove de Êxodo repete-se
muito claramente amesma coisa. Pouco antes da entrega dos Dez Mandamentos
e da lei moral, Deus disse a Moisés que o povo devia dar-se conta de que era
uma “nação santa”, que eles eram “cidadãos de Deus”, que pertenciam a Ele, que
Ele era o seu Rei, e eles o Seu povo. Isso deveria dominar toda a perspectiva
dos filhos de Israel. Antes de levá-los e introduzi-los na terra prometida,
Ele queria que eles compreendessem isso. Toda a tragédia dos israelitas foi que
não o compreenderam. Nunca se aperceberam precisamente disso, que eles eram
reino de Deus, um reino de sacerdotes, uma nação santa para Deus. E por causa
da sua incompreensão, toda a sua tragédia desceu sobre eles, e deixou esculpida
a triste imagem que deles vemos descrita no Velho Testamento. Contudo, ainda,
se vocês forem ao livro de Daniel, verão esta concepção exposta de maneira
sumamente admirável. E a
grande mensagem daquele livro. Em todo ele lemos sobre reinos, lutas entre
reinos e a relação deste reino de Deus com aqueles outros reinos; os animais que
representam aqueles outros poderes - a Babilônia, que já existia, a Medo-Pérsia,
a Grécia, e Roma, que surgiram mais tarde -e este reino. Na verdade, a
mensagem de todos os profetas era uma tentativa de inculcar nos filhos de Israel
a sua peculiar relação com Deus como cidadãos do Seu reino eterno. Depois,
quando vocês chegam ao Novo Testamento, vocês vêem que este é um tema
central do ensino do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Vejam as Suas
parábolas do reino. Ele sempre pensava em termos do reino. Ele dizia que tinha
vindo para estabelecer um reino. Ele Se dizia Rei - e foi crucificado por dizê-
lo, num sentido, num nível puramente secular. Todo o Seu ensino é sobre o reino
e sobre pessoas entrando em Seu reino. Ele começa dizendo a Nicodemos:
“Aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. Esse tema
integra a Sua mensagem toda. O Sermão do Monte tem sido acertadamente
descrito como o manifesto desse reino. E o tema se vê constantemente nos
escritos do apóstolo Paulo. Vocês o verão igualmente na Primeira Epístola de
Pedro. Ele cita as palavras do Êxodo, capítulo 19, e acrescenta: “Vós, que em
outro temponão éreispovo, mas agora sois povo de Deus” (1 Pedro 2:9-10). Ele
aplica isso a todos os membros da Igreja Cristã. E no livro de Apocalipse vocês
vêem exatamente a mesma coisa. Está claro, então, que esta é uma doutrina vital
na Bíblia; e, como povo cristão, convém que a estudemos, a compreendamos e a
apliquemos a nós mesmos, para que nos gloriemos e nos regozijemos nela, como
se espera que façamos. Qual é, então, o ensino?
Examinemo-lo assim: o que é que isso nos fala acerca de nós mesmos? Que
espécie de definição da Igreja isto nos dá? E muito simples, se vocês tiverem
uma clara concepção de um Estado ou reino ou cidade. A primeira coisa que este
ensino salienta é que nós somos um povo que foi separado e tornado distinto de
todos os outros. As cidades antigas tinham todas um muro ao seu redor, o muro
da cidade. Vocês ainda podem ver restos e remanescentes destes muros
em diversas cidades. Ainda existe uma parte desta cidade de Londres chamada
Muro de Londres, e há outras cidades, como Cantuária e Chester, onde se vê a
mesma coisa. Qual era o propósito do muro? Bem, era para separar os cidadãos.
O muro os mantinha dentro e os outros fora. Havia portas que davam passagem
através do muro da cidade; as portas eram fechadas numa certa hora e eram
abertas noutra hora, na manhã
Ou, se vocês não quiserem pensar em termos de cidade mas preferirem pensar
em termos de países ou de Estados, sempre há limites ou fronteiras. Pode ser o
mar, pode ser um rio ou uma cadeia de montanhas, ou pode ser umalinha de
demarcação imagináriatracadapor autoridades. Não importa qual seja, contudo
sempre tem fronteira, e não se pode passar de um Estado a outro sem cruzar a
fronteira. Você terá que passar pela alfândega e mostrar o seu passaporte e deixar
que examinem os seus objetos, porque está na fronteira! Não se pode pensar num
Estado ou numa cidade ou num reino sem fronteiras. E o dever das fronteiras é
dizer a certas pessoas: até aqui, sim, mas não além deste ponto; e dizer aos que
estão dentro das fronteiras: esta é a sua cidade, este é o seu país, esta é a terra a
que vocês pertencem.
A importância desta doutrina deveria ser evidente por si mesma. Você não pode
ser cristão sem ser uma pessoa separada. Você não pode estar no reino de Deus e,
ao mesmo tempo, no reino “do mundo”. Há este “ou - ou” fundamental,
gostemos ou não. Este mesmo apóstolo lembra aos gálatas que Deus, no Senhor
Jesus Cristo, livrou-nos do “presente século mau” (Gálatas 1:4). Escrevendo aos
colossenses, ele diz: “O qual nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou
para o reino do Filho do seu amor” (1:13). Que concepção
tremendamente importante é essa! Se somos cristãos, somos separados, não
somos mais como os outros todos. Entretanto alguémpoderáperguntar: mas isso
não é ser farisaico? Não é ser orgulhoso? Nada disso! O fariseu separou-
se, porém o fez de modo errado; o erro não estava na separação, estava
no espírito com que ele a fez. Não estou defendendo a atitude do sou--melhor-
que-você, mas o que estou dizendo é que, como cidadão do reino dos céus, sou
diferente dos que não são cidadãos desse reino. Quão prontos estamos para
afirmar isso ao nível nacional - sou inglês, ou lá o que seja! Temos todo o
cuidado de ressaltar a distinção, que não somos outra coisa. E, todavia, quando
passamos à esfera espiritual, há os que se opõem. Isso é ser estreito, dizem eles,
é ser causador de divisão. Mas, sejamos coerentes, sejamos lógicos, acima de
tudo sejamos bíblicos. Seja qual for o nosso pensamento a respeito, o fato é que,
como cristão, como membro da Igreja, você foi tirado do mundo, você foi
separado. E, se você não se der conta disso e não se regozijar nisso, haverá
bom motivo para questionar se você é cristão afinal. É básico, é fundamental, é
uma das primeiras coisas que deveriam ser óbvias.
do reino de Cristo. Onde está o reino de Cristo? O reino de Cristo está onde quer
que Cristo reine; portanto, o reino de Cristo pode estar no coração do indivíduo.
Cristo reina nos corações de todos os que Lhe pertencem e se submetem a Ele. O
reino de Cristo está na terra e no céu, em Seu povo. Seu reino não é deste
mundo, é provisoriamente invisível, mas é real. O reinado, o governo e a
autoridade de Cristo, onde quer que estejam, é o Seu reino. É disso que o
apóstolo está falando. Cristo é o nosso Profeta, o nosso Sacerdote e o nosso Rei,
e todos os que reconhecem o Seu governo e se inclinam diante dEle em
obediência, são cidadãos do Seu reino eterno. O valor e a importância de se ver
este assunto desse modo toma-se evidente quando nos damos conta de que ele
nos diz que aqui e agora podemos ser cidadãos daquele reino, que durará para
todo o sempre. Entramos nele agora, e continuaremos nele por toda a eternidade.
nações têm grande orgulho disso, e muitas vezes as suas rivalidades e invejas as
levam a conflitos. Isso mostra como apreciam o privilégio, e o orgulho que
sentem pela esfera e pela extensão dos seus reinos. Mas por certo vocês
recordam como o nosso bendito Senhor definiu e descreveu o Seu reino neste
aspecto. Ele disse: “O meu reino não é deste mundo”. Referiu-Se a ele como o
reino do céu, ou “o reino dos céus”. E o apóstolo, escrevendo aos filipenses, diz:
“A nossa cidade está nos céus” (3:20). Estamos na terra, porém a nossa
cidadania é lá. Alguém traduziu essa frase com as palavras: “Somos uma colônia
do céu”. Sim, estamos na terra, mas agora simplesmente uma colônia; a nossa
capital não é Londres, Paris ou Nova York, e sim o próprio céu.
de Israel. O que Paulo quer dizer aqui é o que o homem que escreveu o Salmo
oitenta e sete, versículos cinco e seis, tinha em mente quando disse: “E de Sião
se dirá: este e aquele nasceram ali; e o mesmo Altíssimo a estabelecerá. O
Senhor contará na descrição dos povos que este homem nasceu ali”. Vocês vêem
o que ele quer dizer? Ao nível natural, os homens se orgulham de pertencer a
uma nação capaz de produzir um ^Shakespeare - a terra de Shakespeare! A terra
de Marlborough! A terra de Wellington; aterradePitt; a terra de Cromwell - a
terra desses gigantes que foram estadistas, poetas, artistas etc.! Que orgulho,
pertencer a uma nação como esta - tais homens nasceram aqui, foram criados em
nossa terra, ossos dos nossos ossos, por assim dizer, ecarnedanossacarne. Mas
aBíbliadiz: “O Senhor contará na descrição dos povos que este homem nasceu
ali”. E esse o povo ao qual pertencemos. Somos concidadãos de Abraão, o maior
cavalheiro que já viveu, aquele que teve a distinção de ser chamado “amigo de
Deus”. Não seria uma coisa maravilhosa entender e saber que você pertence
à mesma cidade, ao mesmo reino a que Abraão pertenceu? E não
somente Abraão, mas também Moisés, Davi, Isaías, Jeremias, e todos
aqueles valorosos homens do Velho Testamento. Pertencemos a eles, estamos na
mesma cidade, temos estes interesses comuns e esta lealdade comum. Devo
confessar que para mim é, talvez, a maior emoção perceber que sou um
concidadão do apóstolo Paulo, que, como cristãos somos um com ele, que temos
os seus interesses em nossos corações, e que as mesmas coisas que o moviam
nos movem. E o veremos e passaremos a eternidade com ele, e com todos os
outros apóstolos.
E vocês sabem disso? Sabem que eu e vocês vamos reinar com Ele? É o que
Paulo diz em 1 Coríntios, capítulo 6: “Não sabeis vós que os santos hão de julgar
o mundo? Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos?” É um reino
inabalável. É um reino que não terá fim. E o reino eterno de Deus e do Seu
Cristo. E eu e vocês, se somos cristãos, já estamos nEle, já somos seus cidadãos.
Graças a Deus, “já não somos estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos
santos”.
PRIVILÉGIOS E RESPONSABILIDADES
“Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus.” - Efésios 2:19
Pensem, por exemplo, nos benefícios que gozamos por sermos cidadãos desse
reino. Essa é uma das primeiras coisas em que se pensa em conexão com um
reino. Como cidadão de um país, você goza todos os benefícios do reino, do
governo e das leis dessa comunidade particular. Com freqüência a orgulhosa
vangloria dos cidadãos deste país (Inglaterra), é que ele é a pátria da liberdade -
da democracia parlamentar, e assim por diante. Pois bem, são essas as coisas que
desfrutamos como resultado da nossa cidadania neste país. Noutros países
hápessoas que não têm estes privilégios, ainda vivem mais ou menos em
servidão. Há outros que estão debaixo de tiranias terríveis. Uma das
melhores coisas da cidadania é que ela dá de imediato a você o direito de
gozar todos os benefícios do sistema e forma de governo, e da economia de
um Estado particular.
Podemos transferir tudo isso para a esfera da Igreja. O apóstolo já nos fizera
lembrar isso, no capítulo primeiro, no versículo três, onde ele diz: “Bendito o
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo”. Esse é o sumário de todas
as bênçãos deste reino particular. São intermináveis, e é impossível tentar
descrevê-las. Mas devemos apegarmos ao grande princípio de que todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo são nossas. O reino, a cidade
a que pertencemos é um reino, uma cidade em que todas as bênçãos são dadas
gratuitamente; é do beneplácito do Rei que elas sejam dadas. Ele Se deleita em
fazê-lo. Ele Se interessa pelos Seus cidadãos, interessa-Se por todo o Seu povo;
seu bem-estar ocupa um lugar especial em Sua mente e em Seu coração. Ele é o
Pai do Seu povo, e Se interessa por seu bem-estar e por sua felicidade em todos e
cada um dos seus aspectos.
Vejam outra declaração feita pelo mesmo apóstolo: “Aquele que nem mesmo a
seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará
também com ele todas as coisas?” (Romanos 8:32). O nosso Senhor também
afirma que “até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados”
(Mateus 10:30), e que nada pode acontecer independentemente de nosso Pai.
Muito do ensino do Sermão do Monte destina-se a inculcar esta idéia do
interesse e preocupação especial de Deus pelo Seu povo. É uma coisa que faz
parte de toda a concepção de um reino com seu rei e seus cidadãos. E por isso
devemos lembrar-nos deste fato deveras maravilhoso. Neste reino de Deus e
do Seu Cristo, ao qual pertencemos, todos os recursos da Deidade são para nós.
Esse é o ensino da Bíblia, em toda parte. O Velho Testamento diz muita coisa
acerca do interesse de Deus por Seu povo. Isso está ainda mais claro no Novo
Testamento. Somos os beneficiários de todas estas admiráveis, indizíveis,
insondáveis riquezas e bênçãos do reino de Deus.
Outro privilégio é que temos o direito de acesso ao Rei. Essa verdade inclui o
mais humilde cidadão do território. Em última instância, ele tem direito de apelar
para o rei. Todo o processo da lei está ali, num sentido, para habilitá-lo a exercer
esse direito. Ele pode recorrer de
uma autoridade para outra superior, até por fim apelar para o rei. Pois bem, isso
aplica-se a cada um de nós, como cristãos. Temos um Rei que, apesar de ser o
Rei dos reis e o Senhor dos senhores, e o Governador dos confins da terra,
conhece os Seus cidadãos individualmente e por eles Se interessa. Você está
sobrecarregado, leva um pesado fardo, está lutando e pelejando? Lembro-lhe que
você tem direito de acesso ao Rei. Leve a sua causa a Ele. Por maior que seja
aquilo que está ocupando a Sua atenção, eu lhe garanto que, se você estender a
mão quando Ele estiver passando e lhe apresentar a sua petição, Ele terá tempo
para ou vi-lo, para olhar para você e para tratar do seu caso. Nunca nos
sintamos sumidos na Igreja ou no grande mundo em que vivemos.
Nunca pensemos que somos tão pequenos e insignificantes que este grande
e exaltado Rei não Se interessa por nós. O ensino geral das Escrituras salienta o
inverso e o contrário. Ele está pronto a ouvir o seu humilde clamor.
outros fiquem sem nada. Essa é a idéia. E caracteriza mais propriamente o reino
de Deus. Há uma injunção específica, neste sentido: “Mas nós, que somos fortes,
devemos suportar as fraquezas dos fracos” (Romanos 15:1). “Levai as cargas uns
dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo” (Gálatas 6:2).
Certamente não há nada que nos seja mais precioso do que a maneira pela qual,
como cidadãos juntos, como membros da Igreja Cristã juntos, sabemos e
experimentamos isso na prática. Haveria alguma coisa mais animadora para o
cristão do que saber que outros oram por ele? - que outros têm você, o seu fardo
e o seu problema em seus corações e estão fazendo intercessão por você? Eles
não estão pensando somente em si mesmos, você é um concidadão, vocês se
pertencem. Oramos uns pelos outros, sentimos uns com os outros, entendemo-
nos uns aos outros. Eu poderia desenvolver este ponto extensamente; deixem-
me, porém, dizê-lo simplesmente desta forma: quantas vezes soubemos da
seguinte experiência! Sentimo-nos de tal modo que mal podemos orar, estamos
desanimados, e talvez o diabo tenha estado particularmente ocupado conosco, e
nos esquecemos inteiramente do fato de que temos este acesso direto ao próprio
Rei. Enquanto estamos tendo comiseração por nós mesmos, de repente nos
encontramos com outro cristão e, começando a conversar, vemos que ele ou ela
está com o mesmo problema ou dificuldade. Imediatamente somos
tranqüilizados efortalecidos. E assim vamos adiantejuntos. Levamos as cargas
uns dos outros. “A lágrima de compaixão”, a compreensão! Estamos indo juntos
para Sião, através de uma terra estranha. E deveras maravilhoso aperceber-nos
de que os recursos de outros, a força e a habilidade de outros, estão à nossa
disposição em nossas dificuldades. E, por sua vez, quando eles estão deprimidos
enós estamos alegres, podemos ajudá-los. E admirável a comunhão entre os
concidadãos!
Isso tudo se aplica com mais propriedade à esfera da Igreja. Vejam certos
exemplos do Velho Testamento. Eis aí um homem de Deus duramente
pressionado, seus inimigos a cercá-lo e a atacá-lo. Que poderá fazer? Ele diz:
“Torre forte é o nome do Senhor; a ela correrá o justo, e estará em alto refúgio”
(Provérbios 18:10). “O nome do Senhor! ” Há uma exposição maravilhosa disso
nos Salmos três e quatro, onde o salmista nos conta que estava cercado por todas
as espécies de perigos e de inimigos furiosos. E, todavia, eis o que ele escreve:
“Tu, Senhor, és um escudo para mim, a minha glória, e o que exalta a
minha cabeça. Com a minha voz clamei ao Senhor, e ouviu-me desde o seu santo
monte. Eu me deitei e dormi; acordei, porque o Senhor me sustentou. Não
temerei dez milhares de pessoas que se puseram contra mim e me cercam.
Levanta-te, Senhor; salva-me, Deus meu; pois feriste a todos os meus inimigos
nos queixos; quebraste os dentes aos ímpios. A salvação vem do Senhor”.
Zacarias diz algo semelhante: “Porque assim diz o Senhor dos Exércitos: depois
da glória ele me enviou às nações que vos despojaram; porque aquele que tocar
vós toca namenina do seu olho” (2:8). Vocês querem algo que vá além disso?
“Aquele que tocar em vós”, diz Deus a você como cristão, “toca na menina do
meu olho” - o ponto mais sensível do Meu ser. Essa é a proteção. “Dou-lhes a
vida eterna”, diz o Senhor Jesus Cristo, “e nunca hão de perecer, e ninguém as
arrebatará daminhamão” (João 10:28). Haverá algum lugar mais seguro que
esse? “Se Deus é por nós”, diz Paulo, “quem será contra nós?” (Romanos 8:31).
“O Senhor é o meu ajudador”, diz o escritor da Epístola aos Hebreus, “e não
temerei o que me possa fazer o homem” (13:6). Diz João, em sua Primeira
Epístola, “maior é o que está em vós do que o que está no mundo” (4:4). Pode
ser que o inimigo esteja atacando e ferindo você; não revide, não se vingue, diz
Paulo, pois “Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o SENHOR” (Romanos
12:19).
fazem isso por qualquer coisa pela qual se interessem. Está alguém interessado
em música? - está sempre falando sobre música. Está interessado em futebol?
Não gritaria, torcendo pelo seu time? Vocês não os têm ouvido aos milhares? O
interesse pela agremiação deles! Não contentes com isso, usam os seus
mascotes, as suas cores especiais, pagam muito dinheiro para ir ver seu time j
ogar. O entusiasmo! A paixão! Essa é a esfera do seu interesse.
Mas, que dizer de nós? Somos cidadãos de um reino que não pertence a este
mundo - o reino celestial que estivemos descrevendo. Que dizer a respeito?
Temos orgulho dele? Estamos mostrando de que lado estamos? Estamos
mostrando as nossas cores? Ou, quando estamos em companhia de certas
pessoas, procuramos ocultar que somos cristãos? Quando estamos com pessoas
que não observam o domingo, e que antes desprezam as que freqüentam a igreja,
procuramos dar a impressão de que essa é também a nossa posição? Não admira
que as multidões estejam fora da igreja, quando tantas vezes nós damos a
impressão de que nos sentimos um pouco envergonhados pelo fato de
estarmos dentro. Todavia não é só questão de envergonhar-nos. Se nos
déssemos conta da verdade acerca da nossa posição, ficaríamos
comovidos, ficaríamos emocionados. Como o homem que diz, “Esta é a minha
terra natal, a minha terra”, nós nos gloriaríamos em nosso reino e
nos gabaríamos dele, estaríamos prontos a aclamá-lo e, se necessário, a morrer
por ele. Nós o enalteceríamos, e enalteceríamos as suas virtudes e todos os altos,
grandes e gloriosos privilégios dele decorrentes, e estaríamos ansiosamente
desejosos de que todos o conhecessem e pertencessem a ele - como acontece
com alguém que se encontra num país estrangeiro. Os homens deste país,
quando no exterior, não escondem que são britânicos, querem que todo o mundo
saiba disso. E as pessoas que vêm para cá de outros países fazem o mesmo, e
fazem muito bem! Do mesmo modo, como cidadãos deste reino glorioso,
devemos mostrar sempre a nossa lealdade a esse reino, e gloriar-nos no fato de
que pertencemos a ele.
Essa é uma boa maneira de estudar a prática cristã. Em nossa vida diária, quando
nos assaltam dúvidas sobre se devemos fazer algo ou não, ou se devemos usar
isto ou aquilo, esta é a nossa prova: serve para mim? Condiz? Se eu vestir este
manto, ele está de acordo com meu chapéu e os meus sapatos? E digno?
Combina com... ? Essa é a figura, a ilustração utilizada pelo apóstolo. Se não
servir, se não combinar, se não for próprio e não estiver em harmonia com o
restante, devo largar dele. Que toda a sua conduta seja governada pelo evangelho
de Cristo. Todas as minhas ações devem ser controladas por ele. E preciso que
seja uma realidade global. Cada ato deverá ser digno, próprio, pertinente.
Assim, você deve pensar nas grandes doutrinas da fé e perguntar: esta espécie de
conduta é consoante com essa fé? Convém ao evangelho de Cristo?
Finalmente, deveria ser óbvio que, como cidadãos deste reino, devemos sempre
estar preocupados com a defesa do reino, com a defesa das suas leis e com a
defesa de tudo o que é propugnado por esse reino. A bandeira! Devemos estar
dispostos a morrer pela “bandeira”; ela representa o país e tudo o que lhe
pertence. Isso é igualmente verdade quanto a nós, no sentido espiritual. Não
mais somos estranhos e
estrangeiros, mas concidadãos dos santos. Em dias como os atuais somos
convocados pera defender esta “bandeira”, a Bíblia. Ela está sendo atacada e
ridicularizada. Vocês a estão defendendo? Não basta dar o
seu testemunhocomoumadefesadaBíblia. Vocês têm que preparar-se
para defender a Bíblia. Para começar, vocês têm que conhecer a Bíblia. E vocês
têm que ter algum conhecimento dos livros que os ajudarão a defender a Bíblia.
Boa vontade e boas intenções não defenderão o país. Para defender o país, o
homem tem que entrar no exército e tem que ser treinado, fazer exercícios e
aprender a ser disciplinado; goste ou não, terá que fazê-lo “à força”, como se diz.
E eu e você temos que aprender “à força” a defender a bandeira, o país, o reino.
O nosso livro está sendo atacado; a nossa fé está sendo atacada. Temos que estar
“sempre preparados”, diz Pedro, “para responder a qualquer que nos pedir
a razão da esperança que há em nós” (1 Pedro 3:15). Como poderemos fazê-lo?
O reino está sendo atacado por um inimigo poderoso, e eu e vocês estamos
sendo convocados como combatentes para que façamos a nossa pequena parte
individual. Não há maior honra, não há privilégio mais alto. A vitória é certa e
segura. Mas seria trágico, quando chegar o grande e glorioso dia de celebrar essa
vitória, se algum de nós achasse que não fez absolutamente nada, que
simplesmente ficamos sentados enquanto alguma outra pessoa fazia o trabalho, a
defesa, a luta, o esforço.
Não precisamos ser todos grandes peritos na arte da guerra. Deixem-me usar
uma analogia humana. Não precisamos ser todos soldados de carreira; você não
precisa ser, necessariamente, um obreiro de tempo integral, pode engaj ar-se na
Defesa Civil do reino de Deus. Um policial de alto nível. Ache tempo para isso.
Tenha um só interesse. Dedique-se a ele. O reino de Deus está sendo atacado e
ridicularizado. Saltemos logo em sua defesa, por pequeno que seja o serviço
que possamos prestar.
Noutras palavras, como cidadãos deste reino, o nosso maior desejo, a nossa
principal ambição, sempre deverá ser que as suas fronteiras sejam ampliadas e
ele se torne cada vez mais poderoso e cada vez mais glorioso, até o dia em que
“os reinos do mundo vierem a ser de nosso Senhor e do seu Cristo”.
“Jánão sois estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos” neste reino
glorioso. E por essa razão somos apenas estrangeiros e peregrinos neste mundo,
com todo o seu artificialismo, ostentação com toda a sua louca confiança
própria, que darão em nada. Graças a Deus, não pertencemos a isso. Aqui somos
apenas estrangeiros. “A nossa cidadania”, graças a Deus, “está no céu.”
29
DA FAMÍLIA DE DEUS
“Assim, que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus.” - Efésios 2:19
Tendo considerado a primeira figura que o apóstolo emprega para nos mostrar o
privilégio de sermos membros da Igreja Cristã, a saber, a de cidadãos de um
Estado, agora chegamos à sua segunda figura. Os cristãos verdadeiros não são
somente concidadãos dos santos, mas também são “da família de Deus”.
Obviamente, aqui há algo diferente, há um avanço. No entanto, de novo,
lembremo-nos de que as duas coisas que Paulo quer assinalar são este princípio
da unidade e também a grandeza do privilégio. Podemos perguntar, porém: por
que ele usa desse modo uma segunda figura? E por que, na verdade, ele vai usar
uma terceira figura, que estudaremos mais adiante? A resposta, penso eu,
é óbvia: é que ele sentiu que só a primeira figura não era suficiente. Ela nos dá
uma idéia, apresenta-nos uma parte vital da doutrina, mas não inclui tudo. Não é
suficientemente compreensiva. Ela estabeleceu um tremendo aspecto, que já
consideramos, porém há muito mais para ser dito. Portanto, convém que
consideremos e descubramos porque ele emprega esta segunda ilustração.
Portanto, o que temos que fazer é comparar e contrastar a idéia de Estado com
a idéia de família. E é só quando fizermos isto que compreenderemos porque o
apóstolo introduz a segunda figura e em que sentido esta segunda figura constitui
um definido avanço em relação à
primeira, e nos leva a uma percepção mais profunda da verdade acerca da
unidade de todos os cristãos e da grandeza do privilégio que gozamos. Devemos,
pois, considerar os pontos de contraste entre o Estado e a família.
Vê-se tudo isso na parábola do filho pródigo. O filho foi para casa e disse a seu
pai: “Pai, pequei contra o céu e perante ti, e jánão sou digno de ser chamado teu
filho”. E ia acrescentar, “faze-me como um dos teus jornaleiros”. Mas o pai não
pode considerar o seu rapaz, embora pródigo, como um dos seus serviçais. Isso
simplesmente não pode acontecer. Diz ele: não, não, você volta como meu filho;
e o abraça, e lhe traz o melhor traje e o anel, e mata o bezerro cevado. Meu filho!
Esse é o método divino de salvação. É, pois, importante que captemos
este princípio, a fim de nos habilitarmos a engrandecer a graça de Deus.
Que plano de salvação! Que esquema de redenção! Não satisfeito com
outra coisa, senão que estejamos na Sua presença como Seus filhos! Se não nos
dermos conta disso, não nos daremos conta da grandeza e das riquezas da graça
de Deus.
Outro ponto muito importante é o seguinte: vocês notam que isso só é verdade
quanto a nós no Senhor Jesus Cristo e por intermédio dEle. Isso só é próprio dos
que estão “em Cristo”. Isso é absolutamente vital e fundamental, porque há
corrente hoje um frouxo ensino concernente à paternidade universal de Deus,
assim chamada, e à
Portanto, Deus não é Pai dos que não crêem em Cristo. E não há quem possa ir a
Deus e Lhe pedir algo, dizendo: “Meu Pai”, a não ser que vá “pelo sangue de
Cristo”, confiando unicamente em Sua obra perfeita. Isso, como vocês sabem,
muitas vezes é negado hoje. Muitos falam leviana, desembaraçada e
relaxadamente sobre ir a Deus sem sequer mencionar o nome do Senhor Jesus
Cristo. Um dia se despertarão para verem que Ele nunca os conheceu, que eles
estão fora, que não pertencem à família. Sem Cristo, esse relacionamento não
existe. Por outro lado, deixem que eu diga enfaticamente que esta bênção é
uma realidade quanto a todos os cristãos verdadeiros. Nisso não há
divisões quanto aos cristãos - são todos “concidadãos dos santos e da família
de Deus”. Portanto, devemos rejeitar todos os ensinamentos que dizem que
alguns cristãos não são filhos de Deus, e que traçam uma distinção entre filhos e
criaturas. Criaturas e filhos, neste sentido, são iguais, e você não pode ser cristão
sem ser uma criatura de Deus e um filho de Deus. Os termos aplicam-se
igualmente a todos os cristãos.
É importante compreender isso, pela seguinte razão: se eu e vocês
somos filhos de Deus, não temos direito de viver como se fôssemos apenas
empregados. Não temos direito de viver na cozinha da casa. Somos filhos! - e
todos os cristãos que não se dão conta disso, eque estão levando uma vida de
serviçal, estão desonrando a Deus e estão difamando a glória eterna da Sua
graça. Por isso é importante compreender mais este avanço na doutrina. Se não o
compreendermos, cairemos naqueles diversos erros e, com isso, estaremos
difamando a glória do Senhor Jesus Cristo. Nós O estaremos tirando do centro,
Elejá não será crucial, o Seu sangue estará sendo posto de lado e em descrédito.
Ele não será tudo para nós, e não glorificaremos Seu Pai como devemos.
Esse é, então, o primeiro motivo pelo qual devemos captar esta verdade. E
indispensável para um verdadeiro entendimento da doutrina da salvação.
Quais são estes privilégios? Eis o primeiro: Deus é nosso Pai. O eterno e
sempiterno Deus! Podemos ir a Ele como nosso Pai. Vocês recordam o que
opróprio Senhor Jesus Cristo disse: “Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e
vosso Deus” (João 20:17). Certamente não há maior honranem maior dignidade
que possamos vislumbrar ou compreender do que justamente esta - levar sobre
nós o nome de Deus. Não admira que João, no prólogo do seu Evangelho, tenha
dito que “a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder (o direito, a autoridade)
de serem feitos filhos de Deus” (1:12). Não há o que supere isso, não há o
que conceber acima disso, que somos de fato membros da família de Deus. Isso
nos caracteriza literalmente como cristãos. Diz ainda João: “Amados, agora
somos filhos de Deus” (1 João 3:2). Não sabemos o que seremos em toda a sua
plenitude, continua ele dizendo, mas isto sabemos, que já, agora, somos filhos
de Deus. O apóstolo Pedro ocupa-se igualmente disso e afirma que “somos
participantes da natureza divina” (2 Pedro 1:4). Cada vez mais me parece que é a
nossa falha neste ponto que realmente explica por que a Igrej a Cristã está como
está. E não se trata do que fazemos ou tentamos fazer; enquanto não voltarmos
a isto, e realmente não o compreendermos, enquanto não o sentirmos e
não experimentarmos o seu poder, não vejo esperança para a Igreja. Somos
filhos de Deus, participantes da própria natureza divina.
Depois, por causa disso, a segunda coisa que nos caracteriza em nossa relação
com Deus como nosso Pai é que temos o direito de aproximar-nos dEle, o
mesmo direito que uma criança tem quanto ao seu pai. Paulo já o dissera num
versículo anterior: “Porque por ele ambos temos acesso” - não a Deus, vocês se
lembram, mas - “ao Pai em um mesmo Espírito”. Isso é tão extraordinariamente
forte que mal podemos recebê-lo; mas é verdade. Posso usar uma ilustração
simples e óbvia? Imaginem um homem, alguém responsável por uma
grande empresa, com centenas, talvez milhares de pessoas a seu serviço e sob a
sua direção, um homem excepcionalmente ocupado. É evidente que esse homem
não pode cuidar pessoalmente de todos os pormenores do seu negócio ou das
obras ou do que seja. Ele só lida com grandes princípios; ele tem os seus
gerentes e subgerentes, chefes etc., e esses tratam das minúcias das coisas dos
seus respectivos departamentos. Se você levar um detalhe de algum
departamento a esse grande homem, que é o chefe de todos, o presidente da
companhia, ele simplesmente o despedirá, pois não tem tempo para essas coisas.
E contudo o vejo ali, um certo dia, em seu escritório, sentado à mesa de trabalho,
com todas estas grandes tarefas em mente, e talvez com vultosas quantias
para administrar, pelas quais ele é responsável. Ele não pode ver os seus gerentes
hoje, só pode ver alguns diretores especiais. Contudo, de repente, ele ouve uma
leve batida à porta. Ele sabe quem é; é o seu filhinho, o seu pequerrucho
cambaleante; e o homem vai pessoalmente abrir aporta, e passa algum tempo
falando com ele, talvez brincando um pouco com ele.
Tudo é posto de lado. Por quê? E seu filho. Essa é a doutrina que estamos
considerando. Deus, que criou do nada todas as coisas, e para quem todas as
estrelas e constelações são o que bolinhas de gude são para uma criança, Deus,
que domina todas as coisas e que existe de eternidade a eternidade, para quem as
nações são como “o pó miúdo das balanças” (Isaías 40:15) - é meu Pai, é seu
Pai, e não há nada, por menor e mais trivial que seja, na minha vida e na sua,
pelo que Ele não Se interesse e, por assim dizer, pelo que não Se disponha a
deixar que o universo inteiro siga adiante por seu próprio impulso por algum
tempo enquanto Ele ouve você e dá atenção somente a você. E isso que essa
doutrina quer dizer.
Como somos tolos! Como nos privamos de algumas das coisas mais preciosas da
vida cristã, simplesmente porque não nos apegamos à
doutrina! Usamos as expressões levianamente, mas não analisamos o seu
conteúdo. Eis o que o apóstolo está dizendo: não somos só cidadãos -lembro-
lhes que o cidadão tem direito de apelar para o rei, mas isto nos leva muito mais
longe - vou como uma criança diretamente à presença de meu Pai, e Ele está
sempre pronto a receber-me. Ou, para dizê-lo invertendo os termos, se tão-
somente nos déssemos conta do interesse de Deus por nós e da Sua amorosa
preocupação conosco! Como é que podemos ler as Escrituras e examinar estas
declarações gloriosas, e, ao que parece, nunca as compreender? Foi o próprio
Filho de Deus que nos disse que, como filhos de Deus, “até os cabelos da nossa
cabeça estão todos contados”. É dessa maneira, e em minúcias como essa, que
Deus nos conhece. O nosso Senhor estava sempre repetindo este ponto. Diz Ele:
“Vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas” (Mateus
6:32). Por que inquietar-se e aborrecer-se? Se você tão-somente compreendesse
que Ele é seu Pai, que Ele sabe tudo a seu respeito, e que Ele conhece todas as
suas necessidades e inquietações muito melhor do que você mesmo, como um
pai sabe estas coisas melhor do que seu filho! Por que você não confia nisso, por
que você não põe a sua confiança nisso, por que você vai ao Pai com hesitação e
dúvida? “Vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas
coisas.” Somos membros da família de Deus. Não haverá perigo de
abusarmos desta doutrina enquanto nos lembrarmos de que o nosso Senhor
disse na Oração Dominical: “Pai nosso, que estás no céu, santificado seja o teu
nome”. Enquanto você começar desse modo, quando for a Deus recorrendo a Ele
como seu Pai, não haverá leviandade, nem familiaridade indigna, porém
aplenarelação dePai-e-filho permanecerá, e você poderá buscá-10 com
confiança, com segurança, com certeza, sabendo que, por ser Ele seu Pai, e por
Suas grandíssimas e preciosas promessas, Ele estará sempre pronto a recebê-lo.
Mais maravilhoso que o Seu estupendo poder é a relação. Essa é a garantia.
é o nosso irmão, é o primogênito entre muitos irmãos; Ele diz: “Eis-me aqui a
mim, e aos filhos que Deus me deu”. Assim, Ele é um conosco, participante da
nossa natureza. Mas, como mostra a Epístola aos Hebreus, Ele não fica nisso.
Em razão dessa verdade, Ele nos entende, Ele Se identifica conosco, Ele está no
céu para nos representar. Ele está sempre lá com o Pai, intercedendo por nós. E
pensar nisso é, de novo, algo que se nos impõe com extraordinária força. E nEle,
por meio dEle e por Ele que nós vamos ao Pai.
No entanto, não nos esqueçamos nunca de que, graças à nossa relação com o Pai
e com o Senhor Jesus Cristo, temos o direito de dizer, segundo este apóstolo: “E
se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus, e co-
herdeiros de Cristo” (Romanos 8:17). E neste momento, seja qual for a sua
situação, esta é a pura e simples verdade a seu respeito, você é um herdeiro de
Deus. Há uma glória que nos espera, glória tão maravilhosa que até as Escrituras
pouco nos falam dela. As vezes as pessoas perguntam: por que tão pouco se nos
fala do céu, por que tão pouco nos é dito em detalhe sobre o estado eterno?
A resposta é muito simples. Porque somos pecadores, porque somos decaídos, a
nossa linguagem também é decaída, e qualquer tentativa de descrever a glória do
céu seria uma falsa apresentação. Por isso não recebemos descrições
pormenorizadas. Tudo que nos é dito é que estaremos com Cristo - e isso deveria
ser suficiente para nós. Estaremos com Ele. Seremos semelhantes a Ele.
oração”, seja o que for. Ele próprio empregava o termo Pai. Não pense em Mim,
parece Ele dizer, como um Deus distante, na glória e na eternidade; estou lá, mas
em Cristo vim a você, sou seu Pai, venha a mim. Assim como o Senhor fazia o
Seu amoroso convite e convidava a que fossem a Ele todos os que estavam
cansados e sobrecarregados, igualmente Deus convida os Seus filhos. “Vinde a
mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mateus
11:28). Aquela criança que está zangada e triste porque desej a uma coisa que
elanão tem - seu pai a ergue e abraça, e a criança fica satisfeita só por isso,
porque sabe que o abraço significa que tudo o que o pai tem é dela
também. Assim Deus está pronto a tomar-nos nos Seus braços e a envolver-
nos no Seu amor. Busquem a Deus, cristãos, Ele é seu Pai, vocês são “membros
da família de Deus”.
(Mateus 5:43-45). Aí está porque temos que fazê-lo, para que sejamos
semelhantes ao nosso Pai, para que proclamemos a família a que pertencemos.
“Pois, se amardes aos que vos amam, que galardão havereis? Não fazem os
publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vosssos irmãos,
que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? Sede vós pois
perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.” Portanto, na próxima
vez que você estiver em dúvida quanto à ação que deva praticar ou não, se você
deve fazer certa coisa ou não, não perca tempo perguntando a alguém se aquilo
é certo ou errado; simplesmente pergunte: “Essa espécie de coisa é digna de um
filho de meu Pai? E coerente com afamília a que eu pertenço, com o Pai que pôs
o Seu nome em mim e a quem eu represento entre os homens?”
“Já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da
família de Deus.”
HABITAÇÃO DE DEUS
Tratamos das duas primeiras figuras que o apóstolo usa para habilitar-nos a ver
os privilégios de sermos membros da Igreja Cristã, e, assim, agora chegamos a
esta terceira e última figura. E a figura da Igreja como “templo de Deus”, “casa
de Deus”, edifício em que Deus habita.
pela qual uma criança pode aproximar-se do seu pai. Isso mostra uma relação
mais íntima e um privilégio superior e maior. Todavia aqui o apóstolo vai além
disso. A sua concepção de Igrej a nesta passagem é que a Igreja é templo santo
do Senhor, que “todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no
Senhor”. Pois bem, o filho tem acesso ao Pai, mas o filho não habita dentro do
Pai. Entretanto a idéia aqui apresentada é de Deus habitando conosco, fazendo
em nós a Sua habitação. Ora, isso é um tremendo avanço do pensamento, como
a segunda figura fora sobre a primeira. Não somente estamos nesta
relação íntima com Deus e temos esta liberdade de acesso a Ele; além e acima de
tudo isso, o mistério e a glória final da Igreja é que Deus habita nela. Ela é Seu
templo, o templo santo do Senhor. Como a Sua presença habitava no santuário
interior do antigo templo entre os filhos de Israel, as sim agora Ele habita na
Igrej a, entre o S eu povo. Não há n ada, na esfera do pensamento, que supere
isso.
“Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo”, e o nosso Senhor lhe disse: “Eu te digo que
tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja” (Mateus 16:16-18). Aí
está aprimeira utilidade da analogia; aí está abase sobre a qual todos os outros
têm edificado. Espero referir-me a essa declaração particular mais adiante, para
que tenhamos algum entendimento do que o nosso Senhor quis dizer com ela;
mas ela é tratada aqui pelo apóstolo, indireta e implicitamente.
Também diz a mesma coisa quando ele lembra a esses coríntios, no capítulo seis,
versículo dezenove, que o Espírito Santo habita neles. Ele está pensando mais
nos indivíduos do que na Igreja, porém isso faz parte do mesmo conceito. “Não
sois de vós mesmos, fostes comprados por bom preço.” O apóstolo lhes diz que
não cometam certos pecados do corpo. Por quê? Porque “o vosso corpo é o
templo do Espírito Santo, que habita em vós”. Há aindauma declaração muito
notável na Segunda Epístola aos Coríntios, capítulo seis, versículo dezesseis,
onde ele diz:
“Que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós sois o templo
do Deus vi vente, como Deus disse: neles habitarei, e entre eles eu andarei.,Aí
está, mais uma vez, a Igreja como templo do Deus vivo. De novo vocês o têm na
Primeira Epístola a Timóteo, capítulo três, versículo quinze. Cito todas estas
passagens para mostrar quão vitalmente importante é esta doutrinano ensino do
Novo Testamento. “Mas, se (eu) tardar”, diz Paulo a Timóteo, “para que saibais
como convém andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a coluna e
firmeza da verdade.” Continua sendo a mesma idéia. E o apóstolo Pedro faz
uso da mesma ilustração. Diz ele: “Vós também, como pedras vivas,
sois edificados casa espiritual...” (1 Pedro 2:5). Há outros exemplos que também
poderiam ser citados, mas estes são os principais.
Com todas estas passagens em nossas mentes, vejamos o que o apóstolo nos está
ensinando realmente neste ponto do nosso capítulo. Parece-me que podemos
dividir a sua declaração em duas partes principais. Primeiro, há nela uma
afirmação geral acerca desta idéia de Igreja, especialmente em termos de
unidade e privilégio; segundo, há nela verdadeiros detalhes daconstrução.
Sempre que você examinar um edifício, é importante que tenhaem mente essas
duas coisas. Você pode ter uma visão geral do edifício; há certas características
marcantes que você poderá notar imediatamente. Todavia, depois há aquele
outro aspecto que se deve estudar num edifício - o exame dos alicerces,
em detalhe, o processo empregado na construção das paredes, e o que mantém
toda a estrutura interligada. Há esse aspecto, o lado mais mecânico. De maneira
fascinante, o apóstolo trata aqui de ambos os aspectos.
No momento só quero tratar particularmente do primeiro princípio; a saber, esta
concepção geral da Igreja como edifício. Ao estudarmos este ponto, queira o
Espírito habilitar-nos a ver-nos a nós mesmos como parte deste admirável
processo que está em andamento.
A primeira coisa que o apóstolo nos diz é que a Igreja é um edifício que está em
processo de edificação. Não conheço melhor maneira de pensar na era atual, na
presente dispensação, do que simplesmente ver a Igreja desse modo. Que é que
Deus está fazendo no presente? Que será que na verdade Deus tem feito desde
que o nosso Senhor completou a Sua obra e retomou ao céu? Que é que na
verdade Deus tem feito desde a queda do homem? A resposta é que Deus está
erigindo um edifício, e esse edifício é a Igreja. Este é um processo que está em
andamento. E o apóstolo nos dá idéia disso aqui, com estas palavras, “edificados
sobre
o fundamento”, ou, mais precisamente, “que estão sendo edificados sobre”. Está
presente ai a idéia de processo. E também noutra expressão, “no qual todo o
edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor”. Vocês podem ver o
processo em andamento, um edifício crescendo para o alto e aumentando. Gosto
de pensar nisso como um quadro descritivo daquilo que está acontecendo no
mundo. Vocês podem ler os livros da história secular, podem examinar a história
do mundo e da raça humana como o faz o homem de mentalidade secular, e
verão que é muito difícil formular alguma idéia disso tudo; mas quando o
examinam do ponto de vista da Bíblia, vêem claramente o que está acontecendo.
Deus tem um grande plano. Ele é o Arquiteto eterno, que traçou a Sua planta e as
especificações, e está edificando. E de cada geração Ele está retirando certas
pedras, escavando as pedreiras, extraindo as pedras, levando-as da maneira que
espero descrever posteriormente, e adicionando-as ao edifício. Em algumas
gerações houve poderosos avivamentos e houve grande acréscimo, podendo-se
ver o edifício como que saltando para o alto; porém também há períodos em que
parece não acontecer nada, e um observador casual poderia dizer que não
hácrescimento, que não há expansão, que as paredes não sobem nada e que nada
acontece. E, contudo, o edifício está crescendo, uma pedra aqui, outra ali, talvez.
É tudo parte deste grande processo.
Pois bem, devo ressaltar logo o segundo ponto sugerido na passagem em foco,
que é o seguinte: este processo é vital. Outra vez devo anotar como é fascinante
observar como opera a mente do apóstolo. Ele deve ter percebido, logo que
começou com esta concepção, que as pessoas poderiam pensar na Igreja, e no
edifício da Igreja, de maneira mecânica. Põe-se tijolo em cima de tijolo,
acrescenta-se pedra a pedra, coloca-se um pouco de reboco, etc. - o que é mais
mecânico do que edificar? O apóstolo, penso eu, teve tanto receio de que as
pessoas o entendessem mal dessa maneira, que estranhamente introduziu a
palavra “cresce”: “no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce...” Um edifício
pode crescer? Segundo o apóstolo, pode; e, a fim de tornar isso claro, ele quase
incorre no erro, na verdade incorre no erro de misturar as suas metáforas. Ele
mistura a metáfora do crescimento das flores, da relva, com a de um edifício
desenvolvendo-se, erguendo-se, estendendo-se e indo para cima. É interessante
notar que no capítulo três da Primeira Epístola aos Coríntios ele também põe
estas duas idéias lado a lado. Diz ele no versículo nove: “Porque nós somos
cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus”. Ao mesmo
tempo o apóstolo se refere a si próprio como agricultor e como arquiteto.
Vocês, diz ele, são como uma lavoura de trigo, e são também um edifício.
Ele coloca as duas idéias juntas e parece fundi-las numa só. O edifício crescendo
- um processo vital.
O apóstolo Pedro faz a mesma coisa. Se ele recebeu de Paulo a idéia ou não, eu
não sei. (Sabemos que ele tinha lido as cartas de Paulo porque ele nos disse que
algumas delas eram um pouco difíceis de entender 2 Pedro3:15-16).) Vocês
notaram as palavras de 1 Pedro 2:5 quehá pouco citei: “Vós também, como
pedras vivas...”? Uma pedra pode ser viva, pode estar viva? Há vitalidade numa
pedra? Pedro afirma que há, pois esta é a sua metáfora: “Vós também, como
pedras vivas, sois edificados casa espiritual”.
Na verdade aqui, no versículo 22, o apóstolo expõe também a mesma idéia: “no
qual todo o edifício, bem ajustado” - bem ajustado! Ele faz uso desta mesma
idéia no capítulo quatro quando, falando sobre o corpo, diz: “Do qual todo o
corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas”. Ora, tudo isso é
muito simples no caso do corpo, mas seria tão evidente no caso de umaparede,
no caso de um edifício? A única maneira de entender isso, de acordo com o
apóstolo, é captar a idéia de que se trata de um edifício vital, um edifício vivo.
Esta é uma das coisas que precisam ser expostas com ênfase urgentemente hoje.
Há toda a diferença do mundo entre apenas acrescentar nomes
Isso me leva ao meu terceiro comentário. Vocês notam que o apóstolo diz que
este é um “templo santo ”. Quando você anda em volta deste templo e o
examina, qual a sua impressão maior? Bem, diz o apóstolo, a impressão maior
que ele causa é de “santidade”. Ele não diz uma palavra sobre o seu tamanho,
não fala nada sobre o seu caráter ornamental. Não diz nada sobre algo nele que
se preste para exibição. Contudo, ele diz que o templo é santo. Essa é a sua
grande característica, “...cresce para templo santo no Senhor.” “No qual também
vós sois edificados para morada de Deus em Espírito” (ou, “mediante o
Espírito”, VA). Ah, como temos esquecido esta característica! Quão tristemente
está sendo esquecida hoje! Certamente foi essa a fatalidade que aconteceu
quando Constantino ligou o Estado romano à Igreja Cristã. Foi esquecido que ela
é um templo santo, que a principal característica da Igreja sempre é que ela seja
santa - não que ela seja grande e influente. Decerto vocês se lembram da
afirmação que um homem fez, talvez em parte brincando, mas como é
verdadeira! Discutindo a questão dos milagres na Igreja, este homem assinalou
que era quando a Igreja podia dizer: “Não tenho prata nem ouro”, que ela
podia continuar, dizendo, “Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e
anda” (Atos 3:6). Atualmente a Igreja não pode fazer nenhuma
dessas afirmações. Ela tem prata e ouro, tornou-se grande e poderosa, todavia se
esqueceu da santidade. No entanto, esta é a característica do templo, “um povo
santo”, “um local de encontro para Deus nele habitar”.
pela união e pela Igreja, nada é mais fundamentalmente importante do que ser
todo o nosso pensamento dominado pelas Escrituras. Devemos ser cautelosos
para que não se intrometam idéias humanas, e devemos assegurar-nos de que,
em nosso desejo de “fazer” algo, não estejamos desperdiçando nossa energia e,
assim quando chegar o dia em que a obra de todos os homens será provada por
fogo, ver que a nossa obra não será mais que madeira, feno e palha e que será
totalmente queimada, e nós sofremos perda - embora, pela graça de Deus, nós
mesmos ainda possamos ser salvos - todavia, como que pelo fogo (1 Coríntios
3:13 e 15).
O ÚNICO FUNDAMENTO
Vimos que o apóstolo utiliza aqui três figuras a fim de transmitir a estes cristãos
efésios uma verdadeira concepção de sua posição na Igreja Cristã e, portanto,
uma verdadeira concepção da natureza da própria Igreja Cristã. Já tratamos de
duas delas. A primeira foi a figura de um Estado, de um reino, um país. Todos
nós somos membros, somos cidadãos do reino de Deus. Mas, na segunda figura
ele compara a Igreja com uma família. E todos nós somos filhos de Deus e
membros da família de Deus. No entanto, mesmo isso não foi suficiente.
Ele prossegue e passa a esta terceira figura, que já começamos a estudar, a figura
da Igreja de Deus como um grande edifício em que Deus habita.
Já os fiz lembrar, e agora os faço lembrar de novo, que existem dois grandes
princípios que devemos ter firmemente no primeiro plano das
preocupar-se. Você não pode viver isoladamente. Todos nós vivemos juntos,
temos comunhão uns com os outros. “Nenhum de nós vive para si, e nenhum
morre para si” (Romanos 14:7). E a verdade é que se não pensarmos nestas
questões, acabaremos sendo influenciados por outros e acabaremos sendo
envolvidos em suas decisões. Permitam-me usar uma ilustração. Lemos
constantemente nos jornais em nossos dias que o real problema do mundo
industrial, quanto às greves e conflitos, é em grande parte causado pelo fato de
que, em sua imensa maioria, os membros dos sindicatos simplesmente não se
dão ao trabalho de ir às reuniões e votar. O resultado é que poucas pessoas, que
podem ser comunistas, sempre vão, e visto que eles vão e os outros não, mas
deixam que as questões se decidam à revelia, o programa de um sindicato
pode muito bem ser governado por um pequenino grupo de pessoas, ao
passo que todos os outros, que poderiam não estar de acordo, têm que seguir as
decisões tomadas. A pura negligência e indolência, a recusa a interessar-se
ativamente, permite que a situação vá à revelia. Exatamente a mesma coisa
poderá acontecer na Igreja. Muitas vezes aconteceu que cristãos, em sua
indolência, e negando-se a incomodar-se e a dedicar suas mentes a estas coisas,
permitiram que decisões fossem tomadas em lugar deles por um pequeno grupo
de oficiais. E nosso dever, digo eu, como cristãos, entender algo daquilo que o
apóstolo ensina aqui referente a esta questão de unidade.
Pois bem, quando dizem coisas desse tipo, não gostamos; entretanto quando
precisamente o mesmo argumento é utilizado dentro do protestantismo, achamos
que o argumento é maravilhoso. Mas o princípio continua sendo exatamente o
mesmo. Não se começa, e não se deve começar com unidade. A unidade é algo
que resulta doutra coisa. Não se pode criar unidade. Vejam, por exemplo, esta
figura que o apóstolo usou acerca da família. A unidade que existe entre os
membros de uma família não é criada artificialmente. A unidade é inevitável
por causa do relacionamento deles. E toda forma de unidade é assim também. A
unidade é um resultado. Não se parte da unidade; a unidade é algo que existe
porque certos princípios fundamentais estão em operação.
Consideremos outra ilustração. Há poucos anos lemos nos jornais sobre o modo
como foi celebrado o décimo aniversário da fundação da Organização das
Nações Unidas. Com relação a esse evento tiveram uma reunião à qual
chamaram “Festival da Fé”. E o festival da fé consistiu num grande culto em que
judeus, maometanos, hindus, budistas, confucionistas e cristãos participaram
juntos e juntos recitaram as mesmas orações. O argumento era o seguinte - e
quantas vezes este argumento é utilizado hoje! - as pessoas diziam: todos nós
cremos no mesmo Deus. Os maometanos, os hindus, os budistas, os cristãos,
todos crêem no mesmo Deus. A verdade é como uma grande montanha; há
um só pico, todavia há muitos caminhos que levam para lá. Por que eu deveria
dizer que só eu estou certo? Que direito têm os cristãos de dizer que só eles estão
certos e que todos os outros estão errados? Não importa que caminho você siga
para subir a montanha, contanto que você chegue ao topo. Portanto, juntemo-nos
todos num grande festival da fé, num festival das crenças, num grande
congresso, num congresso mundial das religiões. Cremos no mesmo Deus; logo,
porque brigar por causa destas coisas? Esse é o tipo de argumento que seusa
hoje. As vezes me pergunto o que estas pessoas pensariam de Paulo se ele
vivesse hoje. Pergunto-me o que muitos membros da Igreja Cristã diriam dele.
Notem o que ele diz aos gálatas: “Ainda que nós mesmos ou um anjo do céu
vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema”
(Gálatas 1:8). Ah, diriam eles, que homem impossível, que individualista,
queisolacionista! Só ele está certo, todos os outros estão errados. Ele não quer
saber de entrar conosco, está sempre fora, em certos pontos. Acaso não é
evidente que, às vezes, por deixar-nos influenciar por prosas gerais e vagas, nós
nos tornamos completamente
Ele toca no mesmo ponto numa frase do princípio do capítulo nove da Primeira
Epístola aos Coríntios. “Não sou eu apóstolo? Não sou livre? Não vi eu a Jesus
Cristo Senhor nosso?” Essa é a prova de que ele é um apóstolo. No entanto, não
somente isso! Um apóstolo era alguém especialmente chamado, designado e
enviado como pregador do
evangelho pelo próprio Senhor ressurreto. Essa é também uma parte vital da
vocação de um apóstolo. Leiam o capítulo vinte e seis do livro de Atos, e verão
ali o relato de como o Senhor comissionou pessoalmente o apóstolo Paulo no
caminho de Damasco. Assim, o apóstolo é alguém que, tendo visto o Senhor
ressurreto dentre os mortos, foi especialmente comissionado por Cristo para ir e
pregar a mensagem. Além disso, aos apóstolos era dada uma autoridade muito
especial. Recebiam o poder de operar milagres e de fundar igrejas, e estas
coisas eram um atestado da sua autoridade como apóstolos. Essas eram, então, as
três principais características de um apóstolo. Veremos num instante quão vital é
que as tenhamos todas em mente. Sem essas três qualidades nenhum homem
poderia ser apóstolo, e isso torna a “sucessão apostólica” uma impossibilidade.
Passemos agora aos profetas .Queé um profeta ? Tem havido muita discussão a
respeito. Os comentaristas mais antigos concordavam todos em dizer que esta
palavra “profeta” refere-se aos profetas do Velho Testamento, aqueles que
profetizaram a vinda de Cristo, a vinda do reino, e nesse sentido estabeleceram
um fundamento. Mas, por outro lado também há muitos que são da opinião de
que não é uma referência aos profetas do Velho Testamento, e sim, uma
referência aos profetas do Novo Testamento, aos profetas que agiam na Igreja do
Novo Testamento. Eles argumentam que tem que ser esse o caso pois, se
o apóstolo estivesse pensando nos profetas do Velho Testamento, teria dito
“sobre o fundamento dos profetas e dos apóstolos”; contudo ele diz, “sobre o
fundamento dos apóstolos e dos profetas”. Portanto, é evidente que ele estava
pensando em termos doNovo Testamento. Eles vão mais longe e dizem que o
apóstolo faz a mesma coisa no versículo cinco do capítulo três, onde lemos: “O
qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem
sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas”. E ainda, no
versículo onze do capítulo quatro, ele diz: “E ele mesmo deu uns para
apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para
pastores e doutores” (ou “pastores e mestres”). Assim, com base nestas
coisas, eles argumentam que a referência é patentemente aos profetas do
Novo Testamento, aos profetas da Igreja Cristã.
Isso então levanta a questão: que é um profeta? - quer na antiga dispensação quer
na nova, A resposta é que profeta é alguém que recebe uma mensagem direta de
Deus. Profeta é aquele a quem a verdade é revelada diretamente pelo Espírito -
não como resultado da leitura das Escrituras ou de alguma outra coisa, mas por
uma mensagem dada
diretamente, mensagem que, por sua vez, ele transmite a outros. O apóstolo o
define para nós: “o que profetiza”, diz ele, “fala aos homens para edificação,
exortação e consolação” (1 Coríntios 14:3). Na Igreja Cristã dos primeiros
tempos havia os chamados profetas. Os cristãos não tinham então as Escrituras
do Novo Testamento; não dispunham nem dos Evangelhos nem das Epístolas;
porém havia aqueles que recebiam elementos da verdade e entendimento
espirituais por revelação e eram habilitados a proferi-los. O profeta do Velho
Testamento fazia exatamente a mesma coisa. Deus lhe revelava verdades e o
habilitava a proferi-las. Essa é a característica do profeta.
Mas isso, por seu turno, leva ao segundo aspecto, e este, provavelmente, tinha
maior presença na mente do apóstolo do que o primeiro -o ensino dos apóstolos
e dos profetas. Este é, por excelência, o fundamento, afinal de contas. Nenhum
de nós poderia pertencer à Igreja sem crer. E como resultado da nossa crença que
obtemos todos os nossos benefícios, e que nos tornamos o que somos. A
diferença existente entre cristãos e não cristãos é a que existe entre crentes e
incrédulos. Os incrédulos não estão na Igreja; os crentes estão. No que é que
aqueles crentes criam? Criam no ensino. Assim é que, em última análise,
o fundamento é o ensino dos apóstolos e dos profetas, a sua doutrina.
Eles ensinavam o que eles mesmos criam; eles davam expressão à fé por aquilo
que eles viviam; portanto, as duas coisas são realmente uma só.
Essa é, pois, a verdade vital que nos cabe entender e fixar num tempo como este.
O que faz de nós membros da Igreja, o que faz de nós parte deste grande templo,
deste edifício maravilhoso que está sendo construído, é a nossa fé, é a nossa
aceitação do ensino, da doutrina. Isso é básico e fundamental. Foi sobre isso que
o apóstolo escreveu no capítulo primeiro da Epístola aos Gálatas. “Maravilho-
me de que tão depressa passásseis” - vocês podem notar quão abruptamente ele o
diz. Imediatamente após a sua breve saudação preliminar, ele diz: “Maravilho-
me de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça de Cristo
para outro evangelho; o qual não é outro” - porque não há outro, e não pode
haver outro. Como ele fala forte e dogmaticamente! Gostemos ou não, o
cristianismo é uma fé muito intolerante. Diz ele que isto, e somente isto, é
verdadeiro. O apóstolo diz até: “Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu
vos anuncie um outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja
anátema”! (Gálatas 1:8).
Não há outro evangelho. “Ninguém pode pôr outro fundamento além do que já
está posto” (1 Coríntios 3:11). Noutras palavras, a única base da unidade hoje,
como foi a única base da Igreja Primitiva, é a mensagem apostólica. E seja o que
for que os homens pensem ou digam, devemos asseverar isso. Chamem-nos
intolerantes, isolacionistas, ou o que quiserem, devemos tomar posição com este
homem de Deus! O que importa não é a minha opinião ou a de outro qualquer, o
que importa é - que é que aPalavra ensina? Que é que os apóstolos ensinam?
Fora disso não reconheço nada. O que importa não é o conhecimento moderno,
ou a pesquisa ou o entendimento moderno, ou a idéia moderna sobre Deus. O
que estes homens ensinaram é o único evangelho.
Pois bem, evidentemente, isso é algo que se pode definir. Se não se pudesse
definir, como poderia o apóstolo repreender os gálatas? Eles sabiam o que ele
ensinava e ele lhes lembra o conteúdo do seu ensino. A idéia de que o
cristianismo é tão maravilhoso que não há como defini-lo, que é um espírito tão
maravilhoso que não pode ser reduzido a proposições, é uma negação do ensino
do Novo Testamento. As Epístolas foram escritas para que soubéssemos o que
cremos e o que exatamente representamos. Nenhum de nós pode alegar
ignorância deste ensino; tudo isso está neste capítulo dois da Epístola aos
Efésios. E o fundamento é este - que o homem, por natureza, está morto
em ofensas e pecados; que ele está sob a ira de Deus. E o apóstolo que o diz. E,
portanto, se você não crê que o homem, por natureza, está morto em ofensas e
pecados, e que a ira de Deus sobre o pecado é uma realidade, seja qual for a
verdade sobre você, você não está neste santo templo no
Senhor, no qual Deus habita. Esta é uma parte essencial do fundamento. Todavia,
graças a Deus, o ensino não pára aí, vai adiante e nos fala da graça de Deus. Vai
adiante e nos fala do Senhor Jesus Cristo, da Sua Pessoa e da Suaobra. Diz-nos
aindaqueEle é o Filho Unigênito de Deus. Mesmo que alguém se diga cristão, se
não crê na deidade de Cristo, eu digo que ele não é cristão! Eu tenho que ser
intolerante! Não posso fazer concessão neste ponto. Se Cristo não é o Filho de
Deus, eu continuo em meus pecados e vou para o inferno.
E quanto à Sua obra? Acaso teríamos notado, enquanto vamos percorrendo este
capítulo dois - e deliberadamente tomei bastante tempo, porque não posso
estudar superficialmente estas coisas - teríamos notado a ênfase ao sangue de
Cristo? Épor Sua morte, por Sua morte sacrificial, pelo fato dElenos substituir
para sofrer a punição dos nossos pecados, é que somos salvos. E pelo sangue de
Cristo! “Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne, e
chamados incircuncisão... que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados
da comunidade de Israel, e estranhos aos concertos dapromessa, não
tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós,
que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto.” Pelo sangue
de Cristo! E contudo há os que zombam do sangue de Cristo! Há pessoas que se
dizem cristãs e que zombam disso! Nas grandes denominações há líderes que
afirmam que é escandaloso falar em expiação vicária. E me pedem que me una a
eles em comunhão. Como posso fazê-lo? É impossível. Não tenho escolha; esta
questão é fundamental. O sangue de Cristo! “Meu pecado Ele levou em Seu
corpo no madeiro.” E unicamente pelo Seu sangue que eu sou posto em
liberdade, e pelo poder de Deus na regeneração, e pelo dom do Espírito. A união
com Cristo! Essa é a doutrina - tudo isso o apóstolo nos vem ensinando
neste capítulo maravilhoso.
É esse, então, o fundamento dos apóstolos e dos profetas. Não uma vaga prosa
acerca do cristianismo! Não um espírito maravilhoso segundo o qual nos
amamos uns aos outros, mantemo-nos juntos e não nos preocupamos com
definições! Se vocês quiserem esse tipo de unidade espúria, poderão tê-la, mas
quando chegar “o dia” e chegar o juízo, vocês verão que o que o apóstolo disse
escrevendo aos coríntios, “Ninguém pode pôr outro fundamento além do que já
está posto”, é a única verdade. Ele pregava a “Jesus Cristo, e este crucificado”,
com a exclusão de tudo o mais. Ele era intolerante. Não dêem ouvidos a
esse outro ensino, ele diz aos gálatas, é espúrio, é uma mentira, não é evangelho,
é uma negação do evangelho. O fundamento dos apóstolos
Mas é igualmente importante que tiremos esta segunda dedução, que, à luz do
que vimos que caracteriza os apóstolos e os profetas, não pode haver repetição
de apóstolos e profetas. Eles são o alicerce. Não se repete um alicerce. O
alicerce é lançado de uma vez por todas. E, portanto, toda conversa sobre
sucessão apostólica é uma negação do nosso texto. Não há sucessores especiais
dos apóstolos. Na verdade não há sucessores dos apóstolos, nenhum sucessor.
Apóstolo era um homem que tinha visto o Senhor ressurreto e, portanto, podia
ser uma testemunha da ressurreição. Há dessas pessoas hoje? Apóstolo era
alguém especialmente comissionado pelo Senhor, de maneira visível. Há
dessas pessoas hoje? Eram-lhe dados poderes especiais, milagres e outros, e
Isso me leva à terceira dedução, que coloco desta forma: obviamente, não pode
haver acréscimo a este fundamento. No que se refere ao ensino, quero dizer. Se
o fundamento é o ensino dos apóstolos, não se pode acrescentar nada a ele. Por
isso não creio na “Imaculada Conceição”; não creio na “Assunção” da virgem
Maria; não creio em nenhuma das outras coisas que a igreja romana acrescentou,
e que outras igrejas acrescentaram. Nada se pode acrescentar a um alicerce, e
nada se pode tirar dele. Temos aqui um corpus de verdade, um corpo
de doutrina. Você não pode acrescentar nada a um alicerce, não pode subtrair
nada dele, não pode tocá-lo. Você pode pensar que pode, mas estará enganado. O
que você estará fazendo é simplesmente pôr-se fora do edifício. O alicerce tem
que ser lançado uma vez e para sempre, e nunca poderá ser repetido. Deus é o
Construtor, eEle constrói sobre “o fundamento dos apóstolos e dos profetas”.
Assim é que a próxima dedução, muito prática, é que não basta dizermos que
somos cristãos ou que queremos ser cristãos, e que nada mais é necessário. A
questão vital é: em que você crê? Você não poderá ser cristão se não souber o
que você crê. É impossível. É a verdade que nos leva a Deus, é pela verdade que
nós somos santificados. Somente quando conhecemos a verdade concernente ao
nosso bendito Senhor e Salvador, anós mesmos e anossa necessidade, e oque
Deus fez pela Sua graça, é que podemos ser partes e parcelas deste grande
edifício.
Portanto, as perguntas práticas que fazemos a nós mesmos são estas: eu sei o que
creio acerca do Senhor Jesus Cristo? Eu O conheço? Eu estou nEle, nesta relação
vital? Teremos que responder estas perguntas, porque o apóstolo trata dessa
questão em detalhe. “No qual todo o edifício”, diz ele, “bem ajustado...”. Se essa
verdade não diz respeito a nós, não estamos nEle. Mas no momento eu me limito
à questão do fundamento. Você está solidamente baseado no fundamento dos
apóstolos e dos profetas? Ou só está interessado num cristianismo
vago e nebuloso que diz que você não deve preocupar-se com doutrina porque a
doutrina separa? É essa a sua posição? Certamente não era a posição do homem
que disse: “Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro
evangelho... seja anátema”. Temos que saber em quem temos crido. Temos que
saber o que cremos. Este apóstolo fala em “meu evangelho”; e não há outro
evangelho. É o seu? Você sabe e confessa que, como você era por natureza, era
um filho da ira e estava morto em ofensas e pecados? E que, não fora a graça de
Deus em Jesus Cristo, não fora a Sua morte expiatória, sacrificial e vicária, você
ainda estaria nesta situação? Você sabe que Ele morreu por você, que Ele Se deu
por você e pelos seus pecados, que pelo poder do Seu Espírito Santo Ele o
regenerou, Ele o vivificou e o ressuscitou da morte resultante do pecado, que
você até está assentado nos lugares celestiais com Cristo, porque você está nEle
e está ligado a Ele, pela graça de Deus?
Passamos agora a mais um estudo desta terceira figura. Tivemos uma visão geral
do assunto, mas também observamos que o apóstolo não se contenta só com
isso, embora seja importante. Em acréscimo a oferecer-nos uma descrição geral
do edifício e, portanto, da natureza e do caráter da unidade própria da Igreja, o
apóstolo trata também dos detalhes da planta e das especificações.
Agora, tendo feito isso, a próxima coisa da qual o apóstolo trata, a próxima
coisanaqual evidentemente estamos interessados, é esta: onde nós entramos nisso
tudo? Somos edificados sobre o fundamento, somos partes integrantes das
paredes que estão subindo neste processo em que se vai erguendo este grande
templo que Deus está construindo para Si e para a Sua habitação, este templo
santo no Senhor. Noutras palavras, passamos agora a estudar a nossa parte, o
nosso lugar e a nossa posição neste admirável edifício de Deus. O apóstolo
regozija-se no fato de que os efésios estão sendo edificados no edifício. A obra
tinha começado antes deles entrarem, mas eles são acrescentados a ele, são
colocados nele, e assim prossegue a edificação. Outros, muitos outros, entraram
Devemos ter em mente três coisas. Obviamente, cada parte desta estrutura tem
que estar numa relação especial com o fundamento. Quase não é preciso dizer
isso e, contudo, é um ponto tão importante que eu devo salientá-lo outra vez.
Num templo como este que está sendo construído, em qualquer edifício grande e
magnífico, sempre tem que haver correspondência entre as diversas partes. Você
não pode por material falsificado aqui e ali num edifício perfeito. Se você vai
erigir um edifício incomum, um grande e santo templo, cada parte terá
que corresponder às demais. E assim é vital que nos lembremos de que
nós, como partes individuais deste grande templo de Deus,
devemos corresponder ao fundamento, devemos estar verdadeira e corretamente
relacionados com esse fundamento. Isso é algo de importância crucial.
Permitam-me lembrá-los da maneira como o apóstolo expressou essa verdade no
capítulo três da Primeira Espístola aos Coríntios. Trata-se de uma palavra
particularmente dirigida àqueles de nós que temos o privilégio de pregar e de
servir como pastores. Somos edificadores sob Deus, somos Seus colaboradores.
E eis o que o apóstolo diz: “Ninguém pode por outro fundamento além do que já
está posto”. “Mas veja cada um como edifica sobre ele.”
Você pode edificar sobre ele, diz o apóstolo, com ouro ou prata ou com metais
preciosos. Isso tem valor; mas também há os que querem construir com madeira,
feno e palha; e isso não é nada bom. A madeira, o feno e a palha não são
coerentes com o fundamento que foi posto. O fundamento é tão precioso, e a
principal pedra da esquina é tão preciosa, que nada senão ouro ou prata ou
metais preciosos são adequados. Colocar ali madeira, feno e palha é uma
indignidade. Não somente isso, diz ele; estas coisas não resistirão, afinal. Esta
obra será submetida a prova - “o dia a declarará”. E ela será provada pelo fogo.
E quando for posto o fogo, a madeira, o feno, apalha e a serragem desaparecerão
num momento e não restará nada. Um edifício construído com material de
má qualidade nunca passa naprova. Há gente que fica tão ansiosa pela
rápida construção de um edifício que não toma cuidado com o que põe
nas paredes - qualquer coisa serve para levantá-las, e depois se cobre tudo
Portanto, diz o apóstolo, vejacada homem como constrói sobre este fundamento.
Noutras palavras, o ponto é que o dever deste construtor auxiliar não é
simplesmente levantar uma parede, mas certificar-se de que tudo o que vai
dentro dela está em harmonia com o fundamento. Ele não deve edificar na Igreja
apenas número num papel ou num rol, todavia aqueles que realmente estão
firmados no fundamento da fé. O tipo de gente que quer ser cristão só para obter
certos benefícios, não pode entrar nesta parede. Somente podem aqueles que
compreendem que estão mortos em ofensas e pecados, completamente sem
esperança e em desamparo, e que dependem unicamente da graça de Deus em
Cristo para a sua salvação; que compreendem que, se Ele não tivesse derramado
o Seu sangue por eles e por seus pecados, eles ainda estariam perdidos, e que
confiam somente na expiação de Cristo, expiação vicária, sacrificial, perfeita e
consumada, e no poder do Espírito Santo - somente estes entram nestas paredes.
Não aqueles que meramente foram habituados a freqüentar um local de culto ou
que têm moralidade razoável. Tem que haver esta relação definida com o único e
exclusivo fundamento.
Se você não der assentimento intelectual a estas verdades, certamente você não
estará no edifício. Mas, meramente subscrever estes princípios não basta. Temos
que “estar em Cristo”. Temos que estar ligados a Cristo. Temos que conhecer
esta união vital, esta relação vital com Ele. A principal pedra da esquina mantém
todas as partes juntas - razão pela qual o apóstolo vai repetindo: “...no qual todo
o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual também
vós juntamente sois edificados...”. O capítulo todo dá ênfase a isso. Fomos
vivificados juntamente com Cristo, fomos ressuscitados juntamente com Cristo,
e juntos nos assentamos nos lugares celestiais em Cristo Jesus. Não se pode fugir
disso, é algo que não se pode evitar. Não somente cremos e aceitamos a verdade
como está em Cristo Jesus, temos que ser incorporados nEle, temos que estar em
união vital com Ele. “Eu sou a videira, vós as varas”, disse Ele, e a idéia é a
mesma. De modo que, como membros, como partes deste grande edifício,
estamos relacionados com o fundamento, e todos nós estamos relacionados com
Ele desta maneira mística e vital.
Algumas das outras ilustrações que o apóstolo utiliza expõem isso com maior
clareza. A ilustração do corpo, que já vimos de relance, faz isso de maneira ainda
mais perfeita. O corpo não é uma junção de partes afixadas umas nas outras. A
essência da unidade de um corpo é que a sua unidade é vital e orgânica. Não se
forma um corpo afixando os dedos às mãos, as mãos aos punhos, e os punhos
aos braços. Ao contrário, eles são vital, íntima e organicamente relacionados.
Assim todos nós somos relacionados com Cristo, em Cristo, somos partes dEle,
pertencentes a Ele, e somos mantidos juntos por Ele. Isso é também, então,
obviamente, uma coisa de fundamental importância.
Isso nos leva ao terceiro ponto, ponto que devemos considerar em detalhe, qual
seja, a nossa relação uns com os outros. Pensem num edifício e nas pedras de
um edifício. Estão todas relacionadas com o fundamento, estão todas
relacionadas com a principal pedra da esquina, porém também estão
relacionadas umas com as outras. Não se pode ter uma parede sem que as suas
partes estejam interligadas. Este é um princípio que o apóstolo ilustra com esta
afirmação importante e pitoresca que no versículo vinte e um é traduzida pelas
palavras “adequada e conjuntamente ajustado” (VA) - “no qual todo o edifício”,
ou, como a temos na Versão Revista (inglesa, RV), “no qual todo edifício
adequada e conjuntamente ajustado”. A frase importante é “adequada e
conjuntamente ajustado”.
É uma expressão muito interessante. Temo-la aqui com três palavras (em inglês;
com duas em português, Almeida), mas na verdade o apóstolo utilizou somente
uma palavra no grego. Há outra coisa muito interessante acerca dessa palavra. É
uma palavra que só se acha aqui e no versículo dezesseis do capítulo quatro
desta Epístola, em toda a Bíblia. Não se acha em nenhum outro lugar. Contudo
há ainda outra coisa mais interessante sobre ela. É uma palavra que, obviamente,
foi feita, foi inventada e formada pelo próprio apóstolo. Ele não a copiou
de ninguém; ele não a tinha visto em lugar algum. Este é o primeiro
uso conhecido desta palavra. Dou ênfase a isso pela seguinte razão: obviamente
o apóstolo considerava este ponto particular como excepcionalmente importante,
tanto assim que ele cunhou uma palavra para expor a sua idéia. Todavia, apesar
de todo o trabalho tomado pelo apóstolo, é patética a maneira como algumas
traduções atualmente populares omitem completamente o significado exato.
Vejam, por exemplo, a Versão Revista Padrão (inglesa, RSV). Ela traduz a
palavra simplesmente por “unido juntamente”, deixando completamente de lado
o ponto específico dapalavra que o apóstolo cunhou. O apóstolo podia
ter empregado muitas outras palavras para expor a idéia de “unido juntamente”.
Moffatt chega um pouco mais perto. Ele diz, “caldeado juntamente”. Mas até
essa tradução é errada, pois não se caldeiam pedras juntamente, e toda a
concepção e toda a figura do apóstolo são em termos de edificar com pedras.
Tudo isso está envolvido. Há uma seleção pessoal e particular. Cada pedra é
selecionada e colocada individualmente na posição. Isso de produção em massa
não existia quando a construção era feita desse jeito, nos tempos antigos.
Quando se constrói com tijolos, um é tão bom como qualquer outro. Entretanto
não é assim com o tipo de edifício no qual o apóstolo estava pensando. Não foi
assim que o antigo templo de Jerusalém foi construído, e é essa afigura que
Paulo tem em mente. Não, ali há uma seleção deliberada, pessoal, particular e
individual. E, graças a Deus, isso caracteriza todo aquele que se toma cristão.
Não existe produção em massa na Igreja Cristã. Alguns parecem pensar que
existe, mas não existe, e não pode existir. Graças a Deus, num mundo em que o
individual está perdendo valor cada vez mais, ele fica bem no centro nestas
questões.
Todo esse assunto é também exposto pelo apóstolo no uso que faz da figura da
madeira, do feno e da palha, em 1 Coríntios, capítulo 3. O nosso Senhor deixou
isso claro em Sua parábola da rede que é lançada ao mar e recolhe grande
número, uma grande multidão de peixes; mas depois é feito um exame, e os bons
são mantidos e os maus são jogados fora. Eles ficam na rede por um momento,
porém não são mantidos, são devolvidos ao mar. O construtor apanha uma pedra.
Vai colocá-la na parede? Parece que ele vai usá-la. Mas não. Lá vai ela de volta,
jogada fora, rejeitada. Nem tudo que parece certo a mim e a vocês é certo
aos olhos de Deus. É um pensamento terrível este, mas a Bíblia o ensina em toda
parte. No Dia do Juízo haverá muitos que pensavam que estavam no edifício, no
entanto Cristo lhes dirá: “Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que
praticais a iniqüidade”. Trata-se de uma seleção individual, envolve uma
escolha, e uma rejeição. Esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto é que as pedras deste edifício não são todas idênticas. Dêem
uma olhada nalgum magnífico edifício de pedra e
façam uma atenta busca desse ponto. As pedras não são iguais nem no tamanho,
nem na forma, nem em nenhuma outra coisa. São todas diferentes e , contudo,
estão harmoniosamente ajustadas e unidas, e fazem parte de uma parede
magnífica. Umas são muito grandes, outras são pequenas, outras são de tamanho
médio. Elas diferem no tamanho, na forma e em muitos outros aspectos. Torno a
dizer, graças a Deus por isso. Esse também é um ponto muito importante, que, ao
que me parece, é ignorado e esquecido hoje. Tive o privilégio de estar presente
numa discussão de pastores e clérigos há não muito tempo, na qual uma questão
muito pertinente foi levantada por um participante. Ele perguntou: por que será
que o cristianismo atual só parece atrair um tipo particular de gente? E
acrescentou: é evidente que não estamos sensibilizando as classes trabalhadoras,
assim chamadas. Só estamos sensibilizando uma certa classe, uma camada da
sociedade. Por que será? Em minha opinião era uma questão muito profunda.
Minha resposta foi que há algo radicalmente errado em nossa concepção
fundamental da Igreja. Atrair classes é o tipo de coisa ligada à psicologia, mas é
contrário ao gênio do cristianismo. A glória do cristianismo é que ele
sensibiliza todos os tipos, espécies e condições de homens. Este elemento
de variedade e variação, e de falta de mesmice, é sumamente interessante. A
característica essencial de uma parede de pedra em distinção de uma parede de
tijolo é que as pedras variam de tamanho, porém são ajustadas juntamente para
compor o modelo. Não há nenhuma uniformidade monótona e insípida na Igreja.
É uma característica das seitas que todos os seus seguidores tendem a ser sempre
idênticos. Na Igreja Cristã há diversidade na unidade. Portanto, sempre devemos
olhar com suspeita qualquer tipo de ensino que leve a uma espécie de mesmice
nos resultados. Há certas pessoas que, só pelo modo de falar e pelas frases que
empregam, quase contam a você onde foram convertidas. São produzidas em
massa, são todas amesmacoisa. Falam as mesmas coisas, e as falam da mesma
maneira, e fazem as mesmas coisas. São como uma série de selos postais. Não é
esse o princípio que o apóstolo está enunciando aqui. Nunca fomos destinados a
ser desse jeito, fomos destinados a ser diferentes. Todos na mesma parede, sim,
mas muito diferentes uns dos outros - alguns grandes, alguns médios,
alguns pequenos; alguns com esta forma, alguns com outra, porém
todos igualmente na parede. Essa é a verdadeira unidade, não a
uniformidade monótona e insípida que vemos hoje em muitos aspectos da vida,
e, lamentavelmente, na Igreja. Permitam-me expressá-lo com simplicidade e
clareza dizendo isto: como cristãos, não fomos destinados a ser
Nem todos fomos destinados a pregar. Mas há um ensino hoje que quaseparece
dizer que fomos. Assim que apessoaé convertida, tem que dar o seu testemunho,
e então pregar. Contudo nem todos nós fomos destinados apregar. Nem todos
fomos destinados a ir para algum campo missionário estrangeiro. Nem todos
fomos destinados a ser obreiros de tempo integral na causa de Deus. Há pessoas
que procuram passar a idéia de que fomos. Em suas conferências eles
pressionam os jovens, fazendo-os sentir que quase estarão pecando se não se
apresentarem como voluntários para as missões estrangeiras. Mas esse ensino é
muito falso. Não fomos destinados a ser iguais. Todos nós temos o nosso papel
a desempenhar, anossafunção arealizar; estanão é amesmaem cadacaso. Aí está a
pedra grande, que suporta um peso tremendo. Ali está a pedra pequena - é
igualmente importante, ajusta-se àquele ponto ao qual nenhuma outra coisa se
ajustaria.
Livremo-nos, pois, da idéia de que todos nós temos que ser iguais, e procuremos
descobrir o que Deus quer fazer conosco e o que Deus quer que nós sejamos. A
história da Igreja dá eloqüente testemunho do fato de que, às vezes, um cristão
obscuro e desconhecido, de quem a Igreja pouco ouvira falar, que passava o
tempo em oração e intercessão, fez muito mais do que os grandes pregadores
populares que edificaram com muita madeira, feno e palha, que não subsistirão
no Dia do Juízo. Aprendamos a ver estas coisas espiritualmente. Alguns de nós,
como cristãos, talvez sejam chamados simplesmente para serem bondosos com
as pessoas, para serem amigáveis e compreensivos, para fazerem pouco mais que
sentar-se e ouvi-las. Você pode ajudar tremendamente as pessoas apenas
ouvindo-as e deixando que descarreguem os seus corações. Mas há alguns de
nós que somos tão ativos e ocupados, e
falamos tanto, que nunca damos às pessoas oportunidade para falarem; nunca
temos tempo para ouvi-las e, portanto, não as ajudamos.
Procuremos captar bem este princípio vital - que há esta grande variedade e
variação nas pedras que devem estar no mesmo edifício, no mesmo templo santo
do Senhor, neste edifício de Deus. Você pode não ser grande e importante; bem,
não se glorie no fato de não ser, porém lembre-se de que o fato de não o ser não
significa que você não está no edifício. Ele sabe. Ele nos vê a todos. Voltemos a
1 Coríntios, capítulo 12, e vejamos como o apóstolo desenvolveu ali este
princípio minuciosamente, em termos do corpo. O corpo completo não é o olho,
não é o ouvido, não é a mão, não é o pé. Todas estas diferentes partes estão
no mesmo corpo, embora alguns sejam mais elegantes que outros. Todavia ele
acentua que as nossas partes menos elegantes são tão indispensáveis como as
mais elegantes. Portanto, não caiamos na tolice de desejar que todos sejamos
iguais e idênticos. Não pensemos em termos de produção em massa ou em
termos de tijolos. Pensemos numa parede de pedra, e demos graças a Deus que,
seja o que for que sejamos, Ele nos tomou e colocou na parede do Seu edifício, e
que Ele tanto nos conhece como conhece apedra grande, bem proporcionada e
sólida. E maravilhoso para mim, e estupendo o fato de que somos colocados ali
um por um, e que o cristão mais humilde é objeto de conhecimento de Deus
como o é o maior e mais poderoso santo, que Ele vê o lugar exato para nós na
parede e nos coloca ali; e nos coloca ali exatamente da mesma maneira
como coloca todos os demais.
Não tentemos, pois, atalhar ou violar o plano de Deus, o método de Deus e a Sua
maneira de edificar. Procuremos estar cientes deste terrível perigo psicológico
com que se defronta a Igreja hoje - a idéia de produção em massa, sempre
levando ao mesmo resultado e produzindo o mesmo tipo particular. E uma coisa
grave quando a Igreja só produz certo tipo de cristão e somente apela a certo tipo
ou classe de pessoa. Quando este evangelho é pregado corretamente, ele toca
todos os segmentos da sociedade. A história da Igreja o comprova. Operigo
hoje é entender que todos nós devemos ser meramente pessoas finas, tranqüilas e
respeitáveis, pessoas que ainda se apegam à moralidade própria, e que algreja só
deve consistir de tais pessoas - somente pessoas da classe média. Jamais houve
tal propósito. Reconsideremos a nossa pregação, o nosso ensino, e especialmente
os nossos métodos, para não acontecer que inconscientemente deslizemos para a
prática do método psicológico e, com isso, nos persuadamos de que estamos
construindo um edifício maravilhoso, para somente descobrir no fim que não
Como se faz? Pela pregação e pelo ensino. É esse o dever geral da pregação e do
ensino; é modelar-nos, preparar-nos. Todos nós temos estes estranhos ângulos e
arestas e, como somos por natureza, não nos ajustamos à construção. Estas
coisas têm que ser podadas. Angulosidades, grosserias, gente grosseira na Igreja!
Todos nós somos grosseiros, em certo sentido, uns mais, outros menos. Somos
pedras rudemente talhadas quando saímos dapedreira, como que arrancadas
delamedi ante uma explosão. Temos mais ou menos a forma geral certa, mas é
necessário muito trabalho com o cinzel antes de nos adequarmos bem aos
nossos lugares particulares na construção. E enquanto não formos
aparelhados, não seremos colocados nela. Como nos inclinamos a esquecer isso!
Se lermos o Novo Testamento, se dermos ouvido à pregação e ao
ensino, veremos a absoluta necessidade e urgência desta preparação. Há os
que dizem: sou deste tipo de pessoa. Sou daquele tipo de pessoa. Sempre tenho
que dizer o que tenho na cabeça. Se todos fossem assim, que tipo de igreja vocês
teriam? Que espécie de edifício vocês teriam, se todas as pedras fossem
pontudas e difíceis assim? Seria impossível, vocês não poderiam construir; estas
arestas têm que ser debastadas. Pois bem, é aí que entra a disciplina pessoal.
Temos que ser menos difíceis, como pessoas. Temos que ajustar-nos - adequada
e conjuntamente ajustados.
Ele não Se importará com você, Ele o jogará fora, e lá você poderá ficar com
todas as suas angulosidades e anomalias pelo resto da sua vida, dizendo: eu sou
deste tipo de pessoa! Muito bem! Seja esse tipo de pessoa! Saiba, contudo, que
você não está no templo santo do Senhor, e nunca estará, enquanto for desse j
eito. Esta é uma questão muito grave e solene, uma questão de importância
eterna para nós. Temos que ser amoldáveis, e que ajustar-nos uns aos outros, se é
que desejamos estar neste templo santo. Assim, se nós não compreendermos este
princípio, não virmos a importância desta preparação vital, e não nos
submetermos a ela, seremos rejeitados, e se não compreendermos isso no
tempo, certamente o compreenderemos na eternidade.
O CRESCIMENTO DA IGREJA
Ainda estamos estudando esta terceira figura que o apóstolo usa, do povo cristão
e da Igreja Cristã, segundo a qual ele diz que a Igreja é uma espécie de edifício,
um grande templo, no qual Deus habita, e ainda vai habitar de maneira mais
ampla e mais completa. Temos examinado esta figura de modo geral. Mas o
apóstolo não nos oferece meramente uma descrição geral deste edifício, ele nos
fala em detalhe sobre a planta e as especificações que foram obedecidas, e que
sempre deverão ser obedecidas, na construção deste edifício.
Todas estas coisas são figuras e, portanto, é óbvio que nenhuma delas pode
transmitir a verdade completa. E por isso que o apóstolo usa aqui três figuras
diferentes; nenhuma delas é suficiente só por si. Desta maneira, ao tratar
anteriormente desta questão de preparo das pedras, eu mostrei que certa dose de
preparação era necessária de antemão, e também que, em certo sentido,
apreparação continua a vida inteira. Essa
Agora voltemos a esta grande questão sobre como exatamente estas pedras são
colocadas no edifício. “No qual também vós juntamente sois edificados”, diz
Paulo, “para morada de Deus”. Vocês efésios, diz ele, foram colocados neste
edifício, são partes agora desta construção, são partes deste grande templo que
está sendo erigido no Senhor para morada de Deus em Espírito (ou “mediante o
Espírito”, VA).
Escrevendo aos coríntios, o apóstolo diz: “Vós sois a carta de Cristo... escrita,
não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas
nas tábuas de carne do coração” (2 Coríntios 3:3). E uma obra interna, uma obra
misteriosa, que se realiza naquela parte do homem chamada alma. Certamente
vocês se lembram de um famoso anatomista que zombou da alma há alguns
anos. Disse ele que tinha dissecado muitos corpos na sala de anatomia, e nunca
tinha encontrado um órgão chamado alma. Claro que não! Essa é uma das coisas
secretas que um anatomista materialista não pode entender. Menos ainda
tal homem poderia entender a obra realizada pelo Espírito na alma. A obra é tão
secreta que, às vezes, a própria pessoa em quem ela está sendo realizada não
sabe o que está acontecendo. Muitas vezes o Espírito age
em nós durante algum tempo, antes de percebermos o que se passa. Tudo o que
sabemos é que estamos sendo levados a fazer certas perguntas que nunca
tínhamos feito antes. Tudo o que sabemos é que, de repente, ficamos insatisfeitos
com nós mesmos e com as nossas vidas, e não sabemos por quê. Alguém talvez
diga que não estamos bem e que deveríamos consultar um médico; e pode ser
que concordemos. Talvez pensemos que estamos cansados, ou procuremos
alguma outra explicação. E uma obra misteriosa. Novos interesses surgem,
novos anseios, desejos e aspirações, e dizemos: “Que será isso? Não entendo o
que se passa comigo. Parece que alguma coisa está acontecendo comigo.
Não sou mais o mesmo. Que será isso?” E não entendemos. Ignoramos esta obra
secreta que o Espírito está realizando. Mas aí está ela, e faz parte da preparação.
Esse trabalho era feito antes de as pedras serem levadas para Jerusalém.
grande apóstolo que exponha isso. Vejam como ele o faz na Primeira Epístola
aos Coríntios, capítulo dois. Diz ele que quando o Senhor Jesus Cristo estava
neste mundo, os príncipes deste mundo não O reconheceram, pois, se O tivessem
reconhecido, “nunca crucificariam o Senhor da glória”. Eles viam simplesmente
um homem, o carpinteiro de Nazaré. Indagavam: quem é este sujeito? Ficavam
admirados com o Seu conhecimento e com a Sua cultura; todavia não entendiam,
não sabiam que Ele era o Filho de Deus. Mas o apóstolo declara: “Deus no-
las revelou pelo Seu Espírito”; sim, pelo Espírito que “penetra todas as coisas,
ainda as profundezas de Deus”. Ele prossegue, dizendo: “Nós não recebemos o
espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos
conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus”. E ainda: “O homem natural
não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e
não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente”. E então ele
acrescenta isto: “Aquele que é espiritual (isto é, o homem espiritual) discerne
(ou, “julga” VA) bem tudo, e ele de ninguém é discernido (ou, “por ninguém é
julgado”). Noutras palavras, o cristão, por definição, deveria ser um problema e
um enigma para todos os não cristãos. Como isso é importante como umaprova
para cada um de nós! Se um incrédulo pode entender você e tudo o que você lhe
diz, então, pelo menos dentro deste contexto, você não está dando prova de que
você é cristão.
Quando o Filho de Deus estava neste mundo, Ele era um grande problema para
as pessoas. Elas perguntavam: quem é este? Ele é um homem comum, nunca foi
instruído como fariseu, não é escriba, não é sacerdote, nunca teve erudição e
cultura; no entanto, olhem para Ele, ouçam o que Ele está dizendo. Ele parece ter
conhecimento; vejam os Seus milagres - quem é este? Ele era um problema e um
quebra-cabeça para eles. Porventura vocês se lembram de que, nos capítulos
iniciais do livro de Atos somos informados de que acontecia a mesma coisa com
os Seus seguidores? Pedro e João curaram um homem na Porta Formosa do
templo, e as autoridades não podiam entender o fato. Levaram-nos a julgamento,
e tudo o que puderam dizer foi que “eles haviam estado com Jesus” (4:13). Isso
era tudo o que eles sabiam. Homens ignorantes, indoutos, mas cheios de poder!
Que será isso?
É esse o aspecto secreto desta obra, desta preparação. O cristão, por ter sido
formado e modelado pelo Espírito Santo, é alguém que ninguém pode entender,
exceto outro cristão. A obra realizada pelo Espírito não é irracional, mas
transcende a razão, confirmando aquele famoso dito de Pascal: “A suprema
realização da razão é levar-nos a ver que há um
limite para a razão”. Aqui nos encontramos numa esfera em que Deus age
imediata e diretamente. Assim, o cristão não é meramente alguém que decide
adotar certo número de proposições e um ponto de vista, ou esposar uma
filosofia. O cristão é, por definição, alguém que foi formado, modelado, posto
em forma, adaptado e ajustado para ser uma pedra nesta parede, neste edifício,
que vai ser um “templo santo no Senhor”, uma habitação de Deus. O cristão é
alguém que nasceu de novo, foi transformado, renovado, regenerado. Estes são
termos do Novo Testamento. Ele é uma “nova criatura”, uma “nova criação”.
No entanto, isso nos leva aum segundo princípio: tudo isso tem que acontecer
conosco antes de podermos fazer parte da Igreja. Nosso texto fundamental, 1
Reis 6:7, põe isso acima de tudo o mais. “Edificava--se a casa com pedras
preparadas, como as traziam se edificava”, (ou, “...com pedras preparadas antes
de serem trazidas...”, VA). Não estamos numa igreja para nos tornarmos cristãos.
Estamos numa igreja porque somos cristãos. A razão para ser membro dessa
igreja não é que finalmente você venha a ser cristão; é porque você já o é. Nunca
foi propósito da igreja ter em seus róis uma multidão mista - composta
de cristãos, dos que acham que são cristãos, dos que esperam poder tomar-se
cristãos e dos que, bem, estão ali porque nem sequer pensaram o suficiente em
parar de freqüentá-la, e são meros tradicionalistas. Este também, lembro a vocês,
é um ponto tremendamente importante, sobretudo na hora presente, quando a
questão da natureza da Igreja é levantada agudamente por todos quantos falam
em união, re-união e unidade.
são cristãos. Pois bem, os não conformistas rejeitavam isso completamente. Eles
diziam: porque sucede que um homem vive numa paróquia, não é
necessariamente um cristão. Simplesmente porque certas pessoas vivem neste
país, não significa que são cristãs. Eles asseveravam que a Igreja consiste
unicamente dos que foram preparados, dos que nasceram de novo, dos
regenerados, dos renovados, dos santos, dos crentes, do povo de Deus; e a Igreja
é a reunião destes. Isso é a Igreja, os “santos reunidos”.
Vocês vêem a importância e a relevância disso tudo nos dias atuais, quando há
uma tendência das pessoas se tornarem cada vez mais soltas e cada vez mais
vagas nas definições; a tendência de dizer que todos os que se dizem cristãos
devem ser considerados cristãos, e que todos somos um, e assim por diante. De
fato às vezes chegam a sugerir que não deveríamos dar demasiada ênfase até
mesmo ao termo “cristão”. Temos um “Congresso Mundial de Crenças” que
incluem todos os que crêem em Deus, de uma forma ou de outra. Todos esses
são um, dizem, contrariamente aos que não crêem em Deus.
E vital que consideremos isso tudo, não somente à luz da história, mas ainda
mais à luz das Escrituras - esta Escritura de Efésios e aquela declaração
registrada em 1 Reis 6:7. Noutras palavras, certamente o ensino das Escrituras é
simples e cl aro. E é que a Igreja consiste somente daqueles que crêem na
doutrina verdadeira e que vivem a vida cristã. “O fundamento de Deus fica
firme, tendo este selo: o Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere
o nome de Cristo aparte-se da iniqüidade” (2 Timóteo 2:19). Há alguns que
negam a fé, diz Paulo a Timóteo: negam a ressurreição, dizem que é coisa do
passado. Não se aflija; eles parecem cristãos, porém Deus sempre soube onde
eles estão. Ele conhece todas as coisas, o Seu fundamento permanece seguro.
Ele não pode negar a Si próprio, embora O neguemos. Ele sabe o que faz. Em
última análise, o Arquiteto da Igreja é Ele.
Podemos ir adiante e dizer que certamente não há nada que seja completamente
tolo e calamitoso, quando pensamos na Igreja, como pensar nela em termos de
tamanho e de número. Mas esse é o pensamento determinante hoje. Igreja
mundial! - dizem: o único modo de combater o comunismo e as outras coisas
que se opõem ao cristianismo é tornar-nos um; devemos reunir os nossos
grandes batalhões, e então resistir ao inimigo. Entretanto, como isso é anti-
escriturístico! Nós cantamos em nossos hinos, “poucos fiéis”, e a Bíblia está
repleta de ensinamentos sobre a doutrina do remanescente. Deus não opera
por meio de grandes batalhões, Ele não se interessa por números; Ele está
interessado napureza, na santidade, em vasos aptos e próprios para o uso do
Senhor. Não devemos concentrar a nossa atenção em números, e sim na
doutrina, na regeneração, na santidade, na compreensão de que este edifício é
um templo santo no Senhor, uma habitação de Deus.
Isso é o que o próprio Senhor nosso ensina claramente. Às vezes, quando lemos
os Evangelhos, temos a impressão de que o Senhor Jesus Cristo passava grande
parte do Seu tempo recusando pessoas. Hoje forçamos as pessoas a tomarem
decisão, fazemos tudo o que podemos para fazê-las vir, quer queiram quer não.
Mas não era esse o método do nosso Senhor. Certo homem correu para Ele e
disse: “Senhor, seguir--te-ei para onde quer que fores”. Que maravilhoso
acréscimo à Igreja! - dizemos. Todavia o nosso Senhor voltou-Se para aquele
homem e disse: “As raposas têm covis, e as aves do céu ninhos, mas o Filho
do homem não tem onde reclinar a cabeça”. Vá pensar no que você está fazendo,
diz o nosso Senhor, não quero mera animação, quero que você compreenda o
que isso lhe poderá custar. E, vocês se lembram, Ele prosseguiu, falando com um
homem que lhe pediu permissão para primeiro ir para casa e sepultar o seu pai, e
Ele diz: “Deixa aos mortos o enterrar os seus mortos”. Disse ainda: “Ninguém
que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus” (Lucas
9:57-62). Ele põe à prova, parece estar rejeitando - Ele examina. Avalie o preço,
diz Ele. Que tolo, diz Ele, é o homem que começa construir um castelo, porém
não fez uma avaliação para saber quanto lhe custaria e se ele teria condições e
recursos para dar prosseguimento à obra! Ele fala demaneira semelhante sobre o
homem que se aprestapara fazer guerra contra outro país, e não sabe qual é o
número dos componentes das suas tropas e das suas reservas. Ah, que loucura é
isso! Pare! Considere! Ele parece estar rejeitando os homens. A Sua preocupação
era com a pureza da Igreja, não com o tamanho, nem com os números. E quando
Ele partiu deste mundo, deixou apenas um pequeno grupo de homens comuns,
indoutos, sem instrução, iletrados para continuarem a Sua obra. E esse o Seu
método.
Pois bem, falemos com clareza sobre este ponto, porque também pode ser
entendido erroneamente. Quando digo que não deve haver discussão nem ruído
de debate na Igreja, não estou querendo dizer que
a Igreja não deve interessar-se por doutrina; o que estou querendo dizer é que
deve haver acordo sobre a doutrina logo de início, de modo que não haja mais
necessidade de discussão. Contudo, isso está sendo mal entendido hoje, e está
sendo colocado desta forma-, ah, dizem muitos, não devemos ter discussões
sobre doutrinas porque elas sempre causam divisão; portanto, não as tenhamos,
mas vamos todos concordar em chamar-nos cristãos uns aos outros, seja o que
for que creiamos. Uns poderão dizer que Jesus de Nazaré era apenas homem,
outros dirão que Ele é também o Filho de Deus. Que importa isso realmente?
Afinal de contas, todos nós concordamos em Seu ensino, em que este é nobre
e enaltecedor e em que, se tão-somente o praticássemos, não haveria todo este
problema que o mundo enfrenta hoje. Assim eles dizem: vamos parar de discutir
sobre a Sua Pessoa. E depois, que dizer da Sua morte na cruz? Uns dizem que foi
o maior crime da história, e nada mais, a suprema tragédia de todos os tempos.
Outros dizem: não, é mais que isso. Deus O enviou para que morresse; Ele
morreu “pelo determinado conselho e presciência de Deus” (Atos 2:23); morreu
para levar a culpa dos nossos pecados, e se Ele não tivesse morrido nós
estaríamos ainda em nossos pecados. Mas a tendência hoje é dizer que não
importa em que você crê. Muitos dizem: afinal, a morte de Cristo foi
maravilhosa e comovente e, portanto, todos nós podemos vê-la, podemos
interpretá-la de diferentes maneiras. Isso não tem importância, todos nós
cremos nEle, e todos nós estamos procurando ser semelhantes a Ele e segui-
10. Somos todos cristãos; avante, pois!
Vocês não vêem por que a Igreja está como está hoje? Que é que foi acontecendo
na Igreja Cristã durante os últimos cem anos? Já demos a resposta. A Igreja tem
discutido doutrinas fundamentais. Por que será queum alarmante número de
igrejas estão quase vazias atualmente? Por que os números vão baixando ano
após ano? E a própria Igreja a responsável. Há cinqüenta anos, em Londres, a
Igreja toda esteve debatendo o que chamavam “nova teologia”. O debate era
principalmente sobre a Pessoa de Cristo! - seria Ele realmente o Filho eterno
de Deus? Ou seria apenas homem? Eram essas as questões. Discutiam sobre
fundamentos, sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas! Muitos não
criam nisso. Houve barulho na Igreja porque estavam discutindo sobre pontos
fundamentais. Será surpreendente que a Igreja se tenha tornado ineficiente, que
não lhe dêem valor, que os homens não estejam sendo salvos e que o Espírito
não esteja operando?
Notem o que estou dizendo. Não estou dizendo que os cristãos têm que
concordar em todos os pormenores. Estou ressaltando os pontos fundamentais.
Há certas questões nas quais nem todos os cristãos concordam, certos detalhes
acerca da profecia, certas questões como o modo do batismo, e muitas outras.
Não são princípios fundamentais. O povo cristão jamais deve contender, brigar e
pelejar sobre esses pontos. Devem discuti-los como irmãos. Mas não devem
ocorrer discussões sobre pontos fundamentais, simplesmente porque são pontos
fundamentais. A preparação deve ser feita antes de se trazerem as pedras para a
Igreja. Aqui não há ruído, nós O conhecemos como o Filho de Deus e Salvador.
A maior necessidade da Igreja nesta hora é entender estes
princípios. Agora se realizam grandes conferências mundiais, uma após outra.
Todavia, como usam o tempo? Não em oração a Deus, não esperando pelo
Espírito, não se deixando encher do Espírito. Usam o tempo para tentar achar
uma base de acordo. Tentam achar um mínimo irredutível acerca do qual não
discordem.
Gastam seu tempo nisso e, enquanto isso, o mundo vai de mal apior. Eles têm a
fatal idéia de que doutrina é causa da divisão, quando a verdade é que não há
nada que una, exceto a doutrina - pois a única unidade digna de menção é a
unidade do Espírito, que produz a mesma crençano mesmo Senhor, na mesma fé
e no mesmo batismo. É a unidade dos que têm a mesma mentalidade e estão em
harmonia, que não põem a sua confiança em si mesmos, mas somente no Filho
de Deus e na perfeita obra que Ele realizou a favor deles. Portanto, a palavra
para a Igreja moderna, como a palavra que Deus dirigiu a Moisés na antigüidade,
é simplesmente esta: “Atenta pois que o faças conforme ao seu modelo, que te
foi mostrado no monte”. O monte do Sermão do Monte! O monte da
transfiguração! O monte Calvário! O monte das Oliveiras, o monte da ascensão!
Aí estão os grandes picos. Em nossos dias e em nossa geração, edifiquemos,
aconteça conosco o que acontecer, diga de nós a Igreja, a Igreja visível, o que
disser, seja o que for que o mundo fale de nós, edifiquemos conforme ao modelo
que nos foi mostrado no monte. Que não haja incerteza nem hesitação nem
discussão nem ruído nem debate acerca do conteúdo deste capítulo dois da
Epístola de Paulo aos Efésios, pois o fundamento é - o homem morto em ofensas
e pecados, desamparado e sem esperança; ressuscitado pela graça de Deus; salvo
pelo sangue de Cristo; regenerado, renovado e ligado a Cristo pelo Espírito
Santo e transformado numa pedra do templo santo no Senhor.
Não sei de nenhum outro capítulo da Bíblia que exponha com tanta clareza e
perfeição, ao mesmo tempo, a mensagem evangelística essencial para o
incrédulo e a posição e os privilégios do crente.