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RECONCILIAÇÃO:

O MÉTODO DE DEUS
(Exposição sobre Efésios 2)

D. M. LLOYD-JONES

PUBLICAÇÕES EVANGÉLICAS SELECIONADAS

Caixa Postal 1287 01059-970-São Paulo- SP

Título original:

God's Way of Reconciliation

Editora:

The Banner of Truth Trust

Primeira edição em inglês:

1972 (Evangelical Press)

Copyright:

Lady E. Catherwood

Tradução do inglês:

Odayr Olivetti

Revisão:

Antonio Poccinelli Capa:

Ailton Oliveira Lopes

Primeira edição em português:

1995
Impressão:

Imprensa da Fé

ÍNDICE

PREFÁCIO

Este volume consiste de sermões pregados em sucessivas manhãs dominicais na


Capela de Westminster, Londres. Noutras palavras, não se trata de um
comentário como tal, porém, como deve acontecer com todos os sermões, é uma
exegese, é uma homilética e é aplicação. Seu objetivo não é apenas dar
informação e levar ao entendimento, mas também expor um pouco da glória e do
aspecto comovente da verdade.

O título pareceu completamente inevitável. Numa época de confusão, tumulto,


divisões e guerras violentas, e, ao mesmo tempo, de uma indolente crença num
falso e superficial idealismo que afirma que os homens e as nações podem viver
em harmonia, paz e concórdia, graças ao apelo dirigido ao que há de melhor no
homem, mais que nunca a mensagem deste capítulo dois da Epístola de Paulo
aos Efésios é necessária.

Aqui vemos claramente exposto e firmado o método divino de reconcilação - o


único método. O texto em apreço trata dos mais profundos e inspiradores temas
da Bíblia. Mostra-nos a desesperadora necessidade do homem e nos desvenda a
glória da graça de Deus, a maravilha da cruz de Cristo, a destruição dos muros
divisórios e a reconciliação de judeus e gentios, e de todos os demais que crêem
no Senhor Jesus Cristo, no reino de Deus.

Não sei de nenhum outro capítulo da Bíblia que exponha com tanta clareza e
perfeição, ao mesmo tempo, a mensagem evangelística essencial para o
incrédulo e a posição e os privilégios do crente.

Aí está a única esperança para o indivíduo e para o mundo, e, ao desvendar o


apóstolo o plano eterno de Deus, não podemos senão entusiasmar-nos com a
gloriosa perspectiva que aguarda todos quantos se tomaram “concidadãos dos
santos, e da família de Deus”.

janeiro de 1972
Estes sermões foram originalmente impressos na “Westminster Record”, mês a
mês, e agora foram adaptados para a publicação em livro por minha esposa. A
ela, e ao Dr. Frank Crossley Morgan que tem insistido comigo que eu faça o que
venho fazendo há uns dez anos, estou profundamente agradecido.

D. M. Lloyd-Jones

INTRODUÇÃO

“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados. ”

- Efésios 2:1

Ao começarmos a estudar o capítulo dois desta grande Epístola, há certas coisas


das quais devemos lembrar-nos, se é que havemos de estudá-lo de maneira
inteligente e proveitosa. Surge logo, por exemplo, a questão da relação deste
capítulo com o imediatamente anterior. Originariamente, quando esta carta foi
escrita, não foi dividida em capítulos, mas, para conveniência do povo cristão, e
para habilitar-nos a entender melhor sua mensagem, foram adotadas e
introduzidas estas divisões em capítulos, e sem dúvida são de grande valor. Não
se pode duvidar de que aqui a divisão foi feita no ponto certo. Chegamos ao
fim de uma certa exposição no último versículo do capítulo primeiro, e aqui o
apóstolo toma um aspecto diferente da questão. Todavia, é evidente que há uma
ligação entre os dois, porque ele começa com a palavra “e” - “E vos vivificou...”.
É óbvio, pois, que o apóstolo está se referindo a algo que ele já tinha dito, e a um
assunto que ele vai continuar. Noutras palavras, se é que devemos entender
corretamente este grande capítulo, temos que lembrar-nos da sua localização e
do seu cenário de fundo.

Estas Epístolas do No vo Testamento geralmente estão construídas em torno de


um argumento central, e, a grosso modo, a primeira metade de cada Epístola é
dedicada a essa tese central. É possível dividir de modo geral todas as Epístolas
dessa maneira; a primeira parte é doutrinária, a segunda é mais prática. Na seção
doutrinária há sempre um argumento, que é desenvolvido. As vezes é um
argumento que se mantém constante. Quando vamos estudar as Escrituras, é
muito importante, pois, que façamos duas coisas. Devemos captar o argumento
em geral; e, tendo feito isso, passamos às particularidades. Ambas estas coisas
são importantes, tão importantes que podem ser consideradas como riscos que
sempre confrontam todo explanador ou expositor das Escrituras. Há aqueles que
esquecem totalmente as generalidades e só se preocupam com as
particularidades, e que, portanto, tendem a perder o caminho; e há aqueles que
simplesmente se interessam pelo geral, e nunca realmente descem ao particular.
Ora, as duas coisas, digo eu, são de grande importância. Temos que ter em
nossas mentes uma firme

compreensão do argumento geral, mas também devemos seguir o apóstolo


quando ele o desenvolve em todos os seus detalhes. Portanto, aqui somos
levados a lembrar o que ele nos estivera ensinando no capítulo primeiro. Não
temos a mínima possibilidade de entender o argumento deste capítulo dois, se
não tivermos claro entendimento do primeiro.

Permitam-me recordá-lo brevemente para vocês. O ponto importante que o


apóstolo expõe nesta Epístola, o seu tema central em certo sentido, é o tema que
ele anuncia no versículo dez do capítulo primeiro: “De tomar a congregar em
Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que
estão nos céus como as que estão na terra”. Bem, está fora de questão que este é
o tema da Epístola. Essa é a questão principal que o apóstolo estava desejoso de
tornar clara para estes efésios e para outros. No entanto, naturalmente, ele não se
detém nesta declaração isolada. Ele prossegue, para mostrar-nos como Deus
o está fazendo.

A primeira coi sa que ele nos vai recordando é que é plano de Deus e que é
atividade de Deus. Ele começa dizendo: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo, o qual nos abençoou...’’.Esse é o ponto de partida. Estamos
interessados em algo que Deus fez. Aqui não estamos interessados na atividade
humana, estamos olhando para algo que o Senhor Deus todo-poderoso fez
acontecer. Este é Seu plano, trazer e reunir, pôr novamente sob a liderança em
Cristo todas as coisas. Isso logo nos lança de volta à doutrina da Queda - onde a
divisão se introduziu, onde as coisas se desencaminharam. O plano e propósito
de Deus é tornar a reunir em Cristo todas as coisas. É Seu plano, e é Deus que
opera ativamente nele. E algo que Deus está fazendo acontecer. Não faço pausa
em cada ponto para acentuar a extrema relevância disso tudo para a nossa
situação presente, não somente como cristãos, mas também como cidadãos deste
mundo. O que está sendo esquecido por uma imensa maioria é que o fato
realmente importante no mundo atual é a atividade de Deus - o que Deus está
fazendo, não o que os homens estão fazendo. Naturalmente, os homens estão
fazendo coisas, e está bem que as façam. Não estou tentando diminuir a
importância do trabalho dos estadistas e de todas essas coisas; entretanto, de
acordo com o apóstolo, o que se deve entender acima de tudo mais é o que Deus
está fazendo. Há esta história invisível por trás da história visível, e a invisível é
muito mais importante. Há esta história espiritual que, por assim dizer,
está subjacente a toda história secular, e à luz da qual a história secular se torna
relativamente sem importância.

Pois bem, tudo isso faz parte do plano de Deus e é resultado da Sua atividade. O
apóstolo nos faz lembrar que isso é algo que Deus planejou “antes da fundação
do mundo”. Temos aqui o alicerce mesmo da nossa fé. Nada é contingente
quanto ao plano de Deus. O que Deus está fazendo não depende do homem, nem
mesmo da resposta do homem depende; em última instância, é tudo de Deus. Se
o plano de Deus dependesse da nossa resposta, então eu estaria sem nenhuma
esperança. Basta que vocês leiam a história da Igreja para verem que,
provavelmente, a Igreja Cristã não teria durado mais que um século, se
dependesse do homem. Mas estas coisas não dependem do homem;
dependem de Deus. Ele planejou tudo antes da fundação do mundo, e, portanto,
é absolutamente seguro e certo.

O que Paulo nos lembra a seguir é que se deve tudo inteiramente à graça, ao
amor, à misericórdia e à compaixão de Deus: inteiramente pela graça. Lembro-
lhes estas coisas porque, quando passarmos aexaminar este capítulo dois,
veremos que o apóstolo continua a repetir-se. Tudo é “para o louvor da glória da
sua graça”(VA). Ele o dissera no capítulo primeiro, versículo 6, e de novo no
versículo 12 - “com o fim de sermos para louvor da sua glória, nós os que
primeiro esperamos em Cristo”, e mais uma vez, no versículo 14 - “o qual é o
penhor da nossa herança, para a redenção da possessão adquirida, para louvor
da sua glória”. É tudo resultado da graça de Deus - o próprio fato de que nos
sentamos juntos numa igreja cristã, que comemoramos a morte de Cristo, que
nos pomos a considerar esta grande salvação. E tudo resultado da graça sublime
e abundante, das riquezas da Sua graça. Devemos apegar-nos a estes temas e
mantê-los em nossas mentes.

Isso nos leva ao ponto subseqüente, que apenas mencionei: que é tudo no Senhor
Jesus Cristo e por meio dEle. Isso de salvação sem Cristo no centro não existe.
Não devemos dar ouvidos aos que dizem como Deus os abençoa, se Cristo não
estiver no ponto central. Eles podem pensar que as suas orações estão sendo
respondidas, que eles estão sendo guiados em muitas outras coisas semelhantes;
mas, de acordo com este argumento apostólico, Deus não trata conosco,
exceto em Jesus Cristo. Todas as bênçãos vêm nEle, por meio dEle e por
Ele. Gostaria de lembrá-los de que, nos catorze primeiros versículos do capítulo
primeiro, o apóstolo se refere ao Senhor Jesus Cristo quinze vezes. Ele sabe
como estamos prontos a esquecê-10, e como estamos prontos a pensar que
podemos resolver algumas coisas diretamente com Deus. Nada é tão trágico na
história da humanidade como o fato de que, apesar de Deus haver exposto mais
que claramente a cruz diante de nós,

damos-lhe as costas e parece que pensamos que Deus pode abençoarmos sem
ela. Mas não nos abençoa. “Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a
remissão das ofensas.” O Seu propósito é “tornar a congregar em Cristo todas as
coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus
como as que estão na terra”. Tudo deve centralizar-se em Cristo; e se Ele não é
absolutamente central para nós, não temos nenhum direito ao nome cristão.
Como é vital que tenhamos clara compreensão destas coisas!

E então, numa frase memorável, o apóstolo nos dissera o que Deus fez por nós e
nos oferece em nosso Senhor e Salvador e por meio dEle. Eis o que ele diz: “O
qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em
Cristo”, Lembremo-nos destas coisas. Obtivemos perdão - “o perdão dos
pecados”(l:7, VA). Essa é a primeira coisa que todos nós necessitamos. Sem ela,
todos estaríamos desamparados, porém a recebemos - a remissão dos pecados e
o perdão. Não somente isso - a adoção, a filiação, a condição de herdeiros, uma
herança maravilhosa, “co-herdeiros com Cristo”; sim, e Deus selou tudo
isso para nós pelo Espírito Santo. Ele quer que estejamos certos e seguros disso
tudo, e quer que saibamos que estamos em união com Cristo - que estamos “em
Cristo”. São essas as bênçãos. “O qual nos abençoou com todas as bênçãos
espirituais nos lugares celestiais em Cristo.” Aqui estamos, nesta terra, mas
estamos também nos lugares celestiais -verdade que veremos o apóstolo
desenvolver neste capítulo dois. Ora, todas as bênçãos que estamos gozando são
espirituais. Por vezes, a porção do cristão neste mundo é difícil; ele está cercado
de problemas, provações e tribulações; contudo, é abençoado “com todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais”. E se ele se der conta disso
e permanecer ali, e puser os seus afetos nas coisas de cima, não nas da terra, irá
regozijar-se com alegria indescritível e cheia de glória.

Aí está um sumário da grande declaração do apóstolo nos dez primeiros


versículos daquele capítulo primeiro. Mas depois, mais para o fim do capítulo,
ele muda para outra coisa. Ele salienta a importância de entendermos estas
coisas, e de sermos claros a respeito delas. Diz ele a estes efésios: “Pelo que,
ouvindo eu também a fé que entre vós há no Senhor Jesus, e o vosso amor para
com todos os santos” - ele ouvira acerca deles, e se regozija nisso -“não cesso de
dar graças a Deus por vós”. Todavia, não se detém nessa ação de graças a Deus
por eles; faz menção deles em suas orações, e eis aquilo pelo que ele pede em
oração para eles: que recebam “em seu conhecimento o espírito de sabedoria

e revelação”. Ele ora para que os olhos de seu entendimento sejam iluminados,
para que venham a saber certas coisas. Eles tinham sido introduzidos nesta
esfera, ele lhes diz, porém, se realmente hão de usufruir a vida cristã, se hão de
vivê-la plenamente, se hão de funcionar como povo de Deus aqui na terra,
precisam ter este entendimento espiritual de certas coisas. Quais? A grandeza
desta salvação, e a sua glória: “Para que saibais qual seja a esperança da sua
vocação”. Mas então ele prossegue, dizendo que deseja que saibam também da
certeza disso: “e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos”.
Vocês vêem que o apóstolo não está meramente escrevendo um tratado
de teologia. Em toda a linha, o seu objetivo é muito prático, muito pastoral. Ele
quer ajudar estas pessoas, quer que elas se regozijem em tudo isso. Muito bem,
diz ele, esta é a maneira de fazê-lo. Não comece olhando para si mesmo, mas
olhe mais longe, para estas coisas grandiosas e gloriosas: a esperança da sua
vocação; as riquezas da glória da sua herança nos santos; e então esta outra
maravilha: - “a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos”.
Temos consciência da debilidade, temos consciência das dificuldades, vemos a
oposição que há contra nós, o mundo organizado em pecado, a malignidade
dos homens, o diabo, o inferno, tudo quanto está contra nós. Sei disso,
diz efetivamente Paulo; por isso, a única coisaque vocês devem saber é
esta “sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos”. Se tão-
somente soubessem isso! Eles tinham que ter iluminados os olhos do seu
entendimento para fazer isso, pelo que ele ora no sentido de que se lhes
iluminem os olhos.

Ele não somente ora por eles dessa maneira, porém, de imediato passa a dar-lhes
alguma instrução a respeito. Ele lhes diz que o poder que opera neles é o mesmo
poder que ressuscitou a Cristo “dentre os mortos” e que O colocou à direita de
Deus nos céus, “acima de todo o principado, e poder, e potestade, e domínio, e
de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas também no vindouro”.
É esse o poder que opera em nós! Não seriamos crentes, não fora esse poder
operando em nós: “a sobreexcelente grandeza de seu poder sobre nós, os
que cremos, segundo a ...”. Nós cremos “segundo a” operação do Seu grande
poder, quer dizer, em virtude da, como resultado da operação do Seu grande
poder.

Depois ele desenvolve o ponto em termos da Igreja, e mostra que somos


membros do corpo de Cristo, e que o poder da Cabeça propagate por todo o
corpo. Não somos indivíduos isolados, frouxamente ligados a uma igreja,
vagamente relacionados com Cristo. Não, nós

somos membros do Seu corpo, da Sua carne e dos Seus ossos; trata-se de uma
unidade orgânica. Assim, o poder de Cristo está em nós; pertencemos a Ele,
estamos nEle, e Ele está em nós. o apóstolo está desejoso de que eles saibam que
nada pode frustrar o propósito de Deus, nada pode resistir a Deus. Estas coisas
são valores absolutos e certos. O que eu e você temos que compreender é que é
justamente esse poder que está operando em nós, e que, se afinal somos cristãos,
é porque esse poder já começou a operar em nós.

O apóstolo já lembrara a estes efésios que isso já tinha acontecido com eles. São
dois os seus temas, e agora ele os desenvolve juntos e ao mesmo tempo: esta
grande idéia ser tudo reunido em Cristo, e do poder de Deus que o efetua. Ele
fizera a mesma coisa no capítulo primeiro, da seguinte maneira: diz ele no
versículo 11: “em quem também obtivemos herança” (VA); depois, no versículo
13, “em quem também crestes” - em quem vós também tendes herança. Ele já
estabelecera lá o seu tema: este grande propósito de Deus já está sendo posto em
ação. Nunca houve nada que o deixasse mais surpreso do que o fato de ser
ele, dentre todos os homens, “o apóstolo dos gentios”. Aqui ele está escrevendo
uma Epístola aos efésios, que eram gentios - ele, que era hebreu de hebreus, da
tribo de Benjamim, fariseu, instruído aos pés de Gamaliel, um dos nacionalistas
mais apaixonados que o mundo conheceu - aqui está ele, este fervoroso judeu,
escrevendo realmente a pessoas que tinham sido gentios pagãos, e se dirigindo a
elas como iguais, regozijando-se com elas por estarem compartilhando a
mesma experiência. Como é que isso viera a acontecer? Há somente
uma resposta: é o poder de Deus. Ele já tinha exposto o seu tema desse
modo nos versículos 11 a 14 do capítulo primeiro. Agora, porém, no capítulo 2,
ele passa a desenvolvê-lo em detalhe. O propósito do capítulo primeiro fora
fazer uma grande declaração geral. Mas ele nunca para nisso. Ele agora diz, com
efeito: vamos adiante e vejamos concreta-mente na prática o que Deus fez. Vocês
se tornaram co-herdeiros, “em quem também vós estais, depois que ouvistes a
palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido,
fostes selados com o Espírito Santo da promessa, o qual é o penhor da nossa
herança (a herança que temos juntos), para redenção da possessão adquirida”.
No entanto, isto é tão estonteante que temos que compreender como chegou a
acontecer. Assim, no capítulo dois o apóstolo nos diz em detalhe como foi que os
judeus e os gentios se tornaram um, como foi que Deus conseguiu reunir em
Cristo estes elementos completamente

antagônicos. Seu modo de fazê-lo é expresso assim: quais eram os obstáculos


para esta união em Cristo? Quais os fatores que separavam judeus e gentios?
Qual a tarefa, se posso dizê-lo assim, com a qual se defrontou Deus em Seu
desejo de reuní-los? Diz o apóstolo que havia duas dificuldades principais.

A primeira era quanto ao estado e às condições dessas pessoas, por natureza. É


do que trata o apóstolo nos versículos 1 a 10 deste capítulo; as condições
lamentáveis, o estado pecaminoso destes efésios, antes da sua conversão. Antes
de se tornarem co-herdeiros com os judeus, com os judeus cristãos, no reino,
estas condições, este estado de pecado, tinham que receber tratamento. “E vos
vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados.” Foi necessário tratar disso.

Mas havia também outra questão, um obstáculo muito sério, a relação dos
gentios com a lei, com a lei de Deus. A lei de Deus só fora dada aos judeus;
nunca foi dada aos gentios. Foi algo que Deus deu somente aos judeus e a
ninguém mais. E, naturalmente, isso logo levantou uma enorme parede de
separação. Aqui estavam os judeus, sob a lei; ali estavam os gentios, os cães, os
fora da lei, estranhos à comunidade de Israel, sem esperança e sem Deus no
mundo. Ora, isso era um tremendo problema, e na segunda metade do capítulo,
do versículo 11 ao fim, o apóstolo passa a mostrar-nos como Deus tratou desta
segunda dificuldade que consistia em vencer o obstáculo da lei. Foi o que Deus
fez, afirma Paulo; Ele venceu esses dois obstáculos. Ele fez “dos dois um novo
homem”, sobrepujou todas as dificuldades; nada ficou sem ser tratado.

Entretanto, vocês notam que imediatamente ele nos faz lembrar da maneira
como foi feito isso, E aqui ele retorna aos seus grandes temas e aos seus grandes
princípios esboçados no capítulo primeiro. Vocês notam que ele começa dizendo:
“E (ele) vos vivificou” - Deus! É Deus o tempo todo, do começo ao fim; foi
Deus que venceu os obstáculos, foi Deus que nos reuniu. E de novo nos lembra
imediatamente - não se atrasa um segundo sequer - que é em Cristo que Deus fez
essas coisas; sim, e pelo sangue da Sua cruz - repete-se tudo. Como estes
apóstolos se repetem, e vão adiante dizendo a mesma coisa! Por quê? Porque é
questão crucial, porque sem isso não hásalvação, e porque somos
constantemente propensos a esquecer estas coisas. Persistimos em introduzir a
nossa justiça própria e os nossos méritos, e continuamos perguntando: bem, não
há nada que eu deva fazer? Desejamos tanto fazer algo e justificar-nos a nós
mesmos. Não, é o que Paulo diz, é tudo em Cristo, e tudo pelo sangue da Sua
cruz. O problema o requer

necessariamente; nenhuma outra coisa poderia fazê-lo. Ele nunca teria vindo à
terra, nunca teria morrido, se houvesse outra maneira. E tudo em Cristo. E vocês
ainda verão que ele continua salientando que é tudo pela graça. Note-se que está
entre parêntesis - “estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou
juntamente com Cristo” - e então, entre parêntesis “(pela graça sois salvos)”.
“Você não escapará disso”, diz efetivamente Paulo. “Não deixarei que você vá
embora com a sua constante afirmação do seu ser pessoal, dos seus méritos e dos
seus poderes. Livre-se disso tudo; vocêjamais se gloriaránisto.enquantonão vir
que é tudo pela graça: “pela graça sois salvos”. E ele prossegue, desenvolvendo
e repetindo o tema.

Mas o que ele quer acentuar acima de tudo, no contexto imediato, é que nada
menos que o grande poder de Deus poderia fazê-lo. E nisso que este capítulo se
liga imediatamente ao fim do capítulo anterior, onde ele estivera falando acerca
deste grande poder de Deus, que se manifestou em Cristo, ressuscitando-0 dentre
os mortos e colocando-0 à Sua direita naquela posição de suprema exaltação.
Então, “e vos vivificou” -Ele fez isso com vocês em Cristo, porque vocês
pertencem a Ele, vocês estão nEle, vocês são membros do Seu corpo, e nada,
senão o poder de Deus, poderia fazê-lo.

Assim, como eu o entendo aqui, o apóstolo parece perguntar: estamos


entendendo claramente isso? Isso nos deixa felizes? Entendemos que nada,
senão este soberano poder de Deus, que se manifestou na ressurreição e na
exaltação do nosso Senhor, nada senão isso, nada menos que isso, poderia fazer-
nos cristãos? Porventura entendemos estas questões de forma que não somente
vemos que Deus fez algo, mas também que Ele tinha que fazer algo, porquanto
as nossa condições eram tais que nada menos que isso poderia ser sufuciente
para nós?

O apóstolo parece estar fazendo estas perguntas. Estamos cientes disso?


Compreendemos isso? Ou, colocando a questão noutra forma, podemos
expressá-la dessa maneira: compreendemos o que significa a salvação? Se não
compreendem, diz o apóstolo, considerem estas coisas: primeiro, considerem o
que nós éramos antes de Deus começar a agirem nós; considerem as condições
do homem antes de Deus visitá-lo misericordiosamente para salvação. Se não
tivermos claro entendimento disso, jamais compreenderemos por que era
essencial o poder de Deus. E, finalmente, - não há questão acerca disso - o que é
doloroso com relação às pessoas que se acham em dificuldade quanto à
salvação é que elas nunca entenderam a doutrina bíblica sobre o pecado. Sempre

o maior problema é uma conceituação errônea do pecado. Muitos dizem que se


você simplesmente juntar forças e empenhar-se, se tão-somente viver
virtuosamente, e assim por diante, você agradará a Deus e Ele ficará satisfeito. O
verdadeiro problema com tais pessoas é que elas não entendem o significado da
palavra pecado. Elas pensam que podem salvar-se a si mesmas. Nunca
enxergaram a necessidade que têm deste grande poder de Deus. Isto se deve
inteiramente ao fato de que elas nunca se viram como de fato são.

Pois bem, o apóstolo começa com isso - esse é o tema dos versículos 1 a 3 deste
capítulo dois: “E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em
que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das
potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência. Entre
os quais todos nós também antes andávamos nos desejos de nossacarne, fazendo
a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira,
como os outros também”. O homem em pecado é isso, isso é o que todos
nós ainda seriamos, se Deus nos tivesse deixado entregues a nós mesmos. É o
que são todos os não cristãos. E o argumento do apóstolo é este: se você quer
conhecer a grandeza do poder de Deus, você tçm que compreender a
profundidade do pecado, tem que compreender o problema com o qual Deus Se
defrontou, tem que compreender o problema com o qual você se defronta. O
apóstolo quer mostrar-nos este poder. Diz ele que primeiro temos que descer, e
que só nos aperceberemos da altura a que fomos elevados se nos apercebermos
da profundidade em que tínhamos afundado. Esse é o primeiro ponto.

O segundo, naturalmente, segue-se daí. Ele vai adiante para mostrar-nos o que
Deus fez por nós. Esse é o tema dos versículos 4 a 7: “Mas Deus, que é
riquíssimo em misericórdia... estando nós ainda mortos em nossas ofensas” -
estávamos no fundo daquela sepultura, como Cristo esteve na sepultura - Deus,
quando ainda estávamos lá, graças à Sua riquíssima misericórdia, pelo Seu muito
amor com que nos amou, “estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos
vivificou juntamente com Cristo... e nos ressuscitou juntamente com ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus”. E é somente
quando entendermos e captarmos algo sobre isso, que compreenderemos
a grandeza do poder de Deus. Muitos há que pensam na salvação e
no cristianismo em termos de um pouco de moralidade e decência. Que insulto
ao cristão! - como se o cristão fosse apenas um indivíduo bondoso, agradável e
inofensivo. Nada disso! O cristão é alguém que passou por uma tremenda
transformação. Houve nele esta ação dinâmi-

ca. Ele foi levantado, ressuscitado; ele está nos lugares celestiais. Este é o poder
de Deus! E se você pensar no seu cristianismo nestes termos, verá que nada,
senão o poder de Deus, poderia fazê-lo. O apóstolo coloca o ponto diante de nós
em detalhe, e temos que considerá-lo.

Depois ele passa ao terceiro ponto, que nunca lhe é possível deixar fora. Nesta
altura você diz a si mesmo: “Isto tudo seria verdade? Eu estava realmente assim,
morto em ofensas e pecados, andando de acordo com o curso deste mundo,
dominado pelo príncipe das potestades do ar, vivendo para as paixões da carne e
da mente, filho da ira e desobediente? Eu estive nesta situação? Seria verdade
que agora estou em Cristo, nos lugares celestiais? Seria verdade que Deus fez
tudo isso e me transferiu daquela situação para esta? Por que Ele o fez?"
Há somente um resposta: é tudo segundo as riquezas da Sua graça, para que nos
séculos vindouros Ele pudesse mostrar as abundantes riquezas da Sua “graça
pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus, porque pela graça sois
salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das
obras, para que ninguém se glorie; porque somos feitura sua...”. Agora vocês
vêem a argumentação do apóstolo. Vocês vêem como este capítulo é seqüência
do capítulo primeiro.

Contudo, antes de prosseguirmos, reflitamos em certos pontos. Não estaria bem


claro que só quando nos apercebermos destas coisas é que louvaremos a Deus
como devemos? Pensem no Salmo 103: “Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e
tudo o que há em mim bendiga o seu santo nome”. Essa é a norma para o cristão:
todo cristão deve ser assim, deve estar bendizendo continuamente a Deus. Por
que será que existem tantos que não o fazem? Hásó umarespostapara
essapergunta: é porque não compreendemos o que Deus fez por nós; é porque
não sabemos o que é o pecado; porque não compreendemos o que nós éramos e
o que Deus fez por nós, e como o fez e por que o fez. Se compreendêssemos
estas coisas, não poderíamos deixar de louvar a Deus. E porque não
compreendemos estas coisas que é tão fraco o sentimento de maravilha em nossa
vida cristã. Para mim, nada é mais chocante que a facilidade com que muitos
falam destas coisas, e a maneira como eles as tomam como líquidas e certas. Não
há nada que faça tanta falta na vida cristã atual como um certo sentimento
de maravilha. Leiam as Epístolas deste homem, leiam as Epístolas dos outros, e
observem como, ao mencionarem esta grande salvação, eles param e começam a
louvar. Estão cheios de maravilha, de admiração, de espanto. Você está surpreso
consigo mesmo? Você está maravilhado

consigo mesmo? Para você é algo espantoso você estar fazendo este tipo de
leitura? Está você interessado nestas coisas - isto lhe causa admiração? Se você
compreendesse a verdade, causaria. A incompreensão destas coisas é que explica
a nossa perda e a nossa falta de sentimento de maravilha e adoração.

É isso que explica a nossa falta de amor a Deus. Você está preocupado com a
frieza do seu coração? Estou certo de que está, como todos nós devemos estar.
Acaso não é de causar espanto, que nos aproximemos da Ceia do Senhor,
comamos o pão e bebamos o vinho, e fiquemos tão impassíveis que os nossos
corações não transbordem de amor a Deus? Por que não transbordam de amor?
Porque não nos damos conta do amor de Deus. Se você quer amar a Deus, não
tente pôr em ação alguma coisa dentro de você; trate de aperceber-se do Seu
amor, e ore no sentido de que os olhos do seu entendimento sejam iluminados,
para que você possa dar-se conta do poço do qual foi tirado, das profundezas nas
quais você tinha afundado, daquela situação terrível, precária e perigosa em que
se achava, e do que Deus fez por você, por Sua graça, em Cristo. Essa é a
maneira de compreender isso. “Nós o amamos a ele porque ele nos amou
primeiro”, declara João, e o argumento é o mesmo (1 João 4:19). O
entendimento destas coisas é essencial para que se tenha sentimento de
maravilha, de amor e de louvor.

Passemos, porém, a algo ainda mais prático. A razão pela qual não nos damos
conta destas coisas é que não sentimos como devíamos o peso do fardo das
outras pessoas. Os cristãos não passam de um punhado no mundo atual. As
grandes multidões estão fora de Cristo, estão fora da Igreja, vivendo na
impiedade e sem religião, e num terrível estado de pecado. Estamos preocupados
com elas? As suas condições pesam em nós? Temos senso de missão quanto aos
nossos concidadãos em nosso país? As condições em que se acham as multidões
de outros países, envoltas em trevas morais, são um peso sobre nós?
Estamos interessados nos empreendimentos missionários? Pensamos
nestas coisas? Sentimos o peso delas? Oramos a Deus a respeito?
Estamos perguntando: “Que posso fazer? Como posso ajudar? Que
contribuição posso fazer?” Se não, só há uma explicação - nunca chegamos
a compreender a verdade acerca dos que se acham num estado de
pecado. Apenas nos irritamos por causa deles, ficamos incomodados com
eles. Mas isso não basta; temos que preocupar-nos com as almas, temos
que preocupar-nos com o pecado. Temos que ver os pecadores como eles são,
filhos da ira, prisioneiros do inferno, vê-los nesta degradação, nesta corrupção
que o apóstolo descreve. Se tão-somente enxergássemos isso,

os nossos corações correriam para eles; nós os veríamos como nosso Senhor os
vê - e o Seu grande coração transbordava de compaixão por eles. A pobreza do
nosso zelo missionário e evangelístico deve-se inteiramente a isto: não temos
enxergado de verdade a situação dos de fora - o que eles são, o que poderiam ser,
e o que Cristo fez.

O terceiro ponto que a palavra do apóstolo nos dá a conhecer é que, se apenas


enxergássemos verdadeiramente estas coisas, isso também dominaria a nossa
evangelização. O problema com toda òvangeliza-ção falsa é que não começa
com doutrina, não começa pela percepção das condições do homem. Toda
evangelização carnal, feita pelo homem, é resultante de um inadequado
entendimento do que o apóstolo nos ensina nos dez primeiros versículos deste
capítulo dois da Epístola aos Efésios. Se eu e você simplesmente nos déssemos
conta de que todo homem ainda pecador é dominado absolutamente pelo
“príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da
desobediência”, se tão-somente soubéssemos que tal homem ainda é realmente
filho da ira e está morto em ofensas e pecados, compreenderíamos que
unicamente um poder pode lidar com esse indivíduo, o poder de Deus, o poder
do Espírito Santo. E assim poríamos a nossa confiança, não em organizações
feitas pelo homem, porém, no poder de Deus, na oração que se apega a Deus e
roga por avivamento e por um derramamento do Espírito. Perceberíamos que
nenhuma outra coisa pode fazê-lo. Podemos mudar superficialmente os homens,
podemos conseguir homens para o nosso lado e para o nosso partido, podemos
persuadi-los a unir-se à igreja, mas nunca poderemos ressuscitar os
espiritualmente mortos; só Deus pode fazê-lo. A percepção destas verdades
determinaria e dirigiria necessariamente toda a nossa ação evangelística.

Vocês vêem, então, porque é que o apóstolo se preocupa tanto com estas coisas,
porque é que ele ora por estes efésios, para que sejam iluminados os olhos do seu
entendimento. Vocês vêem que a doutrina que ele nos apresenta afeta a
totalidade da nossa vida cristã. Afeta-me individualmente, afeta a minha vida de
oração, o meu louvor, os meus atos de culto, o meu amor, a minha relação com
Deus, a minha relação com outras pessoas - tudo é dominado e dirigido por esta
doutrina. O apóstolo expôs tudo isso em princípio no capítulo primeiro.
Sim, todavia, ele afirma que você não deve vê-lo apenas em princípio; você deve
entendê-lo e captá-lo em detalhe. Por isso ele nos leva aos detalhes, e começa a
fazê-lo neste capítulo dois. E eu e você devemos fazer o mesmo. Devemos
contemplar os homens em pecado até ficarmos horrorizados, até ficarmos
alarmados, até que nos aflijamos por eles, até

que oremos por eles, até que, tendo compreendido a maravilha da nossa
libertação daquele estado terrível, nos percamos num arrebatado sentimento de
maravilha, de amor e de louvor.

Essa é a introdução deste capítulo dois da Epístola de Paulo aos Efésios.São os


prolegômenos essenciais. Não há sentido em correr para os detalhes sem esse
cenário de fundo. E devemos considerar os detalhes, não simplesmente para que
possamos ir examinando prazerosamente estes grandes versículos, mas porque a
totalidade da nossa vida cristã está envolvida aqui, e temos que entender estas
coisas. Portanto, confiemo-nos aDeus e oremos para que os olhos do nosso
entendimento sejam iluminados, paraque vejamos econheçamos estas coisas,
paraque vejamos o grande plano e propósito de Deus sendo levado a
efeito; vejamos que somente Ele pode fazê-lo. Dediquemo-nos, pois, a uma nova
consideração destas coisas, para que verdadeiramente sejamos “para louvor da
glória da sua graça”, e sejamos de ajuda prática e imediatapara os nossos
semelhantes, homens e mulheres, que ainda são “filhos da ira”, perdidos,
sentenciados e condenados em pecado.

O HOMEM EM PECADO
A VIDA SEM DEUS
A MENSAGEM CRISTÃ PARA O MUNDO
RESSUSCITADOS COM CRISTO
AS SUBLIMES RIQUEZAS DA SUA GRAÇA
PELA GRAÇA POR MEIO DA FÉ
13
15
O SANGUE DE CRISTO
18
20
21
22
ORANDO NO ESPÍRITO
25
CIDADANIA CELESTIAL
29
O ÚNICO FUNDAMENTO
O CRESCIMENTO DA IGREJA
O HOMEM EM PECADO

“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desobediência, entre os quais todos
nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da
carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros
também. ” - Efésios 2:1-3

Com estas palavras o apóstolo está interessado em mostrar aos cristãos efésios, e
a todos outros cristãos a quem ele estava escrevendo, e portanto a nós, a
grandeza e a glória da salvação cristã. Estes efésios já tinham crido no
evangelho. Paulo já tinha dado graças a Deus pela fé que eles tinham no Senhor
Jesus e pelo seu amor para com todos os santos. Eles tinham sido selados com o
Espírito Santo e tinham em si o penhor da herança. E, contudo, o apóstolo ora
para que os olhos do entendimento deles sejam iluminados. Eles estão apenas no
começo, são simples crianças. Ele quer que eles captem algo da amplitude,
da grandeza e da majestade desta maravilhosa salvação. E, sujeitos como ainda
estão à tentação, e vivendo num mundo contraditório e cercados de paganismo e
de oposição em diversas formas, o apóstolo está particularmente desejoso de que
eles tenham claro entendimento da grandeza do poder de Deus para com os que
crêem. E seguramente essa é uma coisa que necessitamos saber e da qual
devemos estar certos na vida cristã. Nada é mais vital do que termos claro
conhecimento acerca do poder de Deus que se manifesta nesta salvação cristã.

O apóstolo escreve com o fim de ajudá-los nesse aspecto. Ele não somente ora
por eles, mas também os instrui. E as duas coisas devem andar sempre juntas.
Ele ora para que os olhos do seu entendimento sejam iluminados pelo Espírito
Santo. Isso é absolutamente vital. Sem o entendimento que só o Espírito Santo
pode nos dar, palavras como as que vamos considerar, obviamente serão
completamente sem sentido para nós. Além disso, provavelmente as odiaremos e
as acharemos pessimistas e mórbidas. Diz o homem, por natureza, que o que ele
quer é algo que o alegre, não uma terrível análise da natureza humana como esta,
que é tão deprimente. Noutras palavras, sem que tenhamos mente

espiritual, não podemos ter esperança de entendê-las. Por isso o apóstolo coloca
isso em primeiro lugar. Primeiro vem a sua oração. Depois, havendo orado, ele
coloca diante dos efésios o conhecimento e a instrução.
Como podemos ter uma verdadeira concepção da grandeza do poder de Deus na
sal vação? Este é um tema que se repete constantemente nas cartas do apóstolo
Paulo. Vejam a magnífica declaração em Romanos 1:16, “não me envergonho do
evangelho de Cristo”. Porquê? Porque “é o poder de Deus para salvação de todo
aquele que crê”. O poder! Como medi-lo? O apóstolo nos dá as medidas precisas
aqui.

A primeira medida é a profundidade do pecado da qual fomos levantados.


Noutras palavras, afim de medir a grandeza deste poder, primeiro você tem que
ir ao fundo, e depois tem que subir. O homem jamais começa ao nível do chão,
por assim dizer. Não começamos neutros, não começamos numa espécie de
estado indeterminado, nem bom nem mau. Não, nós começamos nas
profundezas de um poço. Primeiro somos levantados e retirados de lá; e depois
somos elevados diretamente para os próprios céus. Assim, o apóstolo começa
onde nós devemos começar. A salvação chega a nós onde estamos; não
onde gostaríamos de estar, nem como gostaríamos de pensar em nós idealis-
ticamente. O evangelho de Jesus Cristo é totalmente realista, e ele começa
conosco exatamente onde estamos, e esse lugar é o fundo de um poço de
corrupção.

O argumento do apóstolo é que nunca teremos uma adequada concepção da


grandeza desta salvação, a menos que compreendamos alguma coisa do que
éramos antes de sermos tomados por esse grande poder, a menos que
compreendamos o que seriamos ainda, se Deus não interferisse nas nossas vidas
e não nos tivesse resgatado. Noutras palavras, temos que compreender a
profundidade do pecado, o que o pecado significa realmente e o que ele fez com
a raça humana. Temos que começar com isto porque é um fato - não porque é
uma teoria, e sim, porque é um fato. A Bíblia é um livro de fatos; é um livro que
se interessa por nós como somos; é histórico. Devemos começar com fatos,
gostemos ou não. Se quisermos ser honestos em nosso raciocínio, teremos que
encarar fatos, e aqui está o primeiro deles.

Permitam-me mostrar-lhes como é absolutamente vital que comecemos aqui.


Nenhum homem jamais terá uma verdadeira concepção do ensino bíblico sobre
a redenção, se não tiver claro entendimento da doutrinabíblica do pecado. E aí
está por que tanta gente hoje é tão frouxa

e vaga em suas idéias de redenção. A idéia comum é que o nosso Senhor é uma
espécie de amigo a quem podemos recorrer quando estamos em dificuldades,
como se isso fosse tudo. Ele é isso - graças a Deus porque é! Mas isso não é a
redenção em sua inteireza, nem em sua essência. Vocês não poderão começar a
medir a redenção, enquanto não compreenderem algo do que a Bíblia nos ensina
acerca do homem em pecado e de todo o efeito do pecado sobre o homem. Ou
deixem-me expressá-lo de outro modo. Vocês não terão a mínima possibilidade
de entender a doutrina da encarnação, se não entenderem esta doutrina do
pecado. Diz-nos a Bíblia que o homem estava em tais condições que
era necessária a vinda da Segunda Pessoa da Trindade santa e bendita dos céus à
terra. Ele teve que descer, assumir a natureza humana e nascer como um bebê.
Isso era absolutamente essencial antes de se poder redimir o homem. Por quê?
Por causa do pecado, da natureza do pecado. Portanto, vocês vêem, vocês não
poderão entender a encarnação, se não tiverem claro entendimento sobre o
pecado. De igual modo, vejam a cruz no Calvário. Que é ela? Que significa?
Que nos diz? Que está acontecendo ali? Torno a dizer que vocês não terão a
mínima possibilidade de entender a morte de nosso Senhor e o que Ele fez na
cruz, se não entenderem claramente esta doutrina do pecado. O caráter
completamente vago das idéias de muitos sobre a morte de nosso Senhor deve-se
inteiramente a isto. Não gostam da doutrina da substituição; não gostam da
doutrina do sofrimento penal. Isso porque nunca entendem o problema. Porque
não começam com o homem em pecado. Estas são as grandes doutrinas
cardinais da fé cristã, e não podem ser entendidas, a não ser à luz da terrível
condição do homem em pecado.

Deixem-me, porém, ser ainda mais prático. Talvez alguém diga: ah, bem, você
fala acerca das suas doutrinas. Não estou interessado em doutrinas, não sou um
dos seus teólogos, sou um frio homem do mundo, homem de negócio, e quero
saber algo sobre a vida e como viver. Muito bem, enfrentemos esse caso. Estou
asseverando que vocês não poderão entender a vida como esta é neste mundo
neste momento, se não entenderem esta doutrina do pecado. Vou além, a minha
opinião é que, sem isto, vocês não poderão entender a totalidade da história
humana, com todas as suas guerras, seus conflitos, suas conquistas, suas
calamidades, e tudo o que ela registra. Afirmo que não há explicação
adequada, salvo na doutrina bíblica do pecado. Só se pode entender
verdadeiramente a história do mundo à luz desta grande doutrina do homem,
do homem decaído e em pecado. Leiam os seus livros sobre a filosofia
da história, e verão que eles andam às tontas. Não sabem interpretar os

fatos, não conseguem dar uma explicação adequada; todas as suas idéias são
completamente falsificadas pela história. Isto porque eles nunca se apercebem de
que o ponto de partida é a condição pecaminosa do homem decaído.

São essas, pois, algumas das razões pelas quais devemos considerar esta matéria.
Há, em última análise, somente duas explicações propostas quanto a por que o
homem é como é e por que o mundo é como é hoje, e por que ele sempre foi o
que foi. Há o ensino bíblico; e há todos os outros ensinos não bíblicos.
Contrariamente ao ensino bíblico, há o ensino popular atual, segundo o qual o
homem é o que é, e as coisas são o que são porque o homem não teve tempo
suficiente ainda para avançar até a perfeição. Outrora ele era um animal, é o que
nos dizem, e isso há não muito tempo. Milhões de anos não são nada, e há
apenas alguns milhões de anos o homem era um animal. Habitava nas florestas,
trepava nas árvores, e assim por diante. Não se pode esperar que de repente
se torne perfeito, dizem eles. Ele está se desfazendo desses vestígios e relíquias
animalescos, porém, ainda não o fez completamente. Ele o está fazendo
progressivamente, é certo, mas é preciso dar-lhe tempo. Noutras palavras, o
problema da humanidade é simplesmente problema de tempo. Tais pensadores
não têm muito conforto para dar aos que estamos vivos agora, porque eles dizem
que em muitos bilhões de anos por vir, provavelmente o homem conseguirá
chegar à perfeição. E tudo uma questão de tempo, uma questão de
conhecimento, uma questão de crescimento e instrução, e assim por diante.
Agora, ou vocês crêem nisso, ou nalguma variante disso, ou então crêem no que
a Bíblia diz acerca do homem. Aqui nos é dito exatamente em que consiste
o conceito bíblico.

As diferenças entre o conceito bíblico e todos aqueles outros conceitos são os


seguintes: este conceito bíblico é realista. Todos aqueles outros conceitos não
encaram os fatos, suprimem certo número de fatos. São muito agradáveis e
favoráveis; querem fazer-nos pensar bem de nós e do homem, pelo que dizem:
dêem uma oportunidade ao homem; ele nunca teve uma chance completa ou uma
oportunidade certa, mas dêem tempo a ele, etc. Por outro lado, a Bíblia, com
realismo total, vem a nós e nos afirma que o homem é tolo, que o homem
trouxe calamidade para si mesmo, que é porque o homem é, como Paulo
se expressa aqui, “um filho da desobediência”, que ele é o que é e o seu mundo é
o que é. Ela assevera que não há escusa para o homem, que ele tem de admiti-lo,
que ele tem que encará-lo, e que não há esperança para

ele enquanto não o fizer. Isso se chama arrependimento. Ela é realista. E se não
houvesse outra razão para crer na Bíblia, e para crer que a Bíblia é a Palavra de
Deus, esta seria suficiente para mim; ela me diz o que eu sei que é a completa
verdade acerca de mim mesmo. E não sei doutra coisa que o faça. Os seus
romances não o fazem - eles dizem o que me agrada e não me levam apensar
com muito rigor sobre mim mesmo. Eles tentam levantar o meu moral, tratam-
me psicologicamente; no entanto, o que eles dizem não é verdade. Unicamente o
conceito bíblico é realista.

Não somente isso, é também radical, desce às profundezas. Não enfrenta apenas
certos aspectos do problema do homem em geral e do indivíduo; enfrenta todos
eles. Embora penoso, o processo toma o seu bisturi, por assim dizer, e se põe a
dissecar até o câncer ficar exposto. É radical. E é por isso que, às vezes, é
extremamente difícil não nos impacientarmos com o que o mundo está sempre
tão pronto a acreditar. O mundo, com as suas idéias e filosofias, está apenas
medicando sintomas, administrando os seus barbitúricos num sentido espiritual,
e os seus anódinos, as suas aspirinas, etc.; e porque a nossa dor é aliviada por
algum tempo, achamos que estamos bem, mas o estado de saúde nunca foi
diagnosticado, nunca foi posto às claras; não é enfrentado. O mundo não gosta
de nada que seja desagradável; tem medo disso, e assim não o enfrenta. Nunca é
radical. Todavia, como veremos, a Bíblia é muito radical.

Depois, a última coisa que eu gostaria de dizer em geral a respeito disso é que
este conceito bíblico é, ao mesmo tempo, mais pessimista e otimista que todos os
outros conceitos. O homem sempre foi atrás de alguma utopia, sempre tem feito
isso, através dos séculos. Mas nunca chega lá. Portanto, tudo isso é final e
completamente pessimista. Só existe um conceito verdadeiramente otimista da
vida, e é aquele que nos diz que, apesar de estar o homem nas profundezas do
pecado, o poder de Deus pode vir, pode segurá-lo e pode elevá-lo às alturas, e
que isto foi feito em Jesus Cristo, o nosso Senhor.

Tivemos um visão geral desta situação. Mas partamos agora para os detalhes,
para o ensino específico. Nestes três versículos o apóstolo faz um sumário de
modo o mais admirável, e talvez o mais perfeito da Bíblia toda - um sumário da
doutrina bíblica, do conceito escriturístico sobre o homem em pecado. Ele diz
quatro coisas a respeito disso. Em primeiro lugar, ele descreve o estado do
homem em pecado. Em segundo lugar, ele nos dá uma explicação deste estado e
nos explica por que o homem se acha neste estado. Em terceiro lugar, ele nos diz
a que

esse estado e condição leva na prática. E em quarto lugar, ele nos diz como Deus
vê o homem nesse estado. Seria essa a minha análise destes três versículos. Em
resumo: as condições; por que o homem está nestas condições; quais os
resultados práticos por estar ele nessas condições; e o que Deus pensa disso.
Tudo isso está neste três versículos.

Comecemos a nossa consideração destas questões partindo do estado do homem


em pecado. Qual é ele? Eis a resposta: “E vos vivificou, estando vós mortos”.
Agora, os tradutores acrescentaram aqui uma palavra que não está no original. O
original diz: “Estando vós mortos”, pode-se notar nalgumas versões (e.g., ARC)
que a palavra “vivificou” vem impressa em itálicos, o que significa que os
tradutores a acrescentaram (e fizeram bem) para nos ajudar a fazer uma leitura
mai s fluente. Mas Paulo estava impregnado do seu assunto, e diz: “E
estando vós mortos” - não “em” ofensas e pecados, porém, mortos “em razão”
deles ou “por causa” deles, que é uma tradução ainda melhor. A palavra vital,
todavia, é a palavra “mortos”. “Estando vós mortos” (“Vós estáveis mortos”,
VA), declara Paulo. Que é que ele quer dizer? Bem, é óbvio que ele está falando
de uma condição de morte espiritual, não de morte fatual, física, pois ele
prossegue e diz imediatamente: “em que noutro tempo andastes” e em que
“todos nós também antes andávamos”. Noutras palavras, o ensino do apóstolo é
que a vida para o não cristão é uma morte viva. Ele está morto espiritualmente.
Vou repetindo as expressões porque são vitais. Vocês notam como é forte
o termo. Não existe nenhum termo mais forte que “morte”. Como é categórico!
Depois de se dizer que um homem está morto, não há mais o que dizer. Não é
“quase morto”; ele está morto de fato; não é que ele esteja “desesperadamente
mal”, está “morto”. Não há vida nenhuma ali. Pois bem, a palavra é do apóstolo,
não minha, palavra utilizada em toda parte nas Escrituras; e é a palavra utilizada
acerca do homem que se acha num estado de pecado, antes do poder de Deus
para a salvação no evangelho vir a ele e lhe fazer algo. Ele está morto!

Que significa isso? Suponho que a melhor maneira de definir a morte é dizer que
é exatamente o oposto e a antítese da vida. Então, que é a vida? Bem, na Bíblia a
vida é sempre descrita e definida em termos da nossa relação com Deus. Vejam
as palavras do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo em João 17:3: “E a vida
eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus
Cristo, a quem enviaste”. Isso é vida! Que é a morte? O oposto disso. Deus é o
Autor da vida - “Aquele que tem , ele só, a vida e a imortalidade”. Ele é a

fonte da vida, o mantenedor da vida. Deus é Vida e dá vida, e fora de Deus não
há vida. Portanto, podemos definir a vida como segue: a vida é conhecer a Deus,
estar em relação com Deus, ter prazer em Deus, corresponder-se com Deus, ser
semelhante a Deus, compartir a vida de Deus e ser abençoado por Deus.
Segundo a Bíblia, a vida é isso. Portanto, ao definirmos a morte, devemos defini-
la como o oposto daquilo tudo. E quando o fizermos, veremos de um relance que
o que Paulo diz sobre o não cristão não é nada menos que a pura verdade. Ele
está morto, é o que Paulo diz: Estando vós mortos” (“Vós estáveis mortos”, VA);
e os não cristãos ainda estão mortos. Que é que ele quer dizer? Ele quer dizer
que eles são ignorantes de Deus; não conhecem a Deus. Mais adiante, neste
capítulo, o apóstolo expressa isso claramente. Aqui ele diz que aquelas pessoas,
antes da sua conversão, estavam exatamente nessa condição. No versículo 12 diz
ele que “naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel,
e estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus...”.
“Vós estáveis sem Deus”; não O conheciam. Estavam separados da vida de
Deus, sem comunhão com Deus. Ah, vocês podem ter falado sobre Deus, mas
Deus era uma espécie de termo filosófico para vocês, era algum Ser
imaginário nalgum lugar qualquer, apenas Alguém sobre quem conversar.
Vocês não O conheciam, não se correspondiam com Ele; vocês estavam fora da
Sua vida.

Você conhece a Deus? Não pergunto: você fala sobre Deus? Pergunto, sim: Deus
é real para você? Você O conhece? “A vida eterna é esta: que te conheçam...”.
Você pode dizer, “Meu Deus”?

Obviamente, a segunda verdade acerca desta condição é que esse homem é


também ignorante das coisas espirituais e da vida espiritual. O apóstolo fala
disso ao escrever aos romanos, no capítulo 8, dizendo: “Os que são segundo a
carne inclinam-se para as coisas da carne; mas os que são segundo o Espírito
para as coisas do Espírito”. Interpretando, significa que os que são segundo
acarne não são cristãos, interessam-se pelas coisas que condizem com acarne,
não se interessam pelas coisas do Espírito. E isto, naturalmente, é puro e duro
fato. O incrédulo nada sabe destas coisas, e não quer saber delas. Não
se interessa por elas e as acha terrivelmente tediosas. O não cristão acha a Bíblia
muito enfadonha, e as exposições sobre a Bíblia muito enfadonhas. Ele não acha
enfadonhos os filmes, os jornais, os romances; mas essas coisas ele acha
enfadonhas. Não gosta das conversas sobre a alma, sobre a vida, sobre a morte,
sobre o céu, sobre Deus e sobre o Senhor Jesus Cristo. Não pode evitá-lo, porém
simplesmente não vê nada

nestas coisas, e não se interessapor elas. O seu interesse está nos homens e em
sua aparência, e no que eles têm falado e dito; o mundo e os seus interesses
exercem tremenda atração sobre ele. A situação é perfeita-mente simples: estas
outras coisas são espirituais, são de Deus, e aquele tipo de homem não vê nada
nelas. Por quê? Porque ele está “morto”, e não tem nenhuma vida espiritual. A
lei das afinidades é certa. Os semelhantes se atraem, “pássaros de penas iguais
voam juntos” - gente do mesmo tipo andajunto. Nasce acriança, e ela quer leite;
a suanatureza o requer, mas um objeto inanimado não. Essa é a segunda verdade
acerca do homem em pecado.

No entanto, ele não somente não gosta destas coisas, vamos adiante e
expressemos o ponto como as Escrituras o expressam; ele até as
odeia. Literalmente as odeia, não somente porque lhe são enfadonhas,
porém, também porque, de algum modo, ele sente que o fato de não gostar
delas o condena. E ele não gosta de sentir isso. Naturalmente ele se dispõe a ter
alguma espécie de religião, mas contanto que a possa controlar, controlar o que
se diz, e coisas como essas. Ah, sim, tem que haver um limite de tempo nas
coisas de Deus; não, contudo, nas coisas do mundo. Esse é o ódio que ele tem de
Deus. “A inclinação da carne”, afirma Paulo, “é inimizade contra Deus, pois não
é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser” (Romanos 8:7).

Devemos ir mais longe. Obviamente, este tipo de pessoa é diferente de Deus e


não participa da vida de Deus. Noutras palavras, para usar um termo bíblico,
esse tipo de vida é corrupto. É corrupção. Deus é santo, e todos os que são
semelhantes a Deus também são santos. “Sede santos”, diz Ele, “porque eu sou
santo.” Mas as pessoas desse tipo estão mortas, estão fora da Sua vida, são
corruptas. São essencialmente más. Deleitam-se nas coisas más, lambem os
beiços por elas, porque a sua natureza é má. Não há justiça nessas pessoas, não
há verdade nelas. Acreditam em mentiras, e elas mesmas são
mentirosas, “odiosos, odiando-nos uns aos outros”, diz a Bíblia (Tito 3:3). Esse
é o homem em pecado - morto, fora da vida de Deus.

O que as segue, é claro, é que esse tipo de vida não é abençoado por Deus e,
portanto, é infeliz. A vida do homem em pecado é infeliz. Se você contestar isso,
só há uma coisa para dizer-lhe, e é que você não é cristão. Se você não concorda
que a vida ímpia, que a vida do mundo, é infeliz, e que a única vida feliz é a vida
cristã, você está simplesmente proclamando que não é cristão. Desejar este tipo
de vida, esse tipo de existência, é simplesmente proclamar que você não tem
natureza

espiritual. A verdade acerca dessa vida é que ela é miserável, infeliz. Olhem por
baixo da superfície, e a verão clamar a vocês. O modo de ser do mundo, com
todas as suas mudanças, suas constantes mudanças, é uma proclamação de que
aqueles que o seguem são profundamente infelizes. É por isso que eles vivem
mudando. Cansam-se de tudo, estão sempre em busca de algo novo. Estão
sempre em busca de emoções, e correm atrás delas. Por quê? Porque lhes é
intolerável passar algumas horas a sós consigo mesmos. Acham a sua própria
companhia tão miserável que passam a vida fugindo de si mesmos. Essa é a
extensão da miséria de uma vida de pecado: não hárecursos nem reservas,
porque eles estão fora da vida de Deus. Esse é o homem em pecado. Ele
está morto.

Na verdade o apóstolo resume tudo perfeitamente numa declaração do capítulo


seis da Epístola aos Romanos, versículo onze; diz ele: “.. .considerai-vos como
mortos para o pecado, mas vivos para Deus.. Antes vocês não estavam vivos
para Deus; agora, como cristãos, estão. Vocês se dão conta que o homem em
pecado está morto neste sentido? Dão-se conta de que é o que vocês eram por
natureza? Vocês não vêem que é assim que se avalia a salvação? É o que nós
todos éramos, declara Paulo. E os que estão em pecado ainda estão naquela
situação. Vocês não têm compaixão dos incrédulos? Vocês oram alguma vez por
eles? Vocês estão fazendo tudo o que podem para levar-lhes este evangelho,
seja neste país ou noutro? Essa é a condição deles. Pobres infelizes!
Mortos! Fora da vida de Deus!

Apresso-me a uma segunda questão. A segunda verdade que Paulo nos diz sobre
essas pessoas é que elas são governadas por este mundo: “Em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo”. Que declaração! “O curso deste
mundo”! A palavra que de fato eleusoufoi era, “a era deste mundo”. Que é que
ele quer dizer com isso? Penso que ele quer dizer que essa espécie de vida é vida
sob o controle, a perspectiva e a mentalidade do presente mundo - o “presente
século mau”, como lhe chamam as Escrituras (Gálatas 1:4). Ora, a
dificuldade quanto ao homem em pecado é que ele é levado, é controlado,
é absolutamente governado por esse tipo de vida e por esse tipo de perspectiva.
Isso é uma coisa que a Bíblia ensina do começo ao fim. De acordo com a Bíblia,
o mundo está sempre contra Deus.

Que é “o mundo”, no sentido bíblico? É a perspectiva, a mentalidade e a


organização da vida - à parte de Deus. E o que se quer dizer

com a expressão “o mundo” não se trata do universo físico, das montanhas, dos
rios, etc. O mundo é uma mentalidade, uma perspectiva, um conceito de vida
sem Deus. Deus é excluído; é o próprio homem concebendo e organizando a
vida, e controlando a vida. Essa mentalidade é que é descrita como “o mundo”.
Paulo o expressou uma vez por todas neste mesmo capítulo que estamos
considerando. Vejam de novo o versículo 12: “Portanto”, diz ele, “lembrai-vos
de... que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel,
e estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no
mundo”. Estar sem Deus é “estar no mundo”. E estar no mundo é ser governado
pela perspectiva e pela mentalidade do mundo. O apóstolo diz a mesma coisa em
Romanos 12: 2: “E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos
pela renovação do vosso entendimento...”, Como cristão, diz o apóstolo, não se
amolde a este mundo, com a sua mentalidade e a sua perspectiva; você está
noutra esfera. “Transforme-se”, “renove a sua mente” para condizer com
aquele novo mundo. Ou vejam o que o apóstolo João diz, muito
explicitamente: “Não ameis o mundo, nem o que no mundo há... a
concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1 João
2:15-17). O mundo é isso. Não amem o mundo, diz com efeito João, vocês não
lhe pertencem, ele é completamente oposto a Deus. Não amem o mundo!

Aqui a afirmação do apóstolo é que o não cristão é simplesmente governado e


controlado pelo mundo, sua mente, sua perspectiva, sua mentalidade. Não
conheço nada que seja mais triste quanto ao homem em pecado do que
justamente isso. Vocês vêem isso tudo em seus jornais. Acaso não é triste ver a
maneira com que certas pessoas são inteiramente governadas pelo que outras
pessoas pensam, dizem e fazem? Elas lamentam por nós, cristãos. Dizem elas:
“Imaginem, eles se prenderem a esse Livro, aqueles cristãos estreitos e
infelizes!” Assim fala o homem do mundo de mente aberta, assim chamado.
Como é astuto o diabo em persuadir as pessoas disso! Pois a pequena vida delas
é inteiramente governada pela organização do mundo. Elas pensam como o
mundo. Tomam as suas opiniões pré-fabricadas do seu jornal favorito. Até a sua
aparência é controlada pelo mundo e suas modas, que sempre mudam. Todas
elas se conformam, isso tem que ser feito; não se atrevem a desobedecer: têm
medo das conseqüências. Isso é tirania, é controle absoluto - roupa, estilo de
penteado, tudo controlado absolutamente. A mente do mundo! Não há tempo
para desenvolver a questão sobre a sutil, quase daibólica influência muitas vezes
demonstrada em suas modas sensuais. Esta era é dominada pelo sexo. Isso
transparece em toda

parte-fotografias, quadros e cartazes que o sugerem. Muitíssimas vidas estão


sendo controladas e governadas por isso, todas as suas opiniões, sua linguagem,
o modo como gastam o seu dinheiro, o que desejam, aonde vão, onde passam as
suas férias; é tudo controlado, governado completamente. Certamente isso tudo
nunca foi mais evidente que no mundo atual. Quando as pessoas falam tão
levianamente sobre a sua emancipação, dão uma clara prova do fato de que elas
são governadas, dominadas e controladas por este mundo, pela mente do mundo,
pelaera da propaganda, pela era da publicidade, pela opinião das massas,
pelo indivíduo massificado sem saber. Não é trágico? Mas o homem em pecado
é isso. Está espiritualmente morto porque é controlado pela mente do mundo.

Não somente isso, mas o apóstolo vai adiante para dizer-nos que, por sua vez,
isso é controlado por um princípio mau que há na vida. Ouçamo-lo colocá-lo
desta forma: “Em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo,
segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos
da desobediência”. A palavra “espírito” aqui significa princípio; há um princípio
mau que, diz ele, está operando neste mundo. E essa palavra “operar” é forte. Há
nela, uma energia, uma força, um poder. Não há nada mais patético do
que pensar numa vida de pecado como uma vida passiva ou negativa. O fato é
que existe este poderoso princípio do mal em ação neste mundo, e é somente o
homem que crê na Bíblia e teve a sua mente e seu entendimento iluminados pelo
Espírito Santo que pode ver isso. Vocês imaginam que tudo o que vêem na vida
hoje simplesmente sucede de qualquer maneira, de alguma forma? Vocês não
conseguem ver quão organizado é, quão uniforme, quão astuto, quão parecido
em todas as suas partes? Há um princípio do mal em operação. Numa era
obscura como esta, damos graças a Deus por toda e qualquer indicação de
melhoramento. Refiro-me ao fato de que houve certos filósofos que foram
suficientemente sinceros para dizer-nos que a última guerra mundial os
convenceu disso. Pensem num homem como o finado Dr. Joad. Ele eraum ateu,
um incrédulo, antes da guerra. Depois passou a crer na realidade de Deus, e nos
diz por quê. Disse ele que a segunda guerra mundial o convenceu de que, em
todo caso, a Bíblia estava certa nisto, que há um princípio do mal em ação. Disse
ele que não podia explicar a guerra de nenhum outro modo; ele pôde ver que não
se tratava de acidente ou de algo negativo, porém, que havia um poder
demoníaco em ação, o “espírito que agora opera nos filhos da desobediência”.
Cabe-nos como povo cristão,

reconhecer que essa pobre gente que está sem Deus no mundo está sendo
dominada e controlada por esse princípio mau.
Mas ainda precisamos dar mais um passo para trás. Diz o apóstolo que esse
princípio mau é governado pelo diabo e por todos os seus poderes: “Em que
noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das
potestades do ar”. Que declaração! Entretanto, certamente, dirá alguma pessoa
sofisticada, você não está querendo dizer que ainda acredita no diabo! A resposta
é simples: acredito no diabo porque tenho que acreditar. Tenho que acreditar,
não apenas porque ele está aí - isso basta para mim - mas eu acredito porque não
posso explicar a vida sem ele. E é porque o diabo é ignorado que o mundo é
como é. O diabo é tão astuto que ele domina o homem e, ao mesmo tempo, o
persuade de que ele não está sendo dominado. O homem até pensa que está se
emancipando ao dar as costas à Bíblia. O diabo é também chamado “o deus
deste mundo”. O Senhor Jesus Cristo chamou-o “o príncipe deste mundo”.
Referência é feita a ele como “Belzebu, príncipe dos demônios”. E é ele que está
dominando tudo. Ele odeia Deus. Ele era um anjo que fora criado perfeito por
Deus, um anjo refulgente. Levantou-se contra Deus porque queria ser Deus;
e odeia a Deus, e o seu único objetivo é estragar a criação de Deus e arruinar o
mundo de Deus. Por isso veio ao mundo e enganou Eva e Adão, e daí em diante
é o que vem fazendo. Ele domina a vida do homem. Todos nós estamos, por
natureza, sob o domínio de satanás. Ele tem as suas forças, os seus poderes; ele é
“o príncipe”. Do quê? “Das potestades do ar.” Vocês notam como Paulo se
expressou sobre isso no capítulo seis desta Epístola, versículo doze: “Não temos
que lutar contra a carne e o sangue”. Se vocês pensam que o problema com
que se defrontam os estadistas hoje é apenas lidar com outros
homens semelhantes a eles, vocês são tragicamente ignorantes
politicamente, para não dizer espiritualmente. Se vocês pensam que é apenas
questão de personalidades, um homem ou outro, como Hitler ou Stalin,
vocês ainda não começaram a entender o ponto. “Não temos que lutar contra a
carne e o sangue, mas sim, contra os principados, contra as potestades, contra os
príncipes das trevas deste século” - isto é, as potestades do ar, trevas - “contra as
hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais.”

Diz-nos a Bíblia que existem estes poderes invisíveis, e o diabo é “o príncipe das
potestades do ar”. Pode-se interpretar a palavra “ar” destas duas maneiras: pode-
se dizer príncipe das potestades das trevas, ou príncipe das potestades invisíveis.
Não são poderes terrestres,

pertecem a outra esfera, são etéreos, por assim dizer, são espirituais. Não têm
corpos, mas têm existência real. E a tragédia do homem é que, porque não pode
ver os espíritos do mal, não acredita neles. Como não pode ver o Espírito Santo,
não crê no Espírito S an to. Como não pode ver a Deus, não crê em Deus. Não se
dá conta de que está numa esfera espiritual. Isso é porque ele está morto. É por
isso que ele está sem entendimento espiritual. “O príncipe das potestades!” Ah, o
poder do mal. O não cristão é absolutamente dominado e controlado por
esses poderes, e está morto às mãos deles.

Nós também, que somos cristãos, ainda somos confrontados por eles. É isso que
o apóstolo diz no capítulo seis desta Epístola. Como cristãos, temos que lutar
contra este poder. “Cristão, não procure repouso ainda; fora com os sonhos de
comodidade!” E me parece que muitos cristãos estão sonhando com
comodidade, e estão pensando e sonhando com um tipo de salvação em que não
há conflito e luta. Neste mundo, nunca! Há estes poderes do mal, as potestades
do ar, com toda a sua sutileza e malignidade, com toda a sua esperteza e as
transformações do seu chefe “em anjo de luz” para poder derrubar-nos. E isso
que nos está confrontando. O admirável é algum de nós
simplesmente permanecer nesta vida cristã. Somos confrontados por aquele que
não hesitou em chegar ao Filho de Deus e tentá-10 e dizer-Lhe com
absoluta confiança: “Se tu és o Filho de Deus”. Foi ele que
repetidamente derrotou os patriarcas e os santos do Velho Testamento. Cada um
deles caiu uma e outra vez diante dele. E ele se opõe a nós com todo o seu poder,
força e energia, com todos os batalhões que ele comanda, com o princípio mau
que ele introduziu em toda perspectiva e mentalidade do mundo. Está organizado
em forma visível, porém ele próprio é invisível; e está em toda parte.

Como resistimos ainda? Há somente uma resposta. E graças à “sobreexcelente


grandeza do seu poder sobre nós, os cremos”. O Deus que nos salva é o Deus
que nos guarda, e sem Ele não resistiríamos um segundo. Portanto, a glória só
tem que ser inteiramente de Deus. “E (ele) vos vivificou, estando vós mortos.”
Tomara que os nossos olhos sejam abertos e enxerguemos o problema e
avaliemos a sua profundidade; e então saberemos que este Poder que nos
sustenta nunca nos deixará nem nos abandonará!

O PECADO ORIGINAL

“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desobediência, entre os quais todos
nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da
carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros
também.” - Efésios 2:1-3

Em nossos estudos anteriores vimos que o primeiro princípio do apóstolo é que


não poderemos entender a grandeza do poder da salvação de Deus enquanto não
compreendermos que, por natureza, o homem está espitirualmente morto. Além
disso, temos que captar o fato de que ele é governado por este mundo e pela
mente deste mundo, que é governado pelo princípio do mal que está operando
neste mundo e que, por sua vez, é governado pelo “príncipe das potestades do
ar”, aquele grande chefe, o diabo, satanás, o deus deste mundo, que exerce
controle sobre todos os poderes e forças que dirigem e governam os homens
e determinam o tipo de vida que o homem leva neste mundo. Esse é o estado, a
condição.

Como é vital que compreendamos isto! Vital não somente do ponto de vista do
entendimento do evangelho, mas certamente, num sentido muito prático,
absolutamente essencial para o entendimento dos tempos nos quais vivemos,
internacionalmente e também num sentido nacional. Nada é tão fátuo como a
idéia de que a doutrina cristã é afastada da vida. Não existe nada mais prático, e
o mundo está hoje em suas atuais condições de desordem porque os homens não
querem reconhecer a veracidade daquilo que a Bíblia ensina sobre o homem.
Observem a situação industrial, e mesmo a financeira. Qual é o problema? Bem,
o que nos dizem é que a produção não é tão alta como deveria ser. Porque não é?
Essa é a questão. Por que não estamos produzindo mais? Ê a resposta é,
obviamente, que não estamos produzindo mais porque o homem se encontra
num estado de pecado. Vocês notam que digo “o homem”, não “os homens”.
Digo “o homem” para incluir todos os homens. Não estamos produzindo quanto
deveríamos produzir porque os empregadores e os empregados estão ampliando
cada vez mais a sua

idéia quanto à extensão do fim de semana. Isto aplica-se a todos. Se um homem


tem direito de alargar o seu fim de semana, o outro tem igual direito. E todos,
porque se acham em pecado e egoísmo, como vou mostrar-lhes, estão agindo
assim. Daí o nosso maior problema no momento. “Donde vêm as guerras e
pelejas entre vós?”, pergunta Tiago, e responde asuaprópriapergunta. Elas vêm
“dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam” (4:1). E a tragédia é
que o mundo e os seus líderes e os seus estadistas, porque não reconhecem o
ensino das Escrituras, acham que podem explicar isso noutros termos.
Os diversos grupos se culpam uns aos outros, e os diversos países se culpam uns
aos outros, não percebendo que todos eles estão juntos no pecado; e enquanto
estiverem em pecado e forem egocêntricos e egoístas, só terão em conta a si
mesmos, e o mundo continuará com seus problemas. Assim vocês vêem que esta
doutrina bíblica do pecado é a coisa mais prática do mundo; e, não obstante, as
pessoas a deixam de lado com desdém, e é pena, porém nisto se incluem até
mesmos os cristãos. Quão distante do ensino bíblico
estáacomuníssimaidéiadequeocristianismo é simplesmente uma coleção de
numerosas máximas de moral, e que você deve ir à igreja aos domingos apenas
para receber algum encorajamento, para que lhe digam qual é o seu dever e que
você é bom se o pratica, e nada mais. Isso nem é o começo do estudo do
verdadeiro problema. Antes de podermos ter a mínima possibilidade de
compreender a verdadeira natureza do problema, temos de entender o que é
o homem no estado de pecado. Só então veremos claramente que nada, senão a
renovação espiritual e a ação do Espírito Santo, têm possibilidade de lidar com a
situação e de nos livrar em todos os aspectos. É por estas razões, pois, que
estamos considerando este ensino.

Portanto, havendo examinado o homem em seu verdadeiro estado e condição,


chegamos ao segundo ponto, que é a explicação da sua condição. Por que o
homem se acha nessas condições? O que o levou a isso? Qual a explicação? O
apóstolo responde com uma série de expressões epalavras que eleusanestes três
versículos. Vamos examiná-las. A primeira expressão importante é: “filhos da
desobediência”. “Em que noutro tempo”, diz ele, “andastes segundo o curso
deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que
agora opera nos filhos da desobediência.” Que expressão significativa
e importante! Que significa? Não significa apenas crianças ou
filhos desobedientes. Esta é uma expressão bíblica deveras característica. Vocês
encontrarão expressões semelhantes em muitos lugares. Vocês

recordam como um dia o nosso Senhor voltou-Se para os judeus e lhes disse:
“Vós tendes por pai o diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai” (João
8:44). Também se lembram de como, no Velho Testamento, muitas vezes vêem
que certos ímpios são tratados como “filhos de Belial”, ou por outra expressão
semelhante. Devemos, pois, considerar a expressão como dizendo que a
desobediência é a origem deste caráter distintivo. Somos filhos da desobediência
no sentido de que é a desobediência que nos leva a sermos exatamente o que
somos. Pois bem, é isso que o apóstolo está ressaltando aqui.

É sempre esse o ponto essencial da explicação bíblica sobre por que o homem é
assim. O problema primário, essencial, é a desobediência. Foi isso que levou a
todos os nossos problemas e desgraças. Noutras palavras, trata-se da nossa
relação com Deus. E vocês notam que a ênfase é que o pecado não é meramente
negativo, não é meramente ausência de qualidades, não é meramente ausência de
alguma coisa; é positivo, é ativo, á deliberado. É des-obediência, é fuga da
obediência, é questionar o direito que Deus tem de exercer o comando sobre nós,
noutras palavras, é rebelião. E é isso que Bíblia nos diz sobre o homem,
do começo ao fim. O homem não é simplesmente uma pobre criatura que nunca
teve chance e para com quem, portanto, vocês devem ser muito compassivos e
muito tolerantes. Essa é a idéia moderna, vocês sabem. A doutrina bíblica do
pecado saiu realmente do pensamento dos homens háuns sessenta ou setenta
anos, e apsicologiaentrou em seu lugar. Épor isso que a disciplina e a punição
desapareceram. A idéia agora é que, na verdade, todos nós somos,
essencialmente, muito bons, e o problema é que nunca nos foi dada uma chance.
O que necessitamos, dizem, é encorajamento. Não acreditamos na lei e nas
sanções morais. Isso é considerado duro e cruel. O resultado disso tudo é a
bancarrota da disciplina em todos os departamentos da vida-no lar, naescola, nas
ruas, na indústria, no comércio, em toda parte. Vocês vêem como esta doutrina é
vital! A Bíblia ensina que os nossos problemas decorrem todos da desobediência
inicial; que o homem é um rebelde contra Deus e deliberadamente se rebela
contra Deus. E, naturalmente, isso tudo provém do seu amor próprio. É a auto-
afirmação do homem, o posicionamento do homem contra Deus, o seu desejo de
ser deus.

Isto se desenvolve ao longo de três linhas principais. Obviamente, a primeira é


que o homem nega a sua condição de criatura. Ele se opõe a isso. O homem não
gosta da idéia de que ele é uma criatura feita e criada por Deus. Ele acha que esta
idéia de ser ele uma criatura é um insulto a ele, algo que o diminui e que diminui
a suagrandeza e glória essencial.

Ele não gosta da idéia de que há alguém acima dele, mesmo Deus. Ele gosta de
pensar que o homem é supremo, está acima de todas as coisas, e pode olhar de
cima para todas as coisas. Esse é o coração e o cerne da objeção do homem a
Deus e da sua oposição a Deus, O homem se ofende por natureza com a idéia de
que existe algo ou alguém que ele não pode abarcar com a sua mente; e quando
se lhe diz que ele é tão-somente uma criatura e que a sua atitude para com o
Criador, o Senhor Deus Todo--poderoso, deveria ser a de humilhar-se e cair
sobre o seu rosto diante de Deus, ele se opõe a isso. Acha que é um insulto, e
afirma que não é uma criatura, e que além dele não existe nada. Daí vocês têm o
ateísmo do homem moderno, a sua objeção a Deus e a sua negação de Deus.
Isso tudo surge do fato de que ele se opõe a esta idéia de que ele é uma
criatura, de que ele é alguém que Deus fez, criou e modelou para Si.

Outra maneira pela qual isto se manifesta - e obviamente decorre da primeira - é


que o homem sempre quer afirmar a sua auto-suficiência pessoal. Ele acredita
que ele próprio é suficiente. E evidente que a Bíblia diz exatamente o oposto -
que não somente o homem foi feito por Deus e para Deus, mas também que ele
é dependente de Deus, e que só pode ser feliz quando está em harmonia com
Deus e quando obedece a Deus. Toda a concepção bíblica do homem é que,
assim, ele se acha num estado de completa dependência de Deus e que o seu
bem-estar depende da sua compreensão disso e de praticá-lo. Todavia, é claro
que isso contraria o que o homem sempre achou de si mesmo. Ele sempre achou
que é auto-suficiente, que tem os poderes necessários e que só precisa pô-los em
exercício para fazer um mundo perfeito e uma vida perfeita para si. Ele se acha
competente para comandar os seus interesses da maneira certa, e que não
necessita nem de ajuda nem de assistência.

Por isso não há nada que ofenda tanto o homem natural como o evangelho que
lhe diz que ele é salvo unicamente pela graça de Deus, que ele, como um
mendigo, tem que aceitar como uma dádiva gratuita. Diz ele: não afundei tanto
assim, não sou perfeito, talvez, mas não sou um mendigo, há algo que eu possa
fazer e que sou capaz de fazer. É a doutrina da graça que o homem odeia mais
que tudo. Essa é “a ofensa” ou “o escândalo da cruz”; e isso continua existindo
porque o homem acredita em sua auto-suficiência, em sua capacidade, em seu
poder inerente. Essa é uma expressão da sua desobediência. Ele não quer aceitar
a graça, não quer acreditar nela, rebela-se contra ela e luta contra ela.

Ou talvez possamos explicar isso da seguinte maneira: é a afirma-

ção que o homem faz da sua autonomia, da sua independência de Deus. O


homem autônomo é o que se pensa do homem que todos os modos pode gerir
todos os seus interesses e que não precisa de ajuda nem de assistênci a de parte
alguma, nem mesmo de Deus! O homem autônomo, o homem auto-suficiente, o
homem autodeterminativo, o homem independente, o homem como deus, o
homem como o senhor do universo, o homem no trono e sobre um pedestal!

Certamente todos hão de reconhecer que isso nada mais é que uma descrição do
homem como ele é fora da fé cristã. Ele é completamente desobediente, e se
orgulha disso com arrogância. Ele promove a sua personalidade e a sua auto-
suficiência. E essencial forçar a questão a esse ponto. A desobediência, como eu
disse, é ativa, ativa até igualar-se à inimizade. Se não compreendermos isso, é
sinal que ainda não entendemos esta doutrina. Portanto, deixem-me interpretar o
que o apóstolo diz aqui com o que ele diz na Epístola aos Romanos, capítulo
oito, versículo sete: “A inclinação da carne”, diz ele, “é inimizade contra Deus,
pois não é sujeita à lei de Deus, nem, em verdade, o pode ser”. Que declaração!
E que importante adendo! O homem desobedece porque está em inimizade
contra Deus; odeia a Deus. Ah, mas, vocês dirão, conheço muitos que não são
cristãos, porém que dizem que crêem em Deus. Não, não crêem! Crêem numa
ficção, num produto da sua imaginação; eles não crêem em Deus. Se cressem em
Deus, creriam em Seu Cristo, como o nosso Senhor mesmo argumenta em João
8:30-45. Mas não crêem. Crêem simplesmente no que eles pensam e
imaginam que Deus é, no deus que eles próprios fabricaram. Isso não é Deus!
“A inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus,
nem, em verdade, o pode ser.”

Isso é importante, nesse sentido, que mostra que o homem, em conseqüência do


pecado, em conseqüência de ser ele dominado pelo diabo e pelo princípio que
este introduziu, e pela mente deste mundo, acha-se em tal estado e condição que
ele não pode obedecer a Deus. É isso que o grande Martinho Lutero chamava
“escravidão da vontade”. Contudo, para o homem em pecado e para o homem
moderno, que doutrina odiosa! “A escravidão da vontade!” A minha vontade é
livre, diz o homem. O homem gosta de pensar que é absolutamente livre
para escolher o que quiser, que ele pode escolher servir a Deus, se o desejar; que
pode escolher ser cristão, se assim for o seu desejo. A afirmação da vontade do
homem, do livre-arbítrio, é a ordem do dia. Mas a Bíblia fala em “filhos da
desobediência”; e “Vós tendes por pai o diabo, e quereis satisfazer os desejos de
vosso pai”. Diz o nosso Senhor que você é

incapaz. O homem natural não é sujeito “à lei de Deus, nem, em verdade, o pode
ser” - ele é incapaz disso. Desde a queda de Adão, isso de livre-arbítrio, de
vontade livre quanto a obedecer a Deus, não existe. Adão tinha livre-arbítrio;
nunca mais ninguém o teve. A liberdade de vontade perdeu-se na Queda; nesta o
homem passou a ser escravo do pecado e a estar sob o domínio do diabo. Sua
vontade está presa. “Se ainda o nosso evangelho está encoberto”, diz o apóstolo
aos coríntios (2 Coríntios 4:3 e 4) “para os que se perdem está encoberto. Nos
quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos”, para que não
creiam no glorioso evangelho de Cristo. O diabo não os deixa crer. “O valente
guarda, armado, a sua casa, em segurança...” (Lucas 11:21). Essa é a condição do
homem sob o domínio do diabo; ele não é livre. Não é livre para não pecar.
“Filhos da desobediência”! “Nem, em verdade, o pode ser”! E incapaz disso. Tal
a profundidade em que o homem afundou em pecado. E, contudo, é aí que entra
o paradoxo, por assim dizer. Apesar disso, tudo o que o homem faz, ele o faz
deliberadamente. Ele quer pecar, gosta de pecar, gloria-se em pecar. Não exerce
negativamente a sua vontade para pecar; o que ele não pode fazer é querer o bem
positivo, o bem espiritual. É incapaz disso, e aí está porque ele precisa “nascer
de novo” e ter nova natureza. Mas ele pode querer o mal, e sente prazer em
praticá-lo. O que ele não percebe é que ele se tornou incapaz de querer o bem e
de querer alguma coisa que esteja direcionada para a salvação. Ele não é livre
para isso. Filhos da desobediência, a prole da desobediência, a progênie da
desobediência! Há no universo uma mente má, e nós somos seu fruto. Esse é o
ensino bíblico. Acaso não é extraordinário que alguém que tem
entendimento nestas questões possa discutir isso por um momento que seja? O
mundo atual está simplesmente demonstrando e provando esta verdade.
Os homens e as mulheres são escravos do diabo, estão sob a escravidão
do diabo; estão sob o poder e domínio de satanás.

Basta para a primeira expressão, mas examinemos a segunda. Esta se acha no


fim do versículo três: “e éramos por natureza filhos da ira, como os outros
também”. Destaco as palavras “por natureza”. Esta, obviamente, é uma
expressão sumamente importante. É isso que explica por que somos filhos da
desobediência e por que temos esta atitude particular com relação a Deus. O
apóstolo a usa primariamente aqui, na explicação do seu ensino de que estamos
“sob a ira de Deus”. Estamos sob a ira de Deus, diz ele, “por natureza”. Espero
tratar disso mais adiante. Agora quero mostrar que a expressão significa algo
mais

que aquilo. Somos o que somos, em todos os aspectos, “por natureza”. Se vocês
preferirem outra tradução, poderiam usar em seu lugar a expressão “por
nascimento”, “e éramos por nascimento filhos da ira, como os outros também”.

Noutras palavras, o ensino aqui é o mesmo ensino da Bíblia toda concernente ao


homem em pecado, ensino segundo o qual nascemos neste mundo com uma
natureza desobediente. Não nascemos com equilíbrio justo, com a possibilidade
de ir por este ou aquele caminho. Nascemos com forte inclinação unilateral.
Davi o expressa memoravel-mente no Salmo cinqüenta e um, versículo cinco:
“Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe”.
Que profunda peça de auto-análise e de psicologia! Se vocês querem psicologia,
vão às Escrituras. Aí está um homem, Davi, examinando-se. Tinham-no feito
lembrar-se do que ele fizera, o adultério e o homicídio que se lhe seguiu. Ele é
despertado e se examina a si mesmo, e parece estar dizendo a si próprio: como
pude fazer isso? Como pode alguém fazer tal coisa? Que é que torna um homem
capaz disso? Que será? E, diz ele: há somente uma resposta, e é tão profunda
como isto: em iniqüidade fui formado - “formado” em iniqüidade - e “em pecado
me concebeu minha mãe”.

Esta doutrina não é popular hoje. O homem em pecado jamais gostou dela. O
que ele gosta de dizer, naturalmente, é que todos nós nascemos neutros. Vejam
aquela criança, quão maravilhosa e perfeita! Bem, porque é que elapeca quando
cresce? Ora, dizem eles, vocês vêem aqui qual é o problema; é o mundo
pecaminoso ao qual ela vem: ela vê coisas más, vê maus hábitos, e aos poucos
vai sendo influenciada por eles. Dizem eles que com a criança tudo está bem,
mas com o ambiente não. Se tão-somente a criança fosse colocada num mundo
perfeito, ela permaneceria perfeita; entretanto, vem a um mundo imperfeito e vê
e pega hábitos, ouve falar e vê as coisas que as pessoas fazem, e gradativamente
assimila essas coisas e as pratica. E tudo questão de ambiente, mau exemplo, má
influência. Não, diz a Bíblia, não é não. Essa criança foi formada em iniqüidade,
e foi concebida e nasceu em pecado. Quando vimos a este mundo, a nossa
natureza já está corrompida. Herdamos uma natureza pecaminosa dos nossos
antepassados e dos nossos pais; começamos com isso. As tendências e os desejos
estão todos ali, e tudo o que o mundo faz é dar-nos um canal de escoamento. Há
dentro de nós umarebelião, um desejo de ter as coisas proibidas. Isso aparece
logo no início. É uma das primeiras coisas que manifestamos, todos nós. Por
quê? Bem, “por natureza”.

Noutras palavras, o defeito central surge neste ponto da seguinte maneira:


inclinamo-nos a pensar no pecado em termos de atos específicos da vontade; e
daí nos inclinamos a estar cegos para o fato de que somos pecadores
independentemente das nossas ações, de que o pecado está em nós e é parte
integrante da nossa natureza. Devemos livrar-nos da idéia de que tudo está bem
conosco enquanto não chega a tentação e caímos. Isso é verdade quanto a um
pecado, uma ação pecaminosa. Neste caso, eu exerci a minha vontade e fiz o que
não devia! Mas essa explicação não é completa. A real questão é esta: o que foi
que me levou a essa ação? A resposta é que foi “algo” que está dentro de mim.
Vejam as palavras do nosso Senhor, que falou disso uma vez por todas: “O
que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é
o que contamina o homem... Porque do coração procedem os maus pensamentos,
mortes, adultérios, prostituição...” e tudo o mais (Mateus 15:11,19). A
dificuldade está no coração do homem. É esta natureza decaída, pecaminosa. E o
que Paulo chama, no capítulo sete de Romanos, “a lei do pecado que está nos
meus membros”; “em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum”. Ela é
corrupta, é má, por natureza. “Somos por natureza filhos da ira, como os outros
também.” Isso é de vital importância. Se a outra teoria estiver certa e o
homem nasce mais ou menos neutro, e se os seus problemas forem causados
pelo fato de que as coisas más ou um mau ambiente o levam a extraviar-
se, então, tudo o que você terá que fazer é tratar do ambiente. E essa tem sido a
filosofia dominante nos últimos sessenta a setenta anos. Tem-se considerado o
problema como sendo um problema de educação, de moradia e de melhoria
econômica, quase exclusivamente. Só tínhamos que dar ao homem as condições
certas, e dar-lhe o ambiente certo e o conhecimento adequado, e ele estaria
totalmente bem. No entanto, hoje em dia, seguramente, temos que começar a
compreender que a verdade não é essa, que isso não funciona. Vocês podem dar
ao homem as condições mais ideais, e ele irá mal. Foi no Paraíso que o homem
caiu! E se o homem, em suas perfeitas condições originais, pôde cair em pecado,
quanto mais o homem já decaído! Este é um princípio que por si mesmo se
demonstra em todas as relações humanas, em toda parte. E uma lástima, mas o
problema e a tragédia estão em um nível muito profundo. A Bíblia não está
sozinha neste ensino. Shakespeare o expôs de maneira memorável: “O defeito,
caro Brutus, não está em nossas estrelas, mas em nós, que somos desprezíveis”.
“Por natureza”! Começamos com isso, com uma tendência para o mal, tendo a
vontade em escravidão, sob o domínio de satanás, com cobiças e maus desejos,

como veremos, já ali e esperando por uma oportunidade para demonstrar-se e


manifestar-se.

Passamos a seguir à palavra muito importante “todos”. “Em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desbediência. Entre os quais todos nós
também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da
carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira” - e de novo ele o
diz- “como os outros também.” Ou, se vocês preferirem outra tradução - “como
o restante da humanidade”. “Todos”, é universal. Ora, isso é uma coisa
impressionante. Este ponto era muito apropriado para o argumento particular do
apóstolo precisamente aqui. Seu tema é, vocês se lembram, como Deus
em Cristo, na plenitude dos tempos, vai reunir todas as coisas em Cristo, “tanto
as que estão nos céus como as que estão na terra”. E diz o apóstolo que Ele já
começou a fazê-lo, No capítulo primeiro, versículo onze, ele afirma que alguns
que são judeus creram no evangelho e estão no reino. Ele prossegue, dizendo
que alguns que eram gentios também obtiveram herança. Aqui ele retoma o
ponto - “E vos vivificou”. Ele fez a mesma coisa com vocês, gentios. Mas seu
grande desejo é que ninguém pense que ele está dizendo estas coisas somente
acerca dos gentios. Não, “todos” nós andávamos nos desejos da nossa carne,
“todos” nós éramos filhos da ira, como os outros também. O que ele diz aqui
sobre o homem em pecado é verdade com relação ao judeu, como também
com relação ao gentio.

Como era difícil para o judeu acreditar nisso! Durante séculos ele tinha
acreditado que estava completamente separado: o judeu! Fora estavam os cães,
os gentios, os estrangeiros. Estes estavam fora da “comunidade de Israel”. O
judeu era filho de Deus, estava a salvo porque era judeu. Ele era totalmente justo
e melhor do que todos os outros que eram pecadores, os cães dos gentios, os
quais estavam fora. Como lhe era difícil aceitar uma doutrina que afirma que ele
era tão pecador como o gentio! Essa era a pedra de tropeço para o judeu; ele
não gostava disso. E esta classificação da humanidade ainda se vê em diferentes
formas e moldes. No entanto, aqui o apóstolo diz, “não somente os gentios”, mas
“também os judeus”. E vocês notam que até a si mesmo ele inclui. Tendo
começado com “vós”, agora diz “nós”. Essa é a verdade a respeito de Paulo, o
apóstolo! É inimaginável, não é? Mas essa fora a tragédia da sua vida antes da
sua conversão. Como Saulo de Tarso, ele estava satisfeito com a sua vida;
“segundo ajustiça que há

na lei, irrepreensível” (Filipenses 3:6). E (em Romanos, capítulo 7) ele nos conta
como foi que veio a enxergar o seu erro. Foi quando ele entendeu a lei, que
dizia: “Não cobiçarás”. Então “reviveu o pecado, e eu morri”. Quando se deu
conta de que a lei dizia “você não pode desejar”, “você não pode cobiçar”, ele
viu o real significado da lei e viu que ele era um terrível pecador. Escrevendo a
Timóteo, ele diz: “Esta é uma palavra fiel, e digna de toda aceitação, que Cristo
Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal”
(1 Timóteo 1:15). Ele se considera o principal dos pecadores. “Todos
nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne...”.

Esta é a verdade com referência a “todos”. Todavia, as pessoas ainda são muito
lerdas para ver isso. Dizem elas: veja esta descrição do pecado que você faz
naqueles três versículos. E claro, diz o homem, que eu posso ver muito bem que
isso se aplica a certas pessoas. Eu ando pelas ruas e vejo aquele pobre bêbado, e
aquela mulher decaída. Vejo pecado em seus trapos e em seus vícios. Você está
totalmente certo no que diz com relação a tais pessoas e quando fala de uma
natureza má e das luxúrias da carne, das luxúrias da mente, e assim por diante.
Concordo plenamente com você. Mas nós não somos daquele tipo de
gente. Porventura não existe gente boa, de boa moral, e decente, gente íntegra e
religiosa? Você está falando isso dessa gente? A resposta do apóstolo Paulo é
“todos”, “como os outros também”; toda a humanidade, sem uma única
excessão. Todos fomos formados em iniqüidade, concebidos em pecado.
“Todos” nós temos esta natureza pecaminosa.

O erro fatal é pensar no pecado sempre em termos de atos e ações, e não em


termos de natureza e de disposição. O erro está em pensar nele em termos de
coisas particulares em vez de pensar nele, como devíamos, em termos de nossa
relação com Deus. Vocês querem saber o que é o pecado? Eu lhes direi. Pecado é
exatamente o oposto da atitude e da vida que se enquadram em , “Amarás ao
Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas
forças, e de todo o teu entendimento”. Se você não está fazendo isso, você é um
pecador. Não importa quão respeitável você seja; se você não está vivendo
inteiramente para a glória de Deus, você é um pecador. E quanto mais
você imaginar que é perfeito em si mesmo e independentemente de sua relação
com Deus, maior será o seu pecado. É por isso que qualquer um que leia o Novo
Testamento objetivamente poderá ver claramente que os fariseus dos tempos do
nosso Senhor eram maiores pecadores (se se pode empregar tais termos) do que
os publicanos e os pecadores declarados. Por quê? Porque eles se davam por
satisfeitos consigo

mesmos, porque eram auto-suficientes. O cúmulo do pecado é a pessoa não


sentir necessidade da graça de Deus. Não existe pecado maior do que esse.
Infinitamente pior do que cometer algum pecado da carne é você achar que é
independente de Deus, ou achar que Cristo jamais precisou morrer na cruz do
Calvário. Não há maior pecado do que esse. A auto-suficiência final, a auto-
satisfação final e a justiça própria, é o pecado dos pecados; é o cúmulo do
pecado, porque é pecado espiritual. Assim, quando você chega a compreender
isso, passa a compreender que o apóstolo não está exagerando quando diz “todos
nós”, “como os outros também”.

Esse é o homem em pecado, e é verdade universal. Há somente uma explicação


adequada disso. E a que nos é dada no começo do livro de Gênesis. É a doutrina
bíblica da Queda e do pecado original. Não se pode compreender o mundo
moderno à parte da doutrina do pecado original. Tudo aconteceu da seguinte
maneira: um homem, Adão, o representante da humanidade, pecou, rebelou-se e
caiu. E as conseqüências passaram a toda a sua progênie. Eu os desafio a
explicarem a universalidade do pecado em quaisquer outros termos.
Simplesmente não se pode fazer isso. Todas as outras teorias caem por terra. E
por isso que temos que crer nos primeiros capítulos de Gênesis, se é que
devemos crer no Novo Testamento. Sem isso não se pode ter uma verdadeira
doutrina da salvação. As duas coisas vão juntas, como Paulo o prova no
capítulo cinco da Epístola aos Romanos e de novo, e exatamente da
mesma maneira, no capítulo quinze da Primeira Epístola aos Coríntios. Esse é o
problema do homem; e é por isso que o homem é como é. Adão caiu, Adão
pecou; e o resultado é que toda a semente de Adão nasce em corrupção, com
uma natureza corrupta. É universal, acontece em toda parte. E isso que
“estabelece o parentesco do mundo inteiro”; é isso que torna absurdas todas as
suas “cortinas”, todas as suas barreiras de cor e todas as suas filosofias. Nisso o
mundo inteiro é um só. Todos nós estamos em pecado, somos filhos da
desobediência, herdeiros de uma natureza decaída que se expressa e se manifesta
da maneira como iremos considerar - “nos desejos da nossa carne, fazendo a
vontade da carne e dos pensamentos”, estando, pois, sob a ira de Deus e
completamente desamparados.

Deixo o assunto nesta altura, porque estou pregando com a suposição de que me
estou dirigindo a cristãos. Mas se eu estivesse pregando isto a um auditório
misto, não pararia aí, não me atreveria a parar aí. Eu continuaria, dizendo: “Mas,
quando estávamos nesta situação, em Sua

infinita graça e amor e misericórdia, Deus nos vivificou”. Nada menos que isso
podeira fazê-lo. Que outra coisa mais poderia tratar do homem em tais
condições? Nada menos que o soberano poder de Deus - o poder que, como
Paulo dissera ao final do capítulo primeiro, fez o Senhor Jesus ressuscitar dentre
os mortos e O elevou e O colocou “à sua direita nos céus, acima de todo o
principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia”.
Nada menos que o poder de Deus pode resgatar e redimir e salvar o homem.
Entretanto, Ele o fez em Cristo. E nós, que somos cristãos, fomos levantados
daquela terrível condição em que estivéramos outrora, unicamente por causa da
Sua maravilhosa graça.
A VIDA SEM DEUS

“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desobediência, entre os quais todos
nós também antes andávamosnos desejos da nossa carne, fazendo a vontade
da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os
outros também. ” - Efésios 2:1-3

Ao voltarmos a considerar esta tremenda e sumamente vital declaração,


lembramo-nos de que o apóstolo a introduz com o fim de assinalar a grande idéia
que ele tinha começado a expor no capítulo anterior, a saber, que nós, como povo
de Deus, devemos compreender “a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre
nós, os que cremos”. Diz ele que o que necessitamos fazer é avaliar este grande
poder. A maneira de fazê-lo, diz ele, é dar-nos conta primeiramente da
profundidade da qual Deus teve que levantar-nos, e depois considerar a altura
à qual nos levou. Quando entendermos a profundidade e a altura, teremos algum
concepção da sobreexcelente grandeza do poder de Deus.

Assim, primeiro o apóstolo descreve o nosso estado e condição em pecado, o


que nós éramos antes de apoderar-se de nós este poder. A segunda coisa que ele
faz é dar-nos uma explicação de como nós entramos naquele estado. Aí ele nos
apresenta a grande doutrina do pecado original.

Agora ele chega ao terceiro ponto, a verdadeira maneira pela qual tudo isso se
mostra e se manifesta na prática, em nosso viver comum. Ao tratar disso, ele
nos apresenta incidentalmente este terceiro grande poder contra o qual nós temos
que lutar nesta vida terrenal. Ele já tinha tratado do mundo e do diabo; agora vai
tratar da carne. Temos um conflito contra o mundo, a carne e o diabo - e agora
vamos examinar este conflito com a carne. O homem em pecado, segundo o
apóstolo, está levando uma vida dominada pelas “concupiscências da carne”.
Isso porque ele nasce com uma natureza corrupta, resultante do pecado original,
por sua vez resultante daquela transgressão e rebelião original do homem contra
Deus, o que produziu a Queda. Noutras palavras,

vemo-nos aqui, nestes três versículos, no centro mesmo das maiores profundezas
da doutrina cristã; e Paulo nos faz lembrá-las a fim de capacitar-nos a ver a
grandeza, não somente do poder de Deus, e sim também do Seu amor e da Sua
graça e da Sua misericórdia. O espantoso é Ele ter sequer olhado para tais
pessoas ou sequer preocupar-Se conosco!

Vejamos, pois, estas coisas. A vidado homem, no estado de pecado e fora da


graça, é, de acordo com o apóstolo, uma vida de ofensas e pecados-“E vos
vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados”. Isso resume tudo. pode-se
resumir a vida do mundo inteiro hoje com essas duas palavras “ofensas” e
“pecados”. Que é que elas significam? E óbvio que o apóstolo está pensando em
nuanças de significado aqui; do contrário, ele não teria utilizado as duas
palavras. Ele o fez deliberadamente.

Que é uma ofensa (ou um delito)? É uma transgressão externa. De fato o sentido
radical da palavra é de algo que se aparta do verdadeiro e do íntegro. O homem
foi criado com o propósito de ser ele íntegro, verdadeiro, justo e santo; ele se
apartou disso, afastou-se disso, não é mais íntegro. E como algo inclinado ou
caindo ao chão; saiu da sua posição verdadeira, da posição perpendicular. __

Que é que ele quer dizer com a palavra “pecados”? E um termo muito amplo e
compreensivo. Inclui todas as manifestações do pecado considerado como um
princípio interior. E isso que ele quer dizer com o termo “pecados”. Os pecados
são as manifestações externas deste princípio interior chamado pecado e que
estivemos considerando. Há em cada um de nós este princípio corrupto, e este se
manifesta no que chamamos pecados. Temos, pois, aqui, uma definição muito
compreensiva da vida do homem fora da graça divina- uma queda do
verdadeiro, do certo, do íntegro e do justo, e todas as manifestações externas
deste princípio mau que há dentro de nós. E isso que se quer dizer com ofensas e
pecados. E, de acordo com o apóstolo, esta é a vida do homem separado da graça
de Deus; é como ele “anda”, diz o apóstolo. Vocês notam como ele o expressa:
“em que noutro tempo andastes”. E depois, noutra frase: “Entre os quais todos
nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne”. O que ele quer dizer
por “conversação”, como geralmente se dá no caso da Versão Atualizada
(inglesa), não é “conversa”, mas “maneira de viver”. Vocês recordam do que o
apóstolo diz no fim do capítulo três da Epístola aos Filipenses: “A nossa
conversação está nos céus”(VA). Não significaconversa ou fala. É um termo que
se usava

nos séculos dezesseis e dezessete para expressar um modo ou maneira geral de


vida.
Essa é a descrição das nossas ações. Contudo, afinal de contas, as ações sempre
expressam alguma outra coisa. Há um ditado que efetivamente diz, “como um
homem pensa, assim ele é”. Examinem a conduta e o comportamento de um
homem e, se fizerem um exame fidedigno, descobrirão a sua filosofia. Todos nós
expressamos as nossas idéias da vida segundo a maneira pela qual vivemos. Isso
é exatamente real quanto ao homem em pecado, diz o apóstolo. O que vocês
vêem são as ofensas e os pecados. Sim, mas o que é que leva às ofensas e
pecados? Ele tem sua resposta para nós. Tudo se deve a esta natureza corrupta,
o que ele explica com as palavras: “Entre os quais todos nós também
antes andávamos nos desej os da nossa carne, fazendo a vontade da carne e
dos pensamentos”.

Essa é a declaração que vamos considerar agora. Essa é a vida do homem sem a
graça de Deus em Jesus Cristo. Ela está corrompida. É uma vida vivida nos
desejos da carne. E o que o apóstolo salienta e que, portanto, eu estou desejoso
de salientar, é: esta verdade se refere a todos os homens, sem exceção. E verdade
universal, válida para toda a humanidade; não se refere apenas a certas pessoas,
porém, a todas: “todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa
carne...e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também”.
Devemos apegar-nos com firmeza a esta idéia da universalidade das condições
do homem. Todos os homens estão, por natureza, vivendo uma vida que
é segundo os desejos da carne.

Examinemos esta grande declaração. Vocês notam o desenvolvimento


extraordinariamente lógico da declaração do apóstolo. As ofensas e os pecados
resultam deste “desejo da carne”. Mas essa é uma expressão geral, pelo que o
apóstolo a subdivide. Os desejos da carne se manifestam ao longo de duas linhas
principais - “os desejos da carne” e “os desejos dos pensamentos”(ou “da
mente”). O problema fundamental é que estamos vivendo “nos desejos” (ou “nas
concupiscên-cias”) da carne; e isso se manifesta em nossa obediência aos
“desejos da mente” e aos “desejos da carne”.

Que significa o termo carne? É um termo muito importante no Novo


Testamento, e é igualmente importante que entendamos claramente o que ele
significa. Há sistemas de teologia que erram principalmente porque nunca
entenderam direito este termo escriturístico “carne”. Vocês notam que este termo
é utilizado duas vezes neste versículo

três: “Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa
carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos”. É de imediato evidente
que a palavra “carne” é empregada aí pelo apóstolo em dois diferentes sentidos,
doutro modo ele estaria sendo repeticioso. Emprega “carne” primeiro num
sentido geral, e depois num sentido particular. Assim, é muito importante
sabermos a conotação precisa cada vez que ele emprega o termo.

Esta palavra “carne” é empregada nas Escrituras de quatro principais maneiras,


duas gerais e duas particulares. O que quero dizer é: a palavra “carne”às vezes é
usada nas Escrituras para representar toda a humanidade. Vejam uma frase como
a seguinte: “Toda carne é erva e toda a sua beleza como as flores do campo”
(Isaías 40:6). Carne aí é empregada para abranger a humanidade inteira, “toda
carne”. Essa é uma das maneiras, e muito geral. Todavia, às vezes é empregada
também para descrever a cobertura dos nossos ossos. De que consiste o
corpo humano? Bem, há o esqueleto, a estrutura que consiste de ossos etc.
Mas não se vêem os ossos porque estão cobertos do que chamamos carne -
músculos, gordura, ligamentos etc. Pois o termo “carne” às vezes é utilizado
desse modo. Jó diz: “Em minha carne verei a Deus” (19:26), e aí ele quer dizer
realmente “no corpo”. Esses são os dois sentidos gerais.

No entanto, há dois outros sentidos que são mais particulares e mais espirituais
em sua conotação. E estes são importantes para o nosso propósito no momento.
O primeiro é de novo moderadamente geral, ou tem um sentido moderadamente
amplo. “Carne” é empregada pelo apóstolo para indicar algo que é a completa
antítese do Espírito, do Espírito Santo. Há um perfeito exemplo disso em Gálatas
5:17: “Porque a carne cobiça contra o Espírito (com E maiúsculo), e o Espírito
contra a carne: e estes opõem-se um ao outro”, Ali ele está empregando o
termo “carne” num sentido espiritual amplo; representa tudo que, no homem, é
oposto à ação, ao poder e à influência do Espírito Santo. Ora, isto
é tremendamente importante, e, portanto, deixem-me oferecer-lhes
mais definições a respeito. Carne, neste sentido, significa a natureza
humana num estado de pecado, o homem em pecado. Ou vejam uma
definição ainda mais compreensiva de “carne”. É a completa natureza do
homem sem a graça renovadora de Cristo; assim, abrange a alma e as
faculdades morais e intelectuais, bem como o corpo. Carne, neste sentido
amplo, geral, espiritual, é o homem em pecado, o homem todo, sem a graça
de Cristo. Inclui, portanto, o meu corpo e as suas funções, a minha mente,

os meus afetos, o meu tudo; o homem total, a totalidade do homem num estado
de pecado.
Mas finalmente o apóstolo usa este termo “carne” num sentido espiritual mais
restrito, referindo-se somente ao que se pode denominar a parte sensorial da
nossa natureza, ao corpo, á parte animal da natureza e às manifestações dessa
porção animal. E importante que tenhamos estas quatro definições claramente
em nossas mentes, e especialmente as duas últimas, as que têm referência
espiritual - o homem todo em pecado e, secundariamente, aparte animal do
homem em pecado, aparte corporal do homem, a parte sensorial, sensual do
homem em pecado.

E importante entender isso com clareza porque temos esta palavra “carne” duas
vezes neste versículo três, com o apóstolo usando-a em dois diferentes sentidos.
Bem, alguém dirá, isso não seria embaralhado e confuso? Como posso saber em
que sentido ele a está usando em dado ponto? A resposta é muito simples. Se
você levar em consideração o contexto, jamais errará. Esteja atento ao contexto,
e o contexto o fará acertar. Veja, por exemplo, este caso aqui: “Entre os quais
todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne” - aí está
a realidade toda, o homem completo; particularmente, ele diz: “fazendo a
vontade da carne e dos pensamentos”. Agora, neste segundo exemplo, “carne” é
o oposto de “pensamentos” ou “mente”, não sendo mais o homem todo. Que é,
então? Bem, é unicamente a parte corporal do homem, a parte animal da
natureza humana. Vê-se que o contexto dá a resposta. Na primeira vez, carne é
geral; na segunda, é particular, o oposto da mente, do intelecto, da parte superior.
Desse modo, carne em geral cobre os desejos do corpo e os desejos da mente.
Sempre devemos ser cautelosos, observando estas distinções, quando lemos
estas Epístolas.

O que o apóstolo está dizendo é que o homem vive sua vida de ofensas e
pecados porque é governado e dominado pelos desejos da carne - carne no
sentido geral. Mas o que quer dizer ele com desejos? Novamente temos um
termo muito importante, trata-se de um forte desejo (ou cobiça). E de fato o
termo não significa mais que isso. O forte desejo pode ser bom ou mau. Há, por
exemplo, uma bem conhecida declaração feita pelo nosso Senhor durante a
última Ceia com os seus discípulos, quando disse: “Desejei muito comer
convosco esta páscoa, antes que padeça” (Lucas 22:15). O termo traduzido por
“desejei muito” é exatamente o que foi empregado no texto que
estamos focalizando. O sentido geral é, pois, forte desejo. Todavia, de novo
é evidente que se vocês prestarem atenção ao contexto, saberão se se trata

de um bom ou mau desejo. Falando de modo geral, nas Escrituras o termo se


refere a uma forte e urgente cobiça de algo vedado ou proibido.

Agora, então, havendo entendido as nossas definições básicas, podemos ver o


homem em pecado, podemos ver os não cristãos, podemos ver o que nós
mesmos éramos antes de Deus, em Sua infinita graça, havemos apreendido,
haver nos despertado ehaver nos dado nova vida. Esse é o quadro descritivo do
homem natural, dominado por fortes e urgentes cobiças de coisas que se opõem
a Deus e às Suas santas leis. O apóstolo, porém, tão desejoso está de que
captemos isto com clareza, que não se detém numa declaração geral. Ele quer
que vejamos quão completa é essa corrupção; quer que vejamos e
compreendamos como ela afeta o homem todo e cada uma de suas partes.
Quando Adão caiu, caiu o homem completo; não apenas o seu corpo, mas tudo
em Adão caiu, a sua mente, os seus afetos, a sua vontade; o homem em sua
totalidade caiu. Esta é a razão pela qual tantos, em seus sistemas teológicos,
se perdem - porque não compreendem isso; relacionam o termo unicamente com
a parte sensorial da natureza humana e, portanto, toda a sua perspectiva só pode
ser errada. Pensam que podem escolher a salvação, quase pensam que podem
salvar-se a si mesmos, que podem sandficar--se, e assim por diante. Nunca se
deram conta da totalidade da queda do homem em pecado. O homem todo está
envolvido.

O apóstolo no-lo mostra fazendo aqui estas duas importantes subdivisões. Vocês
percebem como é importante captar isso. Todos nós nos referimos às vezes a
certas pessoas como sendo elas pecadoras. E quando dizemos isso, pensamos em
certa classe de pessoas - pensamos em bêbados, assassinos, adúlteros etc. Por
outro lado, há gente boa, pessoas excelentes, que nunca se fizeram culpadas
dessas coisas, e nós nunca sonharíamos em dizer que tais pessoas vivem segundo
os desejos da carne. “Desejos da carne”, dizemos, “é claro que lemos sobre
eles no jornal. Lá estão, as pessoas que enchem os tribunais com os seus
casos de divórcio.” Os desejos dacarne! Mas o ensino do apóstolo é que
todos nós, sem uma só exceção, vivemos por natureza nos desejos da carne. Não
há uma única exceção, desde que Adão caiu. A humanidade inteira vive nos
desejos da carne. Vejamos como o apóstolo demonstra essa verdade.

Primeiramente ele se refere aos “desejos da carne”. Que é que ele quer dizer
com desejos aqui? A palavra que ele emprega é diferente de “forte desejo”
(cobiça). Desejo é uma ordem, uma ordem categórica. Vou além, desejo é ter
uma vontade imperiosa que nos incita à ação, que
nos leva à ação. Lembro que uma vez ouvi uma expressão utilizada por uma mãe
a respeito das suas filhas, A pobre mulher não fora muito favorecida com os bens
deste mundo e, contudo, viu certa ocasião as filhas muito bem vestidas, como as
demais jovens. Nós sabíamos que ela realmente não tinha como propiciar-lhes
aquele luxo. Algumas pessoas fizeram observações a respeito e perguntaram
como acontecera. A resposta da senhora foi: “Elas tinham que ter isso”. Tinham
que tê-lo! - sem qualquer argumento. Ela de fato não podia dar-lhes
aquilo, porém as filhas tinham que tê-lo! Isso é desejo, esta ordem imperiosa
que vem e à qual não se resiste. As cobiças da carne manifestam-se nos desejos
da carne. Aqui apalavra carne se refere ao corpo, à parte animal da nossa
natureza.

Em que o apóstolo está pensando? Está pensando em fome, sede, sono, desejo de
prazer, desejo de felicidade, desejo de satisfação, sexo, desejo de atrair e de ser
atraente. Ora, todas estas coisas constituemparte essencial da nossa natureza e
estrutura corporal, animal. Há esse lado do homem, e Deus o fez. Portanto, em si
mesmo, é essencialmente bom -a fome, o desejo de comer, de beber, de folgar,
dormir e repousar, o desejo de alegria, felicidade e prazer, o desejo sexual, o
desejo de ser atraente. Vocês vêem esses desejos em toda a criação animal,
nos animais e nas aves. Estão igualmente no homem. E não há nada de
errado nisso. O homem foi feito assim por Deus, e por Ele foi dotado
destes vários instintos, qualidades, faculdades e propensões. São bons,
todos eles. Quando Deus fez o homem, em acréscimo ao restante da
criação, olhou tudo, o homem inclusive, “e viu que era muito bom”.

Bem, de que é que o apóstolo está falando? Está descrevendo o homem em


pecado. Como o pecado se mostra? Mostra-se assim: estas coisas que em si
mesmas são retas e boas, de repente assumem o controle, tornam-se imperiosas
em suas exigências, começam a reclamar direitos e impelir-nos. Estou
empregando um termo técnico aqui; os psicólogos falam de “impulsos” que se
manifestam em toda a vida e existência da pessoa enferma, e é um bom termo. E
um impulso, um poder, uma força. V ocês vêem o impulso do jogador de golfe, e
a energia, a força que ele emprega; bem, estas coisas começam a impelir-nos,
a impulsionar-nos. Existe um bom termo escriturístico, ainda melhor do que
aquele; a Bíblia fala em “apetite desordenado” (ARA: “paixão lasciva”). Não há
nada errado em você ter fome, mas se você vive para comer, está errado. Se o
desejo por comida o estiver dominando, você estará padecendo de desejos da
carne, e isso é uma manifestação das cobiças da carne. Comer! Beber! Hoje o
povo gosta de falar e escrever
*

a respeito disso. Fulano é um “connaisseur” , pode dar-lhes a idade exata da


garrafa, sabe tudo sobre a vindima! É meticuloso acerca do que bebe com cada
prato! Esse é um desejo da carne. Vocês vêem, o homem não está meramente
bebendo para matar a sede, ou nem mesmo por prazer; não, ele foi mais longe,
aquilo passou a ser um desejo da carne. E isto se aplica ao sono. Todos
precisamos dormir, mas existe isso de ser glutão de sono, e nesse ponto passou a
ser um desejo da carne, e pode arruinar o homem. Igualmente com o prazer: tudo
certo com o prazer, não há nada de errado com o prazer. Mas quando o prazer
começa a dominar e a tornar-se tão importante que você se dispõe a brigar
com outros acerca dele, então é um desejo da carne. Precisaria dizer
alguma coisa sobre o sexo? Deus ordenou o sexo - porém Deus nunca ordenou a
prática do sexo pelo sexo e a moderna sexomania. Deus nunca ordenou o tipo de
coisa que está saltando e brilhando aos nossos olhos todos os dias nos jornais.
Não foi isso que Deus fez; isso é o homem arrancar a sexualidade do seu quadro
próprio, isolá-la, pintá-la, publicá-la em cartazes, resultando em que o sexo
passou a dominar a vida. Os desejos da carne! E exatamente a mesma coisa com
o desejo de atrair, que em si mesmo pode ser plenamente inocente. Não há nada
errado em toda gente desejar parecer bela e atraente; entretanto, quando você
começa a ter toda a sua mente centralizada nisso, e quando você vive para
isso, pensa nisso e fala disso, e gasta com isso muito dinheiro, passou a ser um
desejo da carne.

Eu poderia continuar ilustrando o tema interminavelmente. Desenvolvam vocês


mesmos estas coisas. Aí vocês têm os desejos da carne. Estas coisas estão em
nós, estão aí, foram postas aí por Deus; todavia se destinam a ser subordinadas, a
ser mantidas em ordem. A nós cabe estar no comando. O que aconteceu com o
homem é que estas coisas assumiram o comando; tomaram uma posição de
autoridade e nos estão impulsionando e estão nos pressionando. Todos nós
sabemos tudo sobre isso - as solicitações, os desejos que até podem fazer o
homem tremer! O poder disso tudo! “Os desejos da carne”!

Mas esperem, não terminamos ainda. Essa é somente uma subdivisão das
cobiças da carne. Todos estarão dispostos a concordar com o que eu disse até
aqui. “Sim, naturalmente”, dizem, “olhem para eles,
Expert, conhecedor. Em francês no original. Nota do tradutor.

vejam, que horrível!” Mas meu caro amigo, agora vou mostrar-lhe que, por mais
respeitável que você possa ter sido toda a sua vida, você é igualmente culpado de
viver “nos desejos da carne”; pois estes não se manifestam somente por meio
dos desejos do corpo, e sim, também, vocês percebem, por meio dos “desejos da
mente”. Nesse ponto um homem como Charles G. Finney erra em sua teologia.
Ele não reconhece esta verdade. Ele limita tudo ao que eu estive dizendo, e não
percebe que a mesma verdade se aplica à mente, ao intelecto e ao
entendimento, como ao outro aspecto.

Comecemos definindo a palavra “mente”. Abrange todo o processo de


pensamento; e inclui aparte emocional, afetiva, bem como aparte puramente
intelectual; todo o processo de pensamento - porque o pensamento não é
puramente intelectual. Todos nós pensamos emocionalmente, até certo ponto.
Mesmo o cientista faz isso; é por isso que ele tem os seus preconceitos. Todos
nós pensamos com a totalidade do homem, intelecto e afetos. Os desejos da
mente são, pois, como os desejos do corpo, uma expressão das cobiças da carne.
Como isto se mostra? Posso dar-lhes uma definição geral em termos como estes:
tudo o que tende a controlar, absorver e governar a sua atenção e a sua atividade
é desejo da mente, uma espécie de cobiça da mente. Haveria alguém que precise
ser convencido acerca disso? Haveria alguém que não compreenda que ele tem
tanta dificuldade com sua mente como com seu corpo? Todos nós sabemos das
cobiças do corpo, mas teríamos compreendido a verdade acerca das cobiças da
mente, e como a mente pode arrastar-nos - todo este poder e energia que nela se
exercem?

Consideremos algumas ilustrações. Acho muito difícil sugerir uma classificação.


Tomemos as cobiças da mente em seu nível mais baixo. Ciúme, inveja, malícia,
orgulho, ódio, ira, crueldade; que é que são? Nada mais são do que a
manifestação dos desejos da mente - cada um deles. E vocês vêem entrar aí o
fator cobiça. Vocês não viram gente literalmente estalando de raiva, tremendo de
paixão, com ira e furor? Vocês já viram a malícia e a inveja? Nada as detém -
“Matando Kruger com a sua boca”, como diz o poeta. Todas estas coisas são
manifestações dos desejos da mente. Gente que nunca se embriagou ou que
nunca cometeu adultério, muitas vezes se faz culpada destas coisas!
São manifestações das cobiças da carne. E outra maneira como isto se vê comum
e proeminentemente hoje em dia é no que as Escrituras denominam “parvoíces”
e “chocarrices” - o desejo de ser esperto e de dizer coisas inteligentes, e de fazer
rir. Como isso se tornou comum na vida! Gente que nem sonharia em fazer
aquelas outras coisas, vive para
este tipo de coisa, para exibir vivacidade, verbosidade, esperteza. É um “desejo
da mente”, uma cobiça da mente; é igualmente cobiça, como a outra. Aí está, no
seu nível mais baixo.

Examinemo-lo agora no nível um pouco mais elevado. Vejam a ambição. Que


força impulsora tem! É um poder tão grande como a cobiça do corpo na parte
animal da nossa natureza. A cobiça de riqueza; o desejo de posição; o desejo de
determinado “status” social; o desejo de ser importante na vida; o desejo de
poder; o desejo de sucesso! Mantenham os olhos abertos, mantenham os ouvidos
atentos, leiam as biografias e as autobiografias, e verão que as vidas de alguns
dos homens mais respeitáveis que o mundo já viu foram cheias desta espécie de
cobiça. A ambição, governando e impulsionando; homens gastando
fortunas, nada os detendo em seu afã por um nome ou por reputação. É um
“desej o da mente”, é uma verdadeira expressão da cobiça. Ou vejam
outro exemplo, o anseio por algo novo. Vocês recordam daquela
esclarecedora frase sobre os atenienses no capítulo dezessete de Atos, onde nos é
dito que “todos os atenienses e estrangeiros residentes, de nenhuma outra coisa
se ocupavam, senão de dizer e ouvir novidade”. Desejo da mente! A inquietação
do homem moderno! - sempre em busca de uma nova emoção, uma nova
agitação-e, talvez, se manifestando particularmente nos mexericos. “Você ouviu
esta?” - e logo entra em ação o tal poder; aquele que falajá está sendo impelido
pelo desejo; sabe algo que outro não sabe. “Você ouviu esta?” Nada mais é que
cobiça, e o mundo inteiro está imerso nisso; é ostensivo, até nos círculos
cristãos. Os mexericos e as conversas governadas pelo desejo de ser importante;
sabemos algo que algum outro não sabe, e ficamos alegres com o fato. E cobiça.
Daí a tão freqüente denúncia do mexerico e desse tipo de conversa no
Novo Testamento. E exatamente do mesmo modo vemos isso na conversa
dos vivaldinos, e nos argumentos e nos debates! Não sei o que vocês
sentem enquanto vou passando esta lista terrível, porém, quando eu
estava preparando este sermão, enchi-me de repulsa e de ódio a mim
mesmo. Olhei para trás e pensei nas horas que desperdicei com mera conversa e
argumentação. E tudo com um só fim em mira: simplesmente vencer em meu
caso e mostrar quão vivo eu era. Os outros participantes da discussões e eu
mesmo alegaríamos, suponho, que nós estávamos interessados na verdade, mas
muitas vezes não estávamos; era puro prazer em argumentar, discutir, criticar e
exibir inteligência. E cobiça, é desejo da mente. Depois, pensem nisso em termos
de leitura - leitura de livros, quero dizer, e de periódicos, etc. Com muita
freqüência isto se torna cobiça e, em vez de pensar, meditar e orar, lemos. Uma
das
tragédias do mundo moderno é que a leitura veio a ser um substituto do
pensamento, no caso da imensa maioria do povo. Nesse ponto, é um desejo, uma
cobiça; tomou-se uma doença.

Vocês têm conhecimento disso? Eu poderia falar-lhes muito a respeito. Este é um


dos meios pelos quais isto se mostra. A leitura é uma coisa excelente; nunca
teremos demasiado conhecimento, e devemos ler para termos maior
entendimento e para melhorarmos as nossas mentes. Contudo, vocês sabem, ela
se torna uma cobiça, desta maneira: você começou a ler um livro, e então, de
repente, ouve falar doutro livro e o adquire também. Ainda não acabou de ler o
primeiro, mas começa a ler o segundo. Depois aparece um terceiro, e você passa
a ler três livros! Bem, neste caso é uma cobiça. Você não está mais no controle, a
coisa o dominou, arrastou você, capturou você. E isso pode acontecer em todos
os níveis. Tenho visto gente ler romances exatamente do modo como outras
pessoas tomam drogas. Lembro-me do caso de uma pobre mulher que se podia
ver andando em volta da sua casa com um romance na mão. Mesmo enquanto
cozinhava, continuava lendo o seu romance. Pode parecer algo que faz rir, mas
fico a pensar se não é caso de chorar. Não vejo diferença, em princípio (sem
levar em conta as conseqüências sociais) entre isso e tomar drogas e beber
bebida alcoólica, ou entregar-se a alguma cobiça do corpo. Não vejo diferença
nenhuma; é igualmente cobiça, porém, é um desejo da mente, não do corpo.
Manifesta-se de algum modo. Depois vocês podem pensar nisso em termos das
pessoas com os seus passatempos, com os seus jogos e com os seus
interesses. Estas coisas são inocentes. Tudo bem com um passatempo, tudo
bem com um jogo desportivo; mas se você vive para isso, não está certo; tornou-
se um desejo da mente.

Passemos ao nível mais alto de todos: a cobiça do conhecimento, a cobiça da


cultura! Literatura, arte, música, teatro, filosofia, todas estas coisas entram. São
boas, porém não se você vive para elas, se elas o dominam, se se tornaram um
compulsão em sua vida, compulsão que você não pode controlar. E não seria esta
a verdade acerca de algumas das pessoas mais respeitáveis do país? Refiro-me
aos que dizem: “Bem, por certo o evangelho da salvação, da conversão e da
regeneração dá certo na zona leste de Londres, mas não na zona oeste; é bom
para os que vivem nas sarjetas e são adúlteros e outras coisas mais, porém eu
nunca fiz... Lá estão eles, e podem estar ocupando altas posições acadêmicas nas
universidades. Dizem eles: “Certamente eu não precisa passar por esse
renascimento de que você está falando!” A resposta é: “Você precisa,
porqueéumacriaturamarcadaporcobiçascomoqualqueroutra
pessoa”. E não importa se a cobiça está na mente, no intelecto, ou se está na
parte animal, é exatamente a mesma coisa, e é igualmente oposta a Deus. E aí
está esta cobiça, esta busca de mais conhecimento pelo conhecimento, e de
entendimento; é penetrante, e percorre a totalidade da vida. Não existe uma
pessoa viva que não seja culpada desta cobiça da carne. Esse é o homem em
pecado. O pecado é assim tão intenso, profundo e penetrante.

Vocês percebem a importância disso tudo. Posso imaginar certa espécie de gente
dizendo a si mesma o seguinte: “Bem, por certo isso é muito interessante se a
gente está interessado nesse tipo de coisa, mas, afinal, a Inglaterra está passando
por época de crise no momento; e o mundo inteiro, e o seu futuro, está na mais
precária situação. Por que você não fala algo sobre isso? Causará surpresa a
vocês se eu disser que estou pregando sobre isso o tempo todo? “Como você
comprova isso?”, dirá alguém. A minha resposta é que se comprovará quando
você entender esta doutrina do pecado e enxergar a extrema futilidade
e fatuidade de só confiar na ação política. Os políticos pensam que este tipo de
situação pode ser resolvida implorando aos homens e às mulheres que se
disciplinem voluntariamente. Devemos comer menos, devemos fumar menos,
devemos importar menos, disciplinando-nos pessoalmente, devemos dar mais
duro no trabalho. Já fizeram esse apelo, mas não parece que tenha sido atendido;
por isso eles aumentaram a taxa das compras. Dizem eles que isso funcionará.
Não obstante, não está funcionando. Por quê? Porque eles nunca se aperceberam
do sentido dapalavracoè/pa. Os homens simplesmente não podem atender porque
são levados por seus impulsos, são cativos. Cobiça é força, é poder. Aumenta-se
o preço, mas eles continuarão a comprar; poderão moderar o vício de fumar por
uma semana ou duas depois de se fazer um orçamento, mas os estatísticos nos
mostram que após algumas semanas tudo volta ao nível anterior. E isso
continuará sendo assim. Por quê? Porque o homem é impulsionado por desejos,
por cobiças. Não consegue impor disciplina a si mesmo.

Posso prová-lo. Se estivermos em meio a uma terrível guerra e de fato nos


virmos lutando pelas nossas vidas, então vocês verão os homens comendo
menos, bebendo menos e se disciplinando de várias maneiras, até certo ponto.
Mas vocês vêem o que acontece; um instinto maior leva de roldão os instintos
menores. O instinto e o desejo de autoconservação põem fora as outras cobiças -
todavia ainda é uma cobiça. Assim é que, no momento em que a crise passa, os
homens caem exatamente onde

estavam antes. Toda a falácia do pensamento meramente político baseia-se na


incapacidade de captar a doutrina bíblica do pecado. Não basta dizer aos homens
o que é certo e o que é errado; eles nada podem fazer porque são escravos e
vítimas das cobiças, das paixões e dos desejos que os dominam.

Há somente uma coisa que pode lidar com esse tipo de situação. É aque
mencionei no começo. E “a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os
que cremos”. É o que Thomas Chalmers chamava “o poder expulsivo de um
novo afeto”. Assim, se vocês estão pensando simplesmente neste país e numa
crise em particular, o rumo certo para encontrar-se a resposta acha-se nesta
passagem das Escrituras. Mas, além e acima disso, se vocês estão pensando,
como deviam, no fim da sua vida neste mundo e no fim do mundo, em Deus, no
juízo e na eternidade, bem, então, vocês têm que continuar pensando nisso;
porque naquele estado de cobiça vocês não poderão subsistir diante de Deus
e não poderão fruí-IO. É preciso que vocês sejam libertos deste domínio da
cobiça da carne, que se manifesta nos desejos do corpo e nos desejos da mente.
E é somente o poder de Deus no Senhor Jesus Cristo, mediante o Espírito Santo,
que nos pode libertar. No entanto, bendito seja Deus, que pode, que o faz, que o
fará. Pecado! - ah, as profundezas, a imundície, a fealdade, o poder disso tudo!
Há somente um abrigo seguro, e este é estar sempre olhando para Ele, recebendo
da Sua plenitude, confiando na força do Seu poder. Aí, pois, estamos a salvo.

A IRA DE DEUS

“Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne,
fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da
ira, como os outros também. ”

- Efésios 2:3

Passamos agora a examinar a declaração final do apóstolo acerca do homem em


pecado; e é que ele está sob a ira de Deus. Noutras palavras, Paulo fala do
pecado, como o pecado afeta a posição do homem diante de Deus. Ele mostra o
que Deus diz, pensa e faz quanto ao homem nas condições que já consideramos:
não se pode contestar de modo algum que este é o aspecto mais importante do
assunto. Os aspectos anteriores são vitalmente importantes, mas não há nada que
seja tão importante como isto. E porque tão constantemente nos esquecemos
desta verdade que o mundo está como está hoje - e de fato a Igreja está como
está. Somos tão autocentralizados e tão preocupados conosco mesmos
que deixamos de lembrar que a coisa mais importante, acima de todas as demais,
é o modo como Deus vê tudo isso. Esse é o assunto de que temos de tratar agora.

O apóstolo se expressa desta maneira: diz ele que todos nós “éramos por
natureza filhos da ira, como os outros também”. Temos aqui uma afirmação
dupla. E não há dúvida de que estas duas questões que somos compelidos a
examinar juntas são dois dos assuntos mais difíceis e complexos de toda a gama
e ramo da doutrina bíblica. E por isso que com freqüência elas têm levado à
grande incompreensão e constituem assuntos que muitas vezes as pessoas, em
sua ignorância, não somente deixam de entender, porém também repelem
ferozmente. Não há, talvez, assunto que tenha levado mais vezes pessoas a
falarem - conquanto inconscientemente - de maneira blasfema, do queprecisa-
mente esta matéria que agora vamos considerar. O apóstolo diz duas coisas: que
estamos todos sob a ira de Deus; e, em segundo lugar, que estamos todos sob a
ira de Deus por natureza.

Por que devemos examinar estas coisas? Pode bem ser que alguém faça essa
pergunta. Por que despendei nosso tempo com um assunto

como este, que é um assunto difícil? Existem muitas outras coisas que no
presente são interessantes e atraem a atenção. Por que não tratar delas? E, em
todo caso, no meio de todos os problemas com os quais o mundo se defronta, por
que dar atenção a algo como este assunto?

Bem, para que não haja alguém que fique agasalhando tal idéia e seja provocado
a fazer tal pergunta, permitam-me aventar certas razões pelas quais nos convém
considerar esta matéria. A primeira é que faz parte das Escrituras. Está nesta
passagem da Bíblia e, como veremos, está em toda parte na Bíblia. E se
considerarmos a Bíblia como a Palavra de Deus, e como a nossa autoridade em
todas as questões de fé e de conduta, não podemos selecionar e escolher aqui e
ali; temos que tomá-la como é e considerar cada uma das suas partes e porções.

Em segundo lugar, devemos fazê-lo porque, depois de tudo, o que nos é dito aqui
é uma questão de fato. Não é uma teoria, é uma declaração de fato. Se a doutrina
bíblica da ira de Deus é verdadeira, é o fato mais importante que nos confronta, a
cada um de nós, neste momento; infinitamente mais importante que qualquer
conferência internacional que se realize, infinitamente mais importante que
a questão se haverá uma terceira guerra mundial ou não. Se esta doutrina é
verdadeira, estamos todos envolvidos nela, e dela depende o nosso destino
eterno. E em toda parte a Bíblia declara que ela é um fato.
Outra razão para considerá-la é que todo o argumento do apóstolo é que nunca
poderemos entender o amor de Deus, enquanto não entendermos esta doutrina.
É o meio pelo qual avaliamos o amor de Deus. Fala-se muito hoje sobre o amor
de Deus e, contudo, se verdadeiramente amássemos a Deus, nós o
expressaríamos, nós o demonstraríamos. Amar aDeus não é meramente falar
sobre isso; amar a Deus, como Ele mesmo assinala constantemente em Sua
Palavra, é cumprir os Seus mandamentos e viver para a Sua glória. Aqui o
argumento é que realmente não poderemos entender o amor de Deus, se não o
virmos à luz desta outra doutrina que agora estamos considerando. Assim,
desse ponto de vista, é essencial que o façamos.

Deixem-me expressá-lo desta maneira: o meu parecer é que jamais poderemos


entender verdadeiramente por que foi que o Senhor Jesus Cristo, o eterno Filho
de Deus, teve que vir a este mundo, se não entendermos esta doutrina da ira de
Deus e do juízo de Deus. Como cristãos, cremos que o Filho de Deus veio a este
mundo, que Ele deixou de lado a insígnia da Sua glória eterna, nasceu como uma
criança em Belém e suportou tudo quanto suportou, porque isso era essencial
para a nossa salvação. Mas a questão é: por que era essencial para a nossa

salvação? Por que teve que acontecer tudo isso, antes de podermos ser salvos?
Desafio a quem quer que queira responder à questão adequadamente sem levar
em conta esta doutrina do juízo de Deus e da ira de Deus. Esta se torna ainda
mais comprovadamente verdadeira quando examinamos a grande doutrina da
cruz e da morte do nosso bendito Senhor e Salvador. Por que Cristo morreu? Por
que teve que morrer? Se dizemos que somos salvos por Seu sangue, por que
somos salvos por Seu sangue? Por que foi essencial que Ele morresse naquela
cruz e fosse sepultado e ressuscitasse antes de podermos ser salvos? Há
somente uma resposta adequada a estas perguntas, e essa é esta doutrina da ira
de Deus. A morte de nosso Senhor não é absolutamente necessária, se
esta doutrina não é verdadeira. Assim, vocês vêem, é um assunto vital
para considerarmos.

Finalmente, faço uma colocação de forma muito prática. Esta doutrina é


essencial do ponto de vista de uma verdadeira evangelização. Por que é que
tantas pessoas não crêem no Senhor Jesus Cristo? Por que não são cristãs e
membros da Igreja Cristã? Por que o Senhor Jesus Cristo nem sequer entra em
seus planos? Em última análise, há só uma resposta a essas perguntas: não crêem
nEle porque nunca viram nenhuma necessidade dEle. E nunca viram
nenhuma necessidade dEle porque nunca se deram conta de que são pecadoras.
E nunca se deram conta de que são pecadoras porque nunca compreenderam a
verdade acerca da santidade de Deus e da retidão e justiça de Deus; nunca
aprenderam nada acerca de Deus como o Juiz eterno e acerca da ira de Deus
contra o pecado do homem. Daí vocês vêem que esta doutrina é essecial à
evangelização. Se realmente cremos na salvação e na nossa absoluta necessidade
do Senhor Jesus Cristo, temos que começar com esta doutrina. Aí estão, pois, as
razões para que as consideremos. O apóstolo no-las dá; eu simplesmente as estou
repetindo.

Agora examinemos as duas afirmações propriamente ditas. A primeira coisa que


o apóstolo diz é que todos os que nascem neste mundo estão sob a ira de Deus.
Diz ele que todos nós “éramos filhos da ira, como os outros também”; éramos
todos filhos da ira, como o restante da humanidade-é o que significa a expressão
“como os outros também”. Aqui enfrentamos face a face esta tremenda doutrina
que eu sei muito bem que não somente não é popular no presente, mas é
até odiada e detestada. As pessoas mal podem controlar-se, quando falam sobre
ela. Durante bom número de anos, a idéia moderna é, em geral, que

Deus é um Deus de amor e que só devemos pensar em Deus em termos de amor.


Falar sobre a ira de Deus, é o que nos dizem, é totalmente incompatível com
toda idéia de Deus como um Deus de amor. Eis como o ponto é colocado: dizem
eles que, naturalmente, essa idéia da ira de Deus provém da antiga idéia de Deus
como uma espécie de Deus tribal. O problema é que ainda há certos cristãos que
acreditam nisso em referência ao Deus do Velho Testamento, que não era nada
senão um Deus tribal, segundo eles. Os deuses da mitologia eram todos desse
tipo e dessa espécie; exibiam sua ira e seu furor; todavia, naturalmente, sabemos
agora, pelo Novo Testamento e por Jesus, que isso é completamente errado e
completamente falso. Não mais cremos no Deus do Velho Testamento, cremos
no Deus do Novo Testamento, no Deus e Pai de nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo. Vocês conhecem bem o argumento. De fato, alguns vão mais longe e
dizem que foi só no século passado que realmente nos tornamos suficientemente
esclarecidos para entender estas questões, e que até o princípio do presente
século o povo ainda cria na ira de Deus e, portanto, tinha uma concepção
completamente falsa de Deus. Lembro-me de haver lido um livro repassado
de erudição em que o autor afirmou que esta idéia da ira de Deus não era mais
que uma espécie de projeção no caráter de Deus da noção do pai vitoriano típico
do pai austero e repressivo, o qual se impunha forçosa-mente aos filhos e os
disciplinava severamente e os castigava. A sua opinião era que as pessoas
simplesmente levavam esta idéia e a projetavam em Deus. Ora, isso, sustentava
ele, nada era senão um
pouco depsicologiafalsadaqualjánoslibertamos,eagorasabemosqueaidéia de ira
num Deus de amor é conceito auto-contraditório,

Haveria resposta a tais alegações? Permitam-me pôr fora de ação um mal-


entendido preliminar. Há algumas pessoas que interpretam completamente mal o
termo ira. Pensam em iracomouma manifestação descontrolada de raiva. Não
podem pensar em ira sem ligá-la à idéia de alguém tremendo de furor e roxo de
raiva, alguém que perdeu o domínio próprio, que fala violentamente e age
violentamente. Ora, essa é uma idéia completamente falsa e errônea do
significado de ira. O homem pecador, é verdade, às vezes manifesta a sua ira
dessa maneira, entretanto, nada disso entra no termo como é empregado na
Bíblia com referência a Deus. A ira não é nada mais nada menos que a
manifestação de indignação baseada na justiça. Na verdade, podemos ir além
e asseverar que a ira de Deus, de acordo com o ensinamento bíblico, não é nada
senão o outro lado do amor de Deus. É o corolário inevitável da rejeição do amor
de Deus. Deus é Deus de amor, porém, é também e

igualmente Deus de justiça e retidão; e se o amor de Deus é desdenhado e


rejeitado, nada mais resta, senão a justiça, a retidão e a ira de Deus.

Demonstremos agora a alegação de que esta doutrina é ensinada em toda parte


nas Escrituras. No Velho Testamento pode ser vista bem no começo. Quando o
homem caiu no Jardim do Éden, Deus o visitou, falou com ele e pronunciou
julgamento sobre ele. Expulsou-o do jardim, e às portas do jardim, ao leste, Ele
colocou os querubins e a espada flamejante. Qual o significado da espada
flamejante? Significa justamente que ela é a espada dajustiça de Deus, é a espada
da ira e da punição, punindo o homem pelo seu pecado e tornando impossível a
ele retornar e comer da árvore da vida a fim de viver para sempre. Lá, bem no
início, está uma manifestação do justo juízo de Deus e da Sua ira contra
o pecado. Isto se vê do começo ao fim, no Velho Testamento: na história do
Dilúvio, na história de Sodoma e Gomorra e nas várias punições impostas aos
filhos de Israel, quer como nação, quer como indivíduos. O Velho Testamento
está repleto disso. Deus deu a Sua lei e declarou que se os homens a quebrassem,
Ele os puniria - Sua ira é isso. E quando eles a quebraram, Ele os puniu. Puniu
indivíduos, puniu a nação, puniu até o Seu povo escolhido. Puniu-os e derramou
a Sua ira sobre eles levantando o exército dos caldeus que invadiu, saqueou
Jerusalém e os levou cativos paraBabilônia. Estafoi uma manifestação da ira e
do justo juízo de Deus. Vê-se isso em toda parte do Velho Testamento;
vocês realmente não podem crer no Velho Testamento, se não aceitam
esta doutrina da ira de Deus.

Passando ao Novo Testamento, apesar de tudo que os críticos modernos querem


fazer-nos crer, a doutrina está presente ali também, em toda parte. O primeiro
pregador do Novo Testamento foi João Batista. Que é que ele dizia? Dizia: “Fugi
da ira vindoura”; “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado, fugi da ira
vindoura”. Os fariseus vieram para ser batizados por João, e ele os fitou e lhes
disse: “Quem vos ensinou a fugir da ira futura?” (Mateus 3:7). Foi essa a
mensagem que ele destacou. Na verdade era a mensagem do próprio Senhor
Jesus Cristo. Mas, e aí está a coisa mais surpreendente, vemo-la no
versículo geralmente citado como a suprema declaração de Deus como Deus
de amor-João 3:16: “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho
unigênito”. Por que O deu? A resposta é: “para que todo aquele que nele crê não
pereça, mas tenha a vida eterna”. A alternativa da vida eterna é perecer. E é João
3:16 que ensina isso. Entretanto, o versículo trinta e seis desse capítulo três de
João é mais claro ainda: “Aquele que crê no Filho de Deus tem a vida eterna;
mas aquele que não crê no Filho

não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece”. Noutras palavras, todos
os homens estão sob a ira de Deus, e se não cremos no Filho de Deus, a ira de
Deus permanece sobre nós. Que é que pode ser mais claro ou mais explícito? Aí
está, no Evangelho Segundo João, o apóstolo do amor.

O apóstolo Paulo ensina a mesma verdade de maneira igualmente clara.


Pregando em Atenas, diz ele que Deus “tem determinado um dia em que com
justiça há de julgar o mundo, por meio do varão que destinou”. Julgamento! A
ira de Deus! Em Romanos 1:18, lemos: “Porque do céu se manifesta a ira de
Deus (já foi revelada) sobre toda a impiedade e injustiça dos homens”. Paulo não
tem evangelho sem isso; é por causa da ira de Deus que ele está pregando o
evangelho. Nesta Epístola aos Efésios, que estamos considerando, no capítulo
cinco, versículo seis, vocês têm a mesma coisa: “Ninguém vos engane
com palavras vãs”, diz Paulo; “porque por estas coisas vem a ira de Deus sobre
os filhos da desobediência”! Ainda, fazendo um sumário do seu evangelho aos
tessalonicenses, na Primeira Epístola, no capítulo primeiro e no último versículo,
Paulo afirma que os tessalonicenses foram convertidos a Cristo e O aguardavam
dos céus - para quê? - bem, diz ele, porque Ele “nos livrou da ira por vir”(VA).

Pode-se achar a mesma idéia na Epístola aos Hebreus, em vários lugares. E se


vocês forem direto ao livro de Apocalipse, a verão ali numa frase deveras
notável. E uma frase acerca da “ira do Cordeiro”. Isso parece contraditório,
paradoxal. Vocês pensam num cordeiro em termos de inocência e de
inofensividade. E, todavia, aí está esta frase densa, “a ira do Cordeiro”. O
Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo é que haverá de julgar o mundo
com justiça. Fica, pois, mais que evidente que a idéia de que amor e ira são
incompatíveis é uma total negação do claro ensino das Escrituras. De fato, vou
longe a ponto de dizer que, a menos que comecemos com esta idéia da ira de
Deus contra o pecado, não teremos a mínima possibilidade de entender a
compaixão de Deus, não poderemos entender o amor de Deus. Somente quando
compreendo a ira de Deus contra o pecado é que compreendo o pleno
significado da Sua atitude em providenciar um meio de salvação dela. Se não
entendo isto, certamente não entendo aquilo, e toda a minha fala sobre o amor
de Deus é mero e leviano sentimentalismo que, na verdade, é uma negação da
grande doutrina bíblica do amor de Deus.

O ensino do apóstolo é, pois, que, enquanto não crermos no Senhor Jesus Cristo,
estamos sob aira de Deus. E a ira de Deus é uma expressão do Seu ódio ao
pecado, uma expressão dapunição do pecado. Uma clara

afirmação neste sentido é que, se morrermos em nossos pecados, iremos para o


castigo eterno. Esse é o ensino das Escrituras. A ira de Deus contra o pecado
manifesta-se finalmente no inferno, onde os homens e as mulheres continuam
fora da vida de Deus, em miséria e angústia, escravos dos seus próprios desejos e
cobiças, egoístas e egocêntricos. O ensino do apóstolo é que essa é a situação de
todos que não são cristãos. Estão sob a ira de Deus nesta vida, continuarão sob a
ira de Deus na vida por vir. Essa é a situação do pecador, de acordo com as
Escrituras. Se vocês fizerem objeção à idéia, estarão fazendo objeção às
Escrituras, estarão estabelecendo algumaidéiafilosóficaprópriade vocês,
contrária ao claro ensino das Escrituras. Não estarão discutindo comigo;
estarão discutindo com as Escrituras. Vocês estarão discutindo com estes
santos apóstolos. Estarão discutindo com o próprio Filho de Deus.

Se você crê que a Bíblia é divinamente inspirada, não poderá dizer: “Mas eu não
entendo”. Não se lhe pede que entenda. Eu não entendo isso, não tenho
apretensão de entendê-lo. Contudo, parto desta base, que a minha mente não só é
finita, é pecaminosa, porém, além disso, eu não tenho a mínima possibilidade de
entender plenamente a natureza de Deus, e a justiça e a santidade de Deus. Se
vamos basear tudo em nosso entendimento, bem podemos desistir agora mesmo.
Pois aBíblianos diz que “o homem natural” e a “mente natural” não podem
entender as coisas do Espírito de Deus (ver 1 Coríntios, capítulo 2). Foi o desejo
de entender que levou à Queda. O orgulho e arrogância intelectual é o primeiro e
o último pecado. O dever da pregação não é pedir ao povo que entenda; a tarefa
confiada ao pregador é a de proclamar a mensagem. E a mensagem é que todos
estão sob a ira de Deus, até crerem no Senhor Jesus Cristo. Mas de fato devemos
dar mais um passo ainda.

Isso nos leva à segunda questão. Diz o apóstolo que todos nós estamos nestas
condições por natureza - “e éramos por natureza filhos da ira, como os outros
também”. Que é que significa a expressão por natureza ? Já mostramos num
estudo anterior desta série que ela só tem um sentido, que é, “por nascimento”.
Todos nós éramos por nosso próprio nascimento filhos da ira, como os outros
também. Notem que o apóstolo não diz “nos tornamos” filhos da ira por causa da
nossa natureza; diz ele que “éramos”. Noutras palavras, em harmonia com
a Bíblia toda, o apóstolo não ensina que nascemos neste mundo num estado de
inocência e num estado de neutralidade, e que depois, porque pecamos, nós nos
tornamos pecadores e passamos a estar debaixo da ira de Deus. Não é o que ele
diz; ele diz exatamente o oposto. O que diz

é que nascemos neste mundo sob a ira de Deus; desde o momento do nosso
nascimento estamos sob a ira de Deus. Não é apenas uma coisa que nos vai
acontecer, tampouco é algo que só resulta das nossas ações. Há quem ensine
isso, mas é flagrante negação, não somente do ensino desta passagem, porém,
como veremos, do ensino apresentado em toda parte nas Escrituras. O apóstolo
não está dizendo que estamos sob a ira de Deus somente por causa da nossa
natureza ou da manifestação da nossa natureza. Ele afirma que estamos nesta
situação “por nascimento”.

Então, que significa isso? Pode-se ver a resposta no capítulo cinco da Epístola
aos Romanos, onde é feita uma argumentação minuciosa e completa, do
versículo doze ao fim do capítulo. Qual é o argumento? Façamos um sumário
dele. Naquele capítulo, a grande verdade que o apóstolo está interessado em
provar é que a nossa relação, como crentes, com o Senhor Jesus Cristo, é
exatamente análoga à nossa relação anterior com Adão. Ele fica repetindo a
comparação, indo e vindo. Fala sobre o que era verdade a respeito de nós em
Adão, e depois mostra o que é verdade a respeito de nós agora, em Jesus Cristo.
Ele começa, no versículo doze, dizendo: “Pelo que, por um homem entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos
os homens por isso que* todos pecaram”, e assim continua. Qualquer leitura
atenta e despreconcebida desse argumento, que é básico para a doutrina paulina
da segurança, compelir-nos-á a vermos que, através dele todo, o apóstolo nos diz
que a nossa relação com Adão era idêntica à nossa presente relação com Cristo.
Portanto, se crermos que somos o que somos em Cristo por causa do que Deus
nos imputou em Cristo, também temos que crer exatamente da mesma maneirana
verdade correlata, quanto ao que nos foi imputado em Adão. Esse é o argumento.
Entretanto o apóstolo não se contenta com uma afirmação meramente geral a
respeito, também o faz em particular. Permitam-me destacar os versículos
pertinentes. Vejam o versículo doze: “Pelo que, como por um homem entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos
os homens por isso que todos pecaram”. A punição do pecado é a morte. Adão
pecou,
“por isso que” - locução pouco usada hoje em dia no sentido de “porque”. Cf. ARA, in loco:
“porque”. Nota do tradutor.

e lhe sobreveio a morte, sim, porém não somente a Adão - sobreveio a todos os
homens. Como conseqüência de um só pecado de Adão, a morte passou a todos
os homens. Por quê? A últimaparte do versículo explica: “todos pecaram” em
Adão. Essa é a afirmação que mais adiante exporemos.

Vejam a seguir os versículos treze e catorze desse capítulo. Paulo introduz uma
afirmação num parêntese, começando no versículo treze: “Porque até à lei estava
o pecado no mundo, mas o pecado não é imputado, não havendo lei. No entanto
a morte reinou desde Adão até Moisés, até sobre aqueles que não pecaram à
semelhança da trangressão de Adão”. Estaria você tentado a dizer: que significa
isso tudo? Não posso acompanhá-lo, quero um simples evangelho de conforto. É
assim que nos inclinamos a falar, nós que pensamos que porque vivemos
no século vinte somos grandemente superiores a todas as gerações que viveram
antes de nós. Orgulhamo-nos de que somos tão cultos e intelectuais e capazes de
entender grandes coisas, ao passo que as gerações anteriores eram primitivas.
Não percebemos, porém, que o apóstolo Paulo escreveu estas palavras apessoas
que viveram quase dois mil anos atrás, e que ele tencionava que elas as
entendessem. Não estava escrevendo a grandes filósofos; estava escrevendo a
simples cristãos, muitos dos quais eram apenas escravos, e outros eram soldados
da casa de César; e ele tencionava que aquelas pessoas entendessem estas coisas.
Vergonha para nós, cristãos modernos, que precisamos ser mimados e que só
queremos algo agradável, fácil e simples. Se você não aceita esta doutrina, então,
é a Palavra de Deus que você está rejeitando.
Pergunto outra vez: que é que isto significa? Diz Paulo que até à lei o pecado
estava no mundo. A lei foi dada por intermédio de Moisés, vocês se lembram;
todavia houve aquele longo intervalo entre Adão e Moisés, provavelmente pelo
menos um período de quase dois mil e quinhentos anos. Pois bem, durante todo
aquele longo período o pecado estava no mundo, mas, diz ele, o pecado não é
imputado quando não há lei. Noutras palavras, se não há uma lei para definir o
pecado, o pecado não é dado a conhecer ao homem. Cabe à lei dar a entender o
pecado à mente, ao coração e à consciência do homem. Se, por exemplo,
não houvesse leis sobre estacionamento e trânsito, eu e você
poderíamos continuar a praticar coisas errôneas e más, porém, se não houvesse
lei sobre estas questões, não poderíamos ser punidos. É o que ele está dizendo,
“o pecado não é imputado, não havendo lei”. “No entanto”, diz ele, “a morte
reinou desde Adão até Moisés”. Eis o problema: embora a lei não tenha sido
dada até o tempo de Moisés, não obstante,

de Adão a Moisés as pessoas morreram. Todos os que nasceram no mundo


morreram. Por que morreram? Que foi que causou a morte daquelas pessoas,
apesar de não haver lei imputando o pecado naquele período? A resposta do
apóstolo é que há somenteuma explicação; todos eles morreram porque foram
envolvidos no pecado de Adão. Não há outra explicação. A única razão pela qual
a morte reinou de Adão até Moisés é que aquele único pecado de Adão trouxe a
morte a toda a sua posteridade. Noutras palavras, nascemos “por natureza filhos
da ira”.

Notem então o ponto subseqüente, que é mais extraordinário ainda. Diz ele que a
morte reinou de Adão a Moisés, “até sobre aqueles que não pecaram à
semelhança da transgressão de Adão”. Que é que isso pode significar? Significa
que a morte reinou até sobre as pessoas que realmente não cometeram um ato de
pecado como fez Adão quando caiu. Quem eram? E há só umarespostapossível:
eram crianças que morreram na infância. Todos os outros homens pecaram.
Todos os que viveram, desde Adão, cometeram atos deliberados de pecado. Os
únicos que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, que não
pecaram deliberadamente, são as crianças demasiado novas para exercerem a
sua vontade por serem incapazes de usar a consciência. A morte reinou,
diz Paulo, de Adão aMoisés, até mesmo sobre as crianças pequenas.
Porque estas morrem? Há somente umaresposta. Morrem porque a
transgressão de Adão as envolve. “A morte reinou desde Adão até Moisés, até
sobre aqueles que não pecaram à semelhança de Adão.”
Contudo, passando ao versículo quinze, lemos: “Mas não é assim o dom gratuito
como a ofensa. Porque, se pela ofensa de um morreram muitos”, Aí está de
novo. Depois ele volta a atenção para o outro lado, acerca de Jesus Cristo. No
versículo dezesseis temos: “E não foi assim o dom como a ofensa, por um só que
pecou”. E então: “Porque o juízo veio de uma só ofensa, na verdade, para
condenação, mas o dom gratuito veio de muitas ofensas parajustificação”. O
juízo, acondenação, foi por um só; o pecado de Adão trouxe isto sobre toda a
humanidade. Entretanto, inversamente, diz ele, muitos pecados são perdoados
segundo a justiça de Um, Jesus Cristo. Depois, mais uma vez, no
versículo dezoito: “Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre
todos os homens para condenação”. Não seria tão explícito quanto
possível? “Assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens” -
sem exceção - “para condenação.” Nascemos “filhos da ira”. E finalmente, no
versículo dezenove: “Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos
foram feitos pecadores”. Eu, vocês e toda a humanidade fomos feitos, ou, como
diz uma tradução mais precisa,

“constituídos” pecadores por aquele pecado de Adão. Esse é o ensino. Todos nós
somos “por natureza filhos da ira, como os outros também”.

Ah, dirá você, não entendo isso, não posso compreender isso, parece-me quase
imoral. Claro que você não o entende. Quem pode entender tais coisas? Não é
questão de entendimento, a questão é se você crê nas Escrituras ou não. Pois o
apóstolo diz exatamente a mesma coisa em 1 Coríntios, capítulo 15, aquele
grande e maravilhoso capítulo que se lê nos funerais. “Porque, assim como todos
morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo”, e assim por
diante. É precisamente o mesmo argumento. É a base da fé crista. Quer
entendamos quer não, é a verdade. Você tem que explicar a universalidade
do pecado; tem que explicar a universalidade da morte, e especialmente a morte
de crianças. E esta é a resposta bíblica. Adão era toda a humanidade e
representava a humanidade toda. Ele foi o nosso cabeça federal. Assim como o
Senhor Jesus Cristo é o representante de todos os que são salvos, assim como a
Sua justiça nos é imputada, igualmente Adão foi o nosso representante e o seu
pecado nos é imputado. Nele nós caímos, nele e por causa da sua ação sofremos
a condenação eterna. Exatamente da mesma maneira, os que crêem em Cristo
são redimidos por Ele, são salvos nEle e são justificados nEle, por causa da Sua
ação a nosso favor. Esse é o argumento. Se você crê por um lado, acerca de
Cristo, terá que crer por outro, acerca de Adão. Se negar este, estará
virtualmente negando aquele.
Portanto, sejamos cautelosos. Não existe nada mais trágico do que o modo como
muitos cristãos introduzem as relíquias das suas filosofias e do seu entendimento
pessoal na fé cristã. Muitos que afirmam que crêem na Bíblia, e que reconhecem
a sua autoridade, rejeitam-na neste ponto porque não gostam da doutrina, ou
porque não conseguem conciliar certas questões. Mas a conciliação aí está,
diante de nós. Apesar de estarmos mortos em ofensas e pecados, odiosos e
odiando uns aos outros, corrompidos pelo pecado, pecadores na prática, vivendo
em delitos e pecados e sob a ira de Deus, e absolutamente desamparados e sem
esperança, o mesmo Deus contra quem pecamos, o mesmo Deus que ofendemos,
providenciou o caminho da libertação para nós. Ele o fez na Pessoa do Seu bem-
amado Filho, que Ele não poupou do sofrimento, da agonia e do opróbio do
Calvário e daquela morte cruel. Ele nos ofereceu e nos provê o caminho da
completa libertação e reconciliação conSigo, a despeito do fato de que o nosso
pecado em Adão, os nossos próprios pecados, e o nosso estado pecaminoso só

merecem a Sua ira eterna. Esse é o amor de Deus! Esse é o “admirável amor,
divinal”! Deus fez por nós, que nada merecemos senão a ira eterna, o que nós
mesmos jamais conseguiríamos fazer.

Queira Deus, em Sua graça, habilitar-nos a receber estas coisas, para que
possamos considerar o próximo versículo com o seu glorioso “mas”. Apesar de
ser verdade quanto a nós tudo o que estivemos considerando, “Deus, que é
riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando
nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo”.
Bendito seja o nome de Deus!
A MENSAGEM CRISTÃ PARA O MUNDO

“Mas Deus ...” - Efésios 2:4

Agora passamos a examinar duas palavras maravilhosas - “Mas Deus”.


Obviamente estas palavras sugerem uma conexão com algo que as antecedeu. A
palavra “mas” é uma conjunção e, contudo, sempre sugere contraste, e aqui
temos a conexão e o contraste. Vejam estas palavras no seu contexto: “E vos
vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo
andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar,
do espírito que agora opera nos filhos da desobediência. Entre os quais todos nós
também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da
carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os
outros também. Mas Deus..,”. ■

Com estas duas palavras chegamos à introdução da mensagem cristã, a


mensagem peculiar e específicaque a fé cristã tem para oferecer-nos. Num
sentido, estas duas palavras contêm, em si e por si, a totalidade do evangelho. O
evangelho nos fala do que Deus fez, da intervenção de Deus; é algo que vem
inteiramente de fora de nós e exibe para nós aquela maravilhosa, espantosa e
assombrosa obra de Deus que o apóstolo vai descrever e definir nos versículos
seguintes.

Veremos agora estas palavras somente de maneira geral. Faço isso por diversas
razões. Uma é que o próprio texto nos impele a fazê-lo, mas há também certas
razões especiais. Uma acusação frequentemente lançada contra a mensagem
cristã, especialmente contra a modalidade evangélica dessa mensagem, é que ela
é distante da vida, que é irrelevante para as circunstâncias imediatas nas quais os
homens e as mulheres se acham. Noutras palavras, há, da parte de alguns,
uma objeção ao método expositivo de pregar o evangelho; é que esta
nunca parece enfrentar de fato as realidades da situação na qual os homens e as
mulheres se vêem dia a dia, e que é irrelevante para toda a situação mundial em
que nos achamos. Desejo, pois, mostrar que esta acusação

é inteiramente infundada; e mais, que a idéia de que o dever da pregação é


apenas fazer referências tópicas aos eventos contemporâneos é, na verdade, num
sentido, abandonar completamente a mensagem cristã. Eu iria mais longe, ao
ponto de dizer que não há nada que realmente possa lidar com a situação
contemporânea, salvo as Escrituras, quando as suas doutrinas são entendidas,
recebidas com fé e aplicadas.

E o que me proponho a fazer agora. Quero mostrar a relevância do evangelho


num dia como o Domingo da Rememoração, quando, quase instintivamente, e
por certo em conseqüência do que está acontecendo no mundo em que vivemos,
as nossas mentes são compelidas a encarar a situação geral e a pensar nela, além
das nossas situações particulares. E afirmando, como afirmo, que o evangelho
trata com a totalidade do homem e com a totalidade da sua vida neste mundo, é
importante que vejamos o que ele tem para dizer sobre a situação em que nos
achamos, e o que ele pretende fazer a respeito. Notem que o que eu
estou ressaltando é a importância absoluta do método. Os que não pensam
de maneira bíblica e cristã, e são muitos, acreditam que a tarefa da Igreja Cristã
em dias como os atuais é, por exemplo, anunciar temas como, “A Conferência de
Genebra - Possibilidades”, e depois dizer o que achamos que os estadistas
deviam fazer. Isso, ao que me parece, é inteiramente falso e contrário ao método
bíblico. O método bíblico é, antes, expor a verdade de Deus, e depois mostrar a
relevância disso para qualquer situação. Vocês não partem da situação, terminam
com ela. Desde o início a Bíblia nos convida a parar de olhar ao nível
horizontal, por assim dizer, a parar de olhar meramente para o mundo e para
os homens; convida-nos, logo no começo, a elevar os olhos e olhar para Deus.
Noutras palavras, toda a argumentação apresentada naBíblia, do princípio ao
fim, é que não nos será possível entender a vida, o homem e o mundo, enquanto
não virmos tudo à luz da verdade acerca de Deus, e nesse contexto. Portanto,
devemos começar com a verdade de Deus, e só então passar à situação imediata.

Procuremos mostrar como éfeito isso, ecomo isso éfeito naprópria passagem que
estamos considerando. Já consideramos em detalhe os três primeiros versículos
deste capítulo, e o fizemos para que nos víssemos como somos por natureza e
como o mundo é por natureza. Vocês não poderão começar a resolver os
problemas da humanidade enquanto não souberem a verdade acerca do homem.
Quão fútil é tentar fazê-lo sem isso. Vocês têm que começar com o caráter, a
natureza, o ser do homem. Em vez de começar com conferências e
discursos internacionais sobre eventos contemporâneos, necessitamos ir muito

mais a fundo e perguntar: pois bem, que tipo de criatura é o homem?


Obviamente, todas as nossas conclusões e todas as nossas propostas vão ser
governadas pela resposta a essa pergunta. Se o homem de fato é essencialmente
uma boa criatura que só necessita de um pouco mais de instrução, de
conhecimento e de informação, é óbvio que o tratamento será relativamente
simples. Mas se é verdade o que o apóstolo Paulo diz aqui sobre o homem como
ele é por natureza, e sem Cristo, então é igualmente óbvio que esse processo de
tratamento será inteiramente vão, e tentar realizá-lo será pura perda de tempo.

Temos que começar com esta doutrina. Qual é a verdade sobre o homem em
pecado? Que é que caracteriza o homem quando está em pecado, sem a graça de
Deus? Já examinamos esta matéria. O homem está morto espiritualmente; é
governado pelo diabo, que opera mediante poderosas forças a seu comando que,
por sua vez, produzem e dominam a mente e a perspectiva do mundo. Essa é a
situação do homem. E o resultado é que o homem, dominado por esse mau
poder, leva uma vida de ofensas e pecados; na verdade, ele nasceu de tal
maneira, por ser descendente de Adão, que a sua própria natureza é decaída. Ele
começa com uma natureza corrompida. E, finalmente, ele está sob a ira de
Deus. Essa é a declaração do apóstolo nos três primeiros versículos.

Qual será então a relevância disso tudo para a presente situação? Que é que isso
nos diz, face a toda a situação mundial na época atual? E evidente que
facilmente se pode deduzir várias coisas deste ensino.

A primeira é que aqui nos é dada a única explicação adequada da razão da


ocorrência de coisas como as guerras. Por que as temos? Por que o homem
comete essa loucura cabal? Por que será que os homens se matam uns aos
outros, e até se gloriam da guerra? Por que será? Qual a explicação? Há somente
uma resposta; é porque o homem é como o apóstolo o descreve. E este ensino
não é só do apóstolo Paulo. Vocês recordam como Tiago se expressa a respeito
no capítulo quatro da sua Epístola: “De onde vêm as guerras e pelejas entre
vós?” - e responde: “dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam”.
Essa é a causa da guerra. É o homem em sua condição decaída. Agora,
a compreensão desta verdade, deste fato, é absolutamente vital para nós, como
ponto de partida. Esta é a verdade quanto às nações, quanto às classes, quanto
aos indivíduos. Certamente nada é tão esclarecedor e contraditório como a forma
pela qual os homens pensam quando pensam em nações, e a forma inteiramente
diversa quando pensam em indivíduos. Pouco vale falar eloqüentemente sobre o
caráter sagrado dos

contratos internacionais, quando vocês estão lidando com gente que rompe os
seus contratos matrimoniais e outros contratos pessoais, pois as nações
consistem de indivíduos. A nação não é algo abstrato, e não temos direito de
esperar de uma nação uma conduta que não vemos no indivíduo. Todas estas
coisas têm que ser vistas em conjunto.

Este é um princípio que atua na sociedade inteira, do fundo ao topo, do indivíduo


à nação, ao continente, ao mundo todo. De acordo com a Bíblia, a explicação do
estado do mundo é que o homem é governado por estes desejos da carne e da
mente. Ele não está muito interessado em se uma coisa é certa ou não; está
interessado no fato de que ele a quer, gosta dela e tem que tê-la. Naturalmente
recuamos aterrorizados quando uma nação se porta dessa maneira. Quando
Hitler invade e anexa a Áustria, ficamos horrorizados. Sim, as pessoas que
fazem as mesmas coisas em sua vida pessoal, ficam horrorizadas. Fazem a
mesma coisa no que se refere à esposa alheia; fazem a mesma coisa no que se
refere ao cargo ou posição ou ocupação de outrem. E exatamente a mesma coisa.
Aí está, pois, o princípio. E esta cobiça, que governa a humanidade. “Andastes
segundo o curso deste mundo”, diz o apóstolo. “Andávamos nos desejos da
nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos”, “da mente”.
Portanto, a primeira dedução é que aqui, e somente aqui, temos adequada
explicação e entendimento da razão pela qual as coisas são como são.

Á segunda dedução segue-se logicamente. E que, enquanto o homem continuar


sendo governado dessa maneira, o mundo continuará sendo como é. Certamente
isso é óbvio. Se o estado do homem foi responsável pela história do passado, é
óbvio que, enquanto o homem não mudar, a história do futuro não mudará. Aqui
nos confrontamos e entramos em colisão com o otimismo do homem natural,
que está sempre tão seguro e confiante em que, de um modo ou de outro, em
nossa geração consertaremos tudo. Ele acha que, ao passo que todas as gerações
que nos antecederam falharam, estamos numa situação diferente, numa situação
superior. Temos boa educação e somos instruídos; temos conhecimento, ao passo
que el as não o tinham; progredimos tanto que só temos que ter sucesso; vamos
ter sucesso. No entanto, se vocês crêem nesta doutrina bíblica do homem em
pecado, hão de logo ver que isso é uma falácia fatal. Se os nossos problemas são
devidos às cobiças que há na humanidade em pecado e que dominam os homens,
enquanto elas permanecerem haverá guerras. Sobre isso temos ensino
específico que nos vem de nosso bendito Senhor, que disse: “Haverá guerras
e rumores de guerras”. Disse Ele também: “Como aconteceu nos dias de

Noé, assim será também nos dias do Filho do homem”; “Como também da
mesma maneira aconteceu nos dias de Ló” - em Sodoma - “assim será” (Lucas
17:26-30). Desse modo o nosso Senhor via a história.
Se captarmos este ensino, ficaremos livres, uma vez por todas, do falso
entusiasmo e das falsas esperanças dos homens que realmente acreditam que,
introduzindo alguma nova organização, pode-se banir a guerra e eliminá-la para
sempre. A resposta da Bíblia é que não se pode fazer isso enquanto o homem não
nascer de novo. Isso é deprimente? Contesto dizendo que, se é deprimente ou
não, não deve ser essa a nossa preocupação; o que deve constituir a nossa
preocupação é conhecer a verdade. O homem moderno se diz realista. Ele se
opõe ao cristianismo porque, segundo ele, o cristianismo não enfrenta os fatos.
Não é realista, diz ele; é sempre “castelos no ar”, e vocês vão para os seus
templos e lá se fecham, e não encaram os fatos da vida. Contudo, quando lhe
damos os fatos, ele contesta sobre o fundamento de que eles são deprimentes. Os
otimistas políticos e filosóficos é que não são realistas; as pessoas que nunca
encararam os fatos acerca do homem em pecado é que estão fechando os olhos e
dando as costas para a realidade. A Bíblia enfrenta isso tudo; tem uma visão
realista da vida neste mundo e somente ela a tem.

Examinemos agora o ensino direto, específico do evangelho. Que é que a


mensagem cristã tem para dizer acerca deste estado e desta condição, cuja
explicação estivemos considerando? A resposta é que ela diz: “Mas Deus”. Essa
é a mensagem. Que significa? A maneira mais conveniente de analisar esta
matéria é colocá-la primeiro em termos negativos, depois em termos positivos.
Lamento ter que começar outra vez com um argumento negativo. Devo fazê-lo
porque não poucos se esquecem destes aspectos negativos, e assim transmitem
mensagens que não têm a mínima possibilidade de ser consideradas cristãs.
E, contudo, costumam ser transmitidas em nome do cristianismo e da
Igreja Cristã. Estou profundamente convencido de que o que está
mantendo grande número de pessoas longe de Cristo e da salvação, e da
Igreja Cristã, é esta terrível confusão da qual a própria Igreja foi, e é,
tão culpada. Muitos estão fora da igreja hoje porque na primeira guerra mundial
muitas vezes a Igreja Cristã se tornou uma espécie de escritório de recrutamento.
Os homens se escandalizaram- e num sentido tiveram razão em escandalizar-se.
Existem certas coisas que nunca deveriam ser confundidas. Notemos algumas
delas.

Que é esta mensagem cristã? Iniciamos dizendo que ela não é um

grande apelo em prol do patriotismo. A mensagem cristã não é isso. A


mensagem cristã não denuncia o patriotismo, nem afirma que há algo de errado
nele. Merece dó quem não ama o seu país, a sua nação. Não há nada nas
Escrituras contra isso. Foi Deus que dividiu as nações e definiu os seus limites e
a sua habitação. E da vontade de Deus que existam nações. Mas não éda vontade
deDeus que existanacionalismo, um nacionalismo agressivo. Não há nada de
errado em um homem honrar o seu país e alegrar-se nele; porém é
completamente anti-cristão dizer: “Estou com o meu país, esteja ele certo ou
errado”. Isso é sempre um erro, um erro fatal; é a completa negação do ensino
das Escrituras. Vejam o grande apóstolo que escreveu esta Epístola aos Efésios.
Aí está um homem que era judeu, e se alguma vez houve um homem
orgulhoso da sua nacionalidade, foi o apóstolo Paulo - “Hebreu de hebreus,
da tribo de Benjamim...”. Houve tempo em que ele era um nacionalista rígido e
desprezava os demais. Os gentios eram cães, estavam fora do pacto das bênçãos.
Mas aquilo em que ele se gloria nesta Epístola, vocês recordam, é esta, “em que
vós também confiastes” (VA). Os gentios entraram, foram feitos “co-herdeiros”
com os judeus, a parede de separação que estava no meio foi derrubada. “Não há
grego, nem judeu, circuncisão, nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre;
mas Cristo é tudo em todos” (Colossenses 3:11). Essa é a posição cristã.
“Mas Deus...”. Aí está o meio de se derrubar o espírito nacionalista que leva à
guerra. Acreditar que estamos sempre certos e que todos os outros estão errados
é tão errôneo nas nações como o é nos indivíduos. E sempre errôneo. A
mensagem cristã não é simplesmente um apelo a favor do patriotismo. E se o
cristianismo for retratado dessa forma, será uma negação, uma máscara da
mensagem, e será enganoso aos olhos e ouvidos dos que o ouvirem.

Mas, em segundo lugar, a mensagem cristã não é apenas um apelo para a


coragem, ou para o heroísmo, ou para a manifestação de um grande espírito de
sacrifício próprio. Falemos disso com clareza. O cristianismo não condena a
coragem, não condena o sacrifício próprio, nem o heroísmo. Estas qualidades,
estas virtudes não são especificamente cristãs. São virtudes pagãs, e eram
ensinadas, inculcadas, admiradas e elogiadas antes da vinda do Senhor Jesus
Cristo a este mundo. A coragem era a virtude suprema, de acordo com os
filósofos pagãos gregos; era a quintessência do estoicismo. E por isso
consideravam a mansidão, a mansidão ensinadapela fé cristã, como fraqueza.
Não havia nenhum vocábulo para mansidão na filosofia grega pagã.
Coragem, força, poder - essas eram as coisas em que eles acreditavam. E por
isso

que, vocês se lembram, Paulo nos diz que a pregação da cruz era “loucura para
os gregos”. Que alguém que foi crucificado em fraqueza deva ser o nosso
Salvador, e deva ser o caminho para a salvação, para eles era absurdo e ridículo.
Eles não davam nenhum valor à mansidão e à humildade; a coragem, a força e o
heroísmo eram as grandes virtudes. E, pois, muito importante que
compreendamos que não faz parte da mensagem cristã exortar o povo à
coragem, ao heroísmo e ao sacrifício próprio. Não há nada de especificamente
cristão nessas idéias. O cristianismo não as condena, mas não é essa amensagem
cristã. E o ponto que estou acentuando aqui é que quando isso foi apresentado
como sendo a mensagem cristã, confundiu as pessoas e levou apropria
divisão que o evangelho se destinava a curar.

Pois bem, passemos à terceira questão. Há muitas pessoas que parecem pensar
que a mensagem cristã consiste simplesmente em apelar para que o mundo
ponha em prática os princípios cristãos. Isso éapenas a posição pacifista, assim
chamada. Ora, dizem eles, vocês, cristãos, estão sempre pregando sobre
salvação pessoal e sobre doutrinas e tudo mais; por que não fazem algo acerca
das guerras? Muito bem, dizemos nós, que é que vocês querem que façamos? O
que vocês têm que fazer, replicam eles, é dizer às pessoas que pratiquem o
Sermão do Monte. Por que não lhes dizem que voltem a outra face e amem uns
aos outros e assim por diante? Então se daria fim às guerras. Vocês têm a
solução; tão- somente façam as pessoas porem em ação os princípios do
ensino de Cristo. Qual é a resposta para isso? A resposta é o ensino dos
três primeiros versículos deste capítulo dois da Epístola de Paulo aos Efésios.
Vocês podem pregar o Sermão do Monte a pessoas que estão mortas “em ofensas
e pecados” até ficarem exaustos e nem vocês nem elas ficarão mais sábios. Elas
não conseguem praticá-lo. Não querem fazê-lo. São “inimigos e estranhos em
suas mentes”. São governadas por “cobiças”. Fazem “a vontade da carne e dos
pensamentos”. É isso que as governa e as dirige. Como podem praticar o Sermão
do Monte?

Há somente uma esperança para o homem em pecado, Paulo declara - “Mas


Deus”. Os homens precisam ser regenerados; precisam receber uma nova
natureza antes de poderem entender o Sermão do Monte, sem falar em poderem
começar a pô-lo em prática. Assim, será um arremedo da mensagem cristã falar
dela como se fosse apenas um apelo dirigido aos homens para que se levantem e
sigam a Cristo com as suas próprias forças, e ponham em ação princípios
cristãos de ensino. E um simulacro do evangelho, da mesma forma que o é a
pregação do patriotismo e do imperialismo. E igualmente não cristão. E de fato
uma

perigosa heresi a, a antiga heresia pelagiana, porque não compreende que o


homem, sendo o que é em pecado, absolutamente não pode executar tal ensino.
Esperar conduta cristã depessoas ainda não cristãs, é perigosa heresia. Vocês
vêem quão importante é o nosso ensino, e como é essencial que falemos com
clareza sobre a fiel aplicação da mensagem cristã ao mundo moderno. É por isso
que não gastamos o nosso tempo falando sobre conferências internacionais e
sobre política e relações internacionais, ou sobre conflitos industriais, ou
pregando sempre sobre a questão do pacifismo e contra a guerra nuclear. Fazê-lo
seria simples perda de tempo - embora provavelmente atraísse publicidade. O
que é necessário é quecomecemos com este princípio fundamental, a doutrina do
homem em pecado, em sua condição de morto, em sua desesperança, em seu
desamparo completo.

Para resumir até aqui, o princípio negativo é que amensagem cristã, o evangelho
cristão, não tem nenhuma mensagem direta para o mundo, exceto dizer que o
mundo, como é, está sob a ira de Deus, isto é, está sob condenação, e que todos
os que morrerem neste estado irão para a perdição. A única mensagem da fé
cristã para o mundo incrédulo, em primeiro lugar, é simplesmente acerca do
juízo, um apelo para o arrependimento, e dar-lhes a segurança de que, se se
arrependerem e forem convertidos a Cristo, serão libertos. Portanto, a Igreja, a fé
cristã, não tem nenhuma outra mensagem para o mundo fora dessa.

Mas a Bíblia ensina também, com bastante simplicidade e clareza, que,


conquanto seja essa a mensagem de Deus para o mundo incrédulo, Deus, não
obstante, fez algo com relação a esse mundo incrédulo. Eis o que Ele fez em
primeiro lugar: colocou um comando sobre o poder do pecado e do mal. Ele o
fez da seguinte maneira: como já lhes fiz lembrar, Ele dividiu os povos do
mundo em nações. Não somente isso, Ele ordenou que houvesse Estados e
governos. Ele ordenou “as potestades que há”. “As potestades que há”, diz Paulo
em Romanos, capítulo 13, “foram ordenadas por Deus”; seja rei ou imperador
ou presidente de uma república, “as potestades que há foram ordenadas
por Deus”. Foi Deus que ordenou os magistrados e lhes deu a espada do poder.
Por que? Simplesmente para manter as manifestações do mal dentro de limites e
sob controle. Pois, se não tivesse feito isso, se aos desejos que agem em todos
nós por natureza e pela herança de Adão fosse permitido se manifestarem
ilimitada e descontroladamente, o mundo seria um inferno e há muito se teria
lançado na perdição e se teria destruído a si mesmo. Deus pôs um limite nisso.
Pôs um limite até para

o mal e o mantém dentro dele, e o restringe. Realmente o apóstolo, numa


declaração deveras extraordinária, registrada em Romanos (capítulo 1, versículos
18ss.), prova o ponto dizendo que, às vezes, para Seus fins e propósitos, Deus
retira parcialmente essa restrição. Diz ele que Deus “os entregou a um
sentimento perverso”. Há tempos e ocasiões em que Deus parece afrouxar a
restrição que Ele impôs ao pecado e ao mal a fim de que o vejamos em todo o
seu horror. Pode bem ser que estejamos vivendo um tal período. Mas é isso que a
Bíblia nos diz sobre o que Deus faz diretamente quanto ao homem em pecado;
Ele controla as manifestações de sua natureza torpe, má e decaída. Essa é a
mensagem geral.

Todavia, qual é a mensagem particular! E isso que o apóstolo está interessado


em salientar acima de tudo neste parágrafo imediato. A mensagem para
indivíduos é que podemos ser libertos do presente mundo mau, que podemos
escapar da condenação que certamente virá sobre este mundo. Essa é a
mensagem que o apóstolo pregava. E uma mensagem para indivíduos. Ela não
diz que o mundo pode ser endireitado se tão-somente pusermos em prática o
ensino cristão; não se trata de um apelo para que as pessoas se reformem e façam
isto ou aquilo. Não, é uma mensagem que afirma que, como resultado do que
Deus fez em Jesus Cristo, Seu Filho, o nosso Senhor e Salvador, nós, que
estávamos na própria tessitura desse mundo pecaminoso, condenado, podemos
ser libertos dele - “O qual se deu a si mesmo por nossos pecados”, diz ele aos
gálatas, “para nos livrar do presente século mau”. O mundo está condenado, o
mundo vai ser destruído e punido, o diabo e todas as suas forças vão para a
perdição, e todos os que pertencem a esse reino sofrerão a mesma punição. No
entanto, individualmente, a mensagem do evangelho aos homens e mulheres é
que eles não necessitam ter participação nisso. Vocês podem ser tirados disso -
“do reino das trevas”, do poder de satanás, para Deus. Essa é a mensagem para
homens e mulheres individuais. O mundo continuará como está, mas vocês
podem ser libertos dele, podem ser retirados dele.

Não somente isso; também podemos ser introduzidos num reino que não é deste
mundo e tornar-nos seus cidadãos. A medida que percorrermos este capítulo,
veremos Paulo elaborar bem as suas próprias palavras. O que é maravilhoso, diz
ele, é que vocês, gentios, estão em Cristo, e, graças ao Seu sangue, se tornaram
concidadãos dos santos; tomaram-se cidadãos do reino de Deus, do reino de
Cristo, do reino da luz, do reino dos céus - um reino que não é deste mundo,
reino inabalável, reino imutável. Esse é o reino no qual entramos.

Esta é a notícia mais emocionante que umapessoapoderiareceber.


Atualmente somos cidadãos deste país, nossa terra natal, e estamos todos
envolvidos no que acontece com este país. Se este país entrar em guerra, todos
nós estaremos envolvidos. Não escapamos das bombas na última guerra mais
que qualquer outra pessoa por sermos cristãos. Estamos todos envolvidos, somos
cidadãos deste mundo ecompartimos o destino deste mundo. Mas, graças a Deus,
eis aqui algo diferente. Conquanto continuemos sendo cidadãos deste mundo,
nós nos tornamos cidadãos doutro reino, deste outro reino que foi aberto para
nós por Cristo - um reino espiritual, reino que não é deste mundo, eterno
nos céus com Deus. Esse é o ensino desta mensagem. “Mas Deus...”.

A doutrina se desenvolve naprática da seguinte maneira: se eu creio nesta


mensagem, doravante não vou fixar as minhas esperanças, nem pousar os meus
afetos de modo final em nada deste mundo. O homem natural faz isso, é claro;
ele prende as suas esperanças a este mundo e sua mente, sua perspectiva, seus
estadistas, sua mentalidade, seus prazeres, suas alegrias. Ele vive para este
mundo, e nele são centralizadas todas as suas esperanças, e nele estão todos os
seus afetos. O cristão não é assim. O cristão, havendo sido levado a ver que este
mundo está fadado à ruína, que está sob a ira de Deus, fugiu da “ira futura”. Ele
creu no evangelho, entrou neste outro reino, e agora as suas esperanças e
seus afetos estão postos lá, não aqui. O cristão é alguém que, para usar uma frase
das Escrituras, sabe que é apenas “um estrangeiro e peregrino” neste mundo. E
mero viajor, já não vive para o mundo; ele não e enganado pelo mundo, vê além
dele. É apenas alguém que está em viagem, um viajor, e, como o coloca Tiago
(capítulo 4), o cristão é alguém que se deu conta de que não passa de “um
vapor”, um sopro. Por isso não considera permanente este mundo; não faz os
seus planos e diz, agora vou fazer isto ou aquilo. Nada disso! Em vez disso, ele
diz: “Se o Senhor quiser...”; tudo sob Deus, e o cristão compreende como tudo
aqui é contingente. Ele não põe mais a sua fé e os seus afetos neste mundo.

Todavia, mais maravilhoso ainda! O cristão não é apanhado de surpresa por


coisa alguma que aconteça neste mundo, Por isso eu disse anteriormente que
não conheço nada que seja tão relevante para as circunstâncias deste mundo
como este evangelho. O cristão nunca fica surpreso com as coisas que
acontecem no mundo. Ele está preparado paratudo, estápreparadoparaqualquer
coisa, Não se surpreende quando irrompe uma guerra. Naturalmente o não
cristão, especialmente o idealista, fica muito surpreso. Ele de fato cria, no fim da
primeira guerra

mundial, que a Liga das Nações ia abolir a guerra para sempre. Havia muitos que
acreditavam que o Pacto de Locarno, de 1925, finalmente ia fazer isso, e
estavam muito alegres. Estavam confiantes em que nunca mais haveria uma
guerra como a de 1914 - 18. E quando começou a guerra de 1939, eles não
sabiam como explicar o fato. Mas o verdadeiro cristão, sabedor de que o homem
é uma criatura governada por cobiças, e que acobiça sempre produz guerra, sabia
muitíssimo bem que nenhum Pacto de Locarno nem qualquer outra coisa poderia
abolir ou eliminar a guerra. Sabia que a guerra poderia surgir a qualquer tempo,
e quando ela veio ele não ficou surpreso. Como o Salmo 112 o expressa
no versículo sete: “Não temerá maus rumores; o seu coração está
firme, confiando no Senhor”. Crendo como cremos nesta doutrina bíblica
do homem em pecado, jamais devemos surpreender-nos com o que acontece no
mundo. Vocês estão surpresos com todos os assassinatos, roubos, violência,
assaltos, mentira, ódio, carnalidade e sexualismo? Vocês se surpreendem quando
vêem os seus jornais? Não deveria acontecer isso, se vocês são cristãos.
Deveriam esperar isso. O homem em pecado necessariamente se comporta desse
modo; não pode conter-se, ele vive, anda em ofensas e pecados. Ele o faz
individualmente, e o faz em grupos; portanto, haverá conflitos e
desentendimentos industriais, e haverá guerras. Ah, quepessimismo!-exclamará
alguém. Eu digo: não, que realismo! Encarem isso, estejam preparados para isso,
não esperem nada melhor de um mundo como este; é um mundo
decaído, pecaminoso, ímpio, mau; e, enquanto o homem continuar em pecado, é
assim que será. E hoje é como nos dias de Sodoma e Gomorra, e como na época
do Dilúvio!

Mas, graças a Deus, ainda não terminei. Continuo e digo que o cristão é alguém
que, compreendendo que vive em tal mundo, e que, não tendo nenhuma ilusão
acerca dele, não obstante sabe que está ligado a um Poder que o habilita, não
somente a suportar o que quer que lhe venha num mundo como este, porém, de
fato o capacita a ser “mais que vencedor” sobre essa realidade toda. Ele não
apenas o suporta passivamente, não meramente o tolera, não somente o
“aguenta” e exercita a sua coragem. Não, isso é estoicismo, é paganismo. O
cristão, estando em Cristo, o cristão, sabendo algo do que o apóstolo chama
“a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos”,
é fortalecido, é habilitado a suportar; seu coração não fraqueja, ele não
é derrotado, de fato é capaz de regozijar-se nas tribulações. Que o mundo faça
com ele o pior, que o inferno seja solto, ele é mantido firme. “Esta é a vitória que
vence o mundo, a nossa fé” (1 João 5:4). Assim é que,

se as coisas se tornarem realmente impossíveis, o cristão tem recursos, ainda terá


conforto e consolações, ele ainda tem um poder que os incrédulos ignoram.

Finalmente, o cristão está absolutamente seguro e certo de que, façam o mundo e


os homens o que fizerem, ele está a salvo nas mãos de Deus. “Com confiança
ousamos dizer”, dizem as Escrituras: “O Senhor é o meu ajudador, e não temerei
o que me possa fazer o homem” (Hebreus 13:6). Na verdade ele sabe que o
homem, em sua malignidade, pode insultá-lo, pode perseguí-lo, pode arruiná-lo,
pode até destruir o seu corpo; mas também sabe que nada jamais será capaz de
separá-lo “do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor”
(Romanos 8:39). Ele sabe que, seja o que for que aconteça neste mundo
limitado pelo tempo, ele é filho de Deus, herdeiro da glória. Verdadeiramente
ele sabe que virá o dia em que este presente mundo pecaminoso será resgatado
inteiramente, e haverá “novos céus e nova terra em que habita a justiça” (2 Pedro
3:13). O cristão pode olhar para o futuro e ver que, num glorioso dia no porvir,
quando o seu corpo será renovado e glorificado, quando o seu corpo não mais
será fraco, não mais estará sujeito à doença, à velhice, a nenhum mal, quando
será um corpo glorificado como o de Cristo ressurreto - ele sabe que, neste
corpo glorificado, andará na face desta mesma terra, na qual o mal, o pecado e
toda infâmia serão eliminados pelo fogo de Deus. Habitará num mundo perfeito,
do qual o Cordeiro, o Filho de Deus, é aLuz e o Sol, o Esplendor e a Glória, e o
desfrutará para todo sempre. E isso que a mensagem cristã, a fé cristã tem para
dizer a este vil, perplexo, infeliz, confuso e frustrado mundo moderno. Tudo vem
destas doutrinas essenciais que só podem ser aprendidas neste Livro, que é a
Palavra de Deus. Aí está o mundo! - “Mas Deus...”.

EM CRISTO JESUS

“Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos
amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou, juntamente
com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos
vindouros as abundantes riquezas de sua graça pela sua benignidade
para conosco em Cristo Jesus. ” - Efésios 2:4-7

Já examinamos esta majestosa e emocionante declaração de maneira mais ou


menos geral. Observamos como o apóstolo a introduz, e especialmente a palavra
Mas, que introduz o ponto de transição do desamparo e desespero do homem em
pecado para a esperança e consolação do evangelho. Esta é a única esperança;
fora dela não há absolutamente nenhuma esperança. Quando nos vemos numa
condição inteiramente perdida e perigosa, de repente nos chega esta
mensagem, inesperada e surpreendentemente, de uma esfera diferente, que
nos impulsiona a levantar os nossos rostos. Além disso, a suagrande ênfase é que
foi Deus que fez isso. Foi quando estávamos mortos e não podíamos fazer nada,
que Deus fez o que somente Ele podia fazer. É o poder de Deus. Vemos também
aí, com muita clareza, o contraste entre Deus e nós: Ele é rico em misericórdia,
tem grande amor por nós, Sua graça é sobremodo rica, e a Sua disposição para
conosco é sempre bondosa e benigna.

Mas o apóstolo não se contenta em meramente introduzir o evangelho e em


meramente pintar estes contrastes extraordinários e maravilhosos. Também está
desejoso de que tenhamos clara idéia do feito grandioso que Deus realizou por
nós. Que é que pode ser mais maravilhoso do que o modo como, ao vermos
como somos em pecado, reagimos a este bendito “Mas”? Todavia, não devemos
ficar simplesmente admirados e espantados, devemos aprender e
compreender exatamente o que Deus fez por nós. Por isso o apóstolo expõe isso
diante de nós em detalhe. Há um sentido em que podemos dizer acertada
e verdadeiramente que temos aqui uma das declarações mais profundas com
respeito à condição e à situação do cristão que se pode achar em qualquer parte
das Escrituras. O que aconteceu é que, “estando nós

ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela
graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos
lugares celestiais em Cristo Jesus”.

Pois bem, há, obviamente, algumas observações preliminares que se deve fazer
sobre uma declaração como essa. A primeira que me sinto constrangido a fazer é
que isto é cristianismo verdadeiro; essa é a própria essência do cristianismo, e
nada menos que isso. O que estas palavras descrevem é o centro vital de toda
essa matéria. É o que Deus fez para nós e por nós, e não primariamente algo que
tenhamos feito. Noutras palavras, o cristianismo não significa apenas que eu e
vocês tomamos uma decisão. Naturalmente isso está incluído, mas não é
a essência do cristianismo. As pessoas podem decidir parar de fazer certas coisas
e começar a fazer outras; isso não é cristianismo. As pessoas podem acreditar
que Deus lhes perdoa os seus pecados; porém, isso, em si, não é cristianismo. A
essência do cristianismo é a verdade que temos aqui - e este é o fato real, e nada
menos que isso é o fato real.

Gostaria de acentuar também que isto é verdade quanto a todos os cristãos. Mais
adiante veremos que aqui nos defrontamos com o maravilhoso ensino e doutrina
acerca da união do cristão com o Senhor Jesus Cristo. Com efeito, há certas
escolas de pensamento cristão que têm feito grande dano neste ponto, dando-nos
a impressão de que se trata de algo a que somente certos cristãos chegam, de que
se você realmente se entregar ao cultivo da vida cristã, poderá esperar chegar
finalmente a esta união com Cristo. É óbvio que eles pensam que existem
muitos cristãos que ainda não ocupam esta posição e que precisam ser
exortados e concitados e estimulados a lutar até alcançarem essa condição.
Ora, isso está inteiramente errado, é inteiramente falso. Você não pode
ser cristão, de modo nenhum, sem a verdade que estamos examinando agora; é
esta verdade que nos faz cristãos; sem ela não estamos na posição cristã
absolutamente.

Portanto, é importante que entendamos imediatamente que de fato estamos


tratando aqui de algo que é básico e fundamental e primordial. Ao mesmo
tempo, naturalmente, a doutrina é tão gloriosa e grandiosa que inclui a totalidade
da vida cristã. A vida cristã é um todo, e você tem, por assim dizer, o todo no
início, e depois passa a apropriar-se de suas várias partes e a entendê-lo cada vez
mais. Isto é cristianismo, que “estando nós ainda mortos em nossas ofensas,
Deus nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos
ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais em
Cristo Jesus”. Que acontece, pergunto, quando nos examinamos à luz dessa

declaração? Poderíamos dizer que sempre pensamos a nosso respeito como


cristãos nestes termos? Seria como eu penso de mim como cristão? Ou ainda me
inclino a pensar em mim como cristão nos termos daquilo que estou tentando
fazer, lutando para fazer, e daquilo em que estou tentando me tornar ou que estou
tentando fazer de mim mesmo? Ora, isto é evidentemente básico, porque toda
ênfase do apóstolo aqui é que a coisa primordial, a primeira coisa, é esta que
Deus faz para nós, não primariamente o que eu e você fazemos pessoalmente.

Há duas maneiras de examinar esta grande declaração. Há alguns que têm uma
idéia puramente objetiva dela. Pensam nela exclusivamente em termos da nossa
situação, ou da nossa posição, na presença de Deus. O que quero dizer é que eles
pensam nela como sendo algo que, num sentido, já é verdade a nosso respeito
em Cristo, mas não é verdade a nosso respeito na prática. Consideram esta como
uma declaração do fato de que após a morte ressuscitaremos e participaremos da
vida da glória que está à espera de todos os que estão em Cristo Jesus.
Afirmam que a verdade é que o Senhor Jesus Cristo já ressuscitou dos mortos;
Ele foi vivificado quando estava morto na sepultura, foi ressuscitado, apareceu a
certas testemunhas, subiu ao céu e está na glória, nos lugares celestiais. Pois
bem, dizem eles, isso aconteceu com Ele, e, se crermos nEle, acontecerá
conosco. Eles afirmam que essa verdade quanto a nós é pela fé agora, porém
realmente só pela fé. Não é real em nós agora, é inteiramente real nEle, mas se
tornará real em nós no futuro. Pois é isso que eu considero uma idéia puramente
objetiva desta declaração. E, naturalmente, como declaração, está perfeitamente
certa, exceto que não vai suficientemente longe. Tudo isso é verdade quanto a
nós. Chegará a hora em que todos nós, cristãos, seremos ressuscitados, a menos
que o nosso Senhor volte antes de morrermos. Os nossos corpos serão
transformados e glorificados; e nós viveremos e reinaremos com Ele, e
entraremos em Sua glória e dela participaremos com Ele. Isso é perfeitamente
verdadeiro.

No entanto, me parece que interpretar esta declaração unicamente dessa maneira


é interpretá-la de maneira gravemente errônea. E isso eu posso provar. Há dois
argumentos que a tornam uma interpretação completamente inadequada. O
primeiro é que todo o contexto aqui é experimental. O apóstolo não está tão
interessado em lembrar a estes efésios algo que lhes irá acontecer; o seu grande
interesse aqui é lembrá-los do que já lhes aconteceu, e da sua posição atual. E
importante que sempre levemos conosco o contexto. O interesse do apóstolo,
mostrado

em toda esta declaração, é que podemos conhecer “a sobreexcelente grandeza do


seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do seu poder,
que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos”. Noutras palavras,
ele está orando no sentido de que estes efésios tenham os olhos do seu
entendimento iluminados de tal modo que possam saber o que Deus está fazendo
por eles agorav nesse exato momento, não alguma coisa que Ele vai fazer no
futuro. É importante termos claro entendimento sobre a morte, para que
percamos o medo da morte, para que estejamos tão certos da ressurreição e da
nossa glorificação que possamos sorrir em face da morte; está certo, entretanto
não é isso que o apóstolo está ensinando aqui. Ele está interessado em que eles
apreciem agora, em meio a todas as suas dificuldades, aquilo que é a concreta
verdade a respeito deles.

Contudo, há uma prova mais forte, parece-me, no versículo cinco. Diz o apóstolo
que, “estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou com Cristo”, e
então, entre parêntesis, “(pela graça sois salvos)”. Ele diz, noutras palavras: o
que estou falando é sobre a sua salvação neste momento. “Pela graça sois
salvos” significa “pela graça vós jáfostes salvos”. Esse é o tempo verbal, “fostes
salvos”. Evidentemente é algo experimental. É algo subjetivo, não puramente
objetivo. A tragédia é que muitas vezes as pessoas colocam estas coisas
como elementos opostos, ao passo que, na realidade, as Escrituras
sempre mostram que ambas as coisas devem andar juntas. Há um lado
objetivo da minha salvação, mas, graças a Deus, há também um lado
subjetivo. Eum erro ensinar, como o moderno movimento bartiano tende a
ensinar, que tudo é objetivo, que tudo está em Cristo e que em mim não
há absolutamente nada. Isso me parece um grave erro, porque as
Escrituras, felizmente para nós, sempre acentuam o experimental, o pessoal,
o subjetivo, o que eu desfruto aqui e agora. Minha salvação não está completa e
exclusivamente em Cristo; uma vez que eu estou em Cristo, ela está em mim
também.

É isso que o apóstolo está desejoso de que entendamos. Noutras palavras, esta
realidade deve ser interpretada espiritual e objetivamente, deve ser entendida
experimentalmente. O que Deus fez por nós espiritualmente, diz o apóstolo, é
comparável ao que Ele fez ao Senhor Jesus Cristo no sentido físico quando O
ressuscitou dentre os mortos e O levou para Si para que Ele Se assentasse nos
lugares celestiais. Devemos retornar ao fim do capítulo primeiro. O poder que
está operando para conosco e em nós, os que cremos, é o mesmo poder que Deus
“manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e

pondo-o à sua direita nos céus, acima de todo o principado, e poder, e potestade,
e domínio, e de todo nome que se nomeia, não só neste século, mas também no
vindouro; e sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas as coisas o
constituiu como cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que
cumpre tudo em todos”. Agora, diz Paulo, quero que vocês saibam que
exatamente o mesmo poder que fez isso está operando em vocês espiritualmente.
Isso, então, nos capacita a dizer tudo o que aconteceu conosco, se somos
cristãos, aconteceu por esse mesmo poder de Deus. Todos os tempos verbais que
o apóstolo emprega justamente nestas palavras que estamos estudando estão no
passado; ele não diz que Deus vai nos ressuscitar, vai nos vivificar, vai fazer-
nos sentar nos lugares celestiais; ele afirma que Ele já o fez, que
quando estávamos mortos Ele nos vi vificou. E o tempo aoristo, o passado, é
algo que se completou, e uma vez por todas já foi feito. Assim é que temos que
dizer de nós mesmos, como cristãos, que fomos vivificados,
fomos ressuscitados, e estamos sentados nos lugares celestiais.
Ou, talvez, numa colocação melhor, possamos dizer - e seguramente é o que o
apóstolo tinha em mente - que a situação do cristão é exatamente o oposto da
situação do não cristão. O não cristão é alguém que está morto em ofensas e
pecados, está sendo levado de acordo com o curso deste mundo, de acordo com
o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da
desobediência; ele vive segundo os desejos da carne, fazendo a vontade da carne
e damente; ele está, por natureza, sob a ira de Deus. Esse é o não cristão. E o
cristão, que é? O exato oposto disso - vivificado; vivo; ressurreto; sentado nos
lugares celestiais; inteiramente diferente, contraste completo. O “mas” assina-a
em toda parte este aspecto de contraste. E, obviamente, não poderemos entender
verdadeiramente a nossa posição como cristãos, se não compreendermos que é
um completo contraste com o que éramos antes. Vocês vêem como, na
interpretação das Escrituras, é importante tomar tudo em seu contexto. Temos
que ter claro entendimento acerca do nosso estado em pecado porque, se não,
jamais teremos claro entendimento acerca do nosso estado na graça e na
salvação.

Se essa é a verdade acerca de nós como cristãos agora, há duas importantes


questões que devem ocupar a nossa atenção. Eis a primeira: como foi que tudo
isso nos aconteceu? Como foi que isso passou a ser verdade a meu respeito
como cristão? O apóstolo responde: é “juntamente com Cristo”. Vocês notam sua
ênfase constantemente repetida? - “quando estávamos mortos em pecados,
vivificou-nos junto com

Cristo, ressuscitou-nos juntos e nos fez sentar juntos nos lugares celestiais em
Cristo Jesus” (VA). Aqui sem dúvida nos vemos face a face com uma das mais
grandiosas e mais maravilhosas doutrinas cristãs, uma das mais gloriosas, fora
de toda e qualquer contestação. Trata-se do ensino completo das Escrituras com
respeito à nossa união com Cristo. É um ensino que vocês encontrarão em
muitos lugares. Remeto-os ao capítulo cinco da Epístola aos Romanos, que, de
muitas maneiras, é a mais extensa exposição da doutrina. Mas igualmente ela
pode ser encontrada no capítulo seis da Epístola aos Romanos. Também
se encontraem 1 Coríntios, capítulo 15, o grandioso capítulo freqüentemente lido
nos funerais; todavia igualmente se vê em 2 Coríntios, capítulo 5. Similarmente
o ensino se acha naquelas belas palavras do fim do capítulo dois daEpístola aos
Gálatas- “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive
em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual
me amou, e se entregou a si mesmo por mim”. Esta é a coisa mais maravilhosa e
mais espantosa, e, para mim, é sempre uma questão que me causa grande
surpresa que esta bendita doutrina receba tão pouca atenção. Por uma outra razão
o povo cristão parece temê-la. Não tenho dúvida que é principalmente pela razão
que já dei, que o ensino católico (seja romano ou anglicano ou de qualquer outro
tipo) sempre propenso a dar a impressão de que esta é uma realização final do
místico, a meta suprema do maior santo, mas nada tem a ver com o resto de nós,
cristãos comuns. A nossa réplica é que, de acordo com este ensino, em Efésios,
capítulo 2 e noutros lugares, vocês não são cristãos enquanto não estiverem
unido a Cristo e “nele”. Esta doutrina da nossa união com Cristo não deveria vir
no fim da doutrina cristã, deveria vir no início, onde o apóstolo a coloca.

Que significa estarmos unidos a Cristo? Esta expressão é empregada em dois


sentidos. O primeiro é o que se pode chamar sentido federal, ou, noutras
palavras, sentido pactuai. Esse é o sentido do capítulo cinco de Romanos,
versículos 12-21. Adão foi constituído e considerado por Deus como o chefe e o
representante da raça humana; ele foi o chefe federal, o representante federal, o
cabeça pactuai. Deus fez uma aliança com Adão, fez um acordo com ele, fez
certas declarações a ele quanto ao que Ele pretendia fazer, e assim por diante.
Pois bem, esse é o primeiro sentido em que é ensinada esta doutrina da união.
E, portanto, o que se diz acerca do Senhor Jesus Cristo é que Ele é nosso Chefe
Federal, nosso Representante. Adão, o nosso representante, rebelou-se contra
Deus; pecou e foi punido, e certas conseqüências se seguiram. Mas devido Adão
ser o nosso representante e o nosso chefe

ou cabeça, o que aconteceu com Adão aconteceu por isso com toda a sua
posteridade e conosco,

Ora, esse é um aspecto da questão, e muito importante. Conhecemos algo sobre


isso na vida e no viver comum. O embaixador deste país num país estrangeiro
representa todo o país, e se envolve em ações nas quais nos envolvemos,
queiramos ou não. Como cidadãos deste país nós todos sofremos as
conseqüências de resoluções que foram tomadas, até mesmo antes de nascermos.
Vocês não podem abstrair-se de sua nação, estão federalmente envolvidos nas
atividades da sua nação, e o que o líder ou o representante oficial de uma nação
faz impõe-se a todos os cidadãos dessa nação. Muito bem, essa é a verdade com
relação a Adão. Também é a verdade com relação ao Senhor Jesus Cristo. Adão
foi o primeiro homem; Jesus Cristo é o segundo homem. Vocês têm o primeiro
Adão; vocês têm o último Adão. Agora, de acordo com este ensino, Jesus Cristo
é o representante desta nova humanidade; e, portanto, o queEle fez e o que Ele
sofreu é algo que se aplica à totalidade desta nova raça que veio a existir nEle.
Dessa maneira, deve-se pensar na união do crente com Cristo em termos desse
sentido federal.

Mas a coisa não fica nisso. Há outro aspecto da união, que podemos chamar
místico ou vital. E algo que o nosso Senhor ensinou pessoalmente, nas famosas
palavras do capítulo quinze do Evangelho Segundo João, onde Ele diz: “Eu sou a
videira verdadeira, vós as varas”. A união entre as varas e a videira não é
mecânica, é vital e orgânica. Estão unidas; a mesma seiva, a mesma vida no
tronco e nos ramos. Contudo, essa não foi a única ilustração utilizada. No final
do capítulo primeiro desta Epístola Paulo diz que a união entre o cristão e o
Senhor Jesus Cristo é comparável à união das diversas partes do corpo com o
corpo todo, e especialmente com a cabeça. Pois bem, qualquer dos meus dedos é
parte vital do meu corpo. Não foi simplesmente amarrado nele; há uma
união viva, orgânica, vital. O sangue que corre através da minha cabeça,
corre através dos meus dedos. Isso indica uma espécie de unidade
interna essencial, e não uma união meramente federal ou legal ou pactuai. Há, de
fato, mais uma ilustração empregada nesta Epístola aos Efésios, no capítulo
cinco, onde se nos diz que a união entre a Igreja e Cristo, e, portanto, entre todo
membro da Igreja e Cristo é comparável à união entre um marido e sua esposa -
“ambos serão uma só carne”. Essa união é mística. Essa é a união entre Cristo e
a Igreja.

Todas estas bênçãos que usufruímos tornaram-se nossas porque estamos ligados
a Cristo dessa maneira dupla - de maneira forense, federal, pactuai, porém
também desta maneira vital e viva. Podemos

afirmar, pois, que o que aconteceu com Cristo aconteceu conosco. Este é o
mistério e amaravilha danossa salvação, e é a realidade mais gloriosa que jamais
podemos contemplar. O Filho de Deus, a Segunda Pessoa da Deidade eterna,
desceu do céu à terra; assumiu a nossa natureza humana, compartilhou da
natureza humana; e como resultado da Sua obra, nós, seres humanos,
compartilhamos da Sua vida e estamos nEle, e somos participantes de todos os
benefícios que dEle vêm. Meus amigos, eu os fiz lembrar-se logo no princípio, e
devo repeti-lo, que o cristianismo é isso, e nada menos que isso. E se não
compreendemos isso, eu pergunto: que é o nosso cristianismo? Isto não é algo a
que você chega, é algo com que você começa. Você não obtém nenhum
benefício de Cristo, a não ser em termos da sua união com Ele - “todos nós
recebemos também da sua plenitude”, diz João, “e graça por graça” (João 1:16).
Ora, neste ponto, o apóstolo está primariamente interessado em salientar o
aspecto positivo disso tudo, e não o negativo. Ele tratará do aspecto negativo um
pouco mais adiante, neste capítulo. Mas, necessariamente, é preciso ter em
mente o negativo também. No entanto, o que o apóstolo está primariamente
interessado em salientar é que, ao passo que estávamos mortos, agora estamos
vivos. A pergunta que surge de imediato é: como é que isto pode acontecer? Algo
precisa acontecer antes que nós, que estamos mortos e sob a ira de Deus,
possamos passar a estar vivos. Não posso auferir nenhum benefício, de espécie
alguma, enquanto não se faça algo para satisfazer a ira de Deus, pois não
apenas estou morto e não apenas sou uma criatura de desejos e domínios
pelo deus deste mundo, eu estou sob a ira de Deus - “éramos por natureza filhos
da ira, como os outros também”. E, graças a Deus que alguma coisa aconteceu!
Cristo tomou sobre Si a nossa natureza, levou sobre Si os nossos pecados, foi ao
local de punição; a ira de Deus foi derramada sobre Ele. Esse é todo o
significado da Sua morte na cruz, é o pecado sendo punido, é a ira de Deus se
manifestando contra o pecado. E se não vemos isso na cruz do Calvário, estamos
olhando para aquela cruz sem os olhos do Novo Testamento. Há nesse terrível
aspecto da cruz, e nós nunca devemos esquecê-lo. Jamais devemos esquecer o
brado de desamparo: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”
Isso aconteceu porque Ele estava experimentando a ira de Deus contra o pecado,
nada menos que isso. Mas aqui o apóstolo está muito mais interessado em
acentuar o aspecto positivo. Cristo não somente morreu e foi sepultado; Ele
ressuscitou. Deus agiu “resuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o à sua direita
nos céus, acima de todo o principado, e

poder, e potestade, e domínio, e de todo o nome que se nomeia”. Tudo isso


envolveu uma vivificação, uma ressurreição e uma exaltação. E a mesmacoisa,
diz o apóstolo, é verdade anosso respeito, porque estamos em Cristo - “nos
vivificou juntamente com ele”. Isto aconteceu com todo aquele que é cristão. E
ação de Deus. Certamente isto não requer nenhuma demonstração. O homem
que está morto em pecados e sob a ira de Deus, que pode fazer? Nada. Deus o
faz para ele, Deus o vivifica. Como Ele vivificou o corpo morto do Seu Filho no
túmulo, assim Ele nos vivificou espiritualmente.

Que é que significa “vivificar”? Significa “tornar vivo”, significa “infundir


vida”. Então, a primeira coisa que é verdadeira quanto ao cristão é que ele
chegou ao fim da sua morte - estávamos mortos em ofensas e pecados, não
tínhamos nascido espiritualmente. Não há nenhuma centelha divina em ninguém
que nasceu neste mundo; todos os nascidos neste mundo, porque são filhos de
Adão, nascem mortos, nascem mortos espiritualmente.
Todaessaidéiadeumacentelhadivina remanescente no homem é uma contradição,
não somente nesta passagem das Escrituras, mas de todas as Escrituras. A
situação de todos os que nascem neste mundo é a de um morto. A comparação
utilizada para ilustrar este fato é o corpo morto do Senhor Jesus Cristo, sepultado
numa tumba e com uma pedra rolada sobre a boca da tumba. Esta é, po.s,
a primeira verdade positiva. Cheguei ao fim da minha morte. Não mais estou
morto em ofensas e pecados, não mais estou morto espiritualmente. Por quê?
Porque morri com Cristo; morri com Cristo para a lei de Deus e para a ira de
Deus.

Ora, o cristão é alguém que tem que afirmar esta verdade. O princípio do
cristianismo é dizer: “Portanto agora nenhuma condenação há para os que estão
em Cristo Jesus” (Romanos 8:1). O cristão não é alguém que está esperando ser
perdoado; não é alguém que espera que finalmente será capaz de satisfazer as
exigências da lei e de estar na presença de Deus. Se é um cristão que entende o
cristianismo, ele diz: já estou lá, não estou mais morto, estou vivo, fui vivificado,
vida me foi dada. E o primeiro aspecto importante dessa declaração é o negativo,
que afirma que não estou mais morto. Deixei de ser morto; estou morto para o
pecado, estou morto para a lei, estou morto para a ira de Deus. “Portanto agora
nenhuma condenação há.” Você pode dizer isso? É a declaração que todo cristão
deveria ser capaz de fazer. E se você não tem essa segurança, é simplesmente
porque você não entende as Escrituras. As Escrituras fazem esta asserção
definida: não sou cristão, não posso ser cristão sem estar em Cristo. Segue-se
que, se estou em Cristo, o que

é verdade a respeito dEle é também verdade a meu respeito. Ele morreu uma vez
para o pecado, e eu, nEle, morri uma vez para o pecado. Quando o Senhor Jesus
Cristo morreu naquela cruz no Monte Calvário, eu estava morrendo com Ele tão
definida e certamente (e ainda mais) como sou responsável pelas ações da Grã-
Bretanha, por exemplo, na China, no último século, quando a sua gente
introduziu lá, vergonhosamente o comércio do ópio. Embora eu não o tenha feito
pessoalmente, embora tenha sido feito antes de eu nascer, sou responsável
porque sou britânico, e me sinto responsável e sinto vergonha. Exatamente da
mesma maneira, quando Cristo morreu na cruz e sofreu a ira de Deus contra
o pecado, eu estava participando nisso; eu estava nEle, eu estava morrendo com
Ele. Estou morto para a lei, estou morto para a ira de Deus, eu posso dizer com
Augustus Toplady:
Os terrores da lei, os terrores de Deus Comigo nada têm, nada podem fazer-me;

A obediência e o sangue do meu Salvador Escondem da visão as minhas


transgressões.

Mais que isso, porém, Ele nos viviflcou, Ele nos tornou vivos; e se você está
vivo, não está mais morto. Uma coisa ou outra - você não pode esperar tornar-se
vivo; ou está vivo ou está morto. Você está espiritualmente morto, ou está
espiritualmente vivo?

Mas examinemos o caso mais profundamente. Quer dizer que Deus colocou um
novo espírito de vida em mim. “A lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me
livrou da lei do pecado e da morte.” “A lei do Espírito de vida, em Cristo” está
no cristão. Isto é o oposto da morte e da inércia. Antes de entrar em nós este
espírito de vida em Cristo Jesus, estávamos mortos em ofensas e pecados, e
sujeitos a um espírito muito diferente - “o príncipe das potestades do ar, o
espírito que agora opera nos filhos da desobediência”. Todavia a verdade já não
é essa. Há um novo espírito de vida.

Que é “vivificação”? Vivificação é regeneração, e nenhuma outra coisa. Quando


o apóstolo diz aqui, “Vos vivificou”, ele quer dizer, Ele vos regenerou; Ele vos
deu nova vida, nascestes de novo, fostes criados de novo, vós vos tomastes
participantes da natureza divina. Que é regeneração? Não posso pensar numa
definição melhor do que esta: regeneração é um ato de Deus pelo qual um novo
princípio de vida é implantado no homem, e a disposição dominante da alma é
tornada santa. Isso é regeneração. Significa que Deus, por Sua ação poderosa,

põe nova disposição em minha alma. Notem que digo “disposição”, não
faculdades; o de que necessita o homem não são faculdades; necessita é de uma
nova disposição. Qual a diferença, vocês perguntarão, entre faculdades e
disposição? Pode-se dizer que é algo assirm a disposição é aquilo que determina
a tendênciae ouso das faculdades. Éa disposição que governa e organiza o uso
das faculdades, que faz de um homem um músico, de outro um poeta e de outro
alguma outra coisa. Assim, a diferença entre o pecador e o cristão, entre o
incrédulo e o crente, não é que o crente, o cristão, tem certas faculdades que
faltam ao outro. Não, o que acontece é que esta nova disposição dada ao cristão
dirige as suas faculdades de maneira inteiramente diversa. Não lhe é dado um
novo cérebro, não lhe é dadaumanova inteligência, ou alguma outracoisa.
Ele sempre teve essas coisas; são seus servos, seus instrumentos,
seus “membros”, como lhes chama Paulo no capítulo seis de Romanos; o que é
novo é uma nova tendência, uma nova disposição. Ele mudou de direção, há
agora um novo poder agindo nele e guiando as suas faculdades.

E isso que faz de um homem um cristão. Há nele este princípio de vida, há esta
nova disposição. E esta afeta o homem todo; afeta a sua mente, afeta o seu
coração, afeta a sua vontade. É algo que sucede instantaneamente ao homem,
não gradativamente. O nascimento é repentino, o nascimento é instantâneo, não
é um processo gradual. Lá estava o homem, em dado momento morto, no
momento seguinte vivo. Ele foi vi vificado; esta disposição, este princípio de
vida penetrou nele. E, obviamente, é algo que acontece no nosso subconsciente.
O nosso Senhor deixou isso claro (não deixou?) paraNicodemos naquela
famosa declaração: “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas
não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que énascido do
Espírito”. E secreto, não se pode ver nem entender, não é possível explicá-lo
plenamente; tudo o que se sabe é que aconteceu. “Eu era cego, e agora vejo” (VA
e ARA). Não entendo isso, não posso explicar, nem fisiologicamente, nem
anatomicamente, nem de nenhuma outra maneira; tudo o que eu sei é que eu era
cego, não podia ver, mas agora posso ver. Eu estava morto, agora estou vivo. É
secreto, é misterioso, é miraculoso, é maravilhoso, é incompreensível; porém
conheço os efeitos, aprecio osresultados, estou ciente do fato de que isso
aconteceu. Então, que será? É um ato criador de Deus. É por isso que vocês
vêem este apóstolo e outros se referindo muitas vezes a esse fato como uma nova
criação - “Se alguém está em Cristo, nova criatura é (nova criação); as coisas
velhas já passaram; eis que tudo se fez novo”. Sim,

ele tem os mesmos olhos, olha para as mesmas coisas para as quais olhava antes,
contudo não as vê como costumava vê-las. O pobre ébrio tinha olhos e podia
olhar para um bar, e via certas coisas; ele continua tendo olhos, continua vendo o
mesmo bar, e, todavia, não é a mesma coisa, é inteiramente diferente. Ele está
olhando para a mesma coisa, mas vê uma coisa absolutamente diferente. Por
quê? - não foi o bar que mudou. Ele mudou, ou melhor, foi mudado. Um novo
homem, umanova disposição, um novo princípio dominante, nova vida!

Você está vivo? Deus colocou em você este princípio de vida? Precisamente
como você é neste momento, você sabe se isto aconteceu com você, que há esta
diferença essencial entre você e o homem do mundo? Terei que entrar nesse
assunto em detalhe mais adiante. Mas este é o começo de tudo. Veja aquela
criança que acabou de nascer. Ela não pode raciocinar, não pode pensar, não
pode dar conta de si, dos seus gostos e do que lhe desagrada; não obstante, ela
manifesta vida: está viva, e tão viva como sempre estará. O seu entendimento e
tudo mais se desenvolverão, mas ela está viva e mostrando que está.
Vivificados! Estávamos mortos, sem vida, não podíamos mover-nos
espiritualmente, não tínhamos apetite espiritual, não tínhamos apreensão
nem entendimento, espiritualmente. No entanto, se somos cristãos, isso não é
mais verdade; fomos vivificados juntamente com Cristo, o princípio de vida
entrou, fomos regenerados. Não há cristianismo sem isso. Meramente crer que
você está perdoado não é suficiente. Cristianismo é isto: crer e saber que, devido
estarmos unidos a Cri sto, algo da Sua vida está em nós como resultado desta
união vital e indissolúvel, desta conexão íntima, mística. A vida da Cabeça passa
pelos membros - “vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular” (1
Coríntios 12:27). Você tem consciente percepção dEle? Você sabe que Ele
está em você e você nEle? Você pode dizer: “Eu vivo, não mais eu, mas Cristo
vive em mim”? Você tem vida? Você foi vivificado? Este é o começo do
cristianismo. Não há cristianismo sem isso. Não é que eu e você não devemos
estar lutando. Claro que devemos lutar, estudar, jejuar, suar e orar. Temos que
fazer estas coisas; mas isso é algo que vem na seqüência. A primeira coisa é este
conhecimento da vida. Porventura você tem consciência de um princípio que
está agindo dentro de você, por assim dizer, a despeito de você mesmo,
influenciando você, moldando você, guiando você, convencendo-o (do pecado),
levando você avante? Você está ciente de que é possesso? - se posso dizê-
lo assim, sob o risco de ser mal entendido. O cristão é um homem possesso;

este princípio de vida entrou nele, esta nova disposição o possui. Ele tem
consciência de uma ação que se efetua dentro dele. “Vivificados juntamente com
Cristo”! Que coisa tremenda! É algo objetivo; porém, graças a Deus, também é
subjetivo. Não é uma coisa que está totalmente nEle e que me deixa onde eu
estava. Nada disso! Deus começou em mim uma boa obra, e eu a conheço. Ele
colocou esta nova vida em mim - em miml Nasci de novo e estou em união com
Cristo.

Queira Deus, por Seu Espírito, iluminar os olhos do nosso entendimento, para
que comecemos a compreender esta estupenda operação do poder de Deus em
nós.
RESSUSCITADOS COM CRISTO

“Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos
amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou, juntamente
com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos
vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade
para conosco em Cristo Jesus. ” - Efésios 2:4-7

Continuamos o nosso estudo desta declaração do que Deus fez para nós em
nosso desamparo e desesperança nos termos da sua descrição nos três primeiros
versículos deste capítulo. Certamente não existe exposição mais maravilhosa
nem mais extraordinária da verdade concernente ao cristão do que a que se acha
nestes versículos! Portanto, devemos admitir, todos nós, ao lermos os sete
primeiros versículos deste capítulo, que os nossos problemas, na maioria, são
resultantes do fato de que pesa sobre nós a culpa de um duplo fracasso: por um
lado, falhamos em não perceber a profundidade do pecado e, por outro lado,
falhamos em não perceber a grandeza, a altura e a glória da nossa salvação.
Muitíssimas vezes nos contentamos em pensar em nossa salvação meramente
em termos do perdão dos pecados. Não que queiramos depreciar isso, pois não
há nada mais maravilhoso nem mais glorioso. O meu ponto é que parar nisso
certamente é trágico. E na verdade eu acredito que, em grande parte, deve-se
toda a condição e estado da Igreja hoje ao fato de que falhamos nesses dois
pontos. É porque nunca nos demos conta da profundidade do abismo do qual
fomos tirados pela graça de Deus que não o agradecemos a Deus como
devíamos. E depois há a nossa falha em não percebermos as grandes altitudes às
quais Ele nos elevou. É disso que o apóstolo está tratando agora. Ele nos está
falando acerca do livramento, da salvação. Aqui, naturalmente, o apóstolo não
está muito interessado na maneira pela qual somos salvos. Nesta altura ele não
está interessado na evangelização; essa é algo que já aconteceu; ele
está escrevendo a pessoas que já são cristãs, e ele quer que elas percebam
e entendam qual é realmente a verdade concernente a elas como pesso as cristãs.
Ele quer que elas conheçam “a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós,
os que cremos”, pelo que ele faz uma exposição a respeito.

Já vimos que o que nos faz cristãos é a nossa união com Cristo. Esta doutrina da
nossa união com Cristo é absolutamente vital. A primeira coisa a que ela leva é a
regeneração, como já vimos.
Agora devemos dar o segundo passo, porque a Epístola não se limita a dizer-nos
que fomos vivificados juntamente com Cristo, mas diz também que Deus “nos
ressuscitou juntamente com ele”. Devemos ter sempre em mente, ao tratarmos
deste ensino, que o apóstolo está elaborando uma comparação aqui. O seu
argumento é que o que espiritualmente é verdade quanto a nós é similar ao que
aconteceu com o nosso Senhor fisicamente, quando Ele foi ressuscitado dentre
os mortos. Ele levou os nossos pecados em Seu corpo no madeiro, morreu, Seu
corpo sem vida foi descido, foi sepultado num túmulo, a pedra foi rolada sobre o
túmulo - não há dúvida sobre isso; é um fato. Ele foi morto, literalmente morreu
pelos nossos pecados. Entretanto na manhã do terceiro dia Ele ressurgiu, Ele foi
ressuscitado dentre os mortos. E o apóstolo desenvolve tudo isso em termos da
nossa experiência. Portanto, tenhamos em mente o que aconteceu com o nosso
Senhor. Lá esteve Ele, por aquele período, morto e numa sepultura, no reino
dos mortos. Mas Ele saiu do estado e lugar dos mortos. As vestes fúnebres foram
deixadas no túmulo, porém Ele não estava lá. Vocês recordam a maneira
pictórica pela qual os evangelistas nos descrevem isso, e a surpresa das mulheres
e de outros que foram ao sepulcro. Foram para ver o corpo na sepultura, mas não
havia corpo algum, somente as vestes fúnebres. Ele ressuscitou, foi tirado, não
estava mais morto, não estava mais na sepultura. Ele agora estava noutro reino,
estava vivo, tomado dentre os mortos. E Ele apareceu, vocês se lembram, a
pessoas escolhidas durante quarenta dias; em várias ocasiões e de várias
maneiras Ele Se manifestou às testemunhas escolhidas; e depois subiu ao céu.

São esses os fatos que devemos ter em mente. A nossa salvação, segundo o
apóstolo, é comparável a isso, nada menos que isso. Houve completa mudança
no reino em que o nosso Senhor estava: morto, no túmulo; vivo, manifestando-
Se, e de uma nova maneira. Ora, essa é a verdade, diz o apóstolo, acerca de
todos os que são verdadeiramente cristãos. Nada menos que isso. Fomos
ressuscitados juntamente com Cristo. Graças à nossa união com Ele, o que
aconteceu com Ele aconteceu conosco - não, como ele assinala aqui, no sentido
físico, todavia no sentido espiritual. Acontecerá também no sentido físico;
isso virá, mas o que ele quer que os crentes efésios entendam agora é
que, espiritualmente, precisamente o mesmo poder (como ele tinha argumentado
no final do capítulo primeiro) que ressuscitou o Senhor Jesus

Cristo está agindo agora em nós, os que cremos, e está realizando esta obra
maravilhosa em nós.

Então, o que é que isso nos diz acerca do cristão? Que é que isto nos diz como
verdade a respeito de nós? Podemos considerar a questão do modo como
consideramos a declaração acerca do nosso Senhor. Podemos considerar este
“ressuscitar juntamente” primeiro de maneira negativa. Logo que o nosso
Senhor ressuscitou dentre os mortos, certas coisas deixaram de ser verdadeiras a
respeito dEIe. E exatamente a mesma coisa se pode dizer do cristão. Há certos
fatores negativos que são de tremenda importância. E talvez a melhor maneira de
expor tudo isso seja em termos do capítulo seis da Epístola aos Romanos,
porque ali vocês têm realmente um amplo comentário sobre esta frase
que estamos considerando. Em todas estas Epístolas vocês têm a mesma doutrina
essencial. Algumas delas desenvolvem um ponto minuciosamente, outras o
fazem com outro ponto, mas a doutrina essencial é a mesma em cada uma delas.
E é por isso que o melhor comentário sobre qualquer Epístola do apóstolo Paulo
sempre será ler as suas outras Epístolas - e se vocês não o fizerem, mais cedo ou
mais tarde perderão o rumo. E outro ponto que defendo é este: se vocês
estudarem de fato qualquer destas Epístolas cuidadosamente, exaustivamente, e
tomarem tempo nisso, cobrirão toda gama da doutrina cristã; ao passo que,
se rasparem de leve a superfície delas, não terão uma verdadeira
concepção sobre o ensino do apóstolo. Vejamos agora como ele desenvolve
isso tudo no capítulo seis da Epístola aos Romanos.

Eis o que, evidentemente, sepode dizer acerca do cristão. Ocristão, por definição,
não está mais morto espiritualmente. Não está mais num túmulo espiritual.
Estava! - estávamos todos mortos em ofensas e pecados. Estávamos mortos,
estávamos num túmulo espiritual. Mas, como cristãos, saímos disso. Como
Cristo saiu do túmulo, nós também saímos do túmulo, e estamos fora dele.
Deixamos para trás as vestes fúnebres, e nada mais. Não estamos mais naquele
reino, não pertencemos mais àquela esfera, a nossa condição é inteiramente
nova. Ora, este é apenas outro modo de dizer que toda esta questão de
regeneração e salvação constitui a mudança mais profunda possível; e tornar-se
cristão é a experiência mais profunda, o fato mais profundo de todo o
universo. Não é nada menos que a diferença existente entre a morte e a vida,
entre estar num túmulo e andar em liberdade e sem amarras pelo mundo.

No entanto, o que é que isso significa concretamente naprática? Diz o apóstolo


que há certas coisas a que nós, como cristãos, devemos

apegar-nos tenazmente. Aqui estão algumas das negativas. O fato de que não
estamos mais mortos e de que não estamos mais no túmulo é uma prova
categórica de que não estamos mais sob a ira de Deus, e não mais estamos sob
condenação. O apóstolo o expressa de maneira muito interessante no último
versículo do capítulo quatro da Epístola aos Romanos. Referindo-se ao nosso
Senhor, ele diz: “O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para
nossa justificação”. Isso quer dizer que a morte do nosso Senhor foi por causa
das nossas ofensas. Ele morreu porque levou sobre Si as nossas ofensas; tomou
sobre Si os nossos pecados e as nossas transgressões, e como o castigo era a
morte, Ele morreu. Mas, como saber se Deus ficou satisfeito com essa oferenda?
A resposta é a ressurreição! “Por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para
nossa justificação”! O ressurgimento de Cristo dos domínios damortee do
sepulcro, o Seu reaparecimento, éprova absoluta de que Deus está satisfeito por
ter sido o pecado punido verdadeiramente. Evidentemente, pois, isso se aplica a
nós com igual força. E o apóstolo prossegue, paraconcluiro argumento logo no
versículo seguinte, o versículo primeiro do capítulo cinco. “Sendo pois” - vocês
vêem a lógica! “Sendo pois justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso
Senhor Jesus Cristo.” Fomos ressuscitados dentre os mortos com Ele e, portanto,
fomos justificados e, conseqüentemente, não estamos mais sob a ira de Deus. Ele
o expressacom mais força aindano versículo primeiro do capítulo oito: “Portanto
agora nenhuma condenação hápara os que estão em Cristo Jesus”. Nenhuma
condenação! A condenação leva à morte; mas não estamos mais mortos,
ressuscitamos; portanto, não há condenação. Vocês recordam o contraste. Que
éramos? Mortos. Não somente estávamos “mortos em ofensas e pecados”,
todavia também éramos “por natureza filhos da ira, como os outros
também”. Todos quantos nascemos neste mundo, nascemos sob a ira de Deus,
sob condenação. Mas não estamos mais nessa situação; ressuscitamos dentre os
mortos, demos fim à morte: “portanto agora nenhuma condenação há para os que
estão em Cristo Jesus”.

Todo cristão deve saber essa verdade, e todo cristão deve gozar essa segurança.
Porquê? Porque você está em Cristo, não por causa de alguma coisa existente em
você. Por causa da sua união com Cristo, porque você foi ressuscitado com Ele.
O primeiro fator básico da segurança é que cremos nisto; aceitamos isto pelafé,
reconhecemos a sua veracidade. Fui introduzido em Cristo, fui ligado a Cristo; e,
portanto, quando Ele ressuscitou e deixou aquela esfera, eu também a deixei.
“Por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação”! Você se

conta de que não está mais sob a ira de Deus? Você se dá conta de que, portanto,
não há nenhuma condenação para você? Você se dá conta de que o castigo foi
imposto e sofrido, e que você não mais tem por que temer o castigo vindouro?
Essa é a primeira dedução de Paulo.

Depois ele passa à outra. Diz ele que, porque não estamos mais mortos, e sim,
vivos, também estamos mortos para a lei, Não estamos “debaixo da lei, mas
debaixo da graça”, diz ele. E no capítulo sete da Epístola aos Romanos ele
elabora o ponto empregando uma comparação. Diz ele que uma mulher,
enquanto o seu marido não morrer, estará presa a ele e por ele, e não poderá
casar-se com outro homem sem se fazer adúltera. Contudo, quando o marido
morre, ela está livre para casar-se outra vez; não está mais presa àquele marido e
por ele. Diz o apóstolo que exatamente essa é a nossa relação com a lei, como
cristãos. Todos nós nascemos “debaixo da lei”. A lei de Deus nos enfrenta, nos
desafia e nos condenaporcausado nosso fracasso; e Deus nos trata pela lei.
Mas, se estamos em Cristo, não mais estamos debaixo da lei, porém debaixo da
graça. Não significa, é claro, que não temos mais que guardar a lei moral, mas
sim, que a nossa relação com Deus não é mais uma relação legal, judicial; é uma
relação pessoal, de pai e filho. Naturalmente o pai, se for um bom pai, verá que o
filho seja disciplinado e obedeça a certas leis, todavi a a relação mudou. O
homem em pecado está em desarmonia com Deus e é tratado por Ele de maneira
puramente legal. Contudo os que estão “em Cristo” foram retirados daquela
esfera. A lei executou a suapuniçãoplenae completa
enaextensãoplenaecompletano Senhor Jesus Cristo e, se estamos nEle, a lei não
tem mais exigências quanto a nós, nesse sentido. Não estou mais debaixo da lei,
estou debaixo da graça. Essa é a segunda dedução. E que coisa tremenda é
compreendermos que estamos numa relação totalmente nova com Deus. Isso
vem à tona, como veremos adiante, em certos aspectos práticos.

Há, porém, uma afirmação mais extraordinária. Diz o apóstolo que, porque
ressuscitamos com Cristo, agora estamos “mortos para o pecado", No versículo
dois do capítulo seis de Romanos o apóstolo responde a pergunta que ele tinha
feito no versículo primeiro - “Que diremos, pois? Permaneceremos no pecado
para que seja a graça mais abundante?” - dizendo: “De modo nenhum. Como
viveremos no pecado, nós os que para ele morremos?” (ARA). Uma vez que
ressuscitamos com Cristo, estamos mortos para o pecado. Diz ele ainda,
no versículo seis: “Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com
ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos
mais ao pecado”. Pois bem, esta é, evidentemente, uma

afirmação muito importante e vital. Que é que significa? Está claro que não
significa que somos perfeitos, que estamos sem pecado e que nunca mais vamos
pecar. Sabemos que isso não é verdade. “Se dissermos que não temos pecado,
enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós”, diz o apóstolo João, em
sua Primeira Epístola, capítulo primeiro. Então, que significa? Em que sentido é
certo dizer que o cristão está morto para o pecado? É certo neste sentido: antes
de nos tornarmos cristãos estamos “mortos em ofensas e pecados”; mas como
cristãos, isso já não é verdade quanto a nós. Antes pertencíamos ao reino
do pecado, aos domínios do pecado, e estávamos sob o poder do pecado. Éramos
controlados pelas cobiças da carne, que se manifestavam como desejos da carne
e da mente. A nossa vida era pecaminosa, éramos controlados pelo pecado,
dominados pelo pecado, governados de várias maneiras por estas cobiças e
paixões da mente e do corpo. Ora, isso não é mais verdade a nosso respeito.
Estamos mortos para aquele reino do pecado, não estamos mais lá, fomos
retirados. “O pecado não terá domínio sobre vós”, diz o apóstolo em Romanos,
capítulo 6. Não mais andamos em ofensas e pecados, como costumávamos fazer.
Outrora estávamos mortos em ofensas e pecados, como os outros
também; “Entre os quais todos nós também antes andávamos” daquela
maneira. Mas, já não é essa a verdade sobre o cristão. Ele não gasta mais o
seu tempo lá, não anda lá, não vive lá; não pertence mais àquela esfera, foi tirado
daquela esfera. Repito que isso não significa que ele é perfeito; porém não
pertence mais àquela esfera. É como alguém que se muda de um país para outro,
é como alguém que está seguindo os trâmites para a sua naturalização; há
completa mudança em sua posição, em sua relação com o Estado. E essa é a
verdade quanto ao cristão. Ele não serve mais ao pecado. Ou, para fazer uso da
ilustração do apóstolo outra vez, ele não é mais servo do pecado. Antes ele era
um consumado escravo. Gostemos ou não, o fato acerca de toda e qualquer
pessoa não regenerada é que é escrava do pecado, governada por um princípio
mau. Todavia, não é mais esse o caso, com referência ao cristão. Não mais
somos escravos do pecado, fomos retirados disso. É verdade que, em
nossa insensatez, aindapodemos dar ouvidos ao diabo, aindapodemos rendermos
à tentação, ainda podemos obedecer a um impulso pecaminoso, mas isso não
significa que somos escravos do pecado. Não somos mais controlados por ele.
Esse é o princípio, e é nesse sentido que estamos mortos para o pecado. “Aquele
que está morto está livre do pecado” (VA).

Morremos com Cristo, fomos ressuscitados com Ele e nãoperten-

cemos mais àquele singular reino do pecado, da lei e da morte. Se vocês


examinarem as suas experiências como cristãos, verão que isso é verdade. É algo
deveras extraordinário e maravilhoso. Há muitos membros do povo de Deus que
não percebem isso porque não conseguem traçar a distinção entre uma tentação e
um pecado. Visto que há maus pensamentos que se insinuaram em suas mentes,
pensam que ainda estão na esfera do pecado. Não estão. Aqueles pensamentos
vêm de fora. Naturalmente ainda há tendências pecaminosas deixadas no corpo,
e todavia se percebe que a atitude da pessoa é inteiramente diferente. Talvez eu
possa expressar isto com uma ilustração. Vocês ouviram a respeito
daconquistado Canadá em 1759 e dafamosabatalha de Quebeque, com o general
Wolfe contra o general francês Montcalm. Houve uma só batalha e uma grande
vitória, a batalha de Quebeque. E como resultado dessa batalha única, o Canadá
passou a ser uma possessão britânica. Mas, se vocês continuarem lendo a
história, verão que os britânicos tiveram que continuar lutando no Canadá
durante um bom número de anos. Restavam bolsões de resistências, porém o
Canadá não era mais francês, era britânico. Contudo, o fato de que tinha deixado
de ser francês e se tornara britânico não significa que não houvesse
mais nenhuma luta ou nenhum conflito. Havia; mas aquela única
batalha decisiva mudou toda a situação e o direito de posse. Ora, a situação
do cristão é um tanto parecida com essa. Ele não está mais sob o pecado; ele está
morto para o pecado, na questão de posição, domínio e controle. Ele foi retirado,
ele está nesta nova vida com o seu Senhor e Salvador.

Talvez possamos fazer uma colocação ainda melhor deste ponto da seguinte
maneira: diz o apóstolo, no versículo seis do capítulo seis de Romanos:
“Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado”, com Cristo.
Esta tradução é melhor do que a da VA, que diz: “Sabendo que o nosso velho
homem está crucificado com Cristo”. Sabemos disso, diz o apóstolo. Como
cristãos, essa é a verdade a nosso respeito. Que significa? Que é o velho homem?
A resposta se acha no capítulo cinco. O velho homem é o homem adâmico, o
homem que estava em Adão. Vocês recordam a comparação. Todos nós
estávamos em Adão, éramos descendentes lineares de Adão, e estávamos nele.
E mais, ele era o nosso chefe e representante federal; mas não somente isso,
estávamos presos a ele pelos laços de carne, sangue e descendência; há a mesma
união dupla, federal e vital - todos nós estávamos em Adão. E cada um de nós
que nasceu neste mundo nasceu filho de Adão. Temos natureza adâmica, nossa
posição diante de Deus é a de Adão. Adão caiu, e nós caímos com ele.
Conseqüentemente, estávamos sob a ira de Deus,

sujeitos às cobiças e sob o controle e o domínio do pecado e de satanás


exatamente como Adão estava. O homem velho é isso, o homem adâmico.
Entretanto, nós morremos com Cristo, e quando morremos com Cristo, o velho
homem morreu também. Como cristão, não estou mais em Adão, estou em
Cristo. Sou membro de uma nova humanidade. Cristo é “as primícias de muitos
irmãos” (cf. Romanos 8:29 e 1 Coríntios 15:20). Eu estou nEle. Que significa
isso? Significa - e que verdade gloriosa! - que Deus não me vê mais como
alguém que está em Adão. Ele me vê como alguém que estáem Cristo. Sou um
novo homem. Sou a mesma personalidade, é evidente, mas eu sei que sou um
homem novo, diferente. Minha situação, minha condição pessoal, minha
posição, tudo é absolutamente diferente. Não pertenço mais àquela
velha humanidade. Ainda estou na carne, porém, sou membro de uma
nova humanidade. E o que Paulo quer dizer quando afirma que o nosso
velho homem foi crucificado com Cristo. Como eu disse, não estou mais sob a
ira de Deus, não estou mais sob a lei de Deus; não estou mais sob o domínio do
pecado, não estou mais sob o domínio de satanás. Isso porque não sou mais um
homem adâmico. O cristão não deve contentar-se em dizer menos que isso. Essa
é a verdade simples, primária, acerca do cristão: ele está “em Cristo”, não “em
Adão”. O velho homem que eu era desapareceu, e desapareceu para sempre.
Agora notem que eu estou dizendo “o velho homem”. Não estou dizendo que o
pecado que está no corpo e na carne desapareceu; estou simplesmente dizendo
que, como o ente que estava em Adão, não estou mais lá; agora sou um ente em
Cristo. Esse é o lado negativo da verdade e do fato de que fomos “ressuscitados
juntamente com Cristo”.

Examinemos agora o positivo, É acoisamais espantosaque há. Que contraste!


Estamos compartindo a vida de Cristo e, portanto, vamos nos tornando
semelhantes a Cristo. Como cristãos, somos basicamente diferente do que
éramos. Uso os termos avisadamente. Somos fundamental e essencialmente
diferentes. Em quais aspectos? Observem a colocação que Paulo faz em
Romanos 6:11: “Assim também vós considerai-vos como mortos para o pecado,
mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor”. Aí está o aspecto positivo.
Tendo ressuscitado em Cristo, agora estou vivo para Deus. Antes não estava;
antes eu estava morto em ofensas e pecados, e vocês se lembram do que
vimos que a definição desse termo morto foi que eu estava morto para
Deus. Essa é a terrível tragédia de todos os homens naturais que não se tornaram
cristãos; estão mortos para Deus. Vi vem como se não exi s tisse

Deus; não estão cônscios de Deus, não têm uma relação viva com Deus. Vivem
neste mundo como se Deus não existisse. Eles estão absolutamente mortos para
Deus. Mas, tendo sido ressuscitados com Cristo, estamos “vivos para Deus”. E
esse é o fato máximo que você poderá saber sobre si mesmo, que você está vivo
para Deus, em harmonia com o Eterno, e foi despertado para uma realidade
infinita e absoluta.

Vocês viram aquela flor? Lá está ela, de noite, fechada; vem o sol e, de repente,
ela começa a abrir-se e a receber vida do glorioso sol. É o que acontece com o
cristão. Ele está “vivo para Deus”. Que significa? Significa que temos uma
atitude inteiramente nova paracom Deus. Não estamos mais em inimizade contra
Deus. O apóstolo continua no capítulo oito da Epístola aos Romanos, dizendo
que a mente natural, o homem natural, está em inimizade contra Deus. De fato
veremos, nesta Epístola aos Efésios que estamos estudando, que Paulo diz mais
adiante que nós éramos “estranhos e inimigos no entendimento pelas
nossas obras más” (cf. Colossenses 1:21). E quanta verdade há nisso!
Mas, quanto ao cristão, já não é verdade. O cristão não está mais em inim
izade contra Deus. Ele quer bem a Deus. Não tem mais a sensação de que Deus é
um monstro terrível que se põe contra nós, esperando para esmagarmos,
condenar-nos, destruir-nos. Não, ele passou a conhecer Deus, e a saber que Deus
é amor, misericórdia, bondade e compaixão. Ele não foge mais de Deus e não
tenta esconder-se entre as árvores, como fez Adão, evitando a Deus a todo custo.
É isso que o homem natural ainda faz; o homem natural faz o que pode para
evitar a Deus. É por isso que ele odeia a idéia da morte. A morte é, para ele, o
inimigo mais terrível. Por quê? Porque ela significa que ele terá que comparecer
à presença de Deus. Nem sempre ele põe esse temor em palavras, porém o sente
nos ossos. Ele sabe que essa é a verdade, e a odeia por essa mesma
razão. Significa postar-se diante de Deus. É por isso que ele não freqüenta
um local de culto, é por isso que ele não lê a Bíblia, é por isso que ele não gosta
de funerais - Deus! A morte leva-o para perto de Deus, e ele odeia isso; fica
aterrorizado e, por isso, evita a Deus.

O cristão, no entanto, não é assim. “Assim como o cervo brama pelas correntes
de águas, assim suspira minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de
Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus?”
(Salmo 42:1-2). Que mudança! Mudança da morte para a vida. Mudança
absoluta. Mudança essencial. Haverá mudança maior do que esta, que agora a
pessoa queira bem o Ser que antes temia com tremor e terror? Deus Se torna o
nosso Pai. E o maior desejo do cristão verdadeiro é chegar mais perto de Deus.
Você

pode dizer com sinceridade que o que mais deseja neste momento é conhecer
melhor a Deus e aperceber-se de Sua presença? Se pode, você é cristão. Se não,
será melhor reexaminar os seus fundamentos; pois, quando um homem está em
Cristo, ele tem nova natureza, e esta nova natureza clama por Deus. O nosso
Senhor costumava levantar-Se muito antes do alvorecer para orar a Seu Pai;
costumava passar a noite orando. Seu Pai! Ele queria a Sua presença, tinha
prazer na comunhão. E essa é a característica do cristão, ele está “vivo para
Deus”. Pensemos nas ilustrações óbvias. E como um instrumento elétrico:
desligado está morto; ligando-se, torna-se vivo. O microfone recebe a minha
voz. Por quê? - porque está vivo para mim. Mas, se o desligarem, estará morto. E
como era o homem, não estava vivo para Deus; todavia agora está vivo para
Deus, é sensível a Deus, deseja a Deus, ama a Deus, busca a Deus. “Ah,
soubesse eu onde encontrá-lo!”, é o seu clamor. Não pode ver a Deus como
gostaria, não O conhece bastante bem. Está “vivo para Deus”.

Contudo não somente está vivo para Deus, ele anda “em novidade de vida”. Que
frase maravilhosa! E o completo contraste, vocês vêem, com a morte. O apóstolo
diz isso de novo no capítulo quatro desta Epístola aos Efésios, desta maneira: ele
fala sobre o “novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeirajustiça e
santidade”. Qual é então a verdade a respeito do cristão? E que ele não está mais
andando em ofensas e pecados, está vivendo esta vida inteiramente nova, não
mais governado pela carne e seus desejos, mas governado por esta nova maneira
de ver. Como isto se manifesta? Permitam-me resumir o ponto. Manifesta-se em
sua mente, manifesta-se em seu coração, manifesta-se em sua vontade. Esse é o
modo de dizer se você é cristão ou não. O cristão é alguém que, havendo
ressuscitado com Cristo, anda em novidade de vida. E o homem vive com sua
mente, seu coração e sua vontade.

O cristão tem mente nova. Que é isso? Paulo diz, no capítulo doze da Epístola
aos Romanos: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela
renovação do vosso entendimento” ou “da vossa mente” (VA e ARA). E o
cristão tem mente nova, que se manifesta das seguintes maneiras: ele vê tudo de
maneira diferente. Não pensa mais em termos do tempo, começa a pensar em
termos da eternidade, A vida do incrédulo está inteiramente presa ao tempo, ele
nunca vai além, nem quer ir, pois tem medo, Pensar naquele “desconhecido país
de cujas fronteiras nenhum viajor retorna” o inquieta. Não, ele não está
interessado na eternidade. Mas o cristão está. O cristão vê que esta vida
é temporária, limitada pelo tempo. Eternidade! - sua mente começa a

atuar em função dessa realidade. E agora ele não pensa somente em termos do
corpo e de uma alma racional, também começa a pensar em termos do espírito.
Como pensa o não cristão? Bem, o “mundo do seu pensamento” é limitado por
este mundo e seu conhecimento, sua cultura, sua arte, seus negócios, seus
prazeres e outras coisas semelhantes. Coloquem nisso tudo o que quiserem - não
quero deixar nada fora - coloquem tudo o de que vocês dispõem nisso, mas ainda
lhes digo que é uma vida e uma perspectiva inteiramente limitadas pelo corpo e
pela alma racional, e nada que vá além disso. Entretanto o cristão não para
aí. Ele se dá conta de que há nele o que se chama espírito, há nele aquilo que o
torna consciente do fato de que ele pertence a outro domínio e a outra esfera, e
ele se põe a viver mais e mais nessa esfera, e cada vez menos na outra. Não é
somente o tempo, não é somente o material; é a eternidade, é o espiritual, é o
perene. Ele é elevado a uma “esfera de pensamento” inteiramente nova. E agora
julga todas as coisas à luz dessa nova esfera. Tem um novo padrão de valores,
avalia as coisas de maneira totalmen te diferente. O que ele quer saber agora,
sobre qualquer coisa, não é que tipo de proveito ele pode tirar disso, que tipo de
prazer lhe trará; mas, antes, que valor tem para a sua alma. E como isso afeta a
sua relação com a eternidade. Como toca em sua relação com Deus e com Jesus
Cristo. Ele vê tudo de maneira diferente e tem um padrão de valores totalmente
novo, porque tem esta mente renovada em Cristo. Ele anda em novidade de vida.

Outra coisa óbvia é que ele se interessa pela Bíblia como nunca antes. Antes ele
punha todos os outros livros adi ante daBíblia; agora ele põe a Bíblia adiante de
todos os outros livros. Ele compreende que a Bíblia é o único livro que o leva a
Deus e a uma crescente participação na vida de Deus. Sua mente começa a atuar
com base no Livro; este lhe fala, ele sente prazer nele, gloria-se nele, emociona-
se com ele.

Ele vê também que passa cada vez mais tempo em meditação. Que arte perdida,
a arte da meditação! Todavia o cristão medita. Ele pára para pensar, põe de lado
os jornais, desliga o rádio e o televisor, não fica o tempo todo correndo atrás de
algum entretenimento; ele se assenta repousadamente e pensa em si, em Deus, na
glória e na eternidade. Tem mente nova. Vocês vêem que completo oposto ele é
do homem natural? Uma coisa que o homem natural nunca faz é meditar. Ele faz
tudo o que pode para evitá-lo, e o mundo se afana em satisfazê-lo; o mundo
sabe do que ele gosta e o ajuda a fugir de si mesmo e de todas estas
coisas maravilhosas.

Considerem depois as manifestações do novo coração. Este

homem tem desejos inteiramente novos. Eis o que o nosso Senhor diz sobre ele:
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos”.
O seu maior desejo agora não é de ter mais prazer e satisfação momentânea; é de
justiça, de verdadeira santidade. Ele diz com Davi: “Cria em mim, ó Deus, um
coração puro, e renova em mim um espírito reto”. Esse é o seu maior desejo. O
maior desejo do cristão verdadeiro é estar limpo por dentro, ser puro, ser santo,
ser justo, ter um coração que esteja livre do pecado. E ele se entristece por causa
do pecado. Agora ele não considera a dor que se segue ao pecado como
um aborrecimento e um problema. Não o considera como o
inevitável concomitante do prazer e das práticas ilícitas. Não, agora ele
compreende que opecadonão émeramenteuma ofensa à lei, porém uma ofensa a
Deus que tanto o amou e enviou o Seu Filho unigênito para morrer por ele.
Como você considera os seus pecados e os seus fracassos? Qual é a primeira
coisa que vem à sua mente quando você peca? É o medo do castigo? Se é, você
ainda está debaixo da lei em seu pensamento. Se, antes, é o sentimento de que
você entristeceu Aquele que o ama, então o seu pensamento é cristão. Os desejos
são absolutamente novos; não são mais os desejos da carne e daquela mente
pecaminosa; são desejos, os desejos do próprio Cristo, de ser agradável aos olhos
de Seu Pai.

O novo homem também tem o desejo de orar. Não quero deixar ninguém
deprimido, mas se você tem a nova vida, desejará orar como nunca antes. Será
seu anelo ter tal intimidade com Deus que desejará falar com Ele mais do que
com qualquer outro. Você sabe dos começos dessa experiência? Isto é
essencialmente verdade quanto ao cristão. Oração! Depois, igualmente, ele
deseja comunhão com os santos. “Nós sabemos que passamos da morte para a
vida”, diz João, “porque amamos os irmãos” (1 João 3:14). Os irmãos, seus
conservos em Cristo, a família de Deus, as pessoas que estão interessadas nestas
coisas, estas são as pessoas que amamos e que tanto queremos. E, naturalmente,
outra coisa é um real interesse pelas almas dos que estão fora destas coisas. Você
não pode ser cristão sem ter esse interesse. Eles estão mortos em ofensas e
pecados; são criaturas presas às cobiças - eles não sabem disso, mas nós
sabemos; e eles estão sob a ira de Deus. O nosso Senhor tinha grande compaixão
das pessoas; Ele as via “como ovelhas sem pastor”; e, necessariamente, o cristão
tem que conhecer algo desse sentimento. Aí está o coração transformado.

A seguir, uma palavra sobre a vontade. O cristão exerce a sua vontade numa
nova direção. Ele quer agradar a Cristo e agradar a Deus. O que ele pergunta
agora não é: do que eu gosto? O que eu quero? -
porém, o que é próprio de alguém que pertence a Cristo? Qual é a vontade de
Deus quanto a mim? São estas as coisas que ele deseja agora. A vontade,
negativa e positivamente, é inteiramente renovada.

Fomos “ressuscitados juntamente com ele”. Por isso, somos diferentes na mente,
no coração e na vontade.

Podemos resumir tudo isso fazendo algumas perguntas simples. Você foi
ressuscitado? Você foi ressuscitado juntamente com Cristo? Você está vivo para
Deus? Você tem consciência de Deus? Você conhece aDeus? Você O deseja?
Estas questões são vitais. “Considerai-vos como mortos para o pecado, mas
vivos para Deus em Cristo Jesus.” E se estão, esta é a exortação do apóstolo:
“Apresentai-vos a Deus, como vivos dentre os mortos, e os vossos membros (as
vossas faculdades) a Deus, como instrumentos de justiça”. O cristão é alguém
que ressuscitou com Cristo do domínio do pecado e da morte para uma nova
vida na qual ele está “vivo para Deus”.

NOS LUGARES CELESTIAIS

“Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos
amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou, juntamente
com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos
vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade
para conosco em Cristo Jesus. ” - Efésios 2:4-7

Expondo o que esta grande declaração fala acerca de nós mesmos como cristãos,
vimos que fomos vivificados para uma nova vida e ressuscitados com o Senhor
Jesus para a nova vida.

Mas a história não termina aí. Vai além. Deus não somente nos vivificou e
ressuscitou com Cristo, Ele “nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo
Jesus". Pois o nosso Senhor, depois de ressuscitar dentre os mortos, não
permaneceu indefinidamente na terra. Ascendeu ao céu, e está assentado à mão
direita de Deus na glória. Portanto, o apóstolo prossegue e afirma que isso
aconteceu também ao crente. E, naturalmente, tem que acontecer com o crente.
Digo que tem que acontecer ao crente por esta razão, que a doutrina da nossa
união com Cristo insiste nisso. Como fomos vivificados com Ele, segue-se
necessariamente que todas as outras coisas que aconteceram com Ele
deverão acontecer espiritualmente conosco. Portanto, por necessidade,
fomos levados a assentar-nos com Ele nos lugares celestiais.

Outra coisa que devemos ter em mente é que todas estas afirmações feitas pelo
apóstolo estão no pretérito. Ele não está dizendo que estas coisas nos vão
acontecer; elas aconteceram. Vocês notam que ele fala com clareza - “pela graça
sois (ou estais) salvos”, “fostes salvos”. Do mesmo modo “fostes vivificados”,
“fostes ressuscitados”, “estais” assentados. É algo que já se realizou. Não é uma
profecia, não é uma predição, não é a apresentação de uma esperança de algo
que vai acontecer. O verdadeiro ponto em que o apóstolo está interessado é
que estes efésios percebam que isto é verdade quanto a eles. Ele diz: quero que
os olhos do seu entendimento sejam iluminados para que vocês possam saber
que esta mudançajá ocorreu, já é algo que constitui um fato concreto. Tem que
ser assim, reitero, por causa da nossa união com o nosso Senhor.

O ponto subseqüente que é comum às três afirmações é o seguinte: vimos que a


vivificação e a ressurreição juntamente com Cristo tiveram que ser consideradas
objetiva e subjetivamente. Tiveram que ser consideradas como acontecendo em
Cristo como o nosso Cabeça e Representante; e tiveram que ser consideradas
também em termos da nossa união mística com Ele. À luz disso, encaremos esta
poderosa declaração. Em parte alguma há declaração mais maravilhosa acerca
do cristão do que a que temos na frase que estamos examinando neste momento.
E a verdade suprema, aglóriamais sublime, a realidade mais inapreciável que
verdadeiramente se aplica a nós como povo de Deus. Estamos assentados “nos
lugares celestiais, em Cristo Jesus” (ou “com Cristo Jesus”), agora; estamos
neste momento nessa posição,

Que é que isso significa? Talvez o melhor plano seja começar considerando a
expressão traduzida por “lugares celestiais”. Vê-se a mesma expressão no
capítulo primeiro, versículo três; “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares
celestiais em Cristo”. Uma tradução melhor é “nos mais altos céus”. “Lugares” é
realmente uma palavra acrescentada pelos tradutores, na verdade um acréscimo
infeliz porque não comunica plenamente a idéia que estava na mente do
apóstolo. Localiza-a demais, Os mais altos céus! Que se quer dizer com
a expressão “os mais altos céus”? E a mesma coisa que o apóstolo tem em mente
quando, num notável trecho de autobiografia que temos na Segunda Epístola aos
Coríntios, no capítulo doze, ele nos diz, no versículo dois, que conhecera um
homem, fazia catorze anos, que fora “arrebatado ao terceiro céu”. Era como se
pensava naqueles tempos. O primeiro céu era a atmosfera, as nuvens, etc., que
vemos; o segundo céu eram os domínios das estrelas, da lua e do sol; e o terceiro
céu era o lugar onde Deus manifesta especialmente a Sua presença e a Sua
glória, o lugar em que o Senhor Jesus Cristo, no Seu corpo glorificado,
habita agora. Esse é o terceiro céu. Sempre que temos a expressão
“lugares celestiais”, ou “os mais altos céus”, ela geralmente tem esse sentido e
conotação. Assim, essa é a esfera na qual fomos introduzidos como resultado da
nossa regeneração. Como resultado da nossa regeneração, pertencemos ao
terceiro céu, aos mais altos céus, a esse lugar onde a glória e a presença de Deus
se manifestam desta maneira maravilhosa e esplêndida. Que é que isso significa
concretamente na prática para nós? Para responder esta pergunta precisamos
expor a nossa passagem.

Ao fazê-lo , devemos ter em mente que nestes versículos, quatro, cinco, seis e
sete, temos o contraste com o que tivemos nos versículos
- Ill -

um, dois e três. Estávamos lá - mas Deus! Ele nos elevou a uma posição
inteiramente nova e diferente. Esse é o contraste, o qual se manifesta, como
vimos, com simplicidade e naturalidade. Estando mortos, foi nos dada vida. O
oposto de estar espiritualmente morto é ser regenerado. O oposto de uma vida de
pecado e de estar sob condenação é ser justificado pela fé, não estar mais sob
condenação, viver esta nova vida para Deus. É exatamente como este terceiro
passo, descrito como “assentados nos lugares celestiais em Cristo Jesus”.

Mais uma vez, para descobrirmos o significado das palavras do apóstolo,


devemos começar com as nossas negativas, porque não são somente importantes
e interessantes, mas também são realmente essenciais. Lemos que o cristão está
“assentado com Cristo nos mais altos céus”. A primeira coisa que estas palavras
significam é que o cristão não pertence mais a este mundo. Que afirmação!
Antes ele pertencia inteiramente a este mundo. “E vos vivificou, estando vós
mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo andastes.” Como?
“Segundo o curso deste mundo.” Ele estava preso ao mundo em todos os
aspectos - em sua mente e perspectiva e entendimento, em seus prazeres, em
suas esperanças, em seus desejos. O não cristão está inteiramente
confinado neste mundo. Isso não se aplica apenas aos culpados de
grosseiras manifestações do pecado, não se aplica apenas aos que vivem para
o prazer e nada mais, às criaturas presas às cobiças físicas, carnais; aplica-se
igualmente aos que são governados pelas cobiças da mente, e aos maiores
filósofos. Eles não podem ir além dos limites deste mundo, nada sabem do além,
estão inteiramente circunscritos a este mundo. Por isso o apóstolo afirma que o
homem natural, o não regenerado, é homem do mundo, pertence total, completa
e absolutamente a este mundo. E nosso dever de cristãos restabelecer o uso desta
expressão, que, lamentavelmente, parece ter caído fora de uso e da qual não se
ouve tanto como se ouvia no passado. Costumava-se descrever os seres humanos
como “cristãos” e “homens do mundo”. Ora essa é a descrição exata
do incrédulo - ele é homem “do” mundo, está inteiramente confinado nele. Mas
o cristão não é mais assim. Não anda mais segundo o curso deste mundo, não
pertence mais a esta esfera. O cristão não pode ser homem do mundo, porque
você não pode estar ao mesmo tempo no mundo e fora dele. Uma coisa ou outra.
E a verdade acerca do cristão é que ele foi tirado “do mundo”.

O apóstolo tira muito desta idéia. Escrevendo aos gálatas, capítulo primeiro,
versículo 4, ele diz, referindo-se à nossa salvação, que Cristo

“se deu a si mesmo por nossos pecados, para nos livrar do presente século mau”.
Seu argumento é que Ele faz isso agora. Não é uma referência à morte e àpartida
deste mundo. O cristão é liberto do presente século mau agora. Ele ainda está
nele, porém não é mais dele; não está mais preso por ele, sua perspectiva não é
mais determinada por ele. O apóstolo João é igualmente categórico sobre isto e
igualmente se regozija com isto, como todos nós deveríamos regozijar-nos -
“Esta é a vitória que vence o mundo...” (1 João 5:4). Uma diferença entre o
não cristão (o incrédulo) e o cristão é que o não cristão é dominado pelo mundo,
é absolutamente controlado por ele. Não há necessidade de demonstrar isso; o
modo como o povo vive é prova absoluta disso. Tudo vem retratado nos jornais.
Os não cristãos são totalmente controlados por “o que você tem que fazer”, e por
“o que todo o mundo faz”. Controlado pelo mundo! Por outro lado, o cristão tem
vitória sobre o mundo. Que contraste! Ele foi tirado desta esfera.

Vê-se esta ênfase em toda parte nas Escrituras. Vocês notaram o que nos é dito
acerca daqueles filhos da fé, aqueles homens de fé em Hebreus, capítulo 11 ?
Isso é sempre verdade a respeito deles. Eis o que lemos: eles “confessaram que
eram estrangeiros e peregrinos na terra”. Essa era a situação deles, apesar de
ainda estarem neste mundo. Vocês recordam que nos é dito que os patriarcas
Abraão, Isaque e Jacó habitavam em tendas, em tabernáculos. Por quê? - bem, a
sua idéia era imprimir neles e em todos os demais que eles eram apenas
residentes temporários (essa é a expressão empregada), estrangeiros e
peregrinos, viajores, tão-somente de passagem por este mundo. Este não era o
seu lugar de habitação permanente, eles estavam em marcha, em movimento.
“Aqui”, diziam eles, “não temos cidade permanente, mas estamos em busca da
que é do porvir”; “estrangeiros e peregrinos na terra”. E vocês recordarão como
o apóstolo Pedro, conclamando as pessoas às quais estava escrevendo a terem
uma vida digna da sua alta vocação em Cristo, faz esta colocação: “Amados”,
diz ele, “peço-vos como peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das
concupiscências carnais que combatem contra a alma; tendo o vosso viver
honesto entre os gentios; para que, naquilo em que falam mal de vós, como
de malfeitores, glorifiquem aDeus no dia da visitação, pelas boas obras que em
vós observem” (1 Pedro 2:11-12). Notem os termos do apelo: “Amados, peço-
vos, como a peregrinos e forasteiros”; isto é, vocês não pertencem a este mundo!
Compreendam isso! Na verdade, esta idéia é um dos termos mais importantes de
todas as Escrituras. Assim que o homem se toma cristão, uma das primeiras
coisas de que toma consciência

é que ele foi separado do mundo. Antes lhe pertencia, era da sua própria
essência; agora ele está ciente da separação, foi tirado dele, não lhe pertence
mais. Tornou-se estranho a ele em sua mente, em sua perspectiva, em seus
gostos, em tudo. Naturalmente o mundo ainda pode tentá-lo, mas ele está
cônscio de que está fora dele. Estava nele, agora está fora dele. E se ele for
bastante tolo para olhar de novo para o mundo e para deixar-se seduzir por ele,
bem, estará simplesmente contradizendo o que lhe aconteceu. Uma vez que
estamos nos mais altos céus com Cristo, não pertencemos mais a este mundo.
“Não ameis o mundo”, diz João, “nem o que no mundo há” (1 João 2:15). Essa é
a primeira negativa.

Eis a segunda: visto que estamos nos mais altos céus com Cristo, não estamos
mais sob o domínio de satanás, e não estamos mais no reino de satanás.
Estávamos lá outrora - “em que noutro tempo andastes segundo o curso deste
mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos
filhos da desobediência, entre os quais todos nós também antes andávamos”. E
nisso que estávamos, vítimas e vassalos de satanás; não somente dominados pela
mente do mundo, mas dominados por aquele que controla a mente do
mundo. Estávamos no reino de satanás, sob o poder de satanás, sob o domínio de
satanás. Essa é a situação do incrédulo. O mundo ri disso e o ridiculariza. Causa
espanto ao mundo que haja quem acredite na existência do diabo, e com isso o
mundo prova que está sob o domínio do diabo. É tão completamente insensato e
cego que nem sequer tem consciência disso. “Se ainda o nosso evangelho está
encoberto”, diz Paulo, “para os que se perdem está encoberto...” (2 Coríntios
4:3). Tais pessoas pensam que não são cristãs porque são cultas e
inteligentes demais. A verdade sobre elas, naturalmente, é que elas foram
golpeadas pelo diabo e tão cegadas por ele que não conseguem ver.
Estão inteiramente sob o seu domínio. Mas quando alguém se torna cristão e é
transferido para os mais altos céus, isso já não é verdade a seu respeito. Esse é
precisamente o argumento de Paulo ao dirigir-se a Agripa, a Festo e aos que com
ele estavam, quando ele compareceu diante deles como prisioneiro (Atos 26:18).
Disse ele que quando Cristo lhe aparecera no caminho de Damasco e lhe dera
Sua grande comissão, Ele dissera: vou enviá-lo ao povo e aos gentios, “para lhes
abrires os olhos, e das trevas os converteres à luz, e do poder de satanás a
Deus...”. Esse é o dever da pregação, diz o Senhor ressurreto a Paulo, essa é a
Minha comissão a você; estas pessoas estão sob o poder de satanás, estou
enviando você para pregar-lhes o evangelho, a fim de que elas sejam tiradas de
sob o

poder de satanás e trazidas para Deus. - Que transferência! - para fora do seu
domínio! João diz a mesma coisa em sua Primeira Epístola: “Sabemos que
somos de Deus, e que todo mundo está no maligno” (5:19). O mundo inteiro está
nos laços do maligno, porém nós não estamos; somos de Deus, estamos
inteiramente afastados dali. O mesmo apóstolo afirma que o maligno “não nos
toca”. Antes não só nos tocava, dominava-nos; mas agora estamos tão afastados
do seu reino, domínio e poder que ele não pode tocar-nos. Ele pode rugir, pode
seduzir-nos, mas não pode tocar-nos. Ou ainda vejam como o apóstolo se
expressa sobre o assunto escrevendo aos colossenses. Diz ele que o cristão
é alguém que, entre outras coisas, foi transferido do reino das trevas para o reino
do amado Filho de Deus. Estou convencido de que, se nós, que somos cristãos,
percebêssemos que não estamos mais sob o domínio de satanás, que ele não tem
nenhuma autoridade sobre nós, que não precisaremos ter medo dele se
compreendermos quem e o que somos, isso revolucionaria as nossas vidas. Esta
é a verdade concernente a nós. Estamos nos mais altos céus, não nos domínios
de satanás. E nesta esfera celestial, estamos fora do domínio e do reino de
satanás e do mal.

A terceira negativa é a seguinte: posto que estamos nos mais altos céus, não
estamos mais sob a ira de Deus sobrevinda ao mundo inteiro. Vocês se lembram
da coisa final que o apóstolo disse acerca do incrédulo: “Éramos por natureza
filhos da ira” - como que dizendo, pertencemos à esfera da ira - “como os outros
também”. Todavia agora Deus agiu sobre nós e nos ressuscitou juntamente com
Cristo, e não pertencemos mais àquela esfera, pertencemos à esfera dos mais
altos céus. Esta é a coisa mais tremenda e estonteante que há. Este mundo
em que nos achamos é um mundo condenado, é um mundo sob julgamento. Não
há nada que seja exposto mais claramente nas Escrituras, do começo ao fim, do
que isso. Vai haver um julgamento deste mundo, e este mundo com todo o mal
nele existente, em sua própria constituição, além das pessoas a ele pertencentes,
vai ser julgado, e a ira de Deus se derramará sobre ele. Haverá um terrível
julgamento e uma destruição medonha. Fracas prefigurações disso foram o
Dilúvio, a destruição de Sodoma e Gomorra, os diversos cativeiros dos filhos de
Israel, a destruição de Jerusalém em 70 A.D. Tudo isso dá uma pálida idéia da
ruína e da desgraça que esmagarão o mundo e todos os que se opõem a Deus,
sob a ira de Deus. O cristão é tirado disso tudo; ele já passou da morte, e
do juízo, para a vida. Nada disso o tocará, nada disso o afetará, nem lhe
fará dano algum, ele não precisa temer em nenhum sentido; ele já está fora dessa
esfera porque está nos mais altos céus com Cristo. Aí estão, pois, as

negativas. Examinemos agora os aspectos positivos, os quais são gloriosos.

A primeira coisa que é uma verdade quanto a nós, no aspecto positivo é que
pertencemos ao reino de Deus. Agora pertencemos a uma esfera celestial. Isto é
real, é um fato. Não é que eu vou pertencer a ela, já estou lá. Vejam como
algumas passagens das Escrituras nos descrevem isso. Vocês se lembram de
como Paulo o expressa, escrevendo aos filipenses? Ele está falando a respeito de
pessoas que não obedecem a verdade, pessoas cujo deus é o seu ventre, que se
deleitam em sua vergonha, e coisas que tais, “cujo fim”, diz ele, “é a
perdição”. “Mas”, diz ele, “a nossa cidade está nos céus”, ou seja, a
nossa cidadania está nos céus. Não está aqui, não somos mais cidadãos da esfera
do mundo, a nossa cidadania está nos céus; ou, como alguém o traduziu, somos
“uma colônia do céu”. Aquela é a nossa pátria, este mundo é apenas uma
colônia. Não pertencemos àquilo que está condenado à destruição. Os reinos
deste mundo e tudo o que lhes pertence desaparecerão, mas nós, que
pertencemos a Deus, permaneceremos para sempre. É, pois, certo dizer a nosso
respeito que o céu é realmente agora o nosso lar. Sei que neste século é costume
caçoar de hinos que dizem: “Aqui não passo de estrangeiro; o céu é o meu lar”.
Entretanto, essa é a verdade quanto a nós, cristãos; a nossa cidadania está no céu.
E não conheço melhor maneira de submeter-nos à prova, a nós e à
nossa profissão de fé, do que questionarmos a nós mesmos sobre este
ponto. Você está ciente, você tem no seu íntimo consciência de que é estrangeiro
neste mundo? Você se sente alienado dele? Tem consciência de uma diferença
existente em você mesmo? Sente que pertence a outra esfera, que você está
simplesmente passando por este mundo? A nossa cidadania, de que nos
orgulhamos, de que nos ufanamos, é essa cidadania. A nossa cidadania, o nosso
viver real, está no céu. Tornem a ver as palavras de Colossenses: o Pai “nos tirou
da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor”
(1:13).

No entanto, eu suponho que não existe declaração mais gloriosa desta verdade
do que aque se acha naEpístola aos Colossenses, de novo, no capítulo três.
Ouçam esta assombrosa afirmação acerca do cristão -“Porque já estais mortos, e
a vossa vida está escondida com Cristo em Deus”. Essa é a verdade a respeito de
você, Se você é cristão, isto só pode ser verdade a seu respeito, você não tem
como evadir-se disto, porque você está em Cristo.Você está morto. O homem
adâmico, o homem que você era, está literalmente morto, e sua vida está
escondida com Cristo em Deus. Você pertence a uma esfera
completamente diferente e a um reino completamente diferente. Cristãos, vocês
sabem

disso? Estão cientes disso? Essa é a questão vital, esta percepção de que são
doutro lugar, estrangeiros e peregrinos na terra - estamos longe de casa, estamos
longe de casa apenas por algum tempo, para cumprirmos o propósito de Deus;
mas o nosso lar, a nossa pátria, a nossa cidadania, é lá no céu. Essa é a
comunidade a que pertencemos.

A segunda verdade segue-se necessariamente. Estamos sob o domínio do


Espírito Santo', não estamos mais sob o domínio daquele espírito maligno, mas,
sim, sob o domínio do Espírito Santo: “...operai a vossa salvação com temor e
tremor”, diz Paulo, “porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o
efetuar... Ele o faz mediante o Seu Santo Espírito. Que é um cristão? A resposta
de Paulo, escrevendo aos romanos, é: “Porque todos os que são guiados pelo
Espírito de Deus esses são filhos de Deus”. Guiados pelo Espírito; não mais
guiados pela mente do mundo, não mais guiados pelo espírito maligno que age
nos filhos da desobediência; não mais guiados, e com a vida toda
governada, pelo que vocês vêem as outras pessoas fazerem, pela publicidade
epelas coisas fulgurantes do mundo. Não, isso é mau. Guiados pelo Espírito
de Deus - porque filhos de Deus,

Não vejo como uma pessoa tem direito de dizer-se cristã se não tem ciência das
influências celestiais em sua vida. “No amor celestial permanecendo, não temerá
mudança o meu coração”. Vocês têm conhecimento disso? Vocês têm
experiência do amor celestial a guiá--los,aconquistá-loseafal ar com vocês?
MentalidadecelestiallÉtriste, porém tenho ouvido crentes evangélicos brincarem
sobre isso e dizerem a respeito de outros: “Eles se tornaram tão celestiais em sua
mentalidade que não têm utilidade nenhuma na terra”. E se julga inteligente essa
afirmação! Que tragédia! Não há como tornar-nos exageradamente celestiais em
nossa mentalidade. O problema com todos nós é que não somos suficientemente
celestiais em nossa mente, não sabemos disso o bastante, não ficamos lá o
suficiente. Não nos damos conta do que é certo a nosso respeito, os olhos do
nosso entendimento não foram iluminados. O cristão é, necessariamente, um
homem de mentalidade celestial, a vida de Deus penetrou nele, e suamente
mudou, como vimos. Ele costumava ser governado pelos desejos, pelas cobiças
da mente e da carne. Já não é mais governado por essas coisas - elas o tentam,
o experimentam; mas não é dominado por elas porque há esta outra influência.
Ele está consciente dela, ele a conhece. O Espírito de Deus trata com ele,
trabalha nele, move-o, e o atrai e o arrasta daqueles poderes para este.

Contudo isso leva a uma terceira questão, ainda mais maravilhosa.

A característica principal dos mais altos céus é que este constitui a esfera na qual
Deus, de maneira peculiar e especial, Se manifesta e manifesta a Sua presença e
a Sua glória. E isso que faz do céu, céu. Se vocês quiserem prova disso, leiam o
livro de Apocalipse, particularmente os capítulos quatro e cinco. João, vocês se
lembram, viu uma porta aberta no céu e teve uma visão. A primeira coisa que ele
viu foi a glória de Deus. Essa é a característica dos mais altos céus. Portanto, eis
o que significa a declaração que estamos examinando: estamos nos mais altos
céus, e isso significa que estamos numa esfera em que nos achamos perto
de Deus. Antes, estávamos mortos em ofensas e pecados, no túmulo
deste mundo, longe de Deus, estranhos a Ele, alienados e inimigos em
nossas mentes, não O conhecendo; agora, nos mais altos céus, estamos perto
de Deus. Daí o apóstolo Tiago pode escrever: “Chegai-vos a Deus, e ele se
chegará a vós” (4:8). Ah, dirá alguém, ser-me-á possível chegar-me a Deus?
Poderei chegar perto de Deus? Naturalmente! E, por esta razão, diz o autor da
Epístola aos Hebreus: “Visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho
de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a nossa confissão”. Mas
não somente isso, “Cheguemos pois com confiança ao trono da graça, para que
possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em
tempo oportuno” (4:14-16). Sim, é possível.
Permitam-me expressá-lo com mais clareza, como com mais clareza essa mesma
Epístola aos Hebreus o expressa no capítulo 10, versículos dezenove e vinte. Aí
está uma prova de que estamos nos mais altos céus e perto de Deus: “Tendo pois,
irmãos”, diz o texto, “ousadia para entrar no santuário” - no lugar santíssimo, no
“santo dos santos”, podemos entrar ali - “pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo
caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo um
grande sumo sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com
verdadeiro coração, com inteira certeza de fé...”. Poderão vocês encontrar
uma declaração mais explícita que essa? O cristão está habilitado a entrar
no lugar santíssimo, ou seja, a chegar à propria presença de Deus, onde se vê a
glória da Shekinah - a glória da presença de Deus. Ou escutem esta outra
majestosa declaração a seu respeito, no capítulo doze da Epístola aos Hebreus.
Onde estamos, quando nos reunimos como cristãos na igreja? Onde estamos? Ao
pé do Monte Sinai? Chegamos a um lugar de exigências morais, leis e
condenação? Chegamos a um lugar onde apenas expressamos comiseração uns
aos outros, lamentamos pelos nossos pecados e falhas, baixamos a cabeça e
achamos que não há esperança para nós? Se você vem com essa disposição, você
não é

cristão. Não! Nós chegamos “ao monte de Sião, e àcidade do Deus vivo, à
Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos; à universal assembléia e
igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o juiz de todos, e
aos espíritos dos justos aperfeiçoados; e a Jesus, o Mediador de uma Nova
Aliança, e ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Abel”. É aonde
viemos; não estamos indo para lá, estamos lá agora. Como cristão, você já
chegou lá. Aí é onde estamos -na Jerusalém celestial. Estamos nos mais altos
céus, com inumeráveis anjos; não os vemos, mas eles estão aí, nós estamos
naquela esfera, estamos sentados lá com Cristo. E aonde você chegou; aperceba-
se disso, e viva de acordo. Chegando-nos a Deus, entramos no
“lugar santíssimo”, e temos comunhão com Deus. E você? Você conhece
a Deus? Torno a perguntar: você está gozando comunhão com Ele? Você é capaz
de achá-10? Pode aproximar-se dEle e saber que Ele está ali? Deveria, se é que
você está nos mais altos céus. Aperceba-se da sua posição, e viva de acordo.

No entanto, há mais uma coisa. Desde de que estamos nos mais altos céus, já
conhecemos algo da vida do céu mesmo neste mundo. E isso também é algo
essencial e vital. Uma vez que somos cristãos, uma vez que estamos com Cristo
nos mais altos céus, já gozamos algo da vida do céu, agora mesmo. O apóstolo
fala noutro lugar sobre participar das primícias; fala sobre um antegozo; a grande
colheita ainda não chegou, porém os primeiros frutos estão disponíveis, podemos
tê-los em nossas mãos, podemos partilhar deles. Em Israel havia uma festa das
primícias, vocês recordam, justamente para lembrar aquele povo isto, e a
nós também. O antegozo! E vislumbres da glória! Não é dado a muitos de nós
sermos elevados ao terceiro céu, como aconteceu com o apóstolo Paulo. Eu não
tive essa experiência; mas, mesmo assim, deveríamos saber algo da glória,
deveríamos ter tido um ocasional vislumbre. Deveríamos ter ouvido
ocasionalmente algo da música; deveríamos ter uma sensação da vida que se
vive lá. Isaac Watts estava certo disto; eis como o expressa em seus versos:

Os que da graça vivem enxergaram O começo da glória neste mundo;

Frutos celestiais em chão terrenal Da esperança e da fé podem crescer.

O começo é aqui. “Os que da graça vivem enxergaram o começo da glórianeste


mundo.” Você tem conhecimento disso? Jáo experimentou? Você sentiu algumas
vezes que o que está experimentando não é terra, e sim, céu, e certo antegozo da
glória? Isso tem que ser verdade

quanto aos que se assentam com Cristo na glória.

Uma palavra final. A palavra “assentar-se” é fascinante e, obviamente, é de


grande importância. E empregada acerca do nosso Senhor com relação à Sua
ressurreição e ascenção. Permítam-me fazer uma citação de Hebreus 1:3: “O
qual, sendo o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa, e
sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, havendo feito por si
mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da majestade nas
alturas”. Lemos também no versículo treze: “E a qual dos anjos disse jamais:
assenta-te à minha destra até que ponha a teus inimigos por escabelo de
teus pés?” E de novo no capítulo dez dessa mesma Epístola, versículos doze e
treze: “Mas este (Cristo), havendo oferecido para sempre um único sacrifício
pelos pecados, está assentado à destra de Deus, daqui em diante esperando até
que os seus inimigos sejam postos por escabelo de seus pés”. Foi isso que Lhe
aconteceu. Tendo feito tudo o que foi dito, Ele assentou-Se, esperando,
aguardando, até que Seus inimigos sejam postos por escabelo de Seus pés. E
nEle, estamos assentados com Ele nos lugares celestiais. Significa que Ele
completou a obra, e assim assentou-Se. Assentar-se é sinal de completamento.
Quando um homem termina a sua tarefa, assenta-se. E Cristo assentou-Se. Que
outra coisa significa isso? Não mais trabalho, mas descanso. Todavia, ainda mais
importante, vitória! - “daqui em diante esperando até que os seus inimigos sejam
postos por escabelo de seus pés”. Um sinal de vitória! Ele Se assenta vitorioso. E
eu e você estamos em Cristo, e estamos assentados com Ele nos lugares
celestiais. A Suaobrade redenção já está completa, vocês não precisam de mais
nada, tudo está feito - aos que Ele chamou, também os justificou, e aos que Ele
justificou, também os glorificou.

Se você está em Cristo, está eternamente salvo, completo. Mas você goza o
descanso? Você compreende que estas coisas são verdadeiras? Regozija-se
nestas coisas? Você ainda está tentando fazer-se cristão? Se está, está entendendo
mal toda a sua situação, está negando o que aconteceu com você. Descanse na
obra de Cristo e por Ele concluída - goze o descanso da fé! “Portanto resta ainda
um repouso para o povo de Deus” (Hebreus 4:9). Seja o nosso objetivo entrar
nesse repouso, diz a Palavra, simplesmente nos dando conta de que Ele já
fez tudo. Tomara, irmãos, que especialmente nos demos conta da vitória! -pois
ainda estamos na carne, e ainda há o mundo, a carne e o diabo
para combatermos. Somos mortais medrosos, esmorecemos e trememos, e

nos alarmamos, e o diabo pode aterrorizar-nos. Temos que aprender a crer na


veracidade da vitória.

Ah, queira Deus iluminar os olhos do nosso entendimento, mediante o Seu


Espírito, para que possamos conhecer “a sobreexcelente grandeza do seu poder
sobre nós, os que cremos”, para que compreendamos tudo quanto é verdade a
nosso respeito! “Filhinhos, sois de Deus”, diz João, “e já os tendes vencido;
porque maior é o que está em vós do que o que está no mundo” (I João 4:4). Se
tão-somente compreendêssemos esta verdade a respeito de nós, entenderíamos o
que Tiago quer dizer quando escreve: “Resisti ao diabo, e ele fugirá de
vós” (4:7). O diabo! Aquele que não hesitou em levantar-se contra Deus
na eternidade e que arrastou consigo outros anjos; aquele que é tão poderoso
que, quando se aproximou de Adão eEva em sua perfeição e inocência, arrastou-
os e os fez cair! E, todavia, a Palavra diz a mim e a vocês: “Resisti ao diabo, e
ele fugirá de vós” - não porque ele tem medo de vocês, mas porque tem medo
dAquele em quem vocês vivem e que está com vocês, Aquele que subjugou o
diabo, dominou-o e finalmente o derrotou. O apóstolo Pedro faz a seguinte
colocação: “O diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão,
buscando a quem possa tragar”. Que fazer? Correr e esconder-se? Nada disso! -
vocês vêem essafera se lançando violentamente contra vocês, o diabo,
satanás, este poder infernal, e que é que vocês fazem? “Ao qual resisti firmes na
fé.” E se o fizerem, ele não será capaz de tocá-los. “Eles o venceram pelo sangue
do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho” (Apocalipse 12:11). Povo cristão,
visto que estamos assentados com Cristo nos lugares celestiais, o apóstolo Paulo
pode dizer a nosso respeito o seguinte, em Romanos 6:14: “O pecado não terá
domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça”.

Você sabe que está nos mais altos céus? Tem ciência da separação? Tem ciência
da Presença? Você pode chegar perto de Deus e saber que Ele está com você e
você com Ele, e que todos os seus temores são levados embora? Você vê e ouve,
às vezes, algo da glória celestial e sua música e sua alegria? Você alguma vez vê
“as glórias eternais refulgindo ao longe para revigorar seu débil esforço? Tendo
em vista a vida em sua pior expressão, você pode dizer: “A nossa leve e
momentânea tribula-ção produz para nós um peso eterno de glória mui
excelente; não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que não se vêem;
porque as que se vêem são temporais, e as que não se vêem são
eternas”? “Pensai nas coisas que são de cima, e não nas coisas que são da
terra” (2 Coríntios 4:17-18; Colossenses 3:2).
AS SUBLIMES RIQUEZAS DA SUA GRAÇA

“Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela
sua benignidade para conosco em Cristo Jesus.” - Efésios 2:7

Estas são as últimas palavras da grande declaração que começa no versículo 4 -


“Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos
amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou, juntamente
com Cristo (pela graça sois salvos) e, nos ressuscitou juntamente com ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos
vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para
conosco em Cristo Jesus”.

O apóstolo, vocês recordam, nos esti vera lembrando o que Deus fez por nós em
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por meio dEle. Quando estávamos
naquele desesperador estado de pecado, Deus interveio, Deus agiu, e nos
vivificou juntamente com Cristo. Ressuscitou-nos juntamente com Ele em
novidade de vida e nos fez assentar juntamente com Ele nos lugares celestiais.
Mas agora surge a questão, por que Deus fez tudo isso? Qual foi o Seu motivo?
Que levou Deus a fazer tudo isso por criaturas como nós? A resposta é dada no
versículo sete, e é introduzida pela palavra para, logo no início: para mostrar
(ou para que mostrasse). Ele fez tudo isso “para”, “a fim de”, “com a intenção
de”, “com o objeto, ou com o objetivo de”... Esta palavra para (ou para que) é,
pois, tremendamente importante, e é vital considerarmos juntos o que o apóstolo
nos fala aqui concernente a este grande propósito.

Como é importante que estudemos as Escrituras com muita atenção e que


observemos exatamente o que elas dizem, porque com muita facilidade podemos
entendê-las mal, como de fato fazemos muitas vezes. Aqui, penso eu, ao
considerarmos este versículo, provavelmente sentiremos, ao menos em certa
medida, que o nosso conceito do cristianismo, o nosso conceito da Igreja, o
nosso conceito de nós

mesmos como cristãos, é defeituoso e inadequado, que de fato a nossa


concepção geral da salvação tende a ser inadequada. Já vimos isso quando
estudamos aqueles três grandes passos da nossa salvação, e quando vimos o que
já é certo a nosso respeito como cristãos porque estamos em Cristo. Certamente
achamos que nunca tínhamos compreendido verdadeiramente como devíamos o
significado da regeneração; que nunca tínhamos captado plenamente a verdade
de que a justificação foi realizada completamente, nem captado a verdade sobre
a nossa posição e o nosso estado na presença de Deus. Ainda mais,
talvez, quando estudamos aquela afirmação de que estamos assentados
nos lugares celestiais em Cristo Jesus, vimos como falhamos - e falhamos de
maneira deveras lamentável - em não perceber que esta é a verdade a nosso
respeito neste momento presente. Noutras palavras, cada vez mais meparece que
a maioria das nossas dificuldades na vida cristã surge do fato de que nós sempre
partimos de nós mesmos e vivemos demais na esfera do sentimento e do
subjetivo.

Falemos com clareza. Argumentei sobre esse ponto desde o começo do capítulo,
e isso ainda faz parte da essência do que terei de dizer ao expor o versículo sete.
Graças a Deus, há um elemento subjetivo na salvação; graças a Deus por todo
sentimento, por toda experiência, por tudo o de que temos consciência de nós
mesmos. Se não temos consciência deste elemento subjetivo, a nossa situação,
ao que me parece, é muito incerta. Por outro lado, não há nada que seja tão
fatal para o nosso bem estar como pensar unicamente dessa maneira subjetiva e
deixar de captar com as nossas mentes e com nosso entendimento esta
apresentação objetiva da verdade que temos nesta parte de Efésios e na maioria
das Epístolas do Novo Testamento. O que quero dizer é que, se tão-somente
tivéssemos esta genuína concepção escriturística de nós mesmos como somos
como cristãos e membros do corpo de Cristo neste momento, a maior parte das
coisas que nos entristecem se desprenderia de imediato de nós
completamente. Estas coisas passariam a parecer-nos triviais, pequeninas e
insignificantes.

Isto é uma coisa que se pode ilustrar da seguinte maneira: o melhor modo de
livrar-nos de coisas pequenas é olhar para as grandes. Vejam, por exemplo, as
interessantes estatísticas que foram preparadas, penso, pelas autoridades médicas
de Barcelona, Espanha, durante a Guerra Civil Espanhola, pouco antes da
segunda guerra mundial. São muito interessantes. Um determinado número de
pessoas estiveram recebendo

várias formas de tratamento psicoterapêutico e psicológico; mas no momento em


que irrompeu a Guerra Civil e afetou Barcelona agudamente, o número
diminuiu, reduzindo-se a quase nada. Qual foi a causa disso?Foi que
apreocupação maior eliminou as preocupações menores. E a mesma coisa
certamente aconteceu na Inglaterra durante a última guerra. Quando de repente
surgiu a crise e os maridos e os filhos tiveram que partir para a guerra, muitos se
esqueceram dos seus pesares e das suas dores. Estas coisas, que tinham sido tão
proeminentes em suas vidas e que tinham significado muito para aquelas
pessoas, foram esquecidas repentinamente, pois um temor maior eliminara os
temores menores; a crise maior tinha tornado as outras coisas tão triviais que
realmente passaram a ser completamente irrelevantes. Estamos
familiarizados com fatos como esses.

Pois bem, tudo isso acontece igualmente na vida cristã. Em nossas vidas somos
perturbados por isto e aquilo, e nos inclinamos a resmungar e a queixar-nos;
ficamos a indagar por que Deus nos trata dessa maneira e por que permite que
nos aconteçam certas coisas. O antídoto para isso tudo é ver-nos objetivamente
como realmente somos no propósito de Deus. E se tão-somente fizéssemos isso,
todas as nossas dificuldades desapareceriam. Ou permitam-me expressar-me
deste modo: se tão-somente nós tivéssemos uma pequena concepção da glória
que nos espera e para a qual vamos, essa percepção transformaria a nossa
visão da nossa vida neste mundo e das coisas que nos sucedem neste
mundo. Essa é a espécie de tratamento que o apóstolo nos aplica neste
versículo sete. Esta é a cura do egocentrismo e do interesse próprio que
acabam levando à introspecção, a sentimentos mórbidos e a diversas formas
de dificuldade. O que se tem que fazer- e aí está por que o apóstolo escreve esta
carta e por que todas as cartas do Novo Testamento foram escritas - é conseguir
que tais pessoas levantem a cabeça e se vejam objetivamente no grande
propósito e plano de Deus.

Examinemos, então, este versículo desta maneira: por que Deus fez tudo issol
Por que foi que Ele interferiu? Por que nos vivificou, nos ressuscitou e nos fez
assentar nos lugares celestiais com Cristo? A resposta, diz o apóstolo, é que isto
faz parte do Seu plano grandioso e do Seu grandioso propósito - “para”, “a fim
de...”. Façamos o estudo na forma de uma série de proposições.

Eis a primeira: o principal fim, propósito e objetivo da salvação éa glória de


Deus. Por isso Ele fez o que fez - “Para mostrar (para Deus mesmo mostrar) nos
séculos vindouro,; as abundantes riquezas da sua

graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus”. Deus fez tudo isso,
diz Paulo, para apresentar um grandioso espetáculo a todas as eras vindouras,
não somente neste mundo mas também no mundo por vir. Deus vai fazer uma
grande demonstração, vai manifestar a Sua glória. Vocês podem notar que é isso
que o apóstolo coloca em primeiro lugar. Essa é a principal razão por que Deus
fez tudo isso, diz ele. Agora, surge imediatamente a questão: será que
normalmente pensamos em coisas como essa? Não seria verdade que, quanto à
maioria de nós, fazemos exatamente o oposto? Partimos de nós mesmos;
epensamos na salvação como algo para nós, algo de que necessitamos, algo
que queremos, algo em que nós estamos interessados. Sempre somos subjetivos,
sempre começamos a partir de nós mesmos. Mas o que temos de aprender é que
o primeiro objetivo e intenção da salvação - não me entendam mal - não tem a
ver conosco, porém com a glória de Deus. Esse é o ensino das Escrituras todas,
do começo ao fim. Noutras palavras, não devemos nem começar com os nossos
pecados, e sim com o pecado. Temos que aprender a ver todas as coisas mais
historicamente. É extremamente difícil, não é? É dificílimo para qualquer
geração ter uma visão histórica, porque estamos no mundo num momento
particular e há diversos problemas - ouvimos as notícias pelo rádio, vemos
as manchetes nos jornais - e estamos tão mergulhados neles que nos inclinamos a
não ver nada mais. É extremamente difícil dar-nos conta de que havia seres
humanos neste mundo hácem anos, e que eles tinham problemas e dificuldades,
não é? Mais difícil ainda é compreender que há mil anos havia neste mundo
seres humanos que nunca pensaram em nós. Achamo-nos tão importantes, e
pensamos que o nosso tempo neste mundo, o nosso pequenino setor, constitui a
totalidade da história. Entretanto, os que viveram antes de nós pensavam a
mesma coisa; e podemos estar certos de que daqui a cem anos e, se o nosso
Senhor não voltar antes, daqui a mil anos, as gerações então existentes na terra
nunca dedicarão sequer um pensamento a nós. Mas como nos é difícil aperceber-
nos disso! E, contudo, é justamente isso que temos de fazer. Temos que aprender
a ver a nós mesmos e a ver todo o problema do homem, toda acrise da história e
especialmente todo o tema da salvação, desta maneira objetiva, desta maneira
histórica.

Eis o que estou querendo dizer: em vez de começar comigo, com os meus
pecados e com os meus problemas pessoais, tenho que começar a pensar em
termos do pecado, de todo o problema do homem e de todo o problema do mal
neste mundo. Pois somente quando eu fizer isso é que começarei a ver o que o
apóstolo quer dizer quando afirma que o

primeiro intento e objetivo da salvação é a glória de Deus. É-nos muito difícil


compreender o que o pecado e a Queda significaram para Deus. Pecado é aquilo
que se opõe completamente a Deus e, portanto, o que aconteceu como resultado
do pecado e da Queda, e todas as suas conseqüências no mundo e entre os
homens, é (se reverentemente o posso dizer) uma tremenda questão aos olhos de
Deus. Mas nós persistimos em pensar em todo este problema em termos de
pecados particulares, nesta coisa particular que me mantém deprimido, e
nos pecados que colocamos numa lista - vocês sabem deles, embriaguez, jogo
etc. Para nós o problema todo é esse; transformamos o problema do pecado mais
ou menos num problema social. Ou é um problema social, ou é o problema da
nossa felicidade pessoal. Não gostamos de sentir remorso e arrependimento,
porque é doloroso. Assim reduzimos todo o grande problema do pecado a essas
diminutas proporções e dimensões. No entanto, aBíblianão faz isso! A Bíblia vê
o pecado como uma agressão a Deus. O diabo veio à frente e quis impor-se
contra Deus, levantou-se contra a majestade, a soberania e a glória de Deus.
Ele disputou isso, quis colocar-se no mínimo como um deus rival. E quando viu
Deus criando o mundo e criando o homem, e viu Deus olhando o que tinha feito
e dizendo que tudo estava “muito bom” e que mostrou prazer nisso, o diabo
determinou-se a arruinar o que Deus criara. Assim o diabo entrou em ação no
mundo. Qual era o seu objetivo? Vocês pensam que o objetivo do diabo era
simplesmente persuadir Eva e Adão a fazerem apenas uma determinada coisa?
Naturalmente que não! O diabo só tinha uma coisa em mente - desacreditar a
glória, a majestade e a grandeza de Deus. Pouco se importava com o que ia
acontecer com Adão e Eva. O diabo pouco se interessapor mim e por vocês
como pessoas. Para ele não somos pessoas, somos algo que lhe serve de penhor,
somos simples objetos que ele pode usar no grande jogo. E, todavia, pensamos
nestas coisas em termos de nós mesmos! O diabo nos vê com desprezo,
como fez com Adão e Eva. Ele os bajulou e os adulou porque sabia que era
essa a maneira de fazer deles uma espécie de penhor. Não tinha
nenhum interessepor eles como tais. Seu único objetivo era desacreditar a
glória, a majestade é a grandeza de Deus. Era inutilizar a obra que
Deus realizara, era inutilizaromundode Deus; era ridicularizar a obra criadora de
Deus. Seu desejo era levantar-se, dirigir-se a todos os anjos e dizer: Deus tem as
suas pretenções, diz Ele que fez o mundo perfeito, mas olhem, vejam o Seu
mundo perfeito!

É assim que se deve ver o problema do pecado. A Queda é uma coisa terrível aos
olhos de Deus. Não é primariamente um problema social.

É muito mais crucial aos olhos de Deus. Naturalmente há nisso um problema


social. O pecado levanta muitos problemas sociais, porém eles são subprodutos,
não são aquilo que faz do pecado, pecado. Se posso dizê-lo assim, Deus jamais
teria enviado Seu Filho do céu aterra e à cruz do Calvário para solucionar um
problema social. O problema para Deus era a Sua glória, a Sua majestade, a Sua
grandeza sempiterna. Isso fora questionado e posto em dúvida pelo diabo e por
todos os que lhe pertencem. E que é a salvação? O propósito e objetivo da
salvação é, em primeira instância, vindicar a Deus, é Deus tornar de novo
manifesta a verdade concernente à Si próprio. O diabo é descrito nas Escrituras
como “mentiroso e pai da mentira”; e o apóstolo João nos diz no capítulo três da
sua Primeira Epístola que Deus enviou o Seu Filho a este mundo a fim de
destruir as obras do diabo. Esse é o primeiro objetivo, que o caráter de Deus seja
vindicado. Naturalmente, num sentido terminante, o diabo não afetou nem
poderia afetar o ser, a natureza e o caráter de Deus, mas aos olhos dos seres
criados ele poderia, e certamente o fez. Ele teve sucesso no caso de todos os
anjos que caíram; ele teve sucesso no caso de Adão e Eva, e de toda a sua
posteridade. E o problema no mundo hoje é a atitude do homem para com Deus.
Assim, Deus iniciou este grande movimento de redenção e de salvação,
primariamente com o fim de tornar a declarar, manifestar e vindicar a Sua glória,
a Sua grandeza e a verdade a Seu respeito. Por que o fez, então? Ele o fez
“para mostrar (manifestar) nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua
graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus”.

Vocês pensavam na salvação dessa maneira? Uma pergunta que é bom fazer é:
por que Deus enviou Seu Filho? Não permita Deus que nos limitemos a dar uma
resposta sentimental, subjetiva, deixando de ver queDeus enviou SeuFilho afim
de vindicar-Se. Essa é a maior teodicéia de todos os séculos; Deus está Se
vindicando e está declarando e mostrando a verdade a Seu respeito.

Passemos agora à segunda proposição. A salvação vindica a grandeza e o


caráter de Deus de maneira especial e de um modo como nenhuma outra coisa o
faz. Não há dúvida sobre isso. Neste movimento de salvação e redenção,
aprendemos certas coisas que doutro modo nunca aprenderíamos. Isso pode soar
como uma afirmação atrevida, porém eu me aventuro a fazê-la. Muitos têm feito
a pergunta - ninguém pode respondê-la, mas é uma pergunta que muitos têm
feito, na verdade todos nós a temos feito - por que o Deus todo-
poderoso permitiu a Queda? Por que permitiu que o homem caísse em pecado?
A

resposta cabal é reconhecer que não sabemos, e não devemos inquirir a respeito
porque isso está além de nós. Mas, de qualquer forma, podemos saber e dizer
isto: se Deus não tivesse permitido a possibilidade do mal e da Queda, o homem
não seria inteiramente livre, e, portanto, não seria inteiramente perfeito. O
homem, como Deus o fez, tinha realmente livre-arbítrio. Ele o perdeu por ter
caído em pecado, todavia originalmente o tinha; e o livre-arbítrio era parte
integrante da perfeição do homem. Contudo, seja qual for a explicação, é
evidente que Deus teve domínio sobre isso de tal modo que, mediante a
redenção, Ele manifestou certos atributos do Seu santo ser, da Sua natureza e do
Seu caráter que doutra maneira nunca poderiam ser conhecidos, mas que
agora certamente são muito conhecidos.

O apóstolo já tinha mencionado alguns deles. Ouçam-no: “Deus, que é


riquíssimo em misericórdia”. Seria possível ter a mesma concepção da riqueza
de Deus em misericórdia, se o homem não tivesse caído em pecado como caiu?
E por este meio que Deus manifesta a perenidade da Sua misericórdia.
“Riquíssimo em misericórdia”! Depois, “Pelo seu muito amor com que nos
amou”. Com toda a certeza o homem conheceu algo sobre o amor de Deus antes
de cair; Adão conheceu o amor de Deus. Contudo, pergunto se o amor de Deus
seria conhecido como agora é, se não houvesse a Queda e o movimento
de redenção. Deus o está mostrando, Ele o está manifestando, há uma revelação
do Seu amor como seguramente seria inconcebível sem isso. Então o apóstolo
passa à sua seguinte grande expressão: “Estando nós ainda mortos em nossas
ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça...” - aí está - “pela
graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos
lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindouros as
abundantes riquezas da sua graça”. Não há nada que nos habilite a ter tal
entendimento da extensão da graça de Deus como isto o faz. É a sua suprema
avaliação; e nada pode mostrá-la como isto no-la mostra. Vem então o termo
final, “benigni-dade” - “pela sua benignidade”, com o Seu olhar benigno.
Adão conheceu algo da benignidade de Deus, mas eu concordo com Isaac Watts
quando ele afirma em seu hino - “Nele (em Cristo) as tribos de Adão ostentam
mais bênçãos do que as que seu pai perdeu”. Digo reverentemente, sopesando as
minhas palavras, que em Cristo conhecemos algo de Deus que Adão, em seu
estado de inocência, não conheceu, e que, em certo sentido, Adão não poderia
conhecer. Pode ser especulação, porém me parece que as Escrituras ensinam que
Deus mostrou estas coisas aqui de maneira única e de um modo como nunca
mostrou em parte alguma.

Mas, o que talvez seja muito importante para nós é a terceira proposição: toda
esta manifestação e vindicação do caráter, do ser, da grandeza e da glória de
Deus dá-se mediante a Igreja. Deus realiza este feito tremendo por nosso
intermédio e através de nós, em primeira instância. Examinem de novo o ponto.
Deus fez isso tudo “para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas
da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus”. Este é para
mim o pensamento mais avassalador que podemos captar, que o
poderoso, eterno, sempiterno Deus está Se vindicando, a Si, à Sua santa
natureza e ao Seu santo ser, mediante algo que Ele faz em nós, conosco, e por
meio de nós. Isto é cristianismo, este é o significado da nossa condição
de membros da Igreja, isto é o que significa ser cristão; nada menos que
isto! Aqui somos retirados do nosso estado e dos nossos caprichos subjetivos, e
das nossas condições transitórias, e nos vemos de repente neste grande plano da
eternidade que Deus trouxe à luz e pôs em execução como resultado da queda do
homem em pecado.

Examinemos esta gloriosa concepção. O apóstolo no-la ensina claramente neste


versículo. Ele a expõe mais clara e explicitamente ainda no versículo dez do
capítulo três desta Epístola. O apóstolo está descrevendo este grande mistério
outrora oculto, mas agora revelado. Para quê? Para “demonstrar a todos qual seja
a dispensação do mistério que desde os séculos esteve oculto em Deus, que tudo
criou por meio de Jesus Cristo” (versículo 9). E então, no versículo dez: “para
que”

- a mesma idéia; este é o objetivo, esta é a intenção, este é o propósito

- “para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida
dos principados e potestades nos céus”. Essa é a idéia. Deus está usando a Igreja,
e vai usar a Igreja nos séculos futuros, a fim de fazer uma demonstração e uma
exibição da Sua estupenda e eterna sabedoria aos principados e potestades nos
lugares celestiais.

Esse é o modo de pensar em nós mesmos como cristãos e como membros


dalgreja Cristã. Deus está Se vindicando, aSi mesmo e ao Seu caráter, por meu
intermédio e pelo seu, por meio de pessoas como nós, por meio de toda a Igreja
congregada em Cristo e separada do mundo. Ele vai colocar-nos em exibição,
por assim dizer; será uma exibição gloriosa. Ele já está fazendo isso, mas vai
continuar a fazê-lo nas eras vindouras, e na consumação Deus vai fazer a Sua
última grande exibição, e todos esses principados e potestades serão convidados
a comparecer. A cortina correrá e Deus dirá: olhem para eles! “Para que agora,
pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e
potestades nos céus”! Eu e vocês estamos sendo preparados para isso.
Vocês lêem sobre artistas preparando seus quadros e as suas pinturas para
exposição, e sobre como eles dão os seus toques finais - como a moldura deve
estar direita, deve ser colocada naposição certa, a luz deve vir do ângulo correto,
e assim por diante. Bem, todos nós sabemos disso; temos visto pessoas
preparando cavalos para exposição de eqüinos; ou frutas e verduras para
exposições de horticultura - a seleção, o preparo. Pois bem, é isso que está
acontecendo comigo e com vocês. Essa é a significação do culto público e da
pregação - é apenas uma parte disso. A exposição, a exibição, a manifestação
vem! E o que há de espantoso e admirável é que é por meio de pessoas como
nós, e como resultado do que Ele está fazendo conosco, fez conosco e fará
conosco, que Deus vai vindicar Sua sabedoria eterna, Sua majestade, Sua glória
e todos os atributos da Sua santa Pessoa aos principados e às potestades nos
céus.

Parece-me que isso vem perfeitamente expresso no capítulo sete do livro de


Apocalipse. João teve a sua visão - “Olhei, e eis aqui uma multidão, a qual
ninguém podia contar, de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas, que
estavam diante do trono, e perante o Cordeiro, traj ando vestidos brancos e com
palmas nas suas mãos; e chamavam com grande voz, dizendo: Salvação ao nosso
Deus, que está assentado no trono, e ao Cordeiro”. João viu estas pessoas usando
vestes brancas e com palmas nas mãos, entoando louvores a Deus e dizendo:
“Salvação ao nosso Deus, que está assentado no trono”. Mas o que
particularmente me agrada é a pergunta feita pelo ancião que estava perto de
João. “Quem são estes?” - perguntou ele - “Estes que estão vestidos de vestidos
brancos, quem são, e de onde vieram?” Estes que aqui se acham com palmas nas
mãos, cantando louvores a Deus, quem são? Será essa a pergunta que os
principados e potestades nos lugares celestiais farão. A cortina será descerrada e
lá estaremos nós com as nossas vestes brancas e com as palmas em nossas mãos,
e os principados e potestades perguntarão - Quem são estes? Que são eles? Que
fenômeno é este? Que pessoas são estas? De onde vêm? E a resposta será que
são pessoas cristãs - são cristãos de todos os séculos, de todas as nações,
tribos, países e cores congregados através dos séculos pelo poder da redenção de
Cristo, todos finalmente juntos, reunidos ali na glória. “Quem são estes?” De
onde vieram? Que são eles? E a resposta é: estes são os remidos pela sabedoria,
poder, glória, amor e graça de Deus. “Pela igreja”! Eu e vocês! Miseráveis
criaturas que somos, com nossas dores e sofrimentos, com as nossas “caxumbas
e sarampos da alma”, e os nossos questionamentos e interrogações, e a nossa
indagação: “Por que Deus faz isso e aquilo?” Rogo-lhes, olhem para o céu,
elevem a sua
mente, fazendo-a penetrar na glória. Que vergonha para nós, cristãos, por nosso
infeliz subjetivismo, por nossa incapacidade de compreender quem somos, o que
somos, o que está acontecendo conosco e o que Deus está fazendo em nós e
através de nós! A intenção da salvação é que tudo isso seja feito para vindicação
do caráter e da glória de Deus.

A proposição subseqüente ajuda-nos a ver como Deus o faz mediante a Igreja.


Não precisamos demorar-nos neste ponto, visto que já o consideramos em parte.
Lá estamos nós, que somos da Igreja, com vestes brancas, com palmas, na glória,
na presença de Deus. Como chegamos lá? Como foi que isso aconteceu? A
primeira coisa que nos deixa maravilhados é que Deus nos viu a todos como
éramos e como estávamos, “mortos em ofensas e pecados, andando segundo o
curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito
que agora opera nos filhos da desobediência; entre os quais todos nós também
antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos
pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também”.
Como pôde Ele sequer olhar para nós ? Não merecíamos nada senão a
retribuição por nossos pecados, a punição, o inferno. Se você acha que merece
coisa melhor, você não sabe que é pecador, você nada sabe, e eu temo por você,
quanto à graça de Deus. Miseráveis, vis, torpes, desprezíveis e rebeldes - e Ele
olhou para nós! Que grandiosa manifestação do Seu ser e da Sua santa natureza !
Nós somos uma demonstração disso. Se Ele não tivesse olhado para nós, ainda
estaríamos em nossos pecados e indo para a perdição. Mas lá estamos nós, na
glória, porque Ele teve misericórdia de nós, teve pena de nós.

Não somente isso, Ele projetou e planejou um modo de libertar-nos. Ele mesmo
produziu o método de salvação. O homem não o pediu, o homem não o queria, o
homem não sabia do que necessitava, o homem não foi consultado, não deu nem
uma única sugestão. A salvação é inteiramente de Deus, do princípio ao fim.
Essa é toda a tese de Paulo: “Pela graça sois salvos”, “fostes salvos”, e nada
mais ! Que manifestação do ser e do caráter de Deus !

Outra maravilha é Deus ter-nos feito o que fez, ter feito de nós o que fez, anós
que já fomos vivificados, ter Ele colocado em nós um princípio de vida
espiritual, em nós que estávamos completa, absoluta e desespe-radamente
mortos. Ele pôs nova vida em nós, a Sua própria vida em nós; Ele nos
ressuscitou juntamente com Cristo, estamos vivos para Ele, temos os novos
interesses e a nova perspectiva, estamos assentados nos
lugares celestiais. Ele já nos fez isso tudo, porém quando estivermos na glória,
de vestes brancas e com palmas, seremos absolutamente perfeitos, sem mancha,
nem ruga, nem qualquer outra coisa semelhante. Não haverá nem suspeita de
culpa; a mais poderosa lente de aumento não achará nada de errado em nós e
sobre nós; seremos absolutamente íntegros e completos, purificados de todos os
vestígios do pecado. Não é surpreendente a pergunta do ancião, “Quem são
estes?” Como se tornaram assim? O que é esta brancura imaculada, esta glória?
É tão-somente a manifestação do caráter e do ser de Deus. Mediante a Igreja Ele
o faz dessa maneira especial.

Isso me leva à derradeira proposição, que é simplesmente uma questão muito


prática. Que devemos pensar de nós mesmos, à luz disso tudo! Por certo é óbvio.
Se você sequer pensa na sua bondade, significa que você nunca enxergou esta
verdade. Se você se julga cristão e bom membro da igreja porque tem vivido
uma vida virtuosa e nunca fez mal a ninguém, e porque dedica boa parte do seu
tempo a praticar estas coisas, você está apenas me dizendo que nunca entendeu
este ensino. Se você pode achar em si próprio alguma coisa que pode deixá-lo
satisfeito neste momento, você nunca viu de fato esta verdade, que Deus fez isso
tudo com o propósito de que agora seja conhecida dos principados e potestades a
Sua multiforme sabedoria nos lugares celestiais, para mostrar as sublimes
riquezas da Sua graça. Se você acha que tem algum pleito para apresentar em
seu favor ao trono da graça e da misericórdia, qualquer coisa que não seja o
nome de Jesus Cristo, você nunca enxergou a verdade, simplesmente está cego.
Nosso único pensamento deve ser:

“A aliança da misericórdia sou devedor,

Só à misericórdia entôo louvor”.

“Pela graça de Deus sou o que sou,

Nada em minhas mãos levando vou”.

Nada vejo de bom em mim; “Em mim, isto é, naminha carne, não habita bem
algum”; não tenho nada que me recomende, não tenho nada do que me gabar. Eu
não sou nada; Ele é tudo, DEUS! A Sua graça em Cristo Jesus! Se você enxergar
esta verdade, então inevitavelmente você pensará dessa forma.

Disso decorre que também devemos conduzir-nos de uma deter-


minada maneira. “Qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo,
como também ele é puro” (1 João 3:3). O homem que se viu como membro da
Igreja e do corpo de Cristo da maneira que estamos considerando, não vai querer
mais ficar tão perto quanto puder do mundo, nem vai considerar o cristianismo
estreito por condenar certas coisas. Nem por um momento! Se tão-somente
pudéssemos ver aqueles que conhecemos e que agora estão além do véu,
daríamos adeus a maioria das coisas deste mundo. Todo aquele que vê isto, todo
aquele que tem esta esperança, purifica-se a si mesmo, assim como Ele é
puro. Se vocês sabem que vão ser absolutamente puros e sem mancha,
bem, avante! “Alimpai as mãos, pecadores; e, vós de duplo ânimo, purificai os
corações” (Tiago 4:8). Estes são os apelos do Novo Testamento. Fiquem tão
longe do mundo quanto puderem. “Apressa-te da graça para a glória.”

A outra coisa que vejo aqui é a absoluta certeza de todas estas coisas, a
segurança disso tudo. Se a minha confiança na minha salvação cabal e final e na
minha perfeição última se baseasse em mim, na minha energia, no meu zelo e
nos meus propósitos e desejos, sei que nunca chegarialá.
Aminhasegurançasebaseianisto, que Deus, o Deus infinito e eterno, está
vindicando a Sua reputação eterna por meu intermédio. E se Ele tivesse
começado a salvar-me e depois deixasse a obra por fazer ou inacabada, e eu
merecidamente chegasse ao inferno, o diabo teria a maior alegria que lhe fosse
possível. Ele diria: há um ser que Deus começou a salvar, todavia deu em nada.
É impossível, isso não pode acontecer; não existe idéia mais monstruosa do que
a idéia de que você pode cair da graça, que você pode nascer de novo e depois
ser condenado eternamente. O caráter de Deus está envolvido! E impossível.
Seu objetivo não é meramente salvar-me, é vindicar o Seu ser e a Sua natureza,
eeu estou sendo utilizado paraessefim. O fim é absolutamente certo, porque o
caráter de Deus está envolvido nisso. “Aquele que em vós começou a boa obra a
aperfeiçoará até o dia de Jesus Cristo” (Filipenses 1:6).

A última palavra é óbvia. O privilégio de todas estas coisasl O privilégio de ser


usado por Deus desta maneira para vindicar o Seu caráter eterno e glorioso! Por
que estou nisto? Por que terá Ele olhado para mim? Como diz o ancião, “Quem
são estes?”, assim eu pergunto: quem sou eu? Vocês recordam Davi fazendo essa
pergunta quando Deus lhe deu um vislumbre de onde ele entrava neste grande
plano, “Quem sou eu, ou o que é a minha casa, para que me fosse concedida tal
honra?” (cf. 2 Crônicas 2:6). E nós, não nos sentimos como tendo que dizer isso?

Quem sou eu, e o que sou eu, para que Deus sequer olhasse para mim e me
escolhesse para fazer parte do Seu plano e do Seu propósito, para vindicar Sua
Pessoa, Sua grandeza, Sua glória, Sua sabedoria, Seu amor, Sua misericórdia,
Suacompaixão perante os principados e as potestades nos lugares celestiais?

Povo cristão, pense cada um em si dessa forma, e siga para a glória.

MEDIANTE CRISTO JESUS *

“Para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela
sua benignidade para conosco em Cristo Jesus. ” - Efésios 2:7

Devemos ver mais uma vez esta magnífica declaração que começa no versículo
quatro. Jamais o faremos demasiadas vezes. “Mas Deus, que é riquíssimo em
misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos
em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com ele e nos fez assentar nos
lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindouros as
abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo
Jesus.”

Quero considerar agora as três últimas palavras em particular: “em Cristo Jesus”
(ou “por intermédio de Cristo Jesus”, VA). Pois aí vocês têm o evangelho todo e,
particularmente, toda a essência da mensagem do Natal.

O apóstolo esti vera explicando que, ao fazer o que fez por nós como cristãos,
Deus estava manifestando a glória do Seu ser e dos Seus procedimentos. Mas no
versículo sete ele vai adiante e nos diz que Deus está manifestando a Sua glória e
as maravilhas da Sua graça, não somente pelo que Ele fez e fará em nós, por
nosso intermédio e sobre nós, porém ainda mais pelo modo como o fez - “em sua
benignidade para conosco por intermédio de Cristo Jesus”

Paulo jamais poderia deixar isso de fora. Receio que muitos de nós poderiam
deixá-lo fora, e o deixem, mas Paulo nunca se esquece dessa verdade. Este
nome! - vocês o vêem em toda parte, em todas as suas Epístolas. Observem-nas,
leiam-nas e vejam como ele o vive repetindo - o nome de Jesus Cristo. Se houve
algum homem que poderia utilizar-se e apropriar-se das palavras do conhecido
hino: “Suave soa o nome de Jesus aos ouvidos do crente verdadeiro”, é o
apóstolo Paulo. Notem como ele o repete nesta passagem o tempo todo: “nele”;
“juntamente
Este sermão foi pregado no domingo anterior ao Natal.

com Cristo”; nos lugares celestiais “em Cristo Jesus”. E, tendo usado o nome
tantas vezes, vocês pensariam que ele poderia terminar dizendo: “para mostarnos
séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça em sua benignidade para
conosco”. Mas ele tem que dizê-lo novamente - “em sua benignidade para
conosco por intermédio de Cristo Jesus”. Aqui chegamos ao ponto no qual, de
todos eles, podemos realmente começar a avaliar as sublimes riquezas da graça
de Deus. Alguns gostariam de traduzir as palavras desta maneira: “... as
incomensuráveis riquezas ou, nas palavras que o apóstolo emprega no
capítulo seguinte, versículo oito: “as insondáveis riquezas” (ARA).

No entanto, antes de examinar estas expressões, deixem-me salientar um ponto.


E por intermédio de Cristo que auferimos todo e qualquer benfício. Não é
espantoso que sej a necessário dizer isto, e dar-lhe ênfase? Que imensidão de
homens e mulheres ainda pensam nas bênçãos que vêm de Deus,
independentemente de Cristo Jesus! Há milhares no mundo atual que se julgam
adoradores de Deus e querem ser abençoados por Deus, e acreditam em ser
abençoados por Deus, e têm a capacidade de falar sobre isso sem mencionar
Cristo Jesus. Falam sobre oração a Deus, falam em receber bênçãos de Deus, em
ser curados por Deus, em ser guiados por Deus, mas não mencionam o nome de
Jesus Cristo. O apóstolo estava ciente desse perigo, pelo que nunca perde
a oportunidade de dizer, “por intermédio de Cristo Jesus”. Toda a essência do
cristianismo consiste em que Deus trata com o homem e abençoa o homem
unicamente em Cristo Jesus e por meio de Cristo Jesus. Tudo nos vem de Deus
por intermédio de Cristo.

Seria uma tarefa simples provar isto mediante incontáveis citações, mas
tomemos apenas as palavras do nosso Senhor: “Eu sou o caminho, e a verdade e
a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”(João 14:6). Certamente isso
deveria ser suficiente. Não podemos orar sem Ele; oramos em Seu nome, oramos
por amor do Seu nome. Nada podemos alegar em nosso favor senão Cristo.
Como podemos aproximar-nos de Deus sem Ele? Como poderia chegar alguma
coisa a nós sem Ele? João, vocês se lembram, no prólogo do seu Evangelho, faz
exatamente a mesma colocação. Referindo-se ao Senhor Jesus Cristo, ele diz:
“E todos nós recebemos também da sua plenitude, e graça por graça”. É tudo em
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por intermédio dEle. “Deus estava em
Cristo (Deus, por intermédio de Cristo estava) reconciliando consigo o mundo”
(2 Coríntios 5:19). E assim que Ele reconcilia o mundo; e todas as bênçãos de
Deus nos vêm e fluem para

nós por intermédio dEle. Ele é a “cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude
daquele que cumpre tudo em todos” (Efésios 1:22-23). A Igreja é o Seu corpo.
Auferimos toda a nossa vida, toda bênção, todo poder e a nossa própria
preservação do fato de que somos Seus membros. Ele é a Cabeça, e, portanto,
gozamos todas as bênçãos que temos, por intermédio de Cristo Jesus. Poderei
supor, pois, que todos nós temos claro entendimento disto, que (como Paulo o
expressa noutro lugar) estamos inteiramente “encerrados” para Cristo? (Gálatas
3:23). A própria lei foi o preceptor, o pedagogo, para trazer-nos a Cristo,
para encerrar-nos para Cristo, para fazer-nos ver que não podemos conhecer a
Deus nem receber nenhuma bênção de Deus exceto em Cristo Jesus e por meio
dEle. Ele é o único canal, o único e exclusivo Mediador entre Deus e o homem.
Em todo lugar é - “por intermédio de Cristo Jesus”.

Do que eu quero advertí-los particularmente agora, e com ênfase, é a maneira


pela qual Deus fez tudo isso por intermédio de Cristo Jesus. E é que aqui que
vemos muito especialmente algo do caráter insondável, do caráter
incomensurável das riquezas da graça de Deus. Aqui estamos vendo a questão
do lado de Deus. Já a estivemos examinando do nosso lado, mas agora, repito, a
estamos examinando do lado de Deus. O modo como fazemos uma coisa é,
muitas vezes, muito mais significativo do que aquilo que fazemos. E isso é
verdade acerca da maneira pela qual Deus abençoa a humanidade por intermédio
do Senhor Jesus Cristo. Já é algo maravilhoso, é algo espantoso, e indicativo das
sublimes riquezas da graça de Deus que Ele sequer nos abençoasse.
Imaginemos que Deus nos abençoasse, por assim dizer, diretamente dos céus,
que Ele olhasse para nós e fizesse certas coisas por nós, como de fato
faz normalmente nas obras da providência. Isso é em si maravilhoso, pois não
merecemos coisa alguma. Estudamos o nosso caráter nos três primeiros
versículos. Não hácomo exagerar o que há de mau no homem em pecado. Ele é
uma vil criatura, tão vil quanto se possa imaginar; porém, a despeito disso, Deus
olha para nós e nos abençoa. Ele “faz que o seu sol se levante sobre maus e bons,
e a chuva desça sobre justos e injustos” (Mateus 5:45).

O simples fato de que Ele olha para nós já indica insondáveis riquezas da Sua
graça. Mas temos algo aqui que vai além, pois nos é possível, às vezes, fazer
uma amabilidade a outras pessoas sem sacrificar-nos nem um pouco. Um
multimilionário vêumapessoapaupérrima. Não a conhece, não tem nenhum
interesse por ela, e até pode achar que é uma ofensa a si mesmo olhar para tal
pessoa. Seria uma atitude

excelente, generosaenobre este multimilionário dar um presente àquela pessoa,


especialmente se ela o tiver ofendido de algum modo. Suponhamos que ele lhe
dê mil libras! E uma ajuda muito generosa, todavia realmente nadacusta ao
multimilionário; mal notaquedeu alguma coisa. Em si, é uma grande
generosidade; é uma grande bondade, especialmente se aquela pessoa pobre fez
alguma coisa indigna ou má com relação ao homem rico. Aquele ato de dar é em
si maravilhoso. Mas quanto aumentaria o valor daquele ato se o milionário
fizesse concreta-mente um sacrifício pessoal para ajudar o homem! Noutras
palavras a avaliação final das nossas ações devem ser pelo que elas nos
custam. Nem por um momento quero diminuir a importância da generosidade; é
excelente em seu lugar, porém quando envolve sofrimento pessoal ou perda
pessoal para ajudar outrem, a sua importância torna-se imensamente maior.

Pois bem, é algo semelhante a isso que estamos considerando aqui. Falo com
cautela e com reverência, mas me parece que é quando examinamos isto por este
aspecto que realmente começamos a ter uma noção da medida das
incomensuráveis riquezas da graça de Deus. Tal afirmação é paradoxal, e,
todavia, transmite verdadeiro significado. Nunca seremos capazes de fazer uma
avaliação disto; está além desta possibilidade; a realidade é tão maravilhosa que
as medidas do homem são totalmente inadequadas; e, contudo, as Escrituras nos
exortam a fazer um esforço. Prossigamos, vamos tão longe quanto nos
seja possível. Parece-me que, nesta passagem, é o que o apóstolo nos
está exortando a fazer. Ele ora no sentido de que os olhos do nosso entendimento
sejam iluminados para que possamos tentar medir o imensurável e tentemos
escalar estas alturas, cujas culminânciasjamais poderão ser alcançadas. Estamos
tentando medir, computar, avaliar o que Deus realmente fez. É como Ele vai
manifestar as sublimes riquezas da Sua graça em todas aquelas eras futuras “pela
sua benignidade para conosco”. Sim, mas - o modo como Ele o fez - “por
intermédio de Cristo Jesus”!

Que é que isso significa? Falo cautelosamente por esta razão, que obviamente
estamos penetrando o mistério, não somente do amor de Deus, mas também o
mistério do ser de Deus. E aqui que temos que parar de entender e, portanto,
temos que “tiras os sapatos dos pés” (Êxodo 3:5). Entretanto observemos o que
dizem as Escrituras. Se vocês querem medir as insondáveis riquezas, ou as
sublimes riquezas da graça de Deus em Cristo Jesus, poderão começar vendo o
problema do ponto
de vista do Pai. Eis a questão: Deus pode sofrer? Deus sofre? Os teólogos têm
discutido esta grande e importante questão: “A Passibilidade ou a
Impassibilidade de Deus”; Deus é passível ou impassível? Um tema tremendo!
Nunca poderemos resolver isso, nunca poderemos delimitá-lo. Neste ponto as
nossas mentes começam a vacilar, e nos pomos a especular. Não o entendemos, e
obviamente não fomos destinados a entendê-lo, em parte por causa das nossas
condições finitas e, mais ainda, por causa das nossas condições pecaminosas. E,
todavia, por outro lado, parece que temos de ter o cuidado de não
ignorar declarações escriturísticas, ou, ademais, que não as diminuamos.
Há certas coisas expostas nas Escrituras que devemos estudar e considerar, e nas
quais devemos pensar e meditar, com o maior cuidado possível. De qualquer
forma, isto seguramente podemos dizer, que o que Deus fez por nós mediante
Cristo Jesus não foi feito sem nenhum custo para Deus.

Examinemos a matéria do ponto de vista de Deus como Pai. Estes são os termos
empregados: “Vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de
mulher, nascido sob a lei” (Gálatas 4:4). Estou interessado no “envio”. Ah, vocês
poderão dizer, isto é um antropomorfismo, isto é, uma condescendência para
com a nossa incapacidade humana, Deus apresentar-Se dessa maneira. Sim, mas
há uma verdade na apresentação, houve um ato de enviar. O Filho, o
Senhor Jesus Cristo, estava no seio do Pai desde toda a eternidade,
permanecendo etemamente com Deus, co-igual e co-eterno. Deus o Pai O
envia. Não entendo plenamente o que isso significou para Deus, porém sei
que há o propósito de quepensemos nisso nestes termos humanos, que Deus O
enviou. E aí é que fazemos a pergunta: que é que isso significou para Deus o
Pai? E por intermédio de Cristo Jesus que Ele vai mostrar as insondáveis
riquezas da Sua graça, é mediante esta ação que todos os principados e
potestades, nos lugares celestiais, irão admirar a multiforme sabedoria de Deus;
não somente o que eles verão na Igrej a, mas também no modo como Deus
trouxe a Igreja à existência, “por intermédio de Cristo Jesus”.

Vejam alguns outros termos. “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu
Filho unigênito” (João 3:16). Que palavra de peso! -Ele “deu”! Deu Seu Filho
unigênito! Pois bem, nós estamos familiarizados com estes termos. Falamos de
pessoas que dão a vida pelo seu país, falamos de pais que entregam seus filhos
para a obra missionária no exterior; eles os dão, eles os enviam, eles os deixam
partir. Dar - mas quanto custa! Estes são os termos empregados com relação a
Deus. Contudo, vejam outra expressão, mais extraordinária ainda: “Aquele
que nem a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos
não dará também com ele todas as coisas?” (Romanos 8:32). Examinem essa
grande declaração e notem os termos: Ele não O “poupou”. Deus é passível ou
impassível? Que significa a palavra “poupar”? Deus o Pai sabia o que era
necessário antes de se poder elaborar o método da salvação, sabia o que era
necessário antes de Ele poder ser “justo e justificador daquele que crê em Jesus”
(Romanos 3:26). Ele sabia o que isso envolveria para o Filho em sofrimento, e
Ele não O poupou, mas O entregou a tudo quanto aquela morte
significava, aquela morte cruel, angustiosa. Ele sabia disso tudo. Ele não O
poupou, Ele O entregou, por todos nós. Pois bem, estes são os termos com
os quais temos que lutar quando consideramos esta grande questão
da passibilidade de Deus. Mas há outros. “Àquele que não conheceu pecado, o
fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios
5:21). Deus o Pai, de Seu próprio Filho fez pecado

- não pecador, fez com que Ele fosse pecado, com o qual Ele ia tratar

- por nós, para que nEle fôssemos feitos justiça de Deus. E isso naturalmente
indica retrospectivamente algumas das extraordinárias afirmações registradas no
capítulo cinqüenta e três do livro do profeta Isaías: “O Senhor fez cair sobre ele
a iniqüidade de nós todos”. O Senhor fez isso sem nenhum sentimento? Deus o
fez sem nada sofrer? É um grande mistério.

Mas, se realmente queremos entender o que aconteceu naquele primeiro Natal,


quando Cristo nasceu em Belém, temos que olhar a fundo estas coisas. Tomamos
estas coisas como certas e líquidas, com demasiada facilidade. “Deus enviou seu
Filho; João 3:16; todos nós sabemos disso.” Sabemos? Será que sabemos alguma
coisa sobre isso?, pergunto. Falamos tão levianamente sobre o amor de Deus.
Alguma vez consideramos o que aquilo significou para Deus? “Deus fez cair
sobre ele a iniqüidade de nós todos.” “Agradou ao Pai” - lemos também -“Ao
Senhor agradou o moê-lo”; foi do Seu agrado; não que isso O agradasse, mas foi
do Seu agrado, foi Sua vontade, que Ele O moesse. Ele moeu Seu próprio Filho
por nós. Aí vocês apanham certa medida das sublimes riquezas da Sua graça. Ele
O fez “enfermar”. Em verdade, Deus fez o Seu unigênito Filho enfermar, a fim
de que eu e vocês nos tomássemos Seus filhos, e para que desfrutássemos das
abundantes riquezas da sua graça. No entanto, vocês não começarão a medir
essa graça divina enquanto não considerarem estas cinco palavras,
“por intermédio de Cristo Jesus”. Foi como Deus o fez. Aí temos apenas
um vislumbre disso, do ponto de vista do Pai, o evento propriamente dito
quando ocorreu, como foi e é em Deus. As insondáveis riquezas da Sua graça!
Quem pode avaliar tal realidade? Quem a pode entender? Esse é o nosso
evangelho, que Deus o Pai enviou Seu Filho e O deu, e fez cair sobre Ele a
iniqüidade de nós todos. “Por intermédio de Cristo Jesus”!

Mas vamos examinar o assunto por um momento do ponto de vista do Filho,


Aquele que veio e com quem tudo isso aconteceu. Aqui denovo estamos
envolvidos no que Carlyle costumava chamar “infini-dades e imensidades”, que
nos espantam e nos deixam o cérebro estupefato. Como podemos avaliar isto?
Bem, o apóstolo nos ensina algo sobre isso, particularmente em sua carta aos
filipenses, capítulo dois, versículos 5-11. Sabemos que visava ao Filho: há
Aquele que estava na glória eterna, no seio do Pai, sendo Ele co-igual e co-
eterno e participando da glória de Deus em toda a sua plenitude - na ‘ forma
de Deus”. Vocês sabem o que a sua salvação significou inevitavelmente para o
Filho? Significou a Sua decisão de não apegar-Se aos privilégios e sinais daquela
glória eterna. “Que, sendo na forma de Deus, não considerou roubo ser igual a
Deus”, diz a Versão Autorizada (inglesa), ou, segundo uma tradução mais
precisa, Ele não considerou essa igualdade como um prêmio ou uma presa a que
aferrar-Se a todo custo. Ele não disse ao Pai: não vou deixar tudo isso para trás
para salvar aquela gente que se rebelou contra Ti. Desejo ajudá-la e fazer o que
puder por ela, mas isso não; não posso por de lado, mesmo temporariamente,
as insígnias da Minha glória, as marcas da Minha deidade eterna; não
posso fazer isso. Estou disposto afazer qualquer coisa, porém isso eu não
posso fazer. Ele disse exatamente o oposto! Ele “não teve por usurpação o
ser igual a Deus”. Não considerou as insígnias da Sua deidade como uma presa a
que apegar-se, a que agarrar-Se. Ele decidiu deliberadamente que as poria de
lado temporariamente. Não pôs de lado a deidade - nem poderia fazê-lo - Ele não
pôs de lado a Sua deidade, mas sim, os sinais da Sua deidade.

Então, tomada a primeira decisão, inicial, seguiu-se a segunda, e


necessariamente. “Ele se fez sem reputação” (VA), Ele Se destituiu de honra.
Quão superiora Versão Autorizada (“Authorized Version”) é aqui à Versão
Revista (“Revised Version”. Essa idêntica a ARA) e outras, que dizem: “a si
mesmo se esvaziou”! Não, Ele não Se esvaziou, não Se esvaziou, absolutamente.
Ele “se fez” - permanecendo ainda o que era - “sem reputação”. Não há
nenhuma “kenosis” no sentido de um esvaziamento da Sua deidade, pois isso é
impossível. O que há é algo muito mais maravilhoso. É que Ele decidiu fazer-Se
sem
reputação, destituir-Se daSuahonra. Embora sendo ainda o eterno Filho de Deus,
desceu à terra, nasceu como criança e viveu como homem. Continuava sendo o
mesmo, mas Se fez sem reputação. Lemos histórias de grandes reis vestindo
roupas andrajosas e se metendo em trabalho braçal. Ninguém os conhecia,
ninguém os reconhecia. Que acontecera? O rei se fizera sem reputação,
disfarçando-se de homem comum e não levando consigo os atavios e as insígnias
dasuarealeza; noutras palavras, ele se fizera sem reputação. Ou vocês podem
pensar nisso em termos de um rei viajando incógnito. Foi exatamente o que
aconteceu na encarnação. Foi o que aconteceu quando o Filho de Deus desceu à
terra para habitar entre os homens. Apesar de continuar sendo o que sempre foi,
veio como homem e tomou sobre Si a forma de servo.

Aí estamos começando a avaliar as sublimes riquezas da graça de Deus. Foi isso


que a minha salvação e a de vocês significou e custou. Estamos interessados nas
sublimes riquezas da Sua graça, e estamos avaliando parte delas. Como é fácil
sentimentalizar o tema do bebê de Belém! Todavia, quando vocês olharem para
Ele, retrocedam, retrocedam penetrando a eternidade, considerem o que
significou para Ele vir para cá, e o que estava envolvido nisso! Como é vital que
sejamos teológicos e doutrinários em todo o nosso pensamento concernente
a Ele! Pensem com a mente, e só então sintam com o coração. Não comecem
com o coração, comecem com a cabeça, com a mente, com o entendimento. O
apóstolo já tinha orado para que os olhos do nosso entendimento fossem
iluminados! Vocês são cristãos, diz ele, mas terão percebido o que aconteceu, o
que estava envolvido, o que significou? “Ele se fez sem reputação.”
Inicialmente, Ele teve que chegar àquelas duas decisões, antes que pudesse
realizar-seaencamação. Eentão es tase realizou. Assim Ele veio e nasceu do
ventre de uma virgem - num estábulo, numa pequena localidade chamada Belém.
Assumira a natureza humana. Como eu disse, Ele não Se esvaziara da deidade
para tomar-Se homem. Continuando ainda como verdadeiro Deus de verdadeiro
Deus, Ele assumiu a t A 1 2 natureza humana. Assim e que agora Ele era
realmente homem, como

também realmente Deus. E ali O vemos na manjedoura.

Conforme entendo esta declaração do apóstolo, em tudo isso Deus estava


mostrando “as sublimes riquezas da sua graça”, e estava causando admiração aos
principados e potestades e anjos nos lugares celestiais - imagino que quando os
anj os olhavam por sobre as muralhas do céu, diziam algo como o seguinte:
Quem é este frágil, desvalido Filho de humilde jovem hebréia?

Eis o que diziam: “Quem é este?” Vocês se lembram de que, na pregação


anterior, vimos que estas mesmas potestades fitarão a Igreja glorificada e gente
como nós, com as nossas vestes brancas e com palmas nas mãos, e dirão: “Quem
são estes?” Entretanto em Belém a pergunta era:

Quem é este frágil, desvalido Filho de humilde jovem hebréia?

Há uma resposta, e somente uma: “É o Senhor, o rei da glória”. Esta é a


estupenda história do primeiro Natal. Ou deixemos que Charles Wesley responda
a pergunta. Contemplando aquela manjedoura, que vemos? Segundo Charles
Wesley:

Na carne velado, vede Deus;

Salve! Eis encarnada a Deidade!

Que paradoxos! Aí estão as duas medidas; aí estão as “incomensu-ráveis


riquezas da graça de Deus”; aí estão as sublimes riquezas, as insondáveis
riquezas - “Na carne velado” (aí está um extremo). “Vede Deus” (aí está o outro
extremo). Vocês podem medir estas grandezas? “Salve, eis encarnado” (sim, Ele
é uma criança, Ele é um bebê, Ele está chorando como qualquer outra criança;
ei-lO encarnado, ei-10 na carne -mas) “aDeidade”(aí está o outro extremo). As
imensuráveis riquezas da graça de Deus! Foi “por intermédio de Cristo Jesus”,
foi pelo envio do Seu próprio Filho a este mundo dessa maneira que Deus
nos abençoou o mostrou a Sua benignidade para conosco.

Depois, avancemos mais e vejamos Sua vida. Vocês já pararam para pensar e
meditar nisso? Como deve ter sido para o eterno Filho de Deus, viver num
mundo como este, um mundo de pecado? Vocês têm às vezes um sentimento de
completo desgosto quando andam pelas ruas
*

de Londres e vêem certas manifestações de pecado? A feiura, a sujeira, a


animalidade disso tudo? Certamente lhes enoja o estômago e vocês se revoltam -
e não há nada de errado em se sentirem assim, pois a coisa é hedionda, é terrível.
Mas multipliquem isso por milhões, pelo infinito, e tentem entender como deve
ter sido para o Filho de Deus viver e habitar num mundo como este, e ter que
mesclar-Se com a nossa raça decaída - Aquele que é descrito como “amigo de
publicanos e pecadores”. Isto constitui uma parte da graça de Deus “por
intermédio de Cristo Jesus”. Aí é onde vocês vêem “as insondáveis riquezas da
sua graça”. Ele “suportou tais contradições dos pecadores contra si mesmo”
(Hebreus 12:3) durante trinta e três anos. E quando esteve na terra, nunca teve
casa própria. “As raposas têm covis, e as aves dos céus ninhos”, diz Ele, “mas o
Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Lucas 9:58). E depois essa
outra declaração no Evangelho Segundo João: “Cada um foi para sua casa. Jesus,
porém, foi para o Monte das Oliveiras” (João 7:53; 8:1). Nunca teve casa, nunca
possuiu um lar. Aquele por meio de quem todas as coisas foram feitas e sem
o qual nada do que foi feito se fez, não tinha onde pousar Sua cabeça, não teve
um lar que fosse Seu mesmo. “Por intermédio de Cristo Jesus”! Pensem ainda
em toda conspiração feita contra Ele, em como O esbofetearam, cuspiram em
Seu rosto, e pensem no interrogatório, nas tentativas de fazê-10 cometer erro.

Essas coisas são fatos, e devemos concentrar-nos nos fatos, devemos ir direto de
volta aos fatos. Não somos salvos por uma filosofia, nem por alguma bela idéia,
nem por alguma fantasia maravilhosa, nem por alguma concepção poética. Não,
estas coisas são fatos literais, duros, sólidos. Ele desceu à terra e passou por tudo
isso por nós e pela nossa salvação. E tudo fato literal! Vej am-nO no Jardim do
Getsêmani suando em agonia “grandes gotas de sangue”. “As insondáveis
riquezas da sua graça, por intermédio de Cristo Jesus.” E depois a cruz - a dor e
o sofrimento! “Não podemos saber, não podemos dizer, que dores Ele teve que
sofrer!” Mas sabemos que Ele esteve lá, outra vez em agonia. Ele bradou:
“Tenho sede”. E depois, acima de todos os outros sofrimentos, o sentimento de
abandono - “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” “As sublimes
riquezas da sua graça em sua benig-nidade para conosco, por intermédio de
Cristo Jesus”. Suportar o esmagador fardo do pecado do mundo; suportar a ira
do Seu santo Pai;
Ah, se fosse só Londres! Nota do tradutor.

ser feito pecado! Essa é a medida. E quando Ele estava sofrendo estas coisas
todas, continuava sendo o eterno Filho de Deus, bem como Filho do homem.
Sofrimento como o dEle não podemos imaginar; porém Ele sofreu o suficiente
para cumprir plenamente a pena imposta ao pecado. É “por intermédio de Cristo
Jesus” que nos vêm as bênçãos.

Ele morre, eles O levam e O sepultam num túmulo. Vocês recordam como Pedro
falou perfeitamente sobre isso em seu discurso a certos judeus incrédulos,
quando disse: “Matastes o Príncipe da vida” - o que significa, o Autor da vida
(cf. ARA). Aí vocês têm de novo a medida absoluta: morte (“matastes”) - vida
(“o Autor da vida”). O Autor da vida foi morto. Aí está a medida das sublimes
riquezas da graça de Deus. Eles O mataram, fizeram baixar o Seu corpo e O
sepultaram num túmulo, e sobre este rolaram uma pedra. Essa é a medida de
todos esses fatos. Então Deus O ressuscitou, como Paulo nos diz aqui, tirou-O
dentre os mortos, levou-0 para o céu, e O glorificou e O exaltou. Aí está o
movimento completo, da glória da eternidade à terra e ao túmulo, e então de
volta à glória. Essa é a medida das “sublimes riquezas da sua graça”.

O ponto visado pelo apóstolo é que Deus fez isso tudo com a finalidade de
mostrar a todas as eras futuras a Sua glória e grandeza, e especialmente as
sublimes riquezas da Sua graça. E permitam que se torne a salientar, para
mostrá-las não somente aos homens. E de fato um tema pertimente aos homens,
mas não somente a eles; é o que deixa os anjos extasiados. Um hino que às vezes
cantamos expressa perfeita mente esta verdade:

Anjos dos páramos da glória,

Voai por sobre toda a terra.

Vós que cantastes a Criação,

O Natal hoje proclamai!

Os anjos que cantaram na manhã da criação cantaram outra vez na manhã do


nascimento do Messias. Nunca o céu tinha visto uma coisa como esta. Nunca o
céu tinha visto um tema como este, como este evento estupendo. O bebê que
nasceu, que eles conheciam como o Senhor, o Filho unigênito do Pai, Aquele por
meio de quem tudo foi criado, está deitado como um frágil bebê numa
manjedoura. Não admira que eles tenham cantado e saudado o nascimento do
Messias. E eles continuam admirados, pois o apóstolo Pedro nos diz, em sua
Primeira Epístola, que

não somente os profetas, na antiga dispensação, tinham profetizado estas coisas,


a saber, os sofrimentos de Cristo e a glória que se lhes seguiria; coisas que os
deixaram surpresos e admirados, porém que também é verdade que “para as
quais coisas os anjos desejam bem atentar” (1:12). Que afirmação espantosa!
Estas “coisas” são “os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se
lhes havia de seguir”, omovimento completo, que inclui a encarnação, a vida,
amorte expiatória, o sepultamento, a ressurreição, a glorificação - “para as quais
coisas”, diz Pedro, “os anjos desejam bem atentar”. Ele emprega aqui uma
palavra muito interessante. Essa palavra “desejam” significa desejo muito
intenso e desejo muito forte. Ela inclui de fato mais uma idéia, a de que eles se
debruçaram para vê-las. “As quais coisas os anjos estão se debruçando para ver
bem”! A encarnação do Filho! A morte do Autor da vida! O sepultamento do
Criador! É a coisa mais assombrosa. Os anjos estão admirados, e eles adoram e
louvam a Deus quando vêem esta manifestação, esta exposição, esta exibição
das sublimes riquezas da Sua graça. O que os espanta não é somente o fato de
que pecadores miseráveis, rebeldes, como eu e vocês, tenham sido vivificados,
recebendo nova vida, tenham sido ressuscitados e habilitados para viver
para Deus, e que, finalmente, sejam glorificados e passem a eternidade em Sua
presença - algo espantoso, e eles ficam maravilhados com isso -mas quando eles
consideram o método pelo qual Deus fez isso tudo, até o poder de expressão
deles falha e se torna inadequado. É algo que supera tudo, Deus amar o mundo
de tal maneira, ao ponto de dar, até à vergonhosa e cruel morte de cruz, o Seu
Filho unigênito, para que todo aquele que nEle crê - sem obras nem mérito - não
pereça, mas tenha a vida eterna. “Para mostrar nos séculos vindouros as sublimes
riquezas da sua graça em sua benignidade para conosco, por intermédio de
Cristo Jesus”.

1
Expressão presente no Credo Niceno (125 A. D.). Nota do tradutor.

2
Com inicial minúscula, para advertir os que pensam que Cristo é um Ser (homem) diferente em Sua
humanidade do comum dos mortais; que a Sua natureza humana é na verdade super-humana. Nota
do tradutor.
PELA GRAÇA POR MEIO DA FÉ

“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de
Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie; porque somos feitura
sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para
que andássemos nelas”.

- Efésios 2:8-10

Nestes três versículos o apóstolo resume a grande argumentação que ele nos
transmite nos sete primeiros versículos deste capítulo. Ele a traz toda a um
centro focal. Imagino que, em certos aspectos, podemos dizer que em parte
alguma desta Epístola se vê declaração mais importante que esta. Naturalmente,
tudo vem prenhe de doutrina, como temos visto; mas, certamente, do nosso
ponto de vista, e para que se tenha verdadeiro e claro entendimento do que é que
nos faz cristãos, não há nada que seja mais importante do que essa declaração
particular. E, portanto, é óbvio que é igualmente importante no sentido prático.

Aqui está, seguramente, uma declaração que precisa ser aceita como
determinante em toda obra de evangelização. De igual modo, ela deve
determinar toda a nossa prática da vida cristã, porque a crença e a prática são
inseparáveis. Não se pode separar terminantemente o conceito que a pessoa tem
destas coisas, do seu relacionamento integral com elas. Por isso digo que nesta
passagem estamos face a face com uma das declarações mais cruciais de todas as
Escrituras, e obviamente é por isso que o apóstolo a expõe desta forma especial.
Por essa mesma razão também, ele já tinha orado, no capítulo primeiro, para que
os olhos do nosso entendimento fossem iluminados. Jamais poderemos repetir
isso em demasia. Esta grande Epístola, talvez a maior de todas em
alguns sentidos, impregnada de profunda teologia e de afirmações
doutrinárias, foi, não obstante, escrita primordialmente com o objetivo de ajudar
as pessoas de maneira prática e pastoral. Noutras palavras, não devemos pensar
que ela é, primeiramente e acima de tudo, uma tentativa da parte do apóstolo, de
escrever um tratado teológico. O apóstolo não era um teólogo profissional -
pergunto se deveria existir tal coisa. O apóstolo era pregador e evangelista. Tal
homem, é evidente, tem que ser teólogo - se não o for, não poderá ser um
verdadeiro evangelista - no entanto não se tratava de uma questão profissional. A
abordagem do apóstolo não
é acadêmica, não é teórica; ele estava interessado em ajudar aqueles crentes a
viverem a vida cristã. Foi por isso que lhes escreveu. Mas ele sabia que ninguém
pode viver esta vida cristã se primeiro não tiver um verdadeiro entendimento do
que é que afinal nos faz cristãos. Portanto, quando Paulo lhes escreve, ele parte
desta grande doutrina, e depois passa à sua aplicação.

É o que ele faz aqui, em sua oração por eles, no sentido de que os olhos do seu
entendimento sejam iluminados, para que eles possam conhecer a esperança da
vocação de Deus, as riquezas da glória da Sua herançanos santos e, talvez mais
importante que tudo mais, aimensurável grandeza do Seu poder para conosco, os
que cremos. Essa era a dificuldade daqueles crentes; não se davam conta desse
poder. E é esta a nossa dificuldade - a nossa incapacidade de perceber a
imensurável grandeza do poder de Deus em nós, os que cremos. Assim ele
procurou revelá-la, expô-la e colocá-la claramente diante deles. Ele a
tinha exposto em detalhe: a descrição negativa nos versículos 1 a 3; a
positiva nos versículos 4 a 7. Feito isso ele diz: agora, então, tudo vem a
dar nisto... Vocês podem notar que ele começa com a palavra “Porque”. “Porque
pela graça sois salvos.” É uma continuação; ele retrocede ao que estivera
dizendo, e depois o coloca mais uma vez de um modo que não nos deixará
esquecê-lo nunca mais.

E uma descrição do que significa realmente ser cristão. Cada vez me convenço
mais de que a maior parte dos nossos problemas na vida cristã surge nesse ponto.
Pois, se não estivermos certos no começo, estaremos errados em toda parte. E,
visto que muitos ainda estão confusos nesse primeiro passo, estão sempre cheios
de problemas, dificuldades e perguntas, e não podem entender isto, e não
conseguem ver aquilo. É porque nunca entenderam bem o alicerce.

Bem, aí está para nós - e, como eu disse, não há declaração mais clara sobre isso
em parte alguma das Escrituras.

Então, porque a confusão? Muitas vezes a confusão aparece porque as pessoas


transformam estas grandes declarações do apóstolo em matéria de controvérsia.
E o fazem porque insistem em introduzir a sua filosofia, com o que me refiro às
suas idéias pessoais. Em vez de tomarem as claras afirmações do apóstolo, elas
dizem: mas eu não consigo ver isto. Se é assim, então não entendo como Deus
pode ser um Deus de amor. Noutras palavras, essas pessoas começam a filosofar
e, naturalmente, no momento em que vocês começarem a fazer isso, estarão
fadados a ter dificuldades. Ou aceitamos as Escrituras como nosso único
fundamento, ou não. Muitos dizem que as aceitam, mas logo

vêm com a sua incapacidade de entender. No momento em que vocês fizerem


isso, terão abandonado as Escrituras e estarão introduzindo a sua capacidade
pessoal, o seu entendimento, e as suas teorias e idéias pessoais. Esse tem sido
constantemente o problema, especialmente com este três versículos que estamos
considerando. O que me proponho a fazer, portanto, é simplesmente colocar
estas afirmações diante de vocês, e pedir-lhes que as considerem e que meditem
sobre elas. Aqui está o fundamento completo da nossaposição como cristãos. E
aqui que se nos diz com exatidão como foi que nos tornamos cristãos.

Que é que o apóstolo diz? Diz ele que somos cristãos inteiramente como
resultado da graça de Deus. Ora, certamente ninguém pode contestar isso.
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de
Deus.” Notem o método do apóstolo aqui. A declaração toda está em três
versículos e, em certo sentido, podemos tomar os três versículos como nossas
divisões e subtítulos. Primeiro ele faz uma declaração positiva no versículo 8.
Coloca a seguir uma negativa, no versículo 9; e o propósito danegativa é reforçar
a positiva. Está apenas dizendo a mesma coisa negativamente. E depois,
no versículo 10, ele parece combinar as duas, a positiva e a negativa.

Examinemos primeiro a declaração positiva. Sua asserção feita positivamente é


que nós somos cristãos inteira e unicamente como resultado da graça de Deus.
Lembremo-nos mais uma vez de que “graça” significa favor imerecido. E uma
ação que brota inteiramente do caráter misericordioso de Deus. Assim, a
proposição fundamental é que a salvação é algo inteiramente procedente da parte
de Deus. O que é mais importante ainda é que ela não somente vem da parte de
Deus, porém nos vem apesar de nós mesmos - favor “imerecido”.
Noutras palavras, não é a resposta de Deus a alguma coisa que haja em nós.
Há muitos, no entanto, que parecem pensar que é - que a salvação é a resposta de
Deus a algo existente em nós. Mas a palavra “graça” exclui isso. É apesar de
nós. Como vimos, o apóstolo mostra-se muito ansioso para dizer isso. Obsevem
o modo interessante como ele, por assim dizer, introduziu-o sutilmente no
versículo cinco. Ele se interrompeu, quebrou a simetria da sua exposição, e se
fez culpado de grave defeito, do ponto de vista do estilo literário. Contudo, ele
não estava preocupado com isso. Ouçam-no: “Estando nós ainda mortos em
nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo”, e então, em vez de dar o
passo seguinte - parênteses “(pela graça sois salvos)”. Aqui ele o expressa um
pouco mais explicitamente. A salvação não é, em nenhum sentido,
a resposta de Deus a algo existente em nós. Não é algo de que nalgum sentido
tenhamos merecimento ou mérito. Toda a essência do ensino neste ponto, e em
toda parte do Novo Testamento, é que não temos nenhum tipo ou nenhuma
espécie de direito à salvação, e que toda a glória da salvação é que, apesar de
nada merecermos, senão a punição, o inferno e o banimento da presença de Deus
por toda a eternidade, não obstante Deus, por Seu amor, Suagraça e Sua
maravilhosa misericórdia, concedeu-nos esta salvação. Pois bem, esse é todo o
ensino do termo “graça”.

Não precisamos demorar-nos aqui, porque já estivemos tratando disso nos sete
versículos anteriores. Qual é o objetivo desses versículos? Não será apenas
mostrar-nos essa mesma verdade negativa e positivamente? Qual é o objetivo
dessa horrível descrição do homem como ele é por natureza em conseqüência do
pecado nos três primeiros versículos, senão justamente mostrar que o homem,
como ele é, não merece nada, exceto a retribuição aos seus pecados? Ele é por
natureza filho da ira, e não somente por natureza, mas também por conduta, por
seu comportamento, por sua atitude em geral para com Deus - vivendo segundo
o curso deste mundo, governado pelo príncipe das potestades do ar. Esse é o tipo
de criatura que ele é; morto em ofensas e pecados, criatura cheia de cobiças,
cobiças da carne, “fazendo a vontade da carne e dos pensamentos”. Não existe
descrição mais horrorosa do que essa. Não se pode imaginar um estado pior do
que esse. Uma criatura como essa merece alguma coisa? Tem algum direito
diante de Deus? Poderá ir à frente com alguma causa ou demanda para defender?
Todo o ponto visado pelo apóstolo é que tal criatura não merece nada das mãos
de Deus, senão a retribuição aos seus pecados. E depois ele desenvolve o seu
argumento com o seu grande contraste - “mas Deus” - que já consideramos em
detalhe. E o propósito disso, seguramente, é exaltar a graça e a misericórdia de
Deus, e mostrar que, onde o homem não merece absolutamente nada, Deus não
somente lhe dá, e lhe dá liberalmente, mas faz chover sobre ele “as imensuráveis
riquezas da sua graça”.

Esse é, pois, o primeiro princípio: que somos cristãos única, total e


exclusivamente por causa da graça de Deus. Referi-me ao versículo cinco porque
é extremamente inportante nesta argumentação. Notem como o apóstolo o
inseriu ali, fê-lo escorregar para dentro, por assim dizer, insinuou-o. Por quê?
Observem o contexto. Diz ele que foi exatamente “quando estávamos mortos em
pecados” que Deus nos vivificou. E então, imediatamente - “(pela graça sois
salvos)”. Se você
não enxergar o princípio nesse ponto, não o enxergará em lugar nenhum. O que
ele estava dizendo é que estávamos mortos, isto é, absolutamente sem vida;
portanto, sem nenhuma capacidade. E aprimeira coisa que nos era necessária, era
que nos fosse dada vida, que fôssemos vivificados. E diz ele que foi exatamente
isso que Deus fez conosco. Pelo que diz ele: vocês não conseguem ver isso? E
pela graça que vocês são salvos. Portanto, ele o coloca nesse ponto em particular
obviamente por essa razão. É a única conclusão que se pode deduzir. Criaturas
que estavam espiritualmente mortas, agora estão vivas - como aconteceu? Pode
um morto voltar a viver por si mesmo? Impossível. Há uma única resposta: “Pela
graça sois salvos”. Chegamos, pois, a esta inevitável conclusão: somos cristãos
neste momento única e inteiramente pela graça de Deus.

O apóstolo nunca se cansava de dizer isso. Que mais poderia ele dizer? Quando
ele olhava para trás.paraoblásfemoSaulo de Tarso, que odiava a Cristo e a Igreja
Cristã e fazia o máximo que podia para exterminar o cristianismo, respirando
ameaças e morte; quando olhava para trás e via isso, e depois olhava para si
mesmo como ele agora era, que poderia ele dizer, senão isto: “Sou o que sou
pela graça de Deus”? E devo confessar que ultrapassa a minha capacidade de
entender como algum cristão ou alguma cristã, ao olhar para si, possa dizer
coisa diferente. Se quando você dobra os joelhos diante de Deus não se der conta
de que é “devedor à misericórdia, única e exclusivamente”, confesso que não
entendo você. Há alguma coisa tragicamente defeituosa, ou no seu sentimento de
pecado, ou na suacapacidade de percepção da grandeza do amor de Deus. Este é
o tema sempre presente no Novo Testamento, a razão pela qual os santos dos
séculos sempre louvaram o Senhor Jesus Cristo. Eles vêem que quando estavam
em total desesperança, verdadeiramente mortos, e eram vis e
repugnantes, “odiosos, odiando-nos uns aos outros”, como diz Paulo escrevendo
a Tito (3:3). Deus olhou para eles. Foi “quando éramos ainda pecadores”, mais,
foi “quando éramos inimigos” que fomos reconciliados com Deus pela morte do
Seu Filho - inimigos; alienados em nossas mentes, completamente opostos. Não
seria certo que temos que ver que é pela graça, e somente pela graça, que somos
cristãos? E totalmente imerecido, é somente como resultado da bondade de
Deus.

A segunda proposição, como indiquei, é colocada em forma negativa pelo


apóstolo. Diz ele que o fato de que somos cristãos não nos dá base nenhuma
parajactância. Essa é a forma negativa da primeira proposição. A primeira é que
somos cristãos única e inteiramente como
resultado da graça de Deus. Portanto, em segundo lugar, temos que dizer que o
fato de sermos cristãos não nos dá nenhuma base para gabar-nos. O apóstolo faz
a colocação disso com duas declarações. A primeira é: “isto não vem de vós”;
não satisfeito com isso, o apóstolo se expressa mais explicitamente com estas
palavras: “para que ninguém se glorie”. Aí temos duas declarações vitalmente
importantes. Certamente nada poderia ser mais forte: “Não vem de vós”; “para
que ninguém se glorie”. Este sempre deve ser o teste decisivo do nosso conceito
da salvação e do que nos faz cristãos. Examinemo-nos por um momento. Qual a
idéia que você faz de si mesmo como cristão? Como foi que você se tornou
cristão? De que depende? Que é que está no fundo? Qual a razão? Essa é a
questão decisiva e, segundo o apóstolo, o teste vital. A sua idéia de como você se
tornou cristão lhe dá alguma base para orgulhar-se de si mesmo, para gabar-se?
Essa sua idéia reflete de alguma forma algum mérito a seu favor? Se reflete,
segundo esta declaração apóstolica não hesito em dizê-lo você não é cristão.
“Não vem de vós; para que ninguém se glorie”. No capítulo três da Epístola aos
Romanos o apóstolo se expressa com mais clareza ainda, com uma pergunta.
Aí está diz ele, o plano divino de salvação, e depois, no versículo 27, pergunta:
“Onde está logo a jactância?” Ele responde, dizendo: “É excluída”, é posta para
fora, e a porta é fechada sobre ela; não há lugar para ela aqui.

Não admira que o apóstolo Paulo tenha tanto gosto em colocar a questão dessa
maneira em especial, porque, antes da sua conversão, antes de se tornar cristão,
ele bem sabiao que erajactar-se. Nuncahouve uma pessoa tão satisfeita consigo
ou mais segura de si do que Saulo de Tarso. Tinha orgulho próprio em todos os
aspectos - orgulhava-se de sua nacionalidade, da tribo em que nascera em Israel,
de haver sido criado como fariseu e de haver sentado aos pés de Gamaliel,
orgulhava-se de sua religião, da sua moralidade, do seu conhecimento. Ele nos
fala disso tudo no capítulo três da Epístola aos Filipenses. Ele costumava jactar-
se. Levantava-se e dizia coisas semelhantes a estas: quem pode contestar isto?
Aqui estou, um bom homem, de boa moral, religioso. Observem-me nos meus
deveres religiosos, observem o meu viver, observem-me em todos os aspectos;
tenho-me dedicado a esta vida piedosa e santa, e estou satisfazendo a Deus. Essa
era a sua atitude. Gabava-se. Achava que era um homem de tanto valor e que
tinha vivido de tal maneira que podia orgulhar-se disso. Essa era uma das
suas grandes palavras. Mas chegou a ver que uma das maiores
diferenças resultantes do fato de haver-se tornado cristão foi que tudo isso foi

jogado fora e passou a ser irrelevante. Por isso acostumou-se a usar linguagem
forte. Olhando para trás, para tudo aquilo de que tanto se jactara, ele diz: “É
escória e perda!” Não se contenta em dizer que tudo aquilo era mal; é vil, é sujo,
é nojento. Jactância? Foi excluída! Entretanto o apóstolo conhece tão bem o
perigo neste ponto que não se contenta com uma declaração geral; ele indica
particularmente dois aspectos nos quais somos propensos à jactância.

O primeiro é esta questão de obras. “Pela graça sois salvos, e isto não vem de
vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie”. E sempre
com relação às obras que somos mais propensos a jactar-nos. É nesse ponto que
o diabo nos tenta de maneira a mais sutil. Obras! Essa era a razão pela qual os
fariseus eram os maiores inimigos de Jesus Cristo; não porque fossem meros
faladores, mas porque realmente faziam coisas. Quando aquele fariseu disse
(Lucas 18:12) -“Jejuo duas vezes na semana”, estava falando a verdade; quando
ele disse: “ dou os dízimos de tudo quanto possuo”, estava sendo rigorosamente
exato. Os fariseus não falavam apenas, faziam realmente estas coisas. E é por
isso que eles ficaram tão aborrecidos com a pregação do Filho de Deus e foram
grandemente responsáveis pela Sua crucifixão. Seria ir longe demais dizer que é
sempre mais difícil converter uma pessoa boa do que uma pessoa má? Penso que
a história da Igreja prova isso. Os maiores opositores da religião evangélica
sempre têm sido gente boa e religiosa. Alguns dos mais cruéis perseguidores de
que fala a história da Igrej a pertenciam a essa classe. Os santos sempre
sofreram mais profundamente nas mãos de gente boa, de bom nível
moral, religiosa. Por quê? Por causa das boas obras. O evangelho bíblico
sempre denuncia a confiança nas boas obras, o orgulho pelas boas obras e
a jactância acerca das boas obras, e aquelas pessoas não aguentam isso. Toda a
sua posição foi edificada sobre isso - o que elas são, o que elas fizeram e o que
elas estão sempre fazendo. Isso constitui toda a posição delas e, se vocês lhes
tirarem isso, elas ficarão sem nada. Por isso elas odeiam a pregação realmente
bíblica, e a combaterão até não poderem mais. O evangelho faz de nós
mendigos. Ele nos condena, a todos e a cada um de nós. Não há diferença, Paulo
afirma em toda parte, não há diferença entre o gentio, que está fora da
comunidade, e o judeu religioso, aos olhos de Deus - “Não há um justo, nem um
sequer”. Assim, é preciso que as obras desapareçam, que não nos gabemos
delas. Mas nós temos a tendência de gabar-nos delas - o nosso viver virtuoso, as
nossas boas ações, as nossas observâncias religiosas, a nossa freqüência aos
cultos (e particularmente quando vimos de manhã bem cedo),

e assim por diante. São estas coisas, as nossas atividades religiosas, que nos
fazem cristãos. É esse o argumento.
No entanto o apóstolo desmascara e denuncia tudo isso, e o faz com muita
simplicidade, da seguinte maneira: diz ele que falar sobre as obras é voltar ao
jugo da lei. Se você pensa, diz ele, que é a sua vida virtuosa que faz de você um
cristão, está tomando a ficar debaixo da lei. Mas é inútil fazê-lo, diz ele, por esta
razão. Se você tornar a colocar-se debaixo da lei, estará condenando a si próprio,
pois “nenhuma came será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela
lei vem o conhecimento do pecado”, Se você quiser tentar justificar-se por
sua vida e por suas obras, você estará indo direto para a condenação, porque as
melhores obras do homem não são suficientemente boas aos olhos de Deus.
Todos fomos condenados pela lei - “Todos pecaram e destituídos estão da glória
de Deus”. “Não há um justo, nem um sequer”. Portanto, não sejam tolos, diz
Paulo; não se apartem da graça, pois fazê-lo é ir para a condenação. As obras de
homem nenhum serão suficientes para justificá-lo aos olhos de Deus. Que tolice,
então, tornar a ficar debaixo das obras!

Mas não somente isso, no versículo dez ele explica que fazer isso é fazer o
contrário do que se deve. Tais pessoas pensam que pelas suas boas obras elas se
fazem cristãs, ao passo que, diz Paulo, é exatamente o contrário. “Somos feitura
sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que
andássemos nelas.” A tragédia é que as pessoas pensam que, se tão-somente
fizeren certas coisas e evitarem outras, e tiverem uma vida virtuosa, e saírem
para ajudar outras pessoas, dessa maneira se tornarão cristãs. Que cegueira!, diz
Paulo. Esta é a maneira de ver as boas obras: Deus nos faz cristãos para
que pratiquemos boas obras. Não é uma questão de as boas obras levarem ao
cristianismo, e sim de o cristianismo levar às boas obras. É exatamente o oposto
daquilo em que as pessoas tendem a crer. Portanto, não há nada que seja tão
completa contradição da verdadeira posição cristã como essa tendência que
temos de jactar-nos e de pensar que, porque somos o que somos e fazemos o que
fazemos, tornamo-nos cristãos. Não; Deus faz cristãos, e depois eles vão praticar
as suas boas obras. A jactância é excluída. “Onde está logo a jactância? É
excluída. Por qual lei? Das obras? Não; mas pela lei da fé.” Vemos que as obras
são excluídas na questão de alguém se tornar cristão. Não devemos jactarmos
das nossas obras. Se de alguma forma mostrarmos que achamos que temos
bondade, ou se estivermos confiantes em alguma coisa que fizemos, estaremos
negando a graça de Deus. Isto é o oposto do cristianismo.

Contudo, a lástima é que não são somente as obras e as ações que tendem a
insinuar-se. Existe algo mais - a fé! A fé tende a introduzir-se e afazer com que
nos jactemos. Há uma grande controvérsia acerca deste versículo - “Porque pela
graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus”. A
grande questão é, a que se refere a palavra “isto”? E há duas escolas de opinião.
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto (a fé) não vem de vós, é
dom de Deus”, diz uma escola. Mas, de acordo com a outra escola, a palavra
“isto” não se refere à “fé”, e sim à “graça”, mencionada no início da
frase: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto (esta posição
na graça) não vem de vós, é dom de Deus”. Seria possível resolver a disputa?
Não. Não é questão de gramática, não é questão de língua. Vocês verão que,
como usualmente acontece, as grandes autoridades estão divididas entre as duas
escolas, e é muito interessante, quase divertido, notar os lados aos quais elas
pertencem. Por exemplo, se eu perguntasse qual era a opinião de Calvino sobre
isso, estou certo de que vocês logo responderiam que Calvino dizia que “isto” se
refere à fé, e não à graça. Mas a verdade é que Calvino disse exatamente o
oposto, que “isto” se refere à “graça” e não à “fé”. E uma questão que não se
pode resolver. E há um sentido em que realmente isso não tem a
mínima importância, porque no fim dá no mesmo. Noutras palavras, o
importante é não recair nas “obras”.

Mas há muitos que fazem isso. Transformam a sua fé numa espécie de obras. Na
verdade, existe muito ensino evangelístico popular atualmente que afirma que a
diferença que o Novo Testamento faz pode ser expressa desta maneira: no Velho
Testamento Deus olhava para o povo e dizia: aqui está aMinha lei, aqui estão os
DezMandamentos; guardem-nos, e Eu os perdoarei e vocês serão salvos. Mas,
esse ensino continua e diz: não é assim agora. Deus pôs tudo isso de lado, não
existe mais lei, Deus simplesmente nos diz: “Creiam no Senhor Jesus Cristo”, e
vocês serão salvos. Noutras palavras, o que dizem os que tal coisa ensinam
é que, crendo no Senhor Jesus Cristo, a pessoa se salva. Todavia isso
é transformar a fé em obras, porque isso eqüivale a dizer que a nossa ação é que
nos salva. Mas o apóstolo diz: “Não vem de vós”. Se “isto” se refere à fé ou à
graça, não importa; “sois salvos”, diz Paulo, “pela graça, e isto não vem de vós”.
Se é a minha fé que me salva, eu mesmo me salvei; porém Paulo afirma que isso
não vem de você. De modo que jamais devo falar da minha fé de molde a fazê-la
vir “de mim mesmo”. E não é só isso. Se me tornei cristão dessa maneira,
certamente isso também me dá base para jactar-me, para gloriar-me; mas Paulo
diz:

“Não de obras, para que ninguém se glorie”. A minha jactância tem que ser
excluída totalmente.
Portanto, quando pensamos na fé, temos que ter o cuidado de examiná-la à luz
do que foi dito. A fé não é a causa da salvação. Cristo é a causa da salvação. A
graça de Deus no Senhor Jesus Cristo é a causa da salvação, e jamais devo falar
de um modo que apresente a fé como acausa da salvação. Então, o que é a fé? A
fé é apenas o instrumento pelo qual a salvação chega a mim. “Pela graça sois
salvos, por meio da fé.” A fé é o canal, é o instrumento através do qual esta
salvação, que é da graça de Deus, vem a mim. Sou salvo pela graça, “por meio
da fé”. A fé é simplesmente o meio através do qual a graça de Deus, que
traz salvação, entra em minha vida. Portanto, devemos ser sempre extremamente
cautelosos, jamais dizendo que é a nossa fé que nos salva. A fé não salva, crença
não salva, Cristo salva - Cristo e a Sua obra acabada. Não a minha crença, não a
minha fé, não o meu entendimento, nada que eu faça - “não vem de vós”, “a
jactância é excluída”, “pela graça, por meio da fé”.

Certamente o que a passagem que inclui os três primeiros versículos deste


capítulo tem por objetivo é mostrar que nenhuma outra posição é possível. Como
pode alguém que está “morto” em ofensas e pecados salvar-se? Como pode
alguém que é “estranho e inimigo no entendimento”, cujo coração está “em
inimizade contra Deus” (pois é o que as Escrituras nos falam acerca do homem
natural), como pode tal pessoa fazer alguma coisa que seja meritória? É
impossível. A primeira coisa que acontece conosco, diz-nos o apóstolo nos
versículos 4 a 7, é que fomos “vivificados”. Nova vida foi introduzida em nós.
Por quê? porque sem vida não podemos fazer coisa alguma. A primeira coisa
que o pecador necessita é vida. Ele não pode pedir vida, pois está morto. Deus
lhe dá vida, e o pecador prova que a tem crendo no evangelho. A vivificação é o
primeiro passo. E a primeira coisa que acontece. Eu não peçoparaservivificado.
Se eu pedissepara ser vivificado, não precisaria ser vivificado, já teria vida. No
entanto, estou morto, e estou em inimizade contra Deus e a Ele me oponho, não
tenho entendimento, tenho ódio. Mas Deus me dá vida. Ele me vivificou
juntamente com Cristo. Portanto, a jactância é inteiramente excluída gloriar-me
das obras, gloriar-me até da fé. Isso tem que ser excluído. A salvação
é inteiramente de Deus.

Isso nos leva ao último princípio, que resumo da seguinte maneira: o fato de
sermos cristãos é totalmente resultante da obra de Deus. O

real problema de muitos de nós é que a nossa concepção do que é que nos faz
cristãos é demasiado fraca, demasiado pobre; é a nossa incapacidade de perceber
a grandeza do que significa ser cristão. Paulo diz: “Somos feitura sua”! É Deus
que fez algo, é Deus que está operando; somos Sua feitura. Não trabalho nosso,
mas Seu trabalho. Portanto, digo de novo, não é a nossa vida virtuosa, não são os
nossos esforços todos e a esperança de por fim sermos cristãos, que nos torna
cristãos. Mas permitam-me ir mais longe. Não é a nossa decisão, o nosso
“decidir-nos por Cristo”, que nos faz cristãos; isso é obra nossa. A decisão entra
nisso, porém não é a nossa decisão que nos faz cristãos. Paulo afirmaque
somos feitura Sua. E assim vocês vêem quão gravemente o nosso
pensamento leviano e nosso falar leviano representam mal o cristianismo!
Lembro-me de um homem muito bom - sim, um bom cristão - cujo modo de dar
testemunho era sempre este: “Eu me decidi por Cristo há trinta anos, e nunca me
arrependi”. Era a sua maneira de expressá-lo. Não é esse o modo como Paulo
descreve o tornar-se cristão. “Somos feitura sua”! Essa é a ênfase. Não algo em
que tomei parte ativa, não algo que decidi, mas algo que Deus fez por mim.
Aquele homem faria melhor se se expressasse assim: há trinta anos eu estava
morto em ofensas e pecados, porém Deus começou a fazer algo em mim; tomei
consciência de que Deus estava lidando comigo; senti que Deus me esmagava;
senti as mãos de Deus me refazendo. E assim que Paulo expressa o fato; não, eu
me decidi, não, eu tive parte ativa na entrada no cristianismo, não, eu
decidi seguir a Cristo, não, absolutamente. Isto tem seu papel, mas depois.

Somos feitura Sua. O cristão é alguém em quem Deus operou. E vocês podem
observar que tipo de trabalho é, segundo Paulo. Não é nada menos que uma
criação. “Criados em Cristo Jesus para as boas obras.” O apóstolo gostava muito
de dizer isso. Ouçam-no dizê-lo aos filipenses: “Tendo por certo isto mesmo, que
aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até o dia de Jesus Cristo”
(1:6). DEUS! Ele começou uma boa obra em você! E obra de Deus! Ele veio
quando você estava morto e o vivificou, pôs vida em você. É isso que faz de um
homem um cristão. Não as suas boas obras, não a sua decisão, mas a
determinação de Deus concernente a você posta em prática.

É aqui que vemos como as nossas idéias, em relação ao que o cristão é, estão
desesperadamente aquém do ensino bíblico. O cristão é uma nova criação. Não é
apenas um bom homem, ou um homem que melhorou um pouco; é um novo
homem, “criado em Cristo Jesus”. Ele foi introduzido em Cristo, e a vida de
Cristo penetrou nele. Somos

“participantes da natureza divina” (2 Pedro 1:4). “Participantes da natureza


divina”! Que é um cristão? Um bom homem, um homem de boa moral, um
homem que crê em certas coisas? Sim, mas infinitamente mais! Ele é um novo
homem, a vida de Deus entrou em sua alma -“criado em Cristo”, “feitura de
Deus”! Você já tinha compreendido que é isso que faz de você um cristão ? Não
é freqüentar um local de culto. Não é cumprir certos deveres. Todas estas coisas
são excelentes, porém nunca nos tomam cristãos (podem tornar-nos fariseus!).
Quem faz cristãos é Deus, e Ele o faz da seguinte maneira: Ele criou todas as
coisas do nada no princípio, e Ele vem ao homem e o faz de novo e lhe dá
nova natureza e faz dele um novo homem. O cristão é “uma nova criação”, nada
menos que isso.

Se você está interessado em obras, diz Paulo, vou dizer-lhe qual é o tipo de obras
nas quais Deus está interessado. Não são aquelas miseráveis obras que você
pode fazer como uma criatura por natureza em pecado. E uma nova classe de
obras - “criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para
que andássemos nelas” - as boas obras de Deus\ Que quer dizer ele? Ele quer
dizer que o nosso problema é não somente que a nossa idéia do cristianismo é
inadequada, a nossa idéia de boas obras é ainda mais inadequada. Ponham no
papel as boas obras que as pessoas pensam que são bastante boas para fazê-
las cristãs. Juntem-nas e ponham no papel todas aquelas coisas em que elas estão
confiando, Ponham-nas no papel, e depois levem-nas a Deus e digam: é isso que
tenho feito. Quecoisaridícula!-émonstruosa. Vejam o que elas estão fazendo.
Essas não são as obras em que Deus está interessado. Em que consistem as boas
obras de Deus? Bem, o Sermão do Monte e a vida de Jesus Cristo dão a resposta.
Não se trata apenas de um pouco de bondade e moralidade negativas, talvez
fazer ocasionalmente alguma benevolência e valorizar muito isso. Não, amor
desinteressado! “De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que
houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve
por usurpação ser igual a Deus, mas se fez sem nenhuma reputação e
tomou sobre si a forma de servo e se fez semelhante aos homens; e, achado
na forma de homem humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte e
morte de cruz” - dando-Se por outros sem pensar no preço. Essas são as boas
obras de Deus. “Amar a Deus de todo coração e alma e mente e forças, e ao
nosso próximo como a nós mesmos”! Não apenas lhe fazendo uma ocasional boa
ação, mas amando-o como a si mesmo! Esquecer-se a si próprio em seu interesse
por ele! S ão essas as boas obras de Deus e foi para essas boas obras que Ele nos
criou.

Segundo esta definição, cristão é aquele que foi feito de novo conforme a
imagem e modelo do Filho de Deus. E o que o apóstolo diz no capítulo quatro
destaEpístola, no versículo 24, nestes termos: “E vos revistais do novo homem
que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade”. Não um pouco de
bondade, mas santidade verdadeira, “a santidade da verdade”, e total e absoluta
justiça! E já no capítulo primeiro Paulo o tinha dito no versículo quatro:
“Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que
fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor”. Escrevendo aos
romanos, ele diz: “Os que dantes conheceu também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho”\ Que é um cristão? Simplesmente um bom
homem? Alguém que é só um pouco melhor do que qualquer outra pessoa?
Absolutamente não! Ele é como Cristo! Conforme à imagem do Filho de Deus!
Como pode um homem que está morto em ofensas e pecados ressurgir e chegar a
isso? É impossível. “Pela graça sois salvos”; “não vem de vós”; “para que
ninguém se glorie”. Ninguém pode alcançar isto, ninguém pode elevar-se a isto.
É obra de Deus, e só de Deus. O cristão é alguém que se espera seja semelhante
a Cristo. Ele tem dentro de si a vida de Cristo. “Vivo, não mais eu, mas Cristo
vive em mim.” Que é cristianismo? É “Cristo em vós, a esperança da glória”;
“Feitos segundo a imagem do Filho de Deus”. Graças a Deus é de graça! Se não
fosse de graça, não teríamos esperança, estaríamos todos arruinados, estaríamos
condenados. Todavia, desde que é de graça, desde que é obra de Deus, desde que
eu sou feitura de Deus, eu sei que, apesar de mim mesmo, apesar do pecado
que ainda resta em mim, serei aperfeiçoado e me tornarei perfeito. Se isso fosse
deixado conosco, não haveria nenhuma esperança para nós. Quem somos nós
para enfrentar o mundo, a carne e o diabo? Mas, graças a Deus é “pela graça”.
Somos feitura Sua. Estamos em Suas mãos - e se Ele começou boa obra em nós,
continuará com essa obra até completá-la. Se você não se render pronta e
voluntariamente, Ele o castigará, tirará as suas arestas, com o cinzel as aparará
para esculpí-lo. Se você está no plano de Deus, Ele o fará segundo a imagem de
Cristo. Ele continuará a Sua boa obra até remover toda “mácula e ruga e coisa
semelhante”, e você estará na presença de Deus, “santo e irrepreensível” e “com
grande alegria”.

Graças a Deus não são as obras; graças a Deus não é a minha fé; graças a Deus
não é nada de que eu possa me gloriar. “Longe esteja de mim gloriar-me, a não
ser na cruz de nosso ienhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para
mim e eu para o mundo” (Gálatas 6:14). “Pela graça, por meio da fé”!
13

FEITURA DE DEUS

“Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as
quais Deus preparou para que andássemos nelas. ”

-Efésios 2:10

Temos visto de relance esta grande afirmação quando a tomamos em seu


contexto, com relação aos dois versículos anteriores, os versículos 8 e 9. Estes
três versículos juntos, como vimos, são uma declaração composta, pelo que,
antes de chegarmos a este versículo especificamente, foi certo examiná-lo como
parte do argumento que o apóstolo colocou diante de nós nos três versículos
juntos, O argumento é que a nossa salvação é inteiramente de graça; ela resulta
da graça de Deus. Não hájactância; é excluída completamente. Também não
devemos gloriarmos da nossa fé, não devemos tornar a nossa fé em “obras”.
“Somos salvos pela graça, por meio da fé.” A fé é o instrumento, o canal, não
a causa determinante. Pois esse é o grande argumento, vocês recordam, que é
tudo pela graça e de graça. O apóstolo o expressa de maneira negativa e positiva.
E no versículo dez ele expõe o que, de muitas maneiras, é o seu argumento final.
Ele afirma que é inteiramente de graça; não vem de vós, é dom de Deus; não de
obras, para que ninguém se glorie, “porque somos feitura sua” - qualquer outro
conceito é impossível, é totalmente inadequado e ridículo. E de fato, diz ele,
isto se pode fixar definitivamente pelo fato de que as boas obras que devemos
realizar como cristãos são obras que já antes foram ordenadas para que andemos
nelas. Mesmo as boas obras que praticamos como cristãos foram de antemão
preparadas para que andássemos nelas. Até aqui, pois, examinamos esta
declaração de maneira geral e, mormente, negativa.

Contudo, é uma declaração tão profunda e gloriosa que seria um grande erro
deixá-la aqui. Ela faz parte de um argumento, mas também é uma declaração em
si mesma, uma declaração positiva, e uma das mais importantes e vitais que já
pudemos ver. Aqui nos é dada uma das definições que Paulo faz do que significa
ser cristão. E não existe, suponho, nenhuma declaração mais elevada a respeito
deste assunto do que justamente esta, que somos feitura de Deus. Essa é a
verdade acerca de nós todos como cristãos, e essa é a verdade acerca da Igreja
Cristã.

Cabe a nós aprender a pensar em nós mesmos desse modo; e somente quando o
fizermos é que funcionaremos verdadeiramente como cristãos,

Cada vez mais me parece que todas as nossas dificuldades provêm realmente da
nossa incapacidade de compreender a verdade a nosso respeito e a nossa situação
como cristãos. A nossa dificuldade central -e éumacoisaespantosade se ver-é
anossa incapacidade inicial de obter o conceito verdadeiro destas questões.
Somos em demasia criaturas presas à tradição. Começamos com idéias erradas -
o homem sempre começa com uma concepção errada do cristianismo.
Persistimos em pensar nele em termos de bondade, de prática do bem ou algo
semelhante; é extremamente difícil desfazer-nos dessa idéia. No entanto, isso é
algo que fica desesperadamente aquém do grande conceito neotestamentário.
Estes cristãos do Novo Testamento estão sendo constantemente exortados a
aperceber-se do privilégio da sua posição. Embora não passando de um punhado
de gente numa grande sociedade pagã, sempre lhes é dito que se regozijem, que
considerem o seu destino maravilhoso; sempre se lhes faz lembrar o que eles
são, e lhes é dito que levantem a cabeça e avancem triunfantemente. Tudo isso é
feito, é claro, à luz do que o Novo Testamento expõe como sendo a
verdadeira doutrina concernente ao cristão.

Essa matéria pode ser colocada na forma de perguntas. Somos dominados por
um senso de privilégio e por um sentimento de alegria? Qual é o nosso
entendimento do que seja um cristão? Qual é o nosso conceito da Igreja? Não é
verdade que, geralmente falando, sempre nos inclinamos a pensar nela
meramente em termos humanos? Temos a tendência de pensar na Igreja de Deus
como um instituição e sociedade humana, pensamos nela em termos das
atividades dos homens e do que os homens estão fazendo e não estão fazendo, e
de comissões e reuniões e organizações ecoisas parecidas. Indubitavelmente,
todas estas coisas fazem parte dela, e são essenciais, mas não constituem a
Igreja. Não é isso que faz da Igreja a Igreja. E também é exatamente a mesma
coisa quanto ao cristão individual. Estamos confiantes, temos segurança, quando
pensamos em nós mesmos e consideramos a vida cristã com-pleta e tudo o
quepertence a essa vida? Pensamos nela unicamente em termos de nós mesmos e
do que fazemos e pretendemos fazer, ou nos vemos como parte de um
grande processo? Compreendemos que temos o privilégio de ser introduzidos
num grande projeto, num grande plano? Ora, essa é a idéia e a perspectiva que
o apóstolo está colocando diante de nós nesta passagem, de maneira
positiva. Passemos imediatamente, pois, àconsideração dos termos que ele
emprega.

A primeira proposição de Paulo é esta: somosfeitura de Deus. Essa é a primeira


coisa que temos de compreender acerca de nós mesmos como cristãos.
Negativamente, como já vimos, isso não significa que nós nos fazemos cristãos
por nós mesmos. Não somos o que somos como resultado de algo que nós
tenhamos feito. Absolutamente nada! - a jactância é excluída. “Não de obras.”
“Não de vós.” Mas não paramos na negativa, temos que ir adiante e examinar
tudo isso positivamente, como estamos fazendo. Somos feitura de Deus. Esse é
o significado da expressão. Somos, por assim dizer, uma coisa da Sua fabricação.
Para mim este é um pensamento sumamente notável e emocionante, que somos
algo que está sendo feito e modelado por Deus. Podemos pensar nisto
individualmente a nosso respeito como cristãos; e devemos pensar nisto como
uma verdade relativa à Igreja toda. Permitam-me colocar mais uma vez a
questão em forma de perguntas. Pensamos habitualmente em nós desse modo? E
pena, porém não seria verdade que muitos de nós persistimos de algum modo em
pensar em Deus como sendo Ele inteiramente passivo? A nossa idéia de Deus é
que Ele está no céu, inteiramente passivo e esperando que nos
aproximemos dEle. Pensamos: naturalmente, se eu buscar a Deus, Ele me
ouvirá, me responderá, me abençoará. Mas, dessa maneira, sempre pensamos
na atividade real como sendo da nossa parte. Deus tem uma grande casa
do tesouro, um grande armazém; Ele tem grandiosos presentes para dar, sim,
mas não faz nada a respeito, apenas espera até que nós façamos algo, e então,
quando entramos em ação, Deus responde.

Examinemo-nos de novo à luz disso. Porventura não temos a tendência de


pensar dessa maneira? Eu me decido por Cristo e, portanto, estou justificado.
Posso ficar nisso anos e anos. Então eu decido que quero ser santificado, e assim
solicito isso também, e Deus me atende. Mas Deus é passivo o tempo todo; é a
minha atividade que importa, o que eu decido, o que eu faço. Tudo isso,
naturalmente, é completamente contrário ao ensino do apóstolo, que nos lembra,
e dá tremenda ênfase ao fato, que o cristianismo é totalmente resultante da
atividade de Deus. “Somos feitura sua.”

Deus éo artífice. Deus é que age. E assombroso que alguém possa ter caído no
erro específico que acabei de esboçar, porque a Bíblia não é senão o registro da
atividade de Deus. Como é possível que alguém possa ler a Bíblia, começando
com as palavras, “No princípio... Deus”, possa depois pensar que a coisa toda é
atividade do homem? Em toda parte é Deus quem age. Ele fez o homem, Ele fez
o mundo. O homem pecou - Deus foi em busca dele. Foi Deus quem chamou
Abraão; foi

Deus quem criou os reis; foi Deus quem chamou os profetas; foi Deus quem deu
a lei; foi Deus quem deu as instruções para a construção do tabemáculo e do
templo; e foi Deus quem, na plenitude dos tempos, enviou Seu Filho. É feitura
de Deus, atividade de Deus, do princípio ao fim. E contudo, até nós, que somos
cristãos, somos propensos a esquecer isso, e muitas vezes somos propensos a
pensar em nossa vida cristã, e no fato de sermos cristãos, em termos de algo que
nós fizemos, ou de algo que nós alcançamos. Mesmo tendo começado
damaneiracerta, inclinamo--nos a deixar que, com o tempo, a outra idéia se
insinue. Insistimos em pensar que Deus é mais ou menos passivo e simplesmente
está pronto a reagir favoravelmente ao que fazemos e ao que desejamos. Mas
o próprio termo que o apóstolo utiliza aqui deveria impossibilitar
esses pensamentos. Deus é o artífice. Deus é Quem está modelando a obra. E um
maravilhoso quadro que representa Deus como uma espécie de Artesão, uma
espécie de Artífice. O quadro nos convida a pensar em Deus como numa grande
oficina, e nos impulsiona a observá-lO dando forma, modelando e trazendo à
existência alguma coisa.

Pois bem, este é o ensino bíblico característico com relação aDeus. Vejam a
descrição que as Escrituras nos dão de Deus como Oleiro. Vocês as vêem no
Velho Testamento, vocês as vêem no Novo Testamento. Este mesmo apóstolo,
escrevendo aos romanos, emprega essa metáfora. Aí está um pouco de barro; o
artífice, o oleiro, vem e apanha essa massa de barro informe, e se põe a trabalhar
nele: Ele o faz girar e vai tirando as arestas e as pontas; ele tem certos tomos de
modelagem, e o coloca num deles. Ele vai modelando, vai fazendo algum tipo
de vaso; essa é a descrição que nos é dada - o oleiro e o barro, e essa
é precisamente a idéia do apóstolo aqui, que Deus é o Oleiro, e nós somos o
barro que está sendo formado e modelado. A obra é Sua, não nossa. Ele é o
Oleiro, o Artesão, que está produzindo uma peça de arte.

Na verdade o apóstolo usa outro termo que é ainda mais explícito. “Somos
feitura sua, criados em Cristo Jesus.” Naturalmente isso nos leva direto de volta
à idéia original da criação. “No princípio criou Deus os céus e a terra.” Que é
criação? A idéia mesma, a idéia essencial da criação, é que algo é feito do nada;
não existia, mas foi trazido à existência. E precisamente esse o modo como o
apóstolo pensa no cristão. Portanto, devemos dar adeus para sempre a todas as
idéias de melhoramento, e especialmente de automelhoramento. O fato
mais importante acerca do cristão é que ele é uma nova criação, uma
nova criatura. Deus, o Criador, Deus o Oleiro, Deus o grande Artífice, Deus o
Autor de grandes realizações, Deus o Artesão, trouxe à existência algo

ern rainha vida, algo que não estava lá antes - é isso que faz de mim um cristão.
Eu não seria cristão sem isso. Assim é que, naturalmente, falar em nações cristãs
e dizer que alguém é cristão porque pertence à uma nação cristã é simplesmente
uma gritante negação de todo o ensino bíblico. É ação de Deus, ação específica,
uma nova criação. O Deus que no princípio (como Paulo o expressa em 2
Coríntios 4:6) “disse que das trevas resplandecesse a luz”, esse mesmo Deus, de
igual modo, “resplandeceu em nossos corações, para iluminação do
conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo”. É isso que significa
ser cristão. Nada menos que isso! Como se pode expressar essa verdade mais
claramente? O que me interessa não é simplesmente que tenhamos a idéia certa,
porém que todos nós venhamos a ver que não existe maior falsificação do
cristianismo do que a idéia de que somos cristãos por causa de alguma coisa que
nós somos, ou de alguma coisa que nós fazemos. Temos que dar-nos conta de
que somos feitura do grande Artífice, do grande Artesão. Não existe nada mais
maravilhoso do que isto, que eu, assim como sou, sou algo que foi trazido à
existência, algo que foi modelado por Deus, que sou como barro nas mãos do
oleiro. Quando penso em minha vida cristã neste mundo, devo parar de
pensar nela simplesmente em termos do que faço e do que estou fazendo,
mas, antes, devo pensar nela em termos do que Ele está fazendo comigo,
que estou nas mãos do Autor de grandes realizações, do grande Criador, e
que Ele está trabalhando em mim e sobre mim. Essa é a concepção e esse é o
ensino do apóstolo nesta passagem.

Consideremos agora a questão em pouco mais em detalhe, porque, quanto mais


entendermos esta verdade em detalhe, mais admiração e emoção nos causará.
Como Deus realiza esta obra? A primeira coisa que devemos ressaltar é que Ele
o faz no Senhor Jesus Cristo e por meio dEle: “criados em Cristo Jesus”! É
sempre assim. Já o vimos nos versículos 4 a 7, onde nos foi dito que fomos
vivificados com Ele, ressuscitados juntamente com Ele, que Deus nos fez
assentar com Ele nos lugares celestiais. Noutras palavras, Deus nos faz cristãos
aplicando a nós, passando para nós, aquilo que Ele fez por nós em Cristo.
Portanto, é tudo em Cristo. E nEle, em Sua Pessoa. É “da sua plenitude
que recebemos, egraçapor graça” (cf. João 1:16). Recebemos os benefícios da
Sua morte, recebemos os benefícios da Sua vida; recebemos a Sua própria vida.
Todo bem nos vem de Cristo. É assim que Deus o faz. Ele enviou Seu Filho, e
então Ele nos leva ao Seu Filho. Ou, para usar outra expressão, Ele forma o
Senhor Jesus Cristo em nós. E isso que Ele está

fazendo: Ele está formando Cristo em nós. “Meus filhinhos”, diz Paulo aos
gálatas (4:19), “por quem de novo sinto as dores de parto, até que Cristo seja
formado em vós.” Essa é a idéia neotestamentária do que é ser cristão. Euma
grande concepção mística, umaconcepção vi tal. Neste ponto nós estamos
totalmente fora do domínio das nossas pequenas obras e decências e
moralidades. Cristo está sendo formado em mim!

Como será que Deus faz isso? Vejam por um momento os meios que Deus
emprega para formar Cristo em nós. Tomem a minha ilustração da oficina ou da
fábrica. Vocês podem ir a uma loja e ver ali um artigo já pronto para a venda,
uma bela taça, um belo vaso, ou lá o que seja. Como esse artigo veio a existir?
Talvez vocês tenham tido a feliz ocasião de ser levados a visitar a fábrica. Vocês
já foram a uma fábrica de vidro ou a um lugar semelhante? Lembro-me de haver
visitado uma em Veneza, e lá vimos os homens fazendo realmente as
coisas maravilhosas que tínhamos visto prontas. Ficamos admirados
quando vimos o comecinho. Bem, é algo parecido que temos que pensar
agora. Como Deus produz este artigo concluído, o cristão? Vão à oficina, e
lá vocês verão exatamente como é feito. E isto que esta Epístola nos diz.

A primeira coisa da qual nos tornamos cônscios é a obra do Espírito Santo.


Vocês certamente observaram a notável ordem que se vê nas Escrituras - Deus o
Pai, Deus o Filho, Deus o Espírito Santo. O Pai planeja a salvação; Ele envia o
Filho para efetuá-la; e então Ele e o Filho enviam o Espírito para que a aplique.
Deus age em nós e Deus faz de nós cristãos, e nos modela segundo a imagem de
Cristo, ou forma Cristo em nós, primariamente pela obra do Espírito Santo. “Não
sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo?”, diz o
apóstolo escrevendo aos coríntios (1 Coríntios 6:19). O Espírito Santo está
em nós se somos cristãos; não podemos ser cristãos sem termos o Espírito Santo
em nós. E Ele age em nós. Mais adiante consideraremos como exatamente Ele o
faz. No momento apenas estou lhes apresentando os meios que Deus emprega.
Há esta constante atividade do Espírito Santo nos cristãos individuais, em grupos
de cristãos, na Igreja. O Espírito Santo está na Igreja, e Ele está agindo e Ele está
realizando a obra de Deus; Deus está agindo por meio dEle.

Depois, o meio subseqüente que devemos mencionar é a Palavra, as Escrituras.


Vocês recordam a grande oração sacerdotal do nosso Senhor, na qual Ele diz:
“Santifica-os na tua verdade, a tua palavra é a verdade” (VA). Como nascemos
de novo? Segundo a Epístola de Tiago, somos gerados “pela palavra da verdade”
(1:18). Pedro diz: “Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas de

incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que permanece para sempre” (1


Pedro 1:23). Deus se utiliza da Palavra para dar-nos vida. A Palavra é pregada e
aPalavra se torna vida para nós. Há nela uma semente de vida, e Deus introduz a
vida em nós mediante a introdução daPalavra em nós. Tem-se a mesma idéia no
capítulo cinco desta Epístola aos Efésios, onde o apóstolo nos fala sobre “a
lavagem da água, pela palavra”. Quando pensamos neste processo que Deus está
levando a efeito em nós, temos que pensar nesta Palavra. É aí que entra
a importânciada leitura das Escrituras. Elas são o meio que o próprio
Deus utiliza. Deus poderia realizar esta obra sem utilizar-se de meios,
mas escolheu esta maneira de agir. Por isso Ele deu o Espírito Santo a
estes escritores, para dar-lhes entendimento, para abrir-lhes as mentes para
a verdade, e para habilitá-los a transmitir a verdade. E o Espírito os dirigiu e os
guiou. Tudo visando a este grande fim - Deus, como o Artífice, produzir cristãos
e aperfeiçoar cristãos! Quão tremendamente importante é aPalavra!

Não somente isso, porém; também a pregação da Palavra. Vocês verão no


capítulo quatro desta Epístola aos Efésios que Paulo faz esta colocação: “E deu
dons aos homens. E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e
outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres”. Para quê? - para o
“aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para a edificação do
corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do
Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo”.
Vocês entendem isso? Vocês vêem o que está acontecendo na fábrica onde estão
sendo feitos os cristãos? Olhem os bancos, olhem os tornos. O que é que vocês
vêem ali? Apóstolos, profetas, pastores, mestres, pregadores - todos colocados
ali por Deus, e Ele está realizando a Sua grande obra com eles e por meio deles.
Ele está usando todos estes homens para modelar cristãos, esta é a idéia
neotestamentária do cristianismo! - não alguém hesitando em seu leito domingo
de manhã sobre se vai ou não a um local de culto: ou se vai ler a Bíblia, ou se vai
orar. A obra não é nossa\ “não vem de vós”. Deus está fazendo isto, e é desta
maneira que Ele o faz. E Deus quem chama homens para pregarem o evangelho.
A pregação não é uma profissão - que lástima, muitas vezes é como se fosse,
mas então não tem valor. É Deus quem chama homens e quem os coloca em seus
diferentes ofícios. Ele planejou tudo. O projeto é Seu, o desenho é Seu, e tudo
está sendo posto em execução. A pregação e o ensino, os dons que Deus dá aos
homens, e os dons que Deus dá àlgreja, constituem todos eles parte do processo.
Nenhum deles é dado em

atenção aos que os recebem; são dados simplesmente para que Deus faça uso
deles, a fim de levar avante o Seu grande propósito.

Que mais? Vemos outro elemento posto diante de nós no capítulo doze da
Epístola aos Hebreus. Circunstâncias e disciplina. Qual será o ensino do capítulo
doze de Hebreus? Estes cristãos hebreus estavam tendendo a murmurar e
queixar-se porque estavam passando por provações, dificuldades e tribulações; e
o argumento que lhes é apresentado é que tudo isso está acontecendo com eles
porque eles são filhos. “O Senhor corrige a quem ama”! (ARA). O autor faz uso
de uma ilustração. Vej am os nossos pais terrenos, diz ele. Eles nos corrigem;
porém por que nos corrigem? Porque estão preocupados com o nosso bem-estar,
porque estão preocupados com o nosso desenvolvimento. O bom pai castiga
o filho, não simplesmente para aliviar as suas emoções contidas, mas porque isso
é do mais alto interesse do filho, porque ele ama o filho, porque ele está
pensando no futuro do filho. E o argumento do autor é que Deus, como nosso
Pai, faz exatamente a mesma coisa conosco. Não significa que toda vez que algo
vai mal conosco necessariamente estamos sendo castigados por Deus. Estamos
vivendo num mundo de pecado, estamos vivendo num mundo no qual as causas
secundárias operam, e com muita freqüência as nossas doenças, enfermidades
e provações nos acontecem meramente como resultado de causas secundárias;
entretanto há nas Escrituras ensino muito claro e explícito, segundo o qual Deus
castiga os Seus filhos. Ele o faz com a finalidade de aperfeiçoá-los. Noutras
palavras, se não dermos ouvidos ao ensino das Escrituras, se não o aceitarmos
positivamente, se Deus começou a operar em nós e a formar-nos e a modelar-
nos, Ele produzirá o resultado final mediante este outro método. Este pode
incluir correção, castigo -o uso que o oleiro faz do torno sugere isto, certos
ângulos têm que ser removidos, eé preciso eliminar certas arestas. Deus nos
coloca no torno, por assim dizer. Ou, para usar a mesma ilustração deste capítulo
doze de Hebreus, Ele nos coloca num ginásio, Ele faz que passemos por
ditos exercícios para podermos ser perfeitos. Sua intenção é que nos
desenvolvamos. Na verdade, eu gostaria de remetê-los ao capítulo onze
da Primeira Epístola aos Coríntios, com referência à Ceia do Senhor, onde o
apóstolo nos ensina muito explicitamente que alguns membros da igreja de
Corinto estavam doentes e fracos simplesmente por causa do pecado deles e da
sua recusa a julgar-se, examinar-se e corrigir-se a si mesmos. Deus estava
lidando com eles por meio das doenças. E o apóstolo acrescenta: “e (há) muitos
que dormem”. Grande mistério, esse, mas é evidente que o ensino é que alguns
podem até morrer, porque

isso faz parte do método de Deus tratar com eles. Não entendemos isso
plenamente, porém aí está o ensino. E tudo o que me interessa neste momento é
que vejamos que isso faz parte do processo que se segue na grande fábrica. Se
houver resistência desta massa de barro, se houver alguma dureza, se houver
alguma dificuldade, Deus tem o Seu método, Ele tem a Sua maquinaria, Ele tem
a Sua maneira de agir. Ele está produzindo um artigo perfeito e usa todos estes
diversos meios e métodos. Somos feitura Sua!

Se são esses os meios que Deus usa, qual é a obra propriamente ditai O que é
que, concretamente, Ele faz conosco? O que é que Ele faz em nós? De novo
simplesmente destaco certas coisas que são da maior importância. Uma das
primeiras coisas das quais o homem toma consciência quando Deus começa a
agir nele é que ele fica inquieto, torna-se convicto do seu pecado. Olhe para o
passado, para a sua experiência pessoal, e estou certo de que você verá que essa
é a verdade. Você estava levando a sua vida de certa maneira e seguindo certo
rumo. Milhares de outras pessoas estavam fazendo a mesma coisa. Subitamente
(ou gradativamente, não importa), você tomou consciência de certa inquietação.
De um modo ou de outro, deixou de ser feliz como era. Questões começaram a
surgir em sua mente. Note que não digo que você se sentou e disse de si para si:
“Agora estou começando a pensar”. Nada disso - surgiram perguntas em sua
mente. Não foi assim? Donde elas vieram? Vieram de Deus. Isso é obra do
Espírito Santo - a convicção de pecado. O homem é detido. Sente que tem
deparar, fica inquieto; não entende o que se passa, fica aborrecido; de fato
procura safar-se disso. Talvez se entregue à bebida, ou mergulhe no trabalho, em
qualquer coisa, para livrar-se dessa inquietação. Mas aí está, algo está
acontecendo com ele. Deus está em perseguição do homem. Como diz o poeta;

Do Senhor eu fugia

nas veredas das noites, nas veredas dos dias;

Do Senhor eu fugia

pelos portais dos anos;

Do Senhor eu fugia
nos secretos labirintos da minha mente.

Mas do glorioso Caçador Celestial não há como fugir.

Vocês sabem do que eu estou falando? Feitura Sua! Convicção de pecado!


Inquietações! Estas curiosas interferências e interrupções, este senso de que
estamos sendo tratados mediante estas coisas. Ninguém pode ser cristão sem ter
algum conhecimento disso tudo. Se, de alguma forma e em alguma medida, você
não entende o sentimento do salmista no Salmo 139, quando ele brada: “Para
onde fugirei da tua presença?”, você simplesmente não é cristão. O próprio
sentimento de resistência a Deus é uma prova de que Deus está tratando com
você e fazendo algo com você. Essa é sempre a primeira coisa - inquietação,
convicção de pecado, ser detido, ser contido, ser levado a pensar, perguntas,
inquirições. Todas estas coisas constituem obra de Deus por meio do
Espírito Santo. É como Ele começa quando de início pega essa amorfa massa
de barro. Ele pega o barro; esse é o primeiro passo. Antes de levá-lo ao torno,
antes de aparar quaisquer porções, antes de começar a alisá-lo e poli-lo, o
primeiro passo é tão-somente pegá-lo. Deus pegou você? Ou você continua a
cargo de si mesmo? Se você continua a cargo de si mesmo, manipulando a si
próprio e tentando fazer de si próprio alguma coisa, você não é cristão. A
primeira verdade acerca do cristão é que ele está ciente de que Deus o agarrou. O
Oleiro pegou o barro.

O passo seguinte é uma iluminação da mente para ver a verdade. Que processo
maravilhoso! Um homem para quem estas expressões não significavam nada,
embora as tenha ouvido a vida toda, de repente começa a ver algo nelas. As
vezes ele lia a Bíblia, e ficava aborrecido com ela; agora ele vê que ela é uma
Palavra viva, e a deseja ler. Isso é Deus; Deus no Espírito agindo no homem e
abrindo cada vez mais a sua mente para a percepção e o entendimento da
verdade. E Ele que está fazendo isso - introduzindo o pensamento; a luz e o
poder do Espírito, Deus abrindo as coisas, a Palavra se abrindo diante de nós; os
nossos olhos, o nosso entendimento, sendo iluminados. E então, por sua vez, isso
leva a um desejo da verdade, e à sede da verdade. “Desejai”, diz Pedro, “como
crianças recém-nascidas, o genuíno leite da palavra...” (VA). Como você pode
desejá-lo, se não nasceu? - se não tem vida espiritual? Mas se você tem vida o
desejará, como a criança deseja leite. E, ainda mais importante, alegrar-se na
verdade, regozijar-se na verdade, ter prazer na verdade. Isto é obra de Deus, é
como Deus faz todas estas coisas.
E, por sua vez, essa verdade leva a isto, que ficamos cientes da nossa nova
natureza, que Deus implantou em nós, o novo princípio de vida. Apesar de nós
mesmos, vemos que temos uma nova perspectiva. Digo de novo que podemos
não gostar disso, porém é um fato. Vejo que

não sou mais o que era. Posso dizer a mim mesmo: quisera Deus eu nunca
tivesse ouvido isso, para que eu pudesse sair com os meus companheiros como
antes! Todavia, não consigo. Eu posso forçar-me a ir, mas não me sinto feliz com
eles, vejo que sou diferente. Tenho nova perspectiva, nova maneira de ver; tenho
novos desejos; e tenho novas capacidades. Somos feitura Sua! Ele é o Oleiro, e
nós somos o barro. E o que o apóstolo nos ensina aqui.

Permitam-me dizer uma palavra sobre o propósito. Há, naturalmente, um


propósito definido. “Criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus
de antemão ordenou (ou preparou) para que andássemos nelas” (VA; cf. ARA).
Ora, é coisa extraordinária esta, que há um propósito para o cristão, e Deus
planejou e projetou tudo a respeito. Qual será? E que nos moldemos à vida do
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Devemos viver neste mundo e nesta
existência como Ele viveu. Como eu já disse, cabe-nos viver o Sermão do
Monte. Temos que pôr em ação a instrução ética destas Epístolas do
Novo Testamento - “amar uns aos outros”, não ter “torpezas” ou “conversação
torpe” em nossas bocas e evitar “parvoíces e chocarrices” ou “conversas tolas” e
“pilhérias” - a grande moda atual! “Sede pois imitadores de Deus, como filhos
amados; e andai em amor, como também Cristo vos amou, e se entregou a si
mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave. Mas a
prostituição, e toda a impureza e avareza, nem ainda se nomeie entre vós, como
convém a santos; nem torpezas, nem parvoíces, nem chocarrices, que não
convêm, mas antes ações de graças.” Essa classe de vida! Fomos formados
para isso. Para isso é que somos modelados. Esse é o projeto, essa é a
fôrma, esse é o molde, essa é a imagem. Deus nos está fazendo para isso.

E tudo isso está nesta vida. Vocês gostariam de saber qual é propósito
culminante? Isto é um processo. Vocês não se tomam perfeitos num instante. A
santificação é um processo, e Deus nos leva através desse processo pelos meios
que j á indiquei .Vocês querem saber o resultado disso tudo? Bem, este é o fim
pinacular, que valerá para nós na glória, na eternidade, quando a obra realmente
estará terminada. O Senhor deu os apóstolos e os outros ministérios para “o
aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério...até que todos
cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão
perfeito, à medida da estatura completa de Cristo”. Esse vai ser o fim. Eu e
vocês, tão certo como somos cristãos neste momento, estamos avançando com o
fim de chegar “à medida da estatura da plenitude de Cristo” (VA,

ARA). Ouçam a afirmação de Paulo, no capítulo cinco, acerca da Igreja em


geral: “Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para
apresentar a si mesmo como igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa
semelhante, mas santa e irrepreensível”. Povo cristão, estamos nesse processo
tão certamente como somos cristãos. Deus nos pegou, Ele nos está modelando, e
vai continuar a operar em nós e conosco até que cheguemos a isto - “sem
mácula, nem ruga, nem coisa semelhante”. Não restará defeito, todo vestígio do
mal terá desaparecido, e seremos inteiramente perfeitos. Esse é o propósito,
esse é o modelo.

A única outra coisa que eu diria é que, à luz desta doutrina, é absolutamente
certo que chegaremos àperfeição. “Aquele que em vós começou aboa obra a
aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo” (Filipenses 1:6). Nada que seja de fora
de nós poderá impedí-lo j amais; nada que seja de dentro de nós poderá impedi-
lo jamais. Deus nunca inicia uma obra para entregá-la meio-completa. Isso é
totalmente incompatível com a Sua majestade e a Sua glória. Quando Deus
começa, continua. Se Deus pegou você e começou a modelá-lo conforme a
imagem de Cristo, amigo cristão, tão certo como o sol está brilhando nos céus,
Ele dará prosseguimento a essa obra até você atingir “a medida da estatura da
plenitude de Cristo”. Ele dará continuidade a ela até que não haja “mácula, nem
ruga, nem coisa semelhante”, nenhum defeito, e você possa estar diante
dEle perfeito e completo, exultante de alegria. Que doutrina gloriosa! Sim, mas
em certos aspectos, que doutrina terrificante! Se você é cristão e de alguma
forma resiste à vontade de Deus quanto a você, estej a preparado para o que lhe
virá. Esteja preparado para a correção, para o castigo. Estej a preparado, talvez,
paraum tratamento duro e severo - porque Ele vai aperfeiçoar você. Ele firmou o
Seu amor em você, e você está nas mãos dEle. Em Sua fábrica não há refugos. A
obra de Deus é sempre perfeita, e é sempre completa. Que bendita base de
segurança! - a despeito daminha desobediência, da minha pecaminosidade e
daminha imperfeição. A minha única esperança é que estou em Suas mãos,
que Ele é o Oleiro e eu sou o barro, e que eu sei que Ele fará que se cumpra a
Sua perfeita vontade. Se dependesse de mim, ou de qualquer de nós, de há muito
que a coisa toda seria um completo fracasso. Contudo, somos feitura Sua!

Concluo deixando com vocês três ou quatro perguntas como testes. Isso está
acontecendo com vocês? Vocês podem dizer que são feitura de Deus? Vocês têm
aquele sentimento subjetivo de que Deus está tratando com vocês? Vocês têm
consciência da Presença e das mãos?

Têm consciência de que estão sendo amoldados e modelados? Vocês concordam


com esta doutrina, ou estão em conflito com ela? Esse é um teste muito bom.
Vocês estão desejando o genuíno leite da Palavra como crianças recém-nascidas?
Não obstante, o melhor teste é: vocês estão desejando a santidade? “Criados em
Cristo Jesus para as boas obras, que Deus de antemão ordenou para que
andássemos nelas.” Isto faz parte do Seu plano. Se vocês não desejam ser santos,
não vejo que tenham direito de pensar que são cristãos. Faz parte do propósito
de Deus que sejamos preparados para as boas obras. Se vocês pensam que, do
plano de salvação, podem apropriar-se somente do perdão, vocês entenderam
completamente mal oplano. Quando Deus olhou para vocês e os amou e
começou a agir em vocês para fazer de cada um de vocês um cristão, Ele já tinha
preparado as obras que vocês deveriam viver e realizar. Isso de justificação sem
santificação não existe. Se não há nenhum princípio de santificação em vocês,
vocês não estão justificados. Não se iludam, não se deixem conduzir mal. Não há
isso de fé sem obras. “A fé sem as obras é morta.” A prova da fé são as obras.
Não há valor nenhum numa profissão de fé cristã, se não for acompanhada
pelo desejo de ser semelhante a Cristo, pelo desejo de livrar-se do pecado, pelo
desejo de obter santidade positiva. Segundo este versículo, isto é essencial.
“Somos feitura sua, criados (por Ele) em Cristo Jesus para boas obras.” Ele nos
está fazendo para isso. Deus opera em nós para conseguir este resultado.
Portanto, o teste final quanto a se Deus está atuando em nós é ver se desejamos
ser cada vez mais como Cristo, santo e puro, separado do mundo e do pecado,
famintos e sedentos de justiça, para que agrademos a Deus que assim começou a
agir em nós.

OS JUDEUS E OS GENTIOS

“Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne, e


chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela
mão dos homens. ” - Efésios 2:11

Este versículo é o começo de uma declaração que tem continuidade no versículo


doze: “Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de
Israel, e estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus
no mundo”. Mas agora chamo a atenção para o versículo onze somente.
Chegamos aqui a uma nova seção da declaração que o apóstolo Paulo faz neste
capítulo dois desta Epístola. Há uma definida interrupção aqui, e o apóstolo toma
uma nova idéia e um novo pensamento. É importante, pois, que tenhamos claro
em nossas mentes o seu argumento e o que ele pretende fazer.

O grande objetivo da Epístola é explicar e expor o grandioso propósito de Deus


durante a presente era. Vem na forma de sumário no versículo dez do capítulo
primeiro - assim, Deus se propusera “tornar a congregar em Cristo todas as
coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus
como as que estão na terra”. Esse é o grande propósito de Deus durante a
presente dispensação, o grandioso propósito de Deus em nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo. Cristo veio a este mundo - falando em termos do Seu
supremo objetivo - a fim de reunir, de colocar de novo sob o Seu comando todas
as coisas, tanto as do céu como as da terra. O apóstolo está interess ado em
explicar e expor isso aos membros da igreja de Efeso e às outras igrejas às
quais esta carta deveria ser enviada. Vimos também que o apóstolo logo passa a
dizer que este propósito de Deus, grandioso e final, j á está sendo posto em
operação, que a própria Igreja é uma ilustração dessa verdade, no sentido de que
os efésios, juntamente com outros gentios, tinham sido introduzidos na Igrej a,
como os judeus. Tendo dito isso, o apóstolo passa a dizer a estes efésios que a
coisa mais importante para eles era que tivessem iluminados os olhos do seu
entendimento.

Paulo quer que os efésios conheçam particularmente “a sobreexcelente grandeza


do poder de Deus para com eles”. Portanto neste segundo capítulo (da Epístola)
ele expõe e demonstra para eles

esse grande poder. Ele ilustra para eles o que está querendo dizer. É admirável, é
espantoso, que estes efésios, estes gentios, sejam membros da Igreja Cristã, lado
a lado com os judeus. E só existe uma coisa que tornou isso possível, esta
sobreexcelente grandeza do poder de Deus. É o mesmo poder que Deus
manifestou ressuscitando o Senhor Jesus Cristo dentre os mortos.

Como isso é demonstrado? Desta maneira: havia dois obstáculos principais entre
estes e sua vinda para Deus, a fim de serem cristãos e membros da Igreja. O
primeiro obstáculo era o seu estado e condição em pecado. O apóstolo trata
disso nos dez primeiros versículos deste capítulo. Já estivemos tratando disso,
não o olvidemos. Ele os faz lembrar-se do que eles eram. Mas agora são cristãos.
Que foi que os mudou, que foi que os trouxe daquilo para isto? Há só uma
resposta: é o poder de Deus - nada menos que isso. Lá estava aquele
terrível obstáculo - e continua sendo o grande obstáculo entre todos os homens e
Deus - a morte do pecado. Nada, senão o poder de Deus, poderia ter lidado com
tal situação.

No entanto, havia um segundo obstáculo, mais uma coisa que se interpunha


entre estes gentios e a qualidade de membros da Igreja de Cristo e o
conhecimento de Deus. Que seria? Era a sua posição, ou o seu “status”, na
economia de Deus, e especialmente em termos da sua relação com a lei de Deus.
É a esse assunto que o apóstolo se dedica neste versículo onze, continuando até o
versículo doze do capítulo três.

Aí está, obviamente, outra questão vitalmente importante. Como esse primeiro


obstáculo ainda opera, assim também este segundo obstáculo continua operando.
Portanto, não estamos empenhados num estudo acadêmico, puramente objetivo,
de algo que era real há dois mil anos. É real hoje como então. As Escrituras são
sempre relevantes e contemporâneas, elas falam de nós e de todos os demais.
Daí então, é de vital interesse que entendamos o ensino do apóstolo neste ponto.

Proponho-me a tratar disso apenas de maneira geral no momento, pois quero


fazer uma introdução geral da seção toda. O apóstolo está desejoso de que estes
efésios captem e apreendam verdadeiramente quão tremenda coisa era eles se
tomarem cristãos e serem membros da Igreja Cristã. O segundo meio de que se
utilizou para conseguir que eles enxergassem isso é o seguinte: “... lembrai-vos”,
diz ele, “de que vós noutro tempo” - e em seguida vem a descrição. E assim que
ele a introduz. Será somente quando eles se lembrarem disso, e somente quando
se derem conta de qual é a verdade a seu respeito, que eles

poderão realmente começar a entender a grandeza do poder de Deus. Vocês


jamais poderão aperceber-se da grandiosidade do poder de Deus, enquanto não
se aperceberem da grandiosidade dos obstáculos que aquele poder venceu. Há
muitos hoje que não vêem nada na salvação cristã, que não ficam admirados face
a ela, e que pensam que, provavelmente, Paulo era um psicopata, porque ele
entrava em êxtase quando contemplava as glórias da salvação. Eles não vêem
nada disso; para eles não há no cristianismo nada que cause admiração, que
cause espanto. Por quê? Porque nunca se deram conta do problema, porque
ignoram o pecado e nada sabem da ira de Deus. Não se dão conta da natureza
destes obstáculos e dificuldades. O apóstolo tinha consciência disso; e ele
quer que os efésios também a tenham. O seu método para essa finalidade
é lembrá-los do que eles eram e fazê-los ver como Deus venceu este segundo
obstáculo. Isto, num sentido, é tão esplêndido e maravilhoso como o modo pelo
qual Ele venceu o primeiro.

Qual é o segundo obstáculo? Permitam-me expressá-lo assim: naqueles tempos


antigos o mundo estava dividido em dois principais grupos, judeus e gentios. A
divisão parecia absoluta, e qualquer conversa sobre reconciliação parecia
descomunal e impossível. Judeu e gentio! Os judeus e os “cães”! Mas, por outro
lado, os gentios tinham a sua classificação, particularmente os gregos. Para eles
o mundo todo estava dividido em gregos e bárbaros - o povo inteligente, os
filósofos, os gregos, de um lado; os ignorantes, os iletrados, os bárbaros de
outro. Essa era a situação, e parecia completamente impossível que estes
dois segmentos, estes segmentos em conflito e que se desprezavam um ao outro
tão fortemente, se juntassem e se reconciliassem, muito menos que fossem vistos
ajoelhar-se juntos, cultuando e adorando o mesmo Deus e o mesmo Senhor.
Todavia aconteceu, diz Paulo. O espantoso é que isso é verdade. Estes efésios
foram introduzidos e igualmente são membros da Igreja. Este é o fato espantoso
que nada menos que “a sobreexcelente grandeza do poder de Deus” poderia
fazer acontecer.

Pois bem, essa é a mensagem. A maneira pela qual o apóstolo a expressa é


extremamente interessante. Vejam o versículo onze, que estamos considerando.
E onde ele introduz o assunto. Vocês notaram o modo como ele o faz? Pessoas
há que com freqüência acham este versículo difícil, e o é até que se veja
exatamente o que ele significa. Na primeira leitura parece impossível. Vejam-no
de novo: “Portanto, (vós efésios), lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis
gentios na carne” - e então esta longa declaração, “e chamados incircuncisão
pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela mão dos homens”.

Significa isto: Paulo começa fazendo-os lembrar-se de que de fato eles eram
“gentios na carne”. Era um simples fato da história, um fato literal, sólido, que
como gentios eles não tinham sido circuncidados. Portanto, eram “gentios na
carne”. “Na carne” aqui não é um contraste com “no espírito”, porque, se fosse,
o apóstolo pareceria estar dizendo: é verdade que vocês eram gentios na carne,
porém, naturalmente, no espírito vocês estavam bem. Não é nada disso que ele
quer dizer. Eis o que ele quer dizer: é um duro fato de que vocês eram gentios na
carne; não tinham a marca, o sinal, o símbolo de serem judeus - vocês
não tinham sido circuncidados. Mas ele não abandona o ponto aí. Poderia fazê-
lo, entretanto sai numa espécie de digressão que termina no fim do versículo, e
depois volta ao ponto de origem, no princípio do versículo 12. Mas a digressão
vem carregada de interesse. “Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo
éreis gentios na carne”, éreis chamados incircuncisão pelos que a si mesmos se
intitulavam ou se chamavam circuncisão, circuncisão na carne, feitapelas mãos.
A dificuldade era que os judeus se haviam agarrado a isso, que era realmente um
fato, e o tinham transformado num problema. Visto que tinham entendido
mal oensino das suas próprias Escrituras, passaram apensarqueaúnicacoisa que
realmente importava era o sinal na carne. Estavam considerando isso de maneira
material, carnal, e para eles nada importava, senão a circuncisão qua *
circuncisão. Para eles isso era tudo, era da máxima importância, e nada mais
importava. Eles tinham entendido errada-mente o propósito todo, até mesmo a
circuncisão propriamente dita; com isso criaram esta grande barreira, este grande
obstáculo no mundo antigo. O apóstolo faz a sua colocação com estas palavras:
vocês eram gentios na carne. Sim, e por aquelas pessoas que se diziam A
Circuncisão vocês eram apelidados e descritos como A Incircuncisão. Os que
falam somente em termos da carne e daquilo que é feito pelas mãos dos homens,
pensando unicamente nesse nível, põem-se à parte e dizem: “Nós somos A
Circuncisão, e aqueles outros são A Incircuncisão".

Este é um ponto muito importante que vocês devem observar quando lêem as
Epístolas do Novo Testamento. Vejam, por exemplo, o que Paulo escreve aos
filipenses (3:3): “A circuncisão somos nós” -nós, os cristãos! - “que servimos a
Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne”. E
exatamente o mesmo ponto. Noutras palavras, para termos um verdadeiro
entendimento
Porque, como. Em latim no original. Nota do tradutor.

destas Epístolas paulinas, temos que entender o ponto que ele está defendendo
neste versículo. Não somente era um fato e uma verdade que os gentios não
tinham sido circuncidados; desafortunadamente, os judeus tinham exagerado
esse fato, e tinham feito daquilo uma parede de separação que parecia
completamente irremovível.

Pois bem, essa pequena exposição é vital para ter-se entendimento de tudo o que
temos para dizer. Havia dois aspectos deste segundo obstáculo que Deus tinha
que vencer antes de os efésios poderem tornar-se cristãos. Primeiramente havia a
atitude dos judeus para com os gentios. E depois, em segundo lugar, havia a
atitude de Deus para com os gentios. A atitude de Deus tinha que manifestar-se
porque, afinal de contas, eles não tinham sido circuncidados, não eram da
semente de Abraão. Mas, antes de passarmos aisso, temos que examinar esta
atitude judaica, esta “circuncisão e incircuncisão”, esta divisão. Há, creio eu, um
elemento próximo do sarcasmo na maneira pela qual o apóstolo se expressa -
“éreis...chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam (ou se intitulam)
circuncisão feita pela mão dos homens". Vocês podem observar a ênfase que ele
dá. O grande ponto que ele defende é que Deus venceu este obstáculo duplo.
Ambas estas dificuldades foram sobrepujadas por Cristo e pelo que Ele fez. A
atitude do judeu para com o gentio foi corrigida, se o judeu se tornou cristão; e
a atitude de Deus para com eles também mudou. Assim, toda a questão da lei foi
solucionada por nosso Senhor e Salvador. Esse é o argumento real e concreto do
apóstolo.

Permitam-me agora mostrar-lhes a relevância disso tudo hoje, porque continua


sendo verdadeiro. Estamos vivendo numa era e num tempo em que há muito
pensamento e muita concentração precisamente sobre este problema. O mundo
está cheio de divisões e conflitos. Todos nós sabemos destes fatos; vemo-los
entre nações - a tensão entre os Estados Árabes e Israel, entre o Oriente e o
Ocidente, e todas as diversas subdivisões e ramificações. Divisões! - a Cortina
de Ferro1, a Cortina de Bambu, e assim por diante! Contudo, essa verdade não
diz respeito somente à esfera das nações e das relações internacionais; aplica-
se igualmente ao que ocorre dentro das nações: classes, grupos e várias outras
divisões. O mundo, em certo sentido, está repleto desta coisa toda. Assim como
o mundo antigo estava dividido da maneira que vimos, assim também o mundo
moderno está dividido desses vários modos. E

acontece a mesma coisa com a Igreja Cristã: seitas, denominações, grupos e


divisões, e barreiras. Que pena! E tudo isso está ocupando muito pensamento e
muita atenção no presente. Fala-se disso interminavel-mente, escreve-se
interminavelmente sobre isso. Todo mundo está preocupado em conseguir
entendimento, em obter unidade, e em tratar desse problema nestas diversas
esferas. E, todavia, não pareceria que grande parte dessa conversa, desses
escritos e dessas atividades é completamente vã e inútil? Parece não levar a
nada; e a questão é: por quê? A resposta está no que Paulo ensina nesta
passagem; pois a sua afirmação aqui, como em toda a sua Epístola, é que a única
unidade digna de que dela se fale só é possível sob certas condições. A Igrej a
Primitiva, que consistia de judeus e gentios, foi a demonstração da
verdadeira unidade. Eles foram aproximados e reunidos, dirigiam-se juntos
em oração ao mesmo Pai graças ao Espírito, estavam na mesma Igrej a,
eram concidadãos, na verdade eram membros da mesma família. Esse é o único
caminho, e todo e qualquer outro caminho que se tente não levará a nada. Para
mim, uma das maiores tragédias da hora presente, especialmente na esfera da
Igreja, é que a maior parte do tempo parece que é tomada pelos líderes para
apregação sobre unidade, em vez de pregarem o evangelho, o qual, unicamente,
pode produzir unidade. O tempo é gasto com falas e conferências,
interminavelmente - conferências nas quais eles “averíguam as suas
dificludades”. Jamais se conseguirá unidade dessa maneira. Unicamente o
evangelho produzirá unidade. E enquanto houver desacordo sobre o evangelho,
será desperdício de fôlego e de energia falar sobre qualquer outro caminho para a
unidade. Essa é a mensagem desta seção, como eu a vejo; e não se aplica
somente à Igreja, mas também se aplica ao mundo de fora.

Qual é o ensino, então? Permitam-me resumi-lo da seguinte maneira: o apóstolo


queria fazer-nos ver que existem duas questões principais que terão que ser
consideradas antes de haver alguma esperança de unidade e de solução dos
problemas e dificuldades. Quais são? __ A primeira é que temos de compreender
a causa da dificuldade. É preciso afirmar isso constante e interminavelmente nos
dias atuais! Muito do que debalde se fala e se escreve sobre unidade e
entendimento hoje deve-se inteiramente a uma só coisa, a saber, que os que o
fazem nunca encararam acausada dificuldade. Épreciso ter o diagnóstico
antes de fazer o tratamento. Quem se apressa a fazer tratamento sem saber
com segurança qual é o diagnóstico, simplesmente não sabe o que
faz. Positivamente está se arriscando. Medicar os sintomas ignorando a

doença, a causa em suas raízes, é pura loucura. É porque as pessoas


simplesmente não reconhecem a causa como esta passagem a ensina, que todas
as suas tentativas são comprovadamente inúteis.

Aqui o apóstolo fala sobre a causa, sobre a moléstia. Vejam este caso dos judeus,
como ele o coloca no versículo onze. Podemos expressá-lo da seguinte forma,
como um postulado: a divisão do mundo antigo era devida a uma só coisa, e essa
era que as diferenças tinham-se tornado barreiras, as diferenças tinham-se
tornado uma “parede de separação que estava no meio”. As diferenças existem, e
menosprezá-las é tolice. As diferenças são fatos. E mesmo quando se tem
verdadeira unidade, permanecem as diferenças. Todavia a tragédia é que os
homens exageram as diferenças e as transformam em barreiras, em
obstáculos, em “cortinas”, em paredes de separação no meio. Era exatamente o
que aqueles judeus estiveram fazendo. A ordenação de Deus era que houvesse
judeus e gentios. Deus é que tinha formado a nação dos judeus. Havia uma real
diferença. Os judeus eram circuncisos, os outros não. Mas isso não era para ser
uma barreira. Deus não criou uma nação para não se importar com as outras; Ele
criou a nação dos judeus para falar por meio deles ao mundo inteiro. Entretanto
o judeu o tinha entendido erroneamente. Ele transformara essa diferença numa
barreira, mantinha-se separado e desprezava os demais. A Circuncisão -
A Incircuncisão!

Como isto se desenvolve e a que leva? Segundo o apóstolo, parece que o faz da
seguinte maneira: primeiramente leva ao orgulho. É certamente um fato que o
problema em foco é causado pelo orgulho, pelo ego. Esta é a causa fundamental
de toda divisão, de toda barreira, de todo obstáculo. Essa é a causa de todas as
barreiras de separação que se interpõem. E acausa basilar de tudo quanto divide
as pessoas. O orgulho e o ego! O orgulho cega, o orgulho é um espírito poderoso
que nos dirige, nos subjuga e nos domina. Sob a influência do orgulho a pessoa
não pensa direito, toma-se preconceituosa. Não é capaz de ver coisa
alguma como verdadeiramente é. O preconceito é uma das maiores maldições da
vida, e geralmente tem a sua base e as suas raízes no orgulho. Tem o poder de
cegar completamente a gente. Como funciona? Primeiramente impede-nos de
ver os dois lados de uma questão. Para quem é governado pelo preconceito, não
existe um segundo lado, há somente um, não há outro. Ele está completamente
cego. Ora, essa era a atitude do judeu: “A Circuncisão”, “A Incircuncisão”! Ele
não admitia os gentios, ele voltava as costaspara eles. Não seria essa a essência
de todas as contendas?

Depois, outro modo de funcionar do preconceito é este: sempre nos leva a ter um
falso conceito de nós mesmos. O preconceito, e o orgulho que leva ao
preconceito, não somente impedem a pessoa de ver que há outro lado; também
produzem nela um conceito próprio inteiramente falso. Dessa maneira, o
preconceito sempre exagera o que há de verdade a seu respeito. Era uma
ordenança de Deus que o judeu fosse circunci-dado, porém o judeu exagerava
isso ao ponto de dizer que só haviauma verdadeiranação na terra, anação judaica.
Os outros povos eram “cães”. Ele exagerava o que era verdade a seu respeito.
Ele pensava que simplesmente porque era judeu, necessariamente estava em
boas relações com Deus, e não precisava de mais nada. Por isso os
judeus crucificaram o Filho de Deus, porque Ele lhes mostrou que isso não
era verdade.

Outra coisa que o preconceito faz é tomar-nos incapazes de ver e perceber que o
que quer que sejamos, e o que quer que tenhamos, não se devem a nós, mas foi
Deus quem nos deu. Os judeus tinham esquecido completamente que a
circuncisão era um dom de Deus. “Somos descendência de Abraão, e nunca
servimos a ninguém” (João 8:33), disseram os judeus a Cristo certa ocasião.
Pobres tolos cegos! Como se pudessem responder por si! Todos nós tendemos a
fazer a mesma coisa. Vejam como os homens se gabam da sua capacidade.
Que direito tem o homem de gabar-se da sua capacidade? Foi ele que
a produziu? Foi ele que a gerou? Não, ele nasceu com ela, foi-lhe dadapor Deus.
Todos estes dons nos são dados por Deus. Um homem se orgulha da sua
aparência. Ele é responsável por tê-la? Ele a produziu? Não obstante, é isso que
o orgulho faz, como vocês vêem. Exagera o que temos, e afirma que nós o
produzimos. E não se apercebe, com humildade, de que é tudo dado por Deus e
vem das Suas generosas mãos. São estas as sementes da desunião, da guerra e do
derramamento de sangue.

Ademais, o preconceito faz que tenhamos um falso conceito dos outros. Visto
que nos faz exagerar o que temos, faz-nos também diminuir o que eles têm.
Vocês o reconhecem atuando em sua própria vida, não reconhecem? Como
sempre aumentamos o que é do nosso lado e tiramos do outro! Relutamos em
reconhecera bondade quando ela está nos outros: não queremos reconhecê-la. E
porque não queremos, não a reconhecemos. De fato, subtraímos, tiramos até não
deixar nada. O judeu estava convencido de que não havia nada de valor nos
gentios; nem lhes pareciam humanos; eram “cães”. Exatamente da mesma
maneira o grego, com a sua cultura, considerava os outros como bárbaros,

iletrados. O preconceito não se limita a diminuir e a subtrair os valores alheios,


mas também passa a desprezar os outros. Pensem nas “castas inferiores e fora da
lei”, de Kipling, em expressões como “não britânico”, “forasteiros”,
“Herrenvolk” v “nativos”. Aí vocês têm a fonte de muitas contendas e
dificuldades. É porque essamentalidade foi tão propensa e predominar no século
passado que o mundo se defronta com tantos problemas hoje, e particularmente
este nosso país, talvez. Mas é a mesma coisa com os indivíduos. É o que se dá
com todos os que se deixam governar pelo orgulho e pelo ego. É como se
desenvolve e funciona - exagero do que nos é lisonjeiro, diminuição e desprezo
dos outros. “Chamados incircuncisão pelos que na carne se chamam
(se intitulam) circuncisão feita pela mão dos homens”! Não admira que Paulo
tenha sido um tanto sarcástico. Ele queria ridicularizar a coisa, e assim a retratou
dessa maneira, para que todos vissem como é horrível e torpe.
Ora, existe uma segunda grande causa de divisão, a saber, um errôneo juízo de
valores. Tendo já feito referência a isto em princípio, permitam-me agora dar-
lhes os detalhes. Toda a tragédia do judeu, naquele tempo, foi que ele omitiu o
ponto essencial. Faltou-lhe um real juízo de valores. Ele achava que o que
importava era a circuncisão. O que Paulo e outros tinham para ensinar-lhes era
que o que importa é a circuncisão do espírito; que a pessoa pode ser circuncidada
na carne e, ao mesmo tempo, estar condenada e perdida; que o homem que está
em boas relações com Deus é o que foi circuncidado no espírito; e que isso é tão
possível para o gentio como para o judeu. Mas o judeu tinha parado na carne;
seu senso de valores estava errado, ele tinha interpretado mal a circuncisão. A
circuncisão era meramente um sinal externo de um estado interno, espiritual. Era
o que a circuncisão fora destinada a ser, porém, o judeu tinha ficado cego para
isso.

Notem as duas coisas que Paulo acentua: “na carne”, e “feita pela mão dos
homens”. “Incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela
mão dos homens.” Com a expressão “a carne” aqui, ele se refere à ênfase dada
às aparências, às exterioridades e àquilo que é puramente físico. Nacionalidade!
E puramente da carne. E um cabal acidente nascer numa nação, e não noutra.
Certamente é um fato a existência de diferentes nações e nacionalidades; mas
nós nos
Povo ou nação superior. Em alemão no original. Nota do tradutor.

inclinamos a fazer exatamente o que os judeus fizeram, transformamos estas


coisas em barreiras. Porque sucedeu que eu nasci em determinada nação, essa é
a nação. Outro homem diz exatamente a mesma coisa acerca da sua nação. Isso é
tomar uma coisa que é legítima na carne, entretanto exagerá-la até se tornar algo
tremendo. Nacionalidade! As pessoas lutam por isso, dão a vida por isso, matam
outras pessoas por isso. Nacionalidade! Nascimento! Família! Sangue! Como
exageramos e inflamos estas coisas! Como desprezamos outras pessoas! Como
estas coisas criam barreiras! O povo atribui mais significação à
simples linhagem dos homens do que ao seu espírito, à sua alma, ao seu
caráter, ao seu entendimento. Aquelas coisas são barreiras literais na
vida; muitos são postos no ostracismo por esses motivos. A cor da pele!
Pura questão da carne, mas é o tipo de coisa que leva àquela horrível
frase -“castas inferiores e fora da lei”. Que lástima! A alma, a mente, o espírito,
não são levados em consideração. A avaliação é puramente em termos da carne.
Capacidade, dinheiro, escola e instrução, posição na vida - são as coisas que têm
causado divisões, disputas, miséria e infelicidade no mundo atual, e todas elas
pertencem à carne.

Desafortunadamente, quando se chega aos domínios da religião, vê-se a mesma


coisa. Nada causa tanta divisão como a concentração em meras exterioridad.es
da religião. Os que mais perseguiram o nosso Senhor e que finalmente foram
responsáveis por Sua morte foram os saduceus e os fariseus. Por quê? Porque só
estavam interessados nas exterioridades, nas formas, nas cerimônias e nos
rituais, ignorando completamente o espírito. E ainda continua sendo assim.
Concentração nas formas, em belos cultos, liturgias, cerimônias, vestes e coisas
desse tipo relacionadas com o culto de Deus estão dividindo as pessoas.
É simplesmente a velha prática dos judeus repetida na sua forma moderna; o que
pertence à carne é agarrado até vir a ser uma barreira.

Vejam, porém, por um momento a outra frase. Não somente “a carne”, mas
também “feita pela mão dos homens”, diz Paulo, isto é, puramente humana.
Quais são as coisas que estão causando divisão na Igreja hoje? Por que não nos
sentamos todos juntos à mesa da comunhão? Ah, diz um, você não pode vir à
mesa e comer do pão e beber do vinho se não foi confirmado, se certas mãos não
foram impostas sobre a sua cabeça. “Feita pela mão dos homens”, vocês vêem!
Não importa se a pessoa nasceu de novo e tem em si o Espírito de Deus e se
está vivendo como um santo a vida cristã. Não participará porque ela não foi

confirmada.* Que valor há em falar em unidade e em re-união, que vale ter


grandes conferências e dar-lhes grande publicidade, se os próprios líderes de tais
conferências ainda agem em termos dessas barreiras? É irreal, quase chego a
dizer que é desonesto. Mas outros dizem: você não virá à mesa se não foi
batizado de um modo particular. É o modo como você foi batizado que importa,
e você é excluído da mesa do Senhor simplesmente por causa da quantidade de
água com a qual foi batizado. “Feita pela mão dos homens”! E há outros círculos
que não o admitirão à participação do pão e do vinho por causa de detalhes e
minúcias semelhantes. É uma repetição da maneira de ver dos escribas,
dos fariseus, dos saduceus e dos doutores da lei. Estas coisas
pertencem meramente à periferia. Estamos dispostos a conceder que haja
diferenças de opinião sobre estas questões, porém elas jamais deveriam
chegar ao centro, jamais deveriam tornar-se barreiras, jamais deveriam interpor-
se como paredes de separação. Nunca se recuse a vir à mesa do Senhor com
outra pessoa por nenhuma dessas razões.
Vocês verão tradições similares também em questões de governo e ordem da
Igreja. Há os que são muito mais leais à tradição de sua denominação particular
do que ao Senhor Jesus Cristo. É geralmente por acidente que eles pertencem à
denominação, é simplesmente porque os seus pais pertenciam a ela, e porque
foram criados nela; mas lutam por ela, brigam por causa dela. Isso vem a ser a
coisa importante e vital. De algum modo, Cristo e a Sua verdade são
inteiramente esquecidos e não são mencionados. “Feita pela mão dos homens”,
tradições humanas, lealdade a formas, tradicionalismo! São estas as coisas que
levam a separações e desuniões.

São estas, pois, as causas. Qual a cura? O apóstolo a expõe claramente aqui.
Unicamente Cristo pode curar, e a razão disso é que
é necessáriaumamudançadocoração. Não basta apenas apelar para aboa vontade,
para a bondade, para o amigável e para a fraternidade. Simplesmente não
funciona, e não funcionará; de fato nunca funcionou. Tampouco é suficiente
apenas apelar em geral para que os homens e as mulheres apliquem o ensino de
Cristo. Esse é o apelo popular hoje. Venham, dizem eles, vamos tomar e aplicar
os ensinamentos de Cristo. Alguns pensam que, se você fizesse isso, se este país
fizesse isso, de algum modo até a guerra seria banida e não haveria mais
problema. A resposta
Certamente isto se aplica à profissão de fé feita por adultos batizados na infância, como também ao
batismo de adultos. Nota do tradutor.

a isso é, de novo, que não é verdade, simplesmente não é fato. Já foi tentado. Foi
tentado nas escolas onde não acreditam mais na disciplina. Foi tentado nas
prisões, onde também ninguém mais crê realmente na disciplina. E vocês vêem
os resultados, vocês vêem o aumento da barbárie e do destemor de Deus. Mais
importante que isso, porém, é algo que vai contra as Escrituras, não é bíblico,
não é ensino de Deus, ensino que mostra que, enquanto o homem não vier estar
“sob a graça”, terá que ser mantido “sob a lei”. A natureza humana é má e
sempre se expressará, pelo que você tem de refreá-la, você tem que dominá-
la. Quando há feras selvagens em volta de você, você tem que estar preparado
para enfrentá-las. A idéia de que, se você for falar suavemente com pessoas que
têm a mentalidade de Hitler elas lhes darão ouvidos e deixarão de ser agressivas,
é quase patética e fátua demais, nem merecendo consideração.

Não, há somente um método, o método de Cristo. Ele nos diz a verdade sobre
nós. Ele faz que nos encaremos a nós mesmos. Face a face com Ele, vejo a
minha total inutilidade, a minha indignidade, a minha miséria. Quando
contemplo a face de Cristo, vejo que não tenho nada do que me gabar. Esqueço
tudo o que tenho exagerado, todas as coisas em que tenho confiado. Aqui não
sou nada, sou um mendigo. Cristo faz--rae ver a verdade sobre mim. Você jamais
conseguirá unidade entre os homens, enquanto eles não virem a verdade acerca
deles próprios. Ele faz-me ver também que a mesma coisa vale realmente para
todos os outros; que vale para aquela outra pessoa de quem não gosto, e vale
para a outra nação; que somos todos iguais, que somos um no pecado, um
no fracasso; que estamos todos debaixo da ira de Deus; que as coisas
cuja importância nós temos exagerado são trivialidades. “Não há um justo, nem
um sequer”; somos todos réus condenados diante de um Deus santo. Ele a todos
nos humilha até ao pó. Ele já demoliu a maior parte das diferenças.

Depois Ele nos mostra que todos nós necessitamos da mesma graça, da mesma
misericórdia, do mesmo amor, E juntos recebemos estas bênçãos e todos juntos
as compartilhamos. Prestamos culto à mesma Pessoa e nos regozijamos na
mesma salvação. Tendo compreendido isso tudo, daí em diante a minha lealdade
não é a mim, e sim a Ele; e a do outro homem não é a si, mas a Ele. Assim nos
esquecemos um do outro e não mais somos desconfiados, invejosos e
contenciosos; vamos juntos a Ele, e juntos entoamos o Seu louvor.

Esse é o método segundo o qual Cristo o faz. Não é a aplicação do espírito de


Cristo feita pelo homem. E a colocação do Espírito de Cristo

dentro do homem. O homem não regenerado é incapaz de aplicar o princípio e o


espírito de Cristo; ele nem quer fazê-lo. Um homem pode persuadir-se por algum
tempo de que deseja fazê-lo, porém, outros não querem, e então vêm divisões,
distinções e guerras. Há uma única esperança - que homens e mulheres nasçam
de novo, que sejam reconciliados pelo sangue de Cristo, que Deus os perdoe, que
Deus lhes dê nova natureza e novo coração, e implante neles um novo Espírito.
E ao compartirem este Espírito, eles Lhe prestarão culto e O louvarão e
se gloriarão nEle; agora eles já não se gloriam em si mesmos, nem em
suas nações, nem em coisa alguma, a não ser no fato de que o Senhor
Jesus Cristo foi crucificado por eles, e que por Ele eles foram crucificados para o
mundo e o mundo foi crucificado para eles.

Esta é a única base da unidade. Não a organização, nem nenhuma outra coisa,
mas a humildade do novo homem em Cristo, a vida dominada por Cristo, a vida
centralizada em Cristo. Eis o que derruba todas as paredes interpostas: “de
ambos os povos fez um” em Cristo. Queira Deus abrir os nossos olhos para isto
em todas as nossas relações pessoais. Queira Deus abrir os olhos da Igreja para
isto. Que o mundo veja que só há uma esperança de paz verdadeira, vir reunir-se
aos pés do Príncipe da paz, o Rei da justiça.

Esta obra, no original inglês, foi publicada em 1972 (Ia edição). Nola do tradutor.
15

SEM CRISTO

“Que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e


estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no
mundo.” - Efésios 2:12

Passamos agora, neste versículo doze, a ver e estudar em detalhe o segundo


aspecto deste problema, a saber, como foi possível que estes efésios, que eram
gentios, incircuncisos - como foi possível que eles fossem introduzidos na Igreja
Cristã e unidos aos cristãos judeus para formarem um novo corpo, a Igreja
Cristã? Essa é a questão da qual o apóstolo trata aqui. A distinção entrejudeu e
gentio era deveras real. Não devemos menosprezá-la, nem diminuí-la, nem tratá-
la como algo de somenos importância. Afinal de contas, foi Deus mesmo que
introduziu o sinal da circuncisão. Foi Deus que mandou Abraão circuncidar-se
e circuncidar os seus filhos, e que isso fosse feito perpetuamente. Portanto, não
devemos subestimar essa distinção entre judeus e gentios. Mas, embora
reconheçamos a distinção, devemos ter claro entendimento do que ela significa e
o que representa. Foi nesse ponto que os judeus se extraviaram. Para eles o sinal
externo, sozinho, significava tudo. Era algo na carne, era algo externo. Este
homem é circunciso? Então ele está bem, ele pertence ao povo de Deus. É
incircunciso? Então ele está mal e não tem esperança nenhuma. Eles tinham
entendido de maneira totalmente errônea o objetivo, o propósito e o espírito
da circuncisão.

O apóstolo trata dessa questão em muitas das suas Epístolas. Ele o faz, por
exemplo, de maneira particularmente clara, na Epístola aos Romanos, capítulo
dois, versículos vinte e oito e vinte e nove, onde ele diz: “Porque não é judeu o
que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas
é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não
na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus”. Noutras palavras,
os judeus tinham sido totalmente incapazes de ver que todo o objetivo disso era
algo espiritual na mente de Deus. O apóstolo estava muito preocupado com isso.
Alguns, quando ouvem quenão existe mais circuncisão e incircun-cisão, judeu e
gentio, e assim por diante, mostram-se propensos a dizer: bem, então não
precisamos dar atenção a estas coisas. Alguns cristãos
têm sido bastante tolos para dizer que, uma vez que somos cristãos, não
necessitamos do Velho Testamento. Todavia, isso, diz ainda o apóstolo na
Epístola aos Romanos, está completamente errado. “Qual é logo a vantagem do
judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão?” E ele replica: “Muita, em toda a
maneira, porque, primeiramente, as palavras de Deus lhes foram confiadas”.
Depois, no capítulo nove da Epístola aos Romanos, ele torna a desenvolver o
mesmo argumento. Ele fala da sua grande tristeza e dor no coração - “Porque eu
mesmo poderia desejar ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que
são meus parentes segundo a carne; que são israelitas”. Que é que ele quer dizer?
Ele prossegue para dar aresposta: “dos quais é a adoção de filhos, e a glória, e os
concertos, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os pais, e dos quais é
Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito etemamente”. Havia
um propósito e objetivo muito real na distinção entre judeu e gentio. Não era
como os judeus o interpretavam, que o faziam erroneamente, mas lá estava o
fato, e era extremamente importante. Aqui, agora, neste versículo doze de
Efésios, capítulo dois, Paulo nos dá o verdadeiro conceito da matéria em foco.
No versículo onze ele nos dá o falso conceito da circuncisão; no versículo doze
ele nos dá o verdadeiro conceito da circuncisão e da falta dela.

O apóstolo apresenta o seu ensino de maneira interessante, extraordinária e, à


primeira vista, surpreendente. Eis como ele o expressa: “Que naquele tempo
estáveis sem Cristo”. Ora, esse é um modo estranho de dizê-lo - “sem Cristo ”.
Pode-se traduzir como “separados de Cristo”, “fora de Cristo”, “não em
comunhão com Cristo”, “não em relação com Cristo”, ou até “vivendo
separadamente de Cristo”. Depois de haver feito a sua colocação em termos
gerais, ele vai adiante para expressar-se a respeito mediante cinco pontos
diferentes: “separados da comunidade de Israel”, “estranhos aos concertos da
promessa”, “não tendo esperança”, “sem Deus”, “no mundo”.

Isto certamente exige nossa cuidadosa atenção. Obviamente Paulo está se


referindo à situação que prevalecia antes de Cristo, sob a antiga dispensação,
sob o Velho Testamento. O mundo estava dividido entre judeus e gentios,
aqueles que, como judeus, tinham sido circuncidados, e os incircuncisos, os
gentios, as outras nações. Todavia, vocês podem reparar que ele se refere aos
gentios daquele tempo e naquela condição nestes termos: “sem Cristo”, “fora de
Cristo”. Aqui ele está se referindo a uma situação que imperava antes da vinda
do Senhor Jesus Cristo ao mundo; entretanto, ele o diz em termos de estar “em
Cristo”,
ou “fora de Cristo”, em termos de viver separadamente de Cristo. Por que é que
o apóstolo descreve esse estado de coisas em termos de uma relação com Cristo?
Naturalmente, num sentido, arespostaé que ele está fazendo algo que é obrigado
a fazer, e se não entendemos e não captamos claramente o que ele está fazendo
nesta passagem, só sepode pensar que temos lido o Velho Testamento em vão.
Aqui ele está fazendo um repasso geral do Velho Testamento. Que é que o
caracteriza? A resposta é: “a comunidade de Israel”; “os concertos da promessa”;
a esperança que Deus dera ao povo; a relação deste com Deus; sua separação
do mundo. Este é o sumário da condição e da situação dos israelitas sob
a dispensação do Velho Testamento. Todas as outras nações estavam fora destas
bênçãos e, todavia, a descrição que ele faz é em termos de estar “em Cristo”, ou
“fora de Cristo”.

Como devemos entender isto? A resposta é que tudo o que Deus fez aos judeus e
por eles sob a antiga dispensação foi feito na expectação de Cristo. Tudo no
Velho Testamento olha para o futuro, para Cristo. Nunca devemos examinar
aquelas coisas em si e de si. Tudo quanto Deus fez àqueles judeus, àqueles
israelitas, Ele o fez como preparação para a vinda do Senhor Jesus Cristo. O
apóstolo o expressa numa frase em Gálatas 3:23 desta maneira: diz ele que o
propósito de Deus foi manter-nos “encerrados para aquela fé que se havia de
manifestar”; “a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo”, nunca foi seu
propósito fazer coisa alguma em si e de si. Foi aí que os judeus erraram.
Eles pensavam que a lei era alguma coisa em si mesma, e que eles foram salvos
porque possuíam alei, ao passo que os outros não. Não, dizPaulo, alei éonosso
preceptor, o nosso aio, para levar-nos aCristo. Opropósito de todas aquelas
coisas era encerrar-nos para aquela fé que se havia de manifestar.

Podemos ver o ponto mais ou menos assim: Deus fez o homem à Sua imagem, e
o homem vivia em harmonia e em comunhão com Deus. Mas, ele pecou e caiu,
apartando-se de Deus. Que lástima! Depois que ele deu nascimento à sua
progênie, a terra encheu-se de gente, e até ao tempo do chamamento de Abraão o
mundo inteiro e todos os seus povos e nações estavam numa mesma relação com
Deus. Não houve nenhuma divisão importante até à vocação de Abraão. Já havia
uma espécie de divisão entre a linhagem de Caim e a de Sete, contudo Deus
tratava igualmente todas as nações e todos os povos, até quando Abraão
foi chamado. Então Deus fez algo novo. Ele disse a Abraão que ia fazer
dele uma nação, que dos seus lombos surgiria uma grande nação, um
povo especial e peculiar pertencente ao própr: o Senhor Deus. Ele ia criar uma
nova nação, uma nação especial. Ia separá-la de todos os outros povos e
manteria uma peculiar relação com essa nação especial. Essa é a formação de
Israel, essa é a gênese da comunidade de Israel, o povo de Deus. Depois Ele fez
certas alianças com esse povo. Fez-lhe certas promessas. Comprometeu-Se com
ele. Ele separou este homem, Abraão, e lhe disse: “Em ti e em tua semente serão
abençoadas todas as famílias da terra”. Deus fez aliança com Abraão,
comprometeu-Se com ele, fez um juramento - esse é o significado das alianças.
Estas promessas foram repetidas muitas vezes - a grande e única aliança repetida
em várias formas - a Isaquee a Jacó, a Moisés no Sinai, e ainda a Davi, e
pregadas pelos profetas. É isso que se quer dizer com estas expressões,
“a comunidade de Israel”, “os concertos da promessa”, e assim por diante. Todas
tinham em vista a futura vinda do Messias, o grande Libertador. Noutras
palavras, o que temos que compreender é que agora Deus via o mundo e o seu
povo de duas maneiras: via o povo da aliança de um modo; via os demais povos
de outro modo. E o povo da aliança era conhecido pelo sinal e pela marca da
circuncisão. Todo menino nascido em Israel tinha que ser circuncidado no oitavo
dia porque pertencia ao povo da aliança, à nação de Israel, ao povo de Deus. De
um lado está o povo de Deus; do outro estão os gentios.

É isso que o apóstolo está lembrando aos efésios, e este é o seu objetivo ao fazê-
lo: ele quer que eles se apercebam da grandeza da sua salvação. Quer que
compreendam que o fato de agora se haverem tornado concidadãos, co-herdeiros
com os santos e da família de Deus, é a coisa mais assombrosa que poderia
acontecer. A única maneira pela qual eles poderão entender isto é
experimentando algo da “sobreexce-lente grandeza do poder de Deus sobre nós,
os que cremos”. Não é somente o poder que nos ressuscita da morte no pecado, é
um poder que sobrepuja esta tremenda questão de como os que estão fora da
relação pactuai, da aliança, poderão ser introduzidos. Assim, ele prossegue,
para explicar-lhes e expor-lhes isso. Ninguémjamais se regozijará em
Cristo como deve, se não compreender qual era a sua situação antes de se
tomar cristão. O problema com todos os cristãos professos que não se regozijam
em Cristo é que eles nunca se deram conta do que eles eram em pecado. Não
ajuda nada dizer-lhe que você deve ser “sempre positivo”; você tem que partir do
que há de negativo em você. Se você não se der conta do que você era antes de
ser tomado por Deus, jamais O louvará como deve. Por isso Paulo desce a
minúcias. Há muitos que nunca viram qualquer necessidade de Cristo. Por quê?
Porque estão satisfeitos consigo e pensam que tudo está bem com eles como eles
são. Esse é o
problema. Paulo está desejoso de que os seus leitores entendam esta questão. Ele
orou no sentido de que Deus abrisse “os olhos de seu entendimento”, para que
pudessem entendê-la. Vocês estavam longe, diz ele, mas agora “pelo sangue de
Cristo chegastes perto” - você seria capaz de ver o que Deus fez? Você não
consegue ver a medida do Seu amor, da Sua graça e misericórdia, e do Seu
ilimitado poder?

Esse é o argumento. Vamos adiante, com o fim de aplicá-lo a nós. Vocês


conhecem com o seu coração, como também com a sua cabeça, o maravilhoso
amor de Deus? Ficam emocionados quando pensam nele e o imaginam?
Enchem-se de um sentimento de maravilha, de amor e de louvor? Se não se
sentem assim é porque vocês ainda não compreenderam o que Deus fez por
vocês em Cristo. Entende-se isto examinando o que significa não ser cristão -
“sem Cristo”, estar “fora de Cristo”. Noutras palavras, o primeiro princípio que
firmamos é que a única coisa que importa nesta vida e neste mundo é estar
relacionado com Deus em Cristo. Não há nada mais terrível que se possa dizer
a qualquer pessoa do que esta - “sem Cristo”, “vivendo separadamente de
Cristo”. Quando o apóstolo procurou uma expressão pela qual mostrar àquelas
pessoas quão longe elas estavam, e a total desesperança da sua situação, foi esta
que ele escolheu: “sem Cristo”. “Vivendo separadamente de Cristo.” “Sem estar
em vivida relação com Cristo.” Não há nada pior do que isso. Mas, por outro
lado, não há nada mais maravilhoso do que estar “em Cristo”. Estas são as
expressões do Novo Testamento - “em Cristo”, “fora de Cristo”.

São essas as duas únicas posições que importam. Todos estamos, ou “em
Cristo”, ou “fora de Cristo”. Você sabe exatamente onde está? Isto não é teoria, é
fato real, é experiência. E o que vai determinar o nosso destino eterno. É porque
ignoram o que é estar “fora de Cristo” que milhões de pessoas no mundo atual
passam o domingo de manhã lendo os jornais e o lixo dos tribunais, em vez de
investigarem a Palavra de Deus. Não se apercebem de como é terrível a sua
situação por estarem “fora de Cristo”. Por isso Paulo lhes diz em detalhe o que
significa isso com as cinco expressões já mencionadas. Elas podem ser
classificadas em duas divisões.

Primeiro consideremos: o que significa estar sem Cristo quanto à nossa relação
com Deus. Aqui o apóstolo diz duas coisas, as duas primeiras das cinco
expressões. A primeira é que nós estamos num estado e numa condição de
“separados da comunidade de Israel”. A
referência é àuma agremiação de cidadãos ou de pessoas definidamente
constituídas numa comunidade política. No mínimo significa certo número de
pessoas definidamente constituídas numa comunidade. É algo separado e
distinto, algo que pode ser reconhecido. Portanto, o que nos é dito é que Deus,
da maneira que indiquei, formou uma comunidade para Ele. Este é o método de
salvação estabelecido por Deus; Ele forma um povo, uma comunidade. Ele
separa as pessoas e Se mantém numa relação especial com elas. Uma descrição
minuciosa disso tudo é dada no capítulo dezenove do livro de Êxodo. O apóstolo
Pedro o cita em sua Primeira Epístola, capítulo dois, versículos nove e dez. Deus
reuniu aquelas pessoas antes de lhes dar os Dez Mandamentos, e lhes
disse: “Sereis a minha propriedade peculiar”, “Vós sois a geração eleita,
o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido.” Ele separou esse povo para
Si e o apartou de todos os demais. Mas não ficou nisso. Fez isso porque tinha um
interesse especial por ele. E um povo que constitui a Sua “propriedade peculiar”.
Assim, bem mais tarde, por meio do profeta Amós, Deus disse a respeito da
nação de Israel: “De todas as famílias da terra a vós somente conheci” (Amós
3:2). Obviamente, isso não significa que Ele não tomava conhecimento de todas
as outras. Certamente que tomava. “Conhecer” nas Escrituras significa ter
interesse pessoal e especial por, estar preocupado com, importar-se com, ver com
os olhos de um pai e com amorosa contemplação. “De todas as famílias da terra
a vós somente conheci” - a referência é a Israel. Deus via todas as nações, porém
não as conhecia, não tinha esse interesse especial por elas; elas estavam fora da
comunidade de Israel, eram estranhos. De fato, a palavra empregada por Paulo
aqui é muito interessante. Aqui se lê “(estáveis) separados”; a tradução deveria
ser “tendo-se feito separados”, ou “tendo-se tomados separados”. Noutras
palavras, nunca houve o propósito de que alguém estivesse nessa situação; é
tudo conseqüência da Queda, conseqüência do pecado. O homem separou-se,
passou a estar fora do interesse peculiar de Deus.

Então a primeira coisa que significa estar “sem Cristo” é que você está fora
daquele círculo no qual Deus está peculiarmente interessado. Você não pertence
ao povo da aliança. Você é tão-somente um de uma grande multidão nalgum
lugar; não há este interesse especial, este especial objeto de interesse.
“Separados da comunidade de Israel.” Hoje é a Igreja Cristã que corresponde à
comunidade de Israel. A coisa mais terrível acerca do não cristão é que ele está
fora daquele círculo e não pertence ao povo de Deus. Você está separado da
comunidade de Israel? Você se sente estranho num culto cristão? Você se
pergunta: do
que é que esse homem está falando? Que será isso tudo? Não lhe parece muito
prático, não é como uma pregação sobre conferências internacionais, sobre a
fabricação de armas atômicas ou sobre questões políticas correntes. Não é
relevante, é obsoleto. É alheio a você, é-lhe estranho? Ou você sente que lhe diz
respeito? É uma coisa terrível a pessoa sentir-se um forasteiro, um intruso, sentir
que não tem parte nestas coisas, que de algum modo elas nada têm a ver consigo.
Você está dentro? Você ama os irmãos na fé? Você tem parte nestas coisas? É
terrível estar “fora de Cristo”, “separado da comunidade de Israel”.

O que a seguir o apóstolo nos diz é que os gentios eram “estranhos ao concerto
da promessa”, ou “às alianças da promessa” (ARA). Já lhes fiz lembrar as
alianças feitas por Deus. Deus tomou Abraão. Não porque houvesse algo de
peculiarmente bom em Abraão; ele era um pagão entre outros pagãos. Deus o
chamou e lhe disse: Eu pus Meus olhos em você, vou abençoar você, empenho-
Me pessoalmente com você. Como nos lernbra o autor daEpístola aos Hebreus,
Deus o fez com juramento (6:13-18). Empenhou-Se e fez um juramento, para a
segurança de Abraão e sua semente. As promessas de Deus! Leiam o
Velho Testamento e as verão uma após outra. Deus chama homens, separa-
os, dá-lhes uma revelação, uma visão, dirige-Se a eles, envia-lhes uma palavra. E
o que os mantém em marcha. Este foi o segredo do povo descrito no capítulo
onze da Epístola aos Hebreus - as promessas. Deus olhava para os do Seu povo e
lhes dizia: não se preocupem; deixem que as outras nações os invejem e tentem
destruí-los; deixem que os homens se levantem contra vocês; não importa; vocês
são o Meu povo, nunca os deixarei desaparecer, “Não te deixarei, nem te
desampararei” (Hebreus 13:5); apegue-se à palavra da minha aliança e às
Minhas promessas, olhem para o futuro, para o seu cumprimento.

As promessas da aliança! Mas os efésios lhes eram estranhos. As nações


gentílicas nada sabiam delas. Enquanto que o povo peculiar de Deus, os judeus,
recebia estas grandes mensagens e se regozijava nelas, os outros absolutamente
não as conheciam - eram estranhos, absolutamente estranhos, nada tinham
ouvido dessas promessas, não sabiam nada a respeito, e não estavam
interessados nelas. Essa continua sendo a verdade sobre todos os que estão “fora
de Cristo”, sobre os que não estão ligados vitalmente a Cristo. Podem ler
aBíblia, e não se comovem. Podem ver estas “grandíssimas e preciosas
promessas” (2 Pedro 1:4), e ainda indagam: a quem se aplica isso? Que se pode
dizer a respeito? São estranhos, são como estrangeiros, não entendem a língua.
Acaso a Bíblia lhe diz algo? É-lhe inteligível? Você acha que ela não passa de
palavras sem nexo, de jargão? Ou lhe diz algo, diz-lhe palavras que o levantam e
o firmam sobre os seus pés e o levam a louvar a Deus? Você é estranho às
alianças da promessa, ou sabe que elas estão falando com você e que você é
membro da agremiação, que Deus Se dirige a você quando você lê a Sua Santa
Palavra? Que coisa terrível é estar “fora dq Cristo”, não estarem vivida relação
com Cristo, ser estranho às alianças da promessa!

Vamos adiante e consideremos a segunda divisão: as inevitáveis conseqüências


de estar “fora de Cristo”. O apóstolo menciona três. A primeira é que a pessoa
está sem esperança. Certamente esta é uma das declarações mais terríveis das
Escrituras, senão a mais terrível. “Não tendo esperança”! Não existe nada pior.
“Enquanto há vida há esperança”; sim, porém quando a esperança se vai, nada
mais resta. A esperança é a última que morre, mas quando morre a esperança,
“retoma o caos” - como diz Otelo . Contudo, quem está sem Cristo está
sem esperança.

Isto significa, primeiramente, que ele não tem nenhuma esperança nesta vida.
Vocês já tinham percebido que sem Cristo não hánenhuma esperança nesta vida,
neste mundo? - absolutamente nenhuma! Será exagero? Em resposta eu lhes
peço que considerem as declarações dos pensadores mais profundos que o
mundo conheceu, e verão que, invariavelmente, eles são pessimistas. As maiores
obras de Shakespeare são tragédias. Todas as religiões, fora a fé cristã, são
profundamente pessimistas. O único consolo que lhe dão é que chegará o
tempo em que você escapará deste mundo; poderá ter que passar por uma
série de reencarnações - mas aqui não há esperança, você terá que livrar-se dele
e, de um modo ou de outro, perder-se nalgum nirvana. Elas não dão esperança
alguma ao homem neste mundo. É a carne, o corpo, dizem elas, que causa todos
os nossos problemas, e não há esperançapara você enquanto estiver no corpo.
Por isso você tem que sair deste mundo. O hinduísmo, o budismo e todo o resto
são completam ente sem esperança. São produtos de pensamento profundo sem a
revelação; e todas elas são totalmente destituídas de esperança. Isso é algo que
vocês verão em todas as grandes filosofias, em todas as grandes religiões. Vê-lo-
ão em toda grande literatura. Já notaram que os nossos maiores poetas são 1

pessimistas? Wordsworth nos diz que ouvia a “dolente e triste música da


humanidade”. Naturalmente, se vocês estiverem voejando de salão de baile em
salão de baile e de cinema em cinema, não a ouvirão, porque há tanto barulho
que não a podem ouvir; porém, o poeta senta-se, põe-se à escuta e medita, e o
que ouve? - Que a vida é maravilhosa? - Não, o que ele ouve é a “dolente e triste
música da humanidade”. “A vida é real, a vida é séria.” Não é um vertiginoso
rodar de prazer após prazer. Não se vê esperança nesta vida e neste mundo.

Tudo isso nos vem habilmente resumido no livro de Eclesiastes, onde o autor
diz: “Vaidade das vaidades! é tudo vaidade”. Isso não é dito de maneira
superficial, num momento de decepção; é a conclusão a que chegou um
profundo pensador que tentara todas as possibilidades, considerara todas as
coisas que se nos oferecem, e viu que todas elas juntas não chegam a nada. “O
que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; de modo
que nada há novo debaixo do sol” (1:9). Não há esperança para o mundo, ele não
vai ficar cada vez melhor. Todo o fútil idealismo dos últimos séculos é
totalmente condenado por todas as grandes expressões do pensamento dos
séculos - e, naturalmente, está totalmente desacreditado hoje pelos fatos e
eventos. Sem Cristo não há esperança nesta vida e neste mundo. “Vaidade
de vaidades! é tudo vaidade!”, pode-se escrever rotulando todas essas coisas.
Não somente não há esperança de que as coisas melhorem, também não há
esperança de que o próprio homem melhore. Ele não é nada melhor do que era
sob a dispensação do Velho Testamento. Continua cometendo os mesmos
pecados, continua culpado das mesmas faltas; não há prova de que houve
progresso espiritual do homem. O homem é tão podre hoje como quando caiu no
jardim do Éden. Além disso, não há o que ver no futuro. Todos estamos
envelhecendo, as nossas energias vão fenecendo, a morte virá, inevitavelmente.
Façam vocês o que fizerem, não se livrarão dela. Essa é a vida sem
Cristo. Deixemos que Shakespeare, com seu jeito inimitável, resuma o
ponto para nós. Já no período final da sua vida, ele o expressou
perfeitamente num dos seus últimos dramas, A Tempestade (“The Tempest”).

Aí torres envoltas em nuvens,

Os suntuosos palácios,

Os templos solenes E o próprio globo grandioso,

Sim, todo o universal legado se dissolverá,

E, como esta frágil pompa esmaecida,

Nem mesmo um vapor deixará atrás:

E o que somos,
Como feitos de sonhos, e um sono cerca A nossa curta vida,

É assim a vida sem Cristo. Nenhuma esperança! Absolutamente nenhuma! Isso


não é pessimismo, é realismo, é encarar os fatos. Não há esperança neste mundo,
ele não está ficando melhor. Vejam os jornais, vejam os fatos: o homem não está
melhorando, e nada o espera senão a morte. As torres envoltas em nuvens, os
suntuosos palácios, o próprio globo grandioso - tudo vai dissolver-se.

Assim como não há esperança nesta vida, neste mundo, certamente não há
nenhuma esperança além desta vida para quem está fora de Cristo. Amorte é
apenas o fim da jornada para ele. Como Horácio Bonar diz em seu hino:
“Falecem os homens cercados de trevas, sem uma esperança que alegre
suatumba”. Eles olham parao futuro, mas o que vêem? Nada! Não conseguem
ver através da morte, não têm “a fé que vê através da morte”. Que é que existe
além da morte? Eles não sabem. Ou dizem que não há nada, ou que há um
tormento, ou uma série dereencamações. Não sabem; e quando chegam ao fim,
deixam tudo, caem os palácios e as torres, e o que fica? - Nada! Sem esperança!
Essa é a vida sem Cristo. Esta é a vida que estão tendo milhões neste país hoje,
milhões que nos julgam tolos porque nos assentamos para ouvir o velho
evangelho nas igrejas. Eles pensam que têm vida e liberdade - todavia eis a
sua situação: “não tendo esperança”!

Mas, pior ainda: “sem Deus”! Que é que Paulo quer dizer com isso? Refere-se
obviamente a uma vida sem nenhuma experiência subjetiva de Deus. Deus
continua existindo, porém essas pessoas não o sabem, não têm consciência disso;
e não O fruem! Permitam-me fazer um sumário disso nos seguintes termos: eles
não conhecem a Deus enão estão em comunhão com Deus; portanto, eles estão
sem a ajuda, a paz e a alegria que vêm mediante o conhecimento de Deus e a fé
nEle. O mundo deles estáenterrado em colapso, tudo vai indo mal e eles se
vêem sós. Em seu completo isolamento e desolação, eles não têm nada,
porque não conhecem a Deus. Os cristãos também têm problemas nesta
vida, ocorrem acidentes, as coisas vão mal; quanto às circunstâncias, o
cristão pode ser idêntico a outro homem. Mas há esta grande diferença: o
outro está sem Deus; o cristão tem Deus e conhece a Deus.

Quão diferente do salmista é esse outro homem sem Deus! O salmista, vocês
recordam, disse isto: “Quando meu pai e minha mãe me

desampararem, o Senhor me recolherá” (Salmo 27:10). Seu pai e sua mãe o


deixaram, amigos e companheiros foram-se todos, tudo se foi. Está bem, diz o
salmista, “quando meu pai e minha mãe me desampararem”, mesmo então, “o
Senhor me recolherá”. Ouçam-no ainda: “Eu me deitei e dormi” - ele estava
cercado de inimigos nessa altura - “Eu me deitei e dormi; acordei” - por quê? -
“porque o Senhor me sustentou” (Salmo 3:5). Ouçam-no noutra ocasião: “Das
profundezas a ti clamo, ó Senhor” (Salmo 130:1). Ele estava num fosso horrível,
e tudo parecia ter-se ido; mas olhou para o alto, Deus continuava lá;
“Das profundezas clamei ao Senhor”. “O Senhor é o meu pastor, nada
me faltará.” “Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, tu
estás comigo; a tua vara e o teu cajado me consolam” (Salmo 23:1,4). Não posso
ver mais nada, mas ainda vejo a Ti. O outro homem não conhece isso; ele está
“sem Deus”. “O Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei? O
Senhor é a força da minha vida; de quem me recearei?” (Salmo 27:1). Com
Deus! - não “sem Deus”. Ouçam-no, porém, dizê-lo também numa admirável
declaração: “Desde o fim da terra clamarei a ti, quando o meu coração estiver
desmaiado; leva-me para a rocha que é mais alta do que eu” (Salmo 61:2). Aí
está ele, quase afundando num oceano de dificuldades, com inimigos e tudo mais
contra ele; ele clama a Deus: “Leva-me para a rocha que é mais alta do que
eu”, sabendo que ali estará seguro. No entanto, esse outro homem nada
sabe disso, está sem Cristo e, portanto, está sem Deus. Que diferença do apóstolo
Paulo, que diz: “Ninguém me assistiu na minha primeira defesa, antes todos me
desampararam. Que isto lhes não seja imputado. Mas o Senhor me assistiu e
fortaleceu-me” (2 Timóteo 4:16-17). Paulo estava em julgamento, todos os seus
amigos o tinham abandonado: “ninguém me assistiu, todos me desampararam”.
“Mas o Senhor me assistiu e fortaleceu-me.” Também escreve da prisão a
Timóteo, quando tudo estava contra ele, e diz: “Mas não me envergonho;
porque sei em quem eu tenho crido, e estou certo de que é poderoso, para
guardar o meu depósito até àquele dia” (2 Timóteo 1:12). Ouçam o autor
da Epístola aos Hebreus citar o Velho Testamento: “O Senhor é o meu ajudador,
e não temerei o que me possa fazer o homem”. Por quê? Porque Deus disse:
“Não te deixarei, nem te desampararei” (Hebreus 13:5-6).

Contudo, esse outro homem não sabe disso; ele é deixado entregue a si mesmo
quando o seu mundo cai por terra e tudo vai mal. Ele não somente está “sem
esperança”, mas também está “sem Deus”, e não pode olhar para o futuro, para o
dia em que, segundo o livro de

Apocalipse, “Deus limpará de seus olhos toda a lágrima”, e não mais haverá
tristeza, nem suspiros, nem pranto. O homem sem Cristo não conhece essas
coisas. Quão diferente é o nosso Senhor! Ouçam o Senhor dizer pessoalmente:
“Eis que chega a hora, e já se aproxima, em que vós sereis dispersos cada um
para suaparte, e me deixareis só; mas não estou só, porque o Pai está comigo”
(João 16:32). Ele não estava “sem Deus”. Deus estava com Ele quando todos O
tinham abandonado e fugido. “Mas não estou só, o Pai está comigo.”

Que coisa terrível é estar “sem esperança” e “sem Deus” “no mundo” - pertencer
a este mundo passageiro que está debaixo da ira de Deus, debaixo da
condenação, e que deverá ser destruído. “O mundo passa, e a sua
concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre”
(1 João 2:17).

Essas palavras vêm a alguém que está “sem Cristo”? Se vêm, você se dáconta de
onde está? Você está fora dacomunidade, fora do interesse especial de Deus,
você não conta com promessas que o sustentem, com “nenhuma esperança”,
você está “sem Deus”, “no mundo”! Se você vê isso, e se você compreende o
que significa, há só uma coisa para você fazer - fugir para Cristo. Outrora os
efésios tinham estado naquela situação - “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que
antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto”. Você não precisa
continuar sendo um forasteiro. Não precisa continuar e achar que estas coisas
não lhe dizem respeito. Deus está falando com você. CreianEle, ouça-O,
aja baseado no que Ele diz, vá a Ele, confesse a Ele tudo quanto sej a
verdade quanto a você, e se lance sobre o Seu amor e graça e misericórdia
e compaixão. E Ele o receberá e lhe dirá que enviou Seu Filho para morrer e
derramar Seu sangue por você, para que você se tornasse “concidadão dos santos
e da família de Deus”. Você verá que passou a ter nova vida e nova esperança,
conhecerá a Deus e saberá que Ele nunca o deixa nem o desampara. Fuja para
Ele.

Se você está ali, regozije-se nEIe. Estar “em Cristo”! Não há nada que sobrepuje
isso. É o céu na terra. E o antegozo da bem-aventurança eterna.

16
CHEGASTES PERTO

“Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de
Cristo chegastes perto. ” - Efésios 2:13
Evidentemente, estas palavras dão prosseguimento à declaração que começa no
versículo onze. Ao mesmo tempo são, por assim dizer, o complemento dessa
declaração, que já foi estudada. O apóstolo está expondo aqui a grandeza desta
salvação cristã. Ele quer que compreendamos que ela é tão grandiosa que nada
menos que o poder de Deus a poderia realizar. Esse é o argumento geral. O poder
que nos toma cristãos é precisamente o mesmo poder que tomou Jesus dentre os
mortos, mostrou-0 na ressurreição gloriosa e depois O elevou às alturas,
aos lugares celestiais, onde Ele está assentado à direita do poder de Deus. Esse é
o tema. Não devemos ignorar a floresta por causa das árvores. As árvores são
gloriosas, mas a floresta é mais, e é melhor. A medida que avançarmos,
mantenhamos as duas coisas juntas em nossas mentes.

E sobre “a sobreexcelente grandeza do Seu poder sobre nós, os que cremos” que
o apóstolo está escrevendo, e é o que ele quer que compreendamos.
Necessitaremos do auxílio do Espírito Santo para compreendê-lo, porque as
nossas mentes são por demais pequenas, fracas e inadequadas. Oramos, pois,
como Paulo fez pelos efésios, no sentido de que sejam “iluminados os olhos do
nosso entendimento”, para que realmente possamos conhecer essa verdade. O
apóstolo escreve a sua carta com o fim de ajudar-nos nisso. Duas coisas, diz
ele, são essenciais, se queremos entender a grandeza da salvação cristã: a
primeira é a percepção da nossa condição sem esse entendimento; e a segunda é
a percepção da nossa condição resultante disso. Anteriormente examinamos a
nossa condição sem a salvação, nos termos da descrição feita no versículo doze
deste capítulo. “Naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de
Israel, e estranhos aos concertos (ou alianças) dapromessa, não tendo
esperança, e sem Deus no mundo.” Somente quando compreendermos isto,
em primeiro lugar, é queperceberemos quão maravilhoso é que alguém
seja cristão. Afinal de contas, o admirável é - não que muitos não são cristãos; o
admirável é que alguém seja cristão. Nada explica isso, a não ser o poder de
Deus em Cristo. Somente captamos isso quando nos

damos conta do que o homem é por natureza, quando nos damos conta do que
ele é em conseqüência do pecado. Mas devemos ir muito além. Se nos cabe
medir este grande poder, não devemos limitar-nos a medir a profundidade da
qual fomos levantados e tirados, entretanto também devemos medir a altura à
qual fomos elevados e exaltados.

Aí estão os dois polos que representam os extremos nos quais todos os cristãos
se acharam: primeiramente, fora de Cristo; depois, em Cristo. É o que o apóstolo
está expondo aqui, no versículo treze. Tendo dado o aspecto negativo, passa
agora aexpor o positivo. Vocês recordam que nos dez primeiros versículos ele
estivera fazendo exatamente a mesma coisa, porém de um ângulo diferente. Lá a
sua preocupação era com a condição espiritual real e concreta - mortos em
ofensas e pecados - e em mostrar como fôramos elevados às alturas. Aqui, como
vimos, ele o expõe mormente em função da lei, e em termos do nosso nível
e posição aos olhos de Deus e em Sua presença. Mais uma vez assevero que é
essencial que compreendamos os dois lados.

Para todos os que têm alguma experiência pastoral, nada é mais claro do que o
fato de que, quando os que se sentem infelizes acerca da sua salvação, não têm
segurança e não têm alegria em sua vida cristã, a causa geralmente está numa
destas duas coisas, ou, com muita freqüência, nas duas juntamente. Eles estão
nessas condições, ou porque nunca se tornaram verdadeiramente convictos do
pecado, porque nunca enxergaram realmente a sua situação de desesperança, ou
então porque nunca enxergaram a sua verdadeira posição como cristãos e as
alturas às quais foram elevados. Assim, as duas coisas sempre devem ser
tomadas juntas. E no Novo Testamento sempre estão juntas-e
invariavelmente são tomadas na ordem acima indicada: primeiro o elemento
negativo; depois o positivo. Já vimos isso neste capítulo.

O apóstolo sempre parte do negativo. Vocês recordam como, quando ele estava a
caminho de Jerusalém e estava se despedindo dos presbíteros desta mesma igreja
de Efeso numa grande e lírica ocasião -ele não tivera tempo de ir a Efeso, pelo
que pedira aos presbíteros que viessem encontrar-se com ele. Encontraram-se em
Mileto, e, num dos mais comoventes trechos da literatura que conheço, o
apóstolo fala, dizendo efetivamente; gostaria de lembrar-lhes como, quando
estava com vocês, não cessei, noite e dia, de dar-lhes com lágrimas o
meu testemunho do evangelho e de pregá-lo. E o que ele pregava?
“O arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (Atos
20:21, VA e ARA). Vocês nunca verão o apóstolo dizer que , primeiro as pessoas
vêm a Cristo e depois se arrependem. Impossível

vê-lo fazer isso, porque ele sempre pregava primeiro o arrependimento. E é o


que ele está fazendo aqui: aí está o que vocês eram, aí está o que vocês são. E
somente quando captarmos o negativo e o positivo é que verdadeiramente
apreciaremos esta grande salvação e nos regozijaremos nela como devemos.

Permitam-me fazer uma pergunta simples e óbvia neste ponto. Compreendemos


a grandeza da nossa salvação? Ou deixem que eu faça uma pergunta mais
sensível e delicada. Você se regozija em sua salvação? Neste momento você se
ufana mais de ser cristão do que de qualquer outra coisa em sua vida? Não hesito
em dizer que, se não nos ufanamos disso e não nos gloriamos mais nisso do que
em qualquer outra coisa, então, para dizer o mínimo, o nosso entendimento do
que é ser cristão é gravemente defeituoso. Quando um homem vê isso de
verdade, só tem uma coisa para dizer, e é o que o apóstolo diz: “Longe esteja
de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (Gálatas
6:14). Se verdadeiramente o enxergamos, veremos que é tudo. Não há nada que
se lhe compare. Portanto, esse é um teste muito bom para vermos se realmente
entendemos estas coisas ou não. Percebemos o nosso privilégio? Percebemos a
glória da nossa posição neste momento, como cristãos? Ajudemo-nos uns aos
outros a chegarmos a esse lugar.

Temos considerado o negativo; vejamos agora o positivo. Aqui está ele numa
frase - também aqui o apóstolo segue o seu método invariável. Primeiro ele
declara o seu tema geral numa só sentença; depois ele o parte e o toma
fragmento por fragmento. É o que ele faz no restante do capítulo. Neste
versículo treze mais uma vez nos vemos face a face com um dos mais gloriosos
sumários que o apóstolo faz, da fé cristã em geral. Está tudo aí nesse único
versículo. As vezes sinto que se eu pudesse dizer isto como deveria e como o
Espírito Santo pode habilitar-nos a dizê-lo, não haveria necessidade de dizer
mais nada. Ei-lo: “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe,
jápelo sangue de Cristo chegastes perto”.

Isso é o evangelho completo. Mas vamos sondá-lo; aí está a essência própria da


mensagem cristã. No momento o tomarei como um todo e o examinarei de
maneira geral; depois, querendo Deus, seguiremos o apóstolo à medida que ele
mesmo o vai partindo em suas diversas partes componentes. A divisão do
assunto é inevitável. Há três coisas aqui. A primeira é o contraste entre o que
éramos e o que somos; a segunda é o que somos; e a terceira é como nos
tornamos o que somos.

Primeiramente, o contraste entre o que éramos e o que somos.

O apóstolo o expressa em sua maneira usual - mas! Primeiro mostra o quadro


sombrio, dá-nos o negativo, e nos força a tomarplenaconsciência dele. Depois de
fazer isso, diz, “Mas”! Vocês se lembram do outro notável exemplo disso que
tivemos no versículo quatro. Depois de nos fazer aquele pavoroso relato a nosso
respeito, como estávamos mortos em ofensas e pecados, de repente ele diz, “Mas
Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos
amou...”. Aqui de novo ele o faz. Estes “mas”, estes benditos “mas”, nunca
serão repetidos com mais freqüência do que deveria. O evangelho todo
entra aqui. “Mas agora”! - vocês vêem a diferença. Tudo está na palavra “mas”.
Contudo, ele acrescenta estes outros termos: “agora”, “antes”. A palavra “mas”
mostra contraste; “agora” contrasta-se com “depois”, “anteriormente”, “tempos
passados”, “às vezes”. Estas são grandes palavras do apóstolo, os seus
contrastes. E qual seria o efeito dessas palavras? Você pode dizer se é cristão ou
não apenas respondendo esta pergunta: você acha, às vezes, que a maior palavra
que há em toda a língua da humanidade é a palavra masl Se não pensa assim, o
seu entendimento sobre o cristianismo é muito defeituoso. Lá estava você! Mas -
e imediatamente você levanta a cabeça e se põe a cantar; abriu-se uma janela,
brilhou uma luz, desapareceu a escuridão. “Mas agora”! Que nos diz essa
expressão? É o “mas” da esperança, o “mas” do alívio, o “mas” que afirma que
há um fim para o desespero, para as trevas, para a tristeza, que nem tudo está
perdido, que Deus ainda está conosco. Levantamos as nossas cabeças. “O povo
que andava em trevas viu uma grande luz.” “Deus, que disse que das trevas
resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em nossos corações, para iluminação
do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo” (Isaías 9:2; 2
Coríntios 4:6). E o que temos aqui, noutra linguagem.

Quero acentuar especialmente que estas palavras assinalam de maneira


surpreendente a agudeza do contraste, a afirmação de como é completa a
separação, da categoria absoluta da diferença. Isto é ressaltado em toda parte no
Novo Testamento. A diferença entre o cristão e o não cristão é uma diferença
absoluta, um contraste completo. Éclaro, édefinido, é distinto. Jamais deveria
haver qualquer dificuldade em falar se somos cristãos ou não. O contraste entre o
cristão e o não cristão é tão extremo e tão definido como isto: “agora” -
“depois”;
o “mas”;adiferençacompleta;amudançaextraordinária.Nãohánuanças de
diferença entre ser “não cristão” e ser “cristão”. Não é você vir do preto ao
branco através de vários matizes de cinza, e não poder dizer onde você está - o
preto começando a ser afetado por um pouco de

branco, e depois um pouco mais, e um pouco mais, e por fim você diz: ah, isto é
branco! Não é nada disso. Isso é totalmente falso; isso é um completo contraste
com o que o apóstolo está ensinando aqui. É preto ou branco, diz ele, e não há
estágios intermediários quase imperceptíveis. Não é como aquelas sutis
mudanças de cor do espectro, onde não se pode dizer em que dado ponto termina
uma cor e começa outra. Absolutamente não. Este contraste é claro e definido.

Muitos estão em dificuldades quanto à sua posição como cristãos porque nunca
entenderam o ensino das Escrituras sobre este assunto. O contraste entre o não
cristão e o cristão é verdade válida para todos. Digo isso porque posso imaginar
alguém dizendo: ah, espere um minuto, naturalmente posso entender o contraste
em sua forma extrema como ali o apóstolo o coloca, porquanto, afinal de contas,
ele estava escrevendo acerca daqueles efésios que nem sequer criam em Deus,
que eram pagãos, em pleno mundo, vivendo a vida típica de um pagão -
e, naturalmente, quando um pagão desses passa a ser cristão, o
contraste, obviamente, é extremo e espantoso. E os que assim pensam
prosseguem dizendo que ainda é o mesmo nos dias atuais. Alguns que se
tornaram cristãos tinham sido ébrios, maridos espancadores e quase assassinos -
não podiam ter sido mais ímpios. Claro, quando alguém assim se torna cristão,
tem-se este assustador contraste, e você está justificado em ressaltar o seu “mas”,
e em dizer “agora” e “depois”, “tempos passados”, “anteriormente”, e assim por
diante. Todavia, dizem eles, certamente isso não se aplica aos que foram criados
de boa e respeitável maneira, num país cristão, pessoas que eram enviadas à
Escola Dominical quando crianças e eram levadas aos cultos pelos seus pais, e
que nunca praticaram nenhuma dessas coisas violentas, torpes e extremas. Por
certo essas pessoas apenas “cresceram” no cristianismo e nelas a mudança é
quase imperceptível. Certamente, argumentam eles, você não dá ênfase a este
contraste extremo no caso dessas pessoas - pode-se aplicar-se aos pagãos e aos
de fora, não porém, por certo, a alguém que foi belamente criado num país
cristão. A minha réplica é que é tão extremo o contraste no caso daqueles como
no outro; que a diferença entre não cristão e cristão é sempre igualmente grande.

O que decide se somos ou não cristãos não é nem o que fazemos nem o que
somos: é a nossa relação com Deus. “Chegastes perto”, “fostes aproximados”
(VA e ARA), diz Paulo. Ele não diz “progredistes”, ou “melhorastes”, ou “agora
estais vivendo uma vida melhor”. Não, o que faz de você um cristão é que “Vós,
que antes estáveis longe, fostes aproximados”; estais perto de Deus, ao passo que

anteriormente estáveis longe de Deus. Assim, deve-se traçar a distinção e a


diferença, não em termos da nossa moralidade ou da nossa conduta ou do nosso
comportamento, e sim, em termos de nossa relação com Deus.

Permitam-me apresentar-lhes uma ilustração para mostrar o que quero dizer. É


questão de relação, digo eu, não primariamente de condição moral da pessoa - o
que vem depois. Vejam o ponto deste modo. Considerem o estado civil. Pense
num homem que se casou ontem. Vocês podem dizer dele o seguinte, não
podem? - “Até ontem ele era solteiro, agora é casado”. Pois bem, quando vocês
estão pensando narelação especial que se estabelece com o casamento,
estará inteiramente fora de foco e será um completo disperdício de fôlego indicar
as diversas coisas que verdadeiramente o descreviam. Vocês podem dizer-me
que ele bebia demais ou que vivia jogando. Nas não estou interessado nesse
ponto; quero saber se o homem era casado ou não. Se você está pensando no
estado civil e na vida matrimonial, é pura irrelevância falar-me da vida moral do
homem ou da sua conduta ou do seu comportamento. A questão vital é que ele
não era casado, porém agora é. Todas aquelas outras coisas nesse ponto e nesse
contexto são irrelevantes.

Ora, é exatamente a mesma coisa em toda esta questão de ser cristão. Não estou
realmente interessado em saber se você vivia nas sarjetas da vida ou nas
vivendas mais respeitáveis. As únicas perguntas que faço são: você está perto de
Deus? Você conhece a Deus? Você entrou nos “santos dos santos”, “no lugar
santíssimo”? Essa é a questão; as outras são irrelevantes. Quanto à
respeitabilidade, à bondade, à moralidade e à ética, você pode ser um exemplo
de todas as virtudes e, todavia, não conhecer a Deus. Fazendo-se o julgamento
por meio desse teste de relações pessoais, segundo as Escrituras não há diferença
entre o mais vil e torpe pecador, de um lado, e o mais respeitável pecador, do
outro. “Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus.” “Não há um justo,
nem um sequer.” Todos eles estão fora da porta, não têm entrada na sala de
audiências, na presença do Monarca, a porta se lhes fecha e ficam fora. Mas
você dirá: ah, eles são diferentes; vejam a roupa que usam, não se vestem igual!
Digo que não me interessa. A única pergunta que faço é: eles estão fora da porta,
ou dentro?

Invariavelmente, o problema nesta questão é que, em vez de a considerarem em


termos desta relação pessoal com Deus, as pessoas insistem em considerá-las em
termos de bondade e comportamento.

Lembro-me de alguém que me disse uma vez (e uso a ilustração porque penso
que aplica muito bem o ponto): sabe, às vezes quase chego a desejar ter tido uma
vida suja, violenta e extremamente pecaminosa. Por quê?, perguntei. Bem,
respondeu ela, para que eu pudesse experimentar esta grande mudança que tais
pessoas experimentam quando se convertem. Vocês vêem a falácia e o
entendimento errôneo? Essapessoa estava vendo a questão inteiramente em
termos de conduta e comportamento, negativamente. Se ela a tivesse visto
somente em termos de conhecer a Deus e de regozijar-se nEle, teria visto que
não havia diferença entre ela e o mais torpe e vil pecador. O teste é positivo. Este
“mas”, “agora” - “anteriormente”, “tempos passados”, este contraste extremo!
Jamais devemos dar-lhe demasiada ênfase.

Movamo-nos para o segundo princípio, que é considerar o que somos como


cristãos. Servirá para salientar ainda mais o contraste, enquanto temos em mente
a mensagem do versículo doze. Paulo coloca isso com estas palavras
maravilhosas: “fostes aproximados”! “Postes aproximados” é, naturalmente, o
contraste com “separados”, “estranhos”, “sem Deus”, “fora de Cristo”, não
vivendo nesta vivida relação com Cristo. Mas agora, “fostes aproximados”! Essa
é toda a verdade acerca do cristão. Obviamente o apóstolo tinha em mente
uma ilustração. Ele estava pensando no templo. O templo de Jerusalém
era dividido em diferentes lugares ou pátios. O mais importante era o
“lugar santíssimo”, o santuário mais secreto, onde a presença de Deus
se revelava na glória da Shekinah2 sobre o assento da misericórdia . E no “lugar
santíssimo”, a real presença de Deus, somente um homem tinha permissão de
entrar. Erao sumo sacerdote, e só entravauma vez por ano. Havia então os átrios
ou pátios. O pátio mais distante do santuário era chamado “Pátio dos Gentios”.
Eram os que ficavam mais longe de Deus! Nem entrar no “Pátio do Povo” lhes
era permitido, o “Pátio dos Judeus”. Aos judeus comuns não era permitido entrar
no lugar destinado aos sacerdotes, e nem estes podiam entrar onde o sumo
sacerdote entrava. Entretanto no lugar mais distante estavam os gentios,
os forasteiros. Mais para o fim deste capítulo o apóstolo vai desenvolver

este ponto mais minuciosamente. Mas aqui já se vê, nessa forma particular. O
que ele diz é que os que estavam mais longe foram introduzidos, foram
aproximados, de maneira sumamente admirável tiveram entrada, por assim dizer,
no lugar santíssimo. Esta é a verdade referente a todos quantos são cristãos, e é a
esta verdade que devemos dar ênfase. O não cristão está sem Deus, sem Cristo;
não tem acesso, não tem conhecimento, não tem entrada.

Qual é a verdade quanto ao cristão? A primeira verdade referente ao cristão é,


não que ele teve alguma experiência, mas sim, que ele foi aproximado, tem esta
entrada, este acesso, e pode entrar na presença de Deus. E, naturalmente, pode
fazê-lo na companhia de todos os outros que estão fazendo a mesma coisa.
Assim é que Paulo dá seguimento a este outro contraste. Antes, os judeus eram
um povo separado. Eles podiam achegar-se a Deus com as suas ofertas
queimadas e os seus sacrifícios, por intermédio do seu sacerdócio. Os gentios
não podiam. No entanto agora os gentios podem, não somente entrar à presença
de Deus, mas também podem fazê-lo com os judeus que se tornaram cristãos -
todos eles entram juntos. O apóstolo tornará a dizer isso mais adiante, com as
seguintes palavras: “Por ele (Cristo) ambos temos acesso ao Pai em um mesmo
Espírito”. __

Mas agora estou interessado numa visão geral disto. E a coisa mais maravilhosa
da vida. Vejam-na assim: vocês se lembram do que aconteceu quando Adão e
Eva pecaram no jardim do Éden, no Paraíso? Foram expulsos do jardim, e lá no
extremo oriental do jardim, junto à porta, Deus pôs “a espada flamejante, e
querubins”. Para quê? Para proibir a reentrada do homem e da mulher no
Paraíso, no j ardim do Éden. Esse é o efeito da Queda e do pecado. O homem é
mantido fora da presença de Deus. “Sem Cristo”! “Sem Deus no mundo”! E
“sem esperança”! E não pode voltar por causa da espada flamejante e
dos querubins. “Mas agora, em Cristo Jesus”, a porta está aberta, e o homem, a
despeito da Queda e do pecado e da vergonha, e de toda a verdade sobre ele,
pode voltar a entrar, tem acesso à presença de Deus. Foi reconciliado com Deus,
foi restabelecido no favor de Deus, a inimizade foi removida, a ira de Deus
contra ele foi apaziguada e satisfeita. Houve uma substituição - uma expiação;
eles foram postos juntos de novo; o homem foi aproximado, foi introduzido na
sala de audiências, foi apresentado ao Rei da glória. 3

Ou podemos dizê-lo desta maneira: no versículo anterior Paulo estivera dizendo


que todos os não cristãos são estranhos às alianças da promessa. Ele se referia à
grande e única aliança que Deus repetiu em diversas ocasiões com ênfases
ligeiramente diferentes. Deus empenhou-Se, Deus compactuou com o homem,
Deus disse: “Farei isto; farei uma nova aliança”. O que Paulo está dizendo nesta
passagem é que os gentios, embora estivessem tão longe, foram introduzidos
na aliança e agora estão começando a gozar as plenas bênçãos da nova aliança
de Deus com o homem, em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por meio
dEle. Que bênçãos são essas? Há uma perfeita descrição da nova aliança no
capítulo oito da Epístola aos Hebreus (versículos 1012). É citação de Jeremias,
capítulo 31: “Este é o concerto que depois daqueles dias farei com a casa de
Israel, diz o Senhor; porei as minhas leis no seu entendimento, e em seu coração
as escreverei: e eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo; e não ensinará
cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão, dizendo: conhece o
Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles até ao maior. Porque
serei misericordioso para com suas iniqüidades, e de seus pecados e de
suas prevaricações não me lembrarei mais”. Essa é a Nova Aliança. Quando o
homem não é cristão, é estranho a essa aliança. Que é ser cristão? E isto - ser
aproximado, ser introduzido na aliança, poder ouvir: “Tudo isso aplica-se a
você”.

Repassemos o significado disso tudo. Significa que nós conhecemos a Deus!


Isso é cristianismo, conhecer a Deus! Você pode ser religioso, saber certas coisas
a respeito de Deus, crer em certas coisas acerca de Deus, estar interessado em
Deus, ler livros sobre Deus e ouvir preleções e argumentos acerca de Deus.
Todavia, pode não ser cristão. Ser cristão é conhecer a Deus. Diz a Nova
Aliança: “Não ensinará cada um ao seu próximo, nem cada um ao seu irmão,
dizendo: conhece o Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles
até ao maior” - tanto o menor como o maior. Conhecer a Deus! “Eu lhes
serei por Deus, e eles me serão por povo.” E isso que significa tornar-se cristão.
Antes vocês não eram povo, estavam separados da comunidade de Israel (do
povo de Deus), e eram estranhos às alianças, estavam sem Deus no mundo; mas
agora vocês foram aproximados, estão com o povo de Deus, conhecem a Deus.

Que mais? Agora, porque conhecemos a Deus, chegamos com confiança ao


trono da graça. Este é, de novo, o argumento da Epístola aos Hebreus (4:16),
onde lemos: “Cheguemos pois com confiança ao trono da graça, para que
possamos alcançar nrsericórdia e achar graça,

a fim de sermos ajudados em tempo oportuno”. Você foi aproximado, chegou


perto! Quando você se ajoelhapara orar, ora com confiança, com ousadia? Sabe
que está indo ao trono da graça? E você sabe que receberá misericórdia? E que
obterá graça em sua ajuda? Essa é a posição do homem que foi aproximado: ele
está perto, está na sala de audiências. Ouçam o que diz o autor da Epístola aos
Hebreus, no versículo dezenove do capítulo dez: “Tendo pois, irmãos, ousadia
para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele
nos consagrou, pelo véu, isto é pela sua carne, e tendo um grande sacerdote
sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza
de fé, tendo os corações purificados da má consciência, e o corpo lavado com
água limpa”. É isso que significa ser cristão. “Antes” - “mas agora fostes
aproximados”! “Entrar no santuário” (“no lugar santíssimo”)! Você está lá, tem
ido lá, sabe o caminho? O cristão é alguém que pode entrar na presença de Deus,
pode entrar no “lugar santíssimo”; não há nada que o detenha.
Que mais? Chegamo-nos à Sua presença em inteira certeza de fé. Que terrível
coisa é estarmos de joelhos, encher-nos de dúvidas e incertezas, e dizermos: não
sei bem se tenho direito ou não - posso fazer petições a Deus?-não tenho direito,
sou pecador, fiz isto, fiz aquilo. Isso não é orar. Orar é entrar no “lugar
santíssimo”, na plena segurança da fé, conhecendo a Deus e sabendo qual é a
Sua relação com você e qual a Sua atitude para com você “pelo sangue de
Jesus”.

Vejam a verdade também no prólogo do Evangelho Segundo João. Diz ele que
“a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder (a autoridade) de serem feitos
filhos de Deus”. Entendemos bem isso? -que o cristão é alguém que não somente
tem acesso à presença de Deus, mas que O conhece como Seu Pai? Cristo lhe
deu autoridade para ser filho de Deus. Foi adotado. E embora esteja indo à
presença do Deus eterno e santo, vai com a confiança de filho. Tem autoridade,
a autoridade do Senhor Jesus Cristo, para dizer que é filho, e não há porteiro que
possaproibi-lo, não há inimigo quepossa fazê-lo recuar. Ele tem o seu certificado
de nascimento nas mãos e diz: vou ver meu Pai. “Aproximados”! Ele sabe que é
filho de Deus não somente por ter nas mãos o certificado-o certificado é a
Palavra de Deus, as Escrituras; tem outra forma de certeza também. “Porque não
recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas
recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai”, afirma
Paulo em Romanos (8:15). Essa é a posição do cristão. Ele não ora a um
Deus distante, nem está preocupado com formas, aparências e beleza de

linguagem. Ele vai como um filho a seu Pai. “Aba, Pai”! Conhece a Deus como
seu Pai, tem espírito filial, todo o seu coração busca a Deus, e ele sabe que o
coração de Deus está aberto para ele. Isto é cristianismo verdadeiro. Será
surpreendente que o apóstolo dê ênfase ao contraste entre o que estas pessoas
eram e o que são agora?

E, naturalmente, visto que o cristão sabe que Deus é seu Pai e que é filho de
Deus ele sabe que Deus o ama. Ele sabe que “até mesmo os cabelos da sua
cabeça estão todos contados” (Mateus 10:30). Ele sabe que Deus tem interesse
pessoal por ele, que nada lhe pode suceder independentemente de Deus; que,
embora sendo Deus tão grande e eterno em Sua majestade, em Seu poder, em
Sua glória e em Sua energia, Ele é um Pai interessado em cada um dos Seus
filhos, sabe tudo a nosso respeito e se preocupa com o nosso bem-estar. O cristão
sabe que ali, à direita de Deus, está Aquele que veio do céu à terra e se
identificou conosco, tomou o Seu lugar ao nosso lado, tomou sobre Si o
nosso pecado e morreu pelos nossos pecados. Assim, o cristão vai à presença de
Deus sabendo essas coisas. É o que significa “fostes aproximados”.

No capítulo quatro da Epístola de Tiago, versículo oito, há esta declaração


extraordinária: “Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós”. Mas como posso
chegar-me a Deus se não sei o caminho? Como posso chegar-me a Deus se não
sei que estou na aliança, que não sou mais estranho, que não estou mais
separado, que não estou mais fora e longe? A única maneirapela qual podemos
chegar-nos a Deus é a que o apóstolo coloca no fim deste glorioso versículo, cuja
consideração completa devemos deixar para mais tarde. Há somente um
caminho pelo qual chegar-nos a Deus, há somente um caminho pelo qual entrar
no “lugar santíssimo”: “pelo sangue de Jesus”. “Mas agora em Cristo Jesus,
vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue” - o sangue! - “de Cristo chegastes
perto.” O sangue do cordeiro na verga e nos batentes das portas das casas dos
israelitas no Egito salvou-os e os poupou; e o único sinal procurado em todos os
que querem aproximar-se de Deus e chegar-se a Ele é a marca deixada pelo
sangue do Filho de Deus. Essa marca está em você? Se está, você tem livre
entrada (e ninguém pode impedido) no “lugar santíssimo”, na própria presença
de Deus. Você está ali? Foi para lá? Você ora com confiança e certeza? Você
conhece a Deus? Você está gozando comunhão com Ele?

Ser habilitado a “chegar perto de Deus” é experimentar todas as bênçãos da


Nova Aliança em Jesus Cristo.

1
Título de um drama de Shakespeare e nome do seu principal personagem. Nota do tradutor.

2
Hebraico, “aquele que habita”. Implicitamente, “a glória daquele que habita”. Nota do tradutor.

Tradicionalmente, “propiciatório”. Idem.

3
É interessante o original inglês, que salienta a formação etimológica da palavra atonement. Houve “an
at-one-ment” - “an atonement”. “At-one-ment” - ato de ficar no lugar de alguém. Expiação
substitutiva. Nota do tradutor.
O SANGUE DE CRISTO

“Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de
Cristo chegastes perto.” - Efésios 2:13

O problema conosco, povo cristão, é que sempre deixamos de compreender


agrandeza da nossa salvação. Essa a razão pela qual foram escritas as Epístolas
do Novo Testamento. Foram escritas para cristãos, e foram necessárias porque
aqueles cristãos, como nós, estando ainda na carne e sujeitos às tentações e
provações inevitáveis num mundo dominado pelo pecado, estavam sempre se
vendo como distantes de Cristo e não compreendendo o que exatamente os
caracterizava em Cristo Jesus. E os apóstolos se dispuseram afazê-los ver isso.
Esse é o único meio pelo qual podemos chegar a entender a grandeza
desta salvação; e à medida que formos entendendo, seremos levados a alegrar-
nos e regozij ar-nos, a louvar a Deus e dar-Lhe graças; e a uma segurança e
confiança em Cristo que nada poderá abalar. Mas, para chegarmos a isso, temos
de compreender duas coisas: temos de ver o que éramos sem Cristo; e então,
temos de compreender o que agora nos caracteriza verdadeiramente por estarmos
no Senhor Jesus Cristo.

Temos aqui o lado positivo desta grande dimensão do amor e do poder de Deus
para conosco em Cristo. Vimos que há três coisas aqui, e agora passamos à
terceira e última delas.

A terceira é, pois, a seguinte: como é que tudo isso acontece, como ocorre essa
grande mudança, o que é que nos dá o direito de dizer: “antes... longe” e
“agora...aproximados” - o que é que nos traz para “perto de Deus O apóstolo
trata disso na parte final deste versículo: “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que
antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto”. “Pelo sangue de
Cristo.” Aí está a declaração que sempre se vê, em toda parte, no Novo
Testamento, neste contexto. Já a vimos. O apóstolojános tinhafalado no capítulo
primeiro, versículo sete - “em quem (em Cristo) temos a redenção pelo
seu sangue, a remissão das ofensas, segundo as riquezas da sua graça” - e vai
sempre repetindo isso. E continuará a repeti-lo. O restante deste capítulo é, num
sentido, simplesmente um desenvolvimento e uma exposição deste versículo
treze. Ele o expõe em detalhe e fica repetindo as suas frases. É a história
completa do Novo Testamento, é o coração
da men sagem cristã e da fé cristã. Como é que se faz para que cheguemos perto
de Deus? A única resposta é: “em Cristo Jesus”, e especialmente “em” ou “pelo
seu sangue”.

Eis aí o alicerce da fé cristã. Se isto não estiver claro para nós, não poderemos
estar certos em lugar nenhum. Digam os críticos o que quiserem, esta é
certamente a mensagem do Novo Testamento. Em Cristo Jesus, e pelo Seu
sangue. O nosso evangelho é um evangelho de sangue; o sangue é o alicerce;
sem ele não há nada. Portanto, temos que penetrar isto a fundo e dar ênfase às
coisas que o apóstolo está com tanta preocupação em salientar ao escrever aos
efésios.

Como chegamos perto de Deus? Que direito temos de buscar a face de Deus e de
chegar perto dEle? Bem, começamos com negativas. Primeiramente e acima de
tudo, não é pelo que eu sou por natureza. Não é por causa de alguma bondade
existente em mim. Meu direito de ir a Deus não se baseia no fato de que eu vivo
uma vida virtuosa ou tente viver uma vida virtuosa, ou que tenho boa
moralidade. Não é mediante isso que se chega a Deus; não é isso que me leva
para perto de Deus. Há muita gente de boa moral no mundo que nem sequer está
interessada em Deus; e mesmo que estivesse interessada em Deus, a sua
moralidade, sozinha, nunca seria suficiente. Não precisamos demorar-nos nisto,
o apóstolo já o tinha salientado nos versículos anteriores: “não vem das obras”!
Assim é que, se nalgum sentido estamos pondo a confiança em nós mesmos e
em nossa bondade e em nossa moralidade, estamos negando o evangelho. Não
há maior negação da fé cristã do que pensar que porque você é uma boa pessoa
tem direito de chegar a Deus em oração. Isso é uma completa e absoluta negação
disso tudo. Se fosse verdade, Cristo nunca teria precisado vir ao mundo - menos
ainda teria precisado morrer na cruz do Calvário. E, contudo, penso que
vocês concordarão que é essencial dar ênfase a isto. Muitíssimos são os que vão
à presença de Deus exatamente como o fariseu descrito pelo nosso Senhor na
figura do fariseu e do publicano que foram orar no templo (Lucas 18:9-14). O
fariseu foi direto à frente, ficou de pé e disse: “Ó Deus, graças te dou, porque
não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda
como este publicano. Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo
quanto possuo”. Esse homem, diz o nosso Senhor, não vai para casa justificado;
não foi ouvido por Deus, não está perto de Deus. Há um sentido em que
ninguém está mais longe de Deus do que o homem que pensa que a sua bondade
tem algum valor, por pequeno que seja, na presença daquele fogo ardente,
daquele fogo consumidor, a santidade de Deus.
Em segundo lugar, o nosso direito de chegar a Deus não é pelas boas obras que
fazemos aos outros. Muitos são os que tomam essa posição. Dizem eles: bem, é
claro que admito que não sou perfeito, mas, afinal de contas, estou tentando
chegar a isso, estou tentando compensar isso fazendo o bem; estou envolvido em
atividades filantrópicas, procuro ajudar os outros, saio do meu caminho para
fazê-lo. Vocês concordarão que existe aí um grande grupo de pessoas. Admitem
que não têm nada do que se gabar, são suficientemente sinceros para conhecer
que há dentro delas coisas feias, torpes e vis. Ah, sim, dizem elas, porém,
certamente, se procuramos compensar isso e fazer expiação por isto mediante a
prática de boas obras, isso nos dará admissão à presença de Deus. Aí estão os
idealistas, os benfeitores públicos, os que falam em “reverência pela vida” e em
fazer o bem. As vezes fazem grandes sacrifícios; podem renunciar a uma
importante profissão, podem sacrificar as comodidades do lar e ir a distantes
partes do mundo. Certamente estão fazendo um grande benefício, mas, se
pensam que esse benefício que fazem é o que lhes garante admissão a Deus e os
faz aceitáveis a Deus, estão negando o evangelho, exatamente como o primeiro
grupo.

Todavia vou mais longe ainda. Nem porque somos religiosos e temos interesse
nos cultos e em Deus é que chegamos perto de Deus. Aqui está algo que está
num plano mais elevado que o das pretensões anteriores. As outras duas só vêem
o ego. Mas aqui se trata de alguém que realmente se preocupa com religião e
com a relação com Deus. Ele desej a cultuar a Deus. No entanto, se ele põe a sua
confiança unicamente em suas práticas religiosas, de nada lhe valerão. E
contudo, de novo, vocês concordarão que há muitíssimos que pertencem a esse
grupo. Freqüentam cultos, valorizam a ordem. Podem sacrificar-se para
fazer isso e se levantam muito cedo porque acham que há algum mérito especial
nisso. Fazem isto e aquilo, observam formas e seguem o ritual, e confiam nessas
coisas como sendo elas o meio de aproximação. Mas até isso é uma negação da
mensagem cristã. O apóstolo Paulo era um homem altamente religioso antes da
sua conversão. Martinho Lutero era um homem altamente religi oso antes da su a
conversão. João Wesl ey era um homem altamente religioso antes da sua
conversão. Você pode jejuar, suar e orar, porém isso pode ser o maior obstáculo
para chegar “perto de Deus”. Não é esse o caminho.

E, finalmente, nesta parte sobre as negativas, eu gostaria de assinalar que o


caminho para chegar perto de Deus não é o do misticismo. Isso também precisa
ser ressaltado porque o misticismo, em
suas várias formas, está sempre conosco. Nem sempre se vê em sua forma
clássica, ensinada e praticada na Idade Média, especialmente no período final da
Idade Média, por alguns dos grandes mestres da vida mística, assim chamada, e
aindapraticadapor muitos que seguem aquele ensino na igreja católica romana e
em vários outros ramos da Igreja Cristã. Mas o misticismo, em diversas formas
sutis, sempre tende a estar conosco. (Há, naturalmente, um verdadeiro
misticismo cristão evangélico, porém, estou falando de algo que é geralmente
considerado como misticismo.) Pois bem, o misticismo se baseia na alegação de
que o caminho para aproximar-se de Deus é você olhar para dentro de si mesmo.
Provavelmente o místico concordaria com tudo o que eu disse até aqui em
minhas negativas. Se você quer conhecer a Deus, diz o místico, se você quiser
chegar perto de Deus, terá que voltar-se para si próprio e ver-se interiormente;
terá que aprofundar-se em si mesmo. Deus, diz o místico, está dentro de você.
Assim, é preciso que você se feche para todas as exterioridades e para todas as
atividades externas e que, por assim dizer, mergulhe em Deus. E esse, diz ele, é o
caminho pelo qual se chega perto de Deus. O caminho da renúncia, o caminho
da contemplação, o caminho do repouso, o caminho do deixar ir-se,
da descontração, e simplesmente submergir-se no fundamento da existência,
imergir-se em Deus!

Por outro lado, talvez possamos caracterizar o misticismo do seguinte modo: a


essência desse ensino é que a pessoa pode realmente aproximar-se de Deus,
encontrar Deus e chegar perto dEle diretamente, sem nenhum mediador. Isso
assume diversas formas populares. Há gente, por exemplo, que o ensina dizendo:
se você tem problema na vida, se não sabe bem o que fazer consigo ou o que
fazer nas circunstâncias em que se acha, é muito simples o que fazer. Comece
ouvindo a Deus, aí mesmo onde está e como está; você não precisa fazer nada
mais; você se assenta, relaxa e ouve a Deus. Você só tem que deixar a coisa
andar, digamos assim, e dessa maneira, nesse estado de descontração,
apenas espere por Deus, e Deus falará com você; você pode chegar a
Ele diretamente. Mas, dirá alguém, onde entra Cristo? Isso, dizem
esses místicos, é algo que vem depois. A primeira coisa que você tem que fazer é
chegar a Deus, é entrar em contato com Deus, e depois lhe será ensinado como
vir a Cristo. Ensina-se especificamente que, sem sequer mencionar o nome de
Cristo, qualquer pessoa, sempre que o quiser, pode chegar perto de Deus e
estabelecer contato imediato com Ele. Assim eles pretendem “levar as pessoas a
Deus primeiro”, asseverando que, se o desejarem muito, poderão levá-las depois
a Cristo. Entretanto,
naturalmente, é obvio que isso é uma total negação daquilo que o apóstolo
ensina napassagem que estamos estudando. Somos aproximados. Como? “Em
Cristo Jesus”, “pelo sangue de Cristo”.

Como posso entrar à presença de Deus? Uma coisa é clara: não posso fazê-lo por
mim mesmo, por nenhum dos meios que indiquei. Sej a eu ativo ou passivo, seja
eu altamente religioso ou não, seja o que for que eu faça, nunca conseguirei
chegar por mim mesmo à presença de Deus. Totalmente correto, diz o apóstolo;
a verdade a seu respeito é que, em Cristo Jesus, os que antes estavam longe,
agora foram aproximados. E uma coisa que lhe foi feita] você foi aproximado,
trazido para perto. Não é atividade sua, é de Outro, é algo que foi feito para
você, que aconteceu a você. Porque isso é verdade, naturalmente isso é
evangelho. Ouçam o apóstolo Paulo dizê-lo quando escreve aos coríntios:
“Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo” (2 Coríntios 5:19). Não
é o mundo que se reconcilia com Deus. Não é essa a mensagem. A nova
mensagem é que, ao passo que os homens tinham falhado completamente, Deus
estava em Cristo reconciliando conSigo o mundo. Ou vejam as palavras do
Senhor Jesus Cristo. Não é assustador que nós, tendo nossas Bíblias abertas
diante de nós, podemos continuar tentando encontrar Deus e chegar perto dEIe
pelos meios que estive indicando, quando o próprio Filho de Deus disse: “Eu sou
o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”? Dava para
pensar que isso seria suficiente, uma vez por todas. É a afirmação mais
categórica que se poderia imaginar. “Ninguém vem ao Pai, senão por mim.”
E, todavia, aí estão os que dizem: vou na força da minha bondade, vou sentar-
me, vou relaxar, e verei Deus falar comigo. E Cristo nem é mencionado, nem
parece necessário!

E isso é tido e havido como cristianismo. Porventura não é de admirar que


acristandade esteja como está, que as nossas igrejas estejam como estão, que não
estejamos experimentando a presença de Deus e um poderoso avivamento e
despertamento? Esquecer o Filho e achar que Ele não é necessário é insultá-10; é
negar afirmações específicas do apóstolo e do próprio Filho de Deus. Não há
meio de chegar perto de Deus, exceto no Filho de Deus e por intermédio dEIe, o
nosso bendito Senhor e Salvador Jesus Cristo. “Há um só Deus, e um só
Mediador (somente um!) entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem”
(1 Timóteo 2:5). Portanto, o ensino é que nenhum homem chega perto de Deus, a
não ser que estejaem Cristo. O apóstolo já expusera isso. E tudo “em Cristo”.
Falemos com clareza: se eu não estou em Cristo, nunca
estive perto de Deus. A única maneira pela qual posso estar perto de Deus é
estando em Cristo; nEle eu estou perto de Deus, fui aproximado a Deus. Mas,
em particular, “pelo Seu sangue”! É o que o apóstolo salienta. Ele não se
contenta em dizer apenas: “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis
longe fostes aproximados”. Sente a necessidade de incluir: “pelo sangue de
Cristo”. Isso é absolutamente essencial. Sei que esta “teologia do sangue” é
odiosa para muitos hoje em dia. Não gostam dela, odeiam-na, abominam-na.
Lembro-me muito bem como, há uns doi s anos, pouco mai s pouco menos, fui
chamado para ajudar numa discussão que estava havendo entre um homem de
negócio que se tornara cristão, e um profissional não cristão. Era uma
grande discussão, e eis que ouvi o profissional não cristão dizer ao apresentar o
seu argumento: naturalmente, tenho grande respeito por meu amigo aqui, é um
bom homem; posso ver o que lhe aconteceu: tudo bem, ele se dedica muito a
fazer o bem, e eu concordo com isso; porém você sabe, disse ele, o que não
agüento é esse sangue, esse negócio estrondoso de que ele fica falando. O
sangue de Cristo! Gente há que se refere a isso como “esta carnificina”, “este
revolver-se no sangue”. Façamos tudo para viver uma vida virtuosa, dizem,
prestemos culto a Deus, mas você tem que ficar arrastando este sangue
perpetuamente? Parece-lhes um escândalo, parece-lhes algo odioso. E, todavia, o
apóstolo sai da sua rota para introduzir esse assunto. É “pelo sangue de Cristo”.
E o sangue de Cristo significa a morte de Cristo, o derramamento da vida.

Noutras palavras, somos aproximados em Cristo Jesus; não primariamente por


Seu ensino, porém. Ele ensinava. Ensinava os homens a viverem - vejam o
Sermão do Monte - mas se Ele tivesse ficado só nisso, eu estaria tão longe de
Deus quanto é possível ao homem estar. O Senhor Jesus Cristo, com o Seu
ensino e com as Suas palavras sobre como devo viver, não me leva para perto de
Deus. Num sentido, leva-me para mais longe. Os fariseus - em sua interpretação
da lei -pensavam que realmente chegavam perto de Deus pela observância da lei.
Entretanto quando Cristo expôs o verdadeiro significado da lei, eles começaram
a ver que estavam muito longe de Deus. Quando você percebe que Deus Se
interessa tanto por um desejo como por um ato, tanto por um motivo como por
uma ação, que o olhar é tão mal como o ato aos olhos de Deus, você percebe que
o ensino de Cristo condena você completamente. Cristo não me leva a Deus
ensinando-me a viver. Menos ainda dando-me um exemplo para seguir. Seja
como for que me sinta quanto a mim, quando olho para Ele quero esconder-me,
envergonhado. As vidas dos Seus servos são mais que suficientes para que eu

sinta quão pobre é a minha vida. Quando leio as vidas dos santos, vejo como são
pobres e imperfeitos os meus esforços. Mas quando olho para o Filho de Deus!
Há os que falam sobre a “imitação de Cristo”, e sobre como vão seguir a Cristo;
porém nunca sabem o que estão dizendo. Cristo nos condena completamente.
Quem pode segui-10? Não há quem possa segui-10; é impossível; Ele é por
demais exaltado. Não é o Seu exemplo que me aproxima de Deus.

Tampouco me aproxima simplesmente me dizendo que Deus é amor. Pois bem,


este, suponho, é o mais popular erro de entendimento do evangelho hoje. O povo
diz: o que Jesus Cristo faz é isto - e é assim que Ele nos leva a Deus - Ele nos diz
que Deus é amor. Tudo o que realmente todos nós necessitamos é assegurar-nos
de que Deus é amor. E a única coisa de que os homens e as mulheres necessitam,
dizem; eles têm uma idéia errônea de Deus; se tão-somente soubessem que Deus
é um Deus de amor, correriam para a Sua presença e passariam o resto das suas
vidas ali. Que fatal maneira de subestimar o pecado e os efeitos da Queda! Será
que os homens se interessariam mais por Deus se soubessem que Ele é um Deus
de amor? Claro que não! Quereriam negociar. Diriam: ah, bem, se Deus é um
Deus de amor, posso fazer o que quiser, o amor de Deus me perdoará. E é
justamente o que dizem. Portanto, o Senhor Jesus Cristo não nos leva para perto
de Deus simplesmente dizendo-nos que Deus é um Deus de amor e que Ele está
pronto a perdoar. O Velho Testamento já nos dissera isso: “Assim como um
pai se compadece dos seus filhos...” e assim por diante. O Velho Testamento está
repleto do amor de Deus. Teve sucesso? Não. Nunca teve, e nunca terá. Não é
esse o caminho.

Há somente um meio pelo qual mesmo Cristo pode me levar para perto de Deus,
e esse ê - pelo Seu sangue, por Sua morte; pelo Seu corpo partido, pelo Seu
sangue derramado, pela Sua vida vertida. Por isso Ele instituiu a Ceia do Senhor
com o pão partido e o vinho derramado, como uma perpétua rememoração do
fato de que a Sua morte é o único caminho para Deus. Vemos aí o prodigioso
pré-conhe-cimento (apresciência) de Deus em Cristo. Sabendo quão prontos
estão os homens a cair no erro e na heresia, Ele estabeleceu, impôs e ordenou a
Ceia do Senhor - pão, vinho; pão partido, vinho derramado - para ser uma
perpétua pregação do fato de que esse é o único caminho para a presença de
Deus. O véu é o Seu corpo - tinha que ser rasgado. A morte de Cristo! É somente
pela morte de Cristo, pelo sangue de Cristo, que o ser humano pode ser levado
para perto de Deus.

Como pode a morte de Cristo realizar essa obra? Há duas principai s idéias aqui.
Vou expô-las resumidamente a vocês. A primeira é a que comumente é chamada
“expiação”. O sangue de Cristo faz expiação por nossos pecados. Vocês se
lembram da momentosa declaração feita por João Batista no início do ministério
do nosso Senhor? “Eis”, disse João, vejam, “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o
pecado do mundo” (João 1:29). Aí está, numa única frase. O Senhor Jesus
Cristo, que é Ele? E o Cordeiro, o Cordeiro pascal, o Cordeiro do sacrifício. Ele
é Aquele em quem se resumem todo o cerimonial e todo o ritual do
Velho Testamento. O Cordeiro de Deus, o Cordeiro providenciado por Deus -
não os cordeiros providenciados pelos homens. Por que era necessário um
cordeiro? Por que devia haver um sacrifício? A resposta é que “o salário do
pecado é a morte” (Romanos 6:23). Deus decretou e declarou que o homem,
pecando, morreria. E, portanto, o salário do pecado é a morte. E Deus
igualmente estabeleceu e decretou que isso só poderia ser coberto com uma
morte sacrificial e expiatória. Assim é que lemos: “Sem derramamento de
sangue não há remissão” de pecados (Hebreus 9:22). A punição dada por Deus
pelo pecado é a morte espiritual, a separação de Deus por toda a eternidade.
Gostemos ou não, é um fato. A lei não desculpa a ignorância da lei. Você não
concordar com a lei não faz nenhuma diferença quando enfrenta acusação no
tribunal. E assim é a lei de Deus. “O salário do pecado é a morte.” E todos nós
somos pecadores. E a pena tem que ser cumprida - de outra forma Deus deixa de
ser justo, deixa de ser reto e santo. Então, por que Cristo veio ao mundo? Veio,
diz o autor da Epístola aos Hebreus, para que “provasse a morte por todos”
(Hebreus 2:9). Veio, diz Pedro, por esta razão: levar “ele mesmo em seu corpo os
nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos
viver para a justiça” (1 Pedro 2:24). Foi por isso que Ele veio. Que aconteceu na
cruz? “Aquele que não conheceu pecado, (Deus) o fez pecado por nós”, declara
Paulo; “para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). “Deus
estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus
pecados.” Deus toma os meus pecados - Ele tomou os meus pecados, eu diria, e
os imputou a Jesus Cristo; Deus os colocou sobre Ele; tomou a minha dívida e a
colocou sobre Ele; exigiu dEle a penalidade; e esta foi cumprida. Esse é o
método de salvação determinado por Deus - em Cristo e pela morte de Cristo.
Por que Cristo morreu? A resposta é que “Deus fez cair sobre ele a iniqüidade de
nós todos”; é que “pelas suas pisaduras fomos sarados”. Deus O feriu para que
nós não fôssemos feridos. Por isso Ele morreu, por isso o Seu sangue

foi derramado. Este é o único meio de expiar pecado; a expiação jamais se


realizaria de outro modo. Pedro desembainhou a espada, certa ocasião, para
defender o nosso Senhor. Embainhe a sua espada, Pedro, disse noutras palavras
Cristo; você não sabe que eu poderia dar ordens a doze legiões de anjos, e eu
poderia ser levado para o céu sem nenhum sofrimento? Mas eu vim para sofrer e
assim cumprir as Escrituras (Mateus 26:51-54). Ele “manifestou o firme
propósito de ir a Jerusalém” (Lucas 9:51). Ele podia ter escapado disso tudo.
Mas, então, se Ele escapasse disso tudo, eu e vocês morreríamos em nossos
pecados. Ele tinha que morrer; é o método de Deus para dar-nos perdão. Pelo
Seu sangue! Por Sua vida vertida! Agora vocês vêem por que Paulo teve
que introduzir essa verdade. Sem isto não há perdão. Sem isto eu não
posso aproximar-me de Deus; a expiação é absolutamente indispensável. Antes
de eu poder chegar perto de Deus, algo tem que ser feito acerca dos meus
pecados. Eu nada posso fazer a respeito; eles estão condenados pela lei de Deus,
e essa lei tem que ser satisfeita; e Cristo a satisfez. Ele cumpriu perfeitamente a
lei; Ele sofreu a punição exigida pela lei. O obstáculo da lei de Deus foi
removido. Agora o caminho está livre, a barreira do meu pecado foi tirada do
caminho. Isso é expiação.

Contudo o sangue de Cristo faz uma segunda coisa. E esta é vitalmente


importante em nosso contexto. Paulo afirma que estávamos “separados da
comunidade de Israel” e que éramos “estranhos às alianças da promessa” - à
aliança! Deus fez uma aliança com o homem, como vimos quando consideramos
a Nova Aliança. Leiam o capítulo oito da Epístola aos Hebreus, e ali verão os
termos completos da Nova Aliança. “Porei as minhas leis no seu entendimento, e
em seu coração as escreverei; e eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo;
e não ensinará cada um ao seu próximo... dizendo: Conhece o Senhor;
porque todos me conhecerão, desde o menor deles até o maior...e de
seus pecados e de suas prevaricações não me lembrarei mais.” Essa é a Nova
Aliança. Estes efésios eram estranhos a isso tudo. Mas agora foram aproximados
pelo sangue de Cristo.

Como isto acontece? Eis a explicação: toda aliança era ratificada e selada com
sangue. Ao lerem o Velho Testamento vocês verão isso em toda parte. Quando
Deus fazia uma aliança com o homem, ela era sempre ratificada e selada com
sangue. Um animal era morto e o seu sangue era esparzido sobre o documento.
De fato verão que o templo foi santificado e consagrado da mesma maneira - os
vasos do templo, os livros e o livro da lei. Verão que os sacerdotes eram
separados pelo sangue esparzido sobre eles. Verão que quando um leproso era
purificado, colocavam

sangue sobre ele. Esse é o método de Deus, o método para firmar e selar esses
atos. Toda aliança de Deus é ratificada e selada por meio da aspersão de sangue.
E a Nova Aliança foi ratificada da mesma maneira, desta vez pelo sangue de
Jesus Cristo. Não mais “o sangue de touros e bodes, e a cinza de uma novilha
esparzida sobre os imundos” (Hebreus 9:13). É o sangue de Cristo. Ele ratificou
a Nova Aliança. Ouçam as expressões utilizadas, especialmente naEpístola aos
Hebreus. Lemos que Jesus é “o Mediador da Nova Aliança” (VA). Verão
isso claramente no capítulo doze. Igualmente no capítulo treze lemos acerca do
“Deus de paz, que pelo sangue do concerto (aliança) eterno tornou a trazer dos
mortos a nosso Senhor Jesus Cristo, grande pastor das ovelhas” (versículo 20). O
sangue da aliança eterna! Certamente vocês notaram como o Senhor Jesus
Cristo, quando instituiu a Ceia do Senhor, tomou o cálice, depois de cear, e
disse: “Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue” (Lucas 22:20) - a “nova
aliança no meu sangue”. Notaram como Paulo lembra isso aoscoríntios,em 1
Coríntios, capítulo 11: “Semelhantemente também, depois de cear, tomou
o cálice, dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as
vezes que beberdes, em memória de mim”. São esses os termos. A aliança é
ratificada com sangue. Noutras palavras, a Nova Aliança entre Deus e o homem
não seria segura para nós, se o sangue de Cristo não fosse esparzido sobre ela.
Esse é o selo que a garante. Levar os nossos pecados não seria suficiente. Antes
de eu poder chegar perto de Deus e de ser aproximado dEle, tenho que ser um
beneficiário, sob a Nova Aliança; e Cristo é o Mediador da Nova Aliança. É Ele
que Se põe entre Deus e o homem. Ele é o Árbitro que nos reúne. É aquele
que estende as mãos para Deus, de um lado, e para nós, de outro. Ele é Deus; Ele
é homem; sim, ele é Mediador completo. Portanto, é por meio do sangue da
aliança que eu posso chegar perto de Deus.

Alguém poderá dizer nesta altura: ouvi tudo o que você disse, mas me vejo tão
grande pecador que, quando começo a orar, aflijo-me com isso; como posso
chegar perto de Deus? A resposta é que você precisa crer neste ensino,
aperceber-se do que ele diz e chegar-se a Deus com ousadia, pelo sangue de
Jesus. A primeira coisa que é preciso que se faça é ouvir o que diz o sangue de
Cristo. Alguma vez lhe ocorreu que o sangue de Cristo fala? Não se lembra do
que nos é dito em Hebreus 12:22-24: que chegamos à Jerusalém celestial, ao
Monte Sião, etc., “e a Jesus, o Mediador de uma Nova Aliança”, e finalmente,
“ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Ábel”? Sangue fala. O de
Abel

falou. Que disse? Ouçam Gênesis 4:10. Deus Se dirigiu a Caim, depois que este
assassinara Abel, e disse: “Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a
mim desde a terra”. O sangue de Abel derramado estava clamando a Deus por
vingança. E assim que fala o sangue de Abel. Fala de juízo, fala de vingança,
fala de maldição, a maldição que caiu sobre Caim. Mas o sangue de Jesus “fala
melhor do que o de Abel”. Que fala? Fala de perdão, de expiação, fala de paz
com Deus. Está clamando e bradando para você: “Eu morri, você pode viver. A
pena foi cumprida; você está livre.” Você ouve o sangue de Jesus? Ele está
falando, e fala coisas melhores do que as que o sangue de Abel fala. Ouça o
sangue de Cristo, que lhe fala que Ele provou a morte por você e sofreu a
pena imposta a você, que a lei de Deus foi satisfeita e que o caminho para
a presença de Deus está livre.

Ou vejam o ponto de uma segunda maneira. Ouçam isto, em Hebreus 9:14:


“Quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu a si
mesmo imaculado a Deus, purificará as vossas consciências das obras mortas,
para servirdes ao Deus vivo?” E, de novo, Hebreus 10:22: “Cheguemo-nos com
verdadeiro coração, em inteira certeza de fé, tendo os corações purificados da má
consciência, e o corpo lavado com água limpa”. Que quer isso dizer? Quer dizer
que quando você se põe de joelhos diante de Deus e a sua consciência o acusa e
você se lembra do que é e do que fez e ressuscita os seus pecados, você deve
voltar-se para si mesmo e dizer: fui aspergido com o sangue de Cristo, você não
pode me condenar; “Portanto agora nenhuma condenação há para os que estão
em Cristo Jesus”. Responda. Tenha a sua consciência aspergida pelo sangue de
Cristo, e ela será purificada de todas as suas obras mortas.

Entendo, você dirá, vejo agora como posso ir à presença de Deus porque vejo
que os meus pecados receberam o devido tratamento. Estou, pois, na presença de
Deus. Mas, o que será de mim se eu tomar a cair em pecado, o que será de mim
se eu fizer algum mal? Aí está, na Primeira Epístola de João, a sua resposta: “Se
andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o
sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado” (1:7). Você
pecará; mas o sangue de Cristo ainda o purificará do seu pecado. Você foi
trazido para perto de Deus, você está andando em comunhão com Ele, mas
cai empecado. Você pensa: estou acabado, é o fim, pequei contra a luz.
Não! Volte! O sangue de Cristo ainda tem poder, limpará você de todo pecado e
de toda mácula, você pode continuar andando com Deus, gozando da comunhão
com Ele. “Vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo fostes
aproximados.”

Quero fazer-lhe uma pergunta. Você foi aproximado? Posso dizer-lhe, com muita
simplicidade, como saber se foi ou não. Se você ainda fala em ser
suficientemente bom, você não foi aproximado, não chegou perto. Se você ainda
confia em si mesmo de algum modo, ainda está longe. Se você fala que ainda
não é suficientemente bom, também não chegou perto - porque enquanto você
continuar falando que não é suficientemente bom, você estará dizendo que acha
que pode tornar-se suficientemente bom. Todavia não pode. Nunca estará mais
perto que agora. Nunca! Se vivesse mil anos, não chegaria mais perto. J amais
você será suficientemente bom para vir à presença de Deus. Assim, se
você ainda está dizendo: ah, isso é maravilhoso, mas eu não sou bom o bastante,
sou pecador, significa que você não chegou perto. O único que é trazido para
perto é aquele que diz: sei que sou pecador, sei dos meus pecados do passado, sei
que ainda tenho uma natureza pecaminosa; porém, embora eu saiba disso, sei
que estou na presença de Deus, porque estou em Cristo. Ouvi a voz do sangue de
Jesus, e ele me falou de perdão, de reconciliação, de expiação, de Deus estar
satisfeito, de Deus ser “justo e justificador daquele que tem fé em Jesus”
(Romanos 3:26). Foi feita a aspersão do sangue sobre a minha consciência.
Ainda que o inferno me denuncie, sei que Deus me aceita; estou confiante
unica, completa e inteiramente em Jesus Cristo, e Ele crucificado. “Seu sangue
limpa o mais imundo, seu sangue vale para mim.” Unicamente em Seus méritos
sei que tenho acesso a Deus e que Deus me recebe, que fui “aproximado pelo
sangue de Cristo”. Tenhamos, pois, “ousadia para entrar no lugar santíssimo,
pelo sangue de Jesus”; mas ainda “com reverência e santo temor”. Ousadia,
confiança, entretanto sempre lembrando que “o nosso Deus é fogo consumidor”.
Não voluvelmente, não levianamente, não com desatenção, não com petulância,
não tem-pestuosamente, não carnalmente. “Com reverência e santo temor” -
todavia sabendo, tendo certeza, com segurança, porque eu entro à presença de
Deus “pelo sangue de Jesus”.
18

ELE É A NOSSA PAZ

“Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a
parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade, isto é,
a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si mesmo
dos dois um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz reconciliar ambos com
Deus em um corpo, matando com ela as inimizades.” - Efésios 2:14-16

Temos aqui mais uma daquelas grandes declarações, majestosas e amplamente


abrangentes, que com tanta regularidade e constância vemos conforme
avançamos neste capítulo. Faz parte do parágrafo que começa no versículo onze
e vai até o capítulo três. E também é importante, ao chegarmos a este novo passo
dado pelo apóstolo, que tenhamos o argumento geral em nossas mentes. Vocês
nunca poderão ver realmente as partes do argumento do apóstolo se não tiverem
ao mesmo tempo o todo em mente. Não há sentido, não há
verdadeira subsistência de uma parte fora do todo. Refresquemos, pois,
nossa memória.

O apóstolo está demonstrando “a sobreexcelente grandeza do poder de Deus


sobre nós, os que cremos”. É isso que ele quer que estes efésios saibam. Ele ora
no sentido de que os olhos do seu entendimento sejam abertos para que possam
conhecer e captar esta verdade. Não se trata de um conhecimento humano
comum; não é algo que se enquadre na mesma categoria dahistória ou da
filosofia ou coisa semelhante; é um tipo e espécie especial de conhecimento. E
só pode ser captado e apreendido quando somos iluminados pelo Espírito Santo.
Por isso o apóstolo começa com essa oração. Para alguém cuja mente não
esteja iluminada pelo Espírito Santo, todo este argumento é
completamente irrelevante. E essa é a situação do mundo e a atitude de todos os
não cristãos. Eles dizem que querem algo prático, algo relevante. Isso por causa
da sua cegueira, pois, se tivessem olhos para ver, veriam que somente isto é
relevante. Mas o apóstolo orou para que os crentes efésios pudessem conhecer,
em particular, “a sobreexcelente grandeza do poder de Deus sobre nós, os que
cremos”. E ele o demonstra, vocês recordam, de duas maneiras principais.
Primeiro ele mostra que eles estavam mortos em ofensas e pecados; e nada pode
ressuscitar os
mortos, senão o poder do Criador. Somente Deus pode ressuscitar os mortos - e
Ele ressuscitou estas pessoas da morte espiritual, com Cristo, parauma novidade
de vida; elas até estão assentadas com Ele nos lugares celestiais.

No entanto, havia um segundo fato, adivisão do mundo antigo entre judeus e


gentios. Antes de pessoas como estes efésios, que eram gentios, pagãos,
poderem tornar-se membros da Igreja, de um modo ou de outro Deus tinha que
tratar dessa divisão radical. E o assunto do qual o apóstolo está tratando nestes
versículos, começando com o versículo onze, é como Deus fez isso. A
declaração geral é que noutro tempo eles eram gentios na carne, estavam “sem
Cristo, separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças da promessa,
não tendo esperança, e sem Deus no mundo; mas agora em Cristo Jesus, vós, que
antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto”. Essa é a
declaração, essa é a proposição, esse é o fato espantoso. __

O apóstolo sentiu, porém, que não bastava apenas ficar nisso. E algo tão
maravilhoso, tão estupendo, que ele teve que dividi-lo, fragmentá-lo, em suas
partes componentes, a fim de que eles vissem de maneira mais pormenorizada
como essa realidade estonteante veio a existir.

Ele começa esta exposição detalhada no versículo 14 com a extraordinária


afirmação: “Ele (Cristo) é a nossa paz”. “Porque Ele é a nossa paz” - o “porque”
fazendo ligação com o que vem antes. Ele está desenvolvendo um argumento,
está continuando o tema. “Porque ele é a nossa paz” - Aquele por cujo sangue
fomos trazidos para perto é a nossa paz. Pois bem, essa é uma das coisas mais
gloriosas ditas acerca do Senhor Jesus Cristo em qualquer lugar. De todos os
termos e títulos aplicados a Ele, nenhum é mais maravilhoso do que este. Ele é a
nossa paz. Esta concepção é utilizada com freqüência, no Velho Testamento e no
Novo, com relação a toda esta questão da salvação. Não há expressão mais bela
do que a que se vê naEpístola aos Hebreus, capítulo treze, versículo vinte: “Ora
o Deus de paz, que pelo sangue do concerto eterno tomou a trazer dos mortos a
nosso Senhor Jesus Cristo, grande pastor de ovelhas, vos aperfeiçoe em toda a
boa obra, para fazerdes a sua vontade, operando em vós o que perante ele é
agradável em Cristo Jesus”. Aí está! Deus é “o Deus de paz”. Esse é um modo
muito bom de pensar na salvação; somos salvos, somos cristãos,
simplesmente porque Deus é “Deus de paz”. Realmente é tudo resultado disso.

Mas a mensagem da Bíblia é que Deus é Deus de paz, e produz e faz a paz, em
Seu Filho unigênito, o nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo, e por intermédio dEle. 0 resultado é que vocês vêem que o Senhor é
descrito nesses termos em todo o Velho Testamento, na profecia. Vocês vêem,
por exemplo, um homem como Jacó, no fim da sua vida longae cheia de
mudanças, abençoando os seus filhos e as várias tribos que iriam desenvolver-se
daqueles filhos; e quando ele chega a Judá, diz: “O cetro não se arredará de Judá,
até que venha Silo”. Que é Siló? Siló é paz, o Autor da paz, o Príncipe da paz. A
Jacó foi dado ver isso. Não o entendeu plenamente, porém a estes homens,
inspirados pelo Espírito Santo, fora dado certo entendimento do grande
propósito de Deus, e Jacó tinha visto que era de Judá que Siló viria. Siló! “Ele
é a nossa paz.” DELE se diz ainda que não somente é “o Rei de Justiça”, mas é
também “o Príncipe da Paz”. São títulos atribuídos a Ele. Permitam-me lembrar-
lhes também que quando, finalmente, na plenitude dos tempos, o Filho de Deus
nasceu, pastores que vigiavam os seus rebanhos durante a noite ouviram um
grandioso hino entoado por anjos. Sua mensagem era: “Glória a Deus nas
alturas, paznaterra, boavontade para com os homens”. E por toda parte é assim.
“Ele é a nossa paz.” Esta é a essência mesma da salvação. O apóstolo se
expressa desse modo a fim de nos mostrar mais ainda quão admirável e
espantosa é a nossa salvação. Devo lembrar-lhes de novo que esse é o grande
tema, a espécie de “leit motif ”* que segue paralelamente o grande, o grandioso
“motif ” central propriamente dito. O apóstolo queria que estes efésios se dessem
conta da natureza gloriosa da sua salvação. Isto ele expõe de diversas maneiras
nos versículo 1 a 13, eaqui.no versículo 14, dá mais um passo. Como vimos, no
versículo 1 a 10 o apóstolo nos mostra que é o pecado que causa a morte.
Somente quando compreendemos verdadeiramente a natureza do pecado é que
compreendemos verdadeiramente a natureza da salvação. É por isso que não há
nada que seja tão antibíblico e tão tolo como dizer: só quero o positivo. Não
se preocupe com o negativo, não fale muito sobre o pecado; queremos saber do
amor de Deus e do positivo. Contudo você jamais o saberá, se não compreender
o negativo. O apóstolo salienta esta verdade constantemente. Para medir o amor
de Deus você primeiro tem que descer antes de subir. Você não parte do nível em
que está e daí sobe; temos que ser tirados de um calabouço, de um poço horrível;
e se você não tiver idéia da medida dessa profundidade, só medirá a metade do
amor de Deus.
Tema característico que se repete constantemente numa partitura. Em francês no original. Nota do
tradutor.

Nos dez primeiros versículos o apóstolo nos mostra que Deus tem que vencer o
pecado, pois este leva à morte espiritual.
Feito isso, ele prossegue e nos mostra, nos versículos 11 e 13, como o pecado
sempre leva à separação - separação entre os judeus e os gentios, “chamados
incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela mão dos
homens”. Separação! Separados da comunidade de Israel e estranhos às alianças
da promessa! O pecado separa o homem do homem, como também de Deus.

Mas neste versículo catorze o apóstolo nos mostra que o pecado não se detém na
ação de separar os homens, vai além; o pecado põe os homens em inimizade; e
não somente em inimizade uns com os outros, porém também com Deus. Isso é
o cúmulo do pecado, o aspecto deveras horrível do pecado; é onde se vê a
extrema fealdade do pecado. O pecado não somente separa os homens de Deus e
uns dos outros, produz um estado de inimizade contra Deus e de uns contra os
outros. Por isso o grande problema atual é o problema da paz. Essa é a razão
das conferências que se realizam. Essa é a grande preocupação de todo o mundo
- não haveria um jeito de banir a guerra, de reconciliar os homens, de estabelecer
uma paz durável, segura e permanente? Como poderão os homens ser
reconciliados? Sabemos destas divisões, destes conflitos, no mundo inteiro, nas
nações, em grupos dentro das nações, como também entre nação e nação. O
mundo todo parece estar num estado de luta e inimizade. Por quê? E aí que
vocês vêem a relevância das Escrituras. E é neste ponto que se vê como é difícil
às vezes ser paciente, como cristão. E, contudo, temos que ser pacientes. Vemos
o mundo e os seus homens, os seus grandes homens, assim
chamados, visivelmente perdendo tempo tentando o impossível. Às vezes é
difícil ser paciente. Mais difícil ainda quando a gente vê homens, mesmo
na Igreja Cristã, entendendo e interpretando de forma completamente errada as
Escrituras e, por assim dizer, levantando-se diante do mundo e dizendo: vocês só
têm que fazer o que lhe dizemos, e a paz que procuram e esperam logo será uma
realidade. Isso é trágico; não passa de pura incapacidade de entender declarações
como a que estamos considerando.

O pecado é a causa do problema; ele põe o homem em inimizade contra Deus, e


põe o homem em inimizade contra o homem. A explicação é muito simples. O
pecado é essencialmente orgulho, ego. Evidentemente devemos voltar ao livro
de Gênesis. Os que pensam que podem eliminar os primeiros capítulos de
Gênesis e continuar tendo um evangelho cristão, estão apenas exibindo a
suaignorância. Ali vocês têm

a explicação fundamental daquilo que prevalece hoje. A causa radical de toda a


inimizade é o orgulho do homem; o homem interessado em si mesmo, o homem
querendo impor-se como um ser autônomo, até mesmo face a Deus, e pronto a
dar ouvidos às perguntas: “É assim que Deus disse?” Quem é Deus para dizer-
lhe o que você pode ou não pode fazer? Homem, disse satanás, você não percebe
como você é grande, como é poderoso. Deus o está mantendo como escravo, e o
está usando como servo. Por que você não se levanta sobre os seus próprios pés,
por que não faz afirmação do seu ser, por que não se firma em sua dignidade e
não exige os seus direitos? Não se rebaixe, levante-se! E ele se levantou. Não
quero ser paradoxal, mas foi porque o homem se levantou que ele caiu. Pôs-se
numa posição que nunca fora planejada para ele; tentou ficar numa posição que
não podia manter; e isso levou à Queda e a todas as suas terríveis conseqüências.
Tudo devido ao orgulho, ao interesse próprio, àpreocupação consigo mesmo.
Ohomem quer bancar deus. Julga-se autônomo, julga que tem direitos; fala dos
seus direitos e das suas exigências. Isso é simples manifestação de interesse
próprio, de autogratificação, de amor próprio e de louvor próprio. Ele está
sempre se voltando para si mesmo e girando em torno de si. Ele é o centro.
Sim, mas, desafortunadamente, todos os homens estão fazendo a mesma coisa.
Aí é que entra o problema. Se somente eu existisse, não haveria problema,
porém todos os outros “eu” são exatamente como eu. O resultado é que o mundo
está povoado de deuses, todos afirmando o seu ser pessoal, exigindo os mesmos
direitos e alegando as mesmas coisas. E os choques são inevitáveis. É uma
guerra de falsos deuses. E todos se juntam na inimizade contra Deus; não
significa, no entanto, que todos estejam de acordo entre si. Não! Acaso vocês
não vêem como este é o modelo de todos os problemas do mundo atual? Temos
aí os operários se unindo contra os patrões; e os patrões contra os operários.
Mas, isso significaria que eles estão muito felizes, em harmoniauns com os
outros e todos se ajudando mutuamente e se sacrificando uns pelos
outros? Naturalmente que não! Eles se dividem - operário contra operário, patrão
contra patrão, com rivalidade, competição, ciúme e inveja. O problema existe em
toda parte. A humanidade se une em inimizade contra Deus, todavia está cheia
de lutas sangüinárias - o homem contra o homem, bem como o homem contra
Deus.

Essa é a única explicação adequada acerca do mundo como ele é hoje. E a


suprema tragédia é que o mundo não vê isso', nem começou a vê-lo. E isso
porque ele parte da suposição de que, seja qual for a explicação, não tem relação
com Deus. Somos espertos demais para crer

em Deus; começamos excluindo Deus. Não pode ser assim. Seja o que for, não é
religioso. Não tem a mínima ligação com Deus e com Cristo. Agora somos
adultos, não somos mais crianças, de modo que não se trata disso, isso nem deve
ser levado em conta. Por isso tentamos encontrar alguma outra explicação e cura.
Mas o fracasso terrível é evidente por todos os lados. E, necessariamente,
continuará assim, enquanto o homem não enxergar a explicação verdadeira. Ele
não vê que é devido estar em más relações com Deus que ele está em más
relações com os seus semelhantes.

O Senhor Jesus Cristo fala disso com muita clareza e uma vez por todas. Alguém
aproximou-se dEle um dia e disse: “Mestre, qual é o grande mandamento na
lei?” E esta foi a Sua resposta: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu
coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e
grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: amarás o teu próximo
como a ti mesmo” (Mateus 22:36-39). Pois bem, o importante aí é observar a
ordem: primeiro, a relação com Deus; segundo, a relação do homem com o seu
semelhante, homem ou mulher. Toda a tragédia do mundo moderno deve-se ao
fato de que o primeiro é inteiramente descartado, e os homens pensam
que podem começar do segundo. Contudo você não pode fazê-lo, porque deve
amar o seu próximo como a si mesmo, deve amar o seu próximo como você se
ama a si mesmo. Portanto, o problema é: como devo amar a mim mesmo? E,
segundo a Bíblia, eu nunca amarei a mim mesmo da maneira certa enquanto eu
não me vir a mim mesmo como estou na minha relação com Deus. Portanto, não
tenho a mínima possibilidade de cumprir o segundo mandamento, a não ser que
já esteja esclarecido quanto ao primeiro. E impossível. E o homem hoje, não
reconhecendo a Deus, não começando com Deus, e não se submetendo a Deus,
está tentando reconciliar-se com o seu semelhante. E, naturalmente, não
está tendo sucesso, e nunca terá. Ele está violando a lei da sua própria natureza.
Ele foi feito por Deus, foi feito para Deus; e ele não se verá verdadeiramente a si
próprio, e não verá verdadeiramente nenhuma outra pessoa, enquanto não se veja
e não veja os outros à luz da lei de Deus, face a face com Deus.

É isso que está por trás da declaração aqui: “Ele é a nossa paz”. Somente Cristo é
a nossa paz. Sem Ele não há paz. O mundo pode continuar a desenvolver-se
intelectualmente e em todos os outros aspectos, pode aumentar o seu
conhecimento da ciência, da sociologia, da psicologia e de tudo mais, pode
multiplicar as suas instituições, pode

instruir-nos neste e naquele aspectos, porém isso não levará a nada, porque o
problema nunca poderá ser solucionado, exceto em nosso Senhor e Salvador
Jesus Cristo, e por meio dEle. É quase incrível que seja necessário dizer isso.
Mas é. A história prova isso cabalmente. O século vinte deveria ter sido o melhor
e o mais grandioso século que o mundo já conheceu, conforme e entendimento
humano. Vejam-no, porém. É um dos piores, um dos mais aterradores. Isso é
muito deprimente, dirá alguém, não devo estar tão deprimido assim. A resposta é
que não é questão de depressão, é questão de encarar os fatos. Se você está
realmente preocupado com o problema do homem e do mundo, como está com o
seu próprio problema, terá que enfrentá-lo radicalmente. E aí estão os fatos. Se
você tentar partir do segundo mandamento, isso levará ao desastre, porque o
homem não é meramente intelecto, não é meramente um ser social. Segundo as
Escrituras, há um princípio mau atuando nele; ele está infeccionado pelo pecado,
espiritualmente está mal de saúde. E antes de começar a instruí-lo, você terá de
curá-lo. Ele precisade nova vida. O apóstolo o diz em termos de uma declaração
geral que, é claro, é totalmente consoante com o cristianismo - “Ele (e somente
Ele) é a nossa paz”.

Ora, isso significa várias coisas. Primeiramente e acima de tudo, significa que
Ele, pessoalmente, é a nossa paz. O que quero dizer com isso é que o Senhor
Jesus Cristo não somente faz a paz - Ele faz a paz, como espero demonstrar-lhes
- mas Ele mesmo é a paz. Ele é a nossa paz. O que é simplesmente outra maneira
de dizer que nós temos que estar em Cristo, antes de podermos gozar as bênçãos
de Deus como o Deus da paz. Somente quando estivermos relacionados com
Cristo, somente quando estivermos incorporados em Cristo, ou, para usar
uma expressão bíblica, enxertados em Cristo, somente quando formos membros
de Cristo e partes do Seu corpo, participando da vida de Cristo e haurindo da
vida de Cristo - somente quando tudo isso for real em nós é que realmente
gozaremos as bênçãos da paz. Mais uma vez, quando compreendermos isso,
veremos a indescritível superficialidade de muitacoisaque se diz nos dias atuais.
Não quero que me entendam mal, nem quero faltar com o respeito para com os
chamados pacifistas, todavia o real problema com aquele ensino é a sua falta de
entendimento teológico, e a sua incapacidade de compreender o problema do
pecado. E isso não se aplica somente ao caso deles, mas também atoda
conversa leviana dos homens e mulheres que dizem que o problema é
muito simples, que tudo que é preciso fazer é convidar o povo para reunir-se e
falar-lhe agradavelmente, terminando tudo com um aperto de mãos, e

tudo estará bem, Houve estadistas que acreditavam sincera e genuinamente que
se tão-somente pudessem reunir-se com Hitler ao redor de uma mesa e conversar
com ele, toda a coisa seria resolvida. “A paz em nosso tempo”, diziam eles, “nós
nos reunimos com eles, fizemos um acordo de cavalheiros.” No entanto, não
demorou muito, e eles descobriram que o homem cujas mãos eles tinham
apertado não era um cavalheiro. E esse continua sendo o problema. Quão
superficial, quão patético, pensarem ainda os homens que mediante frases feitas
podem resolver os problemas do pecado do homem. Não, “Ele é a nossa
paz”; Ele, o eterno Filho de Deus, que teve que nascer como uma criança
em Belém. É isso que foi essencial para solucionar este problema. E, todavia,
eles dizem que simplesmente sendo bom, agradável e amistoso, e falando através
de uma mesa, podem acertar tudo. Se fosse tão simples assim, a encarnação
jamais precisaria ter ocorrido, a morte na cruz nunca teria acontecido; mas, antes
de poder haver paz, estas coisas tiveram que acontecer. Ele mesmo, a Pessoa
bendita, é a nossa paz. E é somente quando entendemos algo desta mística
doutrina do cristão como membro do corpo de Cristo é que verdadeiramente
participamos dessa paz e a usufruímos.

Entretanto Ele também faz a paz, diz o apóstolo. Este é um ponto sobre o qual
devemos ter claro entendimento. Como Cristo faz a paz? Devemos interpretar
isso escrituristicamente, não sentimentalmente. Notem os termos: “Ele é a nossa
paz”; e depois, Ele fez a paz-fazendo a paz”. Que é que significa isso? A
interpretação superficial, sentimental dos textos a que me referi, parece entender
que o processo é o seguinte: o Senhor Jesus Cristo nos ensina a fazer a paz.
Dizem tais intérpretes: “Você lê as Escrituras e depois, no espírito das
Escrituras, e daquilo que você entendeu das Escrituras, procure o seu
inimigo, ponha em prática o ensino, e você o ganhará”. O argumento, ao
nível internacional, é que, se uma só nação simplesmente se
desarmasse completamente, o efeito que causaria sobre todas as outras nações
seria tão estonteante que nunca mais quereriam outra guerra.

Uma vez ouvi um homem falar numa reunião, creio que uns trinta e cinco
minutos, e que nesse espaço de tempo nos conduziu, assim pensou ele, através
de toda a Epístola dos Efésios sem nenhuma dificuldade! Disse-nos que a sua
mensagem era deleitavelmente simples. Era um pacifista muito conhecido e que
tinha sofrido bastante pelo seu pacifismo; homem honesto, homem sincero, um
bom homem. O que ele entendia do nosso texto (Efésios 2:14-16) era que ele
simplesmente consistia numa questão de aplicar o ensino de Cristo e o espírito
cristão.

O clímax do seu discurso foi uma história que ele nos contou e que, para ele,
provava inteiramente o ponto. Disse ele que fazia parte do corpo diretivo de uma
escola para meninas, escola pública, e ele nos contou que vários colegas de
direção sentiam-se mal com o fato de haver punições e recompensas na escola.
As crianças que procediam mal eram punidas de várias maneiras, e ele e outros
achavam que esse não era o método de Cristo, não era o método cristão. Não
devia haver nenhuma punição, nenhuma disciplina nesse sentido; em vez disso,
as crianças deveriam ser convidadas a agir como adultos, deveriam revestir-se de
dignidade, e deveria ser-lhes dito que no futuro seriam tratadas como adultos, e
que os inspetores e inspetoras de alunos confiariam nelas. Assim, disse ele, após
muitos anos, eles persuadiram os seus colegas da junta diretora e o corpo
docente a concordarem nisso, e naquela escola em especial todas as formas de
punição foram abolidas. Disse ele: alguns dos nossos amigos, naturalmente,
tinham profetizado que isso levaria ao desastre, mas vocês sabem, continuou ele,
no mesmo ano em que fizemos isso, o número de admissões em Oxford e
Cambridge foi mais alto do que nunca antes. É isso que acontece, disse ele,
quando se põe em prática o amor de Cristo. Aí está! Tão simples! Simplesmente
aplicar o ensino. Faça isso individualmente, faça-o em comunidades, em grupos
e em classes; faça-o entre países, e nunca mais haverá problema algum!

Que perversão das Escrituras! Seria realmente necessário que o Filho de Deus
deixasse as cortes celestiais se a resposta fosse essa? A morte de cruz seria
necessária, se a solução fosse apenas uma questão de aplicar algum ensino? Não
é o que nos é dito aqui. Ele, Cristo, fez a paz. Não é que Ele me manda fazer algo
- Ele faz isso, é certo, mas eu só posso fazer o que Ele me diz porque Ele fez
algo primeiro. Ele fez a paz. Ele é a nossa paz. Ele é o Príncipe da paz. E o Deus
de paz que faz apaz. Não é primariamente os homens aplicarem certo ensino, é
algo fundamental feito por Deus em Cristo que produz uma situação
inteiramente nova. E por isso que não me canso de dizer que o dever da
Igreja Cristã não consiste meramente em dar conselho aos estadistas e a outros, e
em dizer-lhes como solucionar os seus problemas; pois não poderá haver paz
entre os homens enquanto os homens não se tornarem cristãos. É impossível. Por
isso o evangelho é necessário, por isso Cristo veio. Não se pode aplicar a não
cristãos um ensino destinado aos cristãos. Fazê-lo é uma rematada heresia. Estas
Epístolas não foram escritas para o mundo, foram escritas para os cristãos.
Temos que nascer de novo, temos que ser criados de novo, antes de ser possível
que isso se aplique a nós. Cristo faz a paz. Essa é a proposição fundamental. Ele
é a nossa

O apóstolo nos diz nestes versículos como Cristo traz à existência a paz. Para
que haja paz verdadeira, duas coisas são indispensáveis. E preciso que os
homens sejam reconciliados com Deus, e que sejam reconciliados uns com os
outros. O apóstolo dá atenção a ambos os problemas. Ele parte da reconciliação
dos homens uns com os outros. Ele procede assim, entendo eu, porque o que
predominava em sua mente naquela hora era o seguinte: ele estava olhando para
a Igreja Cristã e nela via judeus e gentios. Assim ele inicia com o fato concreto
da Igreja. Ali, juntos, louvando a Deus, estão homens que antes eram
inimigos mordazes. Que foi que os juntou? Paulo começacom essa questão e
dela trata nos versículos 14 e 15. Depois, no versículo 16, ele mostra
como ambos juntos foram trazidos a Deus e como foi abolida a inimizade
entre eles e Deus.

Como, então, Cristo reconcilia os homens uns com os outros? Como Ele
aproxima uns aos outros em amor? Como Ele destrói a inimizade que há entre os
homens? Primeiro Paulo o coloca negativamente. Diz ele que Cristo derrubou “a
parede de separação que estava no meio”, entre nós. Neste ponto permitam-me
indicar que a Versão Autorizada, e na verdade a Versão Revista (inglesas), não
são tão boas como deviam ser. Sem dúvida, a Versão Revista Padrão é melhor.
Eis a tradução da Versão Autorizada e (com ligeira variação apenas) da Versão
Revista: “Ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um e derrubou a parede de
separação que estava no meio, entre nós, tendo abolido em sua carne a
inimizade, até (essa palavra é acrescentada, não está no original, e vem impressa
em itálicos), até a lei dos mandamentos”. Não está muito bom, e é melhor
entendê-lo assim: “Derrubou a parede divisória de hostilidade (ou de inimizade)
abolindo a lei dos mandamentos” (tradução semelhante à de Almeida). Ele
derrubou a parede de separação (de inimizade) que estava no meio. Como? -
abolindo a lei dos mandamentos nas ordenanças. Essa é a melhor maneira de ver
isso. Então, que significa? Que é que uniu o judeu e o gentio na Igreja Cristã? A
resposta é que o Senhor Jesus Cristo desfez a inimizade. Havia no meio uma
espécie de parede de separação entre eles. Havia uma parede divisória entre eles,
no meio. O apóstolo está usando aqui, como figura, algo que era característico
do templo. No templo vimos que o Pátio dos Gentios era o mais distante. Os
gentios não tinham permissão para entrar no Pátio do Povo, dos judeus. Havia
uma parede que os separava, uma parede de separação, no meio. De fato, aquele
velho templo estava cheio

de divisões. Havia, além do Pátio dos Sacerdotes, o Lugar Santo, e depois o


“santo dos santos”, o Lugar Santíssimo, no qual ninguém tinha a permissão de
entrar, exceto o sumo sacerdote, uma vez por ano. Era um lugar cheio de
divisões. Mas em Cristo, diz o apóstolo Paulo, as divisões foram arrasadas,
foram derrubadas, foram postas abaixo, e o caminho para o Lugar Santíssimo
está livre. Contudo aqui ele está particularmente interessado no fato de que a
primeira divisão, entre os gentios e os judeus, a inimizade, desapareceu.

Mas por que lhe chama inimizade? Porque, afinal de contas, foi Deus que
determinou os detalhes concernentes à construção do templo, foi Deus que deu a
lei aos filhos de Israel. E, contudo, Paulo afirma que foi essa lei dos
mandamentos contida nas ordenanças que realmente produziu a inimizade. Esse
é um ponto muito importante e muito sutil, e é aí que vemos exatamente o que o
pecado faz ao homem. Como já vimos, Deus tinha dividido a raça humana em
dois grupos. Deus criou para Si um povo especial descendente de Abraão. São os
judeus, a comunidade de Israel, o povo de Deus. Os judeus estavam
realmente separados de todos os outros povos, e o propósito era que
estivessem separados mesmo. Deus lhes deu leis especiais, estas “leis dos
mandamentos nas ordenanças”, como Paulo as descreve. Ele se refere à
lei cerimonial, à lei acerca das ofertas queimadas e dos sacrifícios, das ofertas de
cereal, e de todas as outras sobre as quais lemos no livro de Levítico e noutros
lugares. Deus as determinou. Eram esses os meios pelos quais os filhos de Israel
deviam aproximar-se de Deus e ser abençoados por Ele; e, se não os
observassem, Deus não Se encontraria com eles, e não os abençoaria. Deus lhes
deu a lei. Não deviam comer certos tipos de animais, e assim por diante. Eram,
todas elas, leis de Deus, a lei cerimonial, a lei dos mandamentos nas ordenanças,
em preceitos. Bem, vocês dirão, se é assim, onde entra a
inimizade? Precisamente onde entra o pecado. Deus dividiu o mundo em
dois grupos, e deu estes mandamentos. Mas não o fez para criar inimizade; fez
isso para que os filhos de Israel dessem testemunho dEle, das Suas santas leis e
do caminho da salvação. No entanto, por causa do princípio do pecado, do ego e
do egoísmo, eles interpretaram o ato de Deus de tal modo que diziam: nós, e
somente nós, somos o povo de Deus, e estes outros são cães, mal chegam a ser
seres humanos.

Os judeus tornaram o mandamento de Deus uma parede intermediária de


separação; fizeram dele um objeto de ódio e de inimizade. E os gentios olhavam
e diziam: quem são esses judeus? Que alegações são essas que eles fazem a seu
favor? E assim os odiaram. E

o judeu odiava o gentio. Mas não era essa a intenção de Deus. A lei fazia parte
da revelação de Deus, fazia parte do plano de salvação feito por Deus. Entretanto
o homem em pecado transforma os próprios dons de Deus em causas de
inimizade. É assim que as paredes intermediárias entram. Não se trata de um
ponto puramente acadêmico. O mundo atual está cheio dessas divisões. Vejam os
dons que Deus dá aos homens. Todos eles são manifestações da Sua
generosidade e bondade. Ele dá o dom da inteligência e do entendimento, dá
perspicácia a certos homens, e eles prosperam e têm sucesso. Ele derrama
chuvas de dons destas várias formas. Mas, pergunto, todos os homens se
ajoelham e agradecem a Deus os dons da Sua graça aos homens? Será que
atribuem com humildade a glória e a honra a Ele e lhe dão graças, sendo que é
Ele quem dá “toda a boa dádiva e todo o dom perfeito”? Sabemos muito bem
que não o fazem. Eles estão fazendo o que o judeu e o gentio fizeram. O homem
dotado de inteligência diz: naturalmente, eu tenho cérebro, tenho entendimento.
Vejam aquele outro sujeito, ele não sabe nada. E assim o despreza. E o outro
homem olha para ele e diz: quem é ele? Quem ele pensa que é? Inimizade! E
tudo por causa dos dons de Deus. Dá-se o mesmo com todos os dons que Deus
dá. São dons de Deus, são maravilhosos, e se nós todos compreendêssemos isso
e fôssemos humildes, todos nós os desfrutaríamos juntos. O homem sem
talento diria: que maravilha esse homem! Que coisa esplêndida Deus tê-
lo dotado de tal capacidade! Todavia não é assim; estas coisas levam à inveja e à
rivalidade, à inimizade, ao ódio, à malícia, à crueldade, ao escárnio e a tudo o
que só serve para envenenar a vida.

Não haverá paz enquanto isso tudo não for derrubado. Cristo, diz o apóstolo
aqui, derrubou tudo isso, nesta questão de religião, e o fez uma vez por todas,
pois “Ele aboliu a lei dos mandamentos contida nas ordenanças Foi como Ele
fez. O que significa que agora o método de Deus não é mais o de ofertas
queimadas, sacrifícios e coisas que só eram peculiares e especiais para o judeu.
É mediante Cristo, e somente mediante Cristo. Assim, aquilo que tinha levado à
inimizade, à inveja e à rivalidade, foi eliminado por Cristo. A causa da inimizade
foi removida. E quando os homens vêem isso em Cristo, a inimizade desaparece.
O judeu que realmente entende a doutrina de Cristo, não se separa mais em
termos da lei cerimonial. Ele diz: isso terminou em Cristo; portanto, agora estou
na mesma posição do gentio. E o gentio também vê que não existe mais essa
peculiar distinção entre ele e o judeu, e que o caminho é em Cristo, tanto para ele
como para o judeu. Assim eles vêm juntos a Deus da mesma maneira, em nosso
Senhor e

Salvador Jesus Cristo e por intermédio dEle.

Vocês vêem o ponto ao qual chegamos agora. Cristo derrubou a parede de


separação que estava no meio, a inimizade. E aqui está como Ele o fez: “O fim
da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê” (Romanos 10:4). Já não há
necessidade do cerimonial e do ritual do judeu; isso foi extinto. Cristo é o
cumprimento disso tudo. Aquelas coisas eram apenas tipos que apontavam para
Ele. Os homens nunca devem deter-se nelas, elas deveriam levá-los a Ele. Mas
Ele pos um fim nelas. Dessa maneira, em toda esta questão de acesso a Deus, a
velha distinção, originariamente feita pelo próprio Deus, foi abolida pelo próprio
Deus em Cristo, e agora o caminho está livre, tanto para o gentio como para o
judeu, para virem à presença de Deus. Eles poderão vir, não mediante um
sacerdócio terreno, humano, não com ofertas e sacrifícios materiais, e sim
mediante o único e exclusivo Mediador entre Deus e os homens - o homem
Cristo Jesus, que pelo sacrifício da Sua vida e pelo Seu precioso sangue
derrubou a parede intermediária de separação. E será somente quando os homens
aprenderem essa verdade que serão libertos da inimizade.

FAZER A PAZ:

O MÉTODO DE CRISTO

“Para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz. ” - Efésios
2:15

Ao passarmos a considerar esta declaração particular, devemos lembrar-nos de


que ela faz parte do grande argumento que o apóstolo desenvolve nestes
versículos. Ele está falando do admirável fenômeno apresentado pela Igreja
Cristã, e vê ali como membros e companheiros -judeus e gentios, pessoas que
tinham pertencido àquela comunidade de Israel junto com os que até então
haviam estado separados dela e tinham sido estranhos às alianças da promessa. E
o que ele está fazendo aqui é explicar como foi que isso aconteceu. Foi o poder
de Deus que o fez. Nenhuma outra coisa poderiajuntar judeu e gentio em atos
comuns de culto. Efoi esse opoder que ressuscitou Cristo dentre os mortos,
nada menos que isso! É isso que o apóstolo está expondo, e o faz em detalhe. O
argumento é sutil; em toda a extensão das Escrituras não há argumento mais
cerradamente entretecido do que nesta seção particular. Cada frase é importante,
cada palavra é significativa, se havemos de compreender a vigorosa declaração e
apreciar plenamente a sua riqueza e glória. Ele acrescenta declaração a
declaração, e cada uma delas segue a outra com extraordinária precisão lógica. A
mente do grande apóstolo revela-se aqui de maneira deveras admirável. A coisa
estava bem clara para ele, e ficará clara para nós, se nos dermos ao trabalho de
examinar estas frases uma por uma e observarmos a conexão entre cada uma
delas e a precedente, e como cada uma leva à subseqüente. Mas, em
acréscimo, precisamos da iluminação que somente o Espírito Santo pode dar.
Por isso o apóstolo, antes de aventurar-se a esta emocionante demonstração da
maravilhosa graça de Deus, tinha orado por estes efésios que iam ler a carta, no
sentido de que “os olhos do seu entendimento” fossem iluminados. Sem isso,
nada podemos fazer. Portanto, um teste muito bom para ver se o Espírito Santo
iluminou os olhos do nosso entendimento é verificar se estamos seguindo o
argumento conforme avançamos. Mais, estaríamos nos alegrando nele, vibrando
com ele, percebendo que estamos olhando para a coisa mais assombrosa do
mundo?

Aqui está a essência do argumento; Cristo é a nossa paz. “Ele é a nossa paz” -
tudo está nEle. E também é verdade que Ele faz a paz: “Para criar em si mesmo
dos dois um novo homem, fazendo a paz”. Ele é a paz; Ele faz a paz. E vimos
que o apóstolo nos diz que o Senhor Jesus Cristo faz a paz entre homem e
homem, e entre o homem e Deus. Ele é a paz em todos os aspectos. O apóstolo
os coloca naquela ordem, homem e homem primeiro, e depois, no versículo 16,
que estudaremos mais adiante, ele mostra como ambos são reconciliados e
unidos num só corpo para Deus. A ordem, naturalmente, é interessante.
Teologicamente a ordem é inversa, porém o apóstolo está falando num
sentido prático e pastoral. Ele parte do fato concreto da Igreja, com judeus
e gentios juntos e de joelhos prestando culto de igual maneira; ele parte daí, de
homem e homem, e depois mostra como ambos vão juntos a Deus. No momento
estamos vendo o modo como Ele reconcilia o homem com o homem. Diz-nos o
apóstolo que isto é feito de duas maneiras: primeiro, negativamente, e depois,
positivamente. Já consideramos o aspecto negativo, expresso nas palavras: Ele
“desfez alei dos mandamentos, que consistia em ordenanças”. Ele já removeu a
parede intermediária de separação - a inimizade - que estava entre judeu
e gentio.

Pois bem, isto é somente negativo, e não é tudo; na verdade, não é suficiente.
Este é o ponto que estou desejoso de salientar agora. Só abolir as paredes
intermediárias de separação não produz paz. Essa é a tragédia de grande parte
do pensamento atual, parece-me, que tanta gente não tenha uma verdadeira
concepção da paz. A paz, segundo as Escrituras, não
significameramenteacessação de hostilidades. Tampouco significa meramente a
prevenção de hostilidades de fato. Mas, pela maneira como se fala de “paz”
correntemente hoje, é óbvio que é isso que muitos querem dizer com o termo
paz. Considera-se a paz apenas como uma condição na qual não ocorre conflito
real. A paz vem a ser mera ausência de guerra. Essa pode ser a idéia que o
homem tem de paz; não é a idéia que Deus tem. Não é essa a noção bíblica de
paz. Meramente deixar de lutar não é paz, meramente prevenir hostilidades
futuras não é paz. Vocês vêem quão dolorosamente o evangelho está sendo
mal usado, mal interpretado, mal apresentado hoje pelos que ensinam que apenas
temos que aplicar “o ensino de Cristo” à situação internacional para resolver o
problema da tensão mundial. Descobriremos mais outras razões para dizer isso à
medida que avançarmos. Deus não Se contenta com mera ausência de inimizade
visível e agressiva e da manifestação dessa inimizade. Quando Deus faz apaz,
faz algo interno, algo vital. Não

satisfaz a Deus que os homens tão-somente não se agarrem pela garganta; a idéia
que Deus tem da paz é que as pessoas se abracem e demonstrem verdadeiro
amor mútuo. Isso é paz cristã, nada menos que isso. Não apenas que não lutemos
uns contra os outros, e sim que nos amemos uns aos outros, que haja união e
unidade, que realmente nos tomemos um e nos amemos uns aos outros como nos
amamos a nós mesmos. Essa é a verdade ressaltada neste trecho particular da
argumentação que agora estamos estudando. Deve-se pensar na paz em
termos de coração, de atitude; é questão de unidade e amor essencial,
vital, interior. O que Paulo nos diz é que Cristo produziu essa paz. Como o
fez? Eis a resposta: “Para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo
a paz”.

O apóstolo introduz aqui a profunda doutrina neotestamentária da Igrej a Cristã,


da natureza da Igrej a Cristã. O novo homem, o novo corpo é a Igreja. O meio
pelo qual Deus faz a paz consiste em formar, fazer, trazer à existência a Igreja
Cristã; portanto, qualquer tentativa de entender o modo cristão dapaz tem que
introduzir imediatamente a idéia da Igreja. Ou considerem isto da seguinte
maneira: segundo este argumento, a paz entre os homens só é possível quando
todos eles pertencem ao corpo de Cristo e são cristãos. Assim está
patentemente claro que não é uma coisa que se possa aplicar às nações. Portanto,
pregar a mensagem cristã como se esta fosse algo que pode ser aplicado
às nações e pelas nações não cristãs, que não pensam em termos cristãos e não
pertencem ao corpo de Cristo, é rematada heresia e uma completa negação do
ensino do apóstolo. E, contudo, é exatamente isso que andam fazendo. Há os que
dizem que tudo que os estadistas e as nações têm que fazer é aplicar este ensino.
Ninguém pode aplicar este ensino, a não ser o cristão, e ninguém vai aplicá-lo,
exceto o cristão. De fato, como vou mostrar, até os cristãos são muito falhos na
sua aplicação. Mas este ensino requer, pressupõe, um caráter cristão.
Observemos agora como o apóstolo expõe o tema.

Vocês vêem a imediata relevância disso tudo, como tudo isso é importante. Não
é uma doutrina e teologia árida. O que está mais agudamente nas mentes dos
homens hoj e é o desej o de paz - porém eles precisam vê-la de maneira certa.
Entretanto, fora esta aplicação geral, não conheço nada que seja mais edificante,
nada que sej a tão fortalecedor da fé, nada, portanto, que seja tão confortante
como a percepção da verdade daquilo que o apóstolo nos diz aqui. A Igrej a, diz
ele, é umanova criação: “Para fazer em si mesmo dos dois um novo homem”
(VA). Ora,

a palavra “fazer” aí é demasiado fraca. A palavra significa “criar” -“criar em Si


mesmo” (como em Almeida). Uma criação! Um hino muito conhecido expressa
bem isso:

Da Igreja o alicerce E Cristo, o seu Senhor;

E Sua nova criação Pela água e pela palavra.

Essa é a verdade: a Igreja é algo absolutamente novo, algo que foi trazido à
existência, algo que não existia antes. É comparável ao que aconteceu no
princípio, quando Deus criou os céus e a terra. Não existia nada antes de Deus os
criar. Criação significa trazer à existência algo que antes não havia, algo não
existente; é fazer algo do nada.

Essa é a frase empregada aqui. Suas implicações nesta questão de produzir a paz
são óbvias. Como Deus faz a paz entre judeu e gentio? Não é por uma
modificação do que havia antes; tampouco por um melhoramento daquilo que
existia antes. Deus não toma simplesmente um judeu e lhe faz algo, e não toma
um gentio e apenas lhe faz algo, e com isso os congrega. Nada disso! E uma
coisa inteiramente nova. Criação! Pois bem, isto é vital para a situação toda.
Quando somos introduzidos na Igreja Cristã, nós entramos como novas
criações, entramos em algo que é inteiramente novo. Há um sentido em que
ela não tem relação com nada do que existia antes.

Permitam-me ilustrar isso. Não se deve conceber a Igreja como uma coalizão de
vários partidos. Não, é a abolição de algo velho e a criação de algo inteiramente
novo. Ou permitam que eu use outra ilustração. O ponto que precisa ser ilustrado
aqui vê-se claramente na diferença entre os Estados Unidos da América e o
Reino Unido, semelhantemente na diferença entre os Estados Unidos da
América e a Comunidade Britânica de Nações. No Reino Unido ou na
Comunidade Britânica de Nações há uma associação de várias nações,
nacionalidades, povos e tribos. Todos eles pertencem à mesma comunidade,
mas continuam como nações separadas - a suanacionalidade não é demolida, não
é destruída. Elas permanecem como nações separadas, porém, por certas razões,
decidiram trabalhar juntas. Essa é a verdadeira característica da Comunidade
Britânica de Nações, outrora mantida pelo poder da força, agora mantida em
união por interesses comuns e propósitos comuns. A idéia de nacionalidade
individual permanece, mas voluntariamente entram num associação. É, portanto,
uma associação que pode

ser desfeita porque não deixaram de existir estes elementos particulares. Dá-se o
mesmo com o Reino Unido - ingleses, galeses, escoceses e irlandeses. A
nacionalidade não foi abolida, ainda está presente, todavia eles decidiram
trabalhar juntos e fazer certas coisas em comum. Mas nos Estados Unidos da
América a situação é muito diferente. Os Estados Unidos da América não são
uma união de nações, não é uma junção de distintas nações. Noutras palavras,
houve homens que foram para aquele país, homens procedentes de diversos
países da Europa e doutros lugares e, para serem verdadeiros cidadãos dos
Estados Unidos, tiveram que por fim ao seu passado. Formou-se uma nova
nação. Não é uma junção de alemães, suecos, finlandeses, noruegueses, ingleses,
franceses, italianos, gregos e outros. Absolutamente não! Eles fazem o máximo
que podem, e com razão, para esquecer tudo isso. São americanos; deram cabo
do antigo alinhamento, dos velhos laços nacionais. Passou a existir umanova
nação. Pois bem, esse é o tipo de coisa que temos na passagem em foco. A Igreja
não é uma espécie de coalizão de judeus e gentios; passou a existir algo
absolutamente novo, algo que simplesmente não existia antes. Criação! - “para
criar em si mesmo dos dois um novo homem”. Este é um princípio sumamente
importante.

Passemos agora à segunda proposição. A Igreja forma-se em Cristo. “Para criar


em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz.” Em Cristo forma-se a
Igreja; acontece como resultado da sua relação com Ele. Já vimos algo sobre isso
no capítulo primeiro. Também o vimos insinuado e sugerido nos dez primeiros
versículos deste capítulo. Mas aqui está mais uma vez. A Igreja é o corpo de
Cristo, e Ele é a Cabeça, dEle a Igreja recebe a sua própria vida, o seu sustento,
o seu poder, tudo. “Para criar em si mesmo dos dois um novo homem.”
Como Ele o faz? Como membros da Igrej a somos membros do corpo de
Cristo. Em 1 Coríntios 12:27 Paulo o coloca desta maneira: “Vós sois o corpo de
Cristo, e seus membros em particular”. Somos todos membros particulares,
individuais deste corpo único. Há uma unidade essencial num corpo. O corpo
não é uma junção de partes, não é apenas uma leve interligação de dedos, mãos,
antebraços, braços, pernas pés e dedos. Nada disso! O corpo é um todo orgânico,
uma unidade vital com partes individuais: porém o todo é maior do que a soma
das suas partes. Aí de novo vocês têm a mesma idéia. Não se pensa num dedo
isoladamente; é sempre parte do todo. Assim Cristo criou “em si mesmo dos
dois...”; é tudo “em si mesmo”. Portanto, temos que captar esta idéia da
Igreja como o corpo de Cristo, com Cristo como a Cabeça, e da unidade

orgânica de todas as partes, cada qual fornecendo algo, como o apóstolo nos dirá
mais adiante, no capítulo quatro.

Assim passo à terceira proposição, que é: a Igreja, como resultado do acima


exposto, é um novo homem: “para criar em si mesmo dos dois um novo homem”.
Aqui ele não está usando a expressão “novo homem” no sentido em que a usa
noutros lugares quando fala sobre o novo e o velho homem no cristão individual.
Aqui, o novo homem, o corpo, é a Igreja, que consiste destas várias partes, tudo
como uma representação do corpo de Cristo. De fato podemos chamar-lhe de
nova humanidade. E, ao que me parece, essa é a melhor maneira de vê-lo. Em
Jesus Cristo, e como resultado da Sua obra perfeita, algo inteiramente novo
passou a existir. Que é? Uma nova humanidade! Podemos pensar na Igreja não
somente como um corpo, mas também como uma humanidade. A comparação e
o contraste que de imediato nos vêm expontaneamente resumem-se nisto:
outrora todos nós estávamos em Adão. Todos nós éramos um em Adão, a
humanidade toda estava em Adão, de modo que tudo o que Adão fez, a
humanidade todafez. “Assim como todos morrem em Adão” - é a afirmação (1
Coríntios 15:22). Estávamos todos em Adão, ele era a cabeça e o representante
de toda a raça humana. Haviaumaunidade; ahumanidade eraum corpo em
Adão. Adão era a cabeça dessa humanidade que consistia de Adão e
sua semente.

Agora, o que aconteceu foi isto, e é aí que o encorajamento, a fortaleza e a


consolação do evangelho entram. Como cristão, acabei completa e
absolutamente com aquela velha humanidade. Não pertenço mais a Adão. O
velho homem foi crucificado com Cristo. O velho homem morreu. Cristo é o
segundo homem. Cristo é o último Adão. O primeiro Adão! O segundo Adão! O
iniciador de uma humanidade, a qual agiu mal, caiu em pecado e fracassou; o
Iniciador da nova humanidade, que nunca poderá fracassar porque está nEle! O
Segundo Homem! Paulo refere-se a Ele noutro lugar como “o primogênito entre
muitos irmãos” (Romanos 8:29). É precisamente a mesma idéia!
Quando olhamos para os cristãos, quando olhamos para a Igreja Cristã,
estamos olhando para uma nova raça, para uma nova humanidade,
totalmente diferente da velha humanidade. Não é que a velha humanidade
foi tomada e melhorada um pouco. E uma nova criação, é uma nova humanidade
proveniente de Cristo, como a outra humanidade proveio de Adão. É
absolutamente nova, é uma “nova criação”; nenhuma outra expressão é
adequada.

Chega-se a isto: em nosso novo nascimento, em nossa regeneração, em nosso


“nascer de novo”, nascemos nesta nova raça, neste novo corpo, nesta nova
família. É assim que Cristo faz a paz. Ele não produz um conglomerado de
pessoas diferentes; ele produz um novo povo, uma nova família, uma nova casa
paterna, uma nova raça. O apóstolo explica isso na parte final do capítulo; mas
aqui já vem o princípio. Aí está como Cristo faz a paz. Persuadir as nações a não
entrarem em conflito umas com as outras não é paz neste sentido. Só se faz a paz
pelo método de Deus, pelo método de Cristo, quando todos pertencemos à
mesma família, temos em nós o mesmo sangue, por assim dizer, somos membros
da mesma humanidade, membros do mesmo corpo, nesta vivida e vital relação
com Deus. Essa é a única paz de que se ocupa o Novo Testamento. Como é
ridiculo, pois, a Igreja dizer aos estadistas: tudo o que vocês têm a fazer é aplicar
o nosso ensino, e com isso vocês produzirão paz entre as nações. Isso é uma total
negação da doutrina da Igreja. E uma negação da doutrina da regeneração. E, na
verdade, uma apresentação completamente falsa do ensino do nosso bendito
Senhor.

Aí está, pois, o argumento como tal; porém há certas coisas que devemos
salientar. Por exemplo, o velho homem é excluído inteiramente. Isso decorre
necessariamente de tudo o que estivemos dizendo. O judeu, como judeu, foi
posto fora, como também o gentio foi posto fora, em Cristo. Se vocês acreditam
nesta nova criação, têm que compreender que tudo mais foi eliminado, foi posto
de lado inteiramente. “Não há judeu nem grego...porque todos vós sois um em
Cristo Jesus” (Gálatas 3:28). Outro princípio óbvio é que nada do que
pertencia ao velho estado tem valor ou relevância no novo estado. Se isso
nos parece alarmante, só temos que ler o que Paulo diz em Gálatas 6:15: “Em
Cristo Jesus nem a circuncisão nem a incircuncisão têm virtude alguma”. Que
tremenda declaração! Em Cristo Jesus a circuncisão é irrelevante, “nada vale”
(VA). Mas a incircuncisão é igualmente irrelevante, também “nada vale”. Em
Cristo Jesus, na esfera da Igreja, nesta questão de relação com Deus e paz entre
os homens, há somente uma coisa que importa - uma nova criação. Assim é que
o judeu se foi, o gentio se foi; tudo o que pertencia ao judeu, tudo o que
pertencia ao gentio - é tudo irrelevante daí em diante. O que importa é anova
criatura. Não existe pensamento mais fortalecedor ou mais consolador do
que esse. Isso me diz que toda a realidade da minha velha vida não importa mais.
Os pecados que outrora cometi foram enfrentados e vencidos, e não mais
importam. Pesam tão pouco quanto a circuncisão e a incircuncisão. Se estou em
Cristo, sou uma nova criatura. O velho

homem recebeu o devido trato, está morto, desapareceu. “Portanto agora


nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus.” “Eu fui crucificado
com Cristo.” Estou morto! “Não mais eu, mas Cristo vive em mim.” É o que esta
verdade significa. Que doutrina gloriosa, que bendita doutrina! Cristão, você
ainda é bastante tolo para dar ouvidos ao diabo quando ele faz você olhar para
trás, para a sua vida antiga? Não

0 faça, rejeite-o, resista a ele, diga-lhe que tudo se acabou, que o velho homem
que antes você era está morto, e que você não tem mais nada a ver com ele. O
que há é algo absoluta e inteiramente novo.

Um terceiro princípio é que todos nós somos iguais nesta nova relação porque
todos nós nos tornamos algo novo. Como Cristo forma a Igreja, como o judeu e
o gentio andam juntos? Não é porque o gentio se fez judeu ou prosélito do
judaísmo. Havia muitos na Igreja Primitiva que achavam que era isso. Todavia
não é esse o caminho; não é que o gentio se tornou judeu, que ele teve que
sujeitar-se à circuncisão e cumprir todo o cerimonial. Contudo, por outro lado, o
judeu não tem que se tornar gentio. A glória deste caminho é que o velho homem
é inteiramente excluído. Não é uma modificação do gentio e uma modificação
do judeu; não é uma reunião em torno de uma mesa de conferência e os dois
lados opostos concordarem em ceder algo e em buscarem um meio termo numa
base de cinqüenta por cento de concessões mútuas. Absolutamente não! Algo
absolutamente novo é trazido à existência. O judeu não se tornou gentio, o
gentio não se tornou judeu. E um novo homem, uma nova criação.

O nosso quarto princípio leva-nos mais longe ainda. A unidade deste novo corpo
ê uma unidade absoluta. Uso a expressão avisadamente. Não existe isso de um
segmento judaico da Igreja Cristã. Não existe isso de um segmento gentílico da
Igreja Cristã. E isso nunca existirá. O velho homem foi eliminado. O próprio
Senhor Jesus Cristo esclareceu isso uma vez por todas com uma declaração
sumamente importante, deste ponto de vista, em Mateus, capítulo 21, versículo
43. Dirigindo-Se aos judeus, disse Ele: “Portanto, eu vos digo que o reino de
Deus vos será tirado, e será dado a uma nação que dê os seus frutos”. Essa nova
nação é a Igreja. Os judeus, na qualidade de judeus, deixaram de ser o povo
especial de Deus. Há uma nova nação. Ej amais haverá um segmento judaico na
Igreja, numa posição diferente do segmento gentílico. Tudo isso acabou. Essa é a
afirmação feita pelo próprio Senhor. Vocês recordam como o apóstolo Pedro diz
a mesma coisa em

1 Pedro 2:9 e 10: “Vós”, diz ele (usando sobre a Igreja, composta por judeus e
gentios, as mesmas palavras que Deus dissera à nação de Israel

pouco antes da dádiva da lei), “Vós” (a Igreja) sois a geração eleita, o sacerdócio
real, a nação santa, o povo adquirido” (“um povo peculiar”, VA). Essa é a nova
nação. E não é uma mistura de judeu e gentio, mas um novo homem; o judeu
acabou, o gentio acabou, uma nova criatura. Não há mais, diz Paulo, judeu nem
gentio, bárbaro, cita, escravo nem livre, homem nem mulher. Graças a Deus tudo
isso acabou, há tão-somente um novo homem, em Cristo Jesus.

O modo como Ele faz a paz pode ser expresso finalmente da seguinte maneira:
eu e você temos paz e gozamos paz um com o outro, e há paz na Igreja, somente
se compreendemos e praticamos os princípios que acabamos de enunciar. Em
última análise, há somente dois grandes princípios. Temos que parar de pensar
em nós mesmos da maneira antiga e nos velhos termos, em todos os aspectos.
Como cristãos, como membros da Igreja, temos que parar de pensar uns
nos outros em termos de nacionalidade. Politicamente ainda fazemos isso. Na
Igreja Cristã temos que deixar de fazê-lo. Temos que esquecer tudo isso. Temos
que deixar de pensar nas pessoas em termos do seu nascimento natural, ou em
termos de sua capacidade. Todas estas coisas dividem: nacionalidade,
nascimento, educação, casta, todas estas coisas dividem. Na Igreja e como
cristãos, não devemos pensar mais em nós mesmos nestes termos, porque no
momento em que começarmos a introduzir essas categorias, não haverá mais
paz; haverá divisão, separação, inimizade. Não somente isso, não devemos nem
mesmo pensar mais uns nos outros em termos da nossa vida e do nosso
comportamento anteriores - a nossa anterior bondade ou maldade, a nossa
anterior moralidade ou imoralidade. Isso não importa, não pesa na Igreja.
Na Igreja Cristã o homem altamente respeitável não deve olhar para outro e
dizer: lembro bem o que ele era, lembro de onde ele veio; terá esse homem igual
direito na Igrej a? Isso é apropria antítese da paz. É a atitude do irmão mais
velho condenada pelo nosso Senhor na parábola do Filho Pródigo. Todas essas
categorias foram-se.

Irei mais longe. Na Igreja Cristã, até a sua religião anterior você esquece. Não
importa se você era muito religioso ou não, a questão é se você é cristão agora.
Você pode ter sido muito devoto; não importa - é possível ser devoto sem ser
cristão. Tudo isso acabou. Os velhos termos e categorias não se aplicam mais, e
na esfera da Igreja você não faz mais nenhuma daquelas perguntas acercade um
homem. Você simplesmente olha para ele e vê nele as marcas de Cristo. Talvez
vocês se lembrem da imortal história relacionada com o velho Philip Henry, pai
do comentador

Matthew Henry. Philip Henry, quando jovem, enamorou-se de uma senhorinh a


pertencente a uma posição muito mais elevada que a dele na vida. Ela também se
enamorou dele. Então houve a questão sobre como conseguir o consentimento
dos pais dela. Eles perguntaram à filha: “Esse homem, esse Philip Henry, de
onde veio?” E ela respondeu: “Não sei de onde veio, mas sei para onde vai”.
Esse é o ponto. Não é de onde ele vem que importa. Para onde ele vai? Estaria
ele destinado à glória, a Deus, à eternidade na presença de Cristo? Pertence ele
a Cristo? Essa é a questão que importa. Nada mais importa nessa esfera, pois no
momento em que você introduzir outras considerações, introduzirá divisões.

Assim faço uma colocação positiva, da seguinte maneira: sempre devemos


pensar em nós e conceituar-nos desta nova maneira. Sempre! O fracasso nestas
duas coisas sempre leva à dificuldade. Há notáveis ilustrações disto no próprio
Novo Testamento. Vocês se lembram de como o nosso Senhor pegou os seus
mais chegados apóstolos e discípulos discutindo um dia? Sobre o que discutiam?
Qual deles seria maior no reino! E Ele voltou-Se para eles e disse: vocês
não entendem; no Meu reino as coisas são absolutamente diferentes dos reinos
do mundo. Nos reinos do mundo os grandes homens são servidos por outros
homens; no Meu reino a grandeza consiste em servir. “O Filho do homem”, diz
Ele, “não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate
de muitos”. “E, qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo”
(Mateus 20:27-28). Inversão total; porém eles não o compreenderam.

Há um relato de algo similar no capítulo seis do livro de Atos dos Apóstolos,


quando a Igreja mal tinha acabado de nascer. Eis o que lemos: “Ora, naqueles
dias, crescendo o número dos discípulos, houve uma murmuração dos gregos
contra os hebreus, porque as suas viúvas eram desprezadas no ministério
cotidiano” (ARA: “...na distribuição diária”). Essas pessoas eram convertidas,
estavam salvas e tinham-se tornado cristãs, mas não tinham aprendido esta lição.
Gregos, hebreus! Não é justo, diziam; estavam se dividindo em termos de
diferenças culturais, e a paz logo se fora.

Outra notável ilustração acha-se em Atos, capítulo 15: “E alguns dias depois
disse Paulo a Barnabé” - Barnabé era um bom homem, vocês se lembram, “o
filho da consolação”; ele e Paulo tinham viajado juntos - “disse Paulo a Barnabé:
tornemos a visitar nossos irmãos por todas as cidades em que já anunciamos a
palavra do Senhor, para ver como estão. E Barnabé aconselhava que tomassem
consigo a João,

chamado Marcos. Mas a Paulo parecia razoável que não tomassem consigo
aquele que desde a Panfília se tinha apartado deles e não os acompanhou naquela
obra”. João Marcos tinha desertado numa viagem anterior, e Paulo dizia: não,
não está direito levá-lo. “E tal contenda houve entre eles, que se apartaram um
do outro. Barnabé, levando consigo a Marcos, navegou para Chipre. E Paulo,
tendo escolhido a Silas, partiu, encomendado pelos irmãos à graça de Deus.” Por
que foi que Barnabé quis que João Marcos fosse com eles? - vocês
pensarão. Eles eram parentes! E este excelente e nobre cristão, Barnabé,
esquecendo por um momento a doutrina, disse: vamos levar Marcos conosco. E
a sua única razão para isso era que Marcos era seu parente. Na Igreja Cristã você
deve esquecer isso. Você não deve levar seu parente consigo se ele já falhou e se
há alguém melhor; não dê preferência a um homem porque pertence à sua
família. Não, nem judeu nem gentio; o velho homem se foi. Trata-se de algo
novo! Não arraste para dentro as suas relações familiares. Quantas vezes se faz
isso! Vejo-o com muita freqüência. Um homem é chamado por Deus para iniciar
uma obra, homem indubitavelmente chamado por Deus, e depois, quando
se aproxima da morte, nomeia ao seu filho como o seu sucessor. As vezes pode
estar certo; muitíssimas vezes pode estar errado, e vocês verão a obra começar a
decair e a definhar, e finalmente acaba morrendo. Por quê? Porque o filho não
fora realmente chamado por Deus. É muito natural, concordo, porém não é
cristão. Paulo e Barnabé se separaram porque a questão das relações de família
entrou em cena.

Este perigo de deixar que o passado se intrometa vê-se em toda parte. Lembram-
se de como Paulo teve que resistir a Pedro na cara por causa desta mesma
questão? Certas pessoas tinham descido de Jerusalém, certos judeus, e disseram
a Pedro: você não deve comer com os gentios. Pedro lhes deu ouvidos, e surgiu
uma divisão. Todo o esforço dos judaizantes se baseava nisso. Eles diziam: você
sabe que não basta crer em Cristo, você tem que ser circuncidado também. E
com isso eles causavam divisão. Eles não compreendiam que o antigo se fora.
A circuncisão não tem mais importância. Jánãoimportao judeu <j«ajudeu - o
judeu porque judeu.

De muitas maneiras, a mais perfeita ilustração do que estou tentando dizer acha-
se na Primeira Epístola aos Coríntios. A igreja de Corinto estava em grande
dificuldade, e Paulo teve que escrever-lhe uma carta. Havia divisões
pecaminosas, primeiramente quanto a homens. “Eu sou de Paulo. Eu sou de
Apoio. Eu sou de Cefas.” Qual é o melhor pregador? Qual o mais eloqüente? De
qual deles você gosta?

Servindo, seguindo homens; colocando homens adiante de Cristo! Isso é o velho


homem, é a carnalidade, é o que o mundo faz. Não deve acontecer isso na Igreja
Cristã. Que mais? Moviam ações legais uns contra os outros; havia certas
disputas, e as levavam aos tribunais públicos. O apóstolo Paulo diz: “Vocês não
estão agindo como cristãos.” Se vocês tivessem alguma idéia do que é a Igreja,
nomeariam o mais humilde membro da igreja como juiz e árbitro. Você levaria a
sua causa a ele, e se ele decidisse contra você, você diria: eu me
submeto; alegra-me fazê-lo por amor ao corpo de Cristo. Isso é o novo! Que
mais? Os irmãos fortes e os fracos! A questão é tratada em 1 Coríntios,
capítulo 8. O irmão forte dicernia melhor a verdade do que o outro, e
eles brigavam por isso. O irmão forte desprezava o fraco, e com isso o
fazia tropeçar. Paulo diz: não destruam com a sua comida o irmão por
quem Cristo morreu. Apercebam-se da nova relação. Vocês são irmãos
em Cristo, renunciem à sua comida por amor da paz e da concórdia, e
pela felicidade cristã. “Pelo que, se o manjar escandalizar a meu irmão, nunca
mais comerei carne, para que meu irmão não se escandalize” (1 Coríntios 8:13).
De fato, em Corinto se dividiam até sobre a questão dos dons espirituais. Os que
tinham dons ruidosos, espetaculares, gabavam-se disso e desprezavem os outros;
o olho dizia ao pé: “Não tenho necessidade de ti”, e assim por diante. Tudo
porque não tinham compreendido a doutrina da Igreja como o corpo de Cristo.
Falhar nisso sempre leva a divisão.

Mencionei há pouco que bens materiais não deveriam entrar nesta esfera. Tiago
trata disso, vocês se lembram, no capítulo dois da sua Epístola. Diz ele: naigreja,
em sua assembléia, se entrar um homem com um grande anel de ouro, não o
conduza à frente porque ele é rico; e se entrar outro em andrajos, não lhe diga:
você, sente-se lá atrás. Não faça esse tipo de coisa na igreja, diz Tiago; não
reconhecemos essas distinções, não avaliamos os homens por suas roupas ou
seus penduricalhos. Você deve ver a alma, a relação com Deus e com Cristo; e aí
todos são um. “As coisas velhas já passaram, eis que tudo se fez novo.”

Para resumir a questão com uma palavra positiva, vamos a Colossenses 3:15.
Paulo estivera lidando com brigas e disputas. Eis o que convém lembrar, diz ele:
“E apaz de Deus (ou apaz de Cristo), para a qual também fostes chamados em
um corpo, domine em vossos corações”. Você sabe o que ele quer dizer com a
frase, “A paz de Cristo domine em vossos corações”? Quer dizer: a paz de Cristo
aja como mediador; a paz de Cristo aj a como árbitro entre vocês (cf. ARA).
Todos vocês, com as suas posições rivais e as suas diferenças, digam: “A paz

de Cristo decida isto. Não vou decidir; não é questão de direitos meus, de
exigências minhas; estou disposto a concordar com qualquer coisa que promova
a paz de Cristo entre nós, bem como a paz de Cristo em meu coração”. Nomeiem
a paz como árbitro, diz Paulo, e a paz reinará entre vocês.

Somos chamados a um corpo. “Para criar em si mesmo dos dois um novo


homem, fazendo assim a paz.” Esse é o único caminho. E como sei que estou em
Cristo, e olho para outro e sei que ele está em Cristo, que eu posso perdoar e
esquecer, posso juntar as mãos e humilhar-me com ele. Somos todos um em
Cristo, e vamos passar juntos a nossa eternidade na glória. Quando nos
lembrarmos disso, e somente quando soubermos de fato que isso nos caracteriza
verdadeiramente, é que poderá haver uma paz verdadeira, real, duradoura.

Bendito seja Deus pela nova criação em Cristo Jesus!


20

O ÚNICO MEDIADOR

“E pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as
inimizades.” - Efésios 2:16

Com essas emocionantes e gloriosas palavras, o apóstolo continua a sua grande


declaração sobre o método de Deus para reconciliar os homens, e ele mostra
como é removido ainda outro obstáculo a esse resultado desejado. Os efésios,
pagãos como eram, gentios, não somente estavam separados dos judeus, da
comunidade de Israel, também estavam separados de Deus. E, obviamente, não
poderá haver verdadeira unidade entre homem e homem enquanto não houver
esta outra unidade; porque a divisão original em judeu e gentio era totalmente
em termos de relação com Deus. Por isso o apóstolo agora passa a mostrar como
também esta segunda questão foi tratada, e da mesma maneira como antes, pelo
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Mas vocês podem notar que o apóstolo
expressa isso de maneira muito interessante. Em vez de simplesmente expor
como os pagãos efésios foram reconciliados com Deus, ele diz: “E pela cruz
reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades” -
ambos, judeus e gentios. Depois ele nos mostra exatamente como isso foi feito.

O ensino aqui é fundamental e vital, especialmente com relação a toda esta


questão de unidade e paz. Em sua forma geral, podemos expressá-la assim: todas
as divisões, separações e contendas insignificantes e secundárias devem-se em
última instância ao fato de que todos os homens estão separados de Deus. Pois
bem, essa é uma proposição fundamental e universal. O mundo está repleto de
divisões e distinções, países, nações, blocos, grupos, cortinas, um lado e
outro; dentro danação, classes, grupos industriais, capital e trabalho, senhor
ou empregador e empregado, etc.; e ainda, dentro desses grupos,
divisões, rivalidades, invejas. O mundo está repleto de divisões e
separações. Todavia, segundo o ensino das Escrituras, o que é realmente
significativo é que estas divisões de menor importância e secundárias,
divisões, separações e contendas de terceira, quinta, décima categoria, são
causadas por uma única coisa, a saber, que todos os homens estão separados de
Deus e em más relações com Ele.
Essaé a tese geral daBíblia. Não haveriaproblemanenhumna vida

se o homem não tivesse rebelado contra Deus e não tivesse caído e se afastado
de Deus.Todos os problemas são devido a isso. Inversamente, portanto, temos
direito de dizer que a unidade entre os homens só é possível quando os homens
forem reconciliados com Deus. A importância dessa afirmação é óbvia. Há os
que falam levianamente sobre a aplicação do ensino cristão aos problemas, e os
que nos dizem que é tudo muito simples. Mas, conforme este ensino é
impossível, enquanto os homens e as mulheres não forem reconciliados com
Deus. É pura perda de energia, de fôlego e de tempo tentar conseguir
comportamento cristão dos que não são cristãos. Eles não têm condições de
reagir de acordo. A pessoa tem que estar de bem com Deus antes de poder estar
de bem com os seus semelhantes. Lembro-lhes como o nosso Senhor
respondeu quando Lhe perguntaram qual é o primeiro e grande mandamento.
A resposta foi: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua
alma, e de todo o teu pensamento”; e depois: “E o segundo, semelhante a este, é:
amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Entretanto você não conseguirá
praticar o segundo enquanto não praticar o primeiro. Este é um princípio básico,
fundamental.

Vejamos como o apóstolo desenvolve isto. Num sentido ele está passando a um
novo tema. Noutro sentido ele está dando continuidade ao que vinha expondo. O
fato é que ambos são inseparáveis. Por isso ele os liga com a palavra “e”, que
realmente significa neste versículo “em acréscimo”. Que é que o apóstolo está
dizendo? Talvez, a melhor maneira de abordar o assunto seja examinar esta
grande palavra “reconciliar” - “E pela cruz reconciliar ambos com Deus”. A
palavra que de fato o apóstolo empregou e que é traduzida por “reconciliar” é
muito interessante. Só se acha num outro lugar na Bíblia, e esse é
Colossenses 1:20 e 21. Ali ele usa a mesma palavra - porém em nenhum outro
lugar. A palavra “reconciliar” vocês encontram em muitas passagens na Versão
Autorizada (inglesa; como também em Almeida). Vê-la-ão em Romanos 5:10.
Vê-la-ão em 2 Coríntios 5:18,19 e 20. No entanto, em todos esses casos a
palavra utilizada pelo apóstolo não é a mesma que ele utilizou aqui. A raiz é a
mesma; num sentido o significado essencial é o mesmo, mas aqui ele usou uma
palavra muito especial, ele acrescentou um prefixo que não usa noutros lugares.
Portanto, ao expormos isto, devemos tomar a palavra como ele a usou, o prefixo
inclusive.

Que é, pois, que significa a palavra “reconciliar”? Permitam-me opinar que ela
inclui as seguintes idéias e concepções: primeiramente significa a mudança de
uma relação hostil para uma relação

amistosa. Esse é o sentido mais simples, o sentido básico. Contudo, significa


mais. Em segundo lugar, não significa apenas amizade após um afastamento, um
mero desfazer do afastamento inamistoso. Não é apenas levar pessoas que
passavam umas pelas outras sem olhar-se a falar-se outra vez.
Significamais;significarealmentepôrjunto de novo, re-unir, religar. A palavra tem
esse sentido. Em terceiro lugar, a palavra acentua também o completamento da
ação. Significa que a inimizade é eliminada tão completamente que a amizade
toma o lugar. E a ênfase aqui está no caráter completo da ação. Não é remendar
uma desarmonia. Não é fazer uma concessão, o tipo de coisas que tantas vezes
acontece quando uma conferênciajá se alongou dias e dias, e chegou-se aum
beco sem saída, e alguém de repente tem uma idéia brilhante e sugere
a introdução de uma palavra ou fórmula especial, o que só serve para remendar o
problema no momento. Não é isso. E uma ação completa, produz amizade e
concórdia completa onde antes havia hostilidade.

Mas, em quarto lugar, também significa isto: não é meramente que os dois
envolvidos num problema ou numa disputa ou numa contenda decidam entrar
em acordo. Esta palavra utilizada pelo apóstolo implica que é uma das partes que
toma a iniciativa da ação, e que é a parte superior ou mais elevada que o faz.
Um componente dessa palavra indica uma ação que vem de cima. E a palavra
grega “kata”; ela sugere uma ação descendente, que vem de cima. Não é que as
duas partes se juntem como que voluntariamente; é uma delas trazendo a outra a
esta posição de completa amizade e concórdia. E, finalmente, em quinto lugar, a
palavra tem o sentido de restabelecimento de algo que havia antes. Pois bem, a
nossa palavra “reconciliar” (inglês: “reconcile”), que é uma transliteração da
palavra latina, ela própria sugere isso. Reconciliar! Antes eles estavam
conciliados, agora estão re-conciliados, trazidos de volta para onde estavam. A
palavra tem todos esses sentidos, e é especialmente este último ponto que é
introduzido pelo prefixo especial que se vê na palavra utilizada aqui pelo
apóstolo, o prefixo apo, um trazer de volta, o prefixo re. A isso é que se dá
ênfase aqui.

Qual é, então, o ensino do apóstolo? Permitam-me dizê-lo com alguns


princípios. A primeira verdade aqui ensinada é que o pecado separa de Deus.
Todos os nossos problemas são, em última instância, causados pelo fato de que
não entendemos claramente o pecado. O apóstolo já dissera isso no versículo 12,
e o repete aqui. Não há como exagerar a repetição disso. “Que naquele tempo
estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos aos
concertos da

promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo”. O contrário disso é, “ser
aproximado”, ser trazido para perto. O que há de terrível no pecado, justamente
o que somos propensos a esquecer, é que o pecado não é uma mera transgressão
da lei - é isso; que o pecado não é só desobediência - é i sso; que o pecado não é
só errar o alvo - ê isso; a coisa mais pavorosa quanto ao pecado, e mais
devastadora, é que ele significa romper a comunhão com Deus. Quer dizer que
somos cortados, extirpados de Deus, que ficamos fora da relação com Deus, que
ficamos sem Deus. Ora, é isso que o apóstolo salienta aqui. Todavia nem
aí termina. O pecado produz também inimizade entre o homem e Deus. E essa é,
segundo este ensino em toda parte, a condição do homem em pecado. Isso
aconteceu no princípio da história. Deus fez o homem para Si, e o homem estava
em comunhão com Deus. Oh, se tão-somente fixássemos essa idéia como
devíamos! Fomos feitos para Deus, fomos destinados a Deus; nunca fomos feitos
para o mundo, para a carne e para o diabo. O homem foi fetio para Deus, foi
destinado a viver em comunhão com Deus, foi destinado a fruir Deus. E essa era
a sua condição original. Mas a lástima foi que o pecado entrou; e o que há
de terrível quanto ao pecado não é simplesmente que Adão e Eva comeram o
fruto proibido - isso é verdade, foi uma ação praticada, foi rebelião, foi
arrogância, foi uma infração do mandamento de Deus e desprezo da Sua lei -
porém o terrível foi que rompeu a comunhão. O homem estava andando com
Deus e, de repente, deu-Lhe as costas. É isso que há de mais temível no pecado.
Portanto, o problema é esse, é isso que precisa ser endireitado. Não é apenas
uma questão de sermos perdoados por ações particulares. Não é esse o único
problema. O problema básico é: como se pode restabelecer essa comunhão?
Como é possível recuperá-la? ^

É justamente neste ponto que muitos erram em seu pensamento sobre estas
coisas. Isso porque não entendem o significado da morte de Cristo, e da cruz, e
porque não vêem sentido numa celebração da Ceia. Dizem eles: certamente não
há grande problema; quando uma criança faz algo errado, o pai a perdoa e fica
tudo bem; não é assim com Deus? Se eu confessar os meus pecados, se eu disser
que sinto muito, Deus não me perdoará? E a resposta do Novo Testamento é que
não é tão simples assim. Se fosse, o Senhor Jesus Cristo nunca teria vindo ao
mundo; certamente nunca teria ido para a cruz. Não, o problema é problema
de comunhão, é o problema de como se pode restabelecer a comunhão. E isso
não é importante só em nossa entrada inicial na vida cristã; não há nada que seja
mais vitalmente importante para os cristãos em todos os

estágios. Quanto mais cedo começarmos a pensar nos pecados, não


simplesmente em termos de más ações, e sim, em termos de nossa relação com
Deus, melhores cristãos seremos.

Tudo isso é exposto perfeitamente na Primeira Epístola de João, no capítulo


primeiro. Ali vocês têm uma descrição. Cristão é aquele que está em comunhão
com Deus e anda com Deus. “A nossa comunhão é com o Pai, e com seu Filho
Jesus Cristo”, diz João. Diz ele que os apóstolos estão nesta comunhão e que eles
querem que outros a gozem também. Mas então vem a pergunta: como isso é
possível? “Deus é luz, e não há nele trevas nenhumas”; e eu sou pecador e estou
sempre caindo em pecado. No momento em que eu caio em pecado, eu quebro a
minha comunhão com Deus. Não é só que essa ação pecaminosa é má;
estou insultando o meu Companheiro. Estou fazendo na presença do Deus santo,
que é luz, algo que para Ele é odioso e detestável. Como podemos andar em
comunhão? É como João o expressa. Estou dando ênfase a isto por esta boa
razão, que, em minha experiência pessoal e em minha experiência como pastor,
não há descoberta mais importante que o cristão possa fazer em sua batalha
contra o pecado, contra os pecados particulares, do que justamente esta verdade.
O que sempre digo às pessoas é: pare de orar acerca daquela coisa particular que
o leva a cair; faça a oração positiva; pense nisso em termos da sua comunhão
com Deus. Não pense meramente em termos da sua queda e daquela
coisa particular; dê as costas a isso, comece a pensar em si como
companheiro de Deus e de Cristo, e diga: agora estou com Ele e não devo fazer
em Sua presença nada que O desagrade e que O fira. Pense
positivamente! Lembre-se de que Cristo está sempre com você, e então você
passará a odiar aquilo que o faz cair, e aquilo se tornará inimaginável.
Entretanto é isso que nos inclinamos a deixar de fazer, não é? Esquecemos que
o que há de terrível no pecado é que ele é uma violação da comunhão e que nos
separa de Deus. O termo “reconciliação” de imediato nos põe face a face com o
fato de que ficamos fora da comunhão e necessitamos ser restaurados para que
voltemos a gozar a comunhão.

Quando Deus chamou Abraão e formou a nação de Israel, Ele já estava dando
um grande passo para que se efetuasse a reconciliação. O mundo todo tinha
pecado em Adão e tinha caído, afastando-se de Deus e, assim, todos estávamos
separados de Deus. O homem não fez nada a respeito, e não poderia fazer. Mas
Deus fez, Deus agiu. Das massas da humanidade Ele formou uma nova nação
para Si, um povo para ser Sua propriedade peculiar, um povo com o qual Ele
poderia ter comunhão e o qual poderia ter comunhão com Ele, uma nova nação,
uma

nova criação. Essa é a comunidade de Israel. E o restante estava fora dessa


comunidade, ainda sem comunhão com Ele. O Seu povo estava em comunhão
com Ele, o restante não. Ora, se não captamos esta verdade, há um sentido em
que não entendemos nada do Velho Testamento. Esta história constitui a soma e
a substância do Velho Testamento, a história da formação do povo de Deus -
Deus formando este povo peculiar para Si - e da relação entre eles. Todavia,
desafortu-nadamente, isso não foi suficiente, pois o apóstolo nos diz aqui que
os judeus, como os gentios, necessitavam ser reconciliados com Deus. Tanto os
judeus como os efésios precisavam de reconciliação. Porquê? O Novo
Testamento dá a resposta. Todos os sacrifícios levíticos, as ofertas queimadas e
os sacrifícios, a morte do cordeiro pascal e do cordeiro diário e a apresentação
do sangue, e todo o restante deste cerimonial rico e complexo, realmente não
foram suficientes; tudo isso era apenas uma sombra de algo que viria, era apenas
umacobertura sobre os pecados dos homens. “Porque é impossível que o sangue
dos touros e dos bodes tire o pecado” (Hebreus 10:4): cobria o pecado,
porém realmente não atingia o problema. Era suficiente para a ocasião. Mas,
de acordo com este mesmo apóstolo Paulo, no capítulo três da Epístola
aos Romanos, era necessário que Deus justificasse aquele tratamento dado aos
pecados, e Ele o justificou na cruz do Calvário. Ele teve que justificar-Se para a
remissão dos pecados passados, e Ele e o fez na cruz.

No entanto, o problema não era só esse. E pena, mas judeus precisavam ser
reconciliados por esta razão também, que eles tinham entendido tão inteiramente
mal o que Deus tinha feito em Abraão, e na nação, que eles achavam que o
simples fato de que eram descendentes físicos de Abraão os salvava. João
Batista sabia disso, porque, quando começou a pregar àqueles judeus, ele disse:
“Não presumais, de vós mesmos, dizendo: temos por pai a Abraão; porque eu
vos digo que, mesmo destas pedras Deus pode suscitar filhos a Abraão” (Mateus
3:9). Mas era o que diziam. Certa ocasião o Senhor Jesus Cristo disse a eles: “Se
vós permanecerdes na minha pal avra, verdadeiramente sereis meus discípulos; e
conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Eles, porém, se ofenderam e
disseram: “Somos descendência de Abraão, e jamais fomos escravos de alguém;
como dizes tu: sereis livres?” (João 8:33, VA e ARA). Os judeus tinham
entendido tudo errado; pensavam que devido serem judeus estavam em boas
relações com Deus, mas com isso trouxeram condenação sobre si. Precisavam
ser reconciliados. E além do mais, como vimos em ocasião anterior, a atitude
deles para com os gentios era terrivelmente pecaminosa. Eles os consideravam
como

cães, desprezavam-nos como forasteiros. Por estas diversas razões eles


precisavam ser reconciliados com Deus.

Isso nos leva ao próximo princípio, que é que o judeu e o gentio são
reconciliados com Deus exatamente da mesma maneira, não diferentemente. “E
pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo” - esse é o ponto, essa é a
ênfase aqui. Ora, “um corpo” não se refere ao corpo físico do Senhor Jesus
Cristo. “Um corpo” é a Igreja. Assim, o que ele ensina é que os judeus e gentios
são reconciliados com Deus exatamente da mesma maneira; não há mais
diferença alguma entre eles. Há somente um modo de ser reconciliado com
Deus. “Há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus
Cristo homem” (1 Timóteo 2:5). Não há caminhos diferentes rumo ao reino de
Deus para o judeu e o gentio; há somente um caminho, e este é, de novo, “um
corpo”. A razão pela qual dou ênfase a isso é que há um ensino muito popular,
porém que, à luz deste versículo e doutros, parece-me terrivelmente,
perigosamente antibíblico e que afirma que agora, durante esta dispensação, é
em Cristo e por Sua graça e Sua morte que os homens são salvos, mas que no
futuro os judeus serão salvos pela observância da lei. A eles será pregado, não o
evangelho da graça de Deus, e sim o “evangelho do reino”, e a lei, e eles
guardarão a lei e entrarão no reino pela guarda da lei. Digo de novo,
deliberadamente, que isso é uma negação do fato de que há um só modo pelo
qual o homem pode ser reconciliado com Deus, a saber, mediante Jesus Cristo, e
Este crucificado. Não há acesso à presença de Deus, exceto por intermédio do
único Mediador; “reconciliar ambos com Deus em um corpo”, e é este o único
corpo, o único caminho. E neste úniço corpo, a Igreja; e homem nenhum jamais
foi nem jamais será reconciliado com Deus, a não ser por este meio. Abraão e os
santos do Velho Testamento, todos aqueles cujos pecados foram cobertos, estão
realmente reconciliados com Deus em Cristo. Nas gerações futuras todos serão
reconciliados da mesma maneira. É pela graça de Deus, e unicamente pela graça
de Deus, que todo e qualquer homem pode ser salvo.

Assim, passo ao próximo princípio, que expresso da seguinte maneira: a


reconciliação é realizada e produzida pelo Senhor Jesus Cristo. Para Ele
“reconciliar”, VA; “E para que Ele” - Ele, o Senhor Jesus - “reconciliasse ambos
com Deus em um corpo”. Ele! Ah, se todos pudéssemos entender isso
claramente! Não há esperança para o homem fora de Cristo. Ele veio ao mundo
porque Ele é o único caminho.

Nenhum homem, torno a dizê-lo, nunca pôde nem poderá salvar-se por seus
próprios esforços e lutas, não importa o que lhe preguem. Tampouco a lei pode
salvá-lo; como Paulo diz: “O que era impossível à lei, visto como estava
enfermapelacarne...” (Romanos 8:3). Cristo tinhaque vir. “Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo”, e não há outro caminho. Aqui o apóstolo dá
ênfase ao Senhor Jesus Cristo. Foi Deus que O enviou, mas foi Cristo que, com a
Sua vinda e com toda a Sua obediência ativa e passiva, o realizou. “Ele é a nossa
paz”, e somente Ele é a nossa paz. Digo e repito que, se não atribuirmos todo o
louvor, toda a honra e toda a glória ao Senhor Jesus Cristo, não somos cristãos. E
Sua ação\ é ação de Deus em Cristo e por meio dEle. O homem está morto em
ofensas e pecados, é um inimigo e estranho em sua mente pelas suas más obras;
ele odeia a Deus; não faz nada realmente bom, e não é capaz de fazê-lo. Como
seria possível a reconciliação? Encontramos a resposta na definição da palavra: é
uma ação do alto, é um movimento da parte de Deus, do Deus contra quem nos
rebelamos e a quem demos as costas. E Ele que inicia o grande movimento. Ele
o começou no Velho Testamento. Ele o continua no Novo; é perfeito. É Sua
ação. E tudo em Jesus Cristo. E tudo a graça de Deus em Cristo. “Deus estava
em Cristo reconciliando consigo o mundo.” Essa é a mensagem.

Mas, em particular se vê que o apóstolo afirma que foi ‘‘pela cruz “E pela cruz
reconciliar ambos com Deus em um corpo.” Volta a chamar a atenção de vocês
para a maneira pela qual o apóstolo vai repetindo estas coisas. “Mas agora em
Cristo Jesus”, dissera ele no versículo treze, “vós, que antes estáveis longe, já
pelo sangue de Cristo chegastes perto.” Aqui ele não se restringe a dizer para
“reconciliar ambos com Deus em um corpo”; ele inclui - “pela cruz”. Ele
introduz isto porque tem que introduzi-lo. Não háreconciliação sem acruz.Eque é
que a cruz significa? A passagem paralela de Colossenses 1:20 o
diz perfeitamente: “Havendo por ele feito a paz pelo sangue de sua cruz”. É a
morte, a vida entregue abnegadamente, o sangue derramado, a vida vertida. E
como Deus faz a paz, é como Cristo faz a paz, é como se concretiza a
reconciliação.

Não há possibilidade de reconciliação sem a morte do Senhor Jesus Cristo na


cruz do Calvário. Por quê? Bem, aí está o último ponto: “...matando com ela a
inimizade” - com ela, nela, por meio dela. Chegamos aqui à questão que o povo
gosta de levantar. Por que foi indispensável amorte de Cristo na cruz, e como é
que elanos reconcilia? Vocês verão estranhas respostas dadas a essas perguntas,
respostas que

me parecem incapazes de reconciliar-se com a declaração do apóstolo. Alguns


dizem que o que acontece é que “Deus perdoa a cruz”; que homens cruéis levam
o nosso Senhor à morte, porém, Deus lhes perdoa até isso. Dizem eles que todos
nós estávamos lá. “Você estavalá quando crucificaram o meu Senhor?” Sim, eles
respondem, você estava, você estava num dos grupos - o soldado, o fariseu, ou
um deles, e você o crucificou; ah, mas esta é a mensagem: Deus perdoa até isso.
Mas isso não é fazer a paz pela cruz. Isso é fazer a paz apesar da cruz, o que
é exatamente o oposto. Contudo, o que o apóstolo ensina em toda parte é que
Deus, Cristo, faz a paz pela cruz, através, por meio da cruz. Outra explicação
dada é que Deus sempre produz o bem, mesmo do mal. José, em seus dias, viu
isso. José disse aos seus irmãos: “Vós bem intentastes o mal contra mim, porém
Deus o tomou em bem...”; vocês me venderam maldosamente, vocês intentaram
algum mal; ah, sim, mas Deus o tomou em bem, e Ele sempre faz isso. A
suprema ilustração disso, dizem eles, é que até o mal da cruz Deus tornou em
bem. Os homens praticaram má ação, entretanto Deus a tornou em algo
maravilhoso. Será isso salvarmos e reconciliar-nos pela cruz? Não! Torno a dizer
que isso é apenas uma maneira de dizer que Ele nos salva apesar da cruz. Isso
não é salvar pelo sangue da cruz. Isso não é fazer a paz pelo sangue da cruz -
através ou por meio do sangue da cruz. Ainda outros dizem que significa
que, quando eu contemplo Cristo ali, morrendo inocentemente na cruz, o meu
coração se quebranta ao compreender eu a pecaminosidade e a enormidade disso
tudo. Mas isso tampouco resolve, porque também não é fazer a paz pelo sangue
da cruz. Segundo Paulo, isso aconteceu, isso foi realizado; não é algo que só
acontece quando eu me dou conta do que aconteceu na cruz; foi feito uma vez
por todas, a ação foi completa, no Calvário - “Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo”. Ele o fez uma vez para sempre. É uma coisa
muito mais profunda do que qualquer dessas explicações.

O ensino verdadeiro é que, antes de ser possível a reconciliação, algo tem que
acontecer da parte de Deus, bem como da nossa parte. O pecado trouxe
inimizade entre ohomem eDeus. Deus odeia o pecado. A ira de Deus manifesta-
se contra o pecado. E antes que possa haver reconciliação, antes que Deus possa
abençoar de novo, esta inimizade terá que ser removida pelo sangue da cruz. Por
que ele menciona o sangue, por que a cruz, por que a morte? Porque essa é a
explicação de todo o ensino do Velho Testamento acerca dos sacrifícios. Esse foi
o método de Deus, foi Deus que ordenou isso tudo como figura daquilo

que seria feito em Cristo. Não era assim que o faziam? Tomavam o animal e
punham as mãos sobre a suacabeça. Que é que significava isso? Eles estavam
transferindo simbolicamente os seus pecados e os pecados do povo ao animal.
Depois o animal era morto e o seu sangue era derramado; e o sangue era
apresentado como oferta; o animal era oferecido como um sacrifício. Esse é o
ensino. E é precisamente esse o ensino do Novo Testamento acerca da morte de
Cristo na cruz. “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes
imputando os seus pecados.” Por que não? Porque Ele imputou os pecados
do mundo aEle\ Deus tomou os meus pecados e os seus e os colocou sobre a
cabeça de Cristo, e então, na qualidade de Cordeiro de Deus, Ele O matou. Não
lhes imputando os seus pecados! Porque “Aquele que não conheceu pecado, o
fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios
5:21). Pelo sangue da Sua cruz! Pela cruz Ele o fez! A inimizade - a inimizade
contra Deus foi posta sobre Cristo e ali foi eliminada. Ele a matou ali. Esse é o
ensino. Esse é o significado do grito de desamparo: “Meu Deus, meu Deus, por
que me desampa-raste?” Visto que o sangue de Cristo, o sangue do Cordeiro de
Deus, foi derramado sobre o Calvário, o caminho da reconciliação está livre.
A inimizade foi removida, e Deus pode olhar para o homem com benig-nidade e
está pronto a abençoá-lo, a recebê-lo e a restaurá-lo. Os judeus precisavam disso,
os gentios precisavam disso, e, juntos em Cristo, eles o receberam. Em Cristo,
pelo Seu sangue, eles podem entrar juntos no “Lugar Santíssimo”. Que
evangelho maravilhoso, que declaração estupenda! Que aconteceu no Calvário?
Cristo foi morto. Sim, mas por Sua morte Ele matou a inimizade! Ele fez dos
principados e potestades um espetáculo público, cravou na cruz a lei, e o homem
foi reconciliado com Deus. Todos são reconciliados da mesma maneira, em
Cristo. Seja você judeu ou gentio, bárbaro ou cita, escravo ou livre, homem
ou mulher, bom ou mau, alto ou baixo, você terá que vir dessa maneira. Cristo
morreu pela Igreja. Ou, como diz o apóstolo Paulo em seu discurso de despedida
aos presbíteros da igreja de Efeso: “...a igreja de Deus, que ele resgatou com seu
próprio sangue” (Atos 20:28). Um corpo! O único modo de reconciliar Deus
com o homem, e o homem com Deus, é pela cruz, pela morte de Cristo, que
mata a inimizade, que remove todos os pecados. “O sangue de Jesus Cristo, seu
Filho, nos purifica de todo o pecado.”
21
PAZ COM DEUS

“E, vindo, ele evangelizou a paz, e vós que estáveis longe, e aos que estavam
perto. ” - Efésios 2:17

O apóstolo, neste versículo particular, dá mais um passo adiante em sua grande


declaração concernente à salvação. Sua tese é: Deus em Cristo reuniu na Igreja
os judeus e os gentios, fazendo deles um corpo e assim os reconciliando conSigo
pela morte do nosso Senhor na cruz. Ele nos disse como o Senhor Jesus Cristo,
por Sua morte na cruz, derrubou a parede intermediária de separação. Foi no
Calvário que a parede de separação que estava no meio foi derrubada uma vez
por todas. Na cruz; nem antes, nem depois. O véu do templo não foi rasgado
antes que o nosso Senhor morresse na cruz. É a cruz que realiza isso. O
nosso Senhor não o fez por Seu ensino nem por Seus milagres. Foi no
momento da Sua morte que o véu foi rasgado. A lei dos mandamentos
nas ordenanças foi abolida. Não somente isso, Ele fez também “dos dois
um novo homem”; uma grande unidade é possibilitada. E finalmente ele nos
disse como foi que pela morte de Cristo na cruz Deus reconciliou desse modo o
judeu e o gentio conSigo.

Mas, obviamente, isso não é suficiente só por si. Pensem na humanidade em


pecado. Deus enviou Seu Filho para abrir um caminho de salvação. O Filho fez
tudo o que Ele foi enviado para fazer. Ele obedeceu ao Pai em todas as coisas;
Ele cumpriu a lei positivamente, ativamente; Ele sofreu, passivamente, a punição
dos nossos pecados em Seu corpo na cruz. Temos salientado isso tudo - e o
repito porque precisa ser repetido, porque é comum pregarem sobre a cruz sem
sequer mencionarem a imputação e a punição dos pecados.
Contudo, aprofundamo-nos nisso e o examinamos em detalhe.

Mas agora surge a questão: como é que tudo isso que foi feito e que foi
preparado chega a nós? o versículo que estamos focalizando agora responde
essa pergunta. “E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós que estáveis longe e aos
que estavam perto.” Noutras palavras, tendo aberto o caminho e a possibilidade,
o Senhor agora nos vem e nos diz que Ele, tendo feito o que fez, proclama-o,
anuncia esta boa notícia, que a paz entre o homem e Deus, paz da qual o homem
angustiosamente

necessita, é obtenível.

Há muito desacordo sobre o que significa exatamente o nosso versículo, e o que


ele diz exatamente. Ele se refere ao Senhor Jesus Cristo. Ele é Aquele que fez
todas as coisas que estivemos considerando, para “pela cruz reconciliar ambos
com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades”; e, “vindo ele
evangelizou a paz, avós que estáveis longe, e, aos que estavam perto”. O Senhor
Jesus Cristo é Aquele de quem Paulo está falando; é Sua ação. Os dois
conceitos possíveis são os seguintes:

Primeiro, há os que dizem que este versículo é uma referência ao que o nosso
bendito Senhor fez enquanto esteve neste mundo. As palavras que temos que
considerar são: “vindo, ele evangelizou apaz”. Que significa este “vindo”? Um
grupo gostaria de fazer-nos acreditar que é uma referência à encarnação, à
primeira vinda de nosso Senhor, e ao Seu ministério terreno, descrito nas páginas
dos quatro Evangelhos. O segundo conceito é o que afirma que esta é uma
referência à pregação do Senhor Jesus Cristo por intermédio dos apóstolos; não à
Sua pregação feita pessoalmente por Ele, mas à Sua pregação mediante a
Igreja, mediante os apóstolos - o que aconteceu depois da Sua morte,
ressurreição e ascensão e subseqüente envio do Espírito Santo sobre a Igreja no
dia de Pentecoste.

Embora sej a um ponto interessante, não é, felizmente, uma questão vital, num
sentido final. Contudo, é de interesse e, portanto, devemos vê-lo de passagem.
Há certas considerações que, ao que me parece, militam fortemente contra o
primeiro conceito. Lendo os Evangelhos, vocês verão que o ministério do nosso
Senhor limitou-se aos judeus. Ele dizia de Si que não tinha sido enviado “senão
às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mateus 15:24). Ele disse especificamente
aos Seus discípulos: “Não ireis pelo caminho das gentes” - dos gentios (Mateus
10:5). O Seu ministério estava limitado aos judeus. Vocês recordam o incidente
da mulher siro-fenícia. Quando ela veio pedir uma bênção para a sua filha, a
resposta dEle foi: “Não convém tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos
cachorrinhos” (Marcos 7:27). Essa era a Sua atitude em toda parte. Todavia, não
é tão simples assim, porque vemos que ocasionalmente em Seu ensino Ele
mostrava que realmente viera para todos, tanto para os judeus como para os
gentios. Creio que há uma insinuação disso mesmo na grande declaração de
Lucas 4:18, com a Sua citação de Isaías, capítulo 61, onde se vê que Ele estava
pregando um evangelho para todos os povos, especialmente na seqüência do
Seu discurso. Ele disse também, certa ocasião: “Ainda tenho outras ovelhas

que não são deste aprisco” (João 10:16) - clara referência aos gentios. E depois
vocês se lembram de que, embora tenha recusado o pedido de André e Filipe que
fosse ver os gregos que tinham vindo e disseram: “Queríamos ver a Jesus”, não
obstante Ele continuou e disse: “E eu, quando for levantado da terra, todos
atrairei amim” (João 12:21,32). Foi uma clara predição de que Ele ia fazer algo,
mediante Sua morte, que abriria a porta de entrada até para os gregos, para os
gentios, para os que estavam “longe”. Parece-me, pois, que um bom exame dos
quatro Evangelhos leva-nos à conclusão de que, conquanto o nosso Senhor tenha
limitado deliberadamente o Seu ministério e o dos Seus discípulos aos judeus
durante a Sua vida na terra, Ele deu ocasionais indicações de que haveria algo
mais amplo e maior depois que Ele realizasse na cruz a obra que fora enviado
para realizar.

Minha decisão é, pois, que, no geral, a segunda interpretação é melhor; que o


que o apóstolo está realmente dizendo aqui é que Cristo, por meio dos apóstolos,
por meio dos Seus servos, pregou este evangelho de paz com Deus, o qual Ele
tornou possível com a obra perfeita que Ele realizou na cruz. Há um sentido em
que Ele nunca poderia ter feito isso durante a Sua vida na terra porque os
homens não poderiam entender o significado da cruz; mesmo os apóstolos
não puderam, sempre tropeçavam nisso. Era necessário que a obra
fosse consumada, que Ele ressuscitasse, que o Espírito Santo fosse dado,
antes de poder acontecer isto. E assim aconteceu. Vocês podem notar que
o primeiro versículo do livro de Atos diz-nos que o escritor, Lucas, lembra a
Teófilo “tudo o que Jesus começou a fazer”. Agora lhe vai falar acerca das coisas
que Jesus continuou a fazer. E é esse o significado do livro de Atos - é o registro
dos atos do Senhor ressurreto por meio da Igreja. V ocês recordam como Pedro e
João, tendo curado o homem junto à Porta Formosa do templo, disseram: “... por
que olhais tanto para nós, como se por nossa própria virtude ou santidade
fizéssemos andar este homem...pela fé no seu nome fez o seu nome fortalecer a
este que vedes e conheceis” - referindo-se a Cristo - “fortalecer a este...”. “Em
nome de Jesus Cristo, o Nazareno”; quem o faz é Ele, por assim dizer, mediante
os apóstolos. Isto é algo que todos nós devemos conhecer bem. Escrevendo aos
coríntios, diz o apóstolo Paulo: “Somos embaixadores da parte de
Cristo...Rogamo-vos pois da parte de Cristo que vos reconcilieis com Deus”. E,
naturalmente, há o tremendo fato de que foi Pedro que disse, no dia de
Pentecoste: “A promessa vos diz respeito (falando primeiramente aos judeus e
aos prosélitos), a vossos filhos, e

a todos os que estão longe”. Aí está o primeiro grande, inequívoco e explícito


pronunciamento de que de fato o evangelho é para ser pregado a todos. E eu
afirmo que o próximo versículo desta nossa seção, a saber, o versículo 18, onde
o apóstolo imediatamente se refere aos Espírito Santo, é uma confirmação disso.
A afirmação que ele faz no versículo dezessete o faz logo pensar no Espírito, e
isso o leva à sua próxima afirmação. Mas, para mim, a prova conclusiva e final
vê-se claramente em I Timóteo 3:16, onde o apóstolo lança uma declaração
extraordinária. Diz ele: “Sem dúvida alguma grande é o mistério da piedade:
Deus se manifestou em carne, foi justificado em espírito, visto dos
anjos, pregado aos gentios, crido no mundo, e recebido na glória”. Vocês podem
notar a seqüência. “Pregado aos gentios” vem depois não somente de “foi
justificado em espírito”, mas também de “visto dos anjos”, o que, para mim, é
uma inequívoca referência à Sua morte na cruz. Há, pois, um sentido em que é
evidente que essa era a seqüência na mente do grande apóstolo.

Então, essa é mais ou menos a mecânica do nosso texto, interessante e


importante, e digna de mais amplo estudo. Todavia o importante é que o apóstolo
está asseverando um fato. Tenha ou não começado com o Senhor em Seu
ministério terreno, o fato é que a mensagem cristã é uma proclamação a judeus e
gentios, a gentios e judeus, de que o caminho da paz com Deus foi aberto por
Jesus Cristo, e Ele crucificado. Essa é a mensagem. E a isso que o apóstolo está
desejoso de que estes efésios se apeguem. E é com isso que ele quer que eles
fiquem admirados, admirados de ser isso possível, de que tenha acontecido, e de
que Cristo assim o esteja pregando, oferecendo-Se a eles, expondo-o diante deles
e convidando-os a agir com base nisso. E essa continua sendo a mensagem que a
Igreja Cristã deve pregar; essa é a sua mensagem ao mundo atual. Portanto, o
nosso dever é descobrir o ensino, a doutrina, desta tremenda declaração. É uma
das mais gloriosas de todas as Escrituras. “E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós
que estáveis longe, e aos que estavam perto.”

Qual é o ensino? Vamos resumi-lo da seguinte maneira: obviamente, a primeira


grande afirmação é que a necessiadade fundamental do homem é paz com Deus.
Essa é a paz que o nosso Senhor prega, a paz com Deus. Temos aí, vocês vêem,
uma continuação da afirmação do versículo anterior. “E pela cruz reconciliar
ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades.” Depois ele
prossegue, no próximo versículo, dizendo: “Porque por ele temos acesso ao Pai
em um mesmo Espírito”. A paz é essa, pois. Aqui não é tanto a paz entre
gentios e judeus; essa fora consumada, agora apaz é com Deus, da qual ambos
necessitam. E por isso que eu gosta daquela outra tradução que diz: “E veio e
pregou a paz a vós, que estáveis longe, e pregou paz a eles, que estavam perto”.
Os judeus necessitavam da paz, tanto como os outros.

E digo de novo que a declaração fundamental é que a suprema e primordial


necessidade do homem é a necessidade de paz com Deus. O homem, perdida a
sua relação com Deus, o homem em pecado, vive inquieto e miseravelmente
infeliz. Há uma exposição maravilhosa disso tudo no capítulo cinqüenta e sete do
livro do profeta Isaías. Não tenho dúvida de que o apóstolo tinha em mente essa
passagem quando escreveu estas palavras. Ela diz: “Paz, paz, para os que estão
longe, e para os que estão perto, diz o Senhor” (versículo 19). Mas então
o profeta continua e diz: “Os ímpios são como o mar bravo que senão
pode aquietar, e cujas águas lançam de si lama elodo”. Aí está afigura, aí está a
explicação - “como o mar bravo”. Todos nós conhecemos bem essa figura do
mar bravio, inquieto. Por que o mar está sempre inquieto, sempre em
movimento? Por que as ondas? Por que o fluxo e refluxo? Os cientistas dizem
que é porque sempre agem sobre o mar duas forças opostas. A primeira delas é a
Lua. A Lua controla em parte as mudanças e os movimentos do mar. Há, por
outro lado, a força magnéticado centro da Terra, uma tremenda atração
magnética. De um lado, a atração e a influência da Lua, e doutro lado, a
influência oposta das forças magnéticas do centro da Terra. E o resultado é que o
mar está em constante movimento; temos as ondas e vagas, e o fluxo e refluxo; e
ocasionalmente ocorre um vendaval que sopra sobre o mar e eleva as ondas
em vagalhões, e temos uma terrível tempestade. “Os ímpios são como o
mar bravo que se não pode aquietar, e cujas águas lançam de si lama e
lodo.” Vocês já andaram pela praia depois de uma tormenta, e viram a lama,
a sujeira, os pedaços de madeirae outras coisas lançadas pelas águas? São os
restos de embarcações e de suas cargas, a sujeira e a lama que ficam na praia
após um tempestade. Que descrição perfeita! Bem, diz Isaías (e é o que está na
mente do apóstolo aqui), é como são os ímpios.

É a figura do homem sem Deus, inquieto como o mar revolto. Qual a causa
disso? A explicação, no sentido espiritual, é a mesma das condições do mar.
Tudo começou no Éden. O homem foi feito por Deus e foi colocado no Paraíso.
Não havia movimento nenhum, nenhuma inquietação no Paraíso, pois somente
uma coisa atuava sobre o homem - Deus! Deus fez o homem à Sua imagem, o
homem estava em correspondência, em comunhão com Deus, fruía Deus, e a sua
vida era
uma vida de inalterada paz e bem-aventurança. Não havia infelicidade, não havia
problema, não havia dificuldade, não havia ansiedade. O homem estava num
estado de inocência e de completa paz, quietude e liberdade. No entanto, o
homem caiu. Deu ouvidos a outra força, a outro poder, e ao lhe dar ouvidos,
ficou sujeito a esse poder. O poder do diabo, o poder do mal, o poder do inferno
começou a atuar sobre ele, e daquele momento em diante a vida do homem foi
de inquietude e conflito. O homem, fora da relação com Deus, é exatamente
como ornar. Continua havendo nele uma rememoração, uma lembrança, da sua
retidão original. Ele não sabe disso, ele não pode dizer nada a respeito; ele
não acredita na Bíblia, não acredita na teologia; não obstante, é um fato.

Há no homem um fator chamado consciência. Ah, quantos não há que gostariam


que não houvesse consciência! Contudo eles a têm, e ela vai lhes falando e os vai
segurando; é uma influência em sua vida. Que é ela? É a lembrança, a
reminiscência da sua retidão original. No fundo do coração o homem sabe que
foi feito para algo melhor. Ele tem senso de justiça, do certo e do errado, do bem
e do mal. Vou além, ele tem até senso de Deus. Não gosta, mas tem; e isso o
perturba. Esse é um lado - a força que vem de cima. Entretanto, há outra força
que o puxa na direção oposta-anaturezahumanadecaída, acobiça, a paixão, o
desejo, o ciüme, a inveja, todas estas coisas feias e horríveis. O apóstolo
fala disso uma vez por todas na capítulo sete de Romanos: “Porque, segundo o
homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus membros outra
lei, que batalha contra a lei do meu entendimento, e me prende debaixo da lei do
pecado que está nos meus membros”. As duas são antagônicas, e o resultado é
que o homem fica inquieto e como as ondas do mar, do mar inquieto, que não
tem descanso. E então, ocasionalmente, vêm os temporais. Refiro-me a alguma
furiosa investida do diabo! Há sempre um ligeiro movimento no ar, todavia nem
sempre dizemos que é uma ventania. Quando o movimento aumenta, toma-
se ventania, vendaval. O diabo está sempre aí, a perturbar-nos, porém
há ocasiões em que ele faz uma furiosa investida, e sofremos um
ataque violento, somos jogados para lá e para cá, e somos lançados
violentamente, como uma tempestade no mar. O diabo e as suas forças
parecem incontroláveis, e as nossas vidas ficam tão turbulentas e agitadas
como o mar na mais violenta tempestade. E não só isso - as
circunstâncias também! Vêm as guerras, vem a enfermidade, um ente querido
cai doente, algo vai mal, e toda anossa vida se transtorna. Não sabemos
onde estamos; abalam-se as nossas bases, como dizemos. Tudo vai rolando para
lá e para cá, como o mar. Vocês vêem como a descrição é perfeita.
Esse é o homem que não tem relação com Deus, o homem resultante da Queda.
Não tem paz, vive inquieto.

Naturalmente, a conseqüência disso tudo é que o homem nunca está satisfeito.


Não há nada que caracterize tanto a vida pecaminosa como a sua inquietude.
Acaso vocês não vêem isso no mundo atual? O mundo alguma vez esteve tão
inquieto como no presente? Vejam a moderna mania de lazer. A que se deve? A
inquietude! As pessoas dizem: vamos sair, vamos fazer alguma coisa; não
podemos agüentar só ficar em casa; isso nos fará enlouquecer. Vamos sair,
vamos esquecer tudo, vamos fugir de tudo. Lazer! Estão tentando livrar-se da
inquietude! Uma nova emoção, um ansioso desejo de algo novo! Escapismo é
o termo usado para isso hoje, e o mundo se enquadrano fato. O mundo
está emocionalmente agitado, e está procurando agitar-se mais ainda. Tem que
receber estímulo na forma de bebidas ou de diversão. Tem que ter algo que
mantenha a coisa andando. É tudo expressão dessa inquietude fundamental,
desse desassossego, dessa falta de paz, dessa falta de tranqüilidade mental. O
homem em pecado não conhece a paz mental, não conhece a paz do coração. E
instável, diz Tiago, como as ondas do mar. Tem mentalidade dupla - isto puxa,
aquilo puxa; sente que devia ser melhor, mas gosta de alguma coisa má; e se vê
puxado de dois lados. Sua vida e seus caminhos são de fato como as inquietas
ondas do mar. Sem nada que o satisfaça!

A analogia é perfeita, não é? Ah, a lama e a sujeira lançadas por tudo isso!
Milhões passam o domingo lendo sobre isso. A lama e a sujeira! Está em todos
os jornais, em toda parte, nas conversas do povo; está se tomando por demais
óbvio. A respeitabilidade está desaparecendo, o pecado está se tornando
escancarado outra vez. A tempestade soprou durante algum tempo, e a lama e a
sujeira estão ficando cada vez mais evidentes. O homem em pecado é isso - sem
paz, sem sossego, sem tranqüilidade; como as ondas revoltas do mar, a sua vida
espirra lama, sujeira e coisas nojentas. O horror e a fealdade disso tudo! E a
tragédia é que, em sua ignorância e cegueira, o homem não percebe nada
disso. Ele não sabe, não entende; acha que os seus problemas são causados pelas
circunstâncias, ou pelo ambiente, ele está sempre em busca de paz e procurando
ter repouso. Mas não consegue; esforça-se quanto pode, e falha.Tudo isso indica
o fato de que a suprema necessidade do homem, a necessidade fundamental do
homem, é a necessidade de paz e repouso, mente serena, coração tranqüilo.

Passemos, porém, ao segundo ponto. A paz é a necessidade de


todos os homens, não somente de alguns. “E, vindo, ele evangelizou a paz, a vós
que estáveis longe, e aos que estavam perto.” Os judeus precisavam da
mensagem tanto como os gentios que estavam longe, e exatamente da mesma
maneira que eles. Pois bem, essa é a grande tese do apóstolo aqui. Ele tem que
estabelecer que os judeus necessitam da mensagem tanto como os gentios. No
entanto, os judeus não conseguiam ver isso. Esse era o seu problema.
Naturalmente os gentios podiam precisar disso! - embora os judeus não
gostassem nem disso, porque achavam que Deus não Se interessava por nenhum
povo, exceto eles próprios. Mas eles certamente não precisavam! Por isso os
fariseus odiavam tanto o nosso Senhor. A pregação do nosso Senhor fazia
os fariseus acharem que até eles eram pecadores, e não gostavam disso. Eles
diziam: somos piedosos, somos religiosos, somos boas pessoas, temos a lei! E
assim o apóstolo Paulo teve que escrever os capítulos dois e três da Epístola aos
Romanos só para mostrar-lhes que eles necessitavam da mensagem de paz tanto
como os gentios. Os judeus achavam que, porque tinham a lei, isso de algum
modo significava que eles a haviam cumprido; que, porque sabiam que havia
uma lei, isso os colocava em boas relações com a lei. E por isso Paulo tem que
dizer: “Pela lei vem o conhecimento do pecado”; elanão os livra dele, não
faz mais que dar conhecimento, mas eles não conseguiam ver isso. Achavam que
os seus privilégios - e eles tinham privilégios, como Paulo mostra - salvavam-
nos automaticamente. Eles tinham os oráculos de Deus, as Escrituras do Velho
Testamento; a lei fora dada a eles, os pais lhes pertenciam, e assim por diante.
Isso era verdade. Todaviaposto que punham a sua confiança nesses privilégios e
em sua posse deles, eles estavam fora do reino. Mas não enxergavem isso.
Assim, a mensagem tem que vir a eles como tem que vir a todos os outros. Não
obstante continua sendo um problema para muitos. Há muitos que pensam que o
evangelho, numa forma evangelística, precisa ser pregado a certas pessoas,
porém não a todas. Acham que certamente isso não é necessário para os que
foram criados em lares cristãos e que, em sua juventude, eram levados à Escola
Dominical e sempre freqüentavam um local de culto. Você não precisa pregar-
lhes evangelisticamente, dizem eles; certamente eles já estão lá, já chegaram
perto. Os que dizem isso não conseguem ver que os que estão perto precisam da
mesma mensagem da qual precisam os que estão longe. Mas precisam, diz Paulo
-“evangelizou os que estavam longe e os que estavam perto”.

Observem ainda que longe e perto são distinções relativas, não são distinções
absolutas. Permitam-me oferecer-lhes uma ilustração.

Vejam o caso de dois vultos que figuram no Novo Testamento, um o apóstolo


Paulo, e outro o carcereiro de Filipos.Considerem-nos a ambos. Vejam Paulo,
hebreu de hebreus, educado como fariseu, sentara-se aos pés de Gamaliel,
conhece a lei e nela tem prazer. Ele serve a Deus, pensa ele, com consciência
pura. Um bom homem, homem de boa moral, homem religioso! Do outro lado, o
carcereiro de Filipos, gentio, sujeito violento, homem pronto a cometer suicídio
quando as coisas vão mal. Olhando para esses dois homens, que é que vocês
dizem deles? Alguém diráinstintivamente: o apóstolo Paulo está muito perto do
reino de Deus; o carcereiro de Filipos está muito longe. E, contudo, o
próprio apóstolo nos diz que, na realidade, os dois homens tinham
idêntica necessidade, que ele tinha tanta necessidade da paz do evangelho
como aquele carcereiro. “Esta é uma palavra fiel, e digna de toda a
aceitação”, diz ele, “que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores” -
gente como o carcereiro de Filipos e como os membros da igreja de Corinto, que
eram adúlteros, fornicadores, mal vistos até pela humanidade, a escória da
sociedade? Não, não; não somente eles, Cristo Jesus veio para salvar os
pecadores - “dos quais eu sou o principal”! Porventura não parece monstruoso,
não parece ridículo que este jovem piedoso, este bom fariseu, esteja na mesma
situação do carcereiro de Filipos? Contudo ele diz que é isso mesmo. Não havia
diferença alguma, pois “Não há um justo, nem um sequer”, estamos todos na
mesma situação. E continua sendo assim hoje.

Falemos com clareza sobre isso. Há alguns que obviamente se acham tão longe
quanto é possível estar do reino de Deus. As pessoas às quais me referi há
pouco, cuja idéia de felicidade consiste em embebedar-se e tornar-se piores que
animais, pessoas que vivem em sentinas de vício e iniqüidade sem jamais terem
um pensamento sobre Deus ou sobre moralidade, porém que só vivem de acordo
com a sua natureza animal, estão, vocês costumam dizer, tão longe do reino
de Deus quanto é possível conceber. Mas há outros que são amáveis, pacíficos,
respeitáveis, que nunca praticam males visíveis aos outros, que odeiam essas
coisas, procuram fazer o bem, empreendem luta moral, trabalham pela elevação
da raça, estão cheios de boas obras, de boas ações, de boas realizações, de
interesses e trabalhos intelectuais, que se interessam pelas coisas da mente etc.,
que freqüentam um local de culto, que são membros de igreja, talvez. A primeira
vista, e superficialmente, as duas posições perecem diametralmente opostas, e a
tendência geral é dizer que elas não têm nada em comum.

Todavia, o propósito geral do evangelho é dizer que, diante de

Deus, elas são idênticas e precisam exatamente da mesma mensagem. O segundo


tipo precisa da mensagem de paz tanto como o primeiro. Paz aos que
estavamperto, como também aos que estavam longe! Aqueles parecem estar às
portas do reino, mas não estão no reino. E no momento em que vocês se puserem
a analisar isso, verão como é verdade. Os seus intelectualistas, os seus moralistas
e os seus idealistas vivem tão inquietos como os outros, e igualmente infelizes.
Não conseguem achar paz, mais do que as outras pessoas. Claro, talvez não
lancem tanta lama e tanta sujeira. O que é óbvio no caso delas não é alguma
prática nojenta, porém os restos do naufrágio são igualmente óbvios. Não é lama
e imundície, talvez sejam pedaços de madeira ou restos de enfeites ou
algo parecido. No caso dos infelizes que levam a vida nas sarjetas, a coisa
é óbvia, é aberta, é visível; todos podem vê-la. A condição do
bêbado cambaleante ou do homem violento é óbvia, todos podem vê-la. Mas
o fato de vocês não poderem ver muito movimento na superfície da vida dos
outros não significa que não haja nenhum movimento. Posso demonstrar que há
um tremendo movimento ali. Por baixo da superfície aparentemente calma e lisa,
há uma revolta em ação, há uma tremenda violência. Como posso saber disso?
Desta maneira: a grande moléstia da humanidade, particularmente do homem
civilizado, é a chamada neurose. As neuroses, dizem-nos, são causadas por
repressões. Que é uma repressão? Algo que você mantém em baixo, que você
não deixa vir à tona, você não parte para a embriaguez ou o adultério. Não,
todavia a luta está ali, a fúria interior, a tempestade, uma verdadeira torrente
de luxúri a e paixões, mantidas por baixo, por assim dizer, nas ali estão.
Não hárepouso, não hápaz. Repressões e neuroses! -manifestando-se talvez em
úlceras gástricas, transparecendo na insônia e na dependência de soníferos. Essa
é a doença do homem moderno e da civilização. As pessoas do primeiro grupo
que descrevi nunca têm que tomar essas drogas; a inquietude toma forma
diferente nelas; as outras se reprimem, e a natureza protesta. A luta é tão grande
que os nervos não agüentam, e assim essas drogas se tornam necessárias. As
duas posições são realmente idênticas. O importante não são os sintomas de uma
doença, e sim a doença propriamente dita; assim vocês vêem que aquelas
pessoas que parecem estar tão perto do reino, que são tão agradáveis e
bondosas, e que estão sempre falando de elevação moral e estão sempre
tentando melhorar a condição do homem e lutam em prol da cultura, são
tão inquietas e doentias como o pecador violento e patente. Elas necessitam de
paz, tanto quanto esse violento.

Mas talvez eu possa provar o meu ponto mais conclusivamente se

lhes peço que examinem experimentalmente os dois tipos, as duas classes. O


teste sobre a nossa situação, como disse quando expus o meu primeiro princípio,
é se conhecemos a Deus. Não é se você acredita em coisas concernentes a Deus.
Não há paz se não há conhecimento de Deus. Aquela boa pessoa das suas
relações, pessoa culta, intelectual, altamente moral, pessoa que pode estar
sempre lendo livros, teologia, e talvez a Bíblia, pode não ter nenhum
conhecimento de Deus. Por isso é inquieta e infeliz. Ela não pode ver a Deus,
está sempre investigando, pesquisando, indo ouvir boas preleções, esperando que
algo vá acontecer; porém, não o possuem. Não o têm mais do que qualquer
outra pessoa. O teste é esse. Tais indivíduos estão atormentados por
algum pecado passado. Têm medo de morrer. Não sabem onde estão, não sabem
que os seus pecados foram perdoados. Não sabem o que os espera no futuro. Não
têm a fé que sustenta no transe da morte, não têm certeza do céu, não sabem que
são filhos de Deus; e o resultado é que vivem inquietos, sentem-se mal e
infelizes. Acaso estou esclarecendo o meu princípio? Não é esse o problema com
eles? Acham-se tão perto e, todavia, tão longe! “Longe” e “perto”, como eu
disse, são termos relativos. A pergunta importante é: você está no reino? E se
você compreender que a pergunta importante é essa, você compreenderá
que, afinal, estar perto não dá nenhuma vantagem sobre estar longe.

Posso oferecer-lhes uma ilustração quase ridícula? Você quer sair, e entra numa
fila de ônibus. O ônibus chega, e você está, digamos, no décimo lugar da fila. As
pessoas começam a entrar no ônibus. Você diz: “Ótimo, eu vou entrar”. O nono
passageiro entra, e o motorista diz: “Ninguém mais, lotado.” Ajudaria em
alguma coisa você ter sido o próximo, se ainda houvesse lugar? O fato é que
você está fora do ônibus, e o fato de você ser o próximo na fila não o ajuda. Ou,
a mesma coisa com alguém que vai pegar um trem, e justo no momento em que
ele vai mostrar o bilhete na entrada da plataforma de embarque, ouve-se o
apito e o trem parte. Diz ele: quase o peguei! - mas isso o ajuda?
Essas ilustrações podem ser divertidas, porém espero que os que se riem façam a
si mesmos esta pergunta solene: “Estou dentro do reino, ou apenas perto?” Pode
ser que você estej a à porta de entrada há muitos anos. Você seria incapaz de ver
que isso não o ajudará? Pergunto: você está dentro? Você conhece a Deus? Você
sabe que os seus pecados estão perdoados? E quando você vai orar a Deus
quando tem algum problema, você sabe que O vê e que você está falando com
Ele? Você tem acesso com confiança e ousadia? Você entra pelo sangue de Jesus
no “Lugar Santíssimo”? Essa, digo eu, é a questão, e não há outra. Tão perto e,

contudo, tão longe! Estar uma polegada fora do reino não é nenhuma vantagem
sobre o homem que está a mil milhas de distância. “Paz aos que estavam longe,
e, aos que estavam perto.” Todos têm necessidade da paz. “Os ímpios, diz o meu
Deus, não têm paz.” “Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus.” Ou,
como Agostinho o diz finalmente em sua experiência pessoal: “Tu nos fizeste
para Ti, e os nossos corações não descansam enquanto não acham repouso em
Ti”. Intelectualistas morais, vocês têm repouso? Está tudo tranqüilo por dentro,
há paz em sua alma, e paz entre vocês e Deus? Esta é a necessidade de todos.

Isso me leva ao derradeiro princípio, que é: Cristo, e somente Cristo, oferece e é


capaz de dar esta paz a todos os que vêem a necessidade dela. E nisso que o
apóstolo se gloria. Cristo o fez e abriu o caminho. Nenhum homem pode achar a
Deus procurando-O. Nenhum homem pode reconciliar-se com Deus. Todavia,
como vimos, Cristo fez a paz entre o homem e Deus pelo sangue da Sua cruz.
Foi ali que Ele aboliu a inimizade, e o fez tomando-a sobre Si. Não somente os
pecados vis, torpes, patentes, flagrantes, mas também os pecados de
justiça própria, de presunção, de arrogância, de moralismo, como se isso
fosse espiritualidade. Ele tomou isso tudo sobre Si. “Levando ele mesmo em seu
corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados,
pudéssemos viver para a justiça; e pelas suas feridas fostes sarados” (1 Pedro
2:24). Foi por causa disso que Ele pôde dizer: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos
dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se
atemorize” (João 14:27). Você já recebeu a Sua paz? Ele o reconcilia com Deus;
e a paz de Deus, que excede todo o entendimento, poderá guardar o seu coração
e a sua mente, se tão-somente você for a Ele. “Não estejais inquietos por
coisa alguma-, antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante
de Deus pela oração e súplica, com ação de graças. E a paz de Deus, que excede
todo entendimento, guardará os vossos corações e os vossos sentimentos em
Cristo Jesus” (Filipenses 4:6-7). Leve tudo a Ele. Cristo abriu o caminho para
você ir aDeus com as suas dificuldades, com os seus problemas, sejam quais
forem.

Quanta vez a paz perdemos,

Quanta dor temos em vão,

Tudo porque não levamos Tudo a Deus em oração.

E o caminho está livre para você agir assim também, pois Cristo o abriu.
Opecado foi removido, a inimizade, o antagonismo, foi destruído, e você pode ir
confiantemente à presença de Deus.
E tendo levado a Ele os seus problemas e dificuldades, deixe-os com Ele, deixe-
os lá. “Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti” (Isaías 26:3).
Firme no Senhor! - você tem ampla, franca e aberta entrada, pelo sangue de
Jesus Cristo. Entre, olhe para Ele, tenha firme a sua mente nEle, e você
começará a gozar a Sua bem-aventurada paz. Cristo nos dá paz com Deus, paz
com os outros, paz interior. “Ele veio e pregou a paz aos que estavam longe e aos
que estavam perto.” Alguém que tem vivido como que nas próprias mandíbulas
do inferno pode ler estas palavras. Meu amigo, você pode ter esta paz, agora.
Mas se a sua situação é de quem sempre esteve interessado e sempre
esteve muito perto, você também pode tê-la, agora. Vocês podem tê-lajuntos. É
dádiva inteiramente gratuita de Deus, mediante Jesus Cristo, o nosso Senhor.
Você j á a tem? Regozija-se nela? A paz que Jesus Cristo oferece pode ser sua
agora e para todo o sempre.
22
ACESSO AO PAI

“Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito.’’ - Efésios
2:18

Aqui, nesta declaração, o apóstolo chega ao grande clímax da sua persuasiva


argumentação que começa no versículo onze deste capítulo dois da sua Epístola.
Não há nada que a supere; é o pico mais alto, o apogeu. Esta é a quintessência da
fé cristã e da posição cristã. Não há dúvida, pois, de que estamos contemplando
e considerando uma das mais grandiosas e gloriosas declarações em toda a
extensão das Escrituras. Para mim foi uma experiência emocionante dar estes
passos com o apóstolo, um por um. Cada vez subimos mais alto, mais alto, mais
alto. Mas, por fim, chegamos ao topo, estamos no ponto culminante, chegamos
ao grande planalto, e ali ficamos olhando, olhando e contemplando com
admiração e assombro as alturas a que fomos trazidos. Na verdade, para mim, a
declaração que temos diante de nós não somente é estupenda, é estonteante. “Por
ele ambos temos acesso ao Pai - acesso! - em um mesmo Espírito” (ou, “por um
mesmo Espírito”, VA).

A nossa principal dificuldade, e toda a dificuldade da Igreja, é que não


compreendemos o significado de uma declaração como essa. Se
a compreendêssemos, a Igreja Cristã passaria por uma revolução. Seriamos
“tomados de um sentimento de maravilha, amor e louvor”. Compreenderíamos
que a coisa mais maravilhosa, mais extraordinária que jamais pode acontecer a
alguém neste mundo é ele tornar-se cristão. Se tão-somente cada membro da
Igreja, cada cristão da Igreja, compreendesse a verdadecontidanessadeclaração, a
Igrejaficaria tão diferente que dificilmente a reconheceríamos. Ora, quão
diferente é a Igreja daquilo que vemos aqui! Quantos pensam no cristianismo e
na Igreja Cristã simplesmente como um lugar que eles freqüentam de vez
em quando, e isso de maneira perfuntória, hesitante, duvidando se o farão ou
não, e por puro dever; ou como um lugar em que eles podem por em prática
certos dons que eles têm, e estar ocupados - uma espécie de clube, uma
instituição, uma sociedade humana. Que contraste com o que temos aqui! Isto é
cristianismo, é isto que faz de alguém um cristão. A Igreja Cristã consiste
realmente de pessoas que compreendem que todo o objetivo e propósito de todas
as coisrs é este - acesso ao Pai por um

mesmo Espírito. Temos que meditar nisto, temos que deter-nos nisto, temos que
aprofundar-nos nisto, temos que dedicar tempo a isto; pois, como tentarei
mostrar a vocês, encontramos reunidas neste único versículo as coisas mais
estupendas que já nos foram ditas ou que já compreendemos acerca de nós
mesmos.

Há certas coisas que sobressaem na superfície deste versículo. Por exemplo,


somos logo levados por este versículo a estar face a face com o mistério da
Trindade Santa e bendita. Por Ele (o Filho, o Senhor Jesus Cristo) ambos temos
acesso ao Pai em (ou por) um mesmo Espírito (o Espírito Santo, corretamente
grafado com inicial maiúscula em todas as versões porque é uma referência ao
Espírito Santo). Aí está um dos grandes versículos trinitários das Escrituras, e
nos detemos por um momento diante deste mistério inefável. Pergunto: damo-
nos conta, como devíamos, de que, num sentido, a doutrina da Trindade
constitui a essência da fé cristã? É a doutrina que, dentre todas as outras,
diferencia a fé cristã de toda e qualquer outra fé. Cremos em um só Deus.
E, contudo, asseveramos que o Deus único são três Pessoas, o Pai e o Filho e o
Espírito Santo. Um grande e inescrutável mistério! Não o entendemos, nós o
asseveramos. É-nos ensinado aqui, é-nos ensinado noutros lugares das
Escrituras. A Bíblia ensina claramente que o Senhor Jesus Cristo é
verdadeiramente Deus, e igualmente que o Espírito Santo é verdadeiramente
Deus, e, todavia, diz ela que há somente um Deus: Deus é um só, e há somente
um Deus, que subsiste em três Pessoas. Não me peçam que explique isso. Mas
vocês não começarão a entender a Bíblia, não terão a mínima possibilidade de
entender a fé cristã, se não o aceitarem, se não crerem nisso, se não se inclinarem
diante disso, e se não se humilharem e disserem: eu Te presto culto, eu Te adoro,
eu Te louvo, ó “Grande Jeová, Três em Um”. É, pois, vital que nós,
como cristãos, nos lembremos disso constantemente. E quando o fizermos,
os nossos cultos se encherão de reverência, de adoração, de um sentimento de
temor, de um sentimento de glória e de louvor, louvor verdadeiro. Sempre que
oramos, sempre que nos reunimos para adoração, estamos prestando culto a este
Deus Triúno. Não podemos conceber a glória, a majestade e a grandeza dessa
realidade, porém devemos tentar fazê-lo. Devemos preparar os nossos espíritos,
devemos meditar, devemos ponderar nesta verdade, devemos sondar as
Escrituras em sua busca, devemos vê-la; e, tendo-a reconhecido, como a
reconheceram os homens a respeito de quem nós lemos nas Escrituras, os quais
chegaram perto de Deus, tiraremos os calçados dos nossos pés, sentiremos que
Permitam-me passar a uma segunda observação. As três Pessoas da trindade
santa e bendita interessam-Se por nós e estão empenhadas, as três juntas, em
nossa salvação. Agora vocês vêem o que eu quero dizer quando afirmo que este
versículo é estonteante. E isso exatamente que ele diz, que as três Pessoas,
eternas em Sua glória, em Sua santidade e em Seu poder, as três Pessoas da
Trindade santa e bendita estão interessadas em você, que você seja cristão, e
estão interessadas em sua salvação, e estão levando a efeito a sua salvação.
O mundo fala em honrarias, e está interessado em honrarias, em privilégios, em
conseguir admissão a clubes e posições e em que as pessoas sejam apresentadas
a grandes personalidades. Eis aqui um fato: as três Pessoas daTrindade estão
interessadas em você, e fizeram algo pela.sw<3 salvação! Que seria, se todos os
cristãos se dessem conta disso!

Como estão empenhadas em nossa salvação? Esta Epístola nos esteve dizendo
isso. O apóstolo ocupou quase todo o capítulo primeiro para dizer-nos que foi o
Pai que planejou e deu início à salvação. Vocês se lembram da frase várias vezes
repetidas, “segundo o mistério da sua vontade” ou semelhante, “segundo o
beneplácito de sua vontade”, “segundo o seu beneplácito, que propusera em si
mesmo, de tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da
plenitude dos tempos”. O Pai “faz todas as coisas, segundo o conselho da
sua vontade”. Os teólogos costumavam falar em “Trindade Econômica”, ou
“Economia da Trindade”. Esta grande obra, esta grandiosa tarefa de salvação foi
dividida entre as três Pessoas. O Pai concebeu e planejou a salvação. Ele a
imaginou, projetou-a, decidiu sobre ela, determinou-a. O Deus eterno e
sempiterno! E Seu plano e Seu propósito. Nunca apresentemos a fé cristã e
aposição cristã quanto à salvação como se esta fosse algo que o Filho teve que
arrancar do Pai. Foi o Pai que enviou o Filho. Vocês notam, na oração sacerdotal,
no capítulo dezessete do Evangelho Segundo João, com que clareza o nosso
Senhor diz: “Eu glorifiquei-te na terra, tendo consumado a obra que (Tu) me
deste a fazer”; Ele veio “para que dê a vida eterna a todos quantos lhe
deste”; “eram teus, e tu mos deste”. Todas essas referências são ao Pai. O Pai é
Quem concebe, inicia e põe em movimento este grande e glorioso plano e
método de salvação.

Então o Filho ofereceu-Se voluntariamente para realizar a obra. Não se


questiona que se realizou um grande concilio na eternidade, antes do início do
tempo, como nos dizem as Escrituras: “antes da fundação

do mundo”. Tudo o que aconteceu foi conhecido antes e foi previsto. O Pai
concebeu o plano e o Filho ofereceu-Se voluntariamente para vir executar o
plano. O Pai deu-Lhe as pessoas, o Pai deu-Lhe uma obra para realizar, e Ele
veio e arealizou. E ali, pouco antes da cruz, Elepôde dizer que a tinha realizado.
Conhecemos bem os grandes fatos; mas não nos esquecemos. Lembremo-nos
constantemente do que essa obra envolveu para o Filho que, embora sendo
“igual a Deus”, “não teve por usurpação o ser igual a Deus”, contudo,
“humilhou-se, fazendo-se indigno de honra”. Ele veio dessa maneira tão
humilde; Ele soube o que é ser pobre e sofrer privações e pobreza; Ele Se
misturava com as pessoas comuns e teve uma vida comum. Poderíamos
conceber o que isso significou para Ele? Sofreu contra Si próprio “a contradição
dos pecadores”; suportou a ruindade, o despeito e a inveja deles. No entanto,
acima e além de tudo, Ele levou sobre Si os nossos pecados, suportou que por
nós Ele fosse feito pecado pelo Pai, embora Ele não conhecesse pecado;
suportou que fosse lançada sobre Ele a iniqüidade de nós todos; foipara acruz,
para levar “em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro”. Foi o que Ele fez.
Cumpriu a lei ativamente, viveu sob a lei como homem, “nascido de mulher,
nascido sob a lei”, colocou-Se deliberadamente sob ela, por Seu querer foi
batizado por João Batista, identificando-Se com o pecador e com tudo o que está
envoi vido nisso, e morreu e foi sepultado. O Príncipe, o Autor da vida, morreu
e foi colocado num túmulo; mas ressuscitou. Aí estão os fatos magníficos. Essa é
a parte do Filho - procedente do seio do Pai, procedente da eternidade. Ele estava
no princípio com Deus, nada foi feito sem Ele; porém Ele deixa a glória, põe-na
de lado - “Tenro, Ele deixa de lado a Sua glória” - e leva avante a Sua grande
tarefa. Por Ele, mediante Ele, este Filho bendito! Essa é a obra realizada pelo
Filho.

Há então a obra realizada pelo Espírito Santo. E Ele que a leva a cabo em nós,
pessoa por pessoa. Essa é a Sua obra. Vocês notam que o Filho Se subordina
voluntariamente ao Pai. E o Espírito Santo Se subordina ao Filho e ao Pai. São
co-iguais, são co-etemos, e são iguais em todos os aspectos; e, contudo, por
causa da nossa salvação, há esta subordinação do Filho ao Pai, e do Espírito
Santo ao Filho e ao Pai juntos. E o Espírito S anto vem e aplica a obra redentora.
Aplica-a a mim, aplica-a a você. E Ele que nos faz participantes de Cristo; é Ele
que nos leva a ver a nossa necessidade e todas as outras coisas que espero
considerar mais adiante; é Ele que aplica a grande redenção que foi levada a
efeito pelo Filho. E o faz não somente ao indivíduo, mas também o faz à
Igreja. Ele edifica a Igreja, Ele enche a Igreja com a Sua vida e com a Sua

presença. Essa é a obra realizada pelo Espírito Santo. Ele “não falará de si
mesmo”. Ele falará simplesmente de Cristo. “Ele me glorificará”, diz o Senhor; e
Ele o fez, e ainda o faz.

Assim, logo na superfície deste versículo, temos estas duas tremendas


afirmações: que estamos olhando para as três Pessoas da Trindade bendita;
porém, ainda mais admirável e espantoso, que as três Pessoas estão interessadas
em nós e estão preocupadas com a nossa salvação, e atuaram para que a nossa
salvação viesse a ocorrer.

Devemos refletir antes de deixarmos estas magníficas questões. Primeiro, o


problema do pecado, o meu e o seu, foi e é tão grande que exigiu essa atuação.
Não há nada mais que me surpreenda e que me cause mais espanto quanto a
muitos, mesmo dentro da Igreja, do que a maneira como eles não gostam da
doutrina do pecado, e indagam: por que é que você tem que estar sempre dando
ênfase ao pecado? Eis a resposta: o pecado é um problema tão grande que foi
necessária a ação das três Pessoas da Trindade santa e bendita para enfrentá-lo.
Essa é a única explicação. O pecado é um problema tão profundo que
envolveu tudo isso. Não é um problema simples; não é um problema do qual
Deus poderia tratar com simplicidade porque Ele é Deus e porque Ele é
amor. Não! O pecado é um problema tão profundo que, por causa dele, reuniu-se
um concilio antes dos tempos, e o Filho teve que vir ao mundo, vindo da
eternidade, e teve que passar por tudo aquilo que estive descrevendo. E disso que
o pecado necessita. Também necessita da presença do Espírito Santo na Igreja.
Ou, para dizê-lo doutro modo, a salvação não é apenas uma questão de virmos a
compreender que Deus é amor e, então, que Deus nos perdoa. Muitas vezes se
faz uma apresentação errônea disso, como se a única coisa que foi destinada a
realizar-se na cruz foi uma demonstração de que Deus é amor, e que o único
problema é que nos façamos saber a nós mesmos que Deus é amor. Não é esse
o ensino napassagem que estamos focalizando. Aqui aênfase é ao sangue de
Cristo, à Sua carne, ao Seu corpo, à Sua cruz, à Sua morte. Não, a salvação não é
apenas uma questão de compreender que Deus é amor, e de receber perdão: a
salvação é algo que envolve estas atividades especiais das três Pessoas: nenhum
poder menor poderia efetuá-la. “Outro bem suficiente não havia para pagar o
preço do pecado”. Estava envolvido um preço; uma retidão, umajustiçade Deus
estava envolvida. Tinha que haver a cruz, era o único caminho. Assim o apóstolo
nos está mostrando aqui algo da real natureza da salvação.

Mas eu suponho que, de todas as coisas, amais estonteante é captar e


compreender, se pudermos, o assombroso fato de que as três Pessoas
da Trindade santa e bendita nos amaram tanto que fizeram tudo isso por nós.
Auto-subsistentes, existindo eternamente naquela inefável unidade e glória e,
contudo, preocupados conosco! O Pai Eterno tem Seus olhos postos em você,
conhece você, interessa-Se por você. O Filho de Deus amou tanto você que Se
deu por você. E o Espírito Santo o ama tanto que vem para dentro de você para
aplicar-lhe e levar a cabo tudo isso. Se você não concorda comigo que esta é a
coisa mais estupenda que jamais ouvirá no tempo ou na eternidade, bem então eu
perco as esperanças com você. Haverá alguma coisa que supere isto? - que
a Palavra me diz que estas três Pessoas não somente me amaram tanto, porém
também que agiram desta maneira para que eu pudesse ser redimido? Se tão-
somente compreendêssemos isso como devíamos, o seu efeito sobre nós seria
tremendo, revolucionaria toda a nossa concepção do cristianismo. Não
pensaríamos nele em termos de dever ou de outra coisa qualquer, não
pensaríamos nele em termos de glória, de privilégio e de curiosidade. O
cristianismo seria a coisa mais emocionante do mundo para nós. Teríamos nele a
nossa constante alegria, e diríamos com Paulo: “Longe esteja de mim gloriar-me,
a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”. Seriamos tomados de um
permanente sentimento de “maravilha, amor e louvor”.

No entanto, passemos a uma terceira proposição. Vemos que aqui somos postos
face a face com a doutrina da Trindade, é-nos dito que as três Pessoas da
Trindade estão interessadas em nós e em nossa salvação e a estão levando a
efeito em nós. E depois nos é dito que o fim da salvação, a meta suprema da
salvação, o objetivo da salvação, é que conheçamos a Deus como o nosso Pai.
“Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito.” Pois bem,
esse é o principal fim e objetivo da salvação. E o que o apóstolo está
especialmente interessado em ressaltar aqui, o fato de virem todos os cristãos
juntos ao Pai. Os judeus e os gentios vêm juntos, como um só corpo e como um
só espírito, à Sua presença. Esse é o clímax. O apóstolo já nos estivera falando
sobre como o Senhor Jesus Cristo removeu as barreiras, os obstáculos e os
empecilhos entre o gentio e o judeu, como Ele removeu esta comum inimizade
entre mim e Deus, e de fato ele foi mais longe, ao ponto de nos dizer no
versículo dezesseis que Ele reconcilia a ambos, o judeu e o gentio, com Deus
“pela cruz em um corpo, matando com ela as inimizades”. Bem, dirá alguém,
certamente você não pode ir além disso. Haverá alguma coisa que supere a
reconciliação? Há! E por isso que eu disse que este versículo dezoito é o clímax.
A reconciliação é

maravilhosa. Mas isto é mais prodigioso e maravilhoso. A reconciliação não é o


fim. Além da reconciliação, temos o acesso ao Pai. Você pode, em certo sentido,
reconciliar-se com pessoas e ainda não ter muita intimidade com elas. Você pode
deixar de estar em inimizade; as barreiras, os empecilhos e os obstáculos podem
ter sido removidos; todavia isso não é tudo, há mais esta outra coisa.

O apóstolo, parece-me, diz-nos três coisas aqui. A primeira é que temos acesso
por um só Espírito ao Pai. Pois bem, a palavra “acesso” é importante e
interessante. Também pode ser traduzida pela palavra “aproximação”, ou melhor
ainda, penso eu, pela palavra “apresentação”: “Porque por ele ambos temos
apresentação ao Pai por um mesmo Espírito.” Significa que a relação foi
restabelecida, aquela relação amigável com Deus com a qual somos aceitáveis a
Ele e temos certeza de que Ele tem boa disposição para conosco. Ora, o
importante para compreender-se aqui é que o Senhor Jesus Cristo não Se limita
a preparar ou abrir o caminho para isto. Ele de fato o efetua, de fato o produz. É
Ele que nos apresenta ao Pai, que nos leva, nos toma pela mão e nos guia até a
Sua presença. Meu desejo é salientar o fato de que este é realmente o grande fim
e objetivo da salvação. E suponho que nunca houve uma época em que fosse
necessário salientar isto mais do que a época atual. Nós todos nos tornamos tão
subjetivos, e estamos tão interessados em nossos temperamentos, estados
mentais, sentimentos e condições que, quando damos os nossos testemunhos,
dizemos que o que a salvação nos fez foi fazer-nos felizes, ou foi eliminar isto
ou aquilo; e aí paramos. Contudo, o grande objetivo da salvação é levar-nos
à presença de Deus - nada menos que isso, nada que esteja abaixo disso.

Certamente vocês notam como o S enhor disse esta mesma coisa no versículo
três do capítulo dezessete de João: “E a vida eterna é esta” - as pessoas dizem:
recebi a vida eterna, estou salvo, tenho a vida eterna. Sim, mas o que é a vida
eterna? Não é apenas que você não é mais o que era; inclui isso, entretanto isso é
relativamente pouco. A grande realidade é a seguinte - “A vida eterna é esta: que
te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem
enviaste”. Ou então ouçam-nOemHebreus 10:19: “Tendo pois, irmãos,
ousadiapara entrar no santuário, pelo sangue de Jesus” - foi o que o sangue de
Jesus fez, habilitou-me a entrar no “santuário”, no “lugar santíssimo”.
Vocês vêem a figura, vocês captam a idéia que está na mente de Paulo. Sob
o cerimonial do Velho Testamento as pessoas comuns não tinham permissão para
entrar no “lugar santo”, menos ainda no “lugar santíssimo”. Ao lugar santo
somente os sacerdotes tinham permissão para ir. Mas

nem os sacerdotes tinham permissão de entrar no lugar santíssimo. Somente um


homem tinha permissão para entrar ali, o sumo sacerdote, e só uma vez por ano,
e então “não sem sangue” (Hebreus 9:7). Entrava uma vez por ano. E isso era
uma coisa tão tremenda que, enquanto ele estava lá, fora da vista, o povo,
apreensivo, ficava esperando o seu retomo.

No Velho Testamento lemos minuciosa descrição dos tipos de paramentos e


vestes que os sacerdotes e o sumo sacerdote deviam usar; e no caso do sumo
sacerdote se vê que nas bordas do seu grande manto era fixadas campainhas.
Você já se perguntou qual o propósito das campainhas e das romãs? Qual era o
seu objetivo? Simplesmente este: o povo sabia que era uma coisa tremenda e
estupenda alguém entrar no “lugar santíssimo” e na presença de Deus. “Quem
dentre nós habitará com o fogo consumidor?”, pergunta Isaías. “Deus é fogo
consumidor” (Isaías 33:14; Hebreus 12:29), tal é a Sua santidade que tudo tende
a encolher-se e a evitar a Sua presença. O sumo sacerdote entra uma vez por ano
para representar o povo e fazer uma oferta pelos pecados do povo. A questão é:
ele vai sair vivo? E como se alegrava o povo ao ouvir o tilintar das campainhas
nas bordas do manto do sumo-sacerdote! Sabiam todos então que ele continuava
vivo, que o seu sacrifício - a oferta que ele apresentara, o sangue que levara -
fora suficiente, que Deus o aceitara e que os pecados deles tinham sido
perdoados. Quando o sumo sacerdote ia saindo eles ouviam o tilintar das
campainhas cada vez mais forte. Ele estivera no “lugar santíssimo”.

Mas o que nos diz a passagem que estamos estudando é que mediante Cristo,
pelo Espírito Santo, nós mesmos podemos entrar no “lugar santíssimo”. Temos
acesso ao Pai: não mais ficamos no pátio externo, não mais entre os sacerdotes,
apenas; o “véu” foi rasgado, podemos entrar lá diretamente. Pedro diz a mesma
coisa em 1 Pedro 3:18: “porque também Cristo padeceu uma vez pelos pecados,
o justo pelos injustos...”. Por quê? Para que eu não vá para o inferno? Para
que eu seja feliz? Para que eu não caia mais nalgum pecado particular?
Tudo perfeitamente verdadeiro; porém não é o que Pedro diz; o que ele diz é
isto: “Cristo padeceu uma vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-
nos a Deus”. “Estas coisas vos escrevemos”, diz João, já ancião e próximo do
fim da vida, “para que também tenhais comunhão conosco; e a nossa comunhão
(como apóstolos) é com o Pai, e com o seu Filho Jesus Cristo.” Este, meus
amigos, é o grande fim e objetivo da salvação, que entremos na presença de
Deus e tenhamos comunhão com Ele. Não estamos m ai s longe, fomos trazidos
para perto, estamos dentro,

estamos face a face com Ele, temos comunhão com Deus. Conhecer a Deus, e a
Jesus Cristo, a quem Ele enviou! Você tem acesso, vocêdeu--se conta dele? Você
está exercendo o seu direito a ele?

Passemos, porém, à segunda ênfase. A segunda coisa que ele nos diz é que
temos acesso ao Pai, Agora notem a mudança do termo. O que ele diz no
versículo dezesseis é: para Ele (Cristo) “pela cruz reconciliar ambos com Deus
em um corpo”. Por que ele não diz então, “Porque por ele ambos temos acesso a
Deus em um mesmo Espírito”? Ele mudou de termo, ele diz: “ao Pai”. Não é por
acidente. Ele o faz deliberadamente. Por quê? Aqui de novo está algo que é
estonteante em sua imensidão, e irresistível, se tão-somente nos dermos conta
disso, que Deus em Cristo e pelo Espírito Se torna nosso Pai. Por isso o nosso
Senhor, quando nos deu a Sua oração modelo, ensinou-nos a dizer: “Pai
nosso, que estás nos céus”. Por isso também o Senhor Jesus Cristo,
quando falava com a mulher samaritana sobre a adoração, usou o mesmo
termo. Ela, com as suas idéias indoutas sobre adoração, fala “neste monte” e “em
Jerusalém”. Mas o nosso Senhor muda todo o curso da conversação, eleva-a e
diz: “O Pai procura a tais que assim o adorem”; “Deus é Espírito, e importa que
os que o adoram o adorem em espírito e em verdade”; são essas as pessoas que o
Pai procura para que O adorem. Ou vejam ainda como Cristo o expressa em João
14:6: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por
mim”. Há pessoas que talvez tenham crido em Deus, todavia elas jamais
conhecerão a Deus como Pai, exceto em Jesus Cristo e pelo Espírito. “Ninguém
vem ao Pai, senão por mim.” E ouçam Pedro dizê-lo também em sua Primeira
Epístola: “E, se invocais por Pai aquele que sem acepção de pessoas...” (1:17). E
o Pai que invocamos. E, de novo, João diz: “A nossa comunhão é com o Pai” -
não, “com Deus”, “com o Pai”; ele usa a palavra Pai aqui. Este é, obviamente, o
ensino de todo o Novo Testamento, e é também o que distingue a posição cristã.
O cristão é alguém que foi introduzido na mesma relação com Deus que o
Senhor Jesus Cristo tem com Ele como Filho do homem. Isso é
cristianismo, isso é salvação. Vocês notam como Ele ora. “Pai”, diz Ele, “é
chegada a hora”, e também, “Pai justo”, e “Pai santo”. Não um Deus
distante, mas Pai! Assim é que compreendemos - e é isto que significa - que
Ele está pronto a receber-nos e a ouvir-nos.

Saber isso é saber que Deus tem amoroso interesse por nós. “Nós conhecemos, e
cremos no amor que Deus nos tem”, diz ainda João em I João 4:16, e nós
confiamos nisso, descansamos nisso. “Nós conhecemos, e cremos no amor que
Deus nos tem”; é o que você dirá quando
se der conta de que veio ao Pai. Se você conhece a Deus como seu Pai, você
sabe que até os cabelos da sua cabeça estão todos contados. Você sabe? O Pai - é
ao Pai que estamos vindo. Você notaram aquela declaração sumamente
admirável do nosso Senhor em Sua oração sacerdotal, registrada em João 17:23?
Imagino que, de todas as declarações concernentes ao cristão, nenhuma supera
esta: “Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para
que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que os tem amado a eles
como me tens amado a mim”. Se somos verdadeiramente cristãos, e se viemos
ao Pai, sabemos que Deus nos ama como ama a Seu próprio Filho.
Logo, sabemos que Ele nunca nos deixará nem nos abandonará. Logo,
sabemos que o que quer que aconteça, por baixo sempre estão os braços do
Eterno.

Isso me leva ao terceiro e último ponto, a saber, que temos este acesso. “Através
dele, ambos temos acesso ao Pai por um só Espírito”(VA). Nós o temos, diz
Paulo. Posso colocá-lo na forma de várias perguntas? Temos isto? Fazemos uso
do acesso? Descansamos nele? Gozamos a paz dele resultante? Você sabe que
Deus o ama? Você sabe que Ele realmente ama você? Você O conhece como seu
Pai? Você de fato sabe que “todas as coisas contribuem juntamente para o
bem daqueles que amam a Deus”? Mas, venha, deixe-me levá-lo a um
ponto mais alto e fazer-lhe esta pergunta: você sabe o que é estar no
“lugar santíssimo”? Temos acesso, apresentação, pelo Espírito ao Pai.
Somos levados por Cristo, pelo Seu sangue, para dentro do “lugar
santíssimo”, por meio do Espírito Santo. Isso é verdade sobre você? Você
conheceu, sentiu, percebeu a presença de Deus? Foi isso que Cristo veio fazer,
diz o apóstolo. E um avanço com relação à reconciliação, vocês vêem. Não é
meramente perdão, não é meramente que a inimizade se foi. Temos acesso,
temos direito de entrar. Vocês se aproximam de Deus na plena certeza da fé?
Vocês dão ouvidos à exortação da Epístola aos Hebreus quando diz:
“Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça”? (Hebreus 4:16). Vocês
vão a Deus com o instinto, a segurança e a confiançacom que uma criança vai a
seu pai? E ao Pai que estamos indo, diz o apóstolo. Vocês sabem como se porta
uma criança. Ela está em dificuldade, tem o seu pequeno problema, alguma coisa
a está afligindo tremendamente, e ela corre para o seu pai ou para a sua mãe. Ela
fala aos pais sobre o que a aflige, conta tudo, confiante em que eles poderão
dar um jeito naquilo, e então se alegra. Esse é o tipo de coisa que o apóstolo quer
comunicar. “Se não vos converterdes e não vos tomardes como crianças, de
modo algum entrareis no reino dos céus”, diz o nosso
Senhor (Mateus 18:3, ARA). E então, nós vamos instintivamente a Deus como
ao nosso Pai? Levamos a Ele as nossas preocupações e os nossos problemas,
aborrecimentos e ansiedades? Vamos com essas coisas a Ele e, como a criança,
havendo-Lhe falado tudo sobre elas, nós as deixamos com Deus, confiantes e
certos de que Ele tratará delas todas e que, portanto, podemos gozar a Sua paz,
que excede todo o entendimento?

Acaso posso resumir tudo com uma pergunta final? Estamos desfrutando de
Deus? “Qual é o fim principal do homem?”, indaga a primeira pergunta do Breve
Catecismo da Assembléia de Westminster. E eis a resposta dada: “O fim
principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lO para sempre”. E, em
conformidade com o apóstolo nesta passagem, o gozo começa agora, nesta
existência, neste mundo. Não temos que esperar até irmos para o céu. O
propósito quanto a nós é que fruamos a Deus aqui na terra, conheçamo-lO como
nosso Pai, e descansemos neste conhecimento, desfrutemos o conhecimento
e fruamos ao próprio Deus na comunhão com Ele.

Isso é apenas o começo do que este versículo nos fala. Ele nos assegura que o
amor de Deus por nós é tão grande que as três Pessoas da Trindade tomaram
parte no processo de tratar conosco, de tal maneira e por tais meios que eu e
você, perdidos, condenados e sem esperança, pudéssemos, mesmo enquanto
formos deixados neste mundo de pecado e dor, gozar o companheirismo do Pai,
andar com Ele com amizade e em comunhão, e desfrutá-10. Cada vez mais
devemos olhar para a frente, para vê-10 como Ele é, sem nenhum véu que O
esconda dos nossos olhos, e havemos de fruí-10 em plenitude por toda a
eternidade. Desfrutamos de Deus? É totalmente possível, é livre, mediante
Cristo e pelo Espírito Santo.

SENHOR, ENSINA-NOS A ORAR

“Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito.” - Efésios
2:18

Continuamos o nosso estudo deste grande e maravilhoso versículo, maior do que


o qual, certamente, não há nenhum em toda a extensão das Escrituras. Elenos
põe face a face com a mais exaltada e sublime verdade que o ser humano j amais
pode confrontar. Não há doutrina mais elevada do que a doutrina da Trindade
santa e bendita. E aqui estamos face a face com ela. Mas ainda mais notável é a
declaração de que as três Pessoas daTrindade santa e bendita estão preocupadas
conosco e atuaram e estão atuando em tudo o que se relaciona com a nossa
salvação. Entretanto, acima de tudo, lembro a vocês que o fim da salvação é
levar-nos a Deus como o nosso Pai. Este é o propósito da salvação, este é o
grande fim e objetivo disso tudo; e a nossa concepção do cristianismo - inclusive
a salvação - estará incompleta e imperfeita, se não compreendermos que foi
designado, acima de tudo mais, a levar-nos a Deus, a dar-nos “acesso ao Pai”.

Mas surge logo a questão sobre como ter esse acesso. Sendo esse o fim, a meta e
o objetivo da nossa salvação, a grande pergunta é: como chegar ali? Noutras
palavras, somos aqui postos face a face com a grande questão da oração. Não me
proponho tratar da questão da oração em sua inteireza ou em sua plenitude. Só
estou interessado em tratar desse assunto na medida em que ele é tratado neste
versículo particular, que centraliza a nossa atenção no ponto mais importante
concernente à oração, a saber, o nosso conhecimento de como obtemos acesso, o
meio de “chegar perto de Deus”.

Ao abordarmos o assunto, permitam-me repetir certas perguntas que já fiz. São


óbvias. Conhecemos a Deus? Conhecemos a Deus como Pai? As nossas orações
são reais para nós? Gozamos liberdade na oração? Ou talvez a pergunta mais
penetrante de todas, penso eu às vezes, seja esta: temos confiança em nossas
orações? Gosto de expressá-lo desse modo por esta razão, que todos nós
sabemos por experiência o que é orar quando estamos em alguma dificuldade,
com algum problema, ou com alguma crise em nossas vidas; quando não

sabemos o que fazer e jáesgotamos todo o nosso raciocínio. Que lástima! Já


consultamos outros, já os ouvimos, já lemos a Bíblia, e ainda não chegamos
perto da solução. Por isso dizemos: j á não me resta fazer nada, senão orar. Mas
mesmo então nos sentimos inseguros. Não temos real confiança em nossas
orações e elas parecem mais ou menos inúteis. E naturalmente tais orações são
de fato inúteis; porque se não temos verdadeira confiança nelas, não são orações
reais, como penso que este versículo nos mostrará claramente. E importante,
pois, que comecemos com estas questões preliminares. “Nós temos acesso”, diz
Paulo, “ao Pai” - “nós” referindo-se a todos os cristãos, e não somente
aos apóstolos. Ele está falando acerca destes efésios, pessoas que até
muito recentemente tinham sido pagãs, tinham estado fora de Cristo, sem Deus,
sem esperança no mundo, estranhas forasteiras, longe, separadas em suas
mentes. “Mas agora”, diz Paulo, “nós” - eu e vocês, e todos os que são cristãos -
“temos acesso (apresentação, entrada) ao Pai”, diretamente ao Pai. Esta é uma
coisa na qual o apóstolo se regozij a mais do que em muitas outras. Ele a repete
muitas vezes nesta Epístola, como o faz em todas as suas outras Epístolas. No
próximo capítulo ele diz, por exemplo: “Por causa disto me ponho de joelhos
perante o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”, e a seguir ora por eles.

Não há nada que seja mais importante do que isso. Como estamos usufruindo os
benefícios de nossa fé cristã? Este é o melhor ponto para ser submetido a prova:
se o nosso cristianismo não nos ajuda quando estamos em dificuldades, então,
para dizer o mínimo, ele é muito defeituoso. Se ele não nos ajuda, não nos dá
suporte e não faz toda a diferença do mundo para nós nos nossos momentos de
crise, que valor tem? Há outras coisas que parecem maravilhosas quando o sol
está brilhando e tudo vai bem; o mundo e suas idéias parecem completamente
satisfatórios então. E quando tudo parece estar contra nós que chega a hora da
prova. E quando tudo parece estar contra nós, parece “levar-nos ao desespero”, a
pergunta é: podemos prosseguir e dizer, “Sei que a porta está aberta e que Ele
ouvirá minha oração”? essa é a questão. “Não veio sobre vós tentação”, diz o
apóstolo Paulo aos coríntios, “senão humana; mas fiel é Deus, que vos não
deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o
escape...” (1 Coríntios 10:13). Sabemos disso? Nossas orações são eficientes,
eficazes? Temos confiança nelas? Você sente, depois de orar, que a carga
foi aliviada? Quando você vai aDeus em oração, deixa realmente a questão com
Ele? A criança e seu pai são a ilustração perfeita deste ponto. O pequenino em
dificuldade vai ao pai e logo se sente feliz porque tem a

sensação, a confiança e a consciência de que o pai é capaz de tratar da coi sa


toda, e assim ele se descontrai, sossega e toma a alegrar-se. É como se espera
que sejamos para com Deus; nós temos acesso ao Pai. Estamos fazendo uso
desse acesso? Sabemos o que é entrar lá? Estamos tirando proveito da
apresentação que nos recomenda?

Essa é, inevitavelmente, a questão com a qual temos que nos defrontar quando
consideramos esta grande declaração. Há muitos que deixam de gozar os
benefícios da salvação; há muitos que não se aproveitam deste acesso ao Pai e
para os quais, portanto, a oração não é real, pela razão que ignoram ou nunca
captaram claramente o ensino deste versículo particular. Todavia, temos aqui a
chave da verdadeira oração. Eles falham porque, ou o ignoram completamente,
ou porque nunca o compreenderam em sua plenitude e, portanto, nunca
agiram firmados nesse ensino. Oração não é matéria simples; não há
maior falácia do que pensar que a oração é coisa simples. Há muitos
que contrastam a oração com o ensino, com a doutrina, com a teologia.
Sua atitude é: não posso incomodar-me com doutrina etc., mas a oração é tudo
para mim; não importa o que você crê, o que importa é orar a Deus. Ora, isso, é
claro, é uma completa negação do ensino deste versículo.

Este versículo nos mostra com muita clareza, não somente que a oração não é
tão simples assim, mas também que a oração está baseada no ensino, num
entendimento verdadeiro. Vejamos isso da seguinte maneira: vocês recordam
como os discípulos certa ocasião foram ao nosso Senhor e disseram: “Senhor,
ensina-nos a orar, como também João ensinou aos seus discípulos” (Lucas 11:1).
Você já se sentiu assim? Atrevo-me a dizer que, se você nunca sentiu
necessidade de que lhe ensinassem a orar, é porque você nunca orou. Precisamos
que nos ensinem a orar. Aqueles discípulos tinham observado o seu
Senhor, viram-nO levantar-Se muito antes do alvorecer, subir ao monte
para orar, viram-nO orando horas seguidas, às vezes a noite inteira. Cada
um dizia aos seus companheiros: como é que Ele faz isso? - pois eu vejo que
cinco minutos parecem uma eternidade. Não consigo orar cinco minutos, e Ele
fica orando horas. Cono é que Ele faz isso? “Senhor, ensina-nos a orar.” Eles
estavam certos: precisamos que nos ensinem a orar.

Certamente vocês se lembram também de que o nosso Senhor, falando com a


mulher samaritana, disse a ela algo semelhante, quando elafalou levianamente
sobre a adoração. Disse ela: vocês, judeus, dizem que é em Jerusalém que se
deve adorar; nossos pais diziam que vocês deviam adorar neste monte - como se
ela soubesse tudo sobre adoração

e oração. E o nosso Senhor lhe disse: “A hora vem, em que nem neste monte
nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não sabeis; nós (os judeus)
adoramos o que sabemos porque a salvação vem dos judeus... Deus é Espírito, e
importa que os que o adoram o adorem em espírito e verdade” (João 4:20-24). O
problema dos samaritanos era que a idéia que faziam de Deus era errada. Eles O
localizavam num certo monte e, na verdade, muitos judeus eram culpados do
mesmo erro, pois localizavam Deus no templo. Mas o nosso Senhor diz: vocês
não podem adorar com essas idéias erradas, “Deus é Espírito, e importa que os
que o adoram o adorem em espírito e verdade”. Temos que saber
certas verdades, antes de podermos adorar a Deus. E no momento em que
digo isso, vejo como é inevitável que grande parte do que chamamos orar
e orações é necessariamente inútil. Com muita freqüência nos apressamos a
recorrer à oração porque estamos desesperados e, por assim dizer, quase
dispostos a, nas palavras do poema, clamar a “todo e qualquer deus que exista”.
Não conhecemos a Deus a quem oramos. Portanto, o ensino é essencial à oração,
porque eu preciso saber a quem eu estou orando, e preciso saber como entrar à
Sua santa presença. Pois bem, é exatamente desse assunto que este versículo
trata.

Há duas coisas absolutamente essenciais à oração, de acordo com o ensino do


apóstolo neste ponto. Há duas verdades que devemos captar, duas doutrinas a
que nos apegar - “Por ele”; “em um mesmo Espírito”. Ou, “por meio dele”;
“pelo Espírito” (VA). Esse é o ensino do apóstolo - não só nesta passagem,
porém é o ensino de todas as Escrituras. Oração a Deus não existe, a menos que
tenhamos claro entendimento destas duas doutrinas, destes dois princípios.
Ambos são essenciais; não um ou outro, mas os dois, e os dois semprejuntos.
Quero ressaltar isso porque há muita confusão a respeito. Existem os que
não hesitam em ensinar que toda essa questão de aproximar-nos de Deus, e de
orar a Deus, é uma coisa supremamente simples efácil. Segundo eles, não há
necessidade de nenhum ensino, todavia você pode chegar pronta e diretamente à
presença de Deus, como você está. Indagam eles: você está com algum
problema? Está em dificuldade quanto ao seu futuro? Está precisando de
orientação? - e assim por diante. Bem, dizem eles, é tudo perfeitamente simples.
Tudo o que você necessita é sentar-se numa cadeira, relaxar e pôr-se a ou vir a
Deus; é simples assim; nada mais é necessário. Deus está esperando para falar
com você, e tudo o que você tem que fazer é, por assim dizer, largar as
ferramentas e ouvi-10. Você tem contato imediato com Deus, você chega
diretamente à presença de

Deus, e nada mais é necessário. Essa é a crença deles e, na verdade, é um ensino


muito comum. É a espécie de coisa que todos nós nos inclinamos a pressupor e a
tomar como líquida e certa. Contudo, se o ensino de apóstolo Paulo neste
versículo particular está certo, então aquele ensino não somente é errôneo, é
perigosamente errôneo, é tragicamente errôneo.

Mas existem outros que tendem a desviar-se num ponto diferente. Eles dão
ênfase a um destes dois princípios e deixam de lado o outro. Dão ênfase à
doutrina correta concernente ao Senhor Jesus Cristo, à Sua obra expiatória etc.,
tudo certinho, porém negligenciam a necessidade absoluta da operação do
Espírito Santo. E, segundo o ensino de Paulo, a oração deles é igualmente inútil.
Você pode ser inteiramente ortodoxo e, ao mesmo tempo, estar espiritualmente
morto. Você pode dizer todas as coisas certas, e ainda não conhecer a Deus e não
ter confiança nas orações que você faz. E pena, mas eu tenho conhecido gente
assim. Pessoas certamente ortodoxas, entretanto não conheciam aDeus, nunca se
aperceberam da vital importância desta doutrina do Espírito nesta questão de
oração. E assim as suas orações eram mecânicas, corretas, porém inúteis.

Por outro lado, há aqueles que colocam toda a sua ênfase no Espírito Santo e
ignoram completamente o nosso Senhor e Suas obras. Este é o perigo peculiar a
todos os místicos. Os místicos descobriram que há um ensino muito definido a
respeito do Espírito Santo. Descobriram, e estão muito certos, que o cristianismo
é algo vivo, vital, real. Dizem eles: toda esta ortodoxia é boa a seu modo, mas
muitos são ortodoxos, porém completamente mortos. O grande valor do
cristianismo é que ele é vivo. Vejam , por exemplo, o caso de George Fox, o
primeiro quaere, o verdadeiro fundador da Sociedade dos Amigos. Essa era a sua
grande mensagem. Ele costumava olhar para os lugares de culto do seu
tempo, há 300 anos, e dizia: vejam estas pessoas; dizem todas as coisas
certas, mas observem as suas vidas; falem com elas e verão que estão
mortas. Ele dizia que o grande valor do cristianismo é que ele leva a gente a
um vivo conhecimento de Deus; é algo interior, um poder, uma luz interior. Até
certo ponto ele estava salientando uma verdade vital. A obra do Espírito Santo é
absolutamente essencial. No entanto a tragédia do movimento posterior dos
quaeres - não estou falando de George Fox neste ponto, pois ele ensinava a
doutrina verdadeira - a tragédia é que nos séculos subseqüentes o movimento
quaere inclinou-se a colocar sua exclusiva ênfase no Espírito, e tem ignorado e
esquecido a doutrina concernente ao nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Segundo o ensino

do apóstolo nesta passagem, isso é igualmente errôneo. Todo ensino que passa
por alto o Senhor Jesus Cristo é necessariamente errôneo. “Por meio dEle - pelo
Espírito Santo.” Os dois são essenciais.

Devo dar mais um passo e dizer que não somente estes dois princípios são
absolutamente essenciais, mas também nada mais deve ser-lhes acrescentado
jamais. Isso é tudo, é exclusivo. A minha razão para dizer isso é que o ensino
católico - do catolicismo romano e doutras formas de catolicismo que imitam o
romanismo sem crerem no papa -é dado a fazer acréscimos. A igreja católica
romana coloca ao lado do Senhor Jesus Cristo e do Espírito Santo a virgem
Maria. Ela é introduzida como medianeira ~ como um mediador adicional, como
um meio adicional, como alguém que é de importância vital em nossa vinda
a Deus. Todavia, acrescentar qualquer coisa ou qualquer pessoa ao Senhor Jesus
Cristo e ao Espírito Santo, não é somente negar as Escrituras, é também desviar-
se tragicamente em toda a questão de oração. E um erro, é uma negação do
ensino bíblico, orar à virgem Maria, ou aos “santos” que viveram no passado -
“santos” dos quais se afirma que eram tão piedosos que podiam exercer a função
daquilo que os católicos chamam de “supererrogação” - eles têm tal abundância
ou excesso de justiça ou retidão que podem dar um pouco disso à nós, e com isso
podem ajudarmos ! Não devemos acrescentar nada e ninguém àquilo que é
claramente indicado na passagem que estamos estudando. “Por meio dele
ambos temos acesso por um Espírito ao Pai.” Assim vocês vêem a
importância do ensino. Vocês vêem o que o nosso Senhor quis dizer quando
afirmou, “Em espírito e em verdade”. Vocês vêem como é vital que, antes
de começarmos a falar em oração, devemos parar e pensar, e deixar-nos guiar
pelo claro ensino das Escrituras, como estamos prestes a fazer. Vamos olhar
agora a estes dois princípios separadamente.

A primeira coisa é “Por meio dele”. É o que o apóstolo coloca em primeiro


lugar aqui, e é o que ele coloca em primeiro lugar em toda parte. Esta é,
naturalmente, uma referência ao nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Ainda é
necessário acentuar isso, e tornar a dizer que não há acesso a Deus, exceto em
nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por meio dEle. “Eu sou o caminho, a
verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim” (João 14:6). E, contudo,
muitos correm à presença de Deus e acham que Ele é seu Pai, sem sequer
mencionar o Senhor Jesus Cristo, apesar da Sua afirmação clara e explícita. Ou
ouçam também este apóstolo dizê-lo em 1 Timóteo 2:5-6: “Porque há um só
Deus, e um só Mediador (e é isso mesmo que ele quer dizer) - um só Deus, e um

Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem, o qual se deu a si


mesmo em preço de redenção por todos...”. O que poderia ser mais claro? Ou
ainda: “Ninguém pode pôr outro fundamento, além do que já está posto, o qual é
Jesus Cristo” (1 Coríntios 3:11). Ou vejam de novo aquela grande passagem do
capítulo dez da Epístola aos Hebreus: “Tendo pois, irmãos, ousadia para entrar
no santuário, pelo sangue de Jesus” (versículo 19) - o único caminho. Não pelo
sangue de touros e bodes, nem por meio de algum sacerdócio humano e terreno.
Isso, diz o autor, argumentando minuciosamente, era obviamente inadequado
e insuficiente. O próprio fato de que eles tinham que repetir dia após dia as suas
ministrações era uma prova de que não era suficiente. O fato de que o sumo
sacerdote tinha que continuar indo ao santuário ao “lugar santíssimo”, todos os
anos, para fazer uma nova rememoração dos pecados, é prova suficiente de que
não podia fazê-lo de maneira final e plena. “Mas este, havendo oferecido um
único sacrifício pelos pecados, está assentado para sempre à destra de Deus...” O
ensino poderia ser mais claro? Poderia haver algo mais explícito? E, contudo,
quão óbvio e evidente é que todo este ensino está sendo passado por alto, e
homens e mulheres há que falam em ter contato com Deus, e em conhecer
aDeus, e em serem abençoados e guiados por Deus, sem sequer mencionarem o
nome do Senhor Jesus Cristo, como se Ele nunca tivesse estado no mundo, e
como se Ele nunca tivesse morrido na cruz. Vocês acham que eu estou
defendendo um ponto desnecessariamente? Peço a cada um de vocês que
consulte a sua própria experiência, ouça o que está sendo dito e leiam o que está
sendo escrito. Vocês se lembram, quando oram a Deus, de que sem o Senhor
Jesus Cristo vocês não poderiam ter nenhum acesso?

Permitam-me procurar deixar isto mais claro e mais simples. Háum versículo na
Primeira Epístola de Pedro que me parece demonstrá-lo muito explicitamente.
Ele reúne em si o grande ensino deste capítulo dois da Epístola aos Efésios.
Pedro o coloca desta maneira: “Porque também Cristo padeceu uma vez pelos
pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos aDeus; mortificado, na verdade,
nacarne, mas vivificado pelo Espírito” (3:18). (Ou “morto” ou “tendo sido
morto” (ARA e VA)). Aí está, parece-me, uma perfeita declaração desta
doutrina. Cristo, vocês notam, “padeceu uma vez pelos pecados, o justo
pelos injustos” - com que fim e objetivo? “Levar-nos a Deus”; “tendo sido morto
na carne, mas vivificado pelo Espírito.” Ou também vocês verão o apóstolo, em
Romanos, dizendo isso com igual clareza. Referindo-se ao nosso Senhor, ele diz:
“O qual por nosso pecados foi entregue, e

ressuscitou para nossa justificação” (4:25). Ele quer dizer que é por meio de
Cristo, é em Qisto, é por Cristo, e pelo que Ele fez, que temos este acesso a
Deus. A parte disso não temos acesso nenhum a Deus.

Do mesmo modo, não podemos ler o Velho Testamento sem ver claramente que
é necessário receber instrução sobre a nossa aproximação a Deus. O Velho
Testamento está repleto deste ensino. Esse é o significado das ofertas queimadas,
dos sacrifícios, das ofertas de cereal e de todo o cerimonial restante. Deus tinha
dito e ensinado àquele povo que esse era o único meio pelo qual podia
aproximar-se dEle. Ele designou um sumo sacerdote chamado Arão, disse-lhe
exatamente o que ele devia fazer, deu-lhe todas aquelas instruções. Arão devia
entrar levando o sangue de um animal morto. Por quê? Porque com isso
Deus nos está ensinando que é somente pelo Seu caminho, o caminho por
Ele prescrito, que temos acesso à Sua presença.
Pois bem, é em nosso Senhor Jesus Cristo e por Ele que temos nosso acesso a
Deus. O Senhor Jesus Cristo nos introduz à presença de Deus porque Ele é o
nosso grande substituto, levando sobre Si os nossos pecados. E isso que
devemos colocar em primeiro lugar, como faz o apóstolo. “Mas agora, em Cristo
Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto.”
Vocês notaram a repetição dos termos? Seu sangue, Sua carne, Seu corpo, Sua
cruz? E o que sempre tem que vir primeiro. Spurgeon costumava dizer, e cada
vez mais estou convencido da veracidade do seu pronunciamento, que o modo
definitivo de provar se um homem está pregando verdadeiramente o evangelho
ou não, é observar a ênfase que ele dá ao “sangue”. Não basta falar sobre a cruz
e a morte; a prova é “o sangue”. “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes
estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto.” Temos visto que há
pessoas que, embora concordem que os pecadores são trazidos para perto pela
morte de Cristo, pela cruz de Cristo, são contudo muito insatisfatórios na sua
explicação de como isto se dá. Eles consideram grande demonstração do amor de
Deus o fato de Ele perdoar os homens apesar de terem eles crucificado Seu
Filho. Deus, dizem eles, tirou vitória da derrota aparente, e você pode
confiar num Deus que faz semelhante coisa. Essa é a sua interpretação da
morte e da cruz; o sangue de Cristo não entra. Mas Paulo afirma que a salvação é
“pelo sangue de Cristo”. E o autor da Epístola aos Hebreus afirma a mesma
coisa. É o sangue de Cristo que, em primeira instância, é essencial. E por esta
razão: o nosso Senhor Jesus Cristo é “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do
mundo”. “O sangue”, vocês vêem, levamos a pensar necessariamente em
sacrifício, em expiação; e se as

pessoas não mencionarem a expiação, não estarão pregando verdadeiramente a


morte de Cristo. “O sangue” prende a pregação ao sacrifício e à expiação.

Os pecados dos homens eram colocados simbolicamente sobre a cabeça de um


animal, e o animal era morto; o corpo era queimado e o sangue era então
apresentado. Cristo é “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. Os
pecados dos homens foram colocados sobre Ele, nEle os pecados foram
enfrentados; Ele foi ferido por causa deles, Seu sangue foi derramado. E é dessa
maneira que temos a nossa entrada: Ele levou “em seu corpo os nossos pecados
sobre o madeiro” (1 Pedro 2:24). Devemos partir daí. “Sem derramamento de
sangue não há remissão” de pecados (Hebreus 9:22). Não se pode jogar fora o
Velho Testamento. A Igreja, a Igreja Primitiva, foi levada pelo Espírito Santo a
conservar o Velho Testamento e a incorporá-lo na nova literatura, porque é uma
parte essencial do ensino. Foi Deus que ensinou que, sem esta oferta, sem o
sacrifício, Ele não pode perdoar, Ele não pode relacionar-Se com os homens.

Assim, qualquer conceito da cruz e da morte de Cristo que não leve “o sangue”
para o centro e que não faça dele uma necessidade absoluta, é uma falsa
representação da cruz. Cristo é que leva o nosso pecado. Ele morreu no Calvário
pelos nosso pecados, para receber o castigo que os nossos pecados deviam
receber. O justo e santo Deus tinha que punir o pecado, e Ele o puniu ali. A
pregação da cruz que não mencione a retidão e a justiça de Deus, e a necessidade
absoluta de punição, é uma apresentação completamente falsa da doutrina da
morte de Cristo. Aí está, vocês vêem, aberto diante de nós: “pelo seu sangue”,
“seu corpo”, “sua morte”, repetidos em toda parte. E o tema central do
Novo Testamento. Leiam o livro de Apocalipse, e vocês verão que ali se diz que
as pessoas vestidas de branco “lavaram os seus vestidos e os branquearam no
sangue do Cordeiro”. “Aquele que nos ama, e em seu sangue nos lavou dos
nossos pecados” (7:14; 1:5). Esta verdade está em toda parte. Como podem os
homens querer explicar a sua entrada à presença de Deus sem este fato
sumamente maravilhoso, que o Filho de Deus foi levado à morte por Seu próprio
Pai mediante a lei por causa dos nossos pecados, e com o fim de reconciliar-nos
conSigo!

Mas a coisa não pára aqui. Primeiro Ele é Aquele que leva os nossos pecados,
porém, em acréscimo, Ele é o nosso grande Sumo Sacerdote. “Tendo sido morto
na carne”, diz Pedro, “mas vivificado pelo Espírito.” “Por nossos pecados foi
entregue”, diz Paulo, “e ressuscitou para nossa justificação.” E isso é
maravilhoso. Ou vejam ainda a expressão

do autor da Epístola aos Hebreus, no capítulo quatro, versículos 14-16 - isso é


pregação apostólica - “visto que temos um grande sumo sacerdote, Jesus, Filho
de Deus, que penetrou nos céus, retenhamos firmemente a nossaconfissão.
Porque não temos um sumo sacerdote que nãò possa compadecer-se das nossas
fraquezas; porém um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado.
Cheguemos pois com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar
misericórdia e achar graça, afim de sermos ajudados em tempo oportuno”.
Depois que o sumo sacerdote, em Israel, tinha imolado o animal e juntado o
sangue, ele então entrava com este sangue, através do véu, no “lugar
santíssimo”. E a expiação era finalmente feita quando ele apresentava o sangue
do sacrifício.

O Senhor Jesus Cristo morreu nacruz, o Seu sangue foi derramado, o Seu corpo
foi enterrado numa sepultura. Ah, dirá alguém, esse é o fim; portanto até Ele foi
derrotado! Absolutamente não! Ele ressurgiu. Tendo Ele ressuscitado e tendo-Se
manifestado, entrou no “lugar santíssimo”. Passou pelos céus e entrou no céu
propriamente dito. Foi ímediatamente à presença de Deus, e apresentou o Seu
sangue. Não apresentou sangue de touros e bodes. Ele não tenta purificar com as
cinzas de uma novilha. Ele faz uso do “seu próprio sangue”. É pelo sangue de
Jesus! Ele entrou, Deus O aceitou e aceitou a oferta do Seu sangue. Deus disse,
noutras palavras, que está satisfeito com a obra que Ele realizou. Deus
proclama que a morte de Cristo é suficiente, que a Sua justiça foi satisfeita.
Ele admite o Sumo Sacerdote à Sua presença, e O convida a assentar-Se à Sua
destra. O resultado é que o trono de Deus, que é trono de juízo, toma-se trono de
misericórdia e graça. “Cheguemos pois com confiança ao trono da graça”, é a
mensagem de Hebreus 4:16. E como posso saber que é trono da graça? Meu
único meio de saber isso é que o Senhor Jesus Cristo está assentado ao lado de
Deus. O meu Representante! Aquele que veio e tomou sobre Si a minha
natureza, e que levou sobre Si os meus pecados! Ele foi aceito por Deus, Ele é o
grande Sumo Sacerdote. Ele me conhece, Ele sofreu tentações, como eu as tenho
sofrido, Ele conhece as minhas fraquezas e a minha fragilidade. Ele está com
Deus, e o fato de Ele estar lá me garante que aquele trono é de misericórdia
e graça. Deus é eternamente justo e santo, mas, por causa de Cristo e do que Ele
fez por nós e pelos nossos pecados, Deus em Sua graça sorri para nós e nos
recebe como Seus filhos. Cristo nos salva, então, não somente pelo
derramamento do Seu sangue, e sim também por Sua entrada nos céus como o
nosso grande Sumo Sacerdote.

Há ainda outro modo pelo qual Ele me ajuda a ter acesso ao Pai.

Talvez você diga: muito bem, posso ver que os meus pecados são perdoados
dessa maneira, porém, quando penso em Deus, em Sua eternidade de poder, de
majestade e de grandeza, quando penso especialmente em Sua santidade e em
Suapureza absoluta, continuo achando que estou impuro. Creio que os meus
pecados estão perdoados, mas, infelizmente, ainda me falta retidão; como posso
comparecer diante de Deus? Como posso chegar perto de Deus? Leio nas
Escrituras que Isaías, quando teve uma visão do Senhor, disse: “Ai de mim, que
sou um homem de lábios impuros”, e como posso chegar perto de Deus?
A resposta continua sendo, “em Cristo”. E desta maneira, que Ele não somente
nos livrou dos nossos pecados e ressuscitou para a nossa justificação; mais que
isso, porém, Ele foi feito nossajustiça. “Mas vós sois dele, em Jesus Cristo”, diz
o apóstolo Paulo, “o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e
santificação, e redenção” (1 Coríntios 1:30). Ou leiam o que ele igualmente diz
nestes termos: “Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós, para que
nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). Permitam-me usar uma
ilustração simples. Veja-se um grande salão de festas, com gente maravilhosa
presente e com uma grande cerimônia em andamento. Lá estou eu, fora, na rua;
eu gostaria de entrar, fui convidado, mas eu me sinto em andrajos, acho que a
minharoupa é indigna. Se eu entrar, todos olharão para mim e eu me sentirei
estranho e infeliz, e não vou gostar. Que posso fazer? A resposta é que me é dado
um novo manto, um manto de justiça. Visto-me da justiça de Jesus Cristo. É o
que as Escrituras ensinam: Sua vida virtuosa, perfeita, Sua vida de santidade, é-
me dada, é atribuída a mim, é-me imputada, é computada em meu favor.
Assim como os meus pecados foram atribuídos e imputados a Ele, também a Sua
justiça é atribuída a mim. Ele cumpriu a lei perfeitamente; Deus considera isso
como tendo sido feito por mim, Ele põe isso na minha conta, para meu crédito,
Sou revestido da justiça de Cristo. Foi por isso que o conde Zinzendorf pôde
dizer, no hino que João Wesley traduziu, e que aqui traduzimos:

Jesus, Teu sangue, Tua justiça,

Minha gloriosa veste é;

Vestido assim, no mundo em chamas Minha cabeça alegre elevo.

Vestido com a justiça de Cristo! Será esta uma doutrina seca e árida? É uma
doutrina tão vital para você que, se não crer nela, você não poderá

orar. Só quando você estiver cônscio de que está coberto pela justiça de Cristo
que poderá ir à presença de Deus com confiança e certeza. Mas, com isso, você
poderá fazê-lo, como esse hino diz tão perfeitamente. Ninguém poderá fazer
alguma acusação contra mim; nem Deus, pois é o próprio Deus que me justifica
e me dá a justiça do Seu Filho.

Finalmente, gostaria de dizer algo assim: temos este acesso por meio de Cristo,
não somente porque nos é dada a Sua justiça, porém também porque nos é dada
a Sua vida. Nascemos de novo dEle, tomamo-nos “participantes da natureza
divina”, Ele é o “primogênito entre muitos irmãos”. Na verdade, Paulo já vem
dizendo isso extensamente neste capítulo. Diz ele, vocês se lembram, naqueles
passos maravilhosos: “Estando nós ainda mortos em nossas ofensas,
nos vivificou juntamente com Cristo, e nos ressuscitou juntamente com Ele e nos
fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus”. Tendo consumado a Sua
obra, Cristo passou pelos céus, tomou Seu lugar, está sentado à mão direita de
Deus; e, de maneira maravilhosa, “em Cristo”, eu também estou ali. É dessa
maneira que eu tenho o meu acesso à presença do Pai. Se Cristo não tivesse
morrido pelos meus pecados, Deus não me receberia; vou além, Deus não
poderia receber-me. E uma necessidade absoluta. Vocês podem imaginar que o
Pai Celeste enviaria o Seu Filho unigênito, o Seu bem-amado Filho ao mundo
para padecer tanto sofrimento e agonia se não fosse absolutamente essencial? A
cruz teria acontecido, se não houvesse total necessidade dela? E inimaginável.

Outro bem não havia Que o preço do pecado pudesse pagar.

Somente Ele podia Abrir do céu a porta e deixar-nos entrar.

É mediante Cristo. Você depende absolutamente dEle. Se Ele não tivesse entrado
lá com Seu sangue, você nunca poderia entrar. Mas, visto que Ele entrou, você
pode entrar.

E bom lembrar que Ele está lá, um Sumo Sacerdote que pode compadecer-Se,
porque Ele esteve aqui, neste mundo, e por causa de tudo quanto Ele sofreu. Ele
transmite ao Pai as nossas orações com o Seu santo incenso. É, pois,
simplesmente natural que estes vários escritores sempre terminem com
exortações: “Tendo pois, irmãos, ousadia para entrar no lugar santíssimo, pelo
sangue de Jesus”; e também, “Cheguemos pois com confiança ao trono da
graça” - com confiança, com segurança, com certeza. “Pois” - à luz da doutrina
de Cristo como

Aquele que leva o pecado, como o Sumo Sacerdote, como a nossa Justiça,
Aquele em quem fomos incorporados, Aquele com quem fomos crucificados,
Aquele com quem morremos, morremos para a lei, morremos para o pecado, e
fomos resuscitados em novidade de vida -“Assim também vós considerai-vos
como mortos para o pecado, mas vivos para Deus, por meio de” - e somente por
meio de - “Cristo Jesus nosso Senhor” (Romanos 6:11, VA).

Você se deu conta da sua completa dependência do Senhor Jesus Cristo e da Sua
obra perfeita? Se não se deu, não admira que as suas orações pareçam vãs e
fúteis e vazias. Doravante, quando você buscar a Deus, comece com Cristo.
Agradeça ao Senhor Jesus Cristo o que Ele fez por você, agradeça a Deus que
Ele O enviou para fazê-lo; diga a Ele que você compreende que depende
inteiramente dEle, mas que, tendo esta fé, você sabe que Ele está à sua espera
para recebê-lo. Chame-Lhe seu Pai, e diga-Lhe que você sabe que Ele é seu Pai
porque Ele é o Pai do seu Senhor e Salvador, Jesus Cristo - “Porque por meio
dele temos acesso ao Pai por um só Espírito”.
ORANDO NO ESPÍRITO

“Porque por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito. ” - Efésios
2:18

Voltamos mais uma vez a este versículo de máxima importância, no qual o


grande apóstolo mostra aos efésios o motivo que têm para regozijar-se no fato de
serem cristãos e, portanto, co-herdeiros do reino de Deus com os judeus. É um
versículo crucial. Vimos que este versículo nos faz lembrar que as três Pessoas
da Trindade santae bendita estão interessadas em nossas salvação e participam
dela. Esse é, para mim, o fato mais glorioso quejamais poderemos conhecer. Não
hánada que o supere, nem no céu. E aí que podemos saber, em sua plenitude, o
que Deus o Pai, Deus e Filho e Deus o Espírito Santo têm feito por nós e pela
nossa salvação. Vimos também que, imediatamente aqui, nesta existência, o
maior benefício que auferimos deste grande fato da nossa salvação é que temos
acesso ao Pai. Esse é o fim da salvação, esse é o grande objetivo que está por
trás de tudo quanto Deus fez em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo e por
meio dEle - Ele morreu “para levar-nos a Deus”, e o Seu sangue foi derramado
para que pudéssemos ser capazes de entrar no “lugar santíssimo”. Parar, pois, em
qualquer ponto anterior a este é, não somente ignorar as Escrituras, é de fato
ir contra as Escrituras, porque, o que importa em última instância não é o que
você e eu pensamos que necessitamos ou desejamos, é o que Deus providenciou.
E este é o fim e objetivo da salvação, que possamos ter acesso ao Pai, que
possamos entrar à presença de Deus e gozar comunhão com Ele.

Em vista do fato de que esse é o mais alto privilégio e a maior bênção quejamais
podemos experimentar, não é surpreendente que justamente neste ponto é que a
maioria de nós, na verdade todos nós, muitas vezes vemos grande dificuldade, e
talvez continuemos em grande dificuldade. Suponho que, em última análise, a
coisa mais difícil que tentamos fazer, porque é a maior coisa que fazemos, é
orar. E, quanto à oração, há problemas que muitas vezes agitam as mentes e os
corações do povo de Deus. Não é de admirar, pois não há nada maior que a
oração. Por isso o adversário das nossas almas preocupa-se particularmente em
atacar-nos neste ponto. Isso é uma coisa que todos nós aprendemos pela

experiência. Não há nada, em nenhum sentido, que seja tão difícil como orar.
Permitam-me lembrar-lhes algumas das muitas dificuldades, para que possamos
ver o objetivo que o apóstolo tem em mente quando afirma o que temos neste
versículo.

Uma dificuldade é aperceber-nos da presença de Deus. Deus é Espírito, Deus é


invisível. Isso, em si, constitui logo uma dificuldade para nós. Estamos
acostumados a ver pessoas ou a ouvir as suas vozes, quando temos amizade e
comunhão com elas. Mas Deus é invisível. “Deus nunca foi visto por alguém”
(João 1:18). Para expressá-lo de outro modo, é freqüente ter-se uma impressão
de irrealidade na oração de alguém. E há vozes que nos vêm, sugestões enviadas
por satanás, querendo induzir-nos a pensar que na verdade estamos
meramente passando por algum processo psicológico, que estamos apenas
persuadindo e enganando a nós mesmos, que estamos virtualmente falando com
nós mesmos e nos encorajando a nós mesmos. Há esta impressão de irrealidade
da qual muitos se queixam frequentemente.

Depois há o problema da concentração. Se você está lendo um livro, não é muito


difícil concentrar-se. Se você está falando com alguém, não há esse problema.
Todavia, acaso não temos visto muitas vezes que, quando nos pomos a orar, as
nossas mentes vagam por todas as direções, que a nossa imaginação viaja pelo
mundo inteiro e, embora estejamos de joelhos com a intenção de falar com Deus,
tendemos a pensar em problemas - em algo que aconteceu ontem, em algo que
vai acontecer amanhã? Quão difícil é firmar a nossa mente e os nossos
pensamentos, e concentrar-nos de tal modo que a nossa oração seja realmente
um ato vivido, verdadeiro e vital! Depois há também o sentimento de
indignidade, a lembrança da nossa pecaminosidade e o sentimento de que
não temos direito de aproximar-nos de Deus. Este terrível sentimento
de indignidade milita contra nós. E ainda vêm as dúvidas, as dúvidas
se insinuam na mente, perguntas e questionamentos. Não tenho necessidade de
desenvolver isto elaboradamente; todos nós estamos familiarizados com estas
coisas, e elas acontecem porque a oração é a suprema atividade da alma humana,
é o ponto mais alto que podemos alcançar nesta vida - comunhão com Deus.
Assim é que, quando nos envolvemos nessa atividade, todas as forças do inferno,
por assim dizer, atuam sobre nós e fazem o máximo para frustrar os nossos
esforços. Digo isso não só porque é um fato, mas também em parte como um
meio de incutir ânimo. Não se desanime por achar a oração difícil. Na verdade, o
que se deve temer é achar muito fácil orar, porque, se compreendermos
exatamente o que estamos fazendo, veremos que, de maneira inevitável, seremos

alvos e vítimas especiais do adversário das nossas almas e,


correspondentemente, acharemos difícil orar.
Por todas essas razões, pois, é muito necessário que nos instruam como orar e
que saibamos orar. Nada é tão fatal como entregar-se à oração sem pensar. O
primeiro ato na oração sempre deve ser o que os chamados “pais” costumavam
chamar “recolhimento”. Sempre deve haver um ato de recolhimento, de
meditação. É muito errado correr para a presença de Deus com petições, sem
dar-nos conta do que estamos fazendo. Devemos parar, fazer uma pausa, meditar
e recordar o que estamos fazendo. Há muitas maneiras de esclarecer este ponto.
Se você tiver uma audiência com a rainha, provavelmente achará sábio
e oportuno aprender algo sobre a etiqueta da corte. Ora, multiplique isso pelo
infinito, e aí você terá uma alma indo à presença de Deus. Não é algo que se
possa fazer leviana e impensadamente, não é algo para o que devamos ir
precipitadamente; temos que compreender o que nos cabe fazer. Aqui o apóstolo,
ao dar-nos uma lista das coisas admiráveis acontecidas com estes efésios, leva-
nos a esta altura tremenda: “Por ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo
Espírito”. Vocês não somente deixaram de ser estranhos e forasteiros, e de estar
separados; vocês entraram à presença de Deus. Como chegaram lá? Ele nos
diz, vocês recordam, que há dois elementos essenciais; e já demos ênfase ao fato
de que são somente dois. Há somente duas coisas acerca das quais temos que ter
entendimento absolutamente claro e certo. Uma é o próprio Senhor Jesus Cristo;
e a outra é o Espírito Santo. Não há o que acrescentar a esta lista. Nada de
acrescentar a virgem Maria, nada de acrescentar a Igreja, nada de acrescentar um
sacerdócio, nada de acrescentar os santos. Não acrescentem nada. Tudo o que é
essencial à oração é que vocês se aproximem por meio do Senhor Jesus Cristo; e
já consideramos como fazê-lo.

A segunda coisa é dar-nos conta de que é “por um só Espírito”. Ao passarmos a


considerar isto, a primeira coisa que temos que salientar é que a referência é à
Pessoa do Espírito Santo. O apóstolo não está dizendo que, agora que os judeus e
os gentios compartilham as mesmas idéias e têm a mesma perspectiva e têm um
espírito comum, eles podem, portanto, orar juntos. Isso é verdade, naturalmente,
porém há algo muito mais forte aqui. A referência não é a espíritos humanos que
agora entram em unidade ou vêm em uníssono. A referência é ao Espírito
Santo; assim, muito acertadamente, em nossas Bíblias os tradutores indicam isto
escrevendo “Espírito”, com inicial maiúscula. E uma referência à

Pessoa do Espírito Santo. E o que o apóstolo está ensinando é que o Espírito


Santo é tão essencial à oração como o próprio Senhor Jesus Cristo. Não Um
sem o Outro, e sim ambos juntos.
Mais uma vez temos que fazer a nós mesmos certas perguntas. Teríamos nós, em
nossa vida de oração até este exato momento, compreendido o lugar vital e a
importância vital do Espírito Santo? Teríamos compreendido que sem Ele de fato
não podemos orar verdadeiramente, e que a verdadeira oração é sempre oração
pelo Espírito Santo mediante o Senhor Jesus Cristo? Como cristãos,
compreendemos como é essencial o Senhor Jesus Cristo, o único e exclusivo
Mediador entre Deus e o homem. Mas aqui, segundo o apóstolo, é
igualmente essencial que nos apercebamos da nossa dependência do Espírito
Santo e da Sua obra e da Sua atividade peculiares em nós. E esta não é
uma afirmação isolada; o apóstolo a repete. Por exemplo, no último
capítulo desta Epístola aos Efésios, no versículo dezoito, onde ele
estivera falando de revestir-nos de toda a armadura de Deus, ele encerra
dizendo: “Orando em todo o tempo com toda a oração e súplica no
Espírito” (outra vez com a inicial maiúscula) - no Espírito Santo. Essa é a
sua concepção da oração. E se vocês forem à Epístola aos Filipenses, verão que
ele diz a mesma coisa de novo, no capítulo três, versículo três, onde diz:
“Guardai-vos dos cães, guardai-vos dos maus obreiros, guardai-vos da
circuncisão. Porque”, diz ele, “a circuncisão somos nós, que servimos a Deus no
Espírito” (de novo a inipial maiúscula (Ara e VA)); ou vocês poderiam traduzi-
lo, “nós, quesefvimos a Deus pelo Espírito” e que compreendemos que somos
completamente dependentes dEle. Os judaizantes - “a circuncisão” - não serviam
a Deus no Espírito ou pelo Espírito; sua forma de culto era mecânica. E o que
diferencia o culto e a oração cristãos de todos os outros tipos e espécies de
oração é que é no Espírito. Existem muitos outros que oram, porém não oram
“no Espírito”. Este é o fator peculiar, o fator distintivo quanto à oração cristã. O
apóstolo Judas diz exatamente a mesma coisa em sua carta, no versículo vinte:
“mas vós, amados, edificando-vos a vós mesmos sobre a vossa santíssima fé,
orando no Espírito Santo, conservai-vos a vós mesmos no amor de Deus”. Aí
está, de maneira muito explícita. Vocês estão orando, diz ele, no Espírito Santo.

Estas expressões não são usadas ao acaso pelos escritores do Novo Testamento.
“No Espírito”, para eles, fazia parte da própria essência da oração. E, na verdade,
ao dizerem isso tudo, estavam apenas mostrando como a palavra de Zacarias
cumpriu-se, quando ele profetiza que o4 ‘Espírito de graça e de súplicas” seria
derramado nesta era do Messias (12:10).

É, pois, de vital importância que entendamos a parte que o Espírito Santo


desempenha nesta questão de oração. Num sentido, já tivemos a nossa exposição
no capítulo quatro do Evangelho Segundo João. Aí, falando à mulher samaritana,
o nosso Senhor coloca este ponto de maneira clara e uma vez por todas. Ela fala
levianamente sobre adoração - “Nossos pais adoraram neste monte, e vós dizeis
que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar”. O nosso Senhor a corrige e
explica este assunto com clareza e simplicidade: “Deus”, diz Ele, “é Espírito,
e importa que os que o adoram o adorem em espírito e verdade”. Que é a
oração? Quais as verdadeiras características da oração? Que é orar no Espírito?

Vejamos primeiro as características negativas. Obviamente, não é uma questão


de lugar nem de cerimônia como tais. O nosso Senhor logo pôs o dedo na falácia
da mulher samaritana - “este monte”. Se você quiser adorar, diziam os
samaritanos, terão que adorar aqui. Os judeus, por outro lado, diziam que você
terá que fazê-lo em Jerusalém, no templo, que Deus estava confinado no templo
- quando eles, os samaritanos, achavam que Ele estava confinado no seu monte.
Lugares! Cerimônias! Há pessoas que só oram quando estão num lugar de
culto e que nada sabem da oração em privado e da oração em secreto. Para elas a
oração é algo que só acontece em certas ocasiões, ocasiões estabelecidas, e em
lugares especiais. Ora, a verdadeira oração no Espírito é a antítese disso. Não se
restringe a um lugar especial, nem a alguma espécie particular de cerimônia.

Há também algumas pessoas para as quais parece que a essência mesma da


oração é a questão de postura e posição física. Como se preocupam em poder
ajoelhar-se! De fato conheço pessoas que opinam seriamente que você não terá a
mínima possibilidade de orar, senão de joelhos. Não podemos aprofundar-nos
nesses pontos todos, interessantes que são. Simplesmente estou tentando
ressaltar o grande princípio central, que não existe postura alguma que seja
essencial à oração. É certo ajoelhar-se para orar, é igualmente certo orar de pé, é
igualmente certo prostrar-se, rosto em terra. Todas estas coisas estão nas
Escrituras. Noutras palavras, não é apostura, aposição física, que importa. E se
você percebe no seu íntimo uma tendência para dizer que apostura é o grande e
central elemento, o elemento vital, já não é orar “no Espírito”. Você estará
atribuindo significação importante a um elemento incidental. É evidente que
você pode orar no templo, que você pode orar no monte, mas não só no templo,
nem só no monte, nem só numa dada postura.

Há depois toda a questão das formas de oração. Aí está outro assunto


complicado. Devemos ter orações fixas? Devemos ter orações formais?
Devemos ter liturgias? Como é vital este assunto! Há trezentos anos foi em parte
responsável pelo movimento puritano. Uns diziam que não há liberdade na
oração quando se está preso a liturgias, a formas fixas e a orações lidas. Eles
achavam que isso era um resíduo do catolicismo romano. Diziam que a oração
tem que ser livre e tem que estar sob a direção e a inspiração do Espírito Santo.
Assim, a ênfase não deve ser colocada na beleza das frases, na perfeição da
linguagem e nas formas especiais. Não me entendam mal, não estou dizendo que
uma oração escrita ou lida não pode ser verdadeira; mas sempre, nesta questão
de oração, temos que ter muito cuidado para manter o equilíbrio entre a
liberdade do Espírito e a forma. Até certo ponto, as duas coisas são essenciais.
Contudo, evidentemente, o ensino do nosso Senhor é que o fator vital é o
Espírito; o domínio, a inspiração, a liberdade do Espírito Santo. E assim vocês
sempre verão que, em todos os grandes períodos de avivamento, quando o avi
vamento vem, as pessoas começam a largar das formas e liturgias e a tolerar a
oração livre, extemporânea. Mas isso também pode tornar-se mecânico, e o fato
de você não estar usando formas fixasnão significanecessariamenteque você está
sempre orando com liberdade. Há maior perigo nas formas do que na
oração extemporânea, porém mesmo esta não é garantia de que você não
se tornará mecânico e não ficará amarrado. Eis o grande princípio: não dê ênfase
à forma ou à beleza ou à perfeição da linguagem ou a qualquer coisa semelhante
a isso, mas sim, ao fato de que a verdadeira oração é no Espírito. Noutras
palavras, a oração, de acordo com este ensino, nunca deve ser algo meramente
formal, todavia deverá ser sempre algo vital.

Ainda mais, não digo que você não deve ter horas de oração fixas; mas, no
momento em que começar a fazer isso, terá que ser cauteloso. Haverá sempre o
perigo de você estar orando porque é meio-dia ou são 7 horas ou alguma hora do
dia e da noite, e não porque você está ansioso para estar em comunhão com
Deus. Todas estas coisas podem tornar-se em perigos. E por isso que, parece-me,
há certasfrases e expressões que jamais devemos empregar. Este ensino acerca
da oração no Espírito indica que nunca devemos falar em “dizer as nossas
orações”, nem empregar aquela outra frase leviana que tantas vezes está nos
lábios de algumas pessoas, “dizer uma oração”. Há quem fale em entrar
num edifício e “dizer uma oração”. Quer dizer que estão recitando uma
frase. Você não pode “dizer uma oração” quando está tendo comunhão com

Deus. Onde está o Espírito Santo? Onde está o elemento de vida? Repetir frases
não é orar. Não, diz o nosso Senhor, você tem que livrar-se disso tudo; a oração é
uma realidade espiritual. “Deus é Espírito, e importa que os seus adoradores o
adorem em espírito e em verdade.” O Espírito Santo é absolutamente essencial; e
sem Ele não podemos orar de verdade, pois a oração é uma viva, vital e real
comunhão com Deus, que é Espírito. Deus é Espírito. E a oração realmente
significaque o meu espírito está em comunhão com Deus. É pessoal. É
companheirismo, este companheirismo imediato, e nada menos que isso. Dessa
maneira o apóstolo lembra aos efésios que nesta matéria o Espírito Santo
é absolutamente essencial. Você pode ler suas orações sem o Espírito Santo.
Você pode repetir frases sem o Espírito Santo. Você pode ficar de joelhos e falar
sem o Espírito Santo. Entretanto você não pode fazer contato com Deus, não
pode comunicar-se realmente com Deus, que é Espírito, sem a atividade do
Espírito Santo, permitam-me ir mais longe, ao ponto de dizer que, sem o Espírito
Santo, nem o próprio Senhor Jesus Cristo e Sua obra, sós, podem levar-nos a esta
relação vital com Deus. “A hora vem, e agora é, em que os verdadeiros
adoradores adorarão o Pai (não neste monte, nem ainda em Jerusalém, mas) em
espírito e em verdade.” E isso que vem, diz Ele. E é isso que o Espírito Santo
produz e possibilita. Sem o Espírito Santo a oração é mecânica, sem vida,
difícil, a oração fica sendo uma tarefa terrível; mas comEle tudo mudae a
oração se toma livre e gloriosa, e o gozo supremo da alma.

Isso nos deixa agora com a pergunta: o que seria exatamente que o Espírito faz
nesta questão de oração? E as respostas são quase intermináveis. Vou
simplesmente dar alguns títulos. Em certo sentido poderíamos resumir tudo
dizendo que é Ele que, como intermediário, transmite-nos e torna vivido e real
para nós tudo o que foi feito pelo nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Todavia,
dividamos o assunto da seguinte maneira: por que eu oro, porque devo orar,
porque tenho desejo de orar? A resposta é, que é o Espírito Santo que cria em
mim uma mente espiritual. Por natureza o homem, como vimos extensamente
neste capítulo, não tem mente espiritual ou perspectiva espiritual. E sem a ação
do Espírito, a oração é uma completa impossibilidade; simplesmente não
conseguimos orar. Naturalmente, pode ser que nos tenham ensinado a dizer
nossas orações, e podemos ir fazendo isso mecanicamente a vida toda. E, que
pena, muitos de nós permanecem crianças nesta questão até o túmulo! Ensinados
a dizer as suas orações de manhã e de noite - e vocês verão adultos, homens
inteligentes, homens de

negócio e profissionais, que gostam e até se orgulham de dizer que continuam


dizendo as orações que aprenderam na infância. Permanecem crianças nesta
questão; noutras questõesnão permanecem crianças, mas nesta continuam
simplesmente fazendo o que sempre fizeram. E isso é tão sem sentido agora,
como o era então. Não é oração. A primeira coisa absolutamente essencial é que
devemos ter mente espiritual, perspectiva espiritual. Estávamos mortos em
ofensas e pecados; e embora nos tenhamos tornado cristãos, a condição de
mortos tende a permanecer e a afligir-nos. Às vezes não nos é difícil animar-nos?
Não nos inclinamos a orar, sentimo-nos sem vida, letárgicos e insípidos, e
as coisas espirituais não são reais para nós. Nesse estado não podemos orar. Pois
bem, o Espírito nos dá alento, nos vivifica, nos inquieta, nos move, nos estimula,
persuade as nossas mentes carnais a pensarem espiritualmente. Esse é sempre o
primeiro elemento essencial nesta questão de oração. Tornamo-nos cientes do
reino espiritual e somos levados a lembrar que nós mesmos temos o Espírito
dentro de nós. E no momento em que começarmos acompreender isso, em certo
sentido já estaremos começando a orar. Contudo é claro, a questão não termina
aí.

E o Espírito que nos mostra a nossa necessidade, é Ele que nos faz lembrar-nos
dos nossos pecados. Não há nada que tenha tanta probablilidade de levar um
homem a orar como a sua consciência do seu pecado e da sua necessidade. E
esta é a obra peculiar do Espírito Santo. Vocês vêem a diferença entre
meramente correr para apresença de Deus com certas petições, e
verdadeiramente ter companheirismo e comunhão. Você diz a si próprio: vou ter
esta audiência com o Rei eterno, imortal, invisível. Quem sou eu para entrar lá?
Que espécie de criatura sou eu? Como estou vestido? Como estou calçado? Qual
a minha aparência? Noutras palavras, o Espírito Santo está fazendo você ver
o seu pecado, Ele o está convencendo e o está tornando convicto da
sua necessidade, Ele está produzindo no seu íntimo uma santa tristeza,
um verdadeiro arrependimento. Isso tem o poder de induzi-lo à oração. Ele o
está preparando.

Isso nos leva ao próximo ponto, o qual é que Ele nos mostra a necessidade que
temos de Deus e da misericórdia de Deus e da bênção de Deus. Imediatamente
você é retirado da esfera das generalidades e se dá conta de que é uma alma
isolada. Você já não tem interesse pelas coisas e meros eventos e
acontecimentos; você foi levado pelo Espírito Santo a compreender que Deus lhe
deu esta dádiva especial, a alma, o espírito. Você vei o a este mundo como um
indivíduo, e embora sej a uma só pessoa dos milhões de pessoas neste mundo,
ainda assim você é um

ser isolado, distinto, separado e tem relação com esse Deus que também é
Espírito e é pessoal, e você vai encontrá-10. Assim você começa a sentir o
desejo de conhecê-10 e de estabelecer contato. O Espírito Santo faz isso. Pois
bem, isso é da própria essência da oração; ela se torna pessoal nesse ponto, e
deixa de interessar-se apenas pelas formas, aparências e coisas desse gênero.
Tudo isso ainda é muito vago. Mas um passo vital é dado quando a pessoa
começa a sentir necessidade de Deus. Quanto a vocês não sei, porém cada vez
mais eu me vejo procurando esta coisa singular em todas as pessoas. As pessoas
que me atraem, das quais eu gosto, são as que me dão a impressão de que têm
fome de Deus, que em suas almas anelam pelo Deus vivo. Eu coloco essas
pessoas adiante das demais. Esta é a coisa realmente vital, sentir fome, sentir
sede de Deus. Em certo sentido, não há o que supere isso. Você pode ser muito
ocupado e muito ativo sem isso. Pode sertão ocupado que você se toma quase
impessoal, alheio a si próprio, não percebendo a condição da sua própria alma e
a sua necessidade de Deus e da sua relação com Deus. O Espírito Santo
produz essa consciente necessidade de Deus.

Depois o Espírito de Deus vai adiante e nos revela Deus em Sua glória. Isso
também é algo absolutamente vital e essencial. Tenho para mim que, em última
análise, todas as dificuldades da oração provêm da nossa incapacidade de
compreender a verdade sobre Deus. Ah, que diferença faria! Somos todos como
Moisés, não somos? E acaso não somos como Josué, depois dele? Queremos
correr para a presença de Deus. Vocês se lembram de como Moisés, perto da
sarça ardente, não entendeu muito. Ele ia investigar, ia correr para lá. Então veio
a voz e falou: para trás! “Tira os teus sapatos de teus pés; porque o lugar em
que tu estás é terra santa.” Esse é o terreno em que eu e vocês estamos quando
nos dedicamos à oração. Vamos estar na presença de Deus. E o Espírito nos
revela Deus em Sua glória e em Sua majestade. Entretanto não só isso, Ele nos
revela Deus como nosso Pai. E assim Ele cria em nós o desejo de conhecer a
Deus e de manter comunhão com Ele. Foi algo semelhante a isto que levou o
salmista a dizer: “Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a
minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo”
(42:1-2). O Deus vivo! Ele não quer mais simplesmente orar a Deus, ele quer o
Deus vivo e quer um ato vivo e real de comunhão, a experiência de estar com
Deus. Ora, é somente o Espírito que faz isso. E quando acontece esse tipo
de coisa, a oração é totalmente diferente. Toma-se a coisa mais animadora do
mundo, toma-se a coisa mais emocionante. Ela deixa de ser formal,

rígida e difícil, e deixamos de ter todos esses problemas.

Além disso, o Espírito realiza a obra que o próprio Senhor nosso declara que é a
Sua obra mais especial e mais peculiar, a saber: Ele mantém os nossos olhos fitos
no Senhor Jesus Cristo. Disse o Senhor que o Espírito Santo O glorificaria: “Ele
me glorificará” (João 16:14). Esse é o Seu supremo propósito e função. E é
exatamente o que Ele faz. Havendo nos mostrado a nossa total pecaminosidade,
debilidade e pequenez, e a glória de Deus, Ele nos leva ao Senhor Jesus Cristo.
Ele nos faz vê-lO em toda a glória e maravilha de Sua Pessoa, em toda a glória e
maravilha da Sua obra. Vemo-10 como o Mediador. Permitam-me colocá-lo na
forma de perguntas. Sempre que oramos percebemos anossa completa e absoluta
dependência do Senhor Jesus Cristo e da Sua obra expiatória? Estamos sempre
conscientes do fato de que, sem o sangue de Jesus, não podemos ter acesso à
presença de Deus? Certamente nós todos teríamos que confessar que milhares
das vezes em que oramos, “tomamos isso como líquido e certo”. E vejam só o
que tomamos como líquido e certo: o fato mais glorioso da história! Não damos
graças a Deus por ele, não meditamos nele, não pensamos nele até os nossos
corações serem arrebatados. Nós apenas o pressupomos. Haverá coisa mais
terrível, ou, em certo sentido, mais próximo do blasfemo, do que presumir
simplesmente o sangue do Calvário e a morte de Cristo? O Espírito Santo nunca
nos permitirá fazer isso. Ele nos revelará o Senhor Jesus Cristo em toda a Sua
glória e, graças a Deus, em Sua total suficiência. Assim é que, quando estiver na
presença de Deus, e terrivelmente cônscio da sua própria pecaminosidade, da sua
indignidade, da sua impureza, da sua baixeza e da sua fraqueza, o Espírito
Santo revelará a você que foi quando nós estávamos “ainda fracos” que
Cristo “morreu a seu tempo pelos ímpios”; que foi quando éramos “inimigos”
que fomos salvos pela morte do Senhor Jesus Cristo (Romanos 5:6,10). Será
então que o Espírito o fará lembrar que Cristo disse: “Eu não vim chamar os
justos, mas os pecadores, ao arrependimento” (Mateus 9:13). Será então que
você verá desfilarem Maria Madalena e todos os demais chegando a Deus,
conduzidos por Ele. O Espírito Santo mostrará tudo isso a você. E você verá que,
apesar da sua baixeza indescritível, não obstante você tem acesso à presença de
Deus. Você dirá com Charles Wesley:

Justo e santo é o Teu nome!

Eu, cheio de pecado e jaça,

Eu sou tudo o que há de mau;

Cheio és Tu de verdade e graça!

Ele revela, Ele desvenda o Senhor Jesus Cristo. Quando você se põe a orar, você
tem aquelas exaltadas visões da Pessoa e da obra do Senhor Jesus Cristo? E isso
que prova que você está orando “no Espírito”. Você não pode orar no Espírito
sem ser levado a vê-lO e aperceber-se dEle como nunca antes.

É igualmente o Espírito Santo que nos leva a um entendimento de todas as


promessas de Deus. Sabemos o que é estar cercado de provações, tribulações e
problemas, e o que é estarmos cientes da nossa fraqueza e ineficiência. De fato
somos tentados a clamar aEle: que farei? Que farei? E aí o Espírito começa a
revelar a você as “grandíssimas e preciosas promessas”, e tudo se transforma. E
Ele que nos revela Deus como nosso Pai, como “o Pai de nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo” e o nosso Pai. Vocês se lembram desta colocação feita por
Paulo: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou
com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo” (Efésios 1:3).
No momento em que você se der conta disso, toda a sua perspectiva mudará.
Você dirá a si mesmo: bem, embora as coisas estejam como estão, Deus é meu
Pai, e tenho a autoridade do Senhor Jesus Cristo para dizer que Ele tem todos os
cabelos da minha cabeça contados, que Ele não somente se interessa pela queda
de cada pardal, Ele está infinitamente mais interessado em mim e em tudo o que
me acontece. Ele é o Pai de Jesus Cristo, e é meu Pai; e como Ele cuidou dEle,
cuidará também de mim. Ele disse: “Não te deixarei, nem te desampararei”
(Hebreus 13:5). Você tem alguma experiência disso? Você sente na presença de
Deus, por ser filho de Deus, embora estando talvez quase sufocado por
dificuldades e problemas, uma alegria e felicidade que domina e supera tudo? E
isso que o Espírito Santo faz.

Permitam-me dizê-lo definitivamente desta forma: escrevendo aos romanos, o


apóstolo diz: “Não recebestes o espírito de escravidão para outra vez estardes em
temor, mas recebestes o espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba,
Pai” (ou, “o Espírito de adoção...”, 8:15, VA). Sabemos algo sobre escravidão,
não sabemos? Sabemos algo sobre as dificuldades que enumerei no princípio - e
isso é pura escravidão. Tentar pensar em algo que dizer, tentar produzir
um sentimento - ah, que escravidão é essa! Não há liberdade aí. Que diferença
um filho falando com seu pai, estendendo as mãos para o pai, para abraçá-lo,
sussurrando suas pequeninas coisas porque está alegre por ver seu pai. E assim
que devemos orar, com uma gloriosa liberdade. “Não o espírito de escravidão
para outra vez estardes em temor! - mas o Espírito de adoção de filhos, pelo qual
clamamos (com este clamor

rudimentar, infantil, filial): Aba, Pai.” Você experimenta liberdade na oração?


Você experimenta esta eloqüência espiritual na oração? Você sabe o que é ser
arrebatado de si próprio na oração? Você sabe o que é quase desejar continuar
orando para sempre, e achar difícil parar? Isso é orar no Espírito, quando a
oração chegou às suas maiores alturas. Aí está, pois, o modo como temos acesso
ao Pai, diz Paulo, mediante o Senhor Jesus Cristo, e pelo Espírito.

Permitam-me colocar tudo numa pergunta. Você gosta de orar? Você sempre
gostou de orar? E para você a ocupação mais agradável? Se não é, é porque você
esqueceu que as operações do Espírito Santo são absolutamente essenciais à
oração. Portanto, quando você for orar, lembre-se disso. Ore a Ele, peça-Lhe que
o anime, que o vivifique. Ele o fará; Ele já o fez sem você perceber. O desejo de
orar foi produzido por Ele, o simples pensar nisso. É Ele que produz todos estes
bons desejos; Ele “opera em vós tanto o querer como o efetuar”
(Filipenses 2:13); peça-Lhe, pois, e Ele o fará crescer. Vá a Ele, seco e
amortecido como você está, diga-Lheque você tem vergonha de si próprio, diga-
Lhe que você quer conhecer a Deus, diga-Lhe que você quer fruir a Deus, diga-
Lhe que você quer esta liberdade no Espírito; e peça a Ele que torne isso
possível, e persevere até que a resposta venha. E virá! Ouça de novo a palavra do
apóstolo em Romanos 8:26 e 27, neste sentido: “O Espírito ajuda as nossas
fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o
mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis. E aquele que
examina os corações sabe qual é a intenção do Espírito”. É tão maravilhoso que,
mesmo quando nos vemos completamente desamparados e não sabemos pelo
que orar ou o que fazer, e, digamos, ficamos desesperados-não chegamos a
experimentar esse extremo, graças a Deus - mesmo então nos vemos gemendo,
sem saber o que estamos dizendo. E o próprio Espírito fazendo intercessão por
nós, em nós, por meio de nós, com gemidos inexprimíveis. Se Ele faz isso sem a
nossa solicitação, sem que Lho peçamos, quanto mais certo é que, se
verdadeiramente Lhe pedirmos e buscarmos o Seu auxílio, Ele nós responderá!
E, começando a orar no Espírito Santo, teremos verdadeiro acesso à presença de
Deus, e não somente glorifi-caremos a Deus, como também começaremos a
gozá-lO para sempre.
25

A UNIDADE CRISTÃ

“Assim que já ...” - Efésios 2:19

Agora vamos dar nossa atenção às duas palavras do apóstolo, “Assim já” (ARA),
ou “Portanto, agora” (VA). Noutras palavras, em nossa consideração do capítulo
dois desta grande Epístola, chegamos ao ponto no qual o apóstolo, tendo
completado a sua declaração maior, faz um sumário, ou faz uma pausa
momentânea para juntar as diversas verdades que estivera dizendo. E como ele o
faz, é importante que igualmente o façamos. Sempre se corre o perigo, quando se
trata de uma grande seção das Escrituras como esta, de que, ao se tratar dos
vários pormenores, como estivemos fazendo, e tivemos que fazê-lo
necessariamente, pode-se muito bem perder a linha mestra de orientação ou
o argumento principal da seção. Por isso é muito importante que, exatamente
como nos sugerç o apóstolo, façamos uma breve pausa e consideremos o que
estivemos extraindo e captando.

Que coisa tremenda! E importante que o examinemos como um todo por um


momento. Fomos sendo levados através dos passos dados: o apóstolo nos
mostrou exatamente como Deus fez uma grande obra por meio do Senhor Jesus
Cristo, como a parede intermediária de separação

- a lei dos mandamentos nas ordenanças - foi demolida. Há esta entrada, este
acesso à presença de Deus no Senhor Jesus Cristo e por meio do Espírito Santo.
O que precisamos ter em mente é esta grande questão de unidade, da unidade
que existe entre todos os que são verdadeiramente cristãos. E isso que o apóstolo
tem superiormente em seu pensamento

- este “um só corpo”, este “um só novo homem”; “nós ambos”, temos acesso
por um só Espírito, e assim por diante. É sobre isso que ele deseja que tenhamos
claro entendimento. E, portanto, é bom observar o que em geral constitui esta
unidade, o que a produz, o que a traz à existência e lhe dá continuidade. Aqui
nos vemos face a face com uma das grandes e cruciais declarações das
Escrituras.

Ao examinarmos isto, certos grandes princípios se nos tomarão manifestos. Por


exemplo, vocês não podem considerar uma passagem como esta sem se
lembrarem'claramente do que é ser cristão, e do que nos torna cristãos.
Mostrando como estes efésios foram introduzidos

na Igrej a com os judeus, o apóstolo mostra o que teve que acontecer com o
judeu e com o gentio antes de poderem sequer entrar na Igreja, antes de sequer
poderem ir à presença de Deus. Assim é que, aqui, de passagem, somoslevados
aestapedra fundamental, aestaposição básica na qual vemos claramente o que
nos torna cristãos. Noutras palavras, aí nos é dada uma esplêndida definição do
cristão.

Outra coisa que nos é exposta é que nenhuma outra coisa pode unir
verdadeiramente os homens, a não ser este evangelho. Vemos isso da seguinte
maneira: o apóstolo, ao expor e mostrar como foi produzida esta maravilhosa
unidade, de passagem nos mostrou o que teve que acontecer para que isso se
tornasse realidade. À medida que vamos tendo discernimento das coisas que
dividem homens e mulheres, somos levados e impelidos à conclusão de que
nada, senão o poder de Deus em Cristo e por meio do Espírito Santo no
evangelho, pode unir homens e mulheres. É certamente algo muito importante
que devemos ter em mente na hora presente. Quando digo isso, estou pensando
não somente na Igreja, mas também na situação internacional em geral. Há muita
prosa falsa, leviana e superficial sobre a unidade na Igreja e entre as nações.
Mas, como eu entendo o ensino das Escrituras, e especialmente esta seção
particular, não há nada que seja tão perigoso, e afinal tão fátuo e tão
completamente fútil, como esta vaga e geral conversa sobre juntar pessoas e
estabelecer o que chamam “uma unidade”.

Temos que reconhecer que há ocasiões em que parece haver uma unidade: porém
acabará se evidenciando apenas uma unidade superficial, apenas uma aparência.
As vezes, por causa de certas circunstâncias, as pessoas se unem, levadas talvez
por uma necessidade comum ou por um perigo comum, e então se vêem
conversando e cooperando umas com as outras, e trabalhando juntas. Mas isso
não é necessariamente uma verdadeira unidade, como a história o demonstra
com muita clareza. Pode haver uma aproximação de homens ou nações, ou entre
diferentes segmentos da Igreja Cristã, com objetivos específicos, e as
pessoas superficiais são tentadas a dizer que afinal a inimizade foi abolida e
são todos um. No entanto, uma comunidade de interesse ocasional não é uma
real unidade. Leiam os seus livros de história secular e observem o que as nações
têm feito, notem como houve estranhas combinações de países em ocasiões
diferentes, e como no momento parecia que eles tinham formado uma firme
amizade, que nunca poderia ser dissolvida. Mas então, poucas páginas adiante
em seu livro de história, vocês verão estes dois países, que pareciam ter-se
tomado um, em conflito um com o outro. Eis a explicação. Quando pareciam
estar numa firme amizade,

foi somente porque havia tais circunstâncias no caso de ambos os países, que era
compensador e conveniente a eles que se juntassem. Isso se vê com freqüência
durante uma guerra. Surge de repente um inimigo comum, e os outros (que
realmente não se dão bem e sempre foram antagônicos), por causa daquele
perigo comum, cooperam entre si com a finalidade de manter o inimigo por
baixo; porém depois, no momento em que isto se realiza, eles voltam a
desentender-se. O que parecia unidade não era unidade nenhuma, era pura
fachada, mera aparência. Isso não é unidade real.

Exatamente a mesma coisa se aplica nos domínios da Igreja. Há os que pensam e


dizem que, em face do grande inimigo, o materialismo (chamem-lhe
comunismo, se o preferirem), todos os que se chamam cristãos de um modo ou
de outro devem juntar-se. Não devemos incomodar-nos com definições, mas
devemos cerrar fileiras numa frente comum contra esta grande inimigo. Há,
portanto, os que dizem que os católicos romanos e os protestantes deveriam
trabalhar juntos e unir-se, esquecer todas as suas diferenças, levantar-se juntos
em defesa da civilização ocidental, ou seja qual for o nome que acaso se lhe dê,
contra este grande adversário comum. E pensam que isso é unidade. Ora,
a minha afirmação é que o ensino deste parágrafo da nossa Epístola, sem ir mais
longe, mostra-nos como é superficial e, em última análise, como é fútil toda essa
conversa. Se captamos bem o ensino desta seção, que nos ajuda apenetrar no
conhecimento da natureza do homem em pecado, e que é o que de fato divide as
pessoas fundamentalmente, então penso que somos levados à conclusão de que
nada menos que uma solução fundamental, como a que unicamente o evangelho
oferece, e nenhuma outra coisa, pode produzir esta verdadeira, real e duradoura
unidade. É o que este ensino mostra com clareza.

Depois, outra coisa que se vê com clareza é a seguinte: é-nos dado um


entendimento e um profundo discernimento da natureza desta verdadeira
unidade existente entre os cristãos. O ponto é que somente os que se enquadram
na descrição dada aqui é que são realmente um. O apóstolo fala desta unidade
em termos de um só corpo e nos oferece esta maravilhosa analogia do corpo,
analogia tão frequentemente utilizada por ele. Ele salienta que se trata de uma
unidade vital, orgânica; não é simplesmente uma questão de se ligarem
frouxamente as pessoas, não é simplesmente uma questão de, num dado
momento, as pessoas esquecerem as diferenças e formarem uma espécie de
coalizão. Nada disso! E uma unidade viva, uma unidade que prevalece no corpo,
onde os dedos se ligam ao restante do corpo, não apenas grudados, mas uma

unidade viva, unidade de sangue e de nervos. É um todo, com várias partes, não
certo número de partes postas juntas para formarem um todo. Começa-se do
centro para fora, e não vice-versa. Talvez eu possa fazer um sumário disso tudo
dizendo que a unidade entre os cristãos é uma unidade completamente inevitável
por causa daquilo que é verdadeiro quanto a todos e a cada um. Às vezes penso
que esse é o princípio mais importante de todos. Parece-me que, com toda essa
conversa sobre unidade estamos esquecendo a coisa mais importante, que a
unidade não é uma coisa que o homem tem que produzir ou arranjar: a
verdadeira unidade entre os cristãos é inevitável e indeclinável. Não é criação
do homem; é, como tão claramente nos foi mostrado, criação do próprio Espírito
Santo. E a minha tese é que existe essa unidade neste momento entre cristãos
verdadeiros. Não me importa quais sejam os rótulos que lhes ponham, a unidade
é inevitável; eles não a podem evitar, por causa daquilo que realmente
caracteriza cada um dos cristãos, individualmente falando.

Permitam-me mostrar-lhes a seguir como estes princípios são aqui expostos em


detalhe. Háprimeiramente este grande postulado, que, por natureza, por causa
dos seus antecedentes e do que está por trás deles, os homens estão
deseperadamente divididos. Isso nos foi mostrado aqui, em termos do judeu e do
gentio, e dos profundos e violentos preconceitos que ambos tinham. Isso é o
homem em pecado. O homem em pecado é um montão de preconceitos. E posto
que todos os homens estão em pecado e têm esses preconceitos, a desunião
é inevitável. O judeu desprezava o gentio, o gentio odiava o judeu, e então havia
aquela parede de separação que estava no meio. O mundo ainda estácheio desse
preconceito racial -pessoas que não hesitam em excluir nações inteiras e a
condená-las, a falar delas com sarcasmo e zombaria; e, por sua vez, os
condenados fazem exatamente a mesma coisa. Essa é a verdade com relação a
classes, com relação a grupos. A humanidade toda está dividida dessa maneira.
Não é algo superficial, é profundo na vida do homem, é elementar. Num sentido
é algo que está fora do controle do homem. Ele tenta dominar isso, coloca por
cima um revestimento de cavalheirismo e polidez, ele pode sorrir para
alguém que ao mesmo tempo ele está amaldiçoando em seu coração. Montamos
o espetáculo, e as aparências são resguardadas, porém por baixo há inimizade e
desunião; e o simples fato de que as pessoas mutuamente sorriem e apertam as
mãos não nos diz nada, necessariamente, do que se passa em seus corações. Elas
podem publicar os seus comunicados e, todavia, ao mesmo tempo podem estar
planejando e conspirando o

fracasso umas das outras e fazendo várias coisas inamistosas umas contra as
outras. Todos nós sabemos muito bem disso. A arte da política, geralmente assim
chamada, seja política local ou imperial ou internacional, baseia-se precisamente
na suposição de que não se pode confiar em ninguém e que você tem que estar
de olho nos seus melhores interesses, fazendo concessões quando lhe for
conveniente.

Essa é, pois, a verdade acerca da humanidade. E é a verdade ao nível individual


exatamente como o é ao nível internacional. Portanto, não somente é ser novato
nestas questões, e ingênuo, falto de instrução e iletrado quanto ao conhecimento
da história, aquele que supõe que as aparências são o que são; é também
profundamente perigoso. Noutras palavras, voltamos a isto: antes que possa
haver unidade entre os homens, tem que haver uma mudança radical neles. Tem
que haver uma mudança na própria constituição deles. O que precisa ser mudado
em cada um de nós, no que somos por natureza, são os nossos
preconceitos fundamentais; não o que fazemos à superfície para favorecer
negócios ou as aparências, mas o que realmente somos, o que realmente
cremos nas profundezas de nosso ser. Enquanto isso não for posto em
ordem, será ocioso e uma pura perda de tempo falar em unidade.

Então, que é que o evangelho faz para produzir esta unidade? Como foi que estes
judeus e gentios vieram a estar juntos? Por que todos os verdadeiros cristãos são
necessariamente um? Eis algumas das respostas:

Todos somos pecadores, e nada, senão o evangelho, leva as pessoas a verem isso.
Todos nós somos pecadores, cada um de nós. Vou além e digo: todos nós somos
igualmente pecadores. O que determina se você é um pecador ou não, não é a
soma total dos pecados que você cometeu, é a sua atitude total para com Deus.
Aqui é que vemos quão fúteis e superficiais são todas as divisões e distinções.
Era isso que mantinha separados o judeu e o gentio. O judeu dizia: somos o povo
de Deus e temos as Escrituras, os oráculos de Deus, temos a lei, temos
o cerimonial e o templo; estes outros não têm nada destas coisas. E achavam que
isso os acertava, que isso fazia uma diferença vital. Mas o propósito geral da
pregação do evangelho, diz o apóstolo Paulo, é mostrar ao judeu que ele é tão
pecador quanto o gentio. “Não há um justo, nem um sequer.” “Todos pecaram e
destituídos estão da glória de Deus.” Todo o mundo “tornou-se culpado diante de
Deus”. Nesta altura vocês vêem como é inteiramente superficial, e que
disperdício de tempo é favorecer as nossas divisões entre gente muito má, gente
má,

gente boa, gente muito boa, e gente nobre. São nossas classificações, não são? A
um homem chamamos pecador, um de fora; e julgamos outro respeitável, muito
fino e muito bom. Realmente atribuímos significação a todas estas divisões e
distinções. No momento em que você vem para o evangelho, tudo isso é
demolido e se torna completamente irrelevante. A prova, afinal de contas, não é
o que somos entre nós e de acordo com as nossas medidas e os nossos padrões.
Cada um de nós tem que vir à presença de Deus. E, face a face com Ele, somos
todos pecadores, somos todos vis. Não O conhecemos. Não O servimos como
devíamos. Quebramos as suas leis. Cada um foi por seu próprio caminho.
“Todos nós andamos desgarrados como ovelhas” (Isaías 53:6).

Entendemos isso perfeitamente bem na esfera natural. Mas de algum modo


falhamos não aplicando isso à esfera espiritual. Temos os nossos padrões para
medir a luz e a energia elétrica, e assim por diante. Falamos em voltagem, em
tantos ou quantos watts e em coisas como essas, e aí estão divisões e distinções -
ligarei uma lâmpada de 150 watts ou uma de 15? Que diferença! A diferença
parece ser muito importante. Contudo, leve as duas, a de 15 e a de 150, e
coloque-as diante do sol, e as suas diferenças não importarão mais. Não importa
se você tem uma vela ou uma candeia ou uma lâmpada muito poderosa, à luz do
sol elas são trevas, por assim dizer, e as diferenças são irrelevantes e não
pesam nada. E assim na esfera espiritual. Todos nós estamos face a face
com Deus. E quando estou na presença de Deus e da Sua santidade e da Sua lei,
não me servirá de ajuda pensar que talvez eu seja um pouco menos mau do que
alguma outra pessoa; a questão é: sou suficientemente bom para Ele? Sou
suficientemente bom lá? E o que este evangelho fez foi mostrar Deus aos
homens e mostrar os próprios homens à luz de Deus; e estão todos condenados,
estão todos sob um denominador comum. Não há judeu nem gentio, bárbaro,
cita, escravo nem livre, rico nem pobre, instruído nem ignorante. Todas estas
coisas são irrelevantes -preto ou branco, este lado de uma cortina ou aquele. Isso
não importa, todos pecaram. Esse é o primeiro passo para a unidade. Antes que
possa haver unidade, todos nós temos que ser derrubados ao pó.
Enquanto qualquer de nós estiver de pé, e quiser impor-se, nunca vocês
terão unidade, porque ele está se gabando de alguma coisa, está agarrado a
algo que lhe é peculiar. Vocês jamais conseguirão unidade dessa maneira; temos
que dar cabo do ego. Mas aqui, encarando Deus no evangelho, somos lançados
ao pó, somos forçados a ver anossa total pecaminosidade, e um a um vemos
exatamente em que situação estamos na Suapresença.

Essa primeira resposta leva inevitavelmente à segunda. Não só

todos nós somos igualmente pecadores, porém também somos todos igualmente
incapazes. Pois bem, essa era a dificuldade com o judeu; ele não percebia a sua
incapacidade. Achava que o seu conhecimento da lei ia salvá-lo de um modo ou
de outro. Mas ele passou a ver que não ia. Como o apóstolo diz no capítulo três
de Romanos: “pela lei vem o conhecimento do pecado”. Certamente! Muito
valiosa nesse aspecto! “Eu não conheceria a concupiscência, se a lei não
dissesse: não cobiçarás” (Romanos 7:7). Ela marca a coisa. A lei é de
inestimável valor nesse aspecto. No entanto, o tolo judeu achava que o seu
conhecimento da lei puro e simples de algum modo o salvava. Mas não o
fazia nem podia fazê-lo. A lei simplesmente condena; não ajuda a salvar. Isso é
vital para o argumento geral deste apóstolo, e para o argumento geral do
evangelho em toda parte. Ouçam-no dizê-lo também em Romanos 8:3: “Portanto
o que era impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando
o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado
na carne; para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos
segundo a carne, mas segundo o Espírito”. Aí está, uma vez por todas. Não
somente somos todos pecadores, todos nós juntos, porém igualmente somos
todos incapazes em nosso pecado. Podemos, com grande determinação e força
de vontade, tentar ser melhores, mas inutilmente. Há pessoas que podem levar
uma vida excelente, abstêmia e nobre; podem dedicar-se e aperfeiçoar-se e a
elevar-se na escala moral; entretanto quão fútil isso é, pois a tarefa é chegar a
Deus! E ocioso gabar-se dos cavalos de força dos seus carros motorizados
quando você se defronta com uma montanha que o carro mais poderoso não
poderá subir. E essa é a situação do homem em pecado. Não importa quão
grande seja a luta moral de um homem, ele, por si mesmo, nunca poderá chegar
a satisfazer a Deus e às Suas exigências. Ninguém poderá permanecer de pé no
juízo simplesmente firmado em sua justiça própria e por seus próprios
esforços; quando compreendemos isso, todos só temos que dizer:

Meus labores, minha mão Cumprir jamais poderão O que Tua lei exige;

Se o meu zelo e o meu ardor Repouso não conhecessem E as minhas sentidas


lágrimas Perpetuamente corressem,

E tudo pelo pecado,

Pecado não poderiam Expiar; nunca o fariam!

Somos todos um em nossa incapacidade, em nossa fraqueza, em nossa


desesperança, em nossa ineficácia; estamos juntos no pó. A compreensão disso é
que traz unidade. Antes disso, altaneiro, alguém diz: eu sou melhor do que você,
progredi muito mais que você. Jazendo desamparados no pó, percebemos que
não temos de que nos gabar, não temos nada que possamos falar. Somos
silenciados, todos nós juntos. A competição é abolida. Negativamente, estamos
todos na mesma situação.

E isso, naturalmente, leva a outro ponto que o apóstolo salienta. Todos nós
viemos ao mesmo e único Salvador. Como o apóstolo se delicia em repetir o
nome! “Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue
de Cristo chegastes perto” - vejam vocês como ele o repete logo! “Porque ele é a
nossa paz, o qual de ambos os povos fez um”; “Na sua carne (ele) desfez a
inimizade, isto é, a lei dos mandamentos”; “para criar em si mesmo dos dois um
novo homem”; “e pela cruz (ele pudesse) reconciliar ambos com Deus em um
corpo”; “e, vindo ele, evangelizou a paz”; “porque por ele ambos temos acesso.”
É sempre esta bendita Pessoa. Aqui estamos começando a ver o assunto
positivamente. Estamos todos juntos no pó, nas cinzas e em trapos. Então
erguemos os olhos e olhamos juntos para a mesma Pessoa bendita. Não estou
interessado num Congresso Mundial das Crenças. Não posso ajoelhar-me e estar
com pessoas, das quais uma está com os olhos postos em Confúcio, outra em
Maomé, outra em Buda e outra em algum filósofo. Não posso! Há somente Um
para quem olhar, o bendito Filho de Deus. E eu não tenho nenhum sentimento de
unidade e nenhuma comunhão com quem não esteja olhando comigo para
o mesmo Salvador. “Há um só Deus e um só Mediador (unicamente
um Mediador) entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem” (1 Timóteo 2:5).
Não há unidade sem isso. Estamos juntos no fracasso e na incapacidade, e agora
estamos olhando juntos para a mesma Pessoa bendita. E se não estamos, de que
vale falar em unidade? De que vale falar em ter coisas em comum e em afirmar
que somos todos um, se há alguma dúvida sobre Ele, quanto a se Ele é o Filho de
Deus ou apenas homem? Sehouverqualquerdúvidasobreisso, não haverá unidade,
não haverá comunhão. Temos que confessar juntos que há somente um Salvador,
unicamente um Senhor Jesus Cristo, Deus e homem, duas
naturezas em uma pessoa, nascido da virgem, Maria, crucificado sob
PôncioPilatos, ressurreto. Épreciso quenão haja dúvida sobre Ele! Não haverá
unidade, a menos que estejamos de acordo sobre Ele! O mesmo Salvador, a
mesma Pessoa!

E depois temos a mesma salvação! Devemos particularizar, vocês sabem. Não


basta dizer: ah, eu creio em Cristo e sou um com todos os que crêem em Cristo.
Todavia, o que significa crer em Cristo? Bem, notem como o apóstolo o
expressa. Diz ele que “naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da
comunidade de Israel, e estranhos aos concertos dapromessa, não tendo
esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós, que antes
estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto”. Esse é o único
caminho. Eu não estou perto de um homem qualquer, a não ser que ele tenha
sido trazido para perto pelo sangue de Cristo. Não tenho comunhão com alguém
que não gosta da teologia do sangue. Ele poderá dizer-me, se quiser, que crê em
Cristo, porém eu não conheço nenhum Cristo, exceto o Cristo que morreu
por mim e pelos meus pecados na cruz. Não tenho acesso ao Pai, exceto “pelo
sangue de Jesus”. O homem que deixa de lado a cruz é um homem com quem eu
não estou em comunhão, não me interessa que título ele se dê. Não há unidade,
exceto entre os que pertencem ao grupo dos comprados pelo sangue, os quais
compartem a mesma salvação na qual a cruz é inevitável, essencial e central.
“Nenhum outro havia suficientemente bom para pagar o preço do pecado.”
Deus, diz ainda Paulo no capítulo três de Romanos, tem que ser justo quando age
como justificador daquele que crê em Jesus. Não posso crer num Deus que possa
tolerar o pecado e fingir que não o vê. Deus é “santo, justo e reto”. Ele disse que
punirá o pecado, e terá que fazê-lo; e creio que Ele o fez em Cristo, na cruz. Foi
aquele mesmo Cristo da cruz que literalmente saiu corporalmente do túmulo e
subiu ao céu para a minha justificação. Sou um só com aqueles que estão
vestidos com a mesma veste dejustiça, que é a justiça de Cristo. Não há unidade
quando as pessoas estão com vestes diferentes - uma com a sua justiça moral,
outra com a justiça de alguma filosofia, a outra com a justiça de Cristo. Não
somos um com ninguém, senão com os que “lavaram as suas vestes no sangue
do Cordeiro” e estão imaculadamente vestidos com a justiça do Filho de Deus.
Esse é o argumento; não somente na passagem que estamos estudando, é
o argumento em toda parte. Compartimos uma “salvação comum”. Essa é a
expressão utilizada, vocês se lembram, na Epístola de Judas.

Todas estas coisas são comuns a todos os cristãos. Além disso, temos o mesmo
Espírito Santo habitando em nós, vivendo em nós,
agindo em nós, e realizando exatamente a mesma obra em nós. O apóstolo já o
tinha mencionado. É “por um só Espírito” que temos este nosso acesso ao Pai.
“Operai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em
vós tanto o querer como o efetuar” - o mesmo Deus, o mesmo Espírito Santo!
Unidade maravilhosamente orgânica! Quão diferente é isso de dizer-se
superficialmente: unamo--nos. Há um inimigo comum, esqueçamos as nossas
diferenças! Necessitamos de uma mudança radical. É a nossa natureza que causa
divisões, e seja o que for que não trate da nossa natureza, não terá a
mínima possibilidade de resolver o problema. E para mudar a nossa natureza,
eis o que é necessário - é preciso que venha o Espírito Santo. E Ele veio, está em
todos nós, está produzindo em nós - e isto é talvez, em muitos aspectos, o que há
de mais maravilhoso - a mesma nova natureza. “Se alguém está em Cristo, nova
criatura é (uma nova criação); as coisas velhas jápassaram; eis que tudo se fez
novo.”0 cristão não é alguém que fez automelhoramento, ou que até certo ponto
aprendeu a dominar-se e, na linguagem das Escrituras, “limpou o exterior do
copo e do prato”. Nada disso! Ele é um novo homem. Deus o fez “participante
da natureza divina”. E a natureza divina é caracterizada pelo amor.

Como podemos conseguir unidade, se não houver amor? Mas o Espírito Santo
produz este novo homem, esta nova natureza. Este “fruto do Espírito” vê-se em
todos os cristãos, e assim é que temos a unidade inevitável. Todos os cristãos
nascem do Espírito, do mesmo Espírito. “Necessário vos é nascer de novo”,
disse Cristo a Nicodemos. “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido
do Espírito é espírito.” Isto é absolutamente essencial. Os homen nunca serão
um, se não tiverem esta mesma natureza comum. Em Cristo nós a temos. E Ele
criou em Si mesmo “dos dois um novo homem, fazendo a paz”. Esta Sua
nova humanidade! E assim, com esta no va natureza, com esta nova
disposição dentro de nós, nós que somos cristãos, temos os mesmos
interesses, estamos preocupados com as mesmas coisas e temos os
mesmos desejos. Por isso, quando nos encontramos, logo vemos que temos
esta co-participação em interesses e desejos. Não é difícil achar algo de que falar
quando você se encontra com um cristão. Você o reconhece na hora. Vocês
conversam sobre as mesmas coisas, sobre estes assuntos espirituais; não ficam
mais conversando sobre o mundo e as suas pomposas e superficiais nulidades, e
sim, sobre os interesses eternos, a alma, Deus, Cristo, a salvação, o novo
nascimento, e todas estas coisas. Os cristãos se reúnem e se falam. É como são
descritos os fiéis do Velho e do Novo Testamentos. Pessoas que se conhecem,
que se sentem mutuamente
atraídas, que se entendem; não precisam de introduções bem elaboradas, logo
pegam estes tópicos comuns, os mesmos desejos os anima, e compartilham as
mesmas esperanças. Como é inevitável a unidade entre os cristãos!

Depois isso nos leva a esta verdade: temos o mesmo Pai. “Porque por meio dele
(ou por ele) ambos temos acesso ao Pai por um só Espírito” (VA). Pertencemos
uns aos outros porque pertencemos a Deus. Somos filhos do mesmo Pai. Ora
membros de uma família, podemos discordar e brigar às vezes, porém há por trás
uma unidade fundamental. Essa é a diferença entre a verdadeira unidade entre
os cristãos e esta unidade produzida artificialmente sobre a qual o mundo e,
infelizmente, a Igreja tanto falam no presente. Você pode olhar para uma família
e dizer: eles parecem odiar uns aos outros, vejam como brigam. Mas, se você
procurar conviver com eles, logo verá que eles são um, porquanto há uma
unidade de sangue. Eles pertencem à mesma família, ao mesmo pai. Eles têm
direito, por assim dizer, têm liberdade de discordar, entretanto há sempre esta
unidade básica. Todavia, naquelas outras pessoas, que à superfície parecem tão
unidas, por baixo, no coração, não há nada sólido, e a aparência de unidade entra
em colapso na hora da maior necessidade. Como cristãos verdadeiros, temos um
só Pai. Somos filhos do mesmo Rei celestial. E, portanto, temos os
mesmos interesses familiares.

Não somente o acima exposto caracteriza a todos nós como cristãos, mas até as
mesmas provações nós temos. Temos as mesmas tentações. Temos os mesmos
problemas. Isso às vezes nos faz compreender a unidade mais que qualquer outra
coisa. Quando você pensa que está só em suas dificuldades, provações e
tribulações, e vem à casa de Deus, como fez o homem do Salmo 73, você logo se
dá conta: “Bem, de qualquer forma, não estou sozinho nisto”. Você encontra
alguém e começa a contar-lhe os maus momentos pelos quais está passando.
E quando você lhe pergunta como vão as coisas com ele, ele lhe diz a mesma
coisa que aconteceu com você na mesma semana. Visto que somos espirituais,
visto que temos esta nova natureza, temos os mesmos inimigos - o mundo, a
carne e o diabo - e eles nos atacam do mesmo modo. Assim entendemos,
levamos as cargas uns dos outros, temos compaixão uns pelos outros. “Não veio
sobre vós tentação, senão humana”, ou “senão a que é comum aos homens”
(VA). E o que Paulo diz aos coríntios (1 Coríntios 10:13). Estamos todos
tomando parte na mesma batalha, na mesma luta “contra os principados, contra
as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes

espirituais da maldade nos lugares celestiais”. Mas, louvado seja Deus, na luta
experimentamos a mesma graça divina, a mesma libertação, o mesmo Salvador,
o mesmo Guia, Mentor e Amigo.

E, finalmente, estamos todos marchando e indo para o mesmo lar eterno. Como
cristãos, compreendemos como ninguém que este mundo é passageiro, que esta
existência é tão-somente uma escola preparatória. Este não é nosso lar; estamos
marchando para o céu, para a glória. Temos a mesma esperança posta diante de
nós. Há muitas diferenças aqui - diferenças de nacionalidade, diferenças de
dons. Podemos diferir na aparência, e em mil e um outros aspectos - sim,
mas todos nós estamos indo para o mesmo lugar, para a mesma eternidade e a
mesma glória, para o mesmo Deus, para o mesmo céu. Temos os olhos postos na
mesma “recompensa de galardão”.

Vocês não concordariam que as proposições que apresentei no começo estão


justificadas? Não existe isso de unidade, exceto nas pessoas caracterizadas por
estas coisas. Nenhuma outra unidade, assim chamada, tem qualquer valor. Mas,
ao mesmo tempo, devemos acrescentar que, tolerar qualquer coisa que divida
pessoas dotadas destas características, é pecado. De modo que, quanto a mim,
não dou importância ao rótulo de uma pessoa; as pessoas que eu realmente
conheço e nas quais estou interessado, são aquelas que são
verdadeiramente caracterizadas por estas coisas que venho salientando. Não
estou interessado em seu país, em sua cor, em seus dons, habilidades,
posses, nem em algum rótulo que o mundo dos homens dê a eles. Se um
homem me diz que sabe que é pecador sem esperança, vil, condenado, perdido, e
que se apóia unicamente no fato de que o Senhor Jesus Cristo morreu por seus
pecados, que o Seu corpo foi partido e o Seu sangue foi derramado por seus
pecados, que põe sua confiança unicamente nessa obra expiatória e
reconciliatória realizada por Cristo, que Cristo foi seu Substituto, e que Deus em
Cristo pelo Espírito fez dele um novo homem e lhe deu uma nova natureza,
então estou com esse homem. Pertenço a ele e ele me pertence, e nãò admitirei
que coisa alguma nos separe. E cada vez me parece mais pecaminoso permitir
que alguma coisa nos separe. Seria certo tais pessoas estarem distribuídas entre
as diversas denominações como estas são, e ligadas a pessoas com as quais elas
não têm fundamentalmente nada em comum, a não ser simplesmente a tradição?
A unidade verdadeira é esta unidade do Espírito, esta unidade da nova natureza,
esta unidade que é em Cristo e Este crucificado, a unidade do Seu sangue, a
unidade do próprio Senhor.

Queira Deus, em Sua graça infinita, dar-nos capacidade para ver estas coisas. A
unidade do Espírito é o único e veraz vínculo da paz. Graças a Deus, todos os
que pertencem a Ele, nascidos do Seu Espírito, são dEle e são um, apesar da sua
cegueira, do seu pecado e da sua incapacidade de levar à plena realização essa
gloriosa verdade!

JÁ NÃO SOIS ESTRANGEIROS

“Assim, que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus.” - Efésios 2:19

Conforme fomos percorrendo o nosso caminho através dos diversos pormenores


da argumentação do apóstolo iniciada no versículo 11, vimos que o apóstolo
esteve dando ênfase a duas coisas. A primeira é a grandeza da mudança que
necessariamente tem que ocorrer em nós, antes de sequer nos tornarmos cristãos.
Não se conhece maior mudança em qualquer esfera ou departamento que aquela
pela qual todos nós passamos quando nos tornamos cristãos. É uma nova
criação, nada menos que isso. A segunda coisa que obviamente emerge é o
privilégio da nossa posição como cristãos e como membros da Igrej a Cristã,
como membros do corpo de Cristo. As duas coisas estão aí, vocês notam,
em todo o transcurso da argumentação. Os efésios eram aquilo, e se tomaram
isto\ e agora são um com os judeus pois também eles se tornaram cristãos, e
juntos são um só corpo, a Igreja, e servem a um só Pai.

Chegamos agora ao privilégio dessa posição. É a esse assunto que o apóstolo se


dedica neste versículo dezenove e que ele desenvolve no restante deste capítulo.
Ele deixa de pensar em termos de judeus ou gentios, ou de quaisquer diferenças;
ele agoranos descreve o privilégio de alguém que é cristão, quer judeu quer
gentio. A diferença não importa mais, tudo isso já terminou - um só novo
homem! Aqui ele está focalizando este novo homem, esta nova humanidade, esta
nova realidade que veio a existir, a Igreja Cristã. Seu interesse é mostrar-nos
quão maravilhosa ela é. Ele o faz empregando três figuras. A primeira é a figura
de um Estado - os cristãos são cidadãos de um grande reino, de um grande
Estado. A segunda é que eles são membros de uma família - “da família de
Deus”. E em terceiro lugar ele pensa nos cristãos e na Igreja Cristã como um
templo no qual Deus habita.

Esse é o tema aqui - o privilégio de ser cristão. Ele quer que estes efésios se
dêem conta disso. É um retorno ao tema do versículo dezenove do capítulo
primeiro e o seu contexto. O apóstolo disse a essas pessoas que ele estava orando
por elas, pedindo que os olhos do seu entendimento fossem iluminados, para que
elas soubessem “qual seja

a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos


santos; e qual a sobreexcelente grandeza do seu poder sobre nós, os que
cremos”. E isso que ele quer que eles vejam - o privilégio de ser cristão. E é a
isso que nos devemos apegar, mais do que a qualquer outra coisa. Todas as
exortações desta Epístola, e de todas as outras, dirigidas aos cristãos, realmente
são resultantes desta doutrina. Se apenas compreendêssemos exatamente o que
somos e quem somos como cristãos, a maior parte dos problemas da nossa vida
diária seria resolvida automaticamente. E porque não compreendemos issso, e o
privilégio da nossa posição, que surgem os problemas. Se compreendêssemos,
nunca invejaríamos os não cristãos, nunca procuraríamos viver tão perto
deles quanto possível, nem nos lamentaríamos por não estarmos na
posição deles. Tudo isso se deve à incompreensão do que somos. Assim,
o apóstolo o diz dessa maneira maravilhosa. Vocês notaram que, antes de chegar
a estas três figuras positivas, ele começa com uma negativa? O povo não gosta
de negativas hoje em dia; mas o apóstolo gostava. “Assim que”, ou “Portanto,
agora” (VA); será que ele vai dizer alguma coisa positiva? Não, ele vai começar
com uma negativa. “Portanto, agora já não sois estrangeiros e forasteiros,
mas...” Depois ele passa à colocação positiva.

Obviamente, o apóstolo se sentira constrangido a introduzir a negativa outra vez.


Noutras palavras, ele volta aos versículos onze e doze, onde dissera: “Portanto,
lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne, e chamados
incircuncisão pelos que na carne se chamam circuncisão feita pela mão dos
homens; que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados da comunidade de
Israel, e estranhos aos concertos da promessa, não tendo esperança, e sem Deus
no mundo”. Ele apenas olha de relance para isso de novo e daí começa com
esta negativa: “Portanto, agora já não sois estrangeiros, nem forasteiros”. Por
que vocês acham que ele faz isso? Parece-me óbvio que a sua razão para fazê-lo
deve ser que não será de nenhuma utilidade prosseguir e considerar os
privilégios da nossa posição, se não estivermos completamente seguros de que
estamos nessa posição. De nada vale que lhe digam exatamente o que se aplica a
uma certa posição, se você não está nessa posição. Portanto, é essencial que
deixemos bem claro para nós mesmos que tudo isso realmente se aplica a nós.
Antes de começar a ver a minha cidadania, ou a minha relação como
membro dessa família, ou a mim mesmo como uma pedra desse edifício,
desse templo, devo indagar a mim mesmo: estou ali? Isso tudo é aplicável
a mim?

No caso dos efésios não havia dúvida ou questão alguma acerca desta matéria.
Diz o apóstolo: portanto, agora vocês não são mais aquilo, são isto. Era óbvio,
estava claro e patente para todos. Essas pessoas, quando pagãs, haviam tido certo
tipo de vida. Por outro lado, os judeus tinham vivido um diferente tipo de vida e
seguiam um padrão muito diferente de culto. Ninguém podia ser convertido do
paganismo ao cristianismo e estar na fé cristã sem passar por uma mudança
muito grande. Tinhaque deixar certas práticas e costumes, tinhaque renunciar a
certos deuses aos quais servia antes, declará-los “não deuses”, e muitas outras
coisas. Era uma mudança óbvia. Paulo dizia: “Já não mais sois..., mas (sois)...”.
Isso é algo que se aplica verdadeiramente aos chamados “cristãos da primeira
geração”. Aplicava-se ao caso dalgreja Primitiva. Também é aplicável ao
contexto da obra missionária estrangeira. As missões estrangeiras ocupam-se de
lugares onde o evangelho nunca fora ouvido. O evangelho é pregado a pessoas
que estavam no paganismo e nas trevas. É ouvido pela primeira vez, e as pessoas
crêem, e a mudança delas é óbvia.

A primeira geração de cristãos! Mas não é tão simples quando se trata da


segundageraçãodecristãos; eémais difícil ainda quando se trata da terceira, da
quarta, da quinta - da décima - da vigésima geração. Assim é que, ao passo que a
coisa estava perfeitamente clara no caso destes efésios, nem sempre está tão
clara agora. Nunca é tão fácil e simples num país que se diz cristão, e onde
muitos supõem tacitamente que todo aquele que nasce em tal país só tem que ser
cristão. Não é tão fácil quando as pessoas foram criadas nas igrejas e numa
atmosfera cristã, e sempre freqüentaram um local de culto e a Escola
Dominical e participaram de atividades cristãs. Portanto, é muito importante
que interpretemos isto não somente no cenário no qual foi
originariamente escrito, e sim também em nosso próprio cenário particular; pois,
como tentarei mostrar, o princípio é sempre exatamente o mesmo; a aplicação é
que difere. Aqui o apóstolo estava primariamente preocupado com o princípio.
Ele não estava simplesmente se regozijando no fato de que estes efésios eram
membros de uma igreja como tais, e tinham os seus nomes num rol de igreja.
Não é disso que ele está falando. Ele está falando sobre o princípio de vida. Ele
estivera fazendo isso o tempo todo neste parágrafo altamente espiritual. Ele
chega a nós, portanto, nesta forma particular de pergunta. Era óbvio que estas
pessoas tinham sido incrédulas e agora eram cristãs. A questão quanto a nós é:
isso é tão definido, tão claro e inequívoco em nós como era nos efésios?
As duas palavras utilizadas pelo apóstolo nos ajudarão a encarar

este assunto da máxima importância. A primeira, como vocês vêem, é a palavra


“estrangeiros” (VA: “estranhos”). “Portanto, agora já não sois estranhos.” Que é
um estranho? Estranhos são os que se acham entre um povo que não é o deles.
Quando você é um estranho, você está no meio de um povo que não lhe
pertence. Todos pertencem uns aos outros, mas você é um estranho, não lhes
pertence, eles não são o seu povo. A segunda palavra é a que é traduzida por
“forasteiros” (VA: “estrangeiros”). As vezes vocês a verão traduzidas por
“residentes temporários”, ou “forasteiros” (ARC). Ambas as expressões são
muito boas. Que é que significa essa palavra? Originariamente era a descrição de
alguém que morava perto de uma comunidade, porém não nela; por exemplo, um
homem que vive perto do muro da cidade, do lado de fora. Ele está perto da
cidade, mas não está nela. Ele não pertence à cidade; mora perto, todavia não
nela. Esse era o sentido original, mas agora passou a ter o sentido de pessoas que
se acham num lugar que não é o seu país. O primeiro termo, “estranhos”, dá
mais a idéia de uma unidade familial, de uma espécie de relação de sangue, ao
passo que esta outra, “estrangeiros” ou “forasteiros”, compele-nos
inevitavelmente a pensar mais em termos de uma comunidade política, um
Estado, ou um país, ou um reino. Estrangeiro é quem está num lugar que não é o
seu próprio país. Quer dizer que, embora este homem esteja vivendo no país,
não possui a cidadania desse país, não se naturalizou, não tem direito
à residência permanente nesse país. Ou, para dizê-lo de modo ainda
mais simples, reside ali baseado num passaporte. Pois bem, são estas as
duas palavras empregadas pelo apóstolo Paulo: estranhos e estrangeiros (VA) ou
forasteiros, pessoas que vivem ali, talvez há bastante tempo, mas continuam
sendo estrangeiras. Outro lugar é o seu lar; aqui esses estrangeiros residem
graças a um passaporte, e têm que renová-lo periodicamente. E essa, então, a
figura que o apóstolo coloca diante de nossas mentes. E vocês podem observar
que quando ele chega à argumentação positiva, ele inverte a ordem: começa com
a cidadania e depois passa ao relacionamento familiar. No entanto, neste
momento estamos interessados primordialmente na negativa.

Notem como esta questão é sutil. Vemos isso muitas vezes na prática. Alguém
pode estar vivendo na família, alguém que está vivendo na família há anos, é
quase da família e, contudo, não é da família. Embora esta pessoa esteja
compartindo a vida da família de todas as formas que possamos conceber, ele ou
ela ainda não pertence à família. E é aí que entra a dificuldade. Um estranho, um
visitante, poderia muito bem pensar e dizer: obviamente, esta pessoa é da
família. E, todavia,

depois de conhecer os moradores passado breve tempo, descobririanão ser este o


caso. É exatamente a mesma coisa com um país. Pode haver pessoas vivendo
num país, residentes há muitos anos, e alguém, em visita ao país, vendo-as
poderia ter como certo que qualquer delas é de fato daquele país, é simplesmente
um cidadão típico - que faz o mesmo tipo de coisas que os outros cidadãos
fazem, vão ao trabalho de manhã, voltam à noite no mesmo trem, seguem
exatamente a mesma rotina. E, na verdade, aquela pessoa não pertence a esse
país, não é um cidadão local, mas vive ali mediante um passaporte.

Aí vemos, numa figura, a idéia que precisamos ter bem presente em nossas
mentes. Esse tipo de coisa acontece na Igreja de Deus; esta mesma situação, de
viver com uma família e não pertencer a ela, estar num país e não ser seu
cidadão. E possível estar num grupo e não ser do grupo. Certamente vocês se
lembrarão de que quando os filhos de Israel subiram do Egito e foram para
Canaã, é-nos dito, numa frase deveras extraordinária, que “subiu também com
eles uma mistura de gente” (ou, “uma multidão mista”, VA, Êxodo 12:38).
Foram com eles, partilharam os mesmos riscos, os mesmos problemas e
dificuldades que os filhos de Israel enfrentaram, porém não pertenciam a eles.
Eram uma “multidão mista”. Mas de fato o apóstolo leva mais longe o ponto,
na Epístola aos Romanos, quando diz: “Nem todos os que são de Israel
são israelitas” (Romanos 9:6). Que frase! Você olha para aquele monte de gente,
e diz: são todos de Israel. Todavia não é essa, necessariamente, a conclusão
certa. Há Israel e “Israel”. Há um “Israel” do espírito, como também há um
Israel da carne. Há um remanescente no povo. Esse é o ensino do apóstolo, e
nestas Epístolas do Novo Testamento, é uma doutrina vital e sumamente
importante. Você pode ser de um grupo e, contudo, não pertencer realmente a
ele. O apóstolo João diz a mesma coisa acerca de certas pessoas que tinham
saído da Igreja Cristã Primitiva. “Saíram de nós”, diz João, “mas não eram de
nós; porque, se fossem de nós, ficariam conosco” (1 João 2:19). Tinham estado
entre eles, mas não eram deles. Tinham estado na Igreja e pareciam
cristãos, porém nunca pertenceram realmente à Igreja.

Essa é a espécie de questão que se nos apresenta aqui. Consideremo-la na forma


de alguns princípios. O primeiro é que a diferença entre o cristão e o não cristão
é clara e definitiva. A despeito de tudo o que eu estive dizendo, permanece o
princípio segundo o qual há uma clara distinção entre um cristão e um não
cristão. Paulo diz algo semelhante a isso, para expressá-lo: “Vocês - não são
mais”. Há uma mudança, uma

mudança de alto a baixo. Que houve uma mudança exterior é evidente, mas ele
não está interessado na mudança exterior, e sim, na interior. E, portanto, não há
nenhuma necessidade de hesitar em afirmar que cada um de nós, neste momento,
ou é cristão, ou não é. Ou estamos “em Cristo”, ou estamos “fora de Cristo”.
Aristóteles uma vez lançou como proposição, sem dúvida verdadeira, que “Não
há meio entre os opostos”. Os opostos são opostos, e não há nada no meio, não
há nenhum meio entre eles. E “ou - ou.” No capítulo sete do Evangelho
Segundo Mateus, o nosso bendito Senhor e Salvador dá ênfase exatamente a
este ponto. Você não pode estar ao mesmo tempo no caminho estreito e
no caminho largo. Você não pode entrar por duas portas no mesmo
instante. Você não pode passar ao mesmo tempo por uma borboleta ou catraca, e
por uma porta larga. E impossível. Pois bem, é aí que começa a diferença entre o
cristão e o não cristão. O cristão entra por uma porta estreita e segue um
caminho estreito. O outro faz exatamente o contrário. Temos que ser uma coisa
ou outra. Essa é a afirmação do nosso Senhor. Vocês podem notar como Ele vai
repetindo isso - o profeta verdadeiro, e o falso; a boa árvore, e a ruim; o bom
fruto, e o mau; e, finalmente, nessa tremenda descrição dacasa sobre a rocha e da
casa sobre a areia. É sempre uma coisa ou outra, é ou - ou. Ou vocês são cristãos
ou não são cristãos. E estas coisas são absolutas. Vocês não são mais estranhos e
estrangeiros; vocês são cristãos, estão no corpo.

A posição do cristão não é uma posição vaga, indefinida, incerta. É verdade que
se vocês pensarem nela principalmente em termos de conduta e de
comportamento superficiais, então ela pode muito bem ser vaga. Posso traçar
facilmente um quadro descritivo e mostrar a vocês dois homens. Um deles é
notável por sua elevada moralidade, nunca faz mal a ninguém, sua palavra é sua
promissória, é honesto, justo e reto, um homem completamente bom, em todos
os sentidos da palavra. Entretanto, vejam agora o outro homem. Olhando os dois
de maneira geral, vocês não podem dizer que o segundo é bom como o primeiro.
Às vezes faz coisas que não devia fazer, ele não tem, talvez, um caráter
louvável. E, todavia, pode dar-se o caso deste segundo homem ser cristão e o
outro não. Pois o que determina se um homem é cristão ou não, não é a
sua aparência geral e o seu comportamento. Aquele estrangeiro que vive
em nosso país se parece exatamente com um inglês, faz as mesmas coisas, etc.;
não obstante o fato é que ele continua sendo estrangeiro. O fato de que ele se
parece com o cutro homem não significa que é como ele. A questão é:
suaresidência se apóianum passaporte ou em suacidadania? Vocês vêem, a prova
não é esta aparência geral, superficial. É exata-

mente isto que o Novo Testamento está sempre salientando. Este é um ponto
realmente fundamental. Concordaríamos que, ou somos definidamente cristãos,
ou senão, não somos cristãos? Concordaríamos que não existe isso de haver uma
posição intermediária em que o indivíduo espera ou tenta ser cristão? Se você
está simplesmente esperando ou tentando ser cristão, você não é. Estar na soleira
da porta não é estar dentro, e não ajuda nada estar na soleira quando a questão
é: você está dentro ou não? Quantas vezes isso é descrito nas Escrituras! O nosso
Senhor traça o quadro das pessoas que vêm bater àporta e dizem: “Abre para
nós”; mas a resposta que vem de dentro é: não, vocês estão fora, não são daqui.
Ou somos cristãos, ou não somos cristãos.

Assim, o segundo ponto que apresento, o meu segundo princípio, consiste em


acentuar a importância vital de sabermos o que somos. Ora, aqui, de novo, a
ilustração de Paulo nos ajuda. Pergunto: como se toma claro e óbvio se somos
estranhos e estrangeiros (forasteiros), ou se realmente somos do lugar? Sempre
acaba ficando claro. Não importa quão íntima seja a relação, e quão amigo você
seja de alguém que esteja vivendo com você na família. Temos um dito que
resume tudo muito bem - “Afinal de contas, o sangue é mais grosso do que a
água.” Certas coisas aparecem na vida quando o que de fato importa é a relação
de sangue. E é nesse ponto que o pobre estranho começa a sentir que não passa
de um estranho, afinal. Durante anos ele pode achar que as distinções eram
irrelevantes, e pode ter dito: eu sou um deles, sou membro da família e sempre
fui tratado como membro da família. Mas, de repente, numa crise, ele descobre
que não é. “O sangue é mais grosso do que a água.” Não se pode explicar estas
coisas; vocês até podem dizer que há muita coisa errada numa situação como
essa. Pode ser, porém é como funciona na prática. Se alguma coisa fundamental,
elementar, subitamente vier à superfície, logo você verá toda uma famíl ia que
talvez estivesse em confusão, repentinamente tornar-se unânime. E o
pobre estranho percebe que é um de fora.

Ou vejam a outra ilustração que talvez coloque isso de maneira mais clara ainda.
Tomem o caso de uma pessoa que se acha noutra terra como forasteiro, como
estrangeiro. Pode ter vivido ali vinte, trinta, quarenta anos, gosta de viver ali, é
estimado por todos e se sente feliz. Todas as distinções parecem irrelevantes.
Que importa se o que ele tem é um passaporte, e não uma verdadeira cidadania,
e tem que providenciar renovação e visto e tudo o mais? Mas, esperem! Súbita e
inesperada-mente, o país natal deste homem e o no qual ele está vivendo, têm
um

litígio; não resolvem o litígio, e é declarada guerra. E este homem, que pode
estar vivendo há quarenta anos no país, de repente vê que é um estrangeiro, e
que todos o olham com suspeita. Poderá ser posto em reclusão ou ser enviado de
volta ao seu país. Parecia ser um membro da comunidade, um cidadão do país,
unido aos verdadeiros cidadãos; porém quando surge uma crise, uma prova, uma
tribulação, logo fica claro que, afinal, ele é um estrangeiro. Vimos muito desse
tipo de coisa neste país em 1914 e em 1939. As vezes chega a ser trágico,
contudo acontece.

Retornemos, então, ao princípio que achamos percorrendo as Escrituras, de capa


a capa. Por que é importante saber se você é cristão ou não? Vou dizer-lhe. É na
hora da prova que isso se torna de vital importância para você. É nas provas e
tribulações que isso vem à luz. Você vai vivendo anos e anos enquanto você está
bem, robusto e saudável. Você está na igreja, você parece que é da igreja, os
seus interesses estão lá e você é um dos que pertencem à comunidade. Mas, de
repente, você adoece e fica meses de cama. Não demorará muito para você saber
se é cristão ou não. Isso faz uma vital diferença então. Ou quando um membro
da família fica enfermo, quando há privação ou luto, ou alguma terrível tristeza
de arrebentar o coração, Ah, é então que isto se toma da maior importância. Se
você só “reside baseado no passaporte”, isso não parece ajudá-lo. No entanto, se
você realmente pertence à comunidade, isso fará toda a diferença do mundo.
Mas, levemos isto à última instância. Esta nos é dada pelo Senhor mesmo. Não
seria disso que trata a parte conclusiva do capítulo sete de Mateus? Estas
pessoas que parecem cristãs e que dizem: “Senhor, Senhor, não profetizamos em
teu nome... e em teu nome não fizemos muitas maravilhas?” -estavam na igreja,
eram ativas na igreja, eram gente de igreja. Todavia Cristo diz: “E então lhes
direi abertamente: nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a
iniqüidade”. Um estranho, afinal, um estrangeiro, em última análise; passaporte
devolvido, navio ao largo, expulso do país! Ah, a vital importância de certificar-
nos absolutamente do que somos, se continuamos sendo “estranhos e
estrangeiros”, ou se realmente somos daqui.

Para ser prático, deixem-me colocar o meu terceiro princípio em termos de


perguntas. Como podemos saber disso? Como podemos resolver esta questão?
Quais são as provas? Vou sugerir algumas respostas bem simples, baseadas na
ilustração utilizada pelo apóstolo.
Começo com amais superficial delas. E a seguinte: um sentimento

geral. Não vou testar vocês, vocês vão testar a si próprios. Amigo, você quer
saber se você é ou não um estranho e forasteiro? Bem, responda estas perguntas:
você se sente realmente bem na igreja? Você se sente à vontade entre os
cristãos? Você se sente em casa? Ou você tem a incômoda sensação de que, de
algum modo, é de fora? É o que acontece quando você vai hospedar-se numa
casa de família, não é? Os hospedeiros são excelentes e mostram amizade, mas
você sente que não é dali, não se sente muito à vontade, está cônscio de que não
está em seu próprio lar, não consegue descontrair-se. Você é um estranho, afinal
de contas, embora todos lhe sejam bondosos, afáveis e amigos. Você se sente
em casa entre o povo de Deus? Você fica à vontade? Ou, apesar de tudo, não
passa de um estranho, um de fora, um intruso que realmente não se enquadra?
Ou, permitam-me colocá-lo assim: você se sente bem, tão bem entre os cristãos
como noutros círculos sociais e com outros tipos de companhia- e com as risadas
e pilhérias, as brincadeiras, e talvez as bebidas e o jogo, você tem liberdade com
eles e tem muito que dizer? Você é um deles? É assim? Você se sente um pouco
fora do seu elemento na igreja? Isto é tremendamente importante. Quando você
o coloca em termos de família, você vê como isso é inevitável. É um
desses imponderáveis, como lhes chamamos, algo que dificilmente você poderá
escrever, isto é, pôr no papel, mas você simplesmente sabe o que é. É assim que
eu me sinto, você diz; e o seu sentimento está certo.

Ou vejam outra abordagem. Haveria um real e vivo interesse? Quando você


pertence a um grupo, trabalha ativamente pelo seu interesse, você tem vivo
interesse. Mais que isso, você realmente se deleita nisso, seu coração está posto
nisso, é o que você ama, é onde você gosta de estar. Você gosta de estar em casa,
você gosta de estar em seu país; você pode admirar outros, porém, afinal de
contas, este é o seu lar. Ora, a mesma coisa aplica-se a este relacionamento. O
homem que verdadeiramente lhe pertence se delicia nisso. Não é questão de
esforço para ele. Não é mera questão de dever. É uma coisa na qual ele
tem satisfação própria e que ele preza acima de tudo mais. Permitam-me resumir
toda esta seção colocando-a nas palavras da Primeira Epístola de João: “Nós
sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos” (3:14).
Sentimos que pertencemos a eles. Haverá alguns deles dos quais não gostamos,
talvez, mas nós os amamos, porque são irmãos. Podem gostar mais doutras
pessoas do que deles, todavia não é questão de gostar, é questão de amar. As
vezes acontece que um membro de uma família gosta mais de um amigo do que
de um irmão ou irmã; isso não afeta o relacionamento, este é algo elementar,
funda-

mental, orgânico, e mais profundo que qualquer outra coisa. “Nós sabemos que
passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos.” Sentimento geral!

Passemos a uma segunda prova. Entendimento! Quando você está convivendo


com uma família, esta questão de entendimento toma-se tremendamente
importante; e dá-se o mesmo quando você é estrangeiro noutro país. Eis o que
quero dizer: você sabe e entende o que se está falando? Haveria algo que faça
você se sentir mais molestado do que, embora estando assentado com um grupo,
sentir-se, de um modo ou de outro, fora da conversa e não conseguir penetrar no
que está sendo dito? Todos parecem entender-se, usam certas frases, olham-se
uns aos outros como se entendendo, estão todos dentro do assunto, é uma
espécie de maçonaria, por assim dizer; mas você, de algum modo, não está
nisso. Você ouve, faz parte do grupo, está na conversação, entretanto não é capaz
de penetrar no que se diz e não sente prazer nisso. Por isso, faço-lhe perguntas
como estas: você entende a linguagem do povo de Deus ? A família tem o seu
linguajar próprio. Há os que dizem: não posso entender esta prosa sobre
justificação, santificação, e todos estes termos - você se sente assim? Não o
permita Deus! Eles são termos preciosos para os filhos de Deus. Estes não se
impacientam com eles. São como a criança que ouve os adultos. De repente ela
aparece com uma palavra grande, que ela não entende. Que é que a criança está
fazendo? Está tentando provar que é membro do grupo. Está usando uma palavra
que o pai usou. E os filhos de Deus são desse jeito. Eles podem não saber o que
significam justificação e santificação, mas, porque são filhos, querem saber, e se
põem a ler, a estudar e fazer perguntas. No entanto, se você fica impaciente com
isso tudo, você está simplesmente proclamando que é um de fora e que não
entende a linguagem. Porventura a linguagem de Sião é agradável a você?
Imagine-se o caso de um homem que foi para outra terra e teve que falar uma
lingua estrangeira; ele toma o navio de volta e, mesmo antes de desembarcar,
ouve de novo a sua lingua materna e, maravilha, como se regozija! É assim com
o cristão.

Mas não é só questão de linguagem, há algo mais. Você sabe algo dos assuntos
que estão discutindo? Você os entende, tem interesse nas questões? Outra vez,
permitam-me usar uma ilustração. Todos nós já tivemos este tipo de experiência.
Estamos hospedados numa casa de família, talvez. São todos excelentes,
bondosos e afáveis, e nos pomos a conversar. Então, de repente, alguém entra e,
observando o seu semblante, você pode dizer que aconteceu algo de grande
interesse para a família. Eles ficam sem graça, querem falar sobre o assunto,
porém

você está ali, e eles não podem fazê-lo. Por isso falam por meio de insinuações,
alusões indiretas e rodeios. Você não sabe do que estão falando. Eles se portam
desse modo porque você é um estranho - eles gostam de você, não o estão
insultando, mas você não os entende. Há estes problemas e questões íntimos que
eles não podem compartilhar com você, embora gostem muito de você, porque
você não pertence à família. Dá-se o mesmo com um país. E também é assim na
vida cristã. As questões, os assuntos e os problemas da vida cristã são do
seu conhecimento? Você se interessa por eles? Ou quando você se assenta e ouve
pessoas falando sobre eles, ou talvez quando você ouve alguém que está
tentando pregar, você diz a si mesmo: de que se trata? Não entendo. Se ele
estivesse falando sobre a visita de algum estadista estrangeiro, ou sobre alguma
nova medida apresentada no parlamento, claro que eu entenderia; todavia estas
outras coisas - de que se tratam? Que é isso? E tão aborrecível! É desse tipo a
maneira pela qual você pode verificar se é da família ou não.

Finalmente, permitam-me dizê-lo de um modo que, suponho, é uma das provas


mais definitivas. Você conhece os segredos? Há segredos familiares, há segredos
nacionais. Você está por dentro dos segredos? E possível que um homem tenha
interesse por religião, por teologia, por filosofia; e enquanto você está tratando
de questões abstratas e teóricas, ele parece estar integrado, parece um da
família. Mas, subitamente você começa a falar espiritualmente - quer dizer, você
começa a falar experimentalmente, você começa a falar sobre a sua alma e sobre
a sua experiência pessoal - e imediatamente o homem que se mostrava tão
interessado teoricamente, sente-se fora. Você sabe algo sobre isso? Outro dia
ouvi falar de um homem que estava num certo seminário teológico. Ele foi para
lá porque soube que lá ensinavam as grandes doutrinas da fé, e ele estava
apreciando aquilo, para alegria do seu coração. Contudo, de repente se defrontou
com um problema e quis falar com alguém sobre a sua alma, e quis falar a fundo
sobre algum segredo. Mas não conseguiu achar ajuda. Pareciam não entender,
não queriam falar sobre tais questões. Enquanto era uma questão de argumentar
sobre filosofia - maravilha! Interessados em teologia? - sim, certamente! Todavia
quando o homem teve uma necessidade relacionada com a sua alma e queria
algo experimental, de repente começou a sentir que estava vivendo num iceberg.
Totalmente ortodoxos - mas frios. E possível ter um interesse geral, sem este
interesse íntimo e pessoal pelos segredos da vida. Essa é uma prova vital!
Eis outras provas que sugiro: você está se amoldando às leis e aos

costumes do país? Diz o apóstolo João que, para o cristão, os mandamentos de


Deus “não são pesados” (1 João 5:3). São pesados para todos os outros, porém
não para o cristão. O cristão diz: “Quanto amo a tua lei!” Davi pôde dizê-lo no
Salmo (119:97), e o cristão o diz. Proclamamos onde estamos e o que somos
pelo modo de viver. Você vai deste país à França, digamos, ou a alguma outra
parte do continente europeu, em seu carro, e se põe a dirigir na faixa da esquerda
na estrada, e em dois segundos se verá que você é um estrangeiro. Exatamente!
E não há muitos que estão dirigindo na faixa errada da estradana igreja? Eles
não sabem talvez, mas estão proclamando que são estrangeiros e estranhos, estão
dirigindo no lado errado da estrada. Não conhecem e não honram as leis e os
mandamentos do reino. Não se comportam de maneira condizente e coerente
com os costumes e hábitos desta família ou deste país particular. Estranhos e
estrangeiros, embora vivendo com o grupo! Outra prova vital é o interesse pelo
estado e condição da família ou do país, pelo seu bem-estar. Isto surge
instintivamente.

Finalmente se chega a isto: comecei num nível superficial e fui me


aprofundando. Eis a prova final: que é que você tem, um passaporte ou uma
certidão de nascimento ? E uma prova absoluta, não é? Está acima do
sentimento, do interesse, do entendimento e de todas estas coisas. Em última
análise, é uma questão legal. Você tem certidão de nascimento, ou está
simplesmente residindo com base num passaporte? Vocês perguntarão: qual é a
certidão de nascimento do cristão? Eu lhes direi. Está acima e além de tudo
quanto estive dizendo. “O mesmo Espírito testifica com o nosso Espírito que
somos filhos de Deus” (Romanos 8:16). Trata-se de receber o selo do Espírito
(Efésios 1:13). E a segurança que só pode ser dada pelo próprio Espírito Santo,
que nos selou e que é “o penhor da nossa herança, para redenção da
possessão adquirida” (Efésios 1:14). Não me entendam mal. Você pode
ser cristão, embora não tenha um definido conhecimento do selo do Espírito. Se
você passou nas minhas outras provas, asseguro-lhe que você é cristão. Mas eu o
exorto, eu o concito, não se contente com isso. Insista em que tenha a sua
certidão! Vá à Embaixada do Reino Celestial, até consegui-la! Não deixe que
nada o detenha. Procure obtê-la das mãos do Senhor! Dirija-se a Ele. Torno a
usar a expressão de Thomas Goodwin - “corteje-O” para obtê-la até consegui-la.
E depois você saberá e poderá dizer: não sou mais estranho ou estrangeiro,
sou concidadão dos santos, sou da família de Deus; sou uma pedra viva
no templo em que Deus habita.
* Teólogo puritano inglês (1600-1680). Do período mais recente dos puritanos, t) termo que emprega,
traduzido aqui por “corteje-O” é sue. Nota do tradutor.
CIDADANIA CELESTIAL

“Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus.” - Efésios 2:19

Com estas palavras o apóstolo coloca diante de nós as glórias, os privilégios e as


vantagens de ser membro da Igreja Cristã. Esse é, na verdade, o tema de todo o
capítulo. Anteriormente ele estivera interessado em tratar do mecanismo, da
maneira pela qual isso fora tomado possível tanto a judeus como a gentios, e
agora ele medita na realidade propriamente dita, e está desejoso de que estes
efésios a usufruam com ele e venham a entendê-la e a dar-se conta do seu
significado. Ele sabe, e lhes dissera no capítulo primeiro, que isto somente será
possível quando “os olhos do seu entendimento forem iluminados”. Sem isso, é
completamente impossível.

Para as pessoas cujos olhos não foram iluminados pelo Espírito Santo, a Igreja é
tão-somente uma instituição. Eles podem gostar dela como instituição, podem
gloriar nela como instituição, mas não é isso que o apóstolo gostaria que estas
pessoas vissem. Ele ora no sentido de que os olhos do seu entendimento fossem
iluminados para que elas soubessem qual “a esperança da sua vocação, e quais as
riquezas da glória da sua herançanos santos; equal a sobreexcelen te grandeza do
seu poder sobre nós, os que cremos” (1:18). Já iniciamos a nossa consideração
deste versículo mostrando como o apóstolo ressalta a vital importância de
estarmos absolutamente certos de que estamos na posição descrita neste
versículo. Não podemos esperar compreender os privilégios da posição se não
soubermos em que consiste a posição, e se não estivermos completamente
seguros de que estamos nela. Vimos a importância de saber com certeza que não
somos mais estranhos e estrangeiros, de saber, como me aventurei a colocá-lo,
que não residimos mais baseados num passaporte, e sim que realmente nós
temos as nossas certidões de nascimento, que realmente somos membros
da Igreja. A minha opinião é que, se tão-somente nos déssemos conta do que é
ser cristão e membro da Igreja Cristã, muitos dos nossos problemas, senão todos,
seriam imediatamente resolvidos. Se tão-somente pudéssemos subir às alturas
danossa alta vocação em Cristo Jesus e darmos conta de que ocupamos esta
posição, as picuinhas e os problemas

se tomariam inimagináveis; despencariam, seriam indignos de consideração.


Pois bem, em certo sentido, esse é o argumento de todas as Epístolas do Novo
Testamento. Todas essas Epístolas foram escritas para igrejas, para membros das
igrejas, e o que cada uma delas faz é precisamente o que venho dizendo. Todas
elas começam dando-nos um quadro descritivo da nossa posição como membros
da Igreja Cristã, e depois, tendo feito isso, elas dizem: bem, agora, à luz disso,
obviamente é assim que você tem que viver. Essa é a análise de cada uma
das Epístolas do Novo Testamento.

Portanto, certamente não há nada que seja mais importante hoje, de todos os
pontos de vista, do que compreendermos estas coisas. É importante para nós
pessoalmente. Muitas das nossas aflições, dificuldades e tribulações, muitos dos
nossos problemas seriam encarados de maneira inteiramente diferente, se de fato
nos víssemos como somos em Cristo. E, mais importante ainda, se toda algreja
simplesmente compreendesse o que ela é, j á estaria na estrada real de chegada a
um verdadeiro avivamento e a um poderoso despertamento espiritual. É
porque deixamos de compreender estas coisas que não oramos por
avivamento como devíamos, e não o buscamos e não ansiamos por ele. Não é
de admirar, então, que o apóstolo dê tanta ênfase a isto. Aqui ele o coloca na
forma de várias figuras. Temos as três figuras apresentadas juntas, quase
concomitantemente: a primeira, a Igreja como um grande Estado ou reino; sim,
mas ela é também uma família; sim, e também um templo. Ele j á nos dera antes
uma figura na qual compara a Igrej a a um corpo, um só corpo, um só novo
homem. E vocês verão que, no capítulo cinco desta Epístola, ele usa ainda outra
ilustração, pois nessa passagem ele diz que a relação entre a Igreja e o Senhor
Jesus Cristo é a que existe entre uma esposa e o seu esposo. É interessante notar
que, desse modo, o apóstolo usa uma variedade de figuras e ilustrações; e é
importante entender a razão pela qual ele o faz. Toda e qualquer ilustração é
insuficiente. A verdade é tão grande, tão multifacetada, tão gloriosa, que ele se
vê forçado a multiplicar as suas figuras e imagens. Cada uma delas comunica
algum aspecto particular, e nos habilita a ver uma faceta peculiar da verdade não
transmitida muito bem pelas outras ilustrações e figuras.

Passemos agora à primeira figura. “Não sois estranhos e estrangeiros”! (VA), diz
o apóstolo. Bem, nesse caso, o que somos? “Concidadãos dos santos”! Essa é a
primeira figura. Que é que isso nos diz? Ensino deveras rico! Aqui ele compara
a Igreja a uma cidade, ou

a um Estado, ou a um reino. Não nos surpreende que o apóstolo tenha feito isso.
Naqueles tempos antigos havia grandes cidades-Estados, ou Estados-cidades;
certas cidades eram, em si mesmas, verdadeiros Estados. Mas, acima e além
disso, naturalmente, havia grandes Estados, grandes reinos, grandes impérios. Na
ocasião em que escreveu estacarta, provavelmente o apóstolo era prisioneiro em
Roma, a própria metrópole e centro nervoso do grande Império Romano. Roma
era a capital, e tinha os seus povos espalhados por todo o mundo civilizado da
época, com governadores e outros funcionários importantes pondo em execução
as ordens e instruções do governo central e, em última instância, do imperador.
Não admira, pois, que o apóstolo tenha pensado na Igreja como algo semelhante
a isso. Ela é como um grande Estado, um grande império, um grande reino, e ele
usa a ilustração para transmitir a estes efésios um ensino muito precioso.

Não se trata de uma nova idéia que de repente ocorreu ao apóstolo Paulo. E uma
concepção muito importante que se acha na Bíblia toda. Há grandes seções das
Escrituras que simplesmente não poderemos entender, a não ser que captemos
esta idéia particular. Na vocação de Abraão - que é um dos grandes pontos
divisórios da história - Deus estava dando os primeiros passos para a formação
de uma nação paraEle próprio. Até aquela altura Deus tratava com o mundo
inteiro, por assim dizer. Os onze primeiros capítulos do livro de Gênesis tratam
do mundo todo e da história do mundo todo e de toda a sua população. Mas,
no começo do capítulo doze de Gênesis, no chamamento de Abraão, o registro
começa a tratar especial e especificamente da história de uma única nação. Ali
nos é apresentada logo a idéia de que o povo de Deus é reino de Deus, nação de
Deus - toda esta concepção de Estado. No capítulo dezenove de Êxodo repete-se
muito claramente amesma coisa. Pouco antes da entrega dos Dez Mandamentos
e da lei moral, Deus disse a Moisés que o povo devia dar-se conta de que era
uma “nação santa”, que eles eram “cidadãos de Deus”, que pertenciam a Ele, que
Ele era o seu Rei, e eles o Seu povo. Isso deveria dominar toda a perspectiva
dos filhos de Israel. Antes de levá-los e introduzi-los na terra prometida,
Ele queria que eles compreendessem isso. Toda a tragédia dos israelitas foi que
não o compreenderam. Nunca se aperceberam precisamente disso, que eles eram
reino de Deus, um reino de sacerdotes, uma nação santa para Deus. E por causa
da sua incompreensão, toda a sua tragédia desceu sobre eles, e deixou esculpida
a triste imagem que deles vemos descrita no Velho Testamento. Contudo, ainda,
se vocês forem ao livro de Daniel, verão esta concepção exposta de maneira
sumamente admirável. E a

grande mensagem daquele livro. Em todo ele lemos sobre reinos, lutas entre
reinos e a relação deste reino de Deus com aqueles outros reinos; os animais que
representam aqueles outros poderes - a Babilônia, que já existia, a Medo-Pérsia,
a Grécia, e Roma, que surgiram mais tarde -e este reino. Na verdade, a
mensagem de todos os profetas era uma tentativa de inculcar nos filhos de Israel
a sua peculiar relação com Deus como cidadãos do Seu reino eterno. Depois,
quando vocês chegam ao Novo Testamento, vocês vêem que este é um tema
central do ensino do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Vejam as Suas
parábolas do reino. Ele sempre pensava em termos do reino. Ele dizia que tinha
vindo para estabelecer um reino. Ele Se dizia Rei - e foi crucificado por dizê-
lo, num sentido, num nível puramente secular. Todo o Seu ensino é sobre o reino
e sobre pessoas entrando em Seu reino. Ele começa dizendo a Nicodemos:
“Aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. Esse tema
integra a Sua mensagem toda. O Sermão do Monte tem sido acertadamente
descrito como o manifesto desse reino. E o tema se vê constantemente nos
escritos do apóstolo Paulo. Vocês o verão igualmente na Primeira Epístola de
Pedro. Ele cita as palavras do Êxodo, capítulo 19, e acrescenta: “Vós, que em
outro temponão éreispovo, mas agora sois povo de Deus” (1 Pedro 2:9-10). Ele
aplica isso a todos os membros da Igreja Cristã. E no livro de Apocalipse vocês
vêem exatamente a mesma coisa. Está claro, então, que esta é uma doutrina vital
na Bíblia; e, como povo cristão, convém que a estudemos, a compreendamos e a
apliquemos a nós mesmos, para que nos gloriemos e nos regozijemos nela, como
se espera que façamos. Qual é, então, o ensino?

Examinemo-lo assim: o que é que isso nos fala acerca de nós mesmos? Que
espécie de definição da Igreja isto nos dá? E muito simples, se vocês tiverem
uma clara concepção de um Estado ou reino ou cidade. A primeira coisa que este
ensino salienta é que nós somos um povo que foi separado e tornado distinto de
todos os outros. As cidades antigas tinham todas um muro ao seu redor, o muro
da cidade. Vocês ainda podem ver restos e remanescentes destes muros
em diversas cidades. Ainda existe uma parte desta cidade de Londres chamada
Muro de Londres, e há outras cidades, como Cantuária e Chester, onde se vê a
mesma coisa. Qual era o propósito do muro? Bem, era para separar os cidadãos.
O muro os mantinha dentro e os outros fora. Havia portas que davam passagem
através do muro da cidade; as portas eram fechadas numa certa hora e eram
abertas noutra hora, na manhã

seguinte. Toda a concepção da cidade, da comunidade política, dá a idéia de


separar, retirar, pôr à parte, circunscrever, e até mesmo encerrar.

Ou, se vocês não quiserem pensar em termos de cidade mas preferirem pensar
em termos de países ou de Estados, sempre há limites ou fronteiras. Pode ser o
mar, pode ser um rio ou uma cadeia de montanhas, ou pode ser umalinha de
demarcação imagináriatracadapor autoridades. Não importa qual seja, contudo
sempre tem fronteira, e não se pode passar de um Estado a outro sem cruzar a
fronteira. Você terá que passar pela alfândega e mostrar o seu passaporte e deixar
que examinem os seus objetos, porque está na fronteira! Não se pode pensar num
Estado ou numa cidade ou num reino sem fronteiras. E o dever das fronteiras é
dizer a certas pessoas: até aqui, sim, mas não além deste ponto; e dizer aos que
estão dentro das fronteiras: esta é a sua cidade, este é o seu país, esta é a terra a
que vocês pertencem.

A importância desta doutrina deveria ser evidente por si mesma. Você não pode
ser cristão sem ser uma pessoa separada. Você não pode estar no reino de Deus e,
ao mesmo tempo, no reino “do mundo”. Há este “ou - ou” fundamental,
gostemos ou não. Este mesmo apóstolo lembra aos gálatas que Deus, no Senhor
Jesus Cristo, livrou-nos do “presente século mau” (Gálatas 1:4). Escrevendo aos
colossenses, ele diz: “O qual nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou
para o reino do Filho do seu amor” (1:13). Que concepção
tremendamente importante é essa! Se somos cristãos, somos separados, não
somos mais como os outros todos. Entretanto alguémpoderáperguntar: mas isso
não é ser farisaico? Não é ser orgulhoso? Nada disso! O fariseu separou-
se, porém o fez de modo errado; o erro não estava na separação, estava
no espírito com que ele a fez. Não estou defendendo a atitude do sou--melhor-
que-você, mas o que estou dizendo é que, como cidadão do reino dos céus, sou
diferente dos que não são cidadãos desse reino. Quão prontos estamos para
afirmar isso ao nível nacional - sou inglês, ou lá o que seja! Temos todo o
cuidado de ressaltar a distinção, que não somos outra coisa. E, todavia, quando
passamos à esfera espiritual, há os que se opõem. Isso é ser estreito, dizem eles,
é ser causador de divisão. Mas, sejamos coerentes, sejamos lógicos, acima de
tudo sejamos bíblicos. Seja qual for o nosso pensamento a respeito, o fato é que,
como cristão, como membro da Igreja, você foi tirado do mundo, você foi
separado. E, se você não se der conta disso e não se regozijar nisso, haverá
bom motivo para questionar se você é cristão afinal. É básico, é fundamental, é
uma das primeiras coisas que deveriam ser óbvias.

Passemos a outra coisa, porém. O segundo ponto que sobressai necessariamente


é que, portanto, os cidadãos estão ligados pela obediência a um governante, às
autoridades, à lei e a certo modo de vida. Isto sempre caracteriza uma cidade, um
Estado, um reino. Sendo assim separados, fomos separados para certos objetivos
e propósitos específicos. Toda cidade sempre teve um chefe. Podia ser um rei ou
alguém designado para isso, mas sempre havia um chefe. Todo Estado
sempre teve um chefe, todo reino sempre teve um rei. Não há sentido em
falar em reino se este não tiver rei. E são cidadãos do reino os que estão
ligados pela obediência comum a esse Estado, a esse rei, a essa
autoridade, presidente ou o que for. Como cidadãos, todos nós juntos
reconhecemos isso. Há este vínculo comum, esta lealdade; temos estes interesses
em comum.

Vemos a importância disso quando aplicamos o conceito à Igreja. Todos nós


reconhecemos o mesmo Chefe, o mesmo Rei, eterno, sempiterno. Temos
interesses comuns, os mesmos interesses. Reconhecemos as mesmas leis. E por
causa disso também temos lealdade uns para com os outros. Como direta
conseqüência, há certas coisas que nos são peculiares e que não se aplicam aos
outros. Isso é tão elementar que não tenho necessidade de salientá-lo.
Naturalmente, é vital que compreendamos que não estamos falando
simplesmente da Igreja externa, visível. O apóstolo, no contexto geral desta
declaração, deixa claro que está pensando espiritualmente. Nunca percamos de
vista este fato. Não estamos falando simplesmente da Igrejacomo organização,
como uma organização externa, visível; a idéia do apóstolo é espiritual, mística
e orgânica. Expressa-se externamente, mas o que é vital é este princípio interno.
Pois, é possível ser membro da Igreja visível, externa, e, contudo, ter ignorância
de Cristo, não conhecê-10, não estar verdadeiramente, vitalmente relacionado
com Ele. Que lástima! Sempre houve pessoas assim, e ainda há; foram criadas
na igrej a local, é tradição, é algo que faz parte da esfera social e suas modas,
mas não é algo vivido, não é real. O coração delas está no mundo, não na Igreja.

Em certo sentido, a maior tragédia ocorrida na história da Igrej a foi quando o


cristianismo se tomou a religião oficial do Império Romano, e começou aquela
fatal associação entre a Igreja e o Estado que daí em diante obscureceu e
confundiu a situação. Perdeu-se esta idéia de separação, e o povo passou a
pensar em termos de países cristãos, presumindo que todos os que são de um tal
país são cristãos. Quão completamente contrário ao ensino de Paulo! Não, não é
meramente o externo. O que Paulo quer dizer é que, como cristãos, somos
cidadãos

do reino de Cristo. Onde está o reino de Cristo? O reino de Cristo está onde quer
que Cristo reine; portanto, o reino de Cristo pode estar no coração do indivíduo.
Cristo reina nos corações de todos os que Lhe pertencem e se submetem a Ele. O
reino de Cristo está na terra e no céu, em Seu povo. Seu reino não é deste
mundo, é provisoriamente invisível, mas é real. O reinado, o governo e a
autoridade de Cristo, onde quer que estejam, é o Seu reino. É disso que o
apóstolo está falando. Cristo é o nosso Profeta, o nosso Sacerdote e o nosso Rei,
e todos os que reconhecem o Seu governo e se inclinam diante dEle em
obediência, são cidadãos do Seu reino eterno. O valor e a importância de se ver
este assunto desse modo toma-se evidente quando nos damos conta de que ele
nos diz que aqui e agora podemos ser cidadãos daquele reino, que durará para
todo o sempre. Entramos nele agora, e continuaremos nele por toda a eternidade.

Vejamos agora um terceiro ponto, que é: os privilégios da nossa cidadania neste


reino glorioso. Todos nós nos interessamos por privilégios, não é? Você conhece
o tipo de homem que gosta de gabar-se de os ter e de que ele está “de bem” com
os grandes. Ele poderá apresentar você, diz ele. Privilégios! Como os desejamos!
Como gostaríamos de tê-los! Todo o mundo está louco por privilégios hoje.
E resultado do pecado. Todavia, se você está interessado em privilégios, ouça
isto: quais são os privilégios desta cidadania? O primeiro e maior privilégio é
este - o nosso Rei. As pessoas se ufanam da sua cidadania, dos seus países e de
certas coisas em particular. Citam a sua história, falam dos seus heróis; erigem
monumentos em honra deles, escrevem sobre eles em livros. Orgulham-se da
sualigação com eles. Mas tudo isso empalidece, chegando à insignificância,
quando comparado com os nossos privilégios como cidadãos do reino do céu.
Acima de tudo o mais, nós nos gloriamos no fato de que temos um Rei que é “o
Rei dos reis, e o Senhor dos senhores”, o próprio Filho de Deus - o Rei do céu.

No entanto, continuemos a considerar a esfera deste reino. E este é um tema


sumamente fascinante e maravilhoso. A esfera de todos os reinos terrenos é a
terra, e o seu centro, a capital, é sempre na terra. Pertencemos à Grã-Bretanha, a
uma comunidade de nações, e costumávamos gabar-nos do fato de que os seus
cidadãos estavam espalhados por toda a terra, e que o sol nunca se punha sobre o
Império Britânico. Quão extenso, quão maravilhoso! E temos uma capital -
Londres. E outras nações gabam-se de coisas semelhantes. Londres -Paris -
Washington! Capitais! Poder sobre extensos territórios, amplo império e
domínio! As

nações têm grande orgulho disso, e muitas vezes as suas rivalidades e invejas as
levam a conflitos. Isso mostra como apreciam o privilégio, e o orgulho que
sentem pela esfera e pela extensão dos seus reinos. Mas por certo vocês
recordam como o nosso bendito Senhor definiu e descreveu o Seu reino neste
aspecto. Ele disse: “O meu reino não é deste mundo”. Referiu-Se a ele como o
reino do céu, ou “o reino dos céus”. E o apóstolo, escrevendo aos filipenses, diz:
“A nossa cidade está nos céus” (3:20). Estamos na terra, porém a nossa
cidadania é lá. Alguém traduziu essa frase com as palavras: “Somos uma colônia
do céu”. Sim, estamos na terra, mas agora simplesmente uma colônia; a nossa
capital não é Londres, Paris ou Nova York, e sim o próprio céu.

A que cidade eu e você, como cristãos, pertencemos? Segundo o livro de


Apocalipse, é a Nova Jerusalém, que vai descer do céu e estabelecer-se na terra -
a Nova Jerusalém! É onde vive o Rei, onde Ele está assentado à mão direita da
glória neste momento. Não uma Jerusalém terrestre, mas uma Jerusalém celeste,
uma Jerusalém sempi-tema. Que privilégio, pertencer a tão grande império, a tão
amplo domínio! Contudo não é só verdade dizer que o quartel-general, a capital,
é no céu. Os cidadãos deste reino estão espalhados pela terra toda. Inclui homens
e mulheres “de todas as nações, e tribos, e povos, e línguas” (Apocalipse 7:9).
Na expressão de Isaac Watts -

Povos de toda língua, e de toda nação,

Cantam sublime canto, em Seu amor estão.

Que reino! Que esfera! O romano orgulhava-se de ser cidadão romano. Os


homens pertencentes a grandes impérios sempre mostraram o mesmo orgulho.
Cristãos, apercebam-se de que são cidadãos de um reino como este! Quartel-
general no céu; o Rei eterno, imortal, invisível, como o seu Rei! E cidadãos em
todos os reinos, terras, continentes e climas! Onde quer que vivamos e seja qual
for a nossa nacionalidade, não faz diferença. Pertencemos a Ele, o quartel-
general é o mesmo - a Jerusalém celeste. Que reino glorioso! Que privilégio, ser
cidadão de tal cidade!

Entretanto deixem-me mencionar outra coisa. Vocês notam como o apóstolo


faladanossaconcidadania. “Assim quejánão sois estranhos, nem estrangeiros,
mas concidadãos dos santos” (VA). Pensem em seus concidadãos! Dos santos,
diz ele - vocês são concidadãos deles. Quem são eles? Não é a nação de Israel
como tal, porque “nem todos os que são de Israel são israelitas”. Ele está
pensando nos santos entre os filhos

de Israel. O que Paulo quer dizer aqui é o que o homem que escreveu o Salmo
oitenta e sete, versículos cinco e seis, tinha em mente quando disse: “E de Sião
se dirá: este e aquele nasceram ali; e o mesmo Altíssimo a estabelecerá. O
Senhor contará na descrição dos povos que este homem nasceu ali”. Vocês vêem
o que ele quer dizer? Ao nível natural, os homens se orgulham de pertencer a
uma nação capaz de produzir um ^Shakespeare - a terra de Shakespeare! A terra
de Marlborough! A terra de Wellington; aterradePitt; a terra de Cromwell - a
terra desses gigantes que foram estadistas, poetas, artistas etc.! Que orgulho,
pertencer a uma nação como esta - tais homens nasceram aqui, foram criados em
nossa terra, ossos dos nossos ossos, por assim dizer, ecarnedanossacarne. Mas
aBíbliadiz: “O Senhor contará na descrição dos povos que este homem nasceu
ali”. E esse o povo ao qual pertencemos. Somos concidadãos de Abraão, o maior
cavalheiro que já viveu, aquele que teve a distinção de ser chamado “amigo de
Deus”. Não seria uma coisa maravilhosa entender e saber que você pertence
à mesma cidade, ao mesmo reino a que Abraão pertenceu? E não
somente Abraão, mas também Moisés, Davi, Isaías, Jeremias, e todos
aqueles valorosos homens do Velho Testamento. Pertencemos a eles, estamos na
mesma cidade, temos estes interesses comuns e esta lealdade comum. Devo
confessar que para mim é, talvez, a maior emoção perceber que sou um
concidadão do apóstolo Paulo, que, como cristãos somos um com ele, que temos
os seus interesses em nossos corações, e que as mesmas coisas que o moviam
nos movem. E o veremos e passaremos a eternidade com ele, e com todos os
outros apóstolos.

Pois bem, considerem a história da Igreja. Alegra-me pertencer ao mesmo grupo,


ao mesmo reino a que pertenceram Agostinho, João Calvino, Martinho Lutero,
John Knox, os puritanos, Whitefíeld, Wesley, e tantos outros mais. Somos todos
um, pertencemos àquele grupo de pessoas. Já não somos do mundo, pertencemos
a este reino separado, a este reino de sacerdotes, a esta nação santa. Permitam-
me lembrar-lhes os versículos 22-24 do capítulo doze da Epístola aos Hebreus,
que expressa isso com perfeição: “Mas chegastes ao monte de Sião, e à cidade
do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos; à universal
assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos no céus, e a Deus, o
Juiz de todos, e aos espíritos dos justos
John Churchill, primeiro Duque de Marlborough (1650-1722), soldado inglês, vitorioso em muitas
batalhas importantes. Nota do tradutor (para evitar associações indevidas).

aperfeiçoados; e a Jesus, o Mediador de uma Nova Aliança...”. É para onde


vamos. Pertencemos a este lugar. Já não somos um pequeno reino na terra, aos
pés do monte Sinai. Chegamos à Jerusalém celestial, a aos muitos milhares de
concidadãos.

Mas, finalmente, para completar a figura, o último privilégio é compreender algo


das expectativas futuras e da futura glória do reino. No presente ele parece
fraco. Grandes multidões estão fora da Igreja, e muito cristão tolo é tentado
aperguntar: devo continuar com isso, haverá de fato algo aí? Vou à igreja ou não
vou? Quem diz isso não viu o real significado deste reino. Hoje somos uns
poucos rejeitados e desprezados, talvez, mas há uma glória vindoura. “Em ti”,
disse Deus a Abraão no princípio, “serão benditas todas as famílias da terra.”
Conte as estrelas do céu, se é que pode, disse Deus a Abraão; numerosa assim, e
mais, será a sua posteridade. Conte os grãos de areia da praia do
mar; inumeráveis assim serão os cidadãos do reino que se formará de você e da
sua semente. Entretanto considerem também a mensagem dada ao profeta
Daniel. Acaso vocês se lembram da visão que foi dada ao rei, a visão daquele
grande poder que iria dominar o mundo e esmagar o povo de Deus — uma
imagem com cabeça de ouro, peito e braços de prata, o ventre e as coxas de
cobre, as pernas de ferro, e os pés em parte de ferro e em parte de barro? Esse
poder deveria dominar altaneiro sobre a terra como um verdadeiro colosso. Mas
esse não foi o fim. “Escrevas vendo isto”, diz Daniel a Nabucodonosor, “quando
um pedra foi cortada, sem mão, a qual feriu a estátua nos pés de ferro e de barro,
e os esmiuçou. Então foi juntamente esmiuçado o ferro, o barro, o cobre, apratae
o ouro, os quais se fizeram como apragana das eiras no estio, e o vento os
levou, e não se achou lugar algum para eles; mas a pedra, que feriu a estátua, se
fez um grande monte, e encheu toda a terra” (Daniel 2:34-35). Esse é o reino de
Deus, que começa como uma pedra desprezada, e como nada, diante de um
poder colossal; porém ela o fere e o esmiuça, e ele desaparece; e a pedra se torna
um grande monte, que enche a terra toda. Virá o dia, diz Paulo aos filipenses, em
que “ao nome de Jesus todo joelho, dos que estão nos céus e dos que estão na
terra, se dobrará, e toda língua confessará que Jesus Cristo é Senhor, para a
glóriade Deus o Pai” (2:10-11). Diz João, no livro de Apocalipse: “O sétimo anjo
tocou a sua trombeta, e houve no céu grandes vozes, que diziam: os reinos do
mundo vieram a ser de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará para todo
o sempre” (11:15). E eu e você somos cidadãos desse reino. Este
vencerá, prevalecerá.

Jesus reinará onde o sol Faz seu sucessivo percurso.

E vocês sabem disso? Sabem que eu e vocês vamos reinar com Ele? É o que
Paulo diz em 1 Coríntios, capítulo 6: “Não sabeis vós que os santos hão de julgar
o mundo? Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos?” É um reino
inabalável. É um reino que não terá fim. E o reino eterno de Deus e do Seu
Cristo. E eu e vocês, se somos cristãos, já estamos nEle, já somos seus cidadãos.
Graças a Deus, “já não somos estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos
santos”.

PRIVILÉGIOS E RESPONSABILIDADES

“Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus.” - Efésios 2:19

Como já vimos, o apóstolo está descrevendo aqui, de maneira positiva, os


privilégios dos membros da Igreja Cristã. Havendo explicado como os dois lados
foram aproximados, os judeus e os gentios, agora mostra aos dois juntos qual é a
situação deles como membros da Igreja. Com esse fim, ele emprega diversas
imagens e figuras. A Igreja, ele já tinha sugerido, é como um corpo. Mas aqui ele
nos fala da Igreja como uma cidade, um reino - “concidadãos”. Ele diz que a
Igreja é também como uma família - “a família de Deus”. Todavia a Igreja
é também como um templo, no qual Deus habita. No momento vamos examinar
a primeira figura dada neste versículo dezenove - a Igreja como um Estado, um
reino, uma cidade. Anteriormente consideramos o significado dessa definição
em geral. Consideramos também como se obtém esta cidadania. E então vimos
alguns dos privilégios gerais que pertencem anos, como cidadãos desse reino.
Lembramo-nos do caráter do nosso Rei, da extensão do Seu reino, dos nossos
concidadãos, e da glória futura deste reino estupendo no qual fomos
introduzidos,

Mas agora devemos examinar por um momento privilégios mais particulares


que pertencem a nós como membros e cidadãos deste grande reino. O apóstolo
tinha desejo de que os efésios se dessem conta destas coisas. Eles tinham sido
salvos, estavam na Igreja, tinham sido selados pelo Espírito Santo. No entanto,
ele não está satisfeito com isso, ele ora no sentido de que os olhos do seu
entendimento sejam iluminados para que eles possam conhecer mais estas coisas
e, dentre elas, esta emparticular. E, certamente, o nosso maior problema como
povo cristão hoje é que não nos damos conta dos privilégios da nossa posição
como membros da Igreja Cristã. A maior necessidade atual é ter uma verdadeira
e adequada concepção danaturezadalgrejaCristã. Vistoqueanós que pertencemos
a ela falta isso, é que não conseguimos atrair os de fora. Causamos tão pobre
impressão que eles não se interessam. O aviva-

mento começa na Igreja. Nunca se poderá levar adiante a evangelização com


uma Igreja que não seja uma viva demonstração do evangelho. Assim, de todos
os pontos de vista, aquilo em que necessitamos concentrar-nos na hora presente é
o caráter, a natureza da Igreja, e o privilégio da nossa posição na Igreja.

Consideremos alguns destes outros privilégios. Há certas coisas que podemos


acrescentar aos privilégios gerais, já considerados. Ao desenvolvermos esta
analogia da Igreja como um reino, esses privilégios se tomam óbvios.

Pensem, por exemplo, nos benefícios que gozamos por sermos cidadãos desse
reino. Essa é uma das primeiras coisas em que se pensa em conexão com um
reino. Como cidadão de um país, você goza todos os benefícios do reino, do
governo e das leis dessa comunidade particular. Com freqüência a orgulhosa
vangloria dos cidadãos deste país (Inglaterra), é que ele é a pátria da liberdade -
da democracia parlamentar, e assim por diante. Pois bem, são essas as coisas que
desfrutamos como resultado da nossa cidadania neste país. Noutros países
hápessoas que não têm estes privilégios, ainda vivem mais ou menos em
servidão. Há outros que estão debaixo de tiranias terríveis. Uma das
melhores coisas da cidadania é que ela dá de imediato a você o direito de
gozar todos os benefícios do sistema e forma de governo, e da economia de
um Estado particular.

Podemos transferir tudo isso para a esfera da Igreja. O apóstolo já nos fizera
lembrar isso, no capítulo primeiro, no versículo três, onde ele diz: “Bendito o
Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo”. Esse é o sumário de todas
as bênçãos deste reino particular. São intermináveis, e é impossível tentar
descrevê-las. Mas devemos apegarmos ao grande princípio de que todas as
bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo são nossas. O reino, a cidade
a que pertencemos é um reino, uma cidade em que todas as bênçãos são dadas
gratuitamente; é do beneplácito do Rei que elas sejam dadas. Ele Se deleita em
fazê-lo. Ele Se interessa pelos Seus cidadãos, interessa-Se por todo o Seu povo;
seu bem-estar ocupa um lugar especial em Sua mente e em Seu coração. Ele é o
Pai do Seu povo, e Se interessa por seu bem-estar e por sua felicidade em todos e
cada um dos seus aspectos.

Outras declarações das Escrituras no mesmo sentido nos ajudarão a entender


isto. O apóstolo, em sua primeira carta a Timóteo, usa uma expressão
interessante: “Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, principalmente
dos fiéis” (ou, “principalmente dos que
crêem”, VA, 4:10), A palavra “Salvador” significa Aquele que abençoa, Aquele
que cuida de, Aquele que livra de dificuldade. E as Escrituras ensinam isto em
toda parte, concernente a Deus. Deus “faz que o seu sol se levante sobre maus e
bons, e a chuva desça sobre justos e injustos”. Há hoje no mundo homens e
mulheres que nunca pensam em Deus e nunca O mencionam, exceto para
blasfemar do Seu nome; não obstante, gozam alguns dos benefícios e bênçãos
comuns, gerais do reino de Deus. Tudo o que ele têm provém de Deus. Ele é “o
Salvador de todos os homens”, sim, mas “principalmente dos que crêem”.
Ele tem interesse pessoal pelos crentes, um interesse especial, um
interesse peculiar, e eu e vocês, como cidadãos do reino, somos os
beneficiários destes benefícios, destas bênçãos especiais que Ele tem para o Seu
povo. Tudo é ordenado para o nosso bem. “Sabemos”, diz Paulo - não
há necessidade de argumentar a respeito, nem de questionar ou indagar
-“Sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que
amam a Deus” (Romanos 8:28). Não há nada que supere isso. É pura verdade
que Deus, que domina totalmente o universo e o cosmos, manipula todas as
coisas para o bem do Seu povo. Tudo é realizado com vistas a este fim. Deus
tem o domínio sobre tudo e, como nosso Rei, Ele manipula todos os Seus
recursos para o nosso bem.

Vejam outra declaração feita pelo mesmo apóstolo: “Aquele que nem mesmo a
seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará
também com ele todas as coisas?” (Romanos 8:32). O nosso Senhor também
afirma que “até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados”
(Mateus 10:30), e que nada pode acontecer independentemente de nosso Pai.
Muito do ensino do Sermão do Monte destina-se a inculcar esta idéia do
interesse e preocupação especial de Deus pelo Seu povo. É uma coisa que faz
parte de toda a concepção de um reino com seu rei e seus cidadãos. E por isso
devemos lembrar-nos deste fato deveras maravilhoso. Neste reino de Deus e
do Seu Cristo, ao qual pertencemos, todos os recursos da Deidade são para nós.
Esse é o ensino da Bíblia, em toda parte. O Velho Testamento diz muita coisa
acerca do interesse de Deus por Seu povo. Isso está ainda mais claro no Novo
Testamento. Somos os beneficiários de todas estas admiráveis, indizíveis,
insondáveis riquezas e bênçãos do reino de Deus.

Outro privilégio é que temos o direito de acesso ao Rei. Essa verdade inclui o
mais humilde cidadão do território. Em última instância, ele tem direito de apelar
para o rei. Todo o processo da lei está ali, num sentido, para habilitá-lo a exercer
esse direito. Ele pode recorrer de
uma autoridade para outra superior, até por fim apelar para o rei. Pois bem, isso
aplica-se a cada um de nós, como cristãos. Temos um Rei que, apesar de ser o
Rei dos reis e o Senhor dos senhores, e o Governador dos confins da terra,
conhece os Seus cidadãos individualmente e por eles Se interessa. Você está
sobrecarregado, leva um pesado fardo, está lutando e pelejando? Lembro-lhe que
você tem direito de acesso ao Rei. Leve a sua causa a Ele. Por maior que seja
aquilo que está ocupando a Sua atenção, eu lhe garanto que, se você estender a
mão quando Ele estiver passando e lhe apresentar a sua petição, Ele terá tempo
para ou vi-lo, para olhar para você e para tratar do seu caso. Nunca nos
sintamos sumidos na Igreja ou no grande mundo em que vivemos.
Nunca pensemos que somos tão pequenos e insignificantes que este grande
e exaltado Rei não Se interessa por nós. O ensino geral das Escrituras salienta o
inverso e o contrário. Ele está pronto a ouvir o seu humilde clamor.

Quantos exemplos disso há na vida e no ministério do nosso bendito Senhor,


quando esteve na terra! Lembram-se de quando Ele fazia a Sua última viagem
para Jerusalém, como era seguido por uma grande multidão? Mas lá estava um
pobre cego que clamava: “Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim”
(Lucas 18:38). Tentaram fazê-lo calar-se. Quieto!, diziam, Ele vai indo para
Jerusalém, Ele não tem tempo para falar com você. Todavia Ele o ouviu. E teve
tempo para parar, falar com ele, curá-lo e libertá-lo. Igualmente teve tempo para
Zaqueu. Também teve tempo para cuidar doutro cego, à porta do templo.
Não importava onde estivesse, ou quão grande fosse a multidão. Lembram-se da
mulher que tocou as Suas vestes? Aí vocês têm ilustrações do Seu cuidado e
solicitude pelas pessoas. Portanto, em sua necessidade e em seu desespero,
lembre-se de que, como cidadão deste reino, o seu Rei conhece você e está
sempre pronto a ouvir a sua petição e a atender o seu clamor.

Mas vamos considerar outro aspecto do assunto. Os recursos do reino são


compartilhados entre nós. Referimo-nos a este ponto quando estudamos a nossa
concidadania com os santos; porém só o analisamos do ponto de vista da sua
grandeza. Entretanto também nos será valioso do ponto de vista prático. A
comunhão que gozamos com os nossos concidadãos! Isso também é uma parte
essencial de toda e qualquer concepção do Estado. Fala-se muito hoje sobre a
responsabilidade do Estado pelo bem-estar do povo, cuja base se pretende ser
que os fortes levem as cargas dos fracos, e os ricos as cargas dos pobres. E uma
co-participação feita para que ninguém tenha superabundância e

outros fiquem sem nada. Essa é a idéia. E caracteriza mais propriamente o reino
de Deus. Há uma injunção específica, neste sentido: “Mas nós, que somos fortes,
devemos suportar as fraquezas dos fracos” (Romanos 15:1). “Levai as cargas uns
dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo” (Gálatas 6:2).

Certamente não há nada que nos seja mais precioso do que a maneira pela qual,
como cidadãos juntos, como membros da Igreja Cristã juntos, sabemos e
experimentamos isso na prática. Haveria alguma coisa mais animadora para o
cristão do que saber que outros oram por ele? - que outros têm você, o seu fardo
e o seu problema em seus corações e estão fazendo intercessão por você? Eles
não estão pensando somente em si mesmos, você é um concidadão, vocês se
pertencem. Oramos uns pelos outros, sentimos uns com os outros, entendemo-
nos uns aos outros. Eu poderia desenvolver este ponto extensamente; deixem-
me, porém, dizê-lo simplesmente desta forma: quantas vezes soubemos da
seguinte experiência! Sentimo-nos de tal modo que mal podemos orar, estamos
desanimados, e talvez o diabo tenha estado particularmente ocupado conosco, e
nos esquecemos inteiramente do fato de que temos este acesso direto ao próprio
Rei. Enquanto estamos tendo comiseração por nós mesmos, de repente nos
encontramos com outro cristão e, começando a conversar, vemos que ele ou ela
está com o mesmo problema ou dificuldade. Imediatamente somos
tranqüilizados efortalecidos. E assim vamos adiantejuntos. Levamos as cargas
uns dos outros. “A lágrima de compaixão”, a compreensão! Estamos indo juntos
para Sião, através de uma terra estranha. E deveras maravilhoso aperceber-nos
de que os recursos de outros, a força e a habilidade de outros, estão à nossa
disposição em nossas dificuldades. E, por sua vez, quando eles estão deprimidos
enós estamos alegres, podemos ajudá-los. E admirável a comunhão entre os
concidadãos!

Contudo, vamos considerar outra fonte de conforto, a saber: a proteção que o


reino nos dá. É algo extraordinário. É um fato, ao nível secular. Todo o poder,
toda a capacidade e todos os recursos de um reino estão por trás do cidadão mais
humilde e servem para defendê-lo. Deixem-me utilizar uma ilustração que
sempre me parece expressar o ponto com muita clareza. Do seu estudo da
história vocês se lembram do que aconteceu em 1739? Em 1739 começou a
chamada “Guerra da Orelha de Jenkins”. Um certo capitão Jenkins navegava em
alto mar, e uma guarda costeira espanhola o atacou sem nenhumajustificação, e
por breve tempo ocupou o seu navio. E ainda, em acréscimo à infâmia da ação,
cortaram uma das orelhas do capitão Jenkins. Este finalmente

voltou ao seu país. Conservou a orelha numa garrafa de álcool e, quando


regressou, apresentou-a ao parlamento. E por causa disso, este país, a Grã-
Bretanha, declarou guerra à Espanha em 1739 - a Guerra da Orelha de Jenkins.
Quem era o capitão Jenkins? Não importa, era um cidadão da Grã-Bretanha, e
não devia ser insultado pela Espanha, nem por qualquer outro país; e porque o
insultaram, todo o poderio deste país voltou-se contra a Espanha em defesa
daquele cidadão individual. E quando eu e você viajarmos ao exterior e acaso
sofrermos alguma indignidade ou insulto, devemos lembrar-nos do fato de que o
mesmo poder, e todos os recursos do nosso país, estão por trás de nós
e preocupados com a nossa defesa.

Isso tudo se aplica com mais propriedade à esfera da Igreja. Vejam certos
exemplos do Velho Testamento. Eis aí um homem de Deus duramente
pressionado, seus inimigos a cercá-lo e a atacá-lo. Que poderá fazer? Ele diz:
“Torre forte é o nome do Senhor; a ela correrá o justo, e estará em alto refúgio”
(Provérbios 18:10). “O nome do Senhor! ” Há uma exposição maravilhosa disso
nos Salmos três e quatro, onde o salmista nos conta que estava cercado por todas
as espécies de perigos e de inimigos furiosos. E, todavia, eis o que ele escreve:
“Tu, Senhor, és um escudo para mim, a minha glória, e o que exalta a
minha cabeça. Com a minha voz clamei ao Senhor, e ouviu-me desde o seu santo
monte. Eu me deitei e dormi; acordei, porque o Senhor me sustentou. Não
temerei dez milhares de pessoas que se puseram contra mim e me cercam.
Levanta-te, Senhor; salva-me, Deus meu; pois feriste a todos os meus inimigos
nos queixos; quebraste os dentes aos ímpios. A salvação vem do Senhor”.
Zacarias diz algo semelhante: “Porque assim diz o Senhor dos Exércitos: depois
da glória ele me enviou às nações que vos despojaram; porque aquele que tocar
vós toca namenina do seu olho” (2:8). Vocês querem algo que vá além disso?
“Aquele que tocar em vós”, diz Deus a você como cristão, “toca na menina do
meu olho” - o ponto mais sensível do Meu ser. Essa é a proteção. “Dou-lhes a
vida eterna”, diz o Senhor Jesus Cristo, “e nunca hão de perecer, e ninguém as
arrebatará daminhamão” (João 10:28). Haverá algum lugar mais seguro que
esse? “Se Deus é por nós”, diz Paulo, “quem será contra nós?” (Romanos 8:31).
“O Senhor é o meu ajudador”, diz o escritor da Epístola aos Hebreus, “e não
temerei o que me possa fazer o homem” (13:6). Diz João, em sua Primeira
Epístola, “maior é o que está em vós do que o que está no mundo” (4:4). Pode
ser que o inimigo esteja atacando e ferindo você; não revide, não se vingue, diz
Paulo, pois “Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o SENHOR” (Romanos
12:19).

“Eles o venceram”, diz o livro de Apocalipse, “pelo sangue do Cordeiro e pela


palavra do seu testemunho” (12:11). Aquele poderoso dragão que se levanta
contra a Igreja de Deus, e lança da sua boca uma torrente de águas na tentativa
de arrastá-la, está sempre tentando destruir o povo de Deus. Que é que podem
fazer os que Lhe pertencem? “Eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela
palavra do seu testemunho.” E assim que se derrota o diabo quando ele vem com
toda a sua milícia e com todo o seu terrível poder. Diz finalmente o apóstolo
Paulo: “por cuja causa padeço também isto” - as perseguições, provações e tribu-
lações que sofreu - “mas não me envergonho; porque eu sei em quem tenho
crido, e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito (VA: “para
guardar aquilo que eu lhe confiei”) até àquele dia” (2 Timóteo 1:12). Está certo,
diz Paulo; você, Timóteo, está passando por tempos difíceis; sei o que é isso; eu
não me envergonho, não fico alarmado, não me apavoro, não me abalo - pois eu
conheço Aquele em quem eu creio, e Lhe confiei tudo, e Ele me guardará e
guardará tudo o que eu considero precioso até aquele dia. Ah, se nos déssemos
conta dos nossos privilégios como cristãos! Seja qual for o seu problema, seja
qual for a sua situação, seja qual for a sua provação, eu insisto com
você, lembre-se dos recursos, lembre-se das coisas que caracterizam você como
cidadão deste grande e glorioso reino.

Apresso-me a acentuar outro aspecto que é igualmente importante para nós, a


saber, as obrigações, as exigências, as responsabilidades da nossa cidadania.
“Já não somos estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos.” O que
estivemos fazendo foi regozijar-nos nos privilégios, porém agora vamos lembrar-
nos das responsabilidades. As Escrituras dão ênfase a elas em toda parte. Toda a
segunda metade desta Epístola aos Efésios é dedicada quase exclusivamente a
isso. Mas vamos recordar resumidamente algumas coisas que decorrem da
nossa posição privilegiada e exaltada. São elas que, como já mencionei,
nos fornecem certas provas sutis e excelentes quanto a se pertencemos ao reino
ou não.

A primeira é, obviamente, esta - o nosso orgulho do reino. A analogia humana é


óbvia. O nosso orgulho da pátria, o nosso orgulho da cidadania! SirWalter Scott
pergunta, com muito acerto: “Haverá algum ser humano vivo que esteja com a
sua alma tão amortecida que nunca tenha dito a si próprio: Esta é a minha terra
natal, a minha terra?” Isso é natural, é instintivo. As pessoas não somente estão
dispostas a falar sobre o seu país e a aclamá-lo; também morrerão por ele. As
pessoas

fazem isso por qualquer coisa pela qual se interessem. Está alguém interessado
em música? - está sempre falando sobre música. Está interessado em futebol?
Não gritaria, torcendo pelo seu time? Vocês não os têm ouvido aos milhares? O
interesse pela agremiação deles! Não contentes com isso, usam os seus
mascotes, as suas cores especiais, pagam muito dinheiro para ir ver seu time j
ogar. O entusiasmo! A paixão! Essa é a esfera do seu interesse.

Mas, que dizer de nós? Somos cidadãos de um reino que não pertence a este
mundo - o reino celestial que estivemos descrevendo. Que dizer a respeito?
Temos orgulho dele? Estamos mostrando de que lado estamos? Estamos
mostrando as nossas cores? Ou, quando estamos em companhia de certas
pessoas, procuramos ocultar que somos cristãos? Quando estamos com pessoas
que não observam o domingo, e que antes desprezam as que freqüentam a igreja,
procuramos dar a impressão de que essa é também a nossa posição? Não admira
que as multidões estejam fora da igreja, quando tantas vezes nós damos a
impressão de que nos sentimos um pouco envergonhados pelo fato de
estarmos dentro. Todavia não é só questão de envergonhar-nos. Se nos
déssemos conta da verdade acerca da nossa posição, ficaríamos
comovidos, ficaríamos emocionados. Como o homem que diz, “Esta é a minha
terra natal, a minha terra”, nós nos gloriaríamos em nosso reino e
nos gabaríamos dele, estaríamos prontos a aclamá-lo e, se necessário, a morrer
por ele. Nós o enalteceríamos, e enalteceríamos as suas virtudes e todos os altos,
grandes e gloriosos privilégios dele decorrentes, e estaríamos ansiosamente
desejosos de que todos o conhecessem e pertencessem a ele - como acontece
com alguém que se encontra num país estrangeiro. Os homens deste país,
quando no exterior, não escondem que são britânicos, querem que todo o mundo
saiba disso. E as pessoas que vêm para cá de outros países fazem o mesmo, e
fazem muito bem! Do mesmo modo, como cidadãos deste reino glorioso,
devemos mostrar sempre a nossa lealdade a esse reino, e gloriar-nos no fato de
que pertencemos a ele.

Naturalmente, o próximo ponto é: primeiro a pátria, depois eu. Essa é aprova da


verdadeira apreciação que apessoa faz da sua cidadania. Quando o país está em
dificuldade, o grito é: “Pelo rei e pela pátria!” - não por seus interesses e
preocupações particulares! Ouçam o que diz o apóstolo Paulo: “Ninguém que
milita se embaraça com negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o
alistou para a guerra” (2 Timóteo 2:4). Ele quer dizer que quando um homem é
soldado do exército, não se dedica ao mesmo tempo a uma profissão ou a um
negócio fora do
exército. Ele está inteiramente à disposição do oficial comandante, do seu rei e
do seu país. Ele não se embaraça com os negócios desta vida quando está na
guerra, porque as conseqüências seriam caóticas. Se muitos homens alistados no
exército, com o país em guerra, de repente dissessem: lamento, mas não posso
combater hoje, tenho que irparacasa e resolver alguns negócios, o exército seria
logo derrotado. Os soldados têm que cancelar a si próprios, têm que dar de mão
de si, têm que estar a disposição do rei e da pátria. Quando você está no exército,
não é você que decide quando vai ter folga. Apliquemos esse pensamento à
esfera superior. “Pelo rei e pela pátria!” “Ninguém que milita se embaraça com
negócios desta vida, a fim de agradar àquele que o alistou para a guerra.”
Primeiro o reino e o rei. E é justamente essa aprova para vermos se nos damos
conta da nossa cidadania neste reino. Acaso submetemo--nos ao Rei e à pátria?
Renunciamo-nos a nós mesmos? Compreendemos que a verdade a nosso
respeito é que “não sois de vós mesmos”, que “fostes comprados por bom
preço”? (1 Coríntios 6:19 e 20). Pertencemos a Ele, não pertencemos mais a nós
mesmos.

O próximo pensamento nesta seqüência lógica é: em virtude da minha relação


com este reino, segue-se que agora sou estrangeiro em todo e qualquer outro
reino. Paulo diz a estes efésios: “Já não sois estranhos e estrangeiros, mas
concidadãos dos santos”; outrora estavam fora deste reino, eram estranhos e
estrangeiros, mas agora são cidadãos do reino. Entretanto, lembre-se, isso
significa que você agora é um estranho e um estrangeiro naquele país do qual
você veio. Que importante princípio! Permitam-me lembrá-los da maneira pela
qual o apóstolo Pedro usa este argumento na sua Primeira Epístola: “Vós, que
em outro tempo não éreis povo, mas agora sois povo de Deus”. “Amados”, diz
ele, “peço-vos, como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das
concupiscências carnais’ que combatem contra a alma; tendo o vosso viver
honesto entre os gentios, para que, naquilo em que falam mal de vós, como de
malfeitores, glorifiquem a Deus no dia da visitação, pelas boas obras que em vós
observem” (2:10-12). Vocês vêem a mudança? Eles não eram um povo; agora
são. Estavam fora do reino, estranhos e estrangeiros fora do reino de Deus; agora
estão dentro do reino de Deus. Mas, por causa disso, diz ele, vocês são
estrangeiros e peregrinos neste mundo, não pertencem mais a ele. Essa é outra
maneira de dizer o que Paulo diz em Filipenses 3:20: “A nossa cidadania está no
céu” (VA); e porque a nossa cidadania está no céu, aqui somos estrangeiros,
estamos no mundo porém não somos do mundo.

Isto é uma coisa que acontece automaticamente. Quando você está


visitando outro país, você não se torna parte dele; continua sendo estrangeiro,
sabe disso, e todo o mundo sabe disso também. Eu e vocês, como cristãos,
tornamo-nos estrangeiros neste mundo. Não mais pertencemos a este mundo, se
é que somos cristãos verdadeiros. Somos como pessoas que estão fora de casa.
Estamos aqui por algum tempo, somos forasteiros, somos peregrinos, somos
viajores; esta é sempre a descrição que a Bíblia nos apresenta. Leiam o capítulo
onze da Epístola aos Hebreus. Os que são mencionados ali se consideravam
“estrangeiros e peregrinos na terra”. Eles estavam em busca da “cidade que
tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus”. Eles moravam
em tendas. Cada um deles dizia: “Sou estrangeiro aqui, meu lar é o céu”. Segue-
se automaticamente, não segue? Somos tão-somente estranhos e estrangeiros
entre os ímpios. Eles não nos entendem, eles são diferentes. Podem opor-se a
nós, podem perseguir-nos. Tudo muito certo, diz Pedro, apenas se lembrem de
quem vocês são, e se lembrem de que não pertencem mais a eles. Não há
necessidade de argumentar a respeito disso. Ou vocês estão no reino de Deus, ou
estão fora; não podem estar nos dois lugares ao mesmo tempo. E é preciso que
fique evidente para todos que vocês pertencem a este reino celestial, e
não àquele outro.

Eu gostaria de colocar este ponto da seguinte forma, como o meu quarto


princípio. Como estranhos, peregrinos e estrangeiros neste mundo, lembremo-
nos sempre de que a nossa primeira obrigação é representar o nosso Rei e a
nossa pátria. “A Inglaterra espera que cada homem cumpra hoje o seu dever”,
disse o almirante Nelson na manhã da batalha de Trafalgar. Em tempos antigos,
aonde quer que fosse um cidadão do Império Romano, ele levava o seu manto
peculiar, o sinal do fato de que ele era um cidadão romano; e ele zelava muito do
manto e sua honra. Com toda razão o fazia! Sim, diz o apóstolo Paulo
também aos filipenses, “Somente deveis portar-vos dignamente, conforme
o evangelho de Cristo”(l :27). Você é um estranho fora de casa, você sabe da sua
pretensão e você disse aos outros o que você é. Lembre-se, eles o estarão
observando. Nunca se esqueça disso! Eles vão julgar o seu Rei e o seu país pelo
que vêem em você. Vejam de novo, em Pedro: “Amados, peço-vos como a
peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das concupiscências carnais que
combatem contra a alma; tendo o vosso viver honesto entre os gentios; para que,
naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores, glorifíquem a Deus no
dia da visitação, pelas boas obras que em vós observem”. Eles perseguem vocês
como a malfeitores, mas provem a eles, pelas suas boas obras, que vocês são
filhos de Deus.
Sempre é assim que o Novo Testamento prega a santificação e a santidade.
Algumacoisatragicamente errada aconteceu com apregação da santificação e da
santidade quando ela sempre nos oferece algo, “Vida com V maiúsculo”, ou algo
que vai ser maravilhoso para nós. Eis como as Escrituras nos exortam à
santidade: “Sede santos, porque eu sou santo, diz o Senhor”. Se você não está
vivendo uma vida santificada e uma vida santa, você é um traidor da sua pátria e
do seu Rei. Você não tem direito de viver como quiser. Você não pode dissociar-
se da sua cidadania. Você não pode dizer: não importa a ninguém o que eu
faço, quero ter a minha vida à minha maneira. Não, se você é cristão. Se
você cair, todos nós cairemos com você. E o mundo se rirá de nós. Acima
de tudo, Cristo será ridicularizado. Pois um membro da Igreja Cristã ter vida
mundana nada mais é que ser ele um canalha e um traidor. Na esfera secular as
pessoas são executadas por fazerem uma coisa como essa. Insultar a bandeira!
Rebaixar o país! Rebaixar o monarca! Não há nada pior. E eu e você somos
cidadãos deste Rei celestial e do Seu reino glorioso e santo. “Amados, peço-vos,
como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais (que fiqueis longe) das
concupiscências carnais que combatem contra a alma” - não por amor de vocês
mesmos apenas, porém por amor daqueles gentios que estão olhando, e pela
honra do seu Rei. “Somente deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho
de Cristo.”

Essa é uma boa maneira de estudar a prática cristã. Em nossa vida diária, quando
nos assaltam dúvidas sobre se devemos fazer algo ou não, ou se devemos usar
isto ou aquilo, esta é a nossa prova: serve para mim? Condiz? Se eu vestir este
manto, ele está de acordo com meu chapéu e os meus sapatos? E digno?
Combina com... ? Essa é a figura, a ilustração utilizada pelo apóstolo. Se não
servir, se não combinar, se não for próprio e não estiver em harmonia com o
restante, devo largar dele. Que toda a sua conduta seja governada pelo evangelho
de Cristo. Todas as minhas ações devem ser controladas por ele. E preciso que
seja uma realidade global. Cada ato deverá ser digno, próprio, pertinente.
Assim, você deve pensar nas grandes doutrinas da fé e perguntar: esta espécie de
conduta é consoante com essa fé? Convém ao evangelho de Cristo?

Finalmente, deveria ser óbvio que, como cidadãos deste reino, devemos sempre
estar preocupados com a defesa do reino, com a defesa das suas leis e com a
defesa de tudo o que é propugnado por esse reino. A bandeira! Devemos estar
dispostos a morrer pela “bandeira”; ela representa o país e tudo o que lhe
pertence. Isso é igualmente verdade quanto a nós, no sentido espiritual. Não
mais somos estranhos e
estrangeiros, mas concidadãos dos santos. Em dias como os atuais somos
convocados pera defender esta “bandeira”, a Bíblia. Ela está sendo atacada e
ridicularizada. Vocês a estão defendendo? Não basta dar o
seu testemunhocomoumadefesadaBíblia. Vocês têm que preparar-se
para defender a Bíblia. Para começar, vocês têm que conhecer a Bíblia. E vocês
têm que ter algum conhecimento dos livros que os ajudarão a defender a Bíblia.
Boa vontade e boas intenções não defenderão o país. Para defender o país, o
homem tem que entrar no exército e tem que ser treinado, fazer exercícios e
aprender a ser disciplinado; goste ou não, terá que fazê-lo “à força”, como se diz.
E eu e você temos que aprender “à força” a defender a bandeira, o país, o reino.
O nosso livro está sendo atacado; a nossa fé está sendo atacada. Temos que estar
“sempre preparados”, diz Pedro, “para responder a qualquer que nos pedir
a razão da esperança que há em nós” (1 Pedro 3:15). Como poderemos fazê-lo?
O reino está sendo atacado por um inimigo poderoso, e eu e vocês estamos
sendo convocados como combatentes para que façamos a nossa pequena parte
individual. Não há maior honra, não há privilégio mais alto. A vitória é certa e
segura. Mas seria trágico, quando chegar o grande e glorioso dia de celebrar essa
vitória, se algum de nós achasse que não fez absolutamente nada, que
simplesmente ficamos sentados enquanto alguma outra pessoa fazia o trabalho, a
defesa, a luta, o esforço.

Não precisamos ser todos grandes peritos na arte da guerra. Deixem-me usar
uma analogia humana. Não precisamos ser todos soldados de carreira; você não
precisa ser, necessariamente, um obreiro de tempo integral, pode engaj ar-se na
Defesa Civil do reino de Deus. Um policial de alto nível. Ache tempo para isso.
Tenha um só interesse. Dedique-se a ele. O reino de Deus está sendo atacado e
ridicularizado. Saltemos logo em sua defesa, por pequeno que seja o serviço
que possamos prestar.

Noutras palavras, como cidadãos deste reino, o nosso maior desejo, a nossa
principal ambição, sempre deverá ser que as suas fronteiras sejam ampliadas e
ele se torne cada vez mais poderoso e cada vez mais glorioso, até o dia em que
“os reinos do mundo vierem a ser de nosso Senhor e do seu Cristo”.

“Jánão sois estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos” neste reino
glorioso. E por essa razão somos apenas estrangeiros e peregrinos neste mundo,
com todo o seu artificialismo, ostentação com toda a sua louca confiança
própria, que darão em nada. Graças a Deus, não pertencemos a isso. Aqui somos
apenas estrangeiros. “A nossa cidadania”, graças a Deus, “está no céu.”
29

DA FAMÍLIA DE DEUS

“Assim, que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos
santos, e da família de Deus.” - Efésios 2:19

Tendo considerado a primeira figura que o apóstolo emprega para nos mostrar o
privilégio de sermos membros da Igreja Cristã, a saber, a de cidadãos de um
Estado, agora chegamos à sua segunda figura. Os cristãos verdadeiros não são
somente concidadãos dos santos, mas também são “da família de Deus”.
Obviamente, aqui há algo diferente, há um avanço. No entanto, de novo,
lembremo-nos de que as duas coisas que Paulo quer assinalar são este princípio
da unidade e também a grandeza do privilégio. Podemos perguntar, porém: por
que ele usa desse modo uma segunda figura? E por que, na verdade, ele vai usar
uma terceira figura, que estudaremos mais adiante? A resposta, penso eu,
é óbvia: é que ele sentiu que só a primeira figura não era suficiente. Ela nos dá
uma idéia, apresenta-nos uma parte vital da doutrina, mas não inclui tudo. Não é
suficientemente compreensiva. Ela estabeleceu um tremendo aspecto, que já
consideramos, porém há muito mais para ser dito. Portanto, convém que
consideremos e descubramos porque ele emprega esta segunda ilustração.

Certamente vocês se lembram de que, no primeiro capítulo, o apóstolo já nos


apresentara esta idéia de família, onde ele diz: “E nos predestinou para filhos de
adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito da sua vontade”.
Agora, aqui, ele retoma essa idéia, dizendo-nos que, como crentes, pertencemos
à família de Deus. Noutras palavras, somos filhos de Deus. Paulo argumenta
neste sentido quanto a judeus e gentios que se tornaram cristãos. Todas as
outras distinções, vocês recordam, desapareceram, foram postas de lado,
foram abolidas. Nesta nova realidade que Deus trouxe à existência entre
os judeus e os gentios, o grande fato suplementar é que estamos na posição de
filhos.

Portanto, o que temos que fazer é comparar e contrastar a idéia de Estado com
a idéia de família. E é só quando fizermos isto que compreenderemos porque o
apóstolo introduz a segunda figura e em que sentido esta segunda figura constitui
um definido avanço em relação à
primeira, e nos leva a uma percepção mais profunda da verdade acerca da
unidade de todos os cristãos e da grandeza do privilégio que gozamos. Devemos,
pois, considerar os pontos de contraste entre o Estado e a família.

O primeiro é que a relação que existe entre os membros de um Estado é, afinal


de contas, uma relação geral, ao passo que o que caracteriza a relação entre os
membros de uma família é que esta é uma relação mais particular. Todos nós,
neste país, somos cidadãos da Grã-Bretanha, mas não pertencemos à mesma
família. Há numerosas famílias e, somos todos um no Estado. É isso que quero
dizer quando falo da relação no Estado como sendo mais geral. Por outro lado,
na família estreita-se a relação; é uma unidade muito menor. E porque a relação é
mais estreita e mais particular, é, por isso mesmo, muito mais intensa. Assim é
que podemos usar outras expressões. Podemos dizer que a ligação entre nós no
Estado é muito leve. Há uma ligação, e é suficiente para separar-nos das pessoas
que pertencem a outros países e a outros reinos. Estamos ligados uns aos outros,
mas a ligação é leve. Numa família, porém, a ligação j á não é leve. Visto que é
particular, visto que é mais estreita, é mais intensa, e também mais cerrada.
Portanto, o apóstolo está dando realmente um passo adiante em sua doutrina
acerca desta unidade. A unidade que existe na Igreja Cristã entre os
membros não é uma ligação leve, é uma ligação intensa, cerrada, íntima.

Todavia, podemos ir mais adiante com a seguinte colocação: em segundo lugar, a


unidade existente no Estado é, em última análise, uma unidade externa. Isso
dispensa desenvolvimento e demonstração. Não se pode pensar numa família,
sem que se pense num fator interior, de dentro, que une os seus membros. Não é
o que se dá no Estado, no qual nos unem certos tipos de cultura, certas leis,
certos interesses comuns, todos os quais, num sentido final, estão na surpefície
das nossas vidas e fora de nós. Na família há algo essencialmente interior,
interno. Noutras palavras, a relação entre os membros de um Estado é
mais remota, enquanto que entre os membros de uma família é mais
íntima. Quero dizer com isso que conhecemos muitas pessoas de maneira vaga e
um tanto remota. Reconhecemos os que moram na mesma rua, ou que trabalham
no mesmo emprego; são nossos “conhecidos”, mas realmente não os
conhecemos, não temos intimidades com eles. Pode haver uma espécie de
conhecimento de “bom dia, boa tarde”, uma amizade geral, porém é sempre
remota. Ao passo que na família a idéia central é logo uma idéia de intimidade e
entendimento, e de laços interiores.

Ou pensemos nisso de maneira diferente. Em última instância, a


nossa relação uns com os outros no Estado é impessoal, ao passo que a verdade
geral acerca da família é que, nesta, a relação é intensamente pessoal. Este é um
princípio muito importante, independentemente da sua aplicação à Igreja. Há no
mundo atual a tendência de salientar e desenvolver relações impessoais, em
detrimento das relações pessoais. Vocês podem pensar em muitos exemplos
disso. O próprio Estado age assim. À medida que o Estado se torna cada vez
mais poderoso, e que interfere cada vez mais em nossas vidas, vai tendendo a
nos despersonalizar. Passamos a ser unidades impessoais, passamos a
ser números. Desaparece o elemento pessoal. Há muita evidência disso neste
país atualmente.

Não estou argumentando politicamente, mas o faço filosoficamente,


considerando-o um ponto muito importante e, em última análise, faço-o do ponto
de vista da personalidade e da individualidade. O Estado sempre tende a
despersonalizar-nos. Naturalmente, isso faz parte de toda a questão da psicologia
das massas e das multidões. Você sempre tende a perder um pouco a sua
identidade na multidão. E por isso que as multidões são tão perigosas, e talvez
chegue o dia em que haverá necessidade de uma legislação que proíba a reunião
de pessoas além de certos limites numéricos. Gostemos ou não, uma multidão
tem influência sobre nós, e as pessoas tendem a agir automaticamente em meio
a uma multidão. Hitler sabia disso muito bem, e soube aproveitar a idéia. Numa
multidão você pode levar as pessoas afazerem coisas que jamais elas sonhariam
em fazer sozinhas ou individualmente. De um modo ou de outro, desaparece o
elemento pessoal. De fato precisamos observar e vigiar isso até mesmo em
nossos sistemas educacionais. Quanto mais você forçar lealdade a um lado ou a
uma escola, mais tendendo estará a despersonalizar as crianças e a produzir uma
relação impessoal. Eu até chego a opinar que, talvez, esta seja uma das principais
razões do pavoroso aumento de divórcios no presente. As pessoas pensam
cada vez menos em si desta maneira pessoal, e os objetos de lealdade
se tornaram mais gerais - o país, a Coroa, a escola, a ala, algo semelhante, algo
que está fora da pessoa. Essas coisas não devem ser negligenciadas, concordo,
pois é uma coisa terrível a pessoa ser egoísta e egocêntrica; porém a tragédia é
que sempre nos inclinamos a ir de um extremo ao outro. Na tentativa de ensinar
as crianças e outros a não serem egoístas, certamente iremos ao outro extremo,
se nos tornarmos tão impessoais que eles tenham medo de expressar os seus
sentimentos, e assim tentem despersonalizar-se ao ponto de desaparecerem na
multidão. Assim vocês vêem que o apóstolo avançou definitivamente em seu
pensa-
mento aqui. A ligação, a relação no Estado é impessoal. Mas na família - e esta é
a glória da família - todos nós somos pessoas, e todas as relações são pessoais,
diretas e imediatas.

Então, finalmente, podemos dizer que a diferença entre as duas relações é a


diferença que há entre uma relação legal, judicial e uma relação de sangue,
vivida e vital. O que em última instância nos une no Estado é a lei. Pode haver
certos interesses e perspectivas em comum; todavia o que afinal de contas nos
une e mantém a coesão é o processo da lei - a relação é legal. Mas não é esse o
caso da família. Na família o que nos une é o sangue. É uma relação vital. Pode-
se mostrar facilmente a diferença desta maneira: vocês verão particularmente
no continente europeu, em vários países que estão separados uns dos
outros como Estados, que, não obstante, há o mesmo sangue nas pessoas
que pertencem a esses Estados diferentes. Pensem nos eslavos, por exemplo.
Eles têm o mesmo sangue e possuem certas características; e embora uns
pertençam a um país e outros a outro, sempre se pode reconhecer o eslavo. E
assim com outros tipos de nacionalidade e de sangue. Uma relação de sangue é
algo mais íntimo, direto, vital e vivo do que qualquer relação que seja delimitada
e determinada pelos processos da lei e pelos decretos dos homens.

O apóstolo, então, não está meramente multiplicando palavras quando diz:


“Assim que já não sois estranhos e estrangeiros, mas concidadãos dos santos” -
sim, e membros “da família de Deus”. Ele deu passos adiante, levou-nos a uma
esfera mais elevada, e estreitou a relação; e quando você estreita a relação, esta
sempre se torna mais intensa. Sempre temos relação mais intensa quando somos
em menor número. Isso é psicologia, assim é a natureza humana, não é? Por
isso o termo “família” transmite todas estas grandes idéias que é importante que
captemos.

Tendo mostrado a diferença de modo geral, passemos agora à aplicação


particular disso tudo aos cristãos, aos membros da Igreja Cristã. Porque é
importante que compreendamos esta relação familiar? Por que o apóstolo estava
tão desejoso de que estes efésios a compreendessem? É porque tantos de nós não
compreendem estas verdades que nós somos o que somos e a Igreja é o que é.
Acaso compreendemos que de fato somos dafamília de Deus - e que
pertencemos à família de Deus? Esta verdade é uma parte vital da doutrina da
salvação. Por isso devemos considerá-la. _

Começo com o aspecto mais grandioso e mais importante. E


importante que o compreendamos para que entendamos, como devemos, a
maravilhosa e estupenda graça de Deus. Eis o que quero dizer: já seria uma
coisa maravilhosa se Deus apenas decidesse não punir-nos, não nos enviar ao
inferno. Era o inferno que nós merecíamos. Em nosso estado e condição natural,
que o apóstolo descrevera -“andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a
vontade da carne e dos pensamentos”, e sendo “filhos da ira, como os outros
também” -não merecíamos outra coisa que não o inferno. Digo que teria sido
uma coisa maravilhosa se Deus meramente decidisse não nos deixar
naquele estado e não punir-nos. Contudo, o método de salvação estabelecido
por Deus não pára aí. Ele nos eleva a esta dignidade de filhos, Ele nos adota em
Sua família.

Vê-se tudo isso na parábola do filho pródigo. O filho foi para casa e disse a seu
pai: “Pai, pequei contra o céu e perante ti, e jánão sou digno de ser chamado teu
filho”. E ia acrescentar, “faze-me como um dos teus jornaleiros”. Mas o pai não
pode considerar o seu rapaz, embora pródigo, como um dos seus serviçais. Isso
simplesmente não pode acontecer. Diz ele: não, não, você volta como meu filho;
e o abraça, e lhe traz o melhor traje e o anel, e mata o bezerro cevado. Meu filho!
Esse é o método divino de salvação. É, pois, importante que captemos
este princípio, a fim de nos habilitarmos a engrandecer a graça de Deus.
Que plano de salvação! Que esquema de redenção! Não satisfeito com
outra coisa, senão que estejamos na Sua presença como Seus filhos! Se não nos
dermos conta disso, não nos daremos conta da grandeza e das riquezas da graça
de Deus.

Aí está, então, o primeiro ponto, e o mais importante, o ponto que, em certo


sentido, inclui todos os demais. Ele acentua o que há pouco estive dizendo, que
nunca devemos pensar na salvação negativamente. Só começamos com os
aspectos negativos. A primeira coisa da qual todos necessitamos é o perdão dos
pecados e a nossa libertação da ira de Deus. Todavia Ele não se detém nisso. E
jamais devemos deter-nos nisso, em nosso pensamento. O nosso pensamento
deve ser positivo, devemos ver a que tudo isso leva. O cristão não é meramente
alguém que foi perdoado e salvo do inferno. Muito mais que isso, ele foi adotado
na família do Deus eterno!

Outro ponto muito importante é o seguinte: vocês notam que isso só é verdade
quanto a nós no Senhor Jesus Cristo e por intermédio dEle. Isso só é próprio dos
que estão “em Cristo”. Isso é absolutamente vital e fundamental, porque há
corrente hoje um frouxo ensino concernente à paternidade universal de Deus,
assim chamada, e à

fraternidade universal dos homens. Aqui, neste capítulo, o apóstolo ensina


exatamente o oposto. Toda bênção - e devemos ter em mente que este versículo
dezenove é um resumo do que vem antes - tudo, ele nos estivera dizendo, é “em
Cristo Jesus”. Nenhuma destas coisas é real sem Cristo Jesus. “Portanto,
lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne... que naquele tempo
estáveis sem Cristo, separados da comunidade de Israel, e estranhos aos
concertos dapromessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora
em Cristo Jesus, vós, que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo
chegastes perto”; “Ele é a nossa paz.” Depois, no versículo 18, “Porque por ele
(ou “nele”, Cristo), ambos temos acesso ao Pai em um (ou “por um”)
mesmo Espírito”. Isso de pertencer à família de Deus independentemente
do Senhor Jesus Cristo não existe. A humanidade está dividida em
dois compartimentos - os que estão fora de Cristo ou sem Cristo, e os que são
membros da família de Deus. Acerca dos primeiros disse o Senhor Jesus Cristo:
“Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai” (João
8:44). Como é importante observar estas coisas! Deus, como o Criador, é o
Criador de todos, e nesse sentido há uma espécie de paternidade. Entretanto não
é disso que o apóstolo está falando aqui; não é dessa verdade que o Senhor Jesus
Cristo fala, quando diz: “Vosso pai celestial sabe que necessitais de todas estas
coisas” (Mateus 6:32). Não, esta é a nova relação que só passou a
existir mediante o Senhor Jesus Cristo e a obra perfeita por Ele realizada.

Portanto, Deus não é Pai dos que não crêem em Cristo. E não há quem possa ir a
Deus e Lhe pedir algo, dizendo: “Meu Pai”, a não ser que vá “pelo sangue de
Cristo”, confiando unicamente em Sua obra perfeita. Isso, como vocês sabem,
muitas vezes é negado hoje. Muitos falam leviana, desembaraçada e
relaxadamente sobre ir a Deus sem sequer mencionar o nome do Senhor Jesus
Cristo. Um dia se despertarão para verem que Ele nunca os conheceu, que eles
estão fora, que não pertencem à família. Sem Cristo, esse relacionamento não
existe. Por outro lado, deixem que eu diga enfaticamente que esta bênção é
uma realidade quanto a todos os cristãos verdadeiros. Nisso não há
divisões quanto aos cristãos - são todos “concidadãos dos santos e da família
de Deus”. Portanto, devemos rejeitar todos os ensinamentos que dizem que
alguns cristãos não são filhos de Deus, e que traçam uma distinção entre filhos e
criaturas. Criaturas e filhos, neste sentido, são iguais, e você não pode ser cristão
sem ser uma criatura de Deus e um filho de Deus. Os termos aplicam-se
igualmente a todos os cristãos.
É importante compreender isso, pela seguinte razão: se eu e vocês

somos filhos de Deus, não temos direito de viver como se fôssemos apenas
empregados. Não temos direito de viver na cozinha da casa. Somos filhos! - e
todos os cristãos que não se dão conta disso, eque estão levando uma vida de
serviçal, estão desonrando a Deus e estão difamando a glória eterna da Sua
graça. Por isso é importante compreender mais este avanço na doutrina. Se não o
compreendermos, cairemos naqueles diversos erros e, com isso, estaremos
difamando a glória do Senhor Jesus Cristo. Nós O estaremos tirando do centro,
Elejá não será crucial, o Seu sangue estará sendo posto de lado e em descrédito.
Ele não será tudo para nós, e não glorificaremos Seu Pai como devemos.

Esse é, então, o primeiro motivo pelo qual devemos captar esta verdade. E
indispensável para um verdadeiro entendimento da doutrina da salvação.

Mas eu tomo a liberdade de dizê-lo com maior clareza. Somente quando


entendemos esta verdade ê que passamos a usufruir os privilégios desta posição.
Vocês percebem o que isto significa? Estivemos considerando os privilégios de
ser um cidadão do reino, e estes são maravilhosos e gloriosos. No entanto, à luz
das distinções que traçamos, você pode ver quão mais altos são os privilégios
quando você se vê como filho de Deus, e não apenas como cidadão do Seu reino.

Quais são estes privilégios? Eis o primeiro: Deus é nosso Pai. O eterno e
sempiterno Deus! Podemos ir a Ele como nosso Pai. Vocês recordam o que
opróprio Senhor Jesus Cristo disse: “Subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e
vosso Deus” (João 20:17). Certamente não há maior honranem maior dignidade
que possamos vislumbrar ou compreender do que justamente esta - levar sobre
nós o nome de Deus. Não admira que João, no prólogo do seu Evangelho, tenha
dito que “a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder (o direito, a autoridade)
de serem feitos filhos de Deus” (1:12). Não há o que supere isso, não há o
que conceber acima disso, que somos de fato membros da família de Deus. Isso
nos caracteriza literalmente como cristãos. Diz ainda João: “Amados, agora
somos filhos de Deus” (1 João 3:2). Não sabemos o que seremos em toda a sua
plenitude, continua ele dizendo, mas isto sabemos, que já, agora, somos filhos
de Deus. O apóstolo Pedro ocupa-se igualmente disso e afirma que “somos
participantes da natureza divina” (2 Pedro 1:4). Cada vez mais me parece que é a
nossa falha neste ponto que realmente explica por que a Igrej a Cristã está como
está. E não se trata do que fazemos ou tentamos fazer; enquanto não voltarmos
a isto, e realmente não o compreendermos, enquanto não o sentirmos e
não experimentarmos o seu poder, não vejo esperança para a Igreja. Somos
filhos de Deus, participantes da própria natureza divina.

Depois, por causa disso, a segunda coisa que nos caracteriza em nossa relação
com Deus como nosso Pai é que temos o direito de aproximar-nos dEle, o
mesmo direito que uma criança tem quanto ao seu pai. Paulo já o dissera num
versículo anterior: “Porque por ele ambos temos acesso” - não a Deus, vocês se
lembram, mas - “ao Pai em um mesmo Espírito”. Isso é tão extraordinariamente
forte que mal podemos recebê-lo; mas é verdade. Posso usar uma ilustração
simples e óbvia? Imaginem um homem, alguém responsável por uma
grande empresa, com centenas, talvez milhares de pessoas a seu serviço e sob a
sua direção, um homem excepcionalmente ocupado. É evidente que esse homem
não pode cuidar pessoalmente de todos os pormenores do seu negócio ou das
obras ou do que seja. Ele só lida com grandes princípios; ele tem os seus
gerentes e subgerentes, chefes etc., e esses tratam das minúcias das coisas dos
seus respectivos departamentos. Se você levar um detalhe de algum
departamento a esse grande homem, que é o chefe de todos, o presidente da
companhia, ele simplesmente o despedirá, pois não tem tempo para essas coisas.
E contudo o vejo ali, um certo dia, em seu escritório, sentado à mesa de trabalho,
com todas estas grandes tarefas em mente, e talvez com vultosas quantias
para administrar, pelas quais ele é responsável. Ele não pode ver os seus gerentes
hoje, só pode ver alguns diretores especiais. Contudo, de repente, ele ouve uma
leve batida à porta. Ele sabe quem é; é o seu filhinho, o seu pequerrucho
cambaleante; e o homem vai pessoalmente abrir aporta, e passa algum tempo
falando com ele, talvez brincando um pouco com ele.

Tudo é posto de lado. Por quê? E seu filho. Essa é a doutrina que estamos
considerando. Deus, que criou do nada todas as coisas, e para quem todas as
estrelas e constelações são o que bolinhas de gude são para uma criança, Deus,
que domina todas as coisas e que existe de eternidade a eternidade, para quem as
nações são como “o pó miúdo das balanças” (Isaías 40:15) - é meu Pai, é seu
Pai, e não há nada, por menor e mais trivial que seja, na minha vida e na sua,
pelo que Ele não Se interesse e, por assim dizer, pelo que não Se disponha a
deixar que o universo inteiro siga adiante por seu próprio impulso por algum
tempo enquanto Ele ouve você e dá atenção somente a você. E isso que essa
doutrina quer dizer.

Como somos tolos! Como nos privamos de algumas das coisas mais preciosas da
vida cristã, simplesmente porque não nos apegamos à
doutrina! Usamos as expressões levianamente, mas não analisamos o seu
conteúdo. Eis o que o apóstolo está dizendo: não somos só cidadãos -lembro-
lhes que o cidadão tem direito de apelar para o rei, mas isto nos leva muito mais
longe - vou como uma criança diretamente à presença de meu Pai, e Ele está
sempre pronto a receber-me. Ou, para dizê-lo invertendo os termos, se tão-
somente nos déssemos conta do interesse de Deus por nós e da Sua amorosa
preocupação conosco! Como é que podemos ler as Escrituras e examinar estas
declarações gloriosas, e, ao que parece, nunca as compreender? Foi o próprio
Filho de Deus que nos disse que, como filhos de Deus, “até os cabelos da nossa
cabeça estão todos contados”. É dessa maneira, e em minúcias como essa, que
Deus nos conhece. O nosso Senhor estava sempre repetindo este ponto. Diz Ele:
“Vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas” (Mateus
6:32). Por que inquietar-se e aborrecer-se? Se você tão-somente compreendesse
que Ele é seu Pai, que Ele sabe tudo a seu respeito, e que Ele conhece todas as
suas necessidades e inquietações muito melhor do que você mesmo, como um
pai sabe estas coisas melhor do que seu filho! Por que você não confia nisso, por
que você não põe a sua confiança nisso, por que você vai ao Pai com hesitação e
dúvida? “Vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas
coisas.” Somos membros da família de Deus. Não haverá perigo de
abusarmos desta doutrina enquanto nos lembrarmos de que o nosso Senhor
disse na Oração Dominical: “Pai nosso, que estás no céu, santificado seja o teu
nome”. Enquanto você começar desse modo, quando for a Deus recorrendo a Ele
como seu Pai, não haverá leviandade, nem familiaridade indigna, porém
aplenarelação dePai-e-filho permanecerá, e você poderá buscá-10 com
confiança, com segurança, com certeza, sabendo que, por ser Ele seu Pai, e por
Suas grandíssimas e preciosas promessas, Ele estará sempre pronto a recebê-lo.
Mais maravilhoso que o Seu estupendo poder é a relação. Essa é a garantia.

Esse é o primeiro aspecto do privilégio. O segundo é: graças ànossa relação com


o Pai, há uma relação com o Filho. As Escrituras se referem ao Senhor Jesus
Cristo como “o primogênito entre muitos irmãos” (Romanos 8:29). E é verdade.
Diz Ele: “Meu Pai - vosso Pai”. Há uma relação entre nós e Ele. Diz o autor da
Epístola aos Hebreus que Ele “não socorre a anjos, mas socorre a descendência
de Abraão” (2:16, ARA). Ele não assumiu a natureza dos anjos, assumiu a
natureza humana; Ele foi feito “um pouco menor do que os anjos”, desceu
ao nosso nível, assumiu a natureza humana por meio da virgem Maria. Ele

é o nosso irmão, é o primogênito entre muitos irmãos; Ele diz: “Eis-me aqui a
mim, e aos filhos que Deus me deu”. Assim, Ele é um conosco, participante da
nossa natureza. Mas, como mostra a Epístola aos Hebreus, Ele não fica nisso.
Em razão dessa verdade, Ele nos entende, Ele Se identifica conosco, Ele está no
céu para nos representar. Ele está sempre lá com o Pai, intercedendo por nós. E
pensar nisso é, de novo, algo que se nos impõe com extraordinária força. E nEle,
por meio dEle e por Ele que nós vamos ao Pai.

No entanto, não nos esqueçamos nunca de que, graças à nossa relação com o Pai
e com o Senhor Jesus Cristo, temos o direito de dizer, segundo este apóstolo: “E
se nós somos filhos, somos logo herdeiros também, herdeiros de Deus, e co-
herdeiros de Cristo” (Romanos 8:17). E neste momento, seja qual for a sua
situação, esta é a pura e simples verdade a seu respeito, você é um herdeiro de
Deus. Há uma glória que nos espera, glória tão maravilhosa que até as Escrituras
pouco nos falam dela. As vezes as pessoas perguntam: por que tão pouco se nos
fala do céu, por que tão pouco nos é dito em detalhe sobre o estado eterno?
A resposta é muito simples. Porque somos pecadores, porque somos decaídos, a
nossa linguagem também é decaída, e qualquer tentativa de descrever a glória do
céu seria uma falsa apresentação. Por isso não recebemos descrições
pormenorizadas. Tudo que nos é dito é que estaremos com Cristo - e isso deveria
ser suficiente para nós. Estaremos com Ele. Seremos semelhantes a Ele.

Há imagens utilizadas no livro de Apocalipse, mas, lembremo-nos de que são


apenas figuras e imagens; a realidade mesma é infinitamente mais grandiosa, a
glória é indescritível. E eu e vocês somos herdeiros disso. “Bem-aventurados os
limpos de coração, porque eles verão a Deus.” “Bem-aventurados os mansos,
porque eles herdarão a terra” -e esta será uma nova terra, uma terra glorificada,
renovada, “novos céus e nova terra, em que habita a justiça” (2 Pedro 3:13). E é
nossa; somos herdeiros dela, e co-herdeiros com Cristo. “Se sofrermos (com
ele), também com ele reinaremos”, diz Paulo a Timóteo. O que o
está aborrecendo, Timóteo, por que você está se queixando e
lamentando? Porque está tão desgostoso consigo mesmo? Você não sabe que se
sofrer com Ele, também reinará com Ele e será glorificado com Ele? Se
nos lembrássemos disso sempre, falaríamos menos, não nos queixaríamos, não
nos deixaríamos vencer e abater pelos problemas e dificuldades. Os nossos
fracassos realmente provêm da nossa incapacidade de captar e compreeder que
Deus é nosso Pai, que todo e qualquer pormenor da nossa vida é do interesse
dEle. Leve tudo a Ele; “leve-o ao Senhor em

oração”, seja o que for. Ele próprio empregava o termo Pai. Não pense em Mim,
parece Ele dizer, como um Deus distante, na glória e na eternidade; estou lá, mas
em Cristo vim a você, sou seu Pai, venha a mim. Assim como o Senhor fazia o
Seu amoroso convite e convidava a que fossem a Ele todos os que estavam
cansados e sobrecarregados, igualmente Deus convida os Seus filhos. “Vinde a
mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mateus
11:28). Aquela criança que está zangada e triste porque desej a uma coisa que
elanão tem - seu pai a ergue e abraça, e a criança fica satisfeita só por isso,
porque sabe que o abraço significa que tudo o que o pai tem é dela
também. Assim Deus está pronto a tomar-nos nos Seus braços e a envolver-
nos no Seu amor. Busquem a Deus, cristãos, Ele é seu Pai, vocês são “membros
da família de Deus”.

E ainda, pela mesma razão, compartilhamos o mesmo Espírito. O Espírito que


estava em Cristo é o mesmo Espírito que está em nós. “E, porque sois filhos”,
diz Paulo, “Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama:
Aba, Pai” (Gálatas 4:6). O Espírito de adoção! (Romanos 8:15). Aí está outro
resultado da nossa condição de filhos de Deus - Ele nos deu o Seu Espírito.

Ao concluir, preciso lembrá-los das responsabilidades disso tudo? Isso é


inevitável. Desfrute tal posição, tal dignidade, tal glória; participar de tais
privilégios, ah, como é grande a nossa responsabilidade! Permitam-me citar
algumas palavras ditas pelo nosso Senhor. Tendo em vista tudo quanto acima foi
dito, “resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas
obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus” (Mateus 5:16). Um filho nos
diz muitas coisas sobre os seus pais, não diz? Um filho não nos diz somente
coisas referentes a si, ele nos diz muito mais acerca de seus pais. Quando
você observa o comportamento de uma criança, você aprende realmente muito
sobre a disciplina, ou a falta dela, no seu lar. O filho proclama o pai. “Eles verão
as vossas boas obras, e glorificarão a vosso Pai, que está nos céus.” Cristo disse
de novo: “Neles (em nós) eu sou glorificado” (João 17:10, VA e ARA).
Certamente vocês recordam como, no Sermão do Monte, falando sobre o amor
aos inimigos, o nosso Senhor diz: “Ouvistes o que foi dito: amarás o teu
próximo, e aborrecerás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai a vossos
inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai
pelos que vos maltratam e vos perseguem”. Por que devemos fazer todas estas
coisas? Eis porquê: “Para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus”

(Mateus 5:43-45). Aí está porque temos que fazê-lo, para que sejamos
semelhantes ao nosso Pai, para que proclamemos a família a que pertencemos.
“Pois, se amardes aos que vos amam, que galardão havereis? Não fazem os
publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vosssos irmãos,
que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? Sede vós pois
perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus.” Portanto, na próxima
vez que você estiver em dúvida quanto à ação que deva praticar ou não, se você
deve fazer certa coisa ou não, não perca tempo perguntando a alguém se aquilo
é certo ou errado; simplesmente pergunte: “Essa espécie de coisa é digna de um
filho de meu Pai? E coerente com afamília a que eu pertenço, com o Pai que pôs
o Seu nome em mim e a quem eu represento entre os homens?”

“Já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos, e da
família de Deus.”

HABITAÇÃO DE DEUS

“Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus


Cristo é a principal pedra de esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado,
cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois
edificados para morada de Deus em Espírito. ” - Efésios 2:20-22

Estes versículos dão prosseguimento ao pensamento do versículo anterior, ondo


o apóstolo diz: “Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas
concidadãos dos santos, e da família de Deus”.

Tratamos das duas primeiras figuras que o apóstolo usa para habilitar-nos a ver
os privilégios de sermos membros da Igreja Cristã, e, assim, agora chegamos a
esta terceira e última figura. E a figura da Igreja como “templo de Deus”, “casa
de Deus”, edifício em que Deus habita.

E sempre interessante observar como opera a mente do apóstolo. Vocês alguma


vez perguntaram, ao lerem esta declaração, por que o apóstolo acrescentou esta
última, esta terceira figura? Parece-me haver um única explicação. A idéia de
família sugeriu-lhe logo a idéia de casa. E uma transição natural - da família para
a casa em que ela habita. Digo que é interessante observar como opera a mente
do apóstolo, e o digo deliberadamente. Quando pensamos na doutrina da
inspiração dos escritores das Escrituras, é importante ter sempre em mente que
a doutrina da inspiração não elimina as características individuais dos escritores;
de outro modo, não haveria nenhuma variação no estilo, todos eles escreveriam
exatamente da mesma maneira. Mas, embora seja um fato que todos estes
diferentes escritores estavam cheios do Espírito Santo e foram dominados,
governados e conduzidos por Ele, foi dada liberdade de ação às suas
características individuais. Portanto, nunca tenha dificuldade alguma, quando ler
ou ouvir uma porção das Escrituras, em saber se foi escrita por Paulo ou por
Pedro ou por João. Eles têm as suas características individuais, e aqui, nesta
passagem, temos algo que é muito característico do apóstolo Paulo, a saber, o
modo como a sua mente sempre se move ao longo das linhas da razão ou
seguindo elos e conexões lógicos. Família! - Casa!

Agora devemos examinar esta figura. Ao tratar da Igreja como

família de Deus, afanei-me para assinalar que isso representou um avanço no


pensamento do apóstolo em relação à primeira figura. Procurei mostrar, com
uma série de comparações e contrastes, o porquê disso, e como ele nos estava
levando a uma concepção mais elevada. Agora, pois, ao chegarmos a esta
terceira figura, levanta-se a questão: ele continua avançando? Esta terceira figura
é um clímax ou um anticlímax? Alguns talvez sintam, na primeira leitura, que,
qualquer que seja a verdade a respeito da segunda, esta terceira figura só pode
ser um anticlímax, porque ir da idéia de família para a idéia de casa é
certamente ir para baixo. Parece um movimento do pessoal para o impessoal,
do homem para o material. Qual será, pois, a situação? O pensamento do
» apóstolo está avançando? Está nos levando para um ponto ainda mais alto? Ou
de repente ele muda a tendência e a linha de pensamento e nos leva a uma
espécie de figura mecânica?

Esta é uma questão muito importante, não somente do ponto de vista da


exatidão, da exegese e da exposição, mas talvez ainda mais do ponto de vista da
verdade espiritual. Portanto, eu me proponho a mostrar que o pensamento do
apóstolo continua avançando e que nesta terceira figura ele nos leva a um
grande clímax além do qual nada épossível. Como sepode estabelecer isso? Da
seguinte maneira: em sua definição e descrição da relação que existe entre os
membros da Igreja.

Já salientamos que o princípio dominante do apóstolo o tempo todo é o da


unidade, e o que ele está procurando fazer com estas três figuras é expor este
grande fato da unidade. Minha tese é que nesta terceira figura ele nos está
mostrando a essência dessa unidade de maneira até mais grandiosa do que nas
duas primeiras ilustrações. Com o fim de justificar esta minha tese, tudo o que
necessito é mostrar a superioridade desta terceira figura nesse aspecto em
relação à segunda, a figura da família; porque já mostramos que essa é superior à
figura do Estado.

A minha opinião é que os membros de uma família, embora mais estreitamente


interligados que os concidadãos de um Estado, ainda constituem, nalguns
aspectos, uma associação livre e solta. Afinal, a família é uma reunião de
indivíduos, ao passo que, quanto ao edifício, a situação é outra e o que há é uma
verdadeira fusão das partes. Pois bem, a frase que o apóstolo usa no versículo
vinte, “no qual todo o edifício”, “o edifício completo” dá-nos a chave para um
verdadeiro entendimento. Sei que há os que traduziriam essa expressão como
“todo edifício”, mas ainda assim a verdade em foco continuaria sendo a mesma.
Se vocês preferirem entender a frase como significando “todo edifício” e
pensarem em cada edifício como uma parte diferente do

templo, ainda assim as diferentes partes serão componentes de um todo, de modo


que vocês ainda terão a idéia de um edifício completo. Opino, pois, que na idéia
de um edifício, em distinção de uma família, há a idéia de uma unidade existente
entre os diferentes tijolos ou pedras do edifício, unidade mais estreita do que a
que existe entre os membros de uma família. Os membros de uma família são
indivíduos separados e distintos. Os membros da família não são idênticos; eles
não têm que fazer desaparecerem as suas características afim de serem membros
de uma família. A individualidade ainda permanece, e às vezes é tão forte que
certos membros da família podem ter menos semelhanças uns com os outros do
que com outras pessoas das suas relações. São membros de uma família e,
todavia, a sua individualidade é mantida e permanece, e, nesse sentido, a
conexão e a ligação é fraca. Por outro lado, o ponto deveras essencial qu anto a
uma estrutura, a um edifício, é a coesão, o que o apóstolo descreve como sendo
“bem ajustado”.

Talvez eu possa expressá-lo melhor da seguinte maneira: os membros de uma


família, afinal de contas, podem separar-se uns dos outros. Não siginifica que
deixam de ser membros da família, porém podem romper a companhia un s dos
ou tros. Podem até brigar, não querer ver-se nem falar uns com os outros. Sei que
a união fundamental ainda está ali e que nada poderá dissolvê-la; mas, no que
diz respeito à amizade, à comunhão, ao companheirismo e a estarem juntos,
eles podem, porque são entidades distintas e separadas, separar-se uns dos outros
e até dar a impressão de que não existe nenhuma relação ou ligação entre eles.
Contudo, se vocês começarem a fazer esse tipo de coisa com um edifício, o fim
será que vocês não mais terão o edifício. Se vocês tirarem bom número de
pedras de um edifício, suas paredes ruirão, o seu edifício deixará de existir.
Assim é que neste caso, penso eu, o princípio da unidade revela-se mais estreito
e mais próximo. Separem os tijolos ou as pedras de uma parede, e o edifício se
vai; mas vocês podem separar os membros de uma família, e ainda a
família permanecerá como uma unidade. A ligação é mais frouxa do que no
caso do edifício. Portanto, a minha opinião é que o apóstolo está
realmente avançando em seu pensamento, e que aqui ele nos mostra que a
relação dos cristãos como membros de uma igreja é tão estreita e íntima como a
que prevalece nas diferentes partes e segmentos de um edifício.

Mas quando vemos isso do ponto de vista do privilégio, o progresso do


pensamento fica ainda mais evidente. Vimos que o filho está numa posição mais
vantajosa que o cidadão. O cidadão humilde pode apelar para o rei, para o chefe
de Estado, mas não da mesma maneira

pela qual uma criança pode aproximar-se do seu pai. Isso mostra uma relação
mais íntima e um privilégio superior e maior. Todavia aqui o apóstolo vai além
disso. A sua concepção de Igrej a nesta passagem é que a Igreja é templo santo
do Senhor, que “todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no
Senhor”. Pois bem, o filho tem acesso ao Pai, mas o filho não habita dentro do
Pai. Entretanto a idéia aqui apresentada é de Deus habitando conosco, fazendo
em nós a Sua habitação. Ora, isso é um tremendo avanço do pensamento, como
a segunda figura fora sobre a primeira. Não somente estamos nesta
relação íntima com Deus e temos esta liberdade de acesso a Ele; além e acima de
tudo isso, o mistério e a glória final da Igreja é que Deus habita nela. Ela é Seu
templo, o templo santo do Senhor. Como a Sua presença habitava no santuário
interior do antigo templo entre os filhos de Israel, as sim agora Ele habita na
Igrej a, entre o S eu povo. Não há n ada, na esfera do pensamento, que supere
isso.

Esta verdade, naturalmente, assemelha-se ao ensino dado pelo nosso Senhor


pouco antes do fim da Sua vida terrena, quando Ele disse: “...vos convém que eu
vá; porque se eu não for, o Consolador não virá a vós; mas, quando eu for,
enviar-vo-lo-ei” (João 16:7). Era um grande privilégio estar ali, na presença do
Filho de Deus, vendo-O, ouvindo-O, podendo fazer-Lhe perguntas e receber Sua
ajuda. Era maravilhoso, era esplêndido; mas há algo melhor, e é vir Ele habitar
em nós, viver em nós, ter Sua morada em nós. E Ele disse: Eis o que vou fazer,
virei a vocês e me manifestarei a vocês, eu e o Pai estaremos em vocês e em
vocês faremos nossa morada (João 14:21-23). Isso é mais que falar com
Ele externamente. Ele vem habitar em nós - “Vivo, não mais eu, mas Cristo vive
em mim” (Gálatas 2:20). Pois bem, é essa a idéia, o tipo de concepção que o
apóstolo coloca diante de nós nesta terceira e última figura que utiliza. O que ele
diz é que os efésios são partes deste grande edifício, deste templo de Deus - estes
mesmos efésios que antes estavam tão longe foram edificados neste templo e
estão sendo edifi-cados nele.

A este ensino, concernente à Igreja como um grande edifício, o Novo Testamento


dá muita proeminência. E como não há nada mais vital hoje do que a
necessidade que os cristãos têm de compreender este ensino do Novo
Testamento sobre a Igreja, não há nada mais urgente para nós do que apegar-nos
firmes a este ensino maravilhoso. Por certo vocês se lembram do que foi
proposto pelo Senhor no grande incidente ocorrido em Cesaréia de Filipe,
quando Pedro fez a sua confissão de fé,

“Tu és o Cristo, Filho de Deus vivo”, e o nosso Senhor lhe disse: “Eu te digo que
tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja” (Mateus 16:16-18). Aí
está aprimeira utilidade da analogia; aí está abase sobre a qual todos os outros
têm edificado. Espero referir-me a essa declaração particular mais adiante, para
que tenhamos algum entendimento do que o nosso Senhor quis dizer com ela;
mas ela é tratada aqui pelo apóstolo, indireta e implicitamente.

Depois há a declaração registrada no início do capítulo três da Primeira Epístola


aos Coríntios, indo do versículo 9 ao 17. Ali o apóstolo afirma que ele é um
sábio “arquiteto”, e evidentemente tem em mente esta concepção geral da Igreja
como um edifício - “ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está
posto, o qual é Jesus Cristo”. Há pessoas de todo tipo que estão edificando sobre
este fundamento, diz o apóstolo, porém elas não estão edificando da maneira
certa, e vai haver um julgamento e as obras de cada um serão julgadas. Mas é à
idéia de Igreja como edifício que ele está dando ênfase: “Não sabeis vós”,
diz ele, “que sois o templo de Deus?” Todo o problema da igreja de Corinto foi
que os seus membros tinham esquecido isso, e a conseqüênciafoi que eles
estavam se dividindo - “Eu sou de Paulo; eu sou de Apoio; eu sou de Cefas”; e
assim por diante. Ele pergunta: vocês não percebem que são um templo do Deus
vivo? Não destruam dessa maneira o templo de Deus, vocês estão violando o
princípio da unidade. Somos assim levados a lembrar-nos da imensa importância
desta doutrina. Em última análise, todas as dificuldades da Igreja provêm da
incompreensão da natureza da Igreja. E por isso que, em última instância, todas
estas Epístolas do Novo Testamento tratam da doutrina da Igreja. Estas pessoas
tinham sido salvas, eram cristãs, sem dúvida; mas estavam com problemas em
muitas direções porque continuavam esquecidas de que eram membros da Igreja.
Segregavam-se a si mesmas, por assim dizer, tornando-se individualistas num
sentido errado, e daí surgiram problem mas e sofrimentos. A resposta a isso tudo
é: voltem e tratem de compreender que a Igreja é como um grande edifício.

Também diz a mesma coisa quando ele lembra a esses coríntios, no capítulo seis,
versículo dezenove, que o Espírito Santo habita neles. Ele está pensando mais
nos indivíduos do que na Igreja, porém isso faz parte do mesmo conceito. “Não
sois de vós mesmos, fostes comprados por bom preço.” O apóstolo lhes diz que
não cometam certos pecados do corpo. Por quê? Porque “o vosso corpo é o
templo do Espírito Santo, que habita em vós”. Há aindauma declaração muito
notável na Segunda Epístola aos Coríntios, capítulo seis, versículo dezesseis,
onde ele diz:

“Que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós sois o templo
do Deus vi vente, como Deus disse: neles habitarei, e entre eles eu andarei.,Aí
está, mais uma vez, a Igreja como templo do Deus vivo. De novo vocês o têm na
Primeira Epístola a Timóteo, capítulo três, versículo quinze. Cito todas estas
passagens para mostrar quão vitalmente importante é esta doutrinano ensino do
Novo Testamento. “Mas, se (eu) tardar”, diz Paulo a Timóteo, “para que saibais
como convém andar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, a coluna e
firmeza da verdade.” Continua sendo a mesma idéia. E o apóstolo Pedro faz
uso da mesma ilustração. Diz ele: “Vós também, como pedras vivas,
sois edificados casa espiritual...” (1 Pedro 2:5). Há outros exemplos que também
poderiam ser citados, mas estes são os principais.

Com todas estas passagens em nossas mentes, vejamos o que o apóstolo nos está
ensinando realmente neste ponto do nosso capítulo. Parece-me que podemos
dividir a sua declaração em duas partes principais. Primeiro, há nela uma
afirmação geral acerca desta idéia de Igreja, especialmente em termos de
unidade e privilégio; segundo, há nela verdadeiros detalhes daconstrução.
Sempre que você examinar um edifício, é importante que tenhaem mente essas
duas coisas. Você pode ter uma visão geral do edifício; há certas características
marcantes que você poderá notar imediatamente. Todavia, depois há aquele
outro aspecto que se deve estudar num edifício - o exame dos alicerces,
em detalhe, o processo empregado na construção das paredes, e o que mantém
toda a estrutura interligada. Há esse aspecto, o lado mais mecânico. De maneira
fascinante, o apóstolo trata aqui de ambos os aspectos.
No momento só quero tratar particularmente do primeiro princípio; a saber, esta
concepção geral da Igreja como edifício. Ao estudarmos este ponto, queira o
Espírito habilitar-nos a ver-nos a nós mesmos como parte deste admirável
processo que está em andamento.

A primeira coisa que o apóstolo nos diz é que a Igreja é um edifício que está em
processo de edificação. Não conheço melhor maneira de pensar na era atual, na
presente dispensação, do que simplesmente ver a Igreja desse modo. Que é que
Deus está fazendo no presente? Que será que na verdade Deus tem feito desde
que o nosso Senhor completou a Sua obra e retomou ao céu? Que é que na
verdade Deus tem feito desde a queda do homem? A resposta é que Deus está
erigindo um edifício, e esse edifício é a Igreja. Este é um processo que está em
andamento. E o apóstolo nos dá idéia disso aqui, com estas palavras, “edificados
sobre

o fundamento”, ou, mais precisamente, “que estão sendo edificados sobre”. Está
presente ai a idéia de processo. E também noutra expressão, “no qual todo o
edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor”. Vocês podem ver o
processo em andamento, um edifício crescendo para o alto e aumentando. Gosto
de pensar nisso como um quadro descritivo daquilo que está acontecendo no
mundo. Vocês podem ler os livros da história secular, podem examinar a história
do mundo e da raça humana como o faz o homem de mentalidade secular, e
verão que é muito difícil formular alguma idéia disso tudo; mas quando o
examinam do ponto de vista da Bíblia, vêem claramente o que está acontecendo.
Deus tem um grande plano. Ele é o Arquiteto eterno, que traçou a Sua planta e as
especificações, e está edificando. E de cada geração Ele está retirando certas
pedras, escavando as pedreiras, extraindo as pedras, levando-as da maneira que
espero descrever posteriormente, e adicionando-as ao edifício. Em algumas
gerações houve poderosos avivamentos e houve grande acréscimo, podendo-se
ver o edifício como que saltando para o alto; porém também há períodos em que
parece não acontecer nada, e um observador casual poderia dizer que não
hácrescimento, que não há expansão, que as paredes não sobem nada e que nada
acontece. E, contudo, o edifício está crescendo, uma pedra aqui, outra ali, talvez.
É tudo parte deste grande processo.

Devemos lembrar-nos de que não se trata apenas de uma parte do propósito de


Deus, mas do fato de que esse propósito é firme e seguro. Este processo de
edificação vem se realizando há muito tempo. “Vocês estão sendo edificados
para isso”, para templo do Senhor, diz Paulo a estes efésios, entretanto quantos
milhares, quantos milhões têm sido edificados desde aquele tempo! Eu e vocês
fomos acrescentados a ele; somos parte dele; e o processo continua. E continuará
até que se complete e termine. Este grande apóstolo Paulo, no capítulo onze
da Epístola aos Romanos, fala sobre “a plenitude dos gentios” e sobre o fato de
que “todo o Israel será salvo”. Acreditem-me, “o Senhor conhece os que são
seus” e “o fundamento de Deus fica firme” (2 Timóteo 2:19). Faça o mundo o
que quiser, fique às soltas o inferno, ainda assim cada um daqueles que Deus
escolheu para este edifício estará no edifício. Fomos colocados nele,
acrescentados a ele, e este é o mais alto e maior privilégio que pode ser dado ao
ser humano. Portanto, pense em si desta maneira, como parte deste edifício
glorioso, deste tremendo templo que Deus está edificando. Ele vai extraindo
pedras do mundo e vai erigindo este novo edifício, esta estrutura maravilhosa,
este glorioso templo. Esse é o primeiro pensamento.

Pois bem, devo ressaltar logo o segundo ponto sugerido na passagem em foco,
que é o seguinte: este processo é vital. Outra vez devo anotar como é fascinante
observar como opera a mente do apóstolo. Ele deve ter percebido, logo que
começou com esta concepção, que as pessoas poderiam pensar na Igreja, e no
edifício da Igreja, de maneira mecânica. Põe-se tijolo em cima de tijolo,
acrescenta-se pedra a pedra, coloca-se um pouco de reboco, etc. - o que é mais
mecânico do que edificar? O apóstolo, penso eu, teve tanto receio de que as
pessoas o entendessem mal dessa maneira, que estranhamente introduziu a
palavra “cresce”: “no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce...” Um edifício
pode crescer? Segundo o apóstolo, pode; e, a fim de tornar isso claro, ele quase
incorre no erro, na verdade incorre no erro de misturar as suas metáforas. Ele
mistura a metáfora do crescimento das flores, da relva, com a de um edifício
desenvolvendo-se, erguendo-se, estendendo-se e indo para cima. É interessante
notar que no capítulo três da Primeira Epístola aos Coríntios ele também põe
estas duas idéias lado a lado. Diz ele no versículo nove: “Porque nós somos
cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus”. Ao mesmo
tempo o apóstolo se refere a si próprio como agricultor e como arquiteto.
Vocês, diz ele, são como uma lavoura de trigo, e são também um edifício.
Ele coloca as duas idéias juntas e parece fundi-las numa só. O edifício crescendo
- um processo vital.

O apóstolo Pedro faz a mesma coisa. Se ele recebeu de Paulo a idéia ou não, eu
não sei. (Sabemos que ele tinha lido as cartas de Paulo porque ele nos disse que
algumas delas eram um pouco difíceis de entender 2 Pedro3:15-16).) Vocês
notaram as palavras de 1 Pedro 2:5 quehá pouco citei: “Vós também, como
pedras vivas...”? Uma pedra pode ser viva, pode estar viva? Há vitalidade numa
pedra? Pedro afirma que há, pois esta é a sua metáfora: “Vós também, como
pedras vivas, sois edificados casa espiritual”.

Na verdade aqui, no versículo 22, o apóstolo expõe também a mesma idéia: “no
qual todo o edifício, bem ajustado” - bem ajustado! Ele faz uso desta mesma
idéia no capítulo quatro quando, falando sobre o corpo, diz: “Do qual todo o
corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas”. Ora, tudo isso é
muito simples no caso do corpo, mas seria tão evidente no caso de umaparede,
no caso de um edifício? A única maneira de entender isso, de acordo com o
apóstolo, é captar a idéia de que se trata de um edifício vital, um edifício vivo.

Esta é uma das coisas que precisam ser expostas com ênfase urgentemente hoje.
Há toda a diferença do mundo entre apenas acrescentar nomes

ao rol de membros de uma igreja, e o crescimento do templo santo do Senhor.


Estamos vivendo numa época caracterizada por uma mentalidade estatística, e
vocês podem ler relatórios de países e localidades em que todo o mundo parece
ser membro de igreja. Mas, infelizmente, não se segue que todos esses membros
estão sendo edificados neste santo templo do Senhor. Não se segue
necessariamente que eles são pedras “vivas”, que eles fazem parte deste
crescimento. O crescimento da Igreja é vital, não mecânico. Os homens podem
aumentar o número de membros de uma igreja, porém somente Deus pode
edificar, mediante o Espírito, na construção da Igreja. Este crescimento rumo a
um templo santo é um processo vital. Quando vocês ouvirem tudo o que se fala
hoje sobre a unidade da Igreja e sobre uma grande Igreja mundial, e sobre
a incorporação de denominações diferentes, tenham em mente esta palavra
“cresce”. Uma coisa é meramente fundir diversas organizações. Não é esse o
conceito de Paulo sobre a unidade da Igreja e sobre o aumento da Igreja. Mas
parece que é esse o pensamento dominante hoje. E mecânico, é estatístico.
Segundo esta idéia, vocês simplesmente somam; vocês se assentam, têm uma
conferência, e resolvem fazer isso. Que contraste com este processo vital, vivo,
dinâmico! “Cresce para templo santo”! Pedras vivas! Pedras animadas! Dou
ênfase a esta verdade porque não hesito em asseverar que, em grande parte, é
porque este princípio foi esquecido que a Igreja está como está hoje. A
Igreja está rogando aos homens que se agreguem a ela. Que confissão
de incapacidade de entender a natureza da Igreja! Eu nunca peço a ninguém que
se agregue à Igreja, nunca o farei. Nunca o fiz. Para mim é um grave erro querer
convencer as pessoas, quase implorar-lhes, que se agreguem à Igreja. Na
verdade, muitas vezes as pessoas são subornadas para aderirem à Igreja. Mas
tudo isso é a verdadeira antítese deste processo vital no qual o apóstolo está
interessado, este crescimento, o resultado desta tremenda operação. Lembremo-
nos sempre que este processo é vital.

Isso me leva ao meu terceiro comentário. Vocês notam que o apóstolo diz que
este é um “templo santo ”. Quando você anda em volta deste templo e o
examina, qual a sua impressão maior? Bem, diz o apóstolo, a impressão maior
que ele causa é de “santidade”. Ele não diz uma palavra sobre o seu tamanho,
não fala nada sobre o seu caráter ornamental. Não diz nada sobre algo nele que
se preste para exibição. Contudo, ele diz que o templo é santo. Essa é a sua
grande característica, “...cresce para templo santo no Senhor.” “No qual também
vós sois edificados para morada de Deus em Espírito” (ou, “mediante o

Espírito”, VA). Ah, como temos esquecido esta característica! Quão tristemente
está sendo esquecida hoje! Certamente foi essa a fatalidade que aconteceu
quando Constantino ligou o Estado romano à Igreja Cristã. Foi esquecido que ela
é um templo santo, que a principal característica da Igreja sempre é que ela seja
santa - não que ela seja grande e influente. Decerto vocês se lembram da
afirmação que um homem fez, talvez em parte brincando, mas como é
verdadeira! Discutindo a questão dos milagres na Igreja, este homem assinalou
que era quando a Igreja podia dizer: “Não tenho prata nem ouro”, que ela
podia continuar, dizendo, “Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e
anda” (Atos 3:6). Atualmente a Igreja não pode fazer nenhuma
dessas afirmações. Ela tem prata e ouro, tornou-se grande e poderosa, todavia se
esqueceu da santidade. No entanto, esta é a característica do templo, “um povo
santo”, “um local de encontro para Deus nele habitar”.

Oxalá em toda a nossa conversação, em todo o nosso pensar e em todas as


nossas discussões concernentes à unidade hoje, este princípio fosse posto no
centro. Mas não é. O que está sendo discutido hoje são os diversos pontos de
vista acerca da ordenação; se os bispos são do ser (isto é da essência) da Igreja,
ou se são apenas da sua conveniência, e assim por diante; meras questões
mecânicas! Como se essas coisas tivessem algum valor! Como o apóstolo
continua dizendo no capítulo 4, a única garantia da verdadeira unidade da Igreja
é a unidade do Espírito Santo, a unidade da santidade, a unidade do povo santo.
Quando a santidade é a principal característica, a unidade aparece por
conta própria. Quando a santidade é colocada no centro, muita coisa terá
que sair, antes de muita coisa poder entrar. Todo avivamento, todo
grande aumento da Igreja em sua longa história, sempre seguiu esse padrão.
Foi quando Wesley e Whitefield tiveram o seu “Clube Santo” que veio
o avivamento, há 200 anos. Você começa com a santidade, e então o número
aumenta. Mas se você tentar aumentar o número sem a santidade, você não terá
um “templo santo no Senhor”. Terá uma grande organização, terá uma
florescente preocupação com atividades, teráumainstituição maravilhosa; porém
não será esse o lugar onde Deus habita. Poderá ser um lugar de muito
entretenimento e de muita atividade e agitação, mas não será a Igreja do Deus
vivo. A santidade é a sua principal característica.

Isso me leva ao último pensamento, no momento, e é que sempre se deve pensar


na Igreja, em termos da Trindade santa e bendita. Com
* Esse...bene esse. Em latim no original. Nota do tradutor.

que constância o apóstolo volta a isso! Vimo-lo no versículo dezoito, “Porque


por ele (referindo-se ao Filho) ambos temos acesso ao Pai em um mesmo
Espírito”. As três Pessoas! Vocês notam a sua ênfase? “Jesus Cristo (aí está a
primeira menção de Cristo nestes versículos particulares) é a principal pedra da
esquina” - Jesus Cristo! Que mais? “No qual” - em Jesus Cristo - “todo o
edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor” - outra vez o Senhor
Jesus Cristo; “no qual” - ainda o Senhor Jesus Cristo. Paulo não consegue
deixá-10 de lado, não pode esquecê-lO. Vai sempre dando ênfase a isto, e o
vai repetindo. Quando lemos inteiramente estes dois capítulos desta Epístola aos
Efésios, com que freqüência vemos esta repetição do nome, Jesus Cristo, o
Senhor, Cristo Jesus, nEIe, tanbém nEle; e ele continua, e vai sempre se
referindo a Ele! Sem Cristo não há Igreja. Sem Cristo não há unidade. É por isso
que um congresso mundial de crenças, assim chamado, é uma negação de Cristo
e da Igreja. E é por isso que qualquer movimento ou organização que pretenda
pôr os homens em paz com Deus e que não ponha Cristo em toda parte - no
centro, no início, no fundamento, no fim, em toda parte - não é cristão. Poderá
fazer muitas coisas boas socialmente, poderá ajudar pessoas, poderá talvez
produzir alguma mudança em suas vidas; mas se Cristo não lhe for essencial,
não é cristão. Notem a repetição aqui de novo - “Jesus Cristo” - nO qual, nO
qual, nO qual! Não há nada que esteja fora da nossa relação com Ele. E depois,
“morada de Deus” - o Pai! - vindo habitar nEle. Ele manifestava a Sua presença
na glória da Shekiná no templo, no “lugar santíssimo”; e Ele vem habitar na
Igreja. E o faz mediante o Espírito. O Filho! O Pai! O Espírito Santo! Esta é
sempre a ordem - o Filho nos leva ao Pai, e o Pai e o Filho enviam o Espírito. E
assim temos este “templo santo no Senhor”.

Vocês não vêem a importância desta doutrina? As pessoas entravam no antigo


templo para encontrar-se com Deus. Era o lugar habitado por Sua presença e
Suahonra. A importânciaprática, a importância vital destadoutrinaparanós é que
Deus agorahabitano templo que é algreja. E é em nós e através de nós que as
pessoas O buscam e, nesse primeiro sentido, vêm a Ele. Estaremos nós dando a
impressão aos de fora que a Igreja é o templo do Deus vivo? Estarão eles vendo
algo desta santidade, desta referência que é própria de Deus em nós - que Ele
habita em nós e Se move em nós?

Há, então, alguns princípios gerais que se deduzem da linguagem geral do


apóstolo. Consideraremos em detalhe o que ele nos diz acerca da construção. É
absolutamente vital. Em todo este moderno interesse

pela união e pela Igreja, nada é mais fundamentalmente importante do que ser
todo o nosso pensamento dominado pelas Escrituras. Devemos ser cautelosos
para que não se intrometam idéias humanas, e devemos assegurar-nos de que,
em nosso desejo de “fazer” algo, não estejamos desperdiçando nossa energia e,
assim quando chegar o dia em que a obra de todos os homens será provada por
fogo, ver que a nossa obra não será mais que madeira, feno e palha e que será
totalmente queimada, e nós sofremos perda - embora, pela graça de Deus, nós
mesmos ainda possamos ser salvos - todavia, como que pelo fogo (1 Coríntios
3:13 e 15).
O ÚNICO FUNDAMENTO

“Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus


Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado,
cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois
edificados para morada de Deus em Espírito. ” - Efésios 2:20-22

Vimos que o apóstolo utiliza aqui três figuras a fim de transmitir a estes cristãos
efésios uma verdadeira concepção de sua posição na Igreja Cristã e, portanto,
uma verdadeira concepção da natureza da própria Igreja Cristã. Já tratamos de
duas delas. A primeira foi a figura de um Estado, de um reino, um país. Todos
nós somos membros, somos cidadãos do reino de Deus. Mas, na segunda figura
ele compara a Igreja com uma família. E todos nós somos filhos de Deus e
membros da família de Deus. No entanto, mesmo isso não foi suficiente.
Ele prossegue e passa a esta terceira figura, que já começamos a estudar, a figura
da Igreja de Deus como um grande edifício em que Deus habita.

Pois bem, é óbvio que a figura surgiu espontaneamente na mente do apóstolo,


em parte por causa do que ele estivera dizendo num versículo anterior sobre o
templo na antiga dispensação. O seu grande argumento é que a parede
intermediária de separação entre os judeus e gentios tinha sido demolida. A
parede intermediária de separação, é evidente, achava-se no templo. Os gentios
estavam no Pátio dos Gentios, ehaviaumaparede que impedia a sua entrada no
Pátio do Povo. E, por sua vez, o povo não tinha permissão para entrar no “lugar
santo”, e ninguém, exceto o sumo sacerdote, podia entrar no “lugar
santíssimo”. Portanto, Paulo estava pensando em termos de um templo que
separava as pessoas. Todavia agora tudo isso passou, e há um novo templo; e
Deus habita neste novo templo, ó templo que consiste em Seu povo. Não é mais
um templo judaico. Isso passou para sempre; “Não há grego nem judeu...
bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos” (Colossenses 3:11). Há
esta nova realidade. O templo em que Deus agora habita é a Igreja, o Seu povo.

Já os fiz lembrar, e agora os faço lembrar de novo, que existem dois grandes
princípios que devemos ter firmemente no primeiro plano das

nossas mentes, se queremos acompanhar este ensino. O apóstolo está interessado


em mostrar duas coisas: uma, aunidade, a unidade essencial que sempre deve
caracterizar a Igreja Cristã e todos os cristãos verdadeiros. Isto não é matéria de
discussão, é algo que Deus fez e que Deus pessoalmente produziu em Cristo. Ele
criou “dos dois um novo homem”, esta nova realidade, a Igreja. E a unidade é
completamente inevitável. A segunda coisa, que é resultante dessa unidade, é
o privilégio da nossa posição. Nesta figura da Igreja como este templo, este
santo edifício no qual Deus estabelece a Sua residência, põe às claras estas duas
verdades. Já examinamos este assunto de maneira geral, porém agora vamos
passar a uma consideração mais minuciosa.

O apóstolo ensina que o edifício é algo que está em constante desenvolvimento,


graças a um processo dinâmico, vivo e ativo. “Cresce” - ele é algo que cresce; e
nós “juntamente somos edificados”. Não é algo mecânico - jamais devemos
pensar na unidade em termos de mecânica ou de fria estatística. Não, é algo vital
- “cresce”. E um processo vivo. Também vimos que o templo é santo. O apóstolo
não está preocupado com o tamanho, está preocupado com a qualidade.
Santidade! “Templo santo no Senhor”! Vimos igualmente que as três Pessoas da
Trindade santa e bendita estão sempre necessariamente envolvidas. Mas o
apóstolo não pára numa descrição meramente geral. Ele examina o templo e
primeiro nos dá um relato geral sobre ele. Entretanto esta questão é tão
importante, em sua opinião, que ele tem que entrar em detalhes. Ele nos dá a
planta e as especificações deste edifício, deste templo. E, uma vez que o apóstolo
se dá ao trabalho de fazer isso, devemos deduzir que ele o considerava um
assunto da máxima importância.

Todo este assunto relacionado com a natureza da Igreja, a unidade da Igreja, é


verdadeiramente uma questão fundamental. O apóstolo tratou disso em seus
próprios dias e em sua própria geração porque obviamente era indispensável que
o fizesse. E igualmente indispensável que o façamos hoje. A grande palavra hoje
em dia é a palavra “unidade”. Há possivelmente mais prosa, mais pregação
e maior produção de livros e artigos sobre aunidade da Igreja hoje do que sobre
qualquer outro assunto. É, na verdade, o principal tópico em discussão em todos
os segmentos dalgreja em todos os países. Portanto, quaisquer que sejam as
nossas opiniões, convém que o nosso pensamento a respeito seja claro. É um
grande erro um cristão, seja ele quem for, dizer que só se preocupa com a sua
experiência pessoal, e que não tem nenhuma preocupação com estas questões
maiores. Você deve

preocupar-se. Você não pode viver isoladamente. Todos nós vivemos juntos,
temos comunhão uns com os outros. “Nenhum de nós vive para si, e nenhum
morre para si” (Romanos 14:7). E a verdade é que se não pensarmos nestas
questões, acabaremos sendo influenciados por outros e acabaremos sendo
envolvidos em suas decisões. Permitam-me usar uma ilustração. Lemos
constantemente nos jornais em nossos dias que o real problema do mundo
industrial, quanto às greves e conflitos, é em grande parte causado pelo fato de
que, em sua imensa maioria, os membros dos sindicatos simplesmente não se
dão ao trabalho de ir às reuniões e votar. O resultado é que poucas pessoas, que
podem ser comunistas, sempre vão, e visto que eles vão e os outros não, mas
deixam que as questões se decidam à revelia, o programa de um sindicato
pode muito bem ser governado por um pequenino grupo de pessoas, ao
passo que todos os outros, que poderiam não estar de acordo, têm que seguir as
decisões tomadas. A pura negligência e indolência, a recusa a interessar-se
ativamente, permite que a situação vá à revelia. Exatamente a mesma coisa
poderá acontecer na Igreja. Muitas vezes aconteceu que cristãos, em sua
indolência, e negando-se a incomodar-se e a dedicar suas mentes a estas coisas,
permitiram que decisões fossem tomadas em lugar deles por um pequeno grupo
de oficiais. E nosso dever, digo eu, como cristãos, entender algo daquilo que o
apóstolo ensina aqui referente a esta questão de unidade.

Permitam-me oferecer-lhes algumas razões para procedermos assim. Há muitas


maneiras pelas quais se pode conseguir alguma espécie de unidade, porém o
que importa é a unidade que corresponde ao que o apóstolo ensina aqui. A
igreja católica romana acredita na unidade mais que qualquer outra corporação.
Ela está sempre dizendo isso. A própria palavra “católico” nos fala disso. O
termo se refere à Igreja universal, e os católicos romanos se espantam com o fato
de que os protestantes tenham se separado deles e com o fato de que
haja qualquer divisão. Eles dizem que devemos ser um, e que a Igreja deve ser
unida. Nenhuma igreja prega a unidade mais que a igreja católica romana. Mas
sabemos o que eles querem dizer com isso. Eles querem dizer uniformidade; o
que eles querem é que todos sejam reabsorvidos; querem que todos retornem a
Roma. O que acentuo é que eles têm muito interesse na unidade. Se nós
simplesmente falamos em unidade e dizemos que nada importa, senão a unidade,
então, logicamente, todos nós deveríamos unir-nos com a igreja católica romana.
Eles se chamam cristãos, como nós. Muito bem, pois, poderíamos raciocinar, se
todos nós somos cristãos, então por que estarmos separados, por que sermos

diferentes? Sejamos todos um, tornemo-nos todos católicos romanos.

Pois bem, quando dizem coisas desse tipo, não gostamos; entretanto quando
precisamente o mesmo argumento é utilizado dentro do protestantismo, achamos
que o argumento é maravilhoso. Mas o princípio continua sendo exatamente o
mesmo. Não se começa, e não se deve começar com unidade. A unidade é algo
que resulta doutra coisa. Não se pode criar unidade. Vejam, por exemplo, esta
figura que o apóstolo usou acerca da família. A unidade que existe entre os
membros de uma família não é criada artificialmente. A unidade é inevitável
por causa do relacionamento deles. E toda forma de unidade é assim também. A
unidade é um resultado. Não se parte da unidade; a unidade é algo que existe
porque certos princípios fundamentais estão em operação.

Consideremos outra ilustração. Há poucos anos lemos nos jornais sobre o modo
como foi celebrado o décimo aniversário da fundação da Organização das
Nações Unidas. Com relação a esse evento tiveram uma reunião à qual
chamaram “Festival da Fé”. E o festival da fé consistiu num grande culto em que
judeus, maometanos, hindus, budistas, confucionistas e cristãos participaram
juntos e juntos recitaram as mesmas orações. O argumento era o seguinte - e
quantas vezes este argumento é utilizado hoje! - as pessoas diziam: todos nós
cremos no mesmo Deus. Os maometanos, os hindus, os budistas, os cristãos,
todos crêem no mesmo Deus. A verdade é como uma grande montanha; há
um só pico, todavia há muitos caminhos que levam para lá. Por que eu deveria
dizer que só eu estou certo? Que direito têm os cristãos de dizer que só eles estão
certos e que todos os outros estão errados? Não importa que caminho você siga
para subir a montanha, contanto que você chegue ao topo. Portanto, juntemo-nos
todos num grande festival da fé, num festival das crenças, num grande
congresso, num congresso mundial das religiões. Cremos no mesmo Deus; logo,
porque brigar por causa destas coisas? Esse é o tipo de argumento que seusa
hoje. As vezes me pergunto o que estas pessoas pensariam de Paulo se ele
vivesse hoje. Pergunto-me o que muitos membros da Igreja Cristã diriam dele.
Notem o que ele diz aos gálatas: “Ainda que nós mesmos ou um anjo do céu
vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema”
(Gálatas 1:8). Ah, diriam eles, que homem impossível, que individualista,
queisolacionista! Só ele está certo, todos os outros estão errados. Ele não quer
saber de entrar conosco, está sempre fora, em certos pontos. Acaso não é
evidente que, às vezes, por deixar-nos influenciar por prosas gerais e vagas, nós
nos tornamos completamente

anti-escriturísticos sem perceber o que estamos fazendo? Ora, devemos ter o


cuidado de observar os planos e as especificações dadas por Deus. Não basta
gritar a palavra “unidade” e dizer que o importante é que fiquemos todos juntos.
Há uma coisa infinitamente mais importante -a verdade! Pois a unidade que não
se baseia na verdade é falsa. E produzida pelo homem; não é do plano de Deus e,
portanto, é irreal e espúria.

O apóstolo nos dá aqui um claro ensinamento concernente a isso tudo.


Construam, diz ele, sobre o fundamento. Ele de imediato nos leva ao princípio
vital: sem um fundamento verdadeiro não pode haver um edifício verdadeiro.
Vocês têm que começar com os alicerces, diz Paulo. Não podem falar em
edifício sem saber algo sobre o seu alicerce. Isso é absolutamente vital e central.
Portanto, à luz da trágica confusão moderna, devemos dar-nos ao trabalho de ir a
fundo na análise de minuciosas descrições, exposições e definições, para mostrar
exatamente o que o apóstolo diz.

Eis a única base da verdadeira unidade: o fundamento dos apóstolos e dos


profetas. Que é que Paulo quer dizer? Devemos começar fazendo a pergunta:
que é um apóstolo? Não se pode entender nada desta questão de unidade, a
menos que se entenda o que é um apóstolo e o que é um profeta, porque a Igreja
é edificada “sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas”. Os pontos
essenciais relacionados com um apóstolo são os seguintes: um apóstolo era
alguém que tinha visto o Senhor ressurreto. Apóstolo é, por definição, alguém
que pode dar testemunho da ressurreição de Cristo porque viu o Senhor
ressurreto. Essa era uma das qualificações do próprio Paulo. Ele viu o
Senhor ressurreto no caminho de Damasco. Se não O tivesse visto,
jamais poderia ser um apóstolo. Poderia ser um pregador, poderia ser um profeta,
poderia ser um grande mestre; mas nunca poderia ser um apóstolo, se não tivesse
visto o Senhor no caminho de Damasco. E por isso que, escrevendo aos
coríntios, ele diz que é como “um abortivo” (1 Coríntios 15:8). Paulo não viu o
Senhor ressurreto quando os outros apóstolos O viram; ele teve esta
manifestação especial e particular para que pudesse tornar-se um apóstolo.

Ele toca no mesmo ponto numa frase do princípio do capítulo nove da Primeira
Epístola aos Coríntios. “Não sou eu apóstolo? Não sou livre? Não vi eu a Jesus
Cristo Senhor nosso?” Essa é a prova de que ele é um apóstolo. No entanto, não
somente isso! Um apóstolo era alguém especialmente chamado, designado e
enviado como pregador do

evangelho pelo próprio Senhor ressurreto. Essa é também uma parte vital da
vocação de um apóstolo. Leiam o capítulo vinte e seis do livro de Atos, e verão
ali o relato de como o Senhor comissionou pessoalmente o apóstolo Paulo no
caminho de Damasco. Assim, o apóstolo é alguém que, tendo visto o Senhor
ressurreto dentre os mortos, foi especialmente comissionado por Cristo para ir e
pregar a mensagem. Além disso, aos apóstolos era dada uma autoridade muito
especial. Recebiam o poder de operar milagres e de fundar igrejas, e estas
coisas eram um atestado da sua autoridade como apóstolos. Essas eram, então, as
três principais características de um apóstolo. Veremos num instante quão vital é
que as tenhamos todas em mente. Sem essas três qualidades nenhum homem
poderia ser apóstolo, e isso torna a “sucessão apostólica” uma impossibilidade.

Passemos agora aos profetas .Queé um profeta ? Tem havido muita discussão a
respeito. Os comentaristas mais antigos concordavam todos em dizer que esta
palavra “profeta” refere-se aos profetas do Velho Testamento, aqueles que
profetizaram a vinda de Cristo, a vinda do reino, e nesse sentido estabeleceram
um fundamento. Mas, por outro lado também há muitos que são da opinião de
que não é uma referência aos profetas do Velho Testamento, e sim, uma
referência aos profetas do Novo Testamento, aos profetas que agiam na Igreja do
Novo Testamento. Eles argumentam que tem que ser esse o caso pois, se
o apóstolo estivesse pensando nos profetas do Velho Testamento, teria dito
“sobre o fundamento dos profetas e dos apóstolos”; contudo ele diz, “sobre o
fundamento dos apóstolos e dos profetas”. Portanto, é evidente que ele estava
pensando em termos doNovo Testamento. Eles vão mais longe e dizem que o
apóstolo faz a mesma coisa no versículo cinco do capítulo três, onde lemos: “O
qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens, como agora tem
sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas”. E ainda, no
versículo onze do capítulo quatro, ele diz: “E ele mesmo deu uns para
apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para
pastores e doutores” (ou “pastores e mestres”). Assim, com base nestas
coisas, eles argumentam que a referência é patentemente aos profetas do
Novo Testamento, aos profetas da Igreja Cristã.

Isso então levanta a questão: que é um profeta? - quer na antiga dispensação quer
na nova, A resposta é que profeta é alguém que recebe uma mensagem direta de
Deus. Profeta é aquele a quem a verdade é revelada diretamente pelo Espírito -
não como resultado da leitura das Escrituras ou de alguma outra coisa, mas por
uma mensagem dada

diretamente, mensagem que, por sua vez, ele transmite a outros. O apóstolo o
define para nós: “o que profetiza”, diz ele, “fala aos homens para edificação,
exortação e consolação” (1 Coríntios 14:3). Na Igreja Cristã dos primeiros
tempos havia os chamados profetas. Os cristãos não tinham então as Escrituras
do Novo Testamento; não dispunham nem dos Evangelhos nem das Epístolas;
porém havia aqueles que recebiam elementos da verdade e entendimento
espirituais por revelação e eram habilitados a proferi-los. O profeta do Velho
Testamento fazia exatamente a mesma coisa. Deus lhe revelava verdades e o
habilitava a proferi-las. Essa é a característica do profeta.

A que exatamente o apóstolo está se referindo aqui, quando diz, “sobre o


fundamento dos apóstolos e dos profetas”? Ele coloca primeiro os apóstolos por
causa da sua singularidade absoluta. Vocês têm a mesma coisa em Apocalipse
21:14, onde lemos sobre a cidade santa, a nova Jerusalém, descendo do céu, cujo
muro tinha doze fundamentos e, escritos neles, “os nomes dos doze apóstolos
do Cordeiro”. Quanto aos profetas, podemos concordar que ele está se referindo
aos profetas do Velho Testamento e aos profetas do Novo Testamento -
especialmente aos últimos.

Então, em que sentido é verdade que a Igrej a é edificada, estabelecida e fundada


sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas? Significa, em parte, sobre os
homens propriamente ditos, na qualidade de crentes, homens que exercem fé.
Eles foram os primeiros crentes - os apóstolos e os profetas - e nesse sentido
toda a estrutura superior repousa sobre eles. Não há dúvida que esse é em parte o
sentido, que eles foram os primeiros a ser colocados neste grande edifício como
pedras fundamentais. Portanto, é certo dizer que a referência é, em parte, a eles
como cristãos, como pessoas que exercem fé no Senhor Jesus Cristo.

Mas isso, por seu turno, leva ao segundo aspecto, e este, provavelmente, tinha
maior presença na mente do apóstolo do que o primeiro -o ensino dos apóstolos
e dos profetas. Este é, por excelência, o fundamento, afinal de contas. Nenhum
de nós poderia pertencer à Igreja sem crer. E como resultado da nossa crença que
obtemos todos os nossos benefícios, e que nos tornamos o que somos. A
diferença existente entre cristãos e não cristãos é a que existe entre crentes e
incrédulos. Os incrédulos não estão na Igreja; os crentes estão. No que é que
aqueles crentes criam? Criam no ensino. Assim é que, em última análise,
o fundamento é o ensino dos apóstolos e dos profetas, a sua doutrina.
Eles ensinavam o que eles mesmos criam; eles davam expressão à fé por aquilo
que eles viviam; portanto, as duas coisas são realmente uma só.

Essa é, pois, a verdade vital que nos cabe entender e fixar num tempo como este.
O que faz de nós membros da Igreja, o que faz de nós parte deste grande templo,
deste edifício maravilhoso que está sendo construído, é a nossa fé, é a nossa
aceitação do ensino, da doutrina. Isso é básico e fundamental. Foi sobre isso que
o apóstolo escreveu no capítulo primeiro da Epístola aos Gálatas. “Maravilho-
me de que tão depressa passásseis” - vocês podem notar quão abruptamente ele o
diz. Imediatamente após a sua breve saudação preliminar, ele diz: “Maravilho-
me de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça de Cristo
para outro evangelho; o qual não é outro” - porque não há outro, e não pode
haver outro. Como ele fala forte e dogmaticamente! Gostemos ou não, o
cristianismo é uma fé muito intolerante. Diz ele que isto, e somente isto, é
verdadeiro. O apóstolo diz até: “Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu
vos anuncie um outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja
anátema”! (Gálatas 1:8).

Não há outro evangelho. “Ninguém pode pôr outro fundamento além do que já
está posto” (1 Coríntios 3:11). Noutras palavras, a única base da unidade hoje,
como foi a única base da Igreja Primitiva, é a mensagem apostólica. E seja o que
for que os homens pensem ou digam, devemos asseverar isso. Chamem-nos
intolerantes, isolacionistas, ou o que quiserem, devemos tomar posição com este
homem de Deus! O que importa não é a minha opinião ou a de outro qualquer, o
que importa é - que é que aPalavra ensina? Que é que os apóstolos ensinam?
Fora disso não reconheço nada. O que importa não é o conhecimento moderno,
ou a pesquisa ou o entendimento moderno, ou a idéia moderna sobre Deus. O
que estes homens ensinaram é o único evangelho.

Pois bem, evidentemente, isso é algo que se pode definir. Se não se pudesse
definir, como poderia o apóstolo repreender os gálatas? Eles sabiam o que ele
ensinava e ele lhes lembra o conteúdo do seu ensino. A idéia de que o
cristianismo é tão maravilhoso que não há como defini-lo, que é um espírito tão
maravilhoso que não pode ser reduzido a proposições, é uma negação do ensino
do Novo Testamento. As Epístolas foram escritas para que soubéssemos o que
cremos e o que exatamente representamos. Nenhum de nós pode alegar
ignorância deste ensino; tudo isso está neste capítulo dois da Epístola aos
Efésios. E o fundamento é este - que o homem, por natureza, está morto
em ofensas e pecados; que ele está sob a ira de Deus. E o apóstolo que o diz. E,
portanto, se você não crê que o homem, por natureza, está morto em ofensas e
pecados, e que a ira de Deus sobre o pecado é uma realidade, seja qual for a
verdade sobre você, você não está neste santo templo no

Senhor, no qual Deus habita. Esta é uma parte essencial do fundamento. Todavia,
graças a Deus, o ensino não pára aí, vai adiante e nos fala da graça de Deus. Vai
adiante e nos fala do Senhor Jesus Cristo, da Sua Pessoa e da Suaobra. Diz-nos
aindaqueEle é o Filho Unigênito de Deus. Mesmo que alguém se diga cristão, se
não crê na deidade de Cristo, eu digo que ele não é cristão! Eu tenho que ser
intolerante! Não posso fazer concessão neste ponto. Se Cristo não é o Filho de
Deus, eu continuo em meus pecados e vou para o inferno.

E quanto à Sua obra? Acaso teríamos notado, enquanto vamos percorrendo este
capítulo dois - e deliberadamente tomei bastante tempo, porque não posso
estudar superficialmente estas coisas - teríamos notado a ênfase ao sangue de
Cristo? Épor Sua morte, por Sua morte sacrificial, pelo fato dElenos substituir
para sofrer a punição dos nossos pecados, é que somos salvos. E pelo sangue de
Cristo! “Portanto, lembrai-vos de que vós noutro tempo éreis gentios na carne, e
chamados incircuncisão... que naquele tempo estáveis sem Cristo, separados
da comunidade de Israel, e estranhos aos concertos dapromessa, não
tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus, vós,
que antes estáveis longe, já pelo sangue de Cristo chegastes perto.” Pelo sangue
de Cristo! E contudo há os que zombam do sangue de Cristo! Há pessoas que se
dizem cristãs e que zombam disso! Nas grandes denominações há líderes que
afirmam que é escandaloso falar em expiação vicária. E me pedem que me una a
eles em comunhão. Como posso fazê-lo? É impossível. Não tenho escolha; esta
questão é fundamental. O sangue de Cristo! “Meu pecado Ele levou em Seu
corpo no madeiro.” E unicamente pelo Seu sangue que eu sou posto em
liberdade, e pelo poder de Deus na regeneração, e pelo dom do Espírito. A união
com Cristo! Essa é a doutrina - tudo isso o apóstolo nos vem ensinando
neste capítulo maravilhoso.

É esse, então, o fundamento dos apóstolos e dos profetas. Não uma vaga prosa
acerca do cristianismo! Não um espírito maravilhoso segundo o qual nos
amamos uns aos outros, mantemo-nos juntos e não nos preocupamos com
definições! Se vocês quiserem esse tipo de unidade espúria, poderão tê-la, mas
quando chegar “o dia” e chegar o juízo, vocês verão que o que o apóstolo disse
escrevendo aos coríntios, “Ninguém pode pôr outro fundamento além do que já
está posto”, é a única verdade. Ele pregava a “Jesus Cristo, e este crucificado”,
com a exclusão de tudo o mais. Ele era intolerante. Não dêem ouvidos a
esse outro ensino, ele diz aos gálatas, é espúrio, é uma mentira, não é evangelho,
é uma negação do evangelho. O fundamento dos apóstolos

e dos profetas! Ou aceitamos este ensino e a sua mensagem, ou não.


Tracemos agora algumas deduções muito atuais desta doutrina. A primeira é que
a Igreja é fundada não somente no apóstolo Pedro, mas nos apóstolos e nos
profetas - todos os apóstolos e profetas. Essa é a nossa resposta ao catolicismo
romano, e na verdade é simples assim. Ora, dirá alguém, que dizer de Mateus,
capítulo 16, quando em Cesaréia de Filipe, o nosso Senhor diz: “Tu és Pedro, e
sobre esta pedra edificarei a minha igreja”? - deve ter sido unicamente Pedro. A
resposta é o que eu disse há pouco, que essa foi a confissão de Pedro. Pedro
tinha acabado de fazer a sua grande confissão! O nosso Senhor dirigira aos
Seus discípulos a pergunta: “Quem dizem os homens ser o Filho do homem?”
“Uns, João Batista, outros, Elias, e outros, Jeremias ou um dos profetas.” “E vós,
quem dizeis que eu sou?”, indagou o nosso Senhor. E Pedro, adiantou-se como
porta-voz, como era seu hábito e disse: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo”. E
o Senhor lhe respondeu, dizendo: “Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas,
porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus”. Que
é que isso quer dizer? Tendo visto a verdade, Pedro a confessa, e sobre essa
rocha Cristo diz que construirá a Sua Igreja. A confissão, a crença, a fé! E essa
verdade não se refere somente a Pedro. O apóstolo não está contradizendo
o ensino de nosso Senhor aqui. Segundo o ensino católico-romano, ele estava
fazendo isso. Muitos contrastam o ensino de Cristo com o ensino de Paulo, mas
não há nenhuma contradição. O fundamento são os apóstolos e os profetas, todos
eles, não somente Pedro. Esta é confissão feita primeiramente pelos apóstolos e
pelos profetas. Esse é o único fundamento da Igreja Cristã. E, portanto, não
podemos juntar-nos aos que dizem que toda ela está fundada somente em Pedro
e que tudo depende de Pedro. Essa é uma base falsa.

Mas é igualmente importante que tiremos esta segunda dedução, que, à luz do
que vimos que caracteriza os apóstolos e os profetas, não pode haver repetição
de apóstolos e profetas. Eles são o alicerce. Não se repete um alicerce. O
alicerce é lançado de uma vez por todas. E, portanto, toda conversa sobre
sucessão apostólica é uma negação do nosso texto. Não há sucessores especiais
dos apóstolos. Na verdade não há sucessores dos apóstolos, nenhum sucessor.
Apóstolo era um homem que tinha visto o Senhor ressurreto e, portanto, podia
ser uma testemunha da ressurreição. Há dessas pessoas hoje? Apóstolo era
alguém especialmente comissionado pelo Senhor, de maneira visível. Há
dessas pessoas hoje? Eram-lhe dados poderes especiais, milagres e outros, e

infalibilidade, para poderem pregar e ensinar infalivelmente. Há dessas pessoas


hoje? E, todavia, em toda essa conversa e argumentação acerca de re-união, este
parece ser o ponto mais importante - a sucessão apostólica! E por causa disso, os
não-conformistas, os ministros das igrejas livres, têm todos de ser ordenados de
novo por um “direto sucessor” dos apóstolos! Sem isso não sepode ter unidade, e
não sepode ter comunhão! Como é importante estudar as Escrituras! Isso
de sucessão apostólica não existe; é por definição umapura impossibilidade.
Pode-se ter uma sucessão sacerdotal, pode-se ter uma sucessão de homens
queperpetuamente se designam uns aos outros, porém sucessão apostólica é
coisa que não existe. E, portanto, toda essa conversa que pretende que não se
pode ter unidade sem re-ordenação, ou sem alguma relação especial com um
bispo, é uma completa negação deste postulado. Somente afé e a subscrição da
verdade é que fazem de alguém uma parte do edifício.

Isso me leva à terceira dedução, que coloco desta forma: obviamente, não pode
haver acréscimo a este fundamento. No que se refere ao ensino, quero dizer. Se
o fundamento é o ensino dos apóstolos, não se pode acrescentar nada a ele. Por
isso não creio na “Imaculada Conceição”; não creio na “Assunção” da virgem
Maria; não creio em nenhuma das outras coisas que a igreja romana acrescentou,
e que outras igrejas acrescentaram. Nada se pode acrescentar a um alicerce, e
nada se pode tirar dele. Temos aqui um corpus de verdade, um corpo
de doutrina. Você não pode acrescentar nada a um alicerce, não pode subtrair
nada dele, não pode tocá-lo. Você pode pensar que pode, mas estará enganado. O
que você estará fazendo é simplesmente pôr-se fora do edifício. O alicerce tem
que ser lançado uma vez e para sempre, e nunca poderá ser repetido. Deus é o
Construtor, eEle constrói sobre “o fundamento dos apóstolos e dos profetas”.

Assim é que a próxima dedução, muito prática, é que não basta dizermos que
somos cristãos ou que queremos ser cristãos, e que nada mais é necessário. A
questão vital é: em que você crê? Você não poderá ser cristão se não souber o
que você crê. É impossível. É a verdade que nos leva a Deus, é pela verdade que
nós somos santificados. Somente quando conhecemos a verdade concernente ao
nosso bendito Senhor e Salvador, anós mesmos e anossa necessidade, e oque
Deus fez pela Sua graça, é que podemos ser partes e parcelas deste grande
edifício.

Portanto, a minha derradeira dedução terá de ser que, falar em


* Em latim no original. Nota do Tradutor.

termos de número ou de tamanho ou de organização ou de qualquer outra coisa é


extremamente perigoso nestas questões. A unidade da Igreja é resultante de duas
coisas: da pureza da doutrina e da pureza da vida. Ela é um “templo santo do
Senhor”. É uma “morada de Deus”.

A Igreja é edificada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas. E


observem como o apóstolo se apressa a acrescentar isso: “Jesus Cristo é a
principal pedra da esquina Que é uma principal pedra da esquina? Permitam-me
citar uma definição: “A pedra da esquina é uma pedra que dá início ao alicerce
no ângulo da estrutura, pela qual o arquiteto fixa um padrão para o suporte das
paredes laterais e das paredes transversais de todo o conjunto”. A pedra da
esquina não somente mantém juntas todas estas pedras subsidiárias do alicerce,
mas também as entrelaça e entrelaça todas as paredes. Ela está na esquina, e tudo
é sustentado por ela e tudo é entretecido por ela.

E a principal pedra da esquina é o próprio Senhor Jesus Cristo. Isaías tinha


profetizado isso, quando disse: “Eis que eu assentei em Sião uma pedra, uma
pedra já provada, pedra preciosa de esquina, que está bem firme e fundada”
(28:16). E o apóstolo Pedro, vocês se lembram, cita essa passagem em sua
Primeira Epístola, capítulo dois, versículo seis. Todavia vocês se lembram que o
nosso Senhor disse isto: “A pedra que os edificadores rejeitaram, essa foi posta
por cabeça do ângulo” -referindo-se a Si mesmo e à Sua gloriosa e triunfal
ressurreição. Eles O estão rejeitando, diz Ele, mas verão que Ele virá a ser a
principal pedra da esquina, que Ele será a base do edifício todo, interligando
tudo e sustentando o peso de toda a estrutura levantada sobre ela. Fora de
Jesus Cristo não há unidade. O que importa é a nossa relação com Ele, e a
nossa confiante dependência dEle. Ele é central, Ele é vital, a importância dEle é
total. Volto a repetir esta frase extraordinária: “no qual todo o edifício, bem
ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente
sois edificados para morada de Deus em Espírito” (ou “mediante o Espírito”
VA).

Portanto, as perguntas práticas que fazemos a nós mesmos são estas: eu sei o que
creio acerca do Senhor Jesus Cristo? Eu O conheço? Eu estou nEle, nesta relação
vital? Teremos que responder estas perguntas, porque o apóstolo trata dessa
questão em detalhe. “No qual todo o edifício”, diz ele, “bem ajustado...”. Se essa
verdade não diz respeito a nós, não estamos nEle. Mas no momento eu me limito
à questão do fundamento. Você está solidamente baseado no fundamento dos
apóstolos e dos profetas? Ou só está interessado num cristianismo

vago e nebuloso que diz que você não deve preocupar-se com doutrina porque a
doutrina separa? É essa a sua posição? Certamente não era a posição do homem
que disse: “Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro
evangelho... seja anátema”. Temos que saber em quem temos crido. Temos que
saber o que cremos. Este apóstolo fala em “meu evangelho”; e não há outro
evangelho. É o seu? Você sabe e confessa que, como você era por natureza, era
um filho da ira e estava morto em ofensas e pecados? E que, não fora a graça de
Deus em Jesus Cristo, não fora a Sua morte expiatória, sacrificial e vicária, você
ainda estaria nesta situação? Você sabe que Ele morreu por você, que Ele Se deu
por você e pelos seus pecados, que pelo poder do Seu Espírito Santo Ele o
regenerou, Ele o vivificou e o ressuscitou da morte resultante do pecado, que
você até está assentado nos lugares celestiais com Cristo, porque você está nEle
e está ligado a Ele, pela graça de Deus?

EDIFÍCIO BEM AJUSTADO

“Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus


Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado,
cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois
edificados para morada de Deus em Espírito. ” - Efésios 2:20-22

Passamos agora a mais um estudo desta terceira figura. Tivemos uma visão geral
do assunto, mas também observamos que o apóstolo não se contenta só com
isso, embora seja importante. Em acréscimo a oferecer-nos uma descrição geral
do edifício e, portanto, da natureza e do caráter da unidade própria da Igreja, o
apóstolo trata também dos detalhes da planta e das especificações.

Já dedicamos alguma consideração ao fundamento, que é da máxima


importância. A primeira coisa que Paulo nos diz é que a Igreja é edificada “sobre
o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal
pedra da esquina”. Não vou retornar a isso, mas certamente nós temos de
compreender que o fundamento é de importância absolutamente central. Nunca
devemos sujeitar-nos a correr nenhum risco com um alicerce. O nosso Senhor
firmou esse ponto em Sua parábola das duas casas, uma edificada sobre a rocha
e a outra edificada sobre a areia. O alicerce é absolutamente vital, e nós já
vimos o que é o alicerce da Igreja, e como o próprio Senhor Jesus Cristo é
a principal pedra da esquina, interligando as pedras subsidiárias, interligando
todas as paredes, e assim suportando e unindo a estrutura inteira.

Agora, tendo feito isso, a próxima coisa da qual o apóstolo trata, a próxima
coisanaqual evidentemente estamos interessados, é esta: onde nós entramos nisso
tudo? Somos edificados sobre o fundamento, somos partes integrantes das
paredes que estão subindo neste processo em que se vai erguendo este grande
templo que Deus está construindo para Si e para a Sua habitação, este templo
santo no Senhor. Noutras palavras, passamos agora a estudar a nossa parte, o
nosso lugar e a nossa posição neste admirável edifício de Deus. O apóstolo
regozija-se no fato de que os efésios estão sendo edificados no edifício. A obra
tinha começado antes deles entrarem, mas eles são acrescentados a ele, são
colocados nele, e assim prossegue a edificação. Outros, muitos outros, entraram

daquele tempo em diante. Eu e vocês, como cristãos, estamos nele. Devemos


observar com toda a atenção o que o apóstolo nos diz sobre quais as pessoas que
são edificadas nele, e como são edificadas. Essas são as duas coisas que
importam. Quem são os que têm lugar, posição e parte nesta grande estrutura?
Como entraram ali? Como são postos ali? O apóstolo trata de ambas as questões
com muita clareza.

Devemos ter em mente três coisas. Obviamente, cada parte desta estrutura tem
que estar numa relação especial com o fundamento. Quase não é preciso dizer
isso e, contudo, é um ponto tão importante que eu devo salientá-lo outra vez.
Num templo como este que está sendo construído, em qualquer edifício grande e
magnífico, sempre tem que haver correspondência entre as diversas partes. Você
não pode por material falsificado aqui e ali num edifício perfeito. Se você vai
erigir um edifício incomum, um grande e santo templo, cada parte terá
que corresponder às demais. E assim é vital que nos lembremos de que
nós, como partes individuais deste grande templo de Deus,
devemos corresponder ao fundamento, devemos estar verdadeira e corretamente
relacionados com esse fundamento. Isso é algo de importância crucial.
Permitam-me lembrá-los da maneira como o apóstolo expressou essa verdade no
capítulo três da Primeira Espístola aos Coríntios. Trata-se de uma palavra
particularmente dirigida àqueles de nós que temos o privilégio de pregar e de
servir como pastores. Somos edificadores sob Deus, somos Seus colaboradores.
E eis o que o apóstolo diz: “Ninguém pode por outro fundamento além do que já
está posto”. “Mas veja cada um como edifica sobre ele.”

Você pode edificar sobre ele, diz o apóstolo, com ouro ou prata ou com metais
preciosos. Isso tem valor; mas também há os que querem construir com madeira,
feno e palha; e isso não é nada bom. A madeira, o feno e a palha não são
coerentes com o fundamento que foi posto. O fundamento é tão precioso, e a
principal pedra da esquina é tão preciosa, que nada senão ouro ou prata ou
metais preciosos são adequados. Colocar ali madeira, feno e palha é uma
indignidade. Não somente isso, diz ele; estas coisas não resistirão, afinal. Esta
obra será submetida a prova - “o dia a declarará”. E ela será provada pelo fogo.
E quando for posto o fogo, a madeira, o feno, apalha e a serragem desaparecerão
num momento e não restará nada. Um edifício construído com material de
má qualidade nunca passa naprova. Há gente que fica tão ansiosa pela
rápida construção de um edifício que não toma cuidado com o que põe
nas paredes - qualquer coisa serve para levantá-las, e depois se cobre tudo

com um pouco de tinta. Parece maravilhoso, e o ignorante e o inexperiente ficam


impressionados. Eles dizem: que maravilhoso! Outros parecem estar construindo
tão devagar que as pessoas faltas de discernimento dizem: ele não está fazendo
coisa nenhuma. No entanto, “o dia” a declarará. Não estamos construindo parao
tempo, mas para a eternidade, e o arquiteto responsável é o próprio Deus, que vê
tudo quanto está sendo feito e o provará no fim. Há homens, diz o apóstolo, que
parecem ter feito maravilhas, porém quando chegar “o dia”, verão que a sua obra
foi destruída, e nada restará. Eles mesmos, se são cristãos verdadeiros,
serão salvos, apesar de ser destruída a sua obra, mas eles serão salvos
“como pelo fogo”.

Portanto, diz o apóstolo, vejacada homem como constrói sobre este fundamento.
Noutras palavras, o ponto é que o dever deste construtor auxiliar não é
simplesmente levantar uma parede, mas certificar-se de que tudo o que vai
dentro dela está em harmonia com o fundamento. Ele não deve edificar na Igreja
apenas número num papel ou num rol, todavia aqueles que realmente estão
firmados no fundamento da fé. O tipo de gente que quer ser cristão só para obter
certos benefícios, não pode entrar nesta parede. Somente podem aqueles que
compreendem que estão mortos em ofensas e pecados, completamente sem
esperança e em desamparo, e que dependem unicamente da graça de Deus em
Cristo para a sua salvação; que compreendem que, se Ele não tivesse derramado
o Seu sangue por eles e por seus pecados, eles ainda estariam perdidos, e que
confiam somente na expiação de Cristo, expiação vicária, sacrificial, perfeita e
consumada, e no poder do Espírito Santo - somente estes entram nestas paredes.
Não aqueles que meramente foram habituados a freqüentar um local de culto ou
que têm moralidade razoável. Tem que haver esta relação definida com o único e
exclusivo fundamento.

Passemos à segunda questão. Menciono este ponto separadamente porque o


apóstolo lhe dá essa ênfase. Não somente temos que estar relacionados dessa
maneira com o fundamento, mas também temos que estar especificamente
relacionados com a principal pedra da esquina. Todo verdadeiro membro da
Igreja Cristã não está somente relacionado com a fé apostólica, também está
numa relação muito definida com o Senhor Jesus Cristo. Vocês se lembram de
que começamos com a fé, e com a fé apostólica, com o mínimo de cristianismo
irredutível que temos aqui neste capítulo dois desta Epístola aos Efésios.
Entretanto não paro nisso, porque dar assentimento intelectual a isso não é
suficiente.

Se você não der assentimento intelectual a estas verdades, certamente você não
estará no edifício. Mas, meramente subscrever estes princípios não basta. Temos
que “estar em Cristo”. Temos que estar ligados a Cristo. Temos que conhecer
esta união vital, esta relação vital com Ele. A principal pedra da esquina mantém
todas as partes juntas - razão pela qual o apóstolo vai repetindo: “...no qual todo
o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual também
vós juntamente sois edificados...”. O capítulo todo dá ênfase a isso. Fomos
vivificados juntamente com Cristo, fomos ressuscitados juntamente com Cristo,
e juntos nos assentamos nos lugares celestiais em Cristo Jesus. Não se pode fugir
disso, é algo que não se pode evitar. Não somente cremos e aceitamos a verdade
como está em Cristo Jesus, temos que ser incorporados nEle, temos que estar em
união vital com Ele. “Eu sou a videira, vós as varas”, disse Ele, e a idéia é a
mesma. De modo que, como membros, como partes deste grande edifício,
estamos relacionados com o fundamento, e todos nós estamos relacionados com
Ele desta maneira mística e vital.

Algumas das outras ilustrações que o apóstolo utiliza expõem isso com maior
clareza. A ilustração do corpo, que já vimos de relance, faz isso de maneira ainda
mais perfeita. O corpo não é uma junção de partes afixadas umas nas outras. A
essência da unidade de um corpo é que a sua unidade é vital e orgânica. Não se
forma um corpo afixando os dedos às mãos, as mãos aos punhos, e os punhos
aos braços. Ao contrário, eles são vital, íntima e organicamente relacionados.
Assim todos nós somos relacionados com Cristo, em Cristo, somos partes dEle,
pertencentes a Ele, e somos mantidos juntos por Ele. Isso é também, então,
obviamente, uma coisa de fundamental importância.

Isso nos leva ao terceiro ponto, ponto que devemos considerar em detalhe, qual
seja, a nossa relação uns com os outros. Pensem num edifício e nas pedras de
um edifício. Estão todas relacionadas com o fundamento, estão todas
relacionadas com a principal pedra da esquina, porém também estão
relacionadas umas com as outras. Não se pode ter uma parede sem que as suas
partes estejam interligadas. Este é um princípio que o apóstolo ilustra com esta
afirmação importante e pitoresca que no versículo vinte e um é traduzida pelas
palavras “adequada e conjuntamente ajustado” (VA) - “no qual todo o edifício”,
ou, como a temos na Versão Revista (inglesa, RV), “no qual todo edifício
adequada e conjuntamente ajustado”. A frase importante é “adequada e
conjuntamente ajustado”.

É uma expressão muito interessante. Temo-la aqui com três palavras (em inglês;
com duas em português, Almeida), mas na verdade o apóstolo utilizou somente
uma palavra no grego. Há outra coisa muito interessante acerca dessa palavra. É
uma palavra que só se acha aqui e no versículo dezesseis do capítulo quatro
desta Epístola, em toda a Bíblia. Não se acha em nenhum outro lugar. Contudo
há ainda outra coisa mais interessante sobre ela. É uma palavra que, obviamente,
foi feita, foi inventada e formada pelo próprio apóstolo. Ele não a copiou
de ninguém; ele não a tinha visto em lugar algum. Este é o primeiro
uso conhecido desta palavra. Dou ênfase a isso pela seguinte razão: obviamente
o apóstolo considerava este ponto particular como excepcionalmente importante,
tanto assim que ele cunhou uma palavra para expor a sua idéia. Todavia, apesar
de todo o trabalho tomado pelo apóstolo, é patética a maneira como algumas
traduções atualmente populares omitem completamente o significado exato.
Vejam, por exemplo, a Versão Revista Padrão (inglesa, RSV). Ela traduz a
palavra simplesmente por “unido juntamente”, deixando completamente de lado
o ponto específico dapalavra que o apóstolo cunhou. O apóstolo podia
ter empregado muitas outras palavras para expor a idéia de “unido juntamente”.
Moffatt chega um pouco mais perto. Ele diz, “caldeado juntamente”. Mas até
essa tradução é errada, pois não se caldeiam pedras juntamente, e toda a
concepção e toda a figura do apóstolo são em termos de edificar com pedras.

De fato, a palavra utilizada pelo apóstolo significa “harmoniosamente ajustadas


juntas” - pensando nas pedras do edifício. É um duplo composto, três palavras
colocadas juntas e feitas uma só. A palavra fundamental significa “ligar” ou
“juntar”, e isto em si já sugere a idéia de vir junto. No entanto, depois ele
acrescenta a isso o prefixo syn, que significa simplesmente “junto com”, a
mesma idéia que temos em “sinfonia” e em qualquer dos seus compostos. Juntar,
junto - junto, juntar. Ora, a própria palavra “juntar” sugere a idéia de “junto”
ou “juntos”, mas o apóstolo diz “junto-juntar” para assegurar-se de que captamos
o significado. E depois ele acrescentou a estas duas uma terceira palavra, que
realmente significa “coligir” ou “reunir” ou “selecionar”. Esta terceira palavra
muitas vezes é utilizada para ajustar palavras juntas ou juntar palavras para
formar uma frase completa. Quando alguém está falando ou escrevendo, certas
palavras se lhe insinuam. Ele escolhe uma e rejeita a outra. Depois ele faz a
mesma coisa com a próxima palavra, rejeita uma e escolhe outra. Depois ele
aplica todas as palavras escolhidas à formação de uma frase. A palavra que o

apóstolo utilizou deixa entrever esse processo. Assim temos “juntos--juntar-


escolher” (selecionar). E ele coloca estas três palavras juntas paraformarum
vocábuloquena Versão Autorizada (inglesa) é traduzida por “adequada e
conjuntamente ligado” ( na Versão de Almeida é traduzida por “bem ajustado”).

Obviamente, há uma doutrina profunda aqui. O apóstolojamais se daria ao


trabalho de formar uma palavra como esta, de inventar uma palavra, se não
quisesse ser bastante claro nas idéias que estava transmitindo. Espero que
possamos compreender a sua figura. Ah, vivemos dias em que os edifícios são
de tijolos e não de pedras, e, portanto, alguns sejam demasiado jovens para
entender a figura do apóstolo como deviam. Afastem da mente a idéia de um
edifício de tijolos. Pensem antes num grande e maciço edifício de pedras.
Observem aquele homem, ou melhor, aqueles homens que estão erigindo
este edifício. Vocês já viram um verdadeiro artesão, o antigo tipo de pedreiro, no
seu trabalho? Alguma vez vocês o viram levantar uma parede? Já o viram tirar
uma pedra de uma pilha, olhá-la e tornar a olhá-la e, vendo que não é adequada,
jogá-la fora e apanhar outra que ele apara e depois a coloca na posição certa?
Esta é a figura que o apóstolo está usando; “bem ajustado”, “adequada e
conjuntamente ajustado” - pedras individuais sendo acrescentadas e colocadas na
posição certa numa parede. Quais serão as idéias que o apóstolo comunica
mediante essa linguagem, mediante essa expressão pictórica?

O primeiro ponto é a idéia de escolha. Repito, quem já viu um verdadeiro


construtor sabe exatamente o que isso significa. Lembremos que estamos
considerando o nosso lugar e a nossa posição como membros da Igrejade Cristo.
Estamos examinando anós mesmos como partes desta grande parede, deste
grande edifício que está sendo erigido para a construção de um templo, uma
habitação para Deus. Como Deus habitava no templo antigo, na glória da
Shekinah, no “lugar santísssimo”, Ele habita e habitará por toda a eternidade na
Igreja, em Seu povo. E eu e você estamos nessa Igreja. Como chegamos ali?
Aqui está o primeiro ponto, a questão da escolha. É uma questão muito
individual, esta. Vejam aquelepedreiro, aquele construtor. Ele levantou
umaparede atécerto nível; porém quer levantá-la mais, e no momento precisa de
uma pedra particularmente grande para ocupar certa posição. Elé dispõe de uma
pilha de pedras ali trazidas para o seu uso. Ele corre os olhos sobre elas. Ah,
diz ele, esta serve. Tira a pedra da pilha, examina-a, mas finalmente decide
que ela não serve. Tem que devolvê-la à pilha. Pega outra, e talvez tenha
que pegar várias, e rejeitá-las; então finalmente acha a que serve e a coloca.

Tudo isso está envolvido. Há uma seleção pessoal e particular. Cada pedra é
selecionada e colocada individualmente na posição. Isso de produção em massa
não existia quando a construção era feita desse jeito, nos tempos antigos.
Quando se constrói com tijolos, um é tão bom como qualquer outro. Entretanto
não é assim com o tipo de edifício no qual o apóstolo estava pensando. Não foi
assim que o antigo templo de Jerusalém foi construído, e é essa afigura que
Paulo tem em mente. Não, ali há uma seleção deliberada, pessoal, particular e
individual. E, graças a Deus, isso caracteriza todo aquele que se toma cristão.
Não existe produção em massa na Igreja Cristã. Alguns parecem pensar que
existe, mas não existe, e não pode existir. Graças a Deus, num mundo em que o
individual está perdendo valor cada vez mais, ele fica bem no centro nestas
questões.

Examinemos a questão de outro ângulo, mediante umamudança da ilustração. Há


somente um modo de entrar no reino de Deus, e esse é por uma catraca. Não é
uma porta ampla, é uma catraca -“estreita é aporta”; “apertado é o caminho”; um
por um. Não se pode entrar em multidão no reino dos céus; trata-se de uma
transação individual entre Deus e a alma. A regeneração é individualista. E essa
é a base da fé cristã; é o princípio essencial no que diz respeito às paredes deste
edifício, deste templo de Deus. As pessoas não se salvam em famílias, menos
ainda em grupos ou classes ou nações. Um por um, um é tomado e outro
é rejeitado!

Todo esse assunto é também exposto pelo apóstolo no uso que faz da figura da
madeira, do feno e da palha, em 1 Coríntios, capítulo 3. O nosso Senhor deixou
isso claro em Sua parábola da rede que é lançada ao mar e recolhe grande
número, uma grande multidão de peixes; mas depois é feito um exame, e os bons
são mantidos e os maus são jogados fora. Eles ficam na rede por um momento,
porém não são mantidos, são devolvidos ao mar. O construtor apanha uma pedra.
Vai colocá-la na parede? Parece que ele vai usá-la. Mas não. Lá vai ela de volta,
jogada fora, rejeitada. Nem tudo que parece certo a mim e a vocês é certo
aos olhos de Deus. É um pensamento terrível este, mas a Bíblia o ensina em toda
parte. No Dia do Juízo haverá muitos que pensavam que estavam no edifício, no
entanto Cristo lhes dirá: “Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que
praticais a iniqüidade”. Trata-se de uma seleção individual, envolve uma
escolha, e uma rejeição. Esse é o primeiro ponto.

O segundo ponto é que as pedras deste edifício não são todas idênticas. Dêem
uma olhada nalgum magnífico edifício de pedra e

façam uma atenta busca desse ponto. As pedras não são iguais nem no tamanho,
nem na forma, nem em nenhuma outra coisa. São todas diferentes e , contudo,
estão harmoniosamente ajustadas e unidas, e fazem parte de uma parede
magnífica. Umas são muito grandes, outras são pequenas, outras são de tamanho
médio. Elas diferem no tamanho, na forma e em muitos outros aspectos. Torno a
dizer, graças a Deus por isso. Esse também é um ponto muito importante, que, ao
que me parece, é ignorado e esquecido hoje. Tive o privilégio de estar presente
numa discussão de pastores e clérigos há não muito tempo, na qual uma questão
muito pertinente foi levantada por um participante. Ele perguntou: por que será
que o cristianismo atual só parece atrair um tipo particular de gente? E
acrescentou: é evidente que não estamos sensibilizando as classes trabalhadoras,
assim chamadas. Só estamos sensibilizando uma certa classe, uma camada da
sociedade. Por que será? Em minha opinião era uma questão muito profunda.
Minha resposta foi que há algo radicalmente errado em nossa concepção
fundamental da Igreja. Atrair classes é o tipo de coisa ligada à psicologia, mas é
contrário ao gênio do cristianismo. A glória do cristianismo é que ele
sensibiliza todos os tipos, espécies e condições de homens. Este elemento
de variedade e variação, e de falta de mesmice, é sumamente interessante. A
característica essencial de uma parede de pedra em distinção de uma parede de
tijolo é que as pedras variam de tamanho, porém são ajustadas juntamente para
compor o modelo. Não há nenhuma uniformidade monótona e insípida na Igreja.
É uma característica das seitas que todos os seus seguidores tendem a ser sempre
idênticos. Na Igreja Cristã há diversidade na unidade. Portanto, sempre devemos
olhar com suspeita qualquer tipo de ensino que leve a uma espécie de mesmice
nos resultados. Há certas pessoas que, só pelo modo de falar e pelas frases que
empregam, quase contam a você onde foram convertidas. São produzidas em
massa, são todas amesmacoisa. Falam as mesmas coisas, e as falam da mesma
maneira, e fazem as mesmas coisas. São como uma série de selos postais. Não é
esse o princípio que o apóstolo está enunciando aqui. Nunca fomos destinados a
ser desse jeito, fomos destinados a ser diferentes. Todos na mesma parede, sim,
mas muito diferentes uns dos outros - alguns grandes, alguns médios,
alguns pequenos; alguns com esta forma, alguns com outra, porém
todos igualmente na parede. Essa é a verdadeira unidade, não a
uniformidade monótona e insípida que vemos hoje em muitos aspectos da vida,
e, lamentavelmente, na Igreja. Permitam-me expressá-lo com simplicidade e
clareza dizendo isto: como cristãos, não fomos destinados a ser

iguais. As nossas características individuais devem permanecer. Alguns de nós


nascemos veementes; bem, fomos destinados a ser veementes. Outros nascem
tranqüilos e fleumáticos, que continuem sendo assim. Não há nada mais ridículo
do que uma pessoa tentar ser veemente ou sangüínea. E, contudo, acontece com
freqüência; todos procurando ser iguais. Não é o que se espera de nós. Ah, você
dirá, mas eu sempre gosto do cristão alegre e animado. Bem, eu nem sempre! Há
ocasiões e circunstâncias que esse tipo de cristão me deprime terrivelmente.
A risada forçada! A jovialidade afetada! Há vezes em que dou graças a
Deus pelo indivíduo sério, de aparência sóbria, que me assegura que está
tendo uma interior e profunda visão de vida, e que tem algum conhecimento do
que o apóstolo quis dizer quando declarou: “Neste tabemáculo, gememos
carregados” (2 Coríntios 5:4).

Nem todos fomos destinados a pregar. Mas há um ensino hoje que quaseparece
dizer que fomos. Assim que apessoaé convertida, tem que dar o seu testemunho,
e então pregar. Contudo nem todos nós fomos destinados apregar. Nem todos
fomos destinados a ir para algum campo missionário estrangeiro. Nem todos
fomos destinados a ser obreiros de tempo integral na causa de Deus. Há pessoas
que procuram passar a idéia de que fomos. Em suas conferências eles
pressionam os jovens, fazendo-os sentir que quase estarão pecando se não se
apresentarem como voluntários para as missões estrangeiras. Mas esse ensino é
muito falso. Não fomos destinados a ser iguais. Todos nós temos o nosso papel
a desempenhar, anossafunção arealizar; estanão é amesmaem cadacaso. Aí está a
pedra grande, que suporta um peso tremendo. Ali está a pedra pequena - é
igualmente importante, ajusta-se àquele ponto ao qual nenhuma outra coisa se
ajustaria.

Livremo-nos, pois, da idéia de que todos nós temos que ser iguais, e procuremos
descobrir o que Deus quer fazer conosco e o que Deus quer que nós sejamos. A
história da Igreja dá eloqüente testemunho do fato de que, às vezes, um cristão
obscuro e desconhecido, de quem a Igreja pouco ouvira falar, que passava o
tempo em oração e intercessão, fez muito mais do que os grandes pregadores
populares que edificaram com muita madeira, feno e palha, que não subsistirão
no Dia do Juízo. Aprendamos a ver estas coisas espiritualmente. Alguns de nós,
como cristãos, talvez sejam chamados simplesmente para serem bondosos com
as pessoas, para serem amigáveis e compreensivos, para fazerem pouco mais que
sentar-se e ouvi-las. Você pode ajudar tremendamente as pessoas apenas
ouvindo-as e deixando que descarreguem os seus corações. Mas há alguns de
nós que somos tão ativos e ocupados, e

falamos tanto, que nunca damos às pessoas oportunidade para falarem; nunca
temos tempo para ouvi-las e, portanto, não as ajudamos.

Procuremos captar bem este princípio vital - que há esta grande variedade e
variação nas pedras que devem estar no mesmo edifício, no mesmo templo santo
do Senhor, neste edifício de Deus. Você pode não ser grande e importante; bem,
não se glorie no fato de não ser, porém lembre-se de que o fato de não o ser não
significa que você não está no edifício. Ele sabe. Ele nos vê a todos. Voltemos a
1 Coríntios, capítulo 12, e vejamos como o apóstolo desenvolveu ali este
princípio minuciosamente, em termos do corpo. O corpo completo não é o olho,
não é o ouvido, não é a mão, não é o pé. Todas estas diferentes partes estão
no mesmo corpo, embora alguns sejam mais elegantes que outros. Todavia ele
acentua que as nossas partes menos elegantes são tão indispensáveis como as
mais elegantes. Portanto, não caiamos na tolice de desejar que todos sejamos
iguais e idênticos. Não pensemos em termos de produção em massa ou em
termos de tijolos. Pensemos numa parede de pedra, e demos graças a Deus que,
seja o que for que sejamos, Ele nos tomou e colocou na parede do Seu edifício, e
que Ele tanto nos conhece como conhece apedra grande, bem proporcionada e
sólida. E maravilhoso para mim, e estupendo o fato de que somos colocados ali
um por um, e que o cristão mais humilde é objeto de conhecimento de Deus
como o é o maior e mais poderoso santo, que Ele vê o lugar exato para nós na
parede e nos coloca ali; e nos coloca ali exatamente da mesma maneira
como coloca todos os demais.

Não tentemos, pois, atalhar ou violar o plano de Deus, o método de Deus e a Sua
maneira de edificar. Procuremos estar cientes deste terrível perigo psicológico
com que se defronta a Igreja hoje - a idéia de produção em massa, sempre
levando ao mesmo resultado e produzindo o mesmo tipo particular. E uma coisa
grave quando a Igreja só produz certo tipo de cristão e somente apela a certo tipo
ou classe de pessoa. Quando este evangelho é pregado corretamente, ele toca
todos os segmentos da sociedade. A história da Igreja o comprova. Operigo
hoje é entender que todos nós devemos ser meramente pessoas finas, tranqüilas e
respeitáveis, pessoas que ainda se apegam à moralidade própria, e que algreja só
deve consistir de tais pessoas - somente pessoas da classe média. Jamais houve
tal propósito. Reconsideremos a nossa pregação, o nosso ensino, e especialmente
os nossos métodos, para não acontecer que inconscientemente deslizemos para a
prática do método psicológico e, com isso, nos persuadamos de que estamos
construindo um edifício maravilhoso, para somente descobrir no fim que não

acrescentamos nada ao templo de Deus, e ver-nos no “grande dia” com muito


pouca coisa para mostrar do nosso esforço e de todo o nosso entusiasmo. Esse é
o segundo ponto.

Permitam-me acrescentar apenas uma palavra como nosso terceiro princípio: é a


questão de preparo e adaptação. Só posso fazer uma introdução disso aqui,
porquanto é um grande tema. Teremos que entrar em detalhes posteriormente. Eu
disse a vocês que o construtor, o pedreiro, em dadopontoprecisadeumapedra de
certo tamanho ou forma e, olhando para o monte de pedras, enxerga uma que
parece servir e a retira. Ah, diz ele, esta vai servir. Tendo rejeitado algumas, ele
diz: agora esta vai servir direitinho. Mas não tão direitinho, porque esta pedra
vai ter que ser preparada e adaptada ao material que já fora posto ali. Há pedras
embaixo e nos lados. Esta é a pedra certa em geral, porém terá que ser adaptada
às que estão nos lados e por baixo, e depois ainda terá que ser colocada alguma
coisa em cima. Vocês já viram um pedreiro fazendo o seu serviço? Em minha
adolescência eu vi isso muitas vezes, e sempre me fascinou. Ele apanhava apedra
e depois, com seus diversos tipos de martelo, tirava pedaços dela. Ele a aparava,
modelava-a, dava-lhe forma, e lhe tirava lascas. Aí tentava colocá-la. Depois
tornava atirá-la porque não estava bem ajustada. Tirava outro pedaço, talvez com
o cinzel e o martelo. E assim ele ia trabalhando nela até ficar bem certa. Depois a
colocava, e se afastava para olhar. Satisfeito, punha a argamassa, pegava outra
pedra e fazia o mesmo trabalho. Pois bem, é isso que o apóstolo quer dizer com
“bem ajustado” ou “adequada e conjuntamente ajustado”. Algo terá que
acontecer conosco, antes de podermos estar adequadamente ajustados ao
conjunto. O construtor não lança as pedras juntas de qualquer maneira. Não, há
uma maravilhosa simetria em tudo isso. Observem os edifícios, e vocês verão
isso. E, naturalmente, é óbvio que o trabalho de aparar, cortar e cinzelar é
mais necessário em alguns casos do que noutros. Mas todos nós
precisamos disso. Eo temos. E enquanto isso não acontecer conosco, jamais
faremos parte da parede em construção.

Ao que me parece, não há nada mais fascinante na longa história da Igreja e do


seu povo do que ver em operação e na prática este princípio. Houve homens que
precisaram de muito trabalho de aparelhagem e de modelagem, e o tiveram.
Depois disso tornaram-se pedras enormes. Houve outros que pareciam estar
quase totalmente prontos como estavam. Pouca coisa foi necessária fazer com
eles. Vocês devem ter visto isso em sua experiência pessoal, ao observarem
diferentes cristãos. O que importa não é a quantidade, o princípio é que sempre

necessidade desse procedimento e desse processo, em maior ou menor medida.

Como se faz? Pela pregação e pelo ensino. É esse o dever geral da pregação e do
ensino; é modelar-nos, preparar-nos. Todos nós temos estes estranhos ângulos e
arestas e, como somos por natureza, não nos ajustamos à construção. Estas
coisas têm que ser podadas. Angulosidades, grosserias, gente grosseira na Igreja!
Todos nós somos grosseiros, em certo sentido, uns mais, outros menos. Somos
pedras rudemente talhadas quando saímos dapedreira, como que arrancadas
delamedi ante uma explosão. Temos mais ou menos a forma geral certa, mas é
necessário muito trabalho com o cinzel antes de nos adequarmos bem aos
nossos lugares particulares na construção. E enquanto não formos
aparelhados, não seremos colocados nela. Como nos inclinamos a esquecer isso!
Se lermos o Novo Testamento, se dermos ouvido à pregação e ao
ensino, veremos a absoluta necessidade e urgência desta preparação. Há os
que dizem: sou deste tipo de pessoa. Sou daquele tipo de pessoa. Sempre tenho
que dizer o que tenho na cabeça. Se todos fossem assim, que tipo de igreja vocês
teriam? Que espécie de edifício vocês teriam, se todas as pedras fossem
pontudas e difíceis assim? Seria impossível, vocês não poderiam construir; estas
arestas têm que ser debastadas. Pois bem, é aí que entra a disciplina pessoal.
Temos que ser menos difíceis, como pessoas. Temos que ajustar-nos - adequada
e conjuntamente ajustados.

Devemos esquecer-nos de nós mesmos e pensar na parede, no edifício, e


compreender juntos que é o Senhor quem decide onde devemos estar, o que
devemos ser e que funções nos cabe desempenhar. E, acredite-me, se você está
neste edifício, ou vai estar, terá que ser aparelhado e amoldado. E o edifício de
Deus, lembremo-nos, e se eu e você não aplicarmos o ensino, as instruções e a
mensagem das Escrituras como devemos, Deus terá outro meio de fazê-lo. Leia
o capítulo doze da Epístola aos Hebreus, e verá o que estou querendo dizer. “O
Senhor corrige a quem ama” (12:6, ARA). Se os apelos e argumentos
do evangelho não o levam a disciplinar-se, e se você não se livrar dessas arestas
e irregularidades, Ele tem um cinzel poderoso e um poderoso martelo, e Ele as
arrancará de você. Todos nós temos algum conhecimento disso em nossas
experiências pessoais. Ele nos humilha, Ele nos derruba, e Ele tem muitas
maneiras de fazê-lo por meio de enfermidade ou doença, ou morte, ou tristeza,
ou fracasso, ou incompreensão; mil e uma coisas. E Ele o faz. Graças a Deus que
Ele o faz. Pois, se Ele não fizesse isso conosco, nenhum de nós chegaria a estar
preparado para estar nessa parede. É a quem o Senhor ama que Ele castiga. Se
Ele não o ama,

Ele não Se importará com você, Ele o jogará fora, e lá você poderá ficar com
todas as suas angulosidades e anomalias pelo resto da sua vida, dizendo: eu sou
deste tipo de pessoa! Muito bem! Seja esse tipo de pessoa! Saiba, contudo, que
você não está no templo santo do Senhor, e nunca estará, enquanto for desse j
eito. Esta é uma questão muito grave e solene, uma questão de importância
eterna para nós. Temos que ser amoldáveis, e que ajustar-nos uns aos outros, se é
que desejamos estar neste templo santo. Assim, se nós não compreendermos este
princípio, não virmos a importância desta preparação vital, e não nos
submetermos a ela, seremos rejeitados, e se não compreendermos isso no
tempo, certamente o compreenderemos na eternidade.
O CRESCIMENTO DA IGREJA

“Ediflcados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus


Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado,
cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois
edificados para morada de Deus em Espírito. ” - Efésios 2:20-22

Ainda estamos estudando esta terceira figura que o apóstolo usa, do povo cristão
e da Igreja Cristã, segundo a qual ele diz que a Igreja é uma espécie de edifício,
um grande templo, no qual Deus habita, e ainda vai habitar de maneira mais
ampla e mais completa. Temos examinado esta figura de modo geral. Mas o
apóstolo não nos oferece meramente uma descrição geral deste edifício, ele nos
fala em detalhe sobre a planta e as especificações que foram obedecidas, e que
sempre deverão ser obedecidas, na construção deste edifício.

Portanto, começamos necessariamente com o alicerce, com o fundamento.


Somos “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que
Jesus Cristo é a principal pedra da esquina”. Em seguida a isso, passamos mais
diretamente a uma consideração de nós mesmos e daquilo que nos caracteriza-
que, como pedras neste edifício, estamos relacionados com o fundamento,
estamos relacionados com o Senhor Jesus Cristo, estamos relacionados com a
verdade; porém, eeste é o aspecto que o apóstolo parece salientar mais que tudo
aqui, também estamos relacionados uns com os outros. Noutras palavras, a
frase importante aqui é esta palavra que foi traduzida por estas três, “adequada e
conjuntamente ajustado” (a palavra e só entrando como elemento de ligação).
Essa é a palavra a que devemos dar atenção outra vez. Aí estão todas estas
pedras individuais nesta parede, nestas paredes que estão sendo levantadas, e
elas todas são “adequadas e conjuntamente ajustadas”.

Todas estas coisas são figuras e, portanto, é óbvio que nenhuma delas pode
transmitir a verdade completa. E por isso que o apóstolo usa aqui três figuras
diferentes; nenhuma delas é suficiente só por si. Desta maneira, ao tratar
anteriormente desta questão de preparo das pedras, eu mostrei que certa dose de
preparação era necessária de antemão, e também que, em certo sentido,
apreparação continua a vida inteira. Essa

é a espécie de paradoxo que se vê no Novo Testamento concernente à Igrej a. De


um lado nos é dada a impressão de que Deus j á habita na Igreja - e é um fato. E,
contudo, há esta outra idéia de que a Igreja ainda está sendo construída “para
morada” na qual Ele virá habitar quando ela estiver completa. Da mesma
maneira nós, num sentido, já estamos preparados, mas também ainda
necessitamos deste processo. Todavia outras ilustrações são utilizadas para
aclarar isso.

Agora voltemos a esta grande questão sobre como exatamente estas pedras são
colocadas no edifício. “No qual também vós juntamente sois edificados”, diz
Paulo, “para morada de Deus”. Vocês efésios, diz ele, foram colocados neste
edifício, são partes agora desta construção, são partes deste grande templo que
está sendo erigido no Senhor para morada de Deus em Espírito (ou “mediante o
Espírito”, VA).

Uma questão muito importante para nossa consideração é a seguinte: quando


ocorre a preparação? Primordial e essencialmente, esta preparação acontece
antes de estarmos na Igreja. Jamais poderemos fazer parte deste edifício, jamais
seremos pedras nessas paredes, sem já estarmos preparados para isso. Portanto,
vamos lá para trás, a um versículo do Velho Testamento - 1 Reis 6:7: “E
edificava-se a casa com pedras preparadas, como as traziam se edificava; de
maneira que nem martelo, nem machado, nem nenhum outro instrumento de
ferro se ouviu na casa quando a edificavam”; Isso é uma parte da narrativa
da construção do templo de Salomão. É uma parte muito importante da história.
De fato, visto que estamos estudando esta passagem, é de grande importância
que voltemos ao Velho Testamento para lermos acerca da construção do templo
de Salomão em Jerusalém. Não há nenhuma dúvida de que o apóstolo Paulo
tinha essas figuras em sua mente, e é igualmente claro que o que nos é ensinado
quanto à construção do tabernáculo e do templo tem relevância para aquilo que
estamos estudando neste momento.

Quando Deus instruiu Moisés sobre a construção do tabernáculo, Ele o levou a


um monte e lhe deu instruções minuciosas. Deus não disse simplesmente
aMoisés: agoraEu quero que vocêconstruaum tabernáculo para Mim, no qual a
Minha presença possa habitar, no qual a glória da Minha Shekinah possa
manifestar-se. Ele lhe deu instruções pormenorizadas, entrando nas questões de
medidas, cores etc. Tudo foi dado em detalhe. E tendo lhe dado a planta e as
especificações, Deus disse à Moisés: “Atenta, pois, que o faças conforme ao seu
modelo, que te foi mostrado no monte” (Êxodo 25:40). Parece que foram dadas
instruções
de maneira semelhante a Salomão (2 Crônicas 3:3). É importante, pois, que
tenhamos isso em mente; é de profunda significação. Ouçam-no de novo: “E
edificava-se a casa com pedras preparadas, como as traziam se edificava; de
maneira que nem martelo, nem machado, nem nenhum outro instrumento de
ferro se ouviu na casa quando a edificavam”. Essa declaração contém importante
doutrina que lança luz sobre a exposição feita pelo apóstolo na passagem que
estamos estudando, com relação à natureza da Igreja Cristã.

Em meu parecer, o primeiro princípio que se deve observar é o seguinte: a


preparação é feita em segredo. Sem dúvida havia pessoas em Jerusalém que
ficavam observando a construção do templo. Mas elas não viam a preparação
das pedras. Este trabalho era feito antes de serem trazidas para o local do templo
e de serem colocadas nos seus lugares nas paredes. Eis aí um grande princípio do
Novo Testamento. Antes de sermos verdadeiros membros da Igreja Cristã,
qualquer de nós - (vocês vêem como é importante distinguir entre simplesmente
termos os nossos nomes nos róis de uma igreja e realmente sermos membros
de Cristo e da Sua Igreja) - antes de podermos estar verdadeiramente na Igreja,
uma enorme obra de preparação é indispensável. É uma obra realizada pelo
Espírito Santo, e é realizada nas profundezas da alma. É uma obra misteriosa e
secreta. O mundo a ignora. Assim como o povo de Jerusalém nada sabia da
preparação daquelas pedras, o mundo também nada sabe a respeito. É possível
estarmos trabalhando num escritório com outras pessoas, ou até vivendo na
mesma casa com outros, e esta poderosa obra de preparação estar sendo
realizada em nós, sem que eles saibam. Não é uma obra realizada externamente,
por fora, superficialmente; é realizada no âmago da alma.

Escrevendo aos coríntios, o apóstolo diz: “Vós sois a carta de Cristo... escrita,
não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas
nas tábuas de carne do coração” (2 Coríntios 3:3). E uma obra interna, uma obra
misteriosa, que se realiza naquela parte do homem chamada alma. Certamente
vocês se lembram de um famoso anatomista que zombou da alma há alguns
anos. Disse ele que tinha dissecado muitos corpos na sala de anatomia, e nunca
tinha encontrado um órgão chamado alma. Claro que não! Essa é uma das coisas
secretas que um anatomista materialista não pode entender. Menos ainda
tal homem poderia entender a obra realizada pelo Espírito na alma. A obra é tão
secreta que, às vezes, a própria pessoa em quem ela está sendo realizada não
sabe o que está acontecendo. Muitas vezes o Espírito age

em nós durante algum tempo, antes de percebermos o que se passa. Tudo o que
sabemos é que estamos sendo levados a fazer certas perguntas que nunca
tínhamos feito antes. Tudo o que sabemos é que, de repente, ficamos insatisfeitos
com nós mesmos e com as nossas vidas, e não sabemos por quê. Alguém talvez
diga que não estamos bem e que deveríamos consultar um médico; e pode ser
que concordemos. Talvez pensemos que estamos cansados, ou procuremos
alguma outra explicação. E uma obra misteriosa. Novos interesses surgem,
novos anseios, desejos e aspirações, e dizemos: “Que será isso? Não entendo o
que se passa comigo. Parece que alguma coisa está acontecendo comigo.
Não sou mais o mesmo. Que será isso?” E não entendemos. Ignoramos esta obra
secreta que o Espírito está realizando. Mas aí está ela, e faz parte da preparação.
Esse trabalho era feito antes de as pedras serem levadas para Jerusalém.

Não devo demorar-me neste particular, porém vocês se lembram da maneira


como o nosso Senhor expressou esta verdade, dizendo a Nicodemos, que nesse
ponto mostrou-se completamente incapaz de entender a Sua doutrina: “Como
pode um homem nascer, sendo velho?”, pergunta Nicodemos. “Pode, porventura,
tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?” -Não entendo! Certo, disse
efetivamente o nosso Senhor. “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz,
mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que
énascído do Espírito.” Você vê o resultado, você não vê o que acontece,
não entende. “Não sabes de onde vem, nem para onde vai.” Não se vê,
é invisível, mas você vê os efeitos, o resultado, o produto acabado. “Assim é
todo aquele que é nascido do Espírito.”

Noutras palavras, estabeleço como proposição fundamental - e é sumamente


importante dar ênfase a isso hoje, porque há uma grave incompreensão dessa
questão - que, ser cristão é estar sujeito a uma energia e um poder que está
acima do nosso entendimento. Não me entendam mal. Isso não significa que o
cristianismo é irracional; o que significa é que o cristianismo é super-racional,
supra-racional, poderíamos dizer. Não há - e isso me causa prazer, pelo que o
repito muitas vezes - não há nada que, uma vez que você esteja dentro, seja
tão racional, tão lógico como a fé cristã (como o revela a ilustração que
temos nesta Epístola aos Efésios). Mas se você está fora, não a entende;
parece haver algo de misterioso e estranho nela. Por quê? Porque é obra de Deus,
porque é ação direta do Eterno. Já não é ação realizada por meio das leis da
natureza; Ele está agindo diretamente, Ele está agindo imediatamente, isto é, sem
utilizar-Se de meios. Deixem-me pedir ao

grande apóstolo que exponha isso. Vejam como ele o faz na Primeira Epístola
aos Coríntios, capítulo dois. Diz ele que quando o Senhor Jesus Cristo estava
neste mundo, os príncipes deste mundo não O reconheceram, pois, se O tivessem
reconhecido, “nunca crucificariam o Senhor da glória”. Eles viam simplesmente
um homem, o carpinteiro de Nazaré. Indagavam: quem é este sujeito? Ficavam
admirados com o Seu conhecimento e com a Sua cultura; todavia não entendiam,
não sabiam que Ele era o Filho de Deus. Mas o apóstolo declara: “Deus no-
las revelou pelo Seu Espírito”; sim, pelo Espírito que “penetra todas as coisas,
ainda as profundezas de Deus”. Ele prossegue, dizendo: “Nós não recebemos o
espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos
conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus”. E ainda: “O homem natural
não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e
não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente”. E então ele
acrescenta isto: “Aquele que é espiritual (isto é, o homem espiritual) discerne
(ou, “julga” VA) bem tudo, e ele de ninguém é discernido (ou, “por ninguém é
julgado”). Noutras palavras, o cristão, por definição, deveria ser um problema e
um enigma para todos os não cristãos. Como isso é importante como umaprova
para cada um de nós! Se um incrédulo pode entender você e tudo o que você lhe
diz, então, pelo menos dentro deste contexto, você não está dando prova de que
você é cristão.

Quando o Filho de Deus estava neste mundo, Ele era um grande problema para
as pessoas. Elas perguntavam: quem é este? Ele é um homem comum, nunca foi
instruído como fariseu, não é escriba, não é sacerdote, nunca teve erudição e
cultura; no entanto, olhem para Ele, ouçam o que Ele está dizendo. Ele parece ter
conhecimento; vejam os Seus milagres - quem é este? Ele era um problema e um
quebra-cabeça para eles. Porventura vocês se lembram de que, nos capítulos
iniciais do livro de Atos somos informados de que acontecia a mesma coisa com
os Seus seguidores? Pedro e João curaram um homem na Porta Formosa do
templo, e as autoridades não podiam entender o fato. Levaram-nos a julgamento,
e tudo o que puderam dizer foi que “eles haviam estado com Jesus” (4:13). Isso
era tudo o que eles sabiam. Homens ignorantes, indoutos, mas cheios de poder!
Que será isso?

É esse o aspecto secreto desta obra, desta preparação. O cristão, por ter sido
formado e modelado pelo Espírito Santo, é alguém que ninguém pode entender,
exceto outro cristão. A obra realizada pelo Espírito não é irracional, mas
transcende a razão, confirmando aquele famoso dito de Pascal: “A suprema
realização da razão é levar-nos a ver que há um
limite para a razão”. Aqui nos encontramos numa esfera em que Deus age
imediata e diretamente. Assim, o cristão não é meramente alguém que decide
adotar certo número de proposições e um ponto de vista, ou esposar uma
filosofia. O cristão é, por definição, alguém que foi formado, modelado, posto
em forma, adaptado e ajustado para ser uma pedra nesta parede, neste edifício,
que vai ser um “templo santo no Senhor”, uma habitação de Deus. O cristão é
alguém que nasceu de novo, foi transformado, renovado, regenerado. Estes são
termos do Novo Testamento. Ele é uma “nova criatura”, uma “nova criação”.

No entanto, isso nos leva aum segundo princípio: tudo isso tem que acontecer
conosco antes de podermos fazer parte da Igreja. Nosso texto fundamental, 1
Reis 6:7, põe isso acima de tudo o mais. “Edificava--se a casa com pedras
preparadas, como as traziam se edificava”, (ou, “...com pedras preparadas antes
de serem trazidas...”, VA). Não estamos numa igreja para nos tornarmos cristãos.
Estamos numa igreja porque somos cristãos. A razão para ser membro dessa
igreja não é que finalmente você venha a ser cristão; é porque você já o é. Nunca
foi propósito da igreja ter em seus róis uma multidão mista - composta
de cristãos, dos que acham que são cristãos, dos que esperam poder tomar-se
cristãos e dos que, bem, estão ali porque nem sequer pensaram o suficiente em
parar de freqüentá-la, e são meros tradicionalistas. Este também, lembro a vocês,
é um ponto tremendamente importante, sobretudo na hora presente, quando a
questão da natureza da Igreja é levantada agudamente por todos quantos falam
em união, re-união e unidade.

É nosso dever familiarizar-nos com o que se ensinava no passado sobre essa


matéri a. Ora, no tempo da Reforma Protestante, essa era uma questão urgente e
crucial. Martinho Lutero ensinava que a Igreja é a comunidade dos crentes. João
Calvino acentuava que a Igreja consiste do número total dos eleitos. Vocês
notam a ênfase? - comunidade dos crentes, número total dos eleitos, dos
escolhidos, dos chamados. E vocês recordam que os puritanos, que em certo
sentido foram os originadores e os fundadores daquilo que hoje toma o nome de
“igrejas livres” (os primeiros “independentes”, os primeiros batistas, e outros),
colocavam sua ênfase no que eles chamavam, “a igreja reunida”. Queriam
dizer que a Igreja realmente consiste da reunião, ou do encontro dos santos, dos
crentes. Eles foram ficando cada vez mais tristes com a idéia de uma “Igreja do
Estado”, porque, de acordo com a idéia de uma “Igreja do Estado”, todos os que
vivem numa paróquia são membros da Igreja e

são cristãos. Pois bem, os não conformistas rejeitavam isso completamente. Eles
diziam: porque sucede que um homem vive numa paróquia, não é
necessariamente um cristão. Simplesmente porque certas pessoas vivem neste
país, não significa que são cristãs. Eles asseveravam que a Igreja consiste
unicamente dos que foram preparados, dos que nasceram de novo, dos
regenerados, dos renovados, dos santos, dos crentes, do povo de Deus; e a Igreja
é a reunião destes. Isso é a Igreja, os “santos reunidos”.

Vocês vêem a importância e a relevância disso tudo nos dias atuais, quando há
uma tendência das pessoas se tornarem cada vez mais soltas e cada vez mais
vagas nas definições; a tendência de dizer que todos os que se dizem cristãos
devem ser considerados cristãos, e que todos somos um, e assim por diante. De
fato às vezes chegam a sugerir que não deveríamos dar demasiada ênfase até
mesmo ao termo “cristão”. Temos um “Congresso Mundial de Crenças” que
incluem todos os que crêem em Deus, de uma forma ou de outra. Todos esses
são um, dizem, contrariamente aos que não crêem em Deus.

E vital que consideremos isso tudo, não somente à luz da história, mas ainda
mais à luz das Escrituras - esta Escritura de Efésios e aquela declaração
registrada em 1 Reis 6:7. Noutras palavras, certamente o ensino das Escrituras é
simples e cl aro. E é que a Igreja consiste somente daqueles que crêem na
doutrina verdadeira e que vivem a vida cristã. “O fundamento de Deus fica
firme, tendo este selo: o Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere
o nome de Cristo aparte-se da iniqüidade” (2 Timóteo 2:19). Há alguns que
negam a fé, diz Paulo a Timóteo: negam a ressurreição, dizem que é coisa do
passado. Não se aflija; eles parecem cristãos, porém Deus sempre soube onde
eles estão. Ele conhece todas as coisas, o Seu fundamento permanece seguro.
Ele não pode negar a Si próprio, embora O neguemos. Ele sabe o que faz. Em
última análise, o Arquiteto da Igreja é Ele.

Podemos ir adiante e dizer que certamente não há nada que seja completamente
tolo e calamitoso, quando pensamos na Igreja, como pensar nela em termos de
tamanho e de número. Mas esse é o pensamento determinante hoje. Igreja
mundial! - dizem: o único modo de combater o comunismo e as outras coisas
que se opõem ao cristianismo é tornar-nos um; devemos reunir os nossos
grandes batalhões, e então resistir ao inimigo. Entretanto, como isso é anti-
escriturístico! Nós cantamos em nossos hinos, “poucos fiéis”, e a Bíblia está
repleta de ensinamentos sobre a doutrina do remanescente. Deus não opera
por meio de grandes batalhões, Ele não se interessa por números; Ele está
interessado napureza, na santidade, em vasos aptos e próprios para o uso do
Senhor. Não devemos concentrar a nossa atenção em números, e sim na
doutrina, na regeneração, na santidade, na compreensão de que este edifício é
um templo santo no Senhor, uma habitação de Deus.

Isso é o que o próprio Senhor nosso ensina claramente. Às vezes, quando lemos
os Evangelhos, temos a impressão de que o Senhor Jesus Cristo passava grande
parte do Seu tempo recusando pessoas. Hoje forçamos as pessoas a tomarem
decisão, fazemos tudo o que podemos para fazê-las vir, quer queiram quer não.
Mas não era esse o método do nosso Senhor. Certo homem correu para Ele e
disse: “Senhor, seguir--te-ei para onde quer que fores”. Que maravilhoso
acréscimo à Igreja! - dizemos. Todavia o nosso Senhor voltou-Se para aquele
homem e disse: “As raposas têm covis, e as aves do céu ninhos, mas o Filho
do homem não tem onde reclinar a cabeça”. Vá pensar no que você está fazendo,
diz o nosso Senhor, não quero mera animação, quero que você compreenda o
que isso lhe poderá custar. E, vocês se lembram, Ele prosseguiu, falando com um
homem que lhe pediu permissão para primeiro ir para casa e sepultar o seu pai, e
Ele diz: “Deixa aos mortos o enterrar os seus mortos”. Disse ainda: “Ninguém
que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus” (Lucas
9:57-62). Ele põe à prova, parece estar rejeitando - Ele examina. Avalie o preço,
diz Ele. Que tolo, diz Ele, é o homem que começa construir um castelo, porém
não fez uma avaliação para saber quanto lhe custaria e se ele teria condições e
recursos para dar prosseguimento à obra! Ele fala demaneira semelhante sobre o
homem que se aprestapara fazer guerra contra outro país, e não sabe qual é o
número dos componentes das suas tropas e das suas reservas. Ah, que loucura é
isso! Pare! Considere! Ele parece estar rejeitando os homens. A Sua preocupação
era com a pureza da Igreja, não com o tamanho, nem com os números. E quando
Ele partiu deste mundo, deixou apenas um pequeno grupo de homens comuns,
indoutos, sem instrução, iletrados para continuarem a Sua obra. E esse o Seu
método.

E tem sido sempre assim nos períodos de avivamento e despertamento. Era


extremamente difícil alguém tornar-se membro de uma igreja dos puritanos.
Leiam os relatos fidedignos dos feitos das primeiras igrejas independentes e
batistas e verão que era excessivamente difícil obter admissão à sua comunhão.
Vocês alguma vez leram as regras que João Wesley estabeleceu para a admissão
às suas sociedades? Os homens e as mulheres eram submetidos a exame e prova
na doutrina e na vida! É quando esse tipo de procedimento é adotado que se tem
avivamento.
Deus só pode habitar numa Igreja pura - não necessariamente numa Igreja
grande, mas numa Igreja pura, pura na doutrina e pura na vida. Pode parecer
surpreendente, mas não hesito em asseverar, mesmo hoje, que o maior problema
da Igreja atualmente é que ela é grande demais. É muito parecida com uma
multidão mista. Somente quando os homens são aptos e próprios para o uso do
Senhor é que Ele os utiliza. Somente num templo santo é que o Residente eterno
entra. O ensino geral das Escrituras tem esse propósito. E é evidenciado, apoiado
e comprovado pela subseqüente história da Igreja Cristã. Também é verdade que
ninguém sabe, o mundo não sabe o que Deus pode fazer quando um homem se
entrega completamente a Ele. Todos os grandes avivamentos e reformas vieram
dos mais insignificantes começos. Um só homem -Martinho Lutero! Estranhos
indivíduos do século dezessete! O pequeno Clube Santo de Oxford, no século
dezoito! Sempre foi assim. Vamos parar de pensar em termos de grande
atividade, quando estivermos falando da Igreja. Regressemos ao Novo
Testamento. Um santo templo no Senhor. Quando Ele entra, com um só frágil
homem Ele pode convencer m ilhares .Pela pregação do apóstolo Pedro no dia
de Pentecoste, três mil foram acrescentados à Igreja.

Antes de concluirmos, vejamos mais um princípio. Vão deve haver nenhum


ruído durante este processo de edificação. Voltemos a 1 Reis 6:7, e eis o que
vocês verão escrito ali: “E edificava-se a casa com pedras preparadas, como as
traziam se edificava”. E então - “De maneira que nem martelo, nem machado,
nem nenhum outro instrumento de ferro se ouviu na casa quando a edificavam”.
Que princípio vital é este! Interpretando-o e dando-lhe vestimenta moderna, é
isto: não deve haver discussão nem debate nem desacordo na Igreja acerca das
verdades vitais. Não se deve fazer ouvir nada desse ruído de cinzel,
martelo, amoldagem e preparação na Igreja. Isso terá que acontecer antes de
você entrar na Igreja. Não deve haver nenhuma discussão na Igreja Cristã sobre
a Pessoa do Senhor Jesus Cristo. Não deve haver nenhuma discussão na Igreja
acerca da situação e das condições do homem em pecado. Não deve haver
nenhumadiscussão na Igreja acercadaexpiação vicária, da regeneração, da Pessoa
do Espírito e de todas as doutrinas da graça. Não deve haver ruído de discussão
acerca destas coisas. Tudo isso deve acontecer antecipadamente.

Pois bem, falemos com clareza sobre este ponto, porque também pode ser
entendido erroneamente. Quando digo que não deve haver discussão nem ruído
de debate na Igreja, não estou querendo dizer que

a Igreja não deve interessar-se por doutrina; o que estou querendo dizer é que
deve haver acordo sobre a doutrina logo de início, de modo que não haja mais
necessidade de discussão. Contudo, isso está sendo mal entendido hoje, e está
sendo colocado desta forma-, ah, dizem muitos, não devemos ter discussões
sobre doutrinas porque elas sempre causam divisão; portanto, não as tenhamos,
mas vamos todos concordar em chamar-nos cristãos uns aos outros, seja o que
for que creiamos. Uns poderão dizer que Jesus de Nazaré era apenas homem,
outros dirão que Ele é também o Filho de Deus. Que importa isso realmente?
Afinal de contas, todos nós concordamos em Seu ensino, em que este é nobre
e enaltecedor e em que, se tão-somente o praticássemos, não haveria todo este
problema que o mundo enfrenta hoje. Assim eles dizem: vamos parar de discutir
sobre a Sua Pessoa. E depois, que dizer da Sua morte na cruz? Uns dizem que foi
o maior crime da história, e nada mais, a suprema tragédia de todos os tempos.
Outros dizem: não, é mais que isso. Deus O enviou para que morresse; Ele
morreu “pelo determinado conselho e presciência de Deus” (Atos 2:23); morreu
para levar a culpa dos nossos pecados, e se Ele não tivesse morrido nós
estaríamos ainda em nossos pecados. Mas a tendência hoje é dizer que não
importa em que você crê. Muitos dizem: afinal, a morte de Cristo foi
maravilhosa e comovente e, portanto, todos nós podemos vê-la, podemos
interpretá-la de diferentes maneiras. Isso não tem importância, todos nós
cremos nEle, e todos nós estamos procurando ser semelhantes a Ele e segui-
10. Somos todos cristãos; avante, pois!

No entanto isso é ausência de doutrina, e o que apassagem em foco ensina é


exatamente o oposto. Não deve haver nenhum ruído desse debate e dessa
discussão na Igreja - não por não haver doutrina, mas porque todos nós estamos
de acordo quanto à doutrina, porque todos nós a subscrevemos. Foi assim que
aconteceu na Igreja Primitiva. Quando foi que o Espírito desceu sobre aqueles
cristãos? Foi quando estavam no cenáculo, unânimes. Unânimes! Outra vez
lemos sobre a Sua vinda sobre eles, e que era um o coração e a alma deles. E-nos
dito que a Igreja Primitiva perseverava na doutrina (no ensino), na comunhão, no
partir do pão e nas orações. Não havia ruído de discussão e debate. Por
quê? Porque aqueles cristãos estavam todos concordes! Sabiam que Cristo era o
Filho de Deus; a ressurreição o provara para eles. Ele tinha exposto
as Escrituras, tinha explicado a Sua morte, eles tinham sentado aos Seus pés e
eles tinham crido na doutrina. Estavam todos unanimemente concordes. Nenhum
ruído! Por quê? Porque estavam de acordo na doutrina, não porque não tinham
doutrina.

Vocês não vêem por que a Igreja está como está hoje? Que é que foi acontecendo
na Igreja Cristã durante os últimos cem anos? Já demos a resposta. A Igreja tem
discutido doutrinas fundamentais. Por que será queum alarmante número de
igrejas estão quase vazias atualmente? Por que os números vão baixando ano
após ano? E a própria Igreja a responsável. Há cinqüenta anos, em Londres, a
Igreja toda esteve debatendo o que chamavam “nova teologia”. O debate era
principalmente sobre a Pessoa de Cristo! - seria Ele realmente o Filho eterno
de Deus? Ou seria apenas homem? Eram essas as questões. Discutiam sobre
fundamentos, sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas! Muitos não
criam nisso. Houve barulho na Igreja porque estavam discutindo sobre pontos
fundamentais. Será surpreendente que a Igreja se tenha tornado ineficiente, que
não lhe dêem valor, que os homens não estejam sendo salvos e que o Espírito
não esteja operando?

É preciso que não haja nenhum ruído de martelo, de machado e de nenhum


instrumento de ferro na Igreja. É preciso que os homens e as mulheres entendam
claramente estas coisas, antes de pertencerem à Igrej a. N a verdade, você não
pode estar verdadeiramente nalgreja, anão ser que já esteja certo sobre estas
questões. Jamais houve a intenção de que a Igrej a sej a um rinhadeiro no qual os
homens argumentam, pelej am, debatem e brigam sobre questões vitais
relacionadas com Cristo e Sua obra. A Igreja é a reunião daqueles para os quais
estas questões foram resolvidas uma vez por todas, os quais sabem no que
crêem, os quais estão firmados no fundamento de Deus, e os quai s se juntam -
não para argumentos e debates sobre estas questões, mas para esperar em
Deus, adorá-10, para que Ele venha a estar entre eles, para que Ele os encha da
Sua presença e de gozo indescritível e cheio de glória, para que Ele os encha de
poder para falar a outros e propagar as boas novas, e cati vá--los, libertando-os
dos grilhões e da escravidão do pecado.

Notem o que estou dizendo. Não estou dizendo que os cristãos têm que
concordar em todos os pormenores. Estou ressaltando os pontos fundamentais.
Há certas questões nas quais nem todos os cristãos concordam, certos detalhes
acerca da profecia, certas questões como o modo do batismo, e muitas outras.
Não são princípios fundamentais. O povo cristão jamais deve contender, brigar e
pelejar sobre esses pontos. Devem discuti-los como irmãos. Mas não devem
ocorrer discussões sobre pontos fundamentais, simplesmente porque são pontos
fundamentais. A preparação deve ser feita antes de se trazerem as pedras para a
Igreja. Aqui não há ruído, nós O conhecemos como o Filho de Deus e Salvador.
A maior necessidade da Igreja nesta hora é entender estes
princípios. Agora se realizam grandes conferências mundiais, uma após outra.
Todavia, como usam o tempo? Não em oração a Deus, não esperando pelo
Espírito, não se deixando encher do Espírito. Usam o tempo para tentar achar
uma base de acordo. Tentam achar um mínimo irredutível acerca do qual não
discordem.

Gastam seu tempo nisso e, enquanto isso, o mundo vai de mal apior. Eles têm a
fatal idéia de que doutrina é causa da divisão, quando a verdade é que não há
nada que una, exceto a doutrina - pois a única unidade digna de menção é a
unidade do Espírito, que produz a mesma crençano mesmo Senhor, na mesma fé
e no mesmo batismo. É a unidade dos que têm a mesma mentalidade e estão em
harmonia, que não põem a sua confiança em si mesmos, mas somente no Filho
de Deus e na perfeita obra que Ele realizou a favor deles. Portanto, a palavra
para a Igreja moderna, como a palavra que Deus dirigiu a Moisés na antigüidade,
é simplesmente esta: “Atenta pois que o faças conforme ao seu modelo, que te
foi mostrado no monte”. O monte do Sermão do Monte! O monte da
transfiguração! O monte Calvário! O monte das Oliveiras, o monte da ascensão!
Aí estão os grandes picos. Em nossos dias e em nossa geração, edifiquemos,
aconteça conosco o que acontecer, diga de nós a Igreja, a Igreja visível, o que
disser, seja o que for que o mundo fale de nós, edifiquemos conforme ao modelo
que nos foi mostrado no monte. Que não haja incerteza nem hesitação nem
discussão nem ruído nem debate acerca do conteúdo deste capítulo dois da
Epístola de Paulo aos Efésios, pois o fundamento é - o homem morto em ofensas
e pecados, desamparado e sem esperança; ressuscitado pela graça de Deus; salvo
pelo sangue de Cristo; regenerado, renovado e ligado a Cristo pelo Espírito
Santo e transformado numa pedra do templo santo no Senhor.

RECONCILIAÇÃO: O MÉTODO DE DEUS

Estas exposições por Dr. Lloyd-Jones atingem o âmago do problema humano - o


homem estar separado de Deus! Eles demonstram que nada é mais relevante para
a triste condição do homem do século XX do que a mensagem cristã.
Realmente, demonstram que à raiz de todos os problemas dos
relacionamentos humanos jaz o problema do relacionamento do homem com o
seu Criador.

Numa época de confusão, tumulto, divisões e guerras violentas, e, ao mesmo


tempo, de uma indolente crença num falso e superficial idealismo que afirma
que os homens e as nações podem viver em harmonia, paz e concórdia, graças ao
apelo dirigido ao que há de melhor no homem, mais que nunca a mensagem
deste capítulo dois da Epístola de Paulo aos Efésios é necessária.

Aqui vemos claramente exposto e firmado o método divino de reconcilação - o


único método. O texto em apreço trata dos mais profundos e inspiradores temas
da Bíblia.

Não sei de nenhum outro capítulo da Bíblia que exponha com tanta clareza e
perfeição, ao mesmo tempo, a mensagem evangelística essencial para o
incrédulo e a posição e os privilégios do crente.

Aí está a única esperança para o indivíduo e para o mundo, e, ao desvendar o


apóstolo o plano eterno de Deus, não podemos senão entusiasmar-nos com a
gloriosa perspectiva que aguarda todos quantos se tornaram “concidadãos dos
santos, e da família de Deus”.

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