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EXPLICAR E INTERPRETAR: O QUE É UM TEXTO SEGUNDO PAUL RICOEUR

Davi Galhardo Oliveira Filho 1

O Francês Paul Ricoeur (1913 – 2005) inicia sua argumentação advertindo-nos que o
ensaio que apresentara, baseia-se no confronto entre duas atitudes fundamentais que podemos
adotar diante de um texto, sendo elas: explicar e interpretar. Segundo Ricoeur, o Alemão
Wilhelm Dilthey (1833 – 1911) “...chamava de explicação ao modelo de inteligibilidade
recebido das ciências da natureza (...) e [que] fazia da interpretação uma forma derivada da
compreensão...” (RICOEUR. 1989, p. 141) no entanto o Francês adverte que “...a noção de
explicação deslocou-se; já não é herdada das ciências da natureza, mas de modelos
propriamente linguísticos” (Idem) e mais adiante complementa: “Quanto à noção de
interpretação, ela sofreu, na hermenêutica moderna, transformações profundas que a afastam
da noção psicológica da compreensão.” (Ibdem) e neste ponto Ricoeur no alerta que é para
este problema que deseja voltar suas atenções, e que para obter êxito, precisa inicialmente se
voltar para uma questão que irá orientar todo o desenvolvimento de sua argumentação: o que
é um texto?

Por “Texto”, Paul Ricoeur ressalta que entende ser “...todo o discurso fixado pela
escrita” (Ibdem) e ainda que: “Segundo esta definição, a fixação pela escrita é constituída do
próprio texto. Mas o que é que, assim, é fixado pela escrita? Dissemos: todo o discurso”.
(Ibdem). Neste ponto, nosso autor propõe que se acompanharmos o pensamento de
Ferdinand de Saussure (1857 – 1913) concordaremos que a fala é: “...a realização da língua
num acontecimento de discurso, a produção de um discurso singular por um locutor, então,
cada texto está em relação à língua na mesma posição de realização que a fala.” (RICOEUR.
1989, p. 142). Ricouer propõe uma nova e interessante questão: “Apenas se pode perguntar se

1 Graduando em Licenciatura Plena em Filosofia pela Universidade Federal do Maranhão. Bolsista do


Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID. E-mail: davi.galhardo@hotmail.com
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o aparecimento tardio da escrita não terá provocado uma mudança radical na nossa relação
com os próprios enunciados do nosso discurso”. Aqui, Ricouer já nos adianta uma pista sobre
a problemática da relação escrita-leitura e falar-responder, vejamos o que nos diz o próprio
autor a esse respeito:

Não basta dizer que a leitura é um diálogo com o autor através da sua obra; é preciso
dizer que a relação do leitor com o livro é de uma natureza completamente diferente: o
diálogo é uma troca de perguntas e de respostas; não há troca desta espécie entre o
escritor e o leitor, o escritor não responde ao leitor; o livro separa até em duas vertentes o
acto (sic) de escrever e o acto de ler, que não comunicam; o leitor está ausente da escrita;
o escritor está ausente da leitura. O texto produz, assim, uma dupla ocultação do leitor e
do escritor; é deste modo que ele toma o lugar da relação de diálogo que liga,
imediatamente, a voz de um ao ouvido do outro.
(RICOEUR. 1989, p. 142-143).

Ricouer aproveita ainda a oportunidade para saudar que é ao morrer o autor que o livro
ganha vida autônoma, já que o seu criador já não pode mais responder, resta-nos somente ler a
sua obra. Portanto segundo nosso autor, estabelece-se uma fundamental diferença: entre o ato
da leitura e o ato do diálogo, como visto: “Esta diferença entre o acto (sic) da leitura e o acto
(sic) do diálogo confirma a nossa hipótese de que a escrita é uma realização comparável à
fala, paralela à fala, uma realização que o ocupa o lugar dela, e de certo modo, a intercepta”
(RICOEUR. 1989, p. 143). Partindo deste pressuposto, Ricoeur acrescenta: “A libertação do
texto com relação à oralidade arrasta uma verdadeira transformação tanto das relações entre a
linguagem e o mundo como relação entre a linguagem e as diversas subjectividades (sic)
envolvidas, a do autor e a do leitor”. (Idem) Para melhor salientar a distinção entre a leitura e
o dialogo, segundo Ricoeur precisamos compreender a relação referencial “...ao dirigir-se a
um outro locutor, o sujeito do discurso diz alguma coisa sobre alguma coisa; isso de que ele
fala é o referente do seu discurso...” (RICOEUR. 1989, p. 144) e ainda segundo nosso autor,
tal função é desenvolvida pela frase “...produzida pela frase que é a primeira e a mais simples
unidade de discurso; é a frase que tem por mira dizer alguma coisa de verdadeiro ou alguma
coisa de real” (Idem). Enquanto na fala viva a linguagem é quem desenvolve “esta” fixação:
“...os advérbios de tempos e de lugar, os pronomes pessoais, os tempos de verbo, e em geral,
todos os indicadores (...) servem para fixar o discurso na realidade circunstancial” (Ibdem).
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Quando o “Texto” segundo Paul Ricoeur ocupa o lugar da fala, ou seja, o movimento de
referencia é “interceptado” – o que não deve ser confundido com “suprimido” – para o
Filósofo Francês, o texto atinge um grau Metafísico, gerando o que o autor chama de quasi-
mundo dos textos, ou literatura. Vejamos o que autor nos diz a este respeito:

Esta ocultação do mundo circunstancial pelo quasi-mundo dos textos pode ser tão
completa que o próprio mundo, numa civilização da escrita, deixa de ser o que se pode
mostrar ao falar e reduz-se a esta espécie de «aura» que as obras explanam. Assim,
falamos do mundo grego, do mundo bizantino. Este mundo podemos dizê-lo imaginário,
no sentido de que ele é presentificado (sic) pelo escrito, no próprio lugar em que o mundo
era apresentado pela fala; mas este imaginário é, ele próprio, uma criação da literatura, é
um imaginário literário. Esta transformação da relação entre o texto e o seu mundo é a
chave da outra transformação que já falamos, a que afecta (sic) a relação do texto com as
subjectividades (sic) do autor e do leitor.
(RICOEUR. 1989, p. 145)

Portanto, à luz do pensamento de Ricoeur podemos sublinhar que o texto passa aqui a
constituir um mundo propriamente seu, ou seja, há uma transformação que desemboca em
outra: a relação do autor e leitor e suas respectivas subjetividades. O que levará nosso autor a
dar continuidade na sua incessante busca: explicação ou compreensão?.

Paul Ricoeur inicia sua abordagem da problemática da seguinte maneira: “De facto
(sic), é na leitura que iremos ver , em breve, confrontarem-se as duas atitudes que colocámos,
no inicio, sob o duplo titulo de explicação e da interpretação. Esta dualidade encontramo-la
em Dilthey, o seu inventor”. (RICOEUR. 1989, p. 146) E algumas linhas depois continua da
seguinte maneira:

Estas duas esferas são as das ciências da natureza e das ciências do espirito. A região da
natureza é a dos objectos oferecidos à observação cientifica e submetidos, desde Galileu,
ao trabalho de matematização e, desde John Stuart Mill, aos cânones da lógica indutiva. A
região do espirito é a das individualidades psíquicas nas quais cada psiquismo é capaz de
se movimentar. A compreensão é essa transferência para um psiquismo alheio.
(Idem)

Para evitarmos uma possível distorção do pensamento de Ricoeur a respeito do que ele
pressupõe sobre explicação e compreensão, cederemos lugar a ele – ou ao seu texto,
dependendo aqui do ponto de vista adotado – para que manifeste-se.
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À partida, esta distinção entre explicar e compreender parece clar; no entanto, ela não
deixa de se obscurecer a partir do momento em que nos interrogamos sobre as condições
de cientificidade da interpretação. Expulsou-se a explicação para fora do campo das
ciências naturias; mas o conflito renasce no próprio seio do conceito de interpretação
entre, por um lado, o caráter intuitivo inverificável que ele possui do conceito
psicologizante (sic) de compreensão ao qual é subordinado, por outro lado, a exigência de
objetividade ligada à própria noção de ciência do espirito. Esta fragmentação da
hermenêutica entre a sua tendência psicologizante (sic) e a sua procura de uma lógica da
interpretação pões, finalmente, em causa a relação entre a compreensão e a interpretação.
Não é a interpretação uma espécie da compreensão que faz sobressair o género? A
diferença especifica, a saber, a fixação pela escrita, não é, aqui, mais importante que o
traço comum a todos os signos, a saber, atribuir um interior a um exterior? O que é que é
mais importante, na hermenêutica, a sua inclusão na esfera da compreensão ou a sua
diferença relativamente à compreensão?
(RICOEUR. 1989, p. 147)

Dilthey comentando Schleiemermacher, segundo Ricoeur acreditava que: “o fim ultimo


da hermenêutica é compreender o autor melhor do que ele se compreendeu a si mesmo”,
representando assim a corrente da psicologia da compreensão. Enquanto a lógica da
interpretação propunha que: “a função da hermenêutica consiste em estabelecer teoricamente
a validade universal da interpretação...”. Após analisar ambos os discursos, o Filósofo Francês
acrescenta: “...a hermenêutica só cumpre os votos da compreensão, libertando-se da
imediatidade (sic) da compreensão de outrem...” (RICOEUR. 1989, p. 148). Donde podemos
concluir que devemos assumir um postura que reconsidere a relação entre a explicação e a
interpretação, ou seja: entender o conjunto.

Partir de uma explicação estrutural, como demonstra Ricoeur pode nos encaminhar para
dois caminhos, o primeiro diz respeito a: “...permanecer na expectativa do texto, trata-lo como
texto sem mundo e sem autor; explicamo-lo, então, pelas sua relações internas, pela sua
estrutura” ou “...levantar o suspense do texto, consumar o texto em falas, restituindo-o à
comunicação viva; nesse caso, interpretamo-lo. Estas duas possiblidades pertencem ambas à
leitura e a leitura é a dialéctica (...) destas duas atitudes” (RICOEUR. 1989, p. 149). Para
Ricouer esta empreitada não somente é possível, como também é legitima. “É o jogo das
oposições e das suas combinações, no interior de um inventário de unidades discretas, que
define a noção de estrutura em linguística. É este o modelo estrutural que fornece o tipo de
comportamento explicativo...” (RICOEUR. 1989, p. 149) tarefa que foi muito bem delineada
por Claude Lévi-Strauss (1908 – 2009) no trabalho Antropologia Estrutural. Em virtude do
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nosso foco de estudo por hora ser a obra de Ricoeur, e dos nossos limites, não nos
atentaremos aqui. No entanto, nosso autor conclui que “explicar uma narrativa é apreender
este enredo, esta estrutura fugaz dos processos de acções encaixadas” (RICOEUR. 1989, p.
153).

Após considerar o método estruturalista proveniente de Lévi-Strauss, o filosofo Paul


Ricoeur nos propõe agora buscar um “novo conceito de interpretação”. Ao afirmar que:
“Consideremos, agora, a outra atitude que se pode tomar em relação ao texto, aquela a que
chamamos intepretação”. (RICOEUR. 1989, p. 154). E mais adiante, Ricoeur volta a admitir
que: “...ler é, em qualquer hipótese, encadear um discurso novo no discurso do texto.”
(RICOEUR. 1989, p. 155). Assim sendo, portanto a interpretação seria “...a conclusão
concreta deste encadeamento e deste retomar”. (RICOEUR. 1989, p. 155). O esforço que o
Filósofo Francês irá tomar a seguir fechará sua analise de “texto”, sob a luz da Filosofia e da
Hermenêutica, como veremos a seguir:

Hermenêutica e filosofia reflexiva são, aqui, correlativas e reciprocas. Por um lado, a


compreensão de si passa pelo percurso da compreensão dos signos de cultura, nos quais o
si se documenta e se forma; por outro, a compreensão do texto não é o seu próprio fim,
ela mediatiza a relação consigo de um sujeito que não encontra, no curto circuito da
reflexão imediata, o sentido da sua própria vida. É por isso que é preciso dizer, com uma
força igual, que a reflexão não é nada sem a mediação dos signos e das obras, e que a
explicação não é nada se não se incorporar como intermediaria no processo da
compreensão de si; numa palavra, na reflexão hermenêutica – ou na hermenêutica
reflexiva –, a constituição do si e a do sentido são contemporâneas.
(RICOEUR. 1989, p. 153).

Segundo Paul Ricouer (RICOEUR. 1989, p. 158-9), interpretar é apropriarmo-nos hic et


nunc da intenção do texto. Ou melhor ainda: Explicar é destacar a estrutura, quer dizer, as
relações internas de dependência que constituem a estatística do texto; Interpretar é tomar o
caminho de pensamento aberto pelo texto, pôr-se em marcha para o oriente do texto. A
interpretação pode assim ser vista como como um ato “sobre o texto”.

Em suma, “a ideia de interpretação” (RICOEUR. 1989, p. 161). “compreendida como


apropriação, não é, por esse facto, eliminada; é apenas remetida para o termo do processo; ela
está no extremo daquilo a que atrás chamámos o arco hermenêutico; é o ultimo pilar da ponte,
a fixação do arco no solo do vivido.”
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Para findar Paul Ricoeur apresenta-nos a seguinte consideração final (RICOEUR. 1989,
p. 162) “No fim da investigação, a leitura aparece como este acto (sic) concreto no qual se
completa o destino do texto. É no próprio âmago da leitura que, indefinidamente, se opõem e
conciliam a explicação e a interpretação”.
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REFERÊNCIAS CONSULTADAS

RICOEUR, Paul. O Que é um Texto? In: ______. Do Texto à Acção: ensaios de


hermenêutica II. Trad. Alcino Cartaxo. Maria José Sarabando. Portugal, Porto: Rés-Editora,
1989. Págs. 141-162.

MACHADO, Antonio Carlos. História da Hermenêutica. Universidade de Fortaleza. Centro


de Ciências Jurídicas. Fortaleza, Ceará: 2006. Disponível em <
http://www.reocities.com/a_c_machado/HermJur/HistHermeneutica.pdf > Acesso em 06 Nov
2013.

BONFIM, Vinicius Silva. PEDRON, Flávio Quinaud. Prolegômenos da Hermenêutica


Filosófica. RVMD, Brasília, V. 6, nº 1, p. 47-76, Jan-Jun, 2012.

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