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A utilização da linguagem neutra não é novidade na lingüística, muito menos errônea.

No
próprio latim, precedente da Língua Portuguesa, bem como na língua indo-européia (esta,
precedente do latim e base de uma extensa ramificação de famílias lingüísticas) contava-se com
variantes de gênero masculino, feminino e neutro.

Nas línguas antigas, a utilização da linguagem neutra dava-se, principalmente, em âmbito


semântico. No latim, um mesmo objeto da fala poderia ter os três meios de tratamento. Por
exemplo, um rio mais ou menos caudaloso poderia ser referido como camnis, fluuis ou flumen,
respectivamente feminina, masculina e neutra. Ao longo do tempo e das transformações da
língua, por razões de confluência com o feminino e o masculino, como no exemplo dado, a
segmentação semântica dos gêneros se extinguiu no latim vulgar, tendo a sua função
primária atribuída ao masculino, de certa forma otimizando sua capacidade semântica
em apresentar neutralidade e genericidade à língua, aspecto muito importante para o
falar lingüístico.

Entretanto, temos ainda outro ponto essencial, que abarca a questão do pronome neutro, área da
linguagem neutra que até hoje se mantém ativa em diversas línguas e que se liga diretamente ao
gênero. Portanto é necessário, primeiro, entender o que é gênero. Na língua, o gênero possui
pelo menos dois significados; o gênero gramatical é um sistema que categoriza os substantivos
(tais como “o guarda-sol” ou “a cadeira” , já o gênero natural categoriza pessoas e animais (“a
doutora” ou “o padrinho”), podendo ou não coincidir com o gramatical.

Fugir da linguagem neutra é quase impossível, pois ela compõe boa parte do nosso
vocabulário. Em um contexto onde é necessário generalizar as pessoas, a palavra “todos”
cumpre seu sentido de neutralidade, podendo referir-se a um grupo de pessoas de qualquer
gênero natural. Palavras como dentista, oftalmologista, militar e policial, em sua
composição, neutras, necessitando do uso de artigos para especificar a sua referencialidade.
E isso não acontece somente na língua portuguesa. They, professor e lawyer em inglês
possuem a mesma função, bem como o artigo “lo” em espanhol.

A proibição do pronome neutro e o argumento de que seria antinatural é descabida, uma vez
que a língua é viva e está em constante transformação, afirmação defendida plenamente no
meio lingüístico por grandes lingüistas, como Ataliba Teixeira de Castilho e Rodolfo Ilari.
O que hoje consideramos norma culta, era considerado vulgar há décadas, e assim será
enquanto a sociedade continuar a se desenvolver de forma progressiva e natural. A
aquisição do pronome neutro não apenas promove o respeito às diversidades, como também
demonstra preocupação para com a singularidade do indivíduo.

Desde que aplicada de maneira concisa perante os termos da sintaxe, a utilização da


linguagem neutra tem o poder de transpassar limites impostos pelo gênero e alcançar todas
as esferas da sociedade, bem como cada cidadão individualmente. O uso de ‘@’ e ‘x’ para
demonstrar neutralidade é comum na internet, assim como as gírias e abreviações
amplamente utilizadas neste meio. No entanto, da mesma forma que não são aceitos o uso
destas em meios formais de comunicação (como em redações oficiais, por exemplo) por
ferir justamente a estrutura gramatical da palavra, ‘@’ e ‘x’ também não devem ser
utilizados fora do meio das redes sociais. Ao invés disso, deve-se utilizar os meios de
neutralidade já existentes na língua para referir-se ao geral e, no individual, palavras
estruturadas corretamente para tal função, como o uso da vogal ‘e’ e ‘u’ (vogais que
inclusive possuem a mesma função no latim).

Reforço que a língua se desenvolve em conjunto com o seu grupo de falantes. Uma língua
flexível é o reflexo de uma sociedade que busca a evolução; especialmente em âmbito
social.

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