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As quatro primeiras aulas deste curso constituíram uma introdução geral, não
apenas ao assunto a ser tratado este ano, mas a todo um modo de ensinar. A
partir de hoje, vou procurar caracterizar o que chamo de sociedade industrial e,
também, os seus diversos tipos. Trataremos de isolar as características comuns a
todas as sociedades industriais e as que especificam cada uma delas.
A partir dessa definição elementar seria possível, de fato, deduzir muitas das
características de uma economia industrial. Inicialmente, observa-se que a
empresa está radicalmente separada da família. A separação do lugar de trabalho
e do círculo familiar não é um dado universal, mesmo nas nossas sociedades. As
empresas artesanais e um grande número de empresas rurais demonstram que a
separação entre local de trabalho e empresa de um lado, e família de outro, não
é uma necessidade histórica.
Digo cálculo econômico e não cálculo técnico: uma empresa como a das Estradas
de Ferro francesa, pode ser tecnicamente uma maravilha, e estar em desequilíbrio
financeiro permanente. Não quero dizer que o desequilíbrio econômico seja
consequência da perfeição técnica, mas a introdução de aperfeiçoamentos
técnicos deve estar sujeita ao cálculo. É preciso saber se é rentável substituir um
determinado equipamento que não é do último modelo por um outro mais
aperfeiçoado. Se se coloca a dúvida sobre a substituição do equipamento numa
empresa em particular, como a Ferroviária, ela se coloca também para o conjunto
dos meios de transportes. Como repartir os recursos disponíveis entre as estradas
de ferro e os transportes rodoviários? Num cálculo mais amplo, como repartir o
conjunto dos recursos da coletividade entre as diferentes utilizações possíveis?
Numa economia industrial, não se pode, jamais, realizar simultaneamente tudo
que a técnica possibilita.
As dificuldades apresentadas por cada uma destas duas definições não são
insuperáveis se nos lembrarmos que os conceitos supra históricos devem ter um
caráter formal e que, para reencontrar a história, é preciso especificá-los.
De todo modo, uma economia, mesmo numa sociedade dita primitiva, comporta
a produção, a circulação dos bens e o consumo.
A produção, isto é, o esforço ou trabalho para colher os frutos da terra, ou para
transformar as matérias-primas, existe desde que o homem deixou o paraíso
terrestre. A condição do homem é tal que ele não pode viver a não ser pela
satisfação de suas necessidades e só pode satisfazer suas necessidades por meio
de algum trabalho.
O problema da troca nasce do fato de que mesmo nas sociedades mais simples
há uma atividade social ou coletiva de produção. Não existe nenhuma sociedade
onde todos os que produzem guardem para si o que produziram; há sempre um
mínimo de troca, o que cria um problema de comércio e de distribuição.
Precisamos estudar um sistema econômico do ponto de vista da modalidade das
trocas, do ponto de vista do sistema que possibilita as trocas, isto é, do sistema
monetário e, por fim, do ponto de vista da repartição dos bens ou do grau de
igualdade ou desigualdade do consumo.
Toda economia, enfim, tem por objetivo satisfazer desejos ou necessidades; sua
finalidade última é o consumo. Estudar uma economia com relação ao consumo
significa, em primeiro lugar, procurar saber o que a sociedade deseja consumir;
que fins ela se propõe, quais os bens de que não abre mão e que quer obter.
Numa sociedade complexa, estudar o consumo é determinar o nível em que se
situa o consumo de uma sociedade global, ou de uma certa classe, ou de certos
indivíduos; é também procurar determinar de que maneira, a partir de uma certa
quantidade de recursos, os indivíduos distribuem o seu consumo em função de
seus desejos. Isso leva a fazer uma distinção entre o que chamamos de nível de
vida, noção quantitativa, e modo de vida, noção qualitativa. Um conjunto
econômico pode ser apreendido sinteticamente a partir de diversas
considerações:
Introduzo já aqui uma distinção banal mas útil: pode-se produzir para satisfazer
diretamente certas necessidades ou então produzir para o mercado, para obter
lucros. Não há camponês neste país que não produza em parte para atender às
próprias necessidades, e em parte para vender no mercado. Esses dois motivos
podem ser aplicados seja ao conjunto da economia, seja a um subconjunto. Há
algumas sociedades onde predomina a motivação do lucro, onde os homens
trabalham essencialmente para vender no mercado e para obter lucros.
Há, pelo menos, duas maneiras simples de regular a economia: uma é a regulação
por decisão central ou planificada; a outra é a regulação por meio dos
mecanismos de mercado. Ambos são tipos abstratos. Uma grande empresa
industrial, como a fábrica Renault, é dirigida centralmente; estabelece um plano
de produção para todo um ano, e às vezes para vários anos, plano que deve ser
revisto porque a venda de automóveis não é planificada nem sequer planificável:
depende dos desejos dos consumidores. Todos os conjuntos econômicos contêm
uma mistura de regulação por decisões centralizadas e de regulação pelo
ajustamento da oferta e da demanda, no mercado.
Não vou tentar aqui a formulação de uma teoria geral dos tipos de economia,
pois o objetivo destas lições é apenas sugerir um modo de refletir sobre os
problemas sociológicos. Estou mais interessado em demonstrar o caráter
problemático da maioria das distinções entre tipos de economia, do que em
impor uma classificação especial entre outras. Devemos constatar que, com
respeito à proto-história e à pré-história, os historiadores, etnólogos e
arqueólogos se referem comumente ao que chamei o ponto de vista tecnológico.
Efetivamente, nos primórdios da espécie humana, a qualidade e a quantidade dos
instrumentos disponíveis determinam não a maneira global como os homens
viveram, mas a margem dentro da qual podem variar as diferentes formas de
existência humana.
Uma última classificação, que não posso deixar de mencionar, porque é célebre,
é a de Marx. Encontra-se no prefácio da Contribuição à Crítica da Economia
Política. Marx afirma que é possível distinguir o modo de produção asiático, o
antigo (baseado na escravidão), o feudal (baseado na servidão) e o capitalista
(baseado no trabalho assalariado).
Lembremos o que foi dito sobre todas as economias industriais: a empresa está
separada da família e resulta daí um tipo original de produção, uma divisão
técnica do trabalho, uma acumulação de capital e o caráter progressivo da
economia; o cálculo econômico se torna inevitável e segue-se uma concentração
dos trabalhadores.
Combinando os diversos critérios que relacionei hoje, pode-se dizer que o regime
capitalista é aquele onde:
Por que razão o regime capitalista é visto por alguns como o mal em si? Até aqui
não fiz qualquer juízo de valor, mas é preciso, agora, comparar esse modo de
organização da economia com outras formas possíveis de regulação, com outros
modos possíveis de propriedade e de produção.
Não há dúvida, porém, de que o regime capitalista comportará sempre, aos olhos
de um grande número de críticos, o inconveniente de que o excedente de valor
passe pelas rendas individuais. Mas, se nos referimos ao problema do nível das
rendas, a verdade é que a qualidade e a eficácia da produção e da organização
contam infinitamente mais do que o volume dos lucros. Retornemos às cifras que
indiquei: 76,9% de salários; 12,4% para o Estado; 5,5% para os acionistas. Se estes
5,5% não fossem distribuídos aos acionistas, o consequente aumento dos salários
seria irrisório, comparado ao aumento dos salários que o aumento da
produtividade, cada ano, torna possível.