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Aula Teórica

Modelo de Schmidt e
Cerebelo

SUMÁRIO
Estruturas do Controlo Motor
O Modelo Conceptual Explicativo da Prestação Humana de
Schmidt
Uma Explicação Neurológica dos Aspectos Motores das Nossas
Acções
Cerebelo
Aspectos Anatómicos
Divisão Funcionais
Camadas Citoarquitectónicas
Núcleos ProfundosAspectos Funcionais do Cerebelo
Funções das Divisões
Circuitos Cerebelosos
Papel do Cerebelo na Aprendizagem Motora

Psicofisiologia
P S I C O F I S I O L O G I A

Objectivos

1. Compreensão do Modelo de Conceptual Explicativo da Prestação


Humana de Schmidt

2. Compreensão do papel do Cerebelo no planeamento, produção e


regulação do movimento

3. Conhecer os Aspectos Anatómicos do Cerebelo

Estruturas do Controlo Motor


O Modelo Conceptual Explicativo da Prestação Humana de Schmidt
Os primeiros modelos utilizados para explicar a prestação humana têm sido do tipo
modelo aberto.

Entrada Processamento Resposta

Figura 1 - Esquema de um Modelo Aberto

Esta tese foi sendo progressivamente substituída por modelos fechados, que
derivaram da incapacidade dos modelos abertos explicarem as correcções
efectuadas durante a execução de movimentos lentos. A “novidade” é o feedback,
que chamaremos informação de retorno (IR, como proposto por Godinho,
Mendes, Melo, e Barreiros, 1999), que dá a possibilidade do sistema reagir a
alterações inesperadas do meio, portanto não consideradas na elaboração da
resposta.

Entrada Processamento Resposta

Inf. Retorno
Figura 2 - Esquema de um Modelo Fechado

Concretizando com um exemplo do desporto. Se vocês quiserem interceptar uma


bola em trajectória aérea com a vossa mão, iniciam a extensão do membro superior
conforme a informação inicial que está disponível, mas se verificarem que a

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trajectória da bola tinha, inicialmente, sido mal calculada, executam correcções do


movimento para que possam cumprir com o vosso objectivo.
Normalmente a IR não é só de uma modalidade sensorial, intervindo os vários
sistemas sensoriais (proprioceptivo, exteroceptivo e, em menor escala os
interoceptivos). Sendo assim, um modelo mais aproximado da realidade terá de
fazer esta distinção.
Outra componente que tem de estar presente é um sistema comparador, que terá
a função de aferir se a IR que lhe está a chegar corresponde à resposta desejada. Se
existirem diferenças ele reportará a um sistema executivo que se encarregará de
elaborar uma correcção que será desempenhada por um sistema efector. Essa
correcção será objecto de nova IR, fechando-se novamente o circuito.
Se formos buscar o texto que está enfatizado, teremos um sumário das
componentes indispensáveis a um sistema de controlo fechado (Schmidt, 1991):
1. Um sistema executivo que tomará as decisões acerca dos erros;
2. Um sistema efector que desempenhará essas decisões
3. Uma referência de correcção, que será comparada à IR para aferir as
diferenças
4. Um sinal de erro, que é composto por essas diferenças e que será
objecto de análise pelo sistema executivo.
Erro Estamos então aptos a desenhar o modelo
conceptual que Schmidt elaborou para
Identificação
explicar as nossas acções.
do Estímulo
Este modelo inclui uma fase perceptiva, de
Selecção
identificação do estímulo, que resulta em
da Resposta
dados para a selecção da resposta e sua
Programação programação. Daqui saiem duas cópias do
derivada da resposta

da Resposta que foi decidido, uma para as áreas de


execução do programa motor, e outra para
Inf. Retorno

Programa servir de referência de correcção para o


Referência de
Motor Correcção
sistema comparador.
or As áreas de execução do programa motor
Medula a rad elaboram então o conjunto de impulsos
Espinal mp
Co nervosos que são encaminhados para a
medula espinal e daqui para os músculos,
Informação de Retorno que fornecem o primeiro nível de IR, através
Músculos
FNM e OTG dos FNM e OTG.
Do movimento resultante da contracção
Informação de Retorno
Movimento muscular deriva o segundo nível de IR, desta
Posição Articular vez recolhido pelos sensores articulares e
Posição do Corpo
posições relativas das partes do nosso corpo.
Informação de Retorno Por último, o resultado do movimento no
Meio
Visuais, Auditivos, etc meio é recolhido pelos sensores
exteroceptivos, constituíndo o terceiro nível
Figura 3 - Modelo Conceptual da Prestação Humana (Adaptado de Schmidt, 1991)

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de IR.
Toda a IR é encaminhada, em tempo-real, para o comparador que, com base na
referência de correcção, vai verificando se tudo está a resultar como desejado, se tal
não acontece envia uma mensagem de erro que será detectada pelo sistema de
identificação de estímulo, fechando, desta forma, o circuito.
Este modelo serve para enquadrar algumas das estruturas que falaremos nas
próximas aulas. Por exemplo, poderemos incluir a 2ª UF no estádio de
identificação de estímulo, a área terciária da 3ª UF na selecção da resposta, a
secundária na programação e a primária na execução do programa motor.
Não avançado muito para a matéria que falarei mais à frente nesta aula, direi apenas
que o cerebelo é uma das estruturas que estará envolvida no processo de
comparação, aferindo se tudo está a funcionar como previsto, tipo “controlador
aéreo”…
Introdução a uma Explicação Neurológica dos Aspectos Motores das
Nossas Acções
Recordando o gráfico que lhes apresentei na primeira aula (ver figura 4),
verificamos que existem várias estruturas envolvidas nas acções motoras,
cumprindo funções diferentes mas relacionadas
entre si.
Assim, enquanto as estruturas da medula espinal
e tronco cerebral fazem a mediação das acções
reflexas e respostas automáticas simples, as áreas
motoras do córtex responsabilizam-se pelas
acções voluntárias mais complexas. Para esta
função, o córtex vai ser auxiliado por duas
estruturas – O Cerebelo e os Núcleos Cinzentos
da Base, que funcionam como “conselheiros”,
facultando informações que possibilitam um
melhor planeamento, coordenação e controlo do
movimento.
Não vou ainda aprofundar muito como é que
estes “conselhos” são veiculados, por agora,
importa saber que os Núcleos Cinzentos da Base
têm uma acção inibitória no córtex e
preocupam-se mais com os aspectos do
planeamento e coordenação a grande escala das
partes do nosso corpo. O Cerebelo também
participa no planeamento, mas com uma acção
excitatória no córtex, completando as suas
funções a coordenação, comparação e controlo
mais preciso e em tempo real do movimento. A
Figura 4 - Hierarquia do Sistema Motor (adaptado de Littel, 1990) função de comparação e controlo é possível
porque ele é informado continuamente do
estado do nosso corpo e do movimento que o
córtex pretende que seja efectuado.

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A decisão acerca do movimento a tomar, resulta do equilíbrio das acções


excitatória (Cerebelo) e inibitória (Núcleos Cinzentos da Base) sobre o córtex. A
figura 5, representa estes dois circuitos recursivos (em loop) de controlo do
movimento.
- + Como o próprio nome desta secção indica, esta é apenas
uma introdução a uma explicação neurológica de como é
que o movimento é pensado, produzido e regulado, pelo
Núcleos que muitas das funções destas estruturas não foram ainda
Cinzentos Cerebelo apresentadas.
da Base
Irei aprofundar estas funções através do estudo das
estruturas envolvidas. Começarei pelo estudo do Cerebelo.
Vias Descendentes
do Controlo Motor
Figura 5 – Ligações e Influências das Estruturas de Controlo Motor

Cerebelo
O Cerebelo situa-se na zona posterior do nosso
cérebro e, embora constitua 10% do volume
total das estruturas que estão dentro do crânio,
ele comporta mais de metade de todos os
neurónios do cérebro. Parece, assim, que é um
local onde se verifica uma grande actividade de
processamento de informação.
Numa revisão das teorias mais recentes sobre as
funções desta estrutura (Wolpert, Miall, e
Kawato, 1998) apontam para a possibilidade do Figura 6 - Localização Anatómica do Cerebelo (retirado
cerebelo agir como um comparador, aferindo se de Wickelgren, 1998)
a ordem enviada pelo cortex está a resultar como previsto e propondo alterações
caso tal não se verifique. Ora para realizar esta função têm de existir três condições:
1. Conhecer a proposta inicial do movimento
2. Conhecer a execução dessa proposta
3. Ter uma ligação com os centros de decisão do movimento que permita
propor alterações
O cerebelo parece ainda estar associado à aprendizagem motora, pois os seus
circuitos neuronais de comparação e controlo motor sofrem alterações conforme
se vai ficando mais eficaz na execução do gesto. Além disso, as informações que
veicula para o córtex são utilizadas em processos de memorização da melhor forma
de realizar o movimento.
Vejamos, primeiro, alguns aspectos anatómicos que nos ajudarão a entender estas
condições e as funções do cerebelo.

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Aspectos Anatómicos
O cerebelo tem uma estrutura semelhante ao restante cérebro: (1) uma camada
cortical envolvente, (2) um conjunto de fibras brancas que faz a ligação dos
neurónios corticais a um (3) conjunto de núcleos profundos.
À imagem do proposto de MacLean para o SNC, também o cerebelo se divide em
três divisões respeitando uma ordem filogenética:
Arqueo-cerebelo. Situa-se mais próximo do tronco cerebral, portanto é a parte
mais anterior do cerebelo, e é a estrutura mais antiga em termos filogenéticos.
Recebe aferências do núcleo vestibular, estando ligado ao controlo do equilíbrio e
postura.
Paleo-cerebelo. Situa-se em sobreposição em relação ao arqueo-cerebelo e ocupa
os lobos anteriores dos hemisférios cerebelosos e uma zona denominada vermis
(porque se assemelha a um verme), que se situa no meio dos dois hemisférios. As
suas aferências provêm dos receptores proprioceptivos que lhe permitem executar
as funções de controlo do tónus muscular e equilíbrio (coadjuvando o arqueo-
cerebelo)
Neo-cerebelo. Ocupa os lobos posteriores recebendo aferências do cortex, sendo
a divisão que está associada à coordenação dos movimentos voluntários.

Figura 7- Anatomia do Cerebelo – não apresenta o arqueo-cerebelo, pois está “escondido” junto do tronco cerebral pelos lobos
cerebelosos – (adaptado de Ghez., 1991)

A estrutura citoarquitectónica do córtex cerebeloso compõe-se de três camadas,


que contêm apenas cinco tipos de neurónios: estreladas, cesto, Golgi, granulares e
as mais células características do cerebelo – Purkinje.
A camada mais externa é denominada de molecular e é composta
maioritariamente pelos axónios dos neurónios granulares, dispondo-se
paralelamente à superfície, formando uma rede que se liga ao dendritos das células

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de Purkinje. Existem ainda neurónios do tipo estrelado e em cesto, que parecem


funcionar como interneurónios, modulando a influência dos granulares nas
Purkinje.
Logo abaixo surge a camada das células de Purjkinje, que contém os corpos
celulares deste tipo de neurónios, dispondo-se lado a lado e estendendo a sua
árvore dendrítica num só plano, como “livros numa prateleira”, para a camada
molecular. O resultado do processamento efectuado no cortex cerebeloso é
“apanhado” pelas células de Purkinje que enviam os seus axónios directamente
para os núcleos profundos, constituíndo, desta forma, as únicas eferências do
cortex cerebeloso com uma influência de características inibitórias (notem que isto
não é contrário à ideia do cerebelo exercer uma influência excitatória, pois os
axónios das Purkinje ainda vão aos núcleos profundos onde se dá outro nível de
processamento e, daqui sim, resultam as eferências excitatórias do cerebelo)
A camada mais profunda tem a denominação de granular e é constituída
essencialmente pelos corpos dos neurónios granulares, que se encontram
densamente dispostos formando, por vezes, conjuntos de sinapses complexas
(glomérulos) com as fibras aferentes musgosas. Podemos encontrar as células de
Golgi na margem superior desta camada.

Figura 8 - Estrutura Citoarquitectónica do Cerebelo (Adaptado de Ghez, 1991)

O cerebelo apresenta uma estrutura citoarquitectónica semelhante em todas as suas


divisões, algo que já não é verdade para o córtex cerebral como vimos

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anteriormente, pelo que a diferenciação das suas funções passa pela informação
que lhes chega e para onde a enviam, não tanto no tipo de processamento que lá é
efectuado.
Para terminar os aspectos anatómicos, falta falar das aferências, dos núcleos
profundos e de uma curiosidade. Toda a informação que chega ao cerebelo é
conduzida por dois tipos de fibras: musgosas e trepadoras, cujo “baptismo” resulta
da sua estrutura. As musgosas são mais densas e curtas, envolvendo-se nos tais
glomérulos com os neurónios granulares e são as mais numerosas, derivando de
várias partes do SN. As trepadoras são mais “elegantes”, saindo apenas de um local
na medula e chegando até à camada molecular, onde se ligam com as árvores
dendríticas das células de Purkinje.
Os núcleos profundos são denominados: (1) Núcleos do Tecto (tamém chamado
de Fastigial); (2) Intermédios (Globoso e Emboliforme); e (3) Dentado,
respectivamente relacionados com o arqueo, paleo e neo-cerebelo.
A curiosidade é a de que, ao contrário do que se passa na maioria do SN, o
cerebelo não trabalha de forma contralateral mas sim ipsilateral, isto é, as
informações que são processadas no lado direito do cerebelo dizem respeito ao
lado direito do nosso corpo (o mesmo se passando com o lado esquerdo ,
obviamente), representando uma excepção a um dos princípios de organização dos
sistemas do SN.

Aspectos Funcionais do Cerebelo


Como vimos na última aula, as funções
Divisão Arqueo-Cerebelo Paleo-Cerebelo Neo-Cerebelo
Filogenética das divisões do cerebelo estão
Origem Vertebrados Pássaros e Mamíferos mais relacionadas com as suas aferências e
Filogenética Primitivos e Peixes Répteis Desenvolvidos eferências, já que a estrutura
Localização Lobo Flóculo- Lobo Anterior e Lobo Posterior citoarquitectónica é muito semelhante em
Nodular Vérmis
todo o córtex cerebeloso. Não nos vamos
Função Controlo Equilíbrio Controlo Tónus Controlo e escapar, por esta razão, de mais um pouco
e Postura Muscular e Planeamento Mov.
Postura Voluntário de anatomia, que nos ajudará a fazer a
Aferências Vestibulo- Espino-cerebelosa Córtico-pontino- distinção funcional das divisões e a melhor
cerebelosa cerebelosa compreender o papel do cerebelo.
Aparelho FNM e OTG + Áreas motoras, A tabela 1 apresenta, de forma
Vestibular + visão visão, vestibular e pré-motoras e esquemática, as estruturas envolvidas em
auditiva sensorias do córtex
cada uma das divisões, as suas ligações e o
Núcleo Vestibular Espino-cerebelosa Córtico-pontino-
cerebelosa trajecto da informação.
Fibras Musgosas e Trepadoras Começando pelo Arqueo-cerebelo,
Trajecto Lobo Flóculo- Lobo Anterior e Lobo Posterior verificamos que as suas funções estão
Informação Nodular Vérmis
relacionadas com o que se pode
Processamento na Camada Granular e de Purkinje
considerar a base de todos os nossos
Células de Purkinje movimentos – o equilíbrio e a postura –,
Núcleos Profundos do Cerebelo não sendo por isso de estranhar que seja o
N. Vestibular N. Vestibular e Córtex motor e pré- mais antigo em termos filogenéticos. Nós
Vermelho; Sub. motor
Ret.; C. motor já vimos que os principais receptores do
Figura 9 - Resumo da Anatomia e Funções do Cerebelo
equilíbrio situam-se no aparelho

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vestibular. A informação que eles recolhem passa primeiro por um núcleo


denominado vestibular (lembram-se daquelas leis do SN, existe quase sempre uma
sinapse de revezamento nos sistemas), dirigindo-se depois para o cerebelo através
das fibras musgosas e trepadoras. Além destas aferências, o arqueo-cerebelo vai
receber informações visuais, que como também já vimos nas aulas práticas é um
dos sistemas de manutenção do equilíbrio.
Após o processamento a informação dirige-se para os núcleos profundos donde sai
de volta para o núcleo vestibular, embora algumas destas fibras sejam axónios das
células de Purkinje, portanto não sofrem a acção directa dos núcleos profundos. É
através da acção neste núcleo que o arqueo-cerebelo se torna importante na
manutenção do equilíbrio e controlo da musculatura medial (ou axial) e músculos
proximais dos membros que estão associados ao equilíbrio. Por último, o arqueo-
cerebelo parece ter um papel importante no controlo dos movimentos oculares,
além de coordenar os movimentos da cabeça com os dos olhos (e.g., nistagmos).
O Paleo-cerebelo fornece o suporte para a elaboração de movimentos mais
complexos, como que ajustando em tempo real a sua execução. Para isso ele
controla o tónus muscular e a postura. De novo a postura?, poderão vocês
perguntar. De facto o arqueo-cerebelo está associado à manutenção da postura em
situações mais simples, enquanto que o paleo-cerebelo permite o ajustamento
postural necessário para a execução de tarefas mais complexas, sendo isto feito
precisamente através de variações no tónus muscular.
O paleo-cerebelo recebe aferências da medula espinal, especialmente dos nossos
receptores proprioceptivos relacionados com o movimento – Fuso Neuromuscular
(FNM) e Orgão Tendinoso de Golgi (OTG) –, além de um conjunto alargado de
informações visuais, vestibulares e auditivas que lhe permitem saber como é que
nós estamos perante o envolvimento (é uma espécie de 2ª Unidade Funcional de
Luria em ponto pequeno). Verifica-se ainda a existência de uma somatotopia
sensorial bastante marcada, podendo ser desenhado um homuncúlo sensorial
(ipsilateral) à imagem do que sucede na área primária somatosensorial da 2ª UF
(que, recordem é contralateral).
Estas informações são actualizadas a todo o momento por uma das vias mais
rápidas do nosso corpo, a espinocerebelosa, o que permite que, da comparação do
que se pretendia fazer com o que está a ser feito, o paleo-cerebelo vá propondo
ajustamentos que levem a uma maior eficácia do gesto. Estas propostas passam
pelos núcleos profundos antes de se dirigirem para núcleos do tronco cerebral, para
a substância reticulada e córtex motor, onde são consideradas e resultam, ou não,
na acção aconselhada pelo paleo-cerebelo.
O Neo-cerebelo está associado à coordenação dos movimentos voluntários,
planeando, estruturando o timing das contracções e sendo responsável pelo início
do movimento (é um conselheiro muito exigente, não permitindo, normalmente,
que o movimento seja executado sem ter emitido o seu conselho).
Para isso ele recebe informações das áreas motoras e pré-motoras do córtex, bem
como das áreas sensoriais, que lhe chegam através de uma via denominada cortico-
pontino-cerebelosa (se vocês já estiverem habituados a estes nomes, repararão que
este sistema tem, de novo, um núcleo de revezamento denominado núcleo da
ponte.) Esta é a via pela qual viaja a famosa cópia de eferência, que permite ao

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cerebelo comparar o que foi proposto fazer com o nosso estado actual e verificar
se é possível realizar a acção imaginada pelo córtex.
Podemos, então, propor um trajecto de informação que permita enquadrar as
Planeamento
Núcleos
Cinzentos da
Base

Área
Áreas Sec. e
Secundária da
Terc. da 2ª UF
3ª UF Execução

Área Primária
Neo-Cerebelo Movimento
da 3ª UF

Informação de
Paleo-Cerebelo
Retorno

Figura 10 - Trajecto da informação relacionado com o papel do cerebelo no planeamento e execução dos movimentos voluntários (adaptado de Allen e
Tsukahara, 1974, in Ghez, 1991)

diferentes funções do paleo e neo-cerebelo nos movimentos voluntários.


A grande diferença resulta da fase da regulação do movimento em que estas
estruturas actuam. O neo-cerebelo parece estar associado ao planeamento,
recebendo informações das áreas sensoriais, processando e enviado-as para as áreas
motoras, onde é iniciada a execução do movimento. Aqui entra em acção o paleo-
cerebelo, que vai regulando em tempo real o tónus muscular e a postura conforme
vai sendo necessário, fazendo uso da informação de retorno que lhe chega
continuamente dos receptores proprioceptivos.
Circuitos Cerebelosos
Para melhor compreender a forma como o cerebelo processa a informação,
importa conhecer um pouco dos circuitos cerebelosos, ou seja, como é que são
produzidos os impulsos nervosos que dele saem face aos estímulos recebidos.
As aferências do cerebelo – fibras musgosas e trepadoras – têm funções bastante
diferentes, o mesmo acontecendo com os cinco tipos de neurónios que co-habitam
no cerebelo. O neurónio mais característico do cerebelo, a célula de Purkinje, é
também uma das mais importantes, pois parece ser ela que recolhe o somatório do
processamento da informação e o encaminha para os núcleos profundos onde sai
para os orgãos alvo. É por isso que ela tem aquela árvore dendrítica tão extensa,
para que os seus “ramos” possam recolher as influências de quase todo o tipo de
restantes neurónios (só os de Golgi não parecem ligar-se às células de Purkinje).
O que se pensa que acontece é que as fibras musgosas vão excitar as células
granulares, que têm os seus axónios dispostos paralelamente à superfície do
cerebelo (e.g. fibras paralelas), cruzando desta forma várias árvores dendríticas das
Purkinje que recebem a sua influência excitatória. Mas no seu caminho as fibras

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paralelas passam ainda pelas células em cesto, Golgi e estreladas, excitando esta
“gente toda”... É aqui que entram os circuitos de controlo, na forma de influências
inibitórias sobre as Purkinje por parte das células em cesto e estreladas, enquanto
que as Golgi ocupam-se em “acalmar” as granulares.
Alguns autores defendem que a inibição das células em cesto está relacionada com
os aspectos espaciais do movimento, enquanto que a acção das Golgi está
associada a aspectos temporais (Harting, Agosto, 1999).
Este controlo faz com que apenas os impulsos mais importantes e fortes sejam
objecto de uma resposta do cerebelo. Mesmo assim, este tipo de estimulação faz
com que as células de Purkinje disparem cerca de 50-100 por segundo, o que
permite a tal regulação do movimento em tempo real. Lembrem-se que as fibras
musgosas derivam de todas as partes do SN, por isso se a informação for
importante, quer seja de índole sensorial, quer seja de índole motora, o nosso
cerebelo é capaz de responder num espaço de tempo muito curto (na ordem das
centésimas de segundo, mas não se esqueçam que a informação ainda tem de ir até
aos centros de decisão ou regulação antes de haver movimento).
E o que se passa com as fibras trepadoras? Cada uma liga-se a poucas células de
Purkinje (de 1-10, e cada Purkinje recebe apenas uma fibra trepadora), mas a
ligação é extremamente forte, originando várias centenas de sinapses que
envolvem, quer o corpo celular, quer a árvore dendrítica na sua zona mais
próximal. Esta ligação faz com que, cada vez que a fibra trepadora dispara um
impulso a célula de Purkinje também dispara, só que a frequência dos impulsos é
bastante reduzida (apenas cerca de 1 por segundo) o que traz pouca influência aos
neurónios alvo das células de Purkinje que sofrem esta estimulação. O que se pensa
que se passa, então, é que estes estímulos servem para facilitar as ligações das
células de Purkinje com as fibras paralelas, e assim modular as suas respostas.
Quando é preciso mais acção as fibras trepadoras começam a disparar facilitando o
processamento da informação.

Estreladas
Fibras C. Molecular
Cesto
Paralelas
Purkinje C. Purkinje
Golgi

C. Granular
Granulares

Fibras Fibras
Subst. Branca
Musgosas Trepadoras

Figura 11 - Circuitos Cerebelosos (Adaptado de Latash, 1998) Influência Excitatória

Influência Inibitória

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Papel do Cerebelo na Aprendizagem Motora


Não vou aprofundar muito este tema, relegando os mais interessados para a leitura
do artigo de William Thach (1998) que faz parte das referências bibliográficas
complementares.
O que importa saber é que, como precisamos de nos adaptar constantemente a
novas exigências em termos motores, seria difícil que uma estrutura que esteja tão
relacionada com a coordenação do movimento não estivesse envolvida na sua
aprendizagem. Sabe-se hoje que os circuitos cerebelosos alteram as suas
características através da experiência, no sentido de tornar o gesto mais eficaz,
especialmente através de uma melhor sinergia entre os músculos agonistas e
antagonistas (Thach, 1998).
Uma das experiências que parecem provar esta tese (Ghez, 1991), demonstrou que
se podia alterar o reflexo vestibulo-ocular que nos faz manter os olhos num
objecto enquanto rodamos a cabeça. Ao colocar uns óculos que distorciam a
imagem, fazendo com que ela chegasse à retina alguns graus descentrada, verificou
que, após algum tempo de desnorte, o indivíduo recuperava o reflexo já
considerando o desfasamento da imagem. Essa aprendizagem ocorre no arqueo-
cerebelo, responsável pela coordenação deste tipo de movimentos, pois quando
existe uma lesão nesta área o sujeito não se adapta à nova situação.

Na próxima aula

Sinergia das estruturas de controlo motor

Aula Prática Correspondente

Exercicíos de Revisão da Anatomia e Funções do Cerebelo

Referências Bibliográficas
Essenciais
Ghez, C. (1991). The Cerebellum. In E. Kandel; J. Schwartz; T. Jessel (Eds.)
Principles of Neuroscience (3rd Ed.). Norwalk, Conneticut: Appleton & Lange. (pp. 627-
645)
Latash, M. (1998). Neurophysiological Basis of Movement. Champaign, IL: Human
Kinetics (pp.129-138)

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Em Português
Godinho, M., Mendes, R., Melo, F., e Barreiros, J. (1999). Controlo Motor e
Aprendizagem: Fundamentos e Aplicações. Lisboa: Faculdade de Motricidade Humana
(pp. 21-31 e 79-93)
Thompson, R.F. (1984). Introdução à Psicofisiologia. Lisboa: Ed. Portuguesa de Livros
Técnicos e Científicos. (pp. 118 e 280-282)
Complementares
Wolpert, D.; Miall, R.; Kawato, M. (1998). Internal Models in the Cerebellum.
Trends in Cognitive Sciences, vol. 2, nº 9: 338-347
Voogd, J.; Glickstein, M. (1998). The Anatomy of the Cerebellum. Trends in
Cognitive Sciences, vol. 2, nº 9: 307-313
Thach, W. (1998). What is the role of the cerebellum in motor learning and
cognition?. Trends in Cognitive Sciences, vol. 2, nº 9::331-337
Wickelgren, I. (1998). The Cerebellum: The Brain's Engine of Agility. Science.
Volume 281, Number 5383, Issue of 11 Sep 1998, pp. 1588 - 1590
Schmidt, R. (1991). Motor Learning and Performance: From Principles to Pratice.
Champaign, Illinois: Human Kinetics (pp.46-79
Web
http://www.anatomy.wisc.edu/cere/text/cere/contents.htm
Tutorial da Universidade de Wiscosin, utiliza audio e imagens para apresentação
dos conteúdos.
http://thalamus.wustl.edu/course/cerebell.html
Sundsten, John W.; Mulligan, Kathleen A. (Março, 1999). Neuroanatomy
Interactive Syllabus. Universidade de Washington
Curso de Neuroanatomia da Universidade de Washington. Bastante acessível em
termos do conteúdo.

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