Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Claudete Grandi1, José Mauro Madi2, Breno Fauth de Araújo3, Helen Zatti4, Gabriela Pavan5, Camila Viecceli5,
Daniel Ongaratto Barazzetti5
Resumo
Introdução: Os tocotraumatismos maternos acometem com mais frequência partes moles da genitália materna e, por isso, estão
relacionados a substancial morbidade, como nos casos de rupturas perineais, vaginais e cervicais. A mortalidade é representada prin-
cipalmente pela ruptura uterina. O objetivo deste estudo foi identificar os fatores de risco relacionados ao tocotraumatismo materno.
Métodos: Estudo caso-controle, realizado em uma enfermaria de puerpério, no período de julho/2004 a dezembro/2005. Foram
avaliadas variáveis maternas e fetais. As variáveis categóricas foram apresentadas como proporções, as com distribuição normal como
média e desvio padrão, e as sem distribuição normal como mediana e intervalo interquartil. Para verificação das variáveis associadas
ao tocotraumatismo materno, foram conduzidas análises bivariadas, com o teste qui-quadrado. Resultados: Dentre 2.137 puérperas,
foram identificados 37 casos (1,7%) de tocotraumatismo. As lesões de primeiro e segundo graus foram as mais prevalentes (n=29;
78,4%). Foi observado um caso de ruptura uterina. As variáveis: a) segundo período de trabalho de parto inferior a 30 minutos, b)
peso fetal entre 3.000g e 3.499 g, c) comprimento fetal entre 46 cm e 50 cm e d) perímetro torácico ≥33 cm estiveram associadas ao
tocotraumatismo materno na análise bivariada, mas não tiveram significância quando da regressão logística. Conclusão: As lesões de
primeiro e segundo graus foram as mais prevalentes (n=29). Parto vaginal, multiparidade e perímetro cefálico ≥33 cm foram identi-
ficados como fatores de risco independentes para lesão materna.
abstRact
Introduction: Maternal birth injuries affect most often the soft parts of the maternal genitalia and therefore are related to substantial morbidity, such as in
cases of perineal, vaginal and cervical ruptures. Mortality is mainly represented by uterine rupture. The aim of this study was to identify risk factors related
to maternal birth trauma. Methods: A case-control study conducted in a postpartum ward from Jul 2004 to Dec 2005. Maternal and fetal variables
were evaluated. Categorical variables were shown as proportions, those with normal distribution as mean and standard deviation, and those without normal
distribution as median and interquartile range. In order to check the variables associated with maternal birth trauma, bivariate analysis was conducted with
the chi-square test. Results: Of 2,137 women, 37 cases (1.7%) of maternal birth trauma were identified. Lesions of first and second degrees were the
most prevalent (n = 29, 78.4%). One case of uterine rupture was found. Variables (a) second period of labor less than 30 minutes, (b) fetal weight between
3,000 g and 3,499 g, (c) fetal length between 50 cm and 46 cm) and (d) chest girth ≥ 33 cm were associated with maternal birth trauma in the bivariate
analysis, but had no significance in the logistic regression. Conclusion: First and second degrees lesions were the most prevalent (n = 29). Vaginal delivery,
multiparity and head circumference ≥ 33 cm were identified as independent risk factors for maternal injury.
1
Especialista em Ginecologia e Obstetrícia.
2
Professor na UEM de tocoginecologia do Centro de Ciências da saúde da Universidade de Caxias do sul.
3
Professor na UEM de Pediatria do Centro de Ciências da saúde da Universidade de Caxias do sul.
4
Chefe do serviço de neonatologista e da Unidade de tratamento intensivo neonatal do Hospital Geral/Fundação Universidade de Caxias do sul.
5
Aluno(a) do curso de Medicina da Universidade de Caxias do sul.
A tabela 1 apresenta a distribuição dos tipos de ttM e tabela 3 – Análises bivariadas dos fatores maternos associados à
do tratamento proposto por ocasião diagnóstico da lesão. ttM
Houve predomínio de lesões incompletas (1º e 2º grau). Variáveis neonatais ttm (%) controles (%) p
n=37 n=115
nas lesões completas, as de 3º grau, a mais prevalente foi
Peso do Rn (g) 0,133
a laceração de colo uterino. O tratamento dispensado às <2.500 5,4 22,6
pacientes com ttM foi, predominantemente, o de obser- 2.500 – 2.999 27,0 22,6
vação clínica. 3.000 – 3.499 45,9 35,7
≥3.500 21,6 19,1
tabela 1 – distribuição dos tipos de ttM (n=37) e do tratamento Gênero feminino 45,9 49,6 0,703
proposto estatura (cm) 0,060
≤45 8,1 22,8
Variáveis n (%) ≥46 a <50 67,6 47,4
Lacerações incompletas ou de 1º e 2º graus (n=29) ≥0 24,3 29,8
– Lacerações de 1º grau Perímetro cefálico ≥3 cm 83,8 65,8 0,038
Fúrcula vaginal 21 (56,8) Perímetro torácico ≥33cm 64,9 44,2 0,029
– Lacerações do 2º grau Adequação do peso fetal 0,930
Fúrcula vaginal e proximidade do esfíncter 8 (21,6) PIG 5,4 7,2
Lacerações completas ou de 3º grau (n=8) AIG 78,4 76,6
Fúrcula e esfíncter anal 2 (5,4) GIG 16,2 16,2
Laceração de colo uterino 3 (8,1)
ttM: tocotraumatismo materno; PIG: pequeno para a idade gestacional (11); AIG: adequado
Ruptura uterina 1 (2,7) para a idade gestacional (11); GIG: grande para a idade gestacional (11)
Ruptura de bexiga 1 (2,7)
edema de vulva 1 (2,7)
tratamento da lesão tabela 4 – Modelo final da regressão logística
Sutura simples 4 (10,8)
Laparotomia 1 (2,7) Variáveis b oR (ic95%) p
tratamento clínico 32 (86,5) Parto vaginal 2,988 19,8 (4,4 – 89,3) <0,0001
tMM: tocotraumatismo materno um ou mais partos prévios 1,093 3,0 (1,2 – 7,5) 0,019
Perímetro cefálico ≥33 cm 1,239 3,5 (1,2 – 9,7) 0,018
Quando das análises bivariadas, as variáveis maternas OR: Odds Ratio; IC 95%: intervalo de confiança de 95%
associadas ao TTM (Tabela 2) foram a multiparidade, o
tempo do segundo período do parto inferior a 30 minutos,
parto via vaginal e líquido amniótico não meconial. discussão
à médio-lateral (13). Fenner et al. (14) e eason et al. (15) bivariada, mas não tiveram significância quando submeti-
não evidenciaram associação entre a realização de episioto- das a regressão logística.
mia e aumento do risco de ttM.
Perímetro cefálico superior a 33 cm tende a promover
maior distensão do períneo materno e, por consequência, ReFeRÊncias bibliogRÁFicas
aumento da prevalência de TTM (4-6). A medida do pe-
rímetro torácico, que também esteve relacionado à ttM 1. rezende J. Fórcipe. In: Obstetrícia. rezende J. 9.ed. Guanabara
Koogan: rio de Janeiro; 2002.
quando das análises bivariadas, normalmente apresenta re- 2. Gardella C, Taylor M, Benedetti T, Hitti J, Critchlow C. The effect
lação direta com a medida do perímetro cefálico e ao maior of sequential use of vacuum and forceps for assisted vaginal deli-
peso fetal (4, 5). very on neonatal and maternal outcomes. Am J Obstet Gynecol.
2001;185(4):896-902.
Assim como eason et al., (15) não identificamos asso- 3. Madi JM, Morais En, tessari Dt, Araújo BF, Zatti H, De Carli
ciação entre o segundo período prolongado de trabalho de MEsD, et al. tocotraumatismo materno e fetal. Experiência de um
parto com ttM. A explicação para o fato pode estar rela- hospital universitário nível III. rev AMrIGs. 2010;54(2):162-8.
4. dudding TC, Vaizey CJ, Kamm MA. Obstetric anal sphincter injury: inci-
cionada à postura mais intervencionista dos médicos assis- dence, risk factors, and management. Ann surg. 2008;247(2):224-37.
tentes do HG, que preferem a interrupção do trabalho de 5. Lowder JL, Burrows LJ, Krohn MA, weber AM. risk factors for
parto pela via alta, nos casos de prolongamento do segun- primary and subsequent anal sphincter lacerations: a comparison of
cohorts by parity and prior mode of delivery. Am J Obstet Gynecol.
do período, à conduta expectante, que, reconhecidamen- 2007;196(4):344 e1-5.
te, relaciona-se à ttM e a piores resultados perinatais. De 6. Handa VL, danielsen BH, Gilbert wM. Obstetric anal sphincter
forma contrária, Mikolajczyk et al., (8) wheeler et al., (16) lacerations. Obstet Gynecol. 2001;98(2):225-30.
7. Carroli G, Mignini L. episiotomy for vaginal birth. Cochrane data-
Lowder et al., (5) dudding et al. (4) e sheiner et al. (17), base syst rev. 2009(1):Cd000081.
em trabalhos com desenhos metodológicos semelhantes, 8. Mikolajczyk rT, Zhang J, Troendle J, Chan L. risk factors for
observaram a associação citada. birth canal lacerations in primiparous women. Am J Perinatol.
2008;25(5):259-64.
A maior prevalência de ttM em fetos cujos pesos va- 9. Parikh r, Brotzman s, Anasti JN. Cervical lacerations: some surpri-
riaram de 3.000 g a 3.499 g, e comprimento de 46 cm a 50 sing facts. Am J Obstet Gynecol. 2007;196(5):e17-8.
cm, deve-se, provavelmente, ao fato das gestantes porta- 10. Melamed n, Ben-Haroush A, Chen r, Kaplan B, Yogev Y. intrapar-
tum cervical lacerations: characteristics, risk factors, and effects on
doras de fetos maiores terem tido suas gravidezes inter- subsequent pregnancies. Am J Obstet Gynecol. 2009;200(4):388 e1-4.
rompidas pela via alta (53,3%; p=0,013). eventualmente, 11. Battaglia FC, Lubchenco LO. A practical classification of newborn in-
dependendo da clínica apresentada, o fácil acesso à ultras- fants by weight and gestational age. J Pediatr. 1967 Aug;71(2):159-63.
12. Frankman eA, wang L, Bunker CH, Lowder JL. episiotomy in
sonografia pode permitir a realização de triagem de fetos the United states: has anything changed? Am J Obstet Gynecol.
macrossômicos e definir a melhor via de interrupação da 2009;200(5):573 e1-7.
gestação, diminuindo a prevalência de TTM (18). 13. Aytan H, Tapisiz OL, Tuncay G, Avsar FA. severe perineal lace-
rations in nulliparous women and episiotomy type. eur J Obstet
A menor incidência de mecônio no líquido amniótico Gynecol reprod Biol. 2005;121(1):46-50.
associou-se a maior incidência de ttM, quando compara- 14. Fenner de, Genberg B, Brahma P, Marek L, deLancey JO. Fecal
do o grupo de estudo ao de controle. Essa associação foi and urinary incontinence after vaginal delivery with anal sphincter
disruption in an obstetrics unit in the United states. Am J Obstet
evidenciada na análise bivariada, mas não foi confirmada Gynecol. 2003;189(6):1543-9.
quando da regressão logística. 15. Eason E, Labrecque M, Marcoux s, Mondor M. Anal incontinence
Acreditamos que as limitações de nosso estudo estive- after childbirth. CMAJ. 2002;166(3):326-30.
16. wheeler TL, 2nd, richter He. delivery method, anal sphincter te-
ram relacionadas fundamentalmente no pequeno número ars and fecal incontinence: new information on a persistent pro-
de ttM, ainda que o estudo tenha se prolongado por 17 blem. Curr Opin Obstet Gynecol. 2007;19(5):474-9.
meses e investigado 2.137 puérperas. 17. sheiner e, walfisch A, Hallak M, Harlev s, Mazor M, shoham-Vardi
i. Length of the second stage of labor as a predictor of perineal
outcome after vaginal delivery. J reprod Med. 2006;51(2):115-9.
18. Kudish B, sokol rJ, Kruger M. Trends in major modifiable risk fac-
conclusão tors for severe perineal trauma, 1996-2006. Int J Gynaecol Obstet.
2008;102(2):165-70.