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Alberto Pimenta

comprei um bilhete e um cartucho de


amendoins e entrei no cinema. tu compraste
um bilhete e um cartucho de amendoins e
entraste no cinema, sen támo-nos na
mesma fila, lado a lado. eu abri o meu
cartucho de amendoins, tu abriste o teu
cartucho
de amendoins, com um ruído exactamente
igual ao meu. voltei-me para ti e mostrei os
dentes. tu
voltaste-te para mim e mostraste os dentes.
quan
do a luz apagou, tu pousaste o teu cartucho
de a
mendoins no colo e eu poisei o meu
cartucho de amendoins no colo. com a mão
direita comecei a le
vantar-te a saia. para me facilitar a tarefa, tu
levantaste levemente as nádegas do
assento. com
esse gesto, caiu-te do colo o cartucho de
amendo
ins. assim que os amendoins acabaram de
se espal
har no chão, abaixei-me para tos apanhar,
mas es
queci-me do meu cartucho de amendoins, o
qual me
caiu igualmente ao chão. gastei um tempo
enorme
a procurar e a recolher todos os amendoins.
lembro
me de que passei o tempo quase todo até
ao inter
valo recolhendo os amendoins. todo o
tempo tu
não deixaste de suspirar e de gemer,
embora esti
vesse apenas a decorrer um documentário
sobre
o narciso e nenhum drama comovente. a
voz do lo
cutor lembro-me que dizia: «no começo da
primave
ra, quando montes e vales acordam do
longo sono
de inverno, centenas e centenas de narcisos
ele
vam as douradas cabeças em todas as
frestas e a
brigos do solo, e lançam seu olhar inocente
pelos
portentosos rochedos e pelas raízes
nodosas da
floresta.» isto, como certamente te lembras,
foi
antes do intervalo. depois, quantas vezes,
oh quan
tas vezes não deixaste cair e eu não deixei
cair
os amendoins que nos restavam. E ora eu,
ora tu,
de cada vez descíamos a procurá-los, a
colhê-los
com suaves, ternos guinchos. O filme, no
dizer da crítica, era daqueles que se não
podem perder.

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