amendoins e entrei no cinema. tu compraste um bilhete e um cartucho de amendoins e entraste no cinema, sen támo-nos na mesma fila, lado a lado. eu abri o meu cartucho de amendoins, tu abriste o teu cartucho de amendoins, com um ruído exactamente igual ao meu. voltei-me para ti e mostrei os dentes. tu voltaste-te para mim e mostraste os dentes. quan do a luz apagou, tu pousaste o teu cartucho de a mendoins no colo e eu poisei o meu cartucho de amendoins no colo. com a mão direita comecei a le vantar-te a saia. para me facilitar a tarefa, tu levantaste levemente as nádegas do assento. com esse gesto, caiu-te do colo o cartucho de amendo ins. assim que os amendoins acabaram de se espal har no chão, abaixei-me para tos apanhar, mas es queci-me do meu cartucho de amendoins, o qual me caiu igualmente ao chão. gastei um tempo enorme a procurar e a recolher todos os amendoins. lembro me de que passei o tempo quase todo até ao inter valo recolhendo os amendoins. todo o tempo tu não deixaste de suspirar e de gemer, embora esti vesse apenas a decorrer um documentário sobre o narciso e nenhum drama comovente. a voz do lo cutor lembro-me que dizia: «no começo da primave ra, quando montes e vales acordam do longo sono de inverno, centenas e centenas de narcisos ele vam as douradas cabeças em todas as frestas e a brigos do solo, e lançam seu olhar inocente pelos portentosos rochedos e pelas raízes nodosas da floresta.» isto, como certamente te lembras, foi antes do intervalo. depois, quantas vezes, oh quan tas vezes não deixaste cair e eu não deixei cair os amendoins que nos restavam. E ora eu, ora tu, de cada vez descíamos a procurá-los, a colhê-los com suaves, ternos guinchos. O filme, no dizer da crítica, era daqueles que se não podem perder.