Publicado em 1900, A Ilustre Casa de Ramires de Eça de Queirós pertence à terceira
fase da produção queirosiana. Vazado em estilo apurado, com perfeita técnica narrativa e uma linguagem ora arcaizante, ora próxima da moralidade, retrata dois aspectos da realidade portuguesa: um Portugal do século XIX, de feições modernas, paralelamente a um Portugal do século XII, com a Idade Média lapidando um povo heroico. Ambas as épocas são vividas na aldeia de Santa Irinéia e são analisadas a partir da torre dos Ramires, nobre mansão medieval que serve de ligação entre esses dois tempos. A Ilustre Casa de Ramires de Eça de Queirós: I - Situando a narrativa no presente, em terceira pessoa, apresenta como personagem o jovem Ramires, representante de uma nobreza falida econômica e moralmente. Gonçalo Mendes Ramires procura meios mais fáceis de arranjar a vida e acaba ingressando na política. Ao mesmo tempo, escreve uma novela histórica sobre seus heroicos antepassados, tendo por base um fado cantado por Videirinha e um poema épico escrito por um de seus tios. À medida que a narrativa transcorre, Ramires vai incorporando a honra e a dignidade de seus ancestrais. Empreende uma viagem à África e, depois de reconstruir suas finanças, retorna a Portugal. Sobressaem como personagens André Cavaleiro, homem frívolo e indigno, inimigo de Ramires e ex-noivo de Gracinha Ramires, irmã de Gonçalo. Depois de vê-la casada com o inocente Barolo, o inescrupuloso Cavaleiro tenta seduzir a moça. A Ilustre Casa de Ramires de Eça de Queirós: II - Transfere a narrativa para o passado, tendo como narrador o personagem principal da primeira parte. No século XII viveu o velho Tructesindo Mendes Ramires, homem de espírito íntegro, rígido e audaz que procura vingar seu filho Lourenço, que ele viu morrer do alto de sua torre, em uma emboscada armada por Lopo de Baião, antigo noivo de sua filha e traidor não somente da família Ramires como do rei D. Sancho l.
O livro é representativo da última fase da obra de Eça de Queirós, tendo sido
publicado justamente no ano de sua morte, em 1900. O personagem central — Gonçalo Mendes Ramires corresponderia não apenas a uma figura marcante dentre as diversas que emergiram das páginas dos seus livros. Na verdade, seria uma autêntica representação da trajetória histórica vivida por Portugal. Gonçalo Mendes Ramires pertence a uma família que existia no Condado Portucalense, isto é, antes de se haver dissociado da Espanha para dar origem a Portugal. Seus ancestrais participaram de todos os eventos marcantes de sua história: a expulsão dos mouros, as guerras para firmar a Independência; a epopeia dos descobrimentos e a construção do grande império. A propriedade, que restou destes tempos gloriosos, preservou um castelo, conhecido como Torre de d. Ramires, e, por extensão, Gonçalo era chamado de "Fidalgo da Torre". Tudo isto para acabar melancolicamente, na dependência do arrendatário das terras, submetido a ater-se a orçamento limitado. Os prazeres da vida reduzem-se a extravagâncias gastronômicas e às serestas em que um trovador cantava as façanhas da família. Estas, aliás, estão no centro do livro porquanto Gonçalo Mendes Henrique aspirava alcançar a glória literária pela publicação de uma novela dedicada a um feito heroico de um dos ancestrais. A trama construída por Eça de Queirós leva o personagem a sofrer pequenas humilhações até que um incidente banal irá permitir-lhe reconquistar o amor próprio, ingressar na política, grande sonho até então acalentado, e mesmo assim preferir o risco de tornar-se empresário na África. Ainda que se trate de uma espécie de arquétipo da trajetória histórica de Portugal — e de como há de reencontrar-se com a grandeza perdida a partir mesmo das tradições desde logo renegadas por sua geração -, Eça de Queirós é um grande mestre da arte de contar e sabe prender o leitor, diverti-lo e também conduzi-lo a participar das angústias e frustrações dessa imorredoura criatura: Gonçalo Mendes Ramires.