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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS


FACULDADE NACIONAL DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

VÍVIAN ALVES DE ASSIS

DISPUTA HISTÓRICA NAS TRINCHEIRAS DO DIREITO À CIDADE:


o caso-referência da Praça Getúlio Vargas em Nova Friburgo

Rio de Janeiro
2022
VÍVIAN ALVES DE ASSIS

DISPUTA HISTÓRICA NAS TRINCHEIRAS DO DIREITO À CIDADE:


o caso-referência da Praça Getúlio Vargas em Nova Friburgo

Tese de Doutorado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Direito, da Faculdade
Nacional de Direito, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como requisito parcial à
obtenção do título de Doutora em Teorias
Jurídicas Contemporâneas.

Orientador: Prof. Dr. Mauro Osorio da Silva


Coorientadora: Profa. Dra. Rosângela
Lunardelli Cavallazzi

Rio de Janeiro
2022
(Espaço reservado para a ficha catalográfica).
VÍVIAN ALVES DE ASSIS

DISPUTA HISTÓRICA NAS TRINCHEIRAS DO DIREITO À CIDADE:


o caso-referência da Praça Getúlio Vargas em Nova Friburgo

Tese de Doutorado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Direito, da Faculdade
Nacional de Direito, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como requisito parcial à
obtenção do título de Doutora em Teorias
Jurídicas Contemporâneas.

Aprovada em 30 de novembro de 2022.

_________________________________________________________
Prof. Dr. Mauro Osorio da Silva (PPGD/UFRJ)

_________________________________________________________
Profa. Dra. Rosangela Lunardelli Cavallazzi – (PROURB/UFRJ e PUC-Rio)

_________________________________________________________
Profa. Dra. Juliana Neuenschwander Magalhães (PPGD/UFRJ)

_________________________________________________________
Prof. Dr. Luigi Bonizzato (PPGD/UFRJ)

_________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Helena Versiani (Museu da República/ Instituto Brasileiro de Museus)

_________________________________________________________
Prof. Dr. Flavio Rapisardi (Universidad Nacional de La Plata – UNLP, Argentina)
Aos meus amados Vicente de Assis Bento e Fábio Pires Bento
AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Professor Mauro Osorio, agradeço o acompanhamento, as


conversas, os conselhos destinados à orientação da pesquisa e o olhar aprofundado e
apaixonado sobre as especificidades do Estado do Rio de Janeiro. O Professor Mauro pertence
ao grupo de acadêmicos que une teoria e prática para o planejamento e a execução de políticas
públicas. É um solucionador de problemas. O convívio e aprendizado foram essenciais para
entender os limites e possibilidades da minha atuação no cargo de Secretária de Meio
Ambiente e Desenvolvimento Urbano Sustentável de Nova Friburgo no decorrer do ano de
2021.
À minha coorientadora, Professora Rosângela Lunardelli Cavallazzi, que me
acompanha há mais de 15 anos, desde o mestrado na PUC-Rio, pela parceria, a paciência e o
carinho. Agradecimento que estendo aos colegas pesquisadores do Laboratório de Direito e
Urbanismo do PROURB-UFRJ pelos debates e aprendizado, e entre eles cito: Claudio
Ribeiro, Cristina Simões, Bernardo Mercante, Luis Madeira, Wagner, Flavio Bertoldo,
Moema, Fernanda, Evelyn e Paula.
À minha cossupervisora, Professora Serena Vicari Haddock, no período de doutorado
sanduíche na URBEUR – Studi Urbani da Università degli Studi di Milano-Bicocca
(Unimib), pela acolhida e orientação a respeito da pesquisa, bem como pela indicação das
atividades e disciplinas do curso que enriqueceram não apenas a pesquisa de tese, mas meu
repertório como pesquisadora, que tem como norte a transdisciplinaridade.
Aos alunos do 15º ciclo do doutorado da URBEUR, pelas aulas, as atividades
extraclasse, a companhia nos almoços no Centro Social Casaloca, o caffè rebelde zapatista, e
a amizade. Destaco o carinho de Ying, Jacopo, Greta e Arianna.
Ao meu querido professor de História João Raimundo Araújo, do segundo grau do
Colégio Anchieta em Nova Friburgo. O Professor João iniciava seu doutorado em História na
UFF no período em que eu assistia às suas aulas na primeira carteira. Admirava sua clareza
em explicar a matéria e me encantava com a sua empolgação ao criticar a ideologia da Suíça
brasileira. O reencontro com o professor, quando retorno à minha cidade da adolescência,
exatamente no mesmo momento em que estou concorrendo ao doutorado, estabelece o
encontro da aluna representante do grêmio de escola, instigada com o discurso crítico do
professor, com a pesquisadora engajada em construção.
Aos historiadores críticos de Nova Friburgo e militantes com quem tive a
oportunidade de debater sobre esse passado inventado e dividir as lutas em uma cidade
conservadora, principalmente à historiadora e professora Sônia Rebel, que nunca silencia
diante das injustiças; ao Rico, que mais do que um acadêmico preciso é um camarada de lutas
na cidade; ao Mayer, in memoriam, e sua companheira Zelma; à Elizabeth Vieiralves, que
conheci no Coletivo 200 Anos pra Quem?, in memoriam, pela sua gentileza e disponibilidade
em trocar ideias e materiais sobre a história da cidade; ao PC, professor de sociologia e
militante do Coletivo Negro que, com sua vivência e generosidade, me ensina sobre a luta
antirracista cotidiana na cidade.
Aos membros do Coletivo Nova Friburgo 200 Anos pra Quem?, pelos debates
contínuos e as atividades que disputam o discurso da Suíça brasileira, especialmente à Emília
e Jane, incansáveis e vigilantes na militância, ao professor Manoel Espedito, ao Claudio
Damião e ao Guilherme Estrella, pela generosidade.
À fotógrafa Regina Lo Bianco, que com muita gentileza cedeu uma série de imagens
para a tese. Minha admiração pela capacidade de ao mesmo tempo captar com sensibilidade a
paisagem e o espírito do cotidiano friburguense e ser, talvez sem se dar conta, a maior
fotojornalista dos movimentos e manifestações da cidade de Nova Friburgo.
Ao Cacau Rezende, artista e pós-graduado em Engenharia Urbana, que cedeu a bela
imagem que ilustra a capa da tese. A pintura que retrata o entorno da Praça Getúlio Vargas faz
parte do projeto Friburgo Porque Amamos e integra o que o artista denomina de urbanismo
espontâneo. A técnica utilizada na obra é acrílica sobre tela, e sua dimensão original é de 1,15
m x 3,00 m. O artista plástico ocupou a praça em diversos momentos com suas telas, dentro
do seu projeto Arte na Praça. Agradeço pelas trocas sobre planejamento urbano, democracia e
direito à cidade, e pela inspiração ao representar o espírito, muitas vezes entendido como
quixotesco, presente em suas inúmeras falas na praça, engajando-se nessas lutas sempre com
muito desprendimento e emoção. À Clarisse Siqueira que gentilmente elaborou o design da
capa.
Ao Rafael Borges, Conselheiro da OAB-Rio e apaixonado pela sua cidade natal,
agradeço o convite para investigar a questão da praça. Agradeço à então presidenta Mônica
Bonin, primeira mulher à frente da 9ª Subseção da OAB com sede em Friburgo, por abrir o
debate democrático sobre a questão, cumprindo seu papel institucional em um contexto de
desdemocratização.
Aos militantes do Movimento Abraço às Árvores – SOS Praça Getúlio Vargas, pela
insistência na luta. Entre eles agradeço especialmente àqueles com quem tive a oportunidade
de fazer maiores trocas nesse período, sem desmerecer os demais que construíram
coletivamente essa resistência: Scheila, Jane Mattos, André Campbell, Alessandro Rifan,
César Marçal, Graça e Maria Laura Bevilacqua.
Aos professores do PPGD/UFRJ agradeço pelo aprendizado e debates em aulas e
eventos, e registro minha admiração pela sua coragem de superar inúmeros desafios em um
contexto de escassez de recursos federais e ataque à pesquisa acadêmica. Agradeço
especialmente aos professores cujas disciplinas cursei ou com quem tive a oportunidade de
participar de grupos e atividades acadêmicas mais diretamente: Juliana Neuenschwander,
Carol Proner, Sayonara Grillo, Alexandre Bernardino, então visitante, Carlos Bologna, Luigi
Bonizzato, Manuel Gandara, Margarida Lacombe, Vanessa Berner, Ribas, Rafaelle Di
Giorgio, Luciano Nuzzo e Cecília Caballero in memoriam. Agradecimento que se estende aos
colegas do doutorado. Impossível citar todos, pois cada um, à sua maneira, fez parte dessa
trajetória de pesquisa contribuindo com sua experiência nas reflexões sobre a tese.
Aos professores do IPPUR/UFRJ Alex Magalhães e Hipólita Siqueira, pela
disponibilidade e aprendizado nas disciplinas que cursei como aluna externa nesse período.
Aos meus pais e irmã agradeço pelo carinho e por sempre me incentivarem a seguir na
carreira acadêmica, seja ajudando nos cuidados com o pequeno Vicente, seja dando suporte
emocional e até burocrático para congressos, palestras e no estágio doutoral.
Ao meu companheiro, Fábio Bento, pela parceria, especialmente no estágio doutoral, e
ao meu filho Vicente pelo amor e compreensão nas ausências que se fizeram necessárias.
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
RESUMO

ASSIS, Vívian Alves de. Disputa histórica nas trincheiras do direito à cidade: o caso-
referência da Praça Getúlio Vargas em Nova Friburgo. Rio de Janeiro, 2022. Tese (Doutorado
em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.

Em um contexto de tendência retrotópica de descrença no futuro, que contribui para o


crescente processo de desdemocratização neoliberal e tem como reflexo a aceleração de
retrocessos normativos e sociais no Brasil, a presente pesquisa explicita a disputa de
narrativas históricas sobre Nova Friburgo, que apresenta dimensões políticas, jurídicas e
sociais. A pesquisa propõe que o processo de industrialização em Nova Friburgo, iniciado em
1910 com a chegada dos empresários de origem alemã, configura-se como base ideológica do
marco de colonialidade da história da cidade que surgiu como uma colônia “plantada” pelo
café. A partir da crítica benjaminiana da filosofia da história, trabalha com a hipótese de que a
construção do mito da “Suíça brasileira”, baseado na teoria do progresso e reflexo de uma
dimensão mítica da história da cidade construída em uma articulação entre empresários
alemães e uma elite política modernizadora, é uma “tradição inventada” e consolidada no
período histórico entre 1910 e 1960, que se perpetua e se renova nos tempos atuais. A análise
é realizada a partir do estudo do caso-referência da Praça Getúlio Vargas, como objeto
privilegiado, na perspectiva do direito à cidade. A pesquisa estabelece o diálogo no campo das
Teorias Jurídicas Contemporâneas com base em uma perspectiva crítica transdisciplinar com
os Estudos Urbanos, a Filosofia da História, a História, a Sociologia e a Ciência Política.
Analisa as estratégias de articulação de um movimento social urbano ambiental, o Movimento
Abraço às Árvores – SOS Praça Getúlio Vargas, que projeta as contradições da dimensão
mítica da tradição inventada da cidade, permitindo o reconhecimento desse espaço da
democracia como cristalizador de lutas democráticas e por direitos dos vencidos da história,
em que precipitam possibilidades para o direito à cidade construído a partir da rememoração
do passado e da ação no presente.

Palavras-chave: Desdemocratização. História urbana. Mito da Suíça brasileira.


Colonialidade. Praça. Movimento social. Direito à cidade.
ABSTRACT

ASSIS, Vívian Alves de. Disputa histórica nas trincheiras do direito à cidade: o caso-
referência da Praça Getúlio Vargas em Nova Friburgo. Rio de Janeiro, 2022. Tese (Doutorado
em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.

In a context of a retrotopical tendency of disbelief in the future, which contributes to the


growing process of neoliberal de-democratization and results in the acceleration of normative
and social setbacks in Brazil, the present research makes explicit the dispute of historical
narratives about Nova Friburgo, which has political, legal and social dimensions. The research
proposes that the industrialization process in Nova Friburgo, which began in 1910 with the
arrival of businessmen of German origin, constitutes the ideological basis of the coloniality
framework of the city’s history, which emerged as a colony “planted” by coffee. The research
is based on the Benjaminian critique of the philosophy of history, and works with the
hypothesis that the construction of the myth of the “Brazilian Switzerland”, which is based on
the theory of progress and reflects a mythical dimension of the city’s history, built on the
articulation between German entrepreneurs and a modernizing political elite, is an “invented
tradition” consolidated during the historical period between 1910 and 1960, that perpetuates
and renew itself in current times. The analysis is carried out based on the case study of the
Getúlio Vargas Square as a privileged object from the perspective of the right to the city. The
research establishes a dialogue in the field of Contemporary Legal Theories with Urban
Studies, Philosophy of History, History, Sociology, and Political Science from a critical
transdisciplinary perspective. It analyzes the articulation strategies of an urban environmental
movement, Movimento Abraço às Árvores–SOS Praça Getúlio Vargas, which projects the
contradictions of the mythical dimension of the invented tradition of the city, allowing the
recognition of this space of democracy as a hardener of struggles for democracy and for rights
of the losers of history, in which precipitate possibilities for the right to the city built from the
remembrance of the past and action in the present.

Keywords: De-democratization. Urban history. Myth of the “Brazilian Switzerland”.


Coloniality. Square. Social movement. Right to the city.
RÉSUMÉ

ASSIS, Vívian Alves de. Disputa histórica nas trincheiras do direito à cidade: o caso
referência da Praça Getúlio Vargas em Nova Friburgo. Rio de Janeiro, 2022. Tese (Doutorado
em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.

Dans un contexte de tendance rétrotopique d'incrédulité envers l'avenir, qui contribue au


processus croissant de dé-démocratisation néolibérale et présente comme réflexe
l'accélération des reculs normatifs et sociaux au Brésil, la présente recherche rend explicite la
contestation des récits historiques sur Nova Friburgo, qui présente des dimensions politiques,
juridiques et sociales. La recherche propose que le processus d'industrialisation de Nova
Friburgo, qui a commencé en 1910 avec l'arrivée d'hommes d'affaires d'origine allemande, est
configuré comme la base idéologique du cadre de la colonialité de l'histoire de la ville, qui a
émergé comme une colonie "plantée" par le café. Basé sur la critique benjaminienne de la
philosophie de l'histoire, il travaille avec l'hypothèse que la construction du mythe de la
“Suisse brésilienne”, basée sur la théorie du progrès et reflétant une dimension mythique de
l'histoire de la ville construite sur une articulation entre des entrepreneurs allemands et une
élite politique modernisatrice, est une "tradition inventée" et consolidée dans la période
historique entre 1910 et 1960, qui se perpétue et se renouvelle dans les temps actuels.
L'analyse est réalisée à partir de l'étude du cas de référence de la Place Getúlio Vargas, en tant
qu'objet privilégié, dans la perspective du droit à la ville. La recherche établit un dialogue
dans le domaine des théories juridiques contemporaines dans une perspective
transdisciplinaire critique avec les études urbaines, la philosophie de l'histoire, l'histoire, la
sociologie et les sciences politiques. Il analyse les stratégies d'articulation d'un mouvement
social environnemental urbain, Movimento Abraço às Árvores - SOS Praça Getúlio Vargas,
qui projette les contradictions de la dimension mythique de la tradition inventée de la ville,
permettant la reconnaissance de cet espace de démocratie comme cristallisateur des luttes
démocratiques et pour les droits des perdants de l'histoire, dans lequel se précipitent les
possibilités du droit à la ville construit à partir de la mémoire du passé et de l'action dans le
présent.

Mots-clés: Dé-démocratisation. Histoire urbaine. Mythe de la “Suisse brésilienne”.


Colonialité. Place. Mouvement social. Droit à la ville.
LISTA DE SIGLAS

ACIANF Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Nova Friburgo


ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade
ALERJ Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
BNH Banco Nacional de Habitação
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CECNA Centro de Estudos e Conservação da Natureza
CEF Caixa Econômica Federal
CIRT Configurações Institucionais e Relações de Trabalho
CLACSO Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Conenfri Coletivo Negro de Nova Friburgo
Covid-19 Coronavirus disease – 2019
DEM Democratas
DF Distrito Federal
FARC Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
FCRB Fundação Casa de Rui Barbosa
FFSD Faculdade de Filosofia Santa Doroteia
FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
FIIs Fundos de Investimento Imobiliário
FND Faculdade Nacional de Direito
FNHIS Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social
FNRU Fórum Nacional de Reforma Urbana
FriCine Festival Internacional de Cinema Socioambiental de Nova Friburgo
IAB Instituto de Arquitetos do Brasil
IBAM Instituto Brasileiro de Administração Municipal
IBASE Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
IBDU Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICP Inquérito Civil Público
IERJ Instituto de Estudos do Rio de Janeiro
IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
INEA Instituto Estadual do Ambiente
INCID Indicadores de Cidadania
Iphan Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IPPUR Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
LADU Laboratório de Direito e Urbanismo
MDB Movimento Democrático Brasileiro
MNRU Movimento Nacional pela Reforma Urbana
MPF Ministério Público Federal
NIDS Núcleo Interdisciplinar de Direito e Sociedade
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
OEA Organização dos Estados Americanos
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
OP Orçamento Participativo
PDP Plano Diretor Participativo
PPGD Programa de Pós-Graduação em Direito
PROURB Programa de Pós-Graduação em Urbanismo
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PSD Partido Social Democrático
PSOL Partido Socialismo e Liberdade
PSP Partido Social Progressista
PUC-Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
REURB Regularização Fundiária Urbana
SCTJ Senso Comum Teórico dos Juristas
Sepe Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação
Serfhau Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
SFI Sistema Financeiro Imobiliário
SNHIS Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social
SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Nacional
TAC Termo de Ajustamento de Conduta
TFP Tradição, Família e Propriedade
UCAM Universidade Cândido Mendes
UDN União Democrática Nacional
UFF Universidade Federal Fluminense
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNESA Universidade Estácio de Sá
V-Dem Instituto Variações da Democracia
VLT Veículo Leve sobre Trilhos
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Angelus Novus, Paul Klee .............................................................................. 67


Figura 2 Divisão dos lotes do núcleo colonial ............................................................... 79
Figura 3 Mapa aproximado da divisão dos lotes do núcleo colonial .............................. 80
Figura 4 Quadro da população escrava na Vila de Nova Friburgo (1828 – 1850) .......... 82
Figura 5 Quadrilátero das indústrias em 1937 ............................................................... 94
Figura 6 Paisagem da Praça Princesa Izabel por volta de 1870 .................................... 108
Figura 7 Praça Getúlio Vargas. À esquerda, uma das alamedas da praça, em que se
visualiza a suntuosidade da paisagem com a presença das árvores centenárias em
2004; à direita, a paisagem da praça um dia antes da devastação de 2015 ...... 110
Figura 8 Paisagem de um dos corredores dos eucaliptos centenários em 1960 ............ 116
Figura 9 Pista construída com a derrubada de eucaliptos na gestão Amâncio de
Azevedo ....................................................................................................... 116
Figura 10 Corte das árvores em 2015 ............................................................................. 118
Figura 11 Vistas da Praça Getúlio Vargas em 2015. À esquerda, antes do corte dos
eucaliptos; à direita, após o corte ................................................................. 123
Figura 12 Manifestação de integrantes do movimento .................................................. 124
Figura 13 Resistência na Praça Getúlio Vargas em 2015. À esquerda, integrantes do
movimento amarrados à árvore; à direita, abraço às árvores promovido
diariamente .................................................................................................. 124
Figura 14 Mapa falado – A Praça Getúlio Vargas e seu entorno. ................................... 129
Figura 15 Reunião da Rede de Cidadania Ativa de Nova Friburgo ................................ 130
Figura 16 Performance “Isto não é um palito de fósforo”, de Marcelo Brantes.............. 131
Figura 17 Intervenções artísticas na praça. À esquerda, a Mandala de Alfaces vista do alto;
à direita, o artista César Marçal plantando as verduras em formato de mandala
no canteiro central da praça ......................................................................... 132
Figura 18 Intervenção artística Nimbo Oxalá realizada na praça ................................... 133
Figura 19 Audiência pública realizada em 2015 ............................................................ 134
Figura 20 Trio Glaziou ................................................................................................. 135
Figura 21 Cinema na Praça. À esquerda, apresentação do CineZé; à direita, exibição do
filme de Noilton Nunes ................................................................................ 136
Figura 22 Maria Cecília Bevilacqua, protetora histórica da praça, com a menção da
Câmara ......................................................................................................... 137
Figura 23 Cartaz convidando a população para o evento .............................................. 137
Figura 24 Folheto distribuído pelo Coletivo Nova Friburgo 200 Anos pra Quem? no
bicentenário e em outras atividades ............................................................... 141
Figura 25 Estudantes no evento “História de Nova Friburgo em Movimento” promovido
pelo Coletivo Nova Friburgo 200 anos pra quem? ........................................ 144
Figura 26 À esquerda, o convite publicizado pela 9ª Subseção da OAB-RJ para a audiência
pública sobre o futuro da Praça Getúlio Vargas; à direita, a plateia lotada na
audiência na sede da OAB, em Friburgo ....................................................... 145
Figura 27 Plenário da Câmara na audiência pública sobre o futuro da praça em
2018 ............................................................................................................ 147
Figura 28 Faixas estendidas pelo Coletivo 200 anos pra quem? no aniversário da cidade de
2019 com o mote “200 anos mais um e nada mudou” ................................... 150
Figura 29 Faixa do movimento estendida na audiência da OAB ................................... 168
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 20
1 DA DEMOCRATIZAÇÃO À DESDEMOCRATIZAÇÃO: IMPACTOS NA
POLÍTICA URBANA NACIONAL E NO MUNICÍPIO DE NOVA FRIBURGO .. 32
1.1 DA DEMOCRATIZAÇÃO À DESDEMOCRATIZAÇÃO NEOLIBERAL:
IMPACTOS NA POLÍTICA URBANA BRASILEIRA ................................................. 32
1.1.1 O longo processo de democratização da política urbana brasileira ............. 33
1.1.2. Processo de desdemocratização: o retrocesso acelerado da política urbana no
Brasil .............................................................................................................. 39
1.2 DEMOCRATIZAÇÃO E DESDEMOCRATIZAÇÃO DA POLÍTICA URBANA
EM NOVA FRIBURGO ...................................................................................... 49
2 A GUINADA PARA UM PASSADO INVENTADO EM NOVA FRIBURGO: A
COLONIALIDADE DO MITO DA “SUÍÇA BRASILEIRA” ................................. 60
2.1 DO PROGRESSO À RETROTOPIA: DE VOLTA PARA O PASSADO
INVENTADO ...................................................................................................... 64
2.2 HISTÓRIA URBANA DE NOVA FRIBURGO: A CONSTRUÇÃO DO MITO DA
“SUÍÇA BRASILEIRA” ...................................................................................... 73
2.2.1 Marco de origem da vila: uma colônia “plantada” pelo café ....................... 73
2.2.2 De vila à cidade: a construção do mito da “Suíça Brasileira” (1890 -1960) .. 84
2.2.3 Industrialização de Nova Friburgo: aliança entre capitalistas de origem
alemã e políticos modernizadores .................................................................. 89
2.2.4 A colonialidade do mito da “Suíça brasileira”: discursos, lendas e festas da
ordem .............................................................................................................. 96
3 ESTUDO DO CASO-REFERÊNCIA: A PRAÇA GETÚLIO VARGAS EM NOVA
FRIBURGO ................................................................................................................ 105
3.1 A CATEDRAL DOS EUCALIPTOS: O PROJETO HIGIENISTA DA PRAÇA
“PLANTADA” PELO CAFÉ .............................................................................. 107
3.2 MOVIMENTO ABRAÇO ÀS ÁRVORES – SOS PRAÇA GETÚLIO VARGAS ........ 119
3.2.1 A centelha de indignação: Abraço às Árvores – SOS Praça Getúlio Vargas ..... 120
3.2.2 SOS Praça encontra a história: 200 anos pra quem? ........................................ 138
4 NAS TRINCHEIRAS DO DIREITO À CIDADE CATANDO AS CENTELHAS DA
ESPERANÇA: PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA POLÍTICA URBANA
FRIBURGUENSE ...................................................................................................... 153
4.1 DIREITO À CIDADE LEFEBVRIANO: O ESPÍRITO ROMÂNTICO
REVOLUCIONÁRIO EM DIREÇÃO À RESPACIALIZAÇÃO DO MARXISMO ..... 153
4.2 A DISPUTA HISTÓRICA PELO DIREITO À CIDADE EM MOVIMENTO:
CATANDO AS CENTELHAS DA ESPERANÇA DEMOCRÁTICA NA PRAÇA
GETÚLIO VARGAS .......................................................................................... 163
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................. Error! Bookmark not defined.
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................174
ANEXOS .......................................................................... Error! Bookmark not defined.
20

INTRODUÇÃO

A disputa de narrativas sobre a história urbana e da cidade de Nova Friburgo – que se


revela como disputa política, jurídica e social – e seus reflexos na luta pela democratização do
direito à cidade no território, são questões-problema privilegiadas nesta pesquisa.
Nova Friburgo está situada na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, em uma
área urbana rural de aproximadamente 935,4 km², possui 182.082 habitantes segundo o Censo
de 2010 e uma população estimada em 2020 de 191.158 pessoas (IBGE, [s.d.]). Em 2018, o
salário médio mensal dos trabalhadores formais de Nova Friburgo era de 1,9 salário mínimo.
A proporção de pessoas ocupadas em relação à população total era de 31,2%. A cidade está na
última posição entre as 92 cidades do estado, se considerados os domicílios com rendimentos
mensais de até meio salário mínimo por pessoa, por apresentar 25,8% da população nessas
condições (IBGE, [s.d.]). Esse dado retrata a decadência econômica do estado em geral, que
apresenta altos índices de trabalhadores com rendimentos abaixo de meio salário mínimo e,
contudo, uma posição favorável da cidade nesse contexto estadual, no que diz respeito a
trabalho e renda.
Nesse panorama, o estudo pretende contribuir para a compreensão do mito da “Suíça
brasileira” (ARAÚJO, 1992, 2018) como legitimador do marco de colonialidade da cidade
(QUIJANO, 1992, 2005) que, segundo a hipótese da pesquisa, obstaculiza avanços no
processo de democratização à luz do direito à cidade em Nova Friburgo. Com esse fim,
apresenta o caso-referência da Praça Getúlio Vargas, praça central da cidade, e mais
especificamente a ação do Movimento Abraço às Árvores – SOS Praça (Movimento SOS
Praça) como reveladora das imbricações sobre a reflexão de parâmetros temporais dessa
disputa histórica, que se traduz política, jurídica e socialmente, permitindo possibilidades de
abertura de uma margem para a precipitação dessa luta dentro de uma dinâmica democrática.
A trajetória de investigação vislumbra seguir a rota estabelecida por O’Donnell
(2017), que a aproxima de lhe atribuir as características do que há de melhor das Ciências
Sociais latino-americanas e que dá a essas contribuições “uma maneira de escrever com um
selo próprio” (2017, p. 224): indagar sobre a especificidade histórica de seus temas e casos;
fazê-lo com espírito crítico; estarem muito próximas da política e do conflito que se teceram
ao seu redor.
A proposta adere à visão crítica de matriz fortemente interdisciplinar do Programa de
Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGD-UFRJ), que
21

apresenta a área de concentração denominada Teorias Jurídicas Contemporâneas. Nesse


sentido, adota-se uma abordagem de natureza transdisciplinar,1 que estabelece o diálogo entre
conhecimentos interconectados como Direito, Estudos Urbanos, História, Filosofia da
História, Sociologia e Ciência Política.
A pesquisa adere, ainda, à linha de pesquisa Democracia, Instituições e Desenhos
Institucionais do PPGD-UFRJ, ao analisar essa disputa histórica, política, jurídica e social, no
contexto de desdemocratização neoliberal, apontando reflexos nas instituições democráticas
como manifestações de retrocessos normativos e de aceleração de retrocessos sociais, com
enfoque na política urbana brasileira.
A presente proposta se alia, também, a uma agenda de reflexões regionais do
Observatório de Estudos sobre o Rio de Janeiro, vinculado ao Programa de Pós-Graduação da
FND/UFRJ, cadastrado nos Grupos de Pesquisa do CNPq e do Instituto de Estudos sobre o
Rio de Janeiro (IERJ), ambos coordenados pelo Professor Mauro Osorio, com o objetivo de
contribuir para a mudança de um ambiente escasso de reflexões sobre o Estado do Rio de
Janeiro. A análise leva em conta a historicidade da cidade de Nova Friburgo, enquadrada em
um contexto de decadência do ponto de vista econômico, social, de infraestrutura urbana e de
serviços públicos no âmbito regional (OSORIO; DE MELO; VERSIANI et al., 2015, p. 9).
Osorio (2005) atribui a ausência de uma organização de estratégias regionais de
desenvolvimento no Estado do Rio de Janeiro a um conjunto de fatores, especialmente à
cultura da capitalidade, que teria criado uma ilusão, um mito que pairava até o final da década
de 1970, segundo o qual a cidade do Rio de Janeiro teria um pacto eterno com a prosperidade,
conforme a leitura de Carlos Lessa2 (2000, p. 238).
Nessa direção, a presente investigação reconhece que as pesquisas em Ciências Sociais
Aplicadas são desenvolvidas para buscar soluções, ainda que muitas vezes provisórias, para
problemas coletivos e não para solucionar questões individuais. Com esse norte, a
investigação em curso visa cumprir a função de uma pesquisa-intervenção (GUSTIN; DIAS,

1
Gustin e Dias explicitam que no pós-guerra ocorre uma mudança de rumo na concepção da pesquisa, que até
então era predominantemente unidisciplinar e priorizava a metodologia monolítica. Segundo as autoras: “O
enfoque metodológico deixa de ser monológico e, no primeiro momento, assume uma vertente da
multidisciplinaridade, ou seja, de cooperação teórica entre campos do conhecimento antes distanciados. Passa-
se, daí, não mais, somente para a cooperação, mas para a coordenação de disciplinas conexas ou para a
interdisciplinaridade. Atualmente, a transdisciplinaridade ou a produção de uma única teoria a partir de
campos de conhecimento conhecidos como autônomos é a tendência metodológica que emerge com maior
força.” (GUSTIN; DIAS, 2006, p. 8).
2
Segundo Lessa, entre 1920 e 1960, apesar de o Rio de Janeiro ter sido secundarizado, em termos de produção
industrial, em relação a São Paulo, ainda concentrava “serviços sofisticados, [...] – parecia ter assinado um pacto
com a eterna prosperidade. […] Mesmo os saudosistas e conservadores tendiam a depositar confiança irrestrita à
cidade” (2000, p. 237-238).
22

2006, p. 41), ao constituir-se para intervir no auxílio ao poder público e no exercício da


cidadania, e como pesquisa prática, que objetiva gerar ações transformadoras durante o
percurso da investigação, bem como perspectivas de novos rumos para a realidade social
(GUSTIN; DIAS, 2006, p. 42).
Optou-se por uma análise que permita pensar o campo jurídico para além da
normatividade, a partir de uma orientação epistemológica pautada no movimento crítico ao
supor a leitura da teoria jurídica à luz das práticas sociais.
Assim, a investigação está inserida em uma proposta de pesquisa crítica, que se mira
no novo espírito científico bachelardiano (BACHELARD, 1983, p. 148). Esse espírito/postura
se pauta epistemologicamente em uma ciência de devires, de fluxos constantes, que tem o
objetivo de que a pesquisa científica não forneça respostas definitivas, mas provoque
respostas (WARAT, 2004, p. 108).
Postura crítica no sentido do sociólogo urbano Cristian Topalov (1988) que, ao fazer
um balanço da pesquisa urbana de inspiração crítica francesa, em seu texto “Fazer a história
da pesquisa urbana: a experiência francesa desde 1965”, enuncia:
Entendo por aí as posturas intelectuais que procuram estruturas escondidas por
detrás das evidências práticas do senso comum, e que, interrogando sobre as
condições de possibilidade do conhecimento e da ação, colocam em questão a ordem
“natural” da sociedade (TOPALOV, 1988, p. 6).

O campo transdisciplinar convida o jurista a ir além da descrição das técnicas


jurídicas, o que, segundo Mialle, se configura em um campo científico único como “o
continente da história” (1979, p. 56). Sobre essas bases, a pesquisa tem o intuito de
compreender a cidade como dispositivo de estudo sob um enfoque que represente uma fuga
do que Luis Alberto Warat denominou senso comum teórico dos juristas (SCTJ) (1979,
p. 19), focado em uma análise “departamentalizada (monolítica)” (ROCHA, 1985, p. 18). A
categoria criada por Warat designa “normas que disciplinam ideologicamente o trabalho
profissional dos juristas” (1979, p. 19), ao condicionar o trabalho de juízes, professores,
defensores, promotores e demais profissionais da área jurídica.
A ideia de cidade proposta na pesquisa a define como produto histórico-social
irredutível à simples localização dos fenômenos, revelando-a como sentido da vida humana
em todas as suas dimensões, como lugar do possível, de um projeto voltado para o futuro
(CARLOS, 2007, p. 11).
A pesquisa, independentemente da área de estudos, supõe a disposição para enfrentar
desafios (FONSECA, 2009, p. 3). Os desafios não se limitam aos obstáculos para se desvelar
23

e problematizar a realidade; vêm, também, do saber constituído perpetuado no SCTJ, no caso


da área jurídica, que muitas vezes se autodefine como pronto e acabado.
Nesse âmbito, pretende-se desenvolver a pesquisa da tese em um constante diálogo
entre teoria e prática, com a adoção de categorias analíticas que permitam ampliar o processo
de construção do objeto do conhecimento, sem recair no vício de recorrer a outras áreas do
saber como uma espécie de consultoria.3
Com esse propósito, a pesquisa compreende a dimensão jurídica como agente
constitutivo da realidade urbana (FERNANDES, 2001, p. 2), como protagonista e não como
coadjuvante, que reage e se constitui a partir dos reflexos do que se denominou “tragédia
urbana”4 (MARICATO, 2002). Parte, assim, do pressuposto de que a produção científica
jurídica tem uma dimensão social e instituinte.
Inicia-se a investigação com a proposta de pensar o Direito Urbanístico criticamente
como campo privilegiado de análise da pesquisa, o que pressupõe desvinculá-lo de uma
perspectiva meramente formal e instrumental quando da sua análise e aplicação, qualidade
esta que se encontra em sua gênese. Nesse sentido, entende o jus-urbanista para além de um
aperfeiçoador de aparatos institucionais e normativos, afeiçoado ao fetiche dos instrumentos5
(PEREIRA; MILANO; GORSDORF, 2019, p. 96).
No que concerne à metodologia, o trabalho de pesquisa doutoral se apoia
fundamentalmente em fontes documentais, em revisão bibliográfica da doutrina, de normas
jurídicas, além de informações da mídia, principalmente a do município de Nova Friburgo.
Utiliza, ainda, técnicas de compilação de dados bibliográficos e legislativos, relato de

3
Nobre, ao qualificar o estágio alcançado pela pesquisa jurídica como de “relativo atraso”, em relação ao das
demais disciplinas das ciências humanas, prediz que: “É claro que aí também estão envolvidos problemas de
‘tradução’ entre as diversas disciplinas, mas pode-se dizer que os parcos contatos de teóricos do direito com
especialistas de outras disciplinas não podem ser contados como interdisciplinaridade, já que, em lugar de
autêntico debate e diálogo, com mudança de posicionamento e de opiniões, encontramos os teóricos do direito
no mais das vezes na posição de consultores e não de participantes efetivos de investigações interdisciplinares”
(2003, p. 147).
4
Maricato argumenta em seu artigo “Dimensões da tragédia urbana” que apesar da evolução de indicadores
sociais que acompanham o processo de urbanização desde os anos 40, com queda da mortalidade infantil,
aumento da expectativa de vida, evolução do nível de escolaridade, entre outros, “[...] o otimismo, que pode
emergir dos dados não tem como se sustentar quando observamos que a evolução do uso e da ocupação do solo
assume uma forma discriminatória (segregação da pobreza e cidadania restrita a alguns) e ambientalmente
predatória.” (2002).
5
O fetiche dos instrumentos é uma categoria que revela a crítica à ideia de que no campo do Direito Urbanístico
caberia apenas promover instrumentos adequados à implementação das políticas públicas, que consistiriam em
comandos normativos bem definidos. Nesse processo de fetichização argumenta-se que há um sequestro ou
desvio de instrumentos urbanísticos, o que focaliza a crítica aos gestores públicos e desvia da compreensão o
caráter intrinsecamente contraditório do próprio Direito, ao pensar as categorias jurídicas no marco da lógica
formal (PEREIRA; MILANO; GORSDORF, 2019).
24

circulação interna de integrantes do Movimento SOS Praça, bem como análise do caso-
referência definido como caso exemplar da tese, conforme será especificado adiante.
Ao refletir sobre o método a ser adotado na presente pesquisa, parte-se do pressuposto
de Fonseca de que “não há ainda um método de pesquisa na área do direito que, em sã
consciência, se possa afirmar pronto e acabado” (2009, p. 62).
Dessa forma, esse esforço de construção metodológica teórico-prática está no campo
da discussão sobre as condições de possibilidade da pesquisa jurídica. A pesquisa jurídica,
inserida no campo das pesquisas em ciências sociais, problematiza o mundo social. Ademais,
o estudo das contradições do mundo implica necessariamente o estudo do conjunto do social e
do jurídico.
Com abordagem dialética e atitude metodológica inserida no método sociojurídico-
crítico (FONSECA, 1989, p. 18), procedeu-se ao levantamento, à sistematização e à análise
de matérias de jornais locais, atas de audiências públicas e reuniões, ofícios, cartas abertas
assinadas pelo Movimento SOS Praça e a 9ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) em Friburgo, e o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e seus aditivos assinados
por agentes públicos, para indagar se a atuação articulada do Movimento SOS Praça é
relevante, no sentido de ampliação do processo de democratização do direito à cidade. Para
tanto, considera-se a filosofia da história benjaminiana como parâmetro do tempo que
proporciona um desvio do passado catando as centelhas do passado em direção ao futuro.
O método sociojurídico-crítico “[...] significa um recurso para que se reflita sobre a
própria ciência do Direito: seus pressupostos, suas propostas, seus resultados, sua inserção
sociocultural” (FONSECA, 1989, p. 18). Assim, ao pensar em desenvolver uma pesquisa
teórico-prática referenciada constantemente em fatos reais extraídos do momento vivido que
quer escapar da mera discussão de conceitos, o método sociojurídico-crítico proposto por
Fonseca (2009, p. 63) foi utilizado na presente pesquisa como forma de oferecer critérios de
encaminhamento de problemas voltados para o momento da aplicação aos homens
conviventes.
Com vistas ao enfrentamento das questões-problema construídas, bem como à
realização dos objetivos propostos, desenvolve-se um processo de pesquisa que partiu da
reflexão a respeito de qual seria a referência empírica mais adequada. Isto é, a definição do
caso-referência a ser objeto de levantamento e sistematização de informações específicas,
detalhadas e originais a seu respeito.
25

A adoção do estudo de caso-referência (CAVALLAZZI, 1993), exemplo que vincula a


hipótese de pesquisa ao suporte fático, visa ampliar a leitura sobre a disputa de narrativas
históricas da cidade e suas dimensões políticas, jurídicas e sociais, a partir da Praça Getúlio
Vargas. Visa, ademais, possibilitar a exploração da dimensão simbólica desenvolvida por
meio de uma memória urbana presente não apenas no cotidiano das pessoas, mas nos
discursos oficiais construídos ao longo dos anos.
O estudo de caso-referência constitui o método adotado por Cavallazzi (1993) na
elaboração da sua tese de doutorado. Esse processo de construção do estudo do caso-
referência como método se fez necessário diante das dificuldades e dilemas do método de
estudo de caso para a pesquisa do campo jurídico, no que tange à demonstração dos estudos e
casos exemplares e demonstrativos da tese desenvolvida. A adoção do método de estudo de
caso, embora apropriada, exigiria a análise integral do caso escolhido e, mais ainda, traria em
seu bojo a implícita abordagem do aspecto sociológico, não necessariamente imprescindível à
demonstração da tese no plano jurídico. Tornou-se uma exigência em virtude da
complexidade da pesquisa e, principalmente, em razão de a tradição dos métodos da
hermenêutica jurídica encontrar um procedimento ao mesmo tempo mais suave, menos
trabalhoso e, sobretudo, suficientemente pertinente e estruturado para a demonstração das
práticas sociais inerentes ao quadro conceitual construído no campo do Direito Urbanístico.
A opção de se contextualizar o conhecimento a partir do método de caso-referência é,
ainda uma estratégia de fuga do risco de reprodução do saber jurídico, consolidado no SCTJ
com o objetivo de realinhar a pesquisa à função a que se destina, qual seja, oferecer
confiabilidade para as sugestões inferidas na pesquisa para o encaminhamento do conflito e
oferecer bases seguras para o desenho de políticas urbanas.
A abordagem sociojurídico-crítica (FONSECA, 1989) e o estudo por casos referência
(CAVALLAZZI, 1993) são opções metodológicas e procedimentos de pesquisa largamente
utilizados nas pesquisas do Laboratório de Direito e Urbanismo (LADU) do
PROURB/UFRJ,6 vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da UFRJ

6
Dentre as teses e dissertações de integrantes do LADU que adotaram a análise de caso-referência como
proposta metodológica de pesquisa podem-se citar as seguintes referências bibliográficas em ordem cronológica:
CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. A plasticidade na teoria contratual. Tese (Doutorado em Direito) –
Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1993.
RIBEIRO, Cláudio Rezende. Ouro Preto, ou a produção do espaço cordial. 2009. 412 f. Tese (Doutorado em
Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2009. Disponível em: Domínio Público - Detalhe da Obra (dominiopublico.gov.br) Acesso em: 30 jul.
2022.
BACELLAR, Isabela. Diálogo entre urbanismo e direito: projeto urbano e possibilidades para a eficácia social
da norma na Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha. 2012. 215 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e
26

(PROURB/UFRJ), coordenado pela Professora Rosângela Cavallazzi, do qual a autora é uma


das integrantes há mais de uma década, e no grupo Configurações Institucionais e Relações de
Trabalho (CIRT), vinculado ao PPGD/UFRJ. Conforme destacado por Gueiros (2021),
integrante do CIRT, em sua tese de Doutorado, a origem dessas opções metodológicas se
deram em experiências precursoras de pesquisa empírica, aliando teorias jurídicas e práticas
sociais na Faculdade Nacional de Direito (FND), inauguradas no Núcleo Interdisciplinar de
Direito e Sociedade (NIDS), coordenado pelas professoras Maria Guadalupe Piragibe da
Fonseca e Rosângela Lunardelli Cavallazzi no final dos anos 1980.
A eleição do caso-referência7 da presente investigação não ocorreu no início da
investigação, não tendo havido uma determinação prévia, mas, sim, fez parte do processo
metodológico da pesquisa, com o enfoque na disputa de narrativas sobre a história da cidade.
Nesse processo, simultaneamente, houve um aprofundamento e uma sistematização dos
estudos de obras de historiadores locais que trabalham em uma perspectiva crítica e com

Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2012.
AGUIAR, Marlise Sanchotene. Dimensões materiais e simbólicas do patrimônio em zonas portuárias:
Gênova e Rio de Janeiro, diálogos complementares. 2014, 308 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)
– Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
Disponível em: 823744.pdf (ufrj.br) Acesso em: 30 jul. 2022.
FAUTH, Gabriela. Crisis urbana y derecho a la ciudad: el espacio urbano litoral de Barcelona. 2015. 215 f.
Tese (Doutorado em Dret Públic) – Department de Dret Públic, Universitat Rovira i Virgili, Tarragona, 2015.
SIMÃO, M. C. R. Diferentes olhares sobre a preservação das cidades: entre os dissensos e os diálogos dos
moradores com o patrimônio. 2016. 266 f. Tese (Doutorado em Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em
Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
RUFINO, W. B. Metro, macro, mega, meta: uma cidade só / cidades sós. 2016. 308 f. Tese (Doutorado em
Urbanismo) – Programa de Pós-graduação em Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: Plataforma Sucupira (capes.gov.br) Acesso em:
30 jul. 2022.
COSTA, Bruno Luis de Carvalho da. Código Urbano contextualizado: um futuro para o projeto arquitetônico
residencial multifamiliar na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2018. 438 f. Tese (Doutorado em
Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
LIMA, Evelyn de Araújo Werneck. A vulnerabilidade das “zonas opacas” na cidade standard: o caso-
referência da Vila Autódromo. 2020. 122 f. Monografia (Graduação em Direito) – Departamento de Direito,
PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2020.
TELLES, Mário Ferreira de Pragmácio. A captura do patrimônio imaterial carioca pela lógica
empreendedora: o caso das atividades econômicas tradicionais e notáveis. 2018. 231 f. Tese (Doutorado em
Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Direito, 2018. Disponível em:
Maxwell (puc-rio.br) Acesso em: 30 jul. 2022.
7
A fim de registrar a trajetória da pesquisa, cabe narrar que, primeiramente, identificamos o potencial da análise
do processo de desenho institucional participativo estatal para a elaboração do Plano Diretor de 2007 de Nova
Friburgo, com destaque para as especificidades bem-sucedidas da administração local. Porém, o aprofundamento
na análise do caso permitiu compreender que, apesar do potencial democratizante, em razão do desenho
institucional participativo original empregado na elaboração do referido plano diretor, não se justificava a
inclusão como caso-referência na tese. Essa escolha se deve ao fato de que a disputa de narrativas históricas no
processo participativo em questão não estava presente de uma forma explícita, apesar de reproduzir a disputa
sobre modelo de cidade para Nova Friburgo.
27

participação ativa no Coletivo Nova Friburgo 200 Anos pra Quem?8 e em reflexões solicitadas
à autora sobre o conflito a respeito da “revitalização” da Praça Getúlio Vargas por
representantes da Subseção da OAB com sede em Friburgo. Optou-se também por buscar
ancoragem na filosofia da história benjaminiana para a compreensão e crítica da perspectiva
temporal da construção e perpetuação da história local hegemônica (DE ROURE, 1938;
POMPEU, 1919; VALLE FILHO, 1928; CÚRIO, 1974).
Portanto, a opção pelo estudo detalhado desse conflito urbano ambiental da cidade,
que é protagonizado pelo Movimento Abraço às Árvores – SOS Praça Getúlio Vargas, está
ligada tanto a uma dimensão objetiva quanto subjetiva. A dimensão objetiva se revela por se
tratar de um exemplo significativo em relação a um contexto maior, dado pelo modelo de
produção neoliberal global de cidade e pelo processo de desdemocratização que se aprofunda
no Brasil. A dimensão subjetiva se dá em função da trajetória acadêmica da pesquisadora,
aliada a um engajamento jurídico-político com as questões urbanas da cidade que se
consolidaram no período doutoral.
Os estudos epistemológicos jurídicos críticos ocupam a maior parte da produção
acadêmica e docente da pesquisadora, que observava na produção do grupo de pesquisas
prático-teóricas – Laboratório de Direito e Urbanismo (LADU) do PROURB/UFRJ – a
realização prática dos estudos teóricos que vinha desenvolvendo com maior dedicação.
A dimensão subjetiva se consolida no período doutoral no PPGD/UFRJ, quando,
finalmente, a pesquisadora assume uma postura mais engajada, que reconhece o Direito como
mais uma arena em que se disputam as mesmas batalhas da política e que o pesquisador deve
colaborar para tornar visíveis os conflitos do presente, criando teses e visões que contribuam
para as lutas por direitos.
O convite da 9ª Subseção da OAB-RJ, com sede em Nova Friburgo, para a elaboração
de um artigo de circulação interna que traduzisse a questão jurídico-política envolvida no
conflito da Praça Getúlio Vargas surgiu porque a instituição recebia uma série de denúncias
relativas à ausência de transparência e gestão democrática no processo decisório sobre o
futuro da praça, por parte dos cidadãos e movimentos sociais, capitaneado pelo Movimento
SOS Praça. Naquele momento, os representantes da OAB identificaram a pesquisadora como
apta a analisar o caso, e relatavam uma grande dificuldade de acesso aos documentos jurídicos

8
O Coletivo 200 Anos pra Quem? é um grupo de cidadãos de diversas áreas de atuação, especialmente
historiadores locais e educadores da cidade, concebido com o propósito de debater e desvelar as contradições
históricas do discurso da “Suíça brasileira”.
28

envolvidos nas questões, o que impedia um posicionamento da instituição pela complexidade


da questão.
Assim, o caso exemplar escolhido apresenta as disputas em torno da Praça
Getúlio Vargas e, mais detidamente, as estratégias políticas, jurídicas e culturais de um
movimento social urbano ambiental, o Movimento SOS Praça, em defesa da praça central da
cidade que tem sua paisagem tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan).
Na presente pesquisa, o caso-referência possibilita, por meio do estudo de caso
exemplar, objeto real presente na realidade, constituir referência para a construção do objeto
do conhecimento. Logo, por meio de objeto real, traz a teoria para a empiria e aproxima a
realidade, enfrentando os desafios epistemológicos na constituição de teorias, métodos e
técnicas.
Analisa-se o objeto de estudo sob a proposta de “caça-mitos” (WARAT, 1984, p. 18)
como continuidade temática e estilo de narrativa típica de análises de pesquisadores que se
filiam, mesmo que muitas vezes de forma oculta, a um movimento crítico, produzindo
“contralinguagens” (WARAT, 1984, p. 18) e contradiscursos.
O estudo da história urbana e da cidade de Nova Friburgo, bem como a explicitação do
seu marco colonizador, será desenhado com destaque para autores da história local,
especialmente a construção teórica sobre o mito da “Suíça brasileira” (ARAÚJO, 1992, 2018),
entendido como formulação espaço-temporal de uma ideologia construída por grupos da elite
local, empresários industriais alemães, lideranças políticas e alguns intelectuais.
O sentido de história urbana adotado sugere que esse campo deve equilibrar os estudos
das tendências, das redes e dos processos com o estudo das particularidades e identidades das
cidades. Daí a necessidade de explorar as tendências globais de desdemocratização e seus
reflexos, para então focar na cidade e seus processos particulares de luta pelo direito à cidade.
Apesar de a presente pesquisa delimitar temporalmente sua análise até o final de 2020,
quando ainda se sentiam os impactos iniciais dos efeitos da catástrofe social da pandemia, em
uma investigação que foi finalizada em plena pandemia, é incontornável a tarefa de buscar
reflexões, mesmo que embrionárias, sobre as repercussões da crise sanitária global nas
questões-problema da pesquisa. A crise do novo coronavírus revela que o simples ato de ficar
em casa ou o acesso aos tratamentos em hospitais, seguindo as recomendações da
Organização Mundial de Saúde de isolamento social, não estão postos para todos, pois existe
29

uma distribuição desigual de direitos, especialmente os direitos à vida e à cidade (CARLOS,


2020).
A pandemia do coronavírus desvela, ainda, a própria narrativa neoliberal, que se torna
hegemônica a partir de 1980, da crise como causa para explicar os problemas, inclusive os
cortes nas políticas sociais, típicos do discurso da austeridade, ou a degradação de salários
(SANTOS, 2020). Nesse sentido, Boaventura de Sousa Santos, em seu ensaio A cruel
pedagogia do vírus, aponta que a pandemia torna mais evidente a “normalização da
exceção”, na qual se vive em uma crise permanente, em que a crise se torna causa e não abre
espaços para se questionar as causas da crise em si, pois que o objetivo não é a sua resolução
(2020).
Com a crise sanitária planetária da Covid-19, a desigualdade social e econômica
brasileira ficou escancarada, uma vez que o vírus atinge a população de forma desigual. A
pregada ideia de comunhão de destinos no ambiente pandêmico, que decorre da própria
etimologia grega da palavra pandemia, em que pan é “todo” e demos é “povo”, é refutada pela
realidade de que a “pandemia não é cega e tem alvos privilegiados” (SANTOS, 2020).
Assim, em países da América Latina, como o Brasil, que se encontram na região mais
desigual do mundo, em que a pobreza e a pobreza extrema são um problema transversal
marcado geograficamente por diversos problemas sociais, como a falta ou precariedade da
moradia, os impactos socioeconômicos da Covid-19 são ainda mais preocupantes,
especialmente nos grupos em especial situação de vulnerabilidade (OEA, 2020).
A luta pela contenção do vírus encontra um sistema de saúde que já vem sendo
enfraquecido por políticas neoliberais que seguem a cartilha da austeridade, cujo exemplo
mais marcante é a Emenda Constitucional 95/2016, aprovada no governo Temer, que impôs o
teto de gastos e congelou os gastos da saúde e educação por vinte anos.9 Nesse sentido, o
especialista independente em direitos humanos e dívida externa Juan Pablo Bohoslavsky e o
relator especial sobre pobreza extrema, Philip Alston, declararam que o Brasil deveria
abandonar imediatamente políticas de austeridade mal orientadas, que estão colocando vidas
em risco, e aumentar os gastos para combater a desigualdade e a pobreza, exacerbadas pela
pandemia da Covid-19 (ONU, 2020). Os especialistas alertam que a pandemia da Covid-19
ampliou os impactos da referida emenda constitucional, cujos cortes “violaram os padrões

9
Nesse sentido, conferir estudos de Francisco Mata Machado Tavares, que centraliza a questão fiscal em sua
interpretação da pós-democracia brasileira (TAVARES, 2017; TAVARES; BENEDITO, 2018; TAVARES;
RAMOS, 2018).
30

internacionais de direitos humanos, inclusive na educação, moradia, alimentação, água e


saneamento e igualdade de gênero” (ONU, 2020).
Neste tempo histórico único, vivido na pandemia, para além da crise sanitária, pode-se
partir para a análise de um plano mais complexo de aprofundamento da crise social urbana
brasileira, com a “radicalização do modelo neoliberal orientando as políticas públicas”
(CARLOS, 2020, p. 10). Neste cenário, a pandemia pode agravar o sentimento de incertezas e
o isolamento pode ter aprofundado o sentimento contemporâneo nostálgico, típicos do que se
denomina como retrotopia.
Por outro lado, na perspectiva da presente pesquisa, entende-se que a “claridade
pandémica” (SANTOS, 2020) é capaz de produzir uma luz sobre a história dos vencidos,
precipitando ainda a importância da praça estudada no cotidiano da cidade, o que pode
permitir uma abertura de diálogo sobre esse espaço público aos cidadãos friburguenses.
Após essa reflexão preliminar, mas urgente, sobre os possíveis impactos do contexto
pandêmico para as questões-problema enfrentadas na tese, retorna-se a descrever o seu
percurso investigativo. A estrutura da tese articula os capítulos, que apresentam o arcabouço
teórico e categorias analíticas, e o estudo do caso-referência, com vistas a estabelecer um
diálogo entre teoria e prática para a busca de soluções possíveis para as questões-problema da
tese.
No capítulo 1 apresentam-se aspectos do processo de democratização e
desdemocratização das últimas décadas, com enfoque especial na análise da política urbana
nacional, a partir do conceito de democracia desenvolvido na investigação de Charles Tilly,
na obra Democracy (2007), e considerando o que se adequa ao contexto brasileiro e latino-
americano articulado ao sentido de desdemocratização de Anibal Quijano (2002, 2008). Em
item específico, delimita-se territorialmente os reflexos dessa dinâmica de processos nas
experiências de democratização das políticas urbanas na cidade de Nova Friburgo, adotando-
se como referencial teórico as escolhas em desenho institucional participativo para
minipúblicos desenvolvidas por Archon Fung (2003) na análise da elaboração do Plano
Diretor Participativo de 2007.
No capítulo 2 articula-se o tema da democracia à visão da filosofia da história
benjaminiana como forma de refletir criticamente a respeito do presente, passado e futuro no
período histórico que será estudado de consolidação do projeto de nação. Este projeto é
entendido com base na ideologia do progresso e alicerçado na colonialidade (QUIJANO,
1992, 2005), que compreende a América Latina como parte constitutiva da modernidade.
31

Contemporaneamente, o anjo da história, ao girar a mirada para o futuro, visualizado por


Bauman a partir da metáfora de Benjamin, apresenta-se como uma proposta de crítica dessa
compreensão temporal na atualidade, considerada retrotópica, revelada pela descrença no
futuro, que inclui a descrença na democracia.
Em seguida desenha-se a história urbana e da cidade de Nova Friburgo a partir da
referência de historiadores críticos locais e exploram-se suas conexões com a história
nacional. Percorre-se a trajetória desde a ocupação da vila, a urbanização, a industrialização e
a construção e consolidação do mito da “Suíça brasileira” (ARAÚJO, 1992, 2018) como
marco da colonialidade na cidade (QUIJANO, 1992, 2005).
No capítulo 3 adentra-se o estudo do caso-referência da tese, a Praça Getúlio Vargas,
praça central da cidade de Nova Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro, inaugurada em 1881.
Primeiramente, é feita uma análise da origem da “catedral de eucaliptos”, que está imbricada
na história da urbanização da própria cidade e nos contínuos conflitos sobre o espaço como
patrimônio e seus usos pela população. Esse espaço público é apresentado como protagonista,
caso exemplar que precipita a disputa histórica pelo direito à cidade. Segue-se delimitando a
organização e atuação insurgente do Movimento SOS Praça e suas articulações com outros
coletivos, o que permite o encontro com a reflexão a respeito da história dos vencidos, no
momento do bicentenário em que a colonialidade e a desdemocratização estão amalgamadas.
No capítulo 4 será tratada a concepção de direito à cidade lefebvriana (LEFEBVRE,
[1968], 2009), com um olhar mais amplo para o espírito do romantismo revolucionário
(LÖWY, SAYRE, 2015) de sua obra. Em seguida se integrará a dimensão jurídica do direito à
cidade às dimensões políticas e filosóficas da concepção de Lefebvre, com vistas à analisar a
disputa histórica do caso-referência analisado.
Como resultado da pesquisa, emerge as considerações finais em que se pretende ir
além do debate das categorias analíticas e marcos teóricos de análise. Assim, apresentam-se
possibilidades de encaminhamentos para a reflexão e ação a respeito da disputa histórica
vivenciada pelos atores sociais na cidade de Nova Friburgo, no sentido de abertura para
horizontes democráticos e de direitos no caso-referência estudado.
32

1 DA DEMOCRATIZAÇÃO À DESDEMOCRATIZAÇÃO: IMPACTOS NA


POLÍTICA URBANA NACIONAL E NO MUNICÍPIO DE NOVA FRIBURGO

A partir do referencial teórico do sociólogo, cientista político e historiador norte-


americano Charles Tilly (2007) sobre democracia, e mais especificamente a chave de sentido
desdemocratização do peruano Anibal Quijano (2002, 2008), a pesquisa vai analisar a
trajetória e a conjuntura atual da política urbana brasileira e seus reflexos em retrocessos
sociais e normativos, e serão apresentados efeitos dessa dinâmica nas possibilidades de
democratização da política urbana de Nova Friburgo.
Primeiramente, será delineado, de maneira breve, o processo de democratização da
política urbana brasileira, que tem como marco legislativo o capítulo da Política Urbana
incluído na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), fruto de emenda popular
apresentada na Assembleia Constituinte. Os anos 1980 serão apresentados como um ponto de
inflexão sobre o pensamento a respeito do Direito Urbanístico que era produzido,
principalmente por civilistas e administrativistas, como um sub-ramo do Direito.
Em seguida, será especificada a positivação de direitos urbanos, principalmente com a
promulgação do Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001), e serão apresentadas mudanças legais
institucionais engendradas durante décadas, que recentemente estão sendo descaracterizadas
com a cristalização da relação de forças do projeto das elites.
O contexto atual de desdemocratização será apresentado no item seguinte, para depois
se seguir a análise dessa dinâmica no território da cidade de Nova Friburgo, com enfoque na
análise da experiência do Plano Diretor Participativo de 2017, a partir do referencial teórico
para minipúblicos de Archon Fung (2003). A desdemocratização será visualizada pela
pendência de revisão do mesmo plano, bem como com a contínua exclusão dos cidadãos da
esfera pública por parte do Estado, como será visto nos capítulos seguintes, reforçada pela
redução na transparência de suas ações.

1.1 DA DEMOCRATIZAÇÃO À DESDEMOCRATIZAÇÃO NEOLIBERAL: IMPACTOS


NA POLÍTICA URBANA BRASILEIRA

A presente proposta visa analisar os processos de democratização e desdemocratização


brasileiras, e os reflexos da aceleração atual deste último em retrocessos normativos,
33

institucionais e sociais, mais especificamente os seus impactos nas políticas urbanas. Com
esse fim, adota como referência o conceito de democracia desenvolvido na investigação
macrossociológica de Charles Tilly, na obra Democracy (2007), sem perder de vista o
contexto histórico peculiar do autoritarismo brasileiro (Schwarzman, 2007; Schwarcz, 2019).
Assim, a ideia de democracia de Tilly (2007), que a entende como um processo, será adotada
no limite do que se adequa ao contexto do sul global, articulada ao sentido de
desdemocratização de Aníbal Quijano (2002, 2008).
A partir desses marcos teóricos será delineada, em linhas gerais, a longa trajetória de
construção da democratização da política urbana brasileira. Em seguida, se adentrará a
conjuntura contemporânea de abrupta desdemocratização, especificando o sentido adotado na
pesquisa e como esse processo vem se manifestando no Brasil.
O item seguinte apresentará aspectos do processo abrupto de desdemocratização,
como fenômeno de esvaziamento das democracias mundiais, e seus reflexos no retrocesso
acelerado da política urbana brasileira. A desdemocratização entendida em uma conjuntura
neoliberal que apresenta retrocessos normativos, institucionais e sociais no Brasil,
especialmente no pós-golpe de 2016.

1.1.1 O longo processo de democratização da política urbana brasileira

A democracia não é um ponto final, mas uma dimensão na qual os países se movem
continuamente como condição material de possibilidade para as lutas por direitos. Segundo
Charles Tilly, a democracia só pode ser compreendida com o foco no processo, pois assim
haveria um processo de democratização com a inclusão ampla e igual dos cidadãos na esfera
pública. Por outro lado, o processo de “desdemocratização significa um movimento líquido
em direção a uma consulta mais restrita, mais desigual, menos protegida e menos mutuamente
vinculante”10 (2007, p. 59, tradução nossa).
No livro Democracy (TILLY, 2007), o autor elabora um estudo comparativo dos
processos de construção e desconstrução de democracias em diferentes países para
desenvolver sua teoria sobre os mecanismos fundamentais de democratização e
desdemocratização. Na sua concepção, a democracia liberal é apresentada antes como um
extremo do qual países se aproximam ou se afastam em uma trajetória dinâmica e reversível.
As democracias não seriam formações acabadas e estáticas, passíveis de serem conformadas a
10
No original: “[...] de-democratization means net movement toward narrower, more unequal, less protected,
and less mutually binding consultation.” (TILLY, 2007, p. 59)
34

uma lista fixa de condições necessárias ou suficientes capazes de apontar a existência ou não
do regime em algum local.
A pertinência da ideia de democracia em Tilly para a presente análise reside na
identificação do processo geral causando democratização e desdemocratização. Dessa forma,
o autor entende democracia para além da existência de critérios procedimentais, como um tipo
particular de constituição ou a existência de eleições competitivas, conforme prediz a
abordagem constitucional de democracia, considerada por ele reducionista (2007, p. 7). A
importância da contribuição de Tilly consiste ainda em procurar ampliar a análise para além
das instituições políticas, combinando aspectos culturais, históricos e sociais no que se refere
às relações entre cidadãos e Estado.
Considerando a compreensão de democracia como processo, segundo Tilly, que
desconsidera classificações do tipo “sim/não” (2007, p. 41), orienta-se em centralizar a análise
para além desse aspecto geral, buscando produções de sentido com um olhar decolonial, 11
como o de Quijano (2002, 2008). A orientação por esse olhar se deve ao fato de a análise de
Tilly partir da realidade de países do centro do capitalismo mundial, cujas trajetórias
históricas, sociais e políticas e cujo papel no sistema capitalista globalizado são diversos da
realidade do Sul Global12 e, portanto, do Brasil.
Assim, a elaboração do conceito de processo de desdemocratização de Tilly é
aproveitado no que é considerado compatível com a realidade estudada. Com isso, a
contribuição do autor que nota que a democratização é tipicamente um longo processo, ao
passo que a desdemocratização – de-democratization – costuma ser um processo abrupto e
definitivo, será levada em conta na análise, senão veja-se:
Em termos mais simples, a desdemocratização ocorre principalmente como
consequência da retirada por atores políticos poderosos e privilegiados de qualquer
consulta mutuamente vinculante existente, enquanto a democratização depende da
integração de um grande número de pessoas comuns na consulta13 (TILLY, 2007, p.
195, tradução nossa).

11
A decolonialidade procura transcender a colonialidade, a face obscura da modernidade, que se mantém
operando ainda nos dias de hoje em um padrão mundial de poder, como se especificará no capítulo seguinte.
Para Quijano (1992), a matriz colonial centrada na raça permanece na primeira onda colonial nas Américas, na
segunda na África e Ásia, e persiste nos dias de hoje.
12
Segundo Ballestrin: “A ideia de Sul Global funciona como uma metáfora que representa os países com um
passado colonial compartilhado na condição de colonizado; economias vulneráveis e dependentes pela inserção
no sistema-mundo moderno/colonial e injustiças estruturais irreparáveis pelos diferentes tipos de violência
colonial.” (2018, p. 13)
13
No original: “In simplest terms, de-democratization occurs chiefly as a consequence of withdrawal by
privileged, powerful political actors from whatever mutually binding consultation exists, whereas
democratization depends on integrating large numbers of ordinary people into consultation.”
35

Complementarmente, opta-se pelo sentido atribuído ao termo desdemocratização pelo


sociólogo peruano Aníbal Quijano (2002, 2008), por considerar ser mais adequado para a
análise da realidade brasileira, uma vez que os conceitos de orientação eurocêntrica muitas
vezes se mostram limitados para essa compreensão. Ademais, Quijano constrói sua análise a
partir das formações sociais democrático-liberais existentes em contextos periféricos para
descrever a desdemocratização como um processo complexo de exacerbação dos efeitos de
estruturas de dominação e violência sobre a população das periferias globais, respaldado e
legitimado pelas instituições democrático-liberais. O autor utiliza o termo como ferramenta,
aliada ao conceito de desnacionalização, para traduzir um processo pelo qual as democracias
dependentes, como as da América Latina, estariam passando no contexto contemporâneo da
globalização.
A desdemocratização apontada por Quijano (2002, 2008) seria, portanto, um processo
característico de Estados e democracias que não se constituíram nos moldes do Estado
moderno e das democracias liberais eurocentradas, resultante da perda de sua autonomia
frente ao bloco imperial mundial, isto é, da sua desnacionalização.
Um componente importante para a contextualização da análise é o fato de a América
Latina ser o lugar de nascimento do neoliberalismo e experimentar as contradições do
liberalismo desde sua fundação moderna/colonial (BALLESTRIN, 2018, p. 13).
Transportando essa reflexão para a análise da construção democrática da política
urbana brasileira, esta remete à ação de atores coletivos14 dos anos 1960, que atuavam sob o
mote da reforma urbana.15 A inflexão da década de 1960 – marcada pela virada rural/urbana
brasileira16 e pela ruptura democrática – é contrastada com diversas continuidades no campo
das políticas urbanas. Entre elas, mesmo no pós-golpe de 64, pode-se apontar a consolidação
da profissionalização do campo do Urbanismo e a criação do Banco Nacional da Habitação
(BNH) e do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau), pela Lei nº 4.380, de 21 de
agosto de 1964 (BRASIL, 1964).

14
Os debates que levaram à construção do ideário de reforma urbana ocorrem entre atores de movimentos
sociais, progressistas, ligados à Igreja, especialmente da Comissão da Pastoral da Terra, intelectuais ligados a
universidades, entidades de classe e partidos na clandestinidade.
15
O sentido que se adota de reforma urbana é amplo, conforme Nabil Bonduki: “O sentido que temos do
conceito de reforma urbana é amplo, relacionado às tentativas de regulamentar normas e intervenções urbanas
visando garantir o direito à cidade e à habitação, na perspectiva de fazer valer a função social da propriedade e
de limitar o direito absoluto de propriedade.” (2018, p. 9)
16
No decorrer dos anos 1970 a população urbana passa a ser superior à rural no Brasil; portanto, nessa década
ocorreram as transformações estruturais na urbanização brasileira. Em 1970, o Censo Demográfico do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica o ponto de virada rural/urbano brasileiro ao constatar que a
população urbana passava a ser de 55,92%. Em 1960, o mesmo Censo Demográfico indicava 44,67% da
população vivendo em cidades no Brasil (IBGE, 2007).
36

Nos anos 1970 surgem as primeiras tentativas de democratização da gestão urbana em


nível municipal. Como resultado das mobilizações por reforma urbana, foi promulgada a Lei
Federal nº 6.766/79 (BRASIL, 1979) que regulamentou o parcelamento do solo
nacionalmente e forneceu instrumentos para a regularização de assentamentos informais em
áreas urbanas consolidadas.
Em consonância com os avanços na esfera nacional, emergem ações nas esferas locais
que reúnem atores múltiplos na concepção de espaços mais diversos e democráticos, com
práticas como o Orçamento Participativo (OP) e os Planos de Bairro.
Destaca-se ainda o papel do Seminário de Habitação e Reforma Urbana, promovido
em 1963 pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB),17 com apoio do governo federal, em
Petrópolis. O evento, que ficou conhecido como Seminário do Quitandinha, é uma referência
na construção em torno de ideias e instrumentos para uma política de planejamento urbano e
habitação. Muitas dessas ideias ganharam eco apenas em 1987, com a organização do
Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) na Assembleia Nacional Constituinte e
em torno da Emenda Popular da Reforma Urbana.
O MNRU se reconfigurou, a partir de sua atuação na Constituinte, como Fórum
Nacional de Reforma Urbana (FNRU), incorporando outros atores e se firmando, assim, como
ator coletivo ao longo dos anos 1990 e como espaço de interlocução de atores heterogêneos da
sociedade civil.
A luta pela reforma urbana deu origem ao capítulo específico sobre política urbana na
Constituição Federal de 1988, pela primeira vez na história constitucional do Brasil, 18
inaugurando uma nova ordem jurídico-urbanística. A sua regulamentação ocorre apenas treze
anos mais tarde, quando entra em vigor a “lei-marco do Direito Urbanístico brasileiro”
(FERNANDES, 2021, p. 7), o Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001 (BRASIL, 2001).
O capítulo sobre a política urbana teve por base a Emenda Popular de Reforma
Urbana, Emenda Popular nº 63 de 1987, elaborada e assinada por mais de 100 mil
organizações sociais e indivíduos envolvidos no Movimento Nacional de Reforma Urbana,
atualmente Fórum Nacional de Reforma Urbana. Entre os princípios norteadores estão:

17
O IAB assume historicamente um pioneirismo na reflexão e elaboração de uma política urbana nacional. Essa
afirmação remonta ao ano de 1953, em que o instituto organiza o III Congresso Brasileiro de Arquitetos,
realizado em Belo Horizonte. Nesse evento propôs-se que se editasse uma legislação para criar, no governo
central, um ministério especializado em habitação e urbanismo.
18
A inclusão de um capítulo sobre a política urbana no ordenamento jurídico brasileiro pode ser considerada
tardia, uma vez que a urbanização se inicia nos anos 1930 e tem seu auge nos anos 1970. Nesse período, o
legislador nacional teve a oportunidade de tratar do tema nas Constituições de 34, 37, 46, 67.
37

autonomia do governo municipal; gestão democrática das cidades; direito social de


moradia;
direito à regularização de assentamentos informais consolidados; função social da
propriedade urbana; combate à especulação imobiliária nas áreas urbanas
(FERNANDES, 2010, p. 127).

Embora nem todos os princípios tenham ingressado no capítulo constitucional, a


Constituição inova ao inserir o conceito de função social da propriedade 19 no rol de direitos
fundamentais, no artigo 5º, XXIII. A Magna Carta introduz ainda a expressão “funções
sociais da cidade e da propriedade urbana”, em seu artigo 182, curiosamente proposta por
emenda do Centrão e posteriormente apropriada pelo MNRU, que em sua proposta de emenda
se pautava pelo direito à cidade.
Por outro lado, o direito social à moradia só foi inserido na Constituição pela Emenda
Constitucional nº 26 de 2000 (BRASIL, 2000), e o Fundo Nacional de Habitação de Interesse
Social (FNHIS) foi criado pela Lei Federal nº 11.124/2005 (BRASIL, 2005a) atendendo às
reivindicações do FNRU.
Destaca-se que a importância da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) no campo do
Direito Urbanístico não se restringe aos artigos 182 e 183, alcançando principalmente, em
função dos princípios que adota, um novo marco institucional que cristaliza direitos.
Passada uma década, o Estatuto da Cidade de 2001 (BRASIL, 2001) é construído
tendo como cerne a regulamentação da função social da propriedade e da cidade. O estatuto
define quatro dimensões para o enfrentamento da ordem urbanística, quais sejam: das
diretrizes e dos princípios; dos instrumentos jurídico-urbanísticos; do Plano Diretor; e da
gestão democrática.20 Compreende, portanto, um diploma legal que reúne o conteúdo
normativo e a força simbólica que lhe garantem o status de microssistema no campo do
Direito Urbanístico (CAVALLAZZI, 2014).
Segundo o pensamento de Irti (2005), os microssistemas setoriais são justamente a
conclusão do fenômeno da descodificação, pois terminam de esvaziar o Código Civil.
Considera-se que o microssistema do Estatuto da Cidade, para os vulneráveis, é um processo
de interpretação que tem contribuído de forma essencial para eficácia social da norma

19
Registre-se que a inovação reside na inserção da função social da propriedade no rol de direitos fundamentais,
uma vez que o marco normativo que reconheceu a função social da propriedade no ordenamento jurídico é o
artigo 113, item 17, da Constituição de 1934, nos seguintes termos: 17) “É garantido o direito de propriedade,
que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar [...].” (BRASIL,
1934).
20
Cavallazzi e Araújo (2004, p. 234) alertam que, embora novas formas de apropriação da cidade tenham sido
legitimadas, manteve-se ainda uma postura conservadora quanto ao regime jurídico da propriedade do solo, da
legislação urbanística de loteamentos, uso e ocupação do solo, firmando-se apenas diretrizes e
instrumentalizando a política urbana, mas ficando aquém no que se refere à gestão urbanística.
38

urbanística, sem conflito com o Código Civil de 2002, na qualidade de lei geral. Assim, na
concepção das construções normativas contemporâneas, estas devem assumir princípios e
diretrizes em consonância com o Estatuto da Cidade, microssistema normativo que estabelece
a tutela das relações entre desiguais, protegendo os vulneráveis.
Segundo Cavallazzi (2014), no campo do Direito Urbanístico o microssistema do
Estatuto da Cidade para os vulneráveis se traduz em um processo de interpretação que tem
contribuído de forma essencial para a eficácia social da norma urbanística, sem conflito com o
Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002), na qualidade de lei geral. Logo, busca se afastar da
lógica patrimonialista e constituir um espaço de defesa dos vulneráveis.
Assim, em 2001 o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) regulamenta o capítulo
constitucional por lei federal, apresentando novas perspectivas para a agenda da reforma
urbana, e em dois anos é criado um aparato institucional federal com o surgimento do
Ministério das Cidades e do Conselho Nacional das Cidades. O Estatuto da Cidade reconhece
o direito à cidade pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro, em seu artigo 2º, I, em
uma formulação, advinda dos debates internacionais sobre meio ambiente, que combina o
direito à cidade com a noção de desenvolvimento sustentável: o “direito a cidades
sustentáveis”.
Com a fundação dessa nova ordem jurídica urbanística, nos anos posteriores
proliferaram legislações específicas sobre temas relativos às questões urbanas, como
saneamento ambiental, regularização fundiária, mobilidade e transporte, defesa social, terras
da União, entre outros. Essa intensa atividade legiferante criou expectativas
proporcionalmente elevadas de transformações nas relações de desigualdade (PEREIRA;
MILANO; GORSDORF, 2019). Dessa forma, nas últimas décadas vêm se constituindo os
principais marcos normativos institucionais do Direito Urbanístico: a Constituição Federal de
1988 (BRASIL, 1988) e o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001). Deve-se ressaltar ainda o
Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002) e a criação do Ministério da Cidades21 como signos do
processo de implementação desse recente e já consolidado campo jurídico.
Análises comparativas na área de estudos urbanos reconheceram avanços nas últimas
décadas na criação de espaços participativos nos governos de diversas cidades latino-
americanas, concretizados a partir de reformas de marcos normativos urbanos, sendo um dos
mais reconhecidos o Estatuto da Cidade de 2001 (BRASIL, 2001) no Brasil (HERNÁNDEZ,

21
Medida Provisória 103/2003 convertida na Lei nº 10.683/03. Essa lei foi revogada pela Medida Provisória
782/2017, mas mantém o Ministério da Cidade no seu artigo 21, II.
39

2017, p. 11), apesar das limitações impostas por um marco histórico patrimonialista e
autoritário no país.
No eixo das teorias democráticas participativas, os autores que tratam da participação
em uma perspectiva institucionalista, como o cientista político Archon Fung, chegaram a
apontar o Brasil como “epicentro de uma revitalização democrática e invenção institucional”22
(2011, p. 857, tradução nossa). Fung elencou o Brasil, ao lado do Canadá e da cidade de
Chicago, como lugares onde as políticas públicas realizaram reais projetos a partir de
inovações de democracias reformadoras (2015), sendo de amplo destaque na literatura
acadêmica a experiência do Orçamento Participativo de Porto Alegre (SANTOS, 1998;
ABERS, 2000; BAIOCCHI, 2003).
Com isso, pode-se afirmar que a construção de um novo arcabouço normativo
urbanístico promoveu avanços no processo de democratização da política urbana brasileira
que se proliferaram em iniciativas locais consideradas democratizantes e inovadoras no
âmbito institucional.

1.1.2 Processo de desdemocratização: o retrocesso acelerado da política urbana no


Brasil

Desde os anos 2000, proliferam no debate acadêmico 23 análises focadas no problema


da qualidade e dos estímulos de vida, morte e renascimento das democracias. Mais
recentemente, o foco desse debate se direcionou a um suposto declínio da democracia no
mundo, inclusive na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Essas análises identificam a
conjuntura atual como “pós-democracia” ou um processo de “desdemocratização” em curso
no mundo democrático-liberal, incluindo a democracia brasileira (MIGUEL, 2018; SANTOS,
2017; TAVARES; RAMOS, 2018).
Os mencionados termos indicam o esvaziamento das democracias através de suas
próprias instituições, ou seja, sem a implementação aberta do autoritarismo. No Brasil, o
golpe24 perpetrado contra a presidenta Dilma Rousseff é um marco central em todas as

22
No original: “epicenter of democratic revitalization and institutional invention” (2011, p. 857).
23
Um marco dessa discussão a respeito do declínio democrático no mundo é a publicação, em 2015, da edição
de 25 anos do Journal of Democracy, sob o título de “Is Democracy in Decline?” (PLATTNER, 2015).
24
“[...] Brasil sofreu um golpe, isto é, uma situação de força em que alguns setores do aparato de Estado
mudaram as regras para o seu próprio benefício. Só que, desta vez, os protagonistas não foram os militares e sim
outros ramos do aparato repressivo (a procuradoria, o poder judiciário) e o Congresso. A questão que se
apresenta tem a ver com a natureza do regime que se inaugura com a deposição da presidente Dilma Rousseff. A
Constituição não foi revogada, mas sua vigência efetiva é incerta. As eleições permanecem, mas é sabido que
seus resultados são tutelados pelas classes dominantes. Há uma escalada repressiva, mas as liberdades civis ainda
40

análises sobre o recuo democrático no país, apesar de alguns autores apontarem que esse
“mal-estar” na democracia brasileira nos remete às manifestações de 2013 (AVRITZER,
2018).
Considera-se que o ano de 2016 é um marco de inflexão democrática não só no Brasil.
No mesmo ano, em diferentes partes do mundo, eventos foram capazes de questionar os
limites da democracia representativa, liberal e ocidental: na Inglaterra, um plebiscito
demonstrou a preferência majoritária dos ingleses pela saída da União Europeia; na Colômbia,
o referendo pelo acordo de paz com as FARC foi rejeitado pela maioria; nos Estados Unidos,
uma vitória inesperada elegeu o empresário Donald Trump para a presidência da maior
potência mundial (BALLESTRIN, 2017).
Santos (2017) propõe partir da análise do golpe parlamentar engendrado no
impeachment da presidenta Dilma Roussef considerando-o mais elaborado que o militar, por
substituir os ocupantes do governo eleitos por via não eleitoral, com uma fórmula
constitucional, realizada por atores de toga que naturalizam e revestem de civilidade a
violência contra os resultados eleitorais anteriores (SANTOS, 2017. p. 12). Apesar de
considerar a coincidência de argumentos entre os golpes brasileiros e outros golpes no mesmo
período em outras partes do mundo, visivelmente na América Latina, o autor considera o
golpe parlamentar de 2016 um fenômeno raro nas democracias representativas, chegando a
considerá-lo inédito.
Pochmann (2017) vai além, ao identificar uma inflexão do padrão das políticas
públicas no Brasil impulsionada pelo retorno do receituário neoliberal ao país desde o ano de
2016. Com a ascensão do governo Temer, o Brasil teria passado a conviver com sinais
importantes de esgotamento do ciclo político da Nova República (2017).
De fato, atualmente, como ocorreu na mercantilização da terra, do trabalho e do
dinheiro, promovida na institucionalização da economia de mercado capitalista, analisada por
Polanyi em sua célebre obra A grande transformação (2000), identifica-se um contexto de
retrocessos acelerados como sintoma de um novo impulso de remercadorização das

podem ser invocadas. Neste cenário, ainda é possível falar em democracia? (MIGUEL, 2018, p. 78, tradução
nossa). No original: “[...] Brasil sufrió un golpe, esto es, una situación de fuerza en la que algunos sectores del
aparato de Estado cambiaron las reglas para su propio beneficio. Solo que, esta vez, los protagonistas no
fueron los militares y sí otras ramas del aparato represivo (la procuraduría, el poder judicial) y el Congreso. La
cuestión que se presenta tiene que ver con la naturaleza del régimen que se inaugura con la deposición de la
presidente Dilma Rousseff. La Constitución no fue revocada, pero su vigencia efectiva es incierta. Las
elecciones permanecen, pero se sabe que sus resultados sufren la tutela de los grupos dominantes. Hay una
escalada represiva, pero las libertades civiles aún pueden ser invocadas. En este escenario, ¿aún es posible
hablar en democracia?”
41

mercadorias fictícias (trabalho, terra e dinheiro),25 bem como a produção de avanços no


processo de criação de novas mercadorias (SILVA, 2016, p. 71). Polanyi alertava para a
tendência da expansão do mercado sem limites por subordinar a sua substância às leis do
mercado, com potencial destruidor para a sociedade se não for limitado pelo tecido
institucional (2000).
Nos últimos anos, a relevância da abordagem de Karl Polanyi para a análise do
desenvolvimento das sociedades capitalistas desde a década de 1970 pode ser justificada pela
crise financeira e econômica de 2008 (ATZMÜLLER; DÉCIEUX, 2019). A crise atual,
diferentemente da crise do capitalismo estudada por Polanyi, que tinha suas raízes na
autorregulação dos mercados, desenvolve-se a partir da égide do neoliberalismo, que
liberaliza os mercados dos regimes de regularização maturados nas décadas seguintes às
guerras mundiais.
Nesse novo impulso de expansão do mercado, as normas jurídicas nacionais surgem
como organizadoras de reformas orientadas por políticas de austeridade para atender à
competitividade, criando o que Supiot denominou de “law shopping” (2010, p. 165), um
“mercado de produtos legislativos” (SUPIOT, p. 171), que elimina progressivamente sistemas
normativos menos aptos a satisfazer as expectativas financeiras dos investidores.
Como já havia sido registrado no Dossiê do desmonte da política urbana federal
nos governos Temer e Bolsonaro e seus impactos sobre as cidades de 2020 (SANTOS
JUNIOR; DINIZ; SAULE JUNIOR, 2020), a inflexão conservadora pode ser entendida como
uma mudança de rumo, marcada pelo abandono das políticas redistributivas, pelos retrocessos
na transparência e no monitoramento das informações em torno das ações governamentais,
pelo fechamento dos espaços de participação democrática e pelo enfraquecimento das esferas
públicas.

25
Em seu livro clássico, A grande transformação, de 1944, Karl Polanyi traçou as raízes da crise capitalista até
os esforços para criar “mercados autorreguladores” em terra, trabalho e dinheiro. O efeito foi transformar essas
três bases fundamentais da vida social em “mercadorias fictícias”: “Trabalho é apenas um outro nome para
atividade humana que acompanha a própria vida que, por sua vez, não é produzida para venda, mas por razões
inteiramente diversas, e essa atividade não pode ser destacada do resto da vida, não pode ser armazenada ou
mobilizada. Terra é apenas outro nome para a natureza, que não é produzida pelo homem. Finalmente, o dinheiro
é apenas um símbolo do poder de compra e, como regra, ele não é produzido, mas adquire vida através do
mecanismo dos bancos e das finanças estatais. Nenhum deles é produzido para a venda. A descrição do trabalho,
da terra e do dinheiro como mercadorias é inteiramente fictícia” (2000, p. 94).
42

A descrição do Brasil no site da organização Freedom House,26 no relatório de 2022,


converge para essa mesma linha, ao apontar para a desconfiança nos partidos políticos e a
violência perante a imprensa e as minorias:
O Brasil é uma democracia que realiza eleições competitivas, e a arena política,
embora polarizada, é caracterizada por um debate público vibrante. No entanto,
jornalistas independentes e ativistas da sociedade civil correm o risco de sofrer
assédio e ataques violentos, e o governo tem se esforçado para lidar com as altas
taxas de crimes violentos e com a violência desproporcional contra minorias e sua
exclusão econômica. A corrupção é endêmica nos níveis mais altos, contribuindo
para a desilusão generalizada com os partidos políticos tradicionais. A discriminação
social e a violência contra as pessoas LGBT+ continuam a ser um grave problema
(FREEDOM HOUSE, 2022, tradução nossa).27

No mesmo sentido, o Instituto Variações da Democracia (V-Dem), ligado à


Universidade de Gotemburgo, na Suécia, em seu relatório Autocratization Turns Viral
(ALIZADA et al., 2021),28 publicado em março de 2021, mostra o Brasil em quarto lugar no
ranking de 202 países analisados que mais regrediram nesse período, atrás apenas de Hungria,
Turquia, Polônia e Sérvia. O documento consiste em um amplo relatório sobre o status global
da democracia, em que os autores mostram como os regimes políticos e legais dos países
transformaram-se ao longo da última década.
Nesse cenário de desdemocratização brasileira, interessante observar a hipótese
desenhada pelo arquiteto urbanista Benny Schvarsberg, de implementação de um “programa
urbano da barbárie neoliberal pós-2016, aprofundado pós-2019 com a instalação da
necropolítica urbana e territorial em vigor” (SCHVARSBERG, 2021, p. 136) que consistiria
em um conjunto de iniciativas perversamente combinadas em cinco dimensões:
1. desregulamentação dos avanços da legislação urbana brasileira; 2. programas de
privatização de órgãos e empresas públicas de energia, saneamento básico (água,
esgoto, drenagem e resíduos sólidos), de habitação e de transportes; 3. políticas e

26
Desde 1972, a fundação Freedom House classifica anualmente todos os países independentes, atribuindo-lhes
pontos que variam de 1 (a pontuação melhor) a 7, em função das liberdades civis e dos direitos políticos
praticados (GASTIL, 1991).
27
No original: “Brazil is a democracy that holds competitive elections, and the political arena, though
polarized, is characterized by vibrant public debate. However, independent journalists and civil society activists
risk harassment and violent attack, and the government has struggled to address high rates of violent crime and
disproportionate violence against and economic exclusion of minorities. Corruption is endemic at top levels,
contributing to widespread disillusionment with traditional political parties. Societal discrimination and
violence against LGBT+ people remains a serious problem.”
28
“O Varieties of Democracy (V-Dem) produz o maior conjunto de dados global sobre democracia, com quase
30 milhões de pontos de dados para 202 países, de 1789 a 2020. Envolvendo mais de 3.500 acadêmicos e
especialistas de outros países, o V-Dem mede centenas de diferentes atributos da democracia. O V-Dem permite
novas formas de estudar a natureza, as causas e as consequências da democracia em seus múltiplos significados.”
(ALIZADA et al., 2021, tradução nossa). No original: “Varieties of Democracy (V-Dem) produces the largest
global dataset on democracy with almost 30 million data points for 202 countries from 1789 to 2020. Involving
over 3,500 scholars and other country experts, V-Dem measures hundreds of different attributes of democracy.
V-Dem enables new ways to study the nature, causes, and consequences of democracy embracing its multiple
meanings.”
43

programas de mercantilização e financeirização plena da Cidade e todos os


equipamentos, bens, infraestrutura e serviços urbanos; 4. desmonte do Ministério
das Cidades em nível federal e em nível estadual e municipal de órgãos de
planejamento, pesquisa e gestão urbana e metropolitana; e 5. desmonte e
desqualificação de instâncias de controle e participação social das políticas urbanas e
metropolitanas” (SCHVARSBERG, 2021, p. 136).

Nesse contexto, a conjuntura atual da política urbana nacional vem sendo denunciada
também pelos jus-urbanistas29 que a identificam com termos como: desmonte, retrocesso,
descaracterização, inflexão conservadora, desdemocratização. Um exemplo dessa constatação
pode ser observada no Dossiê de monitoramento das políticas urbanas do governo federal
– Direito à cidade e reforma urbana em tempos de inflexão conservadora: monitoramento
dos ODS e da política urbana federal no governo Bolsonaro – 2021 (SANTOS JÚNIOR;
MOROSO, 2021) elaborado por pesquisadores, Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico
(IBDU) e FNRU, em que os termos inflexão conservadora, desmonte e retrocesso são
recorrentes.
Na atual conjuntura, que advém de uma política de mercado neoliberal, renovada pelo
fortalecimento de princípios ultraliberais e medidas de austeridade, considera-se que o cenário
de retrocessos normativos e institucionais deve ser compreendido como reflexo, e não causa,
de um processo mais amplo de desdemocratização no Brasil, que apresenta impactos também
nas políticas urbanas. Por essas razões, prefere-se tratar da desdemocratização a caracterizar
apenas como desmonte30 ou descaracterização da política urbana brasileira, que são reflexos
desse panorama mais amplo de desdemocratização.
Assim, apesar do esforço empreendido no processo de democratização brasileiro
desenhado pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana nos anos 1980, progressivamente
essas conquistas se concentraram na esfera política, em âmbito institucional e estatal,
produzindo normas constitucionais e um arcabouço jurídico urbanístico.
Nessa empreitada de compreensão do processo de desdemocratização e seus reflexos,
há que se reconhecer, ainda, a ambiguidade e até as limitações quanto ao potencial
transformador dos citados marcos normativos urbanísticos. Inclusive do Estatuto da Cidade,
que apresenta dispositivos que refletem demandas conflitantes com a agenda da reforma

29
Ao tratar dos jus-urbanistas, pretende-se referir aos juristas e demais profissionais do direito empenhados em
refletir e reconstruir cotidianamente o campo do Direito Urbanístico, de tradição crítica, que se constituiu e se
consolidou nas trincheiras de luta pela reforma urbana ao lado de entidades, coletivos e movimentos sociais no
Brasil.
30
Como exemplo da difusão da palavra desmonte ou descaracterização da conjuntura da política urbana
brasileira entre os acadêmicos que tratam da questão, especialmente os que atuam no campo do Direito
Urbanístico, a palavra é citada 18 vezes na obra 20 anos do Estatuto da Cidade: experiências e reflexões
(FERNANDES, 2021).
44

urbana, como o que disciplina a operação urbana consorciada em âmbito federal, bem como a
presença de elementos abertos que assumiram conteúdos distintos do seu propósito original
(PEREIRA, 2015).
A longa tramitação legislativa do Projeto de Lei do Senado Federal nº 181/89,
proposto pelo Senador Pompeu de Souza, que envolveu a participação de diversos atores e
interesses, incluindo o setor imobiliário, o FNRU, a organização Tradição, Família e
Propriedade (TFP), além de setores ligados às igrejas evangélicas, aponta para esse conflito de
interesses na construção do Estatuto da Cidade. Assim, o ordenamento jurídico de Direito
Urbanístico brasileiro deve ser entendido como uma unidade contraditória de demandas por
transformação e conservação da ordem jurídica das cidades (PEREIRA; MILANO;
GORSDORF, 2019).
Na esteira das políticas neoliberais dos anos 1990 em que proliferaram instrumentos
financeiros de base imobiliária no Norte Global, especialmente nos Estados Unidos e Reino
Unido, no Brasil os padrões de regulação jurídica da propriedade e do financiamento
imobiliário foram reestruturados de forma abrangente. Assim, se identifica no país um
processo de “desconstrução da habitação como um bem social e de sua transmutação em
mercadoria e ativo financeiro” (ROLNIK, 2017, p. 26).
O processo de financeirização do setor imobiliário se iniciou de forma sistemática
naquele período, a partir de ajustes macroeconômicos de reestruturação do capitalismo, com
transformações na regulação financeira visando à abertura do setor imobiliário ao mercado de
capitais em um ambiente financeiro mais “liberalizado”. Foi, então, criado um novo marco
regulatório destinado a aprofundar a aproximação e ampliar as conexões entre capital
financeiro e capital imobiliário. Pereira (2015) identifica os seguintes marcos legais desse
processo:
Os principais marcos legais desse processo foram a Lei n° 8.668, de 25 de junho de
1993, que introduziu os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) no ordenamento
jurídico do país; a Lei n° 9.514, de 20 de novembro de 1997, que criou o Sistema
Financeiro Imobiliário (SFI) e disciplinou os contratos de alienação fiduciária de
bens imóveis; a Lei n° 10.931, de 2 de agosto de 2004, que ampliou o rol de
instrumentos financeiros de base imobiliária que integravam o SFI e disciplinou o
instituto do patrimônio de afetação em incorporações imobiliárias; e também um
conjunto de dispositivos legais esparsos que concederam benefícios fiscais a
investimentos feitos nos títulos financeiros de base imobiliária criados nesse
contexto (PEREIRA, 2015, p. 87).
45

Esse novo arranjo regulatório inseriu um conjunto de títulos financeiros de base


imobiliária no ordenamento jurídico brasileiro, instrumentos aptos para transformar a
propriedade fundiária num título de capital fictício 31 (HARVEY, 2006).
Essas inovações articulam o circuito financeiro, o setor imobiliário e o Estado de
forma interdependente, integrando o processo de composição do que Aalbers denomina
complexo imobiliário-financeiro.32 O referido pesquisador urbano propõe essa nova metáfora
para ajudar a centralizar a atenção na conexão entre imobiliário, finanças e Estados: o
complexo imobiliário-financeiro, semelhante ao complexo militar-industrial. Ambos os
complexos devem ser vistos como triângulos, pois os Estados também fazem parte da
equação. No Brasil, a adoção do modelo habitacional global financeirizado é um retrocesso no
que tange ao direito à moradia adequada, em razão da concepção de casa (home) se tornar
mercadoria e ativo financeiro (ROLNIK, 2017).
O circuito fundiário brasileiro é marcado historicamente pela irregularidade, que é
vista como entrave para essas transações financeiras. A nova Lei nº 13.465/2017 (BRASIL,
2017b), que trata da regularização fundiária e urbana, surge nesse cenário de financeirização,
com foco na dimensão registral.
Por outro lado, a presente análise reconhece que o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2021)
apresenta dispositivos importantes para a tutela das relações entre desiguais como
microssistema no campo do Direito Urbanístico (CAVALLAZZI, 2014) que, pelo potencial
democratizante de alguns de seus instrumentos, como a gestão democrática das cidades e a
função social da propriedade (no presente momento ameaçada pelo Projeto de Emenda
Constitucional 80/2019(BRASIL, 2019b), podem operar como blindagem à aceleração do
processo de desdemocratização em curso.
O Projeto de Emenda Constitucional 80/2019 (BRASIL, 2019b), que tramita no
Senado, é uma das investidas desdemocratizantes mais marcantes, embora ainda não tenha
prosperado. A proposta de autoria coletiva liderada pelo Senador Flávio Bolsonaro, além de

31
A partir de Marx, Harvey define capital fictício da seguinte forma: “Ele não é produto da mente delirante de
um banqueiro cocainômano de Wall Street, mas uma forma real de capital – dinheiro que se tornou mercadoria,
dotada de um preço. Embora o preço seja fictício, somos todos forçados a responder por ele (seja pagando uma
hipoteca, procurando juros para a nossa poupança ou contraindo empréstimos para alavancar um negócio)”
(2014, p. 172-173).
32
A expressão no original “real estate and financial complex” dá o título a um projeto de pesquisa coletivo
coordenado pelo referido autor. No período do doutorado sanduíche, tive a oportunidade de participar do
seminário Capitalisms and City (Capitalism and Economy), ministrado pelo professor do Departamento de
Geografia Manuel Aalbers (KU Leuven/University of Leuven, Bélgica) e comentado pela Dr. Verônica Conte,
integrante do grupo de pesquisa da minha supervisora do estágio doutoral na Unimib, professora Serena Vicari
Haddock. Cf.: Real Estate/Financial Complex (REFCOM). Disponível em: The Real Estate/Financial Complex
| REFCOM Project | Fact Sheet | FP7 | CORDIS | European Commission (europa.eu) Acesso em: 30 mar. 2020.
46

padecer de inconstitucionalidade, atinge pontos cruciais da política urbana, quais sejam:


desconsideração do Plano Diretor como instrumento básico da política de desenvolvimento
urbano; supressão da autoexecutoriedade dos atos de poder de polícia administrativa
municipal no que diz respeito ao cumprimento da função social da propriedade e violação do
princípio da separação dos poderes; previsão de pagamento de indenização com valores de
mercado para propriedades que não atendam à sua função social, premiando um
comportamento inconstitucional; motivações incompatíveis com o princípio constitucional da
função social da propriedade, além de outros direitos e garantias individuais.
No entanto, o atual quadro de retrocessos de direitos sociais é mais abrangente, e
apresenta como principais marcos normativos no Brasil a aprovação da Reforma Trabalhista,
Lei nº 13.467/2017 (BRASIL, 2017c); a Lei de Terceirização, Lei 13.429/2017 (BRASIL,
2017a); e a Reforma da Previdência, Emenda Constitucional 103/2019 (BRASIL, 2019c).
O ataque aos direitos trabalhistas produz reflexos diretos nos fundos que financiam as
políticas urbanas e habitacionais. Como se sabe, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
(FGTS) é até hoje a principal fonte de recursos para a política habitacional, e consiste em um
fundo financeiro formado pela contribuição mensal de empregadores aos seus empregados
(ROLNIK, 2017).33
A aprovação da referida Lei nº 13.465/2017 (BRASIL, 2017b), que trata da
regularização fundiária e urbana, merece destaque na área do Direito Urbanístico por
desconstruir um importantíssimo arcabouço jurídico-normativo de preservação e garantia de
direitos institucionalizados a partir da década de 1980. Esse conjunto normativo produziu um
ordenamento jurídico inovador em toda a América Latina, materializado especialmente no
Estatuto da Cidade.
A lei aprovada sem o devido debate público rompe com vários regimes jurídicos de
acesso à terra e à moradia, construídos por meio de processos legislativos que envolveram
participação popular.
A Lei nº 13.465/2017 (BRASIL, 2017b) apresenta um modelo de regulamentação
fundiária urbana (REURB) que confere clara prevalência à titulação dos imóveis em
detrimento do conjunto de medidas urbanísticas, sociais e ambientais macroplanejadas,
indispensáveis ao desenvolvimento sustentável das cidades, desconsiderando os planos

33
O FGTS funciona pelo depósito de 8% na conta vinculada de natureza privada, sob gestão pública,
configurando-se como uma poupança pública do trabalhador. A partir de 1967, passa a ser o principal funding do
Banco Nacional de Habitação (BNH) (ROLNIK, 2017, cap. 3)
47

diretores, elemento urbanístico essencial, nos termos do artigo 182, § 1º da Constituição


Federal (BRASIL, 1988).
O referido modelo de REURB não se articula com os instrumentos jurídicos
instituídos pelo Estatuto da Cidade, o que facilita sobremaneira a ação do Estado que se
sujeita à lógica financeiro-imobiliária.
O presente estudo identificou três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) que
tramitam no Supremo Tribunal Federal a respeito da referida lei de regularização fundiária e
estão no status processual de concluso ao Relator, que pode declarar a inconstitucionalidade
da lei e bloquear uma série de retrocessos. Em síntese, as ações propostas pelo então
procurador-geral da República Rodrigo Janot, ADI 5771/DF (BRASIL, 2020a); pelo Partido
dos Trabalhadores, ADI 5787/DF (BRASIL, 2020b); e pelo Instituto de Arquitetos do Brasil,
ADI 5883/DF (BRASIL, 2021) argumentam a inconstitucionalidade formal da lei, por não
apresentar os requisitos de urgência e relevância para a edição da Medida Provisória que lhe
deu origem, uma vez que extrapola a competência legislativa da União e afronta a autonomia
municipal; a existência de inconstitucionalidades materiais, principalmente por priorizar a
titulação de imóveis em detrimento de medidas efetivas em relação ao direito à moradia; e
ofender o princípio da isonomia ao estabelecer critérios mais rigorosos de regularização para a
população qualificada como de baixa renda.
O processo de desdemocratização ora explicitado foi apontado por representantes do
Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU) 34 em dois artigos publicados na coluna da
instituição no site Justificando, nos quais é analisado o conteúdo das ameaças à política
urbana35 (ALFONSIN, 2019; ALFONSIN; COSTA; IACOVINI, 2019).
No artigo “Por que é urgente discutir justiça, cidades e direitos?”, os autores
explicitam alguns sintomas da desdemocratização na perspectiva das políticas urbanas, ao
relatar, ainda no governo Temer, a “transferência das atribuições do Conselho das Cidades
para o Ministério das Cidades e a suspensão do processo participativo de realização das
Conferências Nacionais da Cidade” (ALFONSIN; COSTA; IACOVINI, 2019). Esse processo
foi aprofundado no governo bolsonarista com o Decreto nº 9.759 de 2019 (BRASIL, 2019a),

34
“O Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU é uma associação civil, com atuação nacional desde
2005, que reúne profissionais, pesquisadores e estudantes para discutir, pesquisar e divulgar temas do Direito
Urbanístico. Atua como produtor de conhecimento, principal fonte de pesquisa e capacitação técnica na área no
país.” (IBDU, 2022). A pesquisadora consta no quadro de membros do IBDU.
35
No artigo “Função social da propriedade é o novo alvo do ativismo do atraso”, Alfonsin (2019) menciona o
conceito de desdemocratização a partir da referência do sociólogo Charles Tilly.
48

que visava à extinção de uma série de conselhos de participação popular em políticas


setoriais, incluindo o Conselho das Cidades.
Ressalta-se que o Supremo Tribunal Federal decidiu pelo deferimento de medida
cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6121 do Distrito Federal (BRASIL,
2019d) suspendendo parcialmente o citado decreto, afastando assim a possibilidade de
extinção por decreto de conselhos criados por lei até o exame definitivo da ação.36
Alfonsin (2019) aponta para a existência de uma agenda de ataques advinda da
aprovação da Lei Federal nº 13.465/2017 (BRASIL, 2017b) e da apresentação da Proposta de
Emenda Constitucional 80/2019 (BRASIL, 2019b), que visa alterar profundamente os
capítulos da Política Urbana e da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária da
Constituição Federal, com destaque para alterações no papel do Plano Diretor, e a mudança
do conteúdo do princípio da função social da propriedade, como processos de
descaracterização da política urbana.
Como dito anteriormente, para além da descaracterização da política urbana brasileira,
considera-se na presente análise que essas medidas atingem diretamente a democracia,
enquadrando-se no processo de desdemocratização, por reduzirem a extensão na qual o
Estado atua de acordo com as demandas expressas dos cidadãos (TILLY, 2007, p. 13). Assim,
as mencionadas críticas aos retrocessos apontados pelos representantes do IBDU como
desdemocratizantes (nos termos de Tilly) não se centralizam apenas no desmonte do
arcabouço legal democrático na área de políticas urbanas, crítica típica de uma abordagem
constitucionalista, mas também na mudança da relação entre Estado e cidadãos. As críticas se
adequam, portanto, ao conceito de democracia proposto por Tilly, que abrange o conjunto de
relações entre Estado e cidadão em que a democratização seria resultado de lutas sociais, de
alcance político.
A partir da crítica ao atual processo de desdemocratização brasileiro, de uma forma
mais propositiva, explicita-se a recomendação do autor àqueles que têm a esperança de ver os
benefícios da democracia se espalharem pelo mundo não democrático, em um horizonte de
transformação mais amplo: a concentração de esforços em promover a integração em
verdadeiras redes de políticas públicas, ajudando a protegê-las da desigualdade categórica e
trabalhando contra a autonomia de centros de poder coercitivo.

36
Esse é o caso do Conselho das Cidades, que havia se transformado em Conselho Nacional de Desenvolvimento
Urbano pela Lei nº 13.844/2019, com texto publicado anteriormente ao decreto.
49

1.2 DEMOCRATIZAÇÃO E DESDEMOCRATIZAÇÃO DA POLÍTICA URBANA EM


NOVA FRIBURGO

No contexto de construção de uma infraestrutura participativa que surgiu na


democracia brasileira das últimas décadas e os impactos para o ideal de governança
participativa democrática, principalmente a partir da Constituição e do Estatuto da Cidade, foi
construído um desenho participativo para a política urbana nacional com reflexos na criação
de espaços democráticos nas cidades.
Assim, nesse momento se territorializa a democratização da política urbana nacional
no município de Nova Friburgo, delimitado para a investigação da presente tese. Em Nova
Friburgo, Rio de Janeiro, essa democratização foi protagonizada pela experiência da
elaboração do Plano Diretor Participativo (PDP) de Nova Friburgo, em 200737. Nesse sentido,
faz-se necessária a análise dessa experiência participativa para explicitar a posterior retirada
de espaços de reflexão na esfera democrática urbanística da cidade. Como se verá no Capítulo
3, que trata do caso-referência da tese, o processo de desdemocratização local cria a
conjuntura responsável pela insurgência do Movimento Social SOS Praça.
Na análise da elaboração do PDP de 2007, como experiência marcante da
democratização da política urbana local, adotam-se como referencial teórico as escolhas em
desenho institucional participativo para minipúblicos elaborada por Archon Fung, segundo a
análise pragmática dessa experiência a partir dos critérios estabelecidos no artigo “Recipes for
Public Spheres: Eight Institucional Design Choices and Their Consequences”38 (2003). Opta-
se por uma análise institucionalista dessa experiência em razão de esta se mostrar mais
adequada à análise da criação de minipúblicos nessa escala local do que uma análise
macrossociológica adotada em escalas mais amplas (utilizada como referencial até o momento
na pesquisa).
Dessa forma, a partir das contribuições teóricas de Fung (2003) acerca das escolhas de
desenho institucional participativo de minipúblicos, investiga-se o potencial desses espaços
para uma real governança participativa democrática na cidade estudada. Com esse fim, o autor

37
No artigo “Cidadania na cidade: escolhas para o desenho institucional participativo no Plano Diretor do
Município de Nova Friburgo de 2007” foram apresentados os estudos iniciais da pesquisa sobre o PDP
friburguense (ASSIS; FAUTH; CAVALLAZZI, 2020).
38
Destaca-se que o citado artigo sobre escolhas de desenho institucional e suas consequências se tornou
paradigmático por inovar na análise conceitual e empírica da esfera pública “[...] on large institutions, trends,
and potential responses [...]” (FUNG, 2003, p. 338). Assim, esta proposta de viés institucionalista foge da
abordagem que visa a mudanças de grande escala e se pauta no pragmatismo para refletir sobre a melhoria da
qualidade da esfera pública a partir de projetos mais modestos.
50

apresenta a categoria analítica minipúblicos como programas de menor porte, geralmente


organizados pelas instituições municipais, que convidam os cidadãos a formular suas opiniões
ou deliberar sobre determinadas questões, como é o caso emblemático do Orçamento
Participativo brasileiro e do Plano Diretor Participativo ora analisado. Os esforços dos
minipúblicos são focados na reforma do pensamento em vez de constituírem formas
revolucionárias para solucionar problemas sociais que demandam alterações político-
culturais, visando a uma melhoria substancial da esfera pública via participação.
Essa experiência participativa será analisada por tópicos a partir do modelo de
avaliação apresentado por Fung (2003), que sistematiza as escolhas a respeito do desenho
institucional em oito principais tipos: minipúblicos; recrutamento e seleção de participantes;
temas e escopos das deliberações; estilos de deliberações; interação e recorrência; objetivos;
empowerment; e monitoramento.
O destaque nacional desse processo como prática participativa bem-sucedida se
expressa em publicações do próprio Ministério das Cidades, que considera a experiência uma
referência no enfrentamento da resistência da população à participação (BRASIL, 2005, p.
67), bem como pela conquista do Prêmio Nacional, realizado pela Caixa Econômica Federal
(CEF), como destaque em práticas de gestão local na categoria Cidade Cidadã (CAIXA,
2018).
O Plano Diretor analisado é o primeiro elaborado no município de Nova Friburgo
(OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2018, p. 5) sob o bojo do Estatuto da Cidade, 39
que previu em seu artigo 42-A, § 4º, o prazo de 5 (cinco) anos para o seu encaminhamento
para aprovação pela Câmara Municipal (BRASIL, 2001). O prazo legal, posteriormente, foi
prorrogado para 30 de junho de 2008.
A inovação democrática no processo do Plano Diretor de Nova Friburgo nos remete ao
início do processo, em 2005, no emprego de diversas estratégias para resgatar a confiança nos
processos participativos. Estratégias que serão abordadas mais adiante (BRASIL, 2005, p.
67). Delineadas algumas das especificidades do processo de elaboração do Plano Diretor de
Nova Friburgo de 2007, a análise se fará a partir das oito escolhas que influenciam o desenho
institucional presente nas sociedades contemporâneas e suas consequências.

39
No plano da regulamentação, o desenho participativo nacional foi traçado por Resoluções do Conselho das
Cidades, ligado ao Ministério das Cidades, como a Resolução nº 25, de 18 de março de 2005 (CONSELHO DAS
CIDADES, 2005a), que estabelece requisitos para a publicidade na elaboração do Plano Diretor (artigo 4º),
dispõe que a realização dos debates deve ser feita por segmentos sociais, por temas e por bairros, e exige também
que os locais de discussão sejam alternados (artigo 5º). Além disso, destaca a obrigatoriedade do Plano Diretor e
a regulamentação do processo participativo (2008b). A Resolução nº 34 define o conteúdo mínimo do Plano
Diretor Participativo (CONSELHO DAS CIDADES, 2005b).
51

O contexto vivenciado pela equipe do Plano Diretor Participativo de Nova Friburgo


em 2005 se aproxima muito das escolhas para um desenho participativo ideal apresentadas
por Fung (2003, p. 340), uma vez que se desejava melhorar a qualidade do envolvimento
cívico e público deliberativo e a equipe estava em uma posição para realizar um projeto nesse
sentido pelos financiamentos federal e municipal. Segue a análise em tópicos, segundo as oito
escolhas.

a) Visões ou tipos de minipúblico

Segundo Fung, a primeira escolha de design relevante se refere ao seu ideal de esfera
pública. Em Nova Friburgo, o desenho institucional participativo adotou a visão de que o
minipúblico é um fórum educativo que visa criar condições ideais para os cidadãos formarem,
articularem e refinarem opiniões sobre problemas públicos específicos, por meio de conversas
entre si (FUNG, 2003, p. 340). Iniciaram-se os trabalhos em Nova Friburgo a partir de um
seminário organizado pelo governo federal ainda em 2004.
O caráter educativo do minipúblico foi delineado com base em uma política do
governo federal que, por meio do Ministério das Cidades e com o apoio do Conselho das
Cidades, lançou, em maio de 2005, a Campanha Nacional Plano Diretor Participativo –
Cidade de Todos. Nesse sentido, o Ministério das Cidades instalou, na época, núcleos
estaduais da campanha do Plano Diretor. Esses núcleos contavam com o “kit da campanha do
Plano Diretor”40 para auxiliar no processo de capacitação dos agentes que trabalhariam na
elaboração dos planos diretores municipais.
Mais tarde, a criação da Secretaria Executiva do Pró-Cidade pela administração
municipal passa a liderar o processo da elaboração do Plano Diretor. Em 11 de novembro de
2005 é inaugurada a Casa do Plano Diretor, em um lugar de fácil acesso para a população no
Centro da Cidade, que visava permitir o acesso aos documentos e informações acumulados e
realização de algumas reuniões. O espaço ficava aberto de segunda a sexta-feira, em horário
comercial. Iniciativas como a criação de um programa de rádio, “A Hora do Plano Diretor”, o
livro Conhecendo Friburgo, obra interativa que permitia um passeio pela cidade, (BRASIL,
2005, p. 64) e o Concurso de melhor redação e melhor desenho entre estudantes da rede
pública, com o tema “A Cidade que Temos e a Cidade que Queremos” (CAIXA, 2018, p. 6),
reforçam a visão educativa desse desenho institucional.
40
O kit era composto por um vídeo, uma cartilha, um jogo, dois CDs-Rom e um manual do capacitador
(PEREIRA, 2009, p. 17).
52

Foram realizadas ainda oficinas de mapeamento ambiental comunitário, seis ao todo


em seis bairros de distintos distritos, em parceria com o Centro de Educação Ambiental, para
capacitar a população na noção de escalas dos fenômenos do espaço a partir da análise dos
mapas (PEREIRA, 2009, p. 76). Nas reuniões gerais nos bairros a equipe apresentava o que é,
como foi construído o Estatuto das Cidades e explicava no que consistia o Plano Diretor e
seus instrumentos, a partir do material do kit da campanha do Plano Diretor, com o intuito de
homogeneizar o conhecimento das pessoas sobre o tema, reforçando o caráter educativos das
reuniões (PEREIRA, 2009, p. 80).
Após a realização das reuniões e eventos afins, foi elaborado o boletim informativo do
Plano Diretor condensando as informações das reuniões anteriores, com periodicidade
mensal. Esse boletim era distribuído nas próprias reuniões e enviado por carta e e-mail para
entidades e associações (PEREIRA, 2009, p. 81). Dessa forma, percebe-se um complexo de
iniciativas no sentido da formação de um fórum educativo para a participação em
minipúblicos, o que possibilita concluir que houve uma qualificação da opinião pública no
processo estudado. Nas reuniões prévias para a elaboração da metodologia e nas gerais do
Plano Diretor Friburguense foi criado o painel consultivo participativo (segundo Fung, um
segundo tipo de minipúblico). Para o autor, nesse painel se desenvolvem vínculos com os
decisores municipais para transmitir preferências depois de terem sido apropriadamente
articulados e combinados em uma escolha social. Essa visão foi delineada pelo Estatuto da
Cidade no artigo 49, § 4º , inciso I: “a promoção de audiências públicas e debates com a
participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da
comunidade” (BRASIL, 2001).
Uma característica importante e específica do desenho institucional participativo
friburguense é o fato de ser um dos poucos casos que contou com uma ampla participação na
elaboração da metodologia, etapa normalmente construída por setores técnicos e pelas
consultorias, ampliando assim essa visão de painel consultivo (BRASIL, 2005, p. 68-69).
Em 2005 ocorreram as primeiras reuniões; ao longo dos meses de setembro e outubro
foram realizadas dez reuniões prévias entre a equipe do Plano Diretor e diversas entidades da
sociedade civil, as mesmas que haviam participado anteriormente da Conferência das
Cidades, para definir a metodologia de elaboração do plano. O caráter consultivo foi
ampliado, no caso de Nova Friburgo, por decisão da própria equipe, ao permitir a participação
na elaboração do método com vistas a alinhar a proposta da prefeitura, representada por seu
53

secretário e técnicos, com as demandas temáticas, de mobilidade e de transparência do


processo de diversos setores sociais.
Ademais, nas reuniões gerais, após a parte expositiva e educativa, eram formados
grupos de trabalho heterogêneos para discutir os temas tratados. Após um tempo, os grupos
apresentavam suas opiniões diante do plenário. Nas reuniões gerais, cada participante do
grupo de trabalho recebia um questionário, no qual deveria avaliar por meio de notas cada
aspecto da localidade onde vivia, como moradia, transporte, saneamento, saúde, educação,
meio ambiente, patrimônio histórico e cultural, entre outros, com a devida justificação em
espaço pertinente (PEREIRA, 2009, p. 80). Essas avaliações serviam para qualificar a
consulta à população sobre os temas mais sensíveis na localidade, pois os tópicos que
receberam as menores notas viraram temas de três seminários a respeito da abordagem
daquele item no texto do Plano Diretor.
O caso estudado também possuía características do terceiro tipo, qual seja, o
minipúblico de colaboração para a solução participativa de problemas. Essa visão foi
desenhada no próprio Plano Diretor de 2007 para ser desempenhada essencialmente pelo
Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Territorial (NOVA FRIBURGO, 2007),
que deveria atuar após a sua edição com a função de manter um relacionamento contínuo e
simbiótico entre o município e a esfera pública, com vistas à resolução de problemas coletivos
particulares, acompanhando e fiscalizando a aplicação do Plano Diretor.
Enfim, o Plano Diretor de Nova Friburgo previu o Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano e Territorial no seu artigo 174 (NOVA FRIBURGO, 2007),
inovando novamente ao delimitar os seus componentes com a integração de representantes
dos segmentos sociais com instâncias de representação de base territorial (DOS SANTOS,
2011, p. 264). A composição do conselho deveria ser instituída por lei municipal (NOVA
FRIBURGO, 2007), a ser enviada pelo Poder Executivo Municipal à Câmara Municipal, no
prazo de 180 dias após a vigência da lei que instituiu o Plano Diretor (NOVA FRIBURGO,
2007). No entanto, as normas do Plano Diretor de Nova Friburgo que dependiam de posterior
regulamentação perderam a eficácia pela inércia da Câmara Municipal, composta em sua
maioria por políticos de oposição ao governo que elaborou o Plano Diretor. Por conseguinte, a
lei não foi regulamentada e o conselho nunca operou na prática.
A quarta visão de minipúblico seria a governança democrática participativa, segundo
Fung a mais ambiciosa entre as demais. Essa visão pretende incorporar as vozes diretas dos
cidadãos na determinação das agendas políticas. O Plano Diretor Friburguense previa, em seu
54

artigo 131, inciso VI, alínea c (NOVA FRIBURGO, 2007), a gestão orçamentária
participativa entre os instrumentos de democratização da gestão urbana, identificada por Fung
como exemplo de governança democrática participativa, mas essa instância nunca funcionou
na prática, também por falta de regulamentação da Câmara Municipal. Essa visão de
minipúblico é percebida no presente trabalho como um parâmetro ideal para uma participação
política substancial que vai além de uma ação política.

b) Recrutamento e seleção de participantes

A segunda questão a ser enfrentada na escolha do design seria quem deveria participar
do minipúblico, ou seja, o recrutamento dos participantes. No caso da elaboração do PDP em
questão, o recrutamento para a fase de elaboração da metodologia, para a eleição da comissão
de acompanhamento e para as reuniões setoriais, foi diferente do definido para a elaboração
do Plano Diretor em si. Nas reuniões prévias para a elaboração da metodologia os
participantes foram selecionados por meio de convites às associações de moradores, entidades
acadêmicas, profissionais, organizações não governamentais, entidades religiosas e
assistenciais e sindicatos de trabalhadores para as 10 reuniões realizadas que reuniram apenas
87 pessoas no total (PEREIRA, 2009, p. 74).
A Comissão de Acompanhamento foi eleita pelos presentes no seminário de
lançamento do processo de elaboração do Plano Diretor, no qual foram selecionados 21
membros apenas entre representantes de entidades civis e movimentos sociais, na mesma
proporção de representação adotada na Conferência das Cidades. A comissão realizava
reuniões específicas com a equipe do Plano Diretor, abrindo espaço para os questionamentos
e sugestões que ela trazia do restante da sociedade civil. Foram realizadas, ainda, reuniões
setoriais com grupos geralmente marginalizados, como no caso da associação de loteamentos
irregulares, para dar voz a esses grupos, além das reuniões realizadas apenas com os membros
da Comissão de Acompanhamento (PEREIRA, 2009, p. 78).
Por outro lado, nas reuniões gerais se utilizou o meio mais comum de recrutamento, a
autosseleção voluntária, já que as reuniões e atividades públicas eram abertas a todos que
desejassem participar. Fung identifica que o problema de as pessoas aparecerem
voluntariamente nas reuniões é que, em geral, são os mais ricos que comparecem, por terem
mais tempo, interesses e recursos para isso (2003, p. 342).
55

Considera-se assim que a escolha de participantes específicos nas reuniões prévias


para a elaboração de metodologia, na eleição da Comissão de Acompanhamento e nas
reuniões setoriais corrige esse possível problema identificado por Fung, por conseguir
apresentar um melhor reflexo demográfico da população em geral. Os temas que abrangiam o
PDP, como “infraestrutura urbana básica resulta em uma participação desproporcionalmente
elevada por parte de pobres” (FUNG, 2003, p. 343) já apresentam um potencial de inclusão
das camadas menos favorecidas da população.

c) Assunto e escopo da deliberação

O assunto a ser tratado estava previsto pelo Estatuto da Cidade, principalmente em seu
artigo 40, como “instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”
(BRASIL, 2001), integrando assim o processo de planejamento municipal. Em relação às
questões urbanas locais, é evidente a vantagem comparativa dos cidadãos, como destinatários
diretos das políticas públicas, para contribuir com informações sobre suas preferências e
valores em relação a outros atores, como políticos, administradores e interesses organizados,
apesar de muitas decisões envolverem questões técnicas de difícil compreensão pelo cidadão
comum.
Daí a importância de técnicos especializados integrando a equipe do Plano Diretor
responsável pelo trabalho de articulação e confecção do documento, que, apesar de contar
apenas com três profissionais de campos diferentes, dispunha de assessoria técnica em
diversas áreas via Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) (PEREIRA, 2011,
p. 166), que treinou em geoprocessamento um geógrafo e um engenheiro agrimensor da
equipe que integrava a Secretaria Municipal do Pró-Cidade (PEREIRA, 2009, p. 77).
Como dito anteriormente, nas reuniões gerais foram aplicados questionários sobre os
temas pertinentes ao Plano Diretor com as notas em relação à localidade do participante.
Assim, a equipe conseguiu identificar os temas que mais atraíam a atenção das pessoas pelas
menores notas comparativamente e, a partir desse resultado, decidiram realizar seminários
temáticos de três pontos: Meio Ambiente e Moradia Digna; Uso e Ocupação do Solo;
Mobilidade e Transporte (PEREIRA, 2009, p. 80-81). Dessa forma, o processo de elaboração
do Plano Diretor conseguiu apresentar temas mais atrativos aos seus participantes.

d) Estilo deliberativo
56

Uma quarta escolha de design institucional diz respeito à organização e ao estilo de


discussões em um minipúblico. Segundo Fung, “as esferas públicas deveriam ser construídas
de modo a, antes de tudo, permitir àqueles sem voz e vontade encontrá-las e formá-las”41
(2003, p. 344, tradução nossa). O caráter educativo das reuniões, a formação de grupos
heterogêneos para a discussão, o uso de questionários no final dos encontros e a realização de
reuniões setorizadas tem esse intuito de buscar uma discussão que permita aos indivíduos
expor seus pontos de vista e ganhar confiança nas próprias perspectivas. A facilitação
realizada pela equipe procurou assegurar que os “fracos”, e não necessariamente aqueles com
as melhores ideias ou argumentos, tivessem tempo e oportunidade suficiente para falar e se
expressar .

e) Interação e recorrência

O impulso democrático participativo prediz que, quanto mais encontros e debates,


melhor. Fung diverge do senso comum ao considerar que, em minipúblicos dedicados a
fóruns educativos e painéis consultivos e que tratam de questões que determinem a opinião
pública de forma quase estática, como no presente caso de elaboração do PDP, uma rodada
conclusiva de deliberação poderia ser suficiente (2003, p. 345). O processo de elaboração do
Plano Diretor contou com a realização de 86 reuniões, envolvendo cerca de 2.300 pessoas
(CAIXA, 2018, p. 6), o que é um número razoável se considerarmos as visões de
minipúblicos desse desenho participativo.
A recorrência e interação são essenciais para a fiscalização da execução do Plano
Diretor, que deveria ser realizada principalmente pelos Conselhos Municipais específicos,
traçados a partir das visões de colaboração para a solução participativa de problemas e
governança democrática participativa, já que o monitoramento é um empreendimento em
andamento. Ocorre que, como anteriormente relatado, as esferas participativas criadas pelo
Plano Diretor nunca operaram na cidade em questão.

f) Objetivo

41
No original: “[...] public spheres should be constructed in ways that, first and foremost, allow those without
voice and will to find and form it.”
57

Fung diverge novamente do senso comum ao considerar que, se a discussão diz


respeito a alguma questão que afeta o bem-estar ou crenças dos participantes, o resultado é
uma melhor deliberação. Nesse sentido, deliberações “quentes”, nas quais os participantes
têm muita coisa em jogo, como no caso estudado, que envolve decisões que afetam o
cotidiano das pessoas, “os participantes vão investir mais de sua energia e recursos psíquicos
no processo e, assim, torná-lo mais completo e criativo”.42 (FUNG, 2003, p. 345, tradução
nossa).
Como dito anteriormente, o processo participativo em questão conseguiu vencer a
resistência e descrença da população nas instâncias governamentais por todo o empenho na
informação da população e vontade na ação política da equipe envolvida. Contudo, apesar do
resultado presente na norma ter sido satisfatório, a população não sentiu seus efeitos na
qualidade de vida da cidade.

g) Empowerment

Um minipúblico só se torna empoderado caso seus resultados deliberativos


influenciem as decisões públicas. Apesar de o processo de elaboração do Plano Diretor
Participativo em questão não apresentar o grau de deliberação de um modelo “de baixo para
cima”, como o Orçamento Participativo, considera-se que esse processo não pode ser
compreendido como mera ratificação pública, como estabelece Avritzer (2008, p. 61), apenas
por não vincular os órgãos públicos no tocante à manifestação dos indivíduos.
Foram realizadas três audiências públicas para a elaboração do Plano Diretor de Nova
Friburgo, em que foram reunidas as propostas produzidas nas reuniões. Na primeira, houve o
debate das propostas preliminares e a convergência entre leituras técnicas e comunitárias; na
segunda, a apresentação e discussão da minuta do anteprojeto de lei do Plano Diretor; e na
terceira, a finalização do texto do anteprojeto de lei a ser enviado à Câmara Municipal
(CAIXA, 2018, p. 4). Ademais, na Cartilha do Plano Diretor organizada pelo Ministério das
Cidades e distribuída para os municípios com obrigatoriedade de confeccionar o Plano Diretor
era evidente, em seu conteúdo, que “a participação da sociedade não deveria estar limitada

42
No original: “Participants will invest more of their psychic energy and resources into the process and so make
it more thorough and creative.” Por outro lado, o autor reconhece que “não temos evidências empíricas quanto a
méritos relativos e circunstâncias apropriadas, de uma deliberação quente versus fria”. (FUNG, 2003, p. 345,
tradução nossa). No original: “we have no empirical evidence regarding the relative merits, and appropriate
circumstances, of hot versus cold deliberation.”
58

apenas à solenidade de apresentação do Plano Diretor, em Audiência Pública” (ROLNIK;


PINHEIRO, 2004, p.17).
O Plano Diretor é assim entendido como construção coletiva e atividade participativa
que começa com trabalhos na equipe interna, em cada prefeitura, concomitantemente com o
trabalho de sensibilização e mobilização da sociedade civil – entidades, instituições,
movimentos sociais e cidadãos em geral. O Plano Diretor é construção coletiva e atividade de
participação (ROLNIK; PINHEIRO, 2004, p. 18). Ressalta-se ainda que, no caso, a
elaboração da metodologia foi incluída na esfera consultiva participativa e os cidadãos viram
a aplicação, na prática, da metodologia discutida. Por outro lado, a escolha de técnica
legislativa dilatória não permitiu que os efeitos da iniciativa participativa estudada fossem
produzidos.

h) Monitoramento

O Conselho de Acompanhamento, composto por 21 membros eleitos no seminário de


abertura em 2004, formou um minipúblico com a função de fiscalizar o andamento dos
trabalhos da equipe que liderava o processo em reuniões setoriais. O monitoramento após a
aprovação do plano seria realizado especialmente pelo Conselho Municipal de
Desenvolvimento Urbano e Territorial, mas, como dito anteriormente, esse minipúblico nunca
saiu do papel.
A análise das escolhas no desenho institucional participativo da elaboração do Plano
Diretor de Nova Friburgo de 2007 demonstra que não é pretensioso supor que as variações
desses desenhos importam para o alcance de valores democráticos-chave, como legitimidade,
justiça e eficiência na governança (FUNG, 2015, p. 2).
A concepção do desenho participativo em questão adotou as visões de fórum
educativo e de conselho consultivo participativo, não constituindo o modelo de “colaboração
para a resolução participativa de problemas” já que não houve uma continuidade no
relacionamento simbiótico entre Estado e sociedade, devido ao desmantelamento dessa esfera
pública participativa assim que mudou a gestão municipal.
Em relação à visão de governança democrática participativa, houve avanços na oitiva
das vozes dos cidadãos (FUNG, 2003) para determinação das agendas de políticas na
confecção do instrumento do Plano Diretor de Nova Friburgo de 2007, mas a ineficácia da
59

norma por falta de regulamentação silenciou essas vozes, não permitindo a criação de espaços
participativos previstos nesse instrumento legal.
Apesar de o Estatuto da Cidade ter determinado, em seu artigo 40, § 3º, que a lei que
institui o Plano Diretor deveria ser revista, pelo menos, a cada dez anos (BRASIL, 2001), a
revisão permanece ainda hoje pendente de aprovação na Câmara de Nova Friburgo. A revisão
foi realizada pela prefeitura e enviada para a aprovação da Câmara Municipal em 2015. O
Legislativo Municipal se manteve imóvel, apesar de expirado o prazo, e não foi mais
apresentada nenhuma revisão pelas duas gestões municipais posteriores a esse último envio,
até os dias de hoje. Dessa forma, o município encontra-se em atraso há cerca de cinco anos na
apresentação da revisão do Plano Diretor, revelando mais uma vez os reflexos do processo de
desdemocratização atual, no nível local, em relação às políticas urbanas.
Ressalta-se que a revisão elaborada em 2015 não seguiu o desenho participativo ora
explicitado. A elaboração iniciada um ano antes contou com 38 reuniões, mas não apresentou
especificidades da experiência do PDP de 2007, como a participação da população para
decidir sobre a metodologia, um espaço específico para reuniões e comunicação com a
população como a Casa do Plano Diretor, até porque não contava com a estrutura de apoio
nacional de 2007.
Outros aspectos a respeito da desdemocratização da política urbana local serão
tratados nos próximos capítulos, em que serão apresentadas, principalmente por meio do
estudo do caso-referência, a restrição na transparência das ações da municipalidade e o
distanciamento entre cidadão e o Estado com a redução das esferas públicas participativas.
60

2 A GUINADA PARA UM PASSADO INVENTADO EM NOVA FRIBURGO: A


COLONIALIDADE DO MITO DA “SUÍÇA BRASILEIRA”

Sempre pensamos e escrevemos de algum lugar, de alguma circunstância histórica e


social e contra alguma interpretação desse lugar (O’DONNELL, 2017, p. 222).

Após a introdução do debate a respeito da democratização e desdemocratização, e dos


seus impactos na política urbana na escala nacional e local, delimitando a análise de
experiências na cidade de Nova Friburgo, será articulada essa dinâmica às visões de passado,
presente e futuro em relação à mirada do passado (BENJAMIN, 1987; BAUMAN, 2017) da
cidade estudada.
A visão crítica da filosofia da história de Benjamin é utilizada na pesquisa como
arcabouço teórico de explicação para a mobilização da história e o olhar do futuro
democrático da cidade. Assim, resgata-se a crítica à mentalidade progressista da virada do
século XVIII e início do XIX como justificadora da invenção de tradições tanto nacionais
como locais no Brasil, especificando a construção do mito da “Suíça brasileira” (ARAÚJO,
1992, 2018b) na cidade estudada. Em seguida, analisa-se a substituição do progresso pelo
retrocesso contemporaneamente, que opera o que se denomina retrotopia, ou seja, “guinada de
volta para o passado” (BAUMAN, 2017, p. 12).
A concepção de ideias da filosofia da história baseada na célebre tese Sobre o
conceito de história, de Walter Benjamin (1987), será organizada com vistas à compreensão
da crítica do autor ao olhar historiográfico burguês e progressista da época. Nessa tarefa, além
da obra original do autor, a reflexão tem suporte em leitores da obra benjaminiana, como o
sociólogo Michael Löwy (2002, 2015) e o filósofo espanhol Reyes Mate (2011), entre outros.
A chave de sentido retrotopia (BAUMAN, 2017) é adotada para a compreensão do
contexto brasileiro de pessimismo na democracia, no momento identificado com a
desdemocratização, com enfoque especial nas políticas urbanas.
Com isso, a partir da articulação do arcabouço teórico crítico histórico com a
contextualização dos processos de democratização e desdemocratização nas escalas mundial,
nacional e da cidade, com enfoque mais específico a respeito da política urbana brasileira e
seus efeitos locais, a pesquisa apresenta a trajetória que gerou uma disputa de narrativas
históricas sobre a cidade de Nova Friburgo e revela qual a história escolhida pelos
vencedores, para em seguida, no Capítulo 3, analisar o caso-referência da tese.
A construção e reinvenção do mito da “Suíça brasileira” são tratadas como a história
construída pelos vencedores, forjada a partir de uma tradição inventada, que mantém o marco
61

da colonialidade (QUIJANO, 1992, 2005) até os dias de hoje. A colonialidade entendida


como poder estrutural que opera na América Latina, possibilitando a criação de um novo
padrão de racionalidade, o eurocentrismo, bem como desencadeando o desenvolvimento do
capitalismo enquanto sistema mundial.
A colonialidade entendida a partir de Quijano prediz que: “a estrutura colonial de
poder produziu as discriminações sociais que posteriormente foram codificadas como
‘raciais’, étnicas, ‘antropológicas’ ou ‘nacionais’”43 (1992, p. 13, tradução nossa). A relação
da cultura europeia, chamada também de ocidental, com as outras continua a ser uma relação
de dominação colonial. Nesse sentido, o mito da “Suíça brasileira” funciona como uma forma
explícita de “colonização do imaginário dos dominados”44 (QUIJANO, 1992, p. 13, tradução
nossa) e de manutenção das relações de tipo classista operadas a partir das referidas
discriminações sociais.
Segundo Quijano (2005), a ideia mitificada de progresso como versão eurocêntrica da
modernidade é indissociável da colonialidade que coloca a vigência da ideia de raça como
critério básico de classificação social universal da população mundial, ou seja, existiria
supostamente uma distinta estrutura biológica que situaria uns em situação natural de
inferioridade em relação a outros.
O percurso investigatório seguirá ainda as trilhas de descrição das cidades do
clássico45 de Italo Calvino, Le città invisibili (1972), em que Marco Polo relata ao imperador
Kublai Khan a dificuldade em descrever a cidade de Zaíra:
Poderia falar de quantos degraus são feitas as ruas em forma de escada, da
circunferência dos arcos dos pórticos, de quais lâminas de zinco são recobertos os
tetos; mas sei que seria o mesmo que não dizer nada. A cidade não é feita disso, mas
das relações entre as medidas de seu espaço e os acontecimentos do passado. 46
(CALVINO, 1972, p. 3, tradução nossa)

A obra do italiano Ítalo Calvino, Le città invisibili, desde a sua publicação em 1972,
continua fascinando leitores e despertando o interesse de estudiosos da cidade, do urbano e da
literatura. Esse interesse que perdura depois de décadas decorre do potencial do livro, que

43
No original: “la estructura colonial de poder produjo las discriminaciones sociales que posteriormente fueron
codificadas como ‘raciales’, ´etnicas´, ‘antropologicas’ o ‘nacionales’”.
44
No original: “colonizacion del imaginario de los dominados”
45
Segundo o próprio autor italiano: “Si dicono classici quei libri che costituiscono una ricchezza per chi li ha
letti e amati; ma costituiscono una ricchezza non minore per chi si riserba la fortuna di leggerli per la prima
volta nelle condizioni migliori per gustarli” (CALVINO, 1995). “Dizem-se clássicos aqueles livros que
constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se
reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições de apreciá-los” (tradução nossa).
46
No original: “Potrei dirti di quanti gradini sono le vie fatte a scale, di che sesto gli archi dei porticati, di quali
lamine di zinco sono ricoperti i tetti; ma so già che sarebbe come non dirti nulla. Non di questo è fatta la città,
ma di relazioni tra le misure del suo spazio e gli avvenimenti del suo passato [...]”
62

consiste em imagens arquetípicas da cidade alinhavadas pela palavra poética, em forma


narrativa, do diálogo entre o viajante veneziano Marco Polo e o imperador mongol Kublai
Khan.
A pesquisa parte da ideia da busca da história invisível da cidade visível, a história dos
vencidos, como prefere Benjamin, ou a história dos colonizados se se pensar na América
Latina. De fato, a cidade é um objeto que escapa mesmo ao observador mais atento, por ser
“uma combinação intrincada entre espaço e tempo, de camadas geológicas sobrepostas
consolidadas no espaço urbano” (TAVOLARI, 2020).
O presente capítulo visa, assim, traçar a história urbana de Nova Friburgo,
cidade situada na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, ao refletir sobre o processo
social, político e econômico mais abrangente da cidade, buscando compreender as
particularidades e potencialidades da região.
Com isso, a pesquisa não tem a pretensão, obviamente, de esgotar a análise do
processo histórico da cidade em questão, mas aceita a duração como dimensão necessária
neste estudo. A história de longa duração, a partir dos ensinamentos de Braudel (1969), é
percebida como linguagem que liga o passado e o presente ao reconhecer a multiplicidade do
tempo e o valor excepcional do tempo longo.
Como observa Calvino (1972) em uma passagem citada repetidas vezes em sua obra
clássica acima mencionada, cada cidade já escreveu a própria história nas pedras dos seus
palácios e nas recordações a elas ligadas, que apenas aguarda ser lida por alguém que saiba e
queira lê-la:
Mas a cidade não conta seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito
nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas
dos para-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões,
serradelas, entalhes, esfoladuras”47 (CALVINO, 1972, p. 18-19, tradução nossa).

Nesse sentido, optou-se em aprofundar a discussão sobre os marcos históricos da


cidade a partir de trabalhos da história local que permitem aflorar o específico e o particular e
apresentar o cotidiano, sem desconhecer os quadros mais amplos que os geram (ARAÚJO,
2018b, p. 12-14). Nessa tarefa, a categoria colonialidade de Quijano (1992, 2005) permite
contextualizar as críticas ao progresso benjaminianas à América Latina e ao Brasil.
A partir dessas referências da história local pretende-se desenhar uma história urbana,
no sentido de Rolnik (1992), que se diferencia sobremaneira de uma história na cidade, uma

47
No original: “Ma la città non dice il suo passato, lo contiene come le linee di una mano, scritto negli spigoli
delle vie, nelle griglie delle finestre, nei corrimano delle scale, nelle antenne dei parafulmini, nelle aste delle
bandiere, ogni segmento rigato a sua volta da graffi, seghettature, intagli, svirgole.”
63

vez que aquela reconhece o papel do espaço como catalisador no processo de transformação
ou da temporalidade, contrapondo-se às noções de cidade como cenário ou espaço inerte.
Com isso, o espaço passa a servir como fonte, como um arquivo ou um registro, na medida
em que se lê, na história da organização do espaço da cidade, as formas de relação social e
econômica, entre outras.
A seção Marco de origem: uma colônia “plantada” pelo café especifica a história
da ocupação territorial da região em que hoje se situa a cidade de Nova Friburgo, que já foi
ocupada por povos indígenas, e o processo de devastação da mata atlântica, inicialmente para
busca do ouro. Em seguida, a influência do café prevalece na região e, posteriormente, a
colonização suíça e alemã passa a exercer um importante papel nessa organização espacial,
delimitando o que se denomina colonialidade (QUIJANO, 1992, 2005) como estrutura
colonial de poder.
Como contexto sociopolítico necessário para a industrialização posterior, apresenta-se
a urbanização da cidade, principalmente a partir da introdução da ferrovia Leopoldina
Railway, com o rápido crescimento demográfico e espacial, acompanhado da modernização
econômica e social que transformou a vila em cidade (MAYER; ARAÚJO, 2003, p. 16).
Em outro momento, a pesquisa propõe que a industrialização alemã em Nova
Friburgo, forjada com a urbanização da cidade, configura-se como uma reinvenção na
perspectiva de manter a hegemonia da colonialidade (QUIJANO, 1992, 2005) na cidade, uma
colônia “plantada” pelo café (DEFFONTAINES, 1944), por meio da construção de uma
dimensão mítica da história de Nova Friburgo. O mito fundador é construído em uma
articulação entre empresários alemães e uma elite política modernizadora, a partir do mito da
“Suíça brasileira” (ARAÚJO, 1992, 2018b), inventado e consolidado no período histórico
entre 1910 e 1960, mas que se perpetua e se renova nos tempos atuais, como se verá adiante.
A construção teórica sobre o mito da “Suíça brasileira” introduzida no debate a
respeito da história da cidade pelo historiador João Raimundo Araújo (1992, 2018b) foi o
ponto de partida para o aprofundamento desses estudos sobre a história regional e local, 48 bem
como para a reflexão das raízes históricas que estabelecem obstáculos para democratização
das políticas urbanas da cidade e do próprio direto à cidade, como se especificará nos
capítulos seguintes.

48
O artigo “Uma colônia plantada pelo café: reflexões sobre a gênese de Nova Friburgo” (ASSIS, 2018),
apresentado no XV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo: a cidade, o urbano e o humano, foi fruto
desses estudos iniciais para a presente pesquisa.
64

Esta proposta de crítica da construção desse título à cidade, que se transformou em


slogan progressista, inspirou diversas pesquisas de historiadores locais, como os trabalhos de
Costa (2018), Jorge Miguel Mayer (2003a), Marretto (2018, 2019). Na presente pesquisa
considera-se que os historiadores locais citados pertencem a uma linhagem de estudiosos
críticos que reconhece a importância do conhecimento das características locais e da
experiência histórica do povo para o exercício da cidadania (MAYER; ARAÚJO, 2003, p.
14).

2.1 DO PROGRESSO À RETROTOPIA: DE VOLTA PARA O PASSADO INVENTADO

Com vistas a introduzir uma reflexão crítica a respeito do olhar sobre o


desenvolvimento do tempo histórico para análise da construção da democracia brasileira,
remete-se ao diálogo sobre o futuro dessa democracia, em que o sociólogo Lamounier (2009)
revisita a obra Bases do autoritarismo brasileiro (1982), do também sociólogo Simon
Schwartzman, que repetia o “pessimismo” da linhagem historiográfica que o precedeu.49 O
autor antecipava, no prefácio da edição de 1982, que a redemocratização formal seria o
primeiro passo imprescindível, mas que a questão democrática brasileira seria muito mais
profunda em razão do nosso passado colonial e do sistema político e econômico
patrimonialista (SCHWARTZMAN, 1982).
Na referida obra, o autor indaga sobre as possibilidades do desenvolvimento da
democracia em um país marcado por um longo período de colonização e escravidão, ao
colocar o autoritarismo brasileiro não como um fenômeno passageiro, mas com raízes
profundas e implicações que não se desfazem por simples rearranjos institucionais.
Na realidade, o ambiente pós-transição brasileiro foi bem mais otimista, como afirma
Lamounier, o que chamou a atenção internacional para o nosso sistema político (2009, p. 54).
Esse sentimento otimista em relação à democracia brasileira perdurou nas últimas décadas,
inclusive em relação aos espaços participativos criados para tratar da questão urbana, como se
verá adiante.
Diante desse quadro de otimismo, Lamounier se perguntava ao dialogar com a citada
obra de Schwartzman, ainda em 2009: “Estaria então errado o livro? Ou errados estaremos

49
Lamounier, ao tratar do pessimismo da linhagem historiográfica que precedeu Schwartzman, está se referindo
claramente aos intérpretes do Brasil responsáveis pelo que entendemos por identidade nacional. A tríade mais
celebrada entre os intérpretes é composta por Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Caio Prado Jr e suas
obras clássicas: Raízes do Brasil ([1936], 2014), Casa-grande & senzala (1933) e Formação do Brasil
contemporâneo ([1942], 2011).
65

todos nós, percebendo os acontecimentos por uma ótica digna do Dr. Pangloss?” (2009, p.
54). Lamounier utiliza metaforicamente o personagem Dr. Pangloss, da sátira Cândido, ou o
otimismo, de Voltaire (1759), para quem o futuro da humanidade seria o melhor dos mundos
possíveis. Dr. Pangloss representa a filosofia leibniziana criticada por Voltaire, segundo a
qual se está sempre no melhor dos mundos e o bem sempre triunfa sobre o mal.
Essa crítica ao tempo linear e ao progresso também está presente na obra
benjaminiana, conforme destacado anteriormente. Soma-se ao eco dos autores críticos da
lógica do progresso o historiador Koselleck (2006), ao atribuir esse “otimismo” à ideia de
“aperfeiçoamento” como chave para compreender a modernidade, cujo início remontaria ao
final do século XVIII. Nesse sentido, o futuro teria sido esperado como melhor que o passado
pela construção de expectativas apoiadas no progresso, sem a necessidade de apoio na
experiência.
Assim, Lamounier lança mão da figura do personagem de Voltaire como forma de
expressar o ambiente de otimismo em torno do futuro da democracia brasileira vivenciado na
primeira década do século XXI (2009).
Retornando à pergunta de Lamounier sobre o otimismo a respeito da democracia
brasileira: com a emergência de uma onda de governos conservadores ultraliberais pelo
mundo nos últimos anos, em países que adotam a narrativa autoritária como Estados Unidos,
Polônia, Hungria, Rússia, Itália, Israel, representada pela ascensão do governo Bolsonaro no
Brasil (SCHWARCZ, 2019), a resposta é inevitável: nós erramos!
Nesse sentido, Schwarcz (2019)50 pondera que não existe uma continuidade mecânica
entre o nosso presente e o nosso passado, mas a raiz autoritária de nossa política corre o risco
de prolongar-se no momento em que vivemos uma onda conservadora nos cenários
internacional e nacional que traz consigo novas batalhas pela “verdadeira” história.
No mesmo sentido, Bauman escreve a sua ideia de retrotopia, ao visualizar essa onda
de retrocessos sociais e de mentalidade coletiva, que se reflete ainda em uma era de
desdemocratização na Europa e no Sul Global.
Em um momento em que não havia lugar para a esperança na Europa, Benjamin falava
em “organizar o pessimismo” para se reconhecer no passado frustrado dos vencidos uma
injustiça ainda vigente. O autor converte o filósofo em catador de ideias e versões esquecidas
da história, oferecendo novas visões, a partir do recolhimento de dejetos (MATE, 2011, p. 33-
39).
50
A autora considera que o autoritarismo no Brasil tem por base o tripé: patrimonialismo, escravidão e
mandonismo (2019).
66

O pessimismo revolucionário de Benjamin, que se diferencia e distancia da resignação


fatalista (LÖWY, 2005, p. 23), tomou emprestado o conceito de organização do pessimismo
da obra La révolution et les intellectuels, de Pierre Naville ([1928], 1965). Esse pessimismo
é “ativo, ‘organizado’, prático, inteiramente dedicado ao objetivo de impedir, por todos os
meios possíveis, a chegada do pior”(LÖWY, 2005, p. 24).
À meia-noite do século,51 (MATE, 2011, p. 219), Walter Benjamin escreve as teses
Sobre o conceito de história (1987) como a resposta política de um filósofo em um momento
de desesperança na Europa. Em sua vida pessoal, Benjamin retardou demasiadamente a sua
fuga da Europa e, exilando-se em Paris, optou por ocupar o papel daquele que toca o alarme
de incêndio,52 decisão que selou sua morte em um ato de desespero.53
A filosofia da história benjaminiana, que toma a forma de ensaio ou fragmento, não
sendo sistematizável, deve ser aqui compreendida como inclassificável por estar às margens
das grandes tendências da filosofia contemporânea. Segundo Löwy “trata-se de um crítico
revolucionário da filosofia do progresso, um adversário marxista do ‘progressismo’, um
nostálgico do passado que sonha com o futuro” (2002).
Ao ser inscrito em uma situação que gera dejetos da história e impele a uma resposta
imediata, o caráter fragmentário do discurso benjaminiano está mais relacionado a essa
necessidade de responder à realidade dos dejetos do que a uma escolha por um estilo de
escrita fragmentada. Seu método de interpretar a história do ponto de vista dos vencidos,
usando o materialismo histórico, importa para a presente pesquisa no sentido de revelar a
reprodução da história inventada pelos vencedores até os dias de hoje.
Nas palavras de Benjamin: “articular historicamente o passado não significa conhecê-
lo ‘como ele de fato foi’.” (1994). Assim, seguindo os preceitos do referido autor em suas
teses Sobre o conceito da história, busca-se a empatia com os vencidos, na tarefa de escovar
a história a contrapelo.
A visão crítica de Walter Benjamin sobre o discurso a respeito da história como ruína
e ruptura, apresentada em seu último e profético texto, as teses Sobre o conceito de história, é

51
A expressão “meia-noite do século” foi tomada por Mate (2011) da obra de Victor Serge S’il est minuit dans le
siécle (Gasset, Paris, 1986) publicada em 1940, que trata da repressão stalinista contra seus opositores.
52
Tradução da expressão Feuermelder, que intitula um capítulo da obra Rua de mão única, de Benjamin (2011).
Löwy resgata essa expressão ao intitular seu estudo sobre as teses benjaminianas de alarme de incêndio,
“premonição histórica das ameaças do progresso” (2005, p. 23), uma vez que, para o referido autor, “toda sua
obra pode ser considerada como uma espécie de ‘aviso de incêndio’ dirigido a seus contemporâneos, um sino
que repica e busca chamar a atenção sobre os perigos iminentes que os ameaçam, sobre as novas catástrofes que
se perfilam no horizonte” (2005, p. 32).
53
Ao ser detido pela polícia espanhola no caminho de sua fuga da Europa, Benjamin decidiu envenenar-se, pois
sabia que no dia seguinte seria entregue às autoridades francesas e, portanto, à Gestapo.
67

metaforicamente sintetizada na forma de alegoria em sua análise da obra de Paul Klee,


Angelus Novus,54 de 1920, na tese IX. Segundo o autor, a história é objeto de uma
construção, cujo lugar não é um tempo homogêneo, mas cheio de agoras, em que cada
presente se comunica com os diversos passados (BENJAMIN,1987). A Figura 1 a seguir
apresenta a obra artística em questão.

Figura 1 – Angelus Novus, Paul Klee


Fonte: KLEE, 1920.

Vale relembrar a íntegra da tese IX, que o autor escreveu sobre a imagem adquirida
por ele na juventude, em um de seus últimos escritos mencionados anteriormente, um pouco
antes de seu suicídio para que não fosse capturado, por ser judeu, pelas tropas nazistas que
ocupavam a Europa nos anos 1940:
Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que
parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão
escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse
aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de
acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína
sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os
mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em
suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele

54
Outras importantes referências sobre tempo e história podem dialogar com a visão benjaminiana, como a ideia
de Sankofa, que parte da concepção africana de história. A Sankofa (Sanko = voltar; fa = buscar, trazer) origina-
se de um provérbio tradicional entre os povos de língua Akan, da África Ocidental, em Gana, Togo e Costa do
Marfim. A tradução do provérbio seria “não é tabu voltar atrás e buscar o que esqueceu”, o conceito é descrito
como o movimento de retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro. Como um símbolo
Adinkra, Sankofa pode ser representada como um pássaro mítico que voa para a frente, tendo a cabeça voltada
para trás e carregando no seu bico um ovo – o futuro.
68

irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de


ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso (BENJAMIN,
1987).55

Segundo a interpretação de Michael Löwy dessa passagem benjaminiana, o Anjo da


História, com seu olhar desesperado, gostaria de parar e cuidar das feridas das vítimas
esmagadas sob os escombros amontoados, mas a tempestade o leva inexoravelmente à
repetição do passado (LÖWY, 2005).
Ainda segundo Löwy, após a década de 1950, podem-se definir três escolas de
interpretação das “teses”:
1. A escola materialista: Walter Benjamin é um marxista, um materialista
consequente. Suas formulações teológicas devem ser consideradas como metáforas
[...] 2. A escola teológica [...] é antes de tudo um teólogo judeu, um pensador
messiânico. Para ele, o marxismo é apenas uma terminologia [...] 3. A escola da
contradição [...] tenta conciliar marxismo e teologia judaica, materialismo e
messianismo [mas por serem contraditórias, sua tentativa foi um fracasso] [...]
gostaria de propor, modestamente, uma quarta abordagem: W. Benjamin é marxista e
teólogo [...] O objetivo das notas e dos comentários que se seguem não é “julgar” as
teses de Benjamin, mas tentar compreendê-las. (2005, p. 36-37).

No mesmo sentido, Mate (2011, p. 61-64) considera que Benjamin propõe


expressamente na tese I a aliança entre marxismo e religião, respectivamente, materialismo
histórico e teologia. Ele o realiza inspirado pelo conto de Edgar Allan Poe, O enxadrista de
Maezel, que trata de um artefato mecânico que um barão conduzia pela corte de Viena, no
século XVIII, desafiando quem quisesse enfrentá-lo, mas que em verdade era manipulado por
um homem oculto ao espectador. O autor utiliza a metáfora em que essa figura humana seria
um anão feio e corcunda que representa a teologia e a mecânica representaria o materialismo
histórico.
Benjamin constrói seu pensamento com vistas a uma nova compreensão da história
humana, ao criticar tanto a historiografia burguesa quanto os progressistas,56 que têm sua
origem em uma estrutura epistemológica comum, qual seja, um tempo homogêneo, vazio e
linear, e um movimento para adiante como aprimoramento contínuo quantitativo e qualitativo.
Esse objetivo é visualizado de forma explícita no projeto Passagens (Das Passagen-Werk):
Pode-se considerar um dos objetivos metodológicos deste trabalho demonstrar um
materialismo histórico que aniquilou em si a ideia de progresso. Precisamente aqui o
materialismo histórico tem todos os motivos para se diferenciar rigorosamente dos

55
O trecho transcrito é o mais célebre de Walter Benjamin, o mais citado e interpretado do autor, tanto pela força
da alegoria, quanto pela sua dimensão profética, pela proximidade com Auschwitz e Hiroshima. Nele, o autor
não tem o compromisso de descrever a imagem do quadro que adquiriu na juventude, ele o enxerga com seus
óculos ao criar uma alegoria que expressa seus sentimentos e ideias.
56
Nos textos dos anos 1936 – 1940, Benjamin desenvolverá sua visão da história, dissociando-a das “ilusões do
progresso” hegemônicas no pensamento de esquerda alemão e europeu.
69

hábitos de pensamento burgueses. Seu conceito fundamental não é o progresso, e


sim a atualização (BENJAMIN, 2009, p. 502).

Em oposição a esse tempo contínuo e homogêneo do progresso, que não admite


interrupção nem uma virada de olhar para o passado, Benjamin se ancora no tempo pleno,
pleno por levar a sério as ausências (MATE, 2011), uma percepção qualitativa da
temporalidade fundada na rememoração e na ruptura messiânica/revolucionária da
continuidade57 (LÖWY, 2002).
O conceito de catástrofe está no cerne da sua crítica à mentalidade progressista.
Expressa, assim, que do ponto de vista dos vencidos o passado não é senão uma série
interminável de derrotas catastróficas. Benjamin ataca a ideologia do progresso em todos os
seus componentes: o evolucionismo darwinista, o determinismo de tipo científico-natural, o
otimismo cego e a convicção de “nadar no sentido da corrente” (LÖWY, 2002, p. 205).
No Brasil do final do século XIX e início do XX, orientados pela ideologia do
progresso, homens de sciencia (SCHWARCZ, 1993), na realidade misto de políticos e
cientistas no interior dos estabelecimentos em que trabalhavam, tomaram para si a tarefa de
“criar uma história para a nação, inventar uma memória para um país que deveria separar, a
partir de então, seus destinos dos da antiga metrópole europeia” (SCHWARCZ, 1993, p. 24).
Esses atores se identificam pelo ideário positivista que à época era dominante na
América Latina. Esse sistema de ideias, por meio da produção de saberes, encontrava-se a
serviço dos setores estatais latino-americanos. O filósofo argentino Oscar Terán propõe o
mesmo corte cronológico, a passagem do século XIX para o século XX, e a ancoragem em
casos nacionais argentinos para a criação de dispositivos produtores de conhecimento,
impulsionados pelas classes dominantes para projetar um modelo nacional, mesmo
considerando as especificidades desses Estados (BRUNO, 2015).
A partir dos anos 1870, uma série de “ismos” passaram a ser difundidos no Brasil,
teorias como o evolucionismo social, o positivismo, o naturalismo e o social-darwinismo,
tendo como horizonte de referência o debate sobre os fundamentos de uma cultura nacional
em oposição aos legados metropolitanos e a origem colonial (SCHWARCZ, 1993).
Entre essas entidades produtoras de saberes, merece destaque no Brasil o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, doravante designado como IHGB, criado em 1839, logo
após a independência do país. O estabelecimento carioca cumpria o papel de construir um
passado que se pretendia singular. Com esse objetivo, empenhava-se em “construir uma

57
Há um duplo movimento que orienta ao mesmo tempo para o passado – a história, a rememoração – e o
presente – a redenção.
70

história da nação, recriar um passado, solidificar mitos de fundação, ordenar fatos buscando
homogeneidades em personagens e eventos até então dispersos” (SCHWARCZ, 1993, p. 99).
Nesse período foi operada uma volta ao passado, no sentido de uma construção da
historiografia brasileira capitaneada por institutos e outras instituições, como museus
etnográficos, pautados pela confiança na inevitabilidade do progresso e da civilização. O
passado foi revisitado como forma de invenção de uma memória de uma nação, no sentido
moderno, que se criava.
A fundamentação histórica de um projeto nacional foi estabelecida a partir da
construção de uma tradição inventada. Como afirmam Hobsbawm e Ranger, “toda tradição
inventada, na medida do possível, utiliza a história como elemento legitimador e de coesão”
(1984, p. 21). Essa concepção da historiografia brasileira parte da ideia de um tempo
homogêneo, vazio e linear, bem como da idealização de um progresso contínuo. Esse ideário
dá base para a construção do mito da “Suíça brasileira” sobre a fundação da cidade de Nova
Friburgo no mesmo período, sendo que o discurso de um dos membros do IHGB, o homem de
sciencia Agenor de Roure, é um dos marcos principais dessa construção, conforme se
especificará adiante.
Contemporaneamente, a partir do insight benjaminiano contido em seu testamento
espiritual de 1940, Zygmunt Bauman, em seu livro póstumo, examina o quadro de Klee e
visualiza mais uma vez o Anjo da História em pleno voo. Quase um século depois, o
observador visualiza que o anjo muda a sua direção em 180 graus ao virar seu rosto do
passado para o futuro. O anjo não consegue mais fechar suas asas, que são empurradas para
trás por uma tempestade que se ergueu no “inferno de um futuro imaginado, antecipado e
temido de antemão, na direção do paraíso do passado” (2017, p. 8).
Nessa perspectiva, “progresso e retrocesso trocaram de lugar” (BAUMAN, 2017, p.
11). Essa guinada de 180 graus do humor e da mentalidade pública tem por consequência o
investimento das esperanças públicas em um passado agora valorizado por uma suposta
estabilidade e confiabilidade, em que o futuro perde seu status de habitat natural de
esperanças e expectativas. Ambas as ideologias – a do progresso e a do retrocesso – se
inserem numa dimensão conservadora de temporalidade, como se verá no decorrer da
pesquisa, construindo e depois reafirmando a colonialidade do mito da “Suíça brasileira” na
cidade estudada.
Assim, no revezamento da história, os ventos de progresso são substituídos pelos
ventos de nostalgia, a “epidemia frenética de progresso” é substituída pela “epidemia global
71

de nostalgia” (BAUMAN, 2017). Cabe retomar a intenção de Benjamin de desmitificar o


progresso, o que resta claro ao apontar que seu real efeito é a produção de um amontoado de
escombros ou de ruínas (1987).
Agora é o futuro, visto como não confiável e administrável, um pesadelo que está na
“coluna de débitos” (BAUMAN, 2017, p. 8), e o passado passa a estar na “coluna de créditos”
(BAUMAN, 2017, p. 8) por ser um local de livre escolha e de investimentos em esperanças
ainda não desacreditadas. Nessa visão, essa estrada de volta ao passado seria uma
possibilidade de “uma trilha de limpeza dos estragos cometidos pelos futuros toda vez que
eles viraram presente” (BAUMAN, 2017, p. 12). O futuro como local de pesadelo em razão
dos retrocessos, elencados por Bauman como:
[...] pavor de perder o emprego e a posição social a ele vinculada; de ter a casa, o
resto de seus pertences e os bens móveis de toda uma vida retomados; de assistir aos
seus filhos patinando ladeira abaixo do ‘bem-estar com prestígio’; e ver suas
próprias qualificações, laboriosamente apreendidas e memorizadas, destituídas do
que tenha restado de seu valor de mercado (2017, p. 12).

Assim, Bauman aponta que a visão de futuro como caminho de fracasso e decepção
hoje faz emergir retrotopias,58 que seriam “visões instaladas num passado
perdido/roubado/abandonado, mas que não morreu, em vez de se ligarem a um futuro ‘ainda
todavia por nascer’ e, por isso, inexistente” (2017, p. 10). A retrotopia é essa busca no passado
de elementos que nos forneçam uma perspectiva de futuro, ainda que ilusória. Desse modo, a
retrotopia deriva da noção de utopia criada quinhentos anos antes por Thomas Moore, que
corresponde a uma negação da ideia de progresso e busca na nostalgia do passado suplantar as
necessidades do futuro (2017, p. 10).
Nesse contexto de generalizada desesperança em relação ao futuro e às utopias,
desponta a “era da nostalgia” como mecanismo de defesa, de encantamento com o passado.
Nostalgia de tradições fantasiosas, em que se renuncia ao pensamento crítico em prol de um
vínculo afetivo que confunde o lar verdadeiro com o lar imaginário (BAUMAN, 2017, p. 10).
A tendência retrotópica que surge da desconfiança do futuro gera sonhos de um passado que
nunca foi.

58
Segundo o historiador Hugo Hruby, “o verbete retrotopia ainda não consta nos dicionários. Trata-se de
neologismo retrabalhado, e não criado por Bauman, todavia somente com seu livro o termo difunde-se” (2020).
O historiador, em resenha à obra de Bauman, aponta para a existência de publicações da década de 1970. Cita
ainda o artigo Retrotopia: critical reason turns primitive, de 1998, e o capítulo em Schools of thought:
twenty-five years of interpretative social science, de Istvan Rev. O substantivo retrotopia aplica-se à visão dos
intelectuais de esquerda, principalmente nos países europeus, na década de 1960, ao desviarem-se da utopia
orientada para o futuro e voltarem-se para tempos românticos pré-revolucionários em comunidades camponesas
(HRUBY, 2020).
72

Essa criação de sonhos de um passado que não existiu daquela forma é um campo
privilegiado para a desconfiança e o regresso a um passado mitificado, que nunca existiu
realmente, do qual se selecionam apenas algumas partes, numa replicação mais imaginária do
que real.
Esse olhar para o passado difere da proposta de benjaminiana de que a história
caminharia rumo a outros futuros se o “catador” despertar no passado “as centelhas da
esperança” a partir do convencimento de que “os mortos não estarão em segurança se o
inimigo vencer” (1987, p. 224-225).
Segundo Peter Szondi, Benjamin volta ao passado, que é aberto e incompleto como
promessa de um futuro. Nas palavras do autor: “O tempo verbal de Benjamin não é o pretérito
perfeito, mas o futuro do pretérito na plenitude desse paradoxo: sendo futuro e passado ao
mesmo tempo.” (1986, p. 153)
Seguindo a mentalidade retrotópica, a história escolhida para ser reproduzida é a
mítica e não a dos oprimidos. Assim, ao invés de arrancar a tradição do conformismo, de
acordo com a diretriz benjaminiana, a tendência retrotópica é gerar confiança e conformismo
com uma construção mítica de um passado.
Acompanhando esse trajeto benjaminiano, o futuro democrático brasileiro e a
redemocratização das políticas urbanas brasileiras não surgirão como mera invenção, mas
devem se reconstruir com base em materiais existentes, ao se repensar criticamente a história
como fonte para a luta por futuros democráticos melhores.
Como se verá adiante, a potencialização da institucionalização e luta pelo direito à
cidade como perspectiva de um novo modo de vida transformador se enquadra nessa
necessidade de volta ao passado como construção de outros futuros e no questionamento de
quais planos devem ser ressuscitados do passado.
Nesse contexto, a presente pesquisa pretende resgatar a história da cidade com um viés
crítico na busca dos dejetos da história de Nova Friburgo a partir da desvelação da construção
do mito da “Suíça brasileira”, tradição inventada. Adiante, será abordada a reinvenção
contemporânea do mito como movimento retrotópico, que se alimenta no contexto atual de
desconfiança no futuro e apagamento da história dos vencidos da cidade.
73

2.2. HISTÓRIA URBANA DE NOVA FRIBURGO: A CONSTRUÇÃO DO MITO DA


“SUÍÇA BRASILEIRA”

2.2.1 Marco de origem da vila: uma colônia “plantada” pelo café

O presente tópico revisita narrativas sobre a gênese de Nova Friburgo a partir do


resgate da história da ocupação territorial da região que, no Brasil Colônia, denominava-se
Sertões do Macacu ou Sertões do Leste, em que se constituiu a Magna Cantagalo. O intuito é
revelar as relações entre a Coroa portuguesa e os senhores da região cafeeira na criação do
núcleo colonial suíço na área que ganha o título de Vila de São João Batista de Nova
Friburgo, em 1820, ao estabelecer que o marco do surgimento da cidade se consolida na
colonialidade como estrutura colonial de poder.59
O processo de conquista da região retoma, necessariamente, a discussão acerca da
gênese das vilas e cidades brasileiras, tratada por clássicos da historiografia como Sérgio
Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior e Pierre Deffontaines. Essa discussão dialoga com a
percepção de Fridman, de que o “consenso entre os autores apresenta-se em torno da ideia de
que no Brasil a maioria dos núcleos dependeu de atos da vontade dos poderosos” (2011, p. 2).
Nessa perspectiva, questiona-se o suposto isolamento da vila de colonos suíços em
relação à realidade histórica socioeconômica da região de Cantagalo, que, como se verá, será
forjado no início do século XX pelo mito da “Suíça brasileira” (ARAÚJO, 1992, 2018b).
Conforme será demonstrado, a região de Cantagalo, à época do decreto de 16 de maio
de 1818, assinado entre Dom João VI e o agente suíço Gachet (DECRETO..., 1820), estava
permeada pela grande propriedade, pela monocultura do café e pelo trabalho escravo para o
mercado externo, inserida, portanto, no “sentido da colonização” identificado por Caio Prado
Júnior (2011).
No Brasil Colônia, o território dos municípios que hoje compõem o centro-norte
fluminense,60 onde se situa a atual cidade de Nova Friburgo, era denominado Sertões do Leste
ou Sertões do Macacu. Essa região era coberta de ipês, sanandus, quaresmeiras, jequitibás e

59
Ressalta-se que o colonialismo presente na época difere do que denominamos colonialidade, uma vez que
aquela é a relação de dominação direta política, social e cultural dos europeus sobre os conquistados, sendo que
o colonialismo como poder político explícito foi destruído com o passar do tempo (QUIJANO, 1992, p. 14).
60
A região abrange 13 municípios, localizados entre a Serra do Mar e o Rio Paraíba do Sul. São eles: Bom
Jardim, Cachoeiras de Macacu, Cantagalo, Carmo, Cordeiro, Duas Barras, Macuco, Nova Friburgo, São
Sebastião do Alto, Santa Maria Madalena, Sumidouro, Trajano de Moraes e Teresópolis.
74

cedros, entre outras árvores que futuramente serviriam de madeira à Corte Imperial
(CORRÊA, 2011, p. 27).
Os Sertões do Leste pertenciam ao município de Santo Antônio de Sá, conhecido
como Macacu. Até o início do século XVIII, a região era habitada por índios das tribos
Coroados, Puris e Coropós (ERTHAL, 1992). Segundo a Carta Topográfica da Capitania
do Rio de Janeiro de 1767, do sargento-mor Manuel Vieira Leão, a região era um “certão
occupado por indios brabos” (LAMEGO, 1963, p. 216).
Em meados do século XVIII, por ocasião do pedido de Maurício Portugal à
Intendência Geral do Ouro, foi concedida autorização para a abertura de um garimpo na
região, rapidamente revogada por ordem do Vice-Rei, determinando o fechamento de todos os
garimpos e a destruição de todas as fazendas que estavam localizadas na base da Serra do Mar
(MARRETTO, 2018, p. 41). Com isso, essa região foi oficialmente interditada para que
através dela não se evadisse clandestinamente o ouro extraído de Minas Gerais, o que explica
a sua ocupação tardia (LAMEGO, 1963; ERTHAL, 1992).
Assim, apenas no final da década de 1770, com o exaurimento das jazidas em Minas
Gerais, a região foi ocupada por um grupo de garimpeiros sob a liderança de Manoel
Henriques, conhecido pela alcunha de “Mão de Luva”, 61 contrabandista fugitivo que invadiu
os Sertões do Leste em busca de ouro nos afluentes dos rios Grande, Negro e Macuco
(LAMEGO, 1963, p. 217).
“Mão de Luva”62 é um personagem histórico controverso, posto que uma lenda
romântica o liga à nobreza portuguesa: ele seria o Duque de Santo Tirso, apaixonado pela
futura D. Maria I, mas conspirando contra Pombal, que o teria enviado para o Brasil. Antes da
partida, a então princesa, em visita ao cárcere, teria lhe dado uma luva preta. Por morte do Rei
D. José, o Vice-Rei do Brasil teria recebido ordens expressas de obstar a volta do exilado que,
desiludindo-se, teria se embrenhado pelas selvas brasileiras (LAMEGO, 1963).
O famoso contrabandista teria sido perseguido por diligência, provavelmente dirigida
por Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, que fazia registro e ronda de patrulha. Outra
diligência de 1786, comandada pelo tenente-coronel Manuel Soares Coimbra e outros, em um

61
O bando de “Mão de Luva” era composto por homens brancos, pardos e escravos, conforme lista enviada para
São Martinho ao governador das Minas com a relação dos homens presos na noite de 13 de maio de 1786, sendo
10 brancos, 3 pardos e 24 negros escravos dos ditos brancos (Arquivo Nacional, p. 69 apud OLIVEIRA, 2008, p.
131).
62
Ludwig Wilhelm Von Eschwege, mineralogista alemão, na obra Pluto Brasiliensis, narra seu encontro com o
famoso contrabandista descrevendo-o como “[...] mulato ativo e atrevido, que entrara já em muitas desordens.
Em uma delas perdera uma das mãos, que ele substituíra [...] por uma de couro, razão pela qual foi desde logo
conhecido e temido pela alcunha de Mão de Luva” (ESCHWEGE, 1944, p. 139).
75

“empreendimento militar de envergadura” (LAMEGO, 1963, p. 218), embrenhou-se pela


região e capturou o bando liderado por “Mão de Luva”. 63
Após essa diligência, foram distribuídas sesmarias a todos que possuíssem no mínimo
12 escravos e quisessem garimpar ou plantar (FRIDMAN, 2011, p. 65). As terras da região de
Cantagalo64 foram distribuídas para diversos beneficiados, entre eles Manoel de Sousa Barros,
José Antônio Ferreira Magalhães e Lourenço Correia Dias. Este último foi proprietário das
terras que formaram a Fazenda do Morro Queimado, posteriormente adquiridas pelo
Monsenhor Almeida, sendo estas compradas para a alocação dos colonos suíços, como se verá
adiante (CÚRIO, 1974, p. 8-9).
Em 1814, o primeiro povoado da região, o arraial de Cantagalo, formado por pequenos
acampamentos temporários que a princípio eram de nômades na busca de metais, foi erigido à
Vila de São Pedro de Cantagalo (MAYER, 2003a, p. 36).65 A designação de vila66 não era
suficiente para desencadear o crescimento de um burgo, o que se confirma na Vila de São
Pedro de Cantagalo que, em 1833, não tinha mais do que sessenta casas, configurando-se
como mais uma das tantas “vilas de domingo” brasileiras (DEFFONTAINES, 1944, p. 299).
Como dito anteriormente, o povoamento da região de Cantagalo se deu de forma
dispersa, primeiramente pelo interesse na mineração, que rapidamente se percebeu exaurida,
e, em seguida, pelo cultivo de café nas fazendas da região. A unidade de povoamento era,
portanto, a grande propriedade, a fazenda e não a vila, segundo a orientação do povoamento
rural no Brasil (DEFFONTAINES, 1944, p. 141). A expansão do café que vinha do Vale do
Paraíba alcançou o interior fluminense e, em 1817, inicia-se a marcha do café na região, com
base na exploração de mão de obra escrava.
A crise econômica suíça em 1815 e 1816, somada a problemas climáticos que
arruinaram as colheitas, agravando a crise alimentar, bem como a restrição do mercado para
os seus produtos por medidas protetivas francesas e pela concorrência com os ingleses
(NICOULIN, 1995, p. 33-34), entre outros fatores, agravaram a crise social naquele país. Esse

63
Como Lamego confirma a origem portuguesa de “Mão de Luva” (1963, p. 217), o fato de o mineralogista
Ludwig Wilhelm Von Eschwege descrevê-lo como mulato possivelmente decorre de uma mentalidade racista
por ser ele um bandido, contrabandista.
64
A tradição oral diz que o nome Cantagalo surge do episódio da prisão do “Mão de Luva” e seu bando, quando
as tropas perdidas na floresta localizaram o arraial pelo canto de um galo (LAMEGO, 1963, p. 219).
65
Destaca-se que o marco da ocupação por sesmarias e engenhos nos Sertões do Leste foi a freguesia de Santo
Antônio de Casserebu, institucionalizada em 1644, que atualmente comporta a cidade de Itaboraí (FRIDMAN,
2011, p. 7).
66
Ressalta-se que, no ultramar, villas ou cidades e lugares ou arraiais eram classificados em função da existência
ou não de autonomia judiciária e administrativa. Com isso, todos concelhos da América portuguesa tinham por
sede uma villa ou, excepcionalmente, uma cidade, designação que se situava no topo da hierarquia das
designações urbanas (FONSECA, 2014, p. 657).
76

contexto proporcionou as condições perfeitas para que Sébastien-Nicolas Gachet, em 1817,


desembarcasse no Rio de Janeiro como representante diplomático do cantão de Fribourg e
também como agente de uma sociedade capitalista, para propor a fundação de uma colônia
suíça no Brasil (FERREIRA, 2013, p. 26).
Deve-se registrar que a Suíça possuía uma tradição migratória, sendo o desequilíbrio
entre economia e demografia um dos fatores preponderantes desse fluxo de imigrantes suíços
que, nos séculos XVIII e XIX, elegeu os Estados Unidos como principal destino (NICOULIN,
1995, p. 29-30).
Gachet foi escolhido para solicitar a D. João VI uma concessão de terras em Santa
Catarina, com o objetivo de instalar colonos suíços na região sul do país. Segundo a proposta
dos suíços, a empresa a que Gachet estava associado desejava gerir o negócio colonizador,
cuidar da comercialização dos produtos e garantir o traslado de três mil suíços (MAYER,
2003a, p. 25). Dessa forma, é importante frisar que partiu do representante diplomático e
mercantil suíço, e não da realeza portuguesa, a proposta que marcou o início da política de
colonização estrangeira no Brasil.
No mesmo período, em virtude dos tratados assinados por Portugal com a Inglaterra
em 1810, logo após a transferência da corte real portuguesa para o Rio de Janeiro, delineava-
se a perspectiva de redução do tráfico negreiro. Adotam-se políticas imigrantistas antevendo
os problemas de mão de obra para a lavoura brasileira que adviriam desse acordo, apesar do
fim de o tráfico negreiro se consolidar apenas em 1850. No mesmo ano de 1810, o país se
torna mais acessível aos estrangeiros, que por meio de naturalização poderiam tornar-se
proprietários de sesmarias.
Contrariando os interesses do representante suíço, D. João VI decidiu que a Coroa
arcaria com as despesas de transporte; daria aos colonos um lote de terra; sementes para
plantar; animais de criação; subsídio real nos primeiros tempos; e isenção de impostos por dez
anos, limitando o número de imigrantes a cem famílias de origem católica 67.
No entanto, em vez das cem famílias contratadas, vieram 261, sendo que, ao fixar o
número de colonos em famílias, e não em indivíduos, o referido decreto abriu uma brecha
para a vinda do que se chamou de “famílias artificiais”: grupos que reuniam em média quatro
casais com seus filhos, e poderiam somar de 16 a 18 pessoas (NICOULIN, 1995, p. 95).

67
A imposição de que os imigrantes fossem apenas católicos se deve à preocupação da monarquia com as
revoluções que varriam a Europa e por ser a religião oficial do Estado. Apesar dessa imposição, havia
protestantes entre os imigrantes que chegaram à região (MAYER, 2003a, p. 28).
77

Assim, a proposta suíça, que visava à criação de manufaturas e a produção capitalista,


sucumbiu perante os interesses da Coroa portuguesa, que associavam a imigração às
estruturas e necessidades da grande lavoura cafeeira da região.
Em 16 de maio de 1818 foi assinado um contrato com o Rei D. João VI, conhecido
como Tratado de Colonização, estabelecendo a vinda, a título de experiência, de apenas cem
famílias, todas de religião católica, para as terras da antiga Fazenda do Morro Queimado.
A originalidade desse projeto de colonização residia na deliberada introdução de
trabalho livre e na instalação de uma organização social de pequenas propriedades,
inaugurando a nova política de colonização estrangeira no Brasil, que durante três séculos
limitou o fluxo migratório aos imigrantes portugueses e africanos,68 estes, de forma
compulsória para o trabalho escravo.
O incentivo à imigração europeia realizado pela Coroa portuguesa se inseria, ainda, na
crença de que esses trabalhadores europeus, considerados àquele tempo mais bem-dotados
intelectualmente, trariam consigo o progresso ao Brasil, cujo desenvolvimento retardado era
atribuído à maciça presença negra.
Apesar de as barreiras legais do regime de sesmarias, que vigorou até 1822, não
concederem a propriedade absoluta das terras, na realidade, prevalecia a força social dos
latifundiários, que conservavam a propriedade de extensões muito superiores às suas
possibilidades de aproveitamento. Na prática, as relações fundiárias eram regidas pela
conivência do Estado na fiscalização e as prerrogativas dos sesmeiros na ocupação do
território (LIMA, 2012, p. 6).
É necessário nesse momento fazer uma breve digressão sobre a gênese das sesmarias
no Brasil, que já haviam sido instituídas por lei em Portugal, em 1375, para fazer face aos
desdobramentos da crise do século XIV na Europa, agravada pela peste negra, pela crise
alimentar e pelo despovoamento do campo.
Segundo a historiadora Márcia Maria Menendes Motta (2012), o objetivo dessa lei
agrária era estimular a agricultura, obrigando o cultivo em terras abandonadas, sob pena de
expropriação, ou seja, a referida lei não se referia às terras virgens e às áreas despovoadas.
Desde os primórdios, grande parte das doações transmitia um domínio perpétuo e alienável,
ainda que sujeito a algumas restrições, configurando-se, portanto, em propriedade (2012, p.
17-19).

68
Os imigrantes, até esse momento, eram quase todos portugueses, com exceção de alguns holandeses no
Nordeste e poucos ingleses (MAYER, 2003b, p. 23). Somam-se a eles o fluxo de africanos para o trabalho
escravo.
78

Na colônia brasileira, a lei portuguesa foi desvirtuada e reinventada com o intuito de


que as sesmarias se tornassem um dos vetores do processo de colonização, voltada
especialmente ao povoamento. Alguns termos foram reinterpretados quando utilizados na
colônia brasileira, tais quais: sesmeiro expressava aquele que doava a terra à Coroa na
promulgação da lei portuguesa, no Brasil passa a designar aquele que adquire a terra; terra
devoluta, que era a terra devolvida, não cultivada, passa a se referir a terras não aproveitadas e
não povoadas na colônia (MOTTA, 2012, p. 133-134).
Para o núcleo colonial foi adquirida a Fazenda de Morro Queimado, escolhida por
Monsenhor Miranda Malheiros, designado como inspetor do núcleo colonial. Era composta
por quatro sesmarias, totalizando duas léguas de testada por três de fundo, por um preço vinte
vezes superior ao seu valor e da qual foi omitida a infertilidade 69 da terra. A primeira légua foi
dividida em 120 lotes, a metade da segunda légua destinou-se à Vila de Nova Friburgo, criada
em 1820, e, na outra metade, foi constituída a fazenda de São João do Ribeirão que
permaneceu sob o proveito da Coroa (FRIDMAN, 2011, p. 14), conforme o “Mappa de
Municipio da Nova Friburgo”, n. 3, 11/3/722 reproduzido por Nicoulin e mostrado na Figura
2 a seguir.

69
A infertilidade das terras foi confirmada pelo Barão Von Tschudi que, em passagem por Nova Friburgo em
1860, integrando uma missão para tratar dos problemas da imigração suíça, relatou a precariedade dos terrenos
doados aos colonos da seguinte forma: “Mas as terras em questão não eram de molde a satisfazer nem as mais
modestas aspirações de um agricultor, a colônia toda assentava sôbre terreno íngreme e pedregoso, sulcado de
estreitos vales, apresentando como única vantagem os abundantes cursos dágua.” (TSCHUDI, 1953, p. 96).
79

Figura 2 – Divisão dos lotes do núcleo colonial


Fonte: BNRio apud NICOULIN, 1995, p. 189.

A vila, que ocupa hoje principalmente a região central da cidade, dividia-se em quatro
partes, segundo o padre suíço Jacob Joye, 70 vigário designado para guiar a vida espiritual da
colônia de suíços. Na margem oeste do Rio Bengala ficava a administração da colônia, onde
moravam o inspetor e os funcionários portugueses. Do outro lado do rio estendia-se a cidade
em três bairros, onde ficavam as cem casas destinadas aos colonos. O primeiro bairro
compreenderia os 14 primeiros números; o segundo, do 15 ao 62, inclusive; e o terceiro, os
demais (Carta do Padre Joye apud NICOULIN, 1995, p. 293).
Os lotes destinados aos colonos formavam um retângulo de uma légua por três de
comprimento, dividido em 120 lotes de 300 braças por 750. Apenas cem lotes são doados aos
colonos em sorteio, e outros vinte são reserva (NICOULIN, 1995, p. 188), conforme se
visualiza no mapa apresentado na Figura 3 a seguir.

70
Segundo Marretto (2018, p. 74), o padre Jacob Joye era cavaleiro da Ordem de Cristo, vigário colado da
Freguesia de S. João Batista da Vila de Nova Friburgo, 1821; vereador, 1822; vereador, 1829; vereador, 1830;
juiz de paz do 1° e 2º distritos, 1835. Entre 1820 e 1850, foi proprietário de dois terrenos na vila e de três
escravos.
80

Figura 3 – Mapa aproximado da divisão dos lotes do núcleo colonial.


Fonte: FUNDAÇÃO DOM JOÃO VI, [s.d.]

A escolha do local, para além do seu objetivo geral demográfico – identificado por
Emília Viotti da Costa como mote para a política de núcleos coloniais no período joanino
(2010, p. 107) –, serviria para o abastecimento de alimentos da metrópole, bem como ganhava
sentido na expansão das fronteiras da economia cafeeira, numa área onde o controle político-
administrativo se fazia necessário.
A escolha da Coroa pela Fazenda do Morro Queimado em região onde já havia
escravos e plantações de café,71 em vez de terras ao sul do Brasil, sugeridas por Gachet, bem
como a localização do núcleo colonizador entre a região cafeeira e a metrópole em terras mal
situadas e improdutivas, convinha aos senhores de terra da região, que não as pretendiam para
si. Soma-se a isso o clima frio que desaconselhava a produção de produtos comuns na
monocultura escravista brasileira como café e açúcar.
Portanto, na presente pesquisa argumenta-se que não convém levantar a consagrada
crítica de Sérgio Buarque de Holanda de “desleixo” (2014, p. 131) na constituição de cidades
pelos portugueses nos primórdios da fundação do núcleo colonial em questão, já que esse
argumento desvaloriza o elemento colonizador, que se pretende revelar na presente análise, e
a efetiva participação planejada da Coroa na edição do decreto que estabeleceu a instalação do
núcleo colonial na região.

71
Segundo Lisboa (2003, p. 81), documentos históricos demonstram que, quando os suíços chegaram à área
subjacente à colônia, esta se achava ocupada por fazendeiros luso-brasileiros que iniciavam a produção de café
com trabalho escravo.
81

Nesse sentido, Tschudi corrobora o entendimento de que a escolha para a localização


da colônia não seria desleixo, nem ignorância, mas uma política de planejamento da Coroa
portuguesa:
Não sei a que atribuir a escolha tão infeliz do local da colônia, se à ignorância ou ao
desleixo. Estou, entretanto, inclinado a crer que se procedeu de acordo com um frio
cálculo e ideias preconcebidas, que se podem resumir da seguinte maneira: essas
terras não têm para nós nenhum valor, mas os pobres colonos suíços as tornarão
cultiváveis e as aproveitarão, pois a miséria os obrigará a tal (1953, p. 96).

Entretanto, como argumenta Costa (2010), a localização dos núcleos coloniais em


região onde o café se desenvolvia de maneira promissora, somada ao fato de as fazendas
serem muitas vezes autossuficientes, em razão das dificuldades nos meios de transportes,
impossibilitava o desenvolvimento de um regime de pequena propriedade por falta de
mercados. Além disso, os núcleos urbanos tinham uma população pouco significativa e a
abundância de escravos na lavoura reduzia drasticamente as possibilidades de trabalho livre
(2010, p. 113).
Esses fatores apontam para uma explicação a respeito da redução da população da Vila
de Nova Friburgo de 1.662 suíços em 1820 para 632 em 1830 (NICOULIN, 1995, p. 221). Na
vila permaneceram, de modo geral, além das famílias mais frágeis por problemas de saúde,
dos órfãos e das viúvas, aqueles que pretendiam dedicar-se ao trabalho artesanal e ao
comércio.
A dispersão dos colonos se deu em três eixos: para a metrópole; para a região de
Cantagalo, onde muitos prosperaram com o café adquirindo escravos; e em direção à Macaé,
em zona pioneira, distribuída pelo diretor da colônia em 1821 aos colonos, na qual há registro
do confronto com escravos fugitivos que ali haviam formado um quilombo, em 1822. Desse
confronto saíram vitoriosos os suíços, apossando-se das terras e benfeitorias e constituindo
fazendas de café (NICOULIN, 1995, p. 221-222).
A decadência da vila, com a dispersão dos colonos, é percebida pelo governo, que
enviou para a região uma leva de imigrantes alemães que se achavam alojados em Niterói,
sem destino determinado, e, em 9 de maio de 1824, chegam à vila 342 colonos (LAMEGO,
1963, p. 230).
A presença negra na região, negligenciada por diversos estudiosos e ocultada pelo
mito da “Suíça brasileira”, era expressiva, conforme o registro de batismo realizado pelo
padre Jacob Joye em 1828. Na paróquia de São João Batista de Nova Friburgo havia 1.272
escravos e 1.615 indivíduos livres registrados, ou seja, a população escrava representava
44,06% do total da população (MARRETTO, 2018, p. 48). Entre 1828 e 1850, a população da
82

vila aumenta como um todo; apesar de a população livre crescer mais, a população escrava
mais que dobra nesse período, de 1.272 para 2.927, ainda segundo Marretto (2018, p. 48).
Segue na Figura 4, abaixo, quadro produzido por pelo autor a partir do Arquivo da Igreja de
São João Batista.

Figura 4 – Quadro da população escrava na Vila de Nova Friburgo (1828 – 1850)


Fonte: MARRETTO, 2018, p. 48.
Na historiografia de Nova Friburgo existem vários trabalhos a respeito da colonização
suíça, muitos deles sem um olhar crítico para a escravidão, ou que a abordam
transversalmente em suas análises sobre a história da cidade (CÚRIO, 1974; NICOULIN,
1995; BON, 2004). O interesse no tema da escravidão negra em Nova Friburgo é um
fenômeno recente, sendo que merecem destaque os seguintes trabalhos: o pioneiro de
Gioconda Louzada (1991), Presença negra: uma nova abordagem sobre a história de Nova
Friburgo, que demonstra o uso de trabalho escravo na produção das pequenas e médias
propriedades da região e nas atividades urbanas da vila; a dissertação de José Carlos Pedro
(1999), A colônia do “Morro Queimado”: suíços e luso-brasileiros na Freguesia de São
João Batista de Nova Friburgo, 1820-1831, por revelar a hegemonia dos fazendeiros luso-
brasileiros em relação aos colonos suíços, principalmente na representação política municipal,
durante o período colonial; o artigo de Daniel Oliveira (2007), “Escravidão e consciência de
classe na Nova Friburgo da primeira metade do século XIX: notas introdutórias a uma análise
histórico-antropológica”, que empreende um esforço de compilação de dados dos escravos
batizados no período de 1820 a 1850; o livro Os crimes da fazenda Ponte de Tábuas: um
estudo sobre a escravidão no século XIX, dos autores Edson Lisboa e Jorge Miguel Mayer
(2008); A escravidão velada: a formação de Nova Friburgo na primeira metade do século
XIX, dissertação de mestrado de 2014, publicada em livro em 2018, e O opulento
capitalista: café e escravidão na formação do patrimônio familiar do Barão de Nova Friburgo
(c. 1829 – c. 1873) (2019), tese de doutorado, ambas de Rodrigo Marins Marretto.
Adota-se na presente pesquisa o entendimento de Marretto (2018) sobre a relação
simbiótica entre a Coroa, que construía naquele momento o Estado Nacional, e os senhores de
83

escravos na fundação da Vila de Nova Friburgo, bem como se destaca que essa classe
senhorial passou a dominar o aparelho administrativo local e a expandir seu estilo de vida.
Diante do exposto, na vila de colonos suíços instalada onde funcionava uma fazenda
com escravos de proprietários luso-brasileiros, em uma região cujo território adjacente já
estava ocupado por lavouras de café, na realidade, na grande maioria dos casos, “os suíços
foram colonizados” (MAYER, 2003a, p. 45), no sentido de que, logo depois da chegada ao
Brasil, muitos suíços começaram a trabalhar para os portugueses como tropeiros e os que
tinham algum dinheiro foram logo comprando escravos (SANGLARD, 2000).72
As relações entre interior e Corte se caracterizaram essencialmente pela subordinação
econômica da “roça” à cidade, em que o poder da Corte, dos senhores de terra e da
administração local se aliaram e fortaleceram, o que na pesquisa se denomina colonialidade,
por estar intimamente ligado ao modelo escravocrata e excludente em termos de cidadania
(MAYER, 2003a, p. 16).
Mayer (2003b) afirma ser inegável a existência de descendentes de colonos suíços e
alemães na região, hoje especialmente nos distritos de São Pedro da Serra e Lumiar, mas
constata que não existem traços culturais que remontem a esses países na região.73 Dessa
forma, o historiador rebate posições que consideram os suíços e alemães que vieram para a
região como construtores quase que exclusivos da vila e área rural, o que o integra ao grupo
de críticos do mito da “Suíça brasileira”.
A ilha de liberdade e produção manufatureira, cantada nas décadas seguintes por
interesses capitalistas e civilizatórios pautados pela ideologia do progresso, em discurso que
se renova até a atualidade, que dão base ao mito da “Suíça brasileira” – como será explicitado
adiante, em tópico específico – na verdade nunca se concretizou. Essa constatação considera
que os suíços foram submetidos muitas vezes a trabalhos forçados em obras públicas e

72
Sanglard (2000) fundamenta esse argumento do destino da maioria dos suíços ao chegarem na cidade de Nova
Friburgo, a partir da sua pesquisa de cartas dos colonos às suas famílias em Fribourg, exemplificadas nos
seguintes trechos na língua original, o primeiro trecho escrito ainda em dezembro de 1819 e o segundo, no ano
seguinte: “En attendant que la terre soit partagé je gagne toujours d’argent en travaillant pour les Portugais”;
“MM Mandrot de Morges, Graffenried, Scmid, Morell, etc., de Berne, sont ici et se proposent de s’adonner à la
culture; ils ont acheté à ce effet des nègres, qui leur coutent à-peu-près 1200 fr. la piéce.”
A primeira é uma carta de Jacques Page, Journal du Jura, le 25 décembre 1819. “Enquanto aguardo que a terra
seja dividida, continuo a ganhar dinheiro trabalhando para os portugueses (tradução nossa). A segunda é uma
carta de Pierre Gendre, Journal du Jura, le 20 mars 1820. “Senhores Mandrot de Morges, Granffenried, Schmid,
Morell etc., de Berna, se encontram aqui, e se propõem a dedicar-se à agricultura; eles compraram para este
efeito escravos, que lhes custaram mais ou menos 1.200 francos a peça (tradução e grifo nossos).
73
Segundo Mayer (2003b): “Não existem traços na língua, nos hábitos, nas festas, na música, no modo de
produzir. […] Todas as etnias ao serem colonizadas perdem aspectos culturais como a língua, por exemplo, mas
ficam sempre traços mais ou menos marcantes de suas culturas. No caso, eles inexistem.”
84

limitados na sua liberdade de locomoção, que deveria ser autorizada pela direção da colônia
(MAYER, 2003a, p. 45).

2.2.2 De vila a cidade: a construção do mito da “Suíça brasileira” (1890 – 1960)

Com vistas a compreender a evolução de Nova Friburgo de vila a cidade, parte-se da


exploração da história do seu processo de urbanização, especialmente tomando por base a
dissertação de mestrado em História Social de Araújo (1992), Nova Friburgo: o processo de
urbanização da suíça brasileira (1890-1930), na qual o autor destaca a importância da
instalação da estrada de ferro nas transformações aceleradas de crescimento e embelezamento
da cidade.
O recorte temporal escolhido, a partir de 1890, período anterior ao apontado por
Araújo como o início da construção do mito da “Suíça brasileira” (2018b), que segundo o
autor ocorreu entre 1910 e 1960, pretende revelar a importância crucial da urbanização como
condição para a industrialização de origem alemã da cidade. O ano de 1960 é escolhido pelo
referido autor como marco de retomada e consolidação do mito, após os festejos de maio,
realizados pelos prefeitos municipais pessedistas José Eugênio Muller (1954) e Feliciano
Costa (1956).
Dessa forma, alega-se que o desenvolvimento socioeconômico no século XIX criou o
contexto social e político ideal para o surgimento da indústria no início do século XX na
cidade de Nova Friburgo.
Apesar de desde 1850 a cidade ter passado por mudanças significativas nos planos
econômico e social, que serão narradas a seguir, apenas após o advento da República, mais
precisamente em 1890,74ela é elevada ao status de município autônomo, desligando-se de
Cantagalo. Portanto, o Decreto Estadual nº 34, de 8 de janeiro de 1890, que deu origem ao
município, é forjado em razão de um novo arranjo político na ex-província, agora Estado do
Rio de Janeiro, com a implantação da República (FERREIRA, 1989).

74
Ao longo do século XIX a região de Nova Friburgo já havia se desmembrado de algumas freguesias, como a
de Nossa Senhora Aparecida, em 1874, que foi incorporada a Magé, e a de Nossa Senhora da Conceição de
Paquequer, que se incorporou a Carmo em 1881 e na década seguinte se tornou município autônomo de
Sumidouro. Logo após o decreto que elevou a cidade de Nova Friburgo ao status de município autônomo, em
1891 a freguesia de São João do Ribeirão foi desmembrada e criou-se o município de Bom Jardim. Em 1901 foi
a vez da freguesia de Sebastiana ser incorporada a Teresópolis. A última alteração ocorre em 1911, com a
incorporação do território de Amparo, que pertencia a Bom Jardim, ao município de Nova Friburgo (ARAÚJO,
1992, p. 79-80).
85

Após o advento da República, no período referente a 1890 e 1910 não ocorreram


alterações significativas na composição social e política do município, que se manteve sob o
domínio dos grupos conservadores senhoriais (ARAÚJO, 1992, p. 74)
Outro fator histórico relevante ocorreu em 1873, com a inauguração da Estrada de
Ferro de Cantagalo para escoar o café das fazendas da região oriental do Vale do Paraíba do
Sul, sob a liderança de Cantagalo, o que acelerou o processo de crescimento e
desenvolvimento urbano da Vila de Nova Friburgo, permitindo ainda a circulação de pessoas
e tornando-a um atrativo turístico.
Antônio Clemente Pinto, um dos maiores produtores de café do Paraíba Oriental,
conhecido pelo título de primeiro barão de Nova Friburgo,75 foi o responsável por conduzir a
construção da estrada de ferro com amplo uso de trabalho escravo, por concessão do
Imperador Pedro II, em 1857, e inaugurada apenas em 1873 pelo seu filho Bernardo Clemente
Pinto (ARAÚJO, 1992, p. 66).
A família Clemente Pinto fixou residência na Vila de Nova Friburgo na Praça Princesa
Izabel (atual Praça Getúlio Vargas), em um casarão conhecido como Solar do Barão,76
Conforme detalhado em capítulo próprio, a família em questão patrocinou a obra de
paisagismo da praça adjacente ao casarão do barão, bem como outras obras como o Chalet, no
Parque São Clemente, marcando de vez na paisagem urbana sua presença oligárquica
(ARAÚJO, 1992, p. 67).
Em 1890, o status de cidade advinha do seu reconhecimento jurídico administrativo
via decreto, mas Nova Friburgo já apresentava características de núcleo urbano,77 naquele
momento situado nas proximidades do Rio Bengala (CÔRREA, 1985, p. 34). Nesse período, a
cidade ganhava, ainda, contornos de um centro de veraneio, educacional e comercial,
características adquiridas em razão da prosperidade do café no Vale do Paraíba (CÔRREA,
1985, p. 1).
Em fins do século XIX, as áreas de maior densidade populacional se concentravam nas
regiões em que se iniciou a colônia de suíços e posteriormente cortadas pela via férrea,
especialmente ao redor da atual Praça Getúlio Vargas – antiga Praça Princesa Izabel e Praça
XV de Novembro – que se estendia pela Rua General Argollo, atual Avenida Alberto Braune.
Na composição desse centro urbano merece destaque a existência de quatro praças em 1907,

75
Título nobiliárquico recebido em 1854 por seu trabalho como um dos diretores da recém-criada Estrada de
Ferro Mauá, primeira ferrovia construída no Brasil (MELNIXENCO, 2014, p. 61).
76
O referido casarão hoje abriga a Fundação Dom João VI.
77
Na região do Rio Grande, outro núcleo urbano se desenvolvia, na época, na Estação de Conselheiro Paulino da
Leopoldina Railway, embora ainda ligado à produção rural (ARAÚJO, 1992, p. 29).
86

segundo a revista A Lanterna (1992, p. 31): XV de Novembro (outrora Praça Santa Izabel e
atual Praça Getúlio Vargas), projetada em 1881 por Glaziou; Largo do Pelourinho, atual
Marcílio Dias, ajardinada entre 1892 e 1893; Praça do Suspiro, construída em 1904; e Praça
1º de Março, localizada na saída para Cantagalo em região menos nobre.
Nesse período se desenvolve ainda o setor de serviços e um número expressivo de
escolas,78 muitas delas em sistema de internato e com alunos advindos de outros municípios, o
que alimentava a visita de familiares que eram atendidos pelos estabelecimentos comerciais
da cidade. Assim, a cidade consolidou-se como centro comercial, principalmente pela
presença da linha férrea como ponto de passagem de mercadorias do interior para a baixada
litorânea, bem como no sentido inverso, de produtos do Rio de Janeiro e Niterói para as
cidades próximas de Sumidouro e Cantagalo.
No contexto de instabilidade e disputa política pós-proclamação da República,
predominaram na política fluminense grupos conservadores que ocuparam o poder local por
meio de intendentes nomeados pelo governador. Entre 1890 e 1913, destacam-se na liderança
do poder executivo da cidade 79 o Coronel Galiano Emílio das Neves, o Dr. Ernesto Brasílio,
com dois mandatos, e o Coronel Galeno das Neves Júnior (CASTRO, 2001, p. 35).
O médico Ernesto Brasílio, embora profissional liberal, integrava a oligarquia
conservadora e aristocrática, mas representava também a instalação de um discurso médico-
político na cidade, que primava pela higienização e que teve como marco o Código de
Posturas de 1893 (CASTRO, 2001, p. 36), conforme será detalhado no próximo capítulo.
Tratar da colonialidade que preside a cidade é falar da história da construção do mito
da “Suíça brasileira” entre 1910 e 1960, na cidade de Nova Friburgo, ideia da qual Araújo
(1992, 2018) é o precursor. Segundo o autor, a ideologia da “Suíça brasileira” foi
sistematizada por Agenor de Roure, em discurso na festa de comemoração do centenário da
cidade, em 1918 (1938). Posteriormente, esse discurso foi assumido por outros intelectuais
locais, como Galdino do Valle Filho (1928) e Pedro Cúrio (1974), como também por
lideranças políticas que algumas vezes modernizaram o pensamento sem lhe alterar a essência
(ARAÚJO, 2018b, p. 129).
Na pesquisa adota-se a compreensão de mito a partir de Roland Barthes,80 que o
compreende como uma fala, um sistema de comunicação, uma mensagem, uma forma

78
Segundo Lamego, Nova Friburgo se destacava na região pelo desenvolvimento intelectual. Nas suas palavras:
“Nova Friburgo, não obstante a sua distância da Corte [...] logo se distingue pelo carinho da população em dotá-
la de bons colégios” (1963, p. 230).
79
Até 1916, o cargo do Executivo municipal era ocupado pelo presidente da Câmara de Vereadores.
80
A compreensão de mito de Roland Barthes foi utilizada como marco teórico na dissertação, sob a orientação
87

independente do conteúdo (2003, p. 201). Barthes afirma que o leitor do mito naturaliza os
conceitos como se o significante criasse o significado (2003, p. 221). Dessa forma, o leitor do
mito não percebe que o mito é um sistema semiológico de valores e passa a acreditar que é
um sistema indutivo de fatos (2003, p. 220).
Segundo Barthes, é “a História que transforma o real em discurso” (2003, p. 200).
Assim, no processo mitológico estudado, a colonização de suíços na cidade de Nova Friburgo
é resgatada para se criar um discurso de “cidade branca, europeia, modelo de colônia nos
trópicos, contraposto ao resto do país” (ARAÚJO, 2018b, p.101). Portanto, pode-se dizer, a
partir de um olhar sobre a filosofia da história benjaminiana, que a construção do mito da
“Suíça brasileira”, reproduzido por investigadores historicistas, beneficia os dominadores e
tem empatia pelos vencedores.
A imagem de Nova Friburgo, hegemônica até o momento, é um mito que Araújo
identifica como uma tradição inventada, no sentido de Hobsbawm e Ranger (1984), para
quem “toda tradição inventada, na medida do possível, utiliza a história como legitimadora
das ações e como cimento da coesão grupal” (1984, p. 21). No mesmo sentido, Barthes
entende que a criação de um mito precisa de um fundamento histórico, não surge da natureza
das coisas, visto que o mito é uma fala escolhida pela História (2003, p. 200). Fala escolhida,
portanto, não implica considerar que esse é um relato totalmente falso ou irreal sobre a
formação da cidade, mas que há uma simplificação dos acontecimentos (MARRETTO, 2018,
p. 23).
A hipótese central da criação do mito da “Suíça brasileira” é de que, para explicar e
legitimar o projeto industrializante da cidade por empresários alemães, a partir de 1910,
recorreu-se a um passado idealizado sobre a suposta origem suíça do povo e da cidade que
fundamenta historicamente essa construção.
Outro sentido de mito apontado por Araújo na apresentação de sua hipótese é a ideia
de “mito fundador”, desenvolvida por Marilena Chauí como algo imaginário que bloqueia a
percepção da realidade e “não cessa de encontrar novos meios para exprimir-se, novas
linguagens, novos valores e ideias” (CHAUÍ, 2000, p. 9). Destaca-se nessa categoria analítica
a noção de perpetuidade do passado no presente, escamoteando sua construção histórica como
fato histórico.
Nessa disputa de narrativas a respeito da fundação da vila, cabe considerar que a
comemoração da data da fundação da cidade, com o marco em 16 de maio de 1818, gera

da professora Rosângela Lunardelli Cavallazzi, como forma de desvelar a dimensão mítica da pureza
metodológica em Hans Kelsen (ASSIS, 2017).
88

controvérsias entre os estudiosos regionais. Para o jornalista Pedro Cúrio (1974) e o


historiador João Raimundo Araújo, a data em que a colônia recebe o status de vila, pelo
alvará de D. João VI, de 3 de janeiro de 1820, deveria ser comemorada como a data da
fundação, já que na data do decreto se comemoraria uma “colônia sem povo” (ARAÚJO,
2018, p. 140).
Por outro lado, o historiador suíço Martin Nicoulin considera que não convém
escolher 16 de maio de 1818 ou 3 de janeiro de 1820 como data de fundação de Nova
Friburgo. A vila teria nascido apenas nos dias 17 e 18 de abril de 1820, com o encontro dos
novos habitantes com o lugar onde teriam simbolicamente assentado o marco de sua fundação
em uma comemoração (NICOULIN, 1995, p. 180).
Longe de ser uma polêmica banal sobre datas comemorativas, a comemoração no dia
16 de maio teve início no ano de 1918, que seria o centenário da cidade, com o intuito de
depositar em Dom João VI os créditos pela criação de Nova Friburgo por motivos
ideológicos, como será visto. Assim, o centro das homenagens focava-se no rei português e
sua “criação genial e visionária” (ARAÚJO, 2003, p. 21) de uma colônia de trabalhadores
brancos, europeus e livres, o que atendia aos interesses de industriais de origem alemã e de
um grupo político com pretensões hegemônicas. Dessa forma, escolher as datas do momento
fundador não é irrelevante para a disputa em questão. A análise que se faz da história da
cidade depende dessa escolha.
A partir da tese do mito da “Suíça brasileira” de Araújo (1992, 2018), historiadores
locais, que leem esse espaço e suas relações sociais em determinado período com um olhar
crítico, acrescentam nessa miríade a história dos vencidos: os escravos (MARRETTO, 2018,
2019); os imigrantes caipiras (MAYER, 2003b); e, no século XIX, os operários, com a
transmutação da “Suíça brasileira” para o “Paraíso Capitalista” 81 dos liberais (COSTA, 2018).
Marretto (2018, 2019) pretende em seu trabalho desvelar a escravidão na região e
desconstruir o mito em questão, a partir da análise de vasta documentação que coloca a
formação da cidade profundamente ligada à expansão da escravidão e da área cafeeira do
Vale do Paraíba.
Outra crítica a essa narrativa está em Mayer (2003b) que, ao analisar a história da
cidade no século XIX, momento no qual a praça que será apresentada no estudo do caso-
referência foi construída, acrescenta o elemento da “caipirização” dos imigrantes que
chegaram à vila e se dispersaram.
81
Paraíso como sinônimo de harmonia e paz, inserido no discurso de uma cultura disciplinada, e capitalista
como um lugar em que se privilegiava o lucro da iniciativa privada ao público (ARAÚJO, 2018b, p. 19).
89

Costa (2018) aprofunda a análise do mito da “Suíça brasileira” ao focar na construção


desse mito como estratégia dos liberais na construção da hegemonia burguesa em Nova
Friburgo, no período de industrialização friburguense no início do século XX, o que será
detalhado na próxima seção. O autor destaca, ainda, que nos anos 1980, com a decadência das
grandes fábricas, o mito é reatualizado e identificado pelo slogan “Nova Friburgo, paraíso
capitalista”, propagandeado por Heródoto Bento de Mello, que governou Friburgo entre 1983
e 1987, e empresários locais.

2.2.3 Industrialização de Nova Friburgo: aliança entre capitalistas de origem alemã e


políticos modernizadores

O processo de industrialização da cidade de Nova Friburgo, a partir de 1910, está


inserido no contexto de urbanização, explicitado anteriormente. Naquele momento o Brasil
tinha no setor agroexportador, especialmente no café, o seu centro motor de desenvolvimento
no final do século XIX, com a ingerência de interesses ingleses na sociedade brasileira.
A industrialização de Friburgo foi gestada em uma conjuntura de transição do
capitalismo para formas monopolistas, o que acarretava uma maior concentração de capitais
para os setores produtivos e bancário, que passou a desempenhar papel importante no
financiamento das indústrias. Quando a intensificação da reprodução de capital encontrou
limites para o investimento nas sociedades nacionais, devido à concorrência e ao
fortalecimento de lutas operárias, buscaram-se alternativas para o escoamento desse capital
para fora dos países, sendo o Brasil um desses destinos (CORRÊA, 1985, p. 81).
Dessa forma, a transição do capitalismo no Brasil foi sentida pela concorrência geral
da Inglaterra com países como Alemanha e Estados Unidos para a supremacia industrial e
conquista de mercados, em que a importação de máquinas surgiu como contingência de um
novo relacionamento com a economia dominante (CORRÊA, 1985, p. 82).
Araújo destaca o contraste da realidade local, na qual a burguesia industrial passou a
ser hegemônica, com a realidade nacional, onde predominava o discurso da oligarquia rural
(2018, p. 75). Em Nova Friburgo, na primeira década do século XX, os poderes oligárquicos
não tinham sido totalmente afastados da esfera política, mas perderam força para o discurso
liberal burguês. Assim, segundo Araújo, a expressão clássica “coronelismo, enxada e voto”
(LEAL, 1975), em Friburgo, especialmente no núcleo urbano, poderia ser alterada para
“coronelismo, fábrica e voto” (ARAÚJO, 2018, p. 76).
90

Apesar de se reconhecer que a sistematização das ideias que deram base à


fundamentação do mito da “Suíça brasileira” ter sido constituída a partir de 1918 em evento
comemorativo do centenário da cidade, as primeiras articulações concretas entre os industriais
e um grupo político local surgem em 1910, o que ressalta as origens políticas da
industrialização.
Os motivos da escolha da cidade para essa atividade industrial pelos empresários de
origem alemã podem ser atribuídos a um conjunto de aspectos: vantagens fiscais;82
proximidade dos grandes centros consumidores, particularmente da capital fluminense;
presença da via férrea; existência de uma pequena colônia alemã criada em 1824, instalada
com certa solidez83 (CÔRREA, 1985, p. 103-104); a cidade possuía um confortável núcleo
urbano com atividades de turismo e comércio, conforme explicitado no item anterior; isenção
da taxa de transporte das matérias-primas; e energia elétrica em vias de instalação.
Os principais investidores foram os empresários de origem alemã Peter Julius Arp e
Maximillian Falck. Julius Arp era um comerciante alemão que migrou para o Brasil ainda
jovem, e em 1895 era comerciante matriculado na comarca do Rio de Janeiro, sócio de uma
empresa de máquinas de costura, brinquedos e armas.
Os primeiros contatos de Julius Arp com Nova Friburgo aconteceram por intermédio
do amigo pessoal Maximillian Falck, também de origem alemã, sócio da empresa Dennis e
Falck, que adquirira em 1911 o Sítio Ypu. Os empresários eram alemães, mas o capital
investido na cidade advinha de acumulação no setor comercial da capital do Rio de Janeiro,
no caso de Julius Arp, e provavelmente do setor financeiro, no caso de Maximillian Falck,
que era corretor da Bolsa de Valores, ou seja, os capitais não foram provenientes do setor
cafeeiro (ARAÚJO, 2018, p. 28).
Porém, a originalidade e complexidade do processo de industrialização na cidade não
residem na nacionalidade dos empresários ou na origem do capital investido. Para
compreender esse momento de industrialização deve-se ter em mente os embates políticos das
elites locais, que se confrontavam para se tornarem hegemônicas.
Em 1911, o confronto político se deu entre dois grupos: um liderado por Galiano das
Neves Jr., que era o presidente da Câmara Municipal, que na época concentrava as funções
legislativa e executiva e liderava o grupo ligado à grande propriedade, que dominava a

82
A ideia inicial de Julius Arp era implantar a fábrica de rendas em Santa Catarina e, para isso, encomendara
máquinas e equipamentos da Alemanha. O governo do Estado de Santa Catarina exigia alguns impostos,
inexistentes no Estado do Rio de Janeiro, uma das principais razões que o fez decidir mudar seus planos de
investimento para Nova Friburgo (ARAÚJO, 1992, p. 182).
83
Desde o século XIX já havia uma igreja luterana e um cemitério alemão na cidade (ARAÚJO, 1992, p. 182).
91

política local até então; e outro liderado pelo médico Galdino do Valle Filho, líder da
oposição,84 que incitava o debate sobre a necessidade de implantação da indústria e de
aprofundamento do processo de urbanização como caminho para o “progresso”.
Galdino do Valle Filho era um médico que se inspirava nas teorias cientificistas e
higienistas85 que predominavam à época, enquadrando-se no pensamento liberal de origem
evolucionista spenceriana e darwinista social, segundo o qual a higienização seria o primeiro
passo para o alcance de uma cidade moderna (CASTRO, 2001, p. 56-57). Com esse espírito,
justificando ser em prol da salubridade, da beleza e do encantamento da cidade, a Câmara
doou o terreno para a construção do “Abrigo Amor de Jesus” para o recolhimento de
mendigos e pobres das ruas (CASTRO, 2001, p. 58). Essa medida estava alinhada com o
pensamento galdinista de que a cidade pertencia aos grupos sociais privilegiados.
Nessa disputa política, a questão da implantação da energia elétrica foi essencial para a
instalação das indústrias. A Câmara Municipal havia concedido, em 1906, ao empresário
Coronel Antonio Fernandes da Costa o direito de explorar esse serviço, mas ele não
completou as obras necessárias decorrido o prazo de 10 anos previsto no contrato de
concessão (ARAÚJO, 2018, p. 54). Portanto, no momento da construção da fábrica de Rendas
Arp, ou seja, em 1911, o serviço para a implantação da iluminação pública e particular não
havia sido concluído. Em um contexto de insatisfação popular com a morosidade da obra e os
altos preços da instalação particular, Julius Arp pleiteou a concessão de energia. Essa intenção
foi defendida pelo grupo de Galdino do Valle Filho,86 em confronto com os interesses do
Coronel, que já detinha a concessão e era defendido pelo grupo situacionista de Galiano das
Neves Jr.
O embate culminou com o episódio da “Noite do Quebra-Lampiões”, em 17 de maio
de 1911, em que uma multidão se revoltou danificando os lampiões da cidade e depredando a
Câmara Municipal, em razão da indignação com a recusa do presidente da Câmara em
negociar a concessão de energia para Julius Arp, o que poderia inviabilizar a instalação da
fábrica na cidade.

84
Na esfera estadual, os políticos locais em questão apoiavam líderes estaduais que ocupavam a posição de
hegemonia inversa à da esfera local, ou seja, Galiano das Neves Jr. apoiava Alfredo Backer, que foi derrotado
por Oliveira Botelho, aliado de Galdino do Valle Filho.
85
A saúde e a higiene têm lugar de destaque no governo de Galdino, não se limitando ao combate a epidemias e
doenças contagiosas. O médico político pensava na profilaxia ao promover campanhas de vacinação e ao dar
atenção ao tratamento de água na cidade (CASTRO, 2001, p. 57).
86
Destaca-se que Galdino do Valle Filho era dono do jornal A Paz, que propagandeava no período os interesses
dos industriais e de seu grupo político aliado.
92

A revolta da população advém de décadas de iluminação pública em crise, com


problemas nos lampiões de “Gaz-Globo” utilizados a partir de 1878 e que persistiram com a
adoção de lâmpadas belgas em 1886. Nessa época, o Município alegava não possuir recursos
para a adoção da energia elétrica que em Petrópolis funcionava desde 1896 (QUAGLINO,
2020).
A “Noite do Quebra-Lampiões” tem uma representatividade simbólica importante para
a época, já que os lampiões e a Câmara Municipal, dominada por uma oligarquia rural, eram
símbolos do atraso que impediria a “modernidade” e o “progresso” que estariam por vir. Esse
progresso imaginado como uma ventania na imagem da metáfora benjaminiana (1987), que
viria com a instalação das fábricas, defendida por uma nova elite.
Esse episódio foi decisivo para a mudança de opinião da Câmara, que concedeu os
direitos de exploração da energia elétrica a Julius Arp, marcando a vitória de uma nova elite
política e econômica na cidade.
Outra especificidade da industrialização friburguense reside no fato de o contrato de
concessão dos direitos de exploração de energia elétrica possuir cláusulas que davam poderes
excepcionais ao empresário alemão Julius Arp e que explicam a concentração de indústrias
alemãs na cidade. Nesse contrato constavam isenções de impostos e alvarás, poderes para
desapropriar áreas indispensáveis para a instalação da energia, bem como fornecer energia
para além dos limites estabelecidos inicialmente no contrato (ARAÚJO, 2018, p. 56-57).
O contrato dava poderes sobre um serviço público essencial ao grupo de Julius Arp,
para escolher quais indústrias poderiam receber energia para além do limite, ou seja, o grupo
tinha o poder de decidir que indústrias se instalariam na cidade (ARAÚJO, 2018, p. 57).
Assim, em 1911, a primeira fábrica têxtil Fábrica de Rendas M. Sinjen & Cia começa a
produzir rendas com 65 máquinas e 36 operários (CORRÊA, 1985).
O início da Primeira Guerra Mundial trouxe problemas para a importação de novas
máquinas da Alemanha para a cidade. Durante a guerra, em 1917, foram apreendidos navios
alemães pelo governo brasileiro e sua tripulação de 227 pessoas foi levada para Nova
Friburgo. Esses alemães prisioneiros estavam autorizados a se empregar nas fábricas da
cidade, sendo que um deles foi diretor e, muitos anos depois, sócio da Fábrica de Rendas M.
Sinjen & Cia.
Em 1912 foi criada, às margens do Rio Santo Antônio, a Fábrica Maximilian Falck &
Cia., conhecida como Fábrica Ypu, produtora de passamanarias, de propriedade de
Maximilian Falck, que tinha Julius Arp como um dos sócios e com técnicos em comum à M.
93

Sinjen & Cia (ARAÚJO, 2018, p. 59). A fábrica diversificou suas atividades nos anos 1920, e
em um curto período de tempo elevou sobremaneira sua produção e número de empregados.
Em 1925 foi fundada a Fábrica de Filó S/A,87 com a vinda para o Brasil de Ernst Otto
Siems, filho de um proprietário de fábrica de filó na Alemanha, convencido por Julius Arp. A
sociedade anônima em questão tinha em seu quadro societário uma maioria de empresários
alemães (ARAÚJO, 2018, p. 60-61).
Em 1937, novamente por iniciativas e contatos de Julius Arp e dos engenheiros Hans
Gaiser e Frederico Sichel, outra fábrica de propriedade de alemães veio a se instalar em Nova
Friburgo – a Fábrica de Ferragens Hans Gaiser, também com diretores de origem alemã.
Gradativamente, Nova Friburgo foi se tornando um espaço urbano dominado por
empreendimentos de grande porte, indústrias e empresa de energia elétrica, financiados pelos
capitais provenientes de empresários alemães, que articulavam suas atividades entre si. O filó
da fábrica de Ernst Siems servia como matéria-prima para a fábrica de rendas, a energia
gerada na empresa de Julius Arp era empregada nas demais fábricas e Julius Arp era acionista
da fábrica de filó e sócio da Ypu.
Araújo (1992) apresenta uma hipótese relevante sobre a distribuição dessas fábricas no
espaço como um controle estratégico do núcleo urbano. Primeiramente, destaca a importância
de as fábricas estarem próximas a uma bacia hidrográfica pelas atividades que desenvolviam,
especialmente as têxteis. A partir de um mapa de 1937, reproduzido a seguir na Figura 5, o
historiador constata que as principais indústrias, de propriedade dos empresários alemães,
situavam-se em quatro extremos diferentes, formando um quadrilátero nas extremidades do
núcleo urbano.

87
A fábrica produzia filó liso, jacquard, rendas valencianas e derivados desses artigos, tecidos de estofamento e
decoração, além de madras.
94

Figura 5 – Quadrilátero das indústrias em 1937.


Fonte: ARAÚJO, 1992, p. 210.

Ainda segundo hipótese levantada por Araújo, não houve na cidade a opção por
concentrar as indústrias na mesma área, por razões de controle estratégico do espaço urbano e
para dispersar as forças de trabalho espacialmente (2018, p. 29). Atente-se a que existe uma
distância considerável entre os vértices desse quadrilátero fabril, em que as indústrias parecem
abraçar toda a cidade. Assim, os empresários se apresentam como protagonistas nas decisões
sobre a produção do espaço urbano.
A criação desses territórios fabris foi responsável pelo surgimento de futuros bairros
populares, conforme se observa seguindo a ordem numérica do mapa acima: Olaria (à época,
Olaria do Cônego), no caso da Sinjen; Perissê, no caso da M. Falck; Lagoinha, no caso da
Filó; Village, no caso da Ferragens Hans Gaiser. Alerta-se que essa dispersão está na “gênese
dessa arquitetura de isolamento” (ROLNIK, 1995, p. 50) burguesa, que diferencia casa e rua
no processo de segregação da cidade.
Por outro lado, a criação de bairros operários próximos às indústrias, afastados uns dos
outros, dificultou a articulação de movimentos operários na cidade, ou seja, funcionou como
estratégia de disciplinarização da força de trabalho.
Côrrea (1985), em sua dissertação de mestrado, Nova Friburgo: o nascimento da
indústria (1890 –1930), já mencionava como particularidade do processo de industrialização
friburguense, inserido no processo de industrialização mais amplo de transição capitalista
95

mundial, a formação de um grupo de operários e técnicos de origem alemã, que empregavam


mecanismos de controle e disciplina dos trabalhadores.
A cidade, que em sua origem se caracterizava como extensão do mundo rural, reverte
essa relação entre campo e cidade no início do século XX, com a ferrovia e a industrialização.
Assim, a cidade se separa do campo e passa a subordiná-lo. A relação campo/cidade torna-se
a tradução do embate entre o velho e o novo, da ideia do indivíduo civilizado identificado
com o ser urbano (ARAÚJO, 1992, p. 39).
Com isso, a associação desses empresários alemães a uma nova elite política
municipal que emergia na cidade, representada por Galdino do Valle Filho, foi essencial para
inaugurar uma institucionalidade calcada no capitalismo industrial. A aceitação desse domínio
capitalista industrial alemão teve respaldo na construção do mito da “Suíça brasileira”, que
identificou o progresso da indústria com os suíços e não com os alemães, por causa do
contexto mundial de guerras, em que estes eram vistos como inimigos.
A ideologia que cria o mito em questão foi sistematizada no processo de formação da
indústria têxtil friburguense, descrito anteriormente, como resultado da articulação de setores
conservadores da política local com os empresários de origem alemã, recém-estabelecidos na
cidade, que criaram essas indústrias, ambos com interesses na disciplinarização do povo
(ARAÚJO, 2018, p. 15).
Segundo essa versão, a qual a pesquisa corrobora, Nova Friburgo é percebida como
um espaço europeu colonizado majoritariamente por mão de obra branca e livre de origem
europeia, com o claro objetivo de ocultar da sua história a existência do trabalho escravo
(MARRETTO, 2018, p. 23). Nessa narrativa inventada, em Nova Friburgo o trabalho escravo
teria sido quase inexistente e a imigração europeia, especialmente suíça, traria características
especiais ao seu povo.
Os colonos europeus, apontados como amantes do trabalho árduo nas suas pequenas
propriedades, teriam sido responsáveis pela formação de uma sociedade mais próxima dos
padrões culturais “avançados”. Mais próxima, portanto, da “civilização” e do “progresso” e
mais distante do “barbarismo” e do “atraso” presentes na maioria das regiões brasileiras
(COSTA, 2018, p. 19).
Pelo exposto, a formulação do mito da “Suíça brasileira” – além de fazer parte
da estratégia dos liberais na construção da hegemonia burguesa em Nova Friburgo pela
criação de uma identidade cultural para a cidade e invenção de tradições – viria a firmar-se
como uma contingência do processo histórico mundial, sob o impacto de duas guerras
96

mundiais, nas quais a participação dos alemães ficaria marcada de forma extremamente
negativa ao final dos conflitos (ARAÚJO, 2018, p. 10). Daí a impossibilidade de se
privilegiar a influência dos alemães, que possuíam uma hegemonia econômica e naquele
tempo tinham uma forte influência cultural na cidade.
Ademais, no processo mitológico estudado, a colonização de suíços na cidade de Nova
Friburgo é resgatada para se criar um discurso forjado pela ideologia progressista de “cidade
branca, europeia, modelo de colônia nos trópicos, contraposto ao resto do país, negro e
escravocrata” (ARAÚJO, 2003, p. 134). Os escravos, os colonos caipiras e, posteriormente, os
operários das indústrias são os vencidos da história, os dejetos que se pretende recolher.

2.2.4 A colonialidade do mito da “Suíça brasileira”: discursos, lendas e festas da ordem

Como exposto no capítulo anterior, Araújo (2018) identifica a construção do mito da


“Suíça brasileira” com o período de industrialização alemã (1910-1960) na cidade. O autor
considera essa ideologia como uma tradição inventada (HOBSBAWM; RANGER, 1984), que
gera reflexos nos costumes locais, considerados nessa análise como constitutivos da
colonialidade friburguense e reveladores de uma dimensão conservadora na cidade estudada.
Nessa perspectiva, o mito é entendido como invenção construída por grupos sociais,
uma síntese, amálgama de um processo social, histórico, que simultaneamente se apresenta
como detonador de novos processos (ARAÚJO, 2018, p. 17).
Dessa forma, o marco histórico da cidade não estaria instaurado na vinda dos suíços
para a região e seu “projeto civilizatório” idealizado por D. João VI, mas na formulação
temporal dessa ideologia que se renova até os tempos atuais, especialmente nos festejos do
bicentenário da cidade no ano de 2018, como se verá mais adiante.
Entretanto, a construção da imagem de uma “Suíça brasileira” não se fez sem tensões
e lutas. Na política municipal, o grupo de liberais liderado por Galdino nos anos 1910 e 1920
tinha como opositores os políticos que seguiam a liderança regional de Nilo Peçanha
(FERREIRA, 1989, p. 225) e, nos anos 1930 a 1960, o grupo ligado a Getúlio Vargas.
Destaca-se que a maior liderança local do grupo vinculado a Getúlio Vargas nacionalmente
foi o médico Amâncio Mário de Azevedo, eleito três vezes para o cargo de prefeito (COSTA,
2018, p. 13 e 14).
No período de 1916 a 1923 – que corresponde ao afastamento de Galdino do Valle
Filho da liderança municipal, como resultado da disputa com Nilo Peçanha regionalmente –
97

houve um desaquecimento da expansão industrial na cidade. A campanha eleitoral para a


presidência do estado de 1922 deixava clara a oposição de dois programas econômicos: o do
grupo niilista, que lançou a candidatura de Raul Fernandes, direcionado para o
desenvolvimento agrário, especialmente a policultura; e do grupo de Sodré, no qual os
galdinistas se enquadravam, voltados para o desenvolvimento industrial e urbano (COSTA,
2018, p. 44-45).
Curioso constatar que nos festejos do centenário, em 1918, idealizado pelo grupo
galdinista, a cidade era dirigida pelo seu opositor, o interventor Silvio Rangel, que pertencia
ao grupo niilista. A conferência proferida por Agenor de Roure na Câmara Municipal para um
seleto grupo da elite friburguense expressa e sistematiza o mito da “Suíça brasileira”, segundo
Araújo (2018). Agenor de Roure, nascido na Vila de São João Batista em 1877, era jornalista
e membro do Instituto Histórico e Geográfico Nacional (IHGB), instituição criada no século
XVIII com o propósito de definir fatores responsáveis pela nacionalidade e etnia brasileiras.
Em 1921, viria a ser o secretário particular do presidente da República, Epitácio Pessoa.
Araújo delimita dois marcos nessa construção ideológica nas primeiras décadas do
século XX: o discurso comemorativo do centenário de Nova Friburgo de Agenor de Roure
(1938) e a obra Lendas e legendas de Friburgo de Galdino do Valle Filho (1928). Além das
obras citadas, pode-se destacar o livreto Álbum de Nova Friburgo editado por Júlio Pompeu
(1919), que retrata os colonos suíços como “inteligentes e tenazes colonizadores, que
trouxeram, com o grande amor ao trabalho, um fundo de virtudes cívicas, próprias do povo
helvético, e são patrimônio inextinguível da população de Nova Friburgo” (POMPEU, 2019).
Destaca-se que, em 1915, Agenor de Roure apresentou às autoridades friburguenses a
proposta de comemoração do centenário de Nova Friburgo, fixando a data no dia 16 de maio,
o que foi abraçado por Galdino do Valle Filho (COSTA, 2018, p. 48). O discurso de Agenor
de Roure,88 proferido em sessão solene na Câmara Municipal, no dia 19 de maio, contou
ainda com palestra de um representante do Instituto Histórico-Geográfico Fluminense, Luiz
Palmier. Esse discurso surge no contexto de industrialização da cidade que foi assumido por
um setor da elite modernizadora liderada por Galdino do Valle Filho, conforme explicitado
anteriormente.
Em um momento em que a elite política e intelectual brasileira se preocupava com a
criação de símbolos nacionais, a fala do conferencista Agenor de Roure é pautada pela ideia
de que Dom João VI teria escolhido a região que abriga a cidade de Nova Friburgo para
88
O jornalista Agenor de Roure, “filho ilustre de Friburgo”, ocupava o cargo de redator de atas na Câmara dos
Deputados do Rio de Janeiro.
98

“instalar novas colônias de homens livres” (DE ROURE,1938) europeus pela sua visão de um
grandioso projeto de povoamento para o Brasil. Nessa construção mítica imaginativa, os
colonos suíços teriam chegado ao Morro Queimado com uma missão regeneradora, “visando
corrigir a formação étnica da Pátria brasileira, perturbada e viciada pelo sistema de
povoamento, até então seguido” (DE ROURE, 1938).
O segundo marco significativo para a criação do mito da “Suíça brasileira” seria o
livro Lendas e legendas de Friburgo (VALLE FILHO, 1928), publicado logo após a
retomada do poder municipal por Galdino do Valle Filho em 1923, com a derrocada do grupo
de Nilo Peçanha. Observe-se que Galdino já compilava essa narrativa mítica em textos do seu
jornal A Paz, com destaque para a campanha em prol da entrega da exploração de energia
elétrica para o empresário Julius Arp e para o artigo “Friburgo industrial” de 1915, no qual se
fazia apologia ao trabalho dos imigrantes como ativo e diferenciado do trabalhador nacional
(A PAZ, 1915 apud COSTA, 2018, p. 42).
Galdino do Valle Filho, como mencionado, liderou o grupo político que defendia a
industrialização levada a cabo pelos industriais alemães e, como Agenor de Roure, foi um dos
ideólogos do mito da “Suíça brasileira” como mito fundador. No entanto, as posições dessas
duas personalidades locais diferem no sentido do que entendem por progresso para a cidade.
De Roure apresenta um posicionamento ruralista com base nas pequenas propriedades e
Galdino enfatiza a importância da industrialização como fator essencial para a modernização
da cidade para além da pequena propriedade (ARAÚJO, 2018, p. 119).
Na capa de seu livro, Galdino do Valle Filho realça as belezas naturais da cidade e em
suas epígrafes deixa claro a intenção conservadora de registrar e valorizar as tradições
(ARAÚJO, 2018, p. 121). Araújo identifica na obra os seguintes temas que sustentam as
representações da “Suíça brasileira”: a natureza pródiga e bela; a visão e o papel providencial
de Dom João VI; o empreendedorismo e a postura de liberdade dos colonos suíços; e o
catolicismo (2018, p. 117-129).
Ao exaltar a natureza da cidade, Galdino destaca o potencial das cascatas como
garantia de riquezas pelo potencial hidrelétrico, que seria um elemento importante para a
industrialização. Assim, Galdino se alinha ao discurso de Agenor de Roure, principalmente
sobre a visão profética de Dom João VI na colonização da cidade com “intenções […] de
fundar uma pátria de liberdade em meio à vastidão da vassalagem nacional” (ARAÚJO, 2018,
p. 122).
99

A perpetuação de um mito que se quer fixar como verdade histórica não ocorreria se
essa ideia ficasse consignada em textos e discursos, pois precisaria ser introjetada pela
população para se consolidar como imaginário social conservador. Nesse sentido as festas do
centenário e festejos de maio de 1954 e 1956, entre outros, se prestaram a ritualizar a
transmissão do mito em questão (ARAÚJO, 2018, p. 129).
Os festejos de maio, especialmente a festa do centenário de 1918 e a festa de
aniversário da fundação da cidade de 1954 e de 1956, foram importantes na consolidação do
mito aqui tratado. Com isso, o mito reedita o discurso da “Suíça brasileira” nas referidas
festas de aniversário e se mantém até recentemente na festa do bicentenário, que podem ser
entendidas como “festas da ordem” (DAMATTA, 1986, p. 54) por Araújo (2018).
Para DaMatta (1986) “todas as festas recriam e resgatam o tempo, o espaço e as
relações sociais”. O autor contrapõe a proposta das “festas da desordem”, como por exemplo
os carnavais, que seriam ritos de inversão, às “festas da ordem”, que seriam ritos de reforço
com vistas à manutenção do status quo social e, portanto, com uma dimensão conservadora
presente no mito estudado.
Em Nova Friburgo “o cortejo triunfal” (BENJAMIN, 1987, p. 225), como metáfora da
vitória, se repetia nas “festas da ordem” (DAMATTA, 1986). Esses festejos de maio da
cidade de Nova Friburgo se enquadram perfeitamente nessa ideia de “festa da ordem” por
consistirem em ritos cívicos e religiosos que atuaram pelo princípio do reforço e da ampliação
de diferenciações sociais em que os vitoriosos buscam afirmar sua versão da história da
cidade. Nesses ritos há uma separação entre o povo e os dirigentes estatais, que marca
claramente “quem é ator e quem é espectador” (DAMATTA, 1986, p. 58).
As referidas festas da cidade promovidas e organizadas pelas autoridades políticas
municipais, com a presença marcante de instituições religiosas, no caso a Igreja Católica e a
Igreja Luterana, celebram uma ocorrência real, a colonização suíça, como uma síntese
simplificadora da história da cidade com vistas a legitimar um discurso mítico de origem.
A importância e repercussão da festa do centenário de 1918 está registrada no poema
do então aluno do internato do Colégio Anchieta em Nova Friburgo, Carlos Drummond de
Andrade, sob o título “O colegial e a cidade”,89 em que lamentava não poder participar da
grande festa:

89
O poeta foi aluno do Colégio Anchieta nos anos de 1918 e 1919. Ele foi expulso do colégio em consequência
de incidente com o professor de português, que fundamentou sua decisão pela “insubordinação mental” do aluno.
Mais tarde, o autor publicou um conjunto de quarenta poemas intitulado “Fria Friburgo” (ANDRADE, 2017)
que consiste em um relato a partir de sua memória sobre os tempos vividos nesse colégio. A maior parte dos
100

[...] Fizeram bem os suíços


fundando Nova Friburgo,
pois um século depois
esta semana de festas
celebra o acontecimento [...]
A noite do centenário
Da chegada dos suíços
É noite maior na gente.
Sentir que lá fora estão
Se divertindo fagueiros
Que há risos, beijos, cerveja
E não sei mais que delícias
E eu aqui me torturando
Com tábua de logaritmos [...]
Vão pro inferno os centenários! (ANDRADE, 2017, p. 190-192).

O “hymno do centenário de Nova Friburgo” (COUTINHO, 1918 apud ARAÚJO,


2018, p. 140), que posteriormente se tornaria o hino da cidade, também evoca elementos do
mito da “Suíça brasileira”: a exaltação da natureza em que “o Bengalas sereno desliza” e de
suas “serras de enorme estatura”; a redução da sua história à chegada dos suíços que “ousaram
varar” as “brenhas do Morro Queimado”; e a disciplina e civilidade de seu povo que
encontraria “em teu seio paz e bonança”.
A bandeira da cidade também foi criada na festa do centenário. Em seu brasão
estampa a data de 1818 como ano da fundação da cidade, bem como apresenta “o azul e
branco como cores do Estado do Rio de Janeiro, Brasil, e o branco e preto, do cantão de Fribourg
(Suíça) – simbolizando a imigração dessa nacionalidade em nosso Estado”, segundo o Ofício nº
150/65 anexado à Resolução nº 21 de 1964, que a instituiu no governo Heródoto Bento de Mello.
O cantão suíço ganha destaque ainda no brasão em que consta “no segundo quartel do
conjunto, as armas do Cantão de Fribourg na Suíça”, segundo o artigo 1º, § 1º, da Lei
Municipal nº 4.067/2012 (NOVA FRIBURGO, 2012) que regulamenta o uso do brasão no
município.
A publicação do livro de Pedro Cúrio (1974) em 1944, Como surgiu Nova Friburgo,
é outro marco para a consolidação do mito em questão. Segundo Araújo (2018), Pedro Cúrio
foi o escritor do único livro sobre a história friburguense durante vários anos. Na época, a
política do galdinista era comprometida com padrões ideológicos liberais e ideias de
modernidade, higiene e progresso que, somada ao interesse dos industriais instalados na
cidade, deu forma ao mito da “Suíça brasileira” e influenciou políticos locais em outros
momentos históricos da cidade.

poemas refere-se a relatos do dia a dia no interior daquele estabelecimento; entretanto, em alguns poemas, como
o mencionado “O colegial e a cidade”, há referências à cidade.
101

A ascensão de César Guinle à prefeitura em 1947 e, posteriormente, a vitória eleitoral


de Heródoto Bento de Mello, que assumiu a prefeitura em 1964, 1883, 1994 e 2009,
representam os seguidores políticos do modelo europeu de cidade 0calcado na visão
galdinista90 (CASTRO, 2001). Essa visão política perpetuou e consolidou o mito da “Suíça
brasileira” em Nova Friburgo. Para o projeto “liberal udenista” (COSTA, 2018, p. 203), o
governo de César Guinle significaria a reconquista do poder do grupo galdinista pela
Revolução de 1930 e o Estado Novo, e a gestão de Heródoto seria a retomada do projeto
liberal.
A partir de 1947 os festejos de maio passaram a ser realizados com regularidade, sem
interrupção até os dias de hoje,91 já que no ano seguinte o dia 16 de maio foi declarado como
feriado por Resolução (NOVA FRIBURGO, 1948).
O jornal local A Voz da Serra, em matéria sobre os festejos daquele ano, explicava
seu propósito de “reavivar nos friburguenses, a lembrança dos intrépidos suíços, que em 1818,
vieram povoar as férteis terras do Morro Queimado” (A VOZ DA SERRA, 1947 apud
ARAÚJO, 2018, p. 135). Como se vê nesse breve trecho da matéria de 1947, reafirma-se o
mito da “Suíça brasileira” ao glorificar os colonizadores, ao reproduzir a falsa ideia de que o
povoamento se deu em 1818, bem como ao tratar da fertilidade da terra oferecidas a eles, o
que é uma inverdade histórica, como se viu em tópico anterior.
Nem a longa fase em que um grupo adversário assumiu o poder municipal, de 1952 a
1962, obstou a propagação dessa tradição inventada, pois mesmo políticos não alinhados ao
liberalismo galdinista reforçaram o mito, como no caso das festas de 1954 e 1956,92 que são
marcantes nessa representação de festas da ordem pela sofisticação – a festa de 1954, por
estar a seleção brasileira de futebol treinando na cidade para a Copa do Mundo na Suíça, e a
de 1958, quando houve o represamento do Rio Bengalas, no centro da cidade, para reforçar o
caráter europeu da cidade como uma Veneza e pela montagem de uma maquete do Morro
Queimado em praça pública (ARAÚJO, 2018, p. 136).

90
Segundo Araújo: “É possível afirmar, portanto, que entre 1923 e 1930 forja-se em Nova Friburgo, um conjunto
de dirigentes afinado com o pensamento de Galdino do Valle Filho, construindo-se num bloco político que
denominamos de Galdinismo” (1992, p. 173).
91
Em razão do Decreto-Lei Federal nº 86 de 1966, que alterou o artigo 11 da Lei Federal nº 605 de 1949,
determinando que “são feriados religiosos os dias de guarda declarados em lei municipal”, o prefeito Amâncio
de Azevedo manteve o feriado no dia 16 de maio por meio da Deliberação Municipal nº 870 de 1968, que
alterou a redação do artigo 1º da Resolução Municipal nº 820 de 1967, por ser “dia consagrado a São Ubaldo”
(NOVA FRIBURGO, 1968), santo que não possui significativa relação religiosa ou cultural com a cidade.
92
Os festejos de maio de 1954 e 1956 foram organizados por prefeitos do Partido Social Democrático,
respectivamente José Eugênio Muller e Feliciano Costa.
102

O ápice da indústria têxtil – nas décadas de 1960 e 1970 e no início da década de 1980
– correspondeu também ao auge do mito da “Suíça brasileira”. Nessa época, houve um
acelerado crescimento industrial na cidade, com a diversificação da produção e a criação de
novos ramos como o vestuário, a mecânica, a metalurgia e o plástico (ARAÚJO, 2018, p. 91).
No contexto político local em 1962, a UDN lança o nome de Vanor Tassara Moreira
para a prefeitura. Embora fosse filho do médico carismático Dermerval Barbosa Moreira,
Vanor não era fiel às ideias do partido, além de ser declaradamente trabalhista (COSTA,
2018, p. 170-171). O vice do candidato seria Heródoto, mas ele abandonou a chapa e integrou
a chapa do PSP também como vice, obtendo mais votos do que o próprio Vanor para prefeito,
que saiu vencedor da eleição (COSTA, 2018, p. 171). Dias após o golpe de 64, Vanor
renunciou ao cargo por pressões políticas advindas do seu isolamento político naquele
momento e por atitudes consideradas polêmicas, sendo apontado como comunista por seus
adversários.
O próprio jornal A PAZ questionava em sua manchete a decisão de Vanor, “Renunciar
ou ser impedido” (A PAZ, 1964 apud COSTA, 2018, p. 184), deixando evidente o caráter
golpista da deposição do então prefeito, que sofria uma campanha difamatória da própria
UDN, liderada pelo então vice Heródoto, com apoio de empresários, comerciantes, militares
ligados ao Sanatório Naval, com a complacência da Câmara Municipal (COSTA, 2018, p.
176-184).Nesse contexto, o engenheiro civil Heródoto Bento de Mello, então vice-prefeito,
empresário da construção civil, assumiu a prefeitura e liderou o grupo da UDN e empresários
locais na retomada do projeto liberal de cidade “civilizada” inaugurado pelo grupo de Galdino
do Valle Filho (COSTA, 2018, p 21).
Como dito anteriormente, a liderança de Galdino do Valle Filho manteve a
colonialidade (QUIJANO, 1992, 2005) na cidade, marcada pela sua dimensão conservadora,
apenas substituindo a dependência da economia cafeeira e do latifúndio escravista pelo
caminho para um modelo capitalista (COSTA, 2018, p. 18). Partiu do grupo político liderado
por ele à época a maior contribuição para a edificação do mito da “Suíça brasileira”.
Na gestão de 1964, em menos de três anos, Heródoto retomou o discurso da
modernização pela urbanização, que está presente no mito da “Suíça brasileira”, ao revigorar
o Plano Diretor de 1958 com a proposta de disciplinar o crescimento desordenado da cidade
(COSTA, 2018, p. 191). Ademais, manteve a tradição da festa de aniversário da cidade,
inovando ao conceder o título de cidadão friburguense ao embaixador da Suíça no Brasil.
Construiu, ainda, a Praça da Igreja Matriz, atual Demerval Barbosa, bem como o Centro de
103

Turismo, que serviu como polo de divulgação da “Suíça brasileira” (COSTA, 2018, p. 191-
193). Nessa época, Heródoto ventilou pela primeira vez a ideia de criação de um Museu
Histórico da cidade, o que se concretizou apenas na sua gestão do final dos anos 1990.
Nos anos 1980, com a decadência das grandes fábricas, o mito é reatualizado e
identificado por Costa (2018) pelo slogan “Nova Friburgo, paraíso capitalista” propagandeado
por Heródoto Bento de Mello, que mais uma vez governou Friburgo entre 1983 e 1987, e por
empresários locais. Paraíso como sinônimo de harmonia e paz, inserido no discurso de uma
cultura disciplinada e capitalista, como um lugar em que se privilegiava o lucro da iniciativa
privada em detrimento do público (ARAÚJO, 2018, p. 19).
Na gestão municipal iniciada em 1983, Heródoto retomou a preocupação com o
planejamento urbano e estabeleceu uma política de contato direto com o governo suíço,
consolidando a visão de Friburgo como a “Suíça brasileira”. O contato direto com os suíços
foi estabelecido primeiramente no encontro do irmão de Heródoto, Ariosto Bento de Mello,
com o historiador suíço Martin Nicoulin, quando este iniciava suas pesquisas para o seu livro
A gênese de Nova Friburgo (1995), que resultou na visita de 300 suíços a Nova Friburgo em
1977 (COSTA, 2018, p. 193).
Na festa de aniversário da cidade, em 1983, o prefeito instituiu o May Festival
(ARAÚJO, 2018, p. 186), promoveu a vinda de uma grande comitiva de suíços e comandou a
construção de uma Queijaria Escola – que marcaria definitivamente a presença dos suíços na
cidade, com a celebração de um convênio com a Associação Fribourg com a produção de
vasto material de pesquisa e propaganda sobre as raízes suíças do município e o estímulo para
que os friburguenses buscassem informações sobre suas árvores genealógicas no
Departamento da Pró-Memória da Prefeitura (COSTA, 2018, p. 193). Ademais, a construtora
do então prefeito, que era engenheiro, passou a construir imóveis a partir do modelo
arquitetônico suíço na cidade.
Costa identifica o slogan do governo Heródoto a partir do discurso oficial da sua
gestão, ao destacar a matéria jornalística sob a manchete “Friburgo cresce fiel à iniciativa
privada”, do Jornal do Brasil de 1983 (BARROS, 1983, p. 29). A matéria inicia seu texto
com a declaração de um empresário da hotelaria local: “Nova Friburgo é um paraíso
capitalista” (BARROS, 1983, p. 29).
Na sugestiva matéria que apresenta como subtítulo a frase “Empresários no poder”, o
prefeito Heródoto reproduz ideias do grupo galdinista sobre o mito da “Suíça brasileira”:
104

“Nós prosperamos de acordo com a escola europeia: trabalho, ordem, organização, limpeza.
Nunca houve uma greve em Nova Friburgo.” (BARROS, 1983, p. 29).
Essa ideia de disciplinarização da classe trabalhadora – que chegaria ao extremo de
afirmar a ausência de greves na cidade – é desmentida pela presença dos primeiros
movimentos de resistência operária em Nova Friburgo, ainda na segunda metade da década de
1910, quando operários foram despedidos por protestarem contra cortes de salários
(CORRÊA, 1985, p. 149).
Os primeiros sindicatos foram criados no início dos anos 1930 e promoveram
paralisações e greves, como a de 1933 dos trabalhadores têxteis, marcada pela forte repressão
policial (COSTA, 2018, p. 84), e as diversas mobilizações e greves no período entre 1945 e
1948, como a greve de 1946 que resultou de um movimento unificado entre operários e
bancários (COSTA, 2018, p. 122-123).
Na referida matéria do Jornal do Brasil, Edgar Arp, sócio majoritário da Fábrica de
Rendas Arp e presidente da Companhia de Eletricidade de Nova Friburgo, afirmava a ideia de
ilha de prosperidade, ao apresentar a proposta de criação de uma muralha:
Sem dúvida, uma experiência bem-sucedida de capitalismo acontece em Nova
Friburgo. Às vezes penso que isso deve ser protegido. Alguma coisa como uma
muralha, cercando essa cidade que tem um clima e uma gente excepcional
(BARROS, 1983, p. 29).

Heródoto Bento de Mello reassume a prefeitura em 2009, sendo o responsável pela


criação da Fundação Dom João VI, que substituiu o antigo Pró-Memória, instituída pela Lei
Municipal nº 3.836/2009 (NOVA FRIBURGO, 2009). A fundação se tornou o órgão
municipal responsável pela preservação da memória histórica da cidade. A escolha do nome
do órgão já transparece a intenção de se manter o discurso da “Suíça brasileira”, ao insistir no
protagonismo de Dom João VI na fundação da cidade.
De acordo com a referida lei, o presidente do Conselho de Administração, órgão
superior da Fundação Dom João VI, é o prefeito ou alguém por ele indicado (artigo 5º, I),
assim como seus membros também são indicados pelo prefeito. Atualmente, o chefe do
Executivo em exercício escolhe os nomes em lista tríplice elaborada pelos membros do
próprio Conselho Administrativo, conforme artigo 9º (NOVA FRIBURGO, 2009).
Assim, o órgão da Prefeitura criado para preservar o patrimônio e a memória da cidade
se mantém atrelado ao marco de colonialidade vigente, reforçado pelos grupos políticos
liberais e a elite local, que comandam o poder político da cidade, o que a princípio inviabiliza
possibilidades de interferência de ideias de grupos que contraponham o discurso oficial
vigente.
105

3 ESTUDO DO CASO-REFERÊNCIA: A PRAÇA GETÚLIO VARGAS EM


NOVA FRIBURGO

O presente capítulo trata do estudo do caso-referência (CAVALLAZZI, 1993) da tese:


a Praça Getúlio Vargas, praça central da cidade de Nova Friburgo, estado do Rio de Janeiro,
inaugurada em 1881. A escolha da referida praça como caso-referência, objeto real da tese,
deve-se ao fato de ter esse espaço público protagonizado, desde o seu surgimento, uma
disputa histórica, que se reflete nas dimensões políticas, sociais e jurídicas, envolvendo ainda
aspectos urbanos, ambientais e patrimoniais. Ademais, considera-se o caso apto a revelar a
hegemonia atual de um olhar retrotópico para o passado colonial da cidade que está
estruturado em uma tradição inventada pelos vencedores da história, a “Suíça brasileira”,
construída no início do século XX com fulcro na ideologia do progresso.
A Praça Getúlio Vargas faz parte do caminho diário do cidadão friburguense. Nela foi
construída a rodoviária, é ponto de passagem, de namoro, de encontros. Assim, no
delineamento do caso-referência segue-se a diretriz investigativa que os estudiosos críticos
predizem: “Desconfia de tudo que pareça ser apenas um cenário de rotina” (ROLNIK, 1995,
p. 86).
A escolha do caso-referência abrangendo a praça como espaço urbano vivido não
prescinde ainda do fato de que ler a cidade implica a leitura da arquitetura urbana como fonte
de escrita que fixa a memória para a história urbana (ROLNIK, 1992). Sobre a característica
da arquitetura, no caso a paisagem urbana da praça, como fonte, vestígio para o pesquisador
urbano, Rolnik considera:
A arquitetura, esta natureza fabricada, na perenidade de seus materiais tem esse dom
de durar, permanecer, legar ao tempo os vestígios de sua existência. Por isso, além
de continente das experiências humanas, a cidade é também um registro, uma
escrita, materialização de sua própria história (1995, p. 9).

No mesmo sentido, Lefebvre alerta que “sim, lê-se a cidade porque ela se escreve,
porque ela foi uma escrita. Entretanto, não basta examinar esse texto sem recorrer ao
contexto” (2001, p. 61).
Para além da sua importância como patrimônio paisagístico, a praça em questão possui
uma vitalidade que advém de uma “sucessão complexa de usos e usuários” (JACOBS, 2001,
p. 105), bem como de um histórico de disputas pela apropriação desse espaço urbano.
Assim, neste capítulo percorre-se a história do surgimento da praça, o tombamento da
sua paisagem e as sucessivas disputas socioespaciais sobre os usos e a preservação desse
106

espaço. Na primeira seção do capítulo descreve-se o projeto higienista de construção da praça,


que teve a influência do médico Carlos Eboli; a sua estreita relação com o domínio do café na
região, especialmente protagonizada pela família Clemente Pinto; e a sua idealização, que
teve os trabalhos comandados pelo renomado paisagista francês Auguste François Marie
Glaziou. Desse modo, a primeira seção do capítulo foi desenvolvida a partir da referência em
pesquisas que exploram a história do lugar, apresentando a dinâmica da atuação de
personagens importantes para a criação do espaço (ARAÚJO, 1992; FERREIRA, 2013;
MARRETTO, 2018; FOLLY, 2007).
Ainda na seção que trata da história da catedral dos eucaliptos, descreve-se um breve
histórico de violações e resistências em defesa da praça, que abrange desde a preservação do
patrimônio cultural até o meio ambiente e o embate sobre os usos dessa área para a população.
Essa descrição é realizada tomando-se por base a mídia local e nacional, principalmente
matérias do jornal local A Voz da Serra e a seção Região Serrana do Portal G1.
Na seção 3.2 a investigação parte para a identificação e análise das estratégias
políticas, jurídicas e culturais do movimento social Abraço às Árvores – SOS Praça Getúlio
Vargas, que se constitui e passa a demandar transparência e participação nas decisões sobre
esse espaço. O movimento atua na defesa da praça no âmbito ambiental, urbano, patrimonial e
de seus usos, a partir da derrubada considerada autoritária e desprovida de técnica de dezenas
de eucaliptos em 2015. Após a derrubada das árvores vem à tona um projeto de
“revitalização” da praça que, na avaliação do grupo, não preserva o conjunto arquitetônico e
paisagístico tombado, nem atende aos usos desse espaço pela população.
Na seção seguinte apresenta-se a conjuntura de desdemocratização e reafirmação do
mito da “Suíça brasileira” na gestão municipal do prefeito Renato Bravo, que assume em
2016. Naquele momento, avalia-se que o Movimento Abraço às Árvores – SOS Praça Getúlio
Vargas adere e se articula ao Coletivo Nova Friburgo 200 Anos pra Quem?, incluindo a
disputa pela narrativa histórica dos vencidos, de forma explícita, em sua pauta por direito à
cidade. São especificadas ainda as atividades e a articulação do movimento com outros
grupos, como atores políticos que apoiaram a causa e a subseção da OAB local.
Assim, a pesquisa aprofunda e detalha o objeto fático estudado como rememoração do
passado, com o objetivo de criar um presente capaz de possíveis recomposições das forças
sociais, permitindo uma ruptura no sentido de reverter o processo de desdemocratização no
horizonte de luta pelo direito à cidade.
107

3.1 A CATEDRAL DOS EUCALIPTOS:93 O PROJETO HIGIENISTA DA PRAÇA


“PLANTADA” PELO CAFÉ

A Praça Princesa Izabel, 94 que na República passou a se designar Praça XV de


Novembro e, em razão da Revolução de 30, passou a ser a Praça Getúlio Vargas, foi
renomeada várias vezes acompanhando as mudanças políticas nacionais. A praça em questão,
situada na área central da cidade, foi o primeiro espaço público em que se inseriu um jardim
de forma planejada em Nova Friburgo, estado do Rio de Janeiro (FOLLY, 2007).
A família Clemente Pinto, comandada pelo fazendeiro de maior destaque na região de
Cantagalo,95 Antonio Clemente Pinto, desempenhou um papel de protagonismo na construção
desse espaço, com destaque para a importância do papel de seus filhos Antonio, conde de São
Clemente, e Bernardo, conde de Nova Friburgo.96
Antônio Clemente Pinto foi um “fazendeiro-capitalista” que veio para a região de
Cantagalo e Nova Friburgo em 1829, mas que, provavelmente, já atuava na Corte como
traficante de escravos (MARRETTO, 2018). O barão97 se destacava ainda na área comercial,
pois sua empresa Friburgo & Filhos operava na compra e venda de café e, simultaneamente,
negociava escravos. Os negócios dos Clemente Pinto extrapolavam a região que engloba
Cantagalo e Nova Friburgo para o âmbito nacional e internacional, em atividades
diversificadas como “a construção da Estrada de Ferro Cantagalo, a concessão de créditos a
juros e investimentos em imóveis urbanos” (MARRETTO, 2015, p. 6).
Em 1870, a área em questão se apresentava como um imenso vazio, no qual já se
visualizava a Catedral de São João Batista, construída pela família Clemente Pinto e
inaugurada no ano anterior, como mostra a Figura 6 a seguir.

93
A Praça Getúlio Vargas é denominada “catedral dos eucaliptos” pela população, pela mídia local, em prosa
(JORGE, 1961) e até em discursos políticos. Castro (2001) menciona que o prefeito Dr. Amâncio de Azevedo,
ao assumir o Executivo em plena praça central, declara em famoso discurso: “Fiz uma promessa na catedral, na
Catedral dos Eucaliptos, que assumiria o Executivo na simplicidade e na intimidade dos que me deram tão
significativa vitória.” A Voz da Serra. Nova Friburgo, 7-8 de fevereiro de 1959, 1ª página.
94
Na chegada dos suíços na região, essa área era dividida em três praças e um largo: Praça São João, Praça D’El
Rei Dom Manuel, Praça do Príncipe Real Dom Pedro e o Largo do Mercado (FOLLY, 2007, p. 41). Após ser
reunida sob o nome de Praça Princesa Izabel, comportava a atual Praça Getúlio Vargas e a Praça Demerval
Barbosa, que se situa em frente à Catedral São João Batista.
95
A vila de São Pedro de Cantagalo pertencia ao Vale do Paraíba fluminense, que em meados do século XIX era
o principal polo cafeeiro do Império.
96
Cf. a dissertação de Melnixenco (2014) sobre as atividades comerciais e industriais da família Clemente Pinto,
principalmente a casa comissária Friburgo & Filhos, a construção da Estrada de Ferro de Cantagalo e seu
poderio no século XIX na região de Cantagalo.
97
Antonio Clemente Pinto recebe o título de barão de Nova Friburgo por decreto do Imperador Dom Pedro II em
28 de março de 1854.
108

Figura 6 – Paisagem da Praça Princesa Izabel por volta de 1870


Fonte: Acervo de Adriano Freitas (KNUST, 2017).

Nessa área se localizava um dos núcleos que abrigaram os colonos suíços em sua
chegada à cidade. As construções ali situadas orientavam-se no sentido norte-sul, entre o Rio
Bengalas e a base do morro onde hoje se localiza o bairro do Tingly, conforme especificado
no capítulo anterior.
Os empreendimentos mais marcantes para a transformação da paisagem da cidade e
para a construção da Praça Princesa Izabel estão relacionados com a demarcação e retificação
da Rua do Senado (posteriormente denominada General Argolo e, depois, Alberto Braune) e a
construção da ferrovia que ligava a cidade de Niterói a Cantagalo, passando por Nova
Friburgo, que tinha como principal objetivo o escoamento da produção cafeeira.
A Estrada de Ferro Cantagalo – Leopoldina Railway – começou a ser construída em
1859, dois anos depois de Antônio Clemente Pinto, o barão de Nova Friburgo, obter a
concessão do Imperador D. Pedro II. Em 1870, foi concluído o trecho entre Porto das Caixas e
Cachoeiras de Macacu e, em 1873, o trecho entre Macacu e Nova Friburgo, aumentando
significativamente a circulação de pessoas e turistas na cidade, para além do fim principal
agroexportador da ferrovia.
A praça em questão teve suas obras financiadas e gerenciadas pelo segundo barão de
Nova Friburgo,98 Bernardo Clemente Pinto (1835–1914), que contratou o já então renomado

98
O título de segundo barão de Nova Friburgo foi concedido pelo Imperador em 1873 a Bernardo Clemente
Pinto pela construção da linha férrea.
109

botânico e paisagista Auguste François Marie Glaziou 99 para elaborar o projeto e comandar os
trabalhos, auxiliado pela direção técnica e fiscalização do engenheiro Carlos Engert,100 em
1880. Deve-se lembrar que a construção da praça está em um contexto de urbanização e
embelezamento da cidade que culmina com a conquista da sua autonomia municipal em 1890.
Um ano depois, o segundo barão de Nova Friburgo enviou à Câmara Municipal um
ofício relatando que os trabalhos estavam terminando, e solicitou que a Câmara determinasse
quem, a partir daquele momento, tomaria conta do jardim quase concluído (FOLLY, 2007).
Nesse momento, o barão solicitou a permissão para concluir e conservar o segmento que
ficava em frente à sua residência – o Solar do Barão – cercando-o.
A área da praça, que reunia a atual Praça Getúlio Vargas e a Praça Demerval Barbosa,
de dezoito mil e quinhentos metros quadrados, foi divida por Glaziou em três segmentos
proporcionais, cortados por continuações das ruas perpendiculares à praça, sendo que dois
córregos capeados serviram como limites naturais nesta divisão.
Como foi detalhado no capítulo anterior, a vila de Nova Friburgo tem sua gênese nos
interesses dos cafeicultores da região, que convergiam com o projeto de D. João VI, no
momento da autorização por Decreto para que o povoamento fosse realizado pelo fazendeiro
como “plantador de cidades” (DEFFONTAINES, 1944, p. 302). Assim, a história da praça
está ligada ao poderio do setor cafeeiro na região, pela origem do espaço e pelo protagonismo
da família Clemente Pinto na implementação do projeto de Glaziou, daí poder se falar que
também a praça, assim como a cidade, foi “plantada” pelo café.
De antemão, esclarece-se que, apesar de reconhecer a importância do detalhamento e
resgate histórico e patrimonial da pesquisa de Folly (2007) ao se referir à Praça Princesa
Izabel, a presente análise discorda da ideia de que o Projeto de Glaziou teria sido esquecido e
da conclusão de que “nosso esquecimento a deixou morrer” (FOLLY, 2007, p. 173). Essa
posição dissonante das conclusões do referido autor se deve ao entendimento de que a
paisagem urbana a ser preservada não é estática e de que o patrimônio deve ser compreendido
na sua interface com a vivência dos cidadãos da cidade. A preservação desse patrimônio
cultural não pode se limitar ao olhar direcionado para a materialidade do bem, uma vez que a

99
Glaziou veio para o Rio de Janeiro em 1858, foi diretor dos Parques e Jardins da Casa Imperial e inspetor dos
Jardins Municipais do Rio de Janeiro, além de integrar a Associação Brasileira de Aclimação. Prestou serviços
ao Imperador e à família do barão de Nova Friburgo (FCRB, 2019b).
100
Alguns anos depois, mais especificamente em 1885, o engenheiro Carlos Engert funda o Hotel Engert,
localizado aproximadamente a 250 metros da praça. Ele também adquiriu o Hotel Leuenroth e o restaurante da
estação de trens de Nova Friburgo. Araújo conclui que o Hotel Engert atendia setores médios da sociedade à
época ao analisar o registro do movimento de pessoas em busca dos seus serviços no período de 1890 a 1920. As
classes altas mantinham a preferência em procurar a cidade de Petrópolis para o turismo, segundo o autor (2003,
p. 110 e 111).
110

ação cotidiana da cidade incide sobre a preservação. A preservação dessa paisagem urbana
não estática será reivindicada na luta do Movimento SOS Praça, como será visto a seguir.
Dessa forma, a partir de Ribeiro e Simão (2014), entende-se que a patrimonialização
de um bem não se deve basear apenas em sua materialidade ou na sua importância histórica e
artística, mas principalmente “nas possibilidades e potência em se fazer presente, em
participar da vida cotidiana, na ressignificação permanente e cotidiana pela sociedade” (2014,
p. 6).
O conjunto arquitetônico e paisagístico da Praça Getúlio Vargas é um dos mais
significativos patrimônios tombados da cidade. 101 O valor paisagístico se deve à grande
dimensão da arborização, conforme se visualiza na Figura 7 a seguir, e por ser provavelmente
a única praça idealizada por Glaziou realizada segundo os moldes dos jardins franceses do
século XVII102 (PREFEITURA..., 1969).

Figura 7 – Praça Getúlio Vargas. À esquerda, uma das alamedas da praça, em


que se visualiza a suntuosidade da paisagem com a presença das árvores
centenárias em 2004; à direita, a paisagem da praça um dia antes da devastação
de 2015
Fonte: Acervo pessoal da fotógrafa Regina Lo Bianco.

Os eucaliptos centenários compõem os principais elementos significativos para a


condição de tombamento do conjunto arquitetônico e paisagístico em questão, pelo atual

101
Além do conjunto arquitetônico e paisagístico da Praça Getúlio Vargas, a cidade de Nova Friburgo abriga o
Parque São Clemente (também tombado pelo Iphan), um dos jardins românticos mais belos do país, de autoria de
Glaziou.
102
Glaziou adota em boa parte da sua obra o partido inglês, livre, assimétrico e com elementos românticos.
Segundo Folly, seus jardins românticos “rompem com a retidão e simetria das linhas e com a distribuição dos
maciços arbóreos e arbustivos, uma das características principais do estilo francês do século XVII, buscando,
desse modo, a aproximação com a natureza” (2007, p. 89).
111

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), desde 1972.103 O tombamento


ocorreu por intermédio do renomado arquiteto e urbanista Lúcio Costa, à época presidente da
instituição, que se chamava Serviço do Patrimônio Histórico e Nacional (SPHAN). 104 Um dos
conselheiros que votaram pelo tombamento foi o jurista e historiador Afonso Arinos. A
proteção concedida foi federal porque não havia órgão estadual para a proteção solicitada
naquele momento.
O processo de tombamento, iniciado em 1971 e concluído no ano seguinte, foi
promovido por três figuras com relações próximas com a cidade: o ex-prefeito Cesar Guinle
(entre 1947 e 1951), que pertencia ao grupo político de Galdino do Valle; um médico e
professor da UFRJ nascido e residente na cidade; e um advogado friburguense e residente no
Rio de Janeiro.
Na época já constava no processo em questão a menção a um movimento denominado
Salvemos a Praça Getúlio Vargas, que tinha o objetivo de proteger a praça das
descaracterizações empreendidas pela prefeitura, em razão da “derrubada de um bom número
de eucaliptos para a construção de um playground e um rinque de patinação, sendo que
anteriormente já havia sido demolido um número significativo de árvores para a construção de
uma rodoviária urbana”.105
Na segunda metade dos anos 1980, a sociedade civil friburguense se manifestou de
forma organizada em defesa da praça. Em reação à proposta de divisão da praça para a
passagem de uma avenida foi constituído o movimento Ama Praça, que visava proteger a
integridade desse importante espaço público. Araújo (2018a) narra, em sua obra Memórias
eleitorais: Nova Friburgo 1982-2016, que em 1986 o prefeito Heródoto Bento de Mello
propôs dividir a praça, passando uma avenida pelas proximidades do coreto. O então prefeito
alegou a necessidade de criação de um plano de modernização da Praça Getúlio Vargas e trata
da ação da Ama Praça:106
Num sábado memorável, ensolarado, esse movimento organizou um grande “abraço
à Praça” com o objetivo de manter a sua integridade. O abraço realizado com total
sucesso, contando com a participação de muitos transeuntes anônimos, conseguiu
sustar o projeto que certamente mutilaria um dos lugares históricos de maior
tradição de Nova Friburgo: a Praça Getúlio Vargas (ARAÚJO, 2018a, p. 24).

103
Cf. Praça Getúlio Vargas: conjunto arquitetônico e paisagístico. Livro do Tombo/IPHAN Nº 50 - Processo
833-T-71 de 04/07/1972 referente à Praça Getúlio Vargas em Nova Friburgo.
104
O Serviço do Patrimônio Histórico e Nacional começou a funcionar em 1936 no governo Getúlio Vargas,
tendo sido oficialmente criado pela Lei nº 378 em 13 de janeiro de 1937.
105
Cf. Informação nº 019/88 do Ministério Público Federal Assunto: Proc. Nº 833-T-71 – Conjunto
Arquitetônico e Paisagístico da Praça Getúlio Vargas – Nova Friburgo. 3 de março de 1987.
106
Uma das principais figuras à frente do Ama Praça foi a professora Maria Cecília Bevilacqua da Matta, hoje
com mais de 90 anos, atua no Movimento SOS Praça, mas pode-se citar outros componentes como o Orlando
Mielle e o professor Rosalvo Magalhães. Sua filha e neto são integrantes do Movimento SOS praça.
112

A paisagem da praça tombada “destaca-se por sua arborização com quatro renques de
eucaliptos da espécie robusta, com dupla finalidade: a de conferir ao logradouro especial
feição paisagística e a de sanear uma área alagadiça ali existente”.107 Assim, a escolha da
espécie Eucalyptus robusta – que coincide com o uso dessa espécie, no mesmo período, no
Campo de Santana, no Rio de Janeiro, por Glaziou – era condizente com a medicina higienista
de Carlos Eboli, uma vez que a espécie foi utilizada para drenagem do solo (FOLLY, 2007, p.
92).
No final do século XIX, as epidemias de cólera, febre amarela e varíola, entre outras,
deram destaque ao papel dos médicos na missão higienista (SCHWARCZ, 1993). A atuação
do médico italiano Carlos Eboli, naturalizado brasileiro em 1876, em Nova Friburgo está
inserida nesse contexto. Nesse sentido, deve-se atentar para a importância do ideal higienista
no impulso e na consolidação da implementação de melhorias urbanas na cidade (ARAÚJO,
1992; FOLLY, 2007), forjado por um projeto de medicalização da cidade, que foi decisivo
para a construção da praça em questão.
A medicalização da cidade era difundida pelos médicos, higienistas, arquitetos e
engenheiros e profissionais similares no Brasil, como forma de ordenar e controlar o modo de
vida da população urbana, que crescia a partir do século XIX, servindo de base para a criação
dos Códigos de Posturas Municipais (ARAÚJO, 1992). É o que se averigua na história da
produção do espaço urbano de Friburgo e, mais especificamente, no projeto da sua praça
principal, que teve o envolvimento direto de um paisagista, um médico e um engenheiro,
servindo de base para a promulgação de um Código de Posturas logo em seguida, em 1893,
com o objetivo oficial de evitar a proliferação de doenças. Esse discurso camuflava outra
intenção dos grupos econômicos e políticos que comandavam a cidade: a de ordenar os usos
do espaço urbano.
A atuação política do médico Carlos Eboli segue uma tendência comum dos médicos
do interior fluminense, que conquistavam uma importância social pela dedicação em seu
labor, o que os impulsionava a ingressar na carreira política (PROENÇA, 2017). De fato, esse
período inaugura a construção do poder médico,108 que vai se consolidar por décadas na
cidade.

107
Cf. Praça Getúlio Vargas: conjunto arquitetônico e paisagístico. Livro do Tombo/IPHAN Nº 50 - Processo
833-T-71 de 04/07/1972 referente à Praça Getúlio Vargas em Nova Friburgo.
108
Sobre o poder médico na cidade de Nova Friburgo, conferir a dissertação de mestrado em História de
Elizabeth Vieiralves Castro, Nova Friburgo: medicina, poder político e história (1947-1977) (2001).
113

O referido período é caracterizado por políticas sanitaristas, planos de embelezamento


e reforma urbana que tinham por objetivo modernizar a cidade, dentro da ideologia do
progresso, inspirados principalmente nas reformas parisienses de Haussman. O projeto de
embelezamento tem relação com atores que tinham interesse em tornar a cidade um centro
turístico, por atuarem no ramo da hotelaria, como o próprio médico Carlos Eboli e o
engenheiro Carlos Engert. Dessa forma, Eboli se envolveu com a questão da praça tanto em
razão da sua profissão de médico quanto da sua atividade paralela no ramo da hotelaria, o que
é facilitado pela sua atuação na vereança friburguense.
No site “Glaziou, o paisagista do Império”, organizado pela Fundação Casa Rui
Barbosa (FCRB, 2019a, 2019b), o paisagista – que chegou ao Brasil em 1858 e atuou
intensamente por 35 anos na construção e reforma de jardins e parques – é descrito como
precursor da implantação do modelo inglês no país. O “paisagista do império” atua na
“introdução, no decorrer do século XIX, de um novo conceito urbano, apoiado em critérios de
higienização, funcionalidade e embelezamento, que orientou a expansão das grandes cidades”
(FCRB, 2019a).
A disposição das árvores – em linhas direcionais que conduziam o olhar para uma
perspectiva sem fim e no eixo longitudinal de simetria dos espelhos d’água e renques
formados pelos eucaliptos – compõe a catedral de eucaliptos, como era chamada pela
população, por políticos em seus discursos e até traduzida em trova por J. G. de Araújo Jorge
(JORGE, 1961), que emprega essa expressão ao tratar da praça:
Catedral de eucaliptos

(À Praça 15, hoje Praça Getúlio Vargas)

I
Coração de Friburgo a pulsar cada dia
desde que o céu se tinge ao rubor matinal,
para mim, não és a praça somente, eu diria
que és, a um só tempo, praça, e imensa catedral.

Catedral de eucaliptos... Verde catedral


cuja cúpula é a densa e inquieta ramaria
que tem em cada copa um rendado vitral
tecido pela luz do luar na noite fria! [...] (JORGE, 1961)

De fato, durante a vereança de 04/01/1873 a 28/03/1877, sob a presidência do capitão


Fernandes Ennes, surgiu o interesse em plantar árvores no centro da então Praça Princesa
Izabel, que se resumia à época a uma área vazia (FOLLY, 2007, p. 90.) Mas foi apenas na
vereança seguinte (1877–1883), sob a mesma presidência, a partir da solicitação do médico
114

Carlos Eboli109 (que tinha um bom relacionamento com o Imperador D. Pedro II), que o
famoso paisagista Glaziou elaborou o projeto da praça e ocorreu o plantio das árvores
(FOLLY, 2007, p. 93).
À época a cidade não atraía apenas turistas, como a classe dominante almejava. Atraía
também os pobres da região e os escravos libertos, principalmente após a Abolição, em 1888.
Com isso, a municipalidade e os grupos que tinham poder econômico não limitaram sua
atuação à promoção de melhoramentos na paisagem urbana. Eles também buscaram criar
mecanismos para controlar esses migrantes “indesejáveis”, muitos deles na realidade escravos
libertos, instituindo medidas de higiene pública por meio da promulgação de um Código de
Posturas, em 1893110 (FERREIRA, 2013).
A promulgação do Código de Posturas de 1893 coincide, não por acaso, com a
primeira fase do governo médico clínico do Dr. Ernesto Brasílio de Araújo (ARAÚJO, 1992,
p. 112). O código proibia, por exemplo, a população de jogar “águas pútridas” e lixo nas ruas;
vedava a manutenção de porcos no perímetro urbano; regulamentava o comércio ambulante; e
fixava multas para as violações a suas regras (FERREIRA, 2013, p. 40), manifestando o
projeto higienista mencionado anteriormente.
Deve-se, porém, destacar que as primeiras regras de posturas registradas na cidade
datam de 1835111 e estabelecem normas relativas aos escravos, em razão dos precedentes de
revoltas naquele ano. As posturas visavam reprimir a circulação de escravos com medidas
como a “[...] ‘reunião de escravos de diferentes fazendas’ e chamavam a responsabilidade dos
senhores para evitar as ‘relações dos seus [escravos] com os dos demais fazendeiros’”
(MARRETTO, 2018, p. 185).
Desde a construção, a praça central de Nova Friburgo, inaugurada em 1881, sofreu
incontáveis tentativas de violação ao seu projeto original, muitas delas desconsiderando as
necessidades e os usos desse espaço público pela população. Um dos primeiros ataques às
árvores data de 1884, conforme Ata da Câmara Municipal de Nova Friburgo de 10 de maio e
30 de julho daquele ano, na qual consta que moradores e proprietários da região da então
Praça Princesa Izabel pediam à Câmara que “mande abater árvores que existem na seção

109
Carlos Eboli “requereu, verbalmente, que se oficiasse ao Dr. August François Marie Glaziou pedindo-lhe que,
logo que possa, venha a Nova Friburgo para dar o plano do jardim da Praça Princesa Izabel” (CONJUNTO...,
1880).
110
O Código de Posturas Municipal de 1893 apresentava 134 artigos, divididos em sete capítulos: Patrimônio
Municipal, 14 artigos; Saúde Pública, 47 artigos; Obras e Viação, 16 artigos; Polícia Administrativa – das
multas, 10 artigos; Polícia Urbana, 32 artigos; Polícia Rural, 9 artigos; Da Instrução Municipal, 3 artigos
(ARAÚJO, 1992, p. 112).
111
As posturas elaboradas pela Câmara em 1835 eram provisórias e serviram de base para o funcionamento e a
“ordem” da vila até 1849, quando as posturas municipais entraram em funcionamento.
115

ajardinada da mesma praça que fica entre as ruas General Andrade Neves, Sete de Setembro e
Riachuelo”.112
Na Câmara do Município a disputa se deu entre o vereador Galiano das Neves, que
insistia em continuar, investindo na manutenção do projeto original, e o vereador Souza
Cardoso que contestava essa posição, em seu parecer favorável a suprimir o quarto segmento
da referida praça para atender a abaixo-assinado de moradores que o consideravam insalubre,
lúgubre e inseguro para a população. O discurso do vereador Souza Cardoso contra a gestão
anterior da Câmara, presidida por Manuel Fernandes Ennes, classificava como “uma
vaidade,” “um capricho,” um “luxo” e mais que tudo, um “erro” o projeto original da praça 113.
Esse vereador afirmava, ainda, que defender a manutenção do projeto original era ser
contrário “ao progresso e civilização do nosso século”.
Logo após a elevação da vila a cidade, em 1890, e paralelamente às tentativas de
defesa do projeto de Glaziou e preservação da praça, capitaneada especialmente pelos
médicos Carlos Eboli e Galiano das Neves, a Câmara Municipal de Nova Friburgo aprovou o
já mencionado Código de Posturas Municipal, em 1893.
Em 1942, a Prefeitura removeu 10 eucaliptos para colocar o busto do presidente
Getúlio Vargas (PREFEITURA..., 1969). Em 1969, na gestão do prefeito Amâncio de
Azevedo, mais de 12 árvores foram destruídas para erguer um playground, apesar dos
protestos da oposição política à época, de normalistas de cinco colégios, de membros da
Academia Friburguense de Letras e profissionais de várias áreas, conforme matéria do Jornal
do Brasil intitulada “Prefeitura fere paisagem e tradição de Friburgo”, de 15 de dezembro
daquele ano (PREFEITURA..., 1969). Seguem imagens da praça em 1960 (Figura 8) e após a
instalação do playground e de uma pista em cimento para miniautomóveis, explorada por
comerciantes (Figura 9).

112
Cf. Ata da Câmara da Vila de Nova Friburgo de 10 de maio de 1884 e 30 de julho de 1884. Praça Princesa
Izabel (atual Praça Getúlio Vargas).
113
Cf. Atas da Câmara da Vila de Nova Friburgo, ata de continuação da 3ª sessão ordinária, em 30 de julho de
1884.
116

Figura 8 – Paisagem de um dos corredores dos eucaliptos centenários em 1960


Fonte: Arquivo pessoal Janaína Botelho (SCARINI, 2018a).

Figura 9 – Pista construída após a derrubada de eucaliptos na gestão Amâncio de


Azevedo
Fonte: Processo IPHAN nº 0833-T-71.
Nos anos seguintes, o desmatamento da praça virou rotina para novos
“melhoramentos”, como a obra da rodoviária urbana. Em 1986, o prefeito Heródoto Bento de
Mello propôs dividir a praça, para passar uma avenida pelas proximidades do coreto,
“alegando a criação de um plano de modernização da Praça Getúlio Vargas” (ARAÚJO,
117

2018a, p. 24). A proposta de “modernização” sofreu forte resistência da população, que se


organizou e sustou a atuação da Prefeitura.
No mesmo ano, em matéria publicada no jornal O Globo, sob o título “Friburgo luta
para manter tombada a praça principal” (FRIBURGO...,1986, p. 7), é relatado que a
Prefeitura, ainda sob o comando de Heródoto Bento de Mello, havia solicitado o
destombamento da praça ao SPHAN. Após a consulta ao órgão, o projeto, que previa uma
ocupação de mais de 50 metros da praça, teve de ser reduzido, em razão da resistência da
população, representada por entidades como o Centro de Estudos e Conservação da Natureza
(CECNA) que à época apresentou memorial ao curador do Meio Ambiente do estado do Rio
de Janeiro. No documento, destaca-se o argumento de que o “destombamento” abriria
precedente perigoso para que outros prefeitos no futuro se arvorassem em descaracterizar a
praça central da cidade.
Constata-se que as administrações municipais que se sucederam na cidade de Nova
Friburgo abandonaram a praça, violando frontalmente diversos preceitos da Carta de
Florença (2000), da qual o Brasil é signatário, e ignorando condicionantes institucionais
relativos à manutenção, conservação, restauração ou reconstituição de jardins históricos.
Ainda na época da obra da rodoviária urbana, parecer da Coordenadoria de
Patrimônio Natural alertou sobre a violação da Carta de Florença (2000) pelo uso
contrastante com a fragilidade do Jardim Histórico.114
Mais recentemente, em janeiro de 2015, os eucaliptos sofreram seu mais emblemático
ataque. Na ocasião parte dos eucaliptos foi suprimida de forma açodada e sistemática pela
Prefeitura Municipal de Nova Friburgo, sem comunicação ou diálogo com a sociedade
friburguense e sem transparência administrativa, conforme se visualiza na Figura 10 a seguir.
Tampouco foi requerida autorização do Iphan para a realização do procedimento, mesmo a
Prefeitura estando ciente da existência de um projeto de “revitalização” contratado pelo
próprio Iphan para a área que ainda não havia vindo a público.

114
Parecer da Coordenadoria de Patrimônio Natural no Proc. Nº 833-T-71 – Conjunto Arquitetônico e
Paisagístico da Praça Getúlio Vargas, Nova Friburgo-RJ. 2 de março de 1988.
118

Figura 10 – Corte das árvores em 2015


Fonte: Foto Montagna Filmes/Divulgação (SCARINI, 2015c).

A ação de derrubada repentina dos eucaliptos e a proposta de revitalização da


Technische/Iphan mantêm esse histórico de violações à referida Carta de Florença (2000),
que estabelece, em seu artigo 11, sobre a manutenção dessas áreas, o seguinte:
Artigo 11. A manutenção contínua dos jardins históricos é uma operação de
importância primordial. Sendo vegetal o seu material principal, a preservação do
jardim requer, tanto renovações pontuais como um programa das renovações cíclicas
a longo prazo (abate de exemplares vegetais no final da sua maturação e replantação
de idênticos exemplares já desenvolvidos) (CURY, 2000).

Como na época do prefeito Amâncio Azevedo, considera-se que a ação da Prefeitura


foi marcada pelo autoritarismo,115 pelo discurso do medo, sem o respaldo de um laudo
confiável116 e pela ideologia de que o progresso deve suprimir as tradições. 117
Apesar desse histórico de disputas e violações, a Praça Getúlio Vargas, que possui
uma área de aproximadamente 15.600 m²,118 hoje pode ser descrita pela sua morfologia como
sendo composta de alamedas internas, passeio periférico, alguns canteiros ajardinados, bancos
fixos e móveis com estados de conservação variados, espelho d’água, coreto, placas
comemorativas, bustos e esculturas.
Os moradores visualizam e vivenciam a praça pelo seu caráter afetivo. É um espaço
favorável ao encontro, ao lazer, à reflexão e a atividades sociais, onde idosos, adolescentes e

115
“Prefeitura revelou que as máquinas funcionariam, ‘mesmo se tivesse de passar por cima de muita gente’.”
(PREFEITURA, 1969).
116
Na época, “em sua defesa, o prefeito Amâncio Azevedo alega que ‘algumas das árvores derrubadas já
estavam para cair, pois seus troncos estavam apodrecidos, devido à ação dos raios’”. (ÁRVORES..., 1969, p.
26).
117
O prefeito Amâncio Azevedo atribuiu a repercussão negativa da ação da prefeitura à época à ação de alguns
saudosistas que não entendiam as necessidades da cidade, um importante centro turístico que precisava de
“progresso” (ÁRVORES..., 1969, p. 26).
118
A área que compreendia o projeto de Glaziou era de aproximadamente 18.500 m² (FOLLY, 2007, p. 118).
119

crianças se reúnem para jogar e brincar, conversar assuntos diversos, bem como casais
namoram. A praça é tomada de pedestres que, devido à sua posição central, entre outras
razões, transitam por suas alamedas. Ademais, a praça possui uma localização periférica a
importantes avenidas com comércio pulsante, escolas e trânsito de veículo.
As mencionadas disputas pelo espaço culminaram em 2015, com o referido corte
açodado de diversos espécimes de eucalipto pela Prefeitura Municipal. No episódio, que
despertou a indignação em parte da população, houve resistência popular, que iniciou dispersa
e, com o passar do tempo, foi se consolidando ao redor do Movimento Abraço às Árvores –
SOS Praça Getúlio Vargas. A atuação desse movimento e suas articulações com outras
entidades serão explicitadas e analisadas no tópico seguinte.

3.2 O MOVIMENTO ABRAÇO ÀS ÁRVORES – SOS PRAÇA GETÚLIO VARGAS: DO


ABRAÇO ÀS ÁRVORES AO ENCONTRO COM A HISTÓRIA

Nesta seção analisa-se a atuação e articulação de um movimento social urbano de


resistência que surge como reação aos cortes repentinos das árvores da Praça Getúlio Vargas
em 2015 e que questiona a falta de transparência e gestão democrática nas decisões a respeito
da preservação e “revitalização” desse importante espaço público da cidade de Nova Friburgo.
Como será visto, o movimento questiona o avanço do processo de desdemocratização nas
decisões sobre a praça e luta pelo direito à cidade.
Assim, no sentido de delimitar o caso-referência (CAVALLAZZI, 1993) que trata da
Praça Getúlio Vargas como espaço de democracia, será realizada a análise das estratégias
políticas, jurídicas e culturais do movimento social Abraço às Árvores – SOS Praça Getúlio
Vargas de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brasil, doravante designado apenas como
Movimento SOS Praça. Optou-se por realizar um recorte temporal da atuação do movimento
a partir de janeiro de 2015 – data do corte repentino e autoritário das árvores, época em que
Rogério Cabral ocupava o cargo de prefeito – até o final de 2020, ano em que se encerrou o
mandato do prefeito Renato Bravo.
No decorrer da pesquisa foram realizadas reflexões a respeito do caso-referência ora
estudado em eventos e disciplinas com colegas pesquisadores, 119 bem como foi identificada a

119
Os estudos prévios do caso-referência, no que concerne à atuação do Movimento SOS Praça, foram
apresentados em audiência pública organizada pela 9ª Subseção de Nova Friburgo da OAB-RJ, realizada em
agosto de 2018 em parceria com o movimento e a subseção. O caso-referência foi debatido, ainda, na disciplina
Direito Urbanístico, ministrada pelo professor Alex Magalhães, no IPPUR – UFRJ e apresentada como
comunicação de movimento social no CLACSO, em Buenos Aires, Argentina, no mesmo ano.
120

publicação de pesquisas na área da Antropologia (CORREA, 2019) e Planejamento Urbano


(SOARES, 2020, p. 321-324), que abordam especificamente a ação do movimento social ora
analisado.
Correa trata da defesa da praça e dos eucaliptos, e do uso do patrimônio como espaço
de performance e atuação política pelo movimento em questão (2019). Soares (2020) destaca
o conflito da Praça Getúlio Vargas dentre os conflitos entre comunidades e os órgãos de tutela
de preservação, por meio de mobilizações e movimentos sociais. A pesquisa trabalha a
questão a partir da reivindicação do direito de participação dos cidadãos, que se posicionaram
contrários às ações de destruição, descaracterização e também da privatização de espaços e
bens públicos. Dessa forma, a autora considera que no caso do projeto de “revitalização” da
Praça em questão não houve a devida participação popular na gestão do patrimônio.
Nesta seção o movimento social será tratado a partir da referência de Castells (2021,
2017), e o sentimento de indignação, gerado pelos cortes das árvores, será o ponto de partida
para a análise da sua atuação. Em seção específica será abordado o encontro do movimento
com o Coletivo Nova Friburgo: 200 Anos pra Quem?, tratado na presente análise como o
momento em que o movimento incorpora a disputa histórica à sua luta pela democratização
do direito à cidade.

3.2.1 A centelha de indignação: Abraço às Árvores – SOS Praça Getúlio Vargas

O sociólogo espanhol Manuel Castells designa, em seu livro A questão urbana


([1972], 2021),120 que um movimento social nasce do encontro de uma dada combinação
estrutural, que acumula várias contradições, com certo tipo de organização. Seu surgimento
provoca um contramovimento por parte do sistema visando à manutenção da ordem (2021, p.
388-389).
Nessa linha de pensamento, a organização do movimento teria o papel de unir as
diferentes contradições presentes nas combinações com as quais ele se relaciona. No presente
caso identificou-se que a organização foi importada de outras práticas, uma vez que existem
atores que já se articulavam na luta social na área cultural, ambiental e educacional em
conselhos, fóruns e outros espaços de construção coletiva.

120
O livro A questão urbana, de Castells ([1972], 2021), juntamente a Le droit à la ville, de Henri Lefebvre
([1968], 2009), e Social Justice and the City, de David Harvey ([1973], 2009), são obras publicadas
originalmente entre o final dos anos 1960 e o início dos 1970, consideradas pioneiras em pensar a urbanização
em uma chave de leitura marxista.
121

No período delimitado anteriormente, o grupo apresentou em sua composição


profissionais e aposentados de diversas áreas, como: arquitetos, analistas ambientais,
engenheiros agrônomos, biólogos, advogados, professores, muitos da área de história,
músicos, artistas de rua e artistas plásticos, entre outros. De fato, em sua trajetória o grupo foi
muito mais guiado por contradições políticas e ideológicas do que econômicas, e mostrou
inicialmente dificuldades de diálogo e consenso com os feirantes e taxistas que trabalhavam
cotidianamente na praça. Essas divergências só foram minimizadas no decorrer das ações do
movimento, especialmente durante a administração municipal seguinte ao corte das árvores,
sob o comando do prefeito Renato Bravo. Boa parte desse desacordo deve ser atribuído a uma
compreensão, muitas vezes estimulada pela imprensa local e gestores municipais (que se
considera equivocada) de que o grupo SOS Praça tinha como objetivo único preservar as
árvores a qualquer custo, ignorando a segurança dos transeuntes e trabalhadores locais. No
ano de 2019, o jornal local A Voz da Serra insistia em reduzir o movimento
a “ambientalistas” que realizaram protestos, em matéria que noticiava que a Justiça aceitara a
denúncia contra o prefeito Rogério Cabral e dois secretários por crime ambiental (BARROS,
2019).
O movimento analisado iniciou sua organização a partir de páginas do Facebook
criadas espontaneamente por seus integrantes, especialmente as páginas Nova Friburgo,
cidade das árvores assassinadas e Abraços às Árvores – SOS Praça Getúlio Vargas
(FACEBOOK, [2015a?], [2015b?]), mas também difundiu informações sobre a questão no
blog Abraço às Arvores – SOS Praça Getúlio Vargas (ABRAÇO..., 2015a).
Posteriormente, com a difusão do WhatsApp, o movimento passou a manter sua comunicação
em grupos nesse aplicativo, onde debatem e deliberam até os dias de hoje suas ações e
opiniões, bem como divulgam notícias sobre a atuação dos agentes públicos e privados nesse
espaço público. Nesse sentido, o movimento possui características dos movimentos sociais em
redes, categoria formulada por Castells (2017), por serem conectados em rede por múltiplas
formas e terem se formado inicialmente nas redes sociais de forma espontânea, desencadeados
por uma centelha de indignação (2017), aqui representada pelo evento específico dos cortes
repentinos das árvores centenárias.
Deve-se reconhecer que o sentimento de indignação perpassa as reflexões sobre a
matéria, pois muitas vezes os movimentos sociais são desencadeados por emoções derivadas
de algum acontecimento significativo – no caso, o corte de árvores sadias – que ajuda os
122

manifestantes a superar o medo e desafiar os poderes constituídos apesar do perigo inerente a


suas ações (CASTELLS, 2017).
A indignação – seja como fonte ou como centelha respectivamente abordadas por
Boltanski e Chiapello (2009, p. 72) e Castells (2017) – serve como condição para esses atores
sociais chegarem ao limite da resiliência e transbordarem. De fato, na tematização da crítica
anticapitalista, Boltanski e Chiapello distinguem a formulação de uma crítica segundo as
fontes de indignação (2009, p. 72) que mobilizam enquanto base normativa de suas denúncias
e censuras à ordem capitalista e sua forma de vida. Nas palavras dos autores:
A formulação de uma crítica supõe, preliminarmente, uma experiência desagradável
que suscite a queixa, quer ela seja vivenciada pessoalmente pelo crítico, quer este se
comova com a sorte de outrem (Chiapello, 1998). A isso damos aqui o nome de
fonte de indignação. Sem esse primeiro impulso emotivo, quase sentimental,
nenhuma crítica consegue alçar voo (2009, p. 72).

Assim, a ação individual e coletiva é resultado de uma emoção. O corte de árvores


sadias gera esse sentimento de indignação, de injustiça, não apenas por um erro técnico
grosseiro, mas pelo caráter afetivo que a praça representa para a vida cotidiana dos
friburguenses. Na prática, a praça histórica aciona memórias de moradores e turistas. Essa
afetividade com o lugar 121 é enfatizada pelo movimento que em suas manifestações o trata
como: “patrimônio paisagístico, arquitetônico, cultural e afetivo de nossa cidade”
(ABRAÇO..., 2015b). No texto “O que é de todos”,122 o movimento explicita essa
importância da praça pelo seu valor simbólico e afetivo:
São muitos os aspectos que devem ser considerados numa decisão assertiva em se
tratando de um bem tombado, de valor simbólico significativo. Uma delas é de
caráter afetivo. A praça tem grande significado na vida da gente, principalmente
quando se trata de uma cidade como a nossa, onde tudo gira entorno [sic] dela. Praça
é sinônimo de liberdade, onde as crianças podem correr sem obstáculos, onde há o
lúdico, onde o coração da cidade pulsa. É ali que nos reunimos, encontramos nossos
amores, nos divertimos, onde deixamos de pensar e contemplamos a vida. É preciso
respeitar o caráter simbólico, a alma do lugar!!! (ABRAÇO..., 2015d).

Apesar da gênese nas redes sociais, “eles se tornam um movimento ao ocupar o espaço
público” (CASTELLS, 2017). No caso estudado, o movimento se configura no momento de
manifestações políticas e culturais, de participação em reuniões e audiências públicas
reivindicadas e muitas vezes organizadas por seus membros, expressando as contradições
urbanas da cidade de Nova Friburgo em suas lutas. Ressalte-se que a categoria “movimentos
sociais em redes” proposta por Castells (2017) não abrange apenas os movimentos que

121
Como ensina Milton Santos, as relações estabelecidas pelos homens com os espaços construídos dependem
do grau de cumplicidade e do sentimento de pertencimento a eles atribuído (2002).
122
Texto publicado no jornal Século XIX e reproduzido na página do movimento Abraço às árvores – SOS
Praça Getúlio Vargas (ABRAÇO..., 2015d).
123

ocupam o espaço de forma permanente, mas aqueles que atuam em manifestações de rua
persistentes, como ocorreu no caso em questão.
A partir do corte dos eucaliptos em 2015, que teve início no dia 18 de janeiro daquele
ano, o referido grupo de amantes e defensores da praça passa a se organizar e atuar sobre o
território. Apesar das denúncias sobre a falta de transparência, participação popular e das
possíveis irregularidades nos cortes e podas das árvores centenárias, a prefeitura retoma o
trabalho e continua as derrubadas, abrindo uma clareira na praça, nos dias 24 e 25 de janeiro.
A árvore-mãe foi derrubada dias depois naquele mesmo mês, surpreendendo os manifestantes
e deixando um cenário desolador, como se vê nas imagens do antes e depois, mostradas na
Figura 11 a seguir.

Figura 11 – Vistas da Praça Getúlio Vargas em 2015. À esquerda,


antes do corte dos eucaliptos; à direita, após o corte.
Fonte: Montagna Filmes (SCARINI, 2015c).

Nos primeiros meses proliferou uma série de manifestações do grupo que serão
sistematizadas pela relevância e seguindo uma lógica cronológica a seguir. A primeira
mobilização espontânea em defesa da praça ocorre no dia 27 de janeiro de 2015. Segundo
relatos do integrante Alessandro Rifan, um pequeno grupo se encontrou na praça, pela
primeira vez, para entender a atuação do poder público dias antes, em 25 de janeiro, no
domingo. Naquele momento o então vereador Cláudio Damião (PSOL) solicitou uma
audiência pública, pedido que foi negado pela Câmara na semana seguinte.
Em 29 de janeiro centenas de manifestantes se reuniram no local com faixas, cartazes
e apitos (Figura 12), e impediram o trabalho da Defesa Civil, órgão da administração
municipal. Algumas pessoas se amarraram com cordas ao redor de um dos eucaliptos que
seria cortado e tiveram êxito em paralisar os cortes nesse dia.
124

Figura 12 – Manifestação de integrantes do movimento


Fonte: MANIFESTANTES..., 2015.

A resistência culminou em confronto direto no dia 3 de fevereiro de 2015, no qual


membros do grupo se amarraram novamente em árvores históricas (Figura 13), sendo
retirados à força pela polícia militar, chegando a se concretizar a detenção de uma integrante
(SCARINI, 2015a). Constata-se que, de início, esses atores sociais tinham como foco
principal a preservação das árvores, priorizando a manutenção dos eucaliptos centenários
diante dos cortes sem esclarecimentos por parte da gestão municipal. É importante registrar
que, nesse dia, outro grupo se manifestava para que houvesse a continuidade dos cortes, e que
o discurso oficial da Prefeitura era de que os cortes eram emergenciais para a segurança da
população.

Figura 13 – Resistência na Praça Getúlio Vargas em 2015. À


esquerda, integrantes do movimento amarrados à árvore; à
direita, abraço às árvores promovido diariamente
Fontes: MATOS, 2015 ; Alessandro Rifan (SCARINI, 2015c).
125

Nesse dia, uma das principais lideranças do movimento, o arquiteto e


socioambientalista Alessandro Rifan descreveu os propósitos do grupo para a repórter do
Portal G1, enquanto participava da mobilização:
O nosso movimento está ganhando força e agora a Defesa Civil já mudou de
estratégia. Nós queremos uma poda inteligente e profissional. Queremos
transparência e diálogo, não queremos derrubada de árvores [...] A gente só queria
um diálogo transparente, não queremos autoritarismo. (SCARINI, 2015a).

Portanto, diante do corte das árvores e da iminência de mais cortes, a sociedade civil
se insurgiu de forma desarticulada e, com o passar do tempo, foi se organizando e vem
atuando até o presente momento, por meio do Movimento SOS Praça, de maneira vigilante no
território ameaçado. Seus integrantes reivindicam transparência e participação popular com
vistas ao fortalecimento da gestão democrática das cidades, conforme prevê o artigo 2º, II do
Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001), bem como a apresentação de argumentos técnicos e
jurídicos que justifiquem as intervenções na praça.
Ainda em fevereiro, os integrantes do grupo criaram o já mencionado blog, Abraço às
árvores – SOS Praça Getúlio Vargas (ABRAÇO..., 2015a), em que divulgavam
fundamentalmente tentativas de diálogo do grupo com o município, especialmente em
Conselhos Municipais, e materiais de conscientização da população. Exemplo disso é o
documentário produzido pela jornalista Janaína Botelho (2015), Praça Getúlio Vargas – Um
Relato Social, a respeito dos cortes, no qual ela apresenta as imagens da derrubada e uma
série de entrevistas com os ativistas do movimento.
Entre as diversas reuniões em que o grupo atuou de forma propositiva e colaborativa
apontam-se as realizadas em fevereiro e março de 2015 nos seguintes Conselhos Municipais:
o Conselho Municipal de Meio Ambiente; o Conselho de Turismo, que contou apenas com a
presença de representantes da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Nova Friburgo
(Acianf), Câmara Municipal, Secretaria de Agricultura e representantes da Secretaria de
Turismo; e o Conselho de Políticas Culturais. Na reunião deste último, “Alessandro Rifan,
Dias Henrique e Gutto Rodrigues, que faz[iam] parte da Setorial de Arquitetura e Urbanismo
do mesmo e particip[avam] do Movimento, sugeriram a criação de um Grupo de Trabalho
para aprofundar o tema e levar às próximas reuniões do Conselho” (ABRAÇO..., 2015c), o
qual foi implementado.
Com a chegada do carnaval, o grupo se organizou no bloco “Eu me amarro em
árvores” e criou duas marchinhas desaprovando os cortes realizados na praça. Nelas, os
126

integrantes do movimento usam a ironia como forma de protesto e criticam a ação da


Prefeitura e do Iphan, além de questionar os possíveis interesses na venda da madeira.
Na marchinha “Ih, fantasiaram”, os compositores chamam a atenção do Iphan para o
“corta-corta radical” em verso, tratam da repercussão nacional do episódio e do propósito de
destruição da praça: “Cadê a praça? SUMIU!” A outra marchinha, “O pau de Glaziou”,
questiona o corte de árvores sadias e trata da manifestação em que se amarraram às árvores,
conforme trechos transcritos a seguir:
Pau do Glaziou
Quem cortou (uh)
Quem comprou (uh!)
O pau podre do Glaziou?
[...]
A mãe de todos tombou na praça!
Nos amarramos com toda raça!
Alguém me explica esse caô
Se tava podre, porque pagou!?
[...]
Nessa madeira, se tem cupim,
Não corta, não vende,
Poda sim!
[...] (SCARINI, 2015b).

Após o ocorrido e diante de uma série de denúncias individuais promovidas por


integrantes do grupo SOS Praça, o Ministério Público Federal (MPF), no âmbito do Inquérito
Civil Público (ICP) nº 1.30.006.00105/2010-02,123 firmou Termo de Compromisso de
Ajustamento de Conduta (TAC), em 20 de março de 2015, em que o MPF e o Iphan constam
como compromitentes e a Prefeitura Municipal como compromissada, assumindo uma série
de obrigações de fazer.
Um dos compromissos do TAC previa o replantio nos locais em que houve cortes
rasos das árvores, incluindo o adequado monitoramento arqueológico em conformidade com o
projeto de revitalização contratado e aprovado pelo Iphan, e também que fosse realizada uma
audiência pública sobre o projeto. Diversas reuniões técnicas entre esses órgãos se seguiram
para a elaboração de um plano emergencial para tratar dos termos do TAC, mas a ausência de
previsão orçamentária para a execução do projeto paralisou os trabalhos, segundo justificativa
oficial. Adverte-se que as intervenções de 2015 resultaram ainda em inquérito policial e
denúncia do MPF por dano ao tombamento federal e, posteriormente, execução parcial do
TAC em face do prefeito à época.

123
O referido ICP foi instaurado na Procuradoria da República do Município para fiscalizar o manejo dos
eucaliptos pertencentes ao Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Praça Getúlio Vargas.
127

A respeito da questão técnica para a fundamentação dos cortes das árvores, no


momento da operação desastrosa da Prefeitura existiam dois relatórios técnicos que
analisavam a necessidade de corte das árvores da praça: um estava embutido no Projeto
Executivo Iphan/Technische (2013/2014) e outro foi contratado pela Prefeitura junto à
Universidade Estácio de Sá (UNESA) no mesmo ano. A Prefeitura alegou se basear no laudo
da UNESA para sua ação de derrubada das árvores, mas alguns dos cortes não têm suporte em
nenhum dos dois laudos, conforme denúncia posterior do MPF. Ademais, o relatório da
UNESA foi criticado desde o início pelos integrantes do movimento e técnicos, como a
estudante de biologia Emília Ventura, que denuncia o abandono em relação à manutenção da
praça e a inadequação técnica dos profissionais que realizaram esse laudo. Sua resposta à
entrevista, em fevereiro de 2015:
Há muito tempo que não está sendo feita a manutenção da praça, as árvores nunca
são podadas e falta até iluminação no local. Este ano, eles resolveram cortar porque
estariam podres e oferecendo riscos à população. Não somos contra a poda, somos
contra o corte indiscriminado. Não houve estudo por parte de pessoas
especializadas, não tem engenheiros ambientais e biólogos. O responsável pelo
estudo da Estácio é um engenheiro mecânico (MATOS, 2015).

Por outro lado, o outro projeto, o Projeto Executivo de Revitalização da Praça de 2014
da Technische (2013/2014), aprovado pelo Iphan, foi alvo de diversas críticas pelo
movimento social, em razão da ausência de transparência e gestão participativa. O grupo SOS
Praça considera o projeto desproposital, pois orientava a derrubada de 108 árvores, entre as
quais os cerca de 70 eucaliptos tombados que formam o conjunto paisagístico idealizado por
Glaziou.
Ademais, o projeto contraria as recomendações sobre a conservação de jardins
históricos, sistematicamente ignoradas pelas gestões municipais que se sucederam. Entre as
diversas violações às regras sobre a referida conservação, previstas no projeto executivo em
questão, destaca-se a previsão do sacrifício simultâneo dos eucaliptos, a construção de
quiosques e setor de eventos, o que é vedado pela Carta dos Jardins Históricos Brasileiros
(2010), conhecida como Carta de Juiz de Fora. A carta condena a “cessão de áreas do
jardim histórico para usos e instalações alheias às suas funções originais” (CARTA..., 2010),
bem como a “abertura dos jardins históricos a eventos agressivos que possam submetê-los ao
risco de atos de vandalismo” (CARTA..., 2010).
O relatório do INEA nº 21.807/2015, realizado após os cortes, corrobora as denúncias
do movimento de que “a ação realizada na Praça Getúlio Vargas não respeitou nenhum dos
dois relatórios” (BARROS, 2017). O movimento, desde o momento em que teve acesso aos
128

dois laudos técnicos existentes, discutia sua qualidade técnica e as divergências entre eles.
Outra constatação, explicitada no TAC, é que as podas foram realizadas por empresas sem a
devida qualificação técnica.
Após a assinatura do TAC, o movimento protocolou no MPF uma lista dos seus
objetivos, entre os quais se destacam:
 Respeito, defesa e preservação da condição básica da Praça Getúlio Vargas como
conjunto arquitetônico e paisagístico tombado pelo Iphan, considerando sua
importância sob aspectos sociocultural e afetivo para a comunidade em geral.
 Realização das podas preventivas necessárias aos eucaliptos da Praça Getúlio
Vargas, tanto para a saúde das espécies arbóreas quanto para a segurança da
população que circula na praça e ao seu redor.
 Transparência e participação nas tomadas de decisões sobre qualquer intervenção
que ocorra na Praça Getúlio Vargas, bem como o uso e a destinação de toda a
madeira que foi retirada do local através de um fórum de discussão e
participação. [...]
 Realização de um terceiro laudo técnico fitossanitário do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas (IPT) de São Paulo ou de outra instituição federal das árvores
restantes bem como dos tocos das árvores que foram derrubadas indevidamente
ou não. (ARTE..., 2015).

Entre outras petições individuais e coletivas protocoladas junto ao MPF, em maio de


2015, o movimento apresentou uma série de justificativas técnicas para defender a
necessidade da realização de um novo laudo fitossanitário nos indivíduos arbóreos (GRUPO
ABRAÇO ÀS ÁRVORES – SOS PRAÇA, 2015 In: ICP nº 1.30.006. 0040/2015-00, fls. 46-
48)
Uma das principais estratégias de ação do movimento foi o uso de ferramentas
participativas, por meio da realização de oficinas para discutir e refletir sobre as questões
pertinentes às tomadas de decisão sobre o futuro da praça. Ainda no mês de abril, o grupo
promoveu, em parceria com o Fórum Setorial de Arquitetura e Urbanismo, uma oficina
participativa para a elaboração de um “Mapa Falado” (SANTOS, [s.d.]), oferecida pelo
psicólogo e socioambientalista Gustavo Mello, na Usina Cultural Energisa. A Figura 14 a
seguir mostra o resultado do mapa colaborativo, que apresenta o olhar dos usuários da praça
sobre o uso desse espaço.
129

Figura 14 – Mapa falado – A Praça Getúlio Vargas e seu entorno.


Fonte: Relatório do Incid sobre a Oficina Participativa ICP nº 1.30.006. 0040/2015-00 instaurado pelo
MPF, às fls. 163.

O mapa falado é uma técnica participativa que identificou pontos propositivos a


respeito do espaço histórico-cultural enfocado, delineando sugestões para a melhoria da área
de uso comum e seu entorno. Além disso, foi realizada uma oficina sobre os indicadores em
urbanismo, transparência e cidadania no contexto de descaracterização promovido pelos
cortes das árvores, em parceria com a organização não governamental IBASE, por meio de
seu projeto Indicadores de Cidadania (Incid). Foram debatidas as questões que envolveram o
ativismo do grupo, tais como: denúncias de irregularidades; dúvidas sobre o real estado de
saúde das árvores; a destinação final dos troncos; a fragilidade técnica dos cortes; e os
possíveis interesses políticos em jogo. Essas questões foram tomadas como referência para a
construção de indicadores de transparência a serem replicados em outros municípios que
faziam parte do projeto Incid.
Assim, ainda no ano de 2015, o movimento adere à Rede de Cidadania Ativa de Nova
Friburgo124 (INCID, 2016), participando das reuniões com os diversos movimentos da cidade,
como ilustra a Figura 15 a seguir, e recebendo auxílio para a sua articulação.

124
Em 2015, a rede, que tinha o apoio do Ibase, era integrada por parceiros como associações de moradores;
Associação de Apoio Comunitário à Rádio Comunidade Friburgo; Centro Cultural Afro-Brasileiro Ysun-Okê;
Associação de Produtores Rurais e Amigos de Barracão dos Mendes; APAE; oficina-escola As Mãos de Luz;
Fórum Sindical e Popular de Nova Friburgo, entre outros.
130

Figura 15 – Reunião da Rede de Cidadania Ativa de Nova


Friburgo
Fonte: INCID (2016, p. 11).

Nos Cadernos Municipais dos Indicadores de Cidadania – Nova Friburgo


(INCID, 2016), o grupo é apresentado como Movimento Abraço à Praça, representado pelo
arquiteto Alessandro Rifan, e seus objetivos são descritos da seguinte forma:
Surgiu a partir do corte indiscriminado de árvores na Praça Getúlio Vargas; luta por
maior transparência no trato da “coisa pública” e pelo direito à participação da
população. Denuncia o abandono dos monumentos locais e dos conjuntos
arquitetônicos tombados, a falta de planejamento urbano e a ausência de
transparência dos critérios técnicos na intervenção do meio ambiente. (INCID, 2016,
p. 11).

Como se percebe, a atuação do movimento em questão funcionou por uma miríade de


ações sociopolíticas e intervenções culturais, como manifestações, encontros, piqueniques,
rodas de dança, marchinhas de carnaval, prosas ideológicas no banco da praça, oficinas
participativas do mapa falado, bem como apresentações musicais e de obras artísticas
(DUARTE, 2015), algumas delas descritas a seguir.
Em abril de 2015, o artista plástico friburguense Marcelo Brantes, integrante do
Movimento SOS Praça, promoveu uma série de intervenções na praça convidando e
sensibilizando outros artistas a respeito da causa em favor da manutenção dos eucaliptos
centenários tombados. Essas obras e performances foram registradas e editadas pelos diretores
Marcelo Brantes e Juliano Santos no curta Intervenções Abraço às Árvores Praça Getúlio
131

Vargas,125 apresentado em 2017 no Festival Internacional de Cinema Socioambiental de


Nova Friburgo (FriCine), no qual se sagrou vencedor na categoria Melhor Filme Regional.
Entre as intervenções vale citar: Isto não é um palito de fósforo, Catálogo
Agroflorestal e Transparência, de Marcelo Brantes (Figura 16); Mandala de verduras, de
César Marçal; Bolas de meia, de Carlos Eduardo Borges; Perímetro da praça, de Nena
Balthar; Árvore no chafariz, de Mariane Monteiro; Ondulações, de Lúcia Vignoli.

Figura 16 – Performance “Isto não é um palito de fósforo”,


de Marcelo Brantes
Fonte: Acervo pessoal da fotógrafa Regina Lo Bianco.

A mandala de alfaces e repolhos era uma “horta efêmera”, segundo o artista César
Marçal, e a proposta da fictícia plantação de alface era contextualizar a palestra sobre o tema
“Plantação sem agrotóxico” de Flávio Jandré, que abordou os benefícios da agricultura orgânica

125
Segue a sinopse do filme: “Intervenções Abraço às Árvores Praça Getúlio Vargas foi definido por seus
realizadores como ‘um grito de socorro vindo dos eucaliptos centenários da Praça Getúlio Vargas, frente aos
criminosos cortes executados pelo então prefeito de Nova Friburgo, Rogério Cabral’. Considerado o mais
querido e central espaço público da cidade, a Praça Getúlio Vargas, ambiente histórico e familiar, foi projetada
em 1881 pelo famoso engenheiro e paisagista francês Auguste François Marie Glaziou. O filme mostra como o
movimento SOS Praça Getúlio Vargas realizou diversas intervenções artísticas e temáticas na praça, em forma
de protesto, reunindo forças e pressões que acabaram interrompendo os cortes dos eucaliptos, mantendo boa
parte das árvores Vivas!” O teaser do filme está disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ia2zdQcr63o Acesso em: 10 jul. 2021.
132

(JARDIM..., 2015; SCARINI, 2015d). Ao final, as verduras foram distribuídas aos alunos que
participaram da atividade. A seguir, a Figura 17 mostra a intervenção de dois ângulos diferentes.

Figura 17 – Intervenções artísticas na praça. À esquerda, a Mandala de


Alfaces vista do alto; à direita, o artista César Marçal plantando as verduras
em formato de mandala no canteiro central da praça.
Fonte: FACEBOOK, 2016a; FACEBOOK, 2016b.

A programação do evento contou ainda com círculo de vocabulário inglês/português


com os professores Maraliz Leitão e Alexandre Soares; aula de história com a professora
Janaína Botelho; o “Dragão Verde”, ação desenvolvida por Marcelle Nader; e o piquenique
verde com o artista plástico Marcelo Brantes (JARDIM..., 2015).
Dentro dessa iniciativa do movimento, o artista Ronald Duarte promoveu uma ação
performática intitulada Nimbo Oxalá.126 A performance contou com colaboradores vestidos
de branco que acionaram extintores de incêndio, formando uma gigantesca nuvem, que
envolveu os presentes e desapareceu, misturando-se ao conjunto dos eucaliptos centenários
tombados ainda existentes. Segue a Figura 18, com imagens da intervenção.

126
Essa obra/performance é promovida desde 1994, já apresentada diversas vezes, inclusive na 29ª Bienal de São
Paulo em 2010, como exaltação à vida.
133

Figura 18 – Intervenção artística “Nimbo Oxalá” realizada na praça.


Fonte: Fotografia recortada da divulgação do lançamento do vídeo Intervenções Abraço às Árvores –
SOS Praça. Disponível em: GALERIA..., [2016?]; FACEBOOK, 2015d.

O autor da obra, Ronald Duarte, refletiu sobre a intervenção na praça como um ato
que visa repensar a violência do corte das árvores e de esperança de reconquista do que foi
perdido, senão veja-se:
Há que se pensar no respeito ao aspecto espiritual e energético dos seres vegetais
presentes no conjunto paisagístico na praça, trazendo a necessidade de se repensar
sobre o ato insano realizado, do que foi despedaçado, do que foi rasgado com
violência; e esperar reconquistar aquilo que se havia perdido. (INCID, 2015).

Após os cortes, somente em maio de 2015 foi aprovada a audiência pública na Câmara
de Vereadores, que foi realizada em dois dias (21 e 25 daquele mês). A ampla mobilização da
sociedade civil “resultou em uma plenária lotada, ativa, questionadora” (Anexo A).127 Na
audiência, solicitada pelo então vereador Cláudio Damião, do PSOL, foi apresentado pela
primeira vez o Projeto de Requalificação elaborado pela empresa Technische Engenharia,
com financiamento do Iphan, até então desconhecido pelo movimento e pela maioria da
população. A sessão presidida pelos vereadores Marcelo Verly (PSDB) e Marcio Damazio
(PSD) contou com a presença de representantes do Iphan, do Ministério Público Federal, da
Prefeitura de Nova Friburgo e de diversos setores da sociedade civil, como por exemplo os
integrantes do SOS Praça e a historiadora Janaína Botelho, representando a Universidade
Cândido Mendes (UCAM), conforme a Figura 19 a seguir.

127
Afirmação retirada de um breve relato de um dos integrantes do Movimento SOS Praça, disponibilizado por
Alexandre Rifan, sobre a atuação do movimento, destacando as ações no âmbito institucional em reuniões com
organizações não governamentais, em conselhos, em fóruns e grupos de trabalho, e especialmente na audiência
pública realizada em 21 e 27 de maio de 2015 na Câmara de Vereadores de Nova Friburgo. O relato em questão
foi uma das fontes utilizadas para a descrição das ações do movimento.
134

Figura 19 – Audiência pública realizada em 2015


Fonte: FACEBOOK, 2015a.

Após inúmeros questionamentos dos participantes e a apresentação de evidências de


irregularidades, o Iphan se comprometeu publicamente a abrir o diálogo para avaliação
conjunta da proposta do projeto, considerando a possibilidade de alterá-lo caso soluções mais
adequadas fossem apresentadas. A promessa infelizmente não foi cumprida.
Como resultado da sessão, o superintendente do Iphan à época se comprometeu a
atender à demanda do movimento e providenciar um terceiro laudo técnico referente à nova
análise de saúde dos eucaliptos, por universidade pública com especialidade na área, a ser
acompanhado por representantes indicados pela sociedade civil. O representante do Iphan
mais uma vez não cumpriu com o compromisso. O terceiro laudo realizado pela Universidade
Federal Rural foi apresentado ao público em 9 de novembro de 2020, em audiência pública
realizada na Câmara de Vereadores, no apagar das luzes da gestão Renato Bravo.
O conjunto dos presentes pactuou a necessidade de manter o canal de diálogo
intersetorial aberto, por meio da criação de um grupo de trabalho para avanço nas discussões e
realinhamentos do projeto, o que não se concretizou de forma plena até o fim do período
estudado na pesquisa (final de 2020). As reuniões para as tomadas de decisão governamentais
sobre o futuro da praça continuaram a ser realizadas pela Prefeitura, MPF e Iphan de forma
exclusiva e “a portas fechadas”, conforme confirma o presidente da 9ª Subseção da OAB,
Alexandre Valença, em entrevista já no início de 2021, ou seja, após o corte temporal da
pesquisa:
Embora o projeto tramite de alguma forma desde 2015, nunca houve participação
popular efetiva em sua concepção. Nesse sentido, a constituição de um Grupo de
Trabalho (GT) a ser formado exclusivamente por servidores municipais, por mais
competentes e qualificados que sejam, não supre as demandas da democracia
participativa (COELHO, 2021).
135

Em agosto, o movimento seguiu com suas atividades culturais ao promover o evento


Cultura na Praça (BLUE, 2015b), com dança circular; a participação do Cineclube Lumiar
apresentando o filme “O sal da terra”, do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado; e a exibição
do já mencionado documentário da historiadora Janaína Botelho sobre a polêmica operação
de cortes (2015b).
Houve, ainda, a apresentação do Trio Glaziou,128 composto por Larissa Goretkin, na
flauta; Emília Ventura, no violino; e Miguel Bevilacqua, no violoncelo, retratado na Figura 20
a seguir. O grupo tinha como objetivo “trazer novamente para a praça seu verdadeiro sentido
de ‘lugar do povo’, berço das artes e onde a cultura se mostra e se renova” (BLUE, 2015a). Os
músicos se uniram no início do ano de 2015 no contexto do corte de eucaliptos da Praça
Getúlio Vargas. Ao descreverem o trio em sua página no Facebook, os músicos explicam que
o seu nome é uma homenagem a Auguste Glaziou (FACEBOOK, 2015b).

Figura 20 – Trio Glaziou


Fonte: FACEBOOK, 2015c.

Em outubro do mesmo ano, a 5ª edição do Festival Internacional de Cinema


Socioambiental de Nova Friburgo (FriCine), contando com a parceria do Movimento SOS
Praça, convidava “toda a comunidade para pensar, debater e vivenciar a Praça Getúlio Vargas
em seu aspecto socioambiental” (FRICINE..., 2015). A programação contou com uma oficina
sobre o mapa da mobilidade urbana no âmbito da Praça Getúlio Vargas, realizada na Usina

128
O repertório do trio é diverso: vai de música barroca a Vivaldi, de Haydn a música contemporânea, com
direito até à referida marchinha de carnaval satirizando as autoridades competentes quanto à operação que
causou um clarão na Getúlio Vargas, entre outras obras autorais, como a canção 3 peças, de Miguel Bevilacqua
(BLUE, 2015a).
136

Cultural e mediada por Gustavo Mello, integrante do Movimento SOS Praça, que se utilizou
do mapa falado nessa construção.
O evento se expandiu para a praça com ações socioculturais, lúdicas e artísticas.
Objetivava-se levar “ao público reflexões sobre a importância do espaço ser valorizado e
protegido sob o ponto de vista histórico” (FRICINE..., 2015). As atividades prosseguiram
com o “Cinema na Praça”, em que foram exibidas mostras de curtas-metragens do Cine Zé e
“Em busca da terra sem veneno”, do diretor Noilton Nunes. O cinema aberto em praça
pública, com base nos ideais cineclubistas, tornou-se mais uma ferramenta sociopolítica de
sensibilização, a partir de uma parceria com o Cineclube Lumiar, conforme mostra a Figura
21 a seguir.

Figura 21 – Cinema na Praça. À esquerda, o CineZé na


praça; à direita, exibição do filme de Noilton Nunes.
Fonte: FACEBOOK, 2015c; FACEBOOK, 2015d.

Mesmo com toda essa mobilização, o quadro de desdemocratização denunciado pelo


movimento se manteve. Em novembro de 2015 foi realizada uma reunião na Prefeitura a
respeito do TAC e das podas de árvores emergenciais na praça, com a presença de
representantes da Prefeitura, do MPF e do Iphan, sem o chamamento de representantes da
sociedade civil (ATA DE REUNIÃO, 2015 In: Inquérito Civil Público (ICP) nº 1.30.006.
0040/2015-00, fls. 217-220). No período estudado, constam diversas reuniões entre MPF e
Prefeitura registradas no já mencionado ICP em atas, muitas vezes pouco detalhadas, e que
estão ao alcance apenas dos cidadãos que solicitassem vistas aos autos na sede do MPF local.
Em dezembro de 2015, o movimento recebeu o reconhecimento da Câmara de
Vereadores que lhe concedeu uma Moção Especial de Louvor, como mostra a Figura 22 a
seguir.
137

Figura 22 – Maria Cecília Bevilacqua, protetora histórica da


praça, com a menção da Câmara
Fonte: FACEBOOK, 2016a.

No início de 2016, o movimento convidava a população para uma série de atividades


artísticas e culturais em comemoração a um ano de resistência do movimento, como se pode
ver na Figura 23 a seguir.

Figura 23 – Cartaz convidando a


população para o evento
Fonte: Reprodução do cartaz disponibilizada pelo grupo.
138

Ainda naquele ano assumiu uma nova gestão municipal, do prefeito Renato Bravo. No
entanto, como será visto na seção seguinte, não há nenhuma mudança na conjuntura de
desdemocratização na política urbana municipal, que inclui as decisões sobre a Praça Getúlio
Vargas. A partir de 2016, o Movimento SOS Praça passa a se articular com outros coletivos e
instituições, como o Coletivo Nova Friburgo 200 Anos pra Quem?, também denominado
Coletivo 200 Anos pra Quem?, e a 9ª Subseção da OAB-RJ, com vistas a disputar a história
desse espaço e a da cidade, que estão imbricadas, bem como se entrincheirar na luta pelo
direito à cidade ao opinar sobre o debate jurídico envolvido em um TAC, que até os dias de
hoje acumula aditivos e descumprimentos.

3.2.2 SOS Praça encontra a história: 200 anos pra quem?

Em 2016 assumiu o engenheiro civil Renato Bravo como chefe do Executivo


Municipal de Nova Friburgo, com forte apoio do empresariado local. Na apresentação do seu
programa de governo, o então candidato já colocava o bicentenário como central na sua futura
gestão: “Daqui a menos de dois anos estaremos completando 200 anos e precisamos refletir
sobre como a cidade se desenvolveu desde 1818” (BORGES, 2016). Com o bicentenário
centralizado no programa do novo governo, não surpreende a retomada do discurso mítico da
“Suíça brasileira” nos festejos dos 200 anos em 2018, sob o comando do prefeito, em sua
gestão liberal conservadora.
Às vésperas do bicentenário, um fato merece destaque. Apesar de existir um grande
consenso entre historiadores a respeito da crítica necessária à redução da história da cidade à
alcunha de “Suíça brasileira”, em setembro de 2017 foi editada a Lei Estadual nº 7.683 (RIO
DE JANEIRO, 2017a), proposta pelo deputado estadual Samuel Malafaia (DEM) e
sancionada pelo governador Luiz Fernando Pezão (MDB), que dá esse título à cidade.
Interessante observar, ainda, o contrassenso presente na própria justificativa do projeto de lei
estadual, ao colocar a cidade como uma colônia de vários povos: “Nova Friburgo tornou-se
assim a única cidade do país colonizada por dez nações” (RIO DE JANEIRO, 2017b).
Um ano antes do bicentenário, o prefeito mantinha a intenção de resgatar essa tradição
inventada ao inaugurar um relógio com arquitetura suíça, muito similar à da Queijaria Escola,
em local central da cidade, com a contagem regressiva para mais uma “festa da ordem” que se
propagandeava (ALT, 2017).
139

Apesar de o slogan oficial da gestão municipal para o bicentenário ser “a cidade de


todos os povos” – o que aparentava reconhecer a contribuição de vários povos na construção
da cidade –, na divulgação da programação da festa, em matéria no jornal local, colocou-se
em evidência “a visita do presidente do Conselho Nacional Suíço, Dominique de Buman, e
representantes políticos do país” (BORGES, 2018). Ademais, a programação previa a
“instalação de escultura de um artista suíço no Jardim do Nêgo, que por sua vez foi convidado
para inaugurar uma escultura de sua autoria naquele país, promovendo dessa forma um
intercâmbio artístico entre os dois países” (BORGES, 2018).
Na programação constava uma série de atividades que prestigiavam as demais
colônias da cidade, mas a cultura e o governo suíços apareciam em destaque, sendo a Suíça o
único país estrangeiro a compor a lista de organizadores do evento, o que confirma a hipótese
do seu protagonismo na comemoração. Mantém-se, assim, a tradição de contato direto com os
suíços inaugurada pelo governo Heródoto.
Com o passar do tempo, esse discurso oficial assumido pela gestão municipal, pautada
em um projeto liberal conservador, foi se consolidando nos preparativos para o bicentenário.
Em reação, foi criado o Coletivo Nova Friburgo 200 Anos pra Quem?, um coletivo de
reflexão, crítica e manifestação que questionava a história oficial da cidade, como forma de
desvelar as contradições históricas desse discurso.
Nesse momento, membros do Movimento SOS Praça passaram a integrar esse
coletivo, que reunia uma variedade de profissionais, como bancários e educadores, e
representantes do Coletivo Negro de Nova Friburgo (Conenfri), com destaque para a liderança
de historiadores locais na condução do debate sobre a história friburguense, órfãos de um
espaço para a reflexão de ideias, com o fim das atividades da Faculdade de Filosofia Santa
Doroteia (FFSD).129
O coletivo passou a divulgar suas ações em sua página no Facebook (2018a), a partir
de fevereiro de 2018, e a se reunir regularmente à época, algumas vezes na semana. O grupo,
que contava com alguns historiadores que servem de referência na presente pesquisa – como
Araújo, Costa e Marretto, e o professor de história e organizador do FriCine Manoel Espedito
–, protagonizou uma série de atividades e manifestações. O cerne das atividades do coletivo

129
Cf. o livro Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia: uma história (DOS SANTOS; CHALOUB, 2008), que
registra a história da instituição de ensino e a importância da primeira instituição de ensino superior de formação
de professores de Nova Friburgo, além de sua influência no campo educacional e cultural que transbordou as
fronteiras da cidade.
140

era o debate sobre o discurso oficial da Prefeitura Municipal a respeito dos festejos dos 200
anos da cidade ao redor da visão mítica de uma “Suíça brasileira”.
O coletivo criticava continuamente a exclusão dos portugueses e, principalmente, dos
africanos escravizados como povos formadores da cidade. A confirmação mais explícita de
que esse era o discurso oficial da prefeitura estava presente no texto oficial que divulgava o
calendário de atividades do bicentenário no site do evento, transcrito a seguir.
Suíços, alemães, libaneses, espanhóis, japoneses, italianos, húngaros e austríacos,
formaram o município, junto a portugueses e africanos, que aqui já circulavam por
conta da economia do café. A riqueza cultural desses povos gerou e propiciou ao
longo dos 200 anos, a serem completados em 2018, a construção da cidade.130
(FACEBOOK, 2018c)

Além de não mencionar os povos indígenas que, como visto anteriormente, viveram na
região, os portugueses e africanos foram retratados no texto oficial do bicentenário como
povos que apenas “circulavam por conta da economia do café” na cidade. Em post de março
de 2018, o coletivo exprimia sua reflexão sobre o referido texto oficial, ressaltando que os
portugueses e escravos negros viviam aqui antes mesmo dos suíços e denunciando novamente
a adoção do mito da “Suíça brasileira” nos festejos, senão veja-se:
Um ponto principal dessa parte do texto oficial fica por conta da citação a
portugueses e “africanos” que, segundo o próprio texto, “aqui já circulavam por
conta da economia do café”. Os autores desse texto cometem barbaridades em vários
sentidos: a) na verdade, portugueses e negros/escravos já viviam na região e muito
antes da presença suíça e da existência da economia cafeeira na região; b) ao
chegarem ao Brasil, suíços e alemães se depararam com a existência de uma
agricultura baseada no trabalho escravo predominante em todo o território nacional;
c) no período, Friburgo não foi espaço de homens livres. O historiador Rodrigo
Marretto comprova que, por exemplo, o médico suíço Jean Bazet, por longo tempo
Presidente da Câmara de Nova Friburgo, possuía escravos. O vigário católico suíço
Padre Joie [sic] era também proprietário de escravos. O homem mais rico do
Império Brasileiro, na segunda metade do século XIX, foi o escravagista Antônio
Clemente Pinto, o Barão de Nova Friburgo, de origem portuguesa, grande produtor
de café na região de Cantagalo, cuja a família habitava Nova Friburgo. [...] Pergunta
que não quer calar: será que essas edificações serviam para que a família Clemente
Pinto apenas “circulasse” por Nova Friburgo? Desse modo, contrariando o texto
oficial, portugueses e africanos não apenas “circulavam” em Nova Friburgo, mas
sim habitavam o espaço friburguense compondo significativa parcela da população.
Há no texto oficial a clara intenção de querer apresentar Nova Friburgo como uma
cidade “branca”, “europeia”, de homens “livres”, certamente sem conflitos sociais.
Tudo isso é base do que chamamos o “Mito da Suíça brasileira” construído com o
discurso de Agenor de Roure por ocasião do Primeiro Centenário em 1918. Parece
que o Bicentenário está se construindo como um repeteco do Primeiro Centenário.
Sendo assim podemos concluir que a “história se repete mas agora sem dúvida como
farsa (FACEBOOK, 2018c)

Às vésperas dos festejos, o coletivo divulgou nas redes sociais e distribuiu nas ruas o
manifesto “Nova Friburgo 200 Anos pra Quem?”(FACEBOOK, 2018b), no qual refutava o

130
O texto constava na página oficial do evento, disponível à época no link www.200anos.com. A página se
encontra fora do ar.
141

mito da “Suíça brasileira” e pleiteava um legado de políticas públicas que atendesse aos
interesses da população, como se lê no seguinte trecho e no folheto, ilustrado na Figura 24 a
seguir:
Nova Friburgo não é uma Suíça como querem, mas um município composto de
negros, índios, italianos, portugueses alemães, suíços, espanhóis, libaneses,
japoneses, húngaros e outros povos […] Necessitamos do resgate histórico e da
identidade de Nova Friburgo, reconhecendo o papel do negro na nossa história a fim
de destacar sua importância social, econômica e cultural na nossa formação
(FACEBOOK, 2018b)

Figura 24 – Folheto distribuído pelo Coletivo Nova Friburgo 200 Anos pra
Quem? no bicentenário e em outras atividades
Fonte: (FACEBOOK, 2018b)

No dia 16 de maio de 2018, data do desfile do bicentenário, “Friburgo teve ‘2 desfiles’


nos 200 anos: um para prefeito e convidados e outro para a população” (NADER, 2018),
conforme anunciou a manchete do dia na coluna de um dos comentaristas políticos locais. Sob
o argumento de garantir a segurança das autoridades presentes, um trecho da avenida
principal da cidade, a Avenida Alberto Braune, ficou fechada ao público em um “formato
inédito” (NADER, 2018) de desfile cívico-militar na cidade. O desfile foi marcado por
protestos, promovidos por profissionais da saúde e da educação, Coletivo Nova Friburgo 200
Anos pra Quem?, Movimento SOS Praça, Conenfri, entre outros, que “ficaram a uma
distância de 200 metros das autoridades” (NADER, 2018).
142

A festa da desordem promovida pelo povo foi ofuscada pelo rito cívico do
bicentenário que, ao separar fisicamente a festa das autoridades e do povo, escancarou o
propósito da separação entre estes e os dirigentes estatais, com a divisão delimitada por
alambrados e policiamento de “quem é ator e quem é espectador” (DAMATTA, 1986, p. 58).
Ainda em 2018 a gestão municipal lançou o projeto “200 anos da imigração suíça de
1819”, capitaneado pela Associação Nova Friburgo–Fribourg, buscando manter na memória a
presença dos suíços na cidade, com previsão de festejos especialmente em novembro de 2019,
mês da chegada dos suíços na cidade. O lançamento do projeto ocorreu na Casa Suíça
(Queijaria Escola), com a presença do cônsul suíço e do prefeito Renato Bravo, que
evidenciou em sua fala o esforço da administração municipal em reafirmar o mito da “Suíça
brasileira”: “Todos nós estamos imbuídos no mesmo sentido, de continuar a mostrar a história
de Nova Friburgo e fazer com que as pessoas entendam e acreditem verdadeiramente nessa
história” (SCARINI, 2018b). Afinal, a crença é que mantém um mito no imaginário da
cidade.
Logo após a festa do bicentenário, na qual foram recebidos representantes suíços, o
prefeito fez uma visita oficial a Fribourg, na Suíça, com vistas a estreitar as relações de
intercâmbio com esse cantão. Em entrevista ao jornal local, o prefeito afirmou que:
[…] toda a história iniciada lá pelo doutor Ariosto, depois continuada pelo doutor
Heródoto e pela Associação Fribourg-Nova Friburgo, mostra uma preocupação
muito grande com a questão da queijaria, [...] Logicamente, nós queremos agora
ampliar esse leque, inclusive tivemos a oportunidade de falar hoje sobre a questão da
ciência e tecnologia. (HIRSCHY, 2018).

O prefeito Renato Bravo mais uma vez demonstrou que o propósito de sua gestão era
ser uma continuidade ao governo de Heródoto, ao afirmar que queria retomar a ideia deste de
construção de um trem. Não um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) para a circulação urbana,
como idealizado por Heródoto, mas um trem turístico (HIRSCHY, 2018).
Outro ponto de partida importante para compreender a disputa de narrativas históricas
que envolve a gênese da praça e da própria cidade pode ser identificado no Programa de
Educação Patrimonial elaborado pela Prefeitura em atendimento ao Termo de Ajustamento de
Conduta da Praça Getúlio Vargas, elaborado em 2018, que destaca como argumento principal
para a realização de uma prospecção arqueológica profunda na praça a possibilidade de
“encontrar vestígios dos colonos suíços” (PRAÇA GETÚLIO VARGAS – PROGRAMA DE
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL, 2018. In: ICP, 1.30.006.000040/2015-00, fl. 914).
A ideia de “encontrar vestígios de suíços” em escavação em frente à casa do
barão de Nova Friburgo, sem mencionar vestígios de portugueses, africanos e outros povos e
143

seus descendentes, remete mais uma vez ao discurso da colonialidade como padrão de poder
fundamentado na tradição inventada da “Suíça brasileira”. De fato, esse discurso foi utilizado
naquela gestão para levar adiante um projeto, aqui considerado autoritário, de revitalização
desse espaço público tombado.
Segundo Ribeiro e Simão (2014, p. 4), a “história não é elemento neutro e as
diferentes formas de sua narrativa devem ser problematizadas de maneira a revelar as
injustiças a serem combatidas no sentido da realização do direito à cidade”. Assim, a narrativa
histórica oficial foi problematizada pelo Coletivo 200 Anos pra Quem?, reforçando a luta por
direito à cidade do Movimento SOS Praça que, naquele momento, aderia à crítica ao mito da
“Suíça brasileira”.
Essa busca de vestígios, de marcas de um passado suíço, revela ainda a mentalidade
retrotópica (BAUMAN, 2017) desse discurso histórico oficial. Ele se revela na busca de
elementos do passado, a partir do sentimento de nostalgia a respeito da colonização suíça, que
forneçam uma perspectiva de futuro, ainda que seja uma tradição inventada resgatada para a
construção de um futuro ilusório.
Nesse cenário, os coletivos e movimentos buscavam contrapor o processo de
desdemocratização nas decisões da gestão pública e disputar as narrativas da história oficial
em prol do direito à cidade. Entre outras atividades, organizaram caminhadas pelo centro da
cidade, guiadas pelos historiadores e professores João Raimundo Araújo e Ricardo Costa, em
que se convocavam estudantes para o evento “História de Nova Friburgo em Movimento”, e
organizavam palestras sobre a história da cidade com vistas a desmistificar a história
hegemônica da cidade.131 Em 2019, Manoel Espedito e Claudio Damião, integrantes do
coletivo, assumiram o programa Momento cidade na Rádio Comunidade de Nova Friburgo
(104,9 FM), que permanece no ar com a análise de conjuntura e entrevistas com figuras
progressistas da cidade. Seguem imagens de atividades realizadas em abril de 2018,
apresentadas na Figura 25.

131
Entre essas palestras, o movimento participou de atividade organizada pelo prof. Manoel Espedito no Centro
de Educação de Jovens e Adultos local (CEJA Nova Friburgo) com o historiador João Raimundo, em abril de
2018 (FACEBOOK, 2018d).
144

Figura 25 – Estudantes no evento “História de Nova Friburgo em


Movimento”, promovido pelo Coletivo 200 Anos pra Quem?.
Fonte: FACEBOOK, 2018e; FACEBOOK, 2018f.

Em um contexto de esvaziamento democrático e retrocessos sociais, o Coletivo Nova


Friburgo 200 Anos pra Quem? organizou, ainda, diversos atos e apoiou eventos e causas dos
oprimidos e invisibilizados, agindo em parceria com outros movimentos sociais, como o
próprio Movimento SOS Praça, o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação local
(Sepe Nova Friburgo), o coletivo feminista Troco flores por e o Coletivo Negro de Nova
Friburgo (Conenfri).
O grupo elaborou uma série de propostas para a gestão da saúde e aguardou por meses
uma audiência com a secretaria municipal da área, o que se realizou em dezembro 2018 após
a repercussão negativa na imprensa sobre a recusa da administração em receber os
representantes do movimento.
A partir de 2018, o Movimento SOS Praça, em parceria com o Coletivo Nova Friburgo
200 Anos pra Quem?, buscou o respaldo da 9ª Subseção da OAB-RJ em Nova Friburgo, e de
membros do Legislativo Municipal, Estadual e Federal, a fim de reforçar a legitimidade
política e jurídica institucional para a sua demanda. Essa incidência institucional resultou na
realização de duas audiências públicas na OAB em Friburgo, duas na Câmara de Vereadores e
uma reunião ampliada no Ministério Público Federal que serão especificadas adiante.
Nesses espaços, os membros do grupo articulados com essas instituições visibilizaram
o processo de desdemocratização em curso. Isso se evidenciava na ausência de transparência e
participação popular na elaboração do projeto de “revitalização” da praça e no
descumprimento de cláusulas presentes no Termo de Ajustamento de Conduta assinado logo
após o corte das árvores, que passou a colecionar sucessivos aditivos. A crítica se centrava,
ainda, na deficiência da comunicação social e na falta de continuidade na manutenção da
conservação da praça.
145

Essa articulação institucional expôs e obstaculizou o trâmite do Projeto de Lei


Municipal 357/2018, apresentado em regime de urgência às vésperas da primeira audiência
pública na Subseção da OAB, que objetivava o estabelecimento de parcerias público-privadas
para melhorias em praças da cidade, inclusive nas tombadas.
Ao analisar o referido projeto de lei, depreende-se que ele se enquadra no contexto em
que a regulação urbanística emerge como fronteira do processo de acumulação capitalista
(PEREIRA, 2015). O projeto de lei abria a possibilidade de realização de eventos e
edificações permanentes; não garantia a concorrência entre as propostas; previa que, em
praças com áreas maiores que 200 m², como a praça em questão, poderiam ser colocadas duas
placas de publicidade a cada 200 m²; previa totens, mensagens e adesivos, licenciamento
“simplificado e desburocratizado”, sem custos para a iniciativa privada, entre outras medidas
que violavam o tombamento da paisagem da praça e priorizavam o privado em detrimento do
público no uso desse espaço.
Assim, após o bicentenário, diante do cenário de descumprimento do TAC, que se
mantinha pelo abandono da praça, e da demanda do Movimento SOS Praça, já articulado com
o Coletivo 200 Anos pra Quem? a 9ª Subseção da OAB-RJ, com sede nos arredores da Praça
Getúlio Vargas, convidou atores políticos e sociais envolvidos na questão, o Iphan, o MPF e a
população em geral para uma audiência pública em agosto de 2018, com o objetivo de abrir o
espaço para o debate público sobre o futuro da Praça Getúlio Vargas, conforme a Figura 26 a
seguir.

Figura 26 – À esquerda, o convite publicizado pela 9ª Subseção da OAB-


RJ para a audiência pública sobre o futuro da Praça Getúlio Vargas; à
direita, a plateia lotada na audiência na sede da OAB, em Friburgo.
Fontes: FACEBOOK, 2018g; FACEBOOK, 2018h.
146

A partir desse evento, a Subseção da OAB em Friburgo se manifestou por meio de


Carta Pública, denominada Carta da OAB (Anexo B), amplamente divulgada na mídia local
e enviada às autoridades públicas envolvidas.132 Nela, representantes da OAB repudiavam as
justificativas apresentadas pela Prefeitura Municipal de Nova Friburgo e Fundação Dom João
VI para não enviar representantes, interditando a plenitude do debate popular e democrático.
A carta ressaltava, ainda, a ausência de representantes do MPF e do Iphan, apesar de
oficialmente convidados e da ampla divulgação do evento na mídia local. A carta segue
apresentando nota de repúdio, conforme os trechos transcritos a seguir:
REPUDIAR quaisquer iniciativas que importem na destruição, total ou parcial do
patrimônio histórico municipal, sendo certo que o conjunto arquitetônico e
paisagístico da Praça Getúlio Vargas, bem público tombado, possui valores afetivos,
paisagísticos e arquitetônicos inestimáveis, cuja preservação deve integrar a pauta de
prioridades do poder executivo;

REPUDIAR quaisquer iniciativas que, à míngua de laudos e relatórios técnicos


competentes e de revisões técnicas no caso de laudos divergentes, importem no corte
desnecessário de árvores, que deverão se submeter a exames científicos, rigorosos e
imparciais anteriormente a qualquer a intervenção sobre a Praça; (Anexo B).

A Carta da OAB segue registrando o apoio às obras de reparo e manutenção que não
interferissem no traçado concebido por Glaziou, preservando a “catedral dos eucaliptos” e os
aspectos originais do espaço, com fulcro na Carta de Florença (2000) e a Carta dos Jardins
Históricos Brasileiros (2010), e apresentava exigências e requerimentos com base legislativa:
EXIGIR, com base no artigo 2º, inciso II da Lei Federal nº 10.257/01 (Estatuto da
Cidade), que todos os debates e deliberações relativos ao projeto de reforma e/ou
requalificação da Praça Getúlio Vargas aconteçam em ambiente de total
transparência e democracia;

EXIGIR, com base no artigo 216, parágrafo 2º da Constituição da República de 88 e


da Lei Federal nº 12.257/11 (Lei de Acesso à Informação), que todos os
documentos, pareceres, plantas e relatórios relativos ao projeto de reforma e/ou
requalificação da Praça Getúlio Vargas, integrantes ou não do Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) em 02/2015, sejam livremente acessados,
preferencialmente através da rede mundial de computadores;

REQUERER que a Prefeitura Municipal, por sua Secretaria de Meio Ambiente ou


outro órgão mandatado para esta finalidade, constitua comissão popular para
acompanhamento permanente do projeto de reforma e/ou requalificação da Praça
Getúlio Vargas, principalmente na fase de execução das obras [...] (Anexo B).

Como desdobramento do evento da OAB, os vereadores que compareceram ou


enviaram representantes (Alexandre Cruz, Zezinho do Caminhão e Luiz Carlos Neves)
organizaram na Câmara Municipal uma audiência pública em outubro de 2018. Mais uma vez,

132
A Carta da OAB foi encaminhada para as principais representações públicas: Prefeitura, Câmara de
Vereadores, Fundação Dom João VI, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Instituto
Estadual do Ambiente (Inea) e para os gabinetes dos deputados estadual Wanderson Nogueira e federal Glauber
Braga.
147

nenhum membro do MPF ou do Iphan compareceu, apesar de convidados previamente. O


representante da OAB, o advogado Rafael Borges, em síntese apontou o déficit democrático
que permeava as decisões a respeito das propostas de reforma ou “revitalização” da praça e
pleiteava a demanda do Movimento SOS Praça de que pelo menos dois membros da
sociedade civil passassem a integrar o grupo de trabalho, criado pelo prefeito, para
acompanhar o TAC e o projeto (MADEIRA, 2018). Compareceram à audiência pública cerca
de cem pessoas, conforme a Figura 27 a seguir.

Figura 27 – Plenário da Câmara na audiência pública sobre o futuro da praça em 2018


Fonte: MADEIRA, 2018.

Em dezembro, o movimento social, novamente em parceria com a 9ª Subseção da


OAB Friburgo, organizou um evento no qual palestraram Carlos Fernando Delphim,133
arquiteto pioneiro em jardins históricos, e Antonio Jayo, urbanista e consultor da Unesco.
Desse evento foi produzida uma moção de repúdio assinada pelos especialistas e presentes
(Anexo C).
No dia seguinte, os referidos especialistas em jardins históricos fizeram uma vistoria
na praça, acompanhados de representantes do Movimento SOS Praça e constataram a
precarização na conservação das árvores e do conjunto arquitetônico e paisagístico como um
todo. Eles esclareceram que as anunciadas escavações arqueológicas que teriam início em
março de 2019 só poderiam ser realizadas em uma ação complementar, sem colocar em risco
as árvores. Apontaram ainda para a existência de tecnologias que permitiriam o mesmo
resultado sem os efeitos danosos de uma escavação em área que foi aterrada justamente pela
frequência de inundações na região. Naquela ocasião, o arquiteto Carlos Delphim deu

133
Carlos Delphim é um dos arquitetos mais célebres no tema de jardins históricos, sendo o autor do Manual de
intervenções em jardins históricos (2005), publicado pelo Iphan.
148

entrevista em que tratava do abandono contínuo da manutenção da praça e sobre os ataques


aos eucaliptos. Nas suas palavras:
Faltam lixeiras, as árvores estão abandonadas. Estão precarizando a praça num
processo lento, mas frequente, para destruí-la. Na gestão do Rogério Cabral, os
eucaliptos eram perigosos; agora querem escavar. A arqueologia, com as
escavações, só pode ser realizada se for uma ação complementar, mas não deve
colocar em risco as árvores (SCHUABB, 2018).

Em fevereiro de 2019, representantes da OAB Friburgo se reuniram com o procurador


responsável pela questão, em busca de informações sobre um novo aditivo ao TAC anunciado
pela imprensa local. Nessa reunião foi colocada a dificuldade em acompanhar as decisões
sobre a obra pela falta de transparência que se mantinha mesmo após todos os pedidos, cartas
e moções, além da inexistência de oportunidades para a participação popular na questão.
Destacou-se que a OAB Friburgo não estava sendo comunicada das fases da execução do
projeto, muito menos a sociedade civil, e solicitou-se a participação desses atores sociais no
anunciado grupo de trabalho a ser criado pelo novo aditivo.
Novamente, apenas via imprensa local, o movimento social SOS Praça – já articulado
ao Coletivo Nova Friburgo 200 Anos pra Quem? – e os representantes da OAB Friburgo
tiveram acesso ao segundo aditivo do TAC, firmado em 9 de abril de 2019, que aguardava
ratificação do Iphan, designando membros do grupo de trabalho, todos servidores públicos
municipais, sem nenhuma representação de atores sociais, ignorando as inúmeras
manifestações, cartas e pedidos publicizados aos responsáveis pelo projeto e denúncias pela
falta de transparência e gestão democrática na questão. Muito embora tenha sido designada
uma representante da prefeitura responsável pela comunicação social, até outubro de 2020
nenhum desses atores sociais foi procurado para a prestação de esclarecimentos ou teve
notícia da previsão de alguma audiência pública, ou seja, não houve comunicação social
efetivamente, o que precipita o processo de desdemocratização nas decisões municipais
aparentemente com cumplicidade do parquet.
Em maio de 2019, o procurador do MPF responsável divulgou nota em que insistia na
visão tecnicista a respeito da gestão pública, o que colide com os preceitos da já mencionada
gestão democrática das cidades. O representante do MPF estabelecia que a revisão do projeto
exige expertise e insistia em limitar a participação da sociedade por meio de “uma servidora
de comunicação social”, senão veja-se:
O grupo de trabalho é formado por servidores com perfil técnico, porque a revisão
de projeto de restauração e demais ações paralelas previstas demandam expertise nas
áreas arquitetônica, ambiental, arqueológica e de engenharia. Há uma servidora de
comunicação social para atuar na transparência e divulgação das ações, e os
149

trabalhos, que estão em estágio inicial, serão acompanhados pelo Iphan;[...] (MPF
..., 2019).

No segundo aditivo ao TAC, o MPF reconheceu à época que o cenário de ilegalidade


“permanece inalterado” após os cortes rasos efetuados pela gestão anterior, bem como que “é
público e notório que a falta de manejo célere e adequado, tecnicamente responsável, das
árvores da Praça Getúlio Vargas vem acarretando risco e danos aos frequentadores do espaço”
(TERMO ADITIVO Nº 02 AO TAC Nº 002/2015, 2019 In: ICP nº 1.30.006. 0040/2015-00).
O segundo aditivo ao TAC previa que as escavações arqueológicas se iniciariam antes
da apresentação da revisão do projeto de requalificação e reavaliação dos laudos
fitossanitários. O movimento apontou a falta de sentido técnico da proposta, já que as
escavações poderiam afetar árvores que compõem o conjunto arquitetônico e paisagístico.
Cobrava, ainda, explicações em relação à previsão do início das obras em prazo tão exíguo
(dois meses da assinatura do referido aditivo) o que inviabilizaria a transparência e
participação popular. Questionava ainda a razão de o aditivo prever que as obras deveriam se
iniciar sem a revisão do projeto de revitalização e dos laudos fitossanitários. O movimento
questionou também a ausência de previsão de orçamento para a execução de toda a obra,
devidamente aprovados pelo Iphan, bem como a divulgação desses documentos que permitam
o debate pela sociedade .
Portanto, apesar de o referido órgão reconhecer a gravidade dos riscos à população e
ao patrimônio histórico e arquitetônico tombado, passados quase quatro anos, causava
estranheza o fato de o MPF não ter apresentado medida judicial adequada para constranger a
administração pública a cumprir suas obrigações continuamente descumpridas.
O aditivo previa a “Comunicação Social”, mas não apresentava requisitos para tanto.
Revelava-se assim como uma cláusula formal legitimadora, já que não existia a previsão de
presença de atores sociais no grupo de trabalho, nem tempo hábil para o debate. Ademais, o
projeto de arqueologia, que deveria iniciar sua execução no dia 1º de junho, não havia sido
divulgado e necessitava da aprovação do Iphan. E ainda, segundo os responsáveis, as
escavações arqueológicas seriam iniciadas antes da apresentação da revisão do projeto de
requalificação e da reavaliação dos laudos fitossanitários, o que não teria sentido técnico, nem
sequer cronológico, muito menos permitiria a devida transparência e participação social na
execução de obra de tamanha importância.
No mesmo mês da assinatura do termo aditivo, durante a festa de aniversário da cidade
de 2019, o Coletivo 200 Anos pra Quem? liderou um ato: “200 anos mais um e nada mudou”.
No ato, alguns de seus membros discursaram sobre o descaso da administração municipal à
150

época em relação aos mais vulneráveis e “espalharam faixas nas alamedas da Praça Getúlio
Vargas apontando algumas pro postas de governo que ainda não foram cumpridas pela
Prefeitura de Nova Friburgo” (ALT, 2019), conforme reprodução na Figura 28 a seguir.

Figura 28 – Faixas estendidas pelo Coletivo 200 Anos pra Quem? no


aniversário da cidade de 2019 com o mote “200 anos mais um e nada mudou”
Fonte: ALT, 2019.

Em abril de 2019, diante da constatação da disponibilidade de verbas para obras


discricionárias no município, o MPF cobrou da Prefeitura a destinação de recursos para as
ações de revitalização da Praça Getúlio Vargas. A reserva de quatro milhões de reais, prevista
no Aditivo 2 do TAC de 2015, em tese permitiria que as melhorias efetivamente saíssem do
papel e representariam medida justa e adequada diante de muitos anos sem investimento nesse
espaço. Além dos recursos, o aditivo incorporou outras demandas importantes colhidas junto
à população, como: a realização de laudos fitossanitários; simplificação do procedimento de
podas preventivas e emergenciais; execução de projeto de educação patrimonial; estruturação
de órgãos de parques e jardins; e elaboração de anteprojeto para o “Plano Municipal de
Arborização Urbana”.
Em 28 de junho de 2019 foi realizada nova reunião promovida pelo MPF. Na ocasião,
a representante do grupo SOS Praça questionou o alcance da reunião, pela limitação da
inscrição para o evento e pelo horário inadequado para a presença da maioria da população,
151

bem como o fato de que o projeto de “revitalização” estaria expirado, pois teriam se passado
mais de dois anos da aprovação do Iphan. O representante do instituto presente à reunião
concordou, mas disse que caberia apenas adaptar o projeto, sem especificar se necessitaria de
nova análise do instituto.
Em suma, a gestão municipal de Nova Friburgo de 2016-2020, com respaldo do MPF,
foi impelida a participar das reuniões e audiências em questão, atrasar as obras e contratar
uma universidade que realizou um laudo fitossanitário dos espécimes da praça apresentado no
“apagar das luzes” da gestão (9 de novembro de 2020), em audiência pública realizada na
Câmara de Vereadores.
Por outro lado, insistiu durante toda a gestão em cumprir um projeto de “revitalização”
já expirado, sem aguardar as devidas autorizações, sem a realização da comunicação social
adequada dos seus atos ao movimento, à Subseção da OAB de Nova Friburgo e à população
em geral e, portanto, sem garantir a gestão democrática nas decisões sobre a praça.
Com isso, o caso exemplar em questão interessa à presente análise não apenas pelos
resultados às demandas da população, já que o espaço permanece em disputa. A pertinência
do caso se deve à atuação prática a partir de estratégias de interação institucional, incidência
institucional e às manifestações que visaram alterar as relações Estado e cidadão pautadas
pelo autoritarismo e a utilização do mito da “Suíça brasileira” como ideologia legitimadora
das alterações desse espaço. Conforme descrito, essa rede de interação pleiteou a
democratização desses espaços decisórios e disputou as regulações urbanísticas na esfera
municipal, utilizando as normas urbanísticas como um dos instrumentos de reivindicação.
Ao se articular com o Coletivo 200 Anos pra Quem? e em seguida com a OAB, o
discurso de que o Movimento SOS Praça era apenas um grupo de ambientalistas ou que
lutava pela preservação do patrimônio institucionalizado da praça não se sustentava. Com o
passar do tempo e com essas novas parcerias, a disputa histórica a respeito do espaço e da
cidade e a reivindicação do direito à cidade, especialmente a gestão democrática da cidade,
tornam-se o núcleo das demandas do grupo.
De fato, o campo da preservação do patrimônio cultural tem sido criticado tanto pela
sua parcelaridade, que separa preservação do direito à cidade (RIBEIRO; SIMÃO, 2014),
quanto pela carência de gestão democrática na atuação de órgão oficiais (SOARES, 2020).
Dessa forma, no caso-referência estudado, percebe-se que a criação de uma rede de
integração entre o movimento, coletivos e instituições comprometidas com a resistência ao
processo de desdemocratização acelerado apresentou um potencial democratizante e de
152

disputa de narrativas históricas, ao obstaculizar decisões autoritárias que violariam o direito à


cidade, até o presente momento.
153

4 NAS TRINCHEIRAS DO DIREITO À CIDADE CATANDO AS CENTELHAS DA


ESPERANÇA: PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA POLÍTICA URBANA
FRIBURGUENSE

O presente capítulo articula a disputa de narrativas históricas sobre a cidade de Nova


Friburgo – desenvolvida no decorrer da pesquisa na análise da história urbana e da cidade, e
na sua precipitação no caso-referência estudado – com a relação entre passado, presente e
futuro na conexão entre nostalgia e revolta, com vistas à aproximação entre a filosofia da
história benjaminiana e a perspectiva de democratização no horizonte de luta pelo direito à
cidade.
Com esse propósito, a chave de sentido romantismo revolucionário (LÖWY; SAYRE,
2015) se presta a ampliar a análise para além do que Henri Lefebvre quis dizer quando criou o
conceito de direito à cidade ([1968], 2009), em sua obra seminal, no sentido de olhar para o
espírito de seu trabalho como projeto de transformação do mundo e do espírito. Nessa lógica,
a análise identifica na obra do autor uma assimilação muito particular do trabalho de
juventude de Marx, ao respacializar o marxismo, e a proximidade com o espírito romântico
revolucionário.
A partir do espírito da obra lefebvriana introduz-se a chave de sentido direito à cidade
em movimento (CAVALLAZZI; FAUTH; ASSIS, 2018) como forma de explicitar a dimensão
jurídica do direito à cidade, integrando-a às perspectivas políticas e filosóficas. Aplica-se
então esse referencial teórico ao caso- referência que revela uma disputa histórica na luta por
um espaço de democracia.

4.1 DIREITO À CIDADE LEFEBVRIANO: O ESPÍRITO ROMÂNTICO


REVOLUCIONÁRIO EM DIREÇÃO À RESPACIALIZAÇÃO DO MARXISMO

Esta seção parte da investigação do projeto de transformação do mundo e do espírito


que unifica a obra lefebvriana como um fio condutor para as construções teóricas que
originaram a concepção do direito à cidade, em Henri Lefebvre.
Com esse propósito, amplia-se o olhar sobre o espírito da sua obra para além do
momento da cidade e da produção do espaço, considerado o terceiro momento da obra de
Henri Lefebvre por Machado (2008),134 com o fim de compreender o quadro mais amplo da

134
A divisão de Machado (2008) em quatro momentos tem uma importância meramente didática para o estudo
da obra de Lefebvre. Alerta-se, porém, que eles se sobrepõem e se desenvolvem ao mesmo tempo. Essa
classificação identifica quatro momentos da obra de Lefebvre: o marxismo, que se inicia nos anos 1930 e se
perpetua por toda a sua obra; a vida cotidiana, dos anos 1940 aos anos 1980; o citado momento da cidade e da
154

obra do autor.135 Este enquadramento mais amplo lhe dá base para a construção de seu
programa teórico-prático de emancipação da vida urbana orientador de outra sociedade, a
sociedade urbana. 136
Seguindo as orientações do próprio Lefebvre, que critica leituras fragmentadas de sua
obra (1976, p. 9), a investigação parte do pressuposto de que o direito à cidade lefebvriano só
pode ser compreendido inserido no fluido único que percorre o conjunto de seu pensamento.
Esse fluido que inunda sua obra consistiria na busca em restituir a teoria de Marx em toda sua
integridade e amplitude, reconhecendo a sua obra como inacabada e empreendendo ao mesmo
tempo uma atualização das grandes transformações que ocorreram durante o século que
separam as contribuições de Marx e de Lefebvre.
Em texto sobre “As temporalidades da história na dialética de Lefebvre”, Martins
(1996) transcreve um trecho de uma carta remetida por Lefebvre a ele, datada de 1977, em
que o autor repete a preocupação interpretativa ora narrada:
A dificuldade consiste em que os fragmentos não se dispersam e não se isolam, mas
convergem num projeto de transformação do mundo. Esse projeto se liga a um
trabalho de Marx, trabalho que de um lado busca restituir esse pensamento à sua
integralidade, e que de outro lado busca prolongá-lo e desenvolvê-lo em função do
que há de novo depois de um século no mundo moderno. (MARTINS, 1996, p. 13).

Uma assimilação muito particular do trabalho de juventude de Marx e a proximidade


com o romantismo revolucionário (LÖWY; SAYRE, 2015), sobretudo de extração
nietzschiana, tiveram impacto decisivo na concepção lefebvriana, diferenciando-o do
panorama marxista francês. A presente investigação adota o enquadramento de Henri
Lefebvre na tipologia do romantismo como forma de iluminar a relação do autor a respeito do
passado, presente e futuro na articulação entre nostalgia e revolta (LÖWY; SAYRE, 2015,
p. 269).
Lefebvre retoma o que há de mais importante em Marx, que seria seu método e sua
concepção de que a relação entre teoria e prática, entre o pensar e o viver, é vital na aventura
de fazer do homem o protagonista da própria história. Ao mesmo tempo, o autor rompe

produção do espaço, nos anos 1960 a 1975; e o quarto momento, dos anos 1970 em diante, com destaque para
estudos sobre filosofia, “a diferença (1971), a autogestão e o papel do Estado (2001) na produção e re-produção
das relações sociais (1973), os ritmos sociais (1988) e as representações” (MACHADO, p. 88). Esse último
momento é denominado provisoriamente de Estado, a representação, a dialética.
135
Alerta-se que Lefebvre é um autor que não é capturável, seja pela sua vasta obra que contabiliza cerca de 70
livros publicados (MARTINS, 1996), seja pela abordagem inovadora de temas que abrangem desde a vida
cotidiana, até o espaço e a cidade e o urbano.
136
Lefebvre considera a sociedade urbana (ou o urbano) o destino da sociedade, como uma tendência, um
objeto virtual, possível e real que está destinado a se desenvolver como horizonte utópico. É uma hipótese
teórica e de uma utopia que busca na realidade e no presente as condições para a sua realização através de uma
práxis política revolucionária.
155

criticamente com o marxismo ocidental tradicional ao se opor à sociologia marxista e


estruturalista.
O retorno à dialética lefebvriana retoma a dimensão triádica desse método sociológico,
ao reintroduzir a dimensão transdutiva do processo histórico, a do possível. Dessa forma,
escapa-se do movimento pendular de confinamento cronológico entre passado e futuro para se
incluir a carga de superação e destino na investigação.
A transdução é um método que consiste em construir um objeto virtual a partir de
informações, indo do real ao possível. É o método que permite identificar futuros possíveis
(utopias) em atendimento ao direito à cidade.
Como dito anteriormente, Lefebvre resgata também o princípio fundamental da teoria
de Marx, que enfatizava o homem como sujeito da própria história. Nesse intuito, o autor
questiona a vida cotidiana da sociedade moderna a partir do espaço, como expressão mais
manifesta das transformações da sociedade naquele momento. De fato, Lefebvre é o “não
especialista” – o autor é filósofo e sociólogo – que mais “avançou com profundidade na ideia
de que o espaço é o elemento central de estruturação da sociedade” (MONTE-MÓR, 2006,
p. 1).
Henri Lefebvre cunhou a expressão direito à cidade ao publicar o livro de mesmo
nome, Le droit à la ville ([1968], 2009), uma das obras precursoras da teoria crítica urbana,
como um slogan político (MARCUSE, 2010), que “se afirma como um apelo, como uma
exigência” (LEFEBVRE, 2001, p. 117).137
O livro em questão foi publicado poucos meses antes da eclosão de Maio de 68 na
França, apesar de a publicação estar prevista para o ano anterior, uma vez que foi pensada
como homenagem ao centenário da primeira edição de O capital, publicado em 1867, de
Marx (HESS; DEULCEUX; WEIGAND, 2009, p. vi). Por outro lado, deve-se reconhecer que
o autor teve um papel importante na gestação dessa ideologia de contestação – que se insurgiu
a partir de 1968 – ao estabelecer uma ponte da crítica romântico-revolucionário-cultural dos
anos 1920 e 1930, e a nova geração que se manifestava em volta do Maio de 68.

137
No mesmo sentido, Mayer (2012) compreende o conceito lefebvriano: “Na concepção de Lefebvre, a
urbanização representa uma transformação da sociedade e da vida cotidiana por meio do capital. Contra essa
transformação, Lefebvre procurou criar direitos através de ações sociais e ação política: a rua, e reivindicações a
ela, estão estabelecendo tais direitos […] Nesse sentido, o ‘direito à cidade’ é menos um direito jurídico, mas
uma demanda de oposição, que desafia as reivindicações dos ricos e poderosos” (2012, p. 71, tradução nossa).
No original: “In the Lefebvrian conception urbanization stands for a transformation of society and everyday life
through capital. Against this transformation Lefebvre sought to create rights through social and political action:
the street, and claims to it, are establishing such rights [...] In this sense, the “right to the city” is less a juridical
right, but rather an oppositional demand, which challenges the claims of the rich and powerful”.
156

O livro Le droit à la ville (LEFEBVRE, [1968], 2009) é um texto provocativo que se


apresenta em forma de ensaio e manifesto, sem a sistematicidade e profundidade que se
poderia esperar de uma obra que pretendesse atualizar O capital de Marx. Diferentemente
disso, a obra tem um caráter aberto e inacabado, característica da própria concepção de direito
à cidade lefebvriana.
Ao iniciar a obra em questão com a citação de Nietzche, Lefebvre introduz o estilo que
pretende imprimir no texto: “As grandes coisas exigem silêncio, ou que delas falemos com
grandeza: com grandeza significa com cinismo e inocência” (2001, p. 9). A grandeza de falar
sobre o urbano deveria ser tratada de forma cínica no sentido filosófico-ético do desprezo às
convenções da opinião pública e da moral da palavra e não no senso comum pejorativo do
termo. Já a ideia de inocência revela a intenção de demonstrar a questão de forma clara.
A citada obra sobre o direito à cidade inaugura uma sequência de ensaios exploratórios
de Lefebvre sobre o urbano. A obra seminal publicada em 68 é seguida por: Du rural à
l’urbaine, de 1970; La révolution urbaine, de 1970; La pensée marxiste et la ville, de
1972; Espace et politique, de 1972; e La production de l’espace, de 1974. Esses livros,
somados às contribuições da revista Espace et Sociétés (1970) criada por ele, marcam o que
se pode chamar de o momento da cidade e produção do espaço da obra de Lefebvre
(MACHADO, 2008).
No início da década de 1970, Lefebvre trata da revolução urbana designada como um
conjunto de transformações pelas quais as questões de crescimento e industrialização cedem
espaço à problemática urbana:
[...] utilizando-se as palavras “revolução urbana”, designaremos o conjunto das
transformações que a sociedade contemporânea atravessa para passar do período em
que predominam as questões de crescimento e de industrialização (modelo,
planificação, programação) ao período no qual a problemática urbana prevalecerá
decisivamente, em que a busca das soluções e das modalidades próprias à sociedade
urbana passará ao primeiro plano. (1999, p. 19)

Assim, a partir de Le droit à la ville, Lefebvre se mostra como continuador de Marx


no sentido de “ir adiante a partir de” Marx na direção da cidade (KALTZNELSON, 1992).
Em seu livro Marxism and the city, Ira Katznelson aponta Lefebvre, Harvey e Castells como
os três autores mais influentes sobre o tema e reconhece o primeiro como o cabeça da fila, por
ter sido o pioneiro a mostrar ao marxismo o caminho de volta à cidade ao quebrar o silêncio
no marxismo sobre o tema (1992, p. 93). O autor constata, assim, que os três apontam o
espaço como núcleo de um ou mais projetos marxistas e vão em direção à respacialização do
marxismo (KALTZNELSON, 1992).
157

Segundo Katznelson (1992), Lefebvre elabora um esquema que separa a cidade do


urbanismo como construção teórica e empírica: a cidade é um arranjo de objetos no espaço e
o urbanismo um modo de vida. O autor francês alega de forma crítica que o urbanismo
transcendeu a cidade para padronizar o cotidiano (KATZNELSON, 1992, p. 96).
Retomando a análise sobre o espírito da obra lefebvriana, afirma-se, conforme Poster,
que se deve afastar da ideia de que o autor poderia ser considerado um romântico visionário
pelos eventos ocorridos em 1968 (1975, p. 255), uma vez que, no momento da escrita de Le
droit à la ville, já estavam presentes na realidade os componentes para a criação utópica que
se anunciavam como horizonte revolucionário.
Cabe esclarecer que o romantismo como visão de mundo e estrutura sensível pode ser
entendido na articulação entre a nostalgia do passado e os sonhos de futuro. Segundo Löwy e
Sayre (2015), esse pensamento pode assumir tanto formas regressivas e reacionárias quanto a
forma revolucionária utópica. A primeira proporia um retorno às formas de vida pré-
capitalistas e a segunda, à qual está alinhado Lefebvre, “não prega um retorno, mas um
desvio pelo passado em direção ao futuro: nesse caso, a nostalgia do paraíso perdido está
contida na esperança de uma nova sociedade” (LÖWY, 2008, grifo nosso). Os representantes
dessa atitude vão de Willian Morris a Marcuse, e seus herdeiros contemporâneos seriam os
ecossocialistas e uma série de movimentos sociais, tanto no Norte quanto no Sul Global.
De fato, Löwy e Sayre (2015) identificam Henri Lefebvre no grupo de tradição
romântica revolucionária da década de 1960, no qual destacam ainda figuras como Guy
Debord, Herbert Marcuse e Ernst Bloch, cuja relação com a juventude rebelde de 1968 teria
sido construída num processo de reconhecimento recíproco, de influência mútua.
A partir do insight de Löwy (2008) de que os movimentos de 1968, impregnados da
crítica romântica anticapitalista, corresponderiam ao que Luc Boltanski e Ève Chiapello
(2009) denominam de crítica artista, pode-se relacionar o projeto de direito à cidade
lefebvriano a esse ideário, como fonte de indignação contra o capitalismo.
Nessa correlação, deve-se alertar para a divergência em relação à proposta geral
explicitada em O novo espírito do capitalismo (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009) por
colocar a crítica como funcional ao capitalismo, em razão de operar a transformação do
espírito do capitalismo e legitimá-lo em última instância.138 Por outro lado, a referida
distinção das fontes de indignação a respeito do capitalismo se mostra útil na análise para
diferenciar a obra lefebvriana no quadro geral da crítica anticapitalista de raiz marxista.
138
Os autores afirmam que uma elite social rompeu com a crítica social do capitalismo, mantendo-se apenas com
a crítica artista e aderindo ao sistema, ocupando lugares dirigentes.
158

A partir desse paralelo, a crítica lefebvriana com enfoque na homogeneização da vida


cotidiana pode ser compreendida como crítica artista, abrangendo as duas vertentes descritas
pelos autores em questão139 ao criticar o capitalismo como fonte de desencanto e de
inautenticidade dos objetos, das pessoas, dos sentimentos e, em geral, do tipo de vida a ele
associado e, ao mesmo tempo, como oposição à liberdade, à autonomia e à criatividade dos
seres humanos submetidos sob seu império. Essa crítica está explícita em Lefebvre no conflito
que se desenvolve no espaço entre as seguintes duplas antagônicas: a primeira seria obra e
produto e a segunda, valor de uso e valor de troca.
A diferença entre as duas referências, crítica romântica e crítica artista, para além da
proposta geral da obra dos mencionados sociólogo e economista franceses, residiria na base
social que a desempenharia. Para Boltanski e Chiapello (2009), a base da crítica artista se
limitaria aos artistas e dândis – no sentido de Baudelaire –, enquanto a crítica romântica teria
uma base mais ampla, ao abranger “todos os tipos de grupos sociais cujo estilo de vida e a
cultura são, negativamente, afetados pelo processo destrutor da modernização capitalista”
(LÖWY, 2008).
O enfoque na crítica romântica anticapitalista, como preferem Löwy e Sayre (2015),
inserida na crítica artista e não na social na proposta lefebvriana, é justificável na medida em
que a construção dessa concepção está fundamentada na miséria da vida cotidiana, pensada a
partir do diagnóstico de satisfação de necessidades consideradas essenciais no contexto do
Estado de Bem-Estar Social europeu. Essa perspectiva se confirma no texto do autor, que, em
um trecho chega a considerar que “as massas vivem ‘relativamente bem’, à parte o fato de que
sua vida cotidiana é telecomandada” (LEFEBVRE, 2001, p.121).
Assim, a pobreza, na reinterpretação de Lefebvre, vai além da redução à pobreza
material característica da época de Marx. É uma pobreza de realização de possibilidades
criadas pelo próprio homem para a sua libertação, as carências que o colocam aquém do
possível, entre as quais se destaca a pobreza de tempo (MARTINS, 1996, p. 19).
O direito à cidade, para Lefebvre, passa ainda pelo entendimento da cidade como obra
e seu valor de uso, sendo o produto seu valor de troca, que se apresentam como pares

139
Essa crítica artista teria duas vertentes: 1ª) O capitalismo como fonte de desencanto e de inautenticidade dos
objetos, das pessoas, dos sentimentos e, em geral, do tipo de vida que se encontra a ele associado; e 2ª) O
capitalismo como fonte de opressão, na medida em que se opõe à liberdade, à autonomia e à criatividade dos
seres humanos submetidos sob seu império, por um lado, à dominação do mercado como força impessoal que
fixa os preços, designa os homens e os produtos-serviços desejáveis e rechaça o resto e, por outro, às formas de
subordinação da condição salarial (disciplina de empresa, estreita vigilância por parte dos chefes e
enquadramento mediante regramentos e procedimentos).
159

dialéticos importantes para a compreensão da cidade: obra e produto / valor de uso e valor de
troca. O que se põe em questão é a possibilidade de apropriação, ou seja, de que os indivíduos
possam fazer a cidade de acordo com as suas necessidades e desejos, sendo arquitetos de sua
própria existência.
O direito à cidade em toda a sua amplitude é utopiano. Lefebvre assinala ser difícil,
muitas vezes, distinguir o possível do impossível, e assim distingue o pensamento utopístico
do pensamento utopiano, vendo no primeiro o sonho, o desejo, a impossibilidade de
concretização e, no segundo, a possibilidade do impossível no possível para transformar o
cotidiano e criar condições para a produção, apropriação e gestão social do espaço.
Nos rastros da leitura de Löwy e Sayre, 140 que se revela mais fiel ao espírito do
pensamento do que a letra do pensamento de Lefebvre, a partir da busca de afinidades
improváveis entre pensamentos, adota-se a tipologia romantismo como “Weltanschauung, ou
visão de mundo, isto é, como estrutura mental coletiva” (2015, p. 36). Os citados autores têm
o mérito de reconhecer a multiplicidade cultural do romantismo e, em linhas gerais, o definem
da seguinte forma em relação ao passado e futuro:
[...] o romantismo representa uma crítica da modernidade, isto é, da civilização
capitalista, em nome de valores e ideais do passado (pré-capitalista, pré-moderno).
Pode-se dizer que, desde a sua origem, o romantismo é iluminado pela dupla luz da
estrela da revolta e do “sol negro da melancolia”(Nerval). (LÖWY; SAYRE, 2015,
p. 41).

Primeiramente, cabe fazer a digressão proposta por Löwy e Sayre de que o


romantismo deve ser entendido deslocado da sua noção de escola literária, expressa na
polarização classicismo-romantismo, para a percepção de suas dimensões políticas e
filosóficas. Os autores estabelecem tipologias que representam as principais manifestações
românticas, classificadas conforme sua posição em relação à crítica à sociedade moderna.141
Segundo os autores, o romantismo é por essência uma reação ao modo de vida na sociedade
capitalista, que se instala como visão de mundo a partir da segunda metade do século XVIII e
persiste nos tempos atuais.

140
No quadro explicativo geral, os autores se baseiam na teoria da Weltanschauung conforme explorada por
Goldmann, com destaque para seu livro A sociologia do romance, em que o autor identifica o conflito entre
sociedade burguesa e certos valores humanos. Por outro lado, na produção do conceito se apoiam na
conceitualização de romantismo de Lukács, por ser o primeiro a relacionar explicitamente o romantismo em
oposição ao capitalismo.
141
Os românticos inseridos em seu tempo, na realidade, formulam uma autocrítica da modernidade. Löwy e
Sayre (2015) definem o conceito de modernidade a partir da construção de Max Weber, cujas principais
características são: o espírito de cálculo (Rechnenhaftigkeit), o desencantamento do mundo (Entzauberung der
Welt), a racionalidade instrumental (Zweckrationalität) e a dominação burocrática, que são inseparáveis do
aparecimento do “espírito do capitalismo”.
160

Os seis tipos de romantismo são organizados por Löwy e Sayre (2015) no espectro
político da “direita” para a “esquerda” como restitucionista, conservador, fascista, resignado,
reformador e revolucionário e/ou utópico. Para a pesquisa interessa o último tipo, que se
desdobra em cinco tendências distintas: jacobino-democrática, populista, socialista utópico-
humanista, libertária e marxista (2015, p. 110).
O romântico revolucionário e/ou utópico marxista investe na nostalgia do passado pré-
capitalista, na esperança de um futuro radicalmente novo (LÖWY; SAYRE, 2015, p. 130).
Assim, a partir da classificação proposta pelos autores, entende-se que Henri Lefebvre, assim
como o Movimento Surrealista e a Internacional Situacionista, que influenciam seu trabalho,
pertencem à tipologia romantismo revolucionário e/ou utópico de tendência marxista. O
romantismo revolucionário recusa:
[...] tanto a ilusão de um retorno puro e simples às comunidades orgânicas do
passado quanto a aceitação resignada do presente burguês ou seu aprimoramento por
meio de reformas, aspira – de uma maneira que pode ser mais ou menos radical,
mais ou menos contraditória – à abolição do capitalismo ou ao advento de uma
utopia igualitária em que se recuperariam certos traços e valores das sociedades
anteriores. (LÖWY; SAYRE, 2015, p. 102).

O núcleo do fenômeno romântico se concentra na Inglaterra, Alemanha e França. Na


Inglaterra, os autores E. P. Thompson e Raymond Williams recuperam a importância de
Morris, excluído do campo marxista por causa de sua perspectiva não ortodoxa, e se
enquadram na tipologia ora apresentada. Na Alemanha, os autores e correntes marxistas com
uma forte matriz romântica são o húngaro György Lukács, Ernst Bloch e a Escola de
Frankfurt, especialmente em Walter Benjamin e Herbert Marcuse. Na França, seus
representantes são Henri Lefebvre (LÖWY; SAYRE, 2015, p. 112), o Movimento Surrealista
e a Internacional Situacionista (LÖWY, 2002, p. 83), que pertencem ao que os autores
denominam corrente quente do marxismo representativa do espírito de 68, por ser humanista
e valorizar a paixão e a imaginação. 142
Lefebvre e os situacionistas não reconhecem que a recusa romântica da civilização
capitalista só poderia ser formulada com base em valores e ideais herdados do passado. A
contradição está em revelar que, apesar de negarem sua nostalgia pelo passado, Lefebvre e os
situacionistas compartilham do “sentimento de perda” trazido pela modernidade.

142
Ao analisarem o cenário francês contemporâneo, Löwy e Sayre identificam duas grandes tendências de
pensamento marxista, “[...] uma romântica e outra modernizante: o ‘espírito de 68’ – corrente ‘quente’,
humanista, que valoriza a paixão e a imaginação – e o estruturalismo, seguido do pós-estruturalismo [...] –
corrente ‘fria’, anti-humanista, que valoriza a estrutura e a técnica” (2015).
161

Löwy e Sayre (2015) demonstram a presença da nostalgia do passado em algumas


obras de Lefebvre como, por exemplo, em um trecho do livro Crítica da vida cotidiana, v. I,
no capítulo Notas escritas num domingo no interior da França, no qual o autor:
[...] lamenta a perda de “uma certa plenitude humana” da antiga comunidade rural
[...] Embora critique os retrógrados partidários dos “bons e velhos tempos”, ressalta
que “contra os teóricos ingênuos do progresso contínuo e completo, é necessário
principalmente mostrar a decomposição da vida cotidiana desde a comunidade
antiga e a alienação crescente do homem”. (LÖWY, SAYRE, 2015, p.273).

A partir dessa leitura poder-se-ia sugerir que Lefebvre está propondo uma nostalgia
romântica, um retorno ao paraíso perdido anterior à modernização capitalista. Mas seu
pensamento não está apegado a ilusões passadistas, tampouco ao regresso possível à cidade
tradicional ante a hipótese da completa urbanização da sociedade. O autor busca ultrapassar
as limitações do romantismo tradicional e lançar as bases para um novo romantismo: um
romantismo revolucionário voltado para o futuro.
Lefebvre formula sobre esse novo romantismo revolucionário na Nouvelle Revue
Française, no artigo “Vers un romantisme révolutionnaire”, de 1957, e posteriormente, no
livro Introduction à la modernité, no artigo “Vers un nouveau romantisme?”, de 1962. O
texto de 1957 apresenta um ponto de inflexão da obra do autor, segundo Rémi Hess e
Charlotte Hess, que consideram na introdução da reedição do texto: “Existe um Lefebvre
romântico revolucionário a partir de 1957 que não tem nada a ver com o Partido Comunista
dos anos 1950”143 (2011, p. 9, tradução nossa).
Para a compreensão do direito à cidade lefebvriano como conceito de raiz marxista
será utilizado o poder da metáfora romantizada do mito de Prometeu. Um dos primeiros
intérpretes desse mito foi o grego Ésquilo (525-456 a.C.), que, em sua peça Prometeu
acorrentado (2004), até hoje considerada um hino à liberdade, mostra Prometeu, preso à
montanha e perseguido pela águias, conversando com visitantes que lhe trazem notícias.
A revolta de Prometeu contra o sagrado está intimamente relacionada ao espírito
materialista, àquela temporalidade que torna o homem o centro de todas as coisas, autor do
seu destino, criador do seu futuro. Segundo Lefebvre: “Com Marx, o pensamento prometeico
passa audaciosamente do conceito econômico da produção a um conceito filosófico global: a
autoprodução do ser humano” (2016, grifo nosso).
De fato, o direito à cidade nasceu nas ruas de Paris, como resposta à reforma do
governo bonapartista empreendida por Haussmann, que remodelou a infraestrutura urbana da

143
No original: “[...] il existe un Lefebvre romantique révolutionnaire à partir de 1957 qui n’a rien à voir avec
le Parti communiste des années 1950”.
162

cidade ancorado em um projeto de “embelezamento”, criando um novo estilo de vida urbano


ao colocar em prática um urbanismo segregacionista (LEFEBVRE, 2001).
Lefebvre, ao definir o direito à cidade, critica ainda a parcelaridade da ciência e do
modo de vida moderno como uma das práticas a serem combatidas em nome desse direito:
O direito à cidade não pode ser concebido como um simples direito de visita ou de
retorno às cidades tradicionais. Só pode ser formulado como direito à vida urbana,
transformada, renovada.[…] O que pressupõe uma teoria integral da cidade e da
sociedade urbana que utilize os recursos da ciência e da arte. (LEFEBVRE, 2001,
p. 117-118, grifo nosso).

A repercussão do conceito direito à cidade, hoje, é tão generalizada na matriz de


estudos críticos urbanos que implica um verdadeiro revival contemporâneo à obra de Henri
Lefebvre (TAVOLARI, 2016, p. 97). Harvey deposita a importância desse resgate conceitual
na necessidade de se entender como os acadêmicos e intelectuais respondem a essa exigência
que emerge dos movimentos sociais urbanos (2014, p. 13-16) e que, ainda segundo o autor,
não é somente um direito de acesso ao que já existe, e sim um direito ativo de fazer a cidade
diferente (HARVEY, 2013, p. 33).144
Nessa matriz de pensamento,145 Marcuse (2010) considera que Lefebvre não cria o
conceito pensando na cidade em que vivia, mas em uma nova urbe que estaria por ser criada,
onde a lógica de produção do espaço urbano estivesse subordinada ao valor de uso e não ao
valor de troca, típico da lógica capitalista. Destaca, ainda, a importância de se diferenciar os
direitos nas cidades146 – como aparecem atualmente nas cartas e declarações internacionais –
do sentido unitário levebvriano de direito à cidade em três dimensões: organizacional, que
consiste em reunir em um direito que inclua todos a ele vinculado e possa servir de base para
unir os seus defensores separados em benefício; estratégico-mútua; e analítica, em que a visão

144
David Harvey trata do trabalho de Lefebvre considerando-o mais geral que o dele, “mas incompleto em
alguns aspectos” (1980, p. 261), no livro A justiça social e a cidade (1980), publicado no original em 1973,
apenas na conclusão em que cita as obras La révolution urbaine, de 1970, e La pensée marxiste et la ville, de
1972, ambas de Lefebvre, sem mencionar a categoria direito à cidade nem a obra Le droit à la ville, de 1968.
Segundo Tavolari (2016), o direito à cidade ganha atenção por parte do autor apenas em 2003, num breve ensaio
pouco conhecido, e em 2008, em artigo publicado na New Left Review (HARVEY, 2008) que viria a se tornar
uma das maiores referências para o debate acadêmico e para os movimentos sociais (TAVOLARI, 2016, p. 96-
97), com destaque para Cidades rebeldes (2014), no qual o autor estabelece um diálogo direto com Lefebvre.
145
Dentre os autores que se preocupam em retomar a interpretação que consideram autêntica da obra de
Lefebvre e resgatar seu potencial crítico e revolucionário podemos citar Harvey (2013), Purcell (2003) e Mayer
(2012).
146
Marcuse (2010) ressalta que Lefebvre usa a expressão cidade no singular, com um sentido unitário, como
estratégia política, que se diferencia dos direitos nas cidades, compostos por direitos plurais e que claramente
concordam com a demanda do direito à cidade no sentido unitário a que se referia Lefebvre, sendo sua aquisição
um passo importante para a cidade futura no sentido lefebvriano. Essa diferenciação explicita a origem do
conceito que apresenta uma perspectiva de ruptura com a ordem urbana capitalista, não se propondo ao
reconhecimento jurídico institucional de um novo direito.
163

unitária impulsiona a análise de um entendimento do sistema em sua totalidade e reforça o


sentido do slogan de que outro mundo é possível e apela à sua criação.
Pelo exposto, como formulado por Lefebvre, o direito à cidade não se confunde com
projetos e marcos legais urbanísticos específicos nem com a eficácia social das normas
urbanísticas. Esse direito tem mais relação com uma construção utópica orientadora da luta
social para “‘mudar a vida’, ‘mudar a sociedade’” (LEFEBVRE, 2000, p. 72) e, portanto, com
seu potencial revolucionário.

4.2 A DISPUTA HISTÓRICA PELO DIREITO À CIDADE EM MOVIMENTO:


CATANDO AS CENTELHAS DA ESPERANÇA DEMOCRÁTICA NA PRAÇA
GETÚLIO VARGAS

A partir das leituras sobre o espírito da obra de Lefebvre apresentadas na seção


anterior, que a tomam como ponto de partida, e até mesmo de chegada, pretende-se refletir,
neste momento, sobre a dimensão jurídica do direito à cidade, integrando-a às perspectivas
políticas e filosóficas levebvrianas. Esse percurso da análise não visa retirar a importância das
dimensões filosóficas e políticas do conceito, mas demonstrar como o sentido jurídico do
direito à cidade está contido na perspectiva lefebvriana, ainda que essa não tenha sido uma
preocupação argumentativa do autor (TAVOLARI, 2016, p. 104-105).
Consideradas as reflexões a respeito da contribuição de Lefebvre para o debate sobre a
questão urbana, especialmente a partir da noção de direito à cidade, a presente pesquisa
também aborda a construção legal e teórico-jurídica dessa chave de sentido por reconhecer a
importância da dimensão jurídica na luta por um horizonte democrático construído, levando-
se em conta a relação entre passado, presente e futuro no curso da história.
Como especificado em capítulos anteriores, a incorporação dos direitos sociais
inerentes ao direito à cidade ao ordenamento jurídico brasileiro traz para a presente análise a
questão das suas implicações jurídicas, na perspectiva do processo de reforma urbana
(BONDUKI, 2018). O movimento por reforma urbana implica o reconhecimento da função
social da propriedade pública e privada na perspectiva da função social da cidade. Nesse
sentido, a luta pela reforma urbana é também a luta pelo direito à cidade.
Assim, conforme Mitchell (2003), a presente proposta reconhece o papel e a
importância do direito, da lei e da “fala de direitos” nessa luta, o que se depreende do seguinte
trecho:
Parte do meu argumento é que, de fato, os direitos são importantes (uma posição da
qual alguns da esquerda discordam) – e o mesmo acontece com a lei. Sugiro que a
164

“fala dos direitos” – e mais ainda a afirmação prática dos direitos – continue a ser
um exercício crítico para que a justiça social seja mais avançada do que restrita.
(2003, p. 6, tradução nossa).147

Mitchell estabelece uma relação de dependência entre o direito à cidade e o que


denomina de the right to public space, ou seja, direito ao espaço público, com vistas à justiça
social, no seu trabalho em que analisa contornos da luta por esse direito nos últimos cem anos
nas cidades americanas (2003, p. 5). O autor reconhece que a prática política com fulcro no
direito à cidade, ou the politics of the street, como prefere, não é simplesmente o resultado de
um argumento normativo, embora qualquer prática política nesse sentido seja sempre mediada
por argumentos normativos (2003, p. 10).
Concomitantemente, a presente pesquisa reconhece a necessidade de perspectivas
transdisciplinares no estudo da categoria analítica direito à cidade pela sua pretensão de
indução de relações jurídicas e sociais para além da mera regulação jurídica.
Parte-se, então, do pressuposto de que a obra seminal de Lefebvre e o conceito de
direito à cidade por ele introduzido no debate, em razão da sua relevância social e teórica,
inspiraram a reivindicação de movimentos sociojurídicos e foram abraçados por movimentos
sociais, ONGs, alguns governos locais e até nacionais como “seu marco político-filosófico
orientador” (FERNANDES, 2007, p. 204, tradução nossa).148
O conceito em questão é mobilizado de forma explícita no Brasil pelo movimento de
moradia, a partir da Assembleia Nacional Constituinte, em discursos de integrantes do MNRU
que consideravam a sua garantia como promotora do direito à cidadania. O direito à cidade
aparece em sete propostas de emenda constitucional, 149 o que denota que era uma expressão
comum ao movimento, apesar de não constar na emenda popular aprovada. Em discurso de
Luis Paulo Ferreira, integrante do Movimento Nacional da Reforma Urbana, numa das
reuniões da Subcomissão da Questão Urbana e Transporte da Assembleia Nacional
Constituinte:
Nesse sentido, quando se pensa na questão urbana, a gente tem que pensar como é que você,
enquanto população, enquanto os Constituintes que agora estão pensando uma nova
Constituição, num País que sofre mudança constante, como é que se abrangerão essas
populações urbanas, dando-lhes direito à cidade, promovendo-lhes o direito à cidadania. Pelos
depoimentos anteriores, os demais companheiros que estiveram aqui colocaram que uma
parcela enorme da população brasileira não tem direito à cidade, e quando a gente pensa num

147
No original: “Part of my argument is that, in fact, rights matter (a position with which some on the left
disagree) — and so does law. I suggest that ‘rights talk’—and even more the practical assertion of rights—
remains a critical exercise if social justice is to be advanced rather than constricted” (MITCHELL, 2003, p. 6).
148
No original: “their guiding political-philosophical framework”
149
Tavolari cita as seguintes propostas de emenda constitucional não aprovadas que tratavam do termo direito à
cidade: “São as emendas n.214, n.544, n.556, n.612, n.7509, de Myriam Portella (PDS-PI), a emenda n.18320,
de Jutahy Junior (PMDB-BA) e a emenda n.27530, de Manoel Castro (PFL-BA).” (2015, p. 60)
165

texto novo, a gente teria que ver, e os Srs. Constituintes devem estar pensando sobre essa
questão, como abranger o direito à cidade a todos aqueles que habitam na cidade? Como
garantir a todos os habitantes da cidade o direito de cidadania? (NOTAS..., 1987).

Desde a década de 1970, tentativas consistentes foram feitas em países como Brasil e
Colômbia para materializar esse conceito não só em termos sociopolíticos, mas também no
campo jurídico, para que o direito à cidade se tornasse um marco normativo, e não apenas
uma noção política. Nessa direção, pode-se destacar, no contexto da América Latina, a Lei nº
388/1997, na Colômbia, e a Lei nº 10.257/2007 (Estatuto da Cidade), no Brasil
(FERNANDES, 2007, p. 204)150.
O direito à cidade ganha também projeção, como slogan, com as manifestações de
junho de 2013 como forma de organização da reivindicação dos movimentos sociais. Entre os
movimentos sociais brasileiros que mobilizaram esse slogan sobre os ecos das manifestações
de junho de 2013, pode-se mencionar: o Movimento Passe Livre, Movimento dos Sem-Teto,
Ocupe Estelita e os Comitês Populares da Copa no Rio de Janeiro (TAVOLARI, 2015).
No dizer de Alfonsin, o direito à cidade deve ser compreendido como direito coletivo
dos habitantes de territórios urbanos e, portanto, como pauta de reivindicação de movimentos
sociais urbanos, atores sociais e sujeitos coletivos “engajados na democratização dos bens
materiais e simbólicos produzidos e vivenciados nas cidades” (ALFONSIN et al., 2015, p.
71).
Assim, no campo jurídico adota-se o direito à cidade como referencial, no sentido de
Cavallazzi (2007), como núcleo de um sistema composto por um feixe de direitos que
estruturam o campo do Direito Urbanístico, como disciplina transdisciplinar que privilegia a
articulação principalmente das áreas de conhecimento do Direito e do Urbanismo.
A categoria analítica direito à cidade, como epicentro do Direito Urbanístico, deve ser
compreendida a partir de Henri Lefebvre151 e à luz dos direitos sociais fundamentais que, na
perspectiva da eficácia social do direito à cidade, exige o reconhecimento de um sistema
composto por um feixe de direitos, conforme a seguinte definição:
O direito à cidade, expressão do direito à dignidade humana, constitui o núcleo de
um sistema composto por um feixe de direitos incluindo o direito à moradia -
implícita a regularização fundiária -, à educação, ao trabalho, à saúde, aos serviços
públicos - implícito o saneamento -, ao lazer, à informação, à segurança, ao
transporte público, a preservação do patrimônio cultural, histórico e paisagístico, ao
meio ambiente natural e construído equilibrado - implícita a garantia do direito a

150
No original: “The approval of Law no. 388/1997 in Colombia, and Law no. 10.257/2001 in Brazil – the
internationally acclaimed City Statute – are very significant developments in this process.”
151
“O direito à cidade não pode ser concebido como um simples direito de visita ou retorno às cidades
tradicionais. Só pode ser formulado como direito à vida urbana, transformada, renovada” (LEFEBVRE, 1969, p.
108).
166

cidades sustentáveis, como direito humano na categoria dos interesses difusos


(CAVALLAZZI, 2007 , p. 56-57).

O direito à cidade deve ser reconhecido como interdependente dos demais direitos
humanos. No âmbito internacional, 152 o direito à cidade exige o reconhecimento de um
sistema composto por um feixe de direitos que também constituem os objetivos da Resolução
da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas de 2015 (NAÇÕES UNIDAS-
BRASIL, 2015).153
Segundo Cavallazzi (1993), não ocorre uma absorção indiscriminada das práticas
emergentes na teoria, mas um processo envolvendo a juridicidade de tendências que as
atravessam, de modo a justificar a eliminação das exceções em benefício da regularização e o
reconhecimento do que denomina práticas sociais instituintes. Logo, o Direito Urbanístico,
como direito difuso, pressupõe uma interpretação flexível e uma abordagem transdisciplinar
do conteúdo do direito à cidade, na perspectiva do reconhecimento de práticas sociais
instituintes (CAVALLAZZI, 1993).
A compreensão da produção de sentido do que se denomina direito à cidade em
movimento154 (CAVALLAZZI; FAUTH; ASSIS, 2018) diz respeito às várias possibilidades
do diálogo entre direitos instituídos e direitos sociais instituintes que permitem reconhecer as
novas demandas sociais concretizadas nas práticas sociais instituintes.
Assim, contemporaneamente, o direito à cidade é um significante em disputa com um
inegável potencial crítico politizador. Apesar de não haver um senso comum teórico a respeito
do seu significado em nenhuma das disciplinas que adotam a categoria analítica direito à

152
A sociedade civil respondeu às demandas urbanas redigindo a Carta Mundial do Direito à Cidade, aprovada
no V Fórum Social Mundial em 2005, afirmando que o direito à cidade é reflexo da dignidade humana e tem
conteúdo indissociável dos demais direitos humanos. Após esse evento, o direito à cidade ganhou status
internacional, como direito fundamental na esfera do Direito Internacional. Segue a definição prevista na carta:
“O Direito a Cidade é definido como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade,
democracia e justiça social; é um direito que confere legitimidade à ação e organização, baseado em seus usos e
costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito a um padrão de vida adequado. O Direito à
Cidade é interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos
integralmente e inclui os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais Inclui também o
direito a liberdade de reunião e organização, o respeito às minorias e à pluralidade ética, racial, sexual e cultural;
o respeito aos imigrantes e a garantia da preservação e herança histórica e cultural” (CARTA MUNDIAL..,
2005).
153
A Resolução da Assembleia Geral da ONU de 2015 apresenta a agenda de desenvolvimento sustentável até
2030, com 17 objetivos universais, que inspirou a escolha do tema Sustentabilidade como eixo central do
Programa Institucional de Internacionalização da UFRJ e do “projetinho” “Direitos Humanos, democracia e
desenhos institucionais em tempos de crise: o crescimento sustentável como forma de combate às desigualdades”
do PPGD/ UFRJ.
154
A categoria “direito à cidade em movimento” é adotada e sua produção de sentido é debatida
continuadamente pelo Laboratório de Direito e Urbanismo (LADU) desde 2016, momento em que o laboratório
organizou o seu VI Colóquio com o tema “Direito à cidade em movimento: vulnerabilidades nas metrópoles”.
167

cidade como chave de reflexão, a sua pluralidade significativa deve ser compreendida como
reveladora do seu potencial transformador.
Nesse contexto, a presente investigação reconhece ainda que o direito à cidade se
apresenta como categoria analítica adequada para constituir um contraponto que pretende
superar obstáculos criados por consensos inerentes ao senso comum teórico dos juristas
(WARAT, 1979, p. 179) e especificamente na compreensão dos desafios da cidade
contemporânea. No campo do direito, as chaves de solução buscam superar a matriz moderna
que administra demandas individuais e singulares. Nessa perspectiva, um sistema fechado,
abstrato e pretensamente abrangente sobre todas as situações não atende às demandas da
sociedade contemporânea, repleta de interesses e valores múltiplos e plurais.
Em vista disso, a presente proposta envolve uma abordagem diferenciada,
especialmente estabelecendo a conexão dos campos do Urbanismo e do Direito, essencial para
a leitura e compreensão da cidade. Esse diálogo poderá atingir um marco representativo de
estudos que compreenda o agravamento das vulnerabilidades que fragmentam direitos, sendo
possível também considerar que, no contexto da globalização, a contrario senso, o processo
de fragmentação possa vir a explicitar novas demandas coletivas.
Essa proposta de olhar visa comover as certezas produzidas especialmente no campo
jurídico, ao revelar que o movimento está implícito no direito à cidade, na perspectiva de que
seu significado estará sendo constantemente redefinido e experimentado, nesse contexto
histórico específico, pelas práticas sociais instituintes, como as ações do Movimento Social
SOS Praça. Esse movimento, atribuído ao direito à cidade, ocorre ainda quando se reavivam
os projetos frustrados dos que foram esmagados pela história, abrindo um feixe de possíveis
para o presente.
A expressão “feixe de possíveis” é utilizada no sentido de Oliver Corpet, que a adota
para se referir à proficuidade da obra lefebvriana (1991 apud LUTFI; SOCHACZEWSKI;
JAHNEL, 1996, p. 87). Segundo o autor, a obra lefebvriana ajuda a enxergar nas relações
socioespaciais de nosso tempo um feixe de possíveis, a partir de uma utopia não platônica que
não separa de forma dicotômica o que se deseja do que se pratica. Assim, o feixe de possíveis
revela as possibilidades de projetar o futuro no presente.
A análise do caso-referência, especificada no capítulo anterior, implica a incidência da
luta contra o processo de desdemocratização em curso, no caso de Nova Friburgo e de outras
cidades brasileiras, ao incluir as demandas de várias áreas que reivindicam seus direitos
esvaziados com esse processo.
168

Os integrantes do Movimento Abraço às Árvores – SOS Praça Getúlio Vargas


estendiam uma faixa em suas ações, manifestações políticas e artísticas, reuniões ou
audiências públicas, ilustrada na Figura 29 a seguir, com destaque para os dizeres: “A praça é
do povo! O povo decide..” como mote do movimento na cidade de Nova Friburgo. Percebe-se
na imagem que o a ação reutiliza uma faixa do Movimento de Mães e Responsáveis em Luta
pela Educação Pública e de Qualidade da cidade, acrescentando “SOS nossas árvores” na
lateral.

Figura 29 – Faixa do movimento estendida na audiência da OAB.


Fonte: Acervo pessoal da autora, 2018.

Essa imagem retrata a amplitude do processo de desdemocratização, o que justifica o


percurso dessa pesquisa. Na busca das centelhas da esperança na reforma urbana, resgatou-se
o processo longo de democratização da política urbana e o processo abrupto de
desdemocratização contemporâneo, cristalizados ou precipitados nas experiências que
retratassem esses processos na cidade de Nova Friburgo.
O direito à cidade em movimento, como disputa histórica, carrega implicitamente o
eco da história dos vencidos. Parte da compreensão da cidade construída para além da
tradição inventada, registrando a real produção da cidade pelos moradores. Abre, assim, um
feixe de possíveis para o reconhecimento do feixe de direitos sociais e a compreensão do
direito à cidade com seu potencial transformador.
169

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cidade não conta seu passado


(CALVINO, 1972).

A cidade espera que alguém saiba e queira lê-la. Para ler Nova Friburgo foi preciso
resgatar a construção do seu passado inventado e perceber sua história vivida através da
paisagem, na disputa de narrativas históricas da Praça Getúlio Vargas, coração da cidade.
Na praça e seu entorno, em que tudo, desde o casarão do barão até a ferrovia, foi
construído por escravos negros, que não circulavam pela catedral de eucaliptos mas
vivenciavam a cidade, o catador de dejetos dos vencidos desvela criticamente essa história
ressuscitando planos do passado, com vistas à ação no presente no horizonte de outros
futuros.
A cidade é lugar de produção de mitos e símbolos. Nesse sentido, a cidade se torna
objeto privilegiado para estudos críticos, pois deve ser observada atentamente para que
prospere na sua atividade de “caça-mitos”. Em Nova Friburgo, elegemos em nossa pesquisa o
mito da “Suíça brasileira” como a chave de sentido para desvelar a continuidade do seu marco
de colonialidade.
Nessa tarefa, a pesquisa foi guiada pela perspectiva sociojurídico-crítica, seguindo a
proposta de ir além da mera discussão de conceitos, buscando constantemente a referência dos
fatos reais, práticos, extraídos do agora, para apresentar encaminhamentos para as questões-
problema vivenciadas no momento vivido. Assim, a investigação não se propôs a encerrar as
questões-problema apresentadas, mas abrir caminho para novas reflexões e horizontes de lutas
por democracia e direitos.
Ao observar o presente processo de desdemocratização e seus efeitos na política
urbana brasileira, optou-se por partir do solo histórico social da cidade de Nova Friburgo. As
primeiras interrogações sobre a pesquisa surgiram com a observação de que havia uma
insistência de grupos políticos e empresariais em reafirmar, especialmente na festa de ordem
do bicentenário, uma tradição, que consideramos inventada, no século passado, como
justificativa legitimadora de suas ações e decisões autoritárias, que revelavam o processo de
desdemocratização da política urbana na cidade de Nova Friburgo em curso.
Assim, o percurso da tese se inicia com a análise dos impactos na política urbana
brasileira e, em especial, na política urbana em Nova Friburgo dos processos de
democratização e desdemocratização neoliberal, seguido pelo reconhecimento da
170

colonialidade do mito da “Suíça brasileira” e seu caráter retrotópico. A comprovação da tese


avança com a pertinência da cristalização no caso-referência da Praça Getúlio Vargas, que
permitiu dar visibilidade para a dimensão do que chamamos de direito à cidade em
movimento.
A investigação macrossociológica dos movimentos contínuos de democratização e da
contemporânea desdemocratização constituiu a primeira fronteira, especificando a
manifestação desses processos gerais no Brasil. A partir dessa conjuntura, a investigação
focou nos impactos desses processos na política urbana brasileira, especificando, com base
em uma análise multiescalar, aspectos desses processos na política urbana de Nova Friburgo,
como recorte espacial da tese. Nesse sentido, foram detalhadas as escolhas do desenho
institucional participativo para a elaboração do Plano Diretor de 2007 de Nova Friburgo, bem
como seus desafios e avanços na oitiva das vozes dos cidadãos como fórum participativo e
conselho consultivo participativo.
A análise não perdeu de vista a necessidade de uma construção teórico-prática a partir
de referenciais decoloniais, ao considerar o contexto histórico autoritário e o marco da
colonialidade brasileiro, e ao perceber a desdemocratização e seus reflexos na aceleração de
retrocessos, concomitantemente à desnacionalização no contexto latino-americano,
compreendido como lugar de experimentação do neoliberalismo e que vivencia as
contradições do liberalismo desde sua fundação moderna/colonial.
O olhar para o futuro democrático das cidades pensado a partir da disputa da história
foi refletido tendo como arcabouço explicativo a visão crítica da filosofia da história de
Benjamin. A metáfora do anjo da história serviu como uma forma de olhar crítico à ideologia
progressista, bem como para uma leitura da contemporaneidade, quando Bauman observa
uma inversão, uma guinada de volta para o passado pelo medo do futuro denominada
retrotopia.
Seguindo os caminhos de Bauman, que considera a mudança de mirada do anjo da
história benjaminiano, o estudo realizado sobre o processo de desdemocratização nas cidades
brasileiras contemporâneas partiu da estrutura teórica retrotópica de descrença no futuro e de
guinada de volta para o passado. Novamente se recorre ao passado inventado como nostalgia,
que tem como consequência o investimento das esperanças públicas em um passado agora
valorizado por supostas estabilidade e confiabilidade, no qual o futuro perde seu status de
hábitat natural de esperanças e expectativas.
171

A reflexão benjaminiana da história – como chave de análise sobre o passado, o


presente e o futuro da democracia brasileira – permitiu observar a adoção de narrativas
históricas no sentido da criação da ideia de nação brasileira a partir da ideologia do progresso
(no final do século XIX e início do XX) e da colonialidade como estrutura de poder. A
investigação identificou que, nesse contexto, foi construído o mito fundador da “Suíça
brasileira” a respeito da gênese da cidade de Nova Friburgo, tradição inventada, como
elemento legitimador e de coesão.
Como ficou demostrado, o mito da “Suíça brasileira” oculta a história da gênese da
cidade, uma colônia “plantada” pelo café, operando como instrumento de manutenção do
marco de colonialidade da cidade. O nome da fundação criada por lei municipal e responsável
pelo resgate da história da cidade e preservação do seu patrimônio – “Fundação Dom João
VI” – denota essa questão nitidamente. O nome, não ao acaso, remete à ideia de que o rei
português foi o idealizador, um visionário, do projeto de uma colônia de trabalhadores
brancos, europeus e livres. Mas a sede, instalada em uma das casas do principal barão do café
da região, revela as raízes escravocratas que se pretende esconder no discurso oficial.
O pensamento de Benjamin, profundamente enraizado na tradição romântica alemã e
na cultura judaica europeia, apesar de responder a uma conjuntura histórica precisa na “meia-
noite do século”, foi traduzido para nossos estudos a partir da sua universalidade admirável.
Esse arcabouço da filosofia da história benjaminiana forneceu ferramentas para a pesquisa na
busca de compreender os fenômenos históricos e movimentos sociais em outro contexto,
período histórico e território. No caso da nossa pesquisa, esse referencial teórico foi manejado
para analisar uma cidade situada no contexto de colonialidade brasileiro, em que a história dos
vencidos foi ocultada, com base em uma tradição inventada, e é reinventada até os dias atuais,
no momento que se pode metaforicamente denominar “meia-noite da democracia”.
Desse modo, a tese adota o recorte espacial da cidade de Nova Friburgo,
destrinchando a construção e consolidação do mito da “Suíça brasileira” como cerne
ideológico de uma tradição inventada, que se reinventa até os tempos retrotópicos de
acelerada desdemocratização de hoje. No anunciado “paraíso capitalista da Suíça brasileira”,
identificou-se a história dos vencidos, oprimidos pelo marco de colonialidade local, que ecoa
nas vozes dos movimentos sociais que se movem nas trincheiras do direito à cidade ao grito
de SOS – Abraço às Árvores na Praça Getúlio Vargas e questionam na festa da ordem do
bicentenário para a qual não foram convidados: 200 anos pra quem?
172

Na trajetória histórica friburguense, o mito da “Suíça brasileira”, que fornece as bases


ideológicas para a manutenção do seu marco de colonialidade, reflete o que se pode chamar
de uma manutenção pendular, que é revisitada, reinventada e reforçada em gestões municipais
liberais conservadoras, a fim de a atender aos interesses políticos e sociais de manutenção de
uma elite local.
Nas trilhas de Benjamin, o caminho percorrido de escovar a história da cidade a
contrapelo permitiu recordar o passado dos vencidos. O objetivo foi o de ler os projetos
frustrados semeados na história, não como custos do progresso, mas como injustiças
pendentes. Levando a sério as ausências e silenciamentos, os vivos só poderão desenvolver
um programa de emancipação que alcance um horizonte de futuro democrático se se
entrincheirarem nas lutas pelo direito à cidade, partindo dos sentidos dos mortos e tendo uma
visão do passado como alavanca a ser utilizada em outra direção.
A tese abraçou o direito à cidade em movimento como um horizonte democrático de
futuro possível, a partir de uma ação de entrincheiramento na luta no presente. Como se
evidenciou, esse horizonte de futuro se precipita nas disputas a respeito da história da cidade
entre os vencedores, entendidos como detentores da história hegemônica, e os vencidos,
silenciados. Um dos encaminhamentos da investigação é o de que não podemos compreender
o direito à cidade em movimento se a história não compuser a construção desse direito, pois
isso configuraria a naturalização do direito à cidade.
A vida do catador de centelhas da esperança é dedicada ao que a sociedade descartou e
apagou da história. Na tese, recolheram-se os “dejetos” da história dos vencidos, fruto das
suas derrotas catastróficas e intermináveis na trajetória friburguense, especialmente: os
indígenas; os escravos negros; os imigrantes caipiras; e os operários. O que fascinou
Benjamin é que o catador salva “dejetos” não para reciclá-los e devolvê-los à fatalidade do
consumo, mas para dar-lhes uma nova vida. Nesse sentido, o novo não é a substituição do
velho, mas o que brota dialeticamente do criticado.
A história invisível de Nova Friburgo emergiu da compreensão de situar a cidade e
seus espaços públicos como protagonistas, afastando-se da ideia de cenário, espaço neutro ou
inerte. A Praça Getúlio Vargas é delimitada como caso-referência, um suporte fático que
cristaliza a tese, em razão de se configurar como espaço-tempo em que o presente se articula
historicamente ao passado de forma a gerar a empatia pela narrativa dos vencidos, que
reconhecem a cidade “plantada” pelo café e que criticam o discurso oficial da “Suíça
brasileira”.
173

A batalha pelo futuro das cidades no sentido da democratização do direito à cidade em


movimento se decide no presente – o agora, o evento que temos diante de nós, que ainda não
conhece o porvir. Mas o que importa para essa ideia temporal benjaminiana é o presente para
além da história real com que deparamos: o presente ausente, pendente, como aquilo que quis
ser e foi malogrado, ou seja, como possibilidade.
A partir de uma visão romântica revolucionária e/ou utópica que não prega um
retorno, mas um desvio pelo passado em direção ao futuro, revelou-se a nostalgia do paraíso
perdido presente na reinvenção da tradição inventada da “Suíça brasileira”, às vezes travestida
de paraíso capitalista, como obstáculo para ações presentes voltadas para a esperança de uma
nova sociedade.
Nesse contexto, é importante abandonar as tradições inventadas, como o mito
fundador da “Suíça brasileira”, que se prestou na trajetória histórica friburguense tanto à
ideologia do progresso como visão otimista da inevitabilidade de um futuro melhor, quanto a
ilusões passadistas ancoradas em uma visão retrotópica pessimista com o futuro. Sugere-se
assim organizar o pessimismo por meio do desapego de ilusões progressistas e passadistas na
ação do presente.
O Movimento SOS Praça, ao atuar a partir do corte autoritário das árvores centenárias,
que serviu como centelha de indignação, encontra-se com a narrativa crítica histórica em
disputa ao aderir ao Coletivo 200 Anos pra Quem?. A centelha de indignação se reverte em
centelha da esperança na perspectiva do direito à cidade em movimento pela luta por futuros
democratizantes.
Na “meia-noite da democracia”, a presente tese se soma a outras vozes críticas ao
momento presente, que repicam o alarme de incêndio. Os sinos soam para chamar a atenção
aos retrocessos normativos e sociais, sintomas da desdemocratização, no agora, convidando
nossos contemporâneos a agir no presente com vistas à reversão desse processo em curso.
174

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Portal G1, 3 fev. 2015a. Região Serrana. Disponível em: G1 - Após manifestante ser detida,
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SCARINI, Juliana. Bloco “Eu me amarro em árvore’” protesta contra corte de eucaliptos.
Portal G1, 16 fev. 2015b. Região Serrana. Disponível em: G1 - Bloco 'Eu me amarro em
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197

ANEXOS
198

ANEXO A

CIDADANIA ATIVA EM DEFESA DA PRAÇA GETÚLIO VARGAS – 2015/2016,


BREVE RELATO DO ARQUITETO E GESTOR AMBIENTAL
ALESSANDRO RIFAN, MAIO DE 2018
199

CIDADANIA ATIVA EM DEFESA DA PRAÇA GETÚLIO VARGAS – 2015/2016

Breve relato do processo que envolveu a luta cidadã em defesa do mais significativo
Patrimônio Histórico, cultural e Afetivo de Nova Friburgo/RJ.
Por Alessandro Rifan – Arquiteto e Gestor ambiental. Maio/2018

Em defesa do mais significativo Patrimônio Histórico, Artístico, Cultural


e Afetivo de Nova Friburgo/RJ – o conjunto arquitetônico e paisagístico da PRAÇA
GETÚLIO VARGAS155; a sociedade civil se organizou, e ao longo de 2015 e 2016,
especialmente, atuou de forma intensa, ativa e legítima. Foi uma ação protagonizada
por cidadãos e profissionais das mais diversas áreas em defesa dos eucaliptos
centenários (Eucalyptus robusta); da praça como jardim histórico tombado, um lugar
de conforto ambiental, saúde mental, lazer e encontro social; do direito à cidade
pelas pessoas. Imbuídos pelo ímpeto de impedir as supressões radicais e sistêmicas
dos eucaliptos, processo conduzido pela PMNF sem comunicação, diálogo e
transparência, o Movimento intitulado de “Abraço às árvores – SOS Praça”,
rapidamente ganhou forma e passou a atuar de maneira vigilante no território
ameaçado, exigindo argumentos técnicos156 e jurídicos que justificassem aquela
ação destrutiva, acelerada e ilegal. Diante de tantas evidências de despreparo157, da
falta de informações aprofundadas, de contradições nos laudos e erros de cortes 158,
do discurso único “do medo”, de que era preciso derrubá-las a qualquer custo em
prol da segurança humana, do silêncio angustiante do IPHAN e do MPF, da omissão
clara de organizações não governamentais locais; o grupo resolveu agir. O
Movimento passou a buscar respostas técnicas e exigir como direito um diálogo
horizontal dos poderes públicos envolvidos – a Prefeitura, as Secretarias Municipais
envolvidas, o IPHAN, o Ministério Público Federal, a Câmara de Vereadores, entre
outras instâncias. Foram protocoladas inúmeras denúncias com evidências de
irregularidades159, pareceres de profissionais da área, reclamações fundamentadas
e solicitação de esclarecimentos às instâncias públicas, muitas delas não
respondidas até hoje.
Realizados de maneira abrupta e sistêmica, os cortes das árvores e a
destruição patrimonial de metade do Jardim Histórico, provocaram uma onda de
indignação popular que atingiu em cheio a afetividade da população em relação ao
espaço público, e trouxeram à tona suspeitas sobre o que estava por trás deste
interesse. A busca por informações técnicas precisas e justificáveis, o acesso ao
laudo da UNESA e ao conceito utilizado pelo projeto elaborado pela empresa
TECHNISCHE Engenharia/IPHAN, tecnicamente foi imprescindível para
compreender mais a fundo os meandros do que se passava. Tudo não estava numa
ordem lógica responsável e condizente com o tratamento a um bem público
tombado. Os debates públicos, as ações investigativas, os contra-argumentos

155
Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Praça Getúlio Vargas, tombado com patrimônio cultural inscrito no
livro do tombo do IPHAN, sob o no50, conforme processo no833-T-71, de 4 de julho de 1072, no município de
Nova Friburgo/RJ.
156
Falta nos laudos o respaldo fitopatológico que realmente comprovasse a insanidade dos eucaliptos. Após os
cortes realizados, observou-se cernes íntegros e com uma cor avermelhada, demonstrando de maneira visual
qualidade e saúde dos eucaliptos.
157
Serraria Melodia: Empresa que conduziu os serviços, sem especialização em manejo florestal e sem
profissionais habilitados para acompanhamentos.
158
Ver autuação Instituto Estadual do Ambiente (INEA) – Relato Técnico de Vistoria no 21. 807, código 084/2015.
159
As inúmeras denúncias e relatos técnicos protocolados pelo movimento no Ministério Público Federal – MPF,
forneceram subsídios para a instauração do Termo de Ajuste de Conduta (TAC). Foi o ativismo da sociedade
que resultou na interrupção parcial das derrubadas.
200

técnicos, os estudos e acessos a documentos até então “confidenciais” 160;


sinalizaram haver um jogo de poder associado a interesses especulativos
imobiliários. A cidadania ativa elucidou a proposta arquitetada – a de requalificação
da praça e o seu destombamento automático, já que não haveria mais ali os únicos
bens patrimoniais que resguarda o tombamento, os eucaliptos centenários. Estava
exposta a grave denúncia relativa a um projeto que contraria as recomendações
sobre a conservação de Jardins Históricos161, e tem suas bases nos preceitos
privatistas – o da GENTRIFICAÇÃO162; no qual projetos urbanísticos invasivos tiram
a cidade das mãos dos seus moradores e a colocam a serviço das corporações e do
capital. A quem interessaria um projeto de descaracterização baseado num falso
histórico163, estranhamente avalizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional – IPHAN/RJ e pela Fundação D. João VI, onde se pretende a
derrubada não apenas de cerca de setenta (70) eucaliptos centenários tombados,
mas de todas as cento e oito (108) árvores que compõem a praça?
Ao longo dos anos o grupo se utilizou de articulações institucionais, da
comunicação popular e das intervenções artísticas, no sentido de sensibilizar e
esclarecer o que ocorria. Vários profissionais voluntários: historiadores, biólogos,
agrônomos, engenheiros, cineastas, advogados, professores, psicólogos, arquitetos
e artistas, se colocaram à disposição para ajudar, através dos conselhos, de
apresentações públicas, performaces e representações artísticas/ simbólicas 164,
trazendo a reflexão sobre o papel da arte cidadã como elemento de despertar crítico.
Foi necessário resignificar o ato insano cometido e fazer com que a comunidade
refletisse a partir da apropriação viva daquele lugar; uma ocupação permanente do
espaço público como um palco aberto e pulsante. No âmbito institucional, foram
muitas as participações em defesa da praça; em reuniões com organizações não
governamentais, em fóruns e grupos de trabalho, e especialmente na Audiência
Publica165 realizada em dois dias (21/5/2015 e 27/05/2015) na Câmara de
Vereadores de Nova Friburgo. A sociedade civil realizou ampla mobilização que
resultou em uma plenária lotada, ativa questionadora. A sessão foi presidida pelos
vereadores166 Márcio Damazio e Marcelo Verly, e contou com a presença de
representantes do IPHAN (Ivo Mattos Barreto Junior), Ministério Público (João
Alfredo Miu), Prefeitura de Nova Friburgo (Edson Lisboa, Alexandre Sanglar e Ivison
Macedo), e diversos setores da sociedade civil, como por exemplo a historiadora
Janaína Botelho, representando a Universidade Cândido Mendes/UCAM. Após
inúmeros questionamentos dos participantes e apresentação de evidências de
160
Relatório Técnico do DEPAM – IPHAN/DF, dando o parecer favorável à manutenção e a conservação dos
eucaliptos centenários – 03/09//2012. Responsável Sr. Carlos Fernando de Moura Delphim – Ver Doc.
161
Condicionantes institucionais relativas à manutenção, conservação, restauração ou reconstituição de jardins
Históricos, signatários da Carta dos Jardins Históricos/Carta de Veneza.
162
Com o destombamento indireto do entorno abre-se a possibilidade de verticalização das construções no
perímetro com o aumento dos gabaritos, destruindo de vez todo o conjunto de casarios históricos e a ambiência
que formam a paisagem tombada.
163
Falso Histórico: conceito de revitalização proposta pelo projeto da Thecnische/IPHAN, que orienta a
substituição de todos os eucaliptos originais (Eucalyptus robusta), independente se estariam doentes ou não, por
eucaliptos do “Tipo Prateado”, de caráter apenas estético.
164
Segundo o grupo, quando se pensa em Nova Friburgo vem a nossa memória a Praça. Ali passeamos,
buscamos sombra, conversamos, crianças brincam, namorados se encontram, artesãos fazem feira, a arte
acontece nas apresentações das bandas e dos artistas. Ali tem histórias, tem encontro de pessoas, tem
patrimônio vivo através da imaterialidade!
165
Audiência solicitada pelo vereador Cláudio Damião, onde foi apresentado o projeto de Requalificação165
proposto pela empresa Technische Engenharia, com financiamento e aporte do IPHAN, até então desconhecido
por maioria da população.
166
Além do vereador Cláudio Damião, estiveram presentes os Vereadores José Sebastião Rabello, Prof. Pierre;
Gabriel Mafort, Welligton Moreira, Grimaldino Narcizo (Cigano),
201

irregularidades, o IPHAN se comprometeu publicamente a abrir o diálogo para


avaliação conjunta da proposta do projeto, cabendo a possibilidade de alterá-lo caso
soluções mais adequadas sejam apresentadas; que infelizmente não ocorreu por
desistência do órgão. O presidente do Conselho de Política Cultural de Nova
Friburgo, Evandro Rocha, em sua fala na tribuna, considerou este um momento
oportuno para a cidade rever a forma de se relacionar com a população: "Ou
entraremos para a história matando a história, ou entraremos para a história
construindo uma história participativa". Como resultado da sessão, o
superintendente do IPHAN, Sr. Ivo Mattos Barreto Junior, se comprometeu a
providenciar um terceiro laudo técnico referente à nova análise de saúde dos
eucaliptos, por Universidade Pública com especialidade na área, a ser
acompanhado por representantes indicados pela sociedade civil. O conjunto dos
presentes pactuou a necessidade de manter o canal de diálogo inter-setorial aberto,
através da criação de Grupo de Trabalho para avanço nas discussões e
realinhamentos do projeto; o que não ocorreu por parte da superintendência do
IPHAN e nem pela Prefeitura Local, que descumpriu o acordo firmado em sessão na
Câmara, não incorporando as inúmeras propostas acordadas. As reuniões para as
tomadas de decisão governamental sobre o futuro da praça seguiram de forma
excludente, sem a participação efetiva da sociedade civil, normalmente a “portas
fechadas”.
Na perspectiva de participação no Conselho Municipal de Políticas
Culturais (Gestão 2015/2016), a atuação do grupo se pautou na formação do GT “A
Praça e seu entorno”, com base no princípio do ARTIGO 3º, ITEM VII do Regimento
Interno, que visa “Incorporar propostas e sugestões manifestadas pela sociedade e
opinar sobre denúncias que dizem respeito ao Patrimônio Histórico e Cultural da
Cidade”. Por meio de ferramentas participativas e metodologias estruturais,
desenvolveu inúmeras oficinas deliberativas para discutir e refletir sobre as questões
pertinentes as tomadas de decisão sobre o futuro da Praça. Nesse âmbito, foi
realizado o diagnóstico “MAPA FALADO”; metodologia que identificou pontos
propositivos a respeito do espaço histórico-cultural enfocado, delineando assim
sugestões para a melhoria da área de uso comum e seu entorno. Foi também
realizada uma oficina participativa sobre os indicadores em Urbanismo,
Transparência e Cidadania no contexto de descaracterização ocorrida, em parceria
com a Organização Não Governamental IBASE, através do projeto “Indicadores de
Cidadania – INCID”. As questões que envolveram o ativismo do grupo, tais como:
diversas denúncias de irregularidades desde o real estado de saúde das árvores até
a destinação final dos troncos, passando pela fragilidade técnica dos cortes e pelos
interesses políticos em jogo, foram utilizados como referência para a construção de
indicadores de Transparência a serem replicados em todos os 14 municípios que
fazem parte do projeto INCID.
No que se refere ao TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA – TAC167,
assinado entre a PMNF e o Ministério Público Federal (Responsável:
Desembargador João Alfredo Miu), são vários os descumprimentos 168 por parte do

167
É necessário verificar se os outros itens correspondentes ao TAC estão sendo cumpridos pela PMNF.
168
Um dos exemplos do não cumprimento do TAC é o item que exige a manutenção e a guarda saudável das
madeiras – “Da destinação da madeira, Clausula nona: A PMNF se obriga a inventariar, avaliar e conservar a
madeira resultantes dos serviços de cortes e podas emergenciais” (...). Em 29/Fev/2016, membros do Grupo de
Trabalho no Conselho Consultivo/Grupo SOS, acompanhados da defesa civil local, fizeram visita ao local onde
se encontram parte das madeiras e verificou que: As madeiras estão apodrecendo a céu aberto; foram
literalmente jogadas em área alagada; As madeiras já processadas para venda na ocasião foram colocadas
202

poder municipal, e sem fiscalização efetiva por parte do poder judiciário. Há uma
GRAVÍSSIMA INCONGRUÊNCIA: Uma das cláusulas “Da execução do projeto de
requalificação” página 09, exige que o Projeto Thecnische de descaracterização seja
cumprido. Isto é, segundo o projeto técnico todos os eucaliptos tombados por lei
deverão ser derrubados, independente se estão sadios ou não. A respectiva
cláusula não considera a lei que definiu a condição de tombamento da Praça. Então
para que serve os laudos?
A elucidação levantada pela sociedade civil através do controle social
vigilante durante o processo, tanto pelos estudos técnicos realizados, quanto pelos
acompanhamentos nas esferas executiva, legislativa e jurídica, levantam suspeitas
sobre os verdadeiros interesses do projeto elaborado pela empresa Thecnische,
com o aval do IPHAN e do próprio MPF 169. Trata-se de uma proposta que sustenta a
implementação de um projeto ilegal, que orienta a derrubada de 108 árvores, sendo
cerca de 70 eucaliptos tombados que formam o conjunto paisagístico idealizado pelo
botânico e paisagista francês Auguste Glaziou. Portanto, a destruição de toda a
praça. Acreditamos que o interesse real é pelo destombamento total da praça, e pelo
seu entorno também preservado através dos casarios históricos. Dessa maneira,
abre-se a possibilidade de verticalização das construções com o aumento dos
gabaritos, e conseqüentemente o favorecimento de grupos imobiliários hegemônicos
na cidade. Trata-se de um processo, como vários outros no Brasil, no qual gestores
públicos, por meio de projetos urbanísticos, tiram a cidade das mãos dos seus
moradores e a colocam a serviço das corporações. Quando o espaço público é
privatizado, os preços sobem, a violência policial aumenta, a liberdade dá lugar à
vigilância e todos são afetados. Uma cidade privatizada só funciona para quem está
disposto a pagar muito para viver nela.

Passados aproximadamente três anos e meio; a PMNF, o IPHAN e o


MPF ignoram as reivindicações da comunidade, deixando de fora representantes da
sociedade civil nas tomadas de decisão futuras sobre o destino da Praça, hoje
parcialmente descaracterizada. Qual seria a resistência em dialogar e deliberar de
forma coletiva com a sociedade civil sobre o futuro da praça? O que leva o MPF a
não considerar todas as denúncias gravíssimas apresentadas pela sociedade?
Havia e ainda há muitas perguntas sem respostas, pouca transparência e restrições
na participação pública das tomadas de decisão que estão sendo acertadas entre o
IPHAN, a Prefeitura (PMNF) e o Ministério Público Federal (MPF). Há muitas
evidências levantadas que trazem a necessidade de uma averiguação crítica mais
aprofundada sobre todo o processo até aqui desenvolvido e principalmente a
verificação junto às instâncias responsáveis a respeito deste nefasto e lesivo projeto
de requalificação.

Abaixo, segue a cronologia de fatos e/ou ações que comprovam a


participação efetiva e ativa da sociedade civil na luta em defesa da Praça Getulio
Vargas:

embaixo das toras. Isto é, as provas, propositalmente foram escondidas. As madeiras estão depositadas nesta
situação deste Fevereiro de 2015.
169
Segundo o Termo de Ajuste de Conduta (TAC), o MPF exige a realização do projeto de requalificação. Isto é,
o próprio MPF orienta a destruição do Patrimônio Histórico e Cultural, indo em desencontro a lei que garante sua
integridade como Jardim Histórico tombado.
203

CRONOLOGIA:

1. AGO/2010 - INQUERITO CIVIL EXISTENTE (nº 1.30.006.000105/2010-02)


Existe um processo de Agosto de 2012 em que o MPF/Nova Friburgo
questiona a ação da PMNF quanto à queda de um eucalipto, onde também se
encontra uma declaração do técnico do Iphan/RJ, Carlos Fernando de Moura
Delphim170, colocando-se contrário à eliminação dos eucaliptos centenários;

2. Data? - OFICIO DO MPF SOLICITANDO INFORMAÇÕES A PMNF: Ofício


do MPF em 08/01/2015 ao Prefeito Rogério Cabral pedindo informação sobre
a execução de intervenção (podas) nos eucaliptos como também ao IPHAN
na pessoa do Sr. Ivo Barreto Júnior;

3. 17/01/2015 - INÍCIO DAS DERRUBADAS: A PMNF começa a cortar


indiscriminadamente e podar de forma irregular os eucaliptos centenários
tombados:

4. Jan e Fev/2015 - DENÚNCIAS INDIVIDUAIS de vários cidadãos


friburguenses sobre os cortes sistêmicos e indiscriminados dos eucaliptos.
Alguns Cidadãos Denunciantes: Sérgio Couto; Janusa Dias Vieira; Gabriel
Barreto; Maria Clara Pinto;Maria Laura Bevilacqua Da Matta; Guilherme
Mallon; Marcelo Brantes;

5. 24 e 25/01/2015 - CONTINUIDADE DAS DERRUBADAS: Apesar das


denúncias e inúmeras irregularidades nos cortes e podas, a PMNF retoma o
trabalho e continua as derrubadas, abrindo um clarão na Praça;

6. 26/01/2015 - 1ª MOBILIZAÇÃO SOCIAL ESPONTÂNEA EM DEFESA DA


PRAÇA: Um pequeno grupo se encontra na Praça Getúlio Vargas, pela
primeira vez, para entender o ‘trabalho’ do Poder Público, realizado no
domingo (25). O movimento teve início no Facebook, a partir de fotos
publicadas durante o domingo, quando a praça ficou desconfigurada;

7. 27/01/2015 - 2ª MOBILIZAÇÃO SOCIAL ESPONTÂNEA EM DEFESA DA


PRAÇA: O grupo em defesa dos eucaliptos cresce e abraça a árvore – mãe;
a espécie mais antiga da praça;

8. 27/01/2015 - PEDIDO DE AUDIÊNCIA PÚBLICA: O Vereador Cláudio


Damião solicitou Sessão Específica na Câmara Municipal para tratar do
assunto como tema emergencial. O primeiro pedido foi negado!

9. 28/01/2015 O vereador Cláudio Damião com representantes da sociedade


civil, incluindo membros do SOS Praça, participam de reunião junto a OAB e
fazem a respectiva denúncia diretamente ao Presidente da Instituição na
ocasião, que nada fez na época;

170
Declaração do técnico do Iphan, Sr. Carlos Fernando de Moura Delphim – Ver Doc.
204

10. 28/01/2015 – DERRUBADA DA ÁRVORE-MÃE: PMNF/Defesa Civil autoriza


Serraria Melodia a cortar a árvore mãe;

11. 28/01/2015 – ENTREVISTA COLETIVA: Prefeito dá entrevista coletiva para


falar do assunto e cidadãos indignados o questionam durante a entrevista. Na
ocasião houve por parte da PMNF uma definição seletiva entre jornalistas e
participantes;

12. 28/01/2015 – PARALIZAÇÃO DAS DERRUBADAS E CORTES:


recomendação do MPF em documento à PMNF proibindo corte dos
eucaliptos;

13. 02/02/2015 – MANIFESTO PÚBLICO: Encaminhado ao Ministério Público


Federal Manifesto Público em defesa das árvores centenárias tombadas pelo
IPHAN/RJ, em Nova Friburgo/RJ;

14. 02/02/2015 – ABAIXO-ASSINADOS PROTOCOLADOS: O Movimento


Protocola na Prefeitura um abaixo-assinado e petição online, com
aproximadamente 1.500 assinaturas (em menos de uma (1) semana);
enviados posteriormente ao MPF, MPE, MT, porém não houve resposta;

15. 03/02/2015 – NEGAÇÃO A AUDIÊNCIA PÚBLICA: Câmara nega solicitação


do Vereador Cláudio Damião;

16. 03/02/2015 – PRESENÇA DO MOVIMENTO SOS NA CÂMARA: Movimento


marca presença na primeira Sessão da Câmara, com protesto, apenas
exibindo uma faixa: “S.O.S. Praça Getúlio Vargas”;

17. 04/02/2015 – ELABORAÇÃO DO 1º PARECER TÉCNICO (Contralaudo): O


engenheiro agrônomo André Campbell emite Parecer Técnico, após visita à
cidade no dia 31/01/2015, e é encaminhado ao MPF;

18. 05/02/2015 – ELABORAÇÃO DO 2º PARECER TÉCNICO (Contralaudo): O


biólogo Claudio Valente Scultori emite Parecer sobre visita e vistoria técnica
às árvores da Praça Getúlio Vargas e é encaminhado ao MPF;

19. 05/02/2015 – REGISTRO DAS MADEIRAS SENDO MANUFATURADAS


PARA A VENDA: Movimento fotografa madeiras cortadas, transportadas sem
o DOF (Documento de Origem Florestal), e estocadas na serraria melodia;

20. 05/02/2015 – PLANILHA COMPARATIVA DOS LAUDOS: Foi encaminhado


ao MPF (PRM-NFR-RJ-00000041/2015) Planilha Comparativa de laudos e
registro fotográfico das madeiras cortadas, transportadas sem o DOF
(Documento de Origem Florestal), e estocadas na serraria Melodia;

21. 06/02/2015 – INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PELO MPF: Procurador


requisitou a instauração de inquérito policial para investigar as circunstâncias
do corte de algumas árvores;
205

22. 06/02/2015 – SOLICITAÇÃO DE INFORMAÇÕES À SMMA: Movimento


Protocola na PMNF solicitação de informações à Secretaria do Meio
Ambiente, porém não houve um retorno com as respostas;
23. 07/02/2015 – RESISTÊNCIA DO GRUPO: Poder Público insiste em continuar
cortando, e o grupo resiste, agarrando-se em uma das árvores condenadas à
morte;

24. 09/02/2015 – PRESENÇA DO GRUPO NA POSSE DO CONSELHO DE


POLÍTICAS CULTURAIS: Movimento participa da posse do Conselho
Municipal de Políticas Culturais, no Salão Azul da Prefeitura, e faz seu ato de
protesto questionando diretamente o Prefeito Rogério Cabral;

25. 10/02/2015 – OFÍCIO PROTOCOLADO COM 18 DENÚNCIAS: Documento é


encaminhado ao MPF sobre QUESTÕES RELATIVAS AO CORTE
INDISCRIMINADO DOS EUCALIPTOS CENTENÁRIOS TOMBADOS DA
PRAÇA GETÚLIO VARGAS;

26. 12/02/2015 – PARALISAÇÃO TEMPORÁRIA PEDIDA PELO IPHAN/RJ:


IPHAN pede paralisação temporária de corte de eucaliptos em Nova Friburgo;

27. 12/02/2015 – RELATÓRIO DE AUTUAÇÃO INEA: Inea/RJ apresenta


Relatório Técnico apontando que 10 árvores foram cortadas indevidamente;

28. 20/02/2015 – SOLICITAÇÃO A PARTICIPAÇÃO PÚBLICA A


ELABORACAO DO TAC: O Movimento Popular “Abraço às árvores – SOS
Praça Getúlio Vargas” solicitou ao Ministério Público Federal participação na
discussão sobre a elaboração do TAC -Termo de Ajuste de Conduta;

29. 23/02/2015 – AUTUAÇÃO DA SERRARIA MELODIA: Serraria Melodia é


autuada por não possuir autorização para transporte;

30. 26/02/2015 - PARTICIPAÇÃO NA REUNIÃO DO CONSELHO MUNICIPAL


DO MEIO AMBIENTE CMMA:

31. 27/02/2015 – TRANSFERÊNCIA DAS MADEIRAS PARA A EBMA: Início do


trabalho para transferência das toras dos eucaliptos, da Serraria Melodia para
a EBMA. Presença do grupo;

32. DATA ? – É DISPONIBILIZADO UM ABAIXO-ASSINADO ONLINE: «Praça


Getúlio Vargas e seus Eucaliptos: Transparência e Audiência Pública»;

33. DATA ? – FALTA DE SEGURANCA E EPI´S: Encaminhado ao Ministério do


Trabalho Documento com observações a respeito da falta dos equipamentos
individuais de proteção e da segurança no processo;

34. DATA ? – INEXISTÊNCIA DE CRITÉRIOS, O CORTE INDISCRIMINADO E


AS MADEIRAS SADIAS: foi encaminhado ao MPF documento com fotos em
anexo;
206

35. DATA ? - A DESFIGURAÇÃO, O PROCESSO DE PARTICIPAÇÃO SOCIAL


NAS MANIFESTAÇÕES E A COMOÇÃO POPULAR: Encaminhado ao MPF
anexo com fotos;

36. DATA ? - SUBSIDIO TÉCNICO AO MPF/NF: sobre as discordâncias e


contradições de laudos, bem como sobre as derrubadas em discordâncias
aos laudos – Desenhos gráficos e registro fotográfico – Dias, Rifan e Laura;

37. DATA ? - AUTUAÇÃO INEA - Processo com denúncia de crime ambiental


pela PMNF /Rogério Cabral;

38. DATA ? - TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA – TAC: Apresentação do


TAC. Nossos questionamentos e críticas. Possível suspensão ainda?

39. DATA ? - MOVIMENTOS DA SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA: SOS


Abraço à Praça Getúlio Vargas/ INCID Praça como caso de estudo /Fricine;

40. 2015/2016 - INTERVENÇÕES ARTÍSTICAS/CULTURAIS E AÇÕES DE


SENSIBILIZAÇÃO: Vídeos Luciano Santos e Marcelo Brantes; Inúmeras
intervenções e performaces de artistas colaboradores; Producão e divulgação
de Vídeo sobre o ocorrido - Poliana/ Documentário com Janaína Botelho;

41. 21 e 27/05/2015 - AUDIÊNCIA COM IPHAN: Dois encontros (uma sessão


específica em e outro encontro em), e o que ficou determinado e nunca
cumprido. Existem documentos protocolados no MPF a pedido do SOS com
apoio de vereadores;

42. Ano/2015 - REUNIÕES COM O MPF/NF: Aconteceram alguns encontros


diretamente com o procurador João Alfredo Mil, onde foram apresentados
nossos objetivos e argumentos sobre a defesa da praça. Participação de
advogados voluntários;

43. 2015/2016: PARTICIPAÇÃO ATIVA NO CONSELHO DE CULTURA:


Reuniões com Conselho de Cultura/GT Praça e seu Entorno /Mapa Falado;

44. DATA ? - MOÇÃO HONROSA: fornecida pela Câmara de Vereadores ao


Grupo SOS Abraço à Praça / Nosso discurso na ocasião (doc);

45. 05/Ago/2015 - PROTOCOLO A OAB/NF: Documentos encaminhados à OAB


e atas de reunião com a mesma. A/C da Comissão de Meio Ambiente - Sra.
Dra. Anita Gomes Xavier do Carmo;

46. 15/Out/2015. - PROTOCOLO AO MINC: Documento encaminhado ao


Ministério da Cultura/IPHAN/DF. Ofício Nº. 49/2015 – GDFGB;
207

ANEXO B

CARTA DA OAB
208

“A praça! A praça é do povo...”


Castro Alves
CARTA DA OAB
Reunidos em audiência pública na data de 31 de agosto de 2018, nas
dependências da 9a Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil, Nova
Friburgo, para debater e refletir sobre o futuro da Praça Getúlio Vargas, a
entidade proponente do ato e a sociedade civil organizada vêm manifestar-se
publicamente no sentido de:
REPUDIAR as justificativas apresentadas pela Prefeitura Municipal de Nova
Friburgo e Fundação Dom João VI para não enviar representantes, interditando a
plenitude do debate popular e democrático, na contramão da Constituição da
República de 88 e do Estatuto da Cidade;
REPUDIAR quaisquer iniciativas que importem na destruição, total ou parcial,
do patrimônio histórico municipal, sendo certo que o conjunto arquitetônico e
paisagístico da Praça Getúlio Vargas, bem público tombado, possui valores afetivos,
paisagísticos e arquitetônicos inestimáveis, cuja
preservação deve integrar a pauta de prioridades do poder executivo;
REPUDIAR quaisquer iniciativas que, à míngua de laudos e relatórios técnicos
competentes e de revisões técnicas no caso de laudos divergentes, importem no
corte desnecessário de árvores, que deverão se submeter a exames científicos,
rigorosos e imparciais anteriormente a qualquer a intervenção sobre a Praça;
APOIAR obras de reparo e manutenção que não interfiram no traçado concebido
por Glaziou, preservando a “catedral dos eucaliptos” e os aspectos originais do
espaço, tudo em conformidade com o processo de tombamento, especialmente os
preceitos sobre manutenção, conservação, restauração e restituição da Carta de
Florença e a Carta dos Jardins Históricos Brasileiros;
209

EXIGIR, com base no artigo 2o, inciso II da Lei Federal no 10.257/01 (Estatuto
da Cidade), que todos os debates e deliberações relativos ao projeto de reforma
e/ou requalificação da Praça Getúlio Vargas aconteça em ambiente de total
transparência e democracia;
EXIGIR, com base no artigo 216, parágrafo 2o da Constituição da República de
88 e da Lei Federal no 12.257/11 (Lei de Acesso à Informação), que todos os
documentos, pareceres, plantas e relatórios relativos ao projeto de reforma e/ou
requalificação da Praça Getúlio Vargas, integrantes ou não do Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) no 02/2015, sejam livremente acessados,
preferencialmente através da rede mundial de computadores;
REQUERER que a Prefeitura Municipal, por sua Secretaria de Meio Ambiente
ou outro órgão mandatado para esta finalidade, constitua comissão popular para
acompanhamento permanente do projeto de reforma e/ou requalificação da Praça
Getúlio Vargas, principalmente na fase de execução das obras;
SOLICITAR que esta Subseção da OAB, por sua diretoria e comissões
temáticas, tenha assento na comissão referida, cujo desenho institucional
priorizará a criação de um ambiente democrático, com espaços inequívocos de
exercício do poder e da vontade popular, respeitando-se o princípio geral de
preservação do patrimônio histórico e cultural;
RECOMENDAR que a atualização do Plano Diretor Municipal contemple as
questões debatidas no curso da audiência pública;
CUMPRIMENTAR a Câmara Municipal de Nova Friburgo, presente ao ato na
figura do seu Presidente, que se comprometeu solenemente com a
democratização de debate, colocando o poder legislativo à disposição desta OAB
e dos movimentos sociais, inclusive se empenhando na realização de nova
audiência pública nas suas dependências.
210

ANEXO C

MOÇÃO DE REPÚDIO ELABORADA A PARTIR DA VISITA


DE CARLOS DELPHIM E ANTONIO JAYO

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