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Rio de Janeiro
2022
VÍVIAN ALVES DE ASSIS
Rio de Janeiro
2022
(Espaço reservado para a ficha catalográfica).
VÍVIAN ALVES DE ASSIS
_________________________________________________________
Prof. Dr. Mauro Osorio da Silva (PPGD/UFRJ)
_________________________________________________________
Profa. Dra. Rosangela Lunardelli Cavallazzi – (PROURB/UFRJ e PUC-Rio)
_________________________________________________________
Profa. Dra. Juliana Neuenschwander Magalhães (PPGD/UFRJ)
_________________________________________________________
Prof. Dr. Luigi Bonizzato (PPGD/UFRJ)
_________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Helena Versiani (Museu da República/ Instituto Brasileiro de Museus)
_________________________________________________________
Prof. Dr. Flavio Rapisardi (Universidad Nacional de La Plata – UNLP, Argentina)
Aos meus amados Vicente de Assis Bento e Fábio Pires Bento
AGRADECIMENTOS
ASSIS, Vívian Alves de. Disputa histórica nas trincheiras do direito à cidade: o caso-
referência da Praça Getúlio Vargas em Nova Friburgo. Rio de Janeiro, 2022. Tese (Doutorado
em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.
ASSIS, Vívian Alves de. Disputa histórica nas trincheiras do direito à cidade: o caso-
referência da Praça Getúlio Vargas em Nova Friburgo. Rio de Janeiro, 2022. Tese (Doutorado
em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.
ASSIS, Vívian Alves de. Disputa histórica nas trincheiras do direito à cidade: o caso
referência da Praça Getúlio Vargas em Nova Friburgo. Rio de Janeiro, 2022. Tese (Doutorado
em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2022.
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 20
1 DA DEMOCRATIZAÇÃO À DESDEMOCRATIZAÇÃO: IMPACTOS NA
POLÍTICA URBANA NACIONAL E NO MUNICÍPIO DE NOVA FRIBURGO .. 32
1.1 DA DEMOCRATIZAÇÃO À DESDEMOCRATIZAÇÃO NEOLIBERAL:
IMPACTOS NA POLÍTICA URBANA BRASILEIRA ................................................. 32
1.1.1 O longo processo de democratização da política urbana brasileira ............. 33
1.1.2. Processo de desdemocratização: o retrocesso acelerado da política urbana no
Brasil .............................................................................................................. 39
1.2 DEMOCRATIZAÇÃO E DESDEMOCRATIZAÇÃO DA POLÍTICA URBANA
EM NOVA FRIBURGO ...................................................................................... 49
2 A GUINADA PARA UM PASSADO INVENTADO EM NOVA FRIBURGO: A
COLONIALIDADE DO MITO DA “SUÍÇA BRASILEIRA” ................................. 60
2.1 DO PROGRESSO À RETROTOPIA: DE VOLTA PARA O PASSADO
INVENTADO ...................................................................................................... 64
2.2 HISTÓRIA URBANA DE NOVA FRIBURGO: A CONSTRUÇÃO DO MITO DA
“SUÍÇA BRASILEIRA” ...................................................................................... 73
2.2.1 Marco de origem da vila: uma colônia “plantada” pelo café ....................... 73
2.2.2 De vila à cidade: a construção do mito da “Suíça Brasileira” (1890 -1960) .. 84
2.2.3 Industrialização de Nova Friburgo: aliança entre capitalistas de origem
alemã e políticos modernizadores .................................................................. 89
2.2.4 A colonialidade do mito da “Suíça brasileira”: discursos, lendas e festas da
ordem .............................................................................................................. 96
3 ESTUDO DO CASO-REFERÊNCIA: A PRAÇA GETÚLIO VARGAS EM NOVA
FRIBURGO ................................................................................................................ 105
3.1 A CATEDRAL DOS EUCALIPTOS: O PROJETO HIGIENISTA DA PRAÇA
“PLANTADA” PELO CAFÉ .............................................................................. 107
3.2 MOVIMENTO ABRAÇO ÀS ÁRVORES – SOS PRAÇA GETÚLIO VARGAS ........ 119
3.2.1 A centelha de indignação: Abraço às Árvores – SOS Praça Getúlio Vargas ..... 120
3.2.2 SOS Praça encontra a história: 200 anos pra quem? ........................................ 138
4 NAS TRINCHEIRAS DO DIREITO À CIDADE CATANDO AS CENTELHAS DA
ESPERANÇA: PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA POLÍTICA URBANA
FRIBURGUENSE ...................................................................................................... 153
4.1 DIREITO À CIDADE LEFEBVRIANO: O ESPÍRITO ROMÂNTICO
REVOLUCIONÁRIO EM DIREÇÃO À RESPACIALIZAÇÃO DO MARXISMO ..... 153
4.2 A DISPUTA HISTÓRICA PELO DIREITO À CIDADE EM MOVIMENTO:
CATANDO AS CENTELHAS DA ESPERANÇA DEMOCRÁTICA NA PRAÇA
GETÚLIO VARGAS .......................................................................................... 163
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................. Error! Bookmark not defined.
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................174
ANEXOS .......................................................................... Error! Bookmark not defined.
20
INTRODUÇÃO
1
Gustin e Dias explicitam que no pós-guerra ocorre uma mudança de rumo na concepção da pesquisa, que até
então era predominantemente unidisciplinar e priorizava a metodologia monolítica. Segundo as autoras: “O
enfoque metodológico deixa de ser monológico e, no primeiro momento, assume uma vertente da
multidisciplinaridade, ou seja, de cooperação teórica entre campos do conhecimento antes distanciados. Passa-
se, daí, não mais, somente para a cooperação, mas para a coordenação de disciplinas conexas ou para a
interdisciplinaridade. Atualmente, a transdisciplinaridade ou a produção de uma única teoria a partir de
campos de conhecimento conhecidos como autônomos é a tendência metodológica que emerge com maior
força.” (GUSTIN; DIAS, 2006, p. 8).
2
Segundo Lessa, entre 1920 e 1960, apesar de o Rio de Janeiro ter sido secundarizado, em termos de produção
industrial, em relação a São Paulo, ainda concentrava “serviços sofisticados, [...] – parecia ter assinado um pacto
com a eterna prosperidade. […] Mesmo os saudosistas e conservadores tendiam a depositar confiança irrestrita à
cidade” (2000, p. 237-238).
22
3
Nobre, ao qualificar o estágio alcançado pela pesquisa jurídica como de “relativo atraso”, em relação ao das
demais disciplinas das ciências humanas, prediz que: “É claro que aí também estão envolvidos problemas de
‘tradução’ entre as diversas disciplinas, mas pode-se dizer que os parcos contatos de teóricos do direito com
especialistas de outras disciplinas não podem ser contados como interdisciplinaridade, já que, em lugar de
autêntico debate e diálogo, com mudança de posicionamento e de opiniões, encontramos os teóricos do direito
no mais das vezes na posição de consultores e não de participantes efetivos de investigações interdisciplinares”
(2003, p. 147).
4
Maricato argumenta em seu artigo “Dimensões da tragédia urbana” que apesar da evolução de indicadores
sociais que acompanham o processo de urbanização desde os anos 40, com queda da mortalidade infantil,
aumento da expectativa de vida, evolução do nível de escolaridade, entre outros, “[...] o otimismo, que pode
emergir dos dados não tem como se sustentar quando observamos que a evolução do uso e da ocupação do solo
assume uma forma discriminatória (segregação da pobreza e cidadania restrita a alguns) e ambientalmente
predatória.” (2002).
5
O fetiche dos instrumentos é uma categoria que revela a crítica à ideia de que no campo do Direito Urbanístico
caberia apenas promover instrumentos adequados à implementação das políticas públicas, que consistiriam em
comandos normativos bem definidos. Nesse processo de fetichização argumenta-se que há um sequestro ou
desvio de instrumentos urbanísticos, o que focaliza a crítica aos gestores públicos e desvia da compreensão o
caráter intrinsecamente contraditório do próprio Direito, ao pensar as categorias jurídicas no marco da lógica
formal (PEREIRA; MILANO; GORSDORF, 2019).
24
circulação interna de integrantes do Movimento SOS Praça, bem como análise do caso-
referência definido como caso exemplar da tese, conforme será especificado adiante.
Ao refletir sobre o método a ser adotado na presente pesquisa, parte-se do pressuposto
de Fonseca de que “não há ainda um método de pesquisa na área do direito que, em sã
consciência, se possa afirmar pronto e acabado” (2009, p. 62).
Dessa forma, esse esforço de construção metodológica teórico-prática está no campo
da discussão sobre as condições de possibilidade da pesquisa jurídica. A pesquisa jurídica,
inserida no campo das pesquisas em ciências sociais, problematiza o mundo social. Ademais,
o estudo das contradições do mundo implica necessariamente o estudo do conjunto do social e
do jurídico.
Com abordagem dialética e atitude metodológica inserida no método sociojurídico-
crítico (FONSECA, 1989, p. 18), procedeu-se ao levantamento, à sistematização e à análise
de matérias de jornais locais, atas de audiências públicas e reuniões, ofícios, cartas abertas
assinadas pelo Movimento SOS Praça e a 9ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) em Friburgo, e o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e seus aditivos assinados
por agentes públicos, para indagar se a atuação articulada do Movimento SOS Praça é
relevante, no sentido de ampliação do processo de democratização do direito à cidade. Para
tanto, considera-se a filosofia da história benjaminiana como parâmetro do tempo que
proporciona um desvio do passado catando as centelhas do passado em direção ao futuro.
O método sociojurídico-crítico “[...] significa um recurso para que se reflita sobre a
própria ciência do Direito: seus pressupostos, suas propostas, seus resultados, sua inserção
sociocultural” (FONSECA, 1989, p. 18). Assim, ao pensar em desenvolver uma pesquisa
teórico-prática referenciada constantemente em fatos reais extraídos do momento vivido que
quer escapar da mera discussão de conceitos, o método sociojurídico-crítico proposto por
Fonseca (2009, p. 63) foi utilizado na presente pesquisa como forma de oferecer critérios de
encaminhamento de problemas voltados para o momento da aplicação aos homens
conviventes.
Com vistas ao enfrentamento das questões-problema construídas, bem como à
realização dos objetivos propostos, desenvolve-se um processo de pesquisa que partiu da
reflexão a respeito de qual seria a referência empírica mais adequada. Isto é, a definição do
caso-referência a ser objeto de levantamento e sistematização de informações específicas,
detalhadas e originais a seu respeito.
25
6
Dentre as teses e dissertações de integrantes do LADU que adotaram a análise de caso-referência como
proposta metodológica de pesquisa podem-se citar as seguintes referências bibliográficas em ordem cronológica:
CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. A plasticidade na teoria contratual. Tese (Doutorado em Direito) –
Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1993.
RIBEIRO, Cláudio Rezende. Ouro Preto, ou a produção do espaço cordial. 2009. 412 f. Tese (Doutorado em
Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2009. Disponível em: Domínio Público - Detalhe da Obra (dominiopublico.gov.br) Acesso em: 30 jul.
2022.
BACELLAR, Isabela. Diálogo entre urbanismo e direito: projeto urbano e possibilidades para a eficácia social
da norma na Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha. 2012. 215 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e
26
Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2012.
AGUIAR, Marlise Sanchotene. Dimensões materiais e simbólicas do patrimônio em zonas portuárias:
Gênova e Rio de Janeiro, diálogos complementares. 2014, 308 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)
– Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
Disponível em: 823744.pdf (ufrj.br) Acesso em: 30 jul. 2022.
FAUTH, Gabriela. Crisis urbana y derecho a la ciudad: el espacio urbano litoral de Barcelona. 2015. 215 f.
Tese (Doutorado em Dret Públic) – Department de Dret Públic, Universitat Rovira i Virgili, Tarragona, 2015.
SIMÃO, M. C. R. Diferentes olhares sobre a preservação das cidades: entre os dissensos e os diálogos dos
moradores com o patrimônio. 2016. 266 f. Tese (Doutorado em Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em
Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
RUFINO, W. B. Metro, macro, mega, meta: uma cidade só / cidades sós. 2016. 308 f. Tese (Doutorado em
Urbanismo) – Programa de Pós-graduação em Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: Plataforma Sucupira (capes.gov.br) Acesso em:
30 jul. 2022.
COSTA, Bruno Luis de Carvalho da. Código Urbano contextualizado: um futuro para o projeto arquitetônico
residencial multifamiliar na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2018. 438 f. Tese (Doutorado em
Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
LIMA, Evelyn de Araújo Werneck. A vulnerabilidade das “zonas opacas” na cidade standard: o caso-
referência da Vila Autódromo. 2020. 122 f. Monografia (Graduação em Direito) – Departamento de Direito,
PUC-Rio, Rio de Janeiro, 2020.
TELLES, Mário Ferreira de Pragmácio. A captura do patrimônio imaterial carioca pela lógica
empreendedora: o caso das atividades econômicas tradicionais e notáveis. 2018. 231 f. Tese (Doutorado em
Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Direito, 2018. Disponível em:
Maxwell (puc-rio.br) Acesso em: 30 jul. 2022.
7
A fim de registrar a trajetória da pesquisa, cabe narrar que, primeiramente, identificamos o potencial da análise
do processo de desenho institucional participativo estatal para a elaboração do Plano Diretor de 2007 de Nova
Friburgo, com destaque para as especificidades bem-sucedidas da administração local. Porém, o aprofundamento
na análise do caso permitiu compreender que, apesar do potencial democratizante, em razão do desenho
institucional participativo original empregado na elaboração do referido plano diretor, não se justificava a
inclusão como caso-referência na tese. Essa escolha se deve ao fato de que a disputa de narrativas históricas no
processo participativo em questão não estava presente de uma forma explícita, apesar de reproduzir a disputa
sobre modelo de cidade para Nova Friburgo.
27
participação ativa no Coletivo Nova Friburgo 200 Anos pra Quem?8 e em reflexões solicitadas
à autora sobre o conflito a respeito da “revitalização” da Praça Getúlio Vargas por
representantes da Subseção da OAB com sede em Friburgo. Optou-se também por buscar
ancoragem na filosofia da história benjaminiana para a compreensão e crítica da perspectiva
temporal da construção e perpetuação da história local hegemônica (DE ROURE, 1938;
POMPEU, 1919; VALLE FILHO, 1928; CÚRIO, 1974).
Portanto, a opção pelo estudo detalhado desse conflito urbano ambiental da cidade,
que é protagonizado pelo Movimento Abraço às Árvores – SOS Praça Getúlio Vargas, está
ligada tanto a uma dimensão objetiva quanto subjetiva. A dimensão objetiva se revela por se
tratar de um exemplo significativo em relação a um contexto maior, dado pelo modelo de
produção neoliberal global de cidade e pelo processo de desdemocratização que se aprofunda
no Brasil. A dimensão subjetiva se dá em função da trajetória acadêmica da pesquisadora,
aliada a um engajamento jurídico-político com as questões urbanas da cidade que se
consolidaram no período doutoral.
Os estudos epistemológicos jurídicos críticos ocupam a maior parte da produção
acadêmica e docente da pesquisadora, que observava na produção do grupo de pesquisas
prático-teóricas – Laboratório de Direito e Urbanismo (LADU) do PROURB/UFRJ – a
realização prática dos estudos teóricos que vinha desenvolvendo com maior dedicação.
A dimensão subjetiva se consolida no período doutoral no PPGD/UFRJ, quando,
finalmente, a pesquisadora assume uma postura mais engajada, que reconhece o Direito como
mais uma arena em que se disputam as mesmas batalhas da política e que o pesquisador deve
colaborar para tornar visíveis os conflitos do presente, criando teses e visões que contribuam
para as lutas por direitos.
O convite da 9ª Subseção da OAB-RJ, com sede em Nova Friburgo, para a elaboração
de um artigo de circulação interna que traduzisse a questão jurídico-política envolvida no
conflito da Praça Getúlio Vargas surgiu porque a instituição recebia uma série de denúncias
relativas à ausência de transparência e gestão democrática no processo decisório sobre o
futuro da praça, por parte dos cidadãos e movimentos sociais, capitaneado pelo Movimento
SOS Praça. Naquele momento, os representantes da OAB identificaram a pesquisadora como
apta a analisar o caso, e relatavam uma grande dificuldade de acesso aos documentos jurídicos
8
O Coletivo 200 Anos pra Quem? é um grupo de cidadãos de diversas áreas de atuação, especialmente
historiadores locais e educadores da cidade, concebido com o propósito de debater e desvelar as contradições
históricas do discurso da “Suíça brasileira”.
28
9
Nesse sentido, conferir estudos de Francisco Mata Machado Tavares, que centraliza a questão fiscal em sua
interpretação da pós-democracia brasileira (TAVARES, 2017; TAVARES; BENEDITO, 2018; TAVARES;
RAMOS, 2018).
30
institucionais e sociais, mais especificamente os seus impactos nas políticas urbanas. Com
esse fim, adota como referência o conceito de democracia desenvolvido na investigação
macrossociológica de Charles Tilly, na obra Democracy (2007), sem perder de vista o
contexto histórico peculiar do autoritarismo brasileiro (Schwarzman, 2007; Schwarcz, 2019).
Assim, a ideia de democracia de Tilly (2007), que a entende como um processo, será adotada
no limite do que se adequa ao contexto do sul global, articulada ao sentido de
desdemocratização de Aníbal Quijano (2002, 2008).
A partir desses marcos teóricos será delineada, em linhas gerais, a longa trajetória de
construção da democratização da política urbana brasileira. Em seguida, se adentrará a
conjuntura contemporânea de abrupta desdemocratização, especificando o sentido adotado na
pesquisa e como esse processo vem se manifestando no Brasil.
O item seguinte apresentará aspectos do processo abrupto de desdemocratização,
como fenômeno de esvaziamento das democracias mundiais, e seus reflexos no retrocesso
acelerado da política urbana brasileira. A desdemocratização entendida em uma conjuntura
neoliberal que apresenta retrocessos normativos, institucionais e sociais no Brasil,
especialmente no pós-golpe de 2016.
A democracia não é um ponto final, mas uma dimensão na qual os países se movem
continuamente como condição material de possibilidade para as lutas por direitos. Segundo
Charles Tilly, a democracia só pode ser compreendida com o foco no processo, pois assim
haveria um processo de democratização com a inclusão ampla e igual dos cidadãos na esfera
pública. Por outro lado, o processo de “desdemocratização significa um movimento líquido
em direção a uma consulta mais restrita, mais desigual, menos protegida e menos mutuamente
vinculante”10 (2007, p. 59, tradução nossa).
No livro Democracy (TILLY, 2007), o autor elabora um estudo comparativo dos
processos de construção e desconstrução de democracias em diferentes países para
desenvolver sua teoria sobre os mecanismos fundamentais de democratização e
desdemocratização. Na sua concepção, a democracia liberal é apresentada antes como um
extremo do qual países se aproximam ou se afastam em uma trajetória dinâmica e reversível.
As democracias não seriam formações acabadas e estáticas, passíveis de serem conformadas a
10
No original: “[...] de-democratization means net movement toward narrower, more unequal, less protected,
and less mutually binding consultation.” (TILLY, 2007, p. 59)
34
uma lista fixa de condições necessárias ou suficientes capazes de apontar a existência ou não
do regime em algum local.
A pertinência da ideia de democracia em Tilly para a presente análise reside na
identificação do processo geral causando democratização e desdemocratização. Dessa forma,
o autor entende democracia para além da existência de critérios procedimentais, como um tipo
particular de constituição ou a existência de eleições competitivas, conforme prediz a
abordagem constitucional de democracia, considerada por ele reducionista (2007, p. 7). A
importância da contribuição de Tilly consiste ainda em procurar ampliar a análise para além
das instituições políticas, combinando aspectos culturais, históricos e sociais no que se refere
às relações entre cidadãos e Estado.
Considerando a compreensão de democracia como processo, segundo Tilly, que
desconsidera classificações do tipo “sim/não” (2007, p. 41), orienta-se em centralizar a análise
para além desse aspecto geral, buscando produções de sentido com um olhar decolonial, 11
como o de Quijano (2002, 2008). A orientação por esse olhar se deve ao fato de a análise de
Tilly partir da realidade de países do centro do capitalismo mundial, cujas trajetórias
históricas, sociais e políticas e cujo papel no sistema capitalista globalizado são diversos da
realidade do Sul Global12 e, portanto, do Brasil.
Assim, a elaboração do conceito de processo de desdemocratização de Tilly é
aproveitado no que é considerado compatível com a realidade estudada. Com isso, a
contribuição do autor que nota que a democratização é tipicamente um longo processo, ao
passo que a desdemocratização – de-democratization – costuma ser um processo abrupto e
definitivo, será levada em conta na análise, senão veja-se:
Em termos mais simples, a desdemocratização ocorre principalmente como
consequência da retirada por atores políticos poderosos e privilegiados de qualquer
consulta mutuamente vinculante existente, enquanto a democratização depende da
integração de um grande número de pessoas comuns na consulta13 (TILLY, 2007, p.
195, tradução nossa).
11
A decolonialidade procura transcender a colonialidade, a face obscura da modernidade, que se mantém
operando ainda nos dias de hoje em um padrão mundial de poder, como se especificará no capítulo seguinte.
Para Quijano (1992), a matriz colonial centrada na raça permanece na primeira onda colonial nas Américas, na
segunda na África e Ásia, e persiste nos dias de hoje.
12
Segundo Ballestrin: “A ideia de Sul Global funciona como uma metáfora que representa os países com um
passado colonial compartilhado na condição de colonizado; economias vulneráveis e dependentes pela inserção
no sistema-mundo moderno/colonial e injustiças estruturais irreparáveis pelos diferentes tipos de violência
colonial.” (2018, p. 13)
13
No original: “In simplest terms, de-democratization occurs chiefly as a consequence of withdrawal by
privileged, powerful political actors from whatever mutually binding consultation exists, whereas
democratization depends on integrating large numbers of ordinary people into consultation.”
35
14
Os debates que levaram à construção do ideário de reforma urbana ocorrem entre atores de movimentos
sociais, progressistas, ligados à Igreja, especialmente da Comissão da Pastoral da Terra, intelectuais ligados a
universidades, entidades de classe e partidos na clandestinidade.
15
O sentido que se adota de reforma urbana é amplo, conforme Nabil Bonduki: “O sentido que temos do
conceito de reforma urbana é amplo, relacionado às tentativas de regulamentar normas e intervenções urbanas
visando garantir o direito à cidade e à habitação, na perspectiva de fazer valer a função social da propriedade e
de limitar o direito absoluto de propriedade.” (2018, p. 9)
16
No decorrer dos anos 1970 a população urbana passa a ser superior à rural no Brasil; portanto, nessa década
ocorreram as transformações estruturais na urbanização brasileira. Em 1970, o Censo Demográfico do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indica o ponto de virada rural/urbano brasileiro ao constatar que a
população urbana passava a ser de 55,92%. Em 1960, o mesmo Censo Demográfico indicava 44,67% da
população vivendo em cidades no Brasil (IBGE, 2007).
36
17
O IAB assume historicamente um pioneirismo na reflexão e elaboração de uma política urbana nacional. Essa
afirmação remonta ao ano de 1953, em que o instituto organiza o III Congresso Brasileiro de Arquitetos,
realizado em Belo Horizonte. Nesse evento propôs-se que se editasse uma legislação para criar, no governo
central, um ministério especializado em habitação e urbanismo.
18
A inclusão de um capítulo sobre a política urbana no ordenamento jurídico brasileiro pode ser considerada
tardia, uma vez que a urbanização se inicia nos anos 1930 e tem seu auge nos anos 1970. Nesse período, o
legislador nacional teve a oportunidade de tratar do tema nas Constituições de 34, 37, 46, 67.
37
19
Registre-se que a inovação reside na inserção da função social da propriedade no rol de direitos fundamentais,
uma vez que o marco normativo que reconheceu a função social da propriedade no ordenamento jurídico é o
artigo 113, item 17, da Constituição de 1934, nos seguintes termos: 17) “É garantido o direito de propriedade,
que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar [...].” (BRASIL,
1934).
20
Cavallazzi e Araújo (2004, p. 234) alertam que, embora novas formas de apropriação da cidade tenham sido
legitimadas, manteve-se ainda uma postura conservadora quanto ao regime jurídico da propriedade do solo, da
legislação urbanística de loteamentos, uso e ocupação do solo, firmando-se apenas diretrizes e
instrumentalizando a política urbana, mas ficando aquém no que se refere à gestão urbanística.
38
urbanística, sem conflito com o Código Civil de 2002, na qualidade de lei geral. Assim, na
concepção das construções normativas contemporâneas, estas devem assumir princípios e
diretrizes em consonância com o Estatuto da Cidade, microssistema normativo que estabelece
a tutela das relações entre desiguais, protegendo os vulneráveis.
Segundo Cavallazzi (2014), no campo do Direito Urbanístico o microssistema do
Estatuto da Cidade para os vulneráveis se traduz em um processo de interpretação que tem
contribuído de forma essencial para a eficácia social da norma urbanística, sem conflito com o
Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002), na qualidade de lei geral. Logo, busca se afastar da
lógica patrimonialista e constituir um espaço de defesa dos vulneráveis.
Assim, em 2001 o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) regulamenta o capítulo
constitucional por lei federal, apresentando novas perspectivas para a agenda da reforma
urbana, e em dois anos é criado um aparato institucional federal com o surgimento do
Ministério das Cidades e do Conselho Nacional das Cidades. O Estatuto da Cidade reconhece
o direito à cidade pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro, em seu artigo 2º, I, em
uma formulação, advinda dos debates internacionais sobre meio ambiente, que combina o
direito à cidade com a noção de desenvolvimento sustentável: o “direito a cidades
sustentáveis”.
Com a fundação dessa nova ordem jurídica urbanística, nos anos posteriores
proliferaram legislações específicas sobre temas relativos às questões urbanas, como
saneamento ambiental, regularização fundiária, mobilidade e transporte, defesa social, terras
da União, entre outros. Essa intensa atividade legiferante criou expectativas
proporcionalmente elevadas de transformações nas relações de desigualdade (PEREIRA;
MILANO; GORSDORF, 2019). Dessa forma, nas últimas décadas vêm se constituindo os
principais marcos normativos institucionais do Direito Urbanístico: a Constituição Federal de
1988 (BRASIL, 1988) e o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001). Deve-se ressaltar ainda o
Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002) e a criação do Ministério da Cidades21 como signos do
processo de implementação desse recente e já consolidado campo jurídico.
Análises comparativas na área de estudos urbanos reconheceram avanços nas últimas
décadas na criação de espaços participativos nos governos de diversas cidades latino-
americanas, concretizados a partir de reformas de marcos normativos urbanos, sendo um dos
mais reconhecidos o Estatuto da Cidade de 2001 (BRASIL, 2001) no Brasil (HERNÁNDEZ,
21
Medida Provisória 103/2003 convertida na Lei nº 10.683/03. Essa lei foi revogada pela Medida Provisória
782/2017, mas mantém o Ministério da Cidade no seu artigo 21, II.
39
2017, p. 11), apesar das limitações impostas por um marco histórico patrimonialista e
autoritário no país.
No eixo das teorias democráticas participativas, os autores que tratam da participação
em uma perspectiva institucionalista, como o cientista político Archon Fung, chegaram a
apontar o Brasil como “epicentro de uma revitalização democrática e invenção institucional”22
(2011, p. 857, tradução nossa). Fung elencou o Brasil, ao lado do Canadá e da cidade de
Chicago, como lugares onde as políticas públicas realizaram reais projetos a partir de
inovações de democracias reformadoras (2015), sendo de amplo destaque na literatura
acadêmica a experiência do Orçamento Participativo de Porto Alegre (SANTOS, 1998;
ABERS, 2000; BAIOCCHI, 2003).
Com isso, pode-se afirmar que a construção de um novo arcabouço normativo
urbanístico promoveu avanços no processo de democratização da política urbana brasileira
que se proliferaram em iniciativas locais consideradas democratizantes e inovadoras no
âmbito institucional.
22
No original: “epicenter of democratic revitalization and institutional invention” (2011, p. 857).
23
Um marco dessa discussão a respeito do declínio democrático no mundo é a publicação, em 2015, da edição
de 25 anos do Journal of Democracy, sob o título de “Is Democracy in Decline?” (PLATTNER, 2015).
24
“[...] Brasil sofreu um golpe, isto é, uma situação de força em que alguns setores do aparato de Estado
mudaram as regras para o seu próprio benefício. Só que, desta vez, os protagonistas não foram os militares e sim
outros ramos do aparato repressivo (a procuradoria, o poder judiciário) e o Congresso. A questão que se
apresenta tem a ver com a natureza do regime que se inaugura com a deposição da presidente Dilma Rousseff. A
Constituição não foi revogada, mas sua vigência efetiva é incerta. As eleições permanecem, mas é sabido que
seus resultados são tutelados pelas classes dominantes. Há uma escalada repressiva, mas as liberdades civis ainda
40
análises sobre o recuo democrático no país, apesar de alguns autores apontarem que esse
“mal-estar” na democracia brasileira nos remete às manifestações de 2013 (AVRITZER,
2018).
Considera-se que o ano de 2016 é um marco de inflexão democrática não só no Brasil.
No mesmo ano, em diferentes partes do mundo, eventos foram capazes de questionar os
limites da democracia representativa, liberal e ocidental: na Inglaterra, um plebiscito
demonstrou a preferência majoritária dos ingleses pela saída da União Europeia; na Colômbia,
o referendo pelo acordo de paz com as FARC foi rejeitado pela maioria; nos Estados Unidos,
uma vitória inesperada elegeu o empresário Donald Trump para a presidência da maior
potência mundial (BALLESTRIN, 2017).
Santos (2017) propõe partir da análise do golpe parlamentar engendrado no
impeachment da presidenta Dilma Roussef considerando-o mais elaborado que o militar, por
substituir os ocupantes do governo eleitos por via não eleitoral, com uma fórmula
constitucional, realizada por atores de toga que naturalizam e revestem de civilidade a
violência contra os resultados eleitorais anteriores (SANTOS, 2017. p. 12). Apesar de
considerar a coincidência de argumentos entre os golpes brasileiros e outros golpes no mesmo
período em outras partes do mundo, visivelmente na América Latina, o autor considera o
golpe parlamentar de 2016 um fenômeno raro nas democracias representativas, chegando a
considerá-lo inédito.
Pochmann (2017) vai além, ao identificar uma inflexão do padrão das políticas
públicas no Brasil impulsionada pelo retorno do receituário neoliberal ao país desde o ano de
2016. Com a ascensão do governo Temer, o Brasil teria passado a conviver com sinais
importantes de esgotamento do ciclo político da Nova República (2017).
De fato, atualmente, como ocorreu na mercantilização da terra, do trabalho e do
dinheiro, promovida na institucionalização da economia de mercado capitalista, analisada por
Polanyi em sua célebre obra A grande transformação (2000), identifica-se um contexto de
retrocessos acelerados como sintoma de um novo impulso de remercadorização das
podem ser invocadas. Neste cenário, ainda é possível falar em democracia? (MIGUEL, 2018, p. 78, tradução
nossa). No original: “[...] Brasil sufrió un golpe, esto es, una situación de fuerza en la que algunos sectores del
aparato de Estado cambiaron las reglas para su propio beneficio. Solo que, esta vez, los protagonistas no
fueron los militares y sí otras ramas del aparato represivo (la procuraduría, el poder judicial) y el Congreso. La
cuestión que se presenta tiene que ver con la naturaleza del régimen que se inaugura con la deposición de la
presidente Dilma Rousseff. La Constitución no fue revocada, pero su vigencia efectiva es incierta. Las
elecciones permanecen, pero se sabe que sus resultados sufren la tutela de los grupos dominantes. Hay una
escalada represiva, pero las libertades civiles aún pueden ser invocadas. En este escenario, ¿aún es posible
hablar en democracia?”
41
25
Em seu livro clássico, A grande transformação, de 1944, Karl Polanyi traçou as raízes da crise capitalista até
os esforços para criar “mercados autorreguladores” em terra, trabalho e dinheiro. O efeito foi transformar essas
três bases fundamentais da vida social em “mercadorias fictícias”: “Trabalho é apenas um outro nome para
atividade humana que acompanha a própria vida que, por sua vez, não é produzida para venda, mas por razões
inteiramente diversas, e essa atividade não pode ser destacada do resto da vida, não pode ser armazenada ou
mobilizada. Terra é apenas outro nome para a natureza, que não é produzida pelo homem. Finalmente, o dinheiro
é apenas um símbolo do poder de compra e, como regra, ele não é produzido, mas adquire vida através do
mecanismo dos bancos e das finanças estatais. Nenhum deles é produzido para a venda. A descrição do trabalho,
da terra e do dinheiro como mercadorias é inteiramente fictícia” (2000, p. 94).
42
26
Desde 1972, a fundação Freedom House classifica anualmente todos os países independentes, atribuindo-lhes
pontos que variam de 1 (a pontuação melhor) a 7, em função das liberdades civis e dos direitos políticos
praticados (GASTIL, 1991).
27
No original: “Brazil is a democracy that holds competitive elections, and the political arena, though
polarized, is characterized by vibrant public debate. However, independent journalists and civil society activists
risk harassment and violent attack, and the government has struggled to address high rates of violent crime and
disproportionate violence against and economic exclusion of minorities. Corruption is endemic at top levels,
contributing to widespread disillusionment with traditional political parties. Societal discrimination and
violence against LGBT+ people remains a serious problem.”
28
“O Varieties of Democracy (V-Dem) produz o maior conjunto de dados global sobre democracia, com quase
30 milhões de pontos de dados para 202 países, de 1789 a 2020. Envolvendo mais de 3.500 acadêmicos e
especialistas de outros países, o V-Dem mede centenas de diferentes atributos da democracia. O V-Dem permite
novas formas de estudar a natureza, as causas e as consequências da democracia em seus múltiplos significados.”
(ALIZADA et al., 2021, tradução nossa). No original: “Varieties of Democracy (V-Dem) produces the largest
global dataset on democracy with almost 30 million data points for 202 countries from 1789 to 2020. Involving
over 3,500 scholars and other country experts, V-Dem measures hundreds of different attributes of democracy.
V-Dem enables new ways to study the nature, causes, and consequences of democracy embracing its multiple
meanings.”
43
Nesse contexto, a conjuntura atual da política urbana nacional vem sendo denunciada
também pelos jus-urbanistas29 que a identificam com termos como: desmonte, retrocesso,
descaracterização, inflexão conservadora, desdemocratização. Um exemplo dessa constatação
pode ser observada no Dossiê de monitoramento das políticas urbanas do governo federal
– Direito à cidade e reforma urbana em tempos de inflexão conservadora: monitoramento
dos ODS e da política urbana federal no governo Bolsonaro – 2021 (SANTOS JÚNIOR;
MOROSO, 2021) elaborado por pesquisadores, Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico
(IBDU) e FNRU, em que os termos inflexão conservadora, desmonte e retrocesso são
recorrentes.
Na atual conjuntura, que advém de uma política de mercado neoliberal, renovada pelo
fortalecimento de princípios ultraliberais e medidas de austeridade, considera-se que o cenário
de retrocessos normativos e institucionais deve ser compreendido como reflexo, e não causa,
de um processo mais amplo de desdemocratização no Brasil, que apresenta impactos também
nas políticas urbanas. Por essas razões, prefere-se tratar da desdemocratização a caracterizar
apenas como desmonte30 ou descaracterização da política urbana brasileira, que são reflexos
desse panorama mais amplo de desdemocratização.
Assim, apesar do esforço empreendido no processo de democratização brasileiro
desenhado pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana nos anos 1980, progressivamente
essas conquistas se concentraram na esfera política, em âmbito institucional e estatal,
produzindo normas constitucionais e um arcabouço jurídico urbanístico.
Nessa empreitada de compreensão do processo de desdemocratização e seus reflexos,
há que se reconhecer, ainda, a ambiguidade e até as limitações quanto ao potencial
transformador dos citados marcos normativos urbanísticos. Inclusive do Estatuto da Cidade,
que apresenta dispositivos que refletem demandas conflitantes com a agenda da reforma
29
Ao tratar dos jus-urbanistas, pretende-se referir aos juristas e demais profissionais do direito empenhados em
refletir e reconstruir cotidianamente o campo do Direito Urbanístico, de tradição crítica, que se constituiu e se
consolidou nas trincheiras de luta pela reforma urbana ao lado de entidades, coletivos e movimentos sociais no
Brasil.
30
Como exemplo da difusão da palavra desmonte ou descaracterização da conjuntura da política urbana
brasileira entre os acadêmicos que tratam da questão, especialmente os que atuam no campo do Direito
Urbanístico, a palavra é citada 18 vezes na obra 20 anos do Estatuto da Cidade: experiências e reflexões
(FERNANDES, 2021).
44
urbana, como o que disciplina a operação urbana consorciada em âmbito federal, bem como a
presença de elementos abertos que assumiram conteúdos distintos do seu propósito original
(PEREIRA, 2015).
A longa tramitação legislativa do Projeto de Lei do Senado Federal nº 181/89,
proposto pelo Senador Pompeu de Souza, que envolveu a participação de diversos atores e
interesses, incluindo o setor imobiliário, o FNRU, a organização Tradição, Família e
Propriedade (TFP), além de setores ligados às igrejas evangélicas, aponta para esse conflito de
interesses na construção do Estatuto da Cidade. Assim, o ordenamento jurídico de Direito
Urbanístico brasileiro deve ser entendido como uma unidade contraditória de demandas por
transformação e conservação da ordem jurídica das cidades (PEREIRA; MILANO;
GORSDORF, 2019).
Na esteira das políticas neoliberais dos anos 1990 em que proliferaram instrumentos
financeiros de base imobiliária no Norte Global, especialmente nos Estados Unidos e Reino
Unido, no Brasil os padrões de regulação jurídica da propriedade e do financiamento
imobiliário foram reestruturados de forma abrangente. Assim, se identifica no país um
processo de “desconstrução da habitação como um bem social e de sua transmutação em
mercadoria e ativo financeiro” (ROLNIK, 2017, p. 26).
O processo de financeirização do setor imobiliário se iniciou de forma sistemática
naquele período, a partir de ajustes macroeconômicos de reestruturação do capitalismo, com
transformações na regulação financeira visando à abertura do setor imobiliário ao mercado de
capitais em um ambiente financeiro mais “liberalizado”. Foi, então, criado um novo marco
regulatório destinado a aprofundar a aproximação e ampliar as conexões entre capital
financeiro e capital imobiliário. Pereira (2015) identifica os seguintes marcos legais desse
processo:
Os principais marcos legais desse processo foram a Lei n° 8.668, de 25 de junho de
1993, que introduziu os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) no ordenamento
jurídico do país; a Lei n° 9.514, de 20 de novembro de 1997, que criou o Sistema
Financeiro Imobiliário (SFI) e disciplinou os contratos de alienação fiduciária de
bens imóveis; a Lei n° 10.931, de 2 de agosto de 2004, que ampliou o rol de
instrumentos financeiros de base imobiliária que integravam o SFI e disciplinou o
instituto do patrimônio de afetação em incorporações imobiliárias; e também um
conjunto de dispositivos legais esparsos que concederam benefícios fiscais a
investimentos feitos nos títulos financeiros de base imobiliária criados nesse
contexto (PEREIRA, 2015, p. 87).
45
31
A partir de Marx, Harvey define capital fictício da seguinte forma: “Ele não é produto da mente delirante de
um banqueiro cocainômano de Wall Street, mas uma forma real de capital – dinheiro que se tornou mercadoria,
dotada de um preço. Embora o preço seja fictício, somos todos forçados a responder por ele (seja pagando uma
hipoteca, procurando juros para a nossa poupança ou contraindo empréstimos para alavancar um negócio)”
(2014, p. 172-173).
32
A expressão no original “real estate and financial complex” dá o título a um projeto de pesquisa coletivo
coordenado pelo referido autor. No período do doutorado sanduíche, tive a oportunidade de participar do
seminário Capitalisms and City (Capitalism and Economy), ministrado pelo professor do Departamento de
Geografia Manuel Aalbers (KU Leuven/University of Leuven, Bélgica) e comentado pela Dr. Verônica Conte,
integrante do grupo de pesquisa da minha supervisora do estágio doutoral na Unimib, professora Serena Vicari
Haddock. Cf.: Real Estate/Financial Complex (REFCOM). Disponível em: The Real Estate/Financial Complex
| REFCOM Project | Fact Sheet | FP7 | CORDIS | European Commission (europa.eu) Acesso em: 30 mar. 2020.
46
33
O FGTS funciona pelo depósito de 8% na conta vinculada de natureza privada, sob gestão pública,
configurando-se como uma poupança pública do trabalhador. A partir de 1967, passa a ser o principal funding do
Banco Nacional de Habitação (BNH) (ROLNIK, 2017, cap. 3)
47
34
“O Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU é uma associação civil, com atuação nacional desde
2005, que reúne profissionais, pesquisadores e estudantes para discutir, pesquisar e divulgar temas do Direito
Urbanístico. Atua como produtor de conhecimento, principal fonte de pesquisa e capacitação técnica na área no
país.” (IBDU, 2022). A pesquisadora consta no quadro de membros do IBDU.
35
No artigo “Função social da propriedade é o novo alvo do ativismo do atraso”, Alfonsin (2019) menciona o
conceito de desdemocratização a partir da referência do sociólogo Charles Tilly.
48
36
Esse é o caso do Conselho das Cidades, que havia se transformado em Conselho Nacional de Desenvolvimento
Urbano pela Lei nº 13.844/2019, com texto publicado anteriormente ao decreto.
49
37
No artigo “Cidadania na cidade: escolhas para o desenho institucional participativo no Plano Diretor do
Município de Nova Friburgo de 2007” foram apresentados os estudos iniciais da pesquisa sobre o PDP
friburguense (ASSIS; FAUTH; CAVALLAZZI, 2020).
38
Destaca-se que o citado artigo sobre escolhas de desenho institucional e suas consequências se tornou
paradigmático por inovar na análise conceitual e empírica da esfera pública “[...] on large institutions, trends,
and potential responses [...]” (FUNG, 2003, p. 338). Assim, esta proposta de viés institucionalista foge da
abordagem que visa a mudanças de grande escala e se pauta no pragmatismo para refletir sobre a melhoria da
qualidade da esfera pública a partir de projetos mais modestos.
50
39
No plano da regulamentação, o desenho participativo nacional foi traçado por Resoluções do Conselho das
Cidades, ligado ao Ministério das Cidades, como a Resolução nº 25, de 18 de março de 2005 (CONSELHO DAS
CIDADES, 2005a), que estabelece requisitos para a publicidade na elaboração do Plano Diretor (artigo 4º),
dispõe que a realização dos debates deve ser feita por segmentos sociais, por temas e por bairros, e exige também
que os locais de discussão sejam alternados (artigo 5º). Além disso, destaca a obrigatoriedade do Plano Diretor e
a regulamentação do processo participativo (2008b). A Resolução nº 34 define o conteúdo mínimo do Plano
Diretor Participativo (CONSELHO DAS CIDADES, 2005b).
51
Segundo Fung, a primeira escolha de design relevante se refere ao seu ideal de esfera
pública. Em Nova Friburgo, o desenho institucional participativo adotou a visão de que o
minipúblico é um fórum educativo que visa criar condições ideais para os cidadãos formarem,
articularem e refinarem opiniões sobre problemas públicos específicos, por meio de conversas
entre si (FUNG, 2003, p. 340). Iniciaram-se os trabalhos em Nova Friburgo a partir de um
seminário organizado pelo governo federal ainda em 2004.
O caráter educativo do minipúblico foi delineado com base em uma política do
governo federal que, por meio do Ministério das Cidades e com o apoio do Conselho das
Cidades, lançou, em maio de 2005, a Campanha Nacional Plano Diretor Participativo –
Cidade de Todos. Nesse sentido, o Ministério das Cidades instalou, na época, núcleos
estaduais da campanha do Plano Diretor. Esses núcleos contavam com o “kit da campanha do
Plano Diretor”40 para auxiliar no processo de capacitação dos agentes que trabalhariam na
elaboração dos planos diretores municipais.
Mais tarde, a criação da Secretaria Executiva do Pró-Cidade pela administração
municipal passa a liderar o processo da elaboração do Plano Diretor. Em 11 de novembro de
2005 é inaugurada a Casa do Plano Diretor, em um lugar de fácil acesso para a população no
Centro da Cidade, que visava permitir o acesso aos documentos e informações acumulados e
realização de algumas reuniões. O espaço ficava aberto de segunda a sexta-feira, em horário
comercial. Iniciativas como a criação de um programa de rádio, “A Hora do Plano Diretor”, o
livro Conhecendo Friburgo, obra interativa que permitia um passeio pela cidade, (BRASIL,
2005, p. 64) e o Concurso de melhor redação e melhor desenho entre estudantes da rede
pública, com o tema “A Cidade que Temos e a Cidade que Queremos” (CAIXA, 2018, p. 6),
reforçam a visão educativa desse desenho institucional.
40
O kit era composto por um vídeo, uma cartilha, um jogo, dois CDs-Rom e um manual do capacitador
(PEREIRA, 2009, p. 17).
52
artigo 131, inciso VI, alínea c (NOVA FRIBURGO, 2007), a gestão orçamentária
participativa entre os instrumentos de democratização da gestão urbana, identificada por Fung
como exemplo de governança democrática participativa, mas essa instância nunca funcionou
na prática, também por falta de regulamentação da Câmara Municipal. Essa visão de
minipúblico é percebida no presente trabalho como um parâmetro ideal para uma participação
política substancial que vai além de uma ação política.
A segunda questão a ser enfrentada na escolha do design seria quem deveria participar
do minipúblico, ou seja, o recrutamento dos participantes. No caso da elaboração do PDP em
questão, o recrutamento para a fase de elaboração da metodologia, para a eleição da comissão
de acompanhamento e para as reuniões setoriais, foi diferente do definido para a elaboração
do Plano Diretor em si. Nas reuniões prévias para a elaboração da metodologia os
participantes foram selecionados por meio de convites às associações de moradores, entidades
acadêmicas, profissionais, organizações não governamentais, entidades religiosas e
assistenciais e sindicatos de trabalhadores para as 10 reuniões realizadas que reuniram apenas
87 pessoas no total (PEREIRA, 2009, p. 74).
A Comissão de Acompanhamento foi eleita pelos presentes no seminário de
lançamento do processo de elaboração do Plano Diretor, no qual foram selecionados 21
membros apenas entre representantes de entidades civis e movimentos sociais, na mesma
proporção de representação adotada na Conferência das Cidades. A comissão realizava
reuniões específicas com a equipe do Plano Diretor, abrindo espaço para os questionamentos
e sugestões que ela trazia do restante da sociedade civil. Foram realizadas, ainda, reuniões
setoriais com grupos geralmente marginalizados, como no caso da associação de loteamentos
irregulares, para dar voz a esses grupos, além das reuniões realizadas apenas com os membros
da Comissão de Acompanhamento (PEREIRA, 2009, p. 78).
Por outro lado, nas reuniões gerais se utilizou o meio mais comum de recrutamento, a
autosseleção voluntária, já que as reuniões e atividades públicas eram abertas a todos que
desejassem participar. Fung identifica que o problema de as pessoas aparecerem
voluntariamente nas reuniões é que, em geral, são os mais ricos que comparecem, por terem
mais tempo, interesses e recursos para isso (2003, p. 342).
55
O assunto a ser tratado estava previsto pelo Estatuto da Cidade, principalmente em seu
artigo 40, como “instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”
(BRASIL, 2001), integrando assim o processo de planejamento municipal. Em relação às
questões urbanas locais, é evidente a vantagem comparativa dos cidadãos, como destinatários
diretos das políticas públicas, para contribuir com informações sobre suas preferências e
valores em relação a outros atores, como políticos, administradores e interesses organizados,
apesar de muitas decisões envolverem questões técnicas de difícil compreensão pelo cidadão
comum.
Daí a importância de técnicos especializados integrando a equipe do Plano Diretor
responsável pelo trabalho de articulação e confecção do documento, que, apesar de contar
apenas com três profissionais de campos diferentes, dispunha de assessoria técnica em
diversas áreas via Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) (PEREIRA, 2011,
p. 166), que treinou em geoprocessamento um geógrafo e um engenheiro agrimensor da
equipe que integrava a Secretaria Municipal do Pró-Cidade (PEREIRA, 2009, p. 77).
Como dito anteriormente, nas reuniões gerais foram aplicados questionários sobre os
temas pertinentes ao Plano Diretor com as notas em relação à localidade do participante.
Assim, a equipe conseguiu identificar os temas que mais atraíam a atenção das pessoas pelas
menores notas comparativamente e, a partir desse resultado, decidiram realizar seminários
temáticos de três pontos: Meio Ambiente e Moradia Digna; Uso e Ocupação do Solo;
Mobilidade e Transporte (PEREIRA, 2009, p. 80-81). Dessa forma, o processo de elaboração
do Plano Diretor conseguiu apresentar temas mais atrativos aos seus participantes.
d) Estilo deliberativo
56
e) Interação e recorrência
f) Objetivo
41
No original: “[...] public spheres should be constructed in ways that, first and foremost, allow those without
voice and will to find and form it.”
57
g) Empowerment
42
No original: “Participants will invest more of their psychic energy and resources into the process and so make
it more thorough and creative.” Por outro lado, o autor reconhece que “não temos evidências empíricas quanto a
méritos relativos e circunstâncias apropriadas, de uma deliberação quente versus fria”. (FUNG, 2003, p. 345,
tradução nossa). No original: “we have no empirical evidence regarding the relative merits, and appropriate
circumstances, of hot versus cold deliberation.”
58
h) Monitoramento
norma por falta de regulamentação silenciou essas vozes, não permitindo a criação de espaços
participativos previstos nesse instrumento legal.
Apesar de o Estatuto da Cidade ter determinado, em seu artigo 40, § 3º, que a lei que
institui o Plano Diretor deveria ser revista, pelo menos, a cada dez anos (BRASIL, 2001), a
revisão permanece ainda hoje pendente de aprovação na Câmara de Nova Friburgo. A revisão
foi realizada pela prefeitura e enviada para a aprovação da Câmara Municipal em 2015. O
Legislativo Municipal se manteve imóvel, apesar de expirado o prazo, e não foi mais
apresentada nenhuma revisão pelas duas gestões municipais posteriores a esse último envio,
até os dias de hoje. Dessa forma, o município encontra-se em atraso há cerca de cinco anos na
apresentação da revisão do Plano Diretor, revelando mais uma vez os reflexos do processo de
desdemocratização atual, no nível local, em relação às políticas urbanas.
Ressalta-se que a revisão elaborada em 2015 não seguiu o desenho participativo ora
explicitado. A elaboração iniciada um ano antes contou com 38 reuniões, mas não apresentou
especificidades da experiência do PDP de 2007, como a participação da população para
decidir sobre a metodologia, um espaço específico para reuniões e comunicação com a
população como a Casa do Plano Diretor, até porque não contava com a estrutura de apoio
nacional de 2007.
Outros aspectos a respeito da desdemocratização da política urbana local serão
tratados nos próximos capítulos, em que serão apresentadas, principalmente por meio do
estudo do caso-referência, a restrição na transparência das ações da municipalidade e o
distanciamento entre cidadão e o Estado com a redução das esferas públicas participativas.
60
A obra do italiano Ítalo Calvino, Le città invisibili, desde a sua publicação em 1972,
continua fascinando leitores e despertando o interesse de estudiosos da cidade, do urbano e da
literatura. Esse interesse que perdura depois de décadas decorre do potencial do livro, que
43
No original: “la estructura colonial de poder produjo las discriminaciones sociales que posteriormente fueron
codificadas como ‘raciales’, ´etnicas´, ‘antropologicas’ o ‘nacionales’”.
44
No original: “colonizacion del imaginario de los dominados”
45
Segundo o próprio autor italiano: “Si dicono classici quei libri che costituiscono una ricchezza per chi li ha
letti e amati; ma costituiscono una ricchezza non minore per chi si riserba la fortuna di leggerli per la prima
volta nelle condizioni migliori per gustarli” (CALVINO, 1995). “Dizem-se clássicos aqueles livros que
constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se
reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições de apreciá-los” (tradução nossa).
46
No original: “Potrei dirti di quanti gradini sono le vie fatte a scale, di che sesto gli archi dei porticati, di quali
lamine di zinco sono ricoperti i tetti; ma so già che sarebbe come non dirti nulla. Non di questo è fatta la città,
ma di relazioni tra le misure del suo spazio e gli avvenimenti del suo passato [...]”
62
47
No original: “Ma la città non dice il suo passato, lo contiene come le linee di una mano, scritto negli spigoli
delle vie, nelle griglie delle finestre, nei corrimano delle scale, nelle antenne dei parafulmini, nelle aste delle
bandiere, ogni segmento rigato a sua volta da graffi, seghettature, intagli, svirgole.”
63
vez que aquela reconhece o papel do espaço como catalisador no processo de transformação
ou da temporalidade, contrapondo-se às noções de cidade como cenário ou espaço inerte.
Com isso, o espaço passa a servir como fonte, como um arquivo ou um registro, na medida
em que se lê, na história da organização do espaço da cidade, as formas de relação social e
econômica, entre outras.
A seção Marco de origem: uma colônia “plantada” pelo café especifica a história
da ocupação territorial da região em que hoje se situa a cidade de Nova Friburgo, que já foi
ocupada por povos indígenas, e o processo de devastação da mata atlântica, inicialmente para
busca do ouro. Em seguida, a influência do café prevalece na região e, posteriormente, a
colonização suíça e alemã passa a exercer um importante papel nessa organização espacial,
delimitando o que se denomina colonialidade (QUIJANO, 1992, 2005) como estrutura
colonial de poder.
Como contexto sociopolítico necessário para a industrialização posterior, apresenta-se
a urbanização da cidade, principalmente a partir da introdução da ferrovia Leopoldina
Railway, com o rápido crescimento demográfico e espacial, acompanhado da modernização
econômica e social que transformou a vila em cidade (MAYER; ARAÚJO, 2003, p. 16).
Em outro momento, a pesquisa propõe que a industrialização alemã em Nova
Friburgo, forjada com a urbanização da cidade, configura-se como uma reinvenção na
perspectiva de manter a hegemonia da colonialidade (QUIJANO, 1992, 2005) na cidade, uma
colônia “plantada” pelo café (DEFFONTAINES, 1944), por meio da construção de uma
dimensão mítica da história de Nova Friburgo. O mito fundador é construído em uma
articulação entre empresários alemães e uma elite política modernizadora, a partir do mito da
“Suíça brasileira” (ARAÚJO, 1992, 2018b), inventado e consolidado no período histórico
entre 1910 e 1960, mas que se perpetua e se renova nos tempos atuais, como se verá adiante.
A construção teórica sobre o mito da “Suíça brasileira” introduzida no debate a
respeito da história da cidade pelo historiador João Raimundo Araújo (1992, 2018b) foi o
ponto de partida para o aprofundamento desses estudos sobre a história regional e local, 48 bem
como para a reflexão das raízes históricas que estabelecem obstáculos para democratização
das políticas urbanas da cidade e do próprio direto à cidade, como se especificará nos
capítulos seguintes.
48
O artigo “Uma colônia plantada pelo café: reflexões sobre a gênese de Nova Friburgo” (ASSIS, 2018),
apresentado no XV Seminário de História da Cidade e do Urbanismo: a cidade, o urbano e o humano, foi fruto
desses estudos iniciais para a presente pesquisa.
64
49
Lamounier, ao tratar do pessimismo da linhagem historiográfica que precedeu Schwartzman, está se referindo
claramente aos intérpretes do Brasil responsáveis pelo que entendemos por identidade nacional. A tríade mais
celebrada entre os intérpretes é composta por Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Caio Prado Jr e suas
obras clássicas: Raízes do Brasil ([1936], 2014), Casa-grande & senzala (1933) e Formação do Brasil
contemporâneo ([1942], 2011).
65
todos nós, percebendo os acontecimentos por uma ótica digna do Dr. Pangloss?” (2009, p.
54). Lamounier utiliza metaforicamente o personagem Dr. Pangloss, da sátira Cândido, ou o
otimismo, de Voltaire (1759), para quem o futuro da humanidade seria o melhor dos mundos
possíveis. Dr. Pangloss representa a filosofia leibniziana criticada por Voltaire, segundo a
qual se está sempre no melhor dos mundos e o bem sempre triunfa sobre o mal.
Essa crítica ao tempo linear e ao progresso também está presente na obra
benjaminiana, conforme destacado anteriormente. Soma-se ao eco dos autores críticos da
lógica do progresso o historiador Koselleck (2006), ao atribuir esse “otimismo” à ideia de
“aperfeiçoamento” como chave para compreender a modernidade, cujo início remontaria ao
final do século XVIII. Nesse sentido, o futuro teria sido esperado como melhor que o passado
pela construção de expectativas apoiadas no progresso, sem a necessidade de apoio na
experiência.
Assim, Lamounier lança mão da figura do personagem de Voltaire como forma de
expressar o ambiente de otimismo em torno do futuro da democracia brasileira vivenciado na
primeira década do século XXI (2009).
Retornando à pergunta de Lamounier sobre o otimismo a respeito da democracia
brasileira: com a emergência de uma onda de governos conservadores ultraliberais pelo
mundo nos últimos anos, em países que adotam a narrativa autoritária como Estados Unidos,
Polônia, Hungria, Rússia, Itália, Israel, representada pela ascensão do governo Bolsonaro no
Brasil (SCHWARCZ, 2019), a resposta é inevitável: nós erramos!
Nesse sentido, Schwarcz (2019)50 pondera que não existe uma continuidade mecânica
entre o nosso presente e o nosso passado, mas a raiz autoritária de nossa política corre o risco
de prolongar-se no momento em que vivemos uma onda conservadora nos cenários
internacional e nacional que traz consigo novas batalhas pela “verdadeira” história.
No mesmo sentido, Bauman escreve a sua ideia de retrotopia, ao visualizar essa onda
de retrocessos sociais e de mentalidade coletiva, que se reflete ainda em uma era de
desdemocratização na Europa e no Sul Global.
Em um momento em que não havia lugar para a esperança na Europa, Benjamin falava
em “organizar o pessimismo” para se reconhecer no passado frustrado dos vencidos uma
injustiça ainda vigente. O autor converte o filósofo em catador de ideias e versões esquecidas
da história, oferecendo novas visões, a partir do recolhimento de dejetos (MATE, 2011, p. 33-
39).
50
A autora considera que o autoritarismo no Brasil tem por base o tripé: patrimonialismo, escravidão e
mandonismo (2019).
66
51
A expressão “meia-noite do século” foi tomada por Mate (2011) da obra de Victor Serge S’il est minuit dans le
siécle (Gasset, Paris, 1986) publicada em 1940, que trata da repressão stalinista contra seus opositores.
52
Tradução da expressão Feuermelder, que intitula um capítulo da obra Rua de mão única, de Benjamin (2011).
Löwy resgata essa expressão ao intitular seu estudo sobre as teses benjaminianas de alarme de incêndio,
“premonição histórica das ameaças do progresso” (2005, p. 23), uma vez que, para o referido autor, “toda sua
obra pode ser considerada como uma espécie de ‘aviso de incêndio’ dirigido a seus contemporâneos, um sino
que repica e busca chamar a atenção sobre os perigos iminentes que os ameaçam, sobre as novas catástrofes que
se perfilam no horizonte” (2005, p. 32).
53
Ao ser detido pela polícia espanhola no caminho de sua fuga da Europa, Benjamin decidiu envenenar-se, pois
sabia que no dia seguinte seria entregue às autoridades francesas e, portanto, à Gestapo.
67
Vale relembrar a íntegra da tese IX, que o autor escreveu sobre a imagem adquirida
por ele na juventude, em um de seus últimos escritos mencionados anteriormente, um pouco
antes de seu suicídio para que não fosse capturado, por ser judeu, pelas tropas nazistas que
ocupavam a Europa nos anos 1940:
Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que
parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão
escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse
aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de
acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína
sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os
mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em
suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele
54
Outras importantes referências sobre tempo e história podem dialogar com a visão benjaminiana, como a ideia
de Sankofa, que parte da concepção africana de história. A Sankofa (Sanko = voltar; fa = buscar, trazer) origina-
se de um provérbio tradicional entre os povos de língua Akan, da África Ocidental, em Gana, Togo e Costa do
Marfim. A tradução do provérbio seria “não é tabu voltar atrás e buscar o que esqueceu”, o conceito é descrito
como o movimento de retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro. Como um símbolo
Adinkra, Sankofa pode ser representada como um pássaro mítico que voa para a frente, tendo a cabeça voltada
para trás e carregando no seu bico um ovo – o futuro.
68
55
O trecho transcrito é o mais célebre de Walter Benjamin, o mais citado e interpretado do autor, tanto pela força
da alegoria, quanto pela sua dimensão profética, pela proximidade com Auschwitz e Hiroshima. Nele, o autor
não tem o compromisso de descrever a imagem do quadro que adquiriu na juventude, ele o enxerga com seus
óculos ao criar uma alegoria que expressa seus sentimentos e ideias.
56
Nos textos dos anos 1936 – 1940, Benjamin desenvolverá sua visão da história, dissociando-a das “ilusões do
progresso” hegemônicas no pensamento de esquerda alemão e europeu.
69
57
Há um duplo movimento que orienta ao mesmo tempo para o passado – a história, a rememoração – e o
presente – a redenção.
70
história da nação, recriar um passado, solidificar mitos de fundação, ordenar fatos buscando
homogeneidades em personagens e eventos até então dispersos” (SCHWARCZ, 1993, p. 99).
Nesse período foi operada uma volta ao passado, no sentido de uma construção da
historiografia brasileira capitaneada por institutos e outras instituições, como museus
etnográficos, pautados pela confiança na inevitabilidade do progresso e da civilização. O
passado foi revisitado como forma de invenção de uma memória de uma nação, no sentido
moderno, que se criava.
A fundamentação histórica de um projeto nacional foi estabelecida a partir da
construção de uma tradição inventada. Como afirmam Hobsbawm e Ranger, “toda tradição
inventada, na medida do possível, utiliza a história como elemento legitimador e de coesão”
(1984, p. 21). Essa concepção da historiografia brasileira parte da ideia de um tempo
homogêneo, vazio e linear, bem como da idealização de um progresso contínuo. Esse ideário
dá base para a construção do mito da “Suíça brasileira” sobre a fundação da cidade de Nova
Friburgo no mesmo período, sendo que o discurso de um dos membros do IHGB, o homem de
sciencia Agenor de Roure, é um dos marcos principais dessa construção, conforme se
especificará adiante.
Contemporaneamente, a partir do insight benjaminiano contido em seu testamento
espiritual de 1940, Zygmunt Bauman, em seu livro póstumo, examina o quadro de Klee e
visualiza mais uma vez o Anjo da História em pleno voo. Quase um século depois, o
observador visualiza que o anjo muda a sua direção em 180 graus ao virar seu rosto do
passado para o futuro. O anjo não consegue mais fechar suas asas, que são empurradas para
trás por uma tempestade que se ergueu no “inferno de um futuro imaginado, antecipado e
temido de antemão, na direção do paraíso do passado” (2017, p. 8).
Nessa perspectiva, “progresso e retrocesso trocaram de lugar” (BAUMAN, 2017, p.
11). Essa guinada de 180 graus do humor e da mentalidade pública tem por consequência o
investimento das esperanças públicas em um passado agora valorizado por uma suposta
estabilidade e confiabilidade, em que o futuro perde seu status de habitat natural de
esperanças e expectativas. Ambas as ideologias – a do progresso e a do retrocesso – se
inserem numa dimensão conservadora de temporalidade, como se verá no decorrer da
pesquisa, construindo e depois reafirmando a colonialidade do mito da “Suíça brasileira” na
cidade estudada.
Assim, no revezamento da história, os ventos de progresso são substituídos pelos
ventos de nostalgia, a “epidemia frenética de progresso” é substituída pela “epidemia global
71
Assim, Bauman aponta que a visão de futuro como caminho de fracasso e decepção
hoje faz emergir retrotopias,58 que seriam “visões instaladas num passado
perdido/roubado/abandonado, mas que não morreu, em vez de se ligarem a um futuro ‘ainda
todavia por nascer’ e, por isso, inexistente” (2017, p. 10). A retrotopia é essa busca no passado
de elementos que nos forneçam uma perspectiva de futuro, ainda que ilusória. Desse modo, a
retrotopia deriva da noção de utopia criada quinhentos anos antes por Thomas Moore, que
corresponde a uma negação da ideia de progresso e busca na nostalgia do passado suplantar as
necessidades do futuro (2017, p. 10).
Nesse contexto de generalizada desesperança em relação ao futuro e às utopias,
desponta a “era da nostalgia” como mecanismo de defesa, de encantamento com o passado.
Nostalgia de tradições fantasiosas, em que se renuncia ao pensamento crítico em prol de um
vínculo afetivo que confunde o lar verdadeiro com o lar imaginário (BAUMAN, 2017, p. 10).
A tendência retrotópica que surge da desconfiança do futuro gera sonhos de um passado que
nunca foi.
58
Segundo o historiador Hugo Hruby, “o verbete retrotopia ainda não consta nos dicionários. Trata-se de
neologismo retrabalhado, e não criado por Bauman, todavia somente com seu livro o termo difunde-se” (2020).
O historiador, em resenha à obra de Bauman, aponta para a existência de publicações da década de 1970. Cita
ainda o artigo Retrotopia: critical reason turns primitive, de 1998, e o capítulo em Schools of thought:
twenty-five years of interpretative social science, de Istvan Rev. O substantivo retrotopia aplica-se à visão dos
intelectuais de esquerda, principalmente nos países europeus, na década de 1960, ao desviarem-se da utopia
orientada para o futuro e voltarem-se para tempos românticos pré-revolucionários em comunidades camponesas
(HRUBY, 2020).
72
Essa criação de sonhos de um passado que não existiu daquela forma é um campo
privilegiado para a desconfiança e o regresso a um passado mitificado, que nunca existiu
realmente, do qual se selecionam apenas algumas partes, numa replicação mais imaginária do
que real.
Esse olhar para o passado difere da proposta de benjaminiana de que a história
caminharia rumo a outros futuros se o “catador” despertar no passado “as centelhas da
esperança” a partir do convencimento de que “os mortos não estarão em segurança se o
inimigo vencer” (1987, p. 224-225).
Segundo Peter Szondi, Benjamin volta ao passado, que é aberto e incompleto como
promessa de um futuro. Nas palavras do autor: “O tempo verbal de Benjamin não é o pretérito
perfeito, mas o futuro do pretérito na plenitude desse paradoxo: sendo futuro e passado ao
mesmo tempo.” (1986, p. 153)
Seguindo a mentalidade retrotópica, a história escolhida para ser reproduzida é a
mítica e não a dos oprimidos. Assim, ao invés de arrancar a tradição do conformismo, de
acordo com a diretriz benjaminiana, a tendência retrotópica é gerar confiança e conformismo
com uma construção mítica de um passado.
Acompanhando esse trajeto benjaminiano, o futuro democrático brasileiro e a
redemocratização das políticas urbanas brasileiras não surgirão como mera invenção, mas
devem se reconstruir com base em materiais existentes, ao se repensar criticamente a história
como fonte para a luta por futuros democráticos melhores.
Como se verá adiante, a potencialização da institucionalização e luta pelo direito à
cidade como perspectiva de um novo modo de vida transformador se enquadra nessa
necessidade de volta ao passado como construção de outros futuros e no questionamento de
quais planos devem ser ressuscitados do passado.
Nesse contexto, a presente pesquisa pretende resgatar a história da cidade com um viés
crítico na busca dos dejetos da história de Nova Friburgo a partir da desvelação da construção
do mito da “Suíça brasileira”, tradição inventada. Adiante, será abordada a reinvenção
contemporânea do mito como movimento retrotópico, que se alimenta no contexto atual de
desconfiança no futuro e apagamento da história dos vencidos da cidade.
73
59
Ressalta-se que o colonialismo presente na época difere do que denominamos colonialidade, uma vez que
aquela é a relação de dominação direta política, social e cultural dos europeus sobre os conquistados, sendo que
o colonialismo como poder político explícito foi destruído com o passar do tempo (QUIJANO, 1992, p. 14).
60
A região abrange 13 municípios, localizados entre a Serra do Mar e o Rio Paraíba do Sul. São eles: Bom
Jardim, Cachoeiras de Macacu, Cantagalo, Carmo, Cordeiro, Duas Barras, Macuco, Nova Friburgo, São
Sebastião do Alto, Santa Maria Madalena, Sumidouro, Trajano de Moraes e Teresópolis.
74
cedros, entre outras árvores que futuramente serviriam de madeira à Corte Imperial
(CORRÊA, 2011, p. 27).
Os Sertões do Leste pertenciam ao município de Santo Antônio de Sá, conhecido
como Macacu. Até o início do século XVIII, a região era habitada por índios das tribos
Coroados, Puris e Coropós (ERTHAL, 1992). Segundo a Carta Topográfica da Capitania
do Rio de Janeiro de 1767, do sargento-mor Manuel Vieira Leão, a região era um “certão
occupado por indios brabos” (LAMEGO, 1963, p. 216).
Em meados do século XVIII, por ocasião do pedido de Maurício Portugal à
Intendência Geral do Ouro, foi concedida autorização para a abertura de um garimpo na
região, rapidamente revogada por ordem do Vice-Rei, determinando o fechamento de todos os
garimpos e a destruição de todas as fazendas que estavam localizadas na base da Serra do Mar
(MARRETTO, 2018, p. 41). Com isso, essa região foi oficialmente interditada para que
através dela não se evadisse clandestinamente o ouro extraído de Minas Gerais, o que explica
a sua ocupação tardia (LAMEGO, 1963; ERTHAL, 1992).
Assim, apenas no final da década de 1770, com o exaurimento das jazidas em Minas
Gerais, a região foi ocupada por um grupo de garimpeiros sob a liderança de Manoel
Henriques, conhecido pela alcunha de “Mão de Luva”, 61 contrabandista fugitivo que invadiu
os Sertões do Leste em busca de ouro nos afluentes dos rios Grande, Negro e Macuco
(LAMEGO, 1963, p. 217).
“Mão de Luva”62 é um personagem histórico controverso, posto que uma lenda
romântica o liga à nobreza portuguesa: ele seria o Duque de Santo Tirso, apaixonado pela
futura D. Maria I, mas conspirando contra Pombal, que o teria enviado para o Brasil. Antes da
partida, a então princesa, em visita ao cárcere, teria lhe dado uma luva preta. Por morte do Rei
D. José, o Vice-Rei do Brasil teria recebido ordens expressas de obstar a volta do exilado que,
desiludindo-se, teria se embrenhado pelas selvas brasileiras (LAMEGO, 1963).
O famoso contrabandista teria sido perseguido por diligência, provavelmente dirigida
por Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, que fazia registro e ronda de patrulha. Outra
diligência de 1786, comandada pelo tenente-coronel Manuel Soares Coimbra e outros, em um
61
O bando de “Mão de Luva” era composto por homens brancos, pardos e escravos, conforme lista enviada para
São Martinho ao governador das Minas com a relação dos homens presos na noite de 13 de maio de 1786, sendo
10 brancos, 3 pardos e 24 negros escravos dos ditos brancos (Arquivo Nacional, p. 69 apud OLIVEIRA, 2008, p.
131).
62
Ludwig Wilhelm Von Eschwege, mineralogista alemão, na obra Pluto Brasiliensis, narra seu encontro com o
famoso contrabandista descrevendo-o como “[...] mulato ativo e atrevido, que entrara já em muitas desordens.
Em uma delas perdera uma das mãos, que ele substituíra [...] por uma de couro, razão pela qual foi desde logo
conhecido e temido pela alcunha de Mão de Luva” (ESCHWEGE, 1944, p. 139).
75
63
Como Lamego confirma a origem portuguesa de “Mão de Luva” (1963, p. 217), o fato de o mineralogista
Ludwig Wilhelm Von Eschwege descrevê-lo como mulato possivelmente decorre de uma mentalidade racista
por ser ele um bandido, contrabandista.
64
A tradição oral diz que o nome Cantagalo surge do episódio da prisão do “Mão de Luva” e seu bando, quando
as tropas perdidas na floresta localizaram o arraial pelo canto de um galo (LAMEGO, 1963, p. 219).
65
Destaca-se que o marco da ocupação por sesmarias e engenhos nos Sertões do Leste foi a freguesia de Santo
Antônio de Casserebu, institucionalizada em 1644, que atualmente comporta a cidade de Itaboraí (FRIDMAN,
2011, p. 7).
66
Ressalta-se que, no ultramar, villas ou cidades e lugares ou arraiais eram classificados em função da existência
ou não de autonomia judiciária e administrativa. Com isso, todos concelhos da América portuguesa tinham por
sede uma villa ou, excepcionalmente, uma cidade, designação que se situava no topo da hierarquia das
designações urbanas (FONSECA, 2014, p. 657).
76
67
A imposição de que os imigrantes fossem apenas católicos se deve à preocupação da monarquia com as
revoluções que varriam a Europa e por ser a religião oficial do Estado. Apesar dessa imposição, havia
protestantes entre os imigrantes que chegaram à região (MAYER, 2003a, p. 28).
77
68
Os imigrantes, até esse momento, eram quase todos portugueses, com exceção de alguns holandeses no
Nordeste e poucos ingleses (MAYER, 2003b, p. 23). Somam-se a eles o fluxo de africanos para o trabalho
escravo.
78
69
A infertilidade das terras foi confirmada pelo Barão Von Tschudi que, em passagem por Nova Friburgo em
1860, integrando uma missão para tratar dos problemas da imigração suíça, relatou a precariedade dos terrenos
doados aos colonos da seguinte forma: “Mas as terras em questão não eram de molde a satisfazer nem as mais
modestas aspirações de um agricultor, a colônia toda assentava sôbre terreno íngreme e pedregoso, sulcado de
estreitos vales, apresentando como única vantagem os abundantes cursos dágua.” (TSCHUDI, 1953, p. 96).
79
A vila, que ocupa hoje principalmente a região central da cidade, dividia-se em quatro
partes, segundo o padre suíço Jacob Joye, 70 vigário designado para guiar a vida espiritual da
colônia de suíços. Na margem oeste do Rio Bengala ficava a administração da colônia, onde
moravam o inspetor e os funcionários portugueses. Do outro lado do rio estendia-se a cidade
em três bairros, onde ficavam as cem casas destinadas aos colonos. O primeiro bairro
compreenderia os 14 primeiros números; o segundo, do 15 ao 62, inclusive; e o terceiro, os
demais (Carta do Padre Joye apud NICOULIN, 1995, p. 293).
Os lotes destinados aos colonos formavam um retângulo de uma légua por três de
comprimento, dividido em 120 lotes de 300 braças por 750. Apenas cem lotes são doados aos
colonos em sorteio, e outros vinte são reserva (NICOULIN, 1995, p. 188), conforme se
visualiza no mapa apresentado na Figura 3 a seguir.
70
Segundo Marretto (2018, p. 74), o padre Jacob Joye era cavaleiro da Ordem de Cristo, vigário colado da
Freguesia de S. João Batista da Vila de Nova Friburgo, 1821; vereador, 1822; vereador, 1829; vereador, 1830;
juiz de paz do 1° e 2º distritos, 1835. Entre 1820 e 1850, foi proprietário de dois terrenos na vila e de três
escravos.
80
A escolha do local, para além do seu objetivo geral demográfico – identificado por
Emília Viotti da Costa como mote para a política de núcleos coloniais no período joanino
(2010, p. 107) –, serviria para o abastecimento de alimentos da metrópole, bem como ganhava
sentido na expansão das fronteiras da economia cafeeira, numa área onde o controle político-
administrativo se fazia necessário.
A escolha da Coroa pela Fazenda do Morro Queimado em região onde já havia
escravos e plantações de café,71 em vez de terras ao sul do Brasil, sugeridas por Gachet, bem
como a localização do núcleo colonizador entre a região cafeeira e a metrópole em terras mal
situadas e improdutivas, convinha aos senhores de terra da região, que não as pretendiam para
si. Soma-se a isso o clima frio que desaconselhava a produção de produtos comuns na
monocultura escravista brasileira como café e açúcar.
Portanto, na presente pesquisa argumenta-se que não convém levantar a consagrada
crítica de Sérgio Buarque de Holanda de “desleixo” (2014, p. 131) na constituição de cidades
pelos portugueses nos primórdios da fundação do núcleo colonial em questão, já que esse
argumento desvaloriza o elemento colonizador, que se pretende revelar na presente análise, e
a efetiva participação planejada da Coroa na edição do decreto que estabeleceu a instalação do
núcleo colonial na região.
71
Segundo Lisboa (2003, p. 81), documentos históricos demonstram que, quando os suíços chegaram à área
subjacente à colônia, esta se achava ocupada por fazendeiros luso-brasileiros que iniciavam a produção de café
com trabalho escravo.
81
vila aumenta como um todo; apesar de a população livre crescer mais, a população escrava
mais que dobra nesse período, de 1.272 para 2.927, ainda segundo Marretto (2018, p. 48).
Segue na Figura 4, abaixo, quadro produzido por pelo autor a partir do Arquivo da Igreja de
São João Batista.
escravos na fundação da Vila de Nova Friburgo, bem como se destaca que essa classe
senhorial passou a dominar o aparelho administrativo local e a expandir seu estilo de vida.
Diante do exposto, na vila de colonos suíços instalada onde funcionava uma fazenda
com escravos de proprietários luso-brasileiros, em uma região cujo território adjacente já
estava ocupado por lavouras de café, na realidade, na grande maioria dos casos, “os suíços
foram colonizados” (MAYER, 2003a, p. 45), no sentido de que, logo depois da chegada ao
Brasil, muitos suíços começaram a trabalhar para os portugueses como tropeiros e os que
tinham algum dinheiro foram logo comprando escravos (SANGLARD, 2000).72
As relações entre interior e Corte se caracterizaram essencialmente pela subordinação
econômica da “roça” à cidade, em que o poder da Corte, dos senhores de terra e da
administração local se aliaram e fortaleceram, o que na pesquisa se denomina colonialidade,
por estar intimamente ligado ao modelo escravocrata e excludente em termos de cidadania
(MAYER, 2003a, p. 16).
Mayer (2003b) afirma ser inegável a existência de descendentes de colonos suíços e
alemães na região, hoje especialmente nos distritos de São Pedro da Serra e Lumiar, mas
constata que não existem traços culturais que remontem a esses países na região.73 Dessa
forma, o historiador rebate posições que consideram os suíços e alemães que vieram para a
região como construtores quase que exclusivos da vila e área rural, o que o integra ao grupo
de críticos do mito da “Suíça brasileira”.
A ilha de liberdade e produção manufatureira, cantada nas décadas seguintes por
interesses capitalistas e civilizatórios pautados pela ideologia do progresso, em discurso que
se renova até a atualidade, que dão base ao mito da “Suíça brasileira” – como será explicitado
adiante, em tópico específico – na verdade nunca se concretizou. Essa constatação considera
que os suíços foram submetidos muitas vezes a trabalhos forçados em obras públicas e
72
Sanglard (2000) fundamenta esse argumento do destino da maioria dos suíços ao chegarem na cidade de Nova
Friburgo, a partir da sua pesquisa de cartas dos colonos às suas famílias em Fribourg, exemplificadas nos
seguintes trechos na língua original, o primeiro trecho escrito ainda em dezembro de 1819 e o segundo, no ano
seguinte: “En attendant que la terre soit partagé je gagne toujours d’argent en travaillant pour les Portugais”;
“MM Mandrot de Morges, Graffenried, Scmid, Morell, etc., de Berne, sont ici et se proposent de s’adonner à la
culture; ils ont acheté à ce effet des nègres, qui leur coutent à-peu-près 1200 fr. la piéce.”
A primeira é uma carta de Jacques Page, Journal du Jura, le 25 décembre 1819. “Enquanto aguardo que a terra
seja dividida, continuo a ganhar dinheiro trabalhando para os portugueses (tradução nossa). A segunda é uma
carta de Pierre Gendre, Journal du Jura, le 20 mars 1820. “Senhores Mandrot de Morges, Granffenried, Schmid,
Morell etc., de Berna, se encontram aqui, e se propõem a dedicar-se à agricultura; eles compraram para este
efeito escravos, que lhes custaram mais ou menos 1.200 francos a peça (tradução e grifo nossos).
73
Segundo Mayer (2003b): “Não existem traços na língua, nos hábitos, nas festas, na música, no modo de
produzir. […] Todas as etnias ao serem colonizadas perdem aspectos culturais como a língua, por exemplo, mas
ficam sempre traços mais ou menos marcantes de suas culturas. No caso, eles inexistem.”
84
limitados na sua liberdade de locomoção, que deveria ser autorizada pela direção da colônia
(MAYER, 2003a, p. 45).
74
Ao longo do século XIX a região de Nova Friburgo já havia se desmembrado de algumas freguesias, como a
de Nossa Senhora Aparecida, em 1874, que foi incorporada a Magé, e a de Nossa Senhora da Conceição de
Paquequer, que se incorporou a Carmo em 1881 e na década seguinte se tornou município autônomo de
Sumidouro. Logo após o decreto que elevou a cidade de Nova Friburgo ao status de município autônomo, em
1891 a freguesia de São João do Ribeirão foi desmembrada e criou-se o município de Bom Jardim. Em 1901 foi
a vez da freguesia de Sebastiana ser incorporada a Teresópolis. A última alteração ocorre em 1911, com a
incorporação do território de Amparo, que pertencia a Bom Jardim, ao município de Nova Friburgo (ARAÚJO,
1992, p. 79-80).
85
75
Título nobiliárquico recebido em 1854 por seu trabalho como um dos diretores da recém-criada Estrada de
Ferro Mauá, primeira ferrovia construída no Brasil (MELNIXENCO, 2014, p. 61).
76
O referido casarão hoje abriga a Fundação Dom João VI.
77
Na região do Rio Grande, outro núcleo urbano se desenvolvia, na época, na Estação de Conselheiro Paulino da
Leopoldina Railway, embora ainda ligado à produção rural (ARAÚJO, 1992, p. 29).
86
segundo a revista A Lanterna (1992, p. 31): XV de Novembro (outrora Praça Santa Izabel e
atual Praça Getúlio Vargas), projetada em 1881 por Glaziou; Largo do Pelourinho, atual
Marcílio Dias, ajardinada entre 1892 e 1893; Praça do Suspiro, construída em 1904; e Praça
1º de Março, localizada na saída para Cantagalo em região menos nobre.
Nesse período se desenvolve ainda o setor de serviços e um número expressivo de
escolas,78 muitas delas em sistema de internato e com alunos advindos de outros municípios, o
que alimentava a visita de familiares que eram atendidos pelos estabelecimentos comerciais
da cidade. Assim, a cidade consolidou-se como centro comercial, principalmente pela
presença da linha férrea como ponto de passagem de mercadorias do interior para a baixada
litorânea, bem como no sentido inverso, de produtos do Rio de Janeiro e Niterói para as
cidades próximas de Sumidouro e Cantagalo.
No contexto de instabilidade e disputa política pós-proclamação da República,
predominaram na política fluminense grupos conservadores que ocuparam o poder local por
meio de intendentes nomeados pelo governador. Entre 1890 e 1913, destacam-se na liderança
do poder executivo da cidade 79 o Coronel Galiano Emílio das Neves, o Dr. Ernesto Brasílio,
com dois mandatos, e o Coronel Galeno das Neves Júnior (CASTRO, 2001, p. 35).
O médico Ernesto Brasílio, embora profissional liberal, integrava a oligarquia
conservadora e aristocrática, mas representava também a instalação de um discurso médico-
político na cidade, que primava pela higienização e que teve como marco o Código de
Posturas de 1893 (CASTRO, 2001, p. 36), conforme será detalhado no próximo capítulo.
Tratar da colonialidade que preside a cidade é falar da história da construção do mito
da “Suíça brasileira” entre 1910 e 1960, na cidade de Nova Friburgo, ideia da qual Araújo
(1992, 2018) é o precursor. Segundo o autor, a ideologia da “Suíça brasileira” foi
sistematizada por Agenor de Roure, em discurso na festa de comemoração do centenário da
cidade, em 1918 (1938). Posteriormente, esse discurso foi assumido por outros intelectuais
locais, como Galdino do Valle Filho (1928) e Pedro Cúrio (1974), como também por
lideranças políticas que algumas vezes modernizaram o pensamento sem lhe alterar a essência
(ARAÚJO, 2018b, p. 129).
Na pesquisa adota-se a compreensão de mito a partir de Roland Barthes,80 que o
compreende como uma fala, um sistema de comunicação, uma mensagem, uma forma
78
Segundo Lamego, Nova Friburgo se destacava na região pelo desenvolvimento intelectual. Nas suas palavras:
“Nova Friburgo, não obstante a sua distância da Corte [...] logo se distingue pelo carinho da população em dotá-
la de bons colégios” (1963, p. 230).
79
Até 1916, o cargo do Executivo municipal era ocupado pelo presidente da Câmara de Vereadores.
80
A compreensão de mito de Roland Barthes foi utilizada como marco teórico na dissertação, sob a orientação
87
independente do conteúdo (2003, p. 201). Barthes afirma que o leitor do mito naturaliza os
conceitos como se o significante criasse o significado (2003, p. 221). Dessa forma, o leitor do
mito não percebe que o mito é um sistema semiológico de valores e passa a acreditar que é
um sistema indutivo de fatos (2003, p. 220).
Segundo Barthes, é “a História que transforma o real em discurso” (2003, p. 200).
Assim, no processo mitológico estudado, a colonização de suíços na cidade de Nova Friburgo
é resgatada para se criar um discurso de “cidade branca, europeia, modelo de colônia nos
trópicos, contraposto ao resto do país” (ARAÚJO, 2018b, p.101). Portanto, pode-se dizer, a
partir de um olhar sobre a filosofia da história benjaminiana, que a construção do mito da
“Suíça brasileira”, reproduzido por investigadores historicistas, beneficia os dominadores e
tem empatia pelos vencedores.
A imagem de Nova Friburgo, hegemônica até o momento, é um mito que Araújo
identifica como uma tradição inventada, no sentido de Hobsbawm e Ranger (1984), para
quem “toda tradição inventada, na medida do possível, utiliza a história como legitimadora
das ações e como cimento da coesão grupal” (1984, p. 21). No mesmo sentido, Barthes
entende que a criação de um mito precisa de um fundamento histórico, não surge da natureza
das coisas, visto que o mito é uma fala escolhida pela História (2003, p. 200). Fala escolhida,
portanto, não implica considerar que esse é um relato totalmente falso ou irreal sobre a
formação da cidade, mas que há uma simplificação dos acontecimentos (MARRETTO, 2018,
p. 23).
A hipótese central da criação do mito da “Suíça brasileira” é de que, para explicar e
legitimar o projeto industrializante da cidade por empresários alemães, a partir de 1910,
recorreu-se a um passado idealizado sobre a suposta origem suíça do povo e da cidade que
fundamenta historicamente essa construção.
Outro sentido de mito apontado por Araújo na apresentação de sua hipótese é a ideia
de “mito fundador”, desenvolvida por Marilena Chauí como algo imaginário que bloqueia a
percepção da realidade e “não cessa de encontrar novos meios para exprimir-se, novas
linguagens, novos valores e ideias” (CHAUÍ, 2000, p. 9). Destaca-se nessa categoria analítica
a noção de perpetuidade do passado no presente, escamoteando sua construção histórica como
fato histórico.
Nessa disputa de narrativas a respeito da fundação da vila, cabe considerar que a
comemoração da data da fundação da cidade, com o marco em 16 de maio de 1818, gera
da professora Rosângela Lunardelli Cavallazzi, como forma de desvelar a dimensão mítica da pureza
metodológica em Hans Kelsen (ASSIS, 2017).
88
82
A ideia inicial de Julius Arp era implantar a fábrica de rendas em Santa Catarina e, para isso, encomendara
máquinas e equipamentos da Alemanha. O governo do Estado de Santa Catarina exigia alguns impostos,
inexistentes no Estado do Rio de Janeiro, uma das principais razões que o fez decidir mudar seus planos de
investimento para Nova Friburgo (ARAÚJO, 1992, p. 182).
83
Desde o século XIX já havia uma igreja luterana e um cemitério alemão na cidade (ARAÚJO, 1992, p. 182).
91
política local até então; e outro liderado pelo médico Galdino do Valle Filho, líder da
oposição,84 que incitava o debate sobre a necessidade de implantação da indústria e de
aprofundamento do processo de urbanização como caminho para o “progresso”.
Galdino do Valle Filho era um médico que se inspirava nas teorias cientificistas e
higienistas85 que predominavam à época, enquadrando-se no pensamento liberal de origem
evolucionista spenceriana e darwinista social, segundo o qual a higienização seria o primeiro
passo para o alcance de uma cidade moderna (CASTRO, 2001, p. 56-57). Com esse espírito,
justificando ser em prol da salubridade, da beleza e do encantamento da cidade, a Câmara
doou o terreno para a construção do “Abrigo Amor de Jesus” para o recolhimento de
mendigos e pobres das ruas (CASTRO, 2001, p. 58). Essa medida estava alinhada com o
pensamento galdinista de que a cidade pertencia aos grupos sociais privilegiados.
Nessa disputa política, a questão da implantação da energia elétrica foi essencial para a
instalação das indústrias. A Câmara Municipal havia concedido, em 1906, ao empresário
Coronel Antonio Fernandes da Costa o direito de explorar esse serviço, mas ele não
completou as obras necessárias decorrido o prazo de 10 anos previsto no contrato de
concessão (ARAÚJO, 2018, p. 54). Portanto, no momento da construção da fábrica de Rendas
Arp, ou seja, em 1911, o serviço para a implantação da iluminação pública e particular não
havia sido concluído. Em um contexto de insatisfação popular com a morosidade da obra e os
altos preços da instalação particular, Julius Arp pleiteou a concessão de energia. Essa intenção
foi defendida pelo grupo de Galdino do Valle Filho,86 em confronto com os interesses do
Coronel, que já detinha a concessão e era defendido pelo grupo situacionista de Galiano das
Neves Jr.
O embate culminou com o episódio da “Noite do Quebra-Lampiões”, em 17 de maio
de 1911, em que uma multidão se revoltou danificando os lampiões da cidade e depredando a
Câmara Municipal, em razão da indignação com a recusa do presidente da Câmara em
negociar a concessão de energia para Julius Arp, o que poderia inviabilizar a instalação da
fábrica na cidade.
84
Na esfera estadual, os políticos locais em questão apoiavam líderes estaduais que ocupavam a posição de
hegemonia inversa à da esfera local, ou seja, Galiano das Neves Jr. apoiava Alfredo Backer, que foi derrotado
por Oliveira Botelho, aliado de Galdino do Valle Filho.
85
A saúde e a higiene têm lugar de destaque no governo de Galdino, não se limitando ao combate a epidemias e
doenças contagiosas. O médico político pensava na profilaxia ao promover campanhas de vacinação e ao dar
atenção ao tratamento de água na cidade (CASTRO, 2001, p. 57).
86
Destaca-se que Galdino do Valle Filho era dono do jornal A Paz, que propagandeava no período os interesses
dos industriais e de seu grupo político aliado.
92
Sinjen & Cia (ARAÚJO, 2018, p. 59). A fábrica diversificou suas atividades nos anos 1920, e
em um curto período de tempo elevou sobremaneira sua produção e número de empregados.
Em 1925 foi fundada a Fábrica de Filó S/A,87 com a vinda para o Brasil de Ernst Otto
Siems, filho de um proprietário de fábrica de filó na Alemanha, convencido por Julius Arp. A
sociedade anônima em questão tinha em seu quadro societário uma maioria de empresários
alemães (ARAÚJO, 2018, p. 60-61).
Em 1937, novamente por iniciativas e contatos de Julius Arp e dos engenheiros Hans
Gaiser e Frederico Sichel, outra fábrica de propriedade de alemães veio a se instalar em Nova
Friburgo – a Fábrica de Ferragens Hans Gaiser, também com diretores de origem alemã.
Gradativamente, Nova Friburgo foi se tornando um espaço urbano dominado por
empreendimentos de grande porte, indústrias e empresa de energia elétrica, financiados pelos
capitais provenientes de empresários alemães, que articulavam suas atividades entre si. O filó
da fábrica de Ernst Siems servia como matéria-prima para a fábrica de rendas, a energia
gerada na empresa de Julius Arp era empregada nas demais fábricas e Julius Arp era acionista
da fábrica de filó e sócio da Ypu.
Araújo (1992) apresenta uma hipótese relevante sobre a distribuição dessas fábricas no
espaço como um controle estratégico do núcleo urbano. Primeiramente, destaca a importância
de as fábricas estarem próximas a uma bacia hidrográfica pelas atividades que desenvolviam,
especialmente as têxteis. A partir de um mapa de 1937, reproduzido a seguir na Figura 5, o
historiador constata que as principais indústrias, de propriedade dos empresários alemães,
situavam-se em quatro extremos diferentes, formando um quadrilátero nas extremidades do
núcleo urbano.
87
A fábrica produzia filó liso, jacquard, rendas valencianas e derivados desses artigos, tecidos de estofamento e
decoração, além de madras.
94
Ainda segundo hipótese levantada por Araújo, não houve na cidade a opção por
concentrar as indústrias na mesma área, por razões de controle estratégico do espaço urbano e
para dispersar as forças de trabalho espacialmente (2018, p. 29). Atente-se a que existe uma
distância considerável entre os vértices desse quadrilátero fabril, em que as indústrias parecem
abraçar toda a cidade. Assim, os empresários se apresentam como protagonistas nas decisões
sobre a produção do espaço urbano.
A criação desses territórios fabris foi responsável pelo surgimento de futuros bairros
populares, conforme se observa seguindo a ordem numérica do mapa acima: Olaria (à época,
Olaria do Cônego), no caso da Sinjen; Perissê, no caso da M. Falck; Lagoinha, no caso da
Filó; Village, no caso da Ferragens Hans Gaiser. Alerta-se que essa dispersão está na “gênese
dessa arquitetura de isolamento” (ROLNIK, 1995, p. 50) burguesa, que diferencia casa e rua
no processo de segregação da cidade.
Por outro lado, a criação de bairros operários próximos às indústrias, afastados uns dos
outros, dificultou a articulação de movimentos operários na cidade, ou seja, funcionou como
estratégia de disciplinarização da força de trabalho.
Côrrea (1985), em sua dissertação de mestrado, Nova Friburgo: o nascimento da
indústria (1890 –1930), já mencionava como particularidade do processo de industrialização
friburguense, inserido no processo de industrialização mais amplo de transição capitalista
95
mundiais, nas quais a participação dos alemães ficaria marcada de forma extremamente
negativa ao final dos conflitos (ARAÚJO, 2018, p. 10). Daí a impossibilidade de se
privilegiar a influência dos alemães, que possuíam uma hegemonia econômica e naquele
tempo tinham uma forte influência cultural na cidade.
Ademais, no processo mitológico estudado, a colonização de suíços na cidade de Nova
Friburgo é resgatada para se criar um discurso forjado pela ideologia progressista de “cidade
branca, europeia, modelo de colônia nos trópicos, contraposto ao resto do país, negro e
escravocrata” (ARAÚJO, 2003, p. 134). Os escravos, os colonos caipiras e, posteriormente, os
operários das indústrias são os vencidos da história, os dejetos que se pretende recolher.
“instalar novas colônias de homens livres” (DE ROURE,1938) europeus pela sua visão de um
grandioso projeto de povoamento para o Brasil. Nessa construção mítica imaginativa, os
colonos suíços teriam chegado ao Morro Queimado com uma missão regeneradora, “visando
corrigir a formação étnica da Pátria brasileira, perturbada e viciada pelo sistema de
povoamento, até então seguido” (DE ROURE, 1938).
O segundo marco significativo para a criação do mito da “Suíça brasileira” seria o
livro Lendas e legendas de Friburgo (VALLE FILHO, 1928), publicado logo após a
retomada do poder municipal por Galdino do Valle Filho em 1923, com a derrocada do grupo
de Nilo Peçanha. Observe-se que Galdino já compilava essa narrativa mítica em textos do seu
jornal A Paz, com destaque para a campanha em prol da entrega da exploração de energia
elétrica para o empresário Julius Arp e para o artigo “Friburgo industrial” de 1915, no qual se
fazia apologia ao trabalho dos imigrantes como ativo e diferenciado do trabalhador nacional
(A PAZ, 1915 apud COSTA, 2018, p. 42).
Galdino do Valle Filho, como mencionado, liderou o grupo político que defendia a
industrialização levada a cabo pelos industriais alemães e, como Agenor de Roure, foi um dos
ideólogos do mito da “Suíça brasileira” como mito fundador. No entanto, as posições dessas
duas personalidades locais diferem no sentido do que entendem por progresso para a cidade.
De Roure apresenta um posicionamento ruralista com base nas pequenas propriedades e
Galdino enfatiza a importância da industrialização como fator essencial para a modernização
da cidade para além da pequena propriedade (ARAÚJO, 2018, p. 119).
Na capa de seu livro, Galdino do Valle Filho realça as belezas naturais da cidade e em
suas epígrafes deixa claro a intenção conservadora de registrar e valorizar as tradições
(ARAÚJO, 2018, p. 121). Araújo identifica na obra os seguintes temas que sustentam as
representações da “Suíça brasileira”: a natureza pródiga e bela; a visão e o papel providencial
de Dom João VI; o empreendedorismo e a postura de liberdade dos colonos suíços; e o
catolicismo (2018, p. 117-129).
Ao exaltar a natureza da cidade, Galdino destaca o potencial das cascatas como
garantia de riquezas pelo potencial hidrelétrico, que seria um elemento importante para a
industrialização. Assim, Galdino se alinha ao discurso de Agenor de Roure, principalmente
sobre a visão profética de Dom João VI na colonização da cidade com “intenções […] de
fundar uma pátria de liberdade em meio à vastidão da vassalagem nacional” (ARAÚJO, 2018,
p. 122).
99
A perpetuação de um mito que se quer fixar como verdade histórica não ocorreria se
essa ideia ficasse consignada em textos e discursos, pois precisaria ser introjetada pela
população para se consolidar como imaginário social conservador. Nesse sentido as festas do
centenário e festejos de maio de 1954 e 1956, entre outros, se prestaram a ritualizar a
transmissão do mito em questão (ARAÚJO, 2018, p. 129).
Os festejos de maio, especialmente a festa do centenário de 1918 e a festa de
aniversário da fundação da cidade de 1954 e de 1956, foram importantes na consolidação do
mito aqui tratado. Com isso, o mito reedita o discurso da “Suíça brasileira” nas referidas
festas de aniversário e se mantém até recentemente na festa do bicentenário, que podem ser
entendidas como “festas da ordem” (DAMATTA, 1986, p. 54) por Araújo (2018).
Para DaMatta (1986) “todas as festas recriam e resgatam o tempo, o espaço e as
relações sociais”. O autor contrapõe a proposta das “festas da desordem”, como por exemplo
os carnavais, que seriam ritos de inversão, às “festas da ordem”, que seriam ritos de reforço
com vistas à manutenção do status quo social e, portanto, com uma dimensão conservadora
presente no mito estudado.
Em Nova Friburgo “o cortejo triunfal” (BENJAMIN, 1987, p. 225), como metáfora da
vitória, se repetia nas “festas da ordem” (DAMATTA, 1986). Esses festejos de maio da
cidade de Nova Friburgo se enquadram perfeitamente nessa ideia de “festa da ordem” por
consistirem em ritos cívicos e religiosos que atuaram pelo princípio do reforço e da ampliação
de diferenciações sociais em que os vitoriosos buscam afirmar sua versão da história da
cidade. Nesses ritos há uma separação entre o povo e os dirigentes estatais, que marca
claramente “quem é ator e quem é espectador” (DAMATTA, 1986, p. 58).
As referidas festas da cidade promovidas e organizadas pelas autoridades políticas
municipais, com a presença marcante de instituições religiosas, no caso a Igreja Católica e a
Igreja Luterana, celebram uma ocorrência real, a colonização suíça, como uma síntese
simplificadora da história da cidade com vistas a legitimar um discurso mítico de origem.
A importância e repercussão da festa do centenário de 1918 está registrada no poema
do então aluno do internato do Colégio Anchieta em Nova Friburgo, Carlos Drummond de
Andrade, sob o título “O colegial e a cidade”,89 em que lamentava não poder participar da
grande festa:
89
O poeta foi aluno do Colégio Anchieta nos anos de 1918 e 1919. Ele foi expulso do colégio em consequência
de incidente com o professor de português, que fundamentou sua decisão pela “insubordinação mental” do aluno.
Mais tarde, o autor publicou um conjunto de quarenta poemas intitulado “Fria Friburgo” (ANDRADE, 2017)
que consiste em um relato a partir de sua memória sobre os tempos vividos nesse colégio. A maior parte dos
100
poemas refere-se a relatos do dia a dia no interior daquele estabelecimento; entretanto, em alguns poemas, como
o mencionado “O colegial e a cidade”, há referências à cidade.
101
90
Segundo Araújo: “É possível afirmar, portanto, que entre 1923 e 1930 forja-se em Nova Friburgo, um conjunto
de dirigentes afinado com o pensamento de Galdino do Valle Filho, construindo-se num bloco político que
denominamos de Galdinismo” (1992, p. 173).
91
Em razão do Decreto-Lei Federal nº 86 de 1966, que alterou o artigo 11 da Lei Federal nº 605 de 1949,
determinando que “são feriados religiosos os dias de guarda declarados em lei municipal”, o prefeito Amâncio
de Azevedo manteve o feriado no dia 16 de maio por meio da Deliberação Municipal nº 870 de 1968, que
alterou a redação do artigo 1º da Resolução Municipal nº 820 de 1967, por ser “dia consagrado a São Ubaldo”
(NOVA FRIBURGO, 1968), santo que não possui significativa relação religiosa ou cultural com a cidade.
92
Os festejos de maio de 1954 e 1956 foram organizados por prefeitos do Partido Social Democrático,
respectivamente José Eugênio Muller e Feliciano Costa.
102
O ápice da indústria têxtil – nas décadas de 1960 e 1970 e no início da década de 1980
– correspondeu também ao auge do mito da “Suíça brasileira”. Nessa época, houve um
acelerado crescimento industrial na cidade, com a diversificação da produção e a criação de
novos ramos como o vestuário, a mecânica, a metalurgia e o plástico (ARAÚJO, 2018, p. 91).
No contexto político local em 1962, a UDN lança o nome de Vanor Tassara Moreira
para a prefeitura. Embora fosse filho do médico carismático Dermerval Barbosa Moreira,
Vanor não era fiel às ideias do partido, além de ser declaradamente trabalhista (COSTA,
2018, p. 170-171). O vice do candidato seria Heródoto, mas ele abandonou a chapa e integrou
a chapa do PSP também como vice, obtendo mais votos do que o próprio Vanor para prefeito,
que saiu vencedor da eleição (COSTA, 2018, p. 171). Dias após o golpe de 64, Vanor
renunciou ao cargo por pressões políticas advindas do seu isolamento político naquele
momento e por atitudes consideradas polêmicas, sendo apontado como comunista por seus
adversários.
O próprio jornal A PAZ questionava em sua manchete a decisão de Vanor, “Renunciar
ou ser impedido” (A PAZ, 1964 apud COSTA, 2018, p. 184), deixando evidente o caráter
golpista da deposição do então prefeito, que sofria uma campanha difamatória da própria
UDN, liderada pelo então vice Heródoto, com apoio de empresários, comerciantes, militares
ligados ao Sanatório Naval, com a complacência da Câmara Municipal (COSTA, 2018, p.
176-184).Nesse contexto, o engenheiro civil Heródoto Bento de Mello, então vice-prefeito,
empresário da construção civil, assumiu a prefeitura e liderou o grupo da UDN e empresários
locais na retomada do projeto liberal de cidade “civilizada” inaugurado pelo grupo de Galdino
do Valle Filho (COSTA, 2018, p 21).
Como dito anteriormente, a liderança de Galdino do Valle Filho manteve a
colonialidade (QUIJANO, 1992, 2005) na cidade, marcada pela sua dimensão conservadora,
apenas substituindo a dependência da economia cafeeira e do latifúndio escravista pelo
caminho para um modelo capitalista (COSTA, 2018, p. 18). Partiu do grupo político liderado
por ele à época a maior contribuição para a edificação do mito da “Suíça brasileira”.
Na gestão de 1964, em menos de três anos, Heródoto retomou o discurso da
modernização pela urbanização, que está presente no mito da “Suíça brasileira”, ao revigorar
o Plano Diretor de 1958 com a proposta de disciplinar o crescimento desordenado da cidade
(COSTA, 2018, p. 191). Ademais, manteve a tradição da festa de aniversário da cidade,
inovando ao conceder o título de cidadão friburguense ao embaixador da Suíça no Brasil.
Construiu, ainda, a Praça da Igreja Matriz, atual Demerval Barbosa, bem como o Centro de
103
Turismo, que serviu como polo de divulgação da “Suíça brasileira” (COSTA, 2018, p. 191-
193). Nessa época, Heródoto ventilou pela primeira vez a ideia de criação de um Museu
Histórico da cidade, o que se concretizou apenas na sua gestão do final dos anos 1990.
Nos anos 1980, com a decadência das grandes fábricas, o mito é reatualizado e
identificado por Costa (2018) pelo slogan “Nova Friburgo, paraíso capitalista” propagandeado
por Heródoto Bento de Mello, que mais uma vez governou Friburgo entre 1983 e 1987, e por
empresários locais. Paraíso como sinônimo de harmonia e paz, inserido no discurso de uma
cultura disciplinada e capitalista, como um lugar em que se privilegiava o lucro da iniciativa
privada em detrimento do público (ARAÚJO, 2018, p. 19).
Na gestão municipal iniciada em 1983, Heródoto retomou a preocupação com o
planejamento urbano e estabeleceu uma política de contato direto com o governo suíço,
consolidando a visão de Friburgo como a “Suíça brasileira”. O contato direto com os suíços
foi estabelecido primeiramente no encontro do irmão de Heródoto, Ariosto Bento de Mello,
com o historiador suíço Martin Nicoulin, quando este iniciava suas pesquisas para o seu livro
A gênese de Nova Friburgo (1995), que resultou na visita de 300 suíços a Nova Friburgo em
1977 (COSTA, 2018, p. 193).
Na festa de aniversário da cidade, em 1983, o prefeito instituiu o May Festival
(ARAÚJO, 2018, p. 186), promoveu a vinda de uma grande comitiva de suíços e comandou a
construção de uma Queijaria Escola – que marcaria definitivamente a presença dos suíços na
cidade, com a celebração de um convênio com a Associação Fribourg com a produção de
vasto material de pesquisa e propaganda sobre as raízes suíças do município e o estímulo para
que os friburguenses buscassem informações sobre suas árvores genealógicas no
Departamento da Pró-Memória da Prefeitura (COSTA, 2018, p. 193). Ademais, a construtora
do então prefeito, que era engenheiro, passou a construir imóveis a partir do modelo
arquitetônico suíço na cidade.
Costa identifica o slogan do governo Heródoto a partir do discurso oficial da sua
gestão, ao destacar a matéria jornalística sob a manchete “Friburgo cresce fiel à iniciativa
privada”, do Jornal do Brasil de 1983 (BARROS, 1983, p. 29). A matéria inicia seu texto
com a declaração de um empresário da hotelaria local: “Nova Friburgo é um paraíso
capitalista” (BARROS, 1983, p. 29).
Na sugestiva matéria que apresenta como subtítulo a frase “Empresários no poder”, o
prefeito Heródoto reproduz ideias do grupo galdinista sobre o mito da “Suíça brasileira”:
104
“Nós prosperamos de acordo com a escola europeia: trabalho, ordem, organização, limpeza.
Nunca houve uma greve em Nova Friburgo.” (BARROS, 1983, p. 29).
Essa ideia de disciplinarização da classe trabalhadora – que chegaria ao extremo de
afirmar a ausência de greves na cidade – é desmentida pela presença dos primeiros
movimentos de resistência operária em Nova Friburgo, ainda na segunda metade da década de
1910, quando operários foram despedidos por protestarem contra cortes de salários
(CORRÊA, 1985, p. 149).
Os primeiros sindicatos foram criados no início dos anos 1930 e promoveram
paralisações e greves, como a de 1933 dos trabalhadores têxteis, marcada pela forte repressão
policial (COSTA, 2018, p. 84), e as diversas mobilizações e greves no período entre 1945 e
1948, como a greve de 1946 que resultou de um movimento unificado entre operários e
bancários (COSTA, 2018, p. 122-123).
Na referida matéria do Jornal do Brasil, Edgar Arp, sócio majoritário da Fábrica de
Rendas Arp e presidente da Companhia de Eletricidade de Nova Friburgo, afirmava a ideia de
ilha de prosperidade, ao apresentar a proposta de criação de uma muralha:
Sem dúvida, uma experiência bem-sucedida de capitalismo acontece em Nova
Friburgo. Às vezes penso que isso deve ser protegido. Alguma coisa como uma
muralha, cercando essa cidade que tem um clima e uma gente excepcional
(BARROS, 1983, p. 29).
No mesmo sentido, Lefebvre alerta que “sim, lê-se a cidade porque ela se escreve,
porque ela foi uma escrita. Entretanto, não basta examinar esse texto sem recorrer ao
contexto” (2001, p. 61).
Para além da sua importância como patrimônio paisagístico, a praça em questão possui
uma vitalidade que advém de uma “sucessão complexa de usos e usuários” (JACOBS, 2001,
p. 105), bem como de um histórico de disputas pela apropriação desse espaço urbano.
Assim, neste capítulo percorre-se a história do surgimento da praça, o tombamento da
sua paisagem e as sucessivas disputas socioespaciais sobre os usos e a preservação desse
106
93
A Praça Getúlio Vargas é denominada “catedral dos eucaliptos” pela população, pela mídia local, em prosa
(JORGE, 1961) e até em discursos políticos. Castro (2001) menciona que o prefeito Dr. Amâncio de Azevedo,
ao assumir o Executivo em plena praça central, declara em famoso discurso: “Fiz uma promessa na catedral, na
Catedral dos Eucaliptos, que assumiria o Executivo na simplicidade e na intimidade dos que me deram tão
significativa vitória.” A Voz da Serra. Nova Friburgo, 7-8 de fevereiro de 1959, 1ª página.
94
Na chegada dos suíços na região, essa área era dividida em três praças e um largo: Praça São João, Praça D’El
Rei Dom Manuel, Praça do Príncipe Real Dom Pedro e o Largo do Mercado (FOLLY, 2007, p. 41). Após ser
reunida sob o nome de Praça Princesa Izabel, comportava a atual Praça Getúlio Vargas e a Praça Demerval
Barbosa, que se situa em frente à Catedral São João Batista.
95
A vila de São Pedro de Cantagalo pertencia ao Vale do Paraíba fluminense, que em meados do século XIX era
o principal polo cafeeiro do Império.
96
Cf. a dissertação de Melnixenco (2014) sobre as atividades comerciais e industriais da família Clemente Pinto,
principalmente a casa comissária Friburgo & Filhos, a construção da Estrada de Ferro de Cantagalo e seu
poderio no século XIX na região de Cantagalo.
97
Antonio Clemente Pinto recebe o título de barão de Nova Friburgo por decreto do Imperador Dom Pedro II em
28 de março de 1854.
108
Nessa área se localizava um dos núcleos que abrigaram os colonos suíços em sua
chegada à cidade. As construções ali situadas orientavam-se no sentido norte-sul, entre o Rio
Bengalas e a base do morro onde hoje se localiza o bairro do Tingly, conforme especificado
no capítulo anterior.
Os empreendimentos mais marcantes para a transformação da paisagem da cidade e
para a construção da Praça Princesa Izabel estão relacionados com a demarcação e retificação
da Rua do Senado (posteriormente denominada General Argolo e, depois, Alberto Braune) e a
construção da ferrovia que ligava a cidade de Niterói a Cantagalo, passando por Nova
Friburgo, que tinha como principal objetivo o escoamento da produção cafeeira.
A Estrada de Ferro Cantagalo – Leopoldina Railway – começou a ser construída em
1859, dois anos depois de Antônio Clemente Pinto, o barão de Nova Friburgo, obter a
concessão do Imperador D. Pedro II. Em 1870, foi concluído o trecho entre Porto das Caixas e
Cachoeiras de Macacu e, em 1873, o trecho entre Macacu e Nova Friburgo, aumentando
significativamente a circulação de pessoas e turistas na cidade, para além do fim principal
agroexportador da ferrovia.
A praça em questão teve suas obras financiadas e gerenciadas pelo segundo barão de
Nova Friburgo,98 Bernardo Clemente Pinto (1835–1914), que contratou o já então renomado
98
O título de segundo barão de Nova Friburgo foi concedido pelo Imperador em 1873 a Bernardo Clemente
Pinto pela construção da linha férrea.
109
botânico e paisagista Auguste François Marie Glaziou 99 para elaborar o projeto e comandar os
trabalhos, auxiliado pela direção técnica e fiscalização do engenheiro Carlos Engert,100 em
1880. Deve-se lembrar que a construção da praça está em um contexto de urbanização e
embelezamento da cidade que culmina com a conquista da sua autonomia municipal em 1890.
Um ano depois, o segundo barão de Nova Friburgo enviou à Câmara Municipal um
ofício relatando que os trabalhos estavam terminando, e solicitou que a Câmara determinasse
quem, a partir daquele momento, tomaria conta do jardim quase concluído (FOLLY, 2007).
Nesse momento, o barão solicitou a permissão para concluir e conservar o segmento que
ficava em frente à sua residência – o Solar do Barão – cercando-o.
A área da praça, que reunia a atual Praça Getúlio Vargas e a Praça Demerval Barbosa,
de dezoito mil e quinhentos metros quadrados, foi divida por Glaziou em três segmentos
proporcionais, cortados por continuações das ruas perpendiculares à praça, sendo que dois
córregos capeados serviram como limites naturais nesta divisão.
Como foi detalhado no capítulo anterior, a vila de Nova Friburgo tem sua gênese nos
interesses dos cafeicultores da região, que convergiam com o projeto de D. João VI, no
momento da autorização por Decreto para que o povoamento fosse realizado pelo fazendeiro
como “plantador de cidades” (DEFFONTAINES, 1944, p. 302). Assim, a história da praça
está ligada ao poderio do setor cafeeiro na região, pela origem do espaço e pelo protagonismo
da família Clemente Pinto na implementação do projeto de Glaziou, daí poder se falar que
também a praça, assim como a cidade, foi “plantada” pelo café.
De antemão, esclarece-se que, apesar de reconhecer a importância do detalhamento e
resgate histórico e patrimonial da pesquisa de Folly (2007) ao se referir à Praça Princesa
Izabel, a presente análise discorda da ideia de que o Projeto de Glaziou teria sido esquecido e
da conclusão de que “nosso esquecimento a deixou morrer” (FOLLY, 2007, p. 173). Essa
posição dissonante das conclusões do referido autor se deve ao entendimento de que a
paisagem urbana a ser preservada não é estática e de que o patrimônio deve ser compreendido
na sua interface com a vivência dos cidadãos da cidade. A preservação desse patrimônio
cultural não pode se limitar ao olhar direcionado para a materialidade do bem, uma vez que a
99
Glaziou veio para o Rio de Janeiro em 1858, foi diretor dos Parques e Jardins da Casa Imperial e inspetor dos
Jardins Municipais do Rio de Janeiro, além de integrar a Associação Brasileira de Aclimação. Prestou serviços
ao Imperador e à família do barão de Nova Friburgo (FCRB, 2019b).
100
Alguns anos depois, mais especificamente em 1885, o engenheiro Carlos Engert funda o Hotel Engert,
localizado aproximadamente a 250 metros da praça. Ele também adquiriu o Hotel Leuenroth e o restaurante da
estação de trens de Nova Friburgo. Araújo conclui que o Hotel Engert atendia setores médios da sociedade à
época ao analisar o registro do movimento de pessoas em busca dos seus serviços no período de 1890 a 1920. As
classes altas mantinham a preferência em procurar a cidade de Petrópolis para o turismo, segundo o autor (2003,
p. 110 e 111).
110
ação cotidiana da cidade incide sobre a preservação. A preservação dessa paisagem urbana
não estática será reivindicada na luta do Movimento SOS Praça, como será visto a seguir.
Dessa forma, a partir de Ribeiro e Simão (2014), entende-se que a patrimonialização
de um bem não se deve basear apenas em sua materialidade ou na sua importância histórica e
artística, mas principalmente “nas possibilidades e potência em se fazer presente, em
participar da vida cotidiana, na ressignificação permanente e cotidiana pela sociedade” (2014,
p. 6).
O conjunto arquitetônico e paisagístico da Praça Getúlio Vargas é um dos mais
significativos patrimônios tombados da cidade. 101 O valor paisagístico se deve à grande
dimensão da arborização, conforme se visualiza na Figura 7 a seguir, e por ser provavelmente
a única praça idealizada por Glaziou realizada segundo os moldes dos jardins franceses do
século XVII102 (PREFEITURA..., 1969).
101
Além do conjunto arquitetônico e paisagístico da Praça Getúlio Vargas, a cidade de Nova Friburgo abriga o
Parque São Clemente (também tombado pelo Iphan), um dos jardins românticos mais belos do país, de autoria de
Glaziou.
102
Glaziou adota em boa parte da sua obra o partido inglês, livre, assimétrico e com elementos românticos.
Segundo Folly, seus jardins românticos “rompem com a retidão e simetria das linhas e com a distribuição dos
maciços arbóreos e arbustivos, uma das características principais do estilo francês do século XVII, buscando,
desse modo, a aproximação com a natureza” (2007, p. 89).
111
103
Cf. Praça Getúlio Vargas: conjunto arquitetônico e paisagístico. Livro do Tombo/IPHAN Nº 50 - Processo
833-T-71 de 04/07/1972 referente à Praça Getúlio Vargas em Nova Friburgo.
104
O Serviço do Patrimônio Histórico e Nacional começou a funcionar em 1936 no governo Getúlio Vargas,
tendo sido oficialmente criado pela Lei nº 378 em 13 de janeiro de 1937.
105
Cf. Informação nº 019/88 do Ministério Público Federal Assunto: Proc. Nº 833-T-71 – Conjunto
Arquitetônico e Paisagístico da Praça Getúlio Vargas – Nova Friburgo. 3 de março de 1987.
106
Uma das principais figuras à frente do Ama Praça foi a professora Maria Cecília Bevilacqua da Matta, hoje
com mais de 90 anos, atua no Movimento SOS Praça, mas pode-se citar outros componentes como o Orlando
Mielle e o professor Rosalvo Magalhães. Sua filha e neto são integrantes do Movimento SOS praça.
112
A paisagem da praça tombada “destaca-se por sua arborização com quatro renques de
eucaliptos da espécie robusta, com dupla finalidade: a de conferir ao logradouro especial
feição paisagística e a de sanear uma área alagadiça ali existente”.107 Assim, a escolha da
espécie Eucalyptus robusta – que coincide com o uso dessa espécie, no mesmo período, no
Campo de Santana, no Rio de Janeiro, por Glaziou – era condizente com a medicina higienista
de Carlos Eboli, uma vez que a espécie foi utilizada para drenagem do solo (FOLLY, 2007, p.
92).
No final do século XIX, as epidemias de cólera, febre amarela e varíola, entre outras,
deram destaque ao papel dos médicos na missão higienista (SCHWARCZ, 1993). A atuação
do médico italiano Carlos Eboli, naturalizado brasileiro em 1876, em Nova Friburgo está
inserida nesse contexto. Nesse sentido, deve-se atentar para a importância do ideal higienista
no impulso e na consolidação da implementação de melhorias urbanas na cidade (ARAÚJO,
1992; FOLLY, 2007), forjado por um projeto de medicalização da cidade, que foi decisivo
para a construção da praça em questão.
A medicalização da cidade era difundida pelos médicos, higienistas, arquitetos e
engenheiros e profissionais similares no Brasil, como forma de ordenar e controlar o modo de
vida da população urbana, que crescia a partir do século XIX, servindo de base para a criação
dos Códigos de Posturas Municipais (ARAÚJO, 1992). É o que se averigua na história da
produção do espaço urbano de Friburgo e, mais especificamente, no projeto da sua praça
principal, que teve o envolvimento direto de um paisagista, um médico e um engenheiro,
servindo de base para a promulgação de um Código de Posturas logo em seguida, em 1893,
com o objetivo oficial de evitar a proliferação de doenças. Esse discurso camuflava outra
intenção dos grupos econômicos e políticos que comandavam a cidade: a de ordenar os usos
do espaço urbano.
A atuação política do médico Carlos Eboli segue uma tendência comum dos médicos
do interior fluminense, que conquistavam uma importância social pela dedicação em seu
labor, o que os impulsionava a ingressar na carreira política (PROENÇA, 2017). De fato, esse
período inaugura a construção do poder médico,108 que vai se consolidar por décadas na
cidade.
107
Cf. Praça Getúlio Vargas: conjunto arquitetônico e paisagístico. Livro do Tombo/IPHAN Nº 50 - Processo
833-T-71 de 04/07/1972 referente à Praça Getúlio Vargas em Nova Friburgo.
108
Sobre o poder médico na cidade de Nova Friburgo, conferir a dissertação de mestrado em História de
Elizabeth Vieiralves Castro, Nova Friburgo: medicina, poder político e história (1947-1977) (2001).
113
I
Coração de Friburgo a pulsar cada dia
desde que o céu se tinge ao rubor matinal,
para mim, não és a praça somente, eu diria
que és, a um só tempo, praça, e imensa catedral.
Carlos Eboli109 (que tinha um bom relacionamento com o Imperador D. Pedro II), que o
famoso paisagista Glaziou elaborou o projeto da praça e ocorreu o plantio das árvores
(FOLLY, 2007, p. 93).
À época a cidade não atraía apenas turistas, como a classe dominante almejava. Atraía
também os pobres da região e os escravos libertos, principalmente após a Abolição, em 1888.
Com isso, a municipalidade e os grupos que tinham poder econômico não limitaram sua
atuação à promoção de melhoramentos na paisagem urbana. Eles também buscaram criar
mecanismos para controlar esses migrantes “indesejáveis”, muitos deles na realidade escravos
libertos, instituindo medidas de higiene pública por meio da promulgação de um Código de
Posturas, em 1893110 (FERREIRA, 2013).
A promulgação do Código de Posturas de 1893 coincide, não por acaso, com a
primeira fase do governo médico clínico do Dr. Ernesto Brasílio de Araújo (ARAÚJO, 1992,
p. 112). O código proibia, por exemplo, a população de jogar “águas pútridas” e lixo nas ruas;
vedava a manutenção de porcos no perímetro urbano; regulamentava o comércio ambulante; e
fixava multas para as violações a suas regras (FERREIRA, 2013, p. 40), manifestando o
projeto higienista mencionado anteriormente.
Deve-se, porém, destacar que as primeiras regras de posturas registradas na cidade
datam de 1835111 e estabelecem normas relativas aos escravos, em razão dos precedentes de
revoltas naquele ano. As posturas visavam reprimir a circulação de escravos com medidas
como a “[...] ‘reunião de escravos de diferentes fazendas’ e chamavam a responsabilidade dos
senhores para evitar as ‘relações dos seus [escravos] com os dos demais fazendeiros’”
(MARRETTO, 2018, p. 185).
Desde a construção, a praça central de Nova Friburgo, inaugurada em 1881, sofreu
incontáveis tentativas de violação ao seu projeto original, muitas delas desconsiderando as
necessidades e os usos desse espaço público pela população. Um dos primeiros ataques às
árvores data de 1884, conforme Ata da Câmara Municipal de Nova Friburgo de 10 de maio e
30 de julho daquele ano, na qual consta que moradores e proprietários da região da então
Praça Princesa Izabel pediam à Câmara que “mande abater árvores que existem na seção
109
Carlos Eboli “requereu, verbalmente, que se oficiasse ao Dr. August François Marie Glaziou pedindo-lhe que,
logo que possa, venha a Nova Friburgo para dar o plano do jardim da Praça Princesa Izabel” (CONJUNTO...,
1880).
110
O Código de Posturas Municipal de 1893 apresentava 134 artigos, divididos em sete capítulos: Patrimônio
Municipal, 14 artigos; Saúde Pública, 47 artigos; Obras e Viação, 16 artigos; Polícia Administrativa – das
multas, 10 artigos; Polícia Urbana, 32 artigos; Polícia Rural, 9 artigos; Da Instrução Municipal, 3 artigos
(ARAÚJO, 1992, p. 112).
111
As posturas elaboradas pela Câmara em 1835 eram provisórias e serviram de base para o funcionamento e a
“ordem” da vila até 1849, quando as posturas municipais entraram em funcionamento.
115
ajardinada da mesma praça que fica entre as ruas General Andrade Neves, Sete de Setembro e
Riachuelo”.112
Na Câmara do Município a disputa se deu entre o vereador Galiano das Neves, que
insistia em continuar, investindo na manutenção do projeto original, e o vereador Souza
Cardoso que contestava essa posição, em seu parecer favorável a suprimir o quarto segmento
da referida praça para atender a abaixo-assinado de moradores que o consideravam insalubre,
lúgubre e inseguro para a população. O discurso do vereador Souza Cardoso contra a gestão
anterior da Câmara, presidida por Manuel Fernandes Ennes, classificava como “uma
vaidade,” “um capricho,” um “luxo” e mais que tudo, um “erro” o projeto original da praça 113.
Esse vereador afirmava, ainda, que defender a manutenção do projeto original era ser
contrário “ao progresso e civilização do nosso século”.
Logo após a elevação da vila a cidade, em 1890, e paralelamente às tentativas de
defesa do projeto de Glaziou e preservação da praça, capitaneada especialmente pelos
médicos Carlos Eboli e Galiano das Neves, a Câmara Municipal de Nova Friburgo aprovou o
já mencionado Código de Posturas Municipal, em 1893.
Em 1942, a Prefeitura removeu 10 eucaliptos para colocar o busto do presidente
Getúlio Vargas (PREFEITURA..., 1969). Em 1969, na gestão do prefeito Amâncio de
Azevedo, mais de 12 árvores foram destruídas para erguer um playground, apesar dos
protestos da oposição política à época, de normalistas de cinco colégios, de membros da
Academia Friburguense de Letras e profissionais de várias áreas, conforme matéria do Jornal
do Brasil intitulada “Prefeitura fere paisagem e tradição de Friburgo”, de 15 de dezembro
daquele ano (PREFEITURA..., 1969). Seguem imagens da praça em 1960 (Figura 8) e após a
instalação do playground e de uma pista em cimento para miniautomóveis, explorada por
comerciantes (Figura 9).
112
Cf. Ata da Câmara da Vila de Nova Friburgo de 10 de maio de 1884 e 30 de julho de 1884. Praça Princesa
Izabel (atual Praça Getúlio Vargas).
113
Cf. Atas da Câmara da Vila de Nova Friburgo, ata de continuação da 3ª sessão ordinária, em 30 de julho de
1884.
116
114
Parecer da Coordenadoria de Patrimônio Natural no Proc. Nº 833-T-71 – Conjunto Arquitetônico e
Paisagístico da Praça Getúlio Vargas, Nova Friburgo-RJ. 2 de março de 1988.
118
115
“Prefeitura revelou que as máquinas funcionariam, ‘mesmo se tivesse de passar por cima de muita gente’.”
(PREFEITURA, 1969).
116
Na época, “em sua defesa, o prefeito Amâncio Azevedo alega que ‘algumas das árvores derrubadas já
estavam para cair, pois seus troncos estavam apodrecidos, devido à ação dos raios’”. (ÁRVORES..., 1969, p.
26).
117
O prefeito Amâncio Azevedo atribuiu a repercussão negativa da ação da prefeitura à época à ação de alguns
saudosistas que não entendiam as necessidades da cidade, um importante centro turístico que precisava de
“progresso” (ÁRVORES..., 1969, p. 26).
118
A área que compreendia o projeto de Glaziou era de aproximadamente 18.500 m² (FOLLY, 2007, p. 118).
119
crianças se reúnem para jogar e brincar, conversar assuntos diversos, bem como casais
namoram. A praça é tomada de pedestres que, devido à sua posição central, entre outras
razões, transitam por suas alamedas. Ademais, a praça possui uma localização periférica a
importantes avenidas com comércio pulsante, escolas e trânsito de veículo.
As mencionadas disputas pelo espaço culminaram em 2015, com o referido corte
açodado de diversos espécimes de eucalipto pela Prefeitura Municipal. No episódio, que
despertou a indignação em parte da população, houve resistência popular, que iniciou dispersa
e, com o passar do tempo, foi se consolidando ao redor do Movimento Abraço às Árvores –
SOS Praça Getúlio Vargas. A atuação desse movimento e suas articulações com outras
entidades serão explicitadas e analisadas no tópico seguinte.
119
Os estudos prévios do caso-referência, no que concerne à atuação do Movimento SOS Praça, foram
apresentados em audiência pública organizada pela 9ª Subseção de Nova Friburgo da OAB-RJ, realizada em
agosto de 2018 em parceria com o movimento e a subseção. O caso-referência foi debatido, ainda, na disciplina
Direito Urbanístico, ministrada pelo professor Alex Magalhães, no IPPUR – UFRJ e apresentada como
comunicação de movimento social no CLACSO, em Buenos Aires, Argentina, no mesmo ano.
120
120
O livro A questão urbana, de Castells ([1972], 2021), juntamente a Le droit à la ville, de Henri Lefebvre
([1968], 2009), e Social Justice and the City, de David Harvey ([1973], 2009), são obras publicadas
originalmente entre o final dos anos 1960 e o início dos 1970, consideradas pioneiras em pensar a urbanização
em uma chave de leitura marxista.
121
Apesar da gênese nas redes sociais, “eles se tornam um movimento ao ocupar o espaço
público” (CASTELLS, 2017). No caso estudado, o movimento se configura no momento de
manifestações políticas e culturais, de participação em reuniões e audiências públicas
reivindicadas e muitas vezes organizadas por seus membros, expressando as contradições
urbanas da cidade de Nova Friburgo em suas lutas. Ressalte-se que a categoria “movimentos
sociais em redes” proposta por Castells (2017) não abrange apenas os movimentos que
121
Como ensina Milton Santos, as relações estabelecidas pelos homens com os espaços construídos dependem
do grau de cumplicidade e do sentimento de pertencimento a eles atribuído (2002).
122
Texto publicado no jornal Século XIX e reproduzido na página do movimento Abraço às árvores – SOS
Praça Getúlio Vargas (ABRAÇO..., 2015d).
123
ocupam o espaço de forma permanente, mas aqueles que atuam em manifestações de rua
persistentes, como ocorreu no caso em questão.
A partir do corte dos eucaliptos em 2015, que teve início no dia 18 de janeiro daquele
ano, o referido grupo de amantes e defensores da praça passa a se organizar e atuar sobre o
território. Apesar das denúncias sobre a falta de transparência, participação popular e das
possíveis irregularidades nos cortes e podas das árvores centenárias, a prefeitura retoma o
trabalho e continua as derrubadas, abrindo uma clareira na praça, nos dias 24 e 25 de janeiro.
A árvore-mãe foi derrubada dias depois naquele mesmo mês, surpreendendo os manifestantes
e deixando um cenário desolador, como se vê nas imagens do antes e depois, mostradas na
Figura 11 a seguir.
Nos primeiros meses proliferou uma série de manifestações do grupo que serão
sistematizadas pela relevância e seguindo uma lógica cronológica a seguir. A primeira
mobilização espontânea em defesa da praça ocorre no dia 27 de janeiro de 2015. Segundo
relatos do integrante Alessandro Rifan, um pequeno grupo se encontrou na praça, pela
primeira vez, para entender a atuação do poder público dias antes, em 25 de janeiro, no
domingo. Naquele momento o então vereador Cláudio Damião (PSOL) solicitou uma
audiência pública, pedido que foi negado pela Câmara na semana seguinte.
Em 29 de janeiro centenas de manifestantes se reuniram no local com faixas, cartazes
e apitos (Figura 12), e impediram o trabalho da Defesa Civil, órgão da administração
municipal. Algumas pessoas se amarraram com cordas ao redor de um dos eucaliptos que
seria cortado e tiveram êxito em paralisar os cortes nesse dia.
124
Portanto, diante do corte das árvores e da iminência de mais cortes, a sociedade civil
se insurgiu de forma desarticulada e, com o passar do tempo, foi se organizando e vem
atuando até o presente momento, por meio do Movimento SOS Praça, de maneira vigilante no
território ameaçado. Seus integrantes reivindicam transparência e participação popular com
vistas ao fortalecimento da gestão democrática das cidades, conforme prevê o artigo 2º, II do
Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001), bem como a apresentação de argumentos técnicos e
jurídicos que justifiquem as intervenções na praça.
Ainda em fevereiro, os integrantes do grupo criaram o já mencionado blog, Abraço às
árvores – SOS Praça Getúlio Vargas (ABRAÇO..., 2015a), em que divulgavam
fundamentalmente tentativas de diálogo do grupo com o município, especialmente em
Conselhos Municipais, e materiais de conscientização da população. Exemplo disso é o
documentário produzido pela jornalista Janaína Botelho (2015), Praça Getúlio Vargas – Um
Relato Social, a respeito dos cortes, no qual ela apresenta as imagens da derrubada e uma
série de entrevistas com os ativistas do movimento.
Entre as diversas reuniões em que o grupo atuou de forma propositiva e colaborativa
apontam-se as realizadas em fevereiro e março de 2015 nos seguintes Conselhos Municipais:
o Conselho Municipal de Meio Ambiente; o Conselho de Turismo, que contou apenas com a
presença de representantes da Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Nova Friburgo
(Acianf), Câmara Municipal, Secretaria de Agricultura e representantes da Secretaria de
Turismo; e o Conselho de Políticas Culturais. Na reunião deste último, “Alessandro Rifan,
Dias Henrique e Gutto Rodrigues, que faz[iam] parte da Setorial de Arquitetura e Urbanismo
do mesmo e particip[avam] do Movimento, sugeriram a criação de um Grupo de Trabalho
para aprofundar o tema e levar às próximas reuniões do Conselho” (ABRAÇO..., 2015c), o
qual foi implementado.
Com a chegada do carnaval, o grupo se organizou no bloco “Eu me amarro em
árvores” e criou duas marchinhas desaprovando os cortes realizados na praça. Nelas, os
126
123
O referido ICP foi instaurado na Procuradoria da República do Município para fiscalizar o manejo dos
eucaliptos pertencentes ao Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Praça Getúlio Vargas.
127
Por outro lado, o outro projeto, o Projeto Executivo de Revitalização da Praça de 2014
da Technische (2013/2014), aprovado pelo Iphan, foi alvo de diversas críticas pelo
movimento social, em razão da ausência de transparência e gestão participativa. O grupo SOS
Praça considera o projeto desproposital, pois orientava a derrubada de 108 árvores, entre as
quais os cerca de 70 eucaliptos tombados que formam o conjunto paisagístico idealizado por
Glaziou.
Ademais, o projeto contraria as recomendações sobre a conservação de jardins
históricos, sistematicamente ignoradas pelas gestões municipais que se sucederam. Entre as
diversas violações às regras sobre a referida conservação, previstas no projeto executivo em
questão, destaca-se a previsão do sacrifício simultâneo dos eucaliptos, a construção de
quiosques e setor de eventos, o que é vedado pela Carta dos Jardins Históricos Brasileiros
(2010), conhecida como Carta de Juiz de Fora. A carta condena a “cessão de áreas do
jardim histórico para usos e instalações alheias às suas funções originais” (CARTA..., 2010),
bem como a “abertura dos jardins históricos a eventos agressivos que possam submetê-los ao
risco de atos de vandalismo” (CARTA..., 2010).
O relatório do INEA nº 21.807/2015, realizado após os cortes, corrobora as denúncias
do movimento de que “a ação realizada na Praça Getúlio Vargas não respeitou nenhum dos
dois relatórios” (BARROS, 2017). O movimento, desde o momento em que teve acesso aos
128
dois laudos técnicos existentes, discutia sua qualidade técnica e as divergências entre eles.
Outra constatação, explicitada no TAC, é que as podas foram realizadas por empresas sem a
devida qualificação técnica.
Após a assinatura do TAC, o movimento protocolou no MPF uma lista dos seus
objetivos, entre os quais se destacam:
Respeito, defesa e preservação da condição básica da Praça Getúlio Vargas como
conjunto arquitetônico e paisagístico tombado pelo Iphan, considerando sua
importância sob aspectos sociocultural e afetivo para a comunidade em geral.
Realização das podas preventivas necessárias aos eucaliptos da Praça Getúlio
Vargas, tanto para a saúde das espécies arbóreas quanto para a segurança da
população que circula na praça e ao seu redor.
Transparência e participação nas tomadas de decisões sobre qualquer intervenção
que ocorra na Praça Getúlio Vargas, bem como o uso e a destinação de toda a
madeira que foi retirada do local através de um fórum de discussão e
participação. [...]
Realização de um terceiro laudo técnico fitossanitário do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas (IPT) de São Paulo ou de outra instituição federal das árvores
restantes bem como dos tocos das árvores que foram derrubadas indevidamente
ou não. (ARTE..., 2015).
124
Em 2015, a rede, que tinha o apoio do Ibase, era integrada por parceiros como associações de moradores;
Associação de Apoio Comunitário à Rádio Comunidade Friburgo; Centro Cultural Afro-Brasileiro Ysun-Okê;
Associação de Produtores Rurais e Amigos de Barracão dos Mendes; APAE; oficina-escola As Mãos de Luz;
Fórum Sindical e Popular de Nova Friburgo, entre outros.
130
A mandala de alfaces e repolhos era uma “horta efêmera”, segundo o artista César
Marçal, e a proposta da fictícia plantação de alface era contextualizar a palestra sobre o tema
“Plantação sem agrotóxico” de Flávio Jandré, que abordou os benefícios da agricultura orgânica
125
Segue a sinopse do filme: “Intervenções Abraço às Árvores Praça Getúlio Vargas foi definido por seus
realizadores como ‘um grito de socorro vindo dos eucaliptos centenários da Praça Getúlio Vargas, frente aos
criminosos cortes executados pelo então prefeito de Nova Friburgo, Rogério Cabral’. Considerado o mais
querido e central espaço público da cidade, a Praça Getúlio Vargas, ambiente histórico e familiar, foi projetada
em 1881 pelo famoso engenheiro e paisagista francês Auguste François Marie Glaziou. O filme mostra como o
movimento SOS Praça Getúlio Vargas realizou diversas intervenções artísticas e temáticas na praça, em forma
de protesto, reunindo forças e pressões que acabaram interrompendo os cortes dos eucaliptos, mantendo boa
parte das árvores Vivas!” O teaser do filme está disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ia2zdQcr63o Acesso em: 10 jul. 2021.
132
(JARDIM..., 2015; SCARINI, 2015d). Ao final, as verduras foram distribuídas aos alunos que
participaram da atividade. A seguir, a Figura 17 mostra a intervenção de dois ângulos diferentes.
126
Essa obra/performance é promovida desde 1994, já apresentada diversas vezes, inclusive na 29ª Bienal de São
Paulo em 2010, como exaltação à vida.
133
O autor da obra, Ronald Duarte, refletiu sobre a intervenção na praça como um ato
que visa repensar a violência do corte das árvores e de esperança de reconquista do que foi
perdido, senão veja-se:
Há que se pensar no respeito ao aspecto espiritual e energético dos seres vegetais
presentes no conjunto paisagístico na praça, trazendo a necessidade de se repensar
sobre o ato insano realizado, do que foi despedaçado, do que foi rasgado com
violência; e esperar reconquistar aquilo que se havia perdido. (INCID, 2015).
Após os cortes, somente em maio de 2015 foi aprovada a audiência pública na Câmara
de Vereadores, que foi realizada em dois dias (21 e 25 daquele mês). A ampla mobilização da
sociedade civil “resultou em uma plenária lotada, ativa, questionadora” (Anexo A).127 Na
audiência, solicitada pelo então vereador Cláudio Damião, do PSOL, foi apresentado pela
primeira vez o Projeto de Requalificação elaborado pela empresa Technische Engenharia,
com financiamento do Iphan, até então desconhecido pelo movimento e pela maioria da
população. A sessão presidida pelos vereadores Marcelo Verly (PSDB) e Marcio Damazio
(PSD) contou com a presença de representantes do Iphan, do Ministério Público Federal, da
Prefeitura de Nova Friburgo e de diversos setores da sociedade civil, como por exemplo os
integrantes do SOS Praça e a historiadora Janaína Botelho, representando a Universidade
Cândido Mendes (UCAM), conforme a Figura 19 a seguir.
127
Afirmação retirada de um breve relato de um dos integrantes do Movimento SOS Praça, disponibilizado por
Alexandre Rifan, sobre a atuação do movimento, destacando as ações no âmbito institucional em reuniões com
organizações não governamentais, em conselhos, em fóruns e grupos de trabalho, e especialmente na audiência
pública realizada em 21 e 27 de maio de 2015 na Câmara de Vereadores de Nova Friburgo. O relato em questão
foi uma das fontes utilizadas para a descrição das ações do movimento.
134
128
O repertório do trio é diverso: vai de música barroca a Vivaldi, de Haydn a música contemporânea, com
direito até à referida marchinha de carnaval satirizando as autoridades competentes quanto à operação que
causou um clarão na Getúlio Vargas, entre outras obras autorais, como a canção 3 peças, de Miguel Bevilacqua
(BLUE, 2015a).
136
Cultural e mediada por Gustavo Mello, integrante do Movimento SOS Praça, que se utilizou
do mapa falado nessa construção.
O evento se expandiu para a praça com ações socioculturais, lúdicas e artísticas.
Objetivava-se levar “ao público reflexões sobre a importância do espaço ser valorizado e
protegido sob o ponto de vista histórico” (FRICINE..., 2015). As atividades prosseguiram
com o “Cinema na Praça”, em que foram exibidas mostras de curtas-metragens do Cine Zé e
“Em busca da terra sem veneno”, do diretor Noilton Nunes. O cinema aberto em praça
pública, com base nos ideais cineclubistas, tornou-se mais uma ferramenta sociopolítica de
sensibilização, a partir de uma parceria com o Cineclube Lumiar, conforme mostra a Figura
21 a seguir.
Ainda naquele ano assumiu uma nova gestão municipal, do prefeito Renato Bravo. No
entanto, como será visto na seção seguinte, não há nenhuma mudança na conjuntura de
desdemocratização na política urbana municipal, que inclui as decisões sobre a Praça Getúlio
Vargas. A partir de 2016, o Movimento SOS Praça passa a se articular com outros coletivos e
instituições, como o Coletivo Nova Friburgo 200 Anos pra Quem?, também denominado
Coletivo 200 Anos pra Quem?, e a 9ª Subseção da OAB-RJ, com vistas a disputar a história
desse espaço e a da cidade, que estão imbricadas, bem como se entrincheirar na luta pelo
direito à cidade ao opinar sobre o debate jurídico envolvido em um TAC, que até os dias de
hoje acumula aditivos e descumprimentos.
129
Cf. o livro Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia: uma história (DOS SANTOS; CHALOUB, 2008), que
registra a história da instituição de ensino e a importância da primeira instituição de ensino superior de formação
de professores de Nova Friburgo, além de sua influência no campo educacional e cultural que transbordou as
fronteiras da cidade.
140
era o debate sobre o discurso oficial da Prefeitura Municipal a respeito dos festejos dos 200
anos da cidade ao redor da visão mítica de uma “Suíça brasileira”.
O coletivo criticava continuamente a exclusão dos portugueses e, principalmente, dos
africanos escravizados como povos formadores da cidade. A confirmação mais explícita de
que esse era o discurso oficial da prefeitura estava presente no texto oficial que divulgava o
calendário de atividades do bicentenário no site do evento, transcrito a seguir.
Suíços, alemães, libaneses, espanhóis, japoneses, italianos, húngaros e austríacos,
formaram o município, junto a portugueses e africanos, que aqui já circulavam por
conta da economia do café. A riqueza cultural desses povos gerou e propiciou ao
longo dos 200 anos, a serem completados em 2018, a construção da cidade.130
(FACEBOOK, 2018c)
Além de não mencionar os povos indígenas que, como visto anteriormente, viveram na
região, os portugueses e africanos foram retratados no texto oficial do bicentenário como
povos que apenas “circulavam por conta da economia do café” na cidade. Em post de março
de 2018, o coletivo exprimia sua reflexão sobre o referido texto oficial, ressaltando que os
portugueses e escravos negros viviam aqui antes mesmo dos suíços e denunciando novamente
a adoção do mito da “Suíça brasileira” nos festejos, senão veja-se:
Um ponto principal dessa parte do texto oficial fica por conta da citação a
portugueses e “africanos” que, segundo o próprio texto, “aqui já circulavam por
conta da economia do café”. Os autores desse texto cometem barbaridades em vários
sentidos: a) na verdade, portugueses e negros/escravos já viviam na região e muito
antes da presença suíça e da existência da economia cafeeira na região; b) ao
chegarem ao Brasil, suíços e alemães se depararam com a existência de uma
agricultura baseada no trabalho escravo predominante em todo o território nacional;
c) no período, Friburgo não foi espaço de homens livres. O historiador Rodrigo
Marretto comprova que, por exemplo, o médico suíço Jean Bazet, por longo tempo
Presidente da Câmara de Nova Friburgo, possuía escravos. O vigário católico suíço
Padre Joie [sic] era também proprietário de escravos. O homem mais rico do
Império Brasileiro, na segunda metade do século XIX, foi o escravagista Antônio
Clemente Pinto, o Barão de Nova Friburgo, de origem portuguesa, grande produtor
de café na região de Cantagalo, cuja a família habitava Nova Friburgo. [...] Pergunta
que não quer calar: será que essas edificações serviam para que a família Clemente
Pinto apenas “circulasse” por Nova Friburgo? Desse modo, contrariando o texto
oficial, portugueses e africanos não apenas “circulavam” em Nova Friburgo, mas
sim habitavam o espaço friburguense compondo significativa parcela da população.
Há no texto oficial a clara intenção de querer apresentar Nova Friburgo como uma
cidade “branca”, “europeia”, de homens “livres”, certamente sem conflitos sociais.
Tudo isso é base do que chamamos o “Mito da Suíça brasileira” construído com o
discurso de Agenor de Roure por ocasião do Primeiro Centenário em 1918. Parece
que o Bicentenário está se construindo como um repeteco do Primeiro Centenário.
Sendo assim podemos concluir que a “história se repete mas agora sem dúvida como
farsa (FACEBOOK, 2018c)
Às vésperas dos festejos, o coletivo divulgou nas redes sociais e distribuiu nas ruas o
manifesto “Nova Friburgo 200 Anos pra Quem?”(FACEBOOK, 2018b), no qual refutava o
130
O texto constava na página oficial do evento, disponível à época no link www.200anos.com. A página se
encontra fora do ar.
141
mito da “Suíça brasileira” e pleiteava um legado de políticas públicas que atendesse aos
interesses da população, como se lê no seguinte trecho e no folheto, ilustrado na Figura 24 a
seguir:
Nova Friburgo não é uma Suíça como querem, mas um município composto de
negros, índios, italianos, portugueses alemães, suíços, espanhóis, libaneses,
japoneses, húngaros e outros povos […] Necessitamos do resgate histórico e da
identidade de Nova Friburgo, reconhecendo o papel do negro na nossa história a fim
de destacar sua importância social, econômica e cultural na nossa formação
(FACEBOOK, 2018b)
Figura 24 – Folheto distribuído pelo Coletivo Nova Friburgo 200 Anos pra
Quem? no bicentenário e em outras atividades
Fonte: (FACEBOOK, 2018b)
A festa da desordem promovida pelo povo foi ofuscada pelo rito cívico do
bicentenário que, ao separar fisicamente a festa das autoridades e do povo, escancarou o
propósito da separação entre estes e os dirigentes estatais, com a divisão delimitada por
alambrados e policiamento de “quem é ator e quem é espectador” (DAMATTA, 1986, p. 58).
Ainda em 2018 a gestão municipal lançou o projeto “200 anos da imigração suíça de
1819”, capitaneado pela Associação Nova Friburgo–Fribourg, buscando manter na memória a
presença dos suíços na cidade, com previsão de festejos especialmente em novembro de 2019,
mês da chegada dos suíços na cidade. O lançamento do projeto ocorreu na Casa Suíça
(Queijaria Escola), com a presença do cônsul suíço e do prefeito Renato Bravo, que
evidenciou em sua fala o esforço da administração municipal em reafirmar o mito da “Suíça
brasileira”: “Todos nós estamos imbuídos no mesmo sentido, de continuar a mostrar a história
de Nova Friburgo e fazer com que as pessoas entendam e acreditem verdadeiramente nessa
história” (SCARINI, 2018b). Afinal, a crença é que mantém um mito no imaginário da
cidade.
Logo após a festa do bicentenário, na qual foram recebidos representantes suíços, o
prefeito fez uma visita oficial a Fribourg, na Suíça, com vistas a estreitar as relações de
intercâmbio com esse cantão. Em entrevista ao jornal local, o prefeito afirmou que:
[…] toda a história iniciada lá pelo doutor Ariosto, depois continuada pelo doutor
Heródoto e pela Associação Fribourg-Nova Friburgo, mostra uma preocupação
muito grande com a questão da queijaria, [...] Logicamente, nós queremos agora
ampliar esse leque, inclusive tivemos a oportunidade de falar hoje sobre a questão da
ciência e tecnologia. (HIRSCHY, 2018).
O prefeito Renato Bravo mais uma vez demonstrou que o propósito de sua gestão era
ser uma continuidade ao governo de Heródoto, ao afirmar que queria retomar a ideia deste de
construção de um trem. Não um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) para a circulação urbana,
como idealizado por Heródoto, mas um trem turístico (HIRSCHY, 2018).
Outro ponto de partida importante para compreender a disputa de narrativas históricas
que envolve a gênese da praça e da própria cidade pode ser identificado no Programa de
Educação Patrimonial elaborado pela Prefeitura em atendimento ao Termo de Ajustamento de
Conduta da Praça Getúlio Vargas, elaborado em 2018, que destaca como argumento principal
para a realização de uma prospecção arqueológica profunda na praça a possibilidade de
“encontrar vestígios dos colonos suíços” (PRAÇA GETÚLIO VARGAS – PROGRAMA DE
EDUCAÇÃO PATRIMONIAL, 2018. In: ICP, 1.30.006.000040/2015-00, fl. 914).
A ideia de “encontrar vestígios de suíços” em escavação em frente à casa do
barão de Nova Friburgo, sem mencionar vestígios de portugueses, africanos e outros povos e
143
seus descendentes, remete mais uma vez ao discurso da colonialidade como padrão de poder
fundamentado na tradição inventada da “Suíça brasileira”. De fato, esse discurso foi utilizado
naquela gestão para levar adiante um projeto, aqui considerado autoritário, de revitalização
desse espaço público tombado.
Segundo Ribeiro e Simão (2014, p. 4), a “história não é elemento neutro e as
diferentes formas de sua narrativa devem ser problematizadas de maneira a revelar as
injustiças a serem combatidas no sentido da realização do direito à cidade”. Assim, a narrativa
histórica oficial foi problematizada pelo Coletivo 200 Anos pra Quem?, reforçando a luta por
direito à cidade do Movimento SOS Praça que, naquele momento, aderia à crítica ao mito da
“Suíça brasileira”.
Essa busca de vestígios, de marcas de um passado suíço, revela ainda a mentalidade
retrotópica (BAUMAN, 2017) desse discurso histórico oficial. Ele se revela na busca de
elementos do passado, a partir do sentimento de nostalgia a respeito da colonização suíça, que
forneçam uma perspectiva de futuro, ainda que seja uma tradição inventada resgatada para a
construção de um futuro ilusório.
Nesse cenário, os coletivos e movimentos buscavam contrapor o processo de
desdemocratização nas decisões da gestão pública e disputar as narrativas da história oficial
em prol do direito à cidade. Entre outras atividades, organizaram caminhadas pelo centro da
cidade, guiadas pelos historiadores e professores João Raimundo Araújo e Ricardo Costa, em
que se convocavam estudantes para o evento “História de Nova Friburgo em Movimento”, e
organizavam palestras sobre a história da cidade com vistas a desmistificar a história
hegemônica da cidade.131 Em 2019, Manoel Espedito e Claudio Damião, integrantes do
coletivo, assumiram o programa Momento cidade na Rádio Comunidade de Nova Friburgo
(104,9 FM), que permanece no ar com a análise de conjuntura e entrevistas com figuras
progressistas da cidade. Seguem imagens de atividades realizadas em abril de 2018,
apresentadas na Figura 25.
131
Entre essas palestras, o movimento participou de atividade organizada pelo prof. Manoel Espedito no Centro
de Educação de Jovens e Adultos local (CEJA Nova Friburgo) com o historiador João Raimundo, em abril de
2018 (FACEBOOK, 2018d).
144
A Carta da OAB segue registrando o apoio às obras de reparo e manutenção que não
interferissem no traçado concebido por Glaziou, preservando a “catedral dos eucaliptos” e os
aspectos originais do espaço, com fulcro na Carta de Florença (2000) e a Carta dos Jardins
Históricos Brasileiros (2010), e apresentava exigências e requerimentos com base legislativa:
EXIGIR, com base no artigo 2º, inciso II da Lei Federal nº 10.257/01 (Estatuto da
Cidade), que todos os debates e deliberações relativos ao projeto de reforma e/ou
requalificação da Praça Getúlio Vargas aconteçam em ambiente de total
transparência e democracia;
132
A Carta da OAB foi encaminhada para as principais representações públicas: Prefeitura, Câmara de
Vereadores, Fundação Dom João VI, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Instituto
Estadual do Ambiente (Inea) e para os gabinetes dos deputados estadual Wanderson Nogueira e federal Glauber
Braga.
147
133
Carlos Delphim é um dos arquitetos mais célebres no tema de jardins históricos, sendo o autor do Manual de
intervenções em jardins históricos (2005), publicado pelo Iphan.
148
trabalhos, que estão em estágio inicial, serão acompanhados pelo Iphan;[...] (MPF
..., 2019).
época em relação aos mais vulneráveis e “espalharam faixas nas alamedas da Praça Getúlio
Vargas apontando algumas pro postas de governo que ainda não foram cumpridas pela
Prefeitura de Nova Friburgo” (ALT, 2019), conforme reprodução na Figura 28 a seguir.
bem como o fato de que o projeto de “revitalização” estaria expirado, pois teriam se passado
mais de dois anos da aprovação do Iphan. O representante do instituto presente à reunião
concordou, mas disse que caberia apenas adaptar o projeto, sem especificar se necessitaria de
nova análise do instituto.
Em suma, a gestão municipal de Nova Friburgo de 2016-2020, com respaldo do MPF,
foi impelida a participar das reuniões e audiências em questão, atrasar as obras e contratar
uma universidade que realizou um laudo fitossanitário dos espécimes da praça apresentado no
“apagar das luzes” da gestão (9 de novembro de 2020), em audiência pública realizada na
Câmara de Vereadores.
Por outro lado, insistiu durante toda a gestão em cumprir um projeto de “revitalização”
já expirado, sem aguardar as devidas autorizações, sem a realização da comunicação social
adequada dos seus atos ao movimento, à Subseção da OAB de Nova Friburgo e à população
em geral e, portanto, sem garantir a gestão democrática nas decisões sobre a praça.
Com isso, o caso exemplar em questão interessa à presente análise não apenas pelos
resultados às demandas da população, já que o espaço permanece em disputa. A pertinência
do caso se deve à atuação prática a partir de estratégias de interação institucional, incidência
institucional e às manifestações que visaram alterar as relações Estado e cidadão pautadas
pelo autoritarismo e a utilização do mito da “Suíça brasileira” como ideologia legitimadora
das alterações desse espaço. Conforme descrito, essa rede de interação pleiteou a
democratização desses espaços decisórios e disputou as regulações urbanísticas na esfera
municipal, utilizando as normas urbanísticas como um dos instrumentos de reivindicação.
Ao se articular com o Coletivo 200 Anos pra Quem? e em seguida com a OAB, o
discurso de que o Movimento SOS Praça era apenas um grupo de ambientalistas ou que
lutava pela preservação do patrimônio institucionalizado da praça não se sustentava. Com o
passar do tempo e com essas novas parcerias, a disputa histórica a respeito do espaço e da
cidade e a reivindicação do direito à cidade, especialmente a gestão democrática da cidade,
tornam-se o núcleo das demandas do grupo.
De fato, o campo da preservação do patrimônio cultural tem sido criticado tanto pela
sua parcelaridade, que separa preservação do direito à cidade (RIBEIRO; SIMÃO, 2014),
quanto pela carência de gestão democrática na atuação de órgão oficiais (SOARES, 2020).
Dessa forma, no caso-referência estudado, percebe-se que a criação de uma rede de
integração entre o movimento, coletivos e instituições comprometidas com a resistência ao
processo de desdemocratização acelerado apresentou um potencial democratizante e de
152
134
A divisão de Machado (2008) em quatro momentos tem uma importância meramente didática para o estudo
da obra de Lefebvre. Alerta-se, porém, que eles se sobrepõem e se desenvolvem ao mesmo tempo. Essa
classificação identifica quatro momentos da obra de Lefebvre: o marxismo, que se inicia nos anos 1930 e se
perpetua por toda a sua obra; a vida cotidiana, dos anos 1940 aos anos 1980; o citado momento da cidade e da
154
obra do autor.135 Este enquadramento mais amplo lhe dá base para a construção de seu
programa teórico-prático de emancipação da vida urbana orientador de outra sociedade, a
sociedade urbana. 136
Seguindo as orientações do próprio Lefebvre, que critica leituras fragmentadas de sua
obra (1976, p. 9), a investigação parte do pressuposto de que o direito à cidade lefebvriano só
pode ser compreendido inserido no fluido único que percorre o conjunto de seu pensamento.
Esse fluido que inunda sua obra consistiria na busca em restituir a teoria de Marx em toda sua
integridade e amplitude, reconhecendo a sua obra como inacabada e empreendendo ao mesmo
tempo uma atualização das grandes transformações que ocorreram durante o século que
separam as contribuições de Marx e de Lefebvre.
Em texto sobre “As temporalidades da história na dialética de Lefebvre”, Martins
(1996) transcreve um trecho de uma carta remetida por Lefebvre a ele, datada de 1977, em
que o autor repete a preocupação interpretativa ora narrada:
A dificuldade consiste em que os fragmentos não se dispersam e não se isolam, mas
convergem num projeto de transformação do mundo. Esse projeto se liga a um
trabalho de Marx, trabalho que de um lado busca restituir esse pensamento à sua
integralidade, e que de outro lado busca prolongá-lo e desenvolvê-lo em função do
que há de novo depois de um século no mundo moderno. (MARTINS, 1996, p. 13).
produção do espaço, nos anos 1960 a 1975; e o quarto momento, dos anos 1970 em diante, com destaque para
estudos sobre filosofia, “a diferença (1971), a autogestão e o papel do Estado (2001) na produção e re-produção
das relações sociais (1973), os ritmos sociais (1988) e as representações” (MACHADO, p. 88). Esse último
momento é denominado provisoriamente de Estado, a representação, a dialética.
135
Alerta-se que Lefebvre é um autor que não é capturável, seja pela sua vasta obra que contabiliza cerca de 70
livros publicados (MARTINS, 1996), seja pela abordagem inovadora de temas que abrangem desde a vida
cotidiana, até o espaço e a cidade e o urbano.
136
Lefebvre considera a sociedade urbana (ou o urbano) o destino da sociedade, como uma tendência, um
objeto virtual, possível e real que está destinado a se desenvolver como horizonte utópico. É uma hipótese
teórica e de uma utopia que busca na realidade e no presente as condições para a sua realização através de uma
práxis política revolucionária.
155
137
No mesmo sentido, Mayer (2012) compreende o conceito lefebvriano: “Na concepção de Lefebvre, a
urbanização representa uma transformação da sociedade e da vida cotidiana por meio do capital. Contra essa
transformação, Lefebvre procurou criar direitos através de ações sociais e ação política: a rua, e reivindicações a
ela, estão estabelecendo tais direitos […] Nesse sentido, o ‘direito à cidade’ é menos um direito jurídico, mas
uma demanda de oposição, que desafia as reivindicações dos ricos e poderosos” (2012, p. 71, tradução nossa).
No original: “In the Lefebvrian conception urbanization stands for a transformation of society and everyday life
through capital. Against this transformation Lefebvre sought to create rights through social and political action:
the street, and claims to it, are establishing such rights [...] In this sense, the “right to the city” is less a juridical
right, but rather an oppositional demand, which challenges the claims of the rich and powerful”.
156
139
Essa crítica artista teria duas vertentes: 1ª) O capitalismo como fonte de desencanto e de inautenticidade dos
objetos, das pessoas, dos sentimentos e, em geral, do tipo de vida que se encontra a ele associado; e 2ª) O
capitalismo como fonte de opressão, na medida em que se opõe à liberdade, à autonomia e à criatividade dos
seres humanos submetidos sob seu império, por um lado, à dominação do mercado como força impessoal que
fixa os preços, designa os homens e os produtos-serviços desejáveis e rechaça o resto e, por outro, às formas de
subordinação da condição salarial (disciplina de empresa, estreita vigilância por parte dos chefes e
enquadramento mediante regramentos e procedimentos).
159
dialéticos importantes para a compreensão da cidade: obra e produto / valor de uso e valor de
troca. O que se põe em questão é a possibilidade de apropriação, ou seja, de que os indivíduos
possam fazer a cidade de acordo com as suas necessidades e desejos, sendo arquitetos de sua
própria existência.
O direito à cidade em toda a sua amplitude é utopiano. Lefebvre assinala ser difícil,
muitas vezes, distinguir o possível do impossível, e assim distingue o pensamento utopístico
do pensamento utopiano, vendo no primeiro o sonho, o desejo, a impossibilidade de
concretização e, no segundo, a possibilidade do impossível no possível para transformar o
cotidiano e criar condições para a produção, apropriação e gestão social do espaço.
Nos rastros da leitura de Löwy e Sayre, 140 que se revela mais fiel ao espírito do
pensamento do que a letra do pensamento de Lefebvre, a partir da busca de afinidades
improváveis entre pensamentos, adota-se a tipologia romantismo como “Weltanschauung, ou
visão de mundo, isto é, como estrutura mental coletiva” (2015, p. 36). Os citados autores têm
o mérito de reconhecer a multiplicidade cultural do romantismo e, em linhas gerais, o definem
da seguinte forma em relação ao passado e futuro:
[...] o romantismo representa uma crítica da modernidade, isto é, da civilização
capitalista, em nome de valores e ideais do passado (pré-capitalista, pré-moderno).
Pode-se dizer que, desde a sua origem, o romantismo é iluminado pela dupla luz da
estrela da revolta e do “sol negro da melancolia”(Nerval). (LÖWY; SAYRE, 2015,
p. 41).
140
No quadro explicativo geral, os autores se baseiam na teoria da Weltanschauung conforme explorada por
Goldmann, com destaque para seu livro A sociologia do romance, em que o autor identifica o conflito entre
sociedade burguesa e certos valores humanos. Por outro lado, na produção do conceito se apoiam na
conceitualização de romantismo de Lukács, por ser o primeiro a relacionar explicitamente o romantismo em
oposição ao capitalismo.
141
Os românticos inseridos em seu tempo, na realidade, formulam uma autocrítica da modernidade. Löwy e
Sayre (2015) definem o conceito de modernidade a partir da construção de Max Weber, cujas principais
características são: o espírito de cálculo (Rechnenhaftigkeit), o desencantamento do mundo (Entzauberung der
Welt), a racionalidade instrumental (Zweckrationalität) e a dominação burocrática, que são inseparáveis do
aparecimento do “espírito do capitalismo”.
160
Os seis tipos de romantismo são organizados por Löwy e Sayre (2015) no espectro
político da “direita” para a “esquerda” como restitucionista, conservador, fascista, resignado,
reformador e revolucionário e/ou utópico. Para a pesquisa interessa o último tipo, que se
desdobra em cinco tendências distintas: jacobino-democrática, populista, socialista utópico-
humanista, libertária e marxista (2015, p. 110).
O romântico revolucionário e/ou utópico marxista investe na nostalgia do passado pré-
capitalista, na esperança de um futuro radicalmente novo (LÖWY; SAYRE, 2015, p. 130).
Assim, a partir da classificação proposta pelos autores, entende-se que Henri Lefebvre, assim
como o Movimento Surrealista e a Internacional Situacionista, que influenciam seu trabalho,
pertencem à tipologia romantismo revolucionário e/ou utópico de tendência marxista. O
romantismo revolucionário recusa:
[...] tanto a ilusão de um retorno puro e simples às comunidades orgânicas do
passado quanto a aceitação resignada do presente burguês ou seu aprimoramento por
meio de reformas, aspira – de uma maneira que pode ser mais ou menos radical,
mais ou menos contraditória – à abolição do capitalismo ou ao advento de uma
utopia igualitária em que se recuperariam certos traços e valores das sociedades
anteriores. (LÖWY; SAYRE, 2015, p. 102).
142
Ao analisarem o cenário francês contemporâneo, Löwy e Sayre identificam duas grandes tendências de
pensamento marxista, “[...] uma romântica e outra modernizante: o ‘espírito de 68’ – corrente ‘quente’,
humanista, que valoriza a paixão e a imaginação – e o estruturalismo, seguido do pós-estruturalismo [...] –
corrente ‘fria’, anti-humanista, que valoriza a estrutura e a técnica” (2015).
161
A partir dessa leitura poder-se-ia sugerir que Lefebvre está propondo uma nostalgia
romântica, um retorno ao paraíso perdido anterior à modernização capitalista. Mas seu
pensamento não está apegado a ilusões passadistas, tampouco ao regresso possível à cidade
tradicional ante a hipótese da completa urbanização da sociedade. O autor busca ultrapassar
as limitações do romantismo tradicional e lançar as bases para um novo romantismo: um
romantismo revolucionário voltado para o futuro.
Lefebvre formula sobre esse novo romantismo revolucionário na Nouvelle Revue
Française, no artigo “Vers un romantisme révolutionnaire”, de 1957, e posteriormente, no
livro Introduction à la modernité, no artigo “Vers un nouveau romantisme?”, de 1962. O
texto de 1957 apresenta um ponto de inflexão da obra do autor, segundo Rémi Hess e
Charlotte Hess, que consideram na introdução da reedição do texto: “Existe um Lefebvre
romântico revolucionário a partir de 1957 que não tem nada a ver com o Partido Comunista
dos anos 1950”143 (2011, p. 9, tradução nossa).
Para a compreensão do direito à cidade lefebvriano como conceito de raiz marxista
será utilizado o poder da metáfora romantizada do mito de Prometeu. Um dos primeiros
intérpretes desse mito foi o grego Ésquilo (525-456 a.C.), que, em sua peça Prometeu
acorrentado (2004), até hoje considerada um hino à liberdade, mostra Prometeu, preso à
montanha e perseguido pela águias, conversando com visitantes que lhe trazem notícias.
A revolta de Prometeu contra o sagrado está intimamente relacionada ao espírito
materialista, àquela temporalidade que torna o homem o centro de todas as coisas, autor do
seu destino, criador do seu futuro. Segundo Lefebvre: “Com Marx, o pensamento prometeico
passa audaciosamente do conceito econômico da produção a um conceito filosófico global: a
autoprodução do ser humano” (2016, grifo nosso).
De fato, o direito à cidade nasceu nas ruas de Paris, como resposta à reforma do
governo bonapartista empreendida por Haussmann, que remodelou a infraestrutura urbana da
143
No original: “[...] il existe un Lefebvre romantique révolutionnaire à partir de 1957 qui n’a rien à voir avec
le Parti communiste des années 1950”.
162
144
David Harvey trata do trabalho de Lefebvre considerando-o mais geral que o dele, “mas incompleto em
alguns aspectos” (1980, p. 261), no livro A justiça social e a cidade (1980), publicado no original em 1973,
apenas na conclusão em que cita as obras La révolution urbaine, de 1970, e La pensée marxiste et la ville, de
1972, ambas de Lefebvre, sem mencionar a categoria direito à cidade nem a obra Le droit à la ville, de 1968.
Segundo Tavolari (2016), o direito à cidade ganha atenção por parte do autor apenas em 2003, num breve ensaio
pouco conhecido, e em 2008, em artigo publicado na New Left Review (HARVEY, 2008) que viria a se tornar
uma das maiores referências para o debate acadêmico e para os movimentos sociais (TAVOLARI, 2016, p. 96-
97), com destaque para Cidades rebeldes (2014), no qual o autor estabelece um diálogo direto com Lefebvre.
145
Dentre os autores que se preocupam em retomar a interpretação que consideram autêntica da obra de
Lefebvre e resgatar seu potencial crítico e revolucionário podemos citar Harvey (2013), Purcell (2003) e Mayer
(2012).
146
Marcuse (2010) ressalta que Lefebvre usa a expressão cidade no singular, com um sentido unitário, como
estratégia política, que se diferencia dos direitos nas cidades, compostos por direitos plurais e que claramente
concordam com a demanda do direito à cidade no sentido unitário a que se referia Lefebvre, sendo sua aquisição
um passo importante para a cidade futura no sentido lefebvriano. Essa diferenciação explicita a origem do
conceito que apresenta uma perspectiva de ruptura com a ordem urbana capitalista, não se propondo ao
reconhecimento jurídico institucional de um novo direito.
163
“fala dos direitos” – e mais ainda a afirmação prática dos direitos – continue a ser
um exercício crítico para que a justiça social seja mais avançada do que restrita.
(2003, p. 6, tradução nossa).147
147
No original: “Part of my argument is that, in fact, rights matter (a position with which some on the left
disagree) — and so does law. I suggest that ‘rights talk’—and even more the practical assertion of rights—
remains a critical exercise if social justice is to be advanced rather than constricted” (MITCHELL, 2003, p. 6).
148
No original: “their guiding political-philosophical framework”
149
Tavolari cita as seguintes propostas de emenda constitucional não aprovadas que tratavam do termo direito à
cidade: “São as emendas n.214, n.544, n.556, n.612, n.7509, de Myriam Portella (PDS-PI), a emenda n.18320,
de Jutahy Junior (PMDB-BA) e a emenda n.27530, de Manoel Castro (PFL-BA).” (2015, p. 60)
165
texto novo, a gente teria que ver, e os Srs. Constituintes devem estar pensando sobre essa
questão, como abranger o direito à cidade a todos aqueles que habitam na cidade? Como
garantir a todos os habitantes da cidade o direito de cidadania? (NOTAS..., 1987).
Desde a década de 1970, tentativas consistentes foram feitas em países como Brasil e
Colômbia para materializar esse conceito não só em termos sociopolíticos, mas também no
campo jurídico, para que o direito à cidade se tornasse um marco normativo, e não apenas
uma noção política. Nessa direção, pode-se destacar, no contexto da América Latina, a Lei nº
388/1997, na Colômbia, e a Lei nº 10.257/2007 (Estatuto da Cidade), no Brasil
(FERNANDES, 2007, p. 204)150.
O direito à cidade ganha também projeção, como slogan, com as manifestações de
junho de 2013 como forma de organização da reivindicação dos movimentos sociais. Entre os
movimentos sociais brasileiros que mobilizaram esse slogan sobre os ecos das manifestações
de junho de 2013, pode-se mencionar: o Movimento Passe Livre, Movimento dos Sem-Teto,
Ocupe Estelita e os Comitês Populares da Copa no Rio de Janeiro (TAVOLARI, 2015).
No dizer de Alfonsin, o direito à cidade deve ser compreendido como direito coletivo
dos habitantes de territórios urbanos e, portanto, como pauta de reivindicação de movimentos
sociais urbanos, atores sociais e sujeitos coletivos “engajados na democratização dos bens
materiais e simbólicos produzidos e vivenciados nas cidades” (ALFONSIN et al., 2015, p.
71).
Assim, no campo jurídico adota-se o direito à cidade como referencial, no sentido de
Cavallazzi (2007), como núcleo de um sistema composto por um feixe de direitos que
estruturam o campo do Direito Urbanístico, como disciplina transdisciplinar que privilegia a
articulação principalmente das áreas de conhecimento do Direito e do Urbanismo.
A categoria analítica direito à cidade, como epicentro do Direito Urbanístico, deve ser
compreendida a partir de Henri Lefebvre151 e à luz dos direitos sociais fundamentais que, na
perspectiva da eficácia social do direito à cidade, exige o reconhecimento de um sistema
composto por um feixe de direitos, conforme a seguinte definição:
O direito à cidade, expressão do direito à dignidade humana, constitui o núcleo de
um sistema composto por um feixe de direitos incluindo o direito à moradia -
implícita a regularização fundiária -, à educação, ao trabalho, à saúde, aos serviços
públicos - implícito o saneamento -, ao lazer, à informação, à segurança, ao
transporte público, a preservação do patrimônio cultural, histórico e paisagístico, ao
meio ambiente natural e construído equilibrado - implícita a garantia do direito a
150
No original: “The approval of Law no. 388/1997 in Colombia, and Law no. 10.257/2001 in Brazil – the
internationally acclaimed City Statute – are very significant developments in this process.”
151
“O direito à cidade não pode ser concebido como um simples direito de visita ou retorno às cidades
tradicionais. Só pode ser formulado como direito à vida urbana, transformada, renovada” (LEFEBVRE, 1969, p.
108).
166
O direito à cidade deve ser reconhecido como interdependente dos demais direitos
humanos. No âmbito internacional, 152 o direito à cidade exige o reconhecimento de um
sistema composto por um feixe de direitos que também constituem os objetivos da Resolução
da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas de 2015 (NAÇÕES UNIDAS-
BRASIL, 2015).153
Segundo Cavallazzi (1993), não ocorre uma absorção indiscriminada das práticas
emergentes na teoria, mas um processo envolvendo a juridicidade de tendências que as
atravessam, de modo a justificar a eliminação das exceções em benefício da regularização e o
reconhecimento do que denomina práticas sociais instituintes. Logo, o Direito Urbanístico,
como direito difuso, pressupõe uma interpretação flexível e uma abordagem transdisciplinar
do conteúdo do direito à cidade, na perspectiva do reconhecimento de práticas sociais
instituintes (CAVALLAZZI, 1993).
A compreensão da produção de sentido do que se denomina direito à cidade em
movimento154 (CAVALLAZZI; FAUTH; ASSIS, 2018) diz respeito às várias possibilidades
do diálogo entre direitos instituídos e direitos sociais instituintes que permitem reconhecer as
novas demandas sociais concretizadas nas práticas sociais instituintes.
Assim, contemporaneamente, o direito à cidade é um significante em disputa com um
inegável potencial crítico politizador. Apesar de não haver um senso comum teórico a respeito
do seu significado em nenhuma das disciplinas que adotam a categoria analítica direito à
152
A sociedade civil respondeu às demandas urbanas redigindo a Carta Mundial do Direito à Cidade, aprovada
no V Fórum Social Mundial em 2005, afirmando que o direito à cidade é reflexo da dignidade humana e tem
conteúdo indissociável dos demais direitos humanos. Após esse evento, o direito à cidade ganhou status
internacional, como direito fundamental na esfera do Direito Internacional. Segue a definição prevista na carta:
“O Direito a Cidade é definido como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade,
democracia e justiça social; é um direito que confere legitimidade à ação e organização, baseado em seus usos e
costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito a um padrão de vida adequado. O Direito à
Cidade é interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos
integralmente e inclui os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais Inclui também o
direito a liberdade de reunião e organização, o respeito às minorias e à pluralidade ética, racial, sexual e cultural;
o respeito aos imigrantes e a garantia da preservação e herança histórica e cultural” (CARTA MUNDIAL..,
2005).
153
A Resolução da Assembleia Geral da ONU de 2015 apresenta a agenda de desenvolvimento sustentável até
2030, com 17 objetivos universais, que inspirou a escolha do tema Sustentabilidade como eixo central do
Programa Institucional de Internacionalização da UFRJ e do “projetinho” “Direitos Humanos, democracia e
desenhos institucionais em tempos de crise: o crescimento sustentável como forma de combate às desigualdades”
do PPGD/ UFRJ.
154
A categoria “direito à cidade em movimento” é adotada e sua produção de sentido é debatida
continuadamente pelo Laboratório de Direito e Urbanismo (LADU) desde 2016, momento em que o laboratório
organizou o seu VI Colóquio com o tema “Direito à cidade em movimento: vulnerabilidades nas metrópoles”.
167
cidade como chave de reflexão, a sua pluralidade significativa deve ser compreendida como
reveladora do seu potencial transformador.
Nesse contexto, a presente investigação reconhece ainda que o direito à cidade se
apresenta como categoria analítica adequada para constituir um contraponto que pretende
superar obstáculos criados por consensos inerentes ao senso comum teórico dos juristas
(WARAT, 1979, p. 179) e especificamente na compreensão dos desafios da cidade
contemporânea. No campo do direito, as chaves de solução buscam superar a matriz moderna
que administra demandas individuais e singulares. Nessa perspectiva, um sistema fechado,
abstrato e pretensamente abrangente sobre todas as situações não atende às demandas da
sociedade contemporânea, repleta de interesses e valores múltiplos e plurais.
Em vista disso, a presente proposta envolve uma abordagem diferenciada,
especialmente estabelecendo a conexão dos campos do Urbanismo e do Direito, essencial para
a leitura e compreensão da cidade. Esse diálogo poderá atingir um marco representativo de
estudos que compreenda o agravamento das vulnerabilidades que fragmentam direitos, sendo
possível também considerar que, no contexto da globalização, a contrario senso, o processo
de fragmentação possa vir a explicitar novas demandas coletivas.
Essa proposta de olhar visa comover as certezas produzidas especialmente no campo
jurídico, ao revelar que o movimento está implícito no direito à cidade, na perspectiva de que
seu significado estará sendo constantemente redefinido e experimentado, nesse contexto
histórico específico, pelas práticas sociais instituintes, como as ações do Movimento Social
SOS Praça. Esse movimento, atribuído ao direito à cidade, ocorre ainda quando se reavivam
os projetos frustrados dos que foram esmagados pela história, abrindo um feixe de possíveis
para o presente.
A expressão “feixe de possíveis” é utilizada no sentido de Oliver Corpet, que a adota
para se referir à proficuidade da obra lefebvriana (1991 apud LUTFI; SOCHACZEWSKI;
JAHNEL, 1996, p. 87). Segundo o autor, a obra lefebvriana ajuda a enxergar nas relações
socioespaciais de nosso tempo um feixe de possíveis, a partir de uma utopia não platônica que
não separa de forma dicotômica o que se deseja do que se pratica. Assim, o feixe de possíveis
revela as possibilidades de projetar o futuro no presente.
A análise do caso-referência, especificada no capítulo anterior, implica a incidência da
luta contra o processo de desdemocratização em curso, no caso de Nova Friburgo e de outras
cidades brasileiras, ao incluir as demandas de várias áreas que reivindicam seus direitos
esvaziados com esse processo.
168
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cidade espera que alguém saiba e queira lê-la. Para ler Nova Friburgo foi preciso
resgatar a construção do seu passado inventado e perceber sua história vivida através da
paisagem, na disputa de narrativas históricas da Praça Getúlio Vargas, coração da cidade.
Na praça e seu entorno, em que tudo, desde o casarão do barão até a ferrovia, foi
construído por escravos negros, que não circulavam pela catedral de eucaliptos mas
vivenciavam a cidade, o catador de dejetos dos vencidos desvela criticamente essa história
ressuscitando planos do passado, com vistas à ação no presente no horizonte de outros
futuros.
A cidade é lugar de produção de mitos e símbolos. Nesse sentido, a cidade se torna
objeto privilegiado para estudos críticos, pois deve ser observada atentamente para que
prospere na sua atividade de “caça-mitos”. Em Nova Friburgo, elegemos em nossa pesquisa o
mito da “Suíça brasileira” como a chave de sentido para desvelar a continuidade do seu marco
de colonialidade.
Nessa tarefa, a pesquisa foi guiada pela perspectiva sociojurídico-crítica, seguindo a
proposta de ir além da mera discussão de conceitos, buscando constantemente a referência dos
fatos reais, práticos, extraídos do agora, para apresentar encaminhamentos para as questões-
problema vivenciadas no momento vivido. Assim, a investigação não se propôs a encerrar as
questões-problema apresentadas, mas abrir caminho para novas reflexões e horizontes de lutas
por democracia e direitos.
Ao observar o presente processo de desdemocratização e seus efeitos na política
urbana brasileira, optou-se por partir do solo histórico social da cidade de Nova Friburgo. As
primeiras interrogações sobre a pesquisa surgiram com a observação de que havia uma
insistência de grupos políticos e empresariais em reafirmar, especialmente na festa de ordem
do bicentenário, uma tradição, que consideramos inventada, no século passado, como
justificativa legitimadora de suas ações e decisões autoritárias, que revelavam o processo de
desdemocratização da política urbana na cidade de Nova Friburgo em curso.
Assim, o percurso da tese se inicia com a análise dos impactos na política urbana
brasileira e, em especial, na política urbana em Nova Friburgo dos processos de
democratização e desdemocratização neoliberal, seguido pelo reconhecimento da
170
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https://cespro.com.br/visualizarDiploma.php?cdMunicipio=6811&cdDiploma=1029#a1
Acesso em: 10 set. 2019.
ANEXOS
198
ANEXO A
Breve relato do processo que envolveu a luta cidadã em defesa do mais significativo
Patrimônio Histórico, cultural e Afetivo de Nova Friburgo/RJ.
Por Alessandro Rifan – Arquiteto e Gestor ambiental. Maio/2018
155
Conjunto Arquitetônico e Paisagístico da Praça Getúlio Vargas, tombado com patrimônio cultural inscrito no
livro do tombo do IPHAN, sob o no50, conforme processo no833-T-71, de 4 de julho de 1072, no município de
Nova Friburgo/RJ.
156
Falta nos laudos o respaldo fitopatológico que realmente comprovasse a insanidade dos eucaliptos. Após os
cortes realizados, observou-se cernes íntegros e com uma cor avermelhada, demonstrando de maneira visual
qualidade e saúde dos eucaliptos.
157
Serraria Melodia: Empresa que conduziu os serviços, sem especialização em manejo florestal e sem
profissionais habilitados para acompanhamentos.
158
Ver autuação Instituto Estadual do Ambiente (INEA) – Relato Técnico de Vistoria no 21. 807, código 084/2015.
159
As inúmeras denúncias e relatos técnicos protocolados pelo movimento no Ministério Público Federal – MPF,
forneceram subsídios para a instauração do Termo de Ajuste de Conduta (TAC). Foi o ativismo da sociedade
que resultou na interrupção parcial das derrubadas.
200
167
É necessário verificar se os outros itens correspondentes ao TAC estão sendo cumpridos pela PMNF.
168
Um dos exemplos do não cumprimento do TAC é o item que exige a manutenção e a guarda saudável das
madeiras – “Da destinação da madeira, Clausula nona: A PMNF se obriga a inventariar, avaliar e conservar a
madeira resultantes dos serviços de cortes e podas emergenciais” (...). Em 29/Fev/2016, membros do Grupo de
Trabalho no Conselho Consultivo/Grupo SOS, acompanhados da defesa civil local, fizeram visita ao local onde
se encontram parte das madeiras e verificou que: As madeiras estão apodrecendo a céu aberto; foram
literalmente jogadas em área alagada; As madeiras já processadas para venda na ocasião foram colocadas
202
poder municipal, e sem fiscalização efetiva por parte do poder judiciário. Há uma
GRAVÍSSIMA INCONGRUÊNCIA: Uma das cláusulas “Da execução do projeto de
requalificação” página 09, exige que o Projeto Thecnische de descaracterização seja
cumprido. Isto é, segundo o projeto técnico todos os eucaliptos tombados por lei
deverão ser derrubados, independente se estão sadios ou não. A respectiva
cláusula não considera a lei que definiu a condição de tombamento da Praça. Então
para que serve os laudos?
A elucidação levantada pela sociedade civil através do controle social
vigilante durante o processo, tanto pelos estudos técnicos realizados, quanto pelos
acompanhamentos nas esferas executiva, legislativa e jurídica, levantam suspeitas
sobre os verdadeiros interesses do projeto elaborado pela empresa Thecnische,
com o aval do IPHAN e do próprio MPF 169. Trata-se de uma proposta que sustenta a
implementação de um projeto ilegal, que orienta a derrubada de 108 árvores, sendo
cerca de 70 eucaliptos tombados que formam o conjunto paisagístico idealizado pelo
botânico e paisagista francês Auguste Glaziou. Portanto, a destruição de toda a
praça. Acreditamos que o interesse real é pelo destombamento total da praça, e pelo
seu entorno também preservado através dos casarios históricos. Dessa maneira,
abre-se a possibilidade de verticalização das construções com o aumento dos
gabaritos, e conseqüentemente o favorecimento de grupos imobiliários hegemônicos
na cidade. Trata-se de um processo, como vários outros no Brasil, no qual gestores
públicos, por meio de projetos urbanísticos, tiram a cidade das mãos dos seus
moradores e a colocam a serviço das corporações. Quando o espaço público é
privatizado, os preços sobem, a violência policial aumenta, a liberdade dá lugar à
vigilância e todos são afetados. Uma cidade privatizada só funciona para quem está
disposto a pagar muito para viver nela.
embaixo das toras. Isto é, as provas, propositalmente foram escondidas. As madeiras estão depositadas nesta
situação deste Fevereiro de 2015.
169
Segundo o Termo de Ajuste de Conduta (TAC), o MPF exige a realização do projeto de requalificação. Isto é,
o próprio MPF orienta a destruição do Patrimônio Histórico e Cultural, indo em desencontro a lei que garante sua
integridade como Jardim Histórico tombado.
203
CRONOLOGIA:
170
Declaração do técnico do Iphan, Sr. Carlos Fernando de Moura Delphim – Ver Doc.
204
ANEXO B
CARTA DA OAB
208
EXIGIR, com base no artigo 2o, inciso II da Lei Federal no 10.257/01 (Estatuto
da Cidade), que todos os debates e deliberações relativos ao projeto de reforma
e/ou requalificação da Praça Getúlio Vargas aconteça em ambiente de total
transparência e democracia;
EXIGIR, com base no artigo 216, parágrafo 2o da Constituição da República de
88 e da Lei Federal no 12.257/11 (Lei de Acesso à Informação), que todos os
documentos, pareceres, plantas e relatórios relativos ao projeto de reforma e/ou
requalificação da Praça Getúlio Vargas, integrantes ou não do Termo de
Ajustamento de Conduta (TAC) no 02/2015, sejam livremente acessados,
preferencialmente através da rede mundial de computadores;
REQUERER que a Prefeitura Municipal, por sua Secretaria de Meio Ambiente
ou outro órgão mandatado para esta finalidade, constitua comissão popular para
acompanhamento permanente do projeto de reforma e/ou requalificação da Praça
Getúlio Vargas, principalmente na fase de execução das obras;
SOLICITAR que esta Subseção da OAB, por sua diretoria e comissões
temáticas, tenha assento na comissão referida, cujo desenho institucional
priorizará a criação de um ambiente democrático, com espaços inequívocos de
exercício do poder e da vontade popular, respeitando-se o princípio geral de
preservação do patrimônio histórico e cultural;
RECOMENDAR que a atualização do Plano Diretor Municipal contemple as
questões debatidas no curso da audiência pública;
CUMPRIMENTAR a Câmara Municipal de Nova Friburgo, presente ao ato na
figura do seu Presidente, que se comprometeu solenemente com a
democratização de debate, colocando o poder legislativo à disposição desta OAB
e dos movimentos sociais, inclusive se empenhando na realização de nova
audiência pública nas suas dependências.
210
ANEXO C