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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS - CFCH


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Projeto de pesquisa: Ritmos, cores e gestos da negritude pernambucana.


Sub-projeto: Memória e história dos movimentos negros de Pernambuco.
Aluno: Guilherme Lima Ferreira
Orientadora: Isabel Cristina Martins Guillen

Junho 2020
IDENTIFICAÇÃO

Nome do Orientador: Isabel Cristina Martins Guillen


Nome do Aluno: Guilherme Lima Ferreira
Área/ Sub-área do História/História do Brasil
projeto:
Título do projeto: Memória e história dos movimentos
negros de Pernambuco
Departamento/Centro: História - CFCH

INTRODUÇÃO
O presente projeto tem como foco a memória e a história dos movimentos negros em
Pernambuco, bem como as relações construídas por seus militantes com a cultura afro-
descendente nas décadas de 1970-2010. O propósito é ouvir lideranças, masculinas e
femininas dos movimentos negros e movimentos culturais afrodescendentes em Pernambuco
e colocar em circulação uma outra história/memória/olhar sobre a cultura que se fazia na
cidade, o viver e as lutas sociais travadas no período. Trata-se de um período significativo, de
intensas lutas sociais, e da consolidação de uma identidade afrodescendente, de um modo
de ser negro, consubstanciado, sobretudo, na denúncia da existência do racismo e da
ideologia da democracia racial. Este projeto se propõe a pensar a história de diversas
manifestações, como maracatus-nação, afoxés, grupos de teatro na cidade do Recife, durante
as décadas de 1970 a 1990, imersos numa complexa luta política para estabelecer o poder
de significar as práticas culturais afrodescendentes. Este é o período em que assistimos a
consolidação e legitimação de diversos movimentos negros que colocaram em pauta não só
a luta contra a discriminação racial, mas também a negritude, em que as manifestações
culturais exerceram papel central na formação de uma identidade negra. Nesse sentido, este
projeto deve discutir a atuação dos movimentos negros nas manifestações da cultura
afrodescendente, analisando sua participação nos maracatus bem como as estratégias que
redundaram no apoio à criação de afoxés no Recife. É fundamental que se analisem no bojo
dessa discussão os resultados da política implementada pelos movimentos negros que trazem
consigo uma valorização da cultura afrodescendente, buscando nesse processo a criação de
uma negritude.
O Laboratório de História Oral e da Imagem da UFPE (LAHOI) abriga um grande
acervo de entrevistas realizadas, pelos pesquisadores Ivaldo Marciano de França Lima e
Isabel Guillen, com agentes culturais dessas manifestações da cultura afrodescendente, como
reis e rainhas de maracatu, mestres de batuque, cantores e articuladores de afoxés,
desfilantes, além de militantes dos movimentos negros. O LAHOI ainda possui uma extensa
coleção de recortes de jornais que tem a cultura negra no Recife em pauta. Este acervo vem
sendo formado através de projetos de pesquisa, como o Inventário Nacional de Referências
Culturais dos Maracatus Nação, História e memória dos maracatus nação, organização do
acervo do MNU, dentre outros. Grande parte desse acervo de entrevistas encontra-se on-line,
com transcrições feitas e revisadas. Um dos objetivos deste sub-projeto de pesquisa é analisar
e organizar as entrevistas realizadas com militantes dos movimentos negros e ativistas
culturais, revisar as transcrições que necessitem desta tarefa, bem como transcrever
entrevistas que ainda não foram transcritas. Objetiva-se sistematizar os dados do acervo do
LAHOI no que diz respeito aos movimentos negros para tornar essa documentação mais
facilmente acessível a pesquisadores e com melhores condições de preservação.
OBJETIVO GERAL:
Objetiva-se revisar, organizar e sistematizar a documentação acerca da história da
cultura afrodescendente existente no LAHOI (Laboratório de História Oral e da Imagem da
UFPE), em especial dos militantes de movimentos negros, contribuindo para a preservação
do acervo e permitir que outras vozes possam ser ouvidas e consequentemente construir uma
diversidade de pontos de vista acerca da cultura pernambucana. Ressalte-se também a
importância deste projeto para os pesquisadores que poderão compulsar um acervo
sistematizado sobre a história dos movimentos negros em sua relação com a produção de
uma identidade cultural afro-pernambucana

Objetivos Específicos:

 Analisar as entrevistas realizadas com militantes dos movimentos negors existentes


no LAHOI, com o objetivo de fazer um levantamento das questões abordadas.
 Analisar a documentação (recortes de jornais) nos dois principais jornais diários da
cidade (Diário de Pernambuco e Jornal do Commercio) existentes no LAHOI.
 Atualizar e revisar o site do LAHOI conferindo os dados nele contidos com o acervo
do laboratório. O site será produzido como importante estratégia de preservação e
divulgação documental, bem como educacional.
 Fazer revisão da bibliografia sobre o tema, principalmente das teses e dissertações
defendidas nos últimos dez anos.
 Produzir relatórios e participar de encontros de iniciação científica.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Memória histórica há algum tempo vem preocupando os historiadores. Por memória


histórica queremos dizer que nossas preocupações se voltam não apenas para “o que
aconteceu”, mas como as pessoas lembram o que aconteceu e como atribuem significados
ao passado. Tem sido uma tendência na história oral a defesa da coleta de depoimentos de
pessoas comuns e promover uma discussão sobre as memórias hegemônicas, sobre a
necessidade de colocar em circulação outras memórias que promovam a polissemia da
experiência humana.
Este projeto tem a pretensão de desenvolver uma pesquisa em que a memória esteja
no centro do seu debate, não apenas como fonte, mas pensada como um constante re-
significar da experiência vivida. A memória, portanto, está sendo pensada muito mais do que
uma possibilidade de fonte, uma vez que é também um dos objetos de nossa discussão. As
entrevistas que nos propomos a fazer com as pessoas que participaram dos movimentos
negros (e que foram também ativistas de diversos grupos culturais afrodescendentes) não
tem como objetivo central a coleta de dados, para cotejar ou balizar determinadas posições
que estes assumem na atualidade em detrimento de outras. Interessa-nos pensar nas razões
que levam os sujeitos a ressignificar sua memória, e o papel social que a mesma cumpre nas
posições que os movimentos negros e grupos culturais assumem no debate político-cultural
da cidade do Recife, bem como entender as pequenas tramas, e a urdidura desse processo.
Nesse sentido, o recorte da memória nos permitirá trazer à tona outras versões sobre
a história do Recife e de Pernambuco no período. Objetiva-se através das entrevistas de
história oral realizadas registrar a memória de militantes dos movimentos negros e dos
ativistas que se relacionaram com grupos de maracatu, afoxés, teatro e outras manifestações
culturais em que a questão da negritude estava em pauta.
Outro aspecto a se considerar, diz respeito aos processos de mediação cultural. A
visão, um tanto quanto estanque dos processos de trocas culturais foi criticada ao se afirmar
a impossibilidade de se proceder a tais separações, entre o popular e o erudito. Não obstante
as observações feitas por Chartier e Michel de Certeau, dentre outros, a utilização do conceito
de cultura popular ainda é válida na medida em que marca o lugar social onde é produzida,
permitindo a fluência das diferenças num mundo onde tudo se imiscui e se transmuta, bem
como os diferentes significados que as práticas culturais adquirem no seu fazer. Esta é uma
posição que se aproxima da abordagem de Thompson ao discutir as práticas culturais dos
operários ingleses, suas imbricações com a experiência e consciência de classe. Estas
posições, contudo, não anulam as discussões feitas por Carlo Ginzburg no prefácio da obra
O queijo e os vermes, onde discute a utilização do conceito de circularidade utilizado por
Bakthin. Este é uma discussão que se espraiou em diversos campos e tem utilizado vários
conceitos, mas cujo debate se centra nas trocas culturais. Devemos aqui mencionar os
estudos de Canclini e a conceitualização do hibridismo cultural, e Gruzinski com o de
mestiçagem.
Encontramos tal debate nos estudos afrodescendentes, em que a crioulização é
contraposta a uma permanência da africanidade. A África, o lugar que ocupa no imaginário
e na construção de identidades, tem sido largamente discutido. Essa questão, também central
para este projeto, foi sintetizada por Stuart Hall ao afirmar que a África é como útero de mãe
para onde sempre se quer voltar. Não se pode pensar a cultura afrodescendentes na
contemporaneidade sem se pensar o lugar ocupado por essa África mitificada. É inútil querer
mascarar a perda resultante da diáspora africana, pois “o passado continua a nos falar. Mas
já não é como um simples passado factual que se dirige a nós, pois nossa relação com ele,
como a relação de uma criança com a mãe, é sempre já ‘depois da separação’. É construído
por intermédio de memória, fantasia, narrativa e mito”. É por isso que a volta à terra natal
está quase sempre no horizonte, como desejo pulsante, de ser de novo um só com a mãe.
“Quem não conheceu, (...), uma opressiva nostalgia por origens perdidas, pelos ‘tempos
passados’? Entretanto, esse retorno (...) não pode ser realizado nem esquecido e é pois o
começo do simbólico, da representação, a fonte infinitamente renovável de desejo, memória,
mito, busca, descoberta - em suma, o reservatório de nossas narrativas...”
Nesse sentido, metodologicamente esta pesquisa se propõe a fazer um constante diálogo
com a memória e com a documentação histórica no sentido de fazer emergir outras
experiências sociais, mostrando os movimentos negros e os diversos grupos culturais de
afrodescendentes em atuação no período, como sujeitos de sua história, como agentes
sociais que buscaram construir um lugar social e definiram estratégias para assegurar não só
espaço e legitimidade na luta contra a discriminação racial, e a ideologia da democracia racial,
mas no direito de constituir uma identidade própria, uma identidade negra.

METODOLOGIA

Este projeto toma como parâmetros trabalhos de história oral já consolidados, como os do
Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOC) da FGV, Rio de Janeiro, ou também o Museu
da Pessoa (http://www.museudapessoa.net/), além dos já desenvolvidos aqui em
Pernambuco pelo Centro de História do Brasil (CEHIBRA) da Fundação Joaquim Nabuco, e
Laboratório de História Oral do Departamento de História da Universidade Federal de
Pernambuco, em que estas instituições contribuíram para colocar em circulação outras
histórias e experiências vividas, mesmo que de pessoas comuns, mas nem por isso menos
dignas de registro. A pesquisa em foco deverá sistematizar um significativo acervo
documental sobre as experiências sociais e culturais de negros e negras de Pernambuco,
tanto de entrevistas a serem realizadas com os militantes históricos dos movimentos negros,
como de documentação que o projeto se propõe a levantar em diversas instituições de
pesquisa do Recife.
A pesquisa seguirá os seguintes passos:
1. Proceder a levantamento bibliográfico sobre a história dos movimentos negros em
Pernambuco do Recife, notadamente as teses e dissertações defendidas na última
década.
2. Analisar e discutir a bibliografia para proceder a levantamento de questões e
debates propostos pela historiografia.
3. Sistematizar as fontes existentes no LAHOI, tanto as entrevistas de história oral
como os recortes de jornal, organizando-as de modo a que se tornem mais
acessíveis a novos pesquisadores.
4. Analisar as fontes e proceder a levantamento de questões abordadas pelas
mesmas.

RESULTADOS ESPERADOS

Espera-se com esta pesquisa produzir material que avalie as entrevistas realizadas no
LAHOI, quais os temas que essas entrevistas abordam, quais questões os entrevistados
suscitam e que podem gerar novos temas de pesquisa em história cultural e em especial da
cultura popular em Pernambuco.
Por outro lado, a pesquisa deverá organizar e sistematizar as entrevistas já realizadas
no LAHOI, tornando seu acervo mais acessível ao grande público e aos pesquisadores em
especial.
Esta organização deverá contribuir para a preservação do acervo e dar visibilidade ao
mesmo com o objetivo de incentivar novas pesquisas e novas abordagens sobre a
documentação conservada no laboratório.

5. Viabilidade da execução do projeto.

O projeto de pesquisa pretende desenvolver suas atividades no LAHOI (Laboratório de


História Oral e da Imagem da UFPE) no Departamento de História. Trata-se de laboratório de
ensino e pesquisa, com acervo já formado como resultado de outros projetos desenvolvidos
pelos pesquisadores Isabel Guillen e Ivaldo Marciano de França Lima, além dos inventários
dos maracatus-nação. O Laboratório encontra-se equipado com computadores, acesso à
internet e seu acervo preservado nos computadores, na rede da universidade (NTI) e também
na Rede Nacional de Pesquisa. Não se encontra, portanto, impedimentos de monta para a
realização do projeto.
Cronograma de Atividades do Aluno:

Atividades 1° 2° 3° 4°
Trimestre* Trimestre** Trimestre*** Trimestre****

Levantamento XXX XXX XXX


bibliográfico e leitura
da historiografia
sobre o tema

Análise dos jornais XXX XXX XXX

Análise de entrevistas XXX XXX XXX

Entrega do relatório XXX


parcial

Apresentação de
trabalho no
XXX
Encontro de Iniciação
Científica

Entrega de relatório XXX


final de Pesquisa

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