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A Infanta Dona Beatriz de Castro e de Portugal

– uma «espécie» de Rainha (1367-1373)

Trabalho de Investigação apresentado no Seminário de Género e Poder na Idade Média,


regido pela Prof.ª Doutora Manuela Santos Silva
Ana Filipa Coelho Muxagata, nº 48327
Mestrado em História – Especialidade de História Medieval
Lisboa, 30 de Junho de 2017
Índice

Capa p. 1
Índice p. 2
Introdução pp. 3-4
A Infanta Dona Beatriz – uma «espécie» de Rainha (1367-1373): pp. 5-12
Biografia da Infanta Dona Beatriz pp. 5-6
Dona Beatriz uma «espécie» de Rainha (1367-1373) pp. 7-11
Doações Recebidas pela Infanta Dona Beatriz pp. 12-13
Conclusão p. 14
Fontes e Bibliografia pp. 15-18

2
Introdução
A presente investigação, realizada no âmbito do Seminário de Género e Poder na
Idade Média, pretende perceber de que forma e porquê a Infanta Dona Beatriz de Castro
era uma «espécie» de Rainha antes do casamento do Rei D. Fernando, seu irmão (1367-
1373). Também se apresentará algumas damas e senhores da Infanta. Ainda farei
algumas referências doações recebidas pela Infanta.
Os objectivos deste trabalho de investigação são: perceber de que forma e
porquê a Infanta Dona Beatriz de Castro era uma «espécie» de Rainha antes do
casamento do Rei D. Fernando; apresentar algumas damas e senhores da Infanta.

Não existem obras específicas sobre a Infanta Dona Beatriz de Castro, tendo por
isso que recorrer a bibliografia sobre os avós paternos (os Reis D. Afonso IV e Dona
Beatriz), os pais (Rei D. Pedro e Dona Inês de Castro), e o meio-irmão (Rei D.
Fernando) e a esposa deste (Rainha Dona Leonor Teles). Especificamente sobre a
Infanta consultei o Capitulo “Da Infanta D. Brites, Mulher de D. Sancho, Conde de
Albuquerque” da obra História genealógica da Casa Real portuguesa de António
Caetano de Sousa e o romance histórico Beatriz de Portugal - A filha bastarda de D.
Pedro e D. Inês de Paula Cifuentes.
Assim sendo tive que recorrer também a obras sobre os familiares anteriormente
apresentados, mas também à biografia da neta desta Infanta (Dona Leonor de
Albuquerque que casou com o Rei D. Duarte, tornando-se Rainha de Portugal), da Prof.ª
Doutora Ana Maria S. A. Rodrigues. Como fontes, consultei a Crónica de D. Pedro e a
D. Fernando de Fernão Lopes e a Chancelaria de D. Fernando.
Também refleti a partir de várias biografias: A Rainha, as infantas e a aia -
Beatriz de Castela, Branca de Castela, Constança Manuel e a Inês de Castro de Vanda
Lourenço Menino e Adelaide Pereira Millán da Costa; D. Pedro de Cristina Pimenta, D.
Fernando de Rita da Costa Gomes; Uma rainha inesperada - Leonor Teles de Isabel de
Pina Baleiras; As tristes rainhas – Leonor de Aragão e Isabel de Coimbra de Ana Maria
S. A. Rodrigues.
Ainda consultei algumas obras que fazem referências a Dona Beatriz, entre elas:
A Crise Nacional dos Fins do Século XIV – A Sucessão de D. Fernando de Salvador
Dias Arnaut; Amantes dos Reis de Portugal (no capitulo “Aventuras e Paixões

3
Amorosas do Rei Belo – D. Fernando I “) de Paula Marçal Lourenço; Rainhas de
Portugal - Estudos históricos de Francisco da Fonseca Benevides.

4
A Infanta Dona Beatriz de Castro e de Portugal –
uma «espécie» de Rainha (1367-1373)

Biografia da Infanta Dona Beatriz

Existe uma grande controvérsia em torno do nascimento dos filhos do Rei D.


Pedro I e de Dona Inês de Castro, e o da Infanta Dona Beatriz não é excepção.
Segundo Montalvão Machado na obra Os amores de Pedro e Inês em terras da
Lourinhã, de Gaia e de Coimbra, Beatriz nasceu em 1353 na quinta do Canidelo (junto
a Gaia).
Para Vanda Lourenço Menino e Adelaide Pereira Millán da Costa, “Beatriz,
filha mais nova do casal, poderá, no máximo, ter nascido na primeira metade do ano de
1354” 1. As autoras defendem a sua teoria recorrendo a uma doação que a Infanta
recebeu do seu tio-avô, D. Pedro Conde de Barcelos, que faleceu entre 02 de Fevereiro e
05 de Julho de 1354; esta justificação baseia-se na Chancelaria de D. Fernando e na
obra A Crise Nacional dos Fins do Século XIV – A Sucessão de D. Fernando de
Salvador Dias Arnaut.
Na Crónica de D. Pedro, Fernão Lopes afirma que Dona Beatriz nasceu a 23 de
Março de 1353.

Anos mais tarde, para selar uma paz com o seu sobrinho, Rei Pedro I de Castela,
Pedro I de Portugal acorda com ele quatro casamentos:
1. o do Infante D. Fernando com a filha mais velha do Rei Castelhano, Dona Beatriz;
2. o do Infante D. João com a segunda filha do Rei Castelhano, Dona Constança;
3. o do Infante D. Dinis com a terceira filha do Rei Castelhano, Dona Isabel;
4. o da Infante Dona Beatriz com o próprio Rei de Castela, D. Pedro.
Pedro I de Castela solicita ao Papa Inocêncio IV dispensas para estes
casamentos. O Papa “autorizou, em 13 de Junho de 1361, os quatros filhos desse

1
Vide Vanda Lourenço Menino e Adelaide Pereira Millán da Costa, A Rainha, as infantas e a aia –
Beatriz de Castela, Branca de Castela, Constança Manuel e Inês de Castro, Colecção Rainhas de
Portugal, Coordenação de Ana Maria S. A. Rodrigues, Isabel dos Guimarães Sá e Manuela Santos Silva,
Maia, Círculo de Leitores, 2012, p. 421.

5
monarca português acima referidos, a contrair matrimónio com parentes até ao quarto
grau de consanguinidade ou afinidade” 2.
A 26 de Abril de 1365, a Infanta Dona Beatriz assina uma procuração onde
“estabelleceo por seu certo e suficiente procurador e negociador e mandadeiro special o
mujto horrado (sic) barom e sages dom joham afomso conde de barcelos e moordomo
mor do dicto senhor Rey o portador desta presente procuraçom E deulhe liure comprido
e suficiente poder e mandado special que por ella E em seu nome e pera a dicta jffante
receba por aquellas palauras de que o djreito manda por seu esposo e marido lijdimo o
mujto alto e muy nobre senhor dom pedro pella graça de Deus Rey de castella e de liom
e pera consetir en el como seu esposo e seu marido lijdimo” 3.
Nenhum destes 4 casamentos se chegou a realizar, devido a conjuntura que se
desenrolou em Castela.

Quando, em 1372, o Rei D. Fernando casa com Leonor Teles, o seu meio-irmão
D. Dinis coloca-se contra esta união. Rita Costa Gomes, na biografia de D. Fernando,
diz que a atitude de Dona Beatriz deve ter sido parecida à de D. Dinis. O que se sabe é
que os dois Infantes foram afastados da Corte e refugiaram-se em Castela. No caso de
Beatriz, em 1373, é negociado o seu casamento com Sancho Afonso de Castela, Conde
de Albuquerque e irmão do Rei Henrique II de Castela. Sancho morreria um ano depois
(1374) sem nunca ter conhecido a sua única filha.
“Deste excleso matrimonio nasceo D. Leonor Urraca de Castela, chamada La
rica hembra, Condessa de Albuquerque, Senhora de Medelhim, Tiedra, Urenha,
Montalegre, Vilhalon del Alcor, Castromonte, Carvajales, Haro, Empudia, Belorado,
Cerezo e Ledesma” 4; foi uma filha desta senhora, chamada Leonor de Aragão que se
casou com Rei D. Duarte e se tornou Rainha de Portugal.

Dona Beatriz faleceu a 05 de Julho de 1381 na sua terra de Ledesma (Castela),


com apenas 34 anos de idade e viúva já há 7 anos.

2
Vide Salvador Dias Arnaut, A Crise Nacional dos Fins do Século XIV – A Sucessão de D. Fernando,
Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1960, p. 82.
3
Vide idem, ibidem, pp. 497-498.
4
Vide António Caetano de Sousa, “Da Infanta Dona Brites, mulher de D. Sancho, Conde de
Albuquerque”, vol. III, História Genealógica da casa Real Portugueza, 2007, p. 240.

6
Dona Beatriz uma «espécie» de Rainha (1367-1373)

Visto que a Infanta Dona Maria (irmã mais velha de D. Fernando) tinha ido para
Castela para se casar em 1354, quando a Rainha-Mãe (Dona Beatriz de Castela) faleceu,
o Reino ficou sem Rainha e por isso, “foi em torno de D. Beatriz de Castro que veio a
organizar-se a «câmara das damas» da corte portuguesa, durante a década de 1360 e
praticamente até ao casamento de D. Fernando, em 1372” 5. Assim, se explica que
quando morre o Rei D. Pedro (em 1367) e não estando ainda casado o herdeiro (D.
Fernando), a Infanta Dona Beatriz tenha continuado a assumir a regência das mulheres
da Corte sendo assim uma «espécie» de Rainha de Portugal.
Na Crónica de D. Fernando, Fernão Lopes afirma “que rreinando el-rrei dom
Fernando, como dissemos, mancebo e ledo e homem de proll, tragia sua irmaã iffante
dona Beatriz, filha que fora de dona Enes, e d’el-rrei Dom Pedro seu padre, gram casa
de donas e de domzellas, filhas d’allgo e de gram linhagem; por que hi nom avia rrainha
nem outra iffante por estomçe a cuja mercee se ouvessem d’acostar” 6.
Segundo Rita Costa Gomes, na biografia do Rei D. Fernando, a Infanta Dona
Beatriz desde “os sete anos que se lhe conheciam servidores próprios, que esta infanta
pôde sustentar devido às sucessivas doações que lhe foram feitas” 7. A mesma autora
acrescenta que muitas dessas doações pertenceram a Inês de Castro, mãe da Infanta, e
outras foram herdadas da avó paterna, a Rainha Dona Beatriz de Castela.
Na obra Amantes dos Reis de Portugal, a Prof.ª Doutora Paula Lourenço afirma
que “escandalosa terá sido a suposta relação sugerida por algumas fontes entre D.
Fernando e sua meia-irmã, a infanta D. Beatriz, filha de D. Pedro I e D. Inês de Castro”
8
. Ainda acrescenta que “D. Fernando visitava-a e destes encontros terá nascido uma
afeição contínua que terá despontado no rei o desejo de haver por mulher, determinando
por sua vontade casar com D. Beatriz. Nunca antes tal se tinha visto na complicada
história do reino e muito se teria que trabalhar para conseguir dispensa para o
matrimónio” 9.

5
Vide Rita Costa Gomes, D. Fernando, vol. IX, colecção Reis de Portugal, direcção de Roberto Carneiro,
Rio de Mouro, Círculo de Leitores, 2005, p. 57.
6
Vide Fernão Lopes, Crónica de D. Fernando, 2.ª ed. ver., edição crítica, introdução e índices de
Giuliano Macchi, [Lisboa], Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2004, p. 198.
7
Vide Rita Costa Gomes, op. cit., p. 57.
8
Vide Paula Lourenço, “Aventuras e Paixões Amorosas de um Rei Belo – D. Fernando”, in Amantes dos
Reis de Portugal, Colaboração de Ana Cristina Pereira e Joana Troni, Lisboa, A Esfera dos Livros, p. 78.
9
Vide idem, ibidem, p. 78.

7
No capítulo “Aventuras e Paixões Amorosas de um Rei Belo – D. Fernando” na
obra Amantes dos Reis de Portugal, a Modernista Paula Lourenço vai mais longe ao
comentar a relação entre os dois irmãos e recorre a Gaspar Correia na Crónica dos Reis
de Portugal e sumários das suas vidas, dizendo: “O certo é que «eram as falas entre eles
muito estreitas» e frequentemente se abraçavam e beijavam, de tal modo que se
suspeitava da virgindade de D. Beatriz” 10.

Não se pode confiar totalmente nas afirmações de Fernão Lopes, e


consequentemente em todos os autores que se fundamentam nos seus escritos, pois ele
trabalhava para o Rei D. João I e, por isso, podiam ser “mais uma manobra do cronista
para creditar a dinastia de Avis, através da imoralidade e do repúdio que colava aos
filhos de Inês de Castro, familiares próximos de D. Fernando” 11.
Rita Costa Gomes defende “que o projecto de um casamento entre D. Fernando
e D. Beatriz de Castro tivesse tido algum foro de credibilidade, como até a própria
iniciativa de pedir dispensas papais para tal efeito, são informações que não nos são
12
facultadas por nenhuma outra fonte conhecida” além de Fernão Lopes.
Mas, um dia tudo muda na relação entre D. Fernando e Dona Beatriz. Segundo
Fernão Lopes, um dia o Rei D. Fernando foi visitar a irmã e apaixonou-se por Dona
Leonor Teles, mulher de João Lourenço da Cunha e irmã de Dona Maria Teles, dama da
Infanta Dona Beatriz. O cronista ainda afirma que “El-rrei dom Fernando, como era
muito costumado de hir ver a meude a iffante sua irmãa, quando vio dona Lionor em
sua casa, louçãa e aposta e de boom corpo, pêro que a d’ante ouvesse bem conhecida,
por entom mui aficadamente esgardou suas fremosas feiçoões e graça; entanto que
leixada toda bem-querença e contentamento que d’outra molher poderia aver, d’esta se
começou de namorar maravilhosamente; e ferido assi do amor d’ella, em que seu
coraçom de todo era posto, de dia em dia se acrescentava mais sua chagua, nom
descobrindo porém a nehuua pessoa esta bem-querença tam grande que em seu coraçom
novamente morava” 13.

10
Vide Gaspar Correia, Crónica dos Reis Portugal e sumários das suas vidas, pp. 18-20 apud idem,
ibidem, p. 78.
11
Vide Isabel de Pina Baleiras, Uma rainha inesperada – Leonor Teles, colecção Rainhas de Portugal,
coordenação de Ana Maria S. A. Rodrigues, Isabel dos Guimarães Sá e Manuela Santos Silva, Maia,
Círculo de Leitores, 2012, pp. 81-82.
12
Vide Rita Costa Gomes, op. cit., p. 58.
13
Vide Fernão Lopes, op. cit., p. 199.

8
Ao fim de algum tempo, João Lourenço da Cunha ordena à sua mulher que
regresse a casa; então, o Rei pede em segredo a Dona Maria Teles que convença a irmã
a não se ir embora e afirmou-lhe que estava apaixonado por Dona Leonor. Dona Maria
tentou convencê-lo a desistir, mas “El-rrei respondia a todos seus ditos, e em rrazom do
casamento d’ella disse, que ell aazaria como ella fosse quite de seu marido; e ella disse
que posto que descasada fosse, que nom cuidasse elle que ella avia de seer sua barregaã:
e el rrei, preso do amor d’ella, jurou a dona Maria que ante que dormisse com ella
14
depois do quintamento, que ante a rrecebesse por molher” . Como D. Fernando não
abandonou a ideia de casar com Dona Leonor, ela e a irmã decidem conversar com o tio
delas (D. João Afonso Telo III, futuro 4.º Conde de Barcelos) e pediram-lhe ajuda; o tio
delas, ao saber do que estava a acontecer, foi falar com o Rei e pediu-lhe para esquecer
a sobrinha dele, mas também não teve sorte nenhuma. Em seguida, D. João Afonso Telo
e as sobrinhas foram conversar com a Infanta Dona Beatriz e puseram-na a par “deste
enredo, ou de parte dele, conforme Fernão Lopes indicou. A expressão «parte» pode ser
relevante do cuidado que tio e sobrinhas tiveram em contar à infanta o segredo do rei”
15
. Este cuidado pode ser explicado pelo facto da Infanta ter um lugar de grande
importância na Corte de D. Fernando. “Fernão Lopes não informou, porém, que tenha
havido oposição da parte dela, mas acreditamos que a situação não terá agradado a
Beatriz. Afinal de contas, Leonor Teles ameaçava destroná-la do lugar que ocupava.
Deixaria de ser a principal titular feminina da corte fernandina e perdia o ascendente
emocional que tinha sobre o rei” 16.
Depois da conversa da Infanta com as duas irmãs e o tio delas, “D’esta cousa
parte a iffante a que o todos três disserom em gram segredo, e per consselho de todos,
por fazerem prazer el-rrei, aazarom como ella buscasse caminho de seer quite de seu
marido par aazo de cunhadia, que he ligeira d’achar antre os fidallgos, como quer que
muitos afirmavom, que Joham Lourenço ouvera despenssaçom do papa, ante que com
ella casasse; mas veendo que lhe nom compria aperfiar muito em tall feito, deu aa
demanda logar que sse vencesse cedo, e foi-sse pera Castella por segurança de sua vida.
E certefica-sse que ante que el-rrei dormisse com ella, primeiro a rrecebeo por molher,
presente sua irmãa e outros que esta cousa traziam callada” 17.

14
Vide idem, ibidem, p. 200.
15
Vide Isabel de Pina Baleiras, op. cit., p. 80.
16
Vide idem, ibidem, p. 82.
17
Vide Fernão Lopes, op. cit., pp. 200-201.

9
Após o casamento de D. Fernando e Dona Leonor, o meio-irmão do Rei, o
Infante D. Dinis, recusou a aceitar Dona Leonor como sua cunhada e rainha; mas, não
foi o único pois houveram outros nobres que também estiveram contra esta união. Um
deles foi Diogo Lopes Pacheco, que Fernão Lopes afirma que disse ao Infante D. Dinis:
“ «Parece-me senhor, disse elle mui mall, ca entendo que seus irmãos d’ella montarom
no rreino mas que vós nem vosso irmaão; e ainda queira Deus que nom seja peor,
porque qvendo d’ella filhos, poderia seer que vos matariam com peçonha, por tirar
sospeita da erança do rreino; e posto que assi nom seja, toda a privança e estado há de
seer em poder de seu linhagem” 18.

A seguir ao casamento do Rei D. Fernando e Dona Leonor Teles, preparou-se


uma cerimónia de beija-mão à nova Rainha de Portugal. “O infante D. João de Castro,
meio-irmão do rei, que era o «maior no reino», ofereceu-se de bom grado para o fazer e
foi seguido por todos os outros fidalgos” 19. O único fidalgo que não o faz é D. Dinis de
Castro, também meio-irmão do Rei, ainda declarou a Leonor Teles “que lha nom
20
beijaria, mas que lha beijasse ella a elle” . O costume de beija-mão, nesta época, não
simbolizava uma homenagem, mas representava uma aparência de submissão; esta
aparência de submissão foi totalmente rejeitada pelo Infante D. Dinis. “O rei só não lhe
bateu com uma adaga porque foi travado pelo seu aio Aires Gomes da Silva e pelo aio
de Dinis, Gil Vasques de Resende. O comportamento do infante foi tido como uma
ofensa a Fernando e a Leonor Teles. A partir de então, Dinis passa a andar arredado da
corte, acabando, mais tarde, por passar para o serviço de Henrique II de Castela,
chegando mesmo a combater contra Portugal na segunda guerra fernandina” 21. Segundo
Isabel de Pina Baleiras, uma razão para esta atitude de D. Dinis poderá ser a já antiga
rivalidade entre as famílias Castro e Teles; pois, as duas famílias competiam por lugares
próximos da Coroa.
De acordo com a biografia de D. Fernando de Rita Costa Gomes, “a posição da
infanta D. Beatriz de Castro, embora não seja referida claramente pelos cronistas,
22
parece ter estado próxima da rejeição manifestada por seu irmão D. Dinis . Já referi o
que sucedeu a D. Dinis após se ter recusado a beijar a mão à Rainha, no caso da Infanta

18
Vide idem, ibidem, p. 232.
19
Vide Isabel de Pina Baleiras, op. cit., pp. 105-106.
20
Vide Fernão Lopes, op. cit., p. 216.
21
Vide Isabel de Pina Baleiras, op. cit., p. 106.
22
Vide Rita Costa Gomes, op. cit., p. 99.

10
o seu futuro também passa por Castela. Em 1373, durante as negociações do Tratado de
Santarém entre o Rei D. Fernando de Portugal e o Rei Henrique de Trastâmara, são
negociados também dois matrimónios: o da Infanta Dona Beatriz de Castro com Sancho
de Trastâmara, irmão do Rei Henrique, e o da filha bastarda de D. Fernando, Dona
Isabel, com o filho bastardo do Rei Henrique, Conde Afonso. Fernão Lopes conta-nos
que “os rreis d’acordo muito, hordenarom de fazer vodas aa iffante dona Beatriz, irmãa
d’el-rrei dom Fernando, com dom Sancho, irmaão d’el-rrei dom Henrique, segundos
nos trautos era posto; e aos dous dias seguintes, lhe forom feitas grandes festas e justas,
e ella entregue a seu marido” 23.
Não se sabe o que é que D. Fernando ofereceu à irmã como dote ou se até
24
mesmo a Infanta recebeu “pera cazamento cem vezes mil libras” por parte testamento
de seu pai. Só sabemos que D. Fernando recebeu uma carta do Rei Henrique II de
Castela que lhe perguntava o que é que ele pensava dar à Infanta Dona Beatriz sua irmã.
D. Fernando respondeu “que nos praza que d’aquello que avemos de dar aa iffante dona
Beatriz nossa irmãa de sua dote paguemos o solldo a estas nossas cinquo gallees, do
tempo que lhe elle he theudo de pagar, scilicet, d’oito mill e setecentas e cinquoenta
dobras cruzada, ou cinquoenta e duas mill e quinhentas livras da nossa moeda em preço
d’ellas, a seis livras por dobre, como era vallem, dizee que nos praz por sua honrra de o
fazermos assi, e que nos mande quitaçom d’esto” 25.

Após o seu casamento com Sancho de Castela, Beatriz vai viver para o Reino
vizinho e nunca mais volta a Portugal. Um ano depois de casar e já estando grávida da
sua única filha, a Infanta fica viúva e assim continua durante 7 anos até falecer no dia 05
de Julho de 1381.

23
Vide Fernão Lopes, op. cit., p. 293.
24
Vide António Brochado Mota, “Testamento de D. Pedro I – documento nº 12”, in Testamentos Régios –
Primeira Dinastia (1109-1383), tese de mestrado em História Medieval, Lisboa, Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, 2011, p. 214.
25
Vide Fernão Lopes, op. cit., p. 330.

11
Doações Recebidas pela Infanta Dona Beatriz

Quando a Rainha Dona Beatriz de Castela, mãe de D. Pedro I, faleceu em 1359,


deixou vários bens em testamento à sua neta a Infanta Dona Beatriz, entre eles:
“ – Uma grilanda de ouro com rozetas esmaltadas com safiras, entre cada roseta,
e em cada roseta um grão de aljôbar
- Copa de prata dourada
- As melhores contas de aljôbar que houver, fora as que deixo à infanta D.
Maria
- Relicário de canafeu, e é figura de Sansão esee sobre um leão, e o campo é
preto, e o homem e leão brancos e tem esmeraldas e rubis pequenos em redor
- Cruz de ouro, que tem canafeu figura de cabeça branca em campo preto, e em
redor do camafeu esmeraldas e rubis pequenos, e nos cantos da cruz dois rubis e duas
safiras” 26.

Segundo Salvador Dias Arnaut, “não podemos afirmar que constam do


testamento régio, de 17 de Janeiro de 1367: manda entregar aos filhos de D. Inês de
Castro a quinta de Canidelo (próximo de Gaia) que a D. Inês havia pertencido, e deixa à
infanta cem mil libras para casamento” 27. Uma razão para justificar é o facto da Infanta
poderia viver à conta do pai, ou seja, “seria como que a rainha” 28.

Com a subida ao trono de D. Fernando, Beatriz recebe vários bens por parte do
Rei. Logo a 04 de Abril de 1367, D. Fernando ordena que seja entregue à sua meia-
irmã, Dona Beatriz:
1. a quinta do Canidelo 29
2. a quinta do Canal, do almoxarifado de Estremoz 30
3. uma quinta no termo de Montemor-o-Novo 31
4. a quinta de Gestaçô, no almoxarifado de Guimarães 32

26
Vide “Testamento de 1358 da Rainha Dona Beatriz”, Vanda Lourenço Menino e Adelaide Pereira
Millán da Costa, op. cit., p. 150.
27
Vide Salvador Dias Arnaut, op. cit., p. 18.
28
Vide idem, ibidem, p. 18.
29
Vide Chancelaria de D. Fernando, Liv. I, fl. 3 v.º.
30
Vide ibidem, fl. 4.
31
Vide ibidem, fl. 4.
32
Vide ibidem, fl. 4.

12
No dia 24 do mesmo mês, o Rei outorga que seja entregue a Beatriz “os lugares
«dagrãia e de çafargella», no almoxarifado de Estremoz, que haviam sido dados à
infanta pelo conde D. Pedro” 33.
A 08 de Maio desse mesmo ano, D. Fernando, confirmou entregue a quinta do
Canal, “confirmou, a pedido dessa irmã, todos os privilégios concedidos à dita
propriedade, com menção expressa de jurisdição própria dada pelo pai” 34. Mas, no dia
06 de Abril de 1375, o Rei “D. Fernando, em cartas aos juízes de Gaia, ordenou-lhes
que logo fossem com um tabelião à quinta de Canidelo e tomassem para eles a
jurisdição do lugar” 35.
Também a 18 de Fevereiro de 1379, o Rei concedeu bens no termo de
Montemor-o-Novo que tinham sido da Infanta Dona Beatriz a Vasco Pires de Camões
36
.

33
Vide ibidem, fls. 4 v.º - 5.
34
Vide Salvador Dias Arnaut, op. cit., p. 18.
35
Vide idem, ibidem, pp. 18-19.
36
Vide Chancelaria de D. Fernando, Livro II, fl. 39 v.º.

13
Conclusão
Mesmo com pouca informação específica sobre a vida da Infanta Dona Beatriz
de Castro, consegui descortinar alguns dados sobre a relação da Infanta com o seu meio-
irmão, o Rei D. Fernando, e sobre o facto de ser uma «espécie» de Rainha durante o
tempo de solteiro de D. Fernando. Consegui cumprir quase todos os objectivos que me
auto-sugeri no Projecto de Investigação, excepto o de apresentar alguns senhores e
damas de Beatriz; pois só encontrei referências a uma Senhora da Infanta, chamada
Maria Teles e irmã da futura Rainha Dona Leonor Teles.
Apesar das poucas obras existentes sobre a Infanta Dona Beatriz, gostei muito de
realizar esta investigação pois sempre apreciei pesquisar sobre os pais de Beatriz, D.
Pedro e Dona Inês.
Depois de todas as obras que li e analisei sobre o assunto, cheguei à conclusão
que Beatriz era mesmo a responsável pelas damas da Casa das Rainhas Portuguesas
como Fernão Lopes apresenta. Mas, por outro lado, não concordo com o cronista
quando ele afirma que havia uma relação muito mais cúmplice do que é normalmente
entre dois meios-irmãos; ainda por mais sendo a Crónica de D. Fernando a única fonte
conhecida que aborda esta relação.
Aproveito para referir como é que é possível que alguém publique um romance
onde escreve descrições escandalosas de relacionamento entre um pai e uma filha sem
fazer uma citação ou, pelo menos, apresentar uma lista de obras consultadas. Como é o
caso da obra Beatriz de Portugal – A filha bastarda de D. Pedro e D. Inês da romancista
Paula Cifuentes.

14
Fontes

Fontes Manuscritas

Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo,


Chancelaria de D. Fernando, Livros 1, 2, 3, 4.

Fontes Imprensas

BRANDÃO, Francisco (Frei),


Monarquia Lusitana, ed. A. da Silva Rego, reimpr. da ed. fac-similada de 1980,
vol. VI, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2008.

CALADO, Adelino de Almeida (ed. crítica),


Crónica de Portugal de 1419, Aveiro, Universidade de Aveiro, 1998.

CINTRA, Luís Filipe Lindley,


Crónica geral de Espanha de 1344, vol. IV, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa
da Moeda, 1951-1990.

LOPES, Fernão,
Crónica de D. Fernando, 2.ª ed. rev., Edição crítica, introdução e índices de
Giuliano Macchi, [Lisboa], Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2004.

MARQUES, A. H. de Oliveira,
Cortes Portuguesas. Reinado de D. Fernando (1367-1383), Lisboa, ed. Centro
de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, INIC, 1990.

SOUSA, António Caetano de,


“Da Infanta D. Brites, mulher de D. Sancho, Conde de Albuquerque”, in
História genealógica da Casa Real portuguesa, Tomo I, Coimbra, Atlântida – Livraria
Editora Limitada, 1946, pp. 387-414.

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15
Provas da história genealógica da Casa Real portuguesa, Tomo I, Livros I e II,
Coimbra, Atlântida – Livraria Editora Limitada, 1946.

Bibliografia

Bibliografia Geral

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A Crise Nacional dos Fins do Século XIV. I – A Sucessão de D. Fernando,
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