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Análise do Comportamento de Aterros sobre Solo Mole

executados pelo Método da Conquista ou Expulsão estimando


Parâmetros Geotécnicos através de Retroanálise e confirmando
com Ensaios de Palheta
Joaquim Mário Caleiro Acerbi
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil, acerbi@ufu.br.

RESUMO: Em uma área alagada com cerca de 70 hectares, no município de Patrocínio, MG, uma
grande mineradora pretende executar sondagens rotativas para pesquisa mineral para confirmação
de teores de minério e espessuras de camadas de interesse para seleção de processos de lavra.
Algumas sondagens SPT iniciais mostraram camadas de argila mole, turfas, com espessuras
variáveis, podendo chegar acima dos quinze metros. Dois aterros experimentais iniciais foram
construídos para facilitar a execução de novas sondagens SPT e para verificação da estabilidade, da
viabilidade técnica e econômica dos aterros futuros, já que centenas de metros de aterros deverão
ser executados para servir de suporte para sondas rotativas, durante vários meses. Com o objetivo
de avaliar a estabilidade dos aterros sobre as áreas de turfas, desenvolveu-se uma formulação
simplificada da capacidade de carga de solos moles, avaliando-se assim, sua altura máxima, ou
crítica, a ser permitida para os aterros. Como foi usado o processo de execução dos aterros por
expulsão, ou método de conquista, partiu-se da hipótese que no contato com a base do aterro ocorre
a ruptura da turfa. Adotando uma metodologia de distribuição triangular para a base do aterro,
calculou-se o valor da resistência não drenada, Su , da turfa em função da altura do aterro já
lançado, do peso específico do material usado e da geometria. Ensaios de Palheta simplificados,
realizados posteriormente, confirmaram valores muito parecidos com aqueles determinados com o
modelo simplificado usado, e que a hipótese de ruptura da turfa no contato com a base do aterro se
confirmou.

PALAVRAS-CHAVE: Solo Mole, Turfa, Aterro, Ensaios, Palheta.

1 INTRODUÇÃO Pleistoceno e, outro, no Haloceno.


Fellenius apud Massad (2003), desenvolveu
Segundo Massad (2003), aterros executados fómulas de estimativa de altura crítica de
em solos moles tem sido objeto de interesse no aterros considerando uma coesão constante e
Brasil desde a construção das ligações terrestres camada de solo mole de grande espesssura, e
entre as cidades de Santos e São Paulo e carregamento distribuído na superfície.
durante e construção da estrada de ferro Santos Ainda segundo Massad(2003), Sousa Pinto
– Jundiaí, no Estado de São Paulo. (1966), estudou aterros em solos moles e
Ainda segundo este mesmo autor, os desenvolveu um método de análise de
primeiros estudos sistemáticos feitos no nosso estabilidade considerando a coesão crescendo
litoral datam dos fins da década de 1930 e linearmente coma profundidade, e uso de
começo da década de 1940, e estas análises bermas de equilíbrio.
iniciais consideravam que os solos moles Varga (1973), estudou aterros na baixada de
litorâneos tinham uma história geológica Santos. Os processos construtivos de aterros
comum, formando-se em um único ciclo de sobre solos moles podem ser desenvolvidos em
sedimentação contínuo e ininterrupto. geral em três formas distintas: lançamento em
O mesmo autor informa que hoje sabe-se que ponta sobre o terreno natural; remoção total ou
pelo menos dois ciclos de sedimentação parcial, e lançamento em ponta precedido de
existiram no quaternário, um deles no um tratamento do solo mole, cujas
propriedades foram previamene melhoradas. estimou-se o valor provável da coesão. Este
Analisa-se neste trabalho o processo de valor ficou muito próximo dos determinados
construção por lançamento de ponta ou pelos ensaios expeditos do “Vane Test”,
conhecido também como método de conquista executados no local, em uma profundidade
ou método de expulsão. próxima à profundidade do centro de gravidade
A escolha deste método significou analisar se da cunha triangular de aterro que penetra na
não ocorreu ruptura da argila mole, ou do aterro argila mole.
e solo de base simultaneamente, ou seja,
problemas de estabilidade durante a 2 DESCRIÇÃO DO PROBLEMA
construção, e, acompanhar e conviver com
recalques durante a fase operacional. 2.1 Modelo do aterro de expulsão ou de
Durante cerca de 2 meses foram monitorados conquista
os deslocamentos superficiais em 2 marcos. Os
valores encontrados variavam entre 9 mm para As informações coletadas indicavam uma
trecho final do aterro 2, e 67 mm, para trecho superfície alagada de cerca de 70 hectares,
final do aterro 1, com 4,0 metros de espessura onde a batimetria executada mostraram
no lançamento, valores que consideramos muito profundidades bastante variáveis, mas de um
baixos. modo geral variando de 2 a 15 metros de
Será necessário acompanhar por um período espessura de turfeira.
maior de tempo, de pelo menos um ciclo Ensaios de sondagem SPT indicavam
hidrológico, para se concluir sobre os espessuras de até 20 metros, com solo argiloso
deslocamentos finais. Mas de qualquer modo disperso com presença de vegetação. Esse
analisou-se a estabilidade imediata, no material possui consistência muito mole e
lançamento do aterro, para verificação da índice de resistência à penetração, N do SPT,
ocorrência ou não de ruptura do solo turfoso e variando de 0 a 2.
do corpo do aterro. Os aterros de expulsão são executados através
Na análise pelos métodos convencionais de do lançamento do material do aterro por
Fellenius, apud Massad (2003), e usando a caminhão, onde ao adentrar na área alagável
fómula de cálculo de capacidade de carga para fazendo um caminho de serviço, o solo
solos moles, apresentadas por Joppert Jr (2007), descarregado acaba compactado pelo peso
chega-se a uma coesão não drenada de cerca de próprio deste. O material lançado é constituído
6 kPa, e indica estabilidade para um aterro de por solo coluvial, argila arenosa e areia fina
altura máxima de 2m. Ensaios de “Vane Test” siltosa, com N do SPT variando 3 a 6 e peso
realizados posteriormente, indicavam valores de específico no lançamento de 16 kN/ m 3 e peso
4 a 9 kPa a 0,5 m de profundidade na argila
turfosa. Ensaio convencional SPT na ponta do específico saturado de 18 kN/ m 3 .
aterro 2, indicava N do SPT variando de 0 a 2, Na área, que é umas extensas zonas
na turfa. Um dos aterros executados pantanosas, ocupadas por uma turfeira, imersa
apresentava espessura de lançamento próximo em água, é uma lagoa que recebe forte carga de
de 4 m, sem apresentar fissuração no corpo do sedimentos argilosos das encostas de forma
aterro e recalques muito baixos. que, o que se tem, é uma micro bacia
Partiu-se, assim,, para uma outra análise totalmente assoreada, com maiores cotas
esperando que seja mais realista, embora batimétricas próximo ao desaguadouro. Essa
simples, através da adoção de uma geometria lagoa com um fundo argilo/turfáceo de
não convencional, supondo que o aterro penetra profundidade máxima de 20 m, com uma média
na turfa com uma cunha, causando a ruptura da de 7 m, é onde que para realização de
argila e das raízes presentes no local, até uma sondagens de pesquisa, pretende-se executar
posição de equilíbrio onde a coesão não aterros de expulsão. A altura total de material
drenada é a única tensão resistente. Através de lançado, estima-se que deva ser de até 6,0 m,
cálculos simplificados, uma retro-análise, sendo 1 m acima da turfa, e largura de até 4,5
m, no topo do aterro. Procurou-se limitar a
seção dos aterros para não encarecer o processo
de execução dos mesmos, pois os mesmos são Nc . Su
h critica = (1)
provisórios, sendo seu uso simplesmente de γ aterro
suporte para sondas de pesquisa mineral,
devendo ser retirados no futuro. Onde: Nc é um fator de capacidade de carga,
O equipamento de investigação geológica igual a 5,7.
profunda possui um peso de 25 kN, apoiado em
uma área de 2,5 x 2,5 m. Não se tendo Su é a resistência ao cisalhamento não drenada;
informações sobre os efeitos dinâmicos, o
carregamento foi majorado, passando para uma
h critica é a altura crítica e γ aterro é o peso
carga estática concentrada de 40 kN, conforme
croqui apresentado na figura 1, seguinte. específico do material do aterro no lançamento.
Fellenius, apud Massad (2003), considerando
o aterro como uma carga distribuída na
superfície da camada de solo mole, coesão
constante, e grande espessura de camada, e
admitindo uma superfície de ruptura circular, e
igualando o momento atuante e resistente
chegou praticamente à mesma expressão em
que Nc é igual a 5,5 . Usando a equação (1),
para Nc = 5,5 e para uma altura de aterro de 4
m, seria necessária uma resistência Su
aproximada de 12 kPa. Nos ensaios de “Vane
Test” a 0,5 m de profundidade as medidas
variavam de 4 a 9 kPa. Ou seja, teoricamente,
já teria ocorrido a ruptura. Assim, adotou-se a
Figura 1. Modelo de geometria do problema e condição geometria da figura 1, e, então, posteriormente,
de carregamento
com uma retro-análise, estimou-se o valor de
2.2 Parâmetros de Resistência Su, resistência não drenada fictícia e
comparou-se com os valores obtidos com o
Uma avaliação da estabilidade da turfa da “Vane Test”. Os valores de Su determinados
fundação requer o conhecimento da resistência pelos ensaios “Vane Test” estão mostradas nas
ao cisalhamento em condições não drenadas tabelas 1 e 2 seguintes.
( Cu ou Su), definida em ensaios de campo, por
exemplo, “Vane test” ou de laboratório,
Tabela 1 – Aterro 1 .
ensaios triaxiais “UU”, Almeida (1996).
Prof Su1 Su2 Su Su4
Para análise da ruptura do corpo do aterro, . (kPa) (kPa) 3(kPa) (kPa)
seria importante a realização de ensaios não (m) (ponta do ( lateral ( lateral ( lateral
drenados também do aterro. Pela análise do aterro) esquerda esquerda esquerda
SPT é possível estimar a resistência tanto do do do do
aterro) aterro) aterro))
solo do aterro com da turfa. Schnaid (2000),
0,5 6 5 6 4
não recomenda a utilização de relações entre Su
1 12 15 20 29
e Nspt para solos moles (Nspt <5).
A ruptura de da fundação do aterro é um 1,5 28 31 21 29
problema de capacidade de carga, onde o 2 34 35 51 31
carregamento participa como um carregamento, 2,5 41 45 49 34
mas não com a sua resistência. A equação tem 3 56 52 54 40
origem na equação geral da capacidade de carga Su – resistência não drenada
de Terzaghi para uma fundação direta, Joppert
Jr (2007), que expressa em função de Su, fica:
Tabela2 - Aterro 2
PROF.(m) Su 1 (kPa) Su 2 (kPa) Um instrumento/equipamento de “Vane
( na turfa) (ponta do aterro) ( lateral esquerda Test”, semelhante ao Geonor H-60, Hand –
do aterro)
Held Vane Tester, foi usado para obtenção dos
0,5 9 7
valores de resistência não drenada, Su, com
1 14 11
range de medida variando de 0 a 200kPa, com
1,5 21 19 calibração. As profundidades testadas foram
2 29 25 de 0,5 m a 3.0 m, variando de 0,5m de uma
2,5 35 28 profundidade à outra. A profundidade limite de
3,0 45 37 3,0 m é uma limitação do aparelho manual
utilizado. Os aterros experimentais executados
As figuras 2 e 3 seguintes expressam em foram dois, sendo denominados de aterro 1,
forma de gráficos a resistência não drenada x com cerca de 280 m de comprimento, e com
profundidade para os dois aterros, bem cerca de 4 m de espessura de material lançado
como valores médios de Su com a na ponta final, ficando 1 m acima do nivél de
profundidade para os dois aterros. água/turfa. Neste trecho final a espessura de
turfa abaixo do aterro chega a cerca de 20 m de
espessura. O aterro 2, com cerca de de 140m de
comprimento, atinge cerca de 4,5 m de
espessura de material lançado. Neste ponto final
a espessura da camada de turfa é de cerca 14,5
m. No modelo geométrico proposto, e
analisando os aterro 1 e 2, cerca de 3,0 m
ficariam dentro da turfa para o aterro 1, e cerca
de 3,5m para o aterro 2. Para a profundidade de
3,0 m, aterro 1, Su média = 45 kPa; e para a
profundidade de 3,5 m para aterro 2, Su média
= 42 kPa, estimado da curva de correlação.

2.3 Análise da Estabilidade da Fundação dos


Figura 2. Variação de Su x Profundidade (m) para aterros
1e2
Aterro: Retro- Análise

As análises de estabilidade foram baseadas nas


teorias clássicas da mecânica dos solos, método
de Fellenius (ruptura circular em argilas ou
método do atrito nulo) ou Teoria de Terzaghi
de fundações diretas ( sapata contínua flexível
em solo mole), expressos na equação (1).

Parâmetros utilizados nas análises teóricas:

γ aterro =16 kN/ m 3 ; S u aterro =20kN/ m 3


γ turfa = 14 kN/ m 3 S u turfa = variável
Figura 3. Valores médios de Su x Profundidade (m) para
aterros 1 e 2.
Tabela3 – Avaliação da altura crítica - Modelo de
Fellenius/Terzaghi 3. ANÁLISE DOS RESULTADOS
h crítica Su (kPa)
( m)
2,0 6 Os cálculos realizados comprovou que a
3,0 9
resistência drenada necessária ou mobilizados
variaram de 42kPa até 44kPa, para os exemplos
4,0 12
mostrados, e praticamente igual à resistência
5,0 15,
determinada pelos ensaios Vane Test .
6,0 18 Embora a resistência varie com a
7,0 20 profundidade, o valor médio encontrado para
as profundidades de 3,0 metros, suportou o peso
dos aterros, o mesmo poderá acontecer com
Uma análise complementar, como método outros aterros, pois à medida que se faz o
alternativo, baseado na figura 1, base triangular, lançamento de material, ocorre
considerando que a base do aterro que penetra instantaneamente a deformação na argila,
na turfa, em forma de uma cunha, de modo rompendo o sistema até um ponto de equilíbrio.
que uma análise analítica simplificada é Ou seja, até a estabilização do o processo, como
possível de ser realizada. Essa cunha triangular se existisse uma “ruptura progressiva”, onde
penetra no solo como sistema rígido, de tal embaixo do aterro, nas fundações, as tensões
forma durante a construção do aterro, pelo aplicadas são iguais às tensões resistentes.
método da expulsão, ocorre a ruptura da argila Esta geometria foi adotada para levar em
mole em contato com aterro. Com a deformação consideração a especificidade desta turfeira, um
por expulsão alcança-se um novo equilíbrio. caso em que uma resistência adicional muito
grande é fornecida pela grande quantidade de
raízes encontradas nas amostras de
argilas/turfas analisadas. Esse emaranhado de
Retro – análise nos trechos finais dos dois raízes funciona como uma malha geonatural
aterros: (em contra ponto ao geossintético), aumentando
a resistência do sistema para suportar o aterro.
Dados: aterro 1 O mais provável que a resistência continue
aumentando com a profundidade, em uma
Peso da torre = 40 kN e h1= 1m e h2 = 3,0 m. proporção muito maior do que a analisada, 3,0
L1=4,0 m e L2 =6,0 m. m, pois quanto mais profunda foi a amostragem
realizada, com amostras rotativas, maior a
densidade e quantidade de raízes nas amostras
Su .senα . AD = P1 + P2 + P (2) analisadas das sondagens geológicas. Isso,
provavelmente, aumentará em muito a
resistência do sistema.
Su mobilizada = 44 kPa < valor médio do Vane Chamou atenção também, nas informações
test ( 3,0 m) = 45 kPa, portanto não ocorre disponibilizadas, o valor baixo dos recalques
ruptura a partir daí, mas está próximo do limite. medidos nos dois aterros, embora seja
necessário acompanhar e monitorar por um
Dados: aterro 2 período maior de tempo. Mas a observação
desses fatos levou a formulação do modelo
Peso da torre = 40 kN e h1= 1m e h2 = 3,5 m. triangular para análise da estabilidade dos
L1=4,0 m e L2 =6,0 m. aterros, de tal forma que o valor de resistência
Su mobilizada = 42kPa = valor médio do Vane não drenada calculada seja um valor mobilizado
test ( 3,0 m) = 42 kPa, portanto não ocorre pelo solo argiloso/turfoso, mais o efeito das
ruptura a partir daí, mas também está no limite. raízes da vegetação presente na turfeira.
Seria interessante fazer um aterro
experimental, para aumentar continuamente a
espessura de material lançado até causar a
ruptura total, inclusive do corpo do aterro, e de
todo sistema de raízes, para se verificar o
máximo de resistência que poderia ser
mobilizada. Uma outro estudo interessante seria
coletar uma pequena amostra superficial só de
argila sem as raízes para verificar a resistência
só deste material, e estimar a real influência das
raízes.

4. CONCLUSÃO

O modelo geométrico adotado para estudar a


distribuição de esforços nas fundações de
aterros em argilas moles, principalmente
aquelas com grande quantidade de raízes,
parece simular melhor o comportamento real
dessa turfa estudada do que os modelos teóricos
de Fellenius e de Terzaghi.

AGRADECIMENTOS

O autor agradece a Faculdade de Engenharia


Civil da Universidade Federal de Uberlândia
pelo incentivo e pelas condições de trabalho.

REFERÊNCIAS

Almeida, M. S. (1996). Aterros sobre Solos Moles,


Editora UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil, 216p.
Joppert Jr, I. (2007) Fundações e Contenções de
Edifícios, Editora PINI Ltda, São Paulo, Brasil, 221
p.
Massad, F. (2003) Obras de Terra - Curso Básico de
Geotecnia, Oficina de Textos, São Paulo, Brasil, 170
p.
Schanaid, F. (2000) Ensaios de Campo e suas Aplicações
à Engenharia de Fundações, Oficina de Textos, São
Paulo, Brasil, 189 p.
Vargas, M.(1973). Aterros da Baixada de Santos, Revista
Politécnica, p. 48-63.

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