Você está na página 1de 4

See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.

net/publication/270050907

Evidências da neurociência sobre a habilidade de leitura

Article · April 2011

CITATIONS READS

0 633

1 author:

Gislaine Machado Jerônimo


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
25 PUBLICATIONS 39 CITATIONS

SEE PROFILE

Some of the authors of this publication are also working on these related projects:

Language and Cognition in Healthy Aging, in Alzheimer's Disease and in Mild Cognitive Impairment, and its Relationship with Schooling View project

All content following this page was uploaded by Gislaine Machado Jerônimo on 27 December 2014.

The user has requested enhancement of the downloaded file.


Evidências da neurociência sobre a habilidade de leitura
Gislaine Machado Jerônimo1

DEHAENE, Stanislas. Reading in the Brain: The Science and Evolution of a Human Invention. Nova York:
Viking Penguin, 2009.

Neste exato momento, você está movendo os seus olhos sobre uma página branca cheia de marcas
pretas e o seu cérebro está realizando uma fantástica façanha — a leitura. Reading in the Brain: The
Science and Evolution of a Human Invention [Leitura no cérebro: a ciência e evolução de uma inven-
ção humana] descreve uma pesquisa pioneira da neurociência, a respeito dessa habilidade linguísti-
ca, que é relativamente recente, datando de uns 5 ou 10 mil anos.

O livro foi escrito por Stanislas Dehaene — professor do Collège de France e diretor da Unidade de
Neuroimagem Cognitiva do INSERM, na França. Dehaene dedica-se ao estudo das funções cognitivas
humanas, bases neurais da leitura e consciência. Segundo o autor, nossos cérebros não evoluíram
para ler e, por meio dessa obra, ajuda a solucionar tal mistério.

O texto faz uso de recursos visuais, para guiar a leitura, através de figuras que mostram a anatomia
cerebral e orientam sobre as divisões dos lobos e regiões do cérebro. São oito capítulos, divididos
em subseções, que compõem o corpo do livro. O primeiro deles parte do questionamento de como
nós lemos. O segundo, a partir de evidências das técnicas de neuroimagem, mostra quais as regiões
cerebrais estão envolvidas no momento da leitura. O paradoxo da leitura é tratado no Capítulo 3.
Os capítulos 4 e 5 versam a respeito da invenção e aprendizado da leitura. Já no Capítulo 6, o foco é
uma patologia dessa habilidade: a dislexia. Por fim, o sétimo e oitavo capítulos retratam a leitura e
simetria, assim como a natureza da relação entre o aprendizado cultural e o cérebro. Esses capítulos
vêm precedidos de uma introdução que aborda a nova visão científica da leitura e são finalizados
com uma conclusão que faz referência acerca do futuro da mesma. A seguir, serão tecidas algumas
discussões mais detalhadas a respeito de cada capítulo, seguidas de uma apreciação geral.

Na introdução, o autor instaura alguns questionamentos sobre a forma como são captadas as pala-
vras, as dificuldades e estratégias de leitura, a relação que se estabelece entre o sistema biológico
das sinapses e o universo das invenções culturais humanas, o enigma da leitura feito pelo cérebro
primata, entre outros. Ainda nesse tópico, é exposto o propósito do livro de estender os conheci-
mentos sobre os recentes avanços da ciência da leitura, a fim de que pais, professores e políticos
percebam que há uma lacuna entre os programas educacionais em relação ao que dizem os achados
mais recentes da neurociência e, desse modo, possam ter acesso a tais informações, a fim de que
elas não fiquem restritas à comunidade científica. Por fim, são tecidas considerações sobre as ques-
tões que serão trabalhadas ao longo dos capítulos, através de um guia de leitura.

O Capítulo 1 intitulado “How do we read?” (Como nós lemos?) trata da forma como a leitura é feita.
Primeiro, apresenta o modo como os olhos decodificam as letras e aborda o problema das invarian-
tes da leitura. Ao mesmo tempo em que trata das semelhanças, diferenças e limitações dos sons
das palavras, observa o fenômeno da leitura silenciosa. Como exemplo da rivalidade entre o ler pelo

1. Mestranda em Linguística na PUC-RS. Contato: gisa.jeronimo@ig.com.br.


LEITURA EM REVISTA Cátedra UNESCO de Leitura PUC-Rio n.2, abr., 2011.

som e pelo significado que reflete no cérebro do leitor, cita o caso do Mandarin, em que cada sílaba
pode se referir a dezenas de diferentes conceitos. Encerra o capítulo com explicações referentes ao
dicionário mental e diferentes modelos de acesso ao léxico.

No Capítulo 2 “The Brain’s Letterbox” (A caixa de letras do cérebro), um capítulo extenso, o autor
parte da descoberta do ano de 1862, pelo neurologista Joseph-Déjerine, referente às áreas cerebrais
recrutadas à leitura e vai ao encontro de observações mais recentes. Dehaene, ao longo do capí-
tulo, discorre sobre o funcionamento de uma área cerebral bastante específica que recebe grande
ativação no momento da leitura e fica localizada no hemisfério esquerdo do córtex. Essa área é
visualizada por meio das modernas técnicas de neuroimagem, as quais permitem que in vivo (no
momento da leitura) seja mostrada a ativação de diferentes áreas cerebrais. Em seguida, apresenta
as vantagens da técnica de Imageamento por Ressonância Magnética Funcional (FMRI) em relação a
Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET). Por fim, Dehaene postula duas rotas cerebrais de leitura,
uma para sons da fala e outra para palavras escritas. Porém, no reconhecimento visual, identifica,
em leitores do inglês e japonês, idênticas áreas ativadas.

O Capítulo 3 “The Reading Ape” (A leitura do macaco) focaliza o paradoxo da leitura, ou seja, a rela-
ção entre o que seria preciso e os mecanismos que estão biologicamente disponíveis no cérebro do
leitor. Trata das imperfeições dessa relação, revelando que as características peculiares ao sistema
visual do primata explicam o porquê a leitura não opera como um escâner rápido e eficiente.

No Capítulo 4 “Inventing Reading” (Inventando a leitura), Dehaene segue explanando o desenvolvi-


mento histórico da escrita, que vai das inscrições sumerianas, dos hieróglifos egípcios até os alfabe-
tos gregos e romanos, e os caracteres chineses. Fato curioso é que no alfabeto semítico, apenas as
consoantes eram transcritas e isso tornava a leitura complicada e até mesmo ambígua. Entretanto,
quando as vogais foram incorporadas à escrita alfabética, o sistema ficou mais compreensível, facili-
tando assim um pouco a leitura.

Já no Capítulo 5 “Learning to Read” (Aprender a ler), o autor se atem ao exame de como uma criança
aprende a ler. Neste capítulo, Dehaene explica os três principais estágios que permeiam a aquisição
da leitura: estágio pictórico, fonológico e ortográfico. Destaca ainda que os circuitos do cérebro se
alteram durante estes estágios, de especial modo aqueles ligados à área de caixa de letras. Orienta,
por fim, a escola a explorar esse conhecimento, apresentando sugestões não só para professores,
mas também para pais que se empenham na tarefa de ensinar a leitura a seus filhos. Sugere que os
esforços se concentrem na compreensão, por parte da criança, dos diferentes fonemas que repre-
sentam cada letra ou grafema do alfabeto.

O capítulo seguinte (seis) “The Dyslexic Brain” (O cérebro disléxico) trata de um problema do apren-
dizado da leitura — a dislexia. Aborda o conceito, assim como seus dramáticos sintomas e efeitos,
trata ainda da sua base cerebral e das possibilidades de cura.

“Reading and Symmetry” (Leitura e simetria), Capítulo 7, diz respeito às inversões esquerda-direita.
Escrita espelhada é a forma como se denomina a inversão das letras, isto é escrever de trás para
frente. Tal processo ocorre em todas as culturas, incluindo China e Japão, pelas crianças nos primei-
ros estágios de letramento e não é uma confusão específica aos disléxicos. Mais tarde, para apren-
der a ler e processar as diferenças de “b” e “d” como letras distintas, no caso da escrita alfabética,
elas devem desaprender as generalizações espelhadas. Dehaene cita Leonardo da Vinci como um

192
LEITURA EM REVISTA Cátedra UNESCO de Leitura PUC-Rio n.2, abr., 2011.

dos maiores peritos nas imagens espelhadas e, ao longo do capítulo, explica como se dá o processa-
mento visual e a simetria dos cérebros para a ocorrência desse fenômeno.

Por fim, o Capítulo 8 “Toward a Culture of Neurons” (Em direção à cultura dos neurônios) retorna à
ideia de que, mesmo com as dificuldades, a espécie humana é a única capaz de ler. Dehaene argu-
menta que a leitura é limitada por estruturas cerebrais inatas, fixas, com pouca flexibilidade, apenas
o suficiente para permitir o surgimento dessa habilidade sem precedentes; em oposição ao que
dizem os modelos da ciência social, os quais pregam que é por meio da cultura que todo o conheci-
mento é transmitido ao cérebro, visto este ser uma tabula rasa.

Na conclusão, intitulada “The Future of Reading” (O Futuro da leitura), o autor reitera o caráter
introdutório da obra. Reafirma o objetivo de estender os novos achados da neurociência à comuni-
dade escolar, a fim de que pesquisadores e professores possam juntamente desenvolver experimen-
tos pedagógicos apropriados às reais características dos educandos e as salas de aula possam ser
laboratórios de pesquisa. Como fechamento, ele instiga o pensamento do leitor para a produção de
novas formas de ensino — a “neuropsicopedagogia”, visando assim uma aproximação mais concisa
entre ciência e ensino.

As referências bibliográficas da obra são um bom índice para aqueles que desejam se aventurar mais
intensamente no conhecimento da leitura. Também é disponibilizado no final da obra um glossário
com terminologias características do tema.

Cada capítulo inclui exposição dos fenômenos de forma detalhada e por meio de exemplos. Deha-
ene mostra as drásticas diferenças dos cérebros letrados e iletrados, assim como o impacto dos
ganhos cognitivos que advêm do ato de ler. Ato esse, que, ao mesmo tempo, pode caracterizar a
perda da habilidade do diálogo interativo. Sócrates, na antiguidade clássica, já temia por isso e, de
fato, os meios de comunicação formados pela fala foram drasticamente remodelados pelo advento
da escrita. Entretanto, nada impede que os dois formatos coexistam.

Ressalta-se que este livro parte de questionamentos bem pontuais, os quais servem de guia para o
desenrolar da obra e sem abrir mão da densidade teórica, apresenta estudos da neurociência cog-
nitiva de forma didática e pertinente. Tal transparência permite que Reading in the Brain seja uma
obra sedutora, indicada não só a especialistas da área, mas, sobretudo, a um público empenhado
em compreender mais a respeito do assunto.

Para finalizar, salienta-se que Stanislas Dehaene concedeu uma entrevista à revista Scientific Ameri-
can de 17 de novembro de 2009, disponível na internet (http://www.scientificamerican.com/article.
cfm?id=your-brain-on-books) e o autor também possui um site (www.readinginthebrain.com)com
informações sobre o livro, onde podem ser encontradas as figuras utilizadas — em colorido e de
tamanho ampliado. Ambos os recursos servem de apoio ao leitor que tenha interesse em obter mais
informações a respeito da pesquisa sobre como se dá a leitura no cérebro.

Envio: 27 set. 2010


Aceite: 21 jan. 2011

193

View publication stats

Você também pode gostar