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Rodrigo Hohl
Federal University of Juiz de Fora
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All content following this page was uploaded by Rodrigo Hohl on 05 July 2021.
O CÉREBRO APRENDIZ:
Resenha
NEUROPLASTICIDADE E EDUCAÇÃO
“Dentre as várias disciplinas que podem esta- Em sua introdução, (capítulo 1), Lent propõe
belecer vínculos com os problemas da Educação, uma política de pesquisa translacional na educação,
talvez a que tem maior potencialidade de repercussão análoga às práticas da área da saúde, e cita Stokes
conceitual e prática é a Neurociência” (Lent, 2019, (1997) como referência propositiva de uma pesquisa
p. 7; doravante, apenas números de páginas serão inspirada pelo uso, isto é, quando o produto da ciência
referenciados). A afirmação sintetiza a tese do livro é fruto da síntese da descoberta de conceitos fun-
O cérebro aprendiz: Neuroplasticidade e Educação, 148 damentais com a utilidade prática. Nesse sentido,
páginas, editado em 2019, do autor Roberto Lent, Lent aponta como incipiente a tentativa de conectar
médico formado em 1972 na Universidade Federal do a ciência produzida nas universidade e institutos de
Rio de Janeiro (UFRJ), Titular de Ciências Biomédicas pesquisa com a sala de aula, em oposição ao que
da UFRJ, Pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa vem ocorrendo na área da saúde, segmento em que
e Ensino, e Coordenador da Rede Nacional de Ciência a pesquisa básica progride para a pesquisa aplicada
para Educação. O contexto de produção do livro é e para a inovação em busca de maior eficiência nas
apresentado nas páginas VII-VIII por três de seus intervenções médicas. Todavia, o autor preocupa-se em
orientandos de doutorado: Daniel Menezes Guimarães, conscientizar o leitor sobre o risco de a neuroeducação
Diego Szczupak e Kleber A. Neves, os quais são refe- (i.e. a neurociência aplicada à educação) transformar-
renciados no prefácio (do próprio autor) como revi- -se em “neuromoda”, isto é, uma panaceia oriunda do
sores do texto original em colaboração com Patrícia “(...) alto poder sedutor das explicações reducionistas
Garcez, professora adjunta do Instituto de Ciências (...)” (p. 8) para fenômenos cognitivos, psicológicos ou
Biomédicas da UFRJ e Cilene Vieira Lent, editora. psicofisiológicos cuja “(...) mágica sedução (...)” (p. 8)
O prefácio e a contracapa recomendam a leitura do costuma atingir o público leigo impressionado pelas
livro por professores, estudantes de pedagogia e das imagens coloridas de cérebros em atividade funcional
diversas licenciaturas, psicólogos, psiquiatras, pediatras publicadas na mídia convencional.
e gestores educacionais. O Capítulo 2, Neuroplasticidade, o que é?, rela-
Ainda no prefácio, Roberto Lent preocupa-se ciona neuroplasticidade com aprendizagem e memó-
em apresentar ao leitor o recorte neurobiológico rela- ria. Aprendizagem é definida como o processo de
cionado com a educação que pretenderá esmiuçar nas formação de memórias (informação registrada pelo
páginas seguintes: a neuroplasticidade, a “propriedade cérebro que poderá ser utilizada para o planejamento
do sistema nervoso que está na raiz da educação” (p. de ações ou modificações no comportamento em
IX). Se por um lado tal afirmação denota a relevância benefício da pessoa). “A palavra aprendizagem, assim,
do tema para o autor, por outro, Lent apresenta uma envolve o indivíduo com seu cérebro, captando infor-
narrativa ao longo do livro que visa atenuar uma mações do ambiente, guardando-as por algum tempo
possível interpretação reducionista sobre a relação e, eventualmente, utilizando-as para orientar o seu
neuroplasticidade e educação. Nesse sentido, ele se comportamento subsequente” (p. 13). Percebe-se certo
mostra cauteloso ao escrever que deixou de lado “(...) viés reducionista-materialista reafirmado na relação
precavidamente, os polos (o molecular, de um lado, e o aluno-professor, definida como uma “(...) interação
social do outro)” (p. IX) com planos de abordar numa entre dois cérebros” (p. 15). A interação entre cérebros
publicação futura, contando com a contribuição de é o estímulo que geraria mútuas modificações da maté-
especialista de outras áreas, ambos os polos. ria cerebral, ou seja, neuroplasticidade (modificação de
redes celulares neurais). Para evitar uma abordagem habituados aos conceitos e processos da biologia celu-
reducionista estrita, o autor apresenta sua moldura lar. Ademais, contextualiza as evidências encontradas
conceitual heurística, segundo a qual a neuroplas- em modelos animais que ainda carecem de confirma-
ticidade dimanaria de causas existentes nos planos ção em seres humanos, destacando-se a neurogênese,
biológico, psicológico e socioculturais. Portanto, seria ou seja, a formação de novos neurônios no neocortex
necessário um esforço em busca da unidade do conhe- associada ao processo de aprendizagem espacial em
cimento, ou consiliência, proposta epistemológica de roedores, mas até o presente momento não observada
Edward Wilson (Wilson, 1999). A consiliência decor- na aprendizagem humana. Portanto, as pesquisas
reria de oito níveis heurísticos da neuroplasticidade, apontam para a neuroplasticidade como fenômeno
descritos numa escala intercambiável de proposições biológico fundamental para a aprendizagem em seres
cujos extremos seriam um polo reducionista de expli- humanos, sendo a neurogênese uma possibilidade
cações unitárias e outro polo holístico de explicações ainda sem consenso.
sistêmicas, a saber (em ordem crescente): (1) memória O Capítulo 5, Redes Dinâmicas, aborda o conceito
molecular, (2) plasticidade sináptica, (3) plasticidade de redes neurais de longa distância que servem como
de microcircuitos, (4) neuroplasticidade de longa conectores de módulos cerebrais (isto é, estruturas pre-
distância, (5) neuroplasticidade de redes cerebrais, sentes em diferentes coordenadas no cérebro), capazes
(6) neuroplasticidade transpessoal, (7) interações psi- de atuarem em concerto durante atividades cognitivas
cológicas, (8) economia e sociologia da educação. O e comportamentais complexas como leitura, escrita e
capítulo termina com a proposta que dará sequência memorização. As estruturas cerebrais conectadas à dis-
ao livro: abordar os níveis heurísticos sucessivos da tância responsáveis por leitura, escrita e memória são
neuroplasticidade como mecanismos subjacentes à apresentadas com moderado grau de detalhamento,
educação, admitindo-os como fundamentação para suficiente para convencer o leitor de que há um com-
proposição de práticas educacionais. Conforme ante- ponente genético potencial compartilhado pela espé-
cipado no prefácio, o autor não abordará neste livro cie humana a ser desenvolvido através dos estímulos
os níveis (7) e (8) com aprofundamento. ambientais. Estudos que versam sobre o domínio da
O Capítulo 3, Neurônios interativos, introduz leitura e da escrita são utilizados para exemplificar a
conceitos elementares da comunicação entre as célu- associação entre neuroplasticidade e aprendizagem,
las excitáveis do sistema nervosos (isto é, neurônios) relação justificada através de uma habilidosa narra-
e enfatiza os mecanismos moleculares da memória tiva histórica sobre os avanços dos experimentos e
sináptica. Sinapse é o local onde ocorre a transmissão observações empíricas possibilitados pelo progresso
do impulso nervoso (isto é, comunicação) entre neu- tecnológico. Ademais, Roberto Lent se preocupa em
rônios; memória sináptica seria a alteração perene de contextualizar o leitor sobre os fundamentos biofísicos
estruturas moleculares responsáveis pela sinapse. Tais das técnicas de registro da atividade cerebral humana
alterações estariam diretamente relacionadas com os (por exemplo, ressonância magnética, eletroencefalo-
estímulos ambientais. “A sinapse é a sede celular da grama e outras) que possibilitaram os experimentos
aprendizagem e da memória (...). É na sinapse que o e sustentam os modelos cognitivos da neurociência.
neurônio aprende” (p. 33) e, portanto, memória seria O texto procura convencer que a aprendizagem é um
a consolidação da informação através da plasticidade processo que gera alterações físicas nas redes neurais,
sináptica, o sítio mais reducionista do fenômeno apren- sobretudo ao demonstrar que a capacidade de escrever
dizagem. O Capítulo 4, Circuitos aprendizes, apresenta e o domínio da linguagem matemática estão associados
as bases moleculares da plasticidade dos circuitos a alterações na conectividade e na atividade de módulos
neurais aprendizes, isto é, o processo de aprendiza- cerebrais, as quais não seriam adequadamente justi-
gem geraria alterações moleculares nas sinapses de ficadas por adaptações evolutivas da espécie, sendo a
vários neurônios na proporção de muitos milhares de escrita e a linguagem matemática “(...) considerados
microcircuitos possíveis. Quanto mais consolidadas produtos da nossa cultura e, portanto, aprendidos
certas alterações nos circuitos, mais estável se torna durante o desenvolvimento pós-natal das crianças”
o arquivamento da informação pelo cérebro. O autor (p. 80).
usa analogias e descrição de experimentos seminais O Capítulo 6, Crianças: uma longa transição, se
para tornar atraente um tema árido para leitores não dedica a uma revisão bastante atualizada, sem ser