Catena Aurea

Ano B · Dezembro
Santo Tomás de Aquino · Santos Padres

Tradução: Tiago Gadotti

 Catena Aurea (Edição especial - dezembro, Ano B), vários autores
© Editora Concreta, 2017

Título original:
Catena aurea in quatuor Evangelia

Os direitos desta edição pertencem à

Editora Concreta
Rua Dr. Vale, 24, sala 402 – Bairro Floresta – CEP: 90560-010
Porto Alegre – RS – Telefone: (51) 9916-1877 – e-mail: contato@editoraconcreta.com.br
Editor:
Renan Martins dos Santos
Coordenador editorial:
Sidney Silveira
Tradução:
Tiago Gadotti
Revisão:
Deadline Revisões
Capa & Diagramação:
Hugo de Santa Cruz

Ficha Catalográfica
Tomás de Aquino, Santo, 1225?-1274
T655c Catena Aurea (ed. especial, Ano B, dezembro) / tradução de Tiago Gadotti,
edição de Renan Santos. – Porto Alegre, RS: Concreta, 2017.
88p. :p&b ; 16 x 23cm

ISBN 978-85-68962-05-3

1. Teologia. 2. Filosofia. 3. Filosofia medieval. 4. Comentários bíblicos. 5. Cristianismo.

6. Catolicismo. 7. Espiritualidade. I. Título.

CDD-226.07

Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer

reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica
ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer meio.

www.editoraconcreta.com.br
 C OL EÇ ÃO ESC OL Á S T IC A

F
oram características marcantes do período escolástico a elevação da
dialética a um cume jamais superado – antes ou depois, na história
da filosofia –, o notável apuro na definição de termos e conceitos,
a clareza expositiva na apresentação das teses, o extremo rigor lógico nas
demonstrações, o caráter sistêmico das obras, a classificação das ciências a
partir de um viés metafísico e, por fim, a existência duma abóboda teológica
que demarcava a latitude e a longitude dos problemas esmiuçados pela ra-
zão humana, os quais abarcavam todos os hemisférios da ordem do ser: da
materia prima a Deus.
O leitor familiarizado com textos de grandes autores escolásticos, como
Santo Tomás de Aquino, Duns Scot, Santo Alberto Magno e outros, estranha
ao deparar com obras de períodos posteriores, pois identifica perdas de cunho
metodológico que transformaram a filosofia num enorme mosaico de idéias
esparzidas a esmo, nos piores casos, ou concatenadas a partir de princípios
dúbios, nos melhores. A confissão de Edmund Husserl ao discípulo Eugen
Fink de que, se pudesse, voltaria no tempo para recomeçar o seu edifício feno-
menológico serve como sombrio dístico do período moderno e pós-moderno:
o apartamento entre filosofia e sabedoria – entendida como arquitetura em
ordem ao conhecimento das coisas mais elevadas – acabou por gerar inúmeras
obras malogradas, mesmo quando nelas havia insights brilhantes.
Constatamos isto em Descartes, Malebranche, Espinoza, Kant, Hegel,
Schopenhauer, Nietzsche, Husserl, Heiddegger, Ortega y Gasset, Wittgens-
tein, Sartre, Xavier Zubiri e vários outros autores importantes cujos princípios
filosóficos geraram aporias insanáveis, verdadeiros becos sem saída.
 Na prática, o filosofar que se foi cristalizando a partir do humanismo renas-
centista está para a Escolástica assim como a música dodecafônica, de caráter
atonal, está para as polifonias sacras. Em suma, o nobre intuito de harmonizar
diferentes tipos de conhecimento foi, aos poucos, dando lugar à assunção da
desarmonia como algo inescapável. As conseqüências desta atitude intelectual
fragmentária e subjetivista, seja para a religião, seja para a moral, seja para a
política, seja para as artes, seja para o direito, foram historicamente funestas,
mas não é o caso de enumerá-las neste breve texto.
Neste ponto, vale advertir que a Coleção Escolástica, trazida à luz pela editora
Concreta em edições bilíngües acuradas, não pretende exacerbar um anacrônico
confronto entre o pensar medieval e tudo o que se lhe seguiu. O propósito maior
deste projeto é o de apresentar ao público brasileiro obras filosóficas e teológicas
pouco difundidas entre nós, não obstante conheçam edições críticas na grande
maioria das línguas vernáculas. Tal lacuna começa a ser preenchida por iniciativas
como esta, cujo vetor pode ser traduzido pela máxima escolástica bonum est di-
ffusivum sui (o bem difunde-se por si mesmo). Ocorre que esta espécie de bens,
para ser difundida, precisa ser plantada no solo fértil dos livros bem editados.
No mundo ocidental contemporâneo, plasmado de maneira decisiva na
longínqua dúvida cartesiana, assim como nos ceticismos de todos os tipos e
matizes que se lhe seguiram; mundo no qual as certezas são apresentadas como
uma espécie de acinte ou ingenuidade epistemológica; mundo que se despo-
ja de suas raízes cristãs para dar um salto civilizacional no escuro; mundo,
por fim, desfigurado pelas abissais angústias alimentadas por filosofias caducas
de nascença; em tal mundo, não nos custa afirmar com ênfase entusiástica o
quanto este projeto foi concebido sem nenhum sentimento ambivalente. Ao
contrário, moveu-nos a certeza absoluta de que apresentar o Absoluto é um
bálsamo para a desventurada terra dos relativismos.
Vários autores do período serão agraciados na Coleção Escolástica com
edições bilíngües: Santo Tomás de Aquino, São Boaventura, Santo Anselmo
de Cantuária, Santo Alberto Magno, Alexandre de Hales, Roberto Grossetes-
te, Duns Scot, Guilherme de Auvergne e outros da mesma altitude filosófica.
Em síntese, a Escolástica é uma verdadeira coleção de gênios. Procurare-
mos demonstrar isto apresentando-os em edições cujo principal cuidado será
o de não lhes desfigurar o pensamento.
Que os leitores brasileiros tirem o melhor proveito possível deste tesouro.

Sidney Silveira
Coordenador da Coleção Escolástica
 Sumário

CATENA AUREA
Natal - Missa do Dia  
Evangelho: João 1,1-18  9
Comentário suplementar: Sermão de Natal, S. Leão Magno  82

Referências citadas  87

8 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
 Natal
Missa do Dia
Evangelho: João 1,1-18

1No princípio era1 o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus, e o Verbo

era Deus. 2Estava no princípio junto de Deus. 3Todas as coisas foram
feitas por ele; e sem ele nada foi feito. 4Nele estava a vida,2 e a vida
era a luz dos homens, 5e a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a
compreenderam.3 6Apareceu um homem enviado por Deus que se cha-
mava João. 7Veio como testemunha para dar testemunho da luz, a fim
de que todos cressem por meio dele. 8Não era a luz, mas veio para dar
testemunho da luz. 9O Verbo era a luz verdadeira, que ilumina todo
o homem que vem a este mundo. 10Estava no mundo, e o mundo foi
feito por ele, e o mundo não o conheceu. 11Veio para o que era seu, e os
seus não o receberam. 12Mas a todos os que o receberam, deu poder de
se tornarem filhos de Deus, àqueles que crêem no seu nome; 13os quais
não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade
do homem, mas de Deus. 14E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós;
e nós vimos a sua glória, glória como de Filho Unigênito do Pai, cheio
de graça e de verdade. 15João dá testemunho dele e clama: “Este era

1 Matos Soares: existia.

2 Latim: et sine ipso factum est nihil quod factum est in ipso vita erat. No passado, não se usavam pontos
nos manuscritos. Por isso essa passagem admite leituras diversas: 1) Ou o quod da frase quod factum
est é um pronome relativo que se refere a nihil, e neste caso o sentido da frase é: “Sem ele nada foi feito
do que foi feito. Nele estava a vida, etc.” 2) Ou se pode interpretar assim: “Sem ele nada foi feito do
que foi feito nele. [Ele] era a vida, etc”. 3) Ou então quod factum est é o sujeito da frase seguinte: “Sem
ele nada foi feito. O que foi feito era a vida nele”, ou ainda: “O que foi feito nele era vida”. É im-
portante ter em mente essas diferenças para entender alguns comentários dos Santos Padres a seguir.
3 Matos Soares: receberam.
 10 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres

aquele de quem eu disse: O que há de vir depois de mim, é mais do

que eu, porque existia antes de mim”. 16Todos nós participamos de sua
plenitude, e recebemos graça sobre graça; 17porque a lei foi dada por
Moisés, mas a graça e a verdade foi trazida por Jesus Cristo. 18Ninguém
jamais viu Deus; o Filho Unigênito, que está no seio do Pai, ele mesmo
é que o deu a conhecer.

Homil. in Chrysostomus. omnibus aliis evan- Crisóstomo. Enquanto todos os ou-

Ioan., 3
gelistis ab incarnatione incipienti-
bus, Ioannes transcurrens concep-
tionem, nativitatem, educationem,
augmentationem, mox de aeterna
nobis generatione narrat, dicens in
principio erat verbum.
De Div. Augustinus. quod graece logos di-
Quaest., 63
citur, latine et rationem et verbum
significat; sed hoc melius verbum
interpretatur, ut significetur non
solum ad patrem respectus, sed ad
illa etiam quae per verbum facta
sunt operativa potentia. Ratio au-
tem, etsi nihil per eam fiat, recte
ratio dicitur.
Super Ioan., Augustinus. Quotidie autem di-
tract. 1 cendo verba viluerunt nobis, quia
sonando et transeundo viluerunt.
Est verbum et in ipso homine quod
manet intus: nam sonus procedit ex
ore. Est verbum quod vere specia-
liter dicitur illud quod intelligis de
sono, non ipse sonus.
De Trin., 15, Augustinus. Quisquis autem potest
10
intelligere verbum, non solum ante-
quam sonet, verum etiam antequam
tros evangelistas começam [sua narra-
tiva] a partir da Encarnação, João pas-
sa por alto o nascimento, a educação
e o crescimento [de Jesus], e começa
a narrativa a partir da geração eterna,
dizendo: No princípio era o Verbo.
Agostinho. A palavra grega logos sig-
nifica em latim razão (ratio) e palavra
(verbum). Mas é melhor traduzi-la
por palavra, porque indica não só a
relação com o Pai, mas também com
as coisas que foram feitas pelo poder
operativo da Palavra. Com efeito, a
razão continua sendo razão mesmo
que não produza nada.
Agostinho. O uso cotidiano das pa-
lavras faz com que elas percam o va-
lor para nós, pois são algo que soa e
passa. Mas no homem existe uma pa-
lavra que permanece em seu interior,
pois o som procede apenas da boca.
O sentido verdadeiro de “palavra” é
aquilo que inteliges a partir do som,
e não o próprio som.
Agostinho. Qualquer um pode en-
tender uma palavra, não só antes
que ela soe, mas também antes que
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
sonorum eius imagines cogitatione
volvantur, iam potest videre per hoc
speculum atque in hoc aenigma-
te aliquam verbi similitudinem, de
quo dictum est in principio erat ver-
bum. Necesse est enim cum id quod
scimus loquimur, ut ex ipsa scientia
quam memoria tenemus, nascatur
verbum, quod eiusmodi sit omnino
cuiusmodi est illa scientia de qua
nascitur. Formata quippe cogitatio
ab ea re quam scimus, verbum est,
quod in corde dicimus; quod nec
graecum est, nec latinum, nec lin-
guae alicuius. Sed cum id opus est
in eorum quibus loquimur proferre
notitiam, aliquod signum quo signi-
ficetur assumitur. proinde verbum
quod foris sonat, signum est verbi
quod intus latet, cui magis verbi
competit nomen: nam illud quod
profertur carnis ore, vox verbi est,
verbumque et ipsum dicitur propter
illud a quo ut foris appareat sump-
tum est.
Basilius. Hoc autem verbum non
est humanum verbum. quomodo
enim erat in principio humanum
verbum, ultimo loco accipiente ho-
mine generationis principium? non
igitur in principio verbum erat hu-
manum, sed nec angelorum: omnis
enim creatura infra saeculorum ter-
minos est, a creatore essendi sumens
principium. Sed audi evangelium
11
as imagens do som sejam pensa-
das pela mente. Já podemos ver por
meio desse espelho e enigma uma
certa semelhança com aquele Verbo
de que se disse: No princípio era o
Verbo. Quando falamos daquilo que
conhecemos, é necessário que seja
gerado, a partir da ciência que temos
na memória, um verbo que seja tal
qual é a ciência donde procede. O
pensamento que formamos acerca
daquilo que sabemos é o verbo, que
dizemos estar no coração. Essa pala-
vra [interior] não é grega, nem latina,
nem de nenhuma outra língua. Mas
quando precisamos indicar esse co-
nhecimento a nossos interlocutores,
tomamos algum signo que signifique
[o verbo interior]. Portanto, a palavra
que soa no exterior é signo da pala-
vra que está oculta no interior, e que
merece mais propriamente o nome
de “palavra”. Com efeito, aquilo que
se profere com a boca carnal é o som
da palavra, e é chamado de palavra
porque é tomado para manifestar ex-
ternamente [a palavra interior].
Basílio. Esse Verbo não é humano. Hom. in
Como poderia existir no princípio princ. Ioan.
um verbo humano, uma vez que o
homem foi o último a ser criado?
Portanto, no princípio não havia
verbo humano, e tampouco angéli-
co, pois toda a criação está contida
nos termos dos [tempos] seculares,
recebendo do Criador o princípio
de seu ser. Mas ouve com atenção o
 12 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
decenter: ipsum enim, unigenitum
verbum dixit.
Homil. in Chrysostomus. si autem quis dixe-
Ioan., 1 rit: cur patrem dimittens, mox nobis
de filio loquitur? quoniam ille qui-
dem manifestus omnibus erat, etsi
non ut pater, sed ut deus, unigenitus
autem ignorabatur: ideo decenter
eam, quae de isto est, cognitionem
confestim initio studuit imponere
his qui nesciebant eum; sed neque
patrem in his quae de filio sunt ser-
monibus tacuit. propter hoc autem
et verbum eum vocavit. quia enim
docturus erat quod hoc verbum uni-
genitus est filius Dei; ut non passi-
bilem aestimet quis generationem,
praeveniens verbi nuncupatione,
destruit perniciosam suspicionem,
esse ex Deo filium impassibiliter os-
tendens. Secunda vero ratio est, quia
ea quae sunt patris nobis annuntia-
re debebat. Non simpliciter vero
eum verbum dixit, sed cum articuli
adiectione, a reliquis ipsum sepa-
rans. Consuetudo enim est scriptu-
rae verba vocare leges Dei et prae-
cepta: hoc autem verbum substantia
quaedam est, hypostasis, ens, ex ipso
proveniens impassibiliter patre.
Hom. in Basilius. Quare igitur verbum? quia
princ. Ioan.
impassibiliter natum est; quia est
generantis imago, totum in seipso
generantem demonstrans, nihil inde
separans, sed in seipso perfectum
existens.
evangelista. Disse ele que o Verbo é o
Unigênito.
Crisóstomo. Talvez alguém pergun-
te: “Por que, sem mencionar o Pai,
fala logo do Filho?” [Fez isso] porque
[o Pai] já era conhecido de todos, se
não como Pai, ao menos como Deus;
mas o Unigênito era ignorado. Por
isso se esforçou de modo conveniente
em manifestar logo no início o conhe-
cimento [do Unigênito] aos que o ig-
noravam. Mas ao falar do Filho não se
calou quanto ao Pai. Chama-o de Ver-
bo, porque havia de ensinar que esse
Verbo é o Filho Unigênito de Deus.
Assim, para que ninguém pensasse
que a geração é algo passível, antepôs
o nome Verbo [ao nome Filho] para
que destruísse essa suposição perni-
ciosa, mostrando assim que o Filho [é
gerado] por Deus de modo impassí-
vel. A segunda razão é que [o Verbo]
nos havia de anunciar as coisas do Pai.
Não disse simplesmente “Verbo”, mas
acrescentou o artigo definido, sepa-
rando-o assim dos demais [verbos]. É
costume das Escrituras chamar as leis
e preceitos de Deus de palavras, mas
este Verbo é uma certa substância,
uma hipóstase, um ente que procede
do Pai de modo impassível.
Basílio. Por que então “Verbo”? Por-
que nasce de modo impassível, por-
que é a imagem de quem o gera, ma-
nifestando em si mesmo todo o Pai,
não se separando dele em nada, mas
permanecendo completamente nele.
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
Augustinus. Sicut enim scientia
nostra illi scientiae Dei, sic nostrum
verbum quod nascitur de nostra
scientia, dissimile est illi verbo Dei,
quod natum est de patris essentia.
Tale est autem, ac si dicerem de
patris scientia, de patris sapientia;
vel, quod est expressius, de patre
scientia, de patre sapientia. verbum
ergo Dei patris unigenitus filius,
per omnia patri similis et aequalis:
hoc enim est omnino quod pater,
non tamen pater: quia iste filius,
ille pater: ac per hoc novit omnia
quae novit pater; sed ei nosse de
patre est, sicut esse: nosse enim et
esse ibi unum est; et ideo patri, si-
cut esse non est a filio, ita nec nosse.
proinde, tamquam seipsum dicens,
pater genuit verbum sibi aequale per
omnia: non enim seipsum integre
perfecteque dixisset, si aliquid mi-
nus aut amplius esset in eius verbo
quam in seipso. Nostrum autem
verbum interius, quod invenimus
esse utcumque illi simile, quantum
sit etiam dissimile, non pigeat intue-
ri. est enim verbum mentis nostrae
quandoque formabile, nondum for-
matum, quiddam mentis nostrae,
quod hac atque hac volubili qua-
dam motione iactamus, cum a nobis
nunc id, nunc illud, sicut inventum
fuerit vel occurrerit, cogitatur; et
tunc fit verum verbum quando illud
quod nos diximus volubili motione
13
Agostinho. Assim como nossa ciên- De Trin., 15,
13
cia é diferente da ciência de Deus,
assim também o verbo que nasce de
nossa ciência é diferente do Verbo de
Deus, que nasce da essência do Pai.
Ele nasce, por assim dizer, da ciên-
cia do Pai, da sabedoria do Pai, ou,
falando de modo mais expressivo,
do Pai-Ciência, do Pai-Sabedoria.
Portanto, o Verbo de Deus é o Uni-
gênito do Pai, em tudo semelhante e
igual ao Pai. Ele é tudo o que o Pai é,
mas não é o Pai. Porque este é Filho,
e aquele, Pai. Assim, sabe tudo o que
o Pai sabe, mas para ele o conhecer é
[nascer] do Pai, assim como seu ser [é
nascer do Pai]. O conhecer e o ser são
um só. Portanto, assim como para o
Pai o ser não é [nascer] do Filho, as-
sim também o conhecer [do Pai não
é nascer do Filho]. Assim, ‘dizendo
sua essência’, o Pai gerou uma Palavra
que lhe é igual em tudo. Não teria
‘dito sua essência’ de modo integral
e perfeito se em sua palavra houves-
se menos ou mais do que há em si
mesmo. Não hesitemos em exami-
nar nosso verbo interior, que sabe-
mos ser em algo semelhante a ele, e
em algo dessemelhante. O verbo de
nossa mente é em algum momento
formável antes de ser formado, é algo
[informe] de nossa mente que se agi-
ta [na alma], quando cogitamos ora
isso ora aquilo, dependendo do que
descobrimos ou do que nos ocorre
pensar. O verdadeiro verbo aparece
quando aquilo que se agitava na alma
 14 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
iactare, ad id quod scimus pervenit,
atque inde formatur, eius omnimo-
dam similitudinem capiens; ut quo-
modo res quaeque scitur, sic etiam
cogitetur. Quis non videat quanta
sit hic dissimilitudo ab illo Dei ver-
bo, quod in forma Dei sic est ut
non ante fuerit formabile, postea
formatum, non aliquando possit
esse informe, sed sit forma simplex,
et simpliciter aequalis ei de quo
est? quapropter ita dicitur illud Dei
verbum, ut Dei cogitatio non dica-
tur; ne aliquid esse quasi volubile
dicatur in Deo, quod nunc habeat,
nunc accipiat formam ut verbum
sit, eamque possit amittere, atque
informiter quodammodo volutari.
De Verb. Augustinus. est enim verbum Dei
Dom., 38 forma quaedam non formata, sed
forma omnium formarum, forma
incommutabilis, sine lapsu, sine
defectu, sine tempore, sine loco, su-
perans omnia, existens in omnibus
fundamentum quoddam, in quo
sunt, et fastigium sub quo sunt.
Hom. in Basilius. habet autem et verbum
princ. Ioan. nostrum exterius divini verbi si-
militudinem quamdam: nam nos-
trum verbum totam declarat men-
tis conceptionem: quae namque
mente concepimus, ea verbo pro-
ferimus. Et quidem cor nostrum
quasi fons quidam est: verbum
vero prolatum quasi quidam rivu-
lus manans ex ipso.
se conforma àquilo que conhecemos,
e então se forma [o verbo] que é uma
semelhança perfeita [com o conheci-
mento], de tal modo que pensamos
a coisa segundo o que dela conhe-
cemos. Quem não vê aqui a imensa
diferença que há entre [nosso verbo]
e o Verbo de Deus, que existe na for-
ma de Deus de modo tal que não era
antes formável e depois foi formado,
nem pôde estar informe em nenhum
momento, pois é uma forma simples,
e simplesmente igual àquele de que
procede? É chamado de Verbo de
Deus, e não pensamento de Deus,
para que não se atribua algo transitó-
rio a Deus e não pensemos que Deus
possua ou receba a forma do Verbo,
podendo perdê-la e ficar informe.
Agostinho. O Verbo de Deus é uma
forma, mas que não foi formada [em
algum momento], mas é a forma de
todas as formas, a forma imutável,
sem lapso, sem defeito, sem tempo,
sem lugar, superando tudo, existin-
do em tudo como um fundamento
sobre o qual estão as coisas, e como
cume sob o qual estão todas as coisas.
Basílio. Mas nosso verbo exterior
também possui uma semelhança
com o Verbo divino, pois nosso ver-
bo manifesta a inteira concepção da
mente. O que concebemos na men-
te, proferimos em palavra. O nos-
so coração é como uma fonte, e o
verbo vocal é como um riacho que
emana dele.
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
Chrysostomus. considera etiam in
evangelista prudentiam spiritualem.
Noverat homines id quod antiquius
est et quod est ante omnia maxime
honorantes et ponentes Deum: prop-
ter hoc primum dicit principium: in
principio, inquit, erat verbum.
Origenes. Plura autem sunt signa-
ta ab hoc nomine principium. est
enim principium, sicut itineris et
longitudinis, secundum illud: ini-
tium boni itineris iustorum exer-
citium. est autem principium et
generationis, iuxta illud: hoc est
principium creaturae domini. Sed
etiam Deum non enormiter asseret
aliquis omnium principium. illud
etiam ex quo sicut ex praeiacente
materia alia fiunt, principium est
penes eos qui credunt illam inge-
nitam. est enim principium secun-
dum speciem; sicut Christus prin-
cipium eorum est qui secundum
imaginem Dei formati sunt. est
etiam principium disciplinae, se-
cundum illud: cum deberetis esse
magistri propter tempus, rursus
indigetis ut doceamini quae sunt
elementa exordii sermonum Dei.
Duplex enim est documenti prin-
cipium: hoc quidem natura, hoc
vero quoad nos; ut si dicatur, ini-
tium sapientiae fore natura quidem
Christum, inquantum sapientia et
verbum Dei est; quoad nos vero
15
Crisóstomo. Considera também a Homil. in
prudência espiritual do evangelista. Ioan. 1
Sabia que os homens chamam de
Deus e honram como Deus aquilo
que é o mais antigo e que existe antes
de todas as coisas. Por isso diz que ele
é o primeiro princípio: No princípio
era o Verbo.
Orígenes. A palavra princípio signi- Com. in
fica muitas coisas. Pode significar o Evang. Ioan.,
tomo 1
princípio de um caminho e de uma
superfície, de acordo com estas pala-
vras: O princípio do bom caminho é
praticar a justiça (Pr 16,5). Existe o
princípio da geração, como quando
se diz: O princípio da criação do Se-
nhor (Ap 3,14). Mas também não está
errado dizer que Deus é o princípio
de todas as coisas. Princípio também
é aquilo de que algo é feito, como a
matéria pré-existente, que alguns crê-
em ser ingênita. Existe também um
princípio segundo a espécie; neste
sentido Cristo é o princípio dos que
são formados segundo a imagem de
Deus. Existe um princípio do apren-
dizado, como neste versículo: Com
efeito, devendo vós ser já mestres, aten-
dendo ao tempo, tendes ainda necessi-
dade de que novamente vos ensinem os
primeiros rudimentos (princípios) da
palavra de Deus (Hb 5,12). Existem
dois princípios do aprendizado: um
segundo a natureza, e outro com res-
peito a nós. Segundo a natureza, o
princípio da sabedoria é Cristo, en-
quanto Sabedoria e Verbo de Deus;
 16 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
inquantum verbum caro factum
est. tot igitur significatis ad praesens
nobis de principio occurrentibus,
potest accipi illud ex quo quid est
agens. Conditor enim Christus est
velut principium, secundum quod
sapientia est; ut verbum in prin-
cipio, quasi in sapientia sit. Plura
enim bona de salvatore dicuntur.
Velut igitur vita in verbo est, sic ver-
bum in principio, idest in sapientia
erat. Considera vero si possibile est
secundum hoc significatum accipe-
re nos principium, prout secundum
sapientiam, et exempla quae in ea
sunt, fiunt omnia; vel quia princi-
pium filii pater est, et principium
creaturarum, et omnium entium;
per illud in principio erat verbum,
verbum filium intelligas in princi-
pio, idest in patre, dictum fore.
De Trin., 6, 2 Augustinus. Aut in principio sic dic-
tum est ac si diceretur: ante omnia.
Hom. in Basilius. Praevidit enim spiritus
princ. Ioan.
sanctus futuros quosdam inviden-
tes gloriae unigeniti, qui praeferrent
sophismata ad subversionem audi-
torum: quia si genitus est, non erat;
et antequam genitus esset, non erat.
Ne igitur talia garrire praesumant,
spiritus sanctus ait in principio erat
verbum.
De Trin., 2 Hilarius. Transeunt tempora, tran-
seunt saecula, tolluntur aetates:
pone aliquid quod voles tuae opi-
com respeito a nós, [ele também é
o princípio] enquanto Verbo feito
carne. Portanto, como nos ocorrem
todos esses significados da palavra
“princípio”, podemos tomá-la aqui
como princípio de uma ação. Cris-
to é criador como um princípio, na
medida em que é Sabedoria. Assim,
o Verbo no princípio, é o Verbo na
Sabedoria. Muitas coisas boas se atri-
buem ao Salvador. A vida estava no
Verbo, o Verbo estava no princípio,
isto é, na Sabedoria. É possível tam-
bém considerarmos que “princípio”
significa que todas as coisas são fei-
tas segundo a sabedoria e segundo
os exemplares das coisas que existem
nela; ou, o Pai é o princípio do Filho
e o princípio das criaturas e de todos
os entes. Neste caso o Verbo existia no
princípio, isto é, o Verbo-Filho estava
no princípio, no Pai.
Agostinho. Ou, diz-se princípio como
se dissesse: “antes de todas as coisas”.
Basílio. O Espírito Santo previu que
surgiriam alguns invejosos da glória
do Unigênito, que avançariam sofis-
mas para subverter os ouvintes, pois,
[dizem eles], “se foi gerado, não exis-
tia; e antes de ser gerado, não existia”.
Para que ninguém ousasse aventar es-
ses disparates, disse o Espírito Santo:
No princípio existia o Verbo.
Hilário. Passam-se tempos, passam-
-se os séculos, desaparecem os anos.
Qualquer princípio que tua mente
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
nionis principium: non tenes tem-
pore: erat enim unde tractatur.
Chrysostomus. sicut autem quis
cum stat in navi secus littus, videt
civitates et portus, cum vero eum
aliquis in medium pelagi duxerit,
a prioribus quidem desistere facit,
non tamen alicubi defigit ei oculum,
ita evangelista hic super omnem nos
ducens creaturam, suspensum di-
mittit oculum, non dans suspicere
aliquem finem ad superiora: hoc
enim in principio erat semper et in-
finite essendi significativum est.
Augustinus. Sed dicunt: si filius est,
natus est; hoc fatemur. adiungunt
deinde: si natus est patri filius, erat
pater antequam ei filius nasceretur;
hoc respuit fides. Ergo ait: rationem
mihi redde quomodo et filius nas-
ci potuit patri, ut coaevus esset ei
a quo natus est. Post patrem enim
nascitur filius, utique patri morituro
successurus. similitudines adhibent
de creaturis; et nobis laborandum
est ut et nos inveniamus similitu-
dines earum rerum quas astruimus.
sed quomodo possumus in creatu-
ra invenire coaeternum, quando in
creatura nil invenimus aeternum?
sed si possunt inveniri haec duo
coaeva, generans et generatum, ibi
intelligimus coaeterna. Ipsa quidem
sapientia dicta est in scripturis can-
dor lucis aeternae, dicta est imago
17
imagine, não poderás limitá-lo a esse
tempo, pois ele já existia nesse prin-
cípio.
Crisóstomo. Assim como quem Homil. in
está num navio próximo da margem Ioan., 1
pode ver as cidades e os portos, mas
quando adentra o alto-mar, afasta-se
de tudo e o olhar não se pode fixar
em nada, assim também o Evangelis-
ta nos eleva acima de todas as criatu-
ras, deixando nossos olhos suspensos,
sem que possam ver nenhum fim nas
coisas superiores. A expressão: No
princípio era significa que ele existe
sempre e infinitamente.
Agostinho. Dizem alguns: “Se é fi- De Verb.
lho, é gerado”, e concordamos. E Dom., 38
acrescentam: “Se o Filho nasceu do
Pai, o Pai existia antes que o Filho
fosse gerado”, e isso é rejeitado pela
fé. Dizem então: “Explica-me como
o Filho nasceu do Pai e é ao mesmo
tempo co-eterno com aquele de que
nasceu. Com efeito, um filho nasce
depois do pai e sucede o pai depois
que este morre”. Exibem exemplos
tirados das criaturas, e esperam que
nós encontremos na natureza algum
exemplo daquilo que afirmamos. Mas
como poderemos encontrar na cria-
ção algo co-eterno, quando na cria-
ção não há nada que seja eterno? Mas
se os dois são coevos, o generante e
o gerado, então entendemos que são
co-eternos. Com efeito, a Sabedoria é
chamada de o resplendor da luz eterna
(Sb 7,26), e de imagem do Pai (Cl
18 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
patris. Hinc capiamus similitudi-
nem, ut inveniamus coaeva, ex qui-
bus intelligamus coaeterna. Nemo
autem dubitat, quod splendor de
igne exit. Ponamus ergo ignem pa-
trem illius splendoris: mox quidem
ut lucernam accendo, simul cum
igne et splendor existit. Da mihi
hic ignem sine splendore, et credo
tibi patrem sine filio fuisse. Imago
existit de speculo, hominis intuen-
tis speculum; existit imago mox ut
aspector extiterit: sed ille qui ins-
picit erat antequam accederet ad
speculum. Ponamus ergo aliquid
natum super aquam, ut virgultum,
aut herbam: nonne cum imagine
sua nascitur? si ergo semper esset
virgultum, semper esset et imago
de virgulto. quod autem de alio est,
utique natum est. Potest ergo sem-
per esse generans, et semper cum
illo quod de eo natum est. Sed di-
cet aliquis: ecce intellexi aeternum
patrem, coaeternum filium; tamen
sicut effusum splendorem minus
igne lucentem, aut sicut effusam
imaginem minus quam virgultum
existentem dicimus. non, sed ae-
qualitas omnimoda est. Non credo,
ait, quia non invenisti similitudi-
nem. fortassis autem invenimus
in creatura quomodo intelligamus
1,15). Eis aqui um exemplo de coisas
coevas, que nos permitem entender
[que o Pai e o Filho] são co-eternos.
Ninguém duvida que o resplendor
procede do fogo. Digamos, portanto,
que o Pai é o fogo, de quem procede
o resplendor. Quando ascendo uma
lâmpada, ao mesmo tempo aparecem
o fogo e o resplendor. Mostra-me um
fogo sem resplendor, e acreditarei em
ti, que dizes que o Pai existia sem o
Filho. A imagem do homem que ob-
serva o espelho procede do espelho. A
imagem aparece tão logo se ponha o
observador [diante do espelho]. Mas
aquele que observa existia antes de se
pôr diante do espelho. Pensemos em
certas plantas e ervas que nascem so-
bre a água. Não nascem elas com sua
imagem? Portanto, se sempre existis-
se a planta, sempre existiria a ima-
gem da planta. Mas o que procede
de outro, é gerado. Portanto, é pos-
sível que sempre exista um generante
e sempre exista com ele aquilo que
nasceu dele. Mas talvez alguém diga:
“Eis que entendi como o Pai é eterno
e o Filho é eterno. Mas dizemos que
o resplendor difuso é inferior ao fogo
cintilante, assim como a imagem di-
fundida [na água] é inferior à plan-
ta”. Não! [Entre Pai e Filho] há uma
igualdade total. “Não creio, diz ele,
porque não encontraste [na nature-
za] nenhum exemplo disso”. Mas tal-
vez encontremos na criação algo que
nos permita entender como o Filho é
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
filium et coaeternum patri, et ne-
quaquam minorem; sed non illud
possumus invenire in uno gene-
re similitudinum. Iungamus ergo
ambo genera: unum unde ipsi dant
similitudines, et alterum unde nos
dedimus. Dederunt enim illi simi-
litudinem ex his quae praeceduntur
tempore ab his a quibus nascuntur,
sicut homo de homine; sed tamen
homo et homo sunt eiusdem subs-
tantiae. Laudamus ergo in ista na-
tivitate aequalitatem naturae: deest
aequalitas temporis. In illo autem
genere similitudinum quod nos
dedimus de splendore ignis et de
imagine virgulti, aequalitatem na-
turae non invenis, invenis coaevi-
tatem. Totum ergo ibi quod hic ex
partibus singulis et rebus singulis
invenitur; et non hoc solum quod
in creaturis, totum invenio ibi sed
tamquam in creatore.
Ex gestis conc. Ephes. Propterea
alicubi quidem filium appellat pa-
tris, alicubi autem verbum nomi-
nat, alicubi autem splendorem vocat
scriptura divina; singula horum no-
minum de ipso dicens, ut intelligas
ea quae de Christo dicuntur, esse
contra blasphemiam: quia enim
tuus filius eiusdem tibi naturae fit,
volens sermo ostendere unam subs-
19
co-eterno ao Pai e não é de modo al-
gum menor que ele. Porém, não po-
demos encontrar esse exemplo num
só tipo de comparação. Juntemos,
portanto, os dois exemplos, um que
eles nos apresentaram e outro que
lhes apresentamos. Apresentaram-
-nos o exemplo daquelas coisas que
procedem temporalmente daquilo
de que nascem, como o homem [que
nasce] do homem. Mas um e outro
homem são da mesma substância.
Portanto, neste tipo de nascimento
louvamos a igualdade de natureza,
embora a igualdade de tempo seja
falha [nesse exemplo]. No exemplo
que nós apresentamos do resplendor
do fogo e da imagem da planta, não
encontrarás a igualdade de natureza,
mas encontrarás a contemporaneida-
de. Assim, o que está em Deus como
um todo encontrá-lo-ás [na criação]
separado em partes singulares e em
coisas singulares. O que está na cria-
tura, encontro-o nele não só como
num todo, mas como no Criador.
Atas do Concílio de Éfeso. Por essa
razão a Divina Escritura em alguns
lugares chama-o Filho do Pai, em
outros nomeia-o Verbo, e ainda em
outros chama-o de resplendor. Cita
ela cada um desses nomes para que
entendas que aquilo que se diz Cris-
to é contrário a toda blasfêmia. Com
efeito, como teu filho é da mesma na-
tureza que a tua, a Palavra [de Deus],
querendo mostrar que o Pai e o Filho
 20 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
tantiam patris et filii, dicit filium pa-
tris, qui ex eo natus est unigenitus.
Deinde quoniam nativitas et filius
apud nos ostentationem praebent
passionis; ideo hunc filium appellat
et verbum, impassibilitatem nativi-
tatis eius nomine isto demonstrans.
Sed quoniam pater quispiam factus
ut homo, indubitanter senior filio
suo demonstratur; ne hoc ipsum
etiam de divina natura putares,
splendorem vocat unigenitum pa-
tris: splendor enim nascitur quidem
ex sole, non autem intelligitur sole
posterior. Coexistere ergo semper
patri filium splendor tibi denuntiet;
impassibilitatem nativitatis ostendat
verbum; consubstantialitatem filii
nomen insinuet.
Homil. in Chrysostomus. sed dicunt illi, quo-
Ioan., 2
niam hoc, idest in principio, non
aeternitatem ostendit simpliciter:
etenim et de caelo istud et de terra
dictum. In principio, inquit gene-
sis, fecit deus caelum et terram. Sed
quid commune habet erat ad fecit?
sicut enim quod est, cum de homi-
ne quidem dicitur, tempus praesens
significat tantum; cum autem de
Deo, id quod est semper et aeter-
naliter; ita et erat de nostra quidem
cum dicitur natura, praeteritum sig-
nificat tempus; cum autem de Deo,
aeternitatem ostendit.
Com. in Origenes. sum enim verbum dupli-
Evang. Ioan.,
cem habet significationem: aliquan-
tomo 2
são uma única substância, chama-o
Filho do Pai, que nasceu dele como
Unigênito. Mas como o nascimento
e a filiação se dão em nós com pai-
xão, chama também o Filho de Ver-
bo, mostrando por esse nome a im-
passibilidade de seu nascimento. Mas
como um homem que se torna pai é
sem dúvida mais velho que o filho,
para que não atribuas isso também à
natureza divina, chama o Unigênito
do Pai de resplendor. Com efeito, o
esplendor nasce do sol, mas não lhe
é posterior. Portanto, [o nome] res-
plendor mostra-te que o Filho coe-
xiste sempre com o Pai, [o nome]
Verbo mostra a impassibilidade do
nascimento, e o nome Filho indica a
consubstancialidade.
Crisóstomo. Mas dizem: “A expres-
são no princípio não indica claramen-
te a eternidade, pois a mesma coisa
foi dita do céu e da terra, pois, diz o
Gênesis, no princípio Deus fez o céu e
a terra (Gn 1,1).” Mas o que há de
comum entre os verbos “era” e “fez”?
Quando falamos que um homem é,
indicamos simplesmente o tempo
presente; quando dizemos que Deus
é, queremos dizer que é sempre e eter-
namente. Do mesmo modo, quando
dizemos que algo de nossa natureza
era, indicamos o tempo pretérito;
mas quando dizemos que Deus era,
mostramos a eternidade.
Orígenes. A palavra “ser” tem um
duplo significado: às vezes significa
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
do enim temporales motus secun-
dum analogiam aliorum verborum
declarat, aliquando substantiam
uniuscuiusque rei, de qua praedica-
tur, sine temporali motu ullo desig-
nat; ideo et substantivum vocatur.
Hilarius. respice igitur ad mun-
dum, intellige quid de eo scriptum
est: in principio fecit deus caelum
et terram. Fit ergo in principio
quod creatur, et aetates continet
quod in principio continetur ut
fieret. Piscator autem illitteratus,
indoctus, liber a tempore, solutus
a saeculis est, vicit omne princi-
pium: erat enim quod est, neque
in tempore aliquo concluditur ut
coeperit quod erat potius in prin-
cipio quam fiebat.
Alcuinus. Contra eos ergo qui prop-
ter temporalem nativitatem dicebant
Christum non semper fuisse, incipit
evangelista de aeternitate verbi, di-
cens in principio erat verbum.
Chrysostomus. quia maxime Dei
hoc est proprium, aeternum et sine
principio esse; hoc primum posuit:
deinde ne quis audiens in principio
erat verbum, ingenitum verbum di-
cat, confestim hoc removit dicens et
verbum erat apud Deum.
4 O apóstolo João.
21
os movimentos temporais, de modo
análogo a outros verbos, e às vezes
significa a substância de alguma coisa
da qual predicamos [o ser], sem fazer
referência a nenhum movimento tem-
poral. Por isso “ser” é aqui intransitivo.
Hilário. Observa, pois, o mundo e De Trin., 2
entende o que está escrito: No princí-
pio Deus fez o céu e a terra. A criação,
pois, se dá no princípio, e o que está
contido no princípio contém todos
os tempos. Um simples pescador4 ile-
trado foi liberado do tempo e desli-
gado dos séculos, e transcendeu todo
princípio [temporal]. [O Verbo] era
o que sempre é e não está encerrado
em nenhum tempo para que come-
çasse a existir. No princípio, ele era e
não foi feito.
Alcuíno. Portanto, contra aqueles
que, por causa do nascimento tem-
poral, diziam que Cristo nem sem-
pre existiu, o evangelista começa [o
Evangelho] tratando da eternidade do
Verbo, e dizendo: No princípio era o
Verbo.
Crisóstomo. Como é maximamente Homil. in
próprio de Deus existir eternamente Ioan., 2
e sem princípio, pôs [essa afirmação]
em primeiro lugar. Em seguida, para
que ninguém ouvindo que no princí-
pio era o Verbo pensasse que o Verbo
é ingênito, afasta essa suposição ime-
diatamente dizendo: e o Verbo estava
junto de Deus.
 22 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
De Trin., 2 Hilarius. sine principio enim est
apud Deum, et qui abest a tempore,
non abest ab auctore.
Hom. in Basilius. rursus hoc dicit propter
princ. Ioan. blasphemantes quod non erat. Ubi
ergo erat verbum? non in loco incir-
cumscriptibilia continentur. sed ubi
erat? apud Deum: neque pater loco,
neque filius circumscriptione aliqua
continentur.
Com. in Origenes. Utile est etiam induce-
Evang. Ioan., re, quod verbum dicitur ad aliquos
tomo 2
fieri, puta ad osee, vel Isaiam, aut
ieremiam: ad Deum autem non fit,
quasi prius non ens apud ipsum: ex
eo igitur quod iugiter est in eo, dici-
tur et verbum erat apud Deum: quia
nec a principio a patre separatus est.
Homil. in Chrysostomus. non etiam dixit: in
Ioan., 2 Deo erat, sed apud Deum erat, eam
quae secundum hypostasim eius est
aeternitatem nobis ostendens.
Enar. in Theophylactus. Videtur autem mihi
Evang. Ioan. quod sabellius ex hoc dicto subversus
est. Ipse enim dicebat, quod pater et
filius et spiritus sanctus una est per-
sona, quae aliquando ut pater appa-
ruit, aliquando ut filius, aliquando
ut spiritus sanctus. manifeste vero
confunditur ex hoc verbo: et verbum
erat apud Deum. Hic enim evange-
lista alium declarat esse filium, alium
Deum, scilicet patrem.
De Trin., 2 Hilarius. Dices: verbum sonus vo-
cis est, enuntiatio negotiorum, et
Hilário. Estava sem princípio junto
de Deus, aquele que não tem tempo,
mas tem um princípio [de seu ser].
Basílio. Disse isso por causa dos que
blasfemam dizendo que ele não exis-
tia. Onde, portanto, estava o Verbo?
As coisas ilimitadas não estão con-
tidas num lugar. Mas onde estava?
Junto de Deus. Nem o Pai está conti-
do em algum lugar, nem o Filho em
algum limite.
Orígenes. É útil mencionar que “a
Palavra se fez” para alguns profetas,
como para Oséias, Isaías ou Jere-
mias (Os 1,1; Is 38,4; Je 1,2). Mas
não se fez para Deus, como se antes
não existisse junto dele. Como está
sempre nele, diz-se que o Verbo estava
junto de Deus, pois desde o princípio
não está separado do Pai.
Crisóstomo. Também não disse:
“estava em Deus”, mas sim junto de
Deus, mostrando a eternidade de sua
hipóstase.
Teofilacto. Parece-me que essas pa-
lavras destroem Sabélio. Ele dizia
que o Pai, o Filho e o Espírito Santo
são uma só pessoa, que ora apareceu
como Pai, ora como Filho, ora como
Espírito Santo. É claro que estas pa-
lavras o desmentem: e o Verbo estava
junto de Deus. Aqui o evangelista afir-
ma que um é o Filho e outro é Deus,
isto é, Deus Pai.
Hilário. Dizes: “Uma palavra é o
som da voz, o enunciado de alguma
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
elocutio cogitationum: hoc verbum
in principio apud Deum erat, quia
sermo cogitationis aeternus est, cum
qui cogitat sit aeternus. Sed quomo-
do in principio erat quod neque ante
tempus, neque post tempus est? et
nescio an ipsum possit esse in tem-
pore. Loquentium enim sermo ne-
que est antequam loquantur, et cum
locuti erunt, non erit: in eo enim
ipso quod loquuntur, dum finiunt,
iam non erit id unde coeperunt. Sed
si primam sententiam rudis auditor
admiseras, in principio erat verbum,
de sequenti quid quaeris: et verbum
erat apud Deum? numquid audieras
de Deo, ut sermonem reconditae
cogitationis acciperes; aut fefellerat
Ioannem quid esset momenti inter
inesse et adesse? id enim quod in
principio erat, non in altero esse,
sed cum altero praedicatur. statum
igitur verbi et nomen expecta; di-
cit namque et deus erat verbum.
cessat sonus vocis et cogitationis
eloquium. verbum hic res est, non
sonus; natura, non sermo; deus, non
inanitas est.
Hilarius. Simplex autem nuncupa-
tio est, et caret offendiculo adiectio-
nis alienae. ad moysen dictum est:
dedi te Deum pharaoni: sed num-
23
coisa, a expressão dos pensamentos.
O Verbo estava no princípio junto
de Deus porque o discurso do pensa-
mento [divino] é eterno, pois aquele
que pensa é eterno. Mas como pode-
ria estar no princípio aquele que nem
existe antes do tempo nem depois
do tempo? Não sei se ele pode exis-
tir no tempo. O discurso dos falantes
não existe antes que falem, e depois
de terem falado, já não existe mais.
Quando terminam o que falam, o
princípio de seu discurso já não está
mais lá”. Mas se o ouvinte grosseiro
admite a primeira afirmação, que no
princípio era o Verbo, por que te in-
comodas com a segunda afirmação,
que o Verbo estava junto de Deus?
Porventura ouvistes “em Deus”, para
que tomes [o Verbo] como um dis-
curso que expressa um pensamento
oculto? Ou será que João ignorava
a diferença entre “estar em” e “estar
junto de”? Aquilo que era no princí-
pio não estava em outro, mas junto de
outro. Nota, portanto, a natureza e o
nome que são atribuídos ao Verbo: e
o Verbo era Deus. Não é ele o som da
voz, nem o discurso do pensamento.
O Verbo é uma coisa, não um som;
é uma natureza, não um discurso; é
Deus, e não algo vazio.
Hilário. É chamado “Deus” de De Trin., 7
modo absoluto, sem que se lhe acres-
cente alguma restrição que pudesse
levantar alguma dúvida. A Moisés
foi dito: Eis que te constituí deus de
 24 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
quid non adiecta nominis causa est,
cum dicitur pharaoni? moyses enim
pharaoni deus datus est, dum time-
tur, dum oratur, dum punit, dum
medetur. Et aliud est Deum dari, et
aliud Deum esse. Memini quoque et
alterius nuncupationis, ubi dicitur:
ego dixi: dii estis; sed in eo indulti
nominis significatio est; et ubi refer-
tur ego dixi, loquentis potius sermo
est, quam rei nomen. Cum autem
audio et deus erat verbum, non
dictum solum audio verbum, sed
demonstratum esse intelligo quod
deus est.
Hom. in
Basilius. Sic igitur excludens accu-
princ. Ioan.
sationem blasphemantium et quae-
rentium quid est verbum, respondet
et deus erat verbum.
Enar. in Theophylactus. vel aliter continua.
Evang. Ioan. Postquam verbum erat apud Deum,
manifestum est quod duae personae
erant, quamvis una natura in dua-
bus existat; unde dicitur et deus erat
verbum; ita ut una natura sit patri et
filio, cum sit una deitas.
Com. in Origenes. adiciendum etiam, quod
Evang. Ioan., verbum in eo quod fit ad prophetas,
tomo 2
illustrat prophetas sapientiae lumi-
ne: apud Deum vero est verbum
obtinens ab eo quod sit deus; unde
praelocavit hoc quod est verbum
erat apud Deum, ei quod est deus
erat verbum.
Homil. in Chrysostomus. et non ut plato, hoc
Ioan., 3
quidem intellectum quemdam, hoc
Faraó (Ex 7,1). Ora, acrescentou-se-
-lhe uma restrição ao nome “deus”,
quando disse “de Faraó”. Com efei-
to, Moisés foi constituído deus para
Faraó, pois Faraó o temia e lhe fazia
pedidos, e Moisés tinha o poder de
punir e curar. Uma coisa é ser cons-
tituído deus, outra coisa é ser Deus.
Lembro-me de outra passagem, onde
se diz: Eu disse: Sois deuses (Sl 81: 6),
mas “deus” aqui significa uma con-
cessão. A expressão eu disse indica
que se trata de um modo de falar, e
não do nome da coisa. Mas quando
ouço que o Verbo era Deus, entendo
que o Verbo não só é chamado de
Deus, mas é Deus realmente.
Basílio. Assim, para afastar a acusa-
ção dos blasfemadores e dos que per-
guntam o que é o Verbo, responde: e
o Verbo era Deus.
Teofilacto. Ou, depois de dizer que o
Verbo estava junto de Deus e mostrar
que são duas pessoas, embora a mesma
natureza esteja em ambas, acrescenta:
e o Verbo era Deus, de tal modo que o
Pai e o Filho possuem uma mesma na-
tureza, pois só existe uma divindade.
Orígenes. Acrescente-se que a Pa-
lavra que “se fez” para os profetas
iluminou-os com a luz da sabedoria,
mas o Verbo junto de Deus recebe
dele a natureza divina. Por isso disse
primeiro que o Verbo estava junto de
Deus, e depois que o Verbo era Deus.
Crisóstomo. Não era ele, como dizia
Platão, um certo intelecto que seria
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
vero animam mundi esse dicens:
haec enim procul sunt a divina na-
tura. Sed dicunt: pater cum articuli
adiectione dictus est deus, filius au-
tem sine hac. Quid ergo, cum apos-
tolus dicat: magni Dei et salvatoris
nostri iesu Christi; et rursus: qui est
super omnia deus; sed et romanis
scribens dicit: gratia vobis, et pax a
Deo patre nostro sine adiectione ar-
ticuli. sed et superfluum erat hic ap-
ponere superius continue adiectum.
Non igitur etsi non est adiectus filio
articulus, propter hoc filius minor
est deus.
Hilarius. Quia dixerat deus erat
verbum, trepido in dicto, et me in-
solens sermo commovet, cum unum
Deum prophetae nuntiaverunt. Sed
ne quo ultra trepidatio mea progre-
di possit, reddit sacramenti tanti
piscator dispensationem, et refert
ad unum omnia, sine contumelia,
sine abolitione, sine tempore, dicens
hoc erat in principio apud Deum:
apud unum ingenitum Deum, ex
quo ipse unius unigenitus deus est,
praedicatur.
5 καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν (Jo 1,1).
6 καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος (Jo 1,1).
7 τοῦ μεγάλου θεοῦ.
8 ὁ ὢν ἐπὶ πάντων θεὸς.
9 ἀπὸ θεοῦ πατρὸς.
25
a alma do mundo. Isso está muito
longe da natureza divina. Mas di-
zem: “[Em grego], o Pai é chama-
do Deus com artigo definido,5 mas
o Filho, sem artigo”.6 Que importa
isso, uma vez que o Apóstolo disse:
o grande Deus 7 e Salvador Jesus Cris-
to (Tt 2,13), e ainda: Que está sobre
todas as coisas, Deus 8 (Rm 9,5). Por
outro lado, escreveu aos romanos:
Graça vos seja dada, e paz da parte de
Deus, nosso Pai 9 (Rm 1,7), sem ante-
por o artigo. Seria supérfluo colocar
um artigo aqui, uma vez que já havia
sido colocado antes. Portanto, ainda
que não se tenha colocado um artigo
quando falou do Filho, nem por isso
o Filho é um deus menor.
Hilário. As palavras o Verbo era Deus De Trin., 2
me perturbam, e essa afirmação au-
daciosa me abala, pois os profetas
pregaram um único Deus. Mas para
que meu temor não cresça ainda
mais, o pescador dá-me a razão de
tão grande mistério, e refere tudo a
um só [Deus], afastando toda injúria
[à divindade], a anulação [das pesso-
as] ou qualquer referência ao tempo,
ao dizer: estava no princípio junto de
Deus. Estava junto do único Deus in-
gênito aquele que é o Deus unigênito
do Único.
 26 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
Enar. in Theophylactus. Et rursus ne suspi-
Evang. Ioan.
cio diabolica aliquos conturbaret, ne
forte cum verbum deus sit, insurre-
xerit contra patrem, ut aliqui fabu-
lantur gentilium, et separatus a patre
fuerit ipsi patri contrarius, dicit hoc
erat in principio apud Deum; quasi
dicat: hoc Dei verbum nunquam a
Deo extitit separatum.
Homil. in Chrysostomus. Vel ne audiens in
Ioan., 3 principio erat verbum, aeviternum
quidem aestimes, seniorem vero
spatio aliquo patris vitam suscipias,
induxit hoc erat in principio apud
Deum: non enim fuit unquam soli-
tarius ab illo; sed semper deus apud
Deum erat. vel quia dixerat deus erat
verbum, ut non aestimet quis mino-
rem esse deitatem filii, confestim
cognoscitiva propriae deitatis ponit,
et aeternitatem assumens, cum dicit
hoc erat in principio apud Deum; et
quod factum est adiciens omnia per
ipsum facta sunt.
Com. in Origenes. vel aliter. Postquam prae-
Evang. Ioan., miserat tres propositiones evangelis-
tomo 2
ta, resumit tria in unum, dicens hoc
erat in principio apud Deum. In
primo enim trium didicimus in quo
erat verbum, quia in principio erat;
in secundo apud quem, quia apud
Deum; in tertio quid erat verbum,
quia deus. Velut ergo demonstrans
verbum praedictum, Deum, per
hoc quod dicit hoc, et colligens in
propositionem quartam hoc quod
Teofilacto. Para que a suspeita dia-
bólica não perturbasse a alguns, para
que, ouvindo que o Verbo era Deus,
não [pensassem] que se oporia ao
Pai – como imaginam alguns gentios
–, ou que estivesse separado do Pai
porque lhe era contrário, diz: Estava
no princípio junto de Deus. É como
se dissesse: O Verbo de Deus nunca
existiu separado de Deus.
Crisóstomo. Para que ao ouvires que
no princípio era o Verbo não penses
que se trata de uma duração, nem
penses que a vida do Pai é anterior
[à do Filho] segundo um período de
tempo, acrescenta: estava no prin-
cípio com Deus. Com efeito, [o Pai]
nunca esteve sem ele, mas [o Verbo]
sempre foi Deus junto de Deus. Ou,
para que não penses que a deidade do
Filho é menor, coloca imediatamen-
te as notas próprias da divindade,
mostrando sua eternidade ao dizer:
Estava no princípio junto de Deus. E
quanto ao que foi feito, acrescenta,
todas as coisas foram feitas por ele.
Orígenes. Depois de o evangelista
elencar três proposições, resume as
três numa só, dizendo: [Este] estava
no princípio junto de Deus. Na pri-
meira se disse em que estava o Ver-
bo: no princípio. Na segunda, com
quem estava: com Deus. Na terceira,
o que era o Verbo: era Deus. Ao dizer
“este”, retoma a proposição anterior:
o Verbo era Deus, e colige na quarta
proposição todas elas: no princípio era
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
est in principio erat verbum, et ver-
bum erat apud Deum, et deus erat
verbum, ait hoc erat in principio
apud Deum. Quaerat autem ali-
quis, cur non est dictum: in prin-
cipio erat verbum Dei, et verbum
Dei erat apud Deum, et deus erat
verbum Dei. Quisquis autem uni-
cam veritatem fatebitur esse; palam
est quoniam et demonstratio eius,
quae est sapientia, una est. Sed si ve-
ritas una, et sapientia una, verbum
quoque quod veritatem enuntiat, et
sapientiam expandit in his qui sus-
ceptibiles sunt, unum siquidem erit.
Nec hoc dicimus inficiantes verbum
Dei fore, sed ostendentes utilitatem
omissionis huius vocabuli Dei. Ipse
quoque Ioannes in apocalypsi dicit:
et nomen eius verbum Dei.
Alcuinus. Qualiter autem ponit subs-
tantivum verbum erat? ut intelligeres
omnia tempora praevenisse coaeter-
num Deo patri verbum.
Alcuinus. Postquam dixit de natura
filii, de operatione eius subiungit,
dicens omnia per ipsum facta sunt;
idest, quidquid est, sive in substan-
tia, sive in aliqua proprietate.
Hilarius de trin.. Vel aliter. Erat qui-
dem verbum in principio, sed potuit
non esse ante principium. Sed quid
ille? omnia per ipsum facta sunt. in-
finitum est per quod fit omne quod
27
o Verbo e o Verbo estava junto de Deus e
o Verbo era Deus, dizendo: [Este] esta-
va no princípio junto de Deus. Talvez
alguém pergunte: “Por que não disse:
No princípio era o Verbo de Deus,
e o Verbo de Deus estava junto de
Deus, e o Verbo de Deus era Deus?”
Ora, todos confessam que existe uma
só verdade; é evidente também que
a manifestação da verdade, a sabedo-
ria, é uma só. Mas se a verdade é uma
só e a sabedoria é uma só, também o
Verbo, que anuncia a verdade e am-
plia a sabedoria naqueles que a rece-
bem, é um só. Não dizemos isso por-
que neguemos que o Verbo seja de
Deus, mas para mostrar a utilidade
de se omitir a expressão: “de Deus”,
pois o próprio João diz no Apocalipse
(19,13): O seu nome é Verbo de Deus.
Alcuíno. Mas por que usou o verbo
“ser” de modo intransitivo? Para que
entendas que o Verbo co-eterno a
Deus Pai é anterior a todos os tempos.
Alcuíno. Depois de falar da natu-
reza do Filho, acrescenta algo sobre
sua operação, dizendo: Todas as coi-
sas foram feitas por ele, isto é, tudo o
que existe, seja como substância, seja
como propriedade.
Hilário. Ou, o Verbo era no princí- De Trin., 2
pio, mas pode ser que não existisse
antes do princípio. Mas então que
dizer destas palavras: Todas as coisas
foram feitas por ele? Aquilo por quem
foram feitas todas as coisas é infini-
 28 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
factum est; et cum ab eo sint omnia,
et tempus ab eo est.
Homil. in Chrysostomus. Moyses quidem in-
Ioan., 4 cipiens scripturam veteris testamenti,
de sensibilibus nobis loquitur, et haec
enumerat per multa: in principio enim
fecit deus caelum et terram. Deinde
inducit, quoniam et lux facta est, et
firmamentum et stellarum naturae,
et genera animalium. Evangelista vero
haec omnia excedens uno verbo com-
prehendit, ut cognita auditoribus, ad
altiorem festinans materiam, totum
hunc librum instituens non de operi-
bus, sed de conditore.
Super Gen. Augustinus. Cum enim dicitur om-
ad Lit., 2 nia per ipsum facta sunt, satis osten-
ditur et lux per ipsum facta, cum di-
xit deus: fiat lux; et similiter de aliis.
Quod si ita est, aeternum est, quod
ait deus: fiat lux, quia verbum Dei,
deus apud Deum, patri coaeternus
est, quamvis creatura temporalis fac-
ta sit. cum enim verba sint temporis,
cum dicimus: quando et aliquando;
aeternum tamen est in verbo Dei,
quando aliquid fieri debeat; et tunc
fit quando fieri debuisse in illo ver-
bo est, in quo non est quando et ali-
quando: quoniam totum illud ver-
bum aeternum est.
Super Ioan., Augustinus. Quomodo ergo po-
tract. 1 test fieri ut verbum Dei factum sit,
quando deus per verbum fecit om-
nia? si et verbum ipsum factum est,
to. E como todas as coisas procedem
dele, também o tempo procede dele.
Crisóstomo. Moisés começou a Es-
critura do Velho Testamento falando
de coisas sensíveis, as quais enume-
rou longamente. No princípio Deus
criou o céu e a terra. Depois diz que
se fizeram a luz, o firmamento, as
naturezas das estrelas e as espécies
animais. Já o evangelista, elevando-
-se acima dessas coisas, resume-as em
uma só frase, pois já eram conhecidas
dos ouvintes, e busca tratar de um
assunto mais elevado, pois escreveu
este livro para tratar, não das obras
[criativas], mas do Criador.
Agostinho. Ao dizer que todas as coi-
sas foram feitas por ele, mostra clara-
mente que também a luz foi feita por
ele, quando Deus disse: Faça-se a luz
(Gn 1,3). Se é assim, o dito por Deus,
faça-se a luz, é eterno porque o Verbo
de Deus, Deus junto de Deus, é co-
-eterno ao Pai, ainda que a criação seja
temporal. Embora as palavras “quan-
do” e “em algum momento” indiquem
tempo, o “quando” de alguma coisa
ser feita é eterno no Verbo de Deus.
As coisas são feitas quando devem ser
feitas segundo o que está determinado
no Verbo, no qual não existe “quan-
do” nem “em algum momento”, pois
o Verbo é inteiramente eterno.
Agostinho. Como, portanto, é pos-
sível que o Verbo seja feito, uma vez
que Deus fez todas as coisas pelo Ver-
bo? Se o próprio Verbo é feito, foi fei-
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
per quod aliud verbum factum est?
si hoc dicis, quia est verbum verbi,
per quod factum est illud; ipsum
dico ego unigenitum filium Dei. Si
autem non dicis verbum Dei, con-
cede non factum verbum per quod
facta sunt omnia.
Augustinus. et si factum non est,
creatura non est; si autem creatura
non est, eiusdem cum patre substan-
tiae est, omnis enim substantia quae
deus non est, creatura est: et quae
creatura non est, deus est.
Theophylactus. Solent autem ariani
dicere, quod sicut per serram ostium
fieri dicimus, quasi per organum,
sic et per filium omnia facta fuisse
dicuntur, non quod ipse sit factor,
sed organum; et sic facturam aiunt
filium, tamquam factum ad hoc ut
per eum omnia fierent. Nos autem
ad huiusmodi fictores mendacii
simpliciter respondemus. Si enim,
ut dicitis, pater creasset ad hoc fi-
lium ut eo tamquam organo utere-
tur, videretur quod inhonorabilior
sit filius quam quae facta sunt; sicut
ea quae per serram sunt facta, ipso
organo nobiliora existunt; nam serra
propter ipsa facta est. Sic et propter
ipsa quae facta sunt, ut aiunt, pa-
ter creavit filium; tamquam si non
deberet deus cuncta creare, nequa-
quam filium produxisset. quid his
verbis insanius? sed aiunt: quare non
dixit quod omnia verbum fecit; sed
29
to por outro Verbo? Se dizes: “Existe
outro Verbo pelo qual foi feito este
Verbo”, digo eu então que aquele
Verbo é o Filho Unigênito de Deus.
Mas se não dizes que existe outro
Verbo, hás de concordar comigo que
o Verbo por quem foram feitas todas
as coisas não é ele mesmo feito.
Agostinho. E se não é feito, não é uma De Trin., 1, 4
criatura; e se não é uma criatura, é da
mesma substância do Pai, pois toda
substância que não é Deus, é criatura;
e o que não é criatura, é Deus.
Teofilacto. Os arianos costumam Enar. in
dizer que assim como uma porta é Evang. Ioan.
feita por uma serra, usada como ins-
trumento, assim também todas as
coisas foram criadas pelo Filho, não
porque fosse o criador, mas porque
é um instrumento. Dizem que o Fi-
lho foi feito de tal modo que servisse
para que se fizessem todas as coisas.
Nós, porém, respondemos a esses in-
ventores da mentira: Se, como dizes,
o Pai criou o Filho para usá-lo como
instrumento, parece que o Filho é
menos nobre do que as coisas feitas,
assim como as coisas feitas pela serra
são mais nobres que o próprio instru-
mento, pois a serra foi feita por causa
delas. Assim, segundo o que dizem, o
Pai criou o Filho por causa das coisas
que foram feitas, e se Deus não qui-
sesse criar as coisas, tampouco teria
produzido um filho. O que pode ser
mais insano do que isso? Mas dizem:
“Por que não disse que o Verbo fez
 30 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
usus est hac praepositione per? ne fi-
lium ingenitum intelligeres, et sine
principio, et Dei conditorem.
Homil. in Chrysostomus. Sed si praepositio
Ioan., 4
per conturbat te, et quaeris in scrip-
tura quod ipsum verbum omnia fa-
ceret, audi David: initio tu, domine,
terram fundasti, et opera manuum
tuarum sunt caeli. Quod autem hoc
de unigenito dixerit, addisces ab
apostolo utente hoc verbo in epis-
tola ad hebraeos de filio. si vero de
patre hoc prophetam dixisse dicis,
paulum vero filio adaptasse; idem fit
rursus. Neque enim id filio conveni-
re dixisset, nisi vehementer conside-
raret quoniam quae sunt dignitatis,
cohonorabilia sunt utrique. Si rur-
sus per praepositio aliquam subiec-
tionem tibi videtur inducere, cur
paulus eam de patre ponit? fidelis
dominus, per quem vocati sumus in
societatem filii eius. Et iterum: pau-
lus apostolus per voluntatem Dei.
Com. in Origenes. erravit etiam in hoc va-
Evang. Ioan., lentinus, dicens verbum esse quod
tomo 2
mundanae creationis praestitit
causam creatori. Sed si sic se habet
veritas rerum, prout ipse intelligit,
oportebat scriptum fore per crea-
torem universa consistere a verbo,
non autem e contra per verbum a
creatore.
Homil. in Chrysostomus. Ut non aestimes,
Ioan., 4 dum dicit omnia per ipsum facta
todas as coisas, mas usou a preposi-
ção ‘por’?” [Fez isso] para que não
penses que o Filho é ingênito, sem
princípio e criador de Deus.
Crisóstomo. Mas se a preposição
“por” te conturba, e procuras na Escri-
tura algum lugar em que se diga que
o Verbo criou todas as coisas, ouve o
que diz Davi: Nos princípios, Senhor,
fundaste a terra, e o céu é obra das tuas
mãos (Sl 101,26). Podes saber que
disse isso com respeito ao Unigênito
porque o Apóstolo aplicou essas pala-
vras ao Filho, na Epístola aos Hebreus
(1,10). Mas se dizes que o Profeta
falou isso com respeito ao Pai, e que
Paulo acomodou a passagem ao Filho,
dá no mesmo, pois não diria que es-
sas palavras convêm ao Filho, a me-
nos que pensasse que ambos fossem
igualmente dignos da mesma honra.
Ademais, se pensas que a preposição
“por” parece indicar alguma sujeição,
por que Paulo usou-a também quan-
do falou do Pai? Fiel é o Senhor, pelo
qual fostes chamados à sociedade de seu
Filho (I Cor 1,9). E também: Paulo,
por vontade de Deus (I Cor 1,1).
Orígenes. Valentino errou quanto a
isso, dizendo que o Verbo é a causa
por que Deus criou o mundo. Mas
se seu entendimento fosse verdadei-
ro, deveria estar escrito que o Verbo
fez todas as coisas pelo Criador, e não
que o Criador as fez pelo Verbo.
Crisóstomo. Ao dizer que todas as
coisas foram feitas por ele, para que
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
sunt, illa omnia solum dicere eum
quae a moyse dicta sunt, conve-
nienter inducit et sine ipso factum
est nihil, sive visibile quid, sive in-
telligibile. Vel aliter. ne hoc quod
dixit omnia per ipsum facta sunt,
de signis suspiceris nunc dici, de
quibus reliqui evangelistae locuti
sunt, inducit et sine ipso factum
est nihil.
Hilarius. Vel aliter. Hoc quod di-
citur, omnia per ipsum facta sunt,
non habet modum: est ingenitus qui
factus a nemine est, est et ipse ge-
nitus ab innato. reddidit auctorem
cum socium professus est, dicens
sine ipso factum est nihil; cum enim
nihil sine eo, intelligo non esse so-
lum: quia alius est per quem, alius
sine quo non.
Origenes. vel aliter. Ne existima-
res ea quae per verbum facta sunt,
per se existentia, non contenta a
verbo, ait et sine ipso factum est
nihil; hoc est, nihil factum est ex-
tra ipsum; quia ipse ambit omnia,
conservans ea.
Augustinus. Vel dicens sine ipso
factum est nihil, nullo modo ip-
sum facturam esse suspicari debere
edocuit. quomodo enim potest dici:
ipse est factura, cum nihil dicatur
deus sine ipso fecisse?
10 χωρὶς αὐτοῦ pode significar “sem ele”, mas também “à parte dele”, “fora dele”.
31
não penses que todas as coisas signifi-
cam apenas o que foi explicitado por
Moisés, acrescenta oportunamente
que sem ele nada foi feito, quer visível,
quer inteligível. Também, para que
não penses que todas as coisas feitas
por ele sejam os milagres de que fa-
lam os outros evangelistas, acrescen-
ta: sem ele nada foi feito.
Hilário. Ou então, as palavras todas as De Trin., 2
coisas foram feitas por ele não admitem
exceção. Há uma [pessoa] ingênita
que não foi feita por ninguém, e há
uma [pessoa] gerada pelo Ingênito.
[O evangelista], ao atribuir [ao Verbo]
a condição de associado [do Pai], faz-
-nos lembrar do Princípio, dizendo:
sem ele nada foi feito. Ao dizer que nada
foi feito sem ele, dá a entender que não
estava só, pois uma coisa é dizer que
[todas as coisas foram feitas] por ele, e
outra que [não foram feitas] sem ele.
Orígenes. Ou, para que não penses Homil. 3 in
que as coisas feitas pelo Verbo exis- Ioan.
tem por si mesmas e não estão con-
tidas no Verbo, diz: sem ele nada foi
feito, isto é, nada foi feito fora dele,10
pois ele abarca todas as coisas e as
conserva.
Agostinho. Ou, ao dizer que sem ele De Quaest.
nada foi feito, ensina-nos que não de-
Nov. et Vet.
Test., 97
vemos suspeitar de modo algum que
ele seja algo feito, pois como se pode-
ria dizer que ele é algo feito uma vez
que Deus nada fez sem ele?
 32 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
Com. in Origenes. vel aliter. Si omnia per
Evang. Ioan.,
verbum facta sunt: de numero vero
tomo 2
omnium est malitia, et totus fluxus
peccati; et haec per verbum facta
sunt; et hoc est falsum. quantum
igitur ad significata, nihil et non
ens, unum sunt. Videtur autem
apostolus non entia prava dicere:
vocat deus ea quae non sunt tam-
quam ea quae sunt. Totaque pravi-
tas nihil dicitur, dum absque verbo
facta est.
Super Ioan., Augustinus. Peccatum enim non
tract. 1 per ipsum factum est: et manifes-
tum est quia peccatum nihil est, et
nihil fiunt homines cum peccant.
Et idolum non per verbum factum
est: habet quidem formam qua-
mdam humanam, et ipse homo
per verbum factus est; sed forma
hominis in idolo non per verbum
facta est: scriptum est enim: sci-
mus quod nihil est idolum. Ergo
ista non sunt facta per verbum; sed
quaecumque facta sunt naturaliter,
universa natura rerum, omnis om-
nino creatura ab angelo usque ad
vermiculum.
Com. in Origenes. Valentinus autem exclu-
Evang. Ioan., sit ab omnibus per verbum factis
tomo 2
quae sunt in saeculis facta, quae
credit ante verbum extitisse, praeter
evidentiam loquens; siquidem quae
putantur ab eo divina, removentur
ab omnibus, quae autem, velut ipse
putat, penitus destruuntur, vere di-
Orígenes. Ou, “se todas as coisas fo-
ram feitas pelo Verbo, e em meio às
coisas encontramos a maldade e toda
a série de pecados, então essas coisas
também foram feitas pelo Verbo”.
Mas isso é falso. Quanto ao signifi-
cado, “nada” e “não existente” são o
mesmo. Mas parece que o Apóstolo
chama as coisas más de “não existen-
tes”: Chama Deus as coisas que não
são como as coisas que são (Rm 4,17).
Portanto, toda maldade é chamada
de nada, pois foi feita sem o Verbo.
Agostinho. O pecado não foi feito
por ele. É manifesto que o pecado é
um nada, e os homens quando pe-
cam nada fazem. Os ídolos também
não foram feitos pelo Verbo. [O ído-
lo] tem uma forma humana. O Ver-
bo fez o homem, mas não fez a forma
humana no ídolo, pois está escrito:
Sabemos que o ídolo não é nada no
mundo (I Cor 8,4). Portanto, essas
coisas não foram feitas pelo Verbo,
mas ele fez todas as coisas que se dão
na natureza, a inteira natureza das
coisas, e todas as criaturas, sem exce-
ção, desde o anjo até o verme.
Orígenes. Valentino exclui de todas
as coisas feitas pelo Verbo as coisas
que se passam no século, que acre-
ditava tivessem existido antes do
Verbo, afirmando isso contra toda
evidência, pois as coisas que ele con-
sidera divinas não fazem parte de
“todas as coisas”, enquanto as coisas
que são corruptíveis, na opinião dele,
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
cuntur omnia. Quidam enim falso
dicunt diabolum non esse creatu-
ram Dei: inquantum enim diabolus
est, creatura Dei non est: is autem
cui accidit esse diabolum, divina est
creatura; ac si diceremus, homici-
dam creaturam Dei non esse, qui ta-
men in eo quod homo est, creatura
Dei est.
Augustinus. Non autem sunt au-
dienda deliramenta hominum, qui
nihil hoc loco aliquid intelligendum
esse putant, quia ipsum nihil in fine
sententiae positum est; nec intelli-
gunt nihil interesse utrum dicatur:
sine ipso nihil factum est, an sine
ipso factum est nihil.
Origenes. si accipiatur verbum pro
eo quod in quolibet hominum est,
quia et ipsum insitum est cuilibet ab
eo quod in principio erat verbum,
etiam sine hoc verbo nihil commit-
timus, simpliciter accipiendo quod
dicitur nihil. Ait enim apostolus
quod sine lege peccatum mortuum
erat; adveniente vero mandato pec-
catum revixit: non enim reputatur
peccatum, lege non existente; sed nec
peccatum erat, non existente verbo:
quia dominus dicit: si non venissem
et essem illis locutus, peccatum non
haberent. Quaelibet enim excusatio
deficit volenti dare responsum de
crimine, dum verbo praesente ac
11 Em latim: Et sine ipso factum est nihil. Santo Agostinho se opõe aqui à seguinte interpretação: “E
sem ele foi feito o nada”.
33
fazem parte de “todas as coisas”. Al-
guns dizem falsamente que o diabo
não é uma criação de Deus. Com
efeito, enquanto diabo, não é criação
de Deus. Mas aquele que se tornou
diabo é uma criação de Deus. É o
mesmo que dizer que um homicida
não é uma criação de Deus, embora
seja, enquanto homem, uma criação
de Deus.
Agostinho. Não se deve dar ouvi- De natura
dos aos delírios de alguns homens boni, 25
que pensam que “nada” aqui signi-
fica algo [criado sem o Verbo], uma
vez que “nada” está no fim da frase.11
Não entendem que não faz diferença
dizer sine ipso nihil factum est ou dizer
sine ipso factum est nihil.
Orígenes. Se consideramos o verbo Com. in
que está presente em todo homem, Evang. Ioan.,
tomo 2
que foi colocado em cada um de nós
por aquele Verbo que era no princí-
pio, nós também nada podemos fazer
sem o verbo – tomando-se a palavra
“nada” no sentido comum. Com efei-
to, diz o Apóstolo que sem a lei o pe-
cado estava morto, e quando veio o
mandamento o pecado reviveu (Rm
7,9). Mas não existia pecado quan-
do não existia o verbo, pois o Senhor
diz: Se eu não tivesse vindo e não lhes
tivesse falado, não teriam culpa (Jo
15,22). Toda escusa de quem quer
se justificar de um crime é deficiente,
quando se desobedece ao Verbo que
 34 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
iudicante quid est agendum, non
obedit quis illi. Nec propter hoc
inculpandum est verbum, sicut nec
magister, per cuius disciplinam non
remanet locus excusationis discipulo
delinquenti velut de ignorantia. om-
nia ergo per verbum facta sunt, non
solum naturalia, sed etiam quae ab
irrationabilibus fiunt.
In Evang. S. Beda. Quia evangelista dixit omnem
Ioan., 1
creaturam factam esse per verbum,
ne quis forte crederet mutabilem eius
voluntatem, quasi qui subito vellet
facere creaturam quam ab aeterno
nunquam ante fecisset, ideo docere
curavit, factam quidem creaturam
in tempore; sed in aeterna creatoris
sapientia, quando et quos crearet
semper fuisse dispositum; unde dicit
quod factum est in ipso, vita erat.
Super Ioan., Augustinus. Potest autem sic punc-
tract. 1
tari: quod factum est in ipso; et pos-
tea dicatur vita erat. Ergo totum vita
est, si sic pronuntiaverimus: quid
enim non in illo factum est? ipse
est enim sapientia Dei, et dicitur in
psalmo 103, 24: omnia in sapientia
fecisti. Omnia igitur sicut per illum,
ita et in illo facta sunt. Si ergo quod
in illo factum est, vita est, ergo et
terra vita est, et lapis vita est. Inho-
nestum est sic intelligere, ne nobis
subrepat secta manichaeorum, et
dicat quia habet vitam lapis, et ha-
bet vitam paries: solent enim ista
está presente e julga o que deve ser
feito. Nem por isso devemos culpar
o Verbo, assim como não culpamos
o mestre que, por seu ensinamento,
não permite ao discípulo delinqüen-
te escusar-se por ignorância. Portan-
to, o Verbo fez todas as coisas, não só
as naturais, mas também as ações dos
seres irracionais.
Beda. Como o evangelista disse-
ra que toda a criação foi feita pelo
Verbo, para que ninguém cresse que
sua vontade é mutável – como se de
repente quisesse criar as coisas que
desde a eternidade não criara antes
–, cuidou em ensinar que a criação
se deu no tempo, embora na sabe-
doria eterna do Criador já estivesse
determinado desde sempre quando e
quantas coisas criaria. Por isso diz: O
que foi feito era vida nele.
Agostinho. Podemos pontuar a frase
assim: “o que foi feito nele, era vida”.
Portanto, se pontuamos assim, tudo
que existe é vida. Afinal, o que não
foi feito por ele? Ele é a Sabedoria
de Deus, sobre a qual diz o Salmo
(103,24): Fizeste na sabedoria todas
as coisas. Portanto, assim como tudo
foi feito por ele, assim também tudo
foi feito nele. Mas se “o que foi feito
nele, era vida”, então terra é vida e
pedra é vida. Não convém que inter-
pretemos assim, para que a seita dos
maniqueus não se introduza sorratei-
ramente entre nós, e diga que a pedra
tem vida e a parede tem vida, pois
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
delirantes dicere; et cum reprehensi
fuerint ac repulsi, quasi de scripturis
proferunt dicentes: ut quid dictum
est: quod factum est in ipso, vita
erat? pronuntia ergo sic quod fac-
tum est: hic subdistingue; et deinde
infer in ipso vita erat. Facta est enim
terra; sed ipsa terra quae facta est
non est vita. Est autem in ipsa Dei
sapientia spiritualiter ratio quaedam
qua terra facta est; haec vita est. Si-
cut arca in omni opere non est vita;
arca in arte vita est, quia vivit anima
artificis. Sic ergo quia sapientia Dei,
per quam facta sunt omnia, secun-
dum artem continet omnia quae
fiunt per ipsam artem, non haec
continuo sunt vita; sed quidquid
factum est, vita est in illo.
Origenes. potest autem et sic distin-
gui sine errore: quod factum est in
ipso, et postea dicatur vita erat; ut
sit sensus: omnia quae per ipsum et
in ipso facta sunt, in ipso vita sunt,
et unum sunt. erant enim, hoc est in
ipso subsistunt causaliter, priusquam
sint in seipsis effective. sed si quae-
ris, quomodo et qua ratione omnia
quae per verbum facta sunt, in ipso
vitaliter et uniformiter et causaliter
subsistunt, accipe exempla ex crea-
turarum natura. Conspice quomodo
omnium rerum quas mundi huius
sensibilis globositas comprehendit,
causae simul et uniformiter in isto
sole, qui est maximum mundi lu-
minare, subsistunt; quomodo nu-
35
costumam dizer essas coisas em seus
delírios. Quando são repreendidos e
rejeitados, citam a Escritura dizendo:
“Não está dito que o que foi feito nele,
era vida?” Portanto, pontua assim o
texto: “o que foi feito era a vida nele”.
Foi feita a terra, mas a própria terra
não é vida. Mas existe espiritualmen-
te na sabedoria de Deus uma Idéia
segundo a qual a terra foi feita, e [essa
Idéia] é vida. Assim, um baú não é
vivente, mas o baú na arte [do artífi-
ce] é vida, porque a alma do artífice
vive. Portanto, como a Sabedoria de
Deus, por quem foram feitas todas
as coisas, contém em sua arte todas
as coisas que se fazem segundo essa
mesma arte, embora nem todas as
coisas feitas sejam vida, nele são vida.
Orígenes. Pode-se também separar a Com. in
frase assim, sem perigo de erro: “O Evang. Ioan.,
tomo 2
que foi feito nele, era vida”, e o sen-
tido é: tudo o que foi feito por ele
e nele são a vida nele e são uma só
[realidade]. As coisas [já] existiam
porque subsistem nele de modo cau-
sal antes de existir de modo efetivo
em si mesmas. Mas se perguntas de
que modo todas as coisas feitas pelo
Verbo subsistem nele de modo vir-
tual, uniforme e causal, toma alguns
exemplos da natureza das criaturas.
Repara como as causas de todas as
coisas que o globo do mundo sensí-
vel compreende subsistem de modo
simultâneo e uniforme no sol, que é
o maior luminar do mundo; repara
 36 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
merositas herbarum et fructuum in
singulis seminibus simul continetur;
quomodo multiplices regulae in arte
artificis unum sunt, et in animo dis-
ponentis vivunt; quomodo infinitus
linearum numerus in uno puncto
unum subsistit; et huiusmodi varia
perspice exempla, ex quibus velut
physicae theoriae pennis poteris ar-
cana verbi mentis acie inspicere, et
quantum datur humanis rationibus,
videre quomodo omnia quae per
verbum sunt facta, in ipso vivunt et
facta sunt.
De Trin., 2 Hilarius. vel aliter potest legi: in
eo quod dixerat sine ipso factum
est nihil, posset aliquis perturbatus
dicere: est ergo aliquid per alterum
factum, quod tamen non sit sine eo
factum; et si aliquid per alterum, li-
cet non sine eo, iam non per eum
omnia; quia aliud est fecisse, aliud
est intervenisse facienti. Enarrat
ergo evangelista quid non sine eo
factum sit, dicens quod factum est
in eo. Hoc igitur non sine eo quod
in eo factum est: nam id quod in eo
factum est, etiam per eum factum
est: omnia enim per ipsum et in
ipso creata sunt. in ipso autem crea-
ta, quia nascebatur creator deus; sed
ex hoc sine eo nihil factum est, quod
tamen in eo factum est, quia nascens
deus vita erat, et qui vita erat, non
como as plantas e os frutos numero-
sos estão contidos ao mesmo tempo
em cada uma das sementes; como
as múltiplas regras da arte do artífi-
ce são uma só e vivem na alma do
artífice; como o número infinito de
linhas subsiste num único ponto; re-
para em vários desses exemplos, que
são como que asas da contemplação
natural que permitem à mente con-
templar os arcanos do Verbo e perce-
ber, na medida das possibilidades da
razão humana, como todas as coisas
feitas pelo Verbo foram feitas nele e
nele vivem.
Hilário. Ou, podemos ler assim:
como [o evangelista] disse que sem
ele nada foi feito, talvez alguém se
incomode com isso e diga: “Então
existe algo que foi feito por outro,
mesmo que não tenha sido feito sem
ele. E se algo foi feito por outro, mes-
mo que junto com ele, então nem
todas as coisas foram feitas por ele,
pois uma coisa é fazer, outra coisa é
se juntar a quem está fazendo”. Por
isso o Evangelista explica o que não
foi feito sem ele, dizendo: o que foi
feito nele. Portanto, o que foi feito
nele não foi feito sem ele, pois o que
foi feito nele, também foi feito por
ele. Ora, todas as coisas foram criadas
nele e por ele. As coisas foram cria-
das nele porque o Deus Criador foi
gerado, e precisamente por isso nada
do que foi feito nele foi feito sem
ele, porque o Deus gerado era vida,
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
posteaquam natus erat, factus est
vita. nihil ergo sine eo fiebat ex his
quae in eo fiebant, quia vita est in
quo fiebant; et deus qui ab eo natus
est, non posteaquam natus est, sed
nascendo quoque extitit.
Chrysostomus. vel aliter. Non ap-
ponemus finale punctum, ubi dici-
tur sine ipso factum est nihil, secun-
dum haereticos. Illi enim volentes
spiritum sanctum creatum dicere,
aiunt quod factum est in ipso, vita
erat. Sed ita non potest intelligi. Pri-
mum quidem neque tempus erat hic
spiritus sancti meminisse; sed si de
sancto spiritu hoc dictum est, age,
secundum eorum interim legamus
modum: ita enim nobis hoc incon-
veniens erit; cum enim dicitur quod
factum est in ipso, vita erat, spiri-
tum sanctum dicunt dictum esse
vitam; sed vita haec et lux invenitur
esse; inducit enim vita erat lux ho-
minum. Quocirca, secundum eos,
lucem omnium hunc spiritum dicit.
quod autem superius verbum dicit,
hic consequenter et Deum et vitam
et lucem nominat. Verbum autem
caro factum est: erit igitur spiritus
sanctus incarnatus, non filius. Ideo
dimittentes hunc modum legendi,
ad decentem veniamus lectionem et
expositionem; hoc autem est cum
dicitur omnia per ipsum facta sunt,
et sine ipso factum est nihil quod
12 Isto é, o Espírito Santo.
37
e aquele que era a vida não se tornou
vida depois de ser gerado. Portanto,
nada do que era feito nele era feito
sem ele, porque a vida estava naque-
le em quem as coisas eram feitas. O
Deus que nasceu do Pai, não passou
a existir depois de ser gerado, pois
seu existir consiste em ser gerado.
Crisóstomo. Ou então, não coloca- Homil. in
mos um ponto final na frase: sem ele Ioan., 4
nada foi feito, como fazem os hereges
que, querendo afirmar que o Espírito
Santo é criado, dizem que a Vida12
foi feita por ele. Mas não podemos
entender a passagem assim. Primei-
ro, porque aqui não era oportuno
mencionar o Espírito Santo. Mas
supondo-se que falou isso do Espí-
rito Santo, vá, e lê o contexto, que
demonstrará que essa opinião é in-
conveniente. Diz-se que o que foi
feito nele era a vida, mas essa vida
também é luz, pois acrescenta: a vida
era a luz dos homens. Seguindo a in-
terpretação deles, a luz de todos os
homens é o Espírito. Mas aquilo que
antes fora chamado Verbo, é chama-
do em seguida de Deus, vida e luz.
Ora, o Verbo se fez carne. Portanto,
quem se encarnou foi o Espírito San-
to e não o Filho. Assim, repudiando
essa interpretação, encontremos uma
interpretação e exposição convenien-
tes. Quando diz: Todas as coisas foram
feitas por ele; e sem ele nada foi feito
 38 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
factum est; ibi quiescere fac sermo-
nem; deinde ab ea quae deinceps est
dictione incipe, quae dicit in ipso
vita erat; ac si dicat sine eo factum
est nihil quod factum est, idest fac-
tibilium. Vides qualiter hac brevi
adiectione omnia correxit superve-
nientia inconvenientia. inducens
enim sine eo factum est nihil, et adi-
ciens quod factum est, et intelligibi-
lia comprehendit, et spiritum sanc-
tum excepit: spiritus enim sanctus
factibilis non est. Haec igitur quae
dicta sunt, de conditione rerum di-
xit Ioannes. inducit autem et eum
qui est de providentia sermonem,
dicens in ipso vita erat. Quemad-
modum in fonte qui generat abys-
sos, et in nullo minoratur fons; ita
et in operatione unigeniti quaecum-
que credas per eum facta esse, non
minor ipse factus est. Nomen autem
vitae hic non solum conditionis est,
sed et providentiae rerum, quae est
secundum permanentiam earum.
Cum autem audis quoniam in ipso
vita erat, ne compositum aestimes:
sicut enim pater habet vitam in seip-
so, ita dedit et filio vitam habere.
ergo sicut patrem non utique dices
compositum esse, ita nec filium.
Com. in Origenes. Vel aliter. oportet scire,
Evang. Ioan.,
quod salvator quaedam dicit non
tomo 3
sibi esse, sed aliis; quaedam vero et
sibi et aliis. In hoc ergo quod dicitur
do que foi feito, devemos pontuar a
leitura aqui. Em seguida, começa
outra frase, ao dizer: nele estava a
vida. É como se dissesse: das coisas
que foram feitas, isto é, das coisas
criáveis, nada foi feito sem ele. Nota
como essa simples pontuação corri-
ge os inconvenientes. Ao dizer que
sem ele nada foi feito, e ao acrescen-
tar: do que foi feito, compreende as
realidades inteligíveis e deixa fora o
Espírito Santo, pois o Espírito San-
to não é criável. Portanto, João falou
isso com respeito à criação das coisas.
Depois faz uma declaração acerca
da providência, dizendo: nele esta-
va a vida. Assim como a fonte que
gera os mares não diminui nenhum
pouco, assim também o Unigênito
ao obrar, quaisquer que sejam as coi-
sas que crês foram feitas por ele, não
se torna menor. O nome vida não
significa aqui apenas uma condição,
mas a providência para com as coisas,
permitindo a sua permanência. Mas
ao ouvires que nele estava a vida, não
penses que por isso seja algo com-
posto, pois assim como o Pai possui
a vida em si mesmo, assim também
deu ao Filho possuir a vida (Jo 5,26).
Portanto, assim como não dizes que
o Pai é composto, assim também
tampouco o é o Filho.
Orígenes. Ou, devemos saber que o
Salvador disse ser certas coisas não
para si mesmo, mas para outros, e
outras para si e para outros. Portan-
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
quod factum est in verbo, vita erat,
scrutandum est an sibi et aliis vita
est, vel aliis tantum; et si aliis, qui-
bus aliis. Idem autem est vita et lux;
lux autem hominum est: fit itaque
hominum vita, quorum est lux; et
sic in eo quod dicitur vita, salvator
dicitur non sibi, sed aliis. Haec qui-
dem vita verbo praeexistenti aderit,
ex eo quod expiata a peccatis anima
sit serena, et vita inseratur ei qui ver-
bi Dei se susceptibilem statuit. Unde
verbum quidem in principio non
dixit factum: non enim erat quando
principium verbo careret. Vita au-
tem hominum non semper erat in
verbo; sed haec vita hominum facta
est, eo quod vita est lux hominum:
cum enim homo non erat, nec lux
hominum erat, luce secundum ha-
bitudinem ad homines intellecta; et
ideo dicit quod factum est in verbo,
vita erat; non autem: quod erat in
verbo, vita erat. Invenitur autem alia
littera non incongrue habens: quod
factum est in eo, vita est. Si autem
intelligamus vitam hominum quae
in verbo fit, eum esse qui dixit: ego
sum vita, fatebimur neminem infi-
delium Christi vivere, sed cunctos
esse mortuos qui non vivunt in Deo.
Theophylactus. Dixerat in ipso vita
erat, ne putares quod absque vita sit
39
to, nesta passagem: o que foi feito no
Verbo era vida, devemos examinar se
era vida para si e para os outros, ou só
para os outros, e, se era para os outros,
para quais outros. Ora, a vida e a luz
são a mesma coisa, pois [a vida] era a
luz dos homens. Assim, aquele mesmo
que é luz dos homens é a vida deles.
Portanto, o Salvador é chamado de
vida, não para si mesmo, mas para os
outros. A vida [do homem] une-se ao
Verbo pré-existente quando a alma ex-
purgada dos pecados se torna serena, e
a vida [de Deus] se une àquele que se
tornou capaz de receber o Verbo de
Deus. Por isso não disse que o Verbo
foi feito no princípio, pois não exis-
te nenhum princípio em que o Ver-
bo já não existisse. Porém a vida dos
homens nem sempre esteve no Verbo;
a vida dos homens foi feita, porque a
vida é a luz dos homens. Enquanto os
homens não existiam, tampouco exis-
tia a luz dos homens (entendendo-se
luz com respeito aos homens). Por isso
diz que o que foi feito no Verbo era vida,
e não: o que existia no Verbo era vida.
Existe outra leitura da passagem que
também não é incongruente: o que foi
feito nele é vida. Se entendemos que a
vida dos homens foi feita no Verbo,
que disse: eu sou a vida, confessamos
que nenhum dos que descrêem em
Cristo vive, pois os que não vivem em
Deus estão mortos.
Teofilacto. Disse que nele estava a Enar. in
vida, mas, para que não penses que o Evang. Ioan.
 40 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
verbum; nunc ostendit quod vita sit
spiritalis, et lux rationalibus cunctis;
unde dicitur et vita erat lux homi-
num; quasi dicat: lux ista non est
sensibilis, sed intellectualis, illumi-
nans ipsam animam.
Super Ioan., Augustinus. Ex ipsa enim vita illu-
tract. 1 minantur homines, pecora non illu-
minantur, quia non habent rationales
mentes, quae possint videre sapien-
tiam; homo autem factus ad imagi-
nem Dei, habet rationalem mentem,
per quam possit percipere sapien-
tiam. Ergo illa vita per quam facta
sunt omnia, lux est, et non quorum-
cumque animalium, sed hominum.
Enar. in Theophylactus. Non autem dixit: lux
Evang. Ioan. est solum iudaeis, sed omnium homi-
num; omnes enim homines, inquan-
tum intellectum et rationem recepi-
mus ab eo quod nos condidit verbo,
intantum ab eo illuminari dicimur:
nam ratio nobis tradita, per quam ra-
tionales dicimur, lux est ad operanda
nos dirigens et non operanda.
Com. in Origenes. non est autem praeter-
Evang. Ioan.,
mittendum quod vitam praemittit
tomo 3
luci hominum: inconsequens enim
erat illuminari non viventem, et ad-
venire illuminationi vitam. si autem
idem est vita erat lux hominum,
quod solum hominum, erit Christus
lux atque vita solorum hominum.
Hoc autem opinari haereticum est.
Non igitur quidquid dicitur aliquo-
rum, illorum solum est: scriptum
Verbo não tem vida, mostra-nos aqui
que é a vida e a luz dos seres racio-
nais. Diz ele: e a vida era a luz dos
homens. É como se dissesse: Essa luz
não é sensível, mas intelectual, e ilu-
mina a própria alma.
Agostinho. A vida ilumina os ho-
mens, mas não ilumina os animais,
porque não possuem uma mente ra-
cional que lhes permita contemplar
a sabedoria. Mas o homem, feito à
imagem de Deus, possui uma mente
racional que lhe permite conhecer a
sabedoria. Portanto, a vida que fez
todas as coisas é luz, não de quais-
quer animais, mas dos homens.
Teofilacto. Não disse: É a luz só dos
judeus, mas: de todos os homens.
Diz-se que todos os homens, en-
quanto receberam do Verbo que os
criou um intelecto e uma razão, são
iluminados por ele, pois a razão que
nos foi dada – em virtude da qual so-
mos chamados seres racionais – é a
luz que nos dirige a operar ou a não
operar.
Orígenes. Não se deve deixar de no-
tar que colocou a vida antes da luz
dos homens, pois não faz sentido
iluminar um ser não vivente e acres-
centar vida à iluminação. Mas se a
vida que era a luz dos homens é luz
somente dos homens, então Cristo é
a luz e a vida somente dos homens.
Mas essa opinião é herética. Quan-
do se atribui algo a algum ente, não
significa que esse atributo seja so-
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
est enim de Deo, quod sit deus
abraham, isaac et iacob; non tamen
istorum tantum patrum dictus est
deus. non ergo ex eo quod dicitur
lux hominum, excluditur quin sit
aliorum. Alius vero contendit ex eo
quod scriptum est: faciamus homi-
nem ad imaginem nostram: quod
quidquid ad imaginem ac simili-
tudinem Dei factum est, intelligi
debet per hominem. Sic igitur lux
hominum lux cuiuslibet rationalis
creaturae est.
Augustinus. Quia vita illa est lux
hominum, sed stulta corda capere
istam lucem non possunt, quia pec-
catis suis aggravantur, ut eam videre
non possint; ne ideo cogitent quasi
absentem esse lucem, quia eam vi-
dere non possunt, sequitur et lux in
tenebris lucet, et tenebrae eam non
comprehenderunt. Quomodo enim
homo positus in sole caecus, prae-
sens est illi sol, sed ipse soli absens
est; sic omnis stultus caecus est, et
praesens est illi sapientia. Sed cum
caeco praesens est, oculis eius absens
est: non quia illa ipsi absens est, sed
quia ipse absens est ab illa.
Origenes. tenebrae autem huiusmo-
di hominum non natura sunt, secun-
dum illud pauli: eramus aliquando
tenebrae, nunc autem lux in domino.
Origenes. vel aliter. Lux in tenebris
fidelium animarum lucet, a fide in-
41
mente dele. Com efeito, está escrito
que Deus é o Deus de Abraão, Isaac
e Jacó, mas não se pode dizer que
seja o Deus somente desses patriar-
cas. Portanto, ao dizer que era a luz
dos homens, não se exclui que seja a
luz de outros seres. Alguns usam es-
tas palavras: façamos o homem à nossa
imagem (Gn 1,26) para mostrar que
homem significa todas as coisas feitas
à imagem e semelhança de Deus. As-
sim, a luz dos homens significa a luz
de qualquer criatura racional.
Agostinho. Como a vida é a luz dos Super Ioan.
homens, mas os corações estúpidos tract. 1
não podem captar essa luz, porque
são tão agravados pelos pecados que
não conseguem vê-la, para que não
pensem que a luz esteja ausente só
porque não conseguem vê-la, diz em
seguida: e a luz resplandece nas tre-
vas, e as trevas não a receberam. As-
sim como quando o homem cego é
posto diante do sol, o sol está presen-
te a ele, mas ele está ausente do sol,
assim também todo estúpido é cego,
embora a sabedoria esteja presente
nele. Embora a luz esteja presente no
cego, está ausente de seus olhos, não
porque a luz esteja ausente dele, mas
porque ele está ausente dela.
Orígenes. As trevas dos homens não Homil. 2 in
são sua natureza, segundo o que disse Ioan.
Paulo: Outrora éreis trevas, mas agora
sois luz no Senhor (Ef 5,8).
Orígenes. A luz resplandece nas al-
mas fiéis, dando-lhes primeiro a fé
42 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
choans, ad spem trahens. Imperi-
torum vero cordium perfidia et ig-
norantia lucem verbi Dei in carne
fulgentis non comprehenderunt.
sed iste sensus moralis est. Physi-
ca vero horum verborum theoria
talis est. Humana natura, etsi non
peccaret, suis propriis viribus non
lucere posset: non enim naturaliter
lux est, sed particeps lucis: capax
siquidem sapientiae est, non ipsa
sapientia. Sicut ergo aer per seme-
tipsum non lucet, sed tenebrarum
vocabulo nuncupatur; ita nostra
natura dum per seipsam considera-
tur, quaedam tenebrosa substantia
est, capax ac particeps lucis sapien-
tiae: et sicut aer dum solares radios
participat, non dicitur per se luce-
re, sed solis splendor in eo appare-
re; ita rationabilis nostrae naturae
pars, dum praesentiam verbi Dei
possidet, non per se res intelligibi-
les et Deum suum, sed per insitum
sibi divinum lumen cognoscit. Lux
itaque in tenebris lucet: quia Dei
verbum vita et lux hominum in
nostra natura, quae per se investi-
gata et considerata, informis quae-
dam tenebrositas invenitur, lucere
non desinit: et quoniam ipsa lux
omni creaturae est incomprehen-
sibilis, tenebrae eam non com-
prehenderunt.
e depois levando-as à esperança. A
perfídia e a ignorância dos corações
ignaros não compreendem a luz do
Verbo de Deus que resplandece na
carne. Esse é o sentido moral [da
passagem]. Já a interpretação natural
dessas palavras é a seguinte: a nature-
za humana, mesmo que não pecasse,
não pode resplandecer por suas pró-
prias forças. Com efeito, ela não é luz
por natureza, mas só participa da luz.
É capaz de atingir a sabedoria, mas
não é a própria sabedoria. Assim,
portanto, como o ar não resplandece
por si mesmo, e é por isso chamado
de trevas, assim também nossa natu-
reza considerada em si mesma é uma
substância tenebrosa, embora capaz
de alcançar a luz da sabedoria e dela
participar. E assim como não dize-
mos que resplandece por si mesmo o
ar que participa dos raios do sol, mas
dizemos que nele se manifesta o es-
plendor do sol, assim também a parte
racional de nossa natureza, quando
nela está presente o Verbo de Deus,
não conhece por si mesma as coisas
inteligíveis e seu Deus, mas através
da luz divina que lhe é infundida.
Assim, a luz resplandece nas trevas,
porque o Verbo que é vida e luz dos
homens não deixa de resplandecer
em nossa natureza que, considerada
em si mesma, não passa de trevas sem
forma. Mas como nenhuma criatura
consegue abarcar a luz, por isso as
trevas não a compreendem.
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
Chrysostomus. Vel aliter totum ab
illo loco et vita erat lux hominum.
primum nos de conditione docue-
rat; deinde dicit et quae secundum
animam bona praebuit nobis ve-
niens verbum; unde dicit et vita erat
lux hominum. Non dicit: lux iuda-
eorum; sed universaliter hominum:
non enim iudaei solum, sed et gen-
tes ad hanc venerunt cognitionem.
Non autem adiecit: et angelorum;
quoniam ei de natura humana ser-
mo est, quibus verbum venit evan-
gelizans bona.
Origenes. quaerunt autem quare
non verbum lux hominum dictum
est, sed vita quae in verbo fit; qui-
bus respondemus: quia vita quae ad
praesens, non ea quae communis est
rationalium et irrationalium dicitur,
sed quae adiungitur verbo quod in
nobis fit per participationem verbi
primarii, ad discernendum apparen-
tem vitam et non veram, et cupien-
dam veram vitam. Prius ergo parti-
cipamus vitam quae apud quosdam
quidem est potentia, non actu lux;
qui scilicet non sunt avidi perquire-
re quae ad scientiam pertinent; apud
quosdam vero et actu lux efficitur,
qui, secundum apostolum, aemu-
lantur dona meliora, scilicet verbum
sapientiae. Si tamen et tunc idem est
vita et lux hominum, nullus manens
in tenebris perfecte vivere compro-
43
Crisóstomo. Ou então, podemos fa- Homil. in
Ioan., 4
zer outra exposição dessa passagem.
Primeiro, João mostra-nos a criação;
depois, mostra-nos os bens da alma
que o advento do Verbo nos confe-
riu: e a vida era a luz dos homens. Não
disse: a luz dos judeus, mas disse: a
luz dos homens, de modo universal.
Não só os judeus, mas também os
gentios chegaram a esse conhecimen-
to. Não acrescentou: “e dos anjos”,
porque o assunto tratado era a natu-
reza dos homens, aos quais o Verbo
veio anunciar boas novas.
Orígenes. Talvez alguns perguntem: Com. in
“Por que se diz que a vida que se faz Evang. Ioan.,
na Verbo é a luz dos homens, e não tomo 2
o próprio Verbo?” Respondemos que
a vida mencionada aqui não é a vida
que é comum aos seres racionais e
irracionais, mas é aquela vida unida
ao Verbo, que se faz presente em nós
quando participamos do Verbo pri-
meiro. Diz isso para excluir a vida
aparente e falsa, e nos mover a desejar
a verdadeira vida. Portanto, primei-
ro participamos daquela vida que,
segundo alguns, não é luz em ato,
mas em potência. Essas são as pes-
soas que não são ávidas na busca da
ciência. Em alguns outros a luz se faz
em ato, os quais, segundo o Apósto-
lo, buscam os melhores dons (I Cor
12,31), isto é, a Palavra da sabedoria.
Mas se a vida e a luz dos homens são
a mesma coisa, então ninguém que
permanece nas trevas vive de modo
 44 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
batur, nec quisquam viventium con-
sistit in tenebris.
Homil. in Chrysostomus. Vita enim advenien-
Ioan., 4 te nobis, solutum est mortis impe-
rium; et luce lucente nobis, non ultra
sunt tenebrae; sed semper manet vita
quam mors superare non potest, nec
tenebrae lucem; unde sequitur et lux
in tenebris lucet. Tenebras mortem
et errorem dicit: nam lux quidem
sensibilis non in tenebris lucet, sed
sine illis; praedicatio vero Christi
in medio erroris regnantis fulsit; et
eum disparere fecit, et in vitam mor-
tem fecit mortuus Christus, ita eam
superans ut eos qui detinebantur
reduceret. Quia igitur neque mors
eam superavit, neque error; sed ful-
gida est eius praedicatio ubique, et
lucet cum propria fortitudine; prop-
terea subdit et tenebrae eam non
comprehenderunt.
Com. in Origenes. Est etiam sciendum, quod
Evang. Ioan., sicut lux hominum nomen est dua-
tomo 2
rum spiritualium rerum, sic et tene-
brae: dicimus enim hominem lucem
possidentem, opera lucis perficere, et
etiam cognoscere quasi illustratum
lumine scientiae; et e contrario te-
nebras dicimus illicitos actus, et eam
quae videtur scientia, non est autem.
Sicut autem pater lux est, et in eo te-
nebrae non sunt ullae, sic et salva-
tor. Sed quia similitudinem carnis
peccati subiit, non incongrue de eo
perfeito, e ninguém que vive perma-
nece nas trevas.
Crisóstomo. Quando a vida veio a
nós, dissolveu-se o império da mor-
te, e quando a luz resplandeceu em
nós, dissiparam-se as trevas, mas per-
manecerá para sempre a vida que a
morte não pode vencer e a luz que
as trevas [não podem compreender].
Por isso diz que a luz resplandece nas
trevas. Trevas significam morte e
erro, pois a luz sensível não resplan-
dece nas trevas, mas resplandece sem
elas. A pregação de Cristo brilhou em
meio ao erro reinante. Mas Cristo, ao
morrer, dissipou o erro e transformou
a morte em vida. Venceu de tal modo
a morte, que libertou os que estavam
presos por ela. Portanto, como nem
a morte nem o erro venceram [a
luz], mas sua pregação resplandece
em todos os lugares com uma força
própria, acrescenta: e as trevas não a
compreenderam.
Orígenes. Devemos saber que assim
como a “luz dos homens” designa
duas coisas espirituais, assim também
as trevas. Dizemos que o homem que
possui a luz, realiza as obras da luz e
também conhece mediante a ilumi-
nação da luz da ciência. Em sentido
contrário, dizemos que as trevas são
os atos ilícitos e a ciência aparente.
Assim como o Pai é luz, e não há nele
escuridão alguma, assim também o
Salvador. Mas como ele se sujeitou
a uma carne semelhante à do peca-
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
dicitur, quod tenebrae in eo sunt
aliquae, ipso in se suscipiente nos-
tras tenebras ut eas dissiparet. Haec
igitur lux, quae facta est vita homi-
num, radiat in tenebris animarum
nostrarum, et venit ubi princeps te-
nebrarum harum cum genere bellat
humano. hanc lucem persecutae
sunt tenebrae: quod patet ex his quae
salvator et eius filii sustinent, pug-
nantibus tenebris contra filios lucis.
Verum quia deus patrocinatur, non
invalescunt; unde non apprehendunt
lucem, vel quia celeritatem cursus lu-
cis subsequi non valent propter pro-
priam tarditatem, vel quia si super-
venientem expectant, fugantur luce
appropinquante. oportet autem id
considerare, quod non semper tene-
brae in sinistra parte sumuntur, sed
quandoque in bona, posuit tenebras
latibulum suum, dum ea quae sunt
erga Deum, ignota et imperceptibi-
lia sunt. De hac ergo laudata caligine
dicam, quoniam versus lucem pergit,
illamque apprehendit: quia quod erat
caligo, dum ignorabatur, in lucem
cognitam vertitur ei qui didicit.
Augustinus. Hoc autem initium
sancti evangelii quidam platonicus
aureis litteris perscribendum, et per
omnes ecclesias in locis eminentissi-
mis proponendum esse dicebat.
Beda. nam alii evangelistae Chris-
tum in tempore natum describunt,
45
do (Rm 8,3), não é errado dizer que
nele existem algumas trevas, pois ele
assumiu para si as nossas trevas para
poder dissipá-las. Portanto, a luz que
se tornou a vida dos homens res-
plandece nas trevas de nossas almas,
e veio ao lugar onde o príncipe das
trevas luta contra o gênero humano.
As trevas perseguem a luz, como
fica evidente pelas coisas que o Sal-
vador e seus filhos sofreram na luta
travada pelas trevas contra os filhos
da luz. Mas como Deus os protege,
[as trevas] não prevalecem. Por isso
diz que não apreenderam a luz, seja
porque devido à sua lentidão não
conseguem seguir o curso rápido
da luz, seja porque quando a luz se
aproxima, [as trevas] são dissipadas.
Note-se também que “trevas” nem
sempre têm um sentido negativo,
mas às vezes têm um sentido positi-
vo: vestiu-se de trevas como de um véu
(Sl 17,12), indicando que as coisas
de Deus são ignotas e imperceptí-
veis. Quanto a essa escuridão louvá-
vel, digo que ela nos conduz à luz e a
compreende, porque aquilo que era
escuridão, quando ignorado, torna-
-se luz para aquele que conhece.
Agostinho. Certo platônico dizia que De civ. Dei,
o prólogo deste santo Evangelho de- 10, 89
veria ser escrito em letras de ouro e
posto num lugar bem visível em todas
as igrejas.
Beda. Os outros evangelistas descre- In Evang. S.
vem o nascimento temporal de Cris- Ioan., 1
 46 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
Ioannes vero eumdem in principio
testatur fuisse, dicens in principio
erat verbum. Alii inter homines
eum subito apparuisse commemo-
rant; ille ipsum apud Deum semper
fuisse testatur, dicens et verbum erat
apud Deum. Alii eum verum homi-
nem, ille verum confirmat Deum,
dicens et deus erat verbum. Alii ho-
minem apud homines eum tempo-
raliter conversatum; ille Deum apud
Deum in principio manentem os-
tendit, dicens hoc erat in principio
apud Deum. Alii magnalia quae in
homine gessit perhibent; ille quod
omnem creaturam per ipsum deus
pater fecerit, docet, dicens omnia
per ipsum facta sunt, et sine ipso
factum est nihil.
Super Ioan., Augustinus. ea quae dicta sunt su-
tract. 2
perius, de divinitate Christi dicta
sunt, qui sic venit ad nos secundum
quod apparuit homo. Quia igitur
sic erat homo ut lateret in illo deus,
missus est ante illum magnus homo,
per cuius testimonium inveniretur
plusquam homo. Et quis est hic?
fuit homo.
Enar. in Theophylactus. non angelus, ut
Evang. Ioan. suspicionem multorum destrueret.
Super Ioan., Augustinus. et quomodo posset iste
tract. 2 verum de Deo dicere, nisi missus a
Deo?
Homil. in Chrysostomus. Nihil de reliquo hu-
Ioan., 5 manum esse aestimo eorum quae
to, mas João dá testemunho de que
ele existia no princípio, dizendo: No
princípio era o Verbo. Outros narram
seu súbito aparecimento, mas João dá
testemunho de que ele sempre existiu
junto de Deus, dizendo: e o Verbo es-
tava junto de Deus. Outros confirmam
que ele é homem, mas João confirma
que é Deus, dizendo: e o Verbo era
Deus. Outros mostram que foi um
homem que conviveu temporalmente
com os homens, mas João mostra que
é Deus e permanece no princípio jun-
to de Deus, dizendo: Estava no prin-
cípio junto de Deus. Outros relatam as
maravilhas que fez enquanto homem,
mas João ensina-nos que Deus Pai
criou todas as coisas por ele, dizendo:
Todas as coisas foram feitas por ele; e sem
ele nada foi feito.
Agostinho. O que se disse antes foi
dito da divindade de Cristo, que
veio até nós segundo uma aparên-
cia humana. Portanto, como era um
homem no qual Deus estava oculto,
foi enviado antes dele um grande ho-
mem, cujo testemunho indicaria que
ele era algo mais do que um simples
homem. E quem era este? Apareceu
um homem.
Teofilacto. Não um anjo, para que
se removessem as dúvidas de muitos.
Agostinho. E como poderia falar a
verdade sobre Deus a menos que fos-
se enviado por Deus?
Crisóstomo. Mas não penso que se-
jam humanas as coisas que disse, pois
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
dicuntur ab illo: non enim quae eius
sunt, sed quae mittentis omnia loqui-
tur: ideo et angelus nuncupatus est a
propheta dicente: ego mitto angelum
meum. Angeli enim virtus est nihil
proprium dicere. Hoc autem quod
dicit fuit missus, non eius qui ad esse
processus ostensivum est. Sicut autem
Isaias missus fuit non aliunde quam a
mundo, sed a statu quo vidit domi-
num sedentem super solium excelsum
et elevatum, ad plebem; sic et Ioannes
a deserto ad baptizandum mittitur; ait
enim: qui misit me baptizare, ille mihi
dixit: super quem videris spiritum des-
cendentem et manentem super eum,
hic est qui baptizat in spiritu sancto.
Augustinus. quid vocabatur? cui
nomen erat Ioannes.
Alcuinus. Idest gratia Dei, vel in
quo est gratia, qui gratiam novi tes-
tamenti, idest Christum, suo testi-
monio primum mundo innotuit.
Vel Ioannes interpretatur cui dona-
tum est, quia per gratiam Dei dona-
tum est illi regem regum non solum
praecurrere, sed etiam baptizare.
Augustinus. Quare venit? hic venit
in testimonium, ut testimonium
perhiberet de lumine.
Origenes. Quidam improbare ni-
tuntur edita de Christo testimonia
prophetarum, dicentes non egere
testibus Dei filium habentem credu-
13 Como no caso do Espírito Santo, que é enviado pelo Pai e pelo Filho.
47
não falou do que é seu, mas falou as
coisas de quem o enviou. Por isso é
chamado de anjo pelo Profeta: Eis
que mando o meu anjo (Ml 3,1). O
anjo não diz nada que lhe é próprio.
As palavras foi enviado não signifi-
cam uma processão ontológica.13 As-
sim como Isaías foi enviado, [não dos
céus], mas do mundo – quando viu
o Senhor sentado sobre um trono ex-
celso e elevado, foi enviado ao povo
(Is 6) –, assim também João foi en-
viado do deserto para batizar; diz ele:
Aquele que me mandou batizar, disse-
-me: Aquele, sobre quem vires descer e
repousar o Espírito, esse é o que batiza
no Espírito Santo (Jo 1,33).
Agostinho. Como se chamava? Cha- Super Ioan.,
mava-se João. tract. 2
Alcuíno. Isto é, “graça de Deus” ou
“em quem está a graça”. Foi ele quem
primeiro anunciou ao mundo, por
seu testemunho, a graça do Novo
Testamento, isto é, Cristo. Ou, João
significa “aquele a quem foi dado”,
porque pela graça de Deus lhe foi
dado não só ser o precursor do rei
dos reis, mas também batizá-lo.
Agostinho. Por que veio? Veio como Super Ioan.,
testemunha para dar testemunho da luz. tract. 2
Orígenes. Alguns tentam negar os
testemunhos dos profetas acerca de
Cristo, dizendo que o Filho de Deus
não precisava de testemunhas, pois
 48 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
litatis sufficientiam tum in his quae
protulit salubribus verbis, tum in mi-
rabilibus operibus suis. Siquidem et
moyses credi meruit per verbum et
virtutes, non egens praeviis testibus.
Ad hoc dicendum est, quod multis
existentibus causis inducentibus ad
credendum, plerumque quidam ex
hac demonstratione non admirantur,
ex alia vero habent causam ut cre-
dant. Deus autem est qui pro cunctis
hominibus homo factus est. Constat
igitur quosdam ex dictis propheticis
ad Christi admirationem coactos,
mirantes tot prophetarum ante eius
adventum voces, constituentes nati-
vitatis eius locum, et alia huiusmodi.
Illud quoque advertendum, quod
prodigiosae virtutes ad credendum
provocare poterant eos qui tempore
Christi erant, non autem post lon-
ga tempora: nam fabulosa quaedam
aestimata fuerunt: plus enim peractis
virtutibus facit ad credulitatem quae
cum virtutibus quaeritur prophetia.
Est autem et tale quid dicere, quod
quidam in hoc quod testimonium
perhibent Deo, honorati sunt. Pri-
vare vult ergo chorum prophetarum
ingenti gratia qui dicit, illos non
oportere de Christo testimonium
exhibere. accessit autem his Ioannes,
ut testimonium de luce perhibeat.
Homil. in Chrysostomus. Non ea indigente
Ioan., 5 testimonio, sed propter quid, ipse
Ioannes docet, dicens ut omnes
sua credibilidade era suficientemente
atestada tanto pelas palavras salutares
que proferiu, como pelas obras mila-
grosas. Com efeito, Moisés mereceu
credibilidade por causa das palavras
e dos milagres, sem precisar de tes-
temunhas prévias. A isso responde-
mos que, ainda que existam muitas
causas que nos movem a crer, muitas
vezes alguns não se admiram com
demonstrações [de poder] e crêem
por outros motivos. Mas Deus se
fez homem para todos os homens.
Portanto, alguns são levados a ad-
mirar a Cristo por causa das pala-
vras dos profetas, admirando-se que
tantas vozes dos profetas antes dele
determinaram o lugar de seu nas-
cimento, e outras coisas similares.
Note-se também que os prodígios
podiam instigar a fé somente aos
que viviam no tempo de Cristo,
não porém aos que viveram muito
tempo depois, que poderiam con-
siderar muitos desses relatos como
fictícios. Portanto, os milagres con-
jugados com as profecias têm mais
força para induzir à fé. Dizer isso é
honrar os que deram testemunho de
Deus. Portanto, quem diz que não
deviam dar testemunho de Cristo,
privam o coro dos profetas de uma
graça imensa. Mas João foi até eles
para dar testemunho da luz.
Crisóstomo. Não porque precisasse
de um testemunho, mas o porquê
disso o próprio João nos explica, di-
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
crederent per illum. Sicut enim car-
nem induit, ne omnes perderet; ita
et praeconem hominem misit, ut
cognatam audientes vocem, facilius
advenirent.
Beda. Non autem ait: ut omnes cre-
derent in illum: maledictus enim
homo qui confidit in homine; sed
ut omnes crederent per illum; hoc
est, per illius testimonium crederent
in lucem.
Theophylactus. Si vero aliqui non
crediderint, excusabilis permanet
ipse: nam sicut si aliquis includens
se in domo caliginis, et ipsum so-
lis radius non illustret, ipse causam
tribuit, et non sol; sic Ioannes, ut
omnes crederent, missus fuit; sed si
minime consecutum est, ipse huius
rei causa non extitit.
Chrysostomus. quia vero multum
apud nos maior qui testatur, eo cui
testimonium perhibet, et dignior
fide esse videtur; ne quis et de Io-
anne hoc suspicetur, hanc suspicio-
nem destruit, dicens non erat ille
lux; sed ut testimonium perhiberet
de lumine. Si vero non huic instans
opinioni hoc resumpsit ut testimo-
nium perhiberet de lumine, super-
fluum esset quod dicitur, et magis
iteratio sermonis quam explanatio
doctrinae.
Theophylactus. Sed dicet aliquis:
ergo neque Ioannem, neque sancto-
rum quempiam lucem esse vel fuisse
49
zendo: a fim de que todos cressem por
meio dele. Assim como Deus vestiu a
carne para que ninguém se perdesse,
assim também enviou um homem
precursor para que os homens, ou-
vindo uma voz familiar, viessem mais
facilmente [até Cristo].
Beda. Mas não diz: “para que todos
cressem nele”, pois maldito o homem
que confia no homem (Jr 17,5). Mas
[foi enviado] a fim de que todos cressem
por meio dele, isto é, para que por meio
de seu testemunho cressem na luz.
Teofilacto. Se alguns não creram, ele Enar. in
não tem culpa. Assim como quando Evang. Ioan.
alguém se encerra numa casa escura,
e os raios do sol não o podem ilumi-
nar, ele mesmo é a causa [da escuri-
dão] e não o sol, assim também João
foi enviado para que todos cressem,
mas, se obteve poucos resultados,
não foi sua culpa.
Crisóstomo. Mas como aquele que dá Homil. in
Ioan., 5
testemunho é para nós maior do que
quem recebe o testemunho, e parece
mais dignos de fé, para que ninguém
pensasse isso de João, remove essa sus-
peita, dizendo: Não era a luz, mas veio
para dar testemunho da luz. Se não ti-
vesse repetido veio para dar testemunho
da luz para se opor a essa opinião, a
repetição das palavras seria supérflua,
e seria antes uma repetição vã do que
uma explicação da doutrina.
Teofilacto. Mas talvez alguém diga: Enar. in
“Se é assim, nem João nem nenhum Evang. Ioan.
dos santos podemos dizer que foram
 50 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
dicemus. Sed si sanctorum aliquem
lucem velimus dicere, ponemus lu-
cem absque articulo; ut si interro-
gatus fueris utrum Ioannes est lux
sine articulo, secure concedas; si
vero cum articulo, non concedas.
Non enim est ipsa lux principalior;
sed lux dicitur quia secundum par-
ticipationem lucem habeat a vero
lumine.
Super Ioan., Augustinus. De quo lumine Ioan-
tract. 2 nes testimonium perhibeat, ostendit
dicens erat lux vera.
Homil. in Chrysostomus. Vel aliter. quia su-
Ioan., 6 perius de Ioanne dixerat, quod venit
et missus est ut testetur de luce, ne
quis hoc audiens propter testantis
recentem praesentiam, de eo cui
testimonium perhibetur, talem qua-
mdam suspicionem accipiat, redu-
xit mentem, et ad eam quae supra
omne principium est, transmisit
existentiam, dicens erat lux vera.
Super Ioan., Augustinus. quare additum est vera?
tract.11
quia et homo illuminatus dicitur lux;
sed vera lux illa est quae illuminat;
nam et oculi nostri dicuntur lumina,
et tamen nisi aut per noctem lucerna
accendatur, aut per diem sol exeat,
lumina illa sine causa patent; unde
subdit quae illuminat omnem ho-
minem. Si omnem hominem, ergo
et ipsum Ioannem. Ipse ergo illumi-
nabat, a quo se demonstrari volebat.
Quomodo enim plerumque fit ut
ou são luzes”. Mas se queremos dizer
que algum santo é luz, digamos “luz”
sem artigo definido. Se te perguntam
se João era luz, sem artigo, podes se-
guramente concordar. Mas se dizem
[“a luz”], com artigo, não deves con-
cordar. Com efeito, ele não é a luz
principal; mas chama-se luz porque
recebe por participação a luz da ver-
dadeira Luz.
Agostinho. De que luz João dava
testemunho, mostra-o ao dizer: O
Verbo era a luz verdadeira.
Crisóstomo. Ou então, como o evan-
gelista disse antes que João veio e foi
enviado para dar testemunho da luz,
e como essa testemunha apareceu
há pouco tempo, para que ninguém
pensasse que aquele sobre o qual dava
testemunho existia também há pouco
tempo, o evangelista eleva nossa men-
te à consideração daquele que existia
antes de todo princípio, dizendo: [O
Verbo] era a luz verdadeira.
Agostinho. Por que disse “verda-
deira”? Porque o homem iluminado
também se diz luz, mas a verdadeira
luz é aquela que ilumina. Com efei-
to, até nossos olhos chamam-se luzes,
contudo, se durante a noite não se
acendem lâmpadas, ou se durante o
dia o sol não sai, de nada servem essas
luzes. Se [o Verbo ilumina] a todos
os homens, então ilumina também
a João. Portanto, [o Verbo] ilumina-
va aquele que devia manifestá-lo. É
comum que saibamos mediante um
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
in aliquo corpore radiato cognosca-
tur ortus esse sol quem oculis videre
non possumus; quia etiam qui sau-
cios habet oculos, idonei sunt videre
parietem illuminatum, aut aliquid
huiusmodi; sic omnes ad quos ve-
nerat Christus, minus erant idonei
eum videre. Radiavit Ioannem, et per
illum confitentem se illuminatum
cognitus est ille qui illuminat. Dicit
autem venientem in hunc mundum,
nam si illinc non recederet, non esset
illuminandus; sed ideo hic illumi-
nandus, quia illinc recessit ubi homo
poterat esse illuminatus.
Theophylactus. erubescat mani-
chaeus, qui conditoris maligni et
tenebrosi nos asserit creaturas: non
enim illuminaremur, si veri luminis
creaturae non essemus.
Chrysostomus. Ubi sunt etiam qui
non dicunt eum verum Deum? hic
enim lux vera dicitur. Sed si illumi-
nat omnem hominem venientem in
hunc mundum, qualiter tot sine lu-
mine permanserunt? non enim om-
nes cognoverunt Christi culturam.
Illuminat igitur omnem hominem
quantum ad eum pertinet; si autem
quidam mentis oculos claudentes
noluerunt recipere lucis huius ra-
dios, non a lucis natura obtenebra-
tio est eis, sed a malitia eorum, qui
voluntarie privant seipsos gratiae
51
corpo iluminado que nasceu o sol, o
qual não podemos contemplar com
os olhos, ainda que os olhos machu-
cados possam fitar uma parede ilu-
minada, ou algo similar. Do mesmo
modo, todos os que vieram a Cristo
não eram capazes de contemplá-lo.
Resplandeceu sobre João, e mediante
ele, que confessava ter sido ilumina-
do, conheceu-se aquele que ilumina.
Acrescenta [todo homem] que vem a
este mundo, pois se o homem não
partisse [da presença do Verbo] não
precisaria ser iluminado. Mas é ne-
cessário que o homem seja iluminado
neste mundo porque se apartou do
lugar onde já estaria iluminado.
Teofilacto. Que se envergonhe Mani- Enar. in
queu, que afirma sermos criaturas de Evang. Ioan.
um criador maligno e tenebroso. Não
poderíamos ser iluminados se não fôs-
semos criaturas da verdadeira Luz.
Crisóstomo. Onde estão os que di- Homil. in
Ioan., 7
zem que ele não é verdadeiro Deus?
Aqui é chamado de luz verdadeira.
Mas se ilumina todos os homens
que vêm ao mundo, por que tantos
homens permanecem sem luz? Com
efeito, nem todos conhecem o culto
que se deve prestar a Cristo. Portan-
to, no que depende dele, ilumina
todo homem. Mas se alguns, fechan-
do os olhos da mente, não quiseram
receber os raios de luz, a obscuridade
não depende da natureza da luz, mas
da malícia daqueles que voluntaria-
mente se privam do dom da graça,
 52 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
dono: nam gratia quidem ad omnes
effusa est; qui vero nolunt dono hoc
frui, sibi ipsis hanc imputent caeci-
tatem.
De pec. mer. Augustinus. Vel quod dicitur illu-
et remis., 25
minat omnem hominem, sic intelli-
gimus: non quia nullus est homi-
num qui non illuminetur; sed quia
nisi ab ipso nullus illuminatur.
Beda. Sive naturali ingenio, sive sa-
pientia divina: sicut enim nemo a
seipso esse, sic etiam nemo a seipso
sapiens esse potest.
Homil. 2 in Origenes. vel aliter. Non de his qui
Ioan.
de occultis seminum causis in spe-
cies corporales procedunt, debemus
intelligere quod illuminat omnem
hominem venientem in hunc mun-
dum; sed de his qui spiritualiter per
regenerationem gratiae, quae datur
in baptismate, in mundum veniunt
invisibilem. Eos itaque vera lux illu-
minat qui in mundum virtutum
veniunt, non eos qui in mundum
vitiorum ruunt.
Enar. in Theophylactus. Vel aliter. Intellec-
Evang. Ioan.
tus nobis traditus, ac nos dirigens,
qui et naturalis ratio nominatur,
dicitur lux tradita nobis a Deo. Sed
quidam male ratione utentes, seip-
sos obscuraverunt.
Super Ioan., Augustinus. Lux quae illuminat om-
tract. 2 nem hominem venientem in hunc
mundum, huc venit per carnem:
quia dum hic esset per divinitatem,
pois a graça foi difundida a todos,
mas os que não quiseram fruir deste
dom, impõem-se a si mesmos a ce-
gueira.
Agostinho. Ou, as palavras ilumina
todo o homem devem ser assim en-
tendidas: não significa que nenhum
homem não seja iluminado, mas que
ninguém é iluminado senão por ele.
Beda. [O homem é iluminado] quer
mediante o engenho natural, quer
mediante a sabedoria divina. Assim
como ninguém pode existir por si
mesmo, assim também ninguém
pode ser sábio por si mesmo.
Orígenes. Ou então, não devemos
pensar que todo o homem que vem a
este mundo signifique os homens que, a
partir das causas ocultas no sêmen, as-
sumem uma forma corporal. Mas de-
vemos entendê-lo daqueles que vem ao
mundo invisível pela regeneração espi-
ritual da graça, que é dada no batismo.
Assim, a luz verdadeira ilumina os que
se elevam ao mundo das virtudes, não
os que caem no mundo dos vícios.
Teofilacto. Ou então, o intelecto que
nos foi dado e que nos dirige, e que
é chamado de razão natural, é cha-
mado de ‘a luz que Deus nos deu’.
Mas os que se servem mal da razão
obscurecem a si mesmos.
Agostinho. A luz que ilumina todo
o homem que vem a este mundo,
veio na carne, pois, quando estava
presente só na divindade, não podia
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
a stultis, caecis et iniquis videri non
poterat, de quibus supra dictum est
tenebrae eam non comprehende-
runt: et ideo dicitur in mundo erat.
Origenes. ut enim qui loquitur,
dum loqui cessat, vox eius esse de-
sinit, et evanescit, sic caelestis pater,
si verbum suum loqui cessaverit,
effectus verbi, hoc est universitas
verbo condita, non subsisteret. Non
autem putes quia sic erat in mundo
quomodo in mundo est terra, peco-
ra, et homines; sed quomodo artifex
regens quod fecit; unde sequitur et
mundus per ipsum factus est. Non
enim sic fecit quomodo facit faber:
qui enim fabricat, extrinsecus est
ad illud quod fabricat. Deus autem
infusus mundo, fabricat ubique po-
situs, et non recedit ab aliquo: prae-
sentia maiestatis facit quod facit, et
gubernat quod facit. Sic ergo erat in
mundo, quomodo per quem factus
est mundus.
Chrysostomus. et iterum, quia in
mundo erat, sed non ut mundi con-
temporaneus, propter hoc induxit et
mundus per ipsum factus est; per hoc
et rursus te deducens ad aeternam
existentiam unigeniti; qui enim au-
dierit quoniam opus eius hoc totum,
et si valde insensibilis fuerit, cogetur
concedere ante opera esse factorem.
53
ser visto pelos estúpidos, cegos e iní-
quos, sobre os quais se disse acima: as
trevas não a compreenderam. Por isso
diz que estava no mundo.
Orígenes. Assim como quem fala, Homil. 2 in
quando pára de falar, o som de suas Ioan.
palavras cessa e se dissipa, assim
também o Pai celeste, se parasse de
pronunciar seu Verbo, os efeitos do
Verbo, todas as coisas criadas por ele,
não permaneceriam. Mas não penses
que estava no mundo assim como a
terra, os animais e os homens, pois
estava nele como um artífice que ad-
ministra suas obras. Por isso diz: e o
mundo foi feito por ele. Mas não fez
[o mundo] do mesmo modo como
um artífice [faz sua obra]. O artífice
é algo extrínseco àquilo que produz.
Mas Deus está presente no interior
do mundo, está em todos os lugares
quando cria o mundo e não se separa
de nenhum lugar. Pela presença de
sua majestade, faz o que faz e gover-
na o que faz. Assim, portanto, estava
no mundo aquele que fez o mundo.
Crisóstomo. Ademais, como es- Homil. in
Ioan., 7
tava no mundo, não porém como
um contemporâneo do mundo,
acrescenta: e o mundo foi feito por
ele, elevando-te por essas palavras à
contemplação da existência eterna
do Unigênito. Ainda que possua um
espírito muito grosseiro, quem ouve
que o inteiro universo é obra dele, é
obrigado a conceder que ele existia
como Criador antes das obras.
 54 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
Enar. in Theophylactus. simul autem hic
Evang. Ioan.
et manichaei subvertit rabiem, qui
malignum conditorem cuncta pro-
duxisse dicebat; necnon et arii, qui
filium Dei dicebat creaturam.
Super Ioan., Augustinus. Quid est autem mun-
tract. 2 dus per ipsum factus est? caelum,
terra, mare et omnia quae in eis
sunt, mundus dicitur. Iterum in
alia significatione, dilectores mundi
mundus dicuntur; de quo sequitur
et mundus eum non cognovit. Num
enim caeli, aut angeli, aut sidera non
cognoverunt creatorem, quem con-
fitentur daemonia, omnia undique
testimonium perhibuerunt? sed qui
non cognoverunt eum? qui aman-
do mundum, dicti sunt mundus:
amando enim mundum, habitamus
corde in mundo: nam qui non di-
ligunt mundum, carne versantur in
mundo, sed corde inhabitant cae-
lum; sicut apostolus dicit: nostra
conversatio in caelis est. Amando
igitur mundum, hoc appellari me-
ruerunt ubi habitant. Quomodo
enim cum dicimus: mala est illa do-
mus aut bona, non parietes incusa-
mus aut laudamus, sed inhabitantes,
sic et mundum dicimus qui inhabi-
tant mundum amando.
Homil. in Chrysostomus. Qui autem Dei erant
Ioan., 7 amici, eum cognoverunt, etiam ante
corporalem praesentiam: unde et
Christus ait quoniam abraham pa-
Teofilacto. Ao mesmo tempo destrói
por essas palavras a loucura de Mani-
queu, que dizia ser um Criador ma-
ligno quem produziu todas as coisas,
e a loucura de Ário, que dizia ser o
Filho de Deus uma criatura.
Agostinho. Mas o que é o mundo
que foi criado por ele? Chamamos
de mundo o céu, a terra, o mar e
tudo o que neles há. Também, em
outro sentido, chamam-se mundo os
amantes do mundo. Sobre eles diz: e o
mundo não o conheceu. Porventura os
céus, os anjos e as estrelas não conhe-
cem o Criador, que até os demônios
confessam, sendo que todos eles dão
testemunho [do Criador]? Mas quem
não o conheceu? Aqueles que amam o
mundo são chamados de mundo. Por
amar o mundo habitamos o mundo
segundo o coração, pois os que não
amam o mundo, vivem no mundo
segundo a carne, mas habitam o céu
segundo o coração, como diz o Após-
tolo: Nós somos cidadãos dos céus (Fl
3,20). Portanto, ao amarem o mundo,
mereceram receber o nome do lugar
onde habitam. Assim como quando
dizemos: “Aquela casa é má ou boa”,
não acusamos ou louvamos as pare-
des, e sim seus habitantes, assim tam-
bém chamamos de mundo aos que
amam o mundo em que habitam.
Crisóstomo. Mas os que eram ami-
gos de Deus, já o conheciam antes
mesmo de se fazer presente corpo-
ralmente. Por isso Cristo diz que
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
ter vester exultavit ut videret diem
meum. cum ergo nos interpellant
gentiles, dicentes: quid est quod in ul-
timo tempore venit nostram operatu-
rus salutem, tanto tempore negligens
nos? dicimus, quoniam et ante hoc in
mundo erat, et providebat operibus
suis, et omnibus dignis cognitus erat:
et si eum mundus non cognovit, hi
tamen quibus mundus non erat dig-
nus, eum cognoverunt. Dicens autem
mundus eum non cognovit, breviter
causam ignorantiae praebuit. Mun-
dum enim vocat homines qui soli
mundo affixi sunt, et quae mundi
sunt sapiunt. Nihil autem ita turbat
mentem, ut liquefieri amore prae-
sentium.
Chrysostomus. dixit quod mundus
eum non cognovit, de superioribus
loquens temporibus; sed de reliquo
sermonem induxit ad praedicationis
tempora, et ait in propria venit.
Augustinus. Quia scilicet omnia
per ipsum facta sunt.
Theophylactus. vel per propria mun-
dum intelligas, sive iudaeam, quam
pro hereditate elegerat.
Chrysostomus. in propria ergo ve-
nit, non gratia suae necessitatis, sed
gratia beneficii suorum. sed unde
venit qui omnia implet, et ubi-
que adest? ea quidem quae ad nos
55
Abraão, vosso pai, regozijou-se com a
esperança de ver o meu dia (Jo 8,56).
Portanto, quando os gentios nos obje-
tam, dizendo: “Por que veio procurar
nossa salvação só nos últimos tempos,
tendo-nos negligenciado por tanto
tempo?”, respondemos que antes [de
vir na carne] ele já estava no mundo,
fazia provisões para suas obras, e já era
conhecido de todos que eram dignos,
e ainda que o mundo não o conheces-
se, contudo, aqueles de que o mun-
do não era digno o conheceram (Hb
11,38). Ao dizer que o mundo não o
conheceu, insinua brevemente a causa
da ignorância. Chama de mundo os
homens que se prendem somente ao
mundo, e que conhecem as coisas do
mundo. Nada perturba mais a mente
do que ser dissolvido pelo amor das
coisas presentes.
Crisóstomo. Disse que o mundo Homil. in
não o conheceu, falando dos tempos Ioan., 8
passados; a continuação do texto diz
respeito ao tempo da pregação: Veio
para o que era seu.
Agostinho. [Tudo era seu] porque Super Ioan.,
todas as coisas foram feitas por ele. tract. 1
Teofilacto. Ou, o que era seu pode Enar. in
significar o mundo, ou a Judéia, que Evang. Ioan.
Deus escolhera por herança.
Crisóstomo. Portanto, veio para o Homil. in
que era seu, não porque lhe fosse ne- Ioan., 9
cessário, mas para beneficiar os seus.
Mas como pôde ‘vir’ aquele que pre-
enche todas as coisas e está presente
em todos os lugares? Fez isso median-
 56 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
condescensione hoc operatus est:
quia enim in mundo existens, non
putabatur adesse, eo quod nondum
cognoscebatur, dignatus est induere
carnem. Manifestationem vero hanc
et condescensionem adventum vocat.
misericors autem existens deus om-
nia facit, ut nos secundum virtutem
splendeamus; et propter hoc quidem
nullum necessitate, suasione vero et
beneficiis volentes ad se attrahit; et
propterea venientem eum hi quidem
susceperunt, alii vero non receperunt.
nullum enim vult invitum neque co-
actum habere famulatum: invitum
enim trahi, par est cum eo qui tota-
liter non servit; unde sequitur et sui
eum non receperunt.
Homil. in Chrysostomus. iudaeos nunc suos
Ioan., 8
dicit, ut populum peculiarem; sed
et omnes homines ut ab ipso factos:
et sicut superius pro communi ve-
recundatus natura dicebat, quoniam
mundus per ipsum factus condito-
rem non cognovit, ita et hic rursus
pro iudaeorum anxius indevotione
gravius ponit accusationem, dicens
et sui eum non receperunt.
Super Ioan., Augustinus. Si autem omnino nullus
tract. 2
recepit, nullus ergo salvus factus est.
Nemo enim salvus fiet, nisi qui Chris-
tum receperit venientem; et ideo addit
quotquot autem receperunt eum.
Homil. in Chrysostomus. Sive sint servi sive
Ioan., 9 liberi, sive graeci sive barbari, sive
insipientes sive sapientes, sive mu-
te uma condescendência para conos-
co, pois, existindo no mundo, pen-
sava-se que estava ausente pois ainda
não era conhecido, e por isso se dig-
nou vestir a carne. Chama de vinda à
sua manifestação e condescendência.
O Deus misericordioso criou todas as
coisas, para que pudéssemos resplan-
decer em virtudes. Por isso não atrai
ninguém a si de modo violento, mas
usa de persuasão para atrair os que
querem gozar de seus dons. Por isso,
quando veio, alguns o acolheram en-
quanto outros não o receberam. Não
quer que ninguém lhe sirva contra a
vontade e sob coação. Quem é atraí-
do contra a própria vontade é igual a
quem não serve [a Deus]. Por isso diz:
e os seus não o receberam.
Crisóstomo. Os seus são os judeus,
que constituíam seu povo particular,
mas também são todos os homens,
que foram feitos por ele. Assim como
se envergonhou da atitude da huma-
nidade, dizendo que o mundo que foi
feito por ele não o recebeu, assim tam-
bém aqui, perplexo com a impiedade
dos judeus, lança-lhes uma acusação
dizendo: e os seus não o receberam.
Agostinho. Se ninguém o recebeu,
ninguém portanto foi salvo. Com
efeito, ninguém é salvo a menos que
receba o Cristo. Por isso acrescenta:
Mas a todos os que o receberam…
Crisóstomo. Quer sejam servos quer
livres, quer sejam gregos quer bár-
baros, quer sejam ignorantes quer
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
lieres sive viri, sive pueri, sive senes,
omnes eodem digni facti sunt hono-
re, de quo sequitur dedit eis potesta-
tem filios Dei fieri.
Augustinus. Magna benevolentia.
Unicus natus est, et noluit manere
unus; non timuit habere coheredes,
quia hereditas eius non fit angusta,
si eam multi possederint.
Chrysostomus. non autem dixit,
quoniam fecit eos filios Dei fieri;
sed dedit eis potestatem filios Dei
fieri; ostendens quoniam multo
opus est studio, ut eam, quae in
baptismo adoptionis formata est,
imaginem incontaminatam sem-
per custodiamus: simul autem os-
tendens quoniam potestatem hanc
nullus nobis auferre poterit, nisi
nos ipsi auferamus. si enim qui ab
hominibus dominium aliquarum
rerum suscipiunt, tantum habent
robur quantum fere hi qui dede-
runt; multo magis nos qui a Deo
potimur hoc honore. Simul autem
ostendere vult quoniam haec gra-
tia advenit volentibus et studenti-
bus: etenim in potestate est liberi
arbitrii et gratiae operatione filios
Dei fieri.
Theophylactus. Vel quia in resur-
rectione filiationem perfectissimam
consequemur, secundum quod
apostolus dicit: adoptionem filio-
rum Dei expectantes redemptionem
corporis nostri. Dedit ergo potesta-
57
sábios, quer sejam mulheres quer
varões, quer sejam crianças quer ve-
lhos, todos são dignos desta mesma
honra: deu poder de se tornarem filhos
de Deus.
Agostinho. Que grande benevo- Super Ioan.,
lência! O Unigênito não quis ser o tract. 2
único filho, não temeu possuir co-
-herdeiros, pois que sua herança não
é diminuída por ser compartilhada
com muitos.
Crisóstomo. Não disse: “Fez com Homil. in
que se tornassem filhos de Deus”, Ioan., 9
mas: deu poder de se tornarem filhos
de Deus, mostrando que é necessário
muito esforço para que preservemos
sempre incontaminada a imagem que
se formou em nós no batismo de ado-
ção. Mostra também que ninguém
nos pode tirar esse poder, a menos
que nós mesmos o tiremos de nós.
Se aqueles que recebem dos homens
algum poder sobre as coisas possuem
tanto poder quanto possuem os que
o deram, muito maior poder teremos
nós, que o recebemos de Deus. Ao
mesmo tempo quer mostrar que essa
graça é dada aos que a querem e a bus-
cam. Assim, tornar-se filho de Deus
depende tanto do livre arbítrio como
da operação da graça.
Teofilacto. Ou, [diz isso] porque na Enar. in
ressurreição conquistaremos a mais Evang. Ioan.
perfeita filiação, segundo o que diz o
Apóstolo: a adoção de filhos de Deus,
a redenção de nosso corpo (Rm 8,23).
Portanto, deu poder de se tornarem fi-
 58 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
tem filios Dei fieri, idest hanc gra-
tiam in futura gratia consequendi.
Homil. in Chrysostomus. Et quia in his ipsis
Ioan., 9 ineffabilibus bonis, hoc quidem est
Dei, scilicet dare gratiam; illud vero
hominis, idest praebere fidem, su-
biungit his qui credunt in nomine
eius. Quid igitur non dicis nobis, o
Ioannes, quod eorum sit supplicium
qui eum non receperunt? quia num-
quid isto supplicio fiet maius quando
praeiacente eis potestate filios Dei
fieri, non fiant, sed volentes seipsos
tanto privant honore? sed etiam inex-
tinguibilis eos suscipiet ignis, quod
postea manifestius revelabit.
Super Ioan., Augustinus. credentes ergo quia fi-
tract. 2
lii Dei fiunt et fratres Christi, utique
nascuntur; nam si non nascuntur,
filii quomodo esse possunt? sed fi-
lii hominum nascuntur ex carne
et sanguine, et ex voluntate viri, et
complexu coniugii. Illi autem quo-
modo nascuntur subdit qui non ex
sanguinibus, tamquam maris et fe-
minae. Sanguina vel sanguines non
est latinum; sed quia graece positum
est pluraliter, maluit ille qui inter-
pretabatur, sic ponere, et quasi mi-
nus latine loqui secundum gramma-
ticos, et tamen explicare veritatem
secundum auditum infirmorum. Ex
14 Latim: ex sanguinibus, no plural. Literalmente: “De sangues”.
lhos de Deus, isto é, a graça de pode-
rem conquistar a graça futura.
Crisóstomo. E como na concessão
desses bens inefáveis, uma parte
cabe a Deus, dar a graça, e outra
parte cabe ao homem, exibir a fé,
acrescenta: àqueles que crêem no seu
nome. Mas por que, ó João, não nos
dizes aqui qual o suplício para aque-
les que não o receberam? Porven-
tura há um suplício maior do que
rejeitar a possibilidade de se tornar
filho de Deus e privar-se a si mesmo
de tão grande honra? Mas além dis-
so, o fogo inextinguível receberá os
incrédulos, como ficará mais claro
adiante.
Agostinho. Crendo, portanto, que
se tornam filhos de Deus e irmãos de
Cristo, cremos também que nascem,
pois, se não nascessem, como pode-
riam tornar-se filhos? Mas os filhos
dos homens nascem da carne e do
sangue, da vontade do homem e da
união conjugal. Porém [João] expli-
ca como nascem [os filhos de Deus]:
não nasceram do sangue,14 do macho
e da fêmea. Dizer sanguina ou san-
guines, no plural, não é correto em
latim; mas como estava assim no tex-
to grego, o tradutor preferiu traduzir
assim para explicar melhor a verda-
de aos ouvidos débeis, embora essa
construção seja menos correta em
latim, segundo os gramáticos. Com
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
sanguinibus enim maris et feminae
homines nascuntur.
Beda. sciendum etiam est, quia in
scripturis sanctis sanguis, cum dicitur
pluraliter, peccatum significare solet;
unde: libera me de sanguinibus.
Augustinus in Ioannem. In eo au-
tem quod sequitur neque ex volun-
tate carnis, neque ex voluntate viri,
carnem pro femina posuit: quia de
costa facta cum esset, adam dixit:
hoc nunc os de ossibus meis, et caro
de carne mea. Ponitur ergo caro pro
uxore quomodo aliquando spiritus
pro marito: quia ille imperare de-
bet, ista servire. Quid enim peius est
domo ubi femina habet imperium
super virum? hi ergo neque ex vo-
luntate carnis, neque ex voluntate
viri, sed ex Deo nati sunt.
Beda. Carnalis enim singulorum
generatio a complexu coniugii duxit
originem: at vero spiritualis spiritus
sancti gratia ministratur.
Chrysostomus. hoc autem narrat
evangelista, ut vilitatem et humi-
litatem prioris partus, qui est per
sanguinem et voluntatem carnis,
addiscentes, et altitudinem secundi,
qui per gratiam et nobilitatem est,
cognoscentes, magnam quamdam
hic suscipiamus intelligentiam et
dignam dono ipsius qui genuit, et
15 Literalmente: dos sangues (lat.: de sanguinibus).
59
efeito, os homens nascem do sangue
do homem e do sangue da mulher.
Beda. Deve saber-se também que
nas Escrituras a palavra “sangue”, no
plural, costuma significar o pecado,
como neste caso: Livrai-me da pena
do sangue15 (Sl 50,16).
Agostinho. Nas palavras seguintes: Super Ioan.,
nem da vontade da carne, nem da tract. 2
vontade do homem, “carne” significa a
mulher, pois, quando foi feita da cos-
tela, Adão disse: Eis aqui agora o osso
de meus ossos e a carne da minha carne
(Gn 2,23). Portanto, a carne signifi-
ca a esposa, assim como o espírito às
vezes significa o marido, pois ele deve
mandar e ela deve obedecer. Que de
pior pode ocorrer a uma família do
que uma mulher que manda em seu
marido? Mas estes não nasceram da
vontade da carne, nem da vontade do
homem, mas de Deus.
Beda. A geração carnal de todos os In Evang. S.
Ioan.
homens procede da união conjugal,
mas a [geração] espiritual se dá por
uma graça do Espírito Santo.
Crisóstomo. O evangelista diz essas Homil. in
Ioan., 9
coisas para que, reconhecendo a bai-
xeza e pequenez do primeiro nasci-
mento, que se dá pelo sangue e pela
vontade da carne, e conhecendo a su-
blimidade do segundo [nascimento],
que se dá pela graça e pela nobreza,
tenhamos um entendimento pro-
fundo e digno do dom daquele que
 60 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
multum post hoc studium demons-
tremus.
Super Ioan., Augustinus. Cum dixisset ex Deo
tract. 2 nati sunt, quasi ne miraremur et
horreremus tantam gratiam, et no-
bis incredibile videretur, quia ho-
mines ex Deo nati sunt; quasi secu-
ritatem faciens, ait et verbum caro
factum est. Quid ergo miraris quia
homines ex Deo nascuntur? attende
ipsum Deum ex hominibus natum.
Homil. in Chrysostomus. vel aliter. Cum di-
Ioan., 10 xisset quoniam ex Deo nati sunt
qui susceperunt eum, huius hono-
ris posuit causam, hoc scilicet ver-
bum fieri carnem: factus est enim
proprius filius Dei hominis filius,
ut filius hominum faciat filios Dei.
Cum autem audieris quoniam ver-
bum caro factum est, ne turberis:
neque enim substantiam convertit
in carnem; hoc enim vere impium
est intelligere; sed manens quod est,
servi formam assumpsit. Quia enim
sunt qui dicunt, quoniam phantas-
mata quaedam fuerint omnia quae
incarnationis sunt; eorum blasphe-
miam destruens, hanc dictionem
factum est posuit, non transmuta-
tionem substantiae, sed carnis verae
assumptionem repraesentare volens.
Si vero dixerint: quoniam deus om-
nipotens est, quare et in carnem
transmutari non potuit? dicemus
quod transmutari ab illa incommu-
tabili natura omnino procul est.
nos gerou, e apliquemos por isso um
grande esforço [na vida espiritual].
Agostinho. Como dissera que nasce-
mos de Deus, para que não ficássemos
espantados e chocados, e para que ta-
manha graça – os homens nascerem de
Deus – não nos parecesse improvável,
para nos dar segurança, diz: E o Verbo
se fez carne. Por que te espantas de que
homens nasçam de Deus? Vê que o
próprio Deus nasceu dos homens.
Crisóstomo. Ou então, como dis-
sera que nasceram de Deus os que o
receberam, põe a causa dessa honra,
isto é, porque o Verbo se fez carne.
Com efeito, o Filho próprio de Deus
se fez Filho do homem, para que os
filhos dos homens se fizessem filhos
de Deus. Quando ouvires que o Ver-
bo se fez carne, não te perturbes, pois
ele não converteu a substância [di-
vina] em carne – entender as coisas
assim é uma tremenda impiedade –,
mas, permanecendo o que é, assumiu
a forma de servo. Porém como há al-
guns que dizem que todas as coisas
relativas à encarnação são meras apa-
rências, para destruir essa blasfêmia,
usou as palavras “se fez” para indicar,
não uma mudança de substância,
mas a assunção de uma carne verda-
deira. Mas se dizem: “Como Deus
é onipotente, por que não poderia
transformar-se em carne?”, respon-
demos que qualquer transformação
é absolutamente impossível àquela
natureza imutável.
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
Augustinus. Sicut autem verbum
nostrum vox quodammodo corporis
fit assumendo eam in qua manifesta-
tur sensibus hominum, sic verbum
Dei caro factum est, assumendo eam
in qua et ipsum manifestaretur sensi-
bus hominum. Et sicut verbum nos-
trum fit vox, nec mutatur in vocem,
ita verbum Dei caro quidem factum
est; sed absit ut mutaretur in carnem:
assumendo quippe illam, non in eam
se consumendo, et hoc nostrum vox
fit, et illud caro factum est.
Ex gestis concilii ephesini. Sermo
etiam quem proferimus, quo in alte-
rutris locutionibus utimur, sermo est
incorporeus, non aspectui subiectus,
non tactu tractabilis; sed cum sermo
induerit litteras et elementa, visibilis
fit, aspectu comprehenditur, tactu
tractatur, sic et verbum Dei, quod
naturaliter invisibile est, visibile fit;
et quod natura incorporeum est, in-
venitur esse tractabile.
Alcuinus. Cum etiam credamus
animam incorpoream corpori co-
niungi, ut ex his duobus fiat unus
homo, facilius possumus credere
divinam substantiam incorpore-
am animae in corpore coniungi in
unionem personae; ita ut verbum
in carnem non sit conversum, nec
61
Agostinho. Assim como o nosso verbo De Trin., 15,
[mental] se torna uma palavra corporal 11
audível ao assumir [uma voz] que ma-
nifeste o [verbo mental] aos sentidos
humanos, assim também o Verbo de
Deus se fez carne, assumindo [a carne]
mediante a qual se manifesta aos sen-
tidos humanos. E assim como nosso
verbo quando se faz palavra audível,
não se transforma ele mesmo em pala-
vra audível, assim também o Verbo de
Deus se fez carne, sem que, Deus tal
não permita, se transformasse em car-
ne. Tanto nossa palavra audível como a
encarnação do Verbo se dão mediante
a assunção de outra coisa sem que haja
dissolução nessa outra coisa.
Atas do Concílio de Éfeso. As pala-
vras que proferimos, que utilizamos
em nossas conversas, também são pa-
lavras incorpóreas não sujeitas à visão
nem ao tato. Mas quando as palavras
se revestem de letras e signos exterio-
res tornam-se visíveis, são percebidas
pela visão e pelo tato. Assim também
o Verbo de Deus, que é por natureza
invisível, tornou-se visível, e aquele
que é por natureza incorpóreo pôde
ser tocado.
Alcuíno. Como também cremos que
a alma incorpórea se une ao corpo, e
dessas duas coisas faz-se um só ho-
mem, podemos crer facilmente que a
substância divina incorpórea se uniu
no corpo à alma, na unidade de uma
só pessoa, de tal modo que nem o
Verbo se converteu em carne, nem a
 62 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
caro in verbum; cum nec corpus in
animam, nec anima convertatur in
corpus.
Enar. in Theophylactus. Apollinarius autem
Evang. Ioan. laodicensis in hoc verbo haeresim
statuit: dicebat enim, quod Christus
animam rationalem non habuit sed
tantum carnem; habens divinitatem
pro anima, quae corpus dirigit et
gubernat.
Contra Serm. Augustinus. si autem moventur in
Arian., 9 eo quod scriptum est, quod verbum
caro factum est, nec ibi anima nomi-
natur; intelligant carnem pro homine
positam, a parte totum, figuratae lo-
cutionis modo, sicuti est: ad te omnis
caro veniet; item quod ex operibus
legis non iustificabitur omnis caro;
quod apertius alio loco dicitur: non
iustificabitur homo ex operibus le-
gis. Sic itaque dictum est verbum
caro factum est; ac si diceret: verbum
homo factum est.
Enar. in Theophylactus. evangelista volens
Evang. Ioan. ostendere inenarrabilem Dei con-
descensum, carnem commemorat,
ut illius admiremur misericordiam,
quoniam propter nostram salutem
quod omnino remotum et distans
est ab eius natura, assumpsit, scili-
cet carnem; anima namque habet
aliquam propinquitatem ad Deum.
Si autem verbum incarnatum est, et
humanam animam non assumpsit;
sequeretur quod adhuc animae nos-
carne, no Verbo, pois nem o corpo se
converte em alma, nem a alma, em
corpo.
Teofilacto. Apolinário de Laodicéia
criou uma heresia a partir dessa com-
paração. Dizia que Cristo não pos-
suía uma alma racional, mas somente
um corpo, e que a divindade tomava
nele o lugar da alma, dirigindo e go-
vernando o corpo.
Agostinho. Se nos objetam, dizen-
do: “Está escrito que o Verbo se fez
carne, sem se fazer menção da alma”,
dizemos que “carne” foi posta aqui
no lugar de “homem”, a parte pelo
todo, a modo de um discurso figu-
rado, assim como nestes exemplos:
A ti virá toda carne (Sl 64,3); porque
nenhuma carne será justificada pelas
obras da lei (Gl 2,16). O que Paulo
diz um pouco antes deixa claro o sen-
tido de “carne”: O homem não se jus-
tifica pelas obras (Gl 2,16). Portanto,
[João] disse que o Verbo se fez carne
como se dissesse que o Verbo se fez
homem.
Teofilacto. O evangelista, querendo
mostrar a inefável condescendência
de Deus, menciona a carne, para
que admiremos sua misericórdia,
pois por nossa salvação assumiu algo
que está absolutamente distante de
sua natureza, a carne (com efeito,
a alma possui alguma proximidade
com Deus). Mas se o Verbo se tivesse
encarnado e não assumido uma alma
humana, então se seguiria que nossas
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
trae curatae non essent: quod enim
non assumpsit, non sanctificavit. Et
qualis derisio, cum anima prius pec-
caverit, ut carnem assumendo sanc-
tificaverit, id quod est principalius
infirmum reliquerit? subvertitur ex
hoc dicto nestorius, qui dicebat quod
non deus verbum ipse idem factus est
homo ex sacro conceptus sanguine
virginis; sed virgo peperit hominem
qui omnis virtutis dotatus erat specie,
et Dei verbum illi erat coniunctum:
et ex hoc duos filios asserebat: unum
natum de virgine, scilicet hominem;
alterum de Deo, scilicet Dei filium,
homini illi coniunctum secundum
gratiae habitudinem et amorem.
Contra quem evangelista dixit, quod
ipsum verbum factum est homo, non
quod verbum inveniens hominem
virtuosum, se sibi coniunxerit.
Cyrillus. Carnem enim animatam
anima rationali uniens verbum sibi
secundum subsistentiam, ineffabiliter
et inintelligibiliter factus est homo,
et appellatus est filius hominis, non
secundum voluntatem solam aut be-
neplacitum, sed neque in assumptio-
ne personae solius. Diversae quidem
quoad unionem collatae naturae;
unus autem ex ambabus Christus et
filius; non quasi differentia naturarum
interempta propter adunationem.
Theophylactus. addiscimus ergo
per hoc quod dicitur verbum caro
factum est, quia ipsum verbum est
63
almas não foram ainda curadas, pois
aquilo que não assumiu, não santifi-
cou. Como foi a alma que pecou pri-
meiro, seria ridículo se santificasse a
carne assumindo-a, e deixasse de lado
aquilo que está mais enfermo. Des-
trói-se assim as palavras de Nestório,
que dizia que não foi Deus Verbo
que se fez homem e foi concebido do
sagrado sangue da Virgem, mas dizia
que a Virgem deu à luz um homem
dotado de todas as virtudes, ao qual
estava unido o Verbo de Deus. Desse
modo afirmava existirem dois filhos:
um nascido da Virgem, isto é, o ho-
mem, e outro nascido de Deus, isto
é, o Filho de Deus, que estava unido
ao homem pela graça e pelo amor.
Contra isso diz o evangelista que o
próprio Verbo se fez homem, e não
que o Verbo encontrou um homem
virtuoso com o qual se uniu.
Cirilo. O Verbo, unindo a si de modo Ad Nest.
epist., 8
subsistente uma carne animada por
uma alma racional, fez-se homem
de modo inefável e incompreensí-
vel e foi chamado Filho do homem,
não por se unir à vontade ou bene-
plácito humanos, nem por assumir
uma pessoa. Na união [hipostática],
juntaram-se duas naturezas distintas,
e da união de ambas resultou um só
Cristo e Filho, sem que a junção des-
truísse a distinção das naturezas.
Teofilacto. As palavras: o Verbo se Enar. in
fez carne ensinam-nos que o próprio Evang. Ioan.
Verbo é homem, e, sendo o Filho de
 64 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
homo, et filius Dei existens factus
est filius mulieris; quae principaliter
Dei genitrix nuncupatur, tamquam
Deum in carne genuerit.
De Trin., 10 Hilarius. quidam autem volentes
unigenitum Deum, qui in princi-
pio apud Deum erat deus verbum,
non substantivum Deum esse, sed
sermonem vocis emissae, ut quod
loquentibus verbum suum, hoc sit
patri Deo filius, argute subrepere
volunt, ne subsistens verbum deus,
et manens in forma Dei Christus
homo natus sit: ut cum hominem
illum humanae potius originis cau-
sa quam spiritualis conceptionis
sacramentum animaverit, non deus
verbum hominem se ex partu vir-
ginis efficiens extiterit; sed, ut in
prophetis spiritus prophetiae, ita in
iesu verbum Dei fuerit. et arguere
nos solent, quod Christum dica-
mus esse natum non nostri corporis
atque animae hominem, cum nos
verbum carnem factum, nostrae si-
militudinis natum hominem prae-
dicemus, ut vere Dei filius vere filius
hominis natus sit; et ut per se sibi
assumpsit ex virgine corpus, ita ex se
sibi animam assumpsit; quae utique
ab homine numquam gignentium
originibus praebetur: et cum ipse
ille filius hominis sit, quam ridicule
praeter Dei filium, qui verbum caro
factum est, alium nescio quem tam-
quam prophetam verbo Dei anima-
Deus, fez-se filho de uma mulher,
que é chamada de Mãe de Deus por-
que gerou Deus na carne.
Hilário. Alguns afirmam que o
Deus Unigênito, que no princípio
era Deus Verbo junto de Deus, não
é Deus subsistente, mas apenas a pa-
lavra emitida pela voz, de tal modo
que o Filho é para Deus Pai o mesmo
que são as palavras para quem fala.
Astuciosamente querem negar que
o Verbo seja Deus subsistente e que,
permanecendo na forma de Deus,
nasceu como o homem Cristo. Con-
siderando a origem humana mais do
que o mistério da geração espiritual,
dizem que Deus Verbo não se fez ho-
mem pelo parto virginal, mas, assim
como o espírito da profecia esteve
nos profetas, assim também o Verbo
de Deus esteve em Jesus. Costumam
acusar-nos de dizermos que Cristo
não nasceu com um corpo e uma
alma como nós, quando na verdade
pregamos que o Verbo se fez carne e
nasceu como homem à nossa seme-
lhança, de tal modo que nasceu como
verdadeiro Filho de Deus e Filho do
homem, e assim como tomou da vir-
gem um corpo por si mesmo, assim
também assumiu para si uma alma,
que não é criada pelo homem na ge-
ração. E como ele mesmo é o Filho
do homem, quão ridículo seria pre-
garmos que além do Filho de Deus
que se fez carne existe outra pessoa,
um profeta inspirado pelo Verbo de
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
tum praedicabimus, cum dominus
iesus Christus et Dei filius et homi-
nis filius sit?
Chrysostomus. Ne autem ab eo quod
dictum est verbum caro factum est,
inconvenienter suspiceris versionem
illius incorruptibilis naturae, subdit
et habitavit in nobis. Quod enim ha-
bitat, non idem est cum habitaculo,
sed aliud: aliud autem dico secundum
naturam: unione vero et copulatione
unum est deus verbum caro, neque
confusione facta, neque destructione
substantiarum.
Alcuinus. Vel habitavit in nobis,
idest inter homines conversatus est.
Chrysostomus. cum dixisset, quod
filii Dei facti sumus, et non aliter
quam per hoc quod verbum caro
factum est; rursus ipsius dicit et
aliud lucrum et vidimus gloriam
eius: quam utique non vidissemus,
nisi per consortium humanitatis vi-
sus esset nobis. Si enim moysi non
sustinuerunt faciem glorificatam
videre, sed velamine opus fuit; qua-
liter divinitatem nudam existentem,
inaccessibilem etiam ipsis superiori-
bus virtutibus, nos lutei et terrestres
sufferre possemus?
Augustinus. vel aliter. Verbum caro
factum est, et habitavit in nobis,
ista nativitate collyrium fecit, unde
tergerentur oculi nostri, ut possi-
mus videre maiestatem eius per eius
65
Deus, uma vez que o Senhor Jesus
Cristo é tanto Filho de Deus como
Filho do homem!
Crisóstomo. Para que as palavras: o Homil. in
Verbo se fez carne não te levassem a pen- Ioan., 10
sar que a natureza incorruptível foi mu-
dada, acrescenta: e habitou em nós, pois
aquilo que habita não é o mesmo que
o habitáculo, mas algo diverso. Digo
“algo diverso” segundo a natureza, pois
pela união e junção [das naturezas] o
Deus Verbo que se fez carne é um só,
sem que haja confusão [de naturezas],
nem a destruição das substâncias.
Alcuíno. Ou, habitou em nós, isto é,
conviveu entre os homens.
Crisóstomo. Como disse que nos Homil. in
tornamos filhos de Deus, e não por Ioan., 11
outra razão senão porque o Verbo se
fez carne, menciona-nos outro be-
nefício [da encarnação]: e nós vimos
a sua glória, a qual não veríamos de
todo a menos que se tornasse visível a
nós por se unir à humanidade. Com
efeito, se [os judeus] não agüentaram
ver a face glorificada de Moisés, mas
precisaram [colocar-lhe] um véu,
como poderíamos nós, seres terrenos
e de barro, contemplar a pura divin-
dade, que é inacessível até para as vir-
tudes [angélicas] superiores?
Agostinho. Ou então, o Verbo se fez Super Ioan.,
carne, e habitou entre nós, produzin- tract. 2
do-nos, mediante seu nascimento,
um colírio que purificasse nossos
olhos para que pudéssemos contem-
plar sua majestade mediante a hu-
 66 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
humanitatem; et ideo dicitur et vi-
dimus gloriam eius. Gloriam eius
nemo posset videre, nisi humilitate
carnis sanaretur. Irruerat enim ho-
mini quasi pulvis in oculum de ter-
ra: oculus iste sauciatus erat, et ter-
ra illuc mittitur ut sanetur: caro te
obcaecaverat, caro te sanat. Carnalis
enim anima facta erat, consentien-
do carnalibus affectibus; inde fuerat
oculus cordis caecatus: medicus fe-
cit tibi collyrium, quoniam sic venit
ut de carne vitia carnis extingueret.
Verbum enim caro factum est, ut
possis dicere vidimus gloriam eius.
Homil. in Chrysostomus. Subdit autem, quasi
Ioan., 11 unigeniti a patre: quia multi prophe-
tarum glorificati sunt, puta moyses,
eliseus et alii multi quicumque mi-
racula ostenderunt; sed et angeli ho-
minibus apparentes, et eam quae est
propriae naturae coruscantem lucem
manifestantes, sed et cherubim et se-
raphim cum multa gloria visa sunt
a propheta. Ab omnibus his nos ab-
ducens evangelista, et supra omnem
naturam et conservorum nostrorum
claritatem erigens mentem, ad ipsum
nos perducit verticem; quasi dicat:
non ut prophetae aut alterius homi-
nis, vel angeli, aut archangeli, aut ali-
cuius superiorum virtutum, est gloria
quam vidimus; sed quasi ipsius regis,
ipsius naturalis filii unigeniti.
Moral., 28, 6 Gregorius. In sacro enim eloquio
sicut et quasi aliquando non pro si-
manidade. Por isso diz: e nós vimos
a sua glória. Ninguém poderia ver a
sua glória a menos que fosse cura-
do pela carne humilde. A poeira da
terra invadira o olho do homem. O
olho estava ferido, e a terra foi envia-
da para curá-lo. A carne te cegava, a
carne te curou. A alma tinha-se feito
carnal por consentir aos desejos car-
nais e assim se obscureceu o olho do
coração. O médico preparou-te um
colírio, pois veio para que, na car-
ne, extinguisse os vícios da carne. O
Verbo se fez carne para que pudesses
dizer: vimos a sua glória.
Crisóstomo. E acrescenta: como de
Filho Unigênito do Pai, porque mui-
tos profetas foram glorificados, como
Moisés, Eliseu e muitos outros que
realizaram milagres; também os an-
jos que apareceram aos homens ma-
nifestaram a luz resplandecente de
suas próprias naturezas; e também os
querubins e serafins foram vistos em
grande glória pelos profetas. Mas o
evangelista, apartando-nos de todos
eles e elevando nossa mente acima de
toda a natureza e de toda a clarida-
de de nossos conservos, conduz-nos
à sumidade. É como se dissesse: “A
glória que vimos não é como a dos
profetas ou de qualquer homem, dos
anjos, arcanjos ou das virtudes supe-
riores; mas é a glória do próprio Rei,
do próprio Filho unigênito natural”.
Gregório. Nas Divinas Escrituras,
“como” às vezes não significa seme-
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
militudine ponitur, sed pro veritate;
unde et istud, quasi unigeniti a patre.
Chrysostomus. Ac si diceret: vi-
dimus gloriam qualem decebat, et
conveniens est habere unigenitum et
naturalem filium. Consuetudo enim
multorum, regem valde ornatum vi-
dentium, est ut cum aliis enarrantes
non possunt universalem repraesen-
tare claritatem, hoc inducunt: quid
oportet multa dicere? quasi rex ibat.
Sic et Ioannes dicit vidimus gloriam
eius, gloriam quasi unigeniti a patre.
Angeli enim apparentes ut servi, et
dominum habentes, omnia agebant;
ipse vero ut dominus cum humili
forma apparens. sed et creaturae do-
minum cognoverunt, stella magos
vocans, angeli pastores, puer exultans
in utero: sed et pater testatus est de
caelis, et paraclytus super ipsum ad-
venit; sed et ipsa rerum natura omni
tuba clarius clamavit, quoniam rex
caelorum advenerat: etenim daemo-
nes fugiebant, infirmitatis species
solvebantur, mortuos dimittebant se-
pulchra, et animas a malitia ad virtu-
tis verticem agebat. Quid utique quis
dicat praeceptorum philosophiam,
caelestium legum virtutem, angelicae
urbanitatis bonam ordinationem?
Origenes. Eius autem quod sequi-
tur, plenum gratiae et veritatis, du-
67
lhança, mas realidade, como neste
caso: como de Filho Unigênito do Pai.
Crisóstomo. É como se dissesse: vi- Com. in
mos a glória que lhe convinha, que Matth., 11
convinha ao Filho unigênito e na-
tural. Muitos, quando vêem um rei
muito paramentado e querem con-
tar a outros o que vêem, não conse-
guem descrever todo o seu esplendor
e costumam dizer: “De que adianta
maiores explicações? Andava como
um rei”. De modo similar João diz:
vimos a sua glória, glória como de Fi-
lho Unigênito do Pai. Os anjos faziam
todas as coisas sob a aparência de ser-
vos porque possuíam acima deles um
Senhor, mas [o Verbo] se manifestou
como Senhor numa forma humilde.
As criaturas reconheceram o Senhor,
as estrelas chamaram os magos, os an-
jos e os pastores [o reconheceram], e
um menino exultou no útero. Tam-
bém o Pai deu testemunho dos céus e
o Paráclito desceu sobre ele. A própria
natureza clamava mais claramente
que uma trombeta, dizendo que o Rei
dos céus viera. Por isso os demônios
fugiam, toda sorte de enfermidade era
curada, os mortos saíam dos sepulcros
e as almas eram levadas da malícia ao
cume da virtude. Quem seria capaz
de enunciar a sabedoria de seus pre-
ceitos, a força de suas leis celestes, e o
excelente modo de vida que pregou,
repleto da suavidade angélica?
Orígenes. As palavras seguintes, Homil. 2 in
cheio de graça e de verdade, têm um Ioan.
 68 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
plex intellectus est. Potest enim de
humanitate ac divinitate incarnati
verbi accipi; ita ut plenitudo gratiae
referatur ad humanitatem, secundum
quam Christus caput est ecclesiae et
primogenitus creaturae universae:
quoniam maximum et principale
gratiae exemplum, qua nullis praece-
dentibus meritis homo efficitur deus,
in ipso primordialiter manifestatum
est. potest etiam plenitudo gratiae
Christi de spiritu sancto intelligi,
cuius septiformis operatio humanita-
tem Christi implevit. Plenitudo vero
veritatis ad divinitatem refertur.
Origenes. Si vero plenitudinem gra-
tiae et veritatis de novo testamento
mavis intelligere, non incongrue
pronuntiabis plenitudinem gratiae
novi testamenti esse per Christum
donatam, et legalium symbolorum
veritatem in ipso esse impletam.
Enar. in Theophylactus. vel plenum gratia,
Evang. Ioan. prout eius verbum gratiosum erat,
dicente David: diffusa est gratia in
labiis tuis; et veritate, secundum
quod moyses et prophetae loque-
bantur aut operabantur in figura,
Christus autem cum veritate.
Alcuinus. Dixerat superius fuisse
missum hominem ad perhibendum
testimonium; hic determinat tes-
timonium suum, quod manifeste
praecursor pronuntiavit; unde dici-
tur Ioannes perhibet testimonium
de ipso.
duplo significado. Podem ser enten-
didas com respeito à humanidade ou
à divindade do Verbo encarnado. Se
a plenitude da graça se refere à hu-
manidade, então diz respeito a Cristo
enquanto cabeça da Igreja e primo-
gênito de toda criatura, pois a maior
e principal graça, que faz com que o
homem se torne Deus sem nenhum
mérito precedente, manifestou-se
nele de modo primordial. Podemos
também referir a plenitude da gra-
ça de Cristo ao Espírito Santo, cuja
operação septiforme foi completada
na humanidade de Cristo. Já a pleni-
tude da verdade, podemos referi-la à
divindade.
Orígenes. Se queres referir a pleni-
tude da graça e da verdade ao Novo
testamento, não é inconveniente que
digas que a plenitude da graça do
Novo Testamento foi dada por Cris-
to e que nele se cumpriu a verdade
dos símbolos da Lei.
Teofilacto. Ou, era cheio de graça
porque suas palavras eram graciosas,
como disse Davi: A graça derramou-se
nos teus lábios (Sl 44,3), e de verdade,
pois Moisés e os profetas falavam e
agiam de modo figurado, mas Cristo
de modo verdadeiro.
Alcuíno. Disse acima que fora envia-
do um homem para dar testemunho,
e agora determina qual foi esse tes-
temunho dado claramente pelo pre-
cursor: João dá testemunho dele.
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
Chrysostomus. vel aliter hoc indu-
cit; ac si dicat: non aestimetis quod
nos qui fuimus cum eo multo tem-
pore et mensae ipsius communicavi-
mus, propter gratiam hoc testemur;
quia Ioannes, qui antea eum non
viderat, nec ei commoratus fuerat,
ei testimonium perhibebat. Multo-
ties autem evangelista revolvit eius
testimonium, quia multam admira-
tionem huius viri habebant iudaei.
Et alii quidem evangelistae antiquo-
rum meminerunt prophetarum, di-
centes: hoc factum est ut impleatur
quod dictum est per prophetam; hic
autem altiorem et recentiorem tes-
tem inducit, non intendens a servo
dominatorem facere fide dignum,
sed auditorum imbecillitati con-
descendens. Quemadmodum enim
nisi servi formam assumpsisset, non
ita facile susceptibilis factus esset;
ita nisi servi voce auditum conser-
vorum praeexcitasset, nequaquam
multi iudaeorum verbum Christi
suscepissent. sequitur et clamat;
idest, cum propalatione, cum liber-
tate, sine subtractione omnia prae-
dicat. Non autem a principio dixit,
quoniam hic est filius Dei unigeni-
tus naturalis; sed clamat dicens hic
erat quem dixi: qui post me venit,
ante me factus est, quia prior me
erat. Quemadmodum enim matres
avium, non confestim pullos suos
69
Crisóstomo. Ou então, acrescenta Com. in
Matth., 12
isso como se dissesse: “Não penses
que nós, que estivemos muito tempo
com ele e comemos à sua mesa, da-
mos testemunho dele por espírito de
agradecimento, pois João, que nunca
o tinha visto antes nem convivido
com ele, dava testemunho dele”. O
evangelista muitas vezes recorda o
testemunho de João porque os ju-
deus tinham grande admiração por
esse homem. Os outros evangelistas
costumavam mencionar os antigos
profetas, dizendo: “Isso aconteceu
para que se cumprisse o dito pelo
profeta...”; mas João apresenta uma
testemunha mais elevada e recente,
não porque quisesse mostrar a auten-
ticidade do Senhor mediante o servo,
mas o fez para condescender com a
fraqueza dos ouvintes. Assim como
se não tivesse assumido a forma de
servo, não seria facilmente recebido
[pelos homens], assim também, se a
voz de um servo não tivesse estimula-
do os ouvidos dos conservos, muitos
judeus não teriam recebido a palavra
de Cristo. Diz em seguida: e clama,
isto é, fala de modo manifesto, com
liberdade e sem esconder nada do
que prega. Mas não disse desde o
princípio que [Jesus] é o Filho natu-
ral e unigênito de Deus, mas clama
dizendo: “Este era aquele de quem eu
disse: O que há de vir depois de mim,
é mais do que eu, porque existia an-
tes de mim”. Assim como as aves não
ensinam imediatamente o vôo aos
 70 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
volationem docent; sed primo qui-
dem extra nidum educunt, postea
vero aliam multo velociorem vola-
tionem apponunt; sic et Ioannes non
confestim iudaeos ad alta duxit, sed
interim paululum a terra eos evolare
docuit, dicens, quod Christus melior
eo erat; quod non parum interim
erat. et vide qualiter sapienter inducit
testimonium: non enim solum appa-
rentem Christum monstrat; sed et
antequam apparuisset eum praedicat;
quod significatur in hoc quod dicit
hic erat de quo dixi. hoc autem fecit
ut facile susceptibilis esset Christus,
hominum mente iam praedetenta ab
aliis quae de eo dicta erant, et nihil
ad hoc humilitas habitus noceret. Ita
enim humili et communi omnibus
forma Christus utebatur, ut si simul
et verba haec audissent de eo, et eum
considerassent, Ioannis testimonium
derisissent.
Enar. in Theophylactus. dicit autem qui post
Evang. Ioan.
me venit, videlicet secundum tem-
pora nativitatis: sex enim mensibus
prior Christo Ioannes erat secundum
humanitatem.
Com. in Chrysostomus. Vel hoc non dicit
Matth., 13 de ea generatione quae est ex maria:
iam enim natus erat Christus quan-
do haec a Ioanne dicebantur; sed de
adventu eius ad praedicationem. Di-
cit autem ante me factus est; idest,
clarior est et honorabilior; ac si di-
cat: non quia prior veni ad praedi-
filhotes, mas primeiro os tiram do
ninho e depois lhes ensinam um vôo
mais veloz, assim também João não
expôs de imediato aos judeus coisas
muito profundas, mas primeiro fez
com que se elevassem um pouco da
terra, dizendo que Cristo era melhor
do que ele, o que naquele momento
não era pouca coisa. E nota como dá
seu testemunho com sabedoria: não
só aponta para o Cristo presente,
mas já o apregoava antes que apare-
cesse. Isso é indicado pelas palavras:
Este era aquele de quem eu disse. Fez
assim para que Cristo fosse mais
facilmente recebido, porque como
a mente dos homens estivesse aten-
ta ao que dele foi dito, a aparência
humildade não impediria [que o re-
cebessem]. Com efeito, Cristo apre-
sentava uma aparência tão humilde
e comum que, se não ouvissem essas
palavras antes de vê-lo, zombariam
do testemunho de João.
Teofilacto. O que há de vir depois de
mim, isto é, segundo a ordem tempo-
ral dos nascimentos, pois segundo a
natureza humana, João era seis meses
mais velho que Cristo.
Crisóstomo. Ou, essas palavras não
se referem ao seu nascimento de
Maria, pois Cristo já havia nascido
quando João dizia essas coisas; mas
se referem a seu advento como prega-
dor. Diz que existia antes de mim, isto
é, existia com maior glória e honra.
É como se dissesse: “Não penses que
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
candum, ex hoc maiorem me esse
illo existimetis.
Theophylactus. Ariani vero hanc
litteram sic exponunt, volentes os-
tendere quod Dei filius non est a
patre genitus, sed factus, sicut una
alia creatura.
Augustinus. Non ergo intelligitur:
factus est antequam ego essem fac-
tus; sed antepositus est mihi.
Chrysostomus. Si autem quod dici-
tur ante me factus est, de productio-
ne ad esse intelligeretur, superfluum
esset quod additur quia prior me
erat. Quis enim est ita insipiens ut
ignoret quoniam ex quo ante eum
factus est, prior eo erat? aliter autem
e contrario oporteret dicere, scilicet:
prior me erat, quia ante me factus
est. Ergo quod dicit ante me factus
est, de honore intelligitur: hoc enim
quod futurum erat, factum dicit,
quia consuetudo erat antiquorum
prophetarum de futuris quasi de
iam praeteritis loqui.
Origenes. sermo iste in persona
baptistae de Christo testantis prola-
tus est; quod plurimos fallit, ex hic
usque illuc ille enarravit, credentes
in persona Ioannis apostoli recita-
ri, inconsequens autem est putare,
16 O verbo latino factus est e o verbo grego γέγονεν podem ser interpretados como “foi feito” ou
“veio a ser”.
71
sou maior que ele porque vim para
pregar antes dele”.
Teofilacto. Os arianos explicam essa Enar. in
passagem querendo demonstrar que o Evang. Ioan.
Filho de Deus não foi gerado pelo Pai,
mas foi feito como uma criatura.16
Agostinho. Portanto, não se inter- Super Ioan.,
tract. 3
prete assim: “Foi feito antes que eu
fosse feito”, mas: “Ele precede-me”.
Crisóstomo. Se interpretamos a ex- Com. in
pressão ante me factus est como refe- Matth., 13
rente ao aparecimento na existência,
seria supérfluo acrescentar: porque
existia antes de mim. Quem é tão ig-
norante que não perceba que, se [o
Verbo] foi feito antes [de João], exis-
tiria necessariamente antes dele? Se é
isso que queria dizer, deveria ter dito
nesta ordem: existia antes de mim
porque foi feito antes de mim. Por-
tanto, a frase ante me factus est deve
ser entendida quanto à dignidade.
Aquilo que havia de se manifestar no
futuro é relatado como já feito, por-
que era costume dos antigos profetas
falar das coisas futuras como se já ti-
vessem acontecido.
Orígenes. Essas palavras foram ditas
por João Batista, que dava testemu-
nho de Cristo. Muitos se enganam,
pensando que as palavras dos versícu-
los 16 a 18 foram ditas pelo apóstolo
João, e não percebem que é incon-
gruente que as palavras do apóstolo
 72 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
subito et quasi intempestive inter-
rumpi baptistae sermonem ex verbo
discipuli; et cuique scienti percipere
dictorum collationem, in propatulo
constat series dicti; dixerat enim ob
hoc ante me factus est, qui prior me
erat. Ex hoc autem coniecto prio-
rem me fore, quod ex eius plenitudi-
ne ego quidem, et ante me prophe-
tae accepimus gratiam secundam
pro prima. pertigerunt enim et illi
post figuras per spiritum ad veritatis
speculationem. Hinc etiam perpen-
dimus ex plenitudine eius accipien-
tes, legem quidem per moysen fore
datam, gratiam autem et veritatem
per iesum Christum, nedum fore
datam, sed factam; patre quidem
legem dante per moysen, gratiam et
veritatem faciente per iesum. Sed si
iesus est qui dicit: ego sum veritas,
quomodo veritas fit per iesum? sed
intelligendum est, quod ipsa veritas
substantialis (ex qua prima veritate
et eius imagine sculptae sunt mul-
tae veritates in his qui veritatem
tractant) nequaquam per iesum
Christum facta est, nec prorsus per
aliquem; sed veritas, puta quae con-
sistit in paulo et apostolis, per iesum
Christum facta est.
Com. in Chrysostomus. Vel aliter. Coniun-
Matth., 13
git hic testimonio Ioannis baptistae
suum testimonium Ioannes evange-
lista, dicens et de plenitudine eius
nos omnes accepimus. Non prae-
cursoris est verbum, sed discipuli;
interrompam de maneira súbita e
quase intempestiva o discurso do
Batista. Quem consegue perceber a
unidade das palavras, vê claramente a
ordenação lógica do que é dito. Com
efeito, dissera que ‘aquele que existia
antes de mim era mais do que eu. Sei
que existia antes de mim porque de
sua plenitude eu e todos os profetas
antes de mim recebemos a segunda
graça sobre a primeira. O Espíri-
to os conduziu mediante imagens
à contemplação da verdade. Tendo
participado de sua plenitude, enten-
demos que a lei foi dada por Moisés,
enquanto a graça e a verdade foram
criadas, não simplesmente dadas, por
Jesus Cristo. O Pai deu a lei median-
te Moisés, mas criou a graça e a ver-
dade por Jesus Cristo’. Mas se Jesus
diz: Eu sou a verdade (Jo 14,6), como
a verdade pôde ter sido feita por ele?
Entenda-se que a Verdade substancial
(a partir dessa verdade primeira e à
sua imagem esculpiram-se na mente
dos que investigaram a verdade mui-
tas outras verdades) não foi de modo
algum feita por Jesus Cristo, nem por
ninguém. Mas a verdade que existia
em Paulo ou nos outros apóstolos,
esta sim, foi feita por Jesus Cristo.
Crisóstomo. Ou então, o Evangelis-
ta João acrescenta seu próprio teste-
munho ao testemunho de João Batis-
ta, dizendo que todos nós participamos
de sua plenitude. Essas não são pala-
vras do precursor, mas do discípulo.
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
quasi dicat: etiam nos omnes duo-
decim, et omnis plenitudo fidelium,
et qui nunc sunt, et futurorum, de
plenitudine eius accepimus.
Augustinus in Ioannem. Quid au-
tem accepistis? et gratiam pro gratia:
ut nescio quid nos voluerit intelli-
gere de plenitudine eius accepisse,
et insuper gratiam pro gratia: ac-
cepimus enim de plenitudine eius
primo gratiam, et rursus accepimus
gratiam pro gratia. Quam gratiam
primo accepimus? fidem. Vocatur
enim gratia, quia gratis datur. Hanc
ergo accepit gratiam primam pecca-
tor, ut eius peccata dimitterentur; et
iterum gratiam pro gratia; idest, pro
hac gratia in qua ex fide vivimus,
recepturi sumus aliam, idest vitam
aeternam: vita enim aeterna quasi
merces est fidei: sed quia ipsa fides
gratia est, vita aeterna gratia est pro
gratia. non erat ista gratia in veteri
testamento: quia lex minabatur, non
opitulabatur; iubebat, non sanabat:
languorem ostendebat, non aufere-
bat, sed praeparabat medico venturo
cum gratia et veritate; unde sequitur
quia lex per moysen data est; gratia
et veritas per iesum Christum facta
est. mortem enim temporalem et
aeternam occidit mors domini tui:
ipsa est gratia quae promissa et non
habita erat in lege.
Chrysostomus. vel accepimus gra-
tiam pro gratia; idest, pro veteri
73
É como se dissesse: “Também todos
nós, os doze [apóstolos], e todos os
fiéis, presentes e futuros, participa-
mos de sua plenitude”.
Agostinho. O que recebestes? Graça Super Ioan.,
sobre graça. Recebemos algo de sua ple- tract. 3
nitude e depois recebemos graça sobre
graça. O que primeiro recebemos de
sua plenitude é a graça [primeira], e
depois recebemos [outra] graça sobre a
graça [primeira]. Que graça recebemos
primeiro? A fé, que é chamada de gra-
ça porque é dada de graça. Portanto,
o pecador recebeu essa primeira graça
para que seus pecados fossem perdo-
ados. E depois [recebeu] graça sobre
graça, isto é, além dessa graça que nos
faz viver pela fé, receberemos outra
graça, a vida eterna. Com efeito, a vida
eterna é como uma recompensa pela
fé, mas como a fé também já é uma
graça, a vida eterna é graça sobre graça.
Essa graça não existia no Velho Testa-
mento, porque a Lei ameaçava, mas
não ajudava; ordenava, mas não cura-
va; mostrava a enfermidade, mas não
a removia; contudo, preparava [os ho-
mens] para o futuro advento do médi-
co que traria a graça e a verdade. Por
isso continua, dizendo: porque a lei foi
dada por Moisés, mas a graça e a verdade
foi trazida por Jesus Cristo. A morte de
teu Senhor matou a morte temporal e
eterna. Eis a graça que foi prometida
na Lei, mas que nela não foi realizada.
Crisóstomo. Ou, recebemos graça so- Com. in
bre graça, isto é, sobre a antiga [gra- Matth., 13
74 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
novam. Sicut enim est iustitia et
iustitia, adoptio et adoptio, cir-
cumcisio et circumcisio, ita gratia
et gratia; sed illa quidem ut typus,
haec vero ut veritas. Hoc autem in-
duxit, ostendens quoniam et iudaei
gratia salvabantur, sed et nos omnes
gratia salvi sumus: misericordiae au-
tem et gratiae fuit legem suscipere.
propterea cum dixisset gratiam pro
gratia, ostendens magnitudinem eo-
rum quae data sunt, subdit quia lex
per moysen data est, gratia et veri-
tas per iesum Christum facta est. Et
supra quidem Ioannes ad seipsum
comparans Christum, ait ante me
factus est: hic autem evangelista ad
eum qui illo tempore magis in ad-
miratione apud iudaeos erat quam
Ioannes, Christi comparationem fa-
cit, scilicet ad moysen. Et considera
prudentiam. Non personarum, sed
rerum comparationem facit, gra-
tiam et veritatem legi opponens; et
huic addit data est, quod ministran-
tis erat; huic autem facta est, quod
est regis cum potestate omnia ope-
rantis: cum gratia quidem, quia cum
potestate omnia dimittebat peccata.
Et gratiam quidem eius baptismatis
donum, et adoptio quae per spiri-
tum nobis datur, et alia multa os-
tendunt: veritatem autem plenius
sciemus si figuras veteris legis didi-
cerimus: ea enim quae in novo tes-
17 Latim: facta est. Grego: ἐγένετο.
ça], recebemos a nova. Assim como
existem duas justiças, duas adoções,
duas circuncisões, assim também
duas graças. A primeira é uma ima-
gem; a segunda é a verdade. Diz isso
para mostrar que não só os judeus são
salvos pela graça, mas também nós
todos somos salvos pela graça. Re-
ceber a lei também era uma miseri-
córdia e uma graça. Por isso, ao dizer
graça sobre graça, mostrando assim a
grandeza do que foi dado, acrescenta:
porque a lei foi dada por Moisés, mas a
graça e a verdade foi trazida por Jesus
Cristo. Um pouco acima João Batista
se compara a Cristo e diz: existia an-
tes de mim. Agora o evangelista com-
para Cristo a Moisés, que naquele
tempo era mais respeitado pelos ju-
deus do que João. Nota a prudência
[do evangelista], que não comparou
pessoas, mas coisas, opondo a graça
e a verdade à lei. E acrescenta que
[a lei] foi trazida, o que é próprio de
um ministro, mas [a graça] foi pro-
duzida,17 o que é próprio de um rei
que possui o poder de realizar todas
as coisas, pois Cristo perdoava os pe-
cados por seu próprio poder. O dom
do batismo, a adoção do Espírito que
nos é dada, e muitas outras coisas
manifestam a sua graça. O que sig-
nifica a verdade, entendemo-lo mais
plenamente se conhecemos as figuras
da velha Lei. As coisas que haviam de
ser realizadas no Novo Testamento,
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
tamento perficienda erant, in veteri
testamento figurae praescripserunt,
quas Christus veniens adimplevit.
unde figura data est per moysen, ve-
ritas per Christum facta est.
Augustinus. Vel gratiam referamus
ad scientiam, veritatem ad sapien-
tiam: in rebus enim per tempus or-
tis illa summa gratia est, quod homo
in unitate personae coniunctus est
Deo: in rebus vero aeternis summa
veritas recte tribuitur Dei verbo.
Origenes. Incongrue heracleon as-
serit hoc promulgatum fuisse non
a baptista, sed a discipulo: nam si
illud de plenitudine eius nos omnes
accepimus, a baptista prolatum est,
quomodo non est sequens, ipsum
de gratia Christi suscipientem, et
secundam pro prima gratia, confi-
tentemque, legem per moysen fore
traditam, gratiam vero et veritatem
per iesum Christum prodiisse; in-
tellexisse qualiter Deum nemo vi-
dit unquam, quodque unigenitus,
cum in patris gremio requiescat,
interpretationem ipsi Ioanni, nec
non omnibus his qui de perfectione
gustaverint, concesserit? non enim
nunc primitus annuntiavit: nam
priusquam abraham fieret, docet
nos abraham exultasse, ut videret
eius gloriam.
Chrysostomus. Vel aliter. Evange-
lista ostendens multam eminentiam
donorum Christi ad ea quae per
75
estavam representadas nas figuras do
Velho Testamento, que Cristo cum-
priu mediante seu advento. Assim, as
figuras foram dadas por Moisés, e a
verdade foi realizada por Cristo.
Agostinho. Ou, referimos a graça à De Trin., 19,
ciência, e a verdade à sabedoria. No 19
âmbito das coisas que surgem no
tempo, a graça mais sublime é que
um homem se una a Deus na unida-
de de uma pessoa. Já no âmbito das
coisas eternas, a suma verdade é atri-
buída ao Verbo de Deus.
Orígenes. Heraclião é incoerente ao
afirmar que essas palavras não foram
ditas pelo Batista, mas pelo Apóstolo.
Com efeito, se as palavras todos nós
participamos de sua plenitude foram
ditas pelo Batista, como então não
seriam dele as afirmações seguintes:
que recebeu de Cristo a graça, e uma
segunda graça depois da primeira, e
que a lei foi dada por Moisés, enquan-
to a graça e a verdade se manifesta-
ram por Jesus Cristo, e que ninguém
jamais viu a Deus, e que o Unigênito,
que repousa no seio do Pai, deu-o a
conhecer ao próprio João e a todos
os que experimentaram a perfeição?
Com efeito, [João Batista] não foi o
primeiro a anunciar essas coisas, pois
[a Escritura] nos diz que antes dele
Abraão exultou por poder contem-
plar a glória [de Cristo] (Jo 8,56).
Crisóstomo. Ou então, o evangelis- Homil. in
ta, mostrando a superioridade dos Ioan., 14
dons de Cristo em comparação com
 76 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
moysen dispensata sunt, vult de re-
liquo causam rationalem differen-
tiae dicere: nam ille quidem famulus
existens, minorum rerum factus est
minister; hic vero dominator et re-
gis filius existens, multo maiora no-
bis attulit coexistens semper patri, et
videns eum: propter hoc ita intulit,
dicens Deum nemo vidit unquam.
Ad paul. Augustinus. quid ergo est quod ia-
epist., 110, 4 cob dicit: vidi dominum facie ad
faciem; et quod de moyse scriptum:
quia loquebatur cum Deo facie ad
faciem; et illud quod propheta Isaias
loquens de seipso ait: vidi dominum
sabaoth sedentem in throno?
Moral., 18, Gregorius. Sed patenter datur in-
28 telligi quod quamdiu hic mortaliter
vivitur, videri per quasdam imagines
potest deus; sed per ipsam naturae
suae speciem non potest; ut anima
gratia spiritus afflata, per figuras
quasdam Deum videat; sed ad ip-
sam vim eius essentiae non pertin-
gat. Hinc est enim quod iacob, qui
Deum se vidisse testatur, nonnisi
angelum vidit: hinc est quod moyses,
qui cum Deo facie ad faciem loqui-
tur, dicit: ostende mihi temetipsum
manifeste, ut videam te. Ex qua eius
petitione colligitur, quia eum sitiebat
per incircumscriptae naturae suae
claritatem cernere, quem iam coepe-
rat per quasdam imagines videre.
Homil. in Chrysostomus. Si autem antiqui
Ioan., 14 patres ipsam viderunt naturam, ne-
o que Moisés nos dispensou, quer
mostrar a causa racional dessa dife-
rença. Aquele, que era servo, foi feito
ministro de coisas menores, mas este,
Senhor e Filho do Rei, trouxe-nos
coisas muito melhores, sem deixar de
coexistir sempre com o Pai e vê-lo.
Por isso continua, dizendo: Ninguém
jamais viu Deus.
Agostinho. Mas que dizer então das
palavras de Jacó: Eu vi a Deus face a
face (Gn 32,30), e do que está escri-
to acerca de Moisés, que falava com
Deus face a face (Ex 33,11), e das pa-
lavras de Isaías referentes a si mesmo:
Vi o Rei dos exércitos sentado sobre um
trono (Is 6,1)?
Gregório. É evidente que enquan-
to vivemos essa vida mortal, Deus
pode ser visto mediante certas ima-
gens, mas não pode ser visto na for-
ma de sua própria natureza. A alma,
inspirada pela graça do Espírito,
pode ver a Deus mediante figuras,
mas não pode alcançar a realidade
de sua essência. Assim, Jacó, que
diz ter visto a Deus, não viu senão
um anjo, e Moisés, que falava com
Deus face a face, disse: Mostra-te
claramente a mim, para que te veja
(Ex 33,13). Desse pedido podemos
concluir que Moisés desejava con-
templar o esplendor de sua natureza
ilimitada, que já havia começado a
ver mediante imagens.
Crisóstomo. Se os antigos patriarcas
tivessem visto a natureza divina, não
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
quaquam differenter considerassent:
simplex enim quaedam est et infi-
gurabilis; non sedet, neque stat, ne-
que ambulat; haec enim corporum
sunt: unde et per prophetam dicit:
ego visionem multiplicavi eis, et in
manibus prophetarum assimilatus
sum; hoc est, condescendi eis, non
quod eram apparui: quia enim filius
Dei per veram carnem appariturus
erat nobis, primo excitavit eos videre
Deum, sicut possibile erat eis videre.
Augustinus. sed cum scriptum sit:
beati mundo corde, quoniam ipsi
Deum videbunt, et iterum: cum
apparuerit, similes ei erimus, quo-
niam videbimus eum sicuti est, quid
est quod hic dicitur Deum nemo
vidit unquam? an fortasse responde-
tur, quod illa testimonia de videndo
Deo sunt, non de viso? ipsi enim
Deum videbunt, dictum est, non
viderunt; et non vidimus, sed: vide-
bimus eum sicuti est: Deum enim
nemo vidit unquam: vel in hac vita
sicuti ipse est, vel etiam in angelo-
rum vita, sicut visibilia ista quae
corporali visione cernuntur.
Gregorius. Si vero a quibusdam po-
test in hac corruptibili carne viventi-
bus, sed tamen inaestimabili virtute
crescentibus, quodam contempla-
tionis acumine aeterna claritas Dei
77
poderiam ver coisas diferentes, pois
ela é simples e irrepresentável; não
se senta, não fica de pé, nem anda,
pois tudo isso são atributos dos cor-
pos. Mas Deus disse pelos profetas:
Multipliquei-lhes as visões; e por meio
dos mesmos profetas me descobri a vós
sob diferentes figuras (Os 12,10), isto é,
fui condescendente com eles, mas não
lhes mostrei o que eu era. Mas como o
Filho de Deus havia de aparecer numa
carne verdadeira, instigou [nos profe-
tas] o desejo de verem a Deus, mos-
trando que isso era possível.
Agostinho. Mas como está escrito: Ad paul.
Bem-aventurados os puros de cora- epist., 112
ção, porque verão a Deus (Mt 5,8),
e também: Quando ele se manifes-
tar, seremos semelhantes a ele, porque
o veremos como ele é (I Jo 3,2), por
que se diz aqui que ninguém jamais
viu a Deus? Talvez se possa responder
que as primeiras passagens falam que
Deus será visto, não que foi visto.
Está dito que verão a Deus, e não que
“viram a Deus”, e também: veremos,
e não: “Já o vimos como ele é”. Por-
tanto, ninguém nesta vida jamais viu
a Deus tal como ele é, nem os anjos
o viram do mesmo modo como se
vêem as coisas visíveis deste mundo,
mediante uma visão corpórea.
Gregório. Se alguns que ainda vivem Moral., 18,
na carne corruptível, depois de terem 28
atingido um alto grau de virtude, po-
dem ver mediante uma contempla-
ção sutil a eterna claridade de Deus,
 78 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
videri; hoc ab hac sententia non
abhorret, quoniam quisquis sapien-
tiam, quae deus est, videt, huic vitae
funditus moritur, ne iam eius amore
teneatur.
Super Gen. Augustinus. nisi enim ab hac vita
ad lit., 12, 27 quisque quodammodo moriatur,
sive omnino exiens de corpore, sive
ita aversus et alienatus a carnalibus
sensibus, ut merito nesciat, sicut
apostolus ait utrum in corpore, an
extra corpus sit, non in illam rapitur
et subvertitur visionem.
Moral., 18, Gregorius. Sciendum vero est, quod
28
fuere nonnulli qui Deum dicerent in
illa regione beatitudinis in claritate
sua conspici, sed in natura minime
videri. Quos nimirum minor inqui-
sitionis subtilitas fefellit: neque enim
illi simplici et incommutabili essen-
tiae aliud est claritas, aliud natura.
Ad paul. Augustinus. si autem dicitur, in hoc
epist., 4 quod scriptum est Deum nemo vi-
dit unquam, homines tantummodo
intelligendos: nam hoc apostolus
planius explicans: quem nemo, in-
quit, hominum vidit, sed nec vide-
re potest, ut ita dictum sit Deum
nemo vidit unquam, ac si diceretur:
nullus hominum, quaestio illa solvi
videbitur, ut non sit huic senten-
tiae contrarium quod dominus ait:
angeli eorum semper vident faciem
patris mei; ut scilicet angelos Deum
isso não contradiz o que é dito aqui,
pois todo aquele que vê a Sabedoria,
que é o próprio Deus, morre comple-
tamente para a vida presente, de tal
modo que os afetos mundanos já não
o prendem mais.
Agostinho. A não ser que alguém
morra de algum modo para esta vida,
quer por se apartar completamente
do corpo, quer por ser separado e
alienado dos sentidos carnais, de tal
modo que, assim como o Apóstolo,
não saiba se está no corpo ou fora do
corpo (II Cor 12,2), não pode ser ar-
rebatado e elevado a essa visão.
Gregório. Alguns disseram que, no
estado de beatitude, Deus é visto em
sua claridade, mas não em sua natu-
reza. Esse erro provém de uma falta
de sutileza na investigação da ques-
tão, pois para aquela essência simples
e imutável, a claridade e a natureza
não são distintas.
Agostinho. Mas se alguém pergun-
tar se as palavras ninguém jamais viu
Deus se referem apenas aos homens,
o Apóstolo explica-o mais claramen-
te: o qual não foi nem pode ser visto
por nenhum homem (I Tm 6,16). As-
sim, se ninguém jamais viu a Deus é
o mesmo que nenhum homem [viu a
Deus], a questão se resolve, e mostra-
-se não ser contraditória com as se-
guintes palavras do Senhor: Os anjo
nos céus vêem incessantemente a face de
meu Pai (Mt 18,10). Assim cremos
que os anjos vêem a Deus, o qual
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
videre credamus, quem nemo vidit
unquam, scilicet hominum.
Gregorius. Sunt tamen nonnulli qui
nequaquam Deum videre nec ange-
los suspicantur.
Chrysostomus. Dicentes, quod ip-
sum quod deus est, non solum pro-
phetae, sed nec angeli viderunt, neque
archangeli. sed si interrogaveris eos,
audies de substantia nihil responden-
tes. Gloria vero in excelsis Deo non
solum cantantes, sed et in terra pax
hominibus bonae voluntatis. et si a
cherubim et seraphim concupiveris
aliquid discere, mysticam sanctimonii
melodiam audies, et quoniam plenum
est caelum et terra gloria eius.
Augustinus ad paulinam. quod
quidem intantum verum est, quia
Dei plenitudinem nullus non solum
oculis corporis, sed vel ipsa mente
aliquando comprehendit. Aliud est
enim videre, aliud totum videndo
comprehendere: quandoquidem id
videtur quod praesens utcumque
sentitur; totum autem comprehen-
ditur videndo quod ita videtur ut
nihil eius lateat videntem, aut cuius
fines circumspici possunt.
Chrysostomus. Sic igitur solus pa-
trem videt filius et spiritus sanctus.
quod enim creabilis est naturae,
qualiter poterit videre quod in-
creabile est? ita igitur nullus novit
18 Isto é, que os anjos não vêem a Deus.
79
ninguém, isto é, nenhum homem,
jamais viu.
Gregório. Mas alguns pensam que Moral., 18,
nem os anjos vêem a Deus. 28
Crisóstomo. Dizem eles que não só
os profetas, mas tampouco os an- Homil. in
Ioan., 14
jos ou arcanjos viram o que Deus é.
Com efeito, se interrogamos [os an-
jos], nada nos dizem sobre a substân-
cia [de Deus], mas cantam a glória de
Deus nas alturas e a paz na terra para
os homens de boa vontade (Lc 2,14).
Se queres saber o que os querubins e
serafins têm a dizer, ouvirás somente
a melodia mística que celebra a san-
tidade [de Deus]: “O céu e a terra es-
tão cheios de sua glória” (Is 6,3).
Agostinho. Isso18 é em parte verda- Ad paul.
de, porque ninguém pode abarcar epist., 12, 7
a plenitude de Deus nem com os
olhos corporais, nem com a própria
mente. Uma coisa é ver algo, outra
coisa é abarcar o todo mediante a vi-
são. Algo é visto quando percebemos
a sua presença; por outro lado, um
todo é abarcado pela visão quando é
visto de tal modo que nada da coisa
fique oculta a quem vê, ou quando
os limites da coisa podem ser vistos.
Crisóstomo. Só o Filho e o Espírito Homil. in
Santo vêem o Pai assim. Com efei- Ioan., 14
to, como uma natureza criável pode
ver algo incriável? Portanto, nin-
guém conhece a Deus como o Filho
 80 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
Deum, ut filius; unde sequitur uni-
genitus filius, qui est in sinu patris,
ipse enarravit. Ne propter nominis
communionem unum quemdam
eorum qui gratia facti sunt filiorum
esse existimes eum, primo quidem
adiectus est articulus. Si vero hoc
non sufficit tibi, audi aliud nomen
unigenitus.
De Trin., 6 Hilarius. Naturae quidem fides non
satis explicata videbatur ex nomine
filii, nisi proprietatis virtus per excep-
tionis significantiam adderetur; pra-
eter filium enim et unigenitum nihil
cognominans, suspicionem penitus
adoptionis exclusit, cum veritatem
nominis unigeniti natura praestaret.
Homil. in Chrysostomus. Sed et aliud posuit,
Ioan., 14 dicens qui est in sinu patris. Etenim
in sinu conversari multo plus est
quam simpliciter videre: nam qui
simpliciter videt, non omnino eius
quod videt cognitionem habet: qui
vero in sinu conversatur, nihil ignora-
bit. Cum igitur audieris quod nullus
cognoscit patrem nisi filius, nequa-
quam dicas, quoniam etsi plus om-
nibus novit patrem, sed non quantus
est novit eum: propterea evangelista
in sinu patris eum morari dicit, ut
non aestimemus per id aliud signifi-
catum quam familiaritatem unigeni-
ti, et coaeternitatem ad patrem.
o conhece. Por isso diz em seguida:
o Filho Unigênito, que está no seio do
Pai, ele mesmo é que o deu a conhe-
cer. Acrescentou o artigo definido [ao
nome Filho], para que não penses
que esse nome comum significa al-
gum daqueles que se tornaram filhos
pela graça. Mas se isso não te basta,
repara no adjetivo: Unigênito.
Hilário. O nome “Filho” não parece
indicar toda a realidade de sua na-
tureza, a menos que acrescentemos
uma palavra que indique a singulari-
dade [de sua filiação]. Ora, como não
chamamos de “unigênito” senão o fi-
lho [biológico], João exclui a possibi-
lidade de adoção, pois sua natureza
[divina] mostra a exatidão do termo
“Unigênito”.
Crisóstomo. Mas disse ainda algo
mais: que está no seio do Pai. Com efei-
to, estar no seio é algo muito maior
do que simplesmente ver, pois quem
simplesmente vê, não conhece neces-
sariamente aquilo que vê, mas quem
está no seio nada ignora. Portanto,
quando ouves que ninguém conhece o
Pai senão o Filho (Mt 11,27), não di-
gas que ele não conhece o Pai segundo
todo o ser do Pai, ainda que o conheça
mais do que todos os homens. Por isso
diz o evangelista que ele está no seio do
Pai. Deves pensar que isso significa
a familiaridade e a coeternidade do
Unigênito com o Pai.
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Natal · Missa do Dia
Augustinus. in sinu enim patris,
idest in secreto patris: non enim
deus habet sinum, quemadmodum
nos habemus in vestibus; aut cogi-
tandus est sic sedere quomodo nos;
aut forte cinctus est, ut sinum habe-
ret: sed quia sinus noster intus est,
secretum patris sinus patris vocatur.
Qui ergo in secreto patris novit pa-
trem, ipse enarravit quod vidit.
Chrysostomus. sed quid enarravit?
quoniam unus est deus. Sed et hoc
reliqui prophetae et moyses clamant:
quid ergo plus didicimus a filio in
sinibus paternalibus existente? pri-
mum quidem ipsa haec quae alii nar-
raverunt, sunt enarrata ex operatione
unigeniti; deinde quoniam multo
maiorem suscepimus doctrinam per
unigenitum, et cognovimus quo-
niam spiritus est deus, et quod eos
qui adorant eum, in spiritu et verita-
te adorare oportet, et quoniam deus
pater est unigeniti.
Beda. praeterea sciendum, quia si
ad praeteritum referatur quod ait
enarravit, homo factus enarravit
quid de trinitatis unitate sentien-
dum, qualiter ad eius contemplatio-
nem properandum, quibus actibus
19 Para entender esse comentário, note-se que a palavra latina sinus pode significar (1) “dobra, prega
de uma toga, formada sobre o peito com o lançamento da toga do ombro direito para o esquerdo”
e também, por extensão, (2) o próprio “peito, seio ou coração” da pessoa. (Dicionário Latim-Portu-
guês, Ernesto Faria)
81
Agostinho. No seio19 do Pai, isto é, Super Ioan.,
tract. 3
no segredo do Pai. Com efeito, Deus
não possui dobras, como nós possuí-
mos em nossas vestes, nem devemos
pensar que se sente como nós, ou que
possua uma roupa, que possa ter do-
bras. Mas como nosso seio está no in-
terior, o segredo do Pai é chamado de
seio. Portanto, aquele que conhecia o
Pai no segredo do Pai, ele mesmo nos
deu a conhecer o que viu.
Crisóstomo. Mas o que nos deu a Homil. in
conhecer? Que existe um único Deus. Ioan., 14
Mas isso também os profetas e Moi-
sés proclamaram. O que mais então
aprendemos do Filho que está no seio
do Pai? Primeiro, que todas as coisas
que os profetas nos deram a conhe-
cer nos foram proclamadas por obra
do Unigênito. Ademais, recebemos
do Unigênito uma doutrina muito
superior, e viemos a saber que Deus
é Espírito, e que os que o adoram
devem adorá-lo em espírito e verda-
de (Jo 4,24), e que Deus é o Pai do
Unigênito.
Beda. Além disso, se as palavras deu
a conhecer se referem ao passado, en-
tão quando se fez homem nos ensi-
nou o que devemos pensar da unida-
de na trindade, e como nos devemos
preparar para sua contemplação e
os atos mediante os quais podemos
 82 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
sit perveniendum. Si vero referatur
ad futurum, tunc enarrabit cum
electos suos ad visionem claritatis
suae inducet.
Super Ioan., Augustinus. Fuerunt autem homi-
tract. 3
nes qui dicerent, vanitate cordis sui
decepti: pater invisibilis est, filius
autem visibilis est. Si ergo propter
carnem filius visibilis dicitur, et nos
concedimus, et est catholica fides;
si autem, ut ipsi dicunt, antequam
incarnaretur, multum delirant, si
Christus sapientia Dei et virtus Dei
est: sapientia enim Dei videri ocu-
lis non potest. Si verbum hominis
oculis non videtur, verbum Dei sic
videri potest?
Homil. in Chrysostomus. Non igitur soli ipsi
Ioan., 14 proprium est Deum nemo vidit un-
quam, sed et filio: quia, ut paulus
dicit, est imago Dei invisibilis; qui
vero invisibilis imago est, et ipse in-
visibilis est.
Comentário suplementar
Sermão de Natal (xxi) · Papa S. Leão Magno
Saluator noster, dilectissimi, hodie
natus est, gaudeamus. Neque enim
locum fas est esse tristitiae, ubi na-
talis est uitae, quae consumpto
mortalitatis timore, ingerit nobis
chegar [a essa contemplação]. Mas se
se referem ao futuro, ele nos dará o
conhecimento [do Pai] quando levar
seus eleitos à visão de sua claridade.
Agostinho. Alguns homens, engana-
dos pela fatuidade de seus corações,
dizem: “O Pai é invisível, mas o Fi-
lho é visível”. Se dizem que o Filho é
visível em virtude da carne, concor-
damos com eles, pois essa é a fé ca-
tólica. Mas se dizem [que era visível]
antes da encarnação, estão delirando,
e muito, pois Cristo é a sabedoria
e o poder de Deus. Ora, ninguém
pode ver a sabedoria de Deus com os
olhos. Se a palavra humana não pode
ser vista com olho, poderá porventu-
ra ser vista a Palavra de Deus?
Crisóstomo. Portanto, as palavras
ninguém jamais viu Deus não se apli-
cam somente ao Pai, mas também ao
Filho, pois, como diz Paulo, ele é a
imagem do Deus invisível (Cl 1,15).
Aquele que é imagem do invisível é
ele mesmo invisível.
Nosso Salvador, caríssimos, nasceu
hoje. Regozijemo-nos! Não há lugar
para tristeza, pois nasceu a Vida, que,
destruindo o temor de nossa morte,
infundiu-nos a alegria da eternidade
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Sermão de Natal · S. Leão Magno
de promissa aeternitate laetitiam.
Nemo ab huius alacritatis parti-
cipatione secernitur, una cunctis
laetitiae communis est ratio, quia
dominus noster, peccati mortis que
destructor, sicut nullum a reatu libe-
rum repperit, ita liberandis omnibus
uenit. Exultet sanctus, quia propin-
quat ad palmam. Gaudeat peccator,
quia inuitatur ad ueniam. Animetur
gentilis, quia uocatur ad uitam. Dei
namque filius, secundum plenitu-
dinem temporis quam diuini con-
silii inscrutabilis altitudo disposuit,
reconciliandam auctori suo natu-
ram generis adsumpsit humani, ut
inuentor mortis diabolus per ipsam
quam uicerat uinceretur.
In quo conflictu pro nobis inito,
magno et mirabili aequitatis iure
certatum est, dum omnipotens do-
minus cum saeuissimo hoste, non in
sua maiestate, sed in nostra humi-
litate congreditur, obiciens ei eam-
dem formam eamdem que naturam,
mortalitatis quidem nostrae parti-
cipem, sed peccati totius expertem.
Alienum quippe ab hac natiuitate
est, quod de omnibus legitur: Nemo
mundus a sorde, nec infans cuius
unius diei si sit uita eius super ter-
ram. Nihil in istam singularem na-
tiuitatem de carnis concupiscentia
transiit, nihil de peccati lege ma-
nauit. Virgo regia Dauidicae stirpis
83
prometida. Ninguém é excluído de
participar desse júbilo, pois todos se
alegram pelo mesmo motivo: nosso
Salvador, o destruidor do pecado
e da morte, como não encontras-
se ninguém livre de culpa, veio até
nós para libertar-nos todos. Exulte
o santo, porque se aproxima da vi-
tória. Alegre-se o pecador, porque
é convidado ao perdão. Anime-se o
pagão, porque é chamado à vida. O
Filho de Deus, na plenitude do tem-
po que foi disposto pelo profundo e
inescrutável conselho de Deus, assu-
miu a natureza do gênero humano
para reconciliá-la com seu Criador e
para que o diabo, inventor da morte,
pudesse ser vencido por aquela natu-
reza que vencera. Nessa luta travada
a nosso favor observou-se a máxima
e mais admirável eqüidade, pois o
Senhor Onipotente não combateu o
ferocíssimo inimigo em sua majesta-
de, mas em nossa humilde condição,
lançando contra ele nossa forma e
natureza e tornando-se partícipe de
nossa mortalidade, isento, porém, de
todo pecado. Com efeito, as seguin-
tes palavras que se aplicam a todos
estão muito longe de se aplicar a ele:
Ninguém está limpo da mancha, nem
mesmo uma criança que vive um só dia
sobre a terra (Jó 14,4). Nesse nasci-
mento singular não entrou nada da
concupiscência carnal, nada esteve
sujeito à lei do pecado. Foi escolhi-
da uma Virgem régia, da estirpe de
84 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
eligitur, quae sacro grauidanda fetu
diuinam humanam que prolem
prius conciperet mente quam cor-
pore. Et ne superni ignara consilii
ad inusitatos paueret effectus, quod
in ea operandum erat a spiritu sanc-
to, conloquio discit angelico. Nec
damnum credit pudoris dei genetrix
mox futura. Cur enim de conceptio-
nis nouitate desperet, cui efficien-
tia de altissimi uirtute promittitur?
Confirmatur credentis fides etiam
praeeuntis adtestatione miraculi,
donatur que Elisabeth inopinata fe-
cunditas, ut qui conceptum dederat
sterili, daturus non dubitaretur et
uirgini.
Verbum igitur dei, deus filius dei,
qui in principio erat apud deum, per
quem facta sunt omnia et sine quo
factum est nihil, propter liberandum
ab aeterna morte hominem factus
est homo, ita se ad susceptionem
humilitatis nostrae sine diminutione
suae maiestatis inclinans, ut manens
quod erat adsumens que quod non
erat, ueram serui formam ei formae
in qua deo patri est aequalis uniret,
et tanto foedere naturam utramque
consereret, ut nec inferiorem consu-
meret glorificatio, nec superiorem
minueret adsumptio. Salua igitur
proprietate utriusque substantiae et
Davi, para carregar no ventre um fru-
to sagrado e conceber na mente an-
tes que no corpo uma prole divina e
humana. E para que, desconhecendo
a sabedoria suprema, não temesse os
efeitos incomuns [que experimenta-
ria], as palavras do anjo explicam-lhe
o que nela havia de ser operado pelo
Espírito Santo. Aquela que logo se
tornaria a Mãe de Deus não crê per-
der o pudor. Como poderia duvidar
dessa nova forma de concepção, que
seria realizada pelo prometido poder
do Altíssimo? A fé [da Virgem] cren-
te é atestada por um milagre anterior:
foi dada a Isabel uma inesperada fe-
cundidade. Ora, aquele que deu um
filho a uma estéril, poderia dá-lo a
uma virgem.
Portanto, o Verbo de Deus, Deus Fi-
lho de Deus, que no princípio esta-
va junto de Deus, por quem foram
feitas todas as coisas e sem o qual
nada foi feito, para livrar o homem
da morte eterna, fez-se homem, as-
sumindo a nossa condição humilde
sem diminuir sua majestade, de tal
modo que, permanecendo o que era
e assumindo o que não era, uniu a
verdadeira forma de servo àquela
forma segundo a qual é igual ao Pai,
e juntou ambas as naturezas numa
aliança tal, que nem a glória consu-
miu a natureza inferior, nem a as-
sunção diminuiu a natureza superior.
Conservando-se, pois, as proprieda-
des de ambas as naturezas que se uni-
 Catena Aurea · Ano B (dezembro) · Sermão de Natal · S. Leão Magno
in unam coeunte personam, suscipi-
tur a maiestate humilitas, a uirtute
infirmitas, ab aeternitate mortali-
tas, et ad dependendum conditionis
nostrae debitum, natura inuiolabilis
naturae est infusa passibili, deus que
uerus homo uerus in unitatem do-
mini temperatur, ut quod nostris re-
mediis congruebat, unus atque idem
dei hominum que mediator et mori
posset ex uno et resurgere posset ex
altero. Merito uirgineae integritati
nihil corruptionis intulit partus sa-
lutis, quia custodia fuit pudoris edi-
tio ueritatis. Talis ergo, dilectissimi,
natiuitas decuit dei uirtutem et dei
sapientiam christum, qua nobis et
humanitate congrueret et diuinita-
te praecelleret. Nisi enim esset deus
uerus, non afferret remedium, nisi
esset homo uerus, non praeberet
exemplum. Ab exultantibus angelis
nascente domino gloria in excelsis
deo canitur, et pax in terra bonae
uoluntatis hominibus nuntiatur. Vi-
dent enim caelestem Hierusalem ex
omnibus mundi gentibus fabricari
de quo inenarrabili diuinae pietatis
opere quantum laetari debet humili-
tas hominum, cum tantum gaudeat
sublimitas angelorum?
85
ram na unidade de uma só pessoa, a
majestade assume a humildade; o po-
der, a fraqueza; a eternidade, a mor-
talidade; e, para pagar a dívida a nos-
so Criador, a natureza imperecível é
infundida numa natureza passível, o
Deus verdadeiro e o homem verda-
deiro se unem harmoniosamente na
unidade do Senhor, para que, como
era conveniente a nossa salvação, pu-
desse ser um só e mesmo mediador
entre Deus e os homens, e pudesse
por um lado morrer, e por outro lado
ressurgir. Com razão o nascimento
da Salvação não corrompeu em nada
a integridade virginal; dar à luz a Ver-
dade preservou seu pudor. Esse tipo
de nascimento, caríssimos, convinha
a Cristo, Poder de Deus e Sabedo-
ria de Deus, pois nesse nascimento
Cristo se tornou igual a nós quanto
à humanidade e manifestou a su-
perioridade de sua divindade. Com
efeito, se não fosse Deus verdadeiro,
não nos poderia trazer um remédio, e
se não fosse homem verdadeiro, não
nos poderia servir de exemplo. Ao
nascer o Senhor, os anjos exultantes
cantam a glória de Deus nas alturas
e anunciam paz na terra aos homens
de boa vontade. Vêem a Jerusalém
celeste ser construída com povos do
mundo inteiro. Se os anjos sublimes
tanto se alegram, quão grande en-
tão não deve ser a alegria do pobre
homem ao contemplar essa inefável
obra da misericórdia divina?
86 Santo Tomás de Aquino · Santos Padres
Agamus ergo, dilectissimi, gratias
deo patri, per filium eius, in spiritu
sancto, qui propter multam carita-
tem suam qua dilexit nos, misertus
est nostri, et cum essemus mortui
peccatis, conuiuificauit nos christo,
ut essemus in ipso noua creatura
nouum que figmentum. Depona-
mus ergo ueterem hominem cum
actibus suis, et adepti participa-
tionem generationis christi, carnis
renuntiemus operibus. Agnosce, o
christiane, dignitatem tuam, et diui-
nae consors factus naturae, noli in
ueterem uilitatem degeneri conuer-
satione recidere. Memento cuius ca-
pitis et cuius sis corporis membrum.
Reminiscere quia erutus de potesta-
te tenebrarum, translatus es in dei
lumen et regnum. Per baptismatis
sacramentum spiritus sancti factus
es templum, noli tantum habitato-
rem prauis de te actibus effugare et
diaboli te iterum subicere seruituti,
quia pretium tuum sanguis est chris-
ti, quia in ueritate te iudicabit, qui
misericorditer te redemit, christus
dominus noster.
Portanto, caríssimos, por meio do
Filho e no Espírito Santo demos
graças a Deus Pai, que, por causa da
imensa caridade com que nos amou,
teve piedade de nós, quando ainda
estávamos mortos no pecado, e nos
fez reviver com Cristo, para que se-
jamos nele uma nova criatura, uma
nova criação. Abandonemos, pois, o
velho homem com as suas obras e,
participando do nascimento de Cris-
to, renunciemos às obras da carne.
Reconhece, ó cristão, a tua dignidade
e, feito partícipe da natureza divina,
não voltes por tua conduta depra-
vada à antiga baixeza. Lembra-te de
quem é teu cabeça e de que corpo és
um membro. Lembra-te de que, arre-
batado do poder das trevas, foste in-
troduzido na luz e no reino de Deus.
Pelo sacramento do batismo te tor-
naste templo do Espírito Santo. Não
expulses, por teus atos depravados,
esse imenso hóspede, nem te sujeites
novamente ao diabo, pois tu vales
o sangue de Cristo, e nosso Senhor
Cristo, que por misericórdia te redi-
miu, te julgará segundo a verdade.
 Referências citadas
Beda, In Evangelium S. Ioannis (PG 92,
633-937).
Orígenes, Commentariorum in Evange-
lium Ioannis (PG 14, 21-829).
Papa S. Gregório Magno, Moralia
(PL 75-76).
Papa S. Leão Magno, Sermones et epis-
tolae (PL 54)
S. Agostinho
De Civitate Dei (PL 41, 13-805).
De diversis Quaestionibus lxxxiii (PL 40,
11-101).
De Genesi ad litteram (PL 34, 245-485).
De Peccatorum Meritis et Remissione
Contra Sermonem Arianorum (PL 44,
109-199).
De Trinitate (PL 42, 819-1101).
Epistolarum Classis III (PL 33, 471-1025).
In Evangelium Ioannis tractatus cxxiv
(PL 35, 1379-1977).
Sermonum Classes Quatuor (PL 38).
S. Basílio de Cesaréia, Homiliae et
Sermones (PG 31, 163-619).
S. Cirilo de Alexandria, Epistolae
lxxxviii (PG 77, 9-393).
S. Hilário de Poitiers, De Trinitate (PL
10, 9-471).
S. João Crisóstomo, Homiliae lxxxviii
in Ioannem (PG 59).
Teofilacto Hefesto, Enarratio in
Evangelium Ioannis (PG 123, 1127-
1348).
* As demais citações não têm suas
referências estabelecidas nas edições
anteriores da Catena Aurea.
 Esta obra foi composta em Adobe Garamond Pro e
impressa pela Gráfica Printstore em offset sobre papel Pólen
Soft 80g para a Editora Concreta em novembro de 2017.