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Universidade Federal de Pelotas – UFPel

Centro de Artes – Bacharelado em Música


Disciplina: História da Música I
Material didático produzido pelo Prof. Dr. Werner Ewald

A Herança Antiga, O Canto Cristão, Inícios da Idade Média

O período inicial da música medieval é geralmente relacionado com os inícios do


período de formação da música na igreja cristã. Ao fim do século IV (395), o imperador
Teodósio tendo dificuldade de controlar o Império Romano dividiu-o entre oriental
(Constantinopla- bizantino) e ocidental (Roma). Alguns historiadores situam a Idade
Média no período que se estende do século V (queda de Roma em 476 ante as invasões
bárbaras) e gradual consolidação da igreja Católica Romana no poder, até o século XV
(queda de Constantinopla- o império romano oriental) em 1453. Outros autores situam
os inícios da Idade Média por volta do ano 800 com a coroação de Carlos Magno como
imperador do Santo Império Romano pelo poder papal. Com este acontecimento
político a maioria da Europa foi consolidada política, religiosa e culturalmente. É o
período onde e possível começar a se falar de uma sociedade e uma cultura comum. A
música litúrgica da igreja Católica Romana, o canto gregoriano, foi o primeiro “bloco”
musical comum da Europa Ocidental, embora muitas tradições regionais fossem ainda
importantes. Teorias e métodos para o uso do canto gregoriano foram desenvolvidos
neste período. Esse impulso levou ao aparecimento e desenvolvimento da polifonia,
sendo o canto gregoriano a mais importante fonte de melodias para o estilo polifônico
desenvolvido na Idade Média e Renascimento. Paralelo a isso, o ato da composição foi
substituindo a improvisação e transmissão oral da música, norma bastante acentuada
dos períodos anteriores. Surgiu a necessidade da notação, ou seja, um sistema de
preservação dos sons (veja figuras 3 a 6 ao final do texto).

Duas categorias principais dos serviços religiosos que vão se estabelecendo nesta época:
o Oficio e a Missa . Nas primeiras comunidades cristãs a liturgia estava centrada no
ritual que relembrava a última ceia de Jesus e seus discípulos, assim como recontada
nos textos do Novo Testamento. Com o passar do tempo essa liturgia se desenvolveu e
foi chamada Missa. Da oração e cântico coletivo dos salmos, adotados da prática
judaica, apareceu a Liturgia do Oficio Divino ou as Horas Canônicas. Os Ofícios e a
Missas adotaram basicamente duas tradições musicais, a saber:

Ambrósio de Milão e o Canto Ambrosiano (liturgia Milanesa)


Foi ao redor do século IV que hinos latinos começaram a se desenvolver. A Ambrosio
de Milão (c.340-397) é geralmente atribuído o título de “pai do hino,” assim como o
conhecemos ainda hoje, ou seja, diferentes estrofes repetidas com a mesma melodia. O
canto Ambrosiano pode ser mais bem compreendido em seu contexto se atentarmos
para o fato que até mais ou menos o século IX (800) uma variedade de liturgias (ritos,
orações, textos e melodias) estavam em uso, mas foram cada vez mais uniformizados
por uma forte e autoritária liturgia romana. Aurelius Ambrósio era um alto oficial do
governo de Milão, importante cidade portuária. Foi aclamado Bispo pelo povo de Milão
que passou a ser conhecida como a “Segunda Roma.” A liturgia Ambrosiana ou
Milanesa foi mais receptiva para o uso de fontes várias em seus textos e melodias,
enquanto a liturgia Romana muito mais rígida adotou, por exemplo, tão somente o uso
de textos retirados dos Salmos. Outra diferença básica e que o canto ambrosiano adotou
melodias com pequenos intervalos melódicos enquanto o canto gregoriano baseou-se
preferencialmente em graus conjuntos em suas linhas melódicas. A liturgia Ambrosiana
também contemplou o uso de hinos, métrica, antífonas e vozes femininas em sua
execução. (Escute os áudios 1 e 2)

Gregório o Grande e o Canto Gregoriano (liturgia Romana)


Muitas vezes também designado de cantochão ou canto plano. Não se sabe se o Papa
Gregório o Grande (c.540-604), contribui para a música litúrgica que adotou o seu
nome. Alguns historiadores afirmam que Gregório não compôs nenhuma das melodias
do repertório Gregoriano. O certo e que ele instituiu grandes e decisivas reformas
litúrgicas durante seu pontificado (590-604). A história do canto gregoriano é
comumente dividida em quatro períodos básicos: 1-o período de formação, que se
estende dos começos do cristianismo até a era de Gregório; 2- o período de
florescimento, do século VII ate XIII, quando grandes escolas musicais (nos mosteiros)
foram estabelecidas e este repertório largamente difundido; 3- o período de declínio,
com o desenvolvimento da polifonia nos começos da Renascença ate o século XIX; 4-
período de restauração, de meados do século XIX até a segunda metade do século XX
quando o canto Gregoriano entrou novamente em declínio em face de novos
desenvolvimentos da igreja católica romana (por exemplo, o Vaticano II). A reforma
litúrgica estabelecida por Gregório é antes de qualquer coisa uma rejeição das liturgias
de cunho oriental e uma reação contra os particularismos que foram favorecidos pelo
isolamento das comunidades durante as grandes comoções. Seu objetivo central era
impor ao canto da igreja um caráter de unidade e universalidade.

Figura 1- Pintura medieval retratando Gregório o Grande anotando os cantos


(gregorianos) ditados diretamente a ele pelo Espírito Santo, representado pela pomba à
sua esquerda. Representação (tradicional) que procurava enfatizar a direta origem
divina deste repertório.

Carlos Magno (música e poder político)


Coroado em 800, portanto dois séculos depois de Gregório, Carlos Magno impôs aos
seus Estados um repertório que ele tinha por gregoriano acreditando “voltar às fontes.”
Na verdade esse repertório só era conhecido através de uma tradição oral, irregular e
incerta. As antigas notações baseadas em alfabetos diversos tinham então caído em
desuso e os primeiros neumas (veja abaixo- figura 3, 4, 5 e 6) só aparecerão cinqüenta
anos após a morte de Carlos Magno. Foi desse repertório, designado carolíngio em
referência ao imperador, que constituiu o que passou a ser designado de canto
gregoriano até os dias atuais. Da combinação cultural de elementos gregos, romanos,
cristãos e dos povos bárbaros resulta o que se chama de civilização européia medieval.
Ninguém se sentia “europeu”, mas cristão enquanto os demais povos eram os infiéis
(não cristãos).
Características básicas do canto gregoriano:
1-monódico; 2- modal (baseado nos modos litúrgicos); 3- sem acompanhamento
instrumental; 4- sem métrica regular (assimétrico) (sem barras de compasso); 5- usa
prosa livre e flexível; 6- prima pelo uso de graus conjuntos com alguns poucos saltos; 7-
cantado em latim ; 8- fez uso dos textos dos Salmos. (Escute os áudios 3 e 4 e veja a
partitura)

Figura 2- Imperador Carlos Magno- A Espada da Fé


Figura 3- Neumas – Evolução e equivalências com a notação moderna

Do som ao sinal - Diferentes manuscritos de cantos e sua notações


musicais
Figuras 4, 5 e 6
Manuscrito Canto Ambrosiano

Manuscrito Canto Gregoriano

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