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Borreliose Aviária:

impacto negativo na
avicultura familiar
Por: Marcio Barizon Cepeda e Matheus Dias Cordeiro, UFRRJ

A agricultura familiar no Brasil


produz atualmente mais de
80% da engrenagem que
movimenta o setor rural e 40%
da produção agrícola. Este
tipo de atividade favorece
a introdução de práticas
produtivas ecologicamente
estáveis, onde o sistema
orgânico instalado contribui
de maneira contundente para
a diversidade dos cultivos
e da criação dos animais,
Photl

menor utilização dos insumos


industrializados e manutenção
Galinha caipira
da variabilidade genética.
Com a introdução da galinha caipira colonial
no sistema orgânico, a avicultura familiar tem
crescido de forma interessante, em virtude da

A
avicultura na agricultura familiar é um simplicidade do manejo e o barateamento do
instrumento de desenvolvimento das fa- custo de produção. Em contrapartida, este tipo
mílias de baixa renda e pequenos agricul- de sistema pode também trazer desvantagens
tores, criando oportunidades de estabelecer coo- em relação à sanidade do plantel e das insta-
perativas através da produção de carne e ovos. lações. As aves ficam mais expostas a agentes

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Perda na produção
O intenso parasitismo e o quadro clínico esta-
belecido pela infecção podem causar uma grave
perda na produção animal. O animal perde o in-
teresse pelo alimento, permanece prostrado, in-
terferindo no seu ganho de peso e produção de
ovos, afetando a criação de corte e postura res-
pectivamente. Essa queda brusca na produção
foi observada experimentalmente em um plantel
aviário jovem para corte, como mostra na figura 1.
Nota-se uma queda no ganho de peso nas aves
infectadas pela B. anserina. Essa redução ocorre
entre o quarto e o oitavo dia após a infecção pelo
carrapato (G3 – infectado) em comparação às
aves não infectadas (G2 e G4 – controle).
Atualmente, são raros os relatos da espiro-
quetose aviária ou até mesmos não são detecta-
dos. Este fato pode ser explicado pelo uso cons-
tante de antibióticos em rações, com o objetivo
de proporcionar aumento no ganho de peso,
melhora da conversão alimentar e redução da
mortalidade no plantel. Entretanto, o uso desses
produtos está sendo questionado devido à pos-
sível relação com a resistência aos antibióticos
Examinando a ave no laboratório usados na antibioticoterapia humana, pois na
maioria das vezes o uso é feito de maneira irra-
patogênicos e ao parasitismo. Uma enfermidade cional em níveis subterapêuticos.
de importância econômica neste sistema de pro-
dução é a borreliose ou espiroquetose aviária. A Ciclo biológico do carrapato vetor
borreliose aviária é uma doença de importância
O vetor biológico responsável pela transmis-
econômica para produção de aves, particular-
são da bactéria é um carrapato mole, pertencente
mente no sistema orgânico, por causar alta mor-
ao gênero Argas. A única espécie encontrada no
talidade nos animais jovens.
Brasil é o Argas (Persicargas) miniatus, conhecido
vulgarmente por “carrapato de galinha” ou “car-
Doença aguda rapato de galinheiro”. Este carrapato pode ser
A borreliose aviária é uma doença aguda e encontrado na maioria dos casos em pequenas
septicêmica que acomete uma ampla variedade e médias propriedades, onde o sistema orgânico
de espécies de aves. Esta enfermidade é cau- está fortemente inserido na criação das aves do-
sada por uma espécie de bactéria espiroqueta mésticas. São heteroxenos, ou seja, necessitam
conhecida como Borrelia anserina. A transmis- de dois ou mais hospedeiros para completar o
são biológica ocorre através da picada de um seu ciclo de vida, compreendendo os estágios de
carrapato infectado, embora possam também ovo, larva, ninfa (até cinco fases ninfais) e adulto.
ser transmitidas mecanicamente por mosquitos Esta espécie de carrapato alimenta-se preferen-
e pulgas. Esta doença foi relatada pela primei- cialmente durante a noite, quando as aves en-
ra vez em 1891 durante investigações de surtos contram-se em repouso e aglomeradas, fatores
ocorridos em gansos (anseriformes) no Cauca- estes que facilitam a dispersão de larvas e ninfas
sus, região da Rússia. Entretanto, somente no entre os animais. Ao final de cada repasto sanguí-
ano de 1903, a doença foi descrita no Brasil após neo das ninfas, ocorre uma ecdise e as fêmeas
a observação de casos infecciosos em galinhas adultas são capazes de realizar postura com no
domésticas, que culminou em grandes mortali- mínimo uma cópula inicial. Em determinadas re-
dades das aves de criações rústicas. giões do galinheiro, como frestas ou buracos na

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Esta doença foi Sintomatologia clínica
Clinicamente a enfermidade caracteriza-se
relatada pela primeira inicialmente por uma hipertermia (febre) segui-
vez em 1891 durante da de uma intensa ingestão de água, fraqueza
muscular, sonolência, penas arrepiadas, fal-
investigações de ta de apetite, presença de uma diarreia verde
surtos ocorridos em escura (devido à injúria hepática causada pela
doença levando a processos obstrutivos). Com
gansos na Rússia. a evolução do quadro clínico, mais ainda na
fase aguda da doença, a ave entra em estado
cianótico (azulada), apresentando as mucosas
parede, abrigam-se da luz intensa em sua fase de pálidas (mais evidentes na crista e barbela) e
vida livre, realizando as etapas de muda, período hipotermia (temperatura baixa) que podem le-
de ecdise e cópula. var ao óbito.
Em casos que a infestação estabelecida é
Patogenia maciça, a ave pode apresentar ainda transtornos
paralíticos de asas e patas. Nos animais doentes,
A Borrelia anserina pode acometer aves dos
o fígado e o baço são os órgãos mais acometi-
grupos dos galiformes, anatídeos, passeriformes,
dos, apresentando-se congestos, aumentados
columbiformes e algumas aves silvestres. Esta
de tamanho e com focos dispersos de necrose.
bactéria parasita, principalmente, aves de produ-
Ocorrem também alterações renais e intestinais
ção como a galinha doméstica, gansos, perus,
que se mostram evidentes à necropsia.
patos e faisões, estes funcionando como verda-
deiros reservatórios naturais. A detecção da pri- As aves que se recuperam da crise infecciosa
meira espiroqueta no sangue periférico das aves desenvolvem uma resposta imunológica eficien-
enfermas varia de 4 a 6 dias (período pré-patente) te e duradoura, que as fazem resistir a uma futu-
e os primeiros sintomas ocorrem em média de 3 ra infecção pelo carrapato.
a 8 dias após a infecção quando transmitida pelo
carrapato (período de incubação). Diagnóstico
O diagnóstico da borreliose aviária é mais
Transmissão eficaz na fase aguda da doença, onde se pode
A espiroqueta pode ser transmitida por via realizar desde exames de visualização direta das
transestadial (de larva para ninfa, ninfa para nin- espiroquetas, até exames sorológicos (como o
fa e ninfa para adulto) e transovariana (fêmea ensaio de imunoadsorção enzimático e a téc-
adulta para ovos), portanto todos os estágios nica de imunofluorescência indireta) e molecu-
evolutivos do carrapato são potencialmente lares. Podem ser feitos esfregaços sanguíneos
transmissores da doença. A bactéria é transmiti- das aves enfermas e/ou visualização direta das
da para ave no momento do repasto sanguíneo, espiroquetas no soro da ave ou no líquido coxal
através da saliva e principalmente pelo líquido dos carrapatos. Exames histopatológicos tam-
coxal (líquido transparente liberado quando o bém são eficientes para auxiliar no diagnóstico.
carrapato alcança seu máximo ingurgitamento), Os tecidos acometidos são corados pela hema-
ambos contendo inúmeras espiroquetas, quan- toxilina-eosina (HE) para visualização das altera-
do de sua penetração nos microtraumas causa- ções teciduais e celulares. Utilizam-se também o
dos pela picada do carrapato. emprego da técnica de coloração de prata para
Existe uma intensa relação da patogenia da visualização das espiroquetas nos diversos teci-
doença com a participação do carrapato vetor. A dos da ave.
passagem da borrelia pelo carrapato potencializa Todas estas técnicas devem ser acompanha-
o poder de infecção pelo agente, assim como sua das pelo histórico do ambiente onde as aves vi-
multiplicação no parasita. Espiroquetas podem vem, como a presença do carrapato vetor no ga-
sobreviver por longos períodos nesta espécie de linheiro, assim como de larvas ingurgitadas no
carrapato, tornando-os reservatórios naturais. corpo das aves para fechar o diagnóstico.

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Prevenção, controle e tratamento procura um ambiente com sombra e tranquilida-
de para descansar, nesse período deve-se ma-
A profilaxia consiste em identificar os locais no
nejar a ave o mínimo possível e oferecer água
galinheiro onde os carrapatos podem se escon-
abundante. Em casos avançados ou graves, di-
der, como pedaços velhos de tronco, buracos na
ficilmente ocorre cura, mas quando a infecção
parede, saliências na cama dos frangos, ou seja,
é rapidamente diagnosticada a ave possui boas
elementos que possam vir a favorecer a perma-
chances de se recuperar.
nência e o abrigo dos carrapatos. Outro passo diz
respeito ao saneamento do galinheiro e do plan-
tel. Deve-se sempre retirar as fezes para não en- Vacina
cobrir os carrapatos e dificultar sua visualização, Há algumas décadas, a borreliose aviária era
assim como a manutenção da cama das aves e uma das doenças mais importantes em criações
a limpeza do local. O uso racional de acaricidas de frangos por todo o mundo, o que levou vários
também é uma ótima ferramenta de controle. países ao desenvolvimento de vacinas inativa-
As instalações devem ser maiores, com pare- das. Atualmente, existe pouco ou nenhum inte-
des lisas, sem muitos acúmulos de madeira ou resse dos laboratórios veterinários para a produ-
outro material. Essas medidas auxiliam não só ção de vacinas contra a espiroquetose aviária. A
na prevenção contra o carrapato, mas também nova tendência mundial é a mudança dos siste-
de outros ectoparasitos como alguns ácaros mas de criações convencionais para o sistema
causadores de sarna. orgânico. Assim, o aparecimento de novos sur-
tos da doença pode ocorrer, uma vez que esse
tipo de sistema favorece o estabelecimento do
Penicilina vetor. Por esse motivo, o conhecimento da bor-
A antibioticoterapia surge como a forma mais reliose aviária se torna importante para que haja
eficaz para o tratamento das aves doentes. A pe- uma vigilância bem elaborada, de modo que
nicilina possui alto poder curativo e proporciona esse possível surto reemergente não seja devas-
resultados satisfatórios. A ave doente sempre tador causando sérios impactos na produção.

Criadas soltas, as aves têm menos risco de contrair doenças


Pixabay

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