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Parte I

Introdução à Imunologia
O s três primeiros capítulos deste livro apresentam a nomenclatura da imuno-
logia e os componentes do sistema imunológico natural e adquirido. No Capí-
tulo 1, descrevemos os tipos de respostas imunológicas e as suas propriedades gerais
e apresentamos os fundamentos gerais que regem todas as respostas imunológicas
aos micróbios. No Capítulo 2, discutimos a resposta imune natural inicial aos
patógenos infecciosos. O Capítulo 3 faz uma descrição das células e dos tecidos
do sistema imunológico adquirido, com ênfase na organização anatômica e no
relacionamento entre estrutura e função. Isso prepara o terreno para uma dis-
cussão mais compreensiva de como o sistema imunológico reconhece e res-
ponde aos antígenos.
Capítulo 1
PROPRIEDADES GERAIS DAS
RESPOSTAS IMUNOLÓGICAS

A função fisiológica do sistema imunológico é a defesa


Imunidade Natural e Adquirida, 4 contra microrganismos infecciosos. Entretanto, até mesmo
substâncias estranhas não-infecciosas podem desencadear
Tipos de Respostas Imunológicas uma resposta imunológica. Além disso, os mecanismos que
Adquiridas, 6 normalmente protegem os indivíduos das infecções e elimi-
nam substâncias estranhas são, por si sós, capazes de causar
Principais Características das Respostas dano tecidual e doença em algumas situações. Conseqüen-
Imunológicas Adquiridas, 9 temente, uma definição mais abrangente de imunidade se-
ria uma reação a substâncias estranhas, incluindo micror-
Componentes Celulares do Sistema ganismos e macromoléculas como proteínas e polissacarí-
Imunológico Adquirido, 11 deos, e a pequenas substâncias químicas que são reconhe-
cidas como elementos estranhos, independentemente das
Visão Geral das Respostas Imunes aos conseqüências fisiológicas ou patológicas de tal reação. A
Micróbios, 13 imunologia é o estudo da imunidade em sua acepção mais
A Resposta Imune Natural Inicial aos Micróbios, ampla, ou seja, dos eventos celulares e moleculares que ocor-
13 rem depois que o organismo encontra microrganismos e
A Resposta Imune Adquirida, 13 outras macromoléculas estranhas.
Os historiadores acreditam que Tucídides, em Atenas, no
Captura e Apresentação dos Antígenos
século V a.C., foi quem primeiro usou o termo imunidade,
Microbianos, 13
referindo-se a uma infecção que ele chamou de “peste” (mas
Reconhecimento dos Antígenos pelos Linfócitos, que provavelmente não se tratava da peste bubônica que
14 conhecemos hoje em dia). É possível que o conceito de imu-
Imunidade Celular: Ativação dos Linfócitos T e nidade já existisse muito antes disso, como sugere o antigo
Eliminação de Micróbios Intracelulares, 15 costume chinês de estimular a imunidade das crianças con-
Imunidade Humoral: Ativação dos Linfócitos B e tra a varíola fazendo-as inalar um pó feito das lesões cutâ-
Eliminação de Micróbios Extracelulares, 16 neas da pele de pacientes que estavam se recuperando da
Memória Imunológica, 16 doença. A imunologia, em sua forma moderna, é uma ciên-
cia experimental em que as explicações dos fenômenos imu-
Resumo, 16 nológicos são baseadas na observação de experimentos. A
evolução da imunologia como uma disciplina ligada a pes-
quisas dependeu de nossa habilidade em manipular as fun-
ções do sistema imunológico em condições controladas. His-
O termo imunidade é derivado da palavra latina immunitas, toricamente, o primeiro exemplo claro dessa manipulação,
que se refere à proteção contra processos legais que os se- que permanece sendo o mais elucidativo já registrado, foi o
nadores romanos tinham durante o seu mandato. Histori- sucesso da vacinação de Edward Jenner contra a varíola. Jen-
camente, imunidade significava proteção contra doenças, ner, um médico inglês, reparou que as amas-de-leite que se
em particular contra doenças infecciosas. As células e mo- recuperavam da infecção vacínia nunca contraíam a varíola,
léculas responsáveis pela imunidade formam o sistema imu- uma doença mais grave. Com base nessa observação, ele in-
nológico, e a sua resposta coletiva e coordenada à introdu- jetou o material de uma pústula de vacínia no braço de um
ção de substâncias estranhas é chamada de resposta imu- menino de 8 anos de idade. Quando esse garoto foi poste-
nológica. riormente inoculado com a varíola, ele não desenvolveu a
4 Parte I — INTRODUÇÃO À IMUNOLOGIA

doença. O tratado pioneiro de Jenner sobre a vacinação (do existiam antes do estabelecimento de uma infecção e que
latim vaccinus, que significa relativo a ou derivado de vacas) estão programados para responder rapidamente a infecções.
foi publicado em 1798. Ele levou à ampla aceitação desse Esses mecanismos reagem apenas contra microrganismos
método para induzir imunidade a doenças infecciosas, e a (e aos produtos das células lesadas) e respondem essencial-
vacinação permanece sendo o método mais eficaz de pre- mente da mesma maneira a sucessivas infecções. Os princi-
venir infecções (Tabela 1-1). Um testemunho eloqüente da pais componentes do sistema imunológico natural são (1)
importância da imunologia foi o anúncio feito pela Organi- barreiras físicas e químicas, tais como o epitélio e as subs-
zação Mundial de Saúde, em 1980, de que a varíola foi a pri- tâncias antibacterianas nas superfícies epiteliais; (2) células
meira doença a ser erradicada no mundo inteiro em decor- fagocitárias (neutrófilos, macrófagos) e células NK (natural
rência de um programa de vacinação. killer); (3) proteínas do sangue, incluindo frações do sistema
Desde a década de 1960, tem havido uma transformação complemento e outros mediadores da inflamação e (4) pro-
impressionante na nossa compreensão do sistema imuno- teínas denominadas citocinas, que regulam e coordenam
lógico e de suas funções. Avanços nas técnicas de cultura várias atividades das células da imunidade natural. Os me-
celular (incluindo a produção de anticorpos monoclonais), canismos da imunidade natural são específicos para estru-
imunoquímica, metodologia de recombinação de DNA, cris- turas que são comuns a grupos de microrganismos seme-
talografia por raios X e a criação de animais modificados ge- lhantes e não conseguem distinguir diferenças discretas en-
neticamente (especialmente ratos transgênicos e camun- tre substâncias estranhas.
dongos knockout) fizeram com que a imunologia passasse Em contraste com a imunidade natural, existem outras
de uma disciplina predominantemente descritiva para uma respostas imunológicas que são estimuladas pela exposição
na qual diferentes fenômenos imunológicos podem ser ex- a agentes infecciosos cuja magnitude e capacidade defensiva
plicados em termos estruturais e bioquímicos. Neste capí- aumentam com exposições posteriores a um microrganismo
tulo, descrevemos as características gerais das respostas imu- em particular. Como essa forma de imunidade se desenvolve
nológicas e introduzimos os conceitos que formam as bases em resposta a infecções e se adapta à infecção, é chamada
fundamentais da imunologia moderna e que aparecem com de imunidade adaptativa ou adquirida. As características
freqüência no decorrer deste livro. que definem a imunidade adquirida incluem uma especifi-
cidade extraordinária para distinguir as diferentes moléculas
e uma habilidade de se “lembrar” e responder com mais in-
IMUNIDADE NATURAL E ADQUIRIDA tensidade a exposições subseqüentes ao mesmo microrga-
nismo. O sistema imunológico adquirido é capaz de reco-
A defesa contra microrganismos é mediada pelas reações nhecer e reagir a um grande número de substâncias, micro-
iniciais da imunidade natural e as respostas tardias da imu- bianas ou não. Além disso, ele tem uma incrível capacidade
nidade adquirida (Fig. 1-1 e Tabela 1-2). A imunidade natu- para distinguir entre os diferentes microrganismos e molé-
ral (também chamada de imunidade inata ou nativa) é a li- culas, incluindo até mesmo aqueles que apresentam uma
nha de defesa inicial contra os microrganismos, consistindo grande semelhança, sendo por isso também chamado de
em mecanismos de defesa celulares e bioquímicos que já imunidade específica. Ele também é denominado imunida-

Tabela 1–1. Eficácia da Vacinação Contra Algumas Doenças Infecciosas Comuns

Doença Número máximo Número de Alteração


de casos (ano) casos em 2004 percentual
Difteria 206.939 (1921) 0 –99,99
Sarampo 894.134 (1941) 37 –99,99
Caxumba 152.209 (1968) 236 –99,90
Coqueluche 265.269 (1934) 18.957 –96,84
Poliomielite 21.269 (1952) 0 –100,0
Rubéola 57.686 (1969) 12 –99,98
Tétano 1.560 (1923) 26 –98,33
Haemophilus ~20.000 (1984) 16 –99,92
influenzae tipo B
Hepatite B 26.611 (1985) 6.632 –75,08

Esta tabela ilustra a notável diminuição na incidência de doenças infecciosas selecionadas para as quais
foram desenvolvidas vacinas eficazes.
Adaptado de Orenstein WA, AR Hinman, KJ Bart, e SC Hadler. Immunization. In: Mandel GL, JE Bennett, e
R Dolin (eds). Principles and Practices of Infectious Diseases, 4th ed. Churchill Livingstone, New York,
1995, e Morbidity and Mortality Weekly Report 53:1213-1221, 2005.
Capítulo 1 — PROPRIEDADES GERAIS DAS RESPOSTAS IMUNOLÓGICAS 5

Microrganismo
Imunidade natural Imunidade adquirida
Linfócitos B
Barreiras Anticorpos
epiteliais

Fagócitos Células T efetoras


Linfócitos T

Complemento Células NK

Horas Dias
0 6 12 1 4 7
Período após
a infecção
FIG. 1-1 Imunidade natural e adquirida. Os mecanismos da imunidade natural fornecem a defesa inicial contra infecções. As respostas imunoló-
gicas adquiridas se desenvolvem posteriormente e consistem na ativação dos linfócitos. A cinética das respostas imunológicas natural e adquirida
é uma estimativa e pode variar em diferentes infecções.

Tabela 1–2. Características da Imunidade Natural e Adquirida

Natural Adquirida
Características
Especificidade Para estruturas compartilhadas Para antígenos de micróbios e
por grupos de micróbios para antígenos não-microbianos
relacionados
Diversidade Limitada; codificada pela Muito grande: receptores são
linhagem germinal produzidos pela recombinação
somática de segmentos
genéticos
Memória Nenhuma Sim

Tolerância a si própria Sim Sim


Componentes
Barreiras celulares Pele, epitélios das mucosas; Linfócitos nos epitélios;
e químicas substâncias antimicrobianas anticorpos secretados nas
superfícies epiteliais
Proteínas do sangue Complemento, outras Anticorpos

Células Fagócitos (macrófagos, Linfócitos


neutrófilos), células NK
(natural killer, matadoras
naturais)

Esta tabela apresenta uma lista das principais características e componentes das respostas
imunes naturais e adquiridas. A imunidade natural é discutida com muito mais detalhe no
Capítulo 2
6 Parte I — INTRODUÇÃO À IMUNOLOGIA

de adquirida para enfatizar o fato de que as intensas respos- invertebrados, a defesa do hospedeiro contra invasores é me-
tas protetoras são “adquiridas” por experiência. Os principais diada principalmente pela imunidade natural, incluindo os
componentes da imunidade adquirida incluem os linfócitos fagócitos e moléculas circulantes semelhantes às proteínas
e seus produtos, como os anticorpos. As substâncias estra- plasmáticas da imunidade natural dos vertebrados. A imuni-
nhas que induzem respostas imunológicas específicas ou são dade adquirida, formada por linfócitos e anticorpos, apareceu
o alvo de tais respostas são chamadas de antígenos. primeiro nos vertebrados que têm mandíbula e se tornou cada
As respostas imunológicas natural e adquirida são os com- vez mais especializada com a evolução das espécies.
ponentes de um sistema integrado de defesa do hospedeiro
no qual várias células e moléculas funcionam em coopera-
ção. Os mecanismos da imunidade natural proporcionam TIPOS DE RESPOSTAS IMUNOLÓGICAS ADQUIRIDAS
uma defesa eficaz contra as infecções. Entretanto, muitos
microrganismos patogênicos desenvolveram uma resistên- Existem dois tipos de respostas imunológicas adquiridas,
cia à imunidade natural, e a sua eliminação requer os pode- a imunidade humoral e a imunidade celular, que são me-
rosos mecanismos da imunidade adquirida. A resposta na- diadas por diferentes componentes do sistema imunológi-
tural aos microrganismos estimula as respostas imunológi- co, cuja função é eliminar os diversos tipos de microrganis-
cas adquiridas e influencia a natureza das respostas adqui- mos (Fig. 1-2). A imunidade humoral é mediada pelas mo-
ridas. Discutiremos os mecanismos e as funções fisiológicas léculas presentes no sangue e nas secreções das mucosas,
da imunidade natural mais detalhadamente no Capítulo 2. chamadas de anticorpos, que são produzidas pelos linfóci-
A imunidade natural é filogeneticamente o sistema de de- tos B (também chamados de células B). Os anticorpos reco-
fesa do hospedeiro mais antigo, enquanto o sistema imuno- nhecem antígenos microbianos, neutralizam a infecciosida-
lógico adquirido evoluiu posteriormente (Quadro 1-1). Nos de dos microrganismos e os preparam para serem elimina-

Quadro 1–1 ■ DETALHAMENTO: EVOLUÇÃO DO SISTEMA IMUNOLÓGICO

Todos os organismos multicelulares têm mecanismos de quiridas). Se esponjas (poríferos) de duas colônias diferentes
defesa do hospedeiro contra microrganismos. Esses meca- forem unidas mecanicamente, elas se tornam necróticas
nismos constituem a imunidade natural. Mas os mecanis- em 1 a 2 semanas, enquanto as esponjas da mesma colô-
mos de defesa mais especializados que constituem a imu- nia se fundem e continuam a crescer. Minhocas (anelídeos)
nidade adquirida só estão presentes nos vertebrados. e estrelas-do-mar (equinodermas) também rejeitam trans-
Nos invertebrados, várias células respondem aos micror- plantes de tecidos de outras espécies do filo. Essas reações
ganismos, cercando esses agentes infecciosos e os des- de rejeição são mediadas principalmente por células seme-
truindo. Essas células se parecem com as células fagocitá- lhantes às células fagocitárias. Elas diferem das que ocor-
rias e foram denominadas amebócitos fagocíticos nos ace- rem nos vertebrados porque a memória para o tecido trans-
lomados, hemócitos nos moluscos e nos artrópodes, coe- plantado não é gerada ou é difícil de ser demonstrada. No
lomócitos nos anelídeos, e leucócitos sangüíneos nos tuni- entanto, tais resultados indicam que até mesmo os inverte-
cados. Os invertebrados não possuem linfócitos específicos brados devem expressar moléculas de superfície que dis-
para antígenos e não produzem moléculas de imunoglobu- tinguem o próprio do estranho, e tais moléculas podem ser
linas (Ig) ou proteínas do complemento. Entretanto, eles as precursoras das moléculas de histocompatibilidade dos
contêm várias moléculas solúveis que ligam e lisam os mi- vertebrados. Recentemente, uma família de proteínas poli-
crorganismos. Essas moléculas incluem proteínas seme- morfas pertencentes à superfamília das imunoglobulinas foi
lhantes à lectina, que se ligam aos carboidratos presentes isolada de cordados marinhos e demonstrada responsável
nas paredes celulares dos microrganismos, aglutinando-os, pela rejeição de organismos. Essas proteínas podem ser
e numerosos fatores líticos e antimicrobianos, como as li- precursoras das moléculas de histocompatibilidade dos ma-
sozimas, que também são produzidos pelos neutrófilos dos míferos.
organismos superiores. As células fagocitárias de alguns in- A marca característica do sistema imunológico dos ver-
vertebrados são capazes de secretar citocinas que se asse- tebrados é a expressão de receptores a antígenos somati-
melham às citocinas derivadas dos macrófagos dos verte- camente rearranjados. Esses receptores apareceram nos
brados. Notavelmente, todos os organismos multicelulares peixes dotados de mandíbula. Mesmo alguns peixes sem
expressam receptores celulares semelhantes aos recepto- mandíbula expressam receptores altamente variáveis que
res toll-like que sintonizam micróbios e iniciam reações de diferem de uma célula para outra, mas estes não são gera-
defesa contra os micróbios. Assim, a defesa do hospedeiro dos pela recombinação de segmentos genéticos. Acredita-
invertebrado é mediada por células e moléculas semelhan- se que um transposon contendo o(s) gene(s) que codifica(m)
tes aos mecanismos efetores da imunidade natural dos or- a enzima para recombinação (RAG, ou genes de ativação de
ganismos superiores. recombinação, ver Capítulo 8) invadiu um gene que codifi-
Muitos estudos têm demonstrado que os invertebrados cava uma proteína semelhante a um segmento variável (V)
são capazes de rejeitar transplantes de tecidos estranhos de uma molécula de anticorpo. Isto permitiu que V e seg-
ou alotransplantes (nos vertebrados, esse processo de re- mentos relacionados fossem recombinados para gerar re-
jeição de enxertos depende das respostas imunológicas ad- ceptores antigênicos altamente diversos e específicos. Não

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Capítulo 1 — PROPRIEDADES GERAIS DAS RESPOSTAS IMUNOLÓGICAS 7

apenas essa característica, mas a maioria dos componentes gerados pelo embaralhamento de segmentos de DNA na
do sistema imunológico adquirido, incluindo linfócitos, anti- ausência de genes RAG e da maquinaria de recombinação
corpos e receptores às células T, moléculas MHC e tecidos somática mais avançada.
linfóides especializados (mas desprovidos de centros germi- O sistema imune também se tornou cada vez mais es-
nais), parecem todos ter aparecido bastante súbita e coor- pecializado com a evolução. Por exemplo, os peixes pos-
denadamente nos vertebrados dotados de mandíbula (p.ex., suem apenas um tipo de anticorpo, chamado IgM; esse nú-
tubarões) (ver Tabela). Uma versão mais primitiva de recep- mero aumenta para dois tipos nos anfíbios como o Xenopus,
tores antigênicos rearranjados existe em peixes sem man- e para sete ou oito tipos nos mamíferos. A presença de mais
díbula (p.ex., lampreias). Esses receptores foram chamados tipos de anticorpos aumenta as capacidades funcionais da
de “receptores linfocitários variáveis”, e aparentemente são resposta imunológica.

Imunidade natural Imunidade adquirida


Fagócitos Células NK Anticorpos Linfócitos T e B
Invertebrados
Protozoários + – – –
Esponjas + – – –
Anelídeos + + – –
Artrópodes + – – –
Vertebrados
Elasmobrânquios + + + (IgM apenas) +
(tubarões, raias)
Teleósteos + + + (IgM, outros?) +
(peixes comuns)
Anfíbios + + + (2 ou 3 classes) +
Répteis + + + (3 classes) +
Aves + + + (3 classes) +
Mamíferos + + + (7 ou 8 classes) +
Convenção: +, presente; –, ausente.

dos por diversos mecanismos efetores. A imunidade humo- A imunidade contra um microrganismo pode ser induzi-
ral é o principal mecanismo de defesa contra microrganis- da pela resposta do hospedeiro a ele ou pela transferência
mos extracelulares e suas toxinas, pois os anticorpos podem de anticorpos ou de linfócitos específicos para o microrga-
se ligar a eles e ajudar na sua eliminação. Os próprios anti- nismo (Fig. 1-3). O tipo de imunidade que é induzida pela
corpos são especializados, e diferentes tipos de anticorpos exposição a um antígeno estranho é chamado de imunida-
podem ativar mecanismos efetores diferentes. Por exemplo, de ativa, pois o indivíduo imunizado desempenha um papel
alguns tipos de anticorpos promovem a ingestão de micror- ativo na resposta ao antígeno. Os indivíduos e os linfócitos
ganismos por células do hospedeiro (fagocitose), enquanto que não tiveram exposição a um antígeno em particular são
outros se ligam e estimulam a liberação de mediadores da chamados de naïve ou virgens, que implica que não têm ex-
inflamação das células. A imunidade celular é mediada pe- periência imunológica. Os indivíduos que responderam a
los linfócitos T (também chamados de células T). Microrga- um antígeno microbiano e estão protegidos contra exposi-
nismos intracelulares, como os vírus e algumas bactérias, ções posteriores àquele microrganismo são considerados
sobrevivem e proliferam no interior de fagócitos e outras cé- imunes.
lulas do hospedeiro, onde estão protegidas dos anticorpos. Uma pessoa também pode se tornar imune pela transfe-
A defesa contra tais infecções cabe à imunidade celular, que rência de plasma ou linfócitos de um indivíduo imunizado,
promove a destruição dos microrganismos localizados em um processo conhecido como transferência adotiva em situ-
fagócitos ou a destruição das células infectadas para elimi- ações experimentais. O recipiente torna-se imune àquele an-
nar os reservatórios da infecção. tígeno em particular sem nunca ter sido exposto ou ter apre-
8 Parte I — INTRODUÇÃO À IMUNOLOGIA

Imunidade Imunidade me-


humoral diada por célula

Microrganismo
Microrganismos
Microrganismos Microrganismos intracelulares
extracelulares fagocitados no (p.ex., vírus)
macrófago replicando-se dentro
das células infectadas

Linfócitos de
resposta Linfócito T Linfócito T
Linfócito B auxiliar citotóxico

Anticorpo
secretado
Mecanismo
efetor

Soro Células Células FIG. 1-2 Tipos de imunidade adquirida. Na


Transferida por (anticorpos) (linfócitos T) (linfócitos T) imunidade humoral, os linfócitos B secretam
anticorpos, os quais previnem infecções por
Bloqueia Macrófagos Eliminar microrganismos extracelulares e os elimi-
infecções ativos para células nam. Na imunidade celular, os linfócitos T
Funções e elimina eliminar infectadas e auxiliares ativam os macrófagos para que
microrganismos microrganismos reservatórios destruam os microrganismos fagocitados ou
extracelulares fagocitados de infecção os linfócitos T citolíticos que destroem dire-
tamente as células infectadas.

sentado uma resposta a ele. Conseqüentemente, esse tipo de A primeira demonstração experimental da imunidade hu-
imunidade é chamado de imunidade passiva. A imunidade moral foi fornecida por Emil von Behring e Shibasaburo Ki-
passiva é um método eficaz para conferir resistência rapida- tasato em 1890. Eles mostraram que se o plasma de animais
mente, sem que haja a necessidade de se esperar uma res- que haviam se recuperado de difteria fosse transferido para
posta imunológica ativa. Um exemplo da imunidade passiva animais que não tiveram a infecção, os animais receptores se
é a transferência de anticorpos maternos para o feto, o que tornavam resistentes à infecção pela difteria. Os componen-
possibilita que os recém-nascidos combatam infecções antes tes ativos do plasma foram chamados de antitoxinas, pois
que adquiram a habilidade de produzir anticorpos. A imuni- neutralizavam os efeitos patológicos da toxina diftérica. No
zação passiva contra toxinas bacterianas mediante a admi- início dos anos de 1900, Karl Landsteiner e outros investiga-
nistração de anticorpos de animais imunizados é um trata- dores demonstraram que, além das toxinas, substâncias an-
mento que pode salvar vidas no caso de infecções potencial- tibacterianas também podiam induzir respostas imunológicas
mente letais, como o tétano e a raiva. A técnica de transferên- humorais. Desses estudos surgiu o termo mais genérico an-
cia adotiva também possibilitou definir as várias células e ticorpos para designar as proteínas plasmáticas que media-
moléculas que participam como mediadoras da imunidade vam a imunidade humoral. As substâncias que se ligam aos
específica. De fato, a imunidade humoral foi definida origi- anticorpos e geram a sua produção foram chamadas de an-
nariamente como um tipo de imunidade que poderia ser tígenos (as propriedades dos anticorpos e dos antígenos são
transferida para indivíduos não-imunizados, ou naïves, por descritas no Capítulo 4). Em 1900, Paul Ehrlich forneceu a
meio de porções do sangue que contenham anticorpos, mas base teórica para a especificidade das reações antígeno-anti-
que sejam livres de células (i.e., o plasma ou soro [daí a deno- corpo, mas a prova experimental só apareceu nos 50 anos se-
minação humoral]) obtidas de indivíduos previamente imu- guintes do trabalho de Landsteiner e outros, que usaram subs-
nizados. Da mesma forma, a imunidade celular foi definida tâncias químicas simples como antígeno. As teorias de Ehrli-
como a forma de imunidade que pode ser transferida para ch da complementaridade físico-química de antígenos e an-
indivíduos sem imunidade por meio das células (linfócitos T) ticorpos é impressionante devido à sua presciência. Essa ên-
de indivíduos imunizados, mas não por meio do plasma. fase inicial nos anticorpos levou a uma aceitação geral da te-
Capítulo 1 — PROPRIEDADES GERAIS DAS RESPOSTAS IMUNOLÓGICAS 9

Especificidade Memória
Antígeno microbiano Exposição à Recuperação
(vacina ou infecção) infecção (imunidade)
Dias ou
Imunidade semanas Sim Sim
ativa

Soro (anticorpos) ou
células (linfócitos T)
do animal imune
Exposição à Recuperação
Transferência infecção (imunidade)
Imunidade adotada para
passiva animal sem Sim Não
imunidade

FIG. 1-3 Imunidade ativa e passiva. A imunidade ativa ocorre quando o hospedeiro apresenta uma resposta a um microrganismo ou a um antíge-
no microbiano, enquanto a imunidade passiva ocorre mediante a transferência de anticorpos ou de linfócitos T específicos para o microrganismo.
As duas formas de imunidade fornecem resistência a infecções (imunidade) e são específicas para antígenos microbianos, mas somente as res-
postas imunológicas ativas geram memória imunológica.

oria da imunidade humoral que diz que a imunidade é me- uma indicação dessa “imunidade”. Apesar de a reação ao
diada por substâncias presentes nos fluidos corporais. antígeno purificado não ter uma função protetora, ela indi-
A teoria da imunidade celular, a qual dizia que as células ca que o indivíduo imunizado é capaz de desenvolver uma
do hospedeiro seriam os principais mediadores da imunida- resposta protetora ao microrganismo.
de, foi defendida inicialmente por Elie Metchnikoff. Sua de-
monstração de que fagócitos cercavam um espinho espetado
na larva translúcida de uma estrela-do-mar, publicada em PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS RESPOSTAS
1883, foi provavelmente a primeira evidência experimental IMUNOLÓGICAS ADQUIRIDAS
de que as células respondem a invasores. A observação de Sir
Almroth Wright, no início dos anos de 1900, de que fatores no Todas as respostas imunológicas humorais e celulares a an-
plasma imune estimulavam a fagocitose de bactérias cobrin- tígenos estranhos apresentam uma quantidade de determi-
do-as, um processo conhecido como opsonização, apoiou a nadas propriedades fundamentais que refletem as proprie-
crença de que os anticorpos preparavam os microrganismos dades dos linfócitos, que são os intermediários dessas res-
para serem ingeridos por meio da fagocitose. Esses “celula- postas (Tabela 1-3).
ristas” pioneiros não foram capazes de provar que a imuni-
dade específica aos microrganismos podia ser mediada por Especificidade e diversidade. As respostas imunológicas
células. A teoria celular da imunidade tornou-se firmemente são específicas para cada antígeno e até para diferentes
estabelecida nos anos de 1950, quando George Mackaness porções de uma proteína complexa, um polissacarídeo
demonstrou que a resistência a uma bactéria intracelular, a ou qualquer outra macromolécula (Figura 1-4). As partes
Listeria monocytogenes, podia ser transferida por meio de cé- de tais antígenos que são reconhecidas especificamente
lulas, mas não por meio do plasma. Atualmente sabemos que pelos linfócitos são chamadas de determinantes ou epi-
a especificidade da imunidade celular se deve aos linfócitos, topos. Essa especificidade acentuada ocorre porque os
que geralmente trabalham com outras células, como as célu- linfócitos expressam em sua superfície receptores de
las fagocitárias, para eliminar os microrganismos. membrana que são capazes de distinguir diferenças dis-
Na prática clínica, a imunidade a um microrganismo com cretas na estrutura entre antígenos distintos. Os indiví-
o qual se teve contato anteriormente é medida de modo in- duos não-imunizados apresentam clones de linfócitos
direto, mediante ensaios para detectar a presença de pro- com especificidades diversas, sendo capazes de reconhe-
dutos da resposta imunológica (como anticorpos plasmáti- cer e responder a antígenos estranhos. Esse conceito é o
cos específicos para os antígenos microbianos) ou adminis- dogma básico da hipótese da seleção clonal e será discu-
trando-se substâncias purificadas derivadas do microrga- tido em mais detalhes mais adiante.
nismo e medindo-se as reações a essas substâncias. A reação O número total de especificidades antigênicas dos lin-
a um antígeno microbiano só é detectável em indivíduos que fócitos de um indivíduo, denominado repertório linfoci-
tiveram contato prévio com o antígeno; diz-se que esses in- tário, é muito grande. Estima-se que o sistema imunoló-
divíduos estão “imunizados” contra o antígeno e a reação é gico de uma pessoa possa discriminar de 107 a 109 deter-
10 Parte I — INTRODUÇÃO À IMUNOLOGIA

Tabela 1–3. Principais Características das minantes antigênicos diferentes. Essa propriedade do re-
Respostas Imunes Adquiridas pertório linfocitário é chamada de diversidade e resulta da
variabilidade das estruturas dos locais de ligação de antí-
Característica Significado funcional genos dos receptores de antígenos dos linfócitos. Em ou-
tras palavras, existem diversos clones linfocitários que di-
Especificidade Garante que antígenos distintos ferem na estrutura de seus receptores de antígenos e, con-
desencadeiem respostas específicas seqüentemente, em sua especificidade para os antígenos,
criando um repertório total que é extremamente diverso.
Diversidade Capacita o sistema imunológico a Os mecanismos moleculares que geram tais receptores an-
responder a uma grande variedade tigênicos diversos são abordados no Capítulo 8.
de antígenos
Memória. A exposição do sistema imunológico a um an-
Memória Conduz a respostas intensificadas tígeno estranho aumenta a sua habilidade de responder
a exposições repetidas novamente àquele antígeno. Respostas a exposições pos-
ao mesmo antígeno teriores ao mesmo antígeno, chamadas de respostas imu-
Expansão Aumenta o número de linfócitos nológicas secundárias, em geral ocorrem mais rapida-
antígeno-específicos para que se mente, são de maior intensidade e com freqüência são
clonal
mantenham atualizados com qualitativamente diferentes da primeira resposta, ou res-
os micróbios posta imunológica primária, ao antígeno (Fig. 1-4). A me-
mória imunológica ocorre parcialmente, pois cada expo-
Especialização Gera respostas que são ideais sição a um antígeno expande o clone de linfócitos espe-
para a defesa contra diferentes cíficos para aquele antígeno. Além disso, a estimulação
tipos de micróbios de linfócitos inativos pelos antígenos gera células de me-
Contração e Permite ao sistema imunológico mória de longa duração (abordada mais detalhadamente
homeostasia responder a novos antígenos no Capítulo 3). Essas células de memória possuem carac-
encontrados terísticas especiais que as tornam mais eficientes na eli-
minação do antígeno do que os linfócitos naïve, que ain-
Tolerância a Evita lesão do hospedeiro durante
da não foram expostos ao antígeno. Por exemplo, os lin-
antígenos respostas a antígenos estranhos
fócitos B de memória produzem anticorpos que se ligam
próprios a antígenos com maior afinidade do que células B que
não foram estimuladas previamente, enquanto as células
As características das respostas imunes adquiridas são essenciais para
T de memória chegam aos locais de infecção com maior
as funções do sistema imune.
rapidez e força ao antígeno do que as células T naïve.
Expansão clonal. Os linfócitos sofrem considerável pro-
liferação em seguida à exposição a antígeno. O termo ex-

Antígeno X +
Antígeno X Antígeno Y

Célula B anti-X
Título sérico de anticorpos

Células B
Célula B anti-Y ativadas

Resposta
Células B secundária
ativadas anti-X
Células
B de
Células B memória Célula B
naive naive Células B
ativadas FIG. 1-4 Especificidade, memória e autolimita-
Resposta ção das respostas imunológicas adquiridas. Os
primária Resposta antígenos X e Y estimulam a produção de anticor-
anti-X primária pos diferentes (especificidade). A resposta secun-
anti-Y dária ao antígeno X é mais rápida e de maior am-
plitude do que a resposta primária (memória). Os
níveis de anticorpos diminuem com o passar do
2 4 6 8 10 tempo após cada imunização (autolimitação, o pro-
cesso que mantém a homeostase). As mesmas
Semanas características são vistas nas respostas da imuni-
dade celular.
Capítulo 1 — PROPRIEDADES GERAIS DAS RESPOSTAS IMUNOLÓGICAS 11

pansão clonal refere-se a um aumento no número de cé- mulação persistente ou recorrente com o mesmo antígeno
lulas que expressam receptores idênticos para o antígeno, e possa, assim, combater infecções prolongadas ou de re-
e assim pertencem a um clone. Esse aumento nas células petição. A diversidade é essencial para defender os indiví-
antígeno-específicas capacita a resposta imune adquirida duos contra os vários patógenos em potencial que existem
a se manter atualizada com os patógenos infecciosos que no meio ambiente. A especialização permite que o hospe-
estão se dividindo rapidamente. deiro desenvolva respostas “sob medida” para combater
melhor os diferentes tipos de microrganismos. A autolimi-
Especialização. Como já foi dito, o sistema imunológico
tação permite que o sistema retorne a um estado de repou-
responde de maneira distinta e especial a diferentes mi-
so após eliminar cada antígeno estranho e que esteja pre-
crorganismos, maximizando a eficiência dos mecanismos
parado para responder a outros antígenos. A autotolerância
de defesa antimicrobianos. Assim, as respostas da imu-
é essencial para a prevenção de reações contra as suas pró-
nidade humoral e da imunidade celular são desenca-
prias células e tecidos e, ao mesmo tempo, para a manuten-
deadas por diferentes classes de microrganismos ou pelo
ção de um amplo repertório linfocitário específico para an-
mesmo microrganismo em diferentes estágios de infec-
tígenos invasores.
ção (extracelular e intracelular), e cada tipo de resposta
imunológica protege o hospedeiro contra aquela classe
de microrganismo. Mesmo no âmbito das respostas imu- COMPONENTES CELULARES DO SISTEMA
nológicas humoral e celular, a natureza dos anticorpos
ou dos linfócitos T que são gerados pode variar de uma IMUNOLÓGICO ADQUIRIDO
classe de microrganismo para outra. Abordaremos nova-
Os linfócitos, as células apresentadoras de antígenos e as
mente os mecanismos e o significado funcional de tal es-
células efetoras são as principais células do sistema imu-
pecialização nos capítulos posteriores.
nológico. Os linfócitos são as células que reconhecem e res-
Autolimitação e homeostasia. Todas as respostas imu- pondem especificamente a antígenos estranhos e são, con-
nológicas normais diminuem com o passar do tempo, fa- seqüentemente, os mediadores da imunidade humoral e
zendo com que o sistema imunológico retorne ao seu es- celular. Existem diversas subpopulações de linfócitos que
tado basal, um processo chamado de homeostasia (Figu- diferem em sua maneira de reconhecer os antígenos e em
ra 1-4). A manutenção da homeostasia ocorre principal- suas funções (Fig. 1-5). Os linfócitos B são as únicas células
mente porque as respostas imunológicas são desencadea- capazes de produzir anticorpos. Eles reconhecem antígenos
das por antígenos e a sua função é eliminá-los, terminan- extracelulares (incluindo os que se encontram na superfície
do, assim, com o estímulo essencial para a ativação e so- celular) e se diferenciam em células secretoras de anticor-
brevivência dos linfócitos. Os linfócitos privados desses pos, funcionando, assim, como mediadores da imunidade
estímulos morrem por apoptose. Esses mecanismos ho- humoral. Os linfócitos T, as células de imunidade celular,
meostáticos são abordados no Capítulo 11. reconhecem os antígenos de microrganismos intracelulares,
Tolerância a antígenos próprios. Uma das propriedades destruindo-os ou destruindo as células infectadas. As célu-
mais notáveis do sistema imunológico de todo indivíduo las T não produzem anticorpos. Seus receptores de antígeno
normal é a sua habilidade em reconhecer muitos antíge- são moléculas presentes na membrana, distintas dos anti-
nos estranhos (não-próprios), responder a eles e eliminá- corpos, mas estruturalmente relacionadas a eles (Capítulo
los, e ao mesmo tempo não desenvolver uma reação le- 7). Os linfócitos T apresentam uma especificidade restrita
siva às substâncias antigênicas do hospedeiro (próprias). para antígenos; eles reconhecem apenas peptídeos antigê-
A ausência de resposta imunológica é denominada tole- nicos ligados a proteínas do hospedeiro que são codificadas
rância. A tolerância a antígenos próprios, ou autotolerân- pelos genes do complexo principal de histocompatibilidade
cia, é mantida por meio de vários mecanismos. Eles in- (MHC) e que se expressam nas superfícies de outras células.
cluem a capacidade de eliminar linfócitos que expressam Conseqüentemente, essas células T reconhecem e respon-
receptores específicos para alguns antígenos próprios e dem a antígenos associados à superfície celular, mas não a
de permitir que os linfócitos encontrem outros antígenos antígenos solúveis (Capítulo 6). Os linfócitos T consistem
próprios em circunstâncias que levam à desativação fun- em populações funcionalmente distintas das quais as que
cional ou morte dos linfócitos auto-reativos. Os mecanis- foram mais bem caracterizadas são as células T auxiliares e
mos da autotolerância e da discriminação entre antígenos os linfócitos T citolíticos ou citotóxicos (CTLs). Em respos-
próprios e estranhos são discutidos no Capítulo 11. Anor- ta à estimulação antigênica, as células T auxiliares secretam
malidades na indução ou na manutenção da autotolerân- proteínas chamadas citocinas, cuja função é estimular a pro-
cia levam a respostas imunológicas contra antígenos pró- liferação e a diferenciação das células T, assim como a ati-
prios (antígenos autólogos), geralmente resultando em vação de outras células, incluindo as células B, os macrófa-
disfunções chamadas de doenças auto-imunes. O desen- gos e outros leucócitos. Os CTLs destroem células que pro-
volvimento e as conseqüências patológicas da auto-imu- duzem antígenos estranhos, como as células infectadas por
nidade são descritos no Capítulo 18. vírus e outros microrganismos intracelulares. A função prin-
cipal de alguns linfócitos T, que são chamados de células T
reguladoras, é a de inibir as respostas imunológicas. A natu-
Essas características da imunidade adquirida são neces- reza e as funções fisiológicas dessas células T reguladoras
sárias para que o sistema imunológico desempenhe a sua são discutidas no Capítulo 11. Uma terceira classe de linfó-
função normal de defesa do hospedeiro (Tabela 1-3). A es- citos, as células natural killer (NK), está envolvida na imu-
pecificidade e a memória permitem que o sistema imuno- nidade natural contra os vírus e outros organismos extrace-
lógico desenvolva respostas acentuadas em casos de esti- lulares. Voltaremos a abordar de forma mais detalhada as
12 Parte I — INTRODUÇÃO À IMUNOLOGIA

Reconhecimento Funções efetoras


do antígeno

Neutralização
do microrganis-
Linfócito B mo, fagocitose
e ativação do
Microrganismo complemento
Anticorpo

Citocinas Ativação de
macrófagos

Inflamação
Antígeno microbiano
Linfócito T apresentado pela
auxiliar célula apresentadora Ativação
de antígeno (proliferação e
diferenciação)
de linfócitos
TeB

Destruição
Linfócito T da célula
citotóxico infectada
(CTL) Célula infectada
expressando
antígeno microbiano

Linfócito T Supressão da
regulador resposta imune

Célula natural Destruição


da célula
killer (NK) infectada
Célula infectada
FIG. 1-5 Classes de linfócitos. Os linfócitos B reconhecem antígenos solúveis e se transformam em células secretoras de anticorpos. Os linfóci-
tos T auxiliares reconhecem os antígenos presentes na superfície das células apresentadoras de antígenos e secretam citocinas que estimulam os
vários mecanismos da imunidade e da inflamação. Os linfócitos T citolíticos reconhecem os antígenos presentes nas células infectadas, destruin-
do-as. As células T reguladoras suprimem e impedem a resposta imune, p.ex., a antígenos próprios. As células natural killer usam receptores com
diversidade mais limitada que os receptores a antígenos das células T ou B para reconhecer e destruir os seus alvos, como as células infectadas.

propriedades dos linfócitos no Capítulo 3. As diferentes clas- ras de antígenos (APCs). As APCs com maior grau de espe-
ses de linfócitos podem ser distinguidas pela expressão de cialização são as células dendríticas, que capturam os antí-
proteínas de superfície que são denominadas “moléculas genos microbianos provenientes do ambiente externo, trans-
CD” e denotadas por números (Capítulo 3). portando-os para os órgãos linfóides e apresentando-os aos
O início e o desenvolvimento das respostas imunológicas linfócitos T naïve para que haja o início da resposta imuno-
adquiridas requerem que os antígenos sejam capturados e lógica. Outros tipos celulares desempenham a função de
apresentados a linfócitos específicos. As células que desem- APCs em diferentes estágios das respostas da imunidade hu-
penham esse papel são chamadas de células apresentado- moral. A função das APCs está descrita no Capítulo 6.
Capítulo 1 — PROPRIEDADES GERAIS DAS RESPOSTAS IMUNOLÓGICAS 13

A ativação de linfócitos pelos antígenos leva à geração de imune natural a alguns patógenos infecciosos, particular-
numerosos mecanismos cuja função é eliminar o antígeno. mente vírus, consiste na produção de citocinas antivirais
A eliminação do antígeno geralmente requer a participação chamadas interferons e ativação de células NK, as quais des-
de células denominadas células efetoras, porque elas me- troem as células infectadas por vírus.
deiam o efeito final da resposta imune, que é se livrar do mi- Micróbios que são capazes de resistir a essas reações de
cróbio. Linfócitos T ativados, células fagocitárias mononu- defesa podem entrar na corrente sangüínea, onde são reco-
cleares e outros leucócitos desempenham o papel de células nhecidos pelas proteínas circulantes da imunidade natural.
efetoras nas diferentes respostas imunológicas. As proteínas plasmáticas mais importantes da imunidade
Os linfócitos e as APCs estão concentrados em órgãos lin- natural são os membros do sistema complemento. As pro-
fóides discretos, onde interagem entre si para iniciar as res- teínas do complemento podem ser ativadas diretamente
postas imunológicas. Os linfócitos também estão presentes pelas superfícies microbianas (a via alternativa de ativação),
no sangue; do sangue, eles podem recircular para os tecidos resultando na geração de produtos de clivagem que estimu-
linfóides e para os tecidos periféricos onde haja exposição a lam inflamação, revestem os micróbios para fagocitose in-
antígenos para eliminá-los (Capítulo 3). tensificada, e criam furos nas membranas celulares micro-
bianas, levando à sua lise. (Como veremos mais tarde, o com-
plemento também pode ser ativado por anticorpos — a cha-
VISÃO GERAL DAS RESPOSTAS mada via clássica, por motivos históricos — com as mesmas
conseqüências funcionais.)
IMUNES AOS MICRÓBIOS As reações de imunidade natural são notavelmente efica-
zes para controlar, e mesmo erradicar, muitas infecções. En-
Agora que já descrevemos os principais componentes do tretanto, uma marca característica dos micróbios patogêni-
sistema imune e as suas propriedades, é útil resumir os prin- cos é que eles evoluíram para resistir à imunidade natural,
cípios das respostas imunes a diferentes tipos de micróbios. e invadir e replicar-se com sucesso nas células e nos tecidos
Esse resumo constituirá uma fundamentação para os tópi- do hospedeiro. A defesa contra esses patógenos exige os me-
cos que são discutidos em todo o livro. canismos mais poderosos e especializados da imunidade
O sistema imune tem de combater muitos e diferentes adquirida.
micróbios. Como logo veremos, algumas características das
respostas imunes são comuns para todos os patógenos in-
fecciosos, e outras são exclusivas para diferentes classes des-
A Resposta Imune Adquirida
tes micróbios. Os modos pelos quais essas reações adquiri- O sistema da imunidade adquirida usa três estratégias prin-
das são iniciadas, orquestradas e controladas constituem as cipais para combater a maioria dos micróbios.
questões fundamentais da imunologia. Começamos com
Anticorpos secretados ligam-se aos micróbios extracelu-
uma discussão da resposta imune natural.
lares, bloqueiam sua capacidade de infectar células do
hospedeiro, e promovem sua ingestão e subseqüente des-
A Resposta Imune Natural Inicial aos Micróbios truição por fagócitos.
O sistema imune natural bloqueia a entrada de micróbios e Fagócitos ingerem os micróbios e os destroem, e as célu-
elimina ou limita o crescimento de muitos micróbios que las T auxiliares aumentam as capacidades microbicidas
são capazes de colonizar tecidos. Os principais locais de in- dos fagócitos.
teração entre os indivíduos e o seu ambiente — a pele e os
CTLs destroem as células infectadas por micróbios que
tratos gastrointestinal e respiratório — são revestidos por
são inacessíveis aos anticorpos.
epitélios contínuos, os quais servem como barreiras para
impedir a entrada de micróbios a partir do ambiente exter-
O objetivo da resposta adquirida é ativar um ou mais
no. Se micróbios violarem com sucesso as barreiras epite-
desses mecanismos de defesa contra diversos micróbios que
liais, eles encontram macrófagos no tecido subepitelial. Os podem estar em diferentes localizações anatômicas, como
macrófagos (e outros leucócitos fagocíticos) expressam nas o lúmen intestinal, a circulação, ou dentro de células. Uma
suas superfícies receptores que ligam e ingerem micróbios, característica do sistema imunológico adquirido é que ele
e outros receptores que reconhecem diferentes moléculas produz grande número de linfócitos durante a maturação e
microbianas e ativam as células. depois da estimulação por antígeno, e seleciona as células
Os macrófagos ativados efetuam diversas funções que mais úteis para combater os micróbios. Essa seleção maxi-
servem coletivamente para eliminar os micróbios ingeridos. miza a eficácia da resposta imune adquirida. Todas as res-
Essas células produzem espécies de oxigênio reativo e enzi- postas imunes adquiridas se desenvolvem por etapas, cada
mas lisossômicas, as quais destroem os micróbios que foram uma das quais corresponde a reações particulares dos lin-
ingeridos. Os macrófagos secretam citocinas que promovem fócitos (Fig. 1-6). Começamos essa visão geral da imunidade
o recrutamento de outros leucócitos, como neutrófilos, a adquirida com o primeiro passo, que é o reconhecimento
partir dos vasos sangüíneos para o local da infecção. As ci- dos antígenos.
tocinas são proteínas secretadas que são responsáveis por
muitas das respostas celulares da imunidade natural e ad-
Captura e Apresentação dos
quirida, e assim funcionam como “moléculas mensageiras”
Antígenos Microbianos
do sistema imunológico. A acumulação local de leucócitos,
e sua ativação para destruir os micróbios, são uma parte da Uma vez que o número de linfócitos inativos específico para
resposta do hospedeiro chamada inflamação. A resposta qualquer antígeno é muito pequeno (da ordem de 1 em 105
14 Parte I — INTRODUÇÃO À IMUNOLOGIA

Reconhecimento Ativação do Eliminação Diminuição


Memória
do antígeno linfócito do antígeno (homeostasia)
Célula Linfócito T
produtora de efetor
anticorpos Eliminação
dos antígenos

Diferenciação
Imunidade
humoral

Células de
memória
Imunidade sobreviventes
mediada por célula
Apoptose
Célula Expansão
apresentadora
de antígeno clonal

Linfócito T
naive

Linfócito B
naive

0 7 14 21
Dias após a exposição
ao antígeno
FIG. 1-6 Fases da resposta imunológica adquirida. A resposta imunológica adquirida consiste em fases distintas, nas quais as três primeiras in-
cluem o reconhecimento do antígeno, a ativação dos linfócitos e a eliminação do antígeno (fase efetora). A resposta sofre uma redução à medida
que os linfócitos que foram estimulados pelo antígeno morrem por apoptose, restaurando a homeostase, e as células específicas para o antígeno
que sobrevivem são responsáveis pela memória. A duração de cada fase pode variar nas diversas respostas imunológicas. O eixo y representa uma
medida arbitrária da magnitude da resposta. Esses princípios se aplicam à imunidade humoral (mediada pelos linfócitos B) e pela imunidade celular
(mediada pelos linfócitos T).

ou 106 linfócitos) e a quantidade do antígeno disponível tam- sada (natural) por linfócitos B específicos. Há também APCs
bém pode ser pequena, mecanismos especiais são necessá- especializadas que apresentam os antígenos aos linfócitos B.
rios para capturar micróbios, concentrá-los na localização
correta, e fornecer seus antígenos a linfócitos específicos.
Reconhecimento dos Antígenos
As células dendríticas são as APCs que exibem os peptídeos
pelos Linfócitos
microbianos aos linfócitos T naïves CD4⫹ e CD8⫹ e iniciam
respostas imunes adaptativas aos antígenos protéicos. As cé- Linfócitos específicos para um grande número de antígenos
lulas dendríticas localizadas no epitélio e nos tecidos conjun- existem antes da exposição ao antígeno; quando o antígeno
tivos capturam micróbios, digerem suas proteínas para pep- entra no organismo, ele seleciona células específicas e as
tídeos, e expressam na sua superfícies esses peptídeos ligados ativa (Fig. 1-7). Esse conceito fundamental é chamado de
a moléculas MHC, as quais são moléculas especializadas de hipótese da seleção clonal. Ele foi sugerido inicialmente por
apresentação de peptídeos. As células dendríticas transpor- Niels Jerne em 1955, tendo sido enunciado com mais clare-
tam a sua carga antigênica para os linfonodos de drenagem e za em 1957 por Macfarlane Burnet, para explicar como o sis-
estabelecem residência nas mesmas regiões dos linfonodos tema imunológico podia responder a um grande número e
através das quais os linfócitos T naïves recirculam continua- a uma grande variedade de antígenos. De acordo com essa
mente. Assim, a probabilidade de um linfócito com recepto- hipótese, os clones de linfócitos específicos para um antíge-
res para um antígeno encontrar esse antígeno é grandemen- no se desenvolvem antes e independentemente da sua ex-
te aumentada pela concentração do antígeno em forma iden- posição ao antígeno. As células que formam cada clone pos-
tificável na localização anatômica correta. As células dendrí- suem receptores antigênicos idênticos e que diferem dos
ticas também exibem os peptídeos dos micróbios que entram receptores das células de outros clones. Estima-se que há
em outros tecidos linfóides, como o baço. mais de 106 especificidades diferentes nos linfócitos T e B,
Os micróbios ou antígenos microbianos intactos que entram de modo que pelo menos esse número de determinantes
nos linfonodos e baço são reconhecidos em forma não-proces- antigênicos pode ser reconhecido pelo sistema da imunida-
Capítulo 1 — PROPRIEDADES GERAIS DAS RESPOSTAS IMUNOLÓGICAS 15

Precursor
Clones de do linfócito Linfócito
linfócitos maduro
amadurecem nos
órgãos linfóides,
na ausência de
antígenos

Clones de linfócitos
maduros específicos
para diversos
antígenos entram
nos tecidos linfóides Antígeno X Antígeno Y

Clones específicos
para um antígeno
são ativados
(“selecionados”)
pelos antígenos

FIG. 1-7 A hipótese da seleção clonal. Cada antí- Respostas imunes


geno (X ou Y) seleciona um clone de linfócitos pree- específicas para o
xistente e estimula a sua proliferação e diferenciação. antígeno ocorrem Anticorpo
O diagrama mostra somente os linfócitos B levando anti-X Anticorpo
à formação de células secretoras de anticorpos, mas anti-Y
o mesmo princípio se aplica aos linfócitos T.

de adquirida. Iremos retornar a uma discussão mais deta- predominantemente por citocinas secretadas. Uma das res-
lhada sobre a seleção clonal no Capítulo 3. postas mais iniciais das células T auxiliares CD4⫹ é a secre-
A ativação dos linfócitos T naïves exige o reconhecimento ção da citocina interleucina-2 (IL-2). A IL-2 é um fator de
de complexos peptídeo-MHC apresentados nas células den- crescimento que atua sobre os linfócitos ativados por antí-
dríticas. A natureza do antígeno que ativa as células T (i.e., geno e estimula a sua proliferação (expansão clonal). Uma
peptídeos ligados a moléculas MHC) assegura que esses lin- parte da sua progênie se diferencia em células efetoras que
fócitos possam interferir somente em outras células (uma vez podem secretar diferentes conjuntos de citocinas, e assim
que as moléculas MHC são proteínas da superfície celular) e desempenhar diferentes funções. Essas células efetoras dei-
não em antígenos livres. Isto, evidentemente, é previsível, por- xam os órgãos linfóides onde foram geradas e migram para
que todas as funções dos linfócitos T são dependentes das os locais de infecção e acompanham a inflamação. Quando
suas interações físicas com outras células. A fim de responder, esses efetores diferenciados encontram novamente micró-
as células T necessitam reconhecer não apenas os antígenos bios associados a células, eles são ativados para desempe-
mas também outras moléculas, chamadas co-estimuladoras, nhar as funções que são responsáveis pela eliminação dos
que são induzidas nas APCs pelos micróbios. O reconheci- micróbios. Algumas células T efetoras da linha celular auxi-
mento do antígeno fornece especificidade à resposta imune, liar CD4⫹ secretam a citocina interferon-γ, que é um poten-
e a necessidade de co-estimulação assegura que as células T te ativador dos macrófagos e induz a produção de substân-
respondam aos micróbios (os indutores das moléculas co-es- cias microbicidas nos macrófagos. Assim, essas células T
timuladoras) e não a substâncias inofensivas. auxiliares são capazes de reconhecer antígenos microbianos
Os linfócitos B usam seus receptores a antígenos (molé- nos macrófagos que fagocitaram os micróbios, e de ajudar
culas de anticorpo ligadas à membrana) para reconhecer os fagócitos a destruir os patógenos infecciosos. Outras cé-
antígenos de muitos tipos químicos diferentes. lulas T efetoras CD4⫹ secretam citocinas que estimulam a
O encaixe dos receptores a antígenos e outros sinais de- produção de uma classe especial de anticorpo chamada imu-
sencadeia proliferação e diferenciação dos linfócitos. As rea- noglobulina E (IgE) e ativam leucócitos chamados eosinófi-
ções e funções dos linfócitos T e B diferem de maneiras im- los, os quais são capazes de eliminar parasitas que podem
portantes e é melhor considerá-las separadamente. ser demasiado grandes para serem fagocitados. Como dis-
cutimos adiante, as células T auxiliares CD4⫹ também esti-
mulam respostas das células B.
Imunidade Celular: Ativação dos Linfócitos T e
Os linfócitos CD8⫹ ativados proliferam e se diferenciam
Eliminação de Micróbios Intracelulares
em CTLs que destroem células que contêm micróbios no ci-
Os linfócitos T auxiliares CD4⫹ ativados proliferam e se di- toplasma. Esses micróbios podem ser vírus que infectam
ferenciam em células efetoras cujas funções são mediadas muitos tipos de células, ou bactérias que são ingeridas pelos
16 Parte I — INTRODUÇÃO À IMUNOLOGIA

macrófagos mas aprenderam a escapar das vesículas fago- centrações de anticorpos. Os anticorpos que são secretados
cíticas para o citoplasma (onde são inacessíveis à maquina- por essas células plasmáticas de vida longa fornecem prote-
ria destruidora dos fagócitos, a qual em grande parte é limi- ção imediata se o micróbio voltar a infectar o indivíduo. Pro-
tada às vesículas). Destruindo as células infectadas, os CTLs teção mais eficaz é fornecida pelas células de memória que
eliminam os reservatórios de infecção. são ativadas pelo micróbio.

Imunidade Humoral: Ativação dos Linfócitos B Memória Imunológica


e Eliminação de Micróbios Extracelulares Uma resposta imune eficaz elimina os micróbios que inicia-
Ao sofrerem ativação, os linfócitos B proliferam e se diferen- ram a resposta. Isto é seguido por uma fase de contração, na
ciam em células que secretam diferentes classes de anticor- qual os clones expandidos de linfócitos morrem e a home-
pos com funções distintas. Muitos antígenos polissacarídi- ostasia é restaurada.
cos e lipídicos possuem múltiplos determinantes antigênicos A ativação inicial dos linfócitos gera células de memória
que são capazes de se encaixar em muitas moléculas recep- de longa duração, as quais podem sobreviver durante anos
toras de antígeno em cada célula B e iniciar o processo de após a infecção. As células de memória são mais eficazes
ativação da célula B. A resposta das células B aos antígenos para combater micróbios do que os linfócitos naïves, por-
protéicos exige sinais ativadores (help, auxílio) das células T que, como mencionado anteriormente, as células de memó-
CD4⫹ (o que é a razão histórica de se chamar essas células T ria representam um fundo geral expandido de linfócitos an-
de células “auxiliares” (helper). As células B ingerem antíge- tígeno-específicos (mais numerosos do que as células naïves
nos protéicos, degradam-nos, e exibem os peptídeos ligados específicas para o antígeno), e respondem mais rápida e efi-
a moléculas MHC para reconhecimento pelas células T au- cazmente contra o antígeno do que as células naïves. Essa é
xiliares, as quais a seguir ativam as células B. a razão pela qual a geração de respostas de memória cons-
Uma parte da progênie dos clones expandidos de células titui o segundo objetivo importante da vacinação. Discuti-
B se diferencia em células plasmáticas secretoras de anticor- remos as propriedades dos linfócitos de memória mais de-
po. Cada célula plasmática secreta anticorpos que têm o mes- talhadamente no Capítulo 3.
mo local de ligação de antígeno que os anticorpos da super-
fície celular (receptores da célula B) que primeiro reconhe- Nas Partes II, III e IV, descrevemos detalhadamente o re-
ceram o antígeno. Polissacarídeos e lipídeos estimulam a conhecimento, a ativação, as fases efetoras e a regulação da
secreção principalmente da classe de anticorpo chamada resposta imunológica adquirida. Os princípios introduzidos
IgM. Os antígenos protéicos, em virtude das ações das célu- neste capítulo reaparecem ao longo do livro.
las T auxiliares, induzem a produção de anticorpos de dife-
rentes classes (IgG, IgA, IgE). Essa produção de anticorpos
funcionalmente diferentes, todos os quais com a mesma es- RESUMO
pecificidade, é chamada troca de cadeia pesada. Ela propor-
ciona plasticidade à resposta de anticorpo, capacitando-a a
servir a muitas funções. As células T auxiliares também esti- A imunidade protetora contra microrganismos é me-
mulam a produção de anticorpos com afinidade aumentada diada pelas reações iniciais da imunidade natural e
pelo antígeno. Esse processo, chamado maturação da afini- pelas respostas posteriores da imunidade adquirida. A
dade, melhora a qualidade da resposta imune humoral. imunidade natural é estimulada por estruturas comuns
A resposta imune humoral combate os micróbios de mui- a grupos de microrganismos. A imunidade adquirida
tas maneiras. Anticorpos ligam-se aos micróbios e os impe- é específica para diferentes antígenos microbianos e
dem de infectarem células, assim “neutralizando” os micró- não-microbianos, sendo acentuada por repetidas ex-
bios. Dessa maneira, os anticorpos são capazes de prevenir posições ao antígeno (memória imunológica).
infecções. De fato, os anticorpos são os únicos mecanismos
da imunidade adquirida que bloqueiam uma infecção antes A imunidade humoral é mediada pelos linfócitos B e
que ela seja estabelecida; essa é a razão pela qual provocar a pelos produtos que eles secretam, os anticorpos, que
produção de anticorpos potentes constitui um objetivo-cha- atuam na defesa contra os microrganismos extracelu-
ve da vacinação. Os anticorpos IgG revestem os micróbios e lares. A imunidade celular é mediada pelos linfócitos
os transformam em alvos para fagocitose, uma vez que os fa- T e seus produtos, tais como as citocinas, sendo im-
gócitos (neutrófilos e macrófagos) expressam receptores para portante para a defesa contra microrganismos intra-
as caudas de IgG. IgG e IgM ativam o sistema complemento, celulares.
pela via clássica, e os produtos do complemento promovem
fagocitose e destruição de micróbios. Alguns anticorpos ser- A imunidade pode ser adquirida por meio da resposta
vem a papéis especiais em locais anatômicos particulares. a um antígeno (imunidade ativa) ou conferida pela
IgA é secretada a partir de epitélios mucosos e neutraliza mi- transferência de anticorpos ou de células de uma pes-
cróbios nos lumens dos tratos respiratório e gastrointestinal soa imunizada (imunidade passiva).
(e outros tecidos mucosos). IgG é transportada ativamente
através da placenta, e protege o recém-nascido até que o sis- O sistema imunológico possui propriedades que são
tema imunológico amadureça. Muitos anticorpos têm meia- de importância fundamental para as suas funções nor-
vida de cerca de 3 semanas. Entretanto, algumas células plas- mais. Elas incluem a especificidade para antígenos di-
máticas secretoras de antígeno migram para a medula óssea ferentes, um repertório variado capaz de reconhecer
e vivem durante anos, continuando a produzir baixas con-
Capítulo 1 — PROPRIEDADES GERAIS DAS RESPOSTAS IMUNOLÓGICAS 17

uma grande variedade de antígenos, memória da ex- Os linfócitos T auxiliares CD4⫹ ajudam os macrófagos
posição ao antígeno, a capacidade de expansão rápida a eliminar micróbios ingeridos e ajudam as células B
de clones de linfócitos antígeno-específicos em res- a produzir anticorpos. Os CTLs CD8⫹ destroem as cé-
posta ao antígeno, respostas especializadas a diferen- lulas que contêm patógenos intracelulares, assim eli-
tes microrganismos, manutenção da homeostase e ha- minando os reservatórios de infecção. Os anticorpos,
bilidade para diferenciar entre antígenos estranhos de produtos dos linfócitos B, neutralizam a infecciosida-
antígenos próprios. de dos micróbios e promovem a eliminação de micró-
bios pelos fagócitos e pela ativação do sistema com-
Os linfócitos são as únicas células capazes de reconhe- plemento.
cer antígenos específicos e são, conseqüentemente, as
principais células da imunidade adquirida. As duas
principais subpopulações de linfócitos são as células Leituras Sugeridas
B e as células T, que possuem receptores de antígenos Burnet FM. A modification of Jerne’s theory of antibody production
e funções diferentes. Células apresentadoras de antí- using the concept of clonal selection. Australian Journal of Sci-
genos especializadas capturam os antígenos microbia- ence 20:67-69, 1957.
nos e os expõem para serem reconhecidos pelos linfó- Flajnik MF, L du Pasquier. Evolution of innate and adaptive immu-
citos. A eliminação de antígenos geralmente requer a nity: can we draw a line? Trends in Immunology 25:640–644,
participação de várias células efetoras. 2004.
Jerne NK. The natural-selection theory of antibody formation. Pro-
A resposta imunológica adquirida é iniciada pelo re- ceedings of the National Academy of Sciences USA 41:849-857,
1955.
conhecimento de antígenos estranhos por linfócitos
Litman GW, JP Cannon, LJ Dishaw. Reconstructing immune phy-
específicos. Os linfócitos proliferam e se diferenciam logeny: new perspectives. Nature Reviews Immunology 5:866–
em células efetoras, cuja função é eliminar o antígeno, 879, 2005.
e células de memória, que apresentam uma resposta Silverstein AM. Paul Ehrlich’s Receptor Immunology: The Magnif-
acentuada nas exposições posteriores ao antígeno. A icent Obsession. Academic Press, New York, 2001.
ativação dos linfócitos requer um sinal dos antígenos Silverstein AM. Cellular versus humoral immunology: a century-
e um sinal adicional, que pode ser fornecido tanto pe- long dispute. Nature Immunology 4:425–428, 2003.
los microrganismos quanto pelas respostas imunoló- Van den Berg TK, JA Yoder, GW Litman. On the origins of adaptive
gicas naturais a eles. immunity: innate immune receptors joins the tale. Trends in Im-
munology 25:11–16, 2004.

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