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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 3
8 VACINAS .......................................................................................................... 61
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................. 66
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1 INTRODUÇÃO
Prezado aluno!
Bons estudos!
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2 IMUNOLOGIA CLÍNICA
Fonte: uol.com
2.1 Imunidade
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surgimento da imunologia como disciplina estava intimamente ligado ao
desenvolvimento da microbiologia.
O trabalho de Pasteur, Koch, Metchnikoff e muitos outros pioneiros dos estudos
e descobertas de bactérias, fungos e parasitas resultaram na rápida identificação de
novos agentes infecciosos. O impacto de imunização contra doenças infecciosas,
como coqueluche, difteria e varíola, pode ser percebido quando refletimos sobre o fato
de que essas doenças, que eram causas significativas de mortalidade e morbidade,
estão agora tidas como erradicadas.
De fato, é justo discutir que o impacto da vacinação e saneamento no bem-
estar e na expectativa de vida dos seres humanos está no topo entre os avanços
científicos. Na segunda parte do século XX, a imunologia começou a transcender seus
limites iniciais relacionados à microbiologia e a tornar-se mais abrangente,
correlacionando-se com diversas outras ciências.
O estudo dos mecanismos de defesa imunológica ainda é uma importante área
de pesquisa, e os imunologistas estão envolvidos em uma gama ainda mais ampla de
áreas, tais como, controle de diferenciação do tecido, transplante, imunoterapia do
câncer, entre outras (MURPHY, 2014; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).
Neste capítulo, você aprenderá sobre os elementos formadores da resposta
imune, os eventos/agentes que ativam a resposta imune e parâmetros de
diferenciação das respostas imunes inata e adaptativa.
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anticorpos específicos contra alvos selecionados nos microrganismos e ainda é capaz
de gerar memória imunológica.
O sistema imunológico usa uma matriz complexa de mecanismos de proteção
para controlar e, geralmente, eliminar organismos invasores e toxinas.
Genericamente, o sistema imune baseia-se na detecção de características estruturais
que marcam como alvo um determinado elemento estranho ao organismo (antígeno),
sumariamente determinando-o como distinto das células próprias. Essa discriminação
é essencial para permitir que o organismo elimine a ameaça sem danificar seus
próprios tecidos.
O reconhecimento de antígenos ocorre porque os receptores do nosso sistema
imune reconhecem e ligam-se a partes determinadas desses agentes externos ou
agressores. Dessa forma, a especificidade contra esses agentes, que podemos
chamar de proteína ativadora, ou antígeno, é uma característica-chave. Por exemplo,
a imunização contra o vírus da poliomielite protege apenas contra poliomielite, não
contra o vírus H1N1 da gripe (MURPHY, 2014; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).
O sistema imunológico é tão importante para a existência da vida humana que,
quando suprimido, leva a infecções oportunistas por microrganismos que
normalmente não seriam considerados patogênicos. A formação celular do nosso
sistema imunológico começa quando uma célula-tronco hematopoiética, presente na
medula óssea, diferencia-se em célula progenitora mieloide comum ou na progenitora
linfoide comum. O progenitor linfoide comum se diferencia nas principais populações
de linfócitos maduros: células B, células T, células natural killer (NK).
É importante pensar sobre como as funções e como todos os protagonistas do
sistema imune são determinados. Inicialmente, quando se pesquisava e ainda não
havia nomenclatura atribuída às células NK, por exemplo, somente via-se ao
microscópio células que atacavam bactérias. Com a melhoria da tecnologia, novas
descobertas aconteceram e foram-se atribuindo marcadores de superfície, ou seja,
um conjunto de características que as células expressam em sua membrana e que as
caracterizam.
Os marcadores de superfície, também chamados de CD (do inglês ‘cluster of
diferentiation’), associam a presença daquela proteína na membrana à várias
características celulares, como função, origem, estágio de diferenciação, possível
interação com outras células; assim, o conjunto de CD determina várias
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características da célula, concedendo sua identidade. É assim que pesquisadores e
professores do mundo todo podem identificar células diferentes, pois elas possuem o
mesmo CD ou um mesmo padrão de CD (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).
Células-tronco mieloides (Figura 1) dão origem a diferentes formas de
granulócitos. Células da linhagem de granulócitos que desempenham funções imunes
proeminentes incluem neutrófilos, monócitos, macrófagos, eosinófilos, basófilos e
mastócitos.
Figura 1 - Demonstração da gênese a partir da medula
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As células NK são definidas morfologicamente como grandes linfócitos
granulares e são distintas pela ausência do receptor específico de célula T (T cell
receptor — TCR). Eles reconhecem sua célula infectada por microrganismo ou tumor-
alvos usando uma coleção complexa de receptores ativadores e inibidores da
superfície celular (MURPHY, 2014; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).
O sistema imune também apresenta componentes solúveis, os quais podem
ligar-se aos microrganismos e ajudar na sua fagocitose, atrair mais células para
combater uma infecção ou ainda eliminar diretamente os patógenos.
As citocinas são as proteínas secretadas por algumas células envolvidas nos
processos regenerativos ou inflamatórios e são os agentes de processos das
imunidades inata e adaptativa. As citocinas servem como mensageiras entre células,
de modo que o equilíbrio entre essas mensagens pró-inflamatórias ou anti-
inflamatórias influencia o comportamento das células naquele local. As interleucinas,
abreviadas como IL-número, por exemplo IL-10, são citocinas secretadas pelos
linfócitos.
É importante frisar que as citocinas são transitórias e não são armazenadas por
longos períodos no tecido. Uma vez necessárias, as ILs são sintetizadas e secretadas
buscando um efeito (por exemplo, IL-1 são potentes pró-inflamatórias, enquanto IL-10
têm forte efeito anti-inflamatório). Em uma lesão, há um processo fisiológico que
envolve um conjunto de células e substâncias como citocinas e interleucinas tanto
para combater bactérias quanto para promover a regeneração da lesão.
É importante compreender que interleucinas e quimiocinas, em geral, não
funcionam como uma chave de liga e desliga: existe um equilíbrio na função das
células naquele local e o deslocamento desse equilíbrio leva aos processos de
resolução do processo inflamatório e ao retorno do tecido a sua homeostase; tomando
novamente um exemplo de contexto de uma lesão, inicialmente, temos um ambiente
pró-inflamatório ou com processo infeccioso, focado mais no combate de patógenos,
enquanto já no final migra-se para um equilíbrio que busca a resolução da lesão,
diminuindo, mas não cessando, a função combativa do sistema imune. Além disso, as
citocinas podem ter ação sistêmica, ou endócrina, parácrina ou autócrina (MURPHY,
2014).
As células do sistema imune não estão presentes em grande número em todos
os locais o tempo todo. Nossas células atuam como se estivessem em estado de
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constante vigilância e, quando necessário, pedem reforços, que podem vir através da
multiplicação ou de um processo chamado quimiotaxia. Durante a quimiotaxia, uma
célula deve determinar a direção geral da fonte do sinal e se orientar para ele. Isso é
possível pois as células são muito sensíveis a pequenas diferenças nas
concentrações de quimiotáticos, elementos que exercem quimiotaxia. A regulação da
força de adesão é essencial para permitir a movimento, sendo vital para o
extravasamento e intravasamento de células através do tecido, o que ocorre durante
o processo quimiotáxico.
A regulação da adesão celular e a polarização do formato da célula não apenas
estabiliza a passagem de uma célula entre outras, mas também fornece as forças de
tração que movem uma célula da circulação através do endotélio para o tecido
conjuntivo. Outros fatores solúveis são os anticorpos e os elementos do sistema
complemento, que consiste em uma série de proteínas que circulam na forma de
precursores inativos. No entanto, uma vez ativado, cada componente pode atuar como
uma proteína que ativa a próxima em uma reação em cascata e que também
desempenha várias funções, como quimiotaxia, aumento de efeito dos anticorpos e
lise de microrganismos (MURPHY, 2014; ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2019).
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3. Presença de substâncias antimicrobianas, como, por exemplo, a lisozima
presente em secreções externas, muito importante na proteção dos olhos e
algumas defensinas, substância antimicrobiana que protege os epitélios contra
patógenos invasores;
4. Presença de células com capacidade fagocitária, células dendríticas e as NK;
5. Presença das proteínas citocinas que orientam as células da imunidade inata;
6. Presença de proteínas mediadoras da inflamação, entre elas, as que compõem
o sistema complemento.
As respostas imunes inatas são a primeira linha de defesa contra patógenos
invasores e dependem da capacidade do corpo de reconhecer características
conservadas de patógenos que não estão presentes no hospedeiro não infectado.
Esses incluem muitos tipos de moléculas nas superfícies de bactérias,
parasitas e fungos e o material genético de alguns vírus. Muitas dessas moléculas
específicas de agentes patogênicos são reconhecidas por proteínas receptoras do tipo
Toll.
Nos vertebrados, essas moléculas de superfície também ativam o
complemento, um grupo de proteínas sanguíneas que atuam juntas para romper a
membrana do microrganismo, atraindo para fagocitose por macrófagos e neutrófilos e
para produzir resposta inflamatória por quimiotaxia. As células fagocíticas usam uma
combinação de enzimas degradativas, peptídeos antimicrobianos e espécies reativas
de oxigênio para matar esses seres invasores (DELVES et al. 2010).
Alguns microrganismos resistem à defesa inicial, sendo necessários para sua
destruição de mecanismos mais específicos, em que se destaca a imunidade
adquirida ou adaptativa. Como regra, essa resposta é induzida durante a vida do
indivíduo como parte da complexa sequência de eventos envolvendo reconhecimento
e apresentação de antígeno.
As APC liberam moléculas sinalizadoras que desencadeiam uma resposta
inflamatória e começam a reunir as forças do sistema imune adaptativo. Células
infectadas com vírus produzem interferons, que induzem uma série de respostas
celulares para inibir a replicação viral e ativar as atividades de morte exercidas pelas
células NK e dos linfócitos T citotóxicos. Assim, o segundo conjunto de respostas
constitui a resposta imune adaptativa.
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O sistema adaptativo é composto de um pequeno número de células com
especificidade mais alta, as células que respondem devem proliferar depois de
encontrar o antígeno para obter números suficientes e montar uma resposta efetiva.
Assim, a resposta adaptativa geralmente tem efeito temporalmente após a resposta
inata na defesa do hospedeiro. Uma característica fundamental da resposta
adaptativa é que ela produz células de vida longa que persistem em um estado
aparentemente inativo, mas que podem reexpressar funções efetoras rapidamente
após outro encontro com seu antígeno específico. Isso fornece à resposta adaptativa
a capacidade de manifestar memória imunológica, permitindo que ela contribua de
maneira proeminente para uma resposta mais eficaz do hospedeiro quando eles são
encontrados uma segunda vez (CRUVINEL et al. 2010).
Correlacionando-se o funcionamento do sistema imune como um todo,
incluindo a interação da imunidade inata com a adaptativa, da apresentação de
antígenos a resposta efetora, didaticamente nesse momento introdutório, você pode
pensar em etapas sequenciais separadas de introdução, sequência e efeito (Quadro
1).
Quadro 1 - Visão genérica da ativação imune
Fonte: poder360.com
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ponto final da resposta imune adaptativa é a produção de anticorpos específicos
contra o antígeno (Ag) inicialmente apresentado (RIBEIRO, 2019).
A interação entre as respostas inata e adaptativa se dá por um grupo de células
da imunidade inata com intensa atividade fagocítica, ambas representadas pelos
macrófagos e pelas células dendríticas, que são coletivamente conhecidas como
células apresentadoras de antígenos (APCs, do inglês antigen presentation cells)
(CRUVINEL et al. 2010).
Depois da fagocitose, as APCs quebram o patógeno em pequenos pedaços e
os apresentam à principal célula da imunidade adaptativa — o linfócito T CD4+
(auxiliar ou helper) — por intermédio da molécula de MHC (complexo principal de
histocompatibilidade, do inglês major histocompatibility complex) de classe II (Figura
02). O linfócito T CD4+, quando ativado, liga toda a resposta adaptativa, estimulando
o linfócito T CD8+ a ocasionar a morte celular por apoptose em células infectadas com
o Ag, além de estimular os linfócitos B a se diferenciarem em plasmócitos secretores
de anticorpos (LEVINSON, 2016).
Após a resolução da infecção, permanecerão no organismo os linfócitos de
memória tanto para os linfócitos B como para os linfócitos T CD4+ e CD8+, que
dispararão uma resposta imunológica muito mais rápida e eficaz no segundo contato
com o Ag.
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Figura 02 - Interação entre a resposta imune inata e adaptativa e visão geral da resposta imune após
o contato com um patógeno. As células fagocíticas da imunidade inata, principalmente os macrófagos
e as células dendríticas, capturam o patógeno e o processam em pedaços menores, que serão
apresentados pela molécula do MHC ao linfócito T CD4+, o qual estimula a ação dos linfócitos T
citotóxicos (CD8+), bem como os linfócitos B.
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de acordo com sua parte sólida (celular), composta por hemácias, plaquetas e
leucócitos, e sua parte líquida, conhecida como plasma sanguíneo (RIBEIRO, 2019).
O plasma é composto, principalmente, por água, na qual estão dissolvidos íons,
gases como O2 e CO2, e moléculas orgânicas, incluindo, entre outras, glicose, ureia,
creatinina e proteínas.
As principais proteínas presentes no plasma sanguíneo são a albumina, o
fibrinogênio e as imunoglobulinas, ou seja, os anticorpos (HOFFBRAND; MOSS,
2018).
Por se tratar de um material com uma elevada quantidade de fibrinogênio, o
plasma não é a amostra de sangue mais indicada para análises em Imunologia, pois
o fibrinogênio pode interferir em reações imunológicas, especialmente as de
aglutinação, causando a ocorrência de resultados falsos positivos (SOCIEDADE
BRASILEIRA DE PATOLOGIA CLÍNICA E MEDICINA LABORATORIAL, 2010).
Dessa forma, a melhor amostra para análises imunológicas é o soro, que é o
plasma desprovido de fatores de coagulação, principalmente o fibrinogênio. Além de
prejudicar análises imunológicas e possivelmente causar resultados falsamente
alterados, a presença de fibrinogênio no soro pode entupir os aparelhos utilizados em
análises clínicas, o que prejudica a análise de todas as amostras e atrasa a liberação
dos resultados (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PATOLOGIA CLÍNICA E MEDICINA
LABORATORIAL, 2018).
Para a obtenção de soro, deve-se sempre utilizar tubo de coleta com gel
separador e/ou ativador de coágulo (tampas vermelhas ou amarelas) (RIBEIRO,
2019).
O termo soro pode ser utilizado ainda para aplicações terapêuticas e que
apresentam anticorpos prontos para utilização. Esses soros podem ser chamados de
homólogos, quando são produzidos e utilizados pela mesma espécie, e heterólogos
quando produzidos em uma espécie, mas utilizados em outra. Os soros com aplicação
terapêutica contêm uma grande variedade de anticorpos diferentes para o mesmo Ag
(anticorpos policlonais) e normalmente são obtidos a partir de animais previamente
imunizados com o Ag de interesse.
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Um exemplo de soro heterólogo é o soro antiofídico, que é utilizado em
pacientes que sofreram picadas de cobra. Em geral, esse soro é produzido em
cavalos, de forma que são administradas baixas doses do veneno da cobra, apenas
o suficiente para a produção de anticorpos e não para adoecer o animal. Depois de
alguns meses, o sangue desses animais é coletado, filtrado e purificado para que
possa ser utilizado em pacientes. Um excelente exemplo de soro homólogo são os
anticorpos anti-Rh aplicados em mulheres Rh negativo que engravidam de fetos Rh
positivo.
O objetivo é impedir o surgimento da doença hemolítica do recém-nascido por
impedir a produção de anticorpos anti-Rh pelo organismo materno. Esses anticorpos
anti-Rh utilizados em tratamentos são produzidos a partir do soro de outros seres
humanos. A grande vantagem dos soros é a sua possibilidade de utilização imediata
e em grande quantidade, o que proporciona benefícios aos pacientes. Apesar disso,
a resposta imune potencializada por estes não é duradoura, desaparecendo depois
de aproximadamente três meses.
No caso de soros heterólogos, há a chance de ocorrer reações de
hipersensibilidade e inflamatórias sistêmicas por se tratar de material de espécie
diferente da humana (quando se considera o uso pelo homem, pode ocorrer o seu uso
em outras espécies animais).
Já os soros homólogos, por serem obtidos a partir do sangue de outras pessoas
(quando se considera o uso humano), apresentam sempre um risco residual de
transmissão de doenças, como HIV, HTLV (vírus linfotrópico de células T humanas) e
outras (RIBEIRO, 2019).
Você deve ter percebido, ao longo dos anos, que, de tempos em tempos, são
realizadas grandes campanhas de vacinação com o objetivo de proteger a população
das mais variadas doenças. Essas campanhas, por vezes, são focadas em um público
específico e, em outras, direcionadas a todos os indivíduos que ainda não estão
vacinados. Porém, é comum vermos nessas campanhas de vacinação a
discriminação de duas populações igualmente importantes e completamente
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diferentes: crianças e idosos. Não é necessário estudar muito para percebermos as
inúmeras diferenças entre idosos e crianças.
Desenvolvimento biológico, cognitivo, maturidade, aparência, comportamento,
entre outras questões, são diferenças evidentes. O que não é tão evidente nem tão
visível é o comportamento do sistema imunológico dessas duas populações, que,
apesar de distintas, frequentemente apresentam suscetibilidades equivalentes.
Perceba que essas duas populações costumam estar entre os grupos
denominados “de risco” devido à sua fragilidade, e é essa fragilidade que é
completamente diferente, pois a imunidade adaptativa de um indivíduo tende a ser
alterada durante o curso da vida, sendo inicialmente virgem e desprotegida na infância
(mas com alto poder de adaptação e resposta) e mais completa na velhice (porém,
com muita dificuldade para se adaptar) (MULLER, 2019).
Neste capítulo, você verá mais detalhes a respeito da resposta imune
adaptativa, compreendendo o que a caracteriza, os principais receptores celulares
relacionados e os fenômenos imunológicos causados por ela. Assim, vai entender
melhor o quanto ela impacta o ser humano no curso de sua vida.
Considerada por alguns autores como sendo a segunda linha de defesa contra
infecções e a terceira por outros (alguns não contam as barreiras fisico-químicas do
corpo como um mecanismo de defesa equivalente à imunidade inata e à imunidade
adaptativa), a imunidade adaptativa não fica restrita ao combate específico contra
infecções, sendo responsável pela regulação do organismo (PARHAM, 2011;
MURPHY, 2014).
Podemos iniciar a reflexão a respeito da imunidade adaptativa a partir dos
conceitos de sensibilidade e especificidade, com os quais vemos, primeiramente, uma
imunidade inata altamente sensível, reagindo a vários antígenos que entram em
contato com o organismo (porém, pouco específica, o que dificulta a resolução de
várias doenças), e, posteriormente, a imunidade adaptativa, que é menos sensível,
mas extremamente específica, podendo resolver casos em que a imunidade inata se
mostra incapaz (PARHAM, 2011; MURPHY, 2014).
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No entanto, a principal característica que marca a presença da imunidade
adaptativa é a sua capacidade única de gerar memória imunológica, sendo, assim,
capaz de responder mais rapidamente e com mais eficácia quando encontra um
patógeno pela segunda vez, e essa característica é exclusiva dos seres vertebrados
(PARHAM, 2011; MURPHY, 2014). A resposta imune adaptativa é diferenciada em
dois tipos, celular e humoral, o que veremos mais detalhadamente a seguir.
Resposta imune celular
Uma das principais células do sistema imune são os linfócitos T, entre eles, o
linfócito T CD4 (também conhecido como linfócito T helper). Essa célula, através das
suas variantes Th1, Th2, Th17, Th9, Th22, Treg e TFH, é capaz de regular o sistema
imunológico mediando a resposta celular, impactando em diversas outras funções do
corpo, como os sistemas endócrino, circulatório e nervoso (PARHAM, 2011;
MURPHY, 2014; PLANK et al. 2017).
Todo o processo inicia na medula óssea, onde são geradas as células
progenitoras de linfócitos T, e, de lá, elas migram para o timo, um órgão não apenas
capaz de maturar os linfócitos T, mas fundamental para a correta maturação e eficácia
desses linfócitos. É justamente lá, no timo, que ocorrerá a seleção nos linfócitos
defeituosos e/ou autorreativos e a indução de sua apoptose, permitindo que apenas
os linfócitos T funcionais sejam liberados (PARHAM, 2011; MURPHY, 2014).
Podemos dividir os linfócitos T em dois tipos básicos, os linfócitos T CD4
(auxiliares) e os linfócitos T CD8 (citotóxicos). Os linfócitos T CD4 são chamados
também de auxiliares (ou de helpers) devido à sua característica fundamental de
operar através da secreção de citocinas, e são essas citocinas que orquestrarão a
resposta imunológica. Já as células TCD8 operam através da identificação de células
alteradas/danificadas/infectadas, induzindo apoptose ou necrose dessas células, uma
resposta muito comum no combate a infecções virais e no desenvolvimento de
tumores (PARHAM, 2011; MURPHY, 2014).
Na Figura 03, é possível observar os principais atores responsáveis pelo
funcionamento do sistema imune, os linfócitos T CD4 e CD8. As células T CD8 são
assim chamadas por possuírem uma molécula CD8 em sua superfície; com isso, a
célula é capaz de identificar o complexo de histocompatibilidade principal do tipo I
(MHC-I) e, assim, de identificar células que estão sofrendo algum tipo de
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alteração/mutação (como células em processo de tumoração e células infectadas por
vírus) (PARHAM, 2011; MURPHY, 2014).
As células CD8 operam através do receptor de célula T (TCR), o que será
discutido mais adiante. Esse receptor identifica (no caso das células CD8) o MHC-I
que está presente em diversas células do organismo, impedindo que patologias se
proliferem no organismo (MULER, 2019).
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A célula dendrítica utiliza moléculas de MHC (complexo de histocompatibilidade
principal) e o linfócito T utiliza seu TCR (receptor de célula T) para identificar o
antígeno e ser ativado. Esse processo permite a ativação dos linfócitos T virgens
(naive ou inocente para alguns autores) tornando-o um linfócito T efetor (PARHAM,
2011; MURPHY, 2014).
Entre todos os receptores envolvidos na resposta imune adaptativa, o MHC, o
TCR e o BCR (receptor de células B) merecem destaque por atuarem diretamente nos
processos de ativação e identificação de patógenos.
Conforme você aprendeu anteriormente, os linfócitos T iniciam a sua
caminhada na medula óssea, ainda como células progenitoras, e, de lá, migram para
o timo, onde ocorre a sua maturação.
Essa maturação depende de algumas etapas, as quais inicialmente haverá a
ligação do receptor Notch ao seu ligante presente na célula progenitora dos linfócitos
T, e essa ligação permite que o receptor de IL-7 torne-se ativo nas células
progenitoras. Sabendo que a IL-7 é praticamente o combustível que estimula a
diferenciação e maturação dos linfócitos, é nesse momento que o rearranjo gênico do
receptor de linfócitos T se inicia.
O rearranjo gênico do TCR é essencialmente a recombinação de um número
limitado de segmentos gênicos que criam um número maior de novas sequências, e
esse processo eleva consideravelmente a variabilidade do TCR (PARHAM, 2011;
MURPHY, 2014).
Conforme você pode observar na Figura 05, o TCR é composto por duas
cadeias, a α e a β, e cada uma é organizada de forma distinta. Enquanto a cadeia β
possui as regiões gênicas V, D e J, que limitam mais a capacidade de rearranjo, a
cadeia α possui apenas as porções V e J, permitindo uma maior quantidade de
variações (MULLER, 2019).
Uma vez rearranjado o TCR, o timo necessita avaliar a qualidade deste
receptor, e o faz por meio das reações chamadas seleção positiva e seleção negativa.
Na seleção positiva, ocorrem duas situações igualmente importantes: a definição do
tipo celular CD4 ou CD8 e se o receptor TCR é capaz de identificar uma molécula de
MHC. Ambas as situações ocorrem simultaneamente, pois são estimuladas por
células do epitélio tímico que expressam moléculas de MHC, e caso essa ligação MHC
+ TCR seja correta, a célula está “aprovada”.
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Figura 05 - TCR
Caso o MHC seja do tipo I, a célula perde a molécula CD4, tornando-se CD8;
já caso o MHC seja do tipo II, o inverso ocorre (PARHAM, 2011; MURPHY, 2014).
Passada essa fase, as células são testadas na seleção negativa frente à sua
capacidade de tolerar antígenos próprios. Nessa fase, as moléculas de MHC
apresentam antígenos diversos cuja característica em comum é o fato de serem todos
próprios. Apenas os linfócitos T que não reconhecerem esses antígenos poderão sair
do timo e entrar na circulação, enquanto os que reconhecerem estarão fadados a
sofrer um processo de apoptose (PARHAM, 2011; MURPHY, 2014).
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Linfócitos T maduros (porém virgens) são então liberados para a circulação e,
assim, iniciam a recirculação de órgão linfoide secundário em órgão linfoide
secundário até encontrar a APC portando o antígeno específico para o seu
reconhecimento — e, então, ocorrerá a ativação do linfócito.
Neste ponto, alguns fatores precisam ser mais detalhados. Primeiramente,
caso a ativação do linfócito ocorra apenas por intermédio da ligação TCR e MHC, esse
linfócito T poderá sofrer um processo conhecido como anergia. Uma célula anérgica
é aquela que, embora não esteja morta, é incapaz de executar qualquer ação, ficando
inutilizada.
Dessa forma, para que o linfócito seja ativado e não sofra anergia, é necessário
que outros receptores sejam ativados — primeiramente, o CD40 presente na APC e
o CD40L presente no linfócito, que, quando conectados, permitem a expressão da
molécula B7 na APC. A molécula B7 faz conexão com a molécula de superfície CD28
dos linfócitos, e é justamente essa conexão que viabiliza o reconhecimento e a
ativação dos linfócitos T. Neste ponto, ocorre o fenômeno conhecido como seleção
clonal (PARHAM, 2011; MURPHY, 2014).
A seleção clonal é a identificação do linfócito compatível com o antígeno
apresentado pela APC entre tantos clones de linfócitos. Esse fenômeno é seguido da
expansão clonal, na qual o linfócito prolifera intensamente em resposta ao estímulo
da APC (MULLER, 2019).
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Posteriormente, a célula B é atraída por uma célula dendrítica folicular para
dentro do folículo primário de um órgão linfoide secundário. Lá, a célula dendrítica
folicular induz a expressão de mais IgD no linfócito B, de modo que a célula passa a
ser capaz de identificar os antígenos e ativar o linfócito B (PARHAM, 2011; MURPHY,
2014).
Já maduro, o linfócito B identifica os patógenos inteiros levados pela APC para
dentro do órgão linfoide secundário. Para que se dê a ativação, é preciso que ocorra
um processo de ligação cruzada, com vários BCRs aderidos ao patógeno, pois, se
não, a célula poderá sofrer anergia como um mecanismo de proteção que impede o
linfócito B de ser ativado por antígenos solúveis, incapazes de promover uma ligação
cruzada (PARHAM, 2011; MURPHY, 2014).
Outro sinal também é necessário para ativar o linfócito B, e ele é dado quando
o complexo correceptor de linfócito B (formado por CR2, CD19 e CD81) identifica
fragmentos proteicos do sistema complemento aderidos à membrana celular do
patógeno (MULLER, 2019).
5 PROCESSO INFLAMATÓRIO
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Fonte: casadamatilha.com
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os componentes do sistema complemento. O sistema inato responde de maneira
efetiva a infecções, controlando e até erradicando microrganismos. No entanto, muitos
microrganismos patogênicos evoluíram para resistir a esse sistema. Dessa forma, a
proteção contra esses microrganismos envolve mecanismos mais potentes e
especializados da imunidade adaptativa. O sistema imune adaptativo combate os
microrganismos por meio de três mecanismos: pela ação de anticorpos secretados,
pela fagocitose e pela morte celular (ABBAS; LICHTMAN; PILAI, 2015).
O processo inflamatório tem a finalidade de remover o estímulo lesivo e iniciar o
processo de recuperação tecidual. As características marcantes, conhecidas como os
cinco sinais cardinais da inflamação, são o edema (tumor), a vermelhidão (rubor), o
calor, a dor e a perda de função da área inflamada. A inflamação pode ser dividida em
aguda e crônica, de acordo com a sua velocidade de instalação (FIUZA, 2020).
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A inflamação crônica é mediada por citocinas produzidas pelos linfócitos. Os
macrófagos também atuam e têm diversas funções na resposta inflamatória, como
englobar e eliminar patógenos e tecidos necrosados, iniciar o processo de reparo
tecidual e secretar mediadores da inflamação, como citocinas.
A interação entre macrófagos e linfócitos tem um importante papel na
inflamação crônica. Os macrófagos apresentam antígenos aos linfócitos T e produzem
citocinas que estimulam as respostas dessas células. Os linfócitos T ativados
produzem citocinas que atraem e estimulam os macrófagos, promovendo mais
apresentação de antígenos e secreção de citocinas. Como resultado, se estabelece
um ciclo de reações celulares que supre e tende a manter, amplificar e prolongar a
inflamação crônica (ABBAS; LICHTMAN; PILAI, 2015; ANDRADE, 2016).
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complemento e citocinas inflamatórias (ABBAS; LICHTMAN; PILAI, 2015; ANDRADE,
2016).
Sistema complemento
35
A presença de C3b na superfície de um microrganismo o sinaliza como
estranho, tornando-o um alvo para destruição. O C3b tem dois importantes papeis:
associa-se a outros componentes para gerar C5 convertase, a enzima que leva à
produção do complexo de ataque à membrana; e opsoniza bactérias, já que os
fagócitos têm receptores para C3b em suas superfícies. Segundo Fiuza (2020):
1. Via clássica: na via clássica, complexos antígeno-anticorpo ativam a proteína
C1 para formar uma protease, que cliva as proteínas C2 e C4 para formar o
complexo C4b, 2b (C3 convertase). A C3 convertase cliva a proteína C3 em
duas partes: C3a e C3b. C3b forma um complexo com C4b, 2b, produzindo a
C5 convertase (C4b, 2b, 3b), que cliva a proteína C5, formando C5a e C5B.
C5b se liga às proteínas C6 e C7, formando um complexo que interage com as
proteínas C8 e C9. Isso produz o complexo de ataque à membrana
(C5b,6,7,8,9), que provoca a lise celular.
2. Via da lectina: na via da lectina, a lectina de ligação à manana (MBL, do inglês
‘mannan-binding lectin’), ou proteína de ligação à manose, liga-se à superfície
de microrganismos contendo manana (um polímero do açúcar, a manose).
Essa ligação ativa proteases associadas à MBL que clivam os componentes
C2 e C4 e ativam o restante da via clássica. Esse processo remove a etapa em
que os anticorpos são necessários e, assim, protege em etapas iniciais da
infecção, quando anticorpos ainda não foram produzidos.
3. Via alternativa: na via alternativa, várias substâncias não relacionadas na
superfície de células, como endotoxinas e envelopes virais, podem iniciar o
processo pela ligação à C3 e ao fator B. Esse complexo é clivado por uma
protease (fator D) para produzir C3b, Bb. Ele atua como uma C3 convertase
para produzir mais C3b.
Citocinas inflamatórias
37
Quadro 02 - Principais características do TNF-α, da IL-1 e da IL-6.
Fibrinogênio
Ferritina
40
A ferritina é a principal proteína de armazenamento de ferro no organismo. O
ferro da alimentação é absorvido no intestino e transportado no soro na forma férrica.
Ligado à transferrina, pode entrar nos tecidos periféricos a partir de receptores
específicos. Já o ferro em sua forma ferrosa é integrado à ferritina, produzida nas
células e também encontrada nas hemácias. Os níveis de ferritina no soro estão
associados aos estoques de ferro no corpo.
O teste é utilizado para detectar deficiência de ferro, monitorar a terapia com
ferro e, nas situações de excesso de ferro, monitorar a terapia de remoção do ferro. A
dosagem de ferritina sérica é útil para diferenciar entre anemia ferropriva e anemia
decorrente de doença crônica ou talassemia. Trata-se do exame de escolha para o
diagnóstico de anemia ferropriva.
No entanto, quando há infecções, inflamações ou traumatismos, a
concentração de ferritina aumenta nas primeiras 24 a 48 horas, atingindo o pico no
terceiro dia e mantendo-se aumentada por algumas semanas. Portanto, a ferritina
também é considerada um marcador de fase aguda. Apesar disso, o mecanismo exato
de elevação da ferritina na inflamação não está claro (SIQUEIRA, 2019; NICOLL; LU;
MCPHEE, 2019).
Haptoglobina
Pró-calcitonina
Fonte: medprev.online
42
6.1 Reações de hipersensibilidade
43
Figura 07 - Reações de hipersensibilidade imunológica. (IFN, interferon; NK, natural
killer).
Artrite reumatóide
47
Por fim, a hipersensibilidade tardia tipo IV (mediada por células) ocorre em
função de linfócitos T, e não de anticorpos (Figura 08). Ela pode ser transferida por
células T imunologicamente ativas (sensibilizadas), mas não pelo soro. A resposta é
“tardia”, isto é, inicia horas ou dias após o contato com o antígeno. O macrófago
captura o antígeno, processa-o, e apresenta um epítopo em sua superfície, em
associação a uma proteína do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) de
classe II. A célula T auxiliar (Th-1) é ativada e produz interferon γ, que ativa os
macrófagos. Esses dois tipos de células medeiam a hipersensibilidade tardia.
Imunodeficiência
48
Imunodeficiências podem ocorrer em um dos quatro componentes principais do
sistema imune: células B (produção de anticorpos); células T; complemento; e células
fagocitárias. Essas deficiências podem ser congênitas (Quadro 04) ou adquiridas.
Infecções recorrentes ou oportunistas são comumente observadas: infecções
recorrentes por bactérias indicam uma deficiência de células B, ao passo que
infecções recorrentes por certos fungos, vírus e protozoários são indicativos de uma
deficiência das células T (LEVINSON, 2016).
As imunodeficiências podem ser primárias ou secundárias. As
imunodeficiências primárias consistem em distúrbios do sistema imune em que a falha
é intrínseca às células que compõem esse sistema. Já as doenças imunes
secundárias consistem em distúrbios do sistema imune em que a falha é induzida por
fatores externos, como infecções virais, neoplasias e medicamentos, sendo
frequentemente induzidas por microrganismos (BROOKS et al. 2014).
No HIV, por exemplo, ocorre a progressiva perda de capacidade imune
(avaliada pela contagem de linfócitos CD4+ viáveis), ocorrendo, assim, o aumento da
probabilidade de aparecimento de doenças, como herpes-zóster e herpes simples,
tuberculose, candidíase oral, sarcoma de Kaposi (caracterizado por lesão cutânea e
queixas gastrintestinais), toxoplasmose, criptosporidíase e aparecimento de infecções
por Mycobacterium (SOARES; ARMINDO; ROCHA, 2014).
49
por bactérias
piogênicas
Célula T Célula T Célula T Célula T
Aplasia tímica Ausência de células T Desenvolvimento Infecções por vírus,
(síndrome de defeituoso das bolsas fungos e protozoários;
DiGeorge) faríngeas; não é uma tetania
doença genética
Candidíase Deficiência na Desconhecido Infecções da pele e de
mucocutânea crônica resposta de células T a membranas mucosas
Cândida por Cândida
Células B e T Células B e T Células B e T Células B e T
combinadas combinadas combinadas combinadas
Imunodeficiência Deficiência nas Receptor defeituoso Infecções por
combinada grave funções de células T e para IL-2, bactérias, vírus,
(SCID) B recombinases fungos e protozoários
defeituosas, quinases
defeituosas, ausência
de proteínas do MHC
de classe II ou
deficiência de ADA ou
PNP
Complemento Complemento Complemento Complemento
Angioedema Deficiência do inibidor Grande quantidade Edema,
hereditário da C1 protease gerada de C3a, C4a e principalmente edema
C5a laríngeo
C3b C3 insuficiente Desconhecido Infecções piogênicas,
principalmente por S.
aureus
C6,7,8 C6,7,8 insuficiente Desconhecido Infecções por
Neisseria
Fagócitos Fagócitos Fagócitos Fagócitos
Doença Deficiência na Atividade deficiente de Infecções piogênicas,
granulomatosa crônica atividade bactericida NADPH- -oxidase principalmente por S.
em razão da ausência aureus e Aspergillus
do ataque oxidativo
Doenças autoimunes
50
algumas doenças autoimunes com especificidades de certos antígenos leucocitários
humanos (HLA, do inglês ‘human leukocyte antigen’), principalmente no caso dos
genes de classe II.
A artrite reumatoide, por exemplo, ocorre dominantemente em indivíduos que
carregam o gene de HLA-DR4. Há duas hipóteses para explicar a relação entre certos
genes do HLA e doenças autoimunes: uma delas sugere que esses genes codificam
proteínas do MHC de classes I ou II que apresentam autoantígenos com maior
eficiência do que proteínas do MHC que não estão associadas a doenças autoimunes;
a outra sugere que células T autorreativas escapam da seleção negativa no timo
porque se ligam fracamente às proteínas do MHC de classes I ou II na superfície do
epitélio tímico.
O desenvolvimento de uma doença autoimune é multifatorial, visto que que
muitas pessoas que carreiam genes do HLA com predisposição conhecida não
desenvolvem a doença. Ou seja, os genes do HLA são necessários, mas não são
suficientes para causar uma doença autoimune. As doenças relacionadas ao MHC de
classe II (p. ex., atrite reumatoide, hipertireoidismo e lúpus eritematoso sistêmico)
ocorrem mais frequentemente em mulheres, ao passo que doenças associadas ao
MHC de classe I (p. ex., espondilite anquilosante e síndrome de Reiter) ocorrem mais
comumente em homens. Fatores hormonais estão associados a essas doenças.
O lúpus eritematoso sistêmico, por exemplo, surge ou é exacerbado durante a
gravidez (ou imediatamente após o parto), suportando a premissa de que hormônios
possuem um papel importante na predisposição de mulheres a doenças autoimunes
(LEVINSON, 2016).
Fatores ambientais também estão associados; por exemplo, a faringite causada
por Streptococcus pyogenes predispõe à febre reumática; iniciadores ambientais
incluem certos fármacos, como a procainamida, que podem causar lúpus eritematoso
sistêmico. Existem dois mecanismos principais pelos quais os fatores ambientais
podem iniciar doenças autoimunes: o mimetismo molecular, no qual agentes
infecciosos possuem antígenos que geram uma resposta imune capaz de reagir de
forma cruzada com componentes de células humanas; e a lesão tecidual, que libera
antígenos intracelulares (sequestrados) que induzem uma resposta imune. Em suma,
as doenças autoimunes ocorrem em pessoas com uma predisposição genética
51
determinada pelos seus genes do MHC e que são expostas a um agente (LEVINSON,
2016).
O Quadro 04, a seguir, apresenta as principais doenças autoimunes, de acordo
com o tipo de resposta imune que causa a doença e o alvo da resposta autoimune. O
lúpus eritematoso sistêmico e a artrite reumatoide são doenças que envolvem
múltiplos órgãos. No lúpus, autoanticorpos são formados contra DNA, histonas,
proteínas nucleolares e outros componentes do núcleo celular. Os indivíduos que
apresentam os genes HLA-DR2 e HLA-DR3 são predispostos ao desenvolvimento do
lúpus eritematoso sistêmico.
O agente que induz estes autoanticorpos não é conhecido. A maioria dos sinais
clínicos é causada por imunocomplexos que ativam o complemento e,
consequentemente, danificam tecidos. Por exemplo, o exantema característico que
surge nas bochechas resulta de uma vasculite causada pela deposição de
imunocomplexos, assim como a artrite e a glomerulonefrite comumente observadas.
Os imunocomplexos encontrados nos glomérulos contêm anticorpos (IgG, IgM ou IgA)
e o componente C3 do complemento, mas não fibrinogênio. Entretanto, a anemia, a
leucopenia e a trombocitopenia são causadas por anticorpos citotóxicos, e não por
imunocomplexos.
O diagnóstico do lúpus eritematoso sistêmico é baseado tanto na detecção de
anticorpos antinucleares (ANAs), por meio de testes de anticorpos fluorescentes,
quanto na detecção de anticorpos anti-dsDNA (dupla-fita de DNA), por meio do ensaio
imunoadsorvente ligado à enzima (ELISA). Na artrite reumatoide, são formados
autoanticorpos contra IgG, os quais são chamados de fatores reumatóides e são da
classe IgM. Pessoas com genes HLA-DR4 estão predispostas à artrite reumatóide.
O agente que induz a produção dos autoanticorpos não é conhecido. No interior
das articulações inflamadas, a membrana sinovial é infiltrada por células T,
plasmócitos e macrófagos, e o líquido sinovial apresenta altos níveis de citocinas
inflamatórias, produzidas por macrófagos, como TNF, IL-1 e IL-8. O principal sinal
clínico é a inflamação das pequenas articulações dos pés e das mãos. O diagnóstico
da artrite reumatoide baseia-se na detecção do fator reumatoide no soro.
A doença celíaca, por sua vez, caracterizada por diarréia, distensão abdominal
dolorosa, fezes gordurosas e atrasos de desenvolvimento, é induzida pela ingestão
de gliadina, uma proteína encontrada no trigo, na cevada e no centeio. A gliadina é o
52
antígeno que estimula o ataque de células T citotóxicas aos enterócitos, o que resulta
na atrofia das vilosidades intestinais. Uma dieta livre de glúten normalmente leva à
melhora marcante do quadro (VAZ, 2020).
53
7 DIAGNÓSTICO IMUNOLÓGICO DE INFECÇÕES BACTERIANAS
Fonte: terrarara.com
54
Dessa forma, qualquer tipo de patógeno pode ser pesquisado, como
microrganismos virais, parasitários, fúngicos e bacterianos, bem como os
microrganismos que apresentam alguma limitação quanto ao diagnóstico
convencional, seja por cultura ou por coloração de Gram. Um exemplo disso é a
bactéria Treponema pallidum, que não cresce em meios de cultura laboratoriais. Além
disso, há espécies que apresentam cultivo difícil, como Mycobacterium tuberculosis,
que apresenta um tempo de duplicação superior a 18 horas e requer culturas de até
8 semanas. Existem duas abordagens básicas utilizadas no diagnóstico
microbiológico:
1. utilização de anticorpos conhecidos para detectar os microrganismos;
2. utilização de antígenos conhecidos para detectar a presença de anticorpos
no soro do paciente.
Acompanhe, a seguir, alguns exemplos de como as reações imunológicas
podem contribuir no diagnóstico de infecções bacterianas (LEVINSON, 2016).
Salmonelose
Brucelose
58
ósseas, cardiovasculares e neurológicas, podendo ocorrer morte (BRASIL, 2016;
LEVINSON, 2016).
Para o diagnóstico de sífilis, frequentemente utiliza-se a detecção de anticorpos
no soro do paciente, já que T. pallidum não cresce em meios laboratoriais. Dois tipos
de testes podem ser empregados: os testes não treponêmicos, chamados de testes
sorológicos inespecíficos, e os testes treponêmicos, considerados testes sorológicos
específicos (BRASIL, 2014; LEVINSON, 2016).
Testes treponêmicos
60
8 VACINAS
Fonte: cortesvillela.com
61
A principal vantagem das vacinas é estimular uma resposta imune por
anticorpos antes que o indivíduo entre em contato com o microrganismo causador da
doença na comunidade. Isso ocorre porque o primeiro contato com o microrganismo
se dá na vacinação, que não é capaz de causar a doença no indivíduo que a recebe,
mas estimula uma resposta de anticorpos.
Já o segundo contato ocorre na comunidade, mas o indivíduo não mais adoece,
uma vez que já apresenta uma resposta de anticorpos montada (memória
imunológica), capaz de neutralizar o microrganismo sem causar a doença. Logo,
podemos considerar a vacina como um mecanismo de imunidade ativa artificial, pois
o organismo é estimulado a produzir anticorpos não pela infecção natural, que pode
causar sintomas clínicos fortes e até a morte, mas de forma artificial, pelo contato com
antígenos dos microrganismos que não causam a doença.
O planejamento do calendário vacinal leva em consideração uma série de
aspectos epidemiológicos das doenças para evitar que o indivíduo entre em contato
com o patógeno antes da vacinação. É por isso que esse calendário define diferentes
idades para a administração de diferentes doenças, e deve ser seguido à risca
(HOMMA et al. 2011).
As vacinas são especiais em relação a outras intervenções de saúde, pois
ajudam pessoas saudáveis a se manterem saudáveis. Além disso, elas beneficiam
não só os indivíduos, mas comunidades e populações de países inteiros, além de ter
um rápido impacto na população e no sistema de saúde de um país. Por fim, vacinas
salvam vidas e custam muito mais barato do que o tratamento das complicações,
internações e mortes. Por todos esses motivos, elas figuram entre as 10 maiores
conquistas em saúde pública do século XX (WORLD HEALTH ORGANIZATION,
2009).
Quando um grande número de pessoas em uma população foi vacinado
(aproximadamente 95% da população), surge o que é conhecido como imunidade
comunitária ou imunidade de grupo. Nesse cenário, a transmissão da doença para
pessoas não imunizadas é freada e, com isso, mesmo estas não adoecem, já que a
doença não circula na população (MURPHY, 2014).
É graças à imunidade comunitária que crianças muito pequenas não adoecem,
mesmo ainda não tendo atingido a idade necessária para receber a vacina contra
62
muitas doenças. Por exigir uma transmissão de pessoa a pessoa, a imunidade
comunitária só é possível para doenças contagiosas (DELVES et al. 2013).
Quando a cobertura vacinal diminui, a imunidade de grupo é quebrada, e a
doença pode reaparecer. É isso que acontece atualmente no Brasil para o sarampo,
uma doença que voltou a apresentar altos números de ocorrências e até casos de
morte (RIBEIRO, 2019).
65
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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