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CUIDADOS PALIATIVOS EM UM
SERVIÇO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA
Edison Iglesias de Oliveira Vidal1
Paulo José Fortes Villas Boas1
Jansen Micheleto Furlan2
José Carlos Christóvan2
Fernanda Bono Fukushima3
A abordagem de pacientes no fim da se encontra a linha ética que separa o excesso Disciplina de Geriatria e
vida em serviços de urgência e emer- da carência terapêutica? Gerontologia da
Ainda que compreendamos que idealmente Faculdade de Medicina
gência representa um grande desafio para o mé- de Botucatu, UNESP
dico e toda equipe de saúde. Não resta a menor estes pacientes deveriam ter recebido um cuida-
dúvida de que o cenário de um pronto-socorro do prévio que os preparasse melhor para as fa- 2
Médico da Disciplina
ses avançadas de suas doenças – na maior parte de Geriatria
representa um dos locais mais adversos para o
e Gerontologia da
cuidado paliativo de pacientes portadores de das vezes de caráter crônico-degenerativo – uma
Faculdade de Medicina
doenças avançadas, progressivas e ameaçado- vez frente a estes pacientes e seus familiares nas de Botucatu, UNESP
ras da vida, como neoplasias malignas, doenças salas de emergência é preciso e possível lidar
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com eles de modo a minimizar seu sofrimento. Professora Doutora
neurodegenerativas avançadas (ex: síndromes do Departamento
demenciais, doença de parkinson, esclerose la- Podemos afirmar que os serviços de pron- de Anestesiologia do
teral amiotrófica, etc.), e toda uma variedade de to-socorro podem desempenhar um papel im- Serviço de Terapia
portante na abordagem destes pacientes, por Antálgica e Cuidados
insuficiências orgânicas crônicas avançadas (ex.:
Paliativos da
insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstru- representar uma importante porta de entrada
Faculdade de Medicina
tiva crônica, insuficiência renal e hepática). dos sistemas de saúde. As ações ali iniciadas de Botucatu, UNESP
Não apenas pacientes e seus familiares sen- podem contribuir de modo significativo para a
tem-se angustiados e confusos, como também trajetória destes pacientes e muitas vezes será
os profissionais de saúde destes serviços mui- neste cenário que algumas discussões sobre os
tas vezes sofrem e percebem-se despreparados objetivos dos cuidados com o paciente e fami-
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possível a qualidade de vida de determinado medo de ser abandonado), social (e.g. receio
paciente, o papel do profissional de saúde não de ser um fardo pesado demais para seus entes
se resume a decidir por conta própria a me- queridos) ou espiritual (e.g. sensação de perda
lhor conduta terapêutica baseada apenas em de sentido e significado para a vida) são abor-
considerações fisiopatológicas, “evidências dados de modo efetivo, muitos pacientes pas-
científicas”* ou de acordo com seus próprios sam a necessitar de menores doses de opioides
referenciais existenciais. para o alívio da dor.
O profissional necessita conhecer as evi- Certamente não se espera dos profissionais
dências científicas, possuir uma visão a mais de urgência e emergência a realização de uma
clara possível dos riscos e benefícios envolvi- avaliação tão ampla a respeito do sofrimento
dos com a realização ou não de determinada dos pacientes, uma vez que isto ultrapassaria
intervenção e então procurar descobrir junto os limites de tempo e os objetivos daqueles
ao paciente e/ou seus familiares, em que me- serviços. Todavia, espera-se que esta consi-
dida tal intervenção, à luz de seus valores, deração contribua para desmistificar a noção
contribui ou não para sua qualidade de vida e errônea de que outros elementos da dor (ex:
conservação de sua dignidade. Aí se encontra componente psicológico) são fictícios e devem
a complexidade da tarefa. ser tratados através de placebos.
Em outras palavras, o grau de acerto das É importante citar que estudos recentes
condutas de acordo com o ponto de vista da demonstraram que intervenções interdiscipli-
medicina paliativa é julgado pela medida do nares baseadas nos princípios dos cuidados
seu alinhamento com os valores, as preferên- paliativos são capazes não apenas de reduzir o
cias e objetivos de cuidado dos pacientes e seus sofrimento dos pacientes e melhorar sua quali-
familiares. Cuidados paliativos não significam dade de vida, como também de prolongar sua
niilismo terapêutico e muitos pacientes que se sobrevivência.
encontram em acompanhamento por serviços A aplicação destes princípios no contexto
paliativos podem de fato se beneficiar de vá- dos serviços de urgência e emergência cons-
rias intervenções de urgência. Por exemplo pa- titui-se em uma tarefa complexa que requer
cientes com neoplasias avançadas e sintomas habilidades técnicas específicas, incluindo
de fraturas vertebrais podem se beneficiar de estratégias de comunicação, discussão e pac-
corticoterapia, vertebroplastia e descompres- tuação de objetivos de cuidados. As sessões
são cirúrgica da medula, com o objetivo de subsequentes destinam-se a uma abordagem
aliviar seu sofrimento. sucinta de alguns destes tópicos.
O foco no alívio do sofrimento aponta para
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internação dele e solicitar alguns exames. Assim que houver novidades voltamos a conversar”.
Cabe ainda ressaltar alguns outros princí- Muitas vezes é fundamental que o profis-
pios de comunicação em situações difíceis. É sional procure ativamente entender o que se
essencial que o paciente / familiares sintam-se encontra por trás das palavras e solicitações
acolhidos, ou seja, que o profissional seja perce- dos pacientes / familiares. Por exemplo, mui-
bido como alguém que se coloca do seu lado, a tas vezes uma solicitação por sedação para um
seu favor. Sempre que frente a situações difíceis paciente, significa na verdade um pedido de
o profissional for percebido como um “inimigo” ajuda frente ao medo de não ser capaz de lidar
é prudente dar alguns passos atrás e rever o com a dor e sofrimento sozinho, ou a incerteza
processo de comunicação ou mesmo substituir de que um paciente em suas últimas horas de
o profissional por outro, com a finalidade de vida encontre-se em dor. Compreender o que
minimizar não apenas conflitos, mas de reduzir está por trás do pedido permitirá que o pro-
o sofrimento de pacientes e familiares. fissional identifique a forma de ajudar aquela
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família, assegurando-lhe que o paciente não dos para que se possa chegar à estratégia mais
será abandonado e que sempre se buscará o adequada a estes objetivos.
melhor controle sintomático possível, que pode A grosso modo estes objetivos podem ser
ou não envolver a necessidade de sedação de “curativos” (i.e. ênfase na cura torna a preven-
acordo com a evolução do quadro. ção de algum desconforto ou efeito colateral
Finalmente, é crucial ressaltar a importância algo secundário), “paliativos exclusivos” (i.e. a
dos elementos não verbais que permeiam todo ênfase no alívio dos sintomas é a prioridade
o processo. Saber olhar nos olhos dos interlo- absoluta) ou “paliativos e prolongadores da
cutores, falar pausadamente, em tom sereno, vida” (i.e. deseja-se que a vida seja prolonga-
respeitar os silêncios, assentir com a cabeça, etc. da o quanto for possível desde que não sejam
necessárias medidas que aumentem seu sofri-
mento). Ex: “– Agora que eu sei que vocês en-
diScutindo oBjetivoS de tenderam o que está acontecendo com o Sr.,
cuidadoS eu gostaria de pedir a ajuda de vocês... eu gos-
taria de poder cuidar do Sr. da melhor forma
Uma das maiores contribuições que os pro- possível, mas para fazer isso preciso que vocês
fissionais de saúde podem fazer a um paciente me ajudem a entender, dentro das opções e
candidato a cuidados paliativos e que se encon- possibilidades existentes neste momento, e que
tre em um serviço de urgência e emergência eu tentarei explicar para vocês, quais são as
envolve a discussão de seus objetivos de cuida- mais adequadas às prioridades do Sr.?”.
dos, para que os mesmos possam influenciar Após os devidos esclarecimentos e a ve-
as condutas diagnósticas e terapêuticas. Para rificação de sua compreensão o médico deve
tanto, além de seguir os princípios de comuni- procurar ouvir ativamente o que seus interlo-
cação efetiva listados anteriormente, o médico cutores pensam a respeito das possibilidades
deve procurar responder aos dois principais terapêuticas. Não se trata de delegar uma “de-
questionamentos de familiares e pacientes: cisão médica” a leigos, mas sim de buscar uma
• O que está acontecendo de errado comi- melhor compreensão dos valores do paciente
go ou com meu familiar? e de sua família, para que os mesmos possam
• O que pode vir a acontecer? contribuir ativamente para com a melhor “de-
cisão médica” possível.
Pacientes e familiares necessitam destas in- Dando continuidade ao exemplo anterior:
formações para poder exercer seu julgamento “– Se eu entendi corretamente o que vocês me
esclarecido sobre as opções de intervenções que falaram há pouco, para o Sr. o mais impor-
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que usamos. Algumas frases devem ser termi- trointestinais mais intensos.
nantemente evitadas. Por exemplo: “Então isto Os princípios do manejo de vários sintomas
quer dizer que não vamos fazer mais nada”, gastrointestinais, da dor e do delirium são trata-
transmite a falsa ideia de que o paciente será dos em capítulos específicos deste manual. De
abandonado e não receberá sequer cuidados modo semelhante, outros capítulos lidam com
para alívio de sofrimento. Esta frase poderia ser o tratamento específico de diversas causas de
substituída por outra: “Então isto quer dizer que dispneia (ex: asma, DPOC, TEP, etc.). Sendo
vamos concentrar todos os nossos esforços para assim, optou-se por discutir no presente capí-
tratar a sua dor e ajudar o Sr. a ficar confortável”. tulo apenas alguns aspectos do tratamento da
O processo de avaliação da capacidade de dispneia com o foco sobre o alívio sintomático.
um paciente ou familiar para tomar decisões O primeiro ponto a esclarecer consiste no
sobre a introdução ou não de determinada fato de que a dispneia, tal como a dor, é um
conduta envolve: sintoma e não um sinal. Ou seja, podemos ob-
• a demonstração de que o paciente de servar os sinais de esforço respiratório de um
fato compreendeu as informações e op- paciente ou mesmo sua saturação sanguínea
ções de cuidados que lhe foram dadas; de oxigênio, mas não podemos avaliar a inten-
• demonstrar ser capaz de usar esta infor- sidade da sensação de dispneia sem perguntar
mação de forma racional para chegar a ao paciente, ou, no caso de pacientes comato-
uma decisão; sos, sem procurar por sinais de serenidade ou
• evidenciar compreender as consequen- desconforto em sua face.
cias de sua decisãos; As causas da dispneia devem ser buscadas
e tratadas sempre que passíveis de reversão e
• caracterizar que se trata de uma escolha
em acordo com os objetivos terapêuticos dos
racional para ele(a) em função de seus
pacientes. Também deve ser compreendido
valores, preferências e contexto.
o papel comum da ansiedade psicológica en-
quanto um fator associado e exacerbador da
avaliação e Manejo de sensação de falta de ar.
SintoMaS coMunS O manejo sintomático da dispneia envolve
medidas farmacológicas e não farmacológicas.
Pacientes portadores de doenças avança- As medidas não farmacológicas incluem a ele-
das e ameaçadoras da vida frequentemente vação da cabeceira, evitar a aglomeração de
apresentam múltiplos sintomas de forma con- pessoas ao redor do paciente em um espaço
comitante. Os sintomas mais frequentes são pequeno, proporcionar uma temperatura am-
CLÍNICA MÉDICA | GERIATRIA
dor, fadiga, falta de ar / dispneia, insônia, ano- biente amena, umidificação do ar e mesmo a co-
rexia / caquexia, delirium, constipação, ansie- locação de um pequeno ventilador de ambiente
dade, náusea / vômito e depressão. Para cada com fluxo de ar direcionado para o paciente.
sintoma, múltiplas causas devem ser conside- São três as principais medidas farmacológi-
radas (ex: doença primária, efeitos colaterais cas para o tratamento sintomático da dispneia:
de tratamentos, fatores psicológicos, sociais, oxigênio, opioides e ansiolíticos. Ao prescrever
etc.). O alívio dos sintomas deve sempre ser um oxigenioterapia o médico deve compreender a
objetivo terapêutico. baixa correlação entre as medidas de oximetria
Devido à própria natureza dos serviços e a sensação subjetiva de falta de ar e guiar sua
de urgência enquanto porta de entrada nos terapêutica sintomática em função do conforto
hospitais para muitos pacientes portadores do paciente e não das medidas da oximetria,
dos sintomas mencionados acima, é essencial que em muitos casos podem ou mesmo devem
que os profissionais de saúde dessas unidades ser suspensas. Ainda assim, o teste terapêutico
sejam capazes de abordar de forma efetiva com oxigênio suplementar pode ser realizado
a dor, o delirium, a dispneia e sintomas gas- com intuito paliativo.
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