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Cuidados paliativos em um serviço de urgência e emergência

Chapter · January 2014


DOI: 10.13140/2.1.2413.2645

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5 authors, including:

Edison Vidal Paulo José Fortes Villas Bôas


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Fernanda Bono Fukushima


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c o n d u t a S e M u r g ê n c i a S e e M e r g ê n c i a S

CUIDADOS PALIATIVOS EM UM
SERVIÇO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA
Edison Iglesias de Oliveira Vidal1
Paulo José Fortes Villas Boas1
Jansen Micheleto Furlan2
José Carlos Christóvan2
Fernanda Bono Fukushima3

introdução bióticos? E quanto à sondagem naso-gástrica 1


Professor Doutor do
Departamento
para alimentação, seria ela pertinente? Onde
de Clínica Médica da

A abordagem de pacientes no fim da se encontra a linha ética que separa o excesso Disciplina de Geriatria e
vida em serviços de urgência e emer- da carência terapêutica? Gerontologia da
Ainda que compreendamos que idealmente Faculdade de Medicina
gência representa um grande desafio para o mé- de Botucatu, UNESP
dico e toda equipe de saúde. Não resta a menor estes pacientes deveriam ter recebido um cuida-
dúvida de que o cenário de um pronto-socorro do prévio que os preparasse melhor para as fa- 2
Médico da Disciplina
ses avançadas de suas doenças – na maior parte de Geriatria
representa um dos locais mais adversos para o
e Gerontologia da
cuidado paliativo de pacientes portadores de das vezes de caráter crônico-degenerativo – uma
Faculdade de Medicina
doenças avançadas, progressivas e ameaçado- vez frente a estes pacientes e seus familiares nas de Botucatu, UNESP
ras da vida, como neoplasias malignas, doenças salas de emergência é preciso e possível lidar
3
com eles de modo a minimizar seu sofrimento. Professora Doutora
neurodegenerativas avançadas (ex: síndromes do Departamento
demenciais, doença de parkinson, esclerose la- Podemos afirmar que os serviços de pron- de Anestesiologia do
teral amiotrófica, etc.), e toda uma variedade de to-socorro podem desempenhar um papel im- Serviço de Terapia
portante na abordagem destes pacientes, por Antálgica e Cuidados
insuficiências orgânicas crônicas avançadas (ex.:
Paliativos da
insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstru- representar uma importante porta de entrada
Faculdade de Medicina
tiva crônica, insuficiência renal e hepática). dos sistemas de saúde. As ações ali iniciadas de Botucatu, UNESP
Não apenas pacientes e seus familiares sen- podem contribuir de modo significativo para a
tem-se angustiados e confusos, como também trajetória destes pacientes e muitas vezes será
os profissionais de saúde destes serviços mui- neste cenário que algumas discussões sobre os
tas vezes sofrem e percebem-se despreparados objetivos dos cuidados com o paciente e fami-

CLÍNICA MÉDICA | GERIATRIA


para o manejo adequado destas situações. É liares serão introduzidas.
comum a realização de procedimentos invasi- O presente capítulo tem por objetivo dis-
vos não desejados pelo paciente nem pela equi- cutir a abordagem paliativa de pacientes por-
pe médica que também se sente desconfortável, tadores de patologias crônicas, progressivas,
por exemplo, ao colocar um paciente idoso avançadas e ameaçadoras da vida no contexto
com demência avançada em ventilação mecâ- de um serviço de urgência e emergência.
nica para o tratamento de uma pneumonia. Nosso objetivo principal não é transfor-
Questionamentos de ordem ética e moral mar um serviço de urgência e emergência em
frequentemente afloram na equipe, que não um hospice, mas auxiliar os profissionais de
raro tem dúvidas sobre a assertividade de de- saúde que atuam neste contexto a minimizar
terminada conduta, no que diz respeito tanto não apenas o sofrimento de pacientes porta-
à introdução como à não introdução de deter- dores de uma variedade de condições amea-
minados tratamentos. Por exemplo, no caso çadoras da vida e seus familiares durante sua
citado anteriormente, seria ético não realizar a passagem por estes serviços, como seu próprio
intubação orotraqueal? E a prescrição de anti- sofrimento.

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algunS conceitoS Algumas implicações diretas da definição


FundaMentaiS acima contradizem o senso comum de boa
parte dos leigos e mesmo de vários profis-
O primeiro passo para efetivamente me- sionais de saúde. Cuidados paliativos não se
lhorar o cuidado destes pacientes em qualquer contrapõem a cuidados destinados a prolon-
contexto terapêutico, corresponde a buscar gar a vida ou mesmo com intuito curativo. Ou
compreender melhor alguns conceitos básicos seja, não há nenhuma contradição no fato de
em medicina paliativa. A interpretação errô- um paciente optar por realizar determinado
nea destes conceitos bem como a formação procedimento cirúrgico ou quimioterápico e
insuficiente constituem as barreiras mais co- ao mesmo tempo receber atenção quanto ao
muns ao alívio do sofrimento de pacientes e alivio de seu sofrimento, no que diz respeito
familiares. ao tratamento de sintomas como dor, náusea,
A avaliação cuidadosa da definição de cui- ansiedade e depressão, dentre outros
dados paliativos da Organização Mundial de Alguns outros aspectos do texto da OMS
Saúde (OMS), transcrita no Quadro 1 pode ser merecem ser ressaltados para o contexto dos
bastante esclarecedora. serviços de urgência e emergência. A ideia de
Quadro 1: Definição da Organização Mundial de
cuidados paliativos não se destina apenas a
Saúde para cuidados paliativos pacientes com câncer, mas a um grupo bas-
tante amplo de pacientes, portadores de quais-
“Abordagem que melhora a qualidade de vida de quer patologias que possamos qualificar como
pacientes e suas famílias frente a doenças que
ameaçam a vida, através da prevenção e alívio ameaçadoras da vida.
de sofrimento por meio da identificação precoce, Obviamente, os processos envolvidos nos
avaliação impecável e tratamento da dor e de outros cuidados paliativos não se aplicam a quadros
problemas, físicos, psico-sociais e espirituais. Os agudos isolados, como uma apendicite ou um
cuidados paliativos:
infarto agudo do miocárdio em um paciente
• Promovem o alívio da dor e de outros sintomas previamente hígido. Nestes casos o médico
desagradáveis;
deve agir de modo ágil e objetivo, e embora
• Afirmam a vida e compreendem a morte como um
sempre que possível deva haver consentimento
processo natural;
informado para a realização de procedimentos
• Não pretendem apressar ou adiar a morte;
terapêuticos, outras questões relativas aos va-
• Integram os aspectos psicológicos e espirituais do lores individuais, preferências de cuidado e ex-
cuidado ao paciente;
pectativas individuais tendem a ocupar posição
• Oferecem um sistema de apoio para ajudar os secundária dentre as prioridades terapêuticas.
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pacientes a viver da forma mais ativa possível até a


morte;
Por outro lado, estas mesmas patologias
em um paciente idoso portador de um quadro
• Oferecem um sistema de apoio para ajudar a
família a lidar com o sofrimento durante a doença do de doença de Alzheimer avançada, podem e
paciente e durante seu próprio luto; devem levantar questões relativas a valores,
• Usam uma abordagem em equipe para responder preferências e objetivos de cuidados quando
às necessidades dos pacientes e de suas famílias, da discussão dos riscos e benefícios associados
incluindo aconselhamento durante o luto, se indicado; aos procedimentos terapêuticos.
• Aumentam a qualidade de vida, e podem influenciar Outro aspecto fundamental corresponde à
positivamente o curso da doença; ênfase no alívio do sofrimento e à otimização
• São aplicáveis de modo precoce durante o curso da qualidade de vida. Ora, a noção de quali-
da doença, em conjunto com outras terapias que são dade de vida e dignidade varia de pessoa para
direcionadas a prolongar a vida, como quimio- ou
pessoa, de acordo com as perspectivas, cren-
radioterapia, e incluem investigações necessárias
à melhor compreensão e manejo de complicações ças, história e valores de cada indivíduo. Na
clínicas angustiantes”. prática isto significa que se o objetivo central
do cuidado paliativo é otimizar na medida do

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possível a qualidade de vida de determinado medo de ser abandonado), social (e.g. receio
paciente, o papel do profissional de saúde não de ser um fardo pesado demais para seus entes
se resume a decidir por conta própria a me- queridos) ou espiritual (e.g. sensação de perda
lhor conduta terapêutica baseada apenas em de sentido e significado para a vida) são abor-
considerações fisiopatológicas, “evidências dados de modo efetivo, muitos pacientes pas-
científicas”* ou de acordo com seus próprios sam a necessitar de menores doses de opioides
referenciais existenciais. para o alívio da dor.
O profissional necessita conhecer as evi- Certamente não se espera dos profissionais
dências científicas, possuir uma visão a mais de urgência e emergência a realização de uma
clara possível dos riscos e benefícios envolvi- avaliação tão ampla a respeito do sofrimento
dos com a realização ou não de determinada dos pacientes, uma vez que isto ultrapassaria
intervenção e então procurar descobrir junto os limites de tempo e os objetivos daqueles
ao paciente e/ou seus familiares, em que me- serviços. Todavia, espera-se que esta consi-
dida tal intervenção, à luz de seus valores, deração contribua para desmistificar a noção
contribui ou não para sua qualidade de vida e errônea de que outros elementos da dor (ex:
conservação de sua dignidade. Aí se encontra componente psicológico) são fictícios e devem
a complexidade da tarefa. ser tratados através de placebos.
Em outras palavras, o grau de acerto das É importante citar que estudos recentes
condutas de acordo com o ponto de vista da demonstraram que intervenções interdiscipli-
medicina paliativa é julgado pela medida do nares baseadas nos princípios dos cuidados
seu alinhamento com os valores, as preferên- paliativos são capazes não apenas de reduzir o
cias e objetivos de cuidado dos pacientes e seus sofrimento dos pacientes e melhorar sua quali-
familiares. Cuidados paliativos não significam dade de vida, como também de prolongar sua
niilismo terapêutico e muitos pacientes que se sobrevivência.
encontram em acompanhamento por serviços A aplicação destes princípios no contexto
paliativos podem de fato se beneficiar de vá- dos serviços de urgência e emergência cons-
rias intervenções de urgência. Por exemplo pa- titui-se em uma tarefa complexa que requer
cientes com neoplasias avançadas e sintomas habilidades técnicas específicas, incluindo
de fraturas vertebrais podem se beneficiar de estratégias de comunicação, discussão e pac-
corticoterapia, vertebroplastia e descompres- tuação de objetivos de cuidados. As sessões
são cirúrgica da medula, com o objetivo de subsequentes destinam-se a uma abordagem
aliviar seu sofrimento. sucinta de alguns destes tópicos.
O foco no alívio do sofrimento aponta para

CLÍNICA MÉDICA | GERIATRIA


mais um princípio importante dos cuidados
paliativos. A noção de sofrimento e dor é com- coMunicação eM cuidadoS
preendida como um fenômeno total, constitu- PaliativoS
ído por dimensões físicas, psicológicas, sociais
e espirituais, em interação permanente. Este Os processos de comunicação em cuidados
conceito se torna claro diante da observação paliativos representam um aspecto tão central
comum de que na medida em que determi- e concreto de sua prática como a habilidade de
nado elemento psicológico (e.g. depressão ou operar para um cirurgião. A comunicação bem
conduzida tem o potencial de reduzir a ansie-
*
O termo “evidências científicas” foi ressaltado, por- dade e o sofrimento de pacientes e familiares,
que de acordo com os princípios da medicina basea-
da em evidências, as evidências da literatura não de-
fortalecendo o processo de confiança na equi-
vem ser usadas como um elemento absoluto a guiar pe de saúde e minimizando o risco de conflitos.
condutas. A utilização apropriada das evidências O Quadro 2, na página seguinte, lista al-
sempre envolve a consideração do cenário de atua-
ção do profissional, os valores, preferências e contex- guns princípios de comunicação em cuidados
to dos pacientes. paliativos.

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Quadro 2: Princípios de comunicação em cuidados paliativos


Princípio Detalhamento, comentários e exemplos
Prepare a si mesmo e o ambiente Este processo envolve desde apropriar-se das informações centrais em relação ao paciente (e.g. quadro
clínico, exames laboratoriais, tratamentos prévios e prognóstico) até buscar um ambiente mais reservado
para conversas difíceis (e.g. um consultório), as quais idealmente não devem ser realizadas no corredor
ou em ambientes conturbados
Pergunte antes de contar Antes de dar notícias ou informar o paciente e/ou sua família acerca de sua visão enquanto profissional
de saúde sobre o quadro clínico do paciente, opções terapêuticas, etc, procure explorar ao máximo
a percepção do paciente e/ou seus familiares acerca de seu quadro clínico, de seu prognóstico, de
suas preocupações e expectativas. Compreender o ponto de vista do outro corresponde a um passo
fundamental para o sucesso de toda comunicação. A melhor forma de realizar este processo é através
de perguntas abertas.
Ex: “– O que o Sr. entendeu da conversa com o oncologista?”
Convide Procure determinar o quanto de informação o paciente deseja obter. O paciente tem o direito de escolher
se quer ou não participar do processo de comunicação de notícias difíceis ou decisões terapêuticas.
Ex: “– Há vários tipos de pacientes, alguns que gostam de receber toda informação sobre seu quadro
e outros que preferem que as informações sejam discutidas com seus familiares. Eu gostaria de cuidar
do(a) senhor(a) da melhor forma possível e por isso preciso saber com que tipo de paciente o(a) Sr(a). se
parece mais.” Este tipo de abordagem contribui para a redução de conflitos do tipo “conta, não conta” e
redução do sofrimento associado à “conspiração do silêncio”.
Compartilhe as informações: A partir dos passos anteriores o profissional deverá ser capaz de delinear sua estratégia de informação.
Neste processo é muito importante buscar alinhar a percepção do paciente e/ou seus familiares com a
• Alinhe as percepções
do profissional de saúde. Ex: “– A Sra. está correta quando tem percebido que o quadro de saúde do
• Explique / eduque seu pai vem se tornando cada vez mais fraco”. A partir do alinhamento as informações devem ser dadas
em pequenas porções. Ex: “– Isto significa que a doença dele vem piorando”. A cada novo pedaço de
• Forneça informações em “pequenas porções”
informação dado, deve-se observar a reação do interlocutor e reagir de forma adequada. É importante
• Use linguagem leiga perguntar diversas vezes ao longo da conversa a respeito da compreensão do que está sendo dito. Ex:
“– As coisas que eu estou dizendo estão claras? Fazem sentido para a Sra.?”
• Verifique a compreensão do que foi dito
Reaja às emoções de forma empática Este processo envolve a capacidade de responder de forma sensível as reações emocionais de
pacientes e familiares. Pode se dar através de um toque quando apropriado, da oferta de um lenço, de
uma observação como “eu sinto muito”, ou da validação da reação do paciente (ex: “isto que a Sra. está
sentindo é normal e muitos pacientes e familiares sentem-se de forma semelhante.”)
Delineie uma estratégia e faça um sumário A melhor forma de encaminhar os processos de comunicação em situações difíceis consiste em
do conteúdo principal da comunicação sumarizar aquilo que se conversou e estabelecer uma estratégia para os próximos passos. Ex: “– De
acordo com o que acabamos de conversar eu compreendi que a preocupação principal da Sra. diz
respeito a evitar que seu pai sofra, e que podemos tentar interná-lo para o tratamento da pneumonia, mas
que devemos evitar algumas medidas como colocá-lo para respirar com a ajuda de aparelhos, porque
isto poderia aumentar seu desconforto. Também entendi que é muito importante para a Sra. conseguir
permanecer ao lado dele. Estou correto? Ok, meus próximos passos serão verificar se há um leito para a
CLÍNICA MÉDICA | GERIATRIA

internação dele e solicitar alguns exames. Assim que houver novidades voltamos a conversar”.

Cabe ainda ressaltar alguns outros princí- Muitas vezes é fundamental que o profis-
pios de comunicação em situações difíceis. É sional procure ativamente entender o que se
essencial que o paciente / familiares sintam-se encontra por trás das palavras e solicitações
acolhidos, ou seja, que o profissional seja perce- dos pacientes / familiares. Por exemplo, mui-
bido como alguém que se coloca do seu lado, a tas vezes uma solicitação por sedação para um
seu favor. Sempre que frente a situações difíceis paciente, significa na verdade um pedido de
o profissional for percebido como um “inimigo” ajuda frente ao medo de não ser capaz de lidar
é prudente dar alguns passos atrás e rever o com a dor e sofrimento sozinho, ou a incerteza
processo de comunicação ou mesmo substituir de que um paciente em suas últimas horas de
o profissional por outro, com a finalidade de vida encontre-se em dor. Compreender o que
minimizar não apenas conflitos, mas de reduzir está por trás do pedido permitirá que o pro-
o sofrimento de pacientes e familiares. fissional identifique a forma de ajudar aquela

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família, assegurando-lhe que o paciente não dos para que se possa chegar à estratégia mais
será abandonado e que sempre se buscará o adequada a estes objetivos.
melhor controle sintomático possível, que pode A grosso modo estes objetivos podem ser
ou não envolver a necessidade de sedação de “curativos” (i.e. ênfase na cura torna a preven-
acordo com a evolução do quadro. ção de algum desconforto ou efeito colateral
Finalmente, é crucial ressaltar a importância algo secundário), “paliativos exclusivos” (i.e. a
dos elementos não verbais que permeiam todo ênfase no alívio dos sintomas é a prioridade
o processo. Saber olhar nos olhos dos interlo- absoluta) ou “paliativos e prolongadores da
cutores, falar pausadamente, em tom sereno, vida” (i.e. deseja-se que a vida seja prolonga-
respeitar os silêncios, assentir com a cabeça, etc. da o quanto for possível desde que não sejam
necessárias medidas que aumentem seu sofri-
mento). Ex: “– Agora que eu sei que vocês en-
diScutindo oBjetivoS de tenderam o que está acontecendo com o Sr.,
cuidadoS eu gostaria de pedir a ajuda de vocês... eu gos-
taria de poder cuidar do Sr. da melhor forma
Uma das maiores contribuições que os pro- possível, mas para fazer isso preciso que vocês
fissionais de saúde podem fazer a um paciente me ajudem a entender, dentro das opções e
candidato a cuidados paliativos e que se encon- possibilidades existentes neste momento, e que
tre em um serviço de urgência e emergência eu tentarei explicar para vocês, quais são as
envolve a discussão de seus objetivos de cuida- mais adequadas às prioridades do Sr.?”.
dos, para que os mesmos possam influenciar Após os devidos esclarecimentos e a ve-
as condutas diagnósticas e terapêuticas. Para rificação de sua compreensão o médico deve
tanto, além de seguir os princípios de comuni- procurar ouvir ativamente o que seus interlo-
cação efetiva listados anteriormente, o médico cutores pensam a respeito das possibilidades
deve procurar responder aos dois principais terapêuticas. Não se trata de delegar uma “de-
questionamentos de familiares e pacientes: cisão médica” a leigos, mas sim de buscar uma
• O que está acontecendo de errado comi- melhor compreensão dos valores do paciente
go ou com meu familiar? e de sua família, para que os mesmos possam
• O que pode vir a acontecer? contribuir ativamente para com a melhor “de-
cisão médica” possível.
Pacientes e familiares necessitam destas in- Dando continuidade ao exemplo anterior:
formações para poder exercer seu julgamento “– Se eu entendi corretamente o que vocês me
esclarecido sobre as opções de intervenções que falaram há pouco, para o Sr. o mais impor-

CLÍNICA MÉDICA | GERIATRIA


melhor se adequam a seus valores, preferências tante é tentar fazer todo o possível para curar
e contextos. Todavia, informar prognóstico este problema, mas desde que os tratamentos
nunca é uma tarefa simples. Por este motivo, não sejam arriscados demais, dolorosos ou te-
recomenda-se que todo prognóstico seja for- nham pouca chance de resolver o problema?”
necido em termos de intervalos (ex: horas a Durante estas discussões o papel do médico
dias, dias a semanas, semanas a meses, etc.) e não é o de “induzir” o paciente a determinado
acompanhado do devido esclarecimento sobre caminho, nem o de se abster da sua própria
as incertezas que cercam qualquer estimativa. opinião, mas o de, reconhecendo seus limites
Uma vez que o médico tenha conseguido em saber “o que é melhor” para o paciente,
informar o paciente e/ou seus familiares acerca solicitar informações para poder aconselhar
das perspectivas que envolvem tanto o prog- o paciente e/ou seus familiares da forma mais
nóstico como as diferentes opções terapêuti- adequada possível. Toda discussão sobre ob-
cas, e tenha verificado a compreensão de suas jetivos de cuidados deve ser documentada em
palavras, ele pode solicitar de seus interlocuto- prontuário com a maior clareza possível.
res informações sobre seus objetivos de cuida- É fundamental atentar para a linguagem

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que usamos. Algumas frases devem ser termi- trointestinais mais intensos.
nantemente evitadas. Por exemplo: “Então isto Os princípios do manejo de vários sintomas
quer dizer que não vamos fazer mais nada”, gastrointestinais, da dor e do delirium são trata-
transmite a falsa ideia de que o paciente será dos em capítulos específicos deste manual. De
abandonado e não receberá sequer cuidados modo semelhante, outros capítulos lidam com
para alívio de sofrimento. Esta frase poderia ser o tratamento específico de diversas causas de
substituída por outra: “Então isto quer dizer que dispneia (ex: asma, DPOC, TEP, etc.). Sendo
vamos concentrar todos os nossos esforços para assim, optou-se por discutir no presente capí-
tratar a sua dor e ajudar o Sr. a ficar confortável”. tulo apenas alguns aspectos do tratamento da
O processo de avaliação da capacidade de dispneia com o foco sobre o alívio sintomático.
um paciente ou familiar para tomar decisões O primeiro ponto a esclarecer consiste no
sobre a introdução ou não de determinada fato de que a dispneia, tal como a dor, é um
conduta envolve: sintoma e não um sinal. Ou seja, podemos ob-
• a demonstração de que o paciente de servar os sinais de esforço respiratório de um
fato compreendeu as informações e op- paciente ou mesmo sua saturação sanguínea
ções de cuidados que lhe foram dadas; de oxigênio, mas não podemos avaliar a inten-
• demonstrar ser capaz de usar esta infor- sidade da sensação de dispneia sem perguntar
mação de forma racional para chegar a ao paciente, ou, no caso de pacientes comato-
uma decisão; sos, sem procurar por sinais de serenidade ou
• evidenciar compreender as consequen- desconforto em sua face.
cias de sua decisãos; As causas da dispneia devem ser buscadas
e tratadas sempre que passíveis de reversão e
• caracterizar que se trata de uma escolha
em acordo com os objetivos terapêuticos dos
racional para ele(a) em função de seus
pacientes. Também deve ser compreendido
valores, preferências e contexto.
o papel comum da ansiedade psicológica en-
quanto um fator associado e exacerbador da
avaliação e Manejo de sensação de falta de ar.
SintoMaS coMunS O manejo sintomático da dispneia envolve
medidas farmacológicas e não farmacológicas.
Pacientes portadores de doenças avança- As medidas não farmacológicas incluem a ele-
das e ameaçadoras da vida frequentemente vação da cabeceira, evitar a aglomeração de
apresentam múltiplos sintomas de forma con- pessoas ao redor do paciente em um espaço
comitante. Os sintomas mais frequentes são pequeno, proporcionar uma temperatura am-
CLÍNICA MÉDICA | GERIATRIA

dor, fadiga, falta de ar / dispneia, insônia, ano- biente amena, umidificação do ar e mesmo a co-
rexia / caquexia, delirium, constipação, ansie- locação de um pequeno ventilador de ambiente
dade, náusea / vômito e depressão. Para cada com fluxo de ar direcionado para o paciente.
sintoma, múltiplas causas devem ser conside- São três as principais medidas farmacológi-
radas (ex: doença primária, efeitos colaterais cas para o tratamento sintomático da dispneia:
de tratamentos, fatores psicológicos, sociais, oxigênio, opioides e ansiolíticos. Ao prescrever
etc.). O alívio dos sintomas deve sempre ser um oxigenioterapia o médico deve compreender a
objetivo terapêutico. baixa correlação entre as medidas de oximetria
Devido à própria natureza dos serviços e a sensação subjetiva de falta de ar e guiar sua
de urgência enquanto porta de entrada nos terapêutica sintomática em função do conforto
hospitais para muitos pacientes portadores do paciente e não das medidas da oximetria,
dos sintomas mencionados acima, é essencial que em muitos casos podem ou mesmo devem
que os profissionais de saúde dessas unidades ser suspensas. Ainda assim, o teste terapêutico
sejam capazes de abordar de forma efetiva com oxigênio suplementar pode ser realizado
a dor, o delirium, a dispneia e sintomas gas- com intuito paliativo.

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Os opioides consistem em um importan- Sedação Paliativa


te e subutilizado recurso para o manejo sin-
tomático da dispneia. Há muito tempo já foi A indicação de sedação paliativa se restrin-
demonstrado que os opioides, quando utili- ge a situações em que, a despeito dos melho-
zados corretamente, são capazes de aliviar a res e mais competentes esforços e tratamentos
percepção de falta de ar sem exercer efeitos paliativos, o controle adequado dos sintomas
negativos sobre a frequência respiratória ou não se torna viável sem que se lance mão de
parâmetros de gasometria. Em muitos pa- medidas de sedação. Situações comumente
cientes, o alívio sintomático é acompanhado associadas a este tipo de necessidade envol-
de melhora na mobilidade e na tolerância ao vem, por exemplo, delirium terminal, dispneia
exercício. Os princípios de prescrição de opio- associada à obstrução tumoral de vias aéreas
ides para dispneia são idênticos àqueles utili- e sangramentos refratários. O objetivo primá-
zados para o tratamento da dor (vide capítulo rio é o alívio sintomático a situações refratárias
sobre tratamento da dor), no entanto a dose às demais medidas sintomáticas. Não se trata,
inicial necessária para o alívio da dispneia portanto, de uma medida destinada a encur-
costuma ser menor que aquela destinada ao tar voluntariamente a vida dos pacientes ou de
tratamento da dor. uma eutanásia disfarçada. Trata-se de mais um
Uma vez que venha sendo realizado trata- passo buscando honrar os objetivos de cuida-
mento sintomático da dispneia com opioides, dos previamente manifestados pelo paciente e/
oxigênio e medidas não farmacológicas e a ou seus familiares. Felizmente, a maior parte
equipe médica perceba que ansiedade pode dos pacientes não requer sedação paliativa e
ser um fator contribuinte para a falta de ar do as medidas sintomáticas usuais envolvendo
paciente, benzodiazepínicos podem ser utili- opioides e outras medidas farmacológicas e
zados em baixas doses para sua minimização não farmacológicas são capazes de proporcio-
(ex. midazolan 0,5mg EV, lorazepam 0,5-2mg nar controle sintomático.
VO, clonazepam 0,25mg – 2mg VO). A técnica mais frequentemente recomen-
dada corresponde à sedação paliativa propor-
cional, na qual se utilizam benzodiazepínicos
PacienteS eM SuaS últiMaS por via parenteral em doses que vão sendo
horaS de vida tituladas gradativamente visando ao conforto
do paciente, ou seja, de modo proporcional aos
Alguns pacientes portadores de doenças seus sintomas. O alvo terapêutico corresponde
crônicas, avançadas e ameaçadoras da vida a atingir o melhor alívio sintomático com a me-

CLÍNICA MÉDICA | GERIATRIA


chegarão aos serviços de urgência e emergên- nor dose possível de sedativos. Neurolépticos
cia já em suas últimas horas de vida, demons- podem ser acrescentados ao esquema sedativo
trando, por exemplo, rebaixamento do nível de de acordo com cada caso.
consciência, hipoperfusão periférica acentua- Não se recomenda o uso da “famosa” so-
da e sinais clínicos de insuficiência respirató- lução “M1” (combinação de meperidina, clor-
ria. Nestes casos o médico deverá considerar promazina e prometazina). Apesar de comum,
o prognóstico do paciente, a possibilidade da seu uso é marcado por vários problemas. A
existência de causas potencialmente reversíveis meperidina apresenta um metabólito extrema-
(ex: infecção e distúrbios hidro-eletrolíticos), os mente neurotóxico (normeperidina) capaz de
possíveis riscos e benefícios das intervenções piorar o desconforto e a agitação dos pacien-
diagnósticas e terapêuticas e, sempre fazendo tes, produzindo inclusive crises convulsivas
uso das melhores técnicas de comunicação (vide capítulo sobre tratamento da dor para
efetiva, discutir tais elementos com os familia- maiores detalhes). Além disso, em pacientes
res do paciente de modo semelhante ao deta- que já sejam usuários crônicos de opioides, é
lhado na sessão sobre objetivos de cuidados. comum que a dose de meperidina presente na

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solução M1 seja inferior à dose equianalgésica Capítulo I (Princípios fundamentais), Prin-


dos outros opioides em uso, o que pode piorar cípio XXII - Nas situações clínicas irreversíveis
a dor e inclusive gerar sintomas de abstinên- e terminais, o médico evitará a realização
cia. A prometazina também não representa de procedimentos diagnósticos e terapêuti-
uma boa escolha em termos de agente seda- cos desnecessários e propiciará aos pacientes
tivo em função de seus efeitos anticolinérgi- sob sua atenção todos os cuidados paliativos
cos que podem contribuir para a agitação em apropriados.
casos de delirium terminal. Finalmente, o uso Capítulo V (Relação com pacientes e fami-
de soluções e doses-padrão contrariam o prin- liares), Artigo 41, parágrafo único: “Nos casos
cípio da titulação gradual e individualização de doença incurável e terminal, deve o médico
da dose de sedativos até que se alcance alívio oferecer todos os cuidados paliativos disponí-
sintomático. veis sem empreender ações diagnósticas ou
terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando
sempre em consideração a vontade expressa
aSPectoS éticoS do paciente ou, na sua impossibilidade, a de
seu representante legal.”
Estes trechos do código de ética médica
O novo código de ética médica ratifica
deixam claro que a falha em proporcionar cui-
diversos aspectos abordados neste capítulo. dados paliativos adequados ao paciente e/ou
Citamos a seguir alguns trechos relevantes do desconsiderar a vontade expressa do mesmo
referido código: ou de sua família representa falta ética.

RefeRências
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