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Referência - Revista de Enfermagem

ISSN: 0874-0283
referencia@esenfc.pt
Escola Superior de Enfermagem de
Coimbra
Portugal

Sapeta, Paula; Lopes, Manuel


Cuidar em fim de vida: factores que interferem no processo de interacção enfermeiro
doente
Referência - Revista de Enfermagem, vol. II, núm. 4, junio, 2007, pp. 35-57
Escola Superior de Enfermagem de Coimbra
Coimbra, Portugal

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=388239951003

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ARTIGO

Cuidar em fim de vida:


factores que interferem no processo
de interacção enfermeiro doente

Caring at the end of life: factors that interfere with the process of
interaction nurse-patient

Paula Sapeta *
Manuel Lopes**

Resumo Abstract
Na presente metasíntese foram incluídos 18 artigos In the present metasynthesis 18 articles were included
(fonte primária) e 1 revisão sistemática da literatura (primary source) and one systematic revision of the
(fonte secundária), todos estudos empíricos de natureza literature (secondary source), all empiric studies of
qualitativa, publicados entre 2000-2006, pesquisados qualitative nature, published between 2000-2006,
a partir de bases de dados, de texto integral e de researched from databases, of reference and integral text.
referência. Privilegiámos a interacção enfermeiro- We gave special relevance to the nurse-patient
doente, em fim de vida, em contexto de hospital de interaction, in the end of life, in acute hospital wards.
agudos. Propusemo-nos conhecer estudos de qualidade It was our purpose to know quality studies that allowed
que permitissem identificar factores que interferem no to identify factors that interfere in the interaction
processo de interacção entre o enfermeiro e o doente process between the nurse and the patient in the end
em fim de vida, num hospital de agudos; especi- of life, in an acute hospital ward; specifically the
ficamente as características pessoais e profissionais dos personal and professional characteristics of the involved
actores envolvidos (enfermeiros e doentes), do contexto actors (nurses and patient), of the social, cultural and
social, cultural e de saúde que interferem no processo health context that interfere in the interaction process
de interacção entre o enfermeiro e o doente em fim de between the nurse and the patient in the end of life, in
vida, num hospital de agudos. Concluímos que o an acute hospital. We concluded that the Process of
Processo de Interacção Enfermeiro—-Doente é Interaction Nurse-Patient is complex and multidi-
complexo e multidimensional. Nele confluem variáveis mensional. In it intrinsic variables converge. They are
intrínsecas ao próprio doente e à situação particular de related to the patient himself/herself and the peculiar
saúde em que se encontra; as características pessoais e situation of health in which he/she is; the nurse’s
profissionais do enfermeiro, as características do professional and personal characteristics, the nature of
contexto social e cultural, da “cultura organizacional” the social and cultural context, of the “organizational
que tipifica os hospitais, e algumas propriedades do culture” that typifies the hospitals, and some properties
processo: objectivos terapêuticos, comunicação e o of the process: therapeutic goals, communication and
trabalho interdisciplinar da equipa. E ainda que a the interdisciplinary work of the team. And the although
enfermeira desenvolve a partir da sua prática reflexiva the nurse develops, starting from his/her reflexive
estratégias para optimizar os cuidados ao doente em practice, strategies to improve the cares to the patient
fim de vida, sobretudo na gestão pessoal que faz da morte in the end of life, above all in the personal administration
e da aliança terapêutica que estabelece com o doente, that she/he does of the death and of the therapeutic
convertendo-se no elemento garante da qualidade de alliance that establishes with the patient, becoming the
vida até ao fim. element that guarantees the quality of life till the end.

Palavras-chave: interacção enfermeiro-doente; relação Key-words: nurse-patient interaction; nurse-patient


enfermeiro-doente; comunicação enfermeiro doente; relationship; communication nurse-patient; Care in
cuidar em fim de vida. the end of life.

* Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico – Cirúrgica, Mestre


em Sociologia e Doutoranda em Enfermagem; Professora Coordenadora
na Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias
** Professor Coordenador na Escola Superior de Enfermagem S João de Aceite para publicação em 04-01-07
Deus de Évora e Vice-reitor da Universidade de Évora Recebido para publicação em 11-06-06

Revista II.ª Série - nº 4 - Jun. 2007


Introdução 2004; Forman et al., 2003; Pincombeet al.
2003), não obstante esse facto, percentagens
Os fenómenos da transição demográfica significativas de doentes, em todo o mundo,
e a consequente transição epidemiológica continuam a recorrer aos hospitais de agudos,
contribuíram para a existência de um vasto na última fase da vida, e a sujeitarem-se a esse
grupo de doentes crónicos, em geral, com mesmo estatuto.
pluripatologia, variáveis graus de depen- Em Portugal, só nos últimos anos, se
dência e de sofrimento e que progridem ine- começou a observar um interesse crescente por
xoravelmente para a morte. esta filosofia de cuidados; ao nível da formação,
A morte faz parte do ciclo da vida, é é uma área com muita procura, que suscita o
incontornável, mas o medo que provoca maior interesse. Com o incremento da
é secular (Ariés, 1988); por isso foi formação avançada (mestrados e douto-
gradualmente transferida para os hospitais, ramentos) no âmbito dos cuidados paliativos
dessocializou-se, deixou de ser vivida como um em diferentes áreas disciplinares, o nível da
facto social (Ariés, 1988; Sancho, 1999; investigação realizado tem logrado maior
Timmermans, 2005), existe uma “nova” complexidade.
cultura de vivenciar a morte, apesar dos doentes Em Inglaterra o movimento dos hospícios
continuarem a preferir morrer junto dos teve início em 1967 com Cicely Saunders e
seus familiares e nas suas casas. Viver mais rapidamente se desenvolveu e implementou
anos não tem significado viver melhor, pois no sistema de saúde daquele país, sobretudo
observa-se perda de qualidade de vida nos em hospícios, Nursing Home e em serviços
últimos anos, incluindo no processo de morrer pertencentes a outras estruturas da comuni-
(Neto, 2005; Clark, 2002; Doyle et al. 1998; dade (Seymour, 2004; Forman et al, 2003).
Gomez Sancho, 1999; Twycross, 2000); os Na realidade portuguesa ainda estamos
avanços tecnológicos e das ciências médicas, distantes de igualar este cenário, dado que o
têm procurado prolongar a vida e adiar o número de serviços ou equipas de cuidados
processo de morte, outorgando ao moribundo paliativos é reduzidíssimo, assim a maioria
mais uns dias, à custa de mais sofrimento, dos doentes acaba por viver os seus últimos
devido a terapêuticas inúteis, ao desajuste dias nos hospitais. Em que condições? É um
terapêutico e à pouca atenção que é dispensada dos assuntos que merece ser estudado e
aos atributos do sofrimento entretanto vivido explorado mais profundamente.
(Sancho, 2005; Moscatel, 2005; Seymour, Para os profissionais de saúde os cuidados
2004; Pincombe et al. 2003). em fim de vida resultam muito exigentes
A medicalização da morte, observada ao quanto às habilidades e competências,
longo do século XX, começou a ser fortemente porque como seres sociais e culturais, não estão
atacada a partir dos anos 70 por Ivan Ilitch, livres da influência da sociedade e dos valores
e os cuidados paliativos vieram encorajar que foram assimilando no curso das suas vidas,
e responsabilizar todos na necessidade de reagindo como pessoas comuns, com emoções
garantir dignidade até ao fim (Clark, 2002; e sentimentos negativos, de rejeição face à
Clarke e Ross, 2006). morte e aos doentes moribundos (García,1996;
Em todo o mundo, particularmente na Timmermans, 2005). Essa herança cultural
Europa do Norte, Estados Unidos e Canadá, poderá condicionar o modo como lidam com
os cuidados paliativos são uma prática a morte e com os que estão a morrer, podendo
consolidada e de indiscutível importância causar-lhes grande impacto emocional,
(Clarke e Ross, 2006; Thompson et al. 2006; dúvidas, insegurança, ansiedade e medo,
Neto, 2005; Twycross, 2000, 2005; Seymour, modificando as suas atitudes e a forma como

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cuidam destes doentes e das suas famílias Próximo deste conceito e segundo os
(Bayés, 2001; León et al. 2002). Estándards de Cuidados Paliativos, do Servei
Num profundo artigo de revisão teórica, Catalá de la Salut (1995) é aquele que
Limonero Garcia analisa o fenómeno da morte apresenta doença avançada, incurável
(a morte própria e a morte de outrem) e a e evolutiva, com elevadas necessidades de
expressão de emoções de doentes, família e da cuidados de saúde pelo sofrimento associado
equipa de saúde face a tal acontecimento. e que, em média, apresenta uma sobrevida
Aponta que, para os profissionais de saúde, o esperada de 3 a 6 meses (Neto, 2005).
maior impacto emocional poderá estar É uma situação particular de saúde, de
relacionado com o ambiente de trabalho grande instabilidade como outras fases de
(problemas de comunicação, falta de apoio transição do ciclo de vida, mas com a
mútuo, problemas relacionados com a tomada singularidade de se reportar ao fim da vida.
de decisões e falta de estabilidade da equipa), Junto destes doentes, é a enfermeira a que
com os papéis profissionais (ambiguidade procura mais tempo, proximidade e
ou conflito de papéis, falta de controlo disponibilidade pessoal face às necessidades
sobre a sua própria actividade) com as dos doentes no fim da vida e a que está,
características dos doentes e familiares portanto, em melhores condições para
(personalidade, idades muito jovens, acompanhar este ser humano em situação de
identificação com o doente, problemas de vulnerabilidade, ao mesmo tempo que atende
comunicação, problemas sociais ou familiares a família, fazendo com que participe nos
prévios, hostilidade),com as características da cuidados, informando-a e apoiando-a.
doença (sobretudo as que determinam maior Naturalmente esta abordagem requer a
sofrimento físico, alterações da imagem assunção de crescentes responsabilidades, uma
corporal, com mutilação), ou com a tra- maior implicação pessoal, com melhor
jectória de doença (a proximidade da morte, preparação técnica e aquisição de um corpo
fracasso terapêutico ou incapacidade para de conhecimentos, de habilidades e
diminuir o sofrimento do doente) (Garcia, competências pessoais e profissionais que a
1996). complexidade e delicadeza da situação exige
O conceito de doente terminal engloba um (Mompart Garcia, 1998).
conjunto de critérios que o caracterizam: Kim aponta que, para formulações teóricas
presença de uma doença avançada, incurável e de enfermagem, são possíveis e pertinentes
terminal; escassa ou nula possibilidade de cinco níveis de conceptualização holística, que
resposta ao tratamento activo, específico para são: o cliente, enfermeiro-cliente, a prática,
a patologia de base; podendo utilizar-se, em o ambiente/contexto e o nível holístico
certas situações, recursos específicos pelo seu alcançado em cada um dos quatro domínios
contributo favorável sobre a qualidade de vida; designados. Aprofunda cada um dos domínios,
presença de problemas, sintomas intensos, mas atribui especial importância ao do
múltiplos e multifactoriais; determina grande enfermeiro-doente numa situação particular de
impacto emocional no doente, família, amigos saúde, como um componente essencial e uma
e equipa de saúde, relacionado com o das áreas que carece ser mais aprofundada para
sofrimento e com o processo de morte; a o desenvolvimento do conhecimento teórico
evolução é no sentido da degradação em enfermagem (Kim, 2000). É definido, pela
progressiva e falência multiorgânica; mesma autora, como a área de estudo da
o prognóstico de vida é limitado (± 6 meses, enfermagem relativa ao fenómeno que surge
mais raramente anos) (Gomez Sancho, 1999; sempre que enfermeira e o doente se
Gonzalez Barón, 1996; SECPAL, 1999). encontram, indicando que o seu estudo inclui

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três tipos de fenómenos: o contacto, a comu- natureza da interacção e as metas de saúde
nicação e a interacção. Pode tomar diferentes do doente (Lopes 2006, p. 88), a figura 1
facetas, quer na relação que se estabelece, quer procura ilustrar esses domínios e variáveis em
na forma como são providenciados os cuidados conformidade com o teorizado por Kim
de enfermagem e englobar os vários modos de (1997), e cujo pensamento nos guiou neste
contacto, o espacial, o físico, o comunicativo, trabalho de pesquisa.
o emocional e os diferentes modos de inte- Imbuída da ideia de que cada pessoa
racção. Nesses contactos “há intercâmbio, envolvida no processo de interacção (enfer-
troca de informação, de energia, de afecto e meiro, doente e outros actores) traz para
de humanidade, para além disso podem o momento presente todas as fases do
constituir o meio que permite deliberar os tempo (passado, presente e futuro), incor-
cuidados que melhor ajudam o doente na poram no “agora” todas as suas experiência
perspectiva da enfermeira, e também atender de vida, todo o seu mundo interior vivido,
e valorizar a perspectiva do doente” (Kim 2000, resultando num processo complexo e difícil
p.101-102). de deslindar como é o fim de vida, mas pos-
Na análise deste domínio, enfermeiro- sível de estruturar a um nível macro e micro
doente, e adoptando o prisma da análise da acção e vivência. “O momento partilhado
sociológica, toma interesse compreender o do presente tem o potencial de transcender o
fenómeno social da interacção humana, as tempo, o espaço e o mundo físico concreto,
normas sociais que o regem, a simbologia, como geralmente o vemos na relação tradicio-
as atitudes e os valores que influenciam nal enfermeiro-doente” (Watson 2002,
o padrão de interacção; como tem início, se p.85).
desenvolve e como termina a situação social. Seguindo esta linha de orientação faz sen-
Na perspectiva do desenvolvimento de tido perceber em que medida as situações
enfermagem, o seu estudo, permite com- criadas na interacção entre o enfermeiro e o
preender as intervenções de enfermagem, pois doente em fim de vida, num contexto hospi-
é parte da acção que desenvolve, pode trazer talar de agudos, constituem uma oportuni-
conhecimento novo e habilitar para novas dade de desenvolvimento e crescimento pes-
competências, influenciar a efectividade das soal e/ou uma vivência ameaçadora; bem
prescrições e dos padrões de acção, bem como como avaliar como tudo se processa, que
compreender melhor a díade enfermeiro- factores interferem, como se desenvolve e
doente e o impacto que o processo, numa estabelece o processo de interacção e identi-
situação particular de saúde, tem em ambos, ficar a matriz de outras interacções que se
nomeadamente em termos de bem-estar para erigem em simultâneo.
o doente (Kim, 2000). Neste trabalho de revisão de literatura
A interacção enfermeira-doente é um procurámos encontrar estudos de qualidade
aspecto major deste domínio, inclui muitas que permitissem identificar quais os factores
facetas, várias ramificações e múltiplas variáveis que interferem no processo de interacção
dependentes e independentes (Kim, 1997), Enfermeiro-Doente, na situação particular de
num tipo de pluralidade que caracteriza os saúde que é o fim de vida, num contexto
seres humanos em relação. Segundo a mesma hospitalar destinado a doente agudos.
autora, citada por Lopes, quando equa- Considerando que é no hospital que a maioria
cionamos a interacção enfermeiro-doente dos doentes crónicos continua a morrer e
devemos considerar quatro conjuntos de porque este contexto reúne um conjunto de
variáveis: os actores individuais (enfermeiro e características peculiares, passíveis de
doente); o contexto social da interacção; a influenciar o processo de interacção e que

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Figura 1 – Domínios e Variáveis da Interacção Enfermeiro-Doente

urge caracterizar e documentar, conforme agregando os factores identificados nas


justificámos anteriormente. categorias que emergiram naturalmente, mas
Partindo da questão central já enunciada, em conformidade com o teorizado por Kim
definimos o protocolo de pesquisa, definindo (ver figura 1).
os descritores de pesquisa e os parâmetros Pensamos que a partir deste estudo e
imprescindíveis para a selecção de artigos: depois de elencar os principais factores que
Participantes; Intervenções; Comparações: interferem no processo da interacção entre
resultados (Outcomes) e Desenho do estudo o enfermeiro e o doente em fim de vida, neste
(PICOD). contexto particular, poderemos inferir que
Dos trabalhos publicados no horizonte a situação é bastante complexa, os factores
temporal de 2000-2006, seleccionámos 174 são muitos e diversos, em dimensões que se
artigos, 5 revisões sistemáticas da literatura, interpenetram, numa coalescência sistémica
2 teses de mestrado e 1 de doutoramento; que os torna interdependentes. A acção do
numa segunda fase, a partir do abstract, enfermeiro encontra diferentes obstáculos,
seleccionámos 66 artigos; da leitura do enraizados no medo da morte, quer a nível
respectivo texto integral e aplicando todos individual, quer no contexto hospitalar e
os critérios de inclusão e de exclusão, social mais vasto, na dificuldade em
seleccionámos no final, 18 artigos (fonte comunicar com estes doentes e de trabalhar
primária) e 1 revisão sistemática da literatura em equipa interdisciplinarmente.
(fonte secundária), todos estudos empíricos de Tornou-se evidente a necessidade de
natureza qualitativa, a partir dos quais compreender e aprofundar melhor quais as
elaborámos esta metasíntese (incluídos no estratégias que o enfermeiro desenvolve para
quadro 2). ajudar o doente, nesta situação particular de
Organizámos a sua apresentação em saúde e neste contexto tão hostil, bem quais
capítulos, explicando previamente o percurso os saberes que mobiliza e que competências
metodológico, de seguida os resultados, adquire a partir desta prática.

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1 - Métodos cultural e de saúde (meio hospitalar) que
interferem no processo de interacção entre o
Segundo Kearney’s, citado por Polit e enfermeiro e o doente em fim de vida, num
Beck (2006), a “meta-família” inclui hospital de agudos?
diferentes modelos de pesquisa que
constroem sínteses de estudos qualitativos, Como objectivo principal estabelecemos:
num continuum de interpretação e de identificar factores que interferem no processo
complexidade, até ser capaz de gerar teoria. de interacção entre o enfermeiro e o doente
Nesta família, incluem-se diferentes tipos de em fim de vida, num hospital de agudos.
trabalho com progressivos níveis de com-
plexidade, a metaetnografia, metasíntese, Fontes de Informação e Estratégia de Pesquisa
metaestudo, análise agregada, metainterpre- Com o fim de identificar os estudos que
tação e a grounded theory. respondessem ao pretendido e no sentido
A metasíntese não é uma simples revisão de elaborar a metasíntese, desenhou-se
de literatura mas é, em si mesma, uma um protocolo da pesquisa, definindo
investigação, pode partir de uma questão ou um conjunto de critérios de selecção dos
do levantamento de hipóteses, segue sempre mesmos.
as mesmas regras na busca de dados novos em
estudos e fontes primárias (Polit e Beck, 2006). Critérios de inclusão: Apenas se incluíram
Traça objectivos e um percurso metodológico estudos empíricos e de natureza qualitativa;
que lhe dê resposta. Integra estudos de natureza o contexto de interacção em referência deveria
qualitativa, definindo para a sua selecção e à ser exclusivamente o contexto hospitalar
priori critérios de inclusão ou exclusão para os (somente adultos); estabelecendo como hori-
mesmos; a estratégia de análise passa pela zonte temporal o período entre 2000 e 2006,
síntese de cada estudo, pela descrição, considerando que, sem limite de tempo, o
comparação e interpretação dos resultados, e número de artigos encontrados era bastante
eventual agregação dos mesmos em categorias. elevado, e o início deste século vincou grandes
Percurso realizado e que nos propomos, nesta transformações sociais, culturais e um maior
altura, apresentar. desenvolvimento dos cuidados aos doentes em
Com a finalidade de compreender o fim de vida.
processo de interacção estabelecido entre o
enfermeiro e o doente em fim de vida num Critérios de exclusão: excluíram-se todos os
hospital de agudos decidimos centrar a nossa trabalhos desenvolvidos em serviços de
revisão de literatura na procura sistemática de cuidados intensivos ou de urgência, pois
estudos de qualidade que permitam trata-se de um ambiente de agudos com
responder à seguinte questão central: características muito especiais, em que o
processo de interacção criado não é
- Quais os factores que interferem no processo comparável; bem como os estudos realizados
de interacção entre o enfermeiro e o doente em Nursing Home ou Hospices, por razões
em fim de vida, num hospital de agudos? similares, já que não existem este tipo
Para a tornar mais operacional e específica, de estruturas em Portugal; excluíram-se
adicionámos uma questão de orientação: os trabalhos que analisavam exclusiva-
mente a perspectiva de interacção do médico
- Quais as características (pessoais e/ou pro- com o doente, a menos que a respectiva
fissionais) dos actores envolvidos (enfer- interacção com a enfermeira estivesse
meiros, doentes), do contexto social e explícita.

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Quadro 1 – Protocolo de Investigação

Associaram-se os seguintes termos ou - Considerámos, igualmente, as referências


palavras-chave como descritores da pesquisa: bibliográficas mencionadas nos artigos
- nurse-patient interaction; nurse-patient analisados e alguns tomaram particular
relationships;nurse-patient communi- importância.
cations; end-of-life care; care of the dying;
interaction; palliative care; terminal care; Como estratégia para refinar a pesquisa
end-of-life; acute hospital wards; acutely procedeu-se à consulta integral de todos e
unit; nursing values. de cada um dos números publicados entre
2000 e 2006 das seguintes edições: British
Na leitura, análise e resumo dos artigos Journal of Nursing; British Medical Journal;
considerámos os parâmetros imprescindíveis Journal of Palliative Care; Palliative Medicine;
para a selecção: Participantes; Intervenções; Nurse Practitioner e Nurse Research.
Comparações: resultados (Outcomes) e Para obter alguns artigos, dada a sua
Desenho do estudo (PICOD); importância e dificuldade no acesso,
contactámos directamente os autores, via
Reviu-se a literatura científica publicada
e-mail, dos quais responderam Jean Watson
entre 2000 e 2006 nas seguintes bases de
(EUA), Geneviève Thompson (Canada),
dados, de referência e de texto integral:
Mona Shattell (EUA), e Jan Florin (Suécia),
- Biblioteca do Conhecimento Online distintas(o) enfermeiras(o) e às(o) quais (l)
B.One; ProQuest®; CINAHL®; ERIC fica o profundo agradecimento pela imensa
(EBSCO); Biomed; Blackwell Synergy; generosidade, inteira disponibilidade
Cochrane Controlled Trials Register; manifestada e pelo valioso contributo
Evidence Based Medicine; PsycINFO; científico.
PubMed; Web of Science; Wiley
Interscience (wiley). Identificação e Selecção dos Estudos Relevantes
- Utilizámos complementarmente os Na primeira fase de pesquisa, o processo
motores de pesquisa Google; Vivisimo; tornou-se bastante complexo dado o elevado
Yahoo e AltaVista. número de artigos encontrados, que o
protocolo definido veio ajudar a resolver, daí
- Consultámos as listas de teses, disserta- a importância da definição de critérios claros.
ções e monografias da Universidade do A partir do abstract seleccionámos 174
Algarve, dos Açores, das Escolas artigos, 5 revisões sistemáticas da literatura,
Superiores de Enfermagem, de S. João 2 teses de mestrado e 1 de doutoramento;
de Deus de Évora, de Maria Fernanda após uma leitura mais atenta eliminámos os
Resende, da Madeira, e Bissaya Barreto; que não cumpriam alguns dos critérios,

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66 artigos. Da leitura do respectivo texto pectiva de Shattell (2004), que aponta a
integral e aplicando todos os critérios de necessidade de documentar mais profun-
inclusão e de exclusão, seleccionámos no final, damente a realidade dos hospitais de agudos,
18 artigos (fonte primária) e 1 revisão reforçada por Seymour (2004) que reconhece
sistemática da literatura (fonte secundária). que continua a ser aí, que a maioria dos
Observámos elevada publicação de doentes acaba por morrer.
trabalhos na área dos cuidados intensivos, de Em termos metodológicos, são 18
saúde na comunidade, Nursing Home, estudos de natureza qualitativa, utilizando a
Hospices e outros serviços específicos de Grounded Theory (3), Focus group (4),
cuidados paliativos não inseridos em hospitais, Fenomenológico (4), Análise qualitativa de
estruturas que não existem em Portugal; bem conteúdo (de entrevistas ou questionários)
como relativas à comunicação médico-doente; (6), Estudo de Caso (1) e 1 revisão
atitudes do médico face ao doente em fim de sistemática da literatura.
vida; definição do lugar de morte e
caracterização do padrão de morbilidade e Como participantes nos estudos surgem
mortalidade no fim de vida. Por não maioritariamente enfermeiras e doentes, mais
cumprirem os critérios estabelecidos foram raramente os médicos e os familiares; a
excluídos, mas constituem um desafio futuro consideração deste tipo de amostra poderá
interessante. representar um importante indicador futuro,
Nas revisões teóricas, não incluídas, é no estudo do processo de interacção
relevante destacar as que se dedicam ao estudo enfermeiro-doente.
dos valores e princípios do cuidar em Todos os trabalhos incluídos, neste
enfermagem no fim de vida, das que teorizam estudo, respondem de algum modo, à
sobre a intimidade, intuição, vulnerabilidade questão inicial, fornecendo factores,
e o amor da enfermeira que cuida; bem como características dos actores envolvidos ou do
uma perspectiva completamente inovadora e processo de interacção que se estabelece.
que, provavelmente constituirá mais um dos Toma particular interesse reunir e
ramos da Sociologia Geral e da Sociologia da descrever em forma de síntese, alguns
Saúde, o da Sociologia da Enfermagem. pressupostos de partida, presentes na
introdução ou background dos artigos
seleccionados. Nos quadros teóricos de
referência são adoptados diferentes pressu-
2 - Resultados postos assentes nas teorias de Hildegard
Peplau, Afaf Meleis, George Herbert Mead,
No total, seleccionámos 19 trabalhos, 18 Teoria de Goffman/ Interaccionismo
artigos e 1 revisão sistemática da literatura Simbólico, Parse’s Theory, Patrícia Benner,
(ver quadro 2). Nos gráficos seguintes Dreyfus e Dreyfus, Glaser e Strauss,
apresentamos a sua distribuição por ano de Transactional Theory Lazarus e a Teoria de
publicação e país de origem do estudo. Elisabeth Kübbler-Ross.
A maior publicação de trabalhos relativos Para além destes quadros teóricos, alguns
a cuidados a doentes em fim de vida num trabalhos emergem do confronto entre as
contexto de hospitais de agudos, observou-se características e o funcionamento observado
no ano de 2005, em Inglaterra, Estados Unidos nos serviços de saúde, com o recomendado
da América e Austrália, exactamente os países por documentos emanados por organizações
com maior desenvolvimento dos serviços de nacionais ou internacionais ou mesmo pelos
cuidados paliativos, confirmando a pers- respectivos serviços de saúde, na forma de guias

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Gráfico 1 - Distribuição por Ano de Publicação

Gráfico 2 - Distribuição por País de Origem do Estudo

guias orientadores e definidores de políticas são, privilegiadamente, fixados na busca de


relativas aos cuidados em fim de vida, de que conforto e de bem-estar, alívio do sofrimento
são exemplos: NICE -The National Institute físico, psicológico e espiritual, e em que toda
for Clinical Excellence’s; Guidance on Improving a acção terapêutica deverá estar centrada nas
Supportive and Palliative Care for adults with necessidades individuais manifestadas pelo
Cancer; SUPPORT – Study to Understand doente e pelos seus familiares. A intenção
Prognoses and preferences for Outcomes and terapêutica não passa pela cura ou pela
Risks of Treatments; WHO, Cancer Pain Relief recuperação, mas sim por conferir dignidade,
and Palliative Care; International aceitar os limites e a morte com a maior
Classification of Functioning Disability and tranquilidade e serenidade possíveis, permitir
Health (ICF), North American Nursing despedir-se em paz consigo e com os outros.
Diagnosis Association (NANDA 2001); Em alguns estudos este foi o ponto de
Australians Standards for Hospice and partida, tentando desvendar as estratégias e
Palliative Care provision; Liverpool Care as competências desenvolvidas pelos
Pathway for the dying patients; enfermeiros na consecução destes objectivos;
para outros foi o ponto de chegada,
2.1 – Factores que interferem no Processo identificando, ao longo do percurso, as
de Interacção Enfermeiro-Doente dificuldades e os obstáculos na sua conquista.
A partir dos seus resultados e conclusões
O doente vive uma situação particular percebe-se que as características dos
de saúde, o processo de fim de vida, os envolvidos, do contexto ou as suas
resultados terapêuticos pretendidos nesta fase propriedades podem constituir-se como

43
Facilitadores e/ou como Obstáculos no diagnóstico da fase terminal, de quando
Processo de Interacção, conforme as aplicar os princípios dos cuidados paliativos
circunstâncias. e onde se levantam maiores dilemas éticos
Neste capítulo, iremos descrever factores pela “agressividade” dos tratamentos e
presentes nos eixos centrais do processo de pela dificuldade em aceitar o carácter finito
interacção enfermeiro-doente e que se da intervenção médica (Davidson et al.,
pronunciaram naturalmente a partir dos 2003).
resultados: características pessoais e/ou É de concluir que o que está em debate
profissionais dos actores envolvidos (enfer- na maioria dos estudos, não é propriamente
meiros, doentes); factores do contexto social, a patologia de base, mas a fase particular em
cultural e do serviço de saúde específico (meio que o doente se encontra, o fim de vida.
hospitalar); factores inerentes à natureza do No entanto, as características do seu
processo (elementos e propriedades), que no estado clínico já poderão ter forte influência
seu conjunto interferem e, ao mesmo tempo, no processo, nomeadamente a possível
configuram de algum modo o processo de instabilidade clínica, as modificações, súbitas
interacção entre enfermeiro e o doente em ou não, do estado de consciência, a agitação
fim de vida, num hospital de agudos. ou confusão mental, a necessidade de
sedação, são factores consideráveis, dado que
impossibilitam a comunicação, a participação
2.1.1 - Características do Doente do doente na tomada de decisão, deixando o
processo de ser interactivo. (Blinderman e
Embora tenhamos seleccionado estudos Cherny, 2005; Jacobs et al. 2002).
respeitantes somente a adultos ou idosos, é O processo de adaptação do doente à
nossa convicção de que no cuidado a adultos doença resulta mais ou menos adaptativo,
jovens em fim de vida, pode determinar consoante a sua própria personalidade, as
diferenças bastante significativas, mas a experiências prévias, a atitude dos seus
verdade é que não encontrámos grandes familiares, mas também da acção terapêutica
referências à idade como um factor que possa desenvolvida pela equipa, particularmente
criar maior impacto ou influenciar o pela enfermeira. Fica claro que essa trajectória
processo, apenas um estudo indica que a de adaptação vai sendo delimitada gra-
idade avançada facilita o processo de aceitação dualmente e se alicerça e depende de um
da doença e do fim da vida, permitindo maior conjunto de factores decorrentes do próprio
serenidade (Ryan, 2005). processo de interacção e de interajuda que se
A crença e a prática religiosa, surge como estabelece entre o doente, família, a
uma característica que ajuda o doente a enfermeira e restantes profissionais
suportar as dificuldades, a acreditar no (Blinderman e Cherny, 2005; Ryan, 2005;
futuro, a encontrar sentido para cada dia Mork e ChiChiu, 2004; Pincombe et al.,
(Blinderman e Cherny, 2005). 2003).
Relativamente à doença de base, a doença Nesse conjunto de factores tomam
oncológica e o estigma social criado à sua particular relevo: a qualidade das relações que
volta amputam o processo de comunicação; estabelece, a qual está dependente do grau
as situações descritas de «conspiração do de informação que detêm acerca da sua
silêncio», dizem sobretudo respeito a doentes situação, da preservação da sua dignidade,
oncológicos e aos seus familiares. Nos que dos sentimentos vivenciados durante essa
apresentam doença cardiorespiratória fase, da capacidade de manter da esperança
constata-se que é mais difícil estabelecer o e desenvolver resiliência.

44
Na relação que estabelecem com a ao variável grau de dependência, a alterações
enfermeira, os doentes colocam elevada da imagem corporal, à presença de sintomas,
expectativa, esperam humanidade, apreciam como a dor, que podem devastar e destruir
a honestidade na informação, uma relação o sentido das suas vidas, à solidão, ao
de confiança e compreensão mútua (Ryan, isolamento social e afectivo; este empobre-
2005; Mork e ChiChiu, 2004). Preferem as cimento na vida relacional e afectiva resulta
enfermeiras que expressam claramente os seus tão devastador como uma dor severa, pois
valores e princípios, que são mais genuínas atinge todas as dimensões do ser humano,
e estejam mais disponíveis para falar com eles; passa a ser total. (Blinderman e Cherny,
que assuma ser tradutora (informa, explica, 2005; Ryan, 2005; Mork e ChiChiu, 2004;
dá instruções e ensina), que permite o Pincombe et al., 2003).
conhecimento (partilhando aspectos pes- De igual modo, a presença ou ausência
soais, usando o humor, sendo amigável), esta- da esperança é entendida como um factor
belecendo confiança (tomar conta, antecipa- com considerável importância em toda esta
ção de necessidades, prontidão) fazendo além vivência. Devendo, no entanto, ser clarificado
do que é esperado (tornar-se amiga e realizar que se trata de uma esperança realista, não
actividades extra) (Shatell, 2004). se refere à crença na cura ou no milagre, mas
Considerar que a qualidade relacional sim na manutenção de razões e vontade para
influencia o processo de interacção torna-se viver (Herth e Cutcliffe, 2002). Um estudo
paradoxal, mas de facto o que pode ser causa aponta que uma das razões que fundamenta
pode surgir também como consequência, a “não informação” está relacionada com a
tornando-se cíclico e legitimando a ideia de necessidade de manter a esperança, mas
que comportamento gera comportamento. traduz sobretudo a incapacidade dos
O g rau de i n fo rm aç ão acerca do profissionais em lidar com a situação “às vezes
diagnóstico, prognóstico e decisões tera- era preciso fazer sentir ao doente que não estava
pêuticas, sempre muito envolto em celeuma a morrer” (Graham et al., 2005). Para além
e debate, é apresentado recorrentemente do conforto físico e emocional, da sensação
como um dos pilares onde assenta a de presença constante, seja da família, seja
possibilidade de estabelecer uma interacção da enfermeira, torna-se valioso para o doente
genuína, autêntica e honesta, (Blinderman manter a esperança, recebendo incentivos
e Cherny, 2005; Graham et al., 2005; Ryan, positivos frequentes, momentos de alegria e
2005; Mork e ChiChiu, 2004; Shatell, de humor, ter oportunidade de manter vida
2004; Pincombe et al., 2003) sem de relação, de rever através da narrativa
transparência e verdade na informação, o vivências do passado e dar-lhes sentido,
processo resultará ainda mais complexo e manter-se activo, vivo e com um sentido para
difícil para todos (Clarke e Ross, 2006; cada dia (Herth e Cutcliffe, 2002).
Graham et al., 2005). Nos trabalhos revistos, Ryan (2005), juntamente com os seus
os doentes nem sempre foram informados cinco corajosos doentes, trouxe-nos resul-
acerca da sua situação clínica, do prognóstico, tados valiosíssimos, nos quais destacamos o
e é exactamente nessas situações que maiores conceito de r es il iênc ia que têm de ir
dilemas e constrangimentos se levantam. fortificando no decurso da fase última das
São frequentes as referências à perda da suas vidas. No seu percurso de adaptação,
dig nidade como um dos factores mais estes doentes ensinam-nos que precisam de
determinantes na trajectória que o doente ser ajudados a:
está a fazer. Essa perda aparece relacionada Não ter medo da morte, aceitar calma-
com outras perdas, da autonomia associada mente a situação; mudar os planos e

45
objectivos de vida; fazer as pazes, com os Em síntese, percebe-se com nitidez que
outros, com o mundo; trabalhar a morte o que os doentes mais desejam é qualidade
e o morrer; a viver um dia de cada vez; a de vida, ou seja, alívio do sofrimento físico,
desenvolver esforço para “sobreviver”, com emocional e espiritual; mediante uma
uma impressionante resiliência; ajustar-se interacção que garanta o conforto, o controle
às limitações impostas pela doença; a ter de sintomas, a informação detalhada, tomar
o apoio, suporte e amor da família; ter o parte da tomada de decisões a seu respeito,
conforto assegurado até ao fim, bem como manter a sua vida relacional e afectiva,
segurança afectiva; a aliviar os sintomas, permanecendo o mais próximo possível dos
o sofrimento físico ou psicológico, que familiares, de se sentirem valorizados e
podem tornar-se devastadores; despedir- respeitados enquanto pessoas e de esta-
se da família; poder dizer adeus aos seus belecerem uma relação de confiança,
queridos. (Ryan, 2005). autenticidade, honestidade e de compreensão
mútua com os profissionais de saúde
Na essência consubstanciam os objectivos (Blinderman e Cherny, 2005; Ryan, 2005;
terapêuticos pretendidos para esta fase. Mork e ChiChiu, 2004; Shatell, 2004;
Orientações preciosas para os que cuidam, e Pincombe et al., 2003)
ao mesmo tempo, um desafio à interioridade No diagrama seguinte esquematizamos
e competência de cada um dos profissionais e descrevemos os factores, relativos ao doente,
que com eles interage. Obviamente que estes que interferem no processo de interacção
serão os contributos terapêuticos que a Enfermeiro-Doente.
interacção poderá lograr.

Figura 2 – Factores Relativos ao Doente

46
2.1.2 - Características da Enfermeira num contexto destinado a doentes agudos
são descritos, na maioria dos estudos, como
É difícil precisar os contornos do que algo muito difícil, complexo e por vezes até
depende apenas da acção da enfermeira, traumático. As dificuldades brotam da situação
atomizar as suas características pessoais ou de particular vulnerabilidade do doente, da
profissionais, pode tornar-se algo reduccio- natureza emocional dos cuidados, mas também
nista, se nos lembramos que é, de igual modo, de variáveis do contexto, que resulta hostil para
um ser complexo em interacção com pessoas todos (Graham et al, 2005; Mohan et al., 2005;
em situação de particular vulnerabilidade. Dunn e Schmitz, 2005). Os enfermeiros têm
No entanto, o actual estudo tornou-se a sensação de fracasso, culpa, ansiedade,
particularmente útil, pois colocou em incerteza, sentem-se paralisados, incapazes
evidência pontos de orientação e de clari- de alcançar metas com os doentes; face aos
ficação, que a seguir descrevemos. muros de silêncio erguidos à sua volta, ficam
A idade a par do maior número de anos impedidos de o ajudar verdadeiramente,
de experiência profissional, nomeadamente enredados num compromisso confuso e até
a cuidar de doentes terminais, podem conduzir paradoxal, restando a sensação traumática de
a uma maior m at ur id ad e p es so al e frustração (Graham et al, 2005). Essa elevada
sensibilidade para lidar com as perdas e com frustração profissional acarreta distúrbios
a morte (Clarke e Ross, 2006; Graham et al., emocionais (Thompson et al., 2006),
2005), sobretudo se sedimentados mediante impedindo-os de reflectirem sobre os atributos
uma prática reflexiva, que lhes permita ir do sofrimento vivido, por se refugiarem no
explorando os seus sentimentos acerca de cada silêncio, escondendo os próprios sentimentos,
vivência (Graham et al, 2005; Dunn e numa fuga intencional e de autoprotecção
Schmitz, 2005; Hopkinson, 2001) a história (Graham et al, 2005).
pessoal anterior, a crença e prática religiosa Ao longo da análise dos dados com-
(Blinderman e Cherny, 2005), são outros preende-se, e é assumido claramente em
factores que poderão interferir neste processo. algumas conclusões, que estes sentimentos
A maioria dos estudos apenas inclui estão intimamente relacionados com as
enfermeiras, raramente incluem enfermeiros dificuldades em lidar com a proximidade da
nas amostras, o que assinalamos como uma morte, em falar com o doente acerca da sua
limitação dos mesmos. própria morte, bem como das diferentes
A formação surge como um dos alicerces percepções, valores e atitudes dos vários
imprescindíveis na acção a desenvolver, pode membros da equipa, particularmente do
ser facilitadora ou, no caso de deficitária, pode médico.
constituir um fortíssimo obstáculo. Em Raramente são apresentados sentimentos
referência não está apenas a formação pré- positivos, tomam esse cariz quando associados
graduada, mas também a formação avançada a estratégias de confrontação das situações.
e a realizada ao longo da vida. Os domínios Efectivamente, são altamente relevantes
em que surge como mais premente relaciona- em todo este processo as estratégias que a
se com a comunicação com doentes em fim de enfermeira adopta para lidar com esta delicada
vida, como lidar com as perdas sucessivas, com situação, desvendadas por alguns estudos, e que
o sofrimento e morte (Clarke e Ross, 2006; colocam em evidência o valor dos saberes
Graham et al., 2005; Mohan et al., 2005; inscritos na acção, da experiência e da prática
Dunn et al., 2005; Hopkinson, 2001). reflexiva.
Os s en ti ment os v iven ci ad os pela Em primeiro plano a enfermeira procura
enfermeira que cuida doentes em fim de vida fazer uma gestão pessoal da morte e com o

47
processo de morrer, revendo o modo de vida, profissionais a modificarem o seu perfil de
reflectindo sobre o modo ideal de morrer e actuação (Graham et al., 2005).
criando as condições para que tal aconteça com Como elementos facilitadores do
os seus doentes, (Hopkinson et al. 2005); processo de cuidados é de destacar o papel
procura encontrar o ponto de equilíbrio central atribuído à enfermeira, pela sua
na gestão das emoções nas situações mais posição privilegiada e presença constante, a
difíceis; valoriza o cuidado global, para isso melhor preparação (técnica e humana) para
centra-se no doente como uma Pessoa, e ao lidar com estes doentes; ela transforma-se em
aumentar-lhe o conforto, acaba por se sentir “advogada” do doente (Thompson et al.,
igualmente mais confortável na situação 2006), sua tradutora, informadora, con-
construindo, deste modo, factores “anti-tensão” fidente e amiga (Shattell, 2004), mantendo
(Hopkinson et al. 2005; Pincombe et al. 2003); um rumo, uma orientação nos cuidados
assume os seus limites enquanto pessoa, que prestados (Thompson et al., 2006). Não
nem sempre tem a palavra certa ou resposta obstante a elevada exigência, energia e tempo
para tudo (Graham et al., 2005); procura necessários para atingir uma relação tera-
optimizar o contexto, cuida os detalhes do pêutica equilibrada e para dar a resposta mais
ambiente para aumentar a qualidade global adequada nas «crises», por exemplo no
(Thompson et al., 2006); mobiliza os seus descontrolo e agudização de sintomas,
valores pessoais como pauta da sua acção, aceita monitorização constante das suas necessi-
os seus limites como pessoa e vai aprendendo dades (Thompson et al. 2006; Clarke e Ross,
a “deixar partir” (Mork et al., 2004); cria uma 2006; Graham et al., 2005), a enfermeira
relação de confiança e de compreensão mútua desenvolve, a partir da experiência e da
(Hopkinson et al. 2005; Dunn et al., 2005; prática, várias estratégias que lhe permitem
Mork et al., 2004); envolve a família nos ir dando respostas ajustadas, requerendo
cuidados e empenha-se a advogar os direitos apoio e suporte pessoal. (ver figura 3)
dos doentes e na persuasão dos outros

Figura 3 – Factores Relativos à Enfermeira

48
2.1.3 - Características Sociais e Culturais Numa outra perspectiva, a partir das
principais conclusões dos artigos constata-se o
Face à “revolução grisalha” devida ao apelo permanente à necessidade de perfilar a
aumento significativo das pessoas com 65 e filosofia dos cuidados paliativos (Thompson
mais anos, observa-se de igual modo o et al. 2006; Clarke e Ross, 2006; Ryan, 2005;
aumento crescente das doenças próprias do Ellershaw et al., 2003; Davidson et al., 2003);
envelhecimento, crónicas e de evolução apesar do seu desenvolvimento estar consoli-
prolongada; a geração Baby Boomer colocou dado em alguns países, concebe-se outro
em debate a organização e a missão do sistema rumo, o de incorporar esta filosofia nas áreas
de saúde. Ao longo do século XX e em todo o clínicas de agudos, o que de algum modo
mundo, a par deste debate observaram-se traduz uma melhor aceitação da morte, a
profundas mudanças económicas, sociais e necessidade de lhe dar sentido e dignidade,
políticas. Este assunto surge como ponto de e também como um sinal de evolução e de
partida de alguns estudos presentes nesta supremacia cultural do país em geral, e do
revisão. seu sistema de saúde, em particular. É o caso
A cultura de negação da morte está do Canadá e Inglaterra (Shattell, 2004;
implícita e presente na maioria dos artigos, Ellershaw et al., 2003).
colocada em evidência pela dificuldade em lidar
com a perda, em falar abertamente acerca da 2.1.4 - C ar acte rí sti ca s do C on te xt o
proximidade da morte com o próprio doente, Hospitalar “cultura organizacional”
pela sensação de fracasso e de derrota que daí
decorre. Tais factos espelham a cultura que Os cuidados em fim-de-vida em contexto
domina na sociedade ocidental actual e de hospitais de agudos, têm sido pouco
indirectamente demonstram quão difícil estudados, assim como o processo de
é estabelecer uma relação profunda com o interacção do enfermeiro com o doente, num
doente que está morrer. contexto desta natureza, tem sido privilegiado

Figura 4 – Factores do Contexto Social e Cultural

49
o ambiente de cuidados intensivos à humanização, à personalização dos cuidados
(Hopkinson et al.; 2004; Thompson et al. e inclusive à dignidade no fim de vida
2006). Estudos já realizados, indicam que o (Shattell, 2004; Pincombe et al. 2003;
processo de cuidar nesta situação particular Ellershaw et al., 2003). De igual modo, a
de saúde é muito complexo e muldimen- fragmentação da informação acerca do
sional, particularmente nesta área, que acaba doente e a falta de continuidade de cuidados
por se tornar hostil quer para a enfermeira, dentro do próprio hospital, diminuem a
quer para o doente (Davidson et al., 2003; qualidade final da assistência prestada (Curtis
Pincombe et al., 2003; Graham e tal. et al. 2001).
2005; Hopkinson et al.; 2004; Mohan et al. A carga de trabalho atribuída a cada
2005; Clarke e Ross, 2006; Thompson et enfermeira, tendo em conta o elevado nível
al. 2006). de dependência e de exigência dos doentes,
Apura-se a íntima relação entre o ou a referência a equipas muito reduzidas
limitado acesso formal a cuidados paliativos, em número, são entendidas como mais um
com a menor qualidade de cuidados e de vida impedimento na garantia de qualidade da
(Thompson et al. 2006), legitimando a interacção, pois obrigam a gerir o tempo de
sugestão de Seymour (2004) de que é outro modo, a privilegiar as tarefas mais
necessário incorporar uma nova filosofia de técnicas e relacionadas com a parte orgânica
cuidados, de natureza paliativa, nas áreas da pessoa, em detrimento dos cuidados à sua
clínicas de agudos. dimensão psicológica, emocional e afectiva, bem
A quase totalidade dos autores chama a como o menor apoio aos seus familiares (Clarke
atenção para a cultura existente nos hospitais, e Ross, 2006; Mohan et al. 2005; Dunn e
uma cultura organizacional que incorpora Schmitz, 2005; Ellershaw et al., 2003).
uma filosofia demasiado centrada no curar, É importante sublinhar que, em alguns
desajustada para estes doentes e para os seus estudos, ainda se assume a necessidade de
familiares, a primazia é tecnicista, com clarificar o sentido preciso de alguns conceitos
acentuada obstinação em terapêuticas inúteis, tais como: o próprio conceito de fim de vida
subestimando a qualidade de vida no seu final ou de fase terminal, do prognóstico de vida,
e diminuindo a qualidade dos cuidados qualidade de vida e qualidade de morte,
prestados (Thompson et al., 2006; Clarke e dignidade, espiritualidade e em que
Ross, 2006; Graham et al., 2005; Mohan et consistem os cuidados paliativos (Schulman-
al. 2005; Dunn e Schmitz, 2005; Green et al., 2005; Davidson et al., 2003).
Hopkinson et al.; 2004; Pincombe et al. Estruturalmente apontamos ainda três
2003; Davidson et al., 2003; Ellershaw et vectores cruciais como macro elementos da
al., 2003; Jacobs et al. 2002) cultura presente no contexto hospitalar que
Apesar deste facto inegável, ainda assim a tipifica, e em simultâneo, que dificulta o
o hospital pode estar mais preparado e ter processo de interacção estabelecido: o
maior apetência para estes doentes do que os trabalho interdisciplinar da equipa, a
serviços de saúde na comunidade, sobretudo definição dos objectivos terapêuticos dos
se neles não existirem equipas preparadas cuidados em fim de vida, a comunicação,
para cuidar doentes com este nível de incluem diferentes dimensões que se
exigência. interpenetram, numa coalescência sistémica
As rotinas do serviço constituem um que os torna interdependentes e que
elemento desta cultura e como sabemos consubstanciam parte significativa do
muito comuns nos hospitais, as quais são processo de interacção criado entre a
referidas por vários autores como obstáculos enfermeira e o doente.

50
• Trabalho interdisciplinar da equipa de experiências pessoais e/ou profissionais
(Clarke e Ross, 2006; Graham et al., 2005);
Sem surpresas, todos os estudos apontam ficava facilitado o reconhecimento e o apoio
dificuldades a este nível. As “ilhas de mútuo na partilha de decisões difíceis (Dunn
protagonismo” e o agir de modo isolado reduz e Schmitz, 2005), permitia momentos
a eficácia e acarreta constrangimentos. Como formais de revisão de melhoria no futuro.
principais dificuldades são referidas: falta de Sem dúvida que o trabalho desenvolvido
coordenação do trabalho desenvolvido, em equipa e de modo interdisciplinar é um
inexistência de reuniões de equipa, a não dos elementos chave no processo de interacção
partilha de informação ou a sua fragmen- entre todos, e naturalmente entre o enfermeiro
tação, a falta de continuidade no processo e o doente.
de tratamento, a ambiguidade e hesitação
nas decisões terapêuticas, constrangimentos • Objectivos terapêuticos dos Cuidados
éticos e legais, o recurso a valores pessoais de em Fim de Vida
natureza muito diferente, por vezes até
oposta, diferentes filosofias no tratamento, Intimamente ligado ao trabalho de
falta de um plano sistematizado, organizado equipa, a definição de objectivos terapêuticos
e com objectivos definidos em conjunto é apontada como uma das estratégias que
(Graham et al., 2005; Dunn e Schmitz, falha e que impede uma acção terapêutica.
2005; Davidson et al., 2003; Jacobs et al., São consensualmente apontadas dificuldades
2002; Curtis et al., 2001; Hopkinson, comuns, tais como: a dualidade e ambiva-
2001). lência de atitudes nos diferentes profissionais
Apesar de muito referido o carácter de saúde, sobretudo no que diz respeito à
holístico dos cuidados (Thompson et al. 2006; intencionalidade terapêutica e aos objec-tivos
Mork e Chichiu, 2004), nem sempre se faz do tratamento (Pincombe et al. 2003;
alusão à necessidade da interdisciplinaridade e Davidson et al., 2003; Hopkinson et al.;
complementaridade nas intervenções de cada 2004; Mohan et al. 2005; Clarke e Ross,
um dos profissionais, aliás é apontado como 2006; Thompson et al. 2006), o que
uma dificuldade, apraz referir que a acção determina ambivalência também nos
isolada da enfermeira pode trazer aportes sentimentos vivenciados e um clima de
muito valiosos para o doente na sua acção desconforto entre os diferentes elementos,
cuidativa (Thompson et al. 2006). inclusive no doente. É apontada a
Considerando a delicadeza e comple- necessidade de ajudar o doente a reencontrar
xidade dos cuidados prestados a estes sentido na vida e redefinir os objectivos para
doentes, das repercussões que os mesmos têm cada uma das fases que atravessa (Mohan et
no interior de cada um dos envolvidos, al. 2005), no entanto médicos e enfermeiros
impõe-se que todo o trabalho seja sustentado adoptam estratégias com fins distintos,
e desenvolvido em equipa, definida uma emergem diferentes valores e princípios, o
missão e uma estratégia, com vantagens que determina constrangimentos evidentes
inquestionáveis. O processo de interacção (Clarke e Ross, 2006; Mohan et al. 2005;
resultaria mais gratificante e constituiria uma Schulman-Green et al., 2005).
renovada forma de energia que (re)alimen- Dentro dos objectivos terapêuticos existe
taria a relação dentro da própria equipa a necessidade de envolver a família no
(Mork e Chichiu, 2004); o êxito no cuidado processo, colocando-a igualmente como alvo
global seria de todos; permitiria momentos de cuidados, o que é muito representativo
de formação (directa e indirecta) pela partilha para o doente, mas nem sempre possível no

51
hospital, pela falta de privacidade (Clarke e conhecimentos e competências técnicas no
Ross, 2006; Dunn e Schmitz, 2005; Curtis controlo de sintomas, no manejo de
et al., 2001); o controlo de sintomas surge terapêuticas, na referenciação do doente para
como outra necessidade premente, alguns outros técnicos e em suspender terapêuticas
estudos indicam esta como uma área que não inúteis; Respeito e Humildade: aceitar a
depende exclusivamente da enfermeira e que morte sem a entender como um fracasso,
lhe traz maior angústia, desamparo e sentir-se confortável com o tema, abordar
frustração profissional (Graham et al., 2005; adequadamente os doentes e família;
Ellershaw et al., 2003; Curtis et al., 2001). Comunicação e Coordenação do trabalho
O recurso a escalas de medida para os de e qu ip a: saber usar e respeitar o
diferentes sintomas e a adopção de protocolos conhecimento de outros membros da equipa,
estandardizados para o seu controle são saber colocar as questões e os problemas e
apontados como estratégias para aumentar a propor resolução dos mesmos de modo
confiança e a eficácia na intervenção interdisciplinar; Educação do Doente: dar
(Ellershaw et al., 2003). informação inteligível, para aumentar a sua
Sublinhamos que a presença de sintomas adesão aos tratamentos/cuidados, para
não controlados empobrece a qualidade de vida mobilizar os seus recursos internos;
do doente, diminui a sua capacidade de Personalização: personalizar e individualizar
comunicar com os que o rodeiam, pode ser os cuidados em função de cada doente e
devastador, retirar-lhe o sentido na vida e família; Controle da Dor: avaliar e aliviar a
naturalmente influenciar o processo de dor de modo correcto, entendendo-a em
interacção com a enfermeira, com um impacto todas as suas dimensões, desenraizar mitos,
negativo em ambos. e promover uma acção terapêutica global;
Embora Curtis et al., (2001) desenvolva Inclusão da Família: envolver a família no
o seu estudo na área de intervenção do médico, processo, através da comunicação, valorizar
cruzou a perspectiva de doentes, familiares, as suas crenças e valores; Atender aos valores
enfermeiras, assistentes sociais e médicos, para do doente: respeitar os seus valores, crenças
identificar 12 domínios de competências, e escolhas sem julgamentos; Apoi o na
adiantando que transversalmente dizem tomada de decisão: permitir que participem,
respeito também aos outros profissionais doente e família, na tomada de decisão.
envolvidos e a toda a equipa, inclusive a Desta forma e com a maior liquidez, lista
enfermeira, por isso, e pela sua importância, os domínios de competência intimamente
se transcrevem: ligados aos principais objectivos terapêuticos
Co mu ni ca çã o: escutar os doentes, e, que no seu conjunto, constituem a missão
encorajar questões, informar de forma da equipa que cuida do doente em fim de vida,
honesta, dar más notícias de forma sensível, incluindo numa área destinada a doentes
falar como os doentes acerca da morte e ser agudos.
sensível à sua condição; Suporte Emocional:
ter compaixão, manter atitude positiva e
manter a esperança, providenciar conforto e • Comunicação
o toque terapêutico; dar resposta às
necessidades emocionais manifestadas pelos A comunicação surge como a trave mestre de
doentes; Acessibilidade e Continuidade: nos todo este processo, é um tema recorrente em
cuidados e no atendimento das necessidades todos os estudos. As dificuldades em manter
de doente e família, nas diferentes fases da uma comunicação terapêutica enraízam numa
doença e até à morte; Competência: ter complexa rede de factores, todos imersos no

52
secular medo da morte e na implícita familiares, argumentando com a necessidade
dificuldade em lidar com o assunto. de sustentar a esperança (Schulman-Green
Um dos estudos parte da ideia de que et al., 2005).
este processo é de mútuo sofrimento, dado Na abordagem deste assunto é reforçado,
que se engendra uma situação difícil, com frequência, que estas situações de
sentimentos de impotência, raiva, revolta e interacção constituem, em simultâneo, uma
culpa (Graham et al., 2005); torna-se vivência ameaçadora e uma oportunidade de
necessário desenvolver um profundo sentido desenvolvimento e crescimento pessoal dos
de compaixão, estar muito por dentro de cada enfermeiros, pelas dificuldades que deter-
situação, numa só frase “estar lá” (Thompson minam (Thompson et al. 2006; Clarke e
et al. 2006) procurando, ao mesmo tempo, Ross, 2006; Mohan et al. 2005; Hopkinson
gerir as diferentes fontes de conflito interior et al.; 2004; Davidson et al., 2003; Pincombe
e actuar terapeuticamente. et al. 2003; Hopkinson, 2001). O médico
O estudo em referência lista alguns surge como um elemento chave e do qual
conceitos que traduzem o sofrimento do dependem muitos factores que poderão ajudar
enfermeiro, tais como sensação de fracasso, ou complicar todo o processo de comunicação
frustração traumática e um compromisso algo e de interacção. São referidas a falta de
confuso e descontrolado, dada a delicadeza congruência, a fragmentação ou até o
da situação do doente, dos sentimentos e desconhecimento de informação importante,
vivências do enfermeiro em confronto com a por parte dos envolvidos.
hostilidade do meio hospitalar, que no seu As reivindicações, por parte dos familiares,
conjunto impossibilitam uma comunicação de terapêuticas pouco realistas, de insistirem
franca e honesta. no prolongamento da vida do doente a todo o
A falta de formação a este nível é apontada custo, ou de lhe esconderem a gravidade da
como uma das fortes justificações para esta situação, denunciam idêntica falha de
inabilidade (Graham et al., 2005; Mohan et comunicação junto dos familiares (Jacobs
al. 2005; Hopkinson, 2001), mas também é et al., 2002).
assumido que a reflexão crítica ajuda a Em síntese, as principais dificuldades
conceptualizar estas práticas, a avaliar e encontram-se no interior dos próprios
conhecer profundamente o doente e família, a profissionais, na percepção subjectiva de
identificar os recursos e as estratégias que fracasso e de derrota face à morte; a
devem mobilizar para os ajudar (Graham et comunicação para ser terapêutica deve ser
al., 2005). multifocal, multidireccional e orientada para
Uma das maiores dificuldades descritas perspectivas de ajuda específicas, para tal deve
prende-se com a at it ud e pater n al is ta , ser franca e honesta entre os profissionais de
sobretudo por parte do médico ao persistir em saúde, destes para com o doente e família, no
“falsas verdades” (Clarke e Ross, 2006), sentido de informar, orientar, apoiar e sustentar
alegando razões afectivas e de protecção do o sofrimento físico, psicológico, emocional e
doente, gerando-lhe falsas expectativas espiritual, como ilustram os resultados
(Ellershaw et al., 2003), privando-o de exemplares do estudo de Shattell (2004).
participar nas decisões relativas a toda a sua Se entendermos que é do processo de
vida e enredando todo o processo de interacção estabelecido que podem advir os
comunicação, daí o desconforto e a sensação melhores contributos terapêuticos para o
de frustração sempre denunciada; mas também doente e seus familiares, então será na área da
os enfermeiros assumem que preferem não comunicação que o enfermeiro deverá apurar
informar, receando a reacção de doentes e os seus sentidos e habilidades.

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Figura 5 – Factores relativos ao Contexto Hospitalar

Conclusões intrínseco a todo o ser humano, em qualquer


cultura.
A partir da primeira etapa, de pesquisa O contexto hospitalar possui caracterís-
exaustiva de estudos de qualidade sobre a ticas que o tipificam e tudo leva a crer que
interacção Enfermeiro-Doente em fim de vida efectivamente a obstinação em curar sempre,
num contexto de agudos, pudemos concluir parece de igual modo outro fenómeno
que dada a natureza do problema, a maioria universal; salvo o exemplo de alguns países com
dos estudos adopta metodologia de natureza uma sólida história na implementação de
qualitativa. Embora tenhamos eliminado, por serviços de cuidados paliativos, tais como o
questões de rigor metodológico, alguns estudos Canadá, Inglaterra e Austrália. O limitado
de natureza quantitativa, a verdade é que não acesso formal a cuidados paliativos, desde logo,
estudavam verdadeiramente a interacção, indiciava menor qualidade de vida dos
traziam aportes interessantes para a sua doentes, e onde as enfermeiras denunciam
compreensão, mas em aspectos muito maiores dificuldade em interagir terapeu-
pontuais. ticamente com os doentes.
A realização desta metasíntese constituiu Para a questão central proposta, a de
um desafio novo, deveras laborioso, mas muito identificar factores que interferem no processo
interessante. Paulatinamente fomo-nos interacção Enfermeiro-Doente, e partindo de
apercebendo que as questões do fim da vida, alguns pressupostos de Kim, a qual aponta
independentemente da cultura – incluímos este domínio como o que necessita ser melhor
estudos do Canadá, EUA, Inglaterra, Israel, estudado e documentado, agregámos os facto-
China e outros – são similares e reúnem res encontrados, especificámos as principais
dificuldades comuns para os profissionais e variáveis neles incluídos, a figura 6 representa
doentes. Indubitavelmente, porque a morte a síntese desses factores e a sua interligação.
é um acontecimento universal e porque o No doente, para além das suas caracte-
medo que determina, para além de secular, é rísticas pessoais, da história de vida anterior,

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da idade, crença religiosa, da estabilidade à história de vida e experiências prévias, bem
clínica, estado de consciência e presença de características profissionais, como a expe-
sintomas, tomam particular importância os riência, a maior ou menor formação nesta
sentimentos vivenciados durante o processo, matéria; tomam significado, de igual modo
as “invasões” à sua dignidade ontológica e os sentimentos vivenciados ao lidar com a
constitutiva, decorrentes da situação par- morte, sobretudo neste contexto que se torna
ticular de saúde, mas também da acção da hostil, o desconforto, ansiedade, medo
enfermeira e restantes profissionais. Ainda a incerteza e sensação de fracasso são unânimes;
destacar o lugar central que tem o processo a natureza emocional dos cuidados torna-se
de adaptação à doença, sempre dependente exigente a todos os níveis; o mais relevante e
dos factores anteriores, do grau de infor- pertinente são as estratégias e atitudes que
mação e da qualidade das relações estabe- desenvolvem para ajudar o doente, a família,
lecidas com os profissionais de saúde. No garantindo “um refúgio e uma passagem
enfermeiro encontram-se factores inerentes segura”; podemos aglutinar essas estratégias em
às suas características pessoais, como a idade, dois conceitos centrais: a gestão pessoal da
crença e prática religiosa, a maturidade ligada morte e a aliança terapêutica no cuidar.

Figura 6 – Factores que interferem no Processo Interacção Enfermeiro-Doente (Síntese)

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Podemos mesmo concluir que estes conceitos e/ou profissionais) de cada um dos actores,as
se apresentam como uma perspectiva com quais por sua vez são influenciadas por
renovado interesse para investigações futuras. variáveis decorrentes do contexto e cultura
Quanto aos factores inerentes ao contexto hospitalar, em particular, e do contexto social
social e cultural, sem surpresas, a negação e e cultural, mais vasto, e que a figura 6 permite
a dessocialização da morte emergem como identificar.
as raízes das maiores dificuldades e obstá-
culos; bem como os factores relativas ao Alguns estudos colocaram em evidência
contexto hospitalar, impregnado de uma que as estratégias que a enfermeira desenvolve,
cultura organizacional, massificada, roti- pela sua maior proximidade e atitude de huma-
nizada, onde se torna difícil personalizar nidade, pode minimizar os efeitos negativos
cuidados, estabelecer uma relação profunda da aridez dessa cultura organizacional.
pois a comunicação está intrincada na atitude Se entendermos que é deste processo de
tendência de não informar o doente e de não interacção que podem advir os melhores
lhe dar oportunidade de participar nas contributos terapêuticos para o doente e para
decisões terapêuticas; este paternalismo surge os seus familiares, então esta é uma área de
da hegemonia médica e em consequência do excelência para o enfermeiro, o qual deverá
precário trabalho em equipa multi/inter- aperfeiçoar os seus saberes, habilidades e
disciplinar, que na essência empobrece todo competências. Ao mesmo tempo, pela sua
o processo de interacção. acuidade, legitima a pertinência teórica e
Em síntese, pudemos apurar que na prática de qualquer investigação desenvolvida
interacção enfermeiro-doente, interferem neste âmbito.
factores decorrentes das dimensões (pessoais

Quadro 2 – Lista de Estudos considerados na Metasíntese

Referência
Título do Artigo Autores Ano / País Participantes Desenho do Estudo
1 - Nurse’s perceptions of Thompson, G. et al. Journal of Advanced 10 Enfermeiros QualitativoGrounded
quality end-of-life care on an Nursing; 53(2); Theory
acute medical ward p.169-177
2006 / Canada

2- Influences on nurse’s Clarke, A & Ross, H. The Authors. Journal 24 Enfermeiros Qualitativo Focus Group/
communications with older compilation Blackwell P Análise comparativa
people at the end of life: ublishing Ltd; constante/ Discussão de
perceptions and experiences of p.34-43 resultados mediante um
nurses working in palliative 2006 / Inglaterra workshop
care and general medicine.

3 - Mutual Suffering: Graham, IW et al. International Journal of Nursing Enfermeiros Fenomenológico


A nurse’s story of caring for the Practice; (1); Metodologia de Parse’s
living as they are dying p. 277-285 (descrição narrativa)
2005 / Inglaterra

4 - Everyday death: how do Hopkinson JB. et al. International Journal of Nursing 28 Enfermeiras Qualitativo
nurses cope with caring for Studies 42; Fenomenológico
dying people in hospital? p.125–133
2005 / Inglaterra

5 – Approaching Death: A Ryan, PY Oncology Nursing 5 Doentes com Fenomenológico


Phenomenologic Study of five Fórum 32(6); 65 e mais anos, Histórias de vida
Older Adults with advanced p. 1101-1108 com cancro avançado
Cancer 2005 / EUA

6 – Caring for the patients Mohan, S et al. European Journal 25 Enfermeiras QualitativoAnálise
with cancer in non-specialist of Câncer Care vol.14; + 5 enfermeiras Comparativa Constante
wards: the nurse experience p.256-263 (Nudist Vivo)
2005 / Australia

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Título do Artigo Autores Referência Participantes Desenho do Estudo
Ano / País
7 – Nurses’Communications of Schulman American Journal 174 Enfermeiras Qualitativo(análise
Prognosis and Implications for -Green D. et al. of Critical Care 14(1); de conteúdo e descritiva
Hospice Referral: a Study of p.64-70 das perguntas abertas
Nurses Caring for Terminally 2005 / EUA de um estudo prévio)
Ill Hospitalized Patients

8 - Nurse’ perceptions of Dunn, SV Australian Journal of Advanced 50 Enfermeiras QualitativoEntrevistas


Patients’ requirements for & Schmitz, K. Nursing, semi-estruturadas
Nursing resources p.33-40
2005 / Australia
9 - Existential issues do not Blinderman, CD Palliative Medicine 19; 40 Doentes QualitativoEntrevistas
necessarily result in & Cherny, NI p.371-380 Oncológicos semi-estruturadas/Análise
existential suffering: lessons 2005 / Jerusalém / Israel de conteúdo
from cancer patients
in Israel

10 – Nurse-patient Mork, E Journal of Advanced 10 Enfermeiras Qualitativo


relationship in palliative care & ChiChiu, P. Nursing; 48(5); e 10 doentes em
p.475-483 fase terminal de vida
2004 / Hong Kong
11 – No Time for Dying: Pincombe J et al. Journal of Palliative 20 Profissionais de saúde Qualitativo
a study of the care of dying Care 19(2); diferentes
patients in two acute care p. 77-86 (12 enfermeiras);
Australian Hospitals 2003 / Australia 20 Doentes (observação)

12 – Nurses’ perceptions of the Ellershaw, JE et al. International Journal 15 Enfermeiras Qualitativo Focus
Liverpool Care Pathway for the of Palliative Nursing. 9(9); Group e 2 entrevistas
dying patient in the acute p. 375-381 semi-estruturadas
hospital setting 2003 / Inglaterra
13 – Cardiorespiratory Nurse’ Davidson, P. et al. American Journal 35 Enfermeiras Qualitativo/ Focus
Perceptions of Palliative Care of Critical Care 12(1); Group + entrevista
in nonmaligant disease: data p. 47-532 em grupo e Observação
for the development of clinical 2003 / Australia não participante
practice

14 – Hospital Care at the End Jacobs, LG. et al. Journal of Pain 5 médicos Qualitativo Focus
of Life: An Institutional and Symptom Management ? enfermeiras Group + Entrevistas
Assessment 24 (3); 31 familiares (61)Pesquisa Documental
p. 291-298
2002 / EUA
15 – The concept of Hope in Herth, KA. e British Journal of Nursing; Uma doente Estudo de caso
nursing: hope and palliative Cutcliffe, JR 11(14); p. 977-983
care nursing 2002 / Canada
16 – Caring for the terminally Wright, K. British Journal of Nursing; 6 Enfermeiras Qualitativo Entrevista
ill: the district nurse’s 11(18); p. 1180-1185 Semi-estruturada
perspective 2002 / Inglaterra
17 – Facilitating the Hopkinson, JB Nurse Education Today; 28 Enfermeiras Qualitativo/
development of clinical skill in 21; p.632-639 Fenomenológico
caring for dying people in 2001 / Inglaterra
hospital

18 – Understanding Curtis, JR et al. Journal General Doentes, familiares Qualitativo


Physicians’ skills at providing Internal Medicine; Enfermeiras, Assistentes Focus Group +
end-of-life: perspectives of p.41-49 sociais e médicos Análise de dados com
patients, Families and Health 2001 / EUA base na Grounded
Care Workers Theory

19 - Nurse-patient interaction: Shatell, M. Journal of Clinical Nursing 13; Nurse-patient Revisão Sistemática
a review of the literature p. 714-722 communication; da Literatura
2004 / EUA nurse-patient interactions;
nurse-patient relationships

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