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0021-7557/98/74 - Supl.1/S3 Jornal de Pediatria - Vol. 74, Supl.

1, 1998 S3
Jornal de Pediatria
Copyright © 1998 by Sociedade Brasileira de Pediatria

ARTIGO DE REVISÃO

Mecanismos de defesa contra infecções


Immune system and infections

Beatriz Tavares Costa Carvalho1, Víctor Nudelman2, Magda Maria Sales Carneiro-Sampaio3

Resumo Abstract
Objetivo: O objetivo desta revisão é apresentar de forma Objective: The aim of this review is to present some aspects of
simplificada alguns aspectos da ação do sistema imunológico frente the immune system.
aos microorganismos. Method: Review of the literature, covering some of the most
Métodos: Foram revistos artigos de literatura, específicos da important aspects to the pediatrician.
área, selecionando-se aspectos mais interessantes para o pediatra. Results: We describe characteristics of the immune system
Resultados: Descrevemos no artigo a resposta do sistema when presented to different antigens, and cells and cytokines effec-
imunológico frente aos diferentes antígenos, assim como as funções tor functions. We also discuss aspects of immaturity of the immune
de células e citocinas nela envolvidas. Tentamos também enfatizar system observed in the pediatric group.
as características peculiares da resposta imune no recém-nascido e Conclusion: It is very important that the pediatrician under-
na criança. stands how the immune system works.
Conclusão: O conhecimento dos mecanismos pelos quais o
sistema imunológico atua é de vital importância para que o pediatra
possa entender a defesa contra infecções e a imaturidade decorrente
da idade.
J. pediatr. (Rio J.). 1998; 74 (Supl.1): S3-S11: imunidade J. pediatr. (Rio J.). 1998; 74 (Supl.1): S3-S11: humoral immu-
humoral, imunidade celular, criança. nity, cell immunity, child.

Introdução cos, anatômicos, fisiológicos, metabólicos e microbianos.


Embora o nosso organismo seja constantemente ex- Fazem parte dos mecanismos imunes não específicos ou
posto a agentes infecciosos, a doença infecciosa é relativa- imunidade inata o sistema complemento e o sistema fago-
mente rara. A resposta imune adequada é, de certo modo, cítico1,2. Estes dois sistemas desenvolvem-se indepen-
garantia de integridade e resistência do organismo a infec- dentemente da presença de infecções e não são providos de
ções. É realizada pelo sistema imunológico, representado especificidade para um determinado microorganismo. A
didaticamente pelos mecanismos específicos e não especí- defesa inespecífica é a primeira a ser ativada através dos
ficos que atuam de modo sincronizado e defendem o fagócitos e permite excluir o agente agressor sem que haja
indivíduo contra infecções, além de promoverem vigilân- dano tecidual na maioria das vezes. Por outro lado, os
cia contra tumores e a rejeição de enxertos não compatí- sistemas imunológicos específicos, ou imunidade adapta-
veis. Vários fatores podem interferir na resposta imune, tiva, são compostos pelos linfócitos B, produtores de
tornando-a menos eficaz: idade, ambiente, fatores genéti- anticorpos, e pelos linfócitos T. A interação adequada
destes diferentes mecanismos de defesa leva à prevenção
ou eliminação das infecções3.
1. Profª Adjunto da Disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumato- Uma prova da evolução do sistema imunológico é o
logia do Departamento de Pediatria da UNIFESP-EPM. constante contato com microorganismos invasores e a rara
2. Mestre em Pediatria e Pesquisador associado da Disciplina de Alergia,
Imunologia Clínica e Reumatologia do Departamento de Pediatria da
ocorrência de doença. O sistema imunológico do homem
UNIFESP-EPM. desenvolveu estratégias que permitem:
3. Profª Titular de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.

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S4 Jornal de Pediatria - Vol. 74, Supl. 1, 1998 Mecanismos de defesa contra infecções - Carvalho BTC et alii

1. distinção entre antígenos externos e estruturas pró- complemento e fagocítico, que se dá por volta dos 6 meses
prias do organismo; de vida. No entanto, infecções bacterianas localizadas,
2. reconhecimento específico dos antígenos externos; como a otite média, de instalação subseqüente a infecções
3. mobilização de mecanismos efetores que eliminem virais ou condições locais favoráveis, podem ser freqüen-
esses antígenos. tes em algumas crianças8. Por outro lado, as infecções
A maioria dos microorganismos é detectada e destru- virais aumentam conforme decresce o nível de IgG mater-
ída em algumas horas por mecanismos do sistema imune na transmitida à criança por via transplacentária, chegan-
não-específico e que não requer um período longo de do a uma taxa de 11,8 episódios de doença respiratória por
indução: são chamados de mecanismos da imunidade criança/ano, em crianças de até 5 anos de idade, na cidade
inata. No caso do microorganismo burlar esta primeira de São Paulo9. Após esta idade, pode-se esperar 1 a 2
linha de defesa, ocorrerá a resposta imune adaptativa com infecções virais por ano, enquanto são raras as infecções
geração de células efetoras antígeno-específicas, que atin- bacterianas sem causa predisponente do hospedeiro 3.
girão o alvo, especificamente, e produzirão células de
memória que atuarão na prevenção do hospedeiro a infec-
Imunidade não específica
ções subseqüentes pelo mesmo agente. Na falha ou defici-
ência de alguns desses sistemas de defesa, teremos maior É constituída por uma série de mecanismos e substân-
freqüência de infecções, característica das imunodeficiên- cias que serão ativados independentemente das caracterís-
cias primárias e/ou secundárias, e sua gravidade pode ser ticas do agente infectante e, portanto, não necessitam de
variável na dependência da virulência do agente etiológico sensibilização prévia. Integram esse sistema as barreiras
e do grau de comprometimento do sistema imune4. mecânicas (pele, mucosas), lisozima, lactoferrina, fibro-
Diferentes patógenos estimulam predominantemente nectina, sistema do complemento, interferons e a fagoci-
um ou outro mecanismos de defesa: tose.
- bactérias extracelulares e vírus: complemento, anti- A superfície epitelial do corpo serve como uma barrei-
corpos e fagocitose; ra eficiente para a maioria dos microorganismos. Quando
estes conseguem transpô-la, a infecção ocorre. Patógenos
- bactérias intracelulares, fungos e parasitas: linfócitos
extracelulares se disseminam pelos sistemas linfático e
T, monócitos e macrófagos;
sanguíneo, os intracelulares se multiplicam através da
- vírus intracelulares: células “natural killer”(NK),
interação célula-célula, seja por transmissão direta de uma
linfócitos T citotóxicos;
célula para outra ou pela liberação de fluido extracelular
- toxinas: anticorpos. e reinfecção de células distantes7,10. Bactérias extracelu-
Na grande maioria das vezes, as agressões menores ao lares são normalmente susceptíveis à fagocitose, e algu-
organismo terminam numa primeira etapa, estimulando mas desenvolvem meios de resistência. Por exemplo,
apenas os mecanismos de defesa inespecíficos, sem que cocos encapsulados gram positivos crescem no espaço
haja manifestação de doença. extracelular e resistem à fagocitose pela presença de sua
A seqüência do desenvolvimento do sistema imune cápsula de polissacáride; entretanto, a opsonização facili-
explica o padrão de susceptibilidade para diferentes pató- ta a fagocitose. Os recém-nascidos (RN), sobretudo os
genos nos primeiros anos de vida. Infecções persistentes prematuros, por apresentarem adelgaçamento da pele
ou graves, causadas por microorganismos intracelulares como um todo, com menor produção dessas substâncias
são raras em crianças saudáveis, independentemente da bactericidas, estão mais propensos a apresentar piodermi-
idade, o que demonstra que a imunidade mediada por tes7.
linfócito T já está bem desenvolvida, como mecanismo de O primeiro mecanismo capaz de eliminar microorga-
defesa do hospedeiro, desde o nascimento3. Ambos os nismos invasores da superfície epitelial é a fagocitose
linfócitos T CD4+ e CD8+ estão em número elevado realizada por fagócitos polimorfo e mononucleares11. No
durante os primeiros anos de vida e, gradualmente, esse início de um processo infeccioso bacteriano, não havendo
número declina na idade adulta e velhice 5. Linfócitos de anticorpos específicos, os polissacarídes da superfície
cordão umbilical já são capazes de responder a mitóge- bacteriana ativam a via alternativa do complemento12.
nos6. Entretanto, apresentam um repertório antígeno- O sistema complemento (C) é representado por um
específico muito limitado, uma vez que ainda não tiveram conjunto de proteínas presentes no soro e estáveis a partir
contato com antígenos. de um inibidor (C1 INH). Quando ativado o C, quer pela
A susceptibilidade a infecções bacterianas sistêmicas via clássica (complexo antígeno-anticorpos - IgM, IgG1,
e graves nos primeiros meses de vida, provavelmente, IgG2 ou IgG3) ou alternativa (a partir de C3; lipopolissaca-
reflete a imaturidade funcional dos sistemas complemento rídes, toxinas bacterianas, etc.), culmina com a formação
e fagocítico nesta faixa etária, principalmente se não de um complexo que facilita a lise da membrana celular. A
houver anticorpos maternos específicos para o agente ativação do componente C3b desencadeia uma reação em
infectante7. Muito poucas infecções bacterianas sistêmi- cascata que, ativando outras frações, forma os componen-
cas ocorrem após a maturação funcional dos sistemas tes de ataque à membrana (C5-C9) que lisa a bactéria.
Mecanismos de defesa contra infecções - Carvalho BTC et alii Jornal de Pediatria - Vol. 74, Supl. 1, 1998 S5

Além disso, durante sua ativação, fragmentos ativados são leucócitos, também facilita a chegada de células efetoras
liberados e proporcionam atividade quimiotática e de e aumenta a expressão das moléculas de adesão. O fator de
quimioaderência de fagócitos, aumento da permeabilida- necrose tumoral (TNF)-a aumenta a permeabilidade vas-
de vascular, entre tantas outras. A ativação do C pela via cular facilitando a entrada de IgG, C e de células. A IL-6
alternativa e o engolfamento do microorganismo por ativa os linfócitos aumentando a produção de anticorpo e
macrófagos teciduais ocorre nas primeiras horas, no local a IL-12 ativa as células NK14,15.
da infecção. Pequenas infecções bacterianas são elimina- A migração dos leucócitos para fora do vaso é denomi-
das por estes mecanismos sem a manifestação de doença; nada de extravasamento. Esse processo é feito em quatro
tais infecções subclínicas podem ser suficientes para etapas:14
induzirem a formação de anticorpos protetores, a imuni- 1- ligação dos leucócitos ao endotélio através da
dade mediada por células ou ambos3,12. interação de moléculas de adesão do grupo das selectinas;
As concentrações dos diferentes componentes do C no 2- interação mais forte do leucócito à superfície endo-
sangue do RN a termo atingem valores entre 50% e 70% telial através da expressão de moléculas ICAM-1 com o
dos observados em adultos normais, com exceção de C9, receptor LFA-1 no leucócito; neste estágio os leucócitos
cujos níveis são de 16%. Ao final do primeiro ano de idade, já estão fortemente aderidos ao endotélio;
todos os componentes atingem valores semelhantes aos de 3- diapedese; o leucócito migra e atravessa o endoté-
adultos normais. Esses baixos níveis séricos dos compo- lio;
nentes do C em relação aos de adultos são parcialmente 4- migração; os leucócitos migram para o tecido
responsáveis pela atividade opsônica reduzida do soro do através de um gradiente de concentração induzido por
RN, menor capacidade em lisar bactérias Gram-negativas citocinas como, por exemplo, IL-8.
e alguns vírus, menor geração de processo inflamatório Durante uma resposta inflamatória local, vários tipos
assim como quimiotaxia diminuída de polimorfonuclea- de células aí se acumulam para estabelecer uma defesa
res e monócitos13. O sistema macrófago-monócito, além adequada15. Em tecidos invadidos por bactérias, o rápido
de participar ativamente da fagocitose e remoção de par- acúmulo de neutrófilos é fundamental para impedir o
tículas estranhas, tem participação fundamental no pro- crescimento bacteriano e a conseqüente infecção. A loco-
cessamento e apresentação de antígenos, essenciais para a moção dos neutrófilos ocorre devido à quimiotaxia, ou
síntese de anticorpos e reações mediadas por células. Após seja, migração direcionada, determinada pela presença de
a fagocitose, essas células apresentadoras de antígenos são substâncias quimioatraentes. As substâncias quimiotáti-
capazes de exteriorizar em sua membrana os mais variados cas mais importantes são encontradas no soro humano.
antígenos e, a seguir, apresentá-los aos linfócitos T, sem- Após os fagócitos atingirem o sítio inflamatório, o
pre em associação aos antígenos do complexo principal de mecanismo da fagocitose passa a ser a principal linha de
histocompatibilidade (MHC) classe II, presentes em pou- defesa contra os patógenos que ultrapassaram as barreiras
cas células, tais como macrófagos, células dendríticas mecânicas. Os fagócitos circulantes são os neutrófilos,
(sistema linfóide), células de Langerhans (pele), células eosinófilos e monócitos, e os teciduais são os macrófagos.
de Kupfer (fígado), células microgliais (sistema nervoso Após aderência à superfície dos fagócitos, os microorga-
central) e linfócitos T facilitadores2. nismos são interiorizados e, com a formação do lisofagos-
Uma importante função do sistema imune inato é o soma, são destruídos por ação das enzimas lisossomais.
recrutamento de mais e mais células fagocíticas e molécu- Bactérias encapsuladas, para serem fagocitadas, necessi-
las efetoras para o local de infecção através da liberação de tam ser opsonisadas16,17. Outras bactérias, denominadas
citocinas e de mediadores inflamatórios produzidos prin- catalase-positivas, por exemplo, Staphilococcus aureus,
cipalmente por monócitos e macrófagos ativados. Em para serem destruídas, necessitam da presença de água
condições normais, os leucócitos circulam livremente no oxigenada intracelular, produto liberado pela ativação do
interior dos vasos sanguíneos. Em processos inflamató- shunt da hexose monofosfato16.
rios, onde ocorre dilatação dos vasos, redução da veloci- Após a fagocitose, macrófagos e monócitos são ativa-
dade de fluxo, os leucócitos interagem com a superfície do dos e produzem polipeptídeo que atua como hormônio
endotélio vascular. Essa interação é realizada pelas molé- indutor da resposta infecciosa e inflamatória do hospedei-
culas de adesão que passam a ser expressas em maior ro, denominado interleucina-1 (IL-1). Localmente, a IL-1
quantidade após estímulo local. Dessa forma há maior promove vasodilatação e maior afluxo de células fagoci-
recrutamento de células. Com essas alterações, há um tárias, fatores quimiotáticos, opsoninas, animais vasoati-
aumento da permeabilidade capilar, levando ao acúmulo vas, entre outras. No hipotálamo anterior, a IL-1 aumenta
local de fluidos, assim como acúmulo de imunoglobuli- a temperatura corpórea e assim controla o crescimento do
nas, C e outras proteínas inflamatórias. As citocinas libe- microorganismo. A IL-1 atua sobre a medula óssea favo-
radas exercem atividades complementares no local da recendo a liberação de neutrófilos jovens para o sangue
infecção. Por exemplo, a interleucina (IL) 1 ativa o endo- periférico, aumentando a sua atividade metabólica e fun-
télio vascular, ativa linfócitos e facilita o acesso de células cionando como fator quimiotático para neutrófilos e linfó-
efetoras ao local; a IL-8 é um fator quimiotático para citos T. Sobre os granulócitos induz a liberação de lisozi-
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ma e de lactoferrina, diminuindo assim a disponibilidade células T efetoras. Por exemplo, a proteção contra a
de ferro para as bactérias dele dependentes para seu poliomielite requer a existência de anticorpos a este vírus,
crescimento. Atua ainda a nível hepático, aumentando a já formados, que atuarão neutralizando este agente, impe-
produção e liberação das proteínas de fase aguda, impor- dindo que ele atinja as terminações nervosas com
tantes na modulação das respostas imune e inflamatória conseqüente dano motor irreparável8,10.
local. Por ativar linfócitos B e T facilitadores, a IL-1
também participa da resposta imune específica. Induz a
proliferação dos linfócitos B e, conseqüentemente, maior Imunidade celular
síntese de anticorpos e ativação de linfócitos T, promo- Em torno da oitava semana de vida intra-uterina, célu-
vendo a sua ativação e produção de outras linfocinas18,19. las primitivas “totipotentes” migram em direção ao timo
Os mecanismos de defesa não específicos são impor- fetal, onde, sob a ação de hormônio(s) produzido(s) pelas
tantes no combate a infecções por bactérias, vírus e fun- células epiteliais, sofrem intensa proliferação e matura-
gos. Atuam de maneira sincronizada dificultando a sua ção, transformando-se em linfócitos T. Estes, ao saírem do
penetração e multiplicação no hospedeiro e, conseqüente- timo, vão colonizar os órgãos linfóides periféricos e, na
mente, sua disseminação. Células infectadas por vírus segunda semana, já podem ser encontrados no sangue
produzem proteínas conhecidas como interferon (INF-a e periférico. Esses linfócitos T fetais mostram capacidade
INF-ß), porque elas interferem com a replicação viral. funcional já na 12ª semana de gestação, quando são capa-
Estas proteínas inibem a replicação viral ativando gens zes de responder in vitro ao estímulo mitogênico e blasto-
que destroem o mRNA viral inibindo a translocação da gênico da fitohemaglutinina (PHA)7. A presença de molé-
proteína10. culas de superfície (clusters de diferenciação ou CD),
identificadas através de anticorpos monoclonais, tem pos-
sibilitado estabelecer um padrão evolutivo desses linfóci-
Imunidade específica tos. No sangue periférico, dos linfócitos T totais (CD3+),
A imunidade adaptativa ou específica desenvolve-se cerca de 65% expressam fenótipo CD3/CD4 e são denomi-
após a apresentação de componentes antigênicos do mi- nados de “auxiliares/ indutores” e os restantes são porta-
croorganismo por células apresentadoras de antígenos dores dos CD3/CD8 e são denominados “supressores/
(macrófagos, células dendríticas, linfócitos T e B)20. Em citotóxicos”. Pequena porcentagem dos linfócitos circu-
resposta à estimulação pelos antígenos bacterianos, as lantes, por não expressarem em sua superfície CD ou
células apresentadoras de antígeno interagem com as moléculas de imunoglobulinas (Ig), é conhecida como
moléculas de superfície de linfócitos T auxiliares (CD4+), célula nula (não T, não B)22. A maturidade da resposta
ocorrerendo proliferação e secreção de linfocinas, que celular no RN é comprovada pelo sucesso da vacinação
serão cruciais durante todo o processo da resposta imune. neonatal contra a tuberculose e varíola, bem como pela
Uma dessas linfocinas é o INF-g, que ativa os macrófa- capacidade de rejeitar transplantes de pele homóloga. O
gos21. Estes, ao serem ativados pelos linfócitos T geram número absoluto de linfócitos T no sangue periférico dos
produtos essenciais à destruição de patógenos intracelula- RN é maior que o de adultos5,22.
res que não são eliminados após ingestão da primeira Algumas bactérias, ao serem fagocitadas, permane-
etapa. Na interação com antígenos de linfócitos T CD8+ cem intactas no interior dos macrófagos (bacilos da tuber-
(citotóxicos), são capazes de matar células infectadas por culose, hanseníase, listeriose, etc.). A ação bactericida e/
vírus. A ligação de um antígeno às imunoglobulinas de ou bacteriostática desses macrófagos será decorrente da
superfície de células B as estimulam e promovem a sua liberação de fatores ativadores e quimiotáticos, além de
proliferação e diferenciação em células produtoras de várias interleucinas (IL) secretadas pelos linfócitos T após
imunoglobulinas. A produção de anticorpos específicos a serem ativados. Em conseqüência disso, teremos, em
muitos antígenos microbianos é dependente da interação algumas ocasiões, a formação de granulomas que contro-
da célula B com o linfócito T CD4+. Os anticorpos atuam larão o crescimento desses microorganismos. Células T
contra o patógeno por mecanismos de opsonização, neu- inflamatórias recrutam macrófagos por dois mecanismos.
tralização, fixação de C e ADCC (citotoxicidade celular Primeiro, estimulam os fatores de crescimento hemato-
dependente de anticorpo)18. Além disso, a IgG e a IgM poiéticos (IL-3 e GM-CSF), os quais irão estimular a
ativam o Complemento pela via clássica, levando a lise de medula óssea a produzir e liberar células fagocíticas.
bactéria susceptível12. Segundo, as linfotoxinas TNF-a e TNF-ß secretadas pelos
A função inicial da resposta imune adaptativa frente a linfócitos no local da inflamação, alteram a superfície das
uma infecção é controlá-la, livrando-se do agente infec- células endoteliais através da expressão de moléculas de
cioso. Entretanto, deve prover ao organismo proteção adesão de modo a permitir a adesão do fagócito ao
contra este agente, evitando uma reinfecção. A imunidade endotélio, enquanto outras citocinas atuam no direciona-
contra a reinfecção é denominada imunidade protetora e é mento e migração destes fagócitos10,14.
o mecanismo pelo qual as vacinas atuam. A imunidade Os linfócitos T CD4+, de acordo com o padrão de
protetora requer a existência de anticorpos pré-formados e citocinas que produzem, são subdivididos em duas subpo-
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pulações: células TH1 que caracteristicamente produzem nicos no contexto de classe II do MHC, são potentes
INF-ge IL-2, e células TH2, que secretam IL-4, IL-5 e IL- produtores de citocinas como o INF-ge o TNF, além de IL-
1023. Linfócitos T inflamatórios CD4+ (padrão TH1) e 4, IL-10 e o TGF-ß, que promovem a ativação de macró-
linfócitos T auxiliadores CD4+ (TH2), ambos, expressam fagos, além de expressarem atividade citolítica. Os linfó-
o co-receptor CD4 e reconhecem fragmentos de antígenos citos T CD8+, ao contrário dos CD4+, reconhecem antíge-
degradados dentro de vesículas intracelulares, apresenta- nos ligados à molécula de classe I do MHC. Apresentam
dos na superfície da célula através da molécula de classe atividade citolítica específica e, dessa forma, são capazes
II do MHC. Os linfócitos TH1 ativam macrófagos que de lisar macrófagos infectados 10.
liberam INF-g, permitindo a destruição do microorganis- De um modo geral, a imunidade para bactérias intrace-
mo intracelular mais eficientemente. As células CD4+ lulares é mediada predominantemente por células padrão
(TH2) ativam linfócitos B através da secreção das IL-4, TH1. Bactérias intra-celulares contêm uma variedade de
IL-5 e IL-6, que vão se diferenciar em plasmócitos e moléculas com potentes atividades imunomodulatórias. A
produzir imunoglobulinas, moléculas efetoras da resposta estimulação desses componentes ativa a secreção do TNF-a
imune humoral. Linfócitos T citotóxicos, quando ativa- e da IL-12 por macrófagos. A IL-12 é importante na
dos, liberam perforinas e proteases assim como o INF-g, ativação de células padrão TH1 e o TNF-a junto com a IL-
dessa maneira matam células-alvo que liberam fragmen- 12 servem como co-estimuladores das células NK que são
tos antigênicos de patógenos citosólicos, principalmente produtoras de INF-g. Esta última citocina é importante na
vírus, ligados à molécula de classe I do MHC da superfície diferenciação dos linfócitos para padrão TH119.
celular10,18 (Figura 1). Os vírus são, obrigatoriamente, patógenos intracelula-
Bactérias intracelulares apresentam características pró- res. Os seres humanos, freqüentemente, adquirem vírus
prias como baixa toxicidade e localização intracelular. pela superfície de mucosa. Normalmente são identificados
Nessas condições, a resposta imune elaborada pelo orga- pelo sistema imunológico após invasão no organismo. Os
nismo é predominantemente celular. A ativação de macró- linfonodos regionais são os locais onde ocorre a multipli-
fagos por produtos gerados no linfócito T é um passo cação desses vírus. Por ocasião da interação com o antíge-
essencial para a eliminação de patógenos intracelulares no, linfócitos T CD8+ diferenciam-se em células citotóxi-
que não foram eliminados após a fagocitose24. Os macró- cas capazes de lisarem células do hospedeiro infectadas
fagos teciduais ativados conseguem eliminar boa parte dos por vírus7. Isso contribui para a eliminação da infecção
microorganismos intracelulares. A produção de radicais viral uma vez que os vírus liberados da célula hospedeira
de oxigênio por essas células apresenta alto poder micro- ficam expostos a ação de anticorpos, C e células fagocitá-
bicida. Os linfócitos T são os mediadores específicos para rias. Através da interação entre as células apresentadoras
a aquisição de resistência contra bactérias intracelulares. de antígenos, células auxiliadoras e supressoras é que se
Os linfócitos T CD4+, que reconhecem peptídeos antigê- estabelecerá a resposta imune celular. Esta é também

Adaptado de Abbas et al., 1994

Figura 1 - Diferenciação e funções efetoras de Linfócitos T CD4+


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denominada de mediada por células ou de hipersensibili- plamócitos produtores de Ig. A IgM é a primeira Ig a ser
dade tardia e é responsável pelas defesas contra vírus, produzida frente a uma infecção, tem meia-vida curta e é
fungos, protozoários e bactérias intracelulares, rejeição de a predominante na resposta primária. Já a IgG é a predo-
enxertos e vigilância contra tumores. A proteção pode minante na resposta secundária1. Entretanto, a classe de Ig
ocorrer por ação citotóxica direta do próprio linfócito T ou produzida depende da idade, do tipo de antígeno ao qual
através de mecanismos amplificadores obtidos por ação de se tem contato e da via de inoculação deste antígeno. Para
linfocinas. Nas infecções virais, a produção de INF, linfo- que ocorra produção adequada de imunoglobulinas, há a
citotoxinas, fator inibidor e ativador de macrófagos, fator necessidade da interação dos linfócitos B com os linfóci-
de transferência e de outras linfocinas exerce papel impor- tos T CD4+. Estes irão secretar linfocinas essenciais na
tante no seu controle. As células, uma vez parasitadas por diferenciação adequada dos linfócitos B para plasmócitos.
vírus, exprimirão partículas deste na sua superfície e, Desse modo, o desenvolvimento de anticorpos específicos
através da ativação de linfócitos T e produção de linfoci- é dependente da exposição do antígeno, da célula T CD4+
nas, promoverão destruição da célula infectada por ação e da maturação dos linfócitos B. Todo esse processo de
citotóxica direta19. amadurecimento do sistema imune leva um tempo, de
As células NK são muito importantes na citotoxicidade forma que lactentes são capazes de responder a antígenos
celular dependente de anticorpo (ADCC). Essas células cuja estrutura química sejam proteínas (vírus, algumas
têm capacidade de matar células tumorais e na defesa bactérias) e, por isso, são imunizados precocemente con-
contra patógenos intracelulares, especialmente o Herpes tra esses agentes1. Entretanto, até os 2 anos de idade, o
vírus e a Listeria monocytogenes. Embora essas células lactente apresenta dificuldade em montar uma resposta
possam destruir as células infectadas, essa atividade é imune adequada a bactérias cujas cápsulas sejam polissa-
aumentada em 20 a 100 vezes quando há associação de cárides (Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumo-
fatores como INF-a, INF-g e IL-1218. niae), motivo pelo qual essa população é tão acometida
por estes agentes27,28.
Os anticorpos secretados ligam-se à bactéria que so-
Imunidade humoral breviveu aos mecanismos de defesa não específicos, pro-
duzindo opsonização adicional para uma fagocitose mais
A imunidade humoral é representada por linfócitos B
efetiva29. Além disso, imunoglobulinas das classes IgG e
e o RN os apresenta em sangue periférico em número
IgM ativam o sistema C através da via clássica, que leva
semelhante ao de adulto. Embora as células pré-B já
à lise de bactérias suscetíveis 12. Num prazo de 3 a 6 dias
possam ser identificadas em fígado fetal humano por volta
após a infecção inicial, anticorpos séricos específicos já
da 7a ou 8a semanas de gestação, em condições de norma-
podem ser detectados e contribuem diretamente para
lidade, o feto não produz anticorpos e os plasmócitos são
amplificar o mecanismo de defesa do hospedeiro, promo-
raros25.
vendo a eliminação de microorganismos que sobrevive-
Após contato com o antígeno, os linfócitos B diferen- ram às defesas não específicas3. Caso a infecção não seja
ciam-se em plasmócitos, células envolvidas na síntese e totalmente eliminada, a ativação contínua das células
excreção das imunoglobulinas (Ig) circulantes, que exer- fagocitárias pode causar dano tecidual através da libera-
cem função de anticorpo. Na fase final de amadurecimen- ção de radicais de oxigênio, proteases e outros mediadores
to, estas células B exteriorizam em sua membrana molécu- inflamatórios30.
las de Ig da mesma classe para a qual foram diferenciadas Durante a gestação existe uma passagem transplacen-
para produzir. Existe uma seqüência de maturação e todas tária, de anticorpos da classe IgG, da mãe para o feto. Esse
as classes de linfócitos B são derivadas de precursores com transporte ocorre pela presença de receptores para IgG
IgM na membrana, com diferenciação para linfócitos B materna presentes no trofoblasto. A transferência ocorre
específicos para IgD, IgM, IgG, IgA e IgE. de modo mais acentuado à medida que a gestação se
A ligação de um antígeno com Ig presentes na membra- aproxima do termo, de modo que recém-nascidos prema-
na de linfócitos B leva à divisão e diferenciação destas turos apresentam, ao nascimento, níveis de IgG inferiores
células em plasmócitos. A produção de anticorpos especí- aos recém-nascidos a termo31,32. Dentre as 4 subclasses de
ficos a vários antígenos microbianos é dependente da IgG, a IgG1 e a IgG3 apresentam transferência placentária
interação com linfócitos T CD4+ específicos para o antí- de modo semelhante, ao contrário da IgG2, que, mesmo ao
geno em questão10. A maturação dessas células ocorre na termo, o recém-nascido apresenta em níveis mais baixos
medula óssea e é independente de antígenos e de células T. em relação ao materno33. Esses anticorpos maternos vão
A maturação e proliferação celular dirigida pelo contato sendo naturalmente catabolizados pelo recém-nascido, de
célula-célula (através das moléculas de adesão) e citocinas forma que, por volta do sexto mês de vida, esses anticorpos
presentes no meio ambiente, com conseqüente produção maternos estão praticamente ausentes. Esses anticorpos
de anticorpo, é uma fase dependente de antígeno18,26. da classe IgG refletem a experiência antigênica materna e
A interação do antígeno com esses receptores especí- protegem o recém-nascido contra infecções 7.
ficos inicia um processo de proliferação e diferenciação A imunoglobulina sérica mais abundante é a IgG,
que leva ao desenvolvimento de células de memória e seguida da IgA e IgM. A IgE é encontrada em concentra-
Mecanismos de defesa contra infecções - Carvalho BTC et alii Jornal de Pediatria - Vol. 74, Supl. 1, 1998 S9

ções bem inferiores às outras muito embora sua ação Os anticorpos são notáveis não apenas pela diversida-
biológica seja importante. Para que ocorra o “switch” de de de ligação ao antígeno que apresentam, mas também
classe, ou seja, o linfócito B apresente outras classes de pela versatilidade que essas moléculas apresentam. A
imunoglobulinas em sua superfície, é necessária a partici- especificidade do anticorpo é determinada pelo sítio de
pação de linfócitos T CD4+. Na interação entre o linfócito ligação ao antígeno (Fab), enquanto a outra porção da
T CD4+ padrão TH2, e o linfócito B vai haver liberação de molécula (Fc) é onde se liga a uma superfície que possua
citocinas, e, de acordo com o predomínio de algumas receptor para esta estatura. A ação efetora do anticorpo é
delas, o linfócito B irá produzir uma ou outra classe de determinada pela classe de imunoglobulina2.
imunoglobulina. Por exemplo, se houver produção de A IgG é um monômero, a imunoglobulina de maior
maior quantidade de IL-5 ou de TGF-b, os linfócitos B vão concentração plasmática, correspondendo a cerca de 80%
se diferenciar num plasmócito produtor de IgA. A presen- das imunoglobulinas séricas e é a classe principal das
ça da IL-4 é importante para produção de IgE e assim por defesas sorológicas do corpo. Possui atividade antibacte-
diante (Figura 2). riana, antiviral e antiprotozoários. Em condições de nor-
Os anticorpos contribuem para proteção do hospedeiro malidade, a velocidade de síntese da IgG é de 35 mg/kg/
de quatro formas: dia o que equivale a 2g/dia de IgG sintetizada por um
1 - neutralização: vírus e bactérias intracelulares, os adulto com peso de 70 kg. A meia-vida plasmática da IgG
quais necessitam ficar no interior das células para crescer, é de 23 dias sendo a proteína de vida mais longa7. A IgG
se espalham através do contato célula-célula. Os anticor- é subdividida em 4 subclasses (IgG1, IgG2, IgG3 e IgG4)
pos podem neutralizar este processo e também atuam na que diferem uma das outras pela sequência dos aminoáci-
proteção contra toxinas; dos da cadeia pesada e por suas propriedades biológicas 34.
2 - opsonização: facilita a fagocitose do antígeno Todas as subclasses de IgG podem fixar C, exceto a
através da ligação com o antígeno pelo receptor Fab e com IgG4. A IgG1, a IgG2 e a IgG3 podem promover a
o fagócito ligando-se a este pelo receptor Fc; fagocitose, iniciar a quimiotaxia, induzir a liberação de
3 - ativação do C: o anticorpo ativa o sistema C que anafilatoxinas e lisar células alvo34. Embora todos os
também vai opsonizar o antígeno para ser melhor fagoci- quatro isotipos de subclasse de IgG, quando ligados ao Ag,
tado. Além disso, as proteínas do Sistema C podem lisar possam mediar a ligação com fagócitos, apenas a IgG1 e
diretamente o patógeno através da destruição de suas a IgG3 são capazes de ativar a via clássica do C35.
membranas; Os anticorpos da subclasse IgG1 e IgG3 são, na maio-
4 - ADCC (citotoxicidade celular dependente de anti- ria das vezes, timo-dependentes e direcionados a antíge-
corpo): o anticorpo liga-se à célula-alvo pelo fragmento nos protéicos. Atingem níveis semelhantes aos de adulto
Fab e a células NK pelo receptor Fc. Dessa forma, essas aos 2 anos de idade. A IgG1 corresponde a cerca de 60-
células são capazes de destruir o antígeno. 70% da IgG sérica total, enquanto a IgG3, a cerca de 4-8%

Adaptado de Abbas et al., 1994

Figura 2 - Função das citocinas na diferenciação dos linfócitos B


S10 Jornal de Pediatria - Vol. 74, Supl. 1, 1998 Mecanismos de defesa contra infecções - Carvalho BTC et alii

do total. A IgG2 tem importante participação na resposta mecanismos múltiplos, embora a IL-4 assuma grande
humoral contra antígenos de paredes bacterianas (carboi- importância23.
dratos e polissacárides) que são timo-independentes. É a Após o primeiro contato do antígeno com o linfócito T
que mais demora a alcançar nível de adulto, por volta da ou B ocorre a resposta primária. No caso da imunidade
adolescência. Contribui com cerca de 14 a 30% dos níveis humoral, anticorpos específicos são detectados na circula-
de IgG total28,36. ção após o período de sete a 10 dias, e esse anticorpo é
Os anticorpos da classe IgM não atravessam a placenta predominantemente da classe IgM. Parte das células com-
e assim não conferem proteção ao RN contra antígenos petentes, após a resposta inicial, transforma-se em linfó-
somáticos de bactérias Gram-negativas (Salmonella sp, citos de memória. Estes, num segundo contato com o
Shigella sp, E. coli). Níveis de IgM acima de 20 mg/dl em mesmo antígeno, produzem uma maior quantidade de
sangue de cordão são sugestivos de infecção intra-uterina anticorpos num prazo curto (dois a quatro dias), caracte-
e a determinação de IgM específica (p.ex.: rubéola, toxo- rizando a resposta secundária na qual a IgG é a Ig predo-
plasmose, sífilis, doença citomegálica) a confirma. Ao minante. O mesmo ocorre com os linfócitos T40.
contrário das células B produtoras de IgG, as de IgM estão A resposta imune do hospedeiro aos microorganismos
em número normal no recém-nascido e, quando adequada- funciona como uma rede de interações com funções que
mente estimuladas in vitro, são capazes de sintetizar IgM. freqüentemente se sobrepõem, podendo muitas vezes ha-
É a classe de anticorpo que predomina na resposta imune ver redundância nos mecanismos para conter ou controlar
primária. A IgM tem potente ação ativadora do C; contu- a infecção. Por outro lado, a especialização de certos
do, por causa do seu tamanho (pentâmero), fica restrita ao mecanismos da resposta imune contra microorganismos
compartimento intravascular29. pode ser demonstrada em hospedeiros com imaturidade ou
A IgA não atravessa a placenta e está presente no defeitos genéticos ou adquiridos de funções específicas do
sangue de cordão em pequena porcentagem de RN nor- sistema imunológico, que não os tornam universalmente
mais. A principal função dessa classe de Ig é exercida nas suscetíveis a todas as classes de agentes infecciosos.
secreções dos tratos respiratório e gastrointestinal, sob a
forma de IgA secretora (IgAS)31,37.
Embora a IgA seja encontrada em tecidos e no soro, sua
principal função é na defesa das mucosas. É capaz de ativar
o sistema C pela via alternativa, mas é incapaz de ativar a
Clássica e tem atividade bactericida quando combinada Referências bibliográficas
com a lisozima e o C. A IgA presente nas secreções é 1. Fulginiti VA, Sieber OF. Immune mechanisms in infectious
denominada IgAS (IgA secretora). As funções da IgAS diseases. In: Stiehm ER. Immunologic disorders in infants
incluem neutralização de vírus, inibição de adesão de and children. Philadelphia: WBSaunders; 1980. p.687-701.
bactéria ao epitélio e imune-exclusão. Pode também inibir 2. Janeway CA, Travers P. Immunobiology: the immune system
a internalização ou mesmo a replicação intracelular de in health and disease. London: Current Biology/Garland;
certos vírus. Uma das funções cruciais da IgAS é a 1994. p1:28.
prevenção e a colonização de bactérias ao epitélio. A IgAS 3. Sorensen RU, Moore C. Immunology in the pediatrician´s
é dimérica e produzida em nível de mucosa por plasmóci- office. Pediatr Clin North Am 1994, 41:691-714.
tos locais. Ao atravessar a célula epitelial, duas moléculas 4. WHO Scientific Group: Rosen FS, Wedgwood RJP, Eibl M,
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secretor, passando para a luz da mucosa como IgAS. Este Clin Exp Immunol 1995; 99:1-24.
elaborado mecanismo de defesa local não é totalmente 5. Hannet I, Erkeller-Yuksel F, Lydyard P, Deneys V, De-
desenvolvido no recém-nascido, que deve obrigatoria- bruyère M. Developmental and maturational changes in
mente receber colostro e leite materno, muito ricos em human blood lymphocyte subpopulations. Immunology To-
IgAS, conferindo imunidade passiva local. A IgAS neutra- day 1992, 13:215-218.
liza vírus, algumas bactérias e, formando complexos com 6. Smith RT, Eitzman DV, Catlin ME, Wirtz EO, Miller BE.
proteínas da dieta, impede a absorção das mesmas. A The development of the immune response. Characterization
avaliação quantitativa da IgAS em saliva por métodos of the response of the human infant and adult to immunization
extremamente sensíveis tem demonstrado a sua presença with Salmonella vaccines. Pediatrics 1964; 68:163.
na mucosa já a partir da segunda semana de vida37,38. 7. Stiehm ER. Immunologic disorders of infants and children. 4ª
ed. Philadelphia: WB Saunders; 1996.
Entretanto, só atinge níveis semelhantes aos de adulto por
8. Henderson FW, Collier AM, Sanyal MA, Watkins JM,
volta de 7 a 8 anos de idade39.
Fairclough AL, Clyde WA Jr. et al. A longitudinal study of
A IgE também não atravessa a placenta e é o principal respiratory viruses and bacteria in the etiology of acute
anticorpo envolvido nas doenças alérgicas. Nessa classe otitis media with effusion. N Engl J Med 1982, 306: 1377-83.
de Ig estão presentes os anticorpos a parasitas intestinais 9. Monteiro CA. Saúde e Nutrição das Crianças de São Paulo.
(helmintos), o que justifica altos níves séricos de IgE em São Paulo: Hucitec e Editora da Universidade de São Paulo;
indivíduos não alérgicos. A sua síntese é controlada por 1988.
Mecanismos de defesa contra infecções - Carvalho BTC et alii Jornal de Pediatria - Vol. 74, Supl. 1, 1998 S11

10. Janeway CA, Travers P. Immunobiology - the immune 29. Keusch GT. Immunologic mechanisms in infectious diseas-
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