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Brasília
2022
Dissertação de autoria de Alexandre Guimarães Rodrigues, intitulada
“PASSARELA VIRTUAL: UM DESFILE SAINT LAUREN EM DISTANCIAMENTO
SOCIAL , apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Inovação em Comunicação e Economia Criativa da Universidade Católica de Brasília,
em 03 de agosto de 2022, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo
assinada:
_________________________________________________
Profa. Dra. Clarissa Raquel Motter Dala Senta
Orientadora
Universidade Católica de Brasília – UCB
__________________________________________________
Prof. Dr. Leandro de Bessa Oliveira
Universidade Católica de Brasília – UCB
__________________________________________________
Prof. Dr. Alan Santos
Universidade de Brasília – UnB
Brasília
2022
RESUMO
Fashion shows were adapted to the virtual environment due to the safety conditions
required against the new coronavirus (Covid-19) pandemic, such as social distancing.
Fashion brands have adapted to present the new collections to the public, moving the
catwalks to the internet, in a non-face-to-face format. This opened up a variety of
possibilities for the production of audiovisual images that managed to maintain the
quality and efficiency of fashion shows in different environments, little or not previously
explored, through information and communication technologies (ICTs). Therefore,
observing the displacement of the in-person fashion show to the virtual environment,
this work analyzes the audiovisual images produced for the first remote show held by
the Saint Laurent brand in 2020 for the women's summer/2021 collection. The brand
kept the traditional catwalk format with models in a linear sequence in an external
environment, outside Paris, but without an audience. Thus, this study seeks to
understand how the narrative and aesthetic strategies of the virtual fashion show,
enhanced by digital technologies, enable a sensorial and symbolic experience about
the universe of brands and their relationships with sociocultural contexts. For this, and
as a methodological contribution, it uses the semiological analysis proposed by Roland
Barthes (2009), which emphasizes the Fashion System, to identify imagery and
technological aesthetics associated with the Yves Saint Laurent brand, as well as its
relations with artistic capitalism. by Lipovetsky (2015). The results indicate
relationships between denotative and connotative elements identified in the
audiovisual images of the parade, which produce meanings associated with the
pandemic cultural context and the spirit of the brand. Through semiological analysis, it
was revealed that the items sand/desert/dunes/Sun/fire refer to
time/infinity/escapism/freedom/movement/melancholy, extending to the ideas of
distance/isolation, ephemeral/present, everyday/routine , rebirth/change,
rhythm/deceleration, return/origins, memories/marks. The elements
shoulders/tunics/cyclist shorts connote movement/work/day-to-
day/minimalism/comfort, which can be read as practical/solemn/standardised,
because in moments of apprehension fashion is more discreet. The words
silk/lingerie/evening dress refer to soft/desire/escapism/fluid/lightness that unfold into
pleasure/intimacy/seduction/hedonism indicating optimism; the items
color/music/descend give meaning to consolation/smooth/melancholy, consistent with
the brand concept, which express warmth/memories/rhythm in the face of a global
tribulation.
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9
2. MODA, CULTURA E CONSUMO: A MODA COMO EXPRESSÃO DE UM
TEMPO ...................................................................................................................... 16
2.1 MODA E ECONOMIA CRIATIVA ..................................................................... 20
3. MODA, ESTÉTICA E NOVAS TECNOLOGIAS ................................................... 24
3.1 IMAGENS DA MODA E PRODUÇÃO DE SENTIDOS: CONSTRUÇÃO
SIMBÓLICA DAS MARCAS ................................................................................... 28
4. ANÁLISE SEMIOLÓGICA DO DESFILE VIRTUAL DA MARCA SAINT
LAURENT.................................................................................................................. 32
4.1 HISTÓRICO DA MARCA ................................................................................. 32
4.2 DESFILE COLEÇÃO FEMININA VERÃO 2021, SAINT LAURENT – ANTHONY
VACCARELLO ....................................................................................................... 34
4.3 PERCURSO METODOLÓGICO ...................................................................... 37
4.3.1 Seleção do corpus de pesquisa ................................................................. 41
4.4 DESCRIÇÃO DAS IMAGENS .......................................................................... 43
4.5 ANÁLISE DAS IMAGENS EM NÍVEL DENOTATIVO ...................................... 55
4.6 ANÁLISE EM NÍVEL CONOTATIVO ................................................................ 64
4.7 SISTEMATIZAÇÃO E ANÁLISE DE RESULTADOS ....................................... 70
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 76
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 79
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1. INTRODUÇÃO
expressão artística, com engajamento social, político, ambiental sobre temas variados
criando oportunidade para uma crítica social. Tornar um objeto comum em objeto de
desejo é a principal função de um desfile de moda, isto vai se manifestar pela inovação
e esplendor de sua apresentação, apesar da realidade comercial que o capitalismo
artístico exige.
1
Ver: https://youtu.be/XbWIe2KCxqg
2
Ver: https://youtu.be/GqNWMuY_Wmo
3
Ver: https://youtu.be/DwMnjf_uDb4
4
Ver: https://youtu.be/vV_QoQD_nrA
5
Ver: https://youtu.be/S5mkUfUonpI
6
Ver: https://youtu.be/jYOrGvVh7mk
11
7
Lookbook: Imagens nítidas e com qualidade, em planos mais fechados que concentrem os detalhes dos tecidos
ou complementos, produzidas por um fotógrafo especializado em passarela para a imprensa e compradores. Ver:
https://www.vogue.com/fashion-shows/fall-2020-ready-to-wear/saint-laurent/slideshow/collection;
8
Ver: https://www.youtube.com/watch?v=f5rnZgiZYSg&t=130s
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captados pelas câmeras. Nas imagens do desfile presencial sugerem um formato 2D,
por causa de o registro ser feito do ponto de vista do final da passarela. No desfile
virtual a percepção se amplia para 3D, pois há diversidade dos ângulos possíveis de
captação da imagem.
Assim, o objetivo geral desta pesquisa é o de identificar quais os sentidos
possíveis de serem extraídos de imagens audiovisuais produzidas para o desfile
virtual da coleção feminina de verão/2021 da Saint Laurent, em relação ao universo
da marca e seus objetivos de comunicação. Já os objetivos específicos são: 1) traçar
o panorama social e cultural dos desfiles de moda e sua evolução ao longo do tempo,
consideradas suas dimensões estéticas e intersecções entre Arte e Moda; 2)
Compreender a articulação dos modos multimidiáticos de diversas linguagens
(audiovisual, cinema, teatro, espetáculo) e as tecnologias digitais de informação,
comunicação e expressão (TDICE) e setores da indústria criativa (artes, design, moda
e audiovisual), no contexto dos desfiles virtuais; 3) Analisar as estratégias narrativas
e estéticas para desfiles em ambiente virtual, utilizadas pela marca Yves Saint
Laurent; 4) Contribuir para uma compreensão sobre o processo de construção
simbólica das marcas e produtos e sua relação com a vida cotidiana, privada e social.
Nesse ponto, faz-se importante mencionar que o interesse nesta pesquisa parte
da conformidade da formação acadêmica deste pesquisador em bacharel em design
de moda, da Universidade Estadual de Londrina, especialista em Artes Visuais:
Cultura e Criação pelo SENAC com atuação profissional como servidor público
docente do quadro efetivo do Instituto Federal de Brasília - IFB, campus Taguatinga
na área de moda e vestuário, ministrando componentes nos cursos técnico em
vestuário e superior em tecnologia da moda.
Este trabalho justifica-se por partir do Mestrado Profissional Inovação em
Comunicação e Economia Criativa da Universidade Católica de Brasília, por meio da
linha de pesquisa Produção em audiovisual e mídias digitais, permitir um estudo sobre
os desfiles de moda como meios de comunicação entre designers, marcas de moda
e público, e contribuindo para um entendimento mais profundo a respeito dos novos
modos de realização destes eventos amparados pelas Tecnologias da Informação e
Comunicação (TIC's’).
com esses dados organizados para verificar como o designer da coleção utilizou suas
estratégias e técnicas para criar um desfile que expresse o espírito da marca e sua
relação com um contexto específico.
16
O tema da economia criativa pode ser pensado como uma consequência não
programada e de longa duração sócio-histórica entre diversos
acontecimentos envolvendo o cultivo e a valorização da sensibilidade
artístico-cultural e a racionalidade econômico-empresarial. Ela se caracteriza
pela abundância e não pela escassez, pela sustentabilidade social e não pela
exploração dos recursos naturais e humanos, pela inclusão produtiva e não
pela marginalização de indivíduos e comunidades (MINC, 2011) (ALVES;
SOUZA, 2012 apud PAIVA, 2015, p. 16).
Sendo assim a moda tem destaque dentro da Economia Criativa por sua
potencialidade de gerar renda e emprego e interagir com a industrialização de bens
de consumo.
medida, essa linguagem vai emergir por si mesma das novas tecnologias,
mas a maior parte dela vai se valer largamente de tradições preexistentes:
arte e arquitetura, o cinema e o romance (JOHNSON, 2001, p. 20).
O processo criativo vai ser impelido mais do que bloqueado pelas interações
entre passado e futuro. "Somos fixados na imagem não porque tenhamos perdido a
fé na realidade, mas porque as imagens têm agora enorme impacto sobre a
realidade." (JOHNSON, 2001, p. 28). A sociedade está produzindo cada vez mais
eventos no ciberespaço, que está fora da apreensão perceptiva e seu acesso se dá
através da interface.
beleza encarnada, justamente pela irresistível atração que esta exerce sobre
os sentidos (SANTAELLA; ARANTES, 2011 p. 11).
O valor da beleza como superfície ou aparência que atrai e fascina os sentidos
se desloca para o mundo da comunicação de massa e na publicidade, na medida em
que declina no campo das artes.
Tendo se iniciado com a fotografia - seguido por cinema, rádio, TV, áudio,
vídeo, e agora a internet, a hipermídia, a realidade virtual e as mídias locativas
-, embora recente, a história das estéticas precedentes pelas estéticas
subsequentes, gerando associações, interações, convergências e
hibridismos cada vez mais intensos de linguagens técnicas, formas, padroes,
tornam-se agora, elementos descategorizados do seu sentido original
enquanto meio de linguagem (GARCIA apud SANTAELLA, 2007, p. 15).
Resultando na convergência de ciência, tecnologia, mídias e arte expressos
nos desfiles virtuais que utilizam o porte de espetáculo artístico e são disponibilizados
na internet para encantamento do público.
A Alta Costura institucionaliza a renovação da moda duas vezes por ano por
meio dos desfiles, sendo as meias estações precursoras dos desfiles principais,
instalando um ciclo imperativo por um grupo especializado com data fixa para a
mudança da moda com objetivo de sedução do público consumidor.
espetáculos, a Alta Costura instala desde o século XIX, ao lado dos grandes
magazines, das galerias parisienses, das exposições universais, uma tática
de ponta do comércio moderno fundada na teatralização da mercadoria,no
reclame feérico, na solicitação do desejo (LIPOVETSKY, 2009, p.110).
A revolução comercial está no estímulo e na desculpa para o consumo com a
superexposição de produtos pela encenação publicitária. "Mais profundamente, a
sedução opera pela embriaguez da mudança, pela multiplicação dos protótipos e pela
possibilidade da escolha individual" (LIPOVETSKY, 2009, p. 111).
Ele fará o lançamento na marca com uma coleção primavera-verão para 2017.
34
A história dos desfiles de moda surge com Charles Frederick Worth no final do
século XIX. Ele foi revolucionário por propor um sistema de produção impondo suas
criações a clientes que escolhiam os modelos prontos apresentados, e não sob
encomenda, para serem confeccionados de forma personalizada em suas medidas
específicas. O movimento e a ação eram uma tendência estética pós-revolução
industrial pelo surgimento e evolução das imagens produzidas dos filmes com as
câmeras de vídeos, e Worth apresentou, em seu estúdio, roupas em corpos em
movimento com andar das modelos utilizando suas criações.
Nos anos 20 os desfiles se tornam eventos sociais e Paris se torna a capital da
moda com a consagração das grandes casas de costura. Em 1947 a atuação das
modelos nas passarelas é apresentada diferentemente da clássica forma, sossegada,
tranquila e em silêncio com somente a voz do interlocutor, dando ritmo e movimento
ao ato.
Em 1950 e 1960 estabelece-se o termo prêt-à-porter baseado na fabricação
estadunidense de confecção em grande escala. Nos anos de 1970 os desfiles se
tornam midiáticos sendo publicados em impressos e gravados em vídeos, em 1980
os desfiles são televisionados, tornando-se mais um produto da cultura de massa. No
início dos anos 1990 o desfile como espetáculo resgata o status da alta-costura com
performances de alto nível como conhecemos até hoje.
Em 2009 a marca Viktor & Rolf apresenta o primeiro desfile transmitido on-line,
ano em que os designers se familiarizaram com a transmissão em streaming. Outro
pioneiro foi Alexander Mcqueen, que sobrecarregou os servidores em 2009 e a
internet se tornou a grande janela de infinitas possibilidades, promovendo as coleções
com luxo e ricas em detalhes (VILASECA, 2010).
Para realizar um desfile é necessário produtos e modelos bem iluminados, um
espaço para apresentá-los e o público. "A partir desse ponto as variedades e formatos
são múltiplas e infinitas" (VILASECA, 2011, p. 45). De acordo com os autores Wadson
Amorim e Rachel Boldt (2020) que indicam a migração desses eventos para a
virtualização de experiências intermediadas por mídias não tradicionais, considerando
que a crise na indústria exige a necessidade de soluções alternativas como a
digitalização dos processos na moda, ou como afirma estes autores a "substituição
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das práticas físicas e manuais tradicionais por tecnologias que promovam maior
eficiência e sustentabilidade ambiental, processadas em ambiente virtual e de fácil
comunicação/colaboração via internet" (AMORIM; BOLDT, 2020, p. 3). Em
consonância com esta afirmação, aparentemente já existia uma tendência em buscar
novos formatos antes mesmo da pandemia. Vilaseca (2011, p. 9) sustenta que "as
apresentações de moda estão se diversificando cada vez mais, adotando novos
formatos e fórmulas, em certos casos por motivos econômicos, em outros por
aspectos relacionados à filosofia da própria grife".
O desfile da marca Saint Laurent - coleção feminina de primavera-verão 2021,
apresentado em dezembro do ano de 2020, foi criado pelo designer e diretor criativo
Anthony Vaccarello e segue esse contexto de hibridização e novos formatos. A
passarela definida era de areia descolorida pelo sol em um cenário intencionalmente
com referência às paisagens dos desertos no norte da África, região de origem do
fundador da marca, coerente com a composição da paleta de cores.
Agora, 10 meses de mudança de vida depois, Vaccarello voltou às dunas
para apresentar o verão de 2021. Mais do que um visual limpo entre as
coleções, é um elo que conecta onde estávamos e onde estamos. Quero
dizer, areias do tempo, alguém? (HOLGATE, 2020).
O show não foi em Paris, como de costume, é um filme hipnótico de modelos
andando em fila única serpenteando por bancos de areias estriados, com vista
panorâmica captada pela câmera até onde o olho consegue ver, com um horizonte
infinito para realçar a nova silhueta aerodinâmica, suave com bordas arredondadas,
contrastada pelos cortes de cabelo punk/puckish das modelos. Uma atmosfera de
doação, relaxamento e descontração, porém resoluto. O confinamento influenciou
Vaccarello a buscar a partir do desejo por roupas fáceis e suaves. "Com tudo o que
estava acontecendo no mundo, eu queria algo mais suave, mais quente"
(VACCARELLO apud HOLGATE, 2020).
A coleção foi composta por peças de alfaiataria em material liso na maioria das
roupas e com ombros fortes. Foram concebidas por meio da releitura do conforto do
passado histórico da marca com o momento atual, resultando na fusão de temas
relacionados à saúde com trajes para o trabalho, mais despojados pela mistura de
jaquetas com colarinhos compondo com shorts de bicicleta (peloton), o terno de uma
peça (túnica) com calças oversized fluidas. As peças de vestuário possuem poucos
detalhes, mas são ornadas por acessórios como a flor de estufa amarrada perto da
garganta por uma tira de couro, a partir da referência das Lágrimas Amargas de Petra
36
Von Kant de Fassbinder; as bolsas rider são impecáveis com funcionalidade e luxo,
com alça apoiadas nos ombros; sapatos com saltos altos e bicos pontiagudos de metal
com brilho reluzente ao sol em qualquer ponto de vista. A função da coleção foi
estabelecer a conexão entre a casa de costura com suas fundações repousadas no
glamour cool conservado e a expressão individual de uma profunda necessidade
interna atual de facilidade e consolo. O desejo de conectar o otimismo do período da
fundação da marca de movimentos de rua com a positividade de um tempo
apreensivo, criando sentido para começar um novo futuro (HOLGATE, 2020).
Fora do calendário tradicional, o desfile no deserto reflete o desejo de fuga do
agora pela volta ao básico definido por contornos de uma silhueta leve ecoando a
necessidade de serenidade e liberdade. O vídeo do desfile foi dirigido por Nathalie
Canguilhem que reforça a mensagem de liberdade pelo local estabelecido para a
passarela em um vasto deserto e peças que vestem o corpo sem constrangê-lo. "Eu
queria focar na essência das coisas. Acho que é um sinal dos tempos. Mas eu não
queria nada sombrio ou pesado. O deserto, para mim, simboliza aquele anseio por
serenidade, espaço aberto, um ritmo mais lento. As roupas também são mais suaves,
o espírito da coleção é mais gentil, despojado” (VACCARELLO, 2020 apud SALESSY,
2020).
Um total de 66 trajes foram expostos ao ritmo da trilha sonora de Sebastian que
usufruíram de uma moda pronta para usar no dia-a-dia. Os casacos de masculinidade
infantil formam uma silhueta flexível devido ao comprimento alongado e ombros
estruturados. As bermudas ciclistas com blusas de seda para o dia e com saltos e
blazer ou jaqueta de couro para a noite, esta peça consagrou seu status na moda por
direito próprio. As cores são compostas por uma paleta minimalista sendo
predominantemente a cor preta, mas que os tons terrosos são fragmentados em tons
reconfortantes de bege, camelo e chocolate realçados por florais ou dourado nas
estampas ou acessórios da designer Claude Lalanne. A influência da lingerie
apareceu em vários trajes com detalhes em rendas nos mini-shorts, camisas fluidas e
vestidos para noite, leves, transparentes e sem pences (SALESSY, 2020).
Assim o desfile Saint Laurent primavera/verão/2021 foi descrito pela mídia
especializada traduzindo os sentidos que foram intencionais em sua criação. Para a
pesquisa foram utilizados alguns desses dados e elementos textuais, acrescentados
37
por outros percebidos durante a análise, que serão retratados a seguir no percurso
metodológico.
Com base nos estudos semiológicos de Barthes (2009), pode-se observar que
a imagem pode conter diferentes níveis de significação: o primeiro nível é literal ou
motivado (denotativo), e outros níveis são arbitrários e dependem da cultura
específica (BAUER; GASKELL, 2002). Os níveis do sistema semiológico são
construídos a partir da análise estrutural de Saussure e o signo na primeira ordem é
significante da segunda. No primeiro compreende associação de determinada imagem
ou conceito e na segunda ordem a associação é o significante para o significado
(adjetivo). Na primeira ordem não necessita ser linguístico e na segunda ele se torna
conotativo (outros conhecimentos culturais). São referências que serão usadas como
recurso interpretativo socialmente partilhado. "O ato de ler uma imagem é, pois, um
processo interpretativo" (BAUER; GASKELL, 2002, p. 324). Ou seja, o sentido é
gerado pelo leitor dela, e vai variar de acordo com seu conhecimento por experiência
e cultura. Dessa forma é possível fazer as análises das imagens dos desfiles de moda
e produzir relações de sentidos que foram apresentados nas passarelas.
Além disso, o Sistema da moda de acordo com Barthes (2009) conceitua o
vestuário escrito e o vestuário imagem. A Moda, como área de conhecimento, trata o
vestuário de duas formas, vestuário imagem: fotografado ou desenhado, e vestuário
escrito: descrito e transformado em linguagem, eles remetem à mesma realidade, em
princípio, mas não tem a mesma estrutura nem são feitos dos mesmos materiais, pois
"[...] em um, os materiais são formas, linhas, superfícies, cores, e a relação é espacial;
em outro, são palavras, e a relação, se não é lógica, é pelo menos sintática; a primeira
estrutura é plástica, a segunda é verbal” (BARTHES, 2009, p. 20). São duas estruturas
originais, a linguagem em nível vocabular e a imagem em nível das formas, derivadas
do mesmo sistema.
39
A descrição não tem em vista isolar certos elementos para louvar seu valor
estético, mas simplesmente tornar inteligíveis, de um modo analítico, as
razões que transformam precisamente uma coleção de detalhes em conjunto
organizado: a descrição é aí um instrumento de estruturação; ela possibilita
orientar a percepção da imagem: tomando em si, um vestido fotografado não
começa nem termina em parte alguma; nenhum de seus limites é privilegiado;
ele pode ser olhado indefinidamente ou pelo tempo relâmpago; o olhar que
lhe é dirigido não tem duração, porque ele mesmo não tem itinerário regular.
(BARTHES, 2009, p. 38).
Um desvendamento com certa ordem para se chegar a um resultado
específico. A finalidade da descrição de uma peça de vestuário de Moda não possui
utilidade prática, é apenas reflexiva vislumbrando um ser do vestuário coincidindo com
a própria Moda.
9
Ver: https://www.ysl.com/en-en/collections-ws21-video-collections-ws21-video
42
Uma tabela descritiva como organização para análise semiológica das imagens
audiovisuais irá compor o inventário denotativo para explorar os aspectos físicos
enquanto a coluna das conotações associadas ao termo analisado inclui os níveis
mais altos de significação (PEREIRA; RUTHSCHILLING, 2018). Apesar da crítica da
análise semiológica de ser reduzida ao campo cognitivo e depender dos
conhecimentos culturais do pesquisador, sua invalidade é minimizada pelos
conhecimentos culturais explícitos e outras fontes consideradas.
Abaixo o exemplo de tabela utilizada na análise semiológica para descrever o
desfile, apresentando ao leitor quais os sentidos que dialogam com a marca e o
público.
no fundo das linhas na areia. A figura da logomarca em baixo relevo não faz parte do
vídeo, foi retirada da mídia especializada e foi utilizada para ser exposta com o objetivo
de visualização mais detalhada.
Figura 3 - Passarela
Antes da troca do turno há uma pausa na apresentação dos trajes para delimitar
o tema entre o dia e a noite. A câmera abre e surge novamente a logomarca, que por
efeito da luz, as cores se revelam em preto e dourado, compondo a paleta do próximo
tema sucedido.
O filme segue com o desfile dos trajes para a noite até a última modelo sair da
passarela e a câmera abrir de cima mostrando o deserto a noite com a iluminação de
fogo e com alguns pontos de luz amarela dentre as dunas resultando em uma
passarela infinita que segue em direção ao horizonte, com o fecho escrito em caixa
alta, numa cor esmaecida, causando o efeito de penumbra, o título do desfile "I Wish
you Were Here" (Desejo que você estivesse aqui) e a assinatura do designer
responsável pela direção criativa da coleção Anthony Vaccarello.
O primeiro traje surge no topo da passarela, todas as peças são na cor preta
exceto pela flor branca posicionada no pescoço. Ele é composto por uma túnica com
ombros bem marcados, abotoamento no centro da frente e acinturado por um cinto, o
complemento da parte de baixo é uma bermuda ciclista de malha. Os acessórios são
a flor branca no pescoço e óculos escuro preto.
Figura 6 - Traje 1
O traje seguinte é o de posição nove, disposto em duas peças, uma blusa com
gola alta e mangas compridas e uma calça ajustada no quadril com bocas largas na
barra acima dos tornozelos, na cor vermelha em material liso, um tricô de cacharel,
justo ao corpo. Os acessórios são brincos coloridos, com cores luminosas no formato
de flor, uma corrente no pescoço com um pingente de franjas em dourado e botas
pretas. O traje remete bem a silhueta dos anos 60, época do surgimento da marca.
Figura 9 - Smoking
O traje quarenta e sete aparece quando está iniciando o pôr do sol, marca a
passagem para o próximo tema da coleção, o safari, explorado pela marca e por seu
fundador recorrentemente nas coleções.
Seguindo o tema safari, o traje quarenta e nove traz a releitura do trench coat
na cor areia em um tecido liso e leve sobre uma camisa de seda laranja e mini shorts
estilo lingerie com rendas em amarelo. Os acessórios são um colar dourado próximo
ao pescoço, um cinto marcando a altura da cintura com fivela dourada e sapatos
pretos de salto alto e bicos metálicos dourados. A paleta de cores é bem harmonizada
com a iluminação natural do sol poente, transferindo para a roupa os tons misturados
do reflexo da luz na areia e os tons laranjas e amarelos quentes.
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Por fim o último look de número sessenta e seis fecha o desfile à noite, a única
iluminação é a natural do fogo para a passarela. O traje é composto por um vestido
em formato de trapézio, longo sem pences, solto pelo corpo sem marcar cintura,
quadril ou busto, franzido no decote, de material transparente de seda na cor preta,
com um barrado de plumas pretas. Adornado por uma gola de plumas pretas cobrindo
o colo e o pescoço combinando com a barra do vestido que vai até o chão.
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Este traje encerra o desfile com a modelo seguindo para um fim da passarela
oculto, descendo pela duna em curva sinuosa, sem uma saída física aparente pelos
registros das imagens. Ele apresenta leveza, liberdade de movimentos e
sensualidade. A última imagem registrada é a silhueta da modelo realçada pela
iluminação do fogo ao fundo da cena.
Nesta fase foi feito o inventário denotativo com identificação dos elementos
para compor o catálogo de sentido literal das imagens. O estudo semiológico em nível
denotativo da imagem é o primeiro nível de significação, o literal, o signo que irá
significar uma segunda ordem, fazendo associações com imagens ou conceitos que
serão usadas como recurso interpretativo.
Para este estudo em nível denotativo, foram selecionadas
imagens/prints/frames retirados do filme do desfile disponibilizado no site ysl.com, que
foram associadas aos elementos textuais coletados e fragmentados de notícias
publicadas pela mídia especializada em moda, da Vogue e da Vogue França, com a
descrição do desfile para a coluna de passarela da revista Vogue, "Runway, Ready-
to-Wear, Saint Laurent Spring 2021" (passarela, pronto-para-vestir, primavera 2021)
de Holgate (2020) e a segunda é a entrevista com o designer Vaccarelo, para a revista
Vogue França, "Saint Laurent: The top 5 trends from the show presented in the desert"
(Saint Laurent: As cinco principais tendências do desfile apresentado no deserto) de
Salessy (2020).
Algumas palavras foram identificadas nos seguintes trechos publicados e
depois associadas às imagens retiradas do vídeo do desfile:
Agora, 10 meses de mudança de vida depois, Vaccarello voltou às dunas
para apresentar o verão de 2021. Mais do que um visual limpo entre as
coleções, é um elo que conecta onde estávamos e onde estamos. Quero
dizer, areias do tempo, alguém? (HOLGATE, 2020, grifo nosso).
Um cenário intencionalmente com referência às paisagens dos desertos no
norte da África, região de origem do fundador da marca, composto por uma passarela
de areia iluminada pela luz natural do Sol. As modelos andam em fila única
serpenteando os bancos de areias estriados, com um horizonte infinito realçando
uma silhueta aerodinâmica e suave. Uma atmosfera de relaxamento e
descontração, apesar do isolamento. Vaccarello busca o desejo por roupas fáceis
e suaves (HOLGATE, 2020). "Com tudo o que estava acontecendo no mundo, eu
queria algo mais suave, mais quente" (VACCARELLO, 2020 apud HOLGATE, 2020).
Uma releitura do conforto do passado histórico da marca associando a
saúde aos trajes para o trabalho, mistura jaquetas com colarinhos com bermuda
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ciclista (peloton), o terno de uma peça (túnica) em diversos materiais e cores com
calças oversized fluidas, ornadas por acessórios com formato de flor e sapatos de
bicos de ouro. Estabelecendo uma conexão entre a casa de costura e a necessidade
atual de facilidade e consolo, o otimismo da origem da marca pelos movimentos
de rua a um tempo apreensivo atual (HOLGATE, 2020).
O deserto reflete o escapismo e o minimalismo traduzidos por silhuetas
leves, com serenidade e liberdade. "Eu queria focar na essência das coisas. Acho
que é um sinal dos tempos. Mas eu não queria nada sombrio ou pesado. O deserto,
para mim, simboliza aquele anseio por serenidade, espaço aberto, um ritmo mais
lento. As roupas também são mais suaves, o espírito da coleção é mais gentil,
despojado (VACCARELLO, 2020 apud SALESSY, 2020, grifo nosso).
O ritmo melancólico da trilha sonora de uma moda para o dia-a-dia,
casacos com silhueta flexível, comprimento alongado e ombros estruturados;
bermudas ciclistas com blusas de seda; as cores são a preta, predominantemente,
mas os tons quentes são reconfortantes como o bege, camelo e chocolate, realçados
por estampas florais e o dourado, a lingerie com detalhes em rendas e vestidos
para noite, leves, transparentes fluidos com movimentos livres (SALESSY, 2020).
As palavras identificadas nos textos e que, como veremos a seguir, estão
relacionadas às imagens do desfile foram: areia, dunas, deserto, sol, fogo, ombro,
túnica, flor, ouro, bermuda, seda, lingerie, vestido, cor, música, descida. Para
prosseguir com a sistematização dos dados e contribuir com a análise denotativa,
utilizou-se o dicionário para formar os conceitos literais dos elementos encontrados.
De acordo com o dicionário de Houaiss (2009) os conceitos dos substantivos
indicados são os seguintes:
AREIA: conjunto de partículas granulosas de origem mineral que se encontram
no leito dos rios, mares, praias e desertos.
DUNAS: monte de areia formado geralmente pelo vento.
DESERTO: região de chuvas escassas, vegetação rara e pouco habitada.
SOL: estrela em torno da qual a Terra e outros planetas giram.
FOGO: combustão com emissão de calor e luz; chama.
OMBRO: região em que a parte superior do braço se articula com o tronco.
TÚNICA: roupa feminina mais longa que a blusa; casaco militar justo e
abotoado na frente.
57
Figura 17 - Traje 1
muda de pele inúmeras vezes durante a vida. O deserto se tornou um espaço para o
escapismo dos desafios do mundo, pois permite a liberdade de movimentos em um
ambiente minimalista composto por poucos elementos que remetem a uma
serenidade de pensamentos, porém ele pode ser hostil, muito quente e imprevisível
gerando o sentimento de apreensão, pois por impressionar pelo seu gigantismo
esconde seus limites. As cores da areia e do camelo compõem a cartela de cores.
Figura 27 - Traje 9
Por último o traje que fecha o desfile é um vestido de noite que foi associado
aos elementos de suavidade, desejo, fluído, glamour, leveza pelo material utilizado,
uma seda transparente, sua forma, sem pences ou ajustes ao corpo traduzem a
liberdade, o movimento, o relaxamento, a descontração, a facilidade de uso, o
conforto, minimalismo da forma em cor preta.
Portanto, os elementos conotativos identificados se relacionam à passarela, à
marca, aos trajes, às cores, à iluminação, ao designer fundador e atual e aos
sentimentos de um contexto social. Elas serão dispostas em uma tabela para que os
dados sejam registrados, sistematizados e prossigam em uma conclusão da pesquisa.
Após ser elaborada a tabela, foi possível observar outras conexões e associações
entre os elementos destacados na análise.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BARTHES, Roland. Sistema da Moda. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
BAUDOT, François. Moda do Século. São Paulo: Cosac & Naify, 2000.
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som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.
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SAINT LAURENT. Women's Summer 21. Saint Laurent, 2021. Disponível em:
https://www.ysl.com/en-en/collections-ws21-video-collections-ws21-video. Acesso
em: 26 maio 2021.
SALESSY, Héloïse. Saint Laurent: The top 5 trends from the show presented in the
desert. Vogue França, 15 dez. 2020. Disponível em:
https://www.vogue.fr/fashion/article/saint-laurent-spring-summer-2021-show-trends.
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VILASECA, Estel. Como fazer um desfile de moda. São Paulo: SENAC São Paulo,
2011.