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JOÃO B. A.

FIGUEIREDO

FORMAÇÃO D@ EDUCADOR(A)
DIALÓGIC@ NUMA PERSPECTIVA
DECOLONIALIZANTE
CONSELHO EDITORIAL INTERNACIONAL E NACIONAL

Ivo Dickmann - Unochapecó


Ivanio Dickmann - UCS
Jorge Alejandro Santos - Argentina
Viviane Bagiotto Botton – UERJ
Francisco Javier de León Ramírez – México
Fernanda dos Santos Paulo – UNOESC
Carelia Hidalgo López – Venezuela
Cesar Ferreira da Silva – Unicamp
Marta Teixeira – Canadá Tiago Ingrassia Pereira – UFFS
Maria de Nazare Moura Björk – Suécia Carmem Regina Giongo – Feevale
Macarena Esteban Ibáñez – Espanha Sebastião Monteiro Oliveira – UFRR
Quecoi Sani – Guiné-Bissau Adan Renê Pereira da Silva – UFAM
Inara Cavalcanti – UNIFAP
Ionara Cristina Albani - IFRS

Esse livro passou pelo processo de revisão por pares


dentro das regras do Qualis livros da CAPES

_______________________________________________________________________

F475f Figueiredo, João B. A.

Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante /

João B. A. Figueiredo. – Porto Alegre: Livrologia, 2022.

ISBN: 9786586218978

DOI: doi.org/10.52139/livrologia9786586218978

1. Professores - Formação. 2 Educação – Aspectos sociais. 3 Freire,


Paulo, 1921-1997 I. Título.

2022_0194 CDD 373.8165 (Edição 23)


____________________________________________________________________

Ficha catalográfica elaborada por Karina Ramos – CRB 14/1056

© 2022
Permitida a reprodução deste livro, sem fins comerciais,
desde que citada a fonte.
Impresso no Brasil.
SUMÁRIO

PREFÁCIO........................................................................................................................7

PRIMEIRAS PALAVRAS..............................................................................................11

PRIMEIROS PASSOS NO CAMINHO......................................................................15

O CAMINHO EXPLICA O CAMINHAR DIALÓGICO: MEU ENCONTRO COM


PAULO FREIRE.............................................................................................................21

TRAÇANDO MARCOS NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO: A RELEVÂNCIA


DA DIALOGICIDADE HOJE.....................................................................................25

CAPÍTULO I - O CAMINHANTE SEMEADOR .....................................................33


1.1 Diálogo e Dialogicidade..........................................................................................35
1.2 A Dialógica Freireana .................................................................................................37
1.3 As Relações e a Dialógica............................................................................................38
1.4 Diálogo sobre o Diálogo..............................................................................................41
1.5 Dialógica e Dialogicidade em Buber, Bakhtin e Freire...........................................49
1.6 Comunidade de Investigação e o Diálogo em Lipman...........................................52
1.7 Abordagem focada na pessoa ‘em diálogo”...............................................................53
1.8 Dialogicidade e Cultura Matrística............................................................................56
1.9. Interculturalidade Crítica..........................................................................................60
1.10 Decolonialidade.........................................................................................................63
1.11 Formação Docente numa Perspectiva Dialógica ..................................................65

CAPÍTULO II - O LABIRINTO E A TRAMA: A PESQUISA EM QUESTÃO...69


2.1. Aprumando o passo (Metodologia, Métodos e Técnicas da Pesquisa)................78
2.2. Na Tessitura de uma Reflexão Interpretativa...........................................................80

CAPÍTULO III - TESSITURAS E TEIAS DA PESQUISA .....................................85


3.1 Os questionários com estudantes e seus resultados.................................................88
3.2 Categorias empíricas e reflexões.................................................................................90
3.3 Entrevistas – Narrativas e vozes d@s professor@s.................................................103
3.3.1 Aula Dialógica.......................................................................................................105
3.3.2. Professor(a) Dialógic@..................................................................................125
3.4 Uma teoria pedagógica parceira envolvendo grupo.................................................137
3.5. Metáforas, Categorias, experiências de vida............................................................140

CAPÍTULO IV - PRINCÍPIOS DIALÓGICOS E METÁFORAS, UMA LINGUA-


GEM PARA O HOJE E O AMANHÃ.........................................................................145
4.1 Os Princípios Dialógicos...........................................................................................146
4.2 O advento dos Princípios Dialógicos nos Livros de Paulo Freire........................149
4.2.1 EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA LIBERDADE (1ª. Edição. 1967).........149
4.2.2 PEDAGOGIA DO OPRIMIDO (17ª. Edição de 1987). (Utilizaremos aqui como
referência nas citações as páginas da versão digital).................................................155
4.2.3 PEDAGOGIA DA AUTONOMIA - 25ª. Edição – 2002. (Utilizaremos aqui
como referência as páginas da versão digital.)...........................................................163
4.3 Princípios Dialógicos Freireanos em Diálogo; tecendo o casulo de onde emerge a
borboleta...........................................................................................................................167
4.4 Metáfora......................................................................................................................180
4.4.1 Do lugar de fala ao lugar de diálogo...................................................................181
4.4.2.Dispositivo Dialógico...........................................................................................182
4.4.3. Metáforas, Definições essenciais........................................................................182
4.5 Metáforas e sua potência transmutadora................................................................184
4.6 Metáforas em Tese......................................................................................................188
4.6.1 O caminhante semeador......................................................................................188
4.6.2 Labirintos e tecelagens..........................................................................................190
4.6.3 Teia Epistêmica ....................................................................................................191
4.6.4 Significado de Teia................................................................................................191
4.6.5.1Teia de Aranha....................................................................................................192
4.7 A Borboleta.................................................................................................................194
4.8 Princípios Dialógicos, Metáforas e Teoria da Ação Dialógica.............................196

(IN)CONCLUSÃO.......................................................................................................199

REFERÊNCIAS............................................................................................................201
AGRADECIMENTOS

G
ratidão à Deus, à Francisco de Assis, ao Cristo. Iluminam minha jornada
sempre... Gratidão aos mais diverses parceires que me constituíram. Sou
tecido por tanta diferente gente. Destaco minha gratidão à parceires de
todas as jornadas, caminhos, tramas, teias que me constituíram. Minha melhor e
mais profunda emoção é de GRATIDÃO! Tenho tanto a agradecer que sei que vai
além neste lugar de amor. Agradeço a cada parceire que trilhou minha jornada, seja
no âmbito pessoal, seja no contexto acadêmico. Quero agradecer a minhas com-
panheiras de caminho no âmbito afetivo, as minhas filhas e meus filhos, amiges e
companheires de jornada.
Quero agradecer a colegas de ontem e de hoje, do Colégio Estadual Liceu do
Ceará, do Colégio Anchieta em Maranguape, do colégio no bairro do seminário em
Crato, do colégio em Ubajara.... Agradecer a parceiros que se somaram nas políticas
sindicais com quem militei... Agradeço às(aos) Colegas do CECITEC, em Tauá; aos
parceiros de Pró-reitoria na UECE. Quero expressar meu agradecer à todes parcei-
res da UFC... Agradeço a todes parceires que conheci e com quem convivi ao longo
da minha longa jornada no âmbito da Educação Popular e da Educação Ambiental...
Mas, particularmente, agradeço a todes que colaboraram mais diretamente com esse
trabalho e com essa tese.
Finalizo minha gratidão a registrar meus agradecimentos a tantas pessoas que me
ajudaram com suas reflexões e apoios, tais como todes parceires do Gead.
Gratidão a tantas outras pessoas que anonimamente me ajudaram.....
Gratidão a todes amparadores espirituais que me deram tudo o que precisei, realmente.
Gratidão ao amado Paulo Freire que sempre esteve por perto a me inspirar, realmente.

5
PREFÁCIO
Ana Maria Iorio Dias1

A
o ler este livro, você se (re)encontrará com João Batista Albuquerque Fi-
gueiredo. Trata-se de adaptação de uma Tese apresentada como pré-requi-
sito para progressão funcional à Classe de Professor Titular, na Faculdade
de Educação da Universidade Federal do Ceará–UFC. Neles, no livro e na Tese, você
se emociona com a trajetória pessoal e profissional narrada pelo Professor João, com
sua “teia de relações” e “contradições”, nos voos traçados em seu sensível “labirinto
epistemológico” e espiritual...
A espiritualidade dialoga com o “eu” do Professor João, apoiado em autores como
Allan Kardec, Sri Aurobindo, Satya Say Baba, Paramahansa, Yogananda, além de São
Francisco de Assis. Mas esse ser inquieto, pesquisador exímio, se encontra também
com o adorável mestre Paulo Freire; a partir daí, política e educação passam a dialogar
com a espiritualidade. A inquietude permanece e o Professor João, caminhando pela
Educação Popular e Ambiental se articula com a abordagem da decolonialização... e
esse passa a ser o nosso tema gerador: Educação Dialógica e Formação d@ Educa-
dor(a) Dialógic@ (Popular/Ambiental), numa perspectiva Decolonializante.
Você se encantará, na Introdução, com as memórias e as narrativas do Professor
João. Você vai rever, na prática, pela vivência do autor deste livro, os vocábulos ge-
radores freireanos de conhecimento de mundo: LEITURA, para imaginar, criar, (se)
desenvolver; REFLEXÃO, para analisar, compreender, medi(t)ar, voltar-se sobre si
próprio(a); ESCRITA, para comunicar, sentir, expressar, compartilhar,...; DIÁLOGO,
para interagir, conviver, criar vínculos; RESISTÊNCIA, para combater as injustiças,
entender a realidade, libertar-se, para não se acostumar...; TRANSFORMAÇÃO, para
conviver, para avaliar e mudar, para educar e educar-se.
Ou seja, você verá que tudo isso significa ter a Educação como um ato de leitura
de mundo e como resistência à chamada “educação bancária” que ainda, nos atuais
dias, tentam nos incutir. É pela Educação que passamos da “consciência ingênua” para
a “consciência crítica”, através do diálogo com outros/outras, com métodos reflexivos
e críticos.
O Capítulo I explicita o diálogo, a dialogicidade, em perspectivas freireana, eco-
-relacional e interculturalidade crítica, apontando para a decolonialidade semeando
a formação docente. O diálogo contribui, de forma efetiva, para a consolidação de
trabalhos coletivos, colaborativos; estimular a dialogicidade numa perspectiva eco-
1
Professora aposentada da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC),-
doutora em Educação(UFC), com pós-doutorado em Educação (UnB).

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

-relacional significa também instigar a emancipação do ser humano, na relação com


a natureza e com a sociedade, expressa em pensamentos, sentimentos e vivências no
mundo.
Uma interculturalidade crítica pressupõe uma educação assentada na valorização
das culturas, a fim de que professores e professoras possam construir sua práxis docen-
te, num ensino reflexivo, crítico e respeitoso em relação à diversidade, contribuindo
para a verdadeira transformação social, em direção a uma sociedade mais justa.
A decolonialidade, por sua vez, revela uma conceituação para além da superação
do colonialismo ou da colonialidade – significa transgredir, intervir e incidir conti-
nuamente sobre o colonialismo e o pós-colonialismo moderno; é a desconstrução do
poder e do conhecimento pré-estabelecido (dominante), numa reconstrução de ou-
tras diferentes formas de poder e de conhecimento. Os autores de referência para esse
quadro apresentado foram, dentre muitos outros: Sérgio Trombetta, Jaime Zitkoski,
Emmanuel Mounier, Humberto Maturana, Martin Buber, David Bohm, Reinaldo
Fleuri, Catherine Walsh, Aníbal Quijano, Gaudêncio Frigotto, Manfredo Oliveira,
além de Paulo Freire e do próprio Professor João Figueiredo.
A partir daí, o texto aprofunda a discussão sobre formação docente – o autor dia-
logando com outros autores, como Selma Pimenta, Kenneth Zeichner, José Contreras,
Isabel Alarcão, Angel Pérez-Gómez, Vera Candau, Antonio Nóvoa e outros. Ressal-
te-se, aqui, a relevância e a pertinência da discussão sobre a formação de professores
(seja inicial, seja continuada), uma vez que, como já afirmamos, é pela educação que
se dá a transformação pessoal e social.
Mais adiante, no Capítulo II, o Professor João também caminha pelas represen-
tações sociais, juntamente com Serge Moscovici, Gaston Pineau, Mikhail Bakhtin, e
vários outros, para compreender, explicitar e situar práticas e comportamentos de in-
divíduos e grupos em campo(s) social(is). Uma leitura extremamente didática para
compreendermos essa abordagem.
O Capítulo III nos traz a abordagem teórica de entrevistas narrativas, com supor-
te em Marie-Christine Josso, Pierre Dominicé, Martin Buber, dentre outros, com o
intuito de “refletir sobre as contribuições epistemológicas e metodológicas derivadas
dos Estudos da Colonialidade/Modernidade, da Dialogicidade e da Perspectiva Eco-
-Relacional”, voltadas para a práxis pedagógica, além de “estabelecer relações entre
alguns dos pressupostos epistemológicos e filosóficos relativos à formação e, de modo
mais específico, associados a dialógica, interculturalidade, decolonialidade”, como nos
anuncia o autor, construindo um diálogo com estudantes e professores.
A análise desse material se deu com técnicas adequadamente escolhidas da análise
do discurso e de conteúdo: entram em cena autores como Laurence Bardin, Roque
Moraes e Maria do Carmo Galiazzi. O autor também nos apresenta as metáforas – ca-
tegorias empíricas que apontam as dificuldades e as vantagens de uma aula dialógica,
tanto no grupo aprendente quanto no grupo de ensinantes, desvelando o cenário en-
contrado e o espaço a ser ocupado por formações docentes.
Nos capítulos IV e V, o(a) leitor(a) se defrontará com a análise das metáforas/cate-
gorias (Escuta, Horizontalidade, Acolhimento e Criticidade), na visão de professores/
professoras e estudantes, a partir dos princípios dialógicos de Paulo Freire e suas obras.
Destaque-se o respeito e o carinho demonstrado pelo autor por seus/suas entrevista-

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

dos(as), desvendando a trama do labirinto e das tecelagens da educação/da formação,


e, ao mesmo tempo, semeando novas teias com princípios mais humanizantes, com
amorosidade, com humildade, com esperança e criticidade.
A amorosidade, aqui entendida como um ato de coragem, num processo revolu-
cionário de transformação de situações opressoras vividas em condições de desamor,
revelando seriedade, compromisso com a vida e com a superação de desigualdades. A
humildade significa o reconhecimento de nossa ignorância e a necessidade de estar-
mos sempre aprendendo e ensinando – nunca sabemos tudo, mas sempre sabemos
algo que podemos ensinar, sem arrogância.
A esperança reside no ato de ter fé na condição humana se sempre ser mais, no
acreditar criticamente no outro, na confiança que nos faz dialógicos; não é simples-
mente esperar, cruzando os braços, mas uma busca eterna, um movimento em busca
da verdadeira humanidade. O autor nos revela também a necessidade do pensar criti-
camente, para afastarmos o pensamento ingênuo, acomodado; o pensamento crítico é
solidário ao mundo e aos demais seres, favorecendo a transformação social, sobretudo
naquilo que nos oprime.
Das conclusões deste livro, destaco: o diálogo se pauta na fortaleza da argumen-
tação inteligente; todos nós temos o que aprender e o que ensinar; somos seres em
transformação, sempre, e a Educação é a força motriz para essa transmutação social
– daí a necessidade de uma educação para todos/todas; somos seres de solidariedade
e de equidade (igualdade na diferença), o que nos dá um sentido coletivo de vida e de
conhecimento, a certeza de que ninguém sabe tudo e ninguém sabe nada e do direito
de vivermos de acordo com nossas diferenças.
Quero, para finalizar, explicitar os sentimentos que me cercaram após receber o
convite para fazer este prefácio – diga-se, de passagem, uma tarefa extremamente difí-
cil, sobretudo porque o autor, em sua escrita contagiosa, clara e poética, disse (quase)
tudo, restando muito pouco a quem se dispusesse a escrever sobre o livro... Mas, ao
mesmo tempo, e por esses mesmos motivos, a minha escrita se tornou mais fácil de
acontecer e de ser compreendida. Esse convite foi, portanto, recebido com alegria,
prazer e honra! Gratidão!
Um bom livro muda muito em nós, por vezes gera compromissos, além de saberes
e conhecimentos! Por isso, eu convido você para a leitura desta obra – que possa des-
pertar novas e significativas aprendizagens, além de proporcionar um sentido mais hu-
manizante no diálogo em nossas eco-decolonializantes relações. Desejo um colóquio
profícuo com todos/todas os/as autores/autoras aqui citados e um feliz (re)encontro
dialógico com o Professor João Figueiredo!
Fortaleza, maio de 2021.

9
PRIMEIRAS PALAVRAS

G
ratidão pela vida... Gratidão por estar aqui agora... Gratidão por poder co-
roar minha jornada com essa tese e com esse livro. Sim, é a colimação de
um processo que começou a muito, muito, muito tempo atrás. É todo um
processo que envolve a complexidade de um paradigma emergente, no contexto de
uma sociedade em trânsito que requer novos modos, novas lógicas, novas ideias, no-
vos procedimentos, novos protocolos, novos modelos, novas relações que nos consti-
tuem como novos seres.
Esse trabalho foi possível com o financiamento da Capes, Coordenação de Aper-
feiçoamento de Pessoal de Nível Superior, por meio de bolsa de pesquisa através do
Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD), ao qual fiz jus por seleção, realizada
através de edital do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Fede-
ral Fluminense. Na sequência, aprofundei estudos dando a conformação de tese para
concorrer a condição de professor titular da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Ceará. Esse rico material, agora transformado em livro, serve aqui para
consolidar uma obra que traz um contributo para o campo das ciências humanas, em
especial para a educação.
Destacamos ainda a importância da banca de tese de titular, constituída por reco-
nhecidas e qualificadas pessoas do cenário da educação brasileira, com ressonância
internacional, tais como: Danilo Streck, Reinaldo Matias Fleury, Valdo Barcelos,
Maria Isabel Filgueiras Lima Ciasca, Fátima Vasconcelos; Patrícia Helena Carva-
lho Holanda.
Bem, mas vamos ao texto. Saliento que Paulo Freire tem sido meu parceiro de de-
zenas de anos. E é ele que me ensina a iniciar essa escrita com uma leitura reflexiva das
palavras geradoras, dos conceitos, que constituem esse tema, essa teia, essa trama, esse
caminhar, esse semear, essa metamorfose, essa transmutação. Era um procedimento
habitual que lhe orientava a práxis comunicativa.
Dito isso, ao buscar no dicionário o significado de tese encontramos que seria
uma proposição que se apresenta ou expõe para ser defendida em público. Atual-
mente, é considerado principalmente o trabalho acadêmico que apresenta o resul-
tado de investigação complexa e aprofundada sobre temas mais ou menos amplos,
com abordagem teórica definida. Essa é nossa pretensão. Espero, sinceramente aten-
der a essa minha expectativa.
Ao utilizar tudo que disponho e tenho direito, resolvi ter um prefácio, seguido de
uma apresentação. Em geral um prefácio é feito por alguém de destaque social ou aca-
dêmico, nesse fito, temos a professora doutora e amiga querida, Ana Maria Iorio Dias.
Esta parceira que tanto me apoiou em tantas empreitadas, inclusive como pró-reito-

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

ra na época do meu ingresso na UFC. Junt@s realizamos alguns trabalhos importantes


tanto na nossa instituição, quanto no campo concreto da Educação no Estado do Ceará.
Em seguida, efetuo uma introdução ao trabalho de tese e nesse livro, numa feitura
que mescla um relato mais pessoal, uma narrativa que anuncia a formação que prepara
a reflexão sobre formação dialógica, recortada por meio de uma referência freireana,
particularmente focada no conceito de dialogicidade, por ele proposto, pautado por ca-
tegorias selecionadas de seus princípios dialógicos.
Assim, prenunciando este diálogo-texto-relatório, gratidão é a primeira palavra que
quis registrar nesse meu percurso. É um reencontro com um caminho já trilhado tantas
vezes. Mas que sempre cria novas alternativas e alarga horizontes, abre veredas, entrelaça
rumos e tece um novo caminhar. Gratidão por respirar, gratidão por estar vivo. Gratidão
pelas belezas que cotidianamente, ao amanhecer, estão aqui diante de mim.
O caminho é sempre novo. O caminhar é sempre uma novidade, O caminhante
se renova. Abrem-se novos horizontes a cada passo, se houverem “olhos de ver”. Mas,
é preciso estar desperto e consciente para perceber. Já dizia o poeta que temos o dom
da felicidade, de caminhar devagar para apreciar devidamente a jornada. Outro po-
eta nordestino, Luiz Gonzaga, nos convida a ir a pé nesse percurso. Só a pé se avista
certos detalhes...
Dessa maneira, me imagino diante de uma vereda. Pode ser no sertão, pode ser numa
mata litorânea, pode ser numa serra. Numa montanha. O caminho e entre folhagens, o
chão é terra batida, vermelha, linda. Adiante temos curvas serpenteando o horizonte in-
findo. Lá estou. Avisto parte do percurso. Sei que ele se estende adiante, qual uma grande
teia de aranha. É um verdadeiro labirinto, uma delicada trama. Como disse Guimarães
Rosa, a vida é assim, aperta, afrouxa. Isso me foi lembrado pelo querido Ailton Krenak,
quando nos encontramos durante a Bienal Internacional de Livros de 2019, em Fortale-
za - CE. Fomos palestrar, dialogar, compartilhar saberes, conhecimentos e informações.
Vamos nos tecendo, uma colcha de retalhos, um macramê, fuxico que se tece a muitas
mãos, muitos corações entrelaçados.
Somos qual lagarta que se vê borboleta. E como me recordou Reinaldo Fleuri, parceiro
de tantas caminhadas na educação popular freireana, a lagarta fica a imaginar, diante do
casulo, que é o fim do mundo que se avizinha. Não sabe bem o porquê desse processo. Vai
se emaranhando. É como se tecesse uma teia para si mesma e nela fosse se tornando seus
próprios fios. Dá nós para se amarrar aos seus próprios sonhos e projetos de realização.
De repente, vai liquefazendo suas estruturas no balanço da rede e vai deixando de
ser o que pensava ser, no útero do casulo, nas águas primordiais, para se tornar o que
realmente é, uma borboleta. Deixa de se arrastar na poeira da estrada e agora pode voar.
Alça horizontes antes inimagináveis. E, percebe o caminho trilhado de outra perspecti-
va, absolutamente inovadora. Metanóia, transmutação. Para isso, foi necessário cami-
nhar, abrir caminhos, criar caminhos e se tornar caminhante. Foi necessária a teia, o
casulo, deixar ir o que já não fazia mais sentido, para costurar novos voos.
Portanto, teia, trama, labirinto, macramê, borboleta, caminhante, semeador, se cons-
tituíram metáforas que alargaram o paradigma, a perspectiva inicial. Alargaram o diálo-
go. Pareceu ser fez essencial reconhecer a história do círculo ao qual faltava um pedaço.
E ele percorre muitas estradas no andar capenga, em busca de sua completude. Idas e
vindas, curvas e obstáculos, encontros e desencontros, até que acha o pedaço que lhe

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

faltava, Diante desse fato, ele percebe que não ficara feliz. Teve um insight e percebeu
que sua inteireza e completude mais desejável, que lhe realizava como ser, acontece na
relação com as pessoas, com os seres, com a vida.
Somos seres de relação, frutos do diálogo. E isso nos proporciona realização, senso de
integralidade. E, nesses encontros dialógicos vamos ativar as potências que carregamos
para atualizar. Faz sentido o que é incorporado mediante as interações, os diálogos.
E, no instante transformador da tomada de consciência, vamos nos habilitando a
voar, a reconhecer mais amplamente a realidade, a fazer conexões, a criar borboletean-
temente. As parcerias, os saberes frutificados nos relacionamentos que costuramos, são
frutos dessa semeadura. Cultivar entre parceir@s2 e com parceir@s, permite que o ter-
reno seja limpo, as coivaras amontoadas para a combustão solar, o assero é consolidado.
Então, plantamos e cuidamos para que possam germinar as sementes, desabrochar em
seu tempo e então crescer, dar frutos, sombra...
Os exercícios das metáforas se tornam essenciais por alguns motivos: 1. Por ser uma
abordagem que contempla as características da maioria de nossos estudantes de licen-
ciaturas, regra geral, que, estaria identificada com a cultural oral e/ou residualmente oral
(FIGUEIREDO, 2003), como pude constatar em pesquisa de Pós-Doutorado em 2007,
realizada junto ao PPGE do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Cata-
rina; 2. Por estar mais próximo do real, da realidade do que o conceito ou categoria, mais
identificada com as representações que arrogantemente considera mais próximo da ob-
jetividade; por estar mais identificada com a dimensão do inconsciente, do imaginário,
do imagético, traz uma potência natural para ancorar e gerar um conhecimento válido
no contexto da equilibração majorante (PIAGET, 1970).
Bem, fechando o parêntese, muitas relações ocorreram nessa jornada. Já não sou
eu singular que vivo são muitos os que vivem em mim, por isso mesmo sou singular
e plural. Eu agora sou nós! Gonzaguinha disse isso lindamente... são muitas pessoas
que me fazem. Entretanto, por limites pessoais, psíquicos, temporais, espaciais, vou
destacar aqueles e aquelas que, nesse contexto, favorecem, dão pretexto ao texto que
agora lhes apresento.
Assim, vou lhes relatar fragmentos da minha jornada pessoal, focada no profissional
freireano que me tornei. Vou apresentar a teia de relações marcada por aparentes contra-
dições que vão se reordenando na densa trama do meu labirinto epistemológico, que se
fez casulo e me permitiu voar. Nela eclode Francisco de Assis, que me marcou ao abrir
minha sensibilidade e percepção para algo maior do que “eu”.

2
Utilizamos este símbolo @ para levantar a questão política e cultural do sexismo de nossa lin-
guagem, que transforma o masculino no genérico.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Depois vieram autores que me apresentaram ideias diferentes de espiritualidade, dos


quais destaco Allan Kardec3, Sri Aurobindo4, Satya Say Baba, Paramahansa Yogananda5.
Em seguida, chegou Paulo Freire e me despertou para outras compreensões interativas,
em particular o diálogo com a educação, a espiritualidade e a política. Integrava eixos
essenciais na minha formação. Destaco aqui esse fato de que Paulo Freire tem correla-
cionado essas dimensões e me favoreceu com esta compreensão....
Então, vejamos a constituição dessa teia que é o tema gerador dessa tese: Educação
Dialógica e Formação d@ Educador(a) Dialógic@ (Popular/Ambiental), numa Pers-
pectiva Decolonializante.

3
Hippolyte Léon Denizard Rivail (3 de out. de 1804 a 31 de mar. de 1869), foi um influente
educador francês, discípulo de Johann Heinrich Pestalozzi. Sob o pseudônimo de Allan Kardec,
notabilizou-se como o codificador do espiritismo.
4
Sri Aurobindo (15 de agosto de 1872 a 5 de dezembro de 1950), foi filósofo, poeta e naciona-
lista indiano. Depois se torna Yogue e Guru. Criou um método denominado de Yoga Integral.
5
Paramahansa Yogananda (5 de janeiro de 1893 a 7 de março de 1952) foi um iogue e guru
indiano. É considerado um dos mais influentes divulgadores das antigas tradições da Índia para
o Ocidente.

14
PRIMEIROS PASSOS NO CAMINHO

Ninguém educa a ninguém, ninguém educa a si mesmo ... (Paulo Freire, 1983; p. 68).
Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que rompe com os es-
quemas verticais característicos da educação bancária, realizar-se como prática da liber-
dade, sem superar a contradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe
seria possível fazê-lo fora do diálogo. (Paulo Freire, 1983; 68).

E
ste texto é uma mistura de ensaio; pesquisa de livros, artigos, teses, disserta-
ções, recortes digitais, pesquisa on-line – que envolve a pesquisa na internet;
bem como nos oferece uma pesquisa empírica que serve de exemplos estru-
turantes para a minha tese e nesse livro aqui apresentados.
Mas afinal que tese é essa e qual seu intuito? Minha tese é que a Dialógica de Pau-
lo Freire, enquanto proposta oriunda da Teoria da Ação Dialógica, geratriz de uma
Educação Dialógica, oferece um contributo inestimável para a formação docente, com
aportes que trazem a pauta contemporânea temáticas essenciais para o processo de
ensino e aprendizagem, com destaque para os princípios dialógicos ou dialogais, para
a contextualização dialógica, a interculturalidade crítica, a decolonialidade educativa e
didático-pedagógica, o lugar de diálogo e a Teoria da ação dialógica de Paulo Freire....

Memórias e Narrativas de como me tornei um educador dialógico (popular/


ambiental/decolonial).
Bem vamos lá, aqui informo um pouco da minha6 experiência amorosa na feitura
desse trabalho. Começo numa narrativa resumida de minha jornada acadêmica, até
aqui. Meu nome é João Batista de Albuquerque Figueiredo, embora costume ser re-
conhecido e chamado de João Figueiredo. Nasci no Benfica, bairro tradicionalmente
universitário e com forte vida cultural. Aqui vivi minhas primeiras experiências como
pessoa e como profissional.
A primeira academia do Benfica fui eu e um amigo que fundamos. Por incrível que
pareça. Era a Academia de Kempô Shaolim Shewari. Fundada em 1974. Eu era instru-
tor de Artes Marciais. Era algo diferente pois, desde meus 15 anos, acreditava que uma
aprendizagem precisava ser pautada em fundamentos filosóficos, com consequências
éticas. Partia de situações empíricas, mas associadas a esses princípios ‘teóricos’. O
ambiente de aprendizagem era o melhor possível, sob grandes árvores, uma goiabeira
6
Neste trabalho será utilizado o verbo na primeira pessoa do singular em trechos que tratarem
de narrativa de cunho autobiográfico. Ao longo do texto estaremos nos revezando nessa utili-
zação em virtude da opção de utilizar, sempre que possível, a terceira pessoa do plural. Afinal,
acreditamos que raramente há um trabalho isolado...
15
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

e um enorme pé de sapoti sombreavam todo o trabalho. Ao lado ainda havia um pé


de seriguela. Um saco de areia e uma tabua para treinas golpes com as mãos estavam
presos a galhos do sapotizeiro. Havia todo um trabalho com respiração, com o chi
(qui)7 - energia vital e controle muscular. Apresentávamos que uma das resultantes
essenciais do aprendizado da arte marcial era controlar melhor os instintos agressivos
e os impulsos reativos diante da agressividade.
Passados aproximadamente dois anos, eu entrei na Universidade e meu intuito era
uma formação pessoal que me ajudasse a contribuir com as pessoas tanto no aspecto
da saúde, quanto no da educação. Optei por uma licenciatura. Conclui em três anos, de
1979 até 1981. Concomitante à minha graduação, consegui trabalho como professor
do Estado.
Comecei minha vida profissional como professor ainda em outubro de 1979, na
Escola de Primeiro Grau Eduardo Campos. Foi chocante perceber meu despreparo.
Mas rapidamente fui aprendendo, armazenando bagagem, comparando resultados
com os obtidos por colegas. Gradativamente entendi que aquela formação acadêmica
seria insuficiente. Isso me levou a estudar yoga, pedagogias e terapias alternativas. Ela-
borei uma metodologia denominada de Educação Física Holística.
Assumi o cargo de professor efetivo no Colégio Estadual Liceu do Ceará, em 1982.
Poucos meses depois fui convidado a ser coordenador do Departamento de Educa-
ção Física do Liceu. Trabalhei com vários colegas que tinham sido meus professores
na Universidade. Percebi que estava no caminho certo de integrar práticas educativas
numa abordagem mais ampla do ser humano.
Em 1990 desenvolvi um trabalho que envolvia a educação e a saúde, passou a ser
denominado de Programa de Revitalização Integral – ELO. Oferecia esse trabalho em
parceria com psicólogos. A ideia era reintegrar nossas dimensões física (condiciona-
mento e treinamento), psíquica (reprogramação) e espiritual (desbloqueio, expansão
e integração).
Em 1994 fui aprovado em concurso público para o cargo de Biologia, professor
auxiliar, nível I. Fui empossado em 23 de julho 1995. Nesse mesmo ano elaborei e
implementei o projeto “Coleta Seletiva de lixo, um enfoque ecológico no reciclar de si
mesmo”. Isso repercutiu em cursos financiados pelo Ministério do Trabalho – Fundo
de Amparo ao Trabalhador.”
No ano de 1996 tive o privilégio de representar a UECE no Projeto Piloto do Progra-
ma Universidade Solidária. Idealizei e executei um programa de capacitação. Recebi um
prêmio como destaque nacional, na Universidade de Brasília, das mãos do Ministro da
Educação, Paulo Renato de Souza, e da primeira-dama, doutora Ruth Cardoso.
Em 1997, comecei mestrado em Saúde Pública, na Universidade Estadual do Cea-
rá, no qual produzi a dissertação: “O Tao Ecocêntrico: em busca de uma práxis ecoló-
gica”. Tive a honrosa orientação do professor doutor Manfredo Araújo de Oliveira, um
dos maiores nomes da filosofia da ética desse planeta. Nesse trabalho pode aprofundar
o entendimento acerca da crise de paradigmas civilizatórios e sua ressonância na crise
ambiental. Pude, nesse contexto, elaborar as bases do Paradigma Eco-Relacional que
7
O termo Chi aparece nas tradições orientais há milhares de anos. Se associa a diversas filosofias
do oriente. Em geral aparece no Egito denominado de Ka, no Japão de Ki, na Índia de Prana
e na China de Chi ou Qi. Independentemente dessas peculiaridades culturais e denominações
distintas, o termo representa a energia vital.

16
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

teci ao longo do doutorado. Conheci profundamente a Teoria Holística, a transdisci-


plinaridade, a interdisciplinaridade. Pude estudar com considerável profundidade os
fundamentos filosóficos da Física Quântica e da Ecologia, bem como da Investigação
Sociológica e da Educação Popular. Aproveitei esse tempo para ser ‘aluno especial’ da
UFC, fazendo disciplinas na Pós-graduação em Sociologia e em Educação, ao mesmo
tempo que fiz estágio de um ano junto ao Departamento de Física, dialogando com o
professor Antônio Fernandes Siqueira, pós-doutor em Quântica.
Importante destacar que, ainda que desde sempre tenha sido um curioso e um
pesquisador, leitor avido e voraz, foi no mestrado que pude aprender a fazer isso de
modo sistemático e com método. Aqui efetivamente posso dizer que me tornei um
pesquisador e começo a escrever nos moldes acadêmicos.
Em 1999 defendi a dissertação e já iniciei o Doutorado em Ecologia, na Universi-
dade Federal de São Carlos. Se durante o mestrado pude constatar as situações de crise
e as interrelações entre isso e as condições sociais, ecológicas e psíquicas, na tese meu
propósito foi compreender como intervir no campo da educação para colaborar com
a superação desse perverso contexto ambiental, tendo como eixo articulador a proble-
mática ambiental em torno da água, no município de Irauçuba-CE.
Certamente, meu propósito era maior, pois minha tese se configurou na feitura
de uma proposta que envolvia desde o desvelar da situação concreta da crise, seus
entrelaços, aos fatores invisíveis que a desencadeavam. Mas, principalmente o intuito
era de trabalhar parceiramente na tomada de consciência do contexto ambiental, tanto
em seu significado social, ecológico, psicológico, pedagógico, cultural, e dinamizar a
constituição de grupos aprendentes que se qualificavam para ações libertadoras, dessa
conjuntura de opressão e subalternização.
Algumas teses decorreram de minha tese: (1) a crise ambiental está dentro de uma
crise social mais ampla que invisibiliza esse cenário perverso que oprime e nega di-
reitos fundamentais às pessoas, particularmente as que vivem em situação de risco
ambiental (social e ecológico e psíquico); (2) a cultura popular é desqualificada e com
ela se desqualifica a própria sabedoria popular impactando ao fragilizar a capacidade
de reação das comunidades; (3) a educação oferecida nas escolas, Brasil afora, estão
voltadas para uma cultura letrada, representada por uma minoria, e com isso dificulta
o ensino e a aprendizagem dessas populações oriundos de uma cultura oral e/ou re-
sidualmente oral; (4) os paradigmas civilizatórios, sociais, epistemológicos, metodo-
lógicos, com os quais habitualmente atuamos junto as comunidades rurais e urbanas
periféricas, não contemplam a realidade desses grupos sociais e suas verdadeiras de-
mandas; (5) Precisamos de uma Perspectiva Eco-Relacional que contemple essa ques-
tões e ofereça condições de superar esse quadro identificado; (6) esse trabalho requer
uma abordagem dialógica capaz de mobilizar e engajar os grupos de aprendizagem em
ações sociais transformadoras; (7) as pessoas são capazes de realizar esse processo se
tiverem a compreensão necessária.
Esse trabalho teve enormes repercussões, inclusive com a revolução político-social
que Irauçuba foi capaz de realizar. Através desse trabalho de tese foi possível colaborar
com a comunidade e elegeram um prefeito popular e um grupo de pessoas comprometi-
das com esse trabalho assumiram funções estratégicas no município. Houveram avanços
espetaculares em todas as áreas. E pudemos, oferecer inclusive aportes de articulação
e mobilização social com significativo benefício para toda a comunidade irauçubense.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Diversos resultados em produções de livro (2007), artigos diversos e prêmios


nacionais e internacionais decorreram disso. Recebi, em 22 de outubro de 2012, em
Pernambuco, a Homenagem Paulo Freire patrocinada pela ANPED/SECADI-MEC.
Juntamente com o Instituto Cactus e Secretaria de Educação de Irauçuba, recebemos
homenagem da UNESCO pelo projeto Escola e Vida no Semiárido. Para finalizar esse
capítulo de premiações, destaco ainda o prêmio oferecido a mim pelo Fórum Brasi-
leiro de Educação Ambiental, juntamente com nomes extraordinários do cenário na-
cional, tal como Carlos Rodrigues Brandão e o próprio Paulo Freire, em homenagem
póstuma, em Balneário Camboriú – SC.
Transitei por muitos caminhos e muitas diferentes gentes. E fui agregando conhe-
cimentos e sabedorias diversas. Mas confesso e reconheço que minha tese de doutora-
do (FIGUEIREDO, 2003) retratou muito bem a conjuntura acadêmica que me consti-
tuiu e me permitiu chegar aqui. Considero que os principais contributos da minha tese
de doutorado foram: a Perspectiva Eco-Relacional e a Educação Ambiental Dialógica.
Estes assentaram as bases da minha práxis docente eco-relacional e dialógica.
Vou aprofundar estas questões adiante quando do trato dos fundamentos reflexi-
vos da tese de titular em seu entrecruzamento com os resultados da pesquisa empírica
aqui anunciada. Por agora deixe eu apresentar suscintamente este livro aqui proposto.
Ele está distribuído em 4 capítulos, uns mais volumosos e outros nem tanto, por
consequência do tempo e do fôlego. Ofereço uma introdução em que me permiti
transgredir na escrita e descrição e em que situei a jornada e colima aqui com essa
descritiva e anunciação.
No primeiro capítulo apresento os referenciais teóricos. No segundo capítulo apre-
sento como a pesquisa foi realizada. O capítulo três trago os resultados da pesquisa
empírica e no quarto capítulo, diálogo com os princípios dialógicos e as metáforas.
Nesse ponto do trabalho, trago o tema, o objetivo da tese e da investigação em-
pírica, explicito e justifico a escolha do tema, lanço as questões, traço os objetivos, e
anuncio a pesquisa teórico-empírica. Os objetivos, para mim, seriam esses:

Objetivo Geral: Investigar contributos da Dialógica de Paulo Freire, particular-


mente no contexto das obras intituladas pedagógicas, da Interculturalidade Críti-
ca e da Decolonialidade, bem como de experiências exitosas de pesquisador@s /
professor@s vinculad@s aos cursos de graduação nas áreas de humanas da UFC e
da UFF, afins com essas abordagens, com intuito de contribuir com uma formação
docente dialógica de educador@s.

Objetivos Específicos:
- Investigar pressupostos epistemo-metodológicos decorrentes dos Estudos de
Paulo Freire, dos Estudos da Colonialidade/Modernidade (Decolonialidade) e da
Interculturalidade Crítica que possam contribuir com projetos de formação de
educador@s dialógicos.
- Identificar e sistematizar experiências de práticas didático-pedagógicas, conside-
radas dialógicas por graduand@s dos cursos das áreas de humanas da UFC e da
UFF, que possam ser reconhecidas como afins com os estudos de Paulo Freire, em
particular com a dialógica.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

- Refletir e sistematizar as contribuições da Dialógica Freireana em consonância


com a Decolonialidade e a Interculturalidade Crítica para o trabalho pedagógico
no contexto da formação docente dialógica.

Como vereda escolhida, numa antecipação aos procedimentos metodológicos,


como havíamos comentado, a efetivação da pesquisa empírica ocorreu em dois mo-
mentos. O primeiro foi onde aplicamos o questionário em todas as turmas de gradu-
ação que estivesse cursando a Didática em 2017. Isso foi feito em Niterói, no primeiro
semestre e no segundo em Fortaleza. Porém, tivemos um número bastante pulveriza-
do de indicações. Em Fortaleza um pouco mais do que lá. Dentro dessas indicações
deliberamos um corte, que era um percentual de número de sugestões por estudantes.
E tod@s professor@s que estivessem dentro dessa faixa eram convidad@s a participar
da pesquisa, por meio da entrevista.
Definimos a faixa de cinco escolhas, porque, na verdade, queríamos contemplar
uma amplitude maior, depois do corte inicial, em razão do número de professor@s
apontad@s em Niterói. Como também para contemplar outros cursos, como Biologia,
Matemática, Educação Física etc. que deixariam de entrar se o corte fosse mais alto e,
assim, praticamente contemplaria apenas professor@s das humanas.
Diante disso, em Niterói foram indicad@s um total de 16 professor@s e, por fatores
diferentes da nossa vontade, entrevistamos 14 desse número. Na UFC foram indica-
d@s 35, d@s quais entrevistamos 25, também por causas alheias à nossa pretensão.
Para convidar quanto a participação na pesquisa, encaminhamos solicitação pelas vias
que tínhamos acesso… Telefone, E-mails, WhatsApp, Facebook… e aquel@s profes-
sor@s que deram retorno e/ou que atenderam ao nosso pedido, no período que estipu-
lamos, de um pouco mais de uma semana, conseguimos registrar e marcar entrevista.
Então, com isso, diminuímos um pouco o total de entrevistas realizadas…
Prenunciamos, aqui também, a apresentação de alguns dos procedimentos meto-
dológicos da pesquisa para que fique claro nosso processo de elaboração do trabalho
e o atendimento das demandas propostas no projeto. Nesse sentido, vale salientar que
nossas escolhas foram apreciadas pela profa. Dra. Maria Teresa Esteban do Valle (su-
pervisora do meu PNPD – Capes) e por ela validados. Nesse sentido, desde o princípio
focamos na ideia de privilegiar, na pesquisa empírica, a identificação de contributos
que pudessem desvelar a relevância da dialógica, da dialogicidade, como alternativa
importante para a politização consciente da práxis didático-pedagógica.
Com este propósito definimos um conjunto de questões que foram implementadas
nos questionários e um roteiro de entrevistas para aplicação junto às educadoras e
educadores. Combinamos o modo como seria definido o corpus da pesquisa e como
chegaríamos na segunda fase, bem como aplicaríamos as entrevistas. Evidentemente,
as adequações aqui também se deram.
O primeiro obstáculo foi como poderíamos aplicar os questionários. Para isso
contamos com o apoio do grupo de professor@s que atuam com a Didática. Isso em
razão de a Didática geralmente ser ministrada na metade dos cursos de licenciatura e
com isso, teríamos respostas mais amadurecidas pois @s estudantes já teriam alguma
experiência acadêmica e algum trato com as relações de ensino e aprendizagem na
universidade.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Outro ponto demarcado foi que apresentaríamos uma proposta em que @s discentes
apontassem professor@s que tiveram práticas dialógicas de ensino para com eles, po-
rém sem explicitar o que significa o conceito. Queríamos que el@s pudessem escolher
com base no que consideram dialógica e ações dialógicas.
Na Universidade Federal Fluminense foram aplicados mais de 290 questionários,
em 08 turmas de Didática, com estudantes de diversos cursos, tais como: Pedagogia,
História, Letras, Educação Física, Matemática, Biologia. Aplicamos os questionários
e tivemos a indicação de 16 professor@s. Dest@s, foi possível realizar 14 entrevistas.
Na Universidade Federal do Ceará, apliquei ao todo mais de 550 questionários em
11 turmas de Didática que atende diversos cursos, tais como: Química, Física, Biologia,
Matemática, Teatro, Pedagogia, Ciências Sociais, Filosofia, História. Dele decorreram a
indicação de 35 professor@s. Destes tivemos a oportunidade de realizar 25 entrevistas...
Nesse recanto, atemporalmente, relato à chegada a UFF, no primeiro dia de en-
contro com o campo amoroso-afetivo da pesquisa empírica que compõe os resultados
concretos que trazem definições e indícios e pistas para a implementação de uma Edu-
cação Dialógica, de uma Formação Docente Dialógica, em seu sentido mais empírico.
Marca fortemente a paisagem que se depara depois da curva que nos abre o ho-
rizonte da Faculdade de Educação, no campus de Gragoatá. O verde que define os
contornos da paisagem abre a expectativa de experienciar essa oportunidade. Registro
a intensa e profunda gratidão desde este instante. Na verdade, remete ao momento de
nossa chegada à cidade do Rio de Janeiro e, em seguida, à Niterói. Reencontro com um
sentimento especial de encantamento e de boas recordações associadas à beleza cênica
e afetiva que nos conecta com este lugar. Era 07 de março de 2017.
Durante esta estadia proporcionada pelo PPGE e, em especial, por minha super-
visora e parceira de velhos carnavais, Maria Teresa Esteban do Valle, pude realmente
aproveitar para aprofundar estudos, revisitar lições e assimilar novas aprendizagens.
Abro um lugar para o registro de minha mais profunda homenagem (póstuma) à
Regina Leite Garcia. Ela me apresentou ao Grupo Alfa, à UFF, aos diálogos no cotidiano,
aos diálogos sobre diálogos. Esteve comigo desde o momento que antecedeu meu dou-
toramento e me acompanhou em muitos momentos. Registro minha profunda gratidão
a Paulo Freire, que me inspirou e este junto comigo em tantos momentos e continua a me
inspirar e colaborar com esse projeto de um mundo no qual seja possível amar...
Por circunstâncias alheias à minha vontade, precisei me hospedar em Copacabana,
ao invés de ficar em Niterói, como era meu desejo e plano. Mas isso também agregou
experiências e leituras diferenciadas nas quais me era possível observar de perto e de
longe esse campo de investigação. Ia em geral de ônibus executivo e descia próximo ao
terminal de barcas e me deslocava a pé até a Universidade. Ocasionalmente retornava
para o RJ de barca. Outra boa experiência a registrar.... ver o Rio e Niterói se aproxi-
mando, se distanciando e potencializando outros olhares e sentires...
Dia 28 de junho dei meu último mergulho nas águas de Copacabana antes de retornar
para a realização da pesquisa empírica na UFC. Destaco ainda que em julho participei
como consultor de avaliação da Avaliação Quadrienal da CAPES, em Brasília. Mo-
mentos de muita aprendizagem. Saliento que já vinha compondo a comissão de ava-
liação da área de educação desde 2016, tendo participado anteriormente da avaliação
dos APCN’s, dos livros e periódicos.

20
O CAMINHO EXPLICA O CAMINHAR
DIALÓGICO: MEU ENCONTRO COM PAULO FREIRE

“Não há um sem os outros, mas ambos em permanente integração”


(Freire, 1974; P. 39).

F
oi uma Relação Amorosa e Significativa desde os primórdios... A ‘recordA-
ção’ que me vem sobre a gênese dessa relação dialógica com Paulo Freire se
apresenta encharcada de emoções, sentimentos, amores. Ela está associada a
um momento especial da minha vida pessoal.
Saliento que desde quando optei por uma trajetória acadêmica, minha escolha foi
por uma licenciatura plena na qual eu pudesse integrar educação e saúde, já que meu
projeto de vida era poder contribuir com as pessoas, em geral. Desde muito cedo re-
conheço uma necessidade de partilha, de tecer com as pessoas, de colaborar com o
projeto de integralidade humana.
Nesse percurso, me deparei com tradições espirituais que me ajudaram a pensar
uma perspectiva holística de educação e saúde. Nessa direção me apropriei de conhe-
cimentos orientais, da Yoga, do Budismo, das Artes Marciais. Fui um autodidata e pra-
ticante... Naturalmente, incorporei às minhas práticas educativas esses conhecimentos
que se tornaram saberes.
Na Universidade praticamente nada ouvi falar sobe propostas que incorporassem a
dimensão política. Na verdade, conheci essa dimensão no concreto da vida, pois ainda
sofri rebarbas do golpe militar em minha formação acadêmica. Uma figura que muito
me ajudou a pensar a política, em seu sentido mais amplo e profundo, foi Francisco de
Assis. Esse mestre, considerado santo por algumas pessoas, considerado um revolu-
cionário por outras, para mim foi um extraordinário indicativo para todas as dimen-
sões da minha vida. Entretanto, confesso que conhecer Paulo Freire foi um diferencial
e um marco importante. Com ele, pude compreender a relevância e a premência de se
integrar conscientemente a politicidade na práxis educativa.
Conheci Paulo Freire num momento especial, no período do nascimento de minha
filha Clara8. Naquele momento da vida, morava em Maranguape, cidadezinha serra-
na do interior, vizinha de Fortaleza – CE. Havia ido para Fortaleza com o intuito de
aguardar o momento do parto.
8
Curiosamente minha filha, Clara Figueiredo (2018), concluiu seu doutorado em Comunicação
e Arte na USP, no ano de 2018, poucos tempo depois de sua data de aniversário que coincide
com meu primeiro encontro com Paulo Freire, em 1987...

21
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Naquele dia, aguardávamos o momento de irmos para a maternidade, no aparta-


mento do meu cunhado de então, o Silvio, e me deparei com dois livros recém-publi-
cados: ‘Educação como Prática da Liberdade’ e ‘Pedagogia do Oprimido’, este último
sua obra prima e o outro foi o primeiro livro publicado de Paulo Freire, fato que se
deu na soma de suas experiências com alfabetização de adultos na região de Angicos
– RN, véspera de seu exílio, acrescida de suas caminhadas no Chile. Depois dela, ele
reescreve e aprofunda tudo aquilo que ali está; inclusive sua interlocução entre Marx
e o Cristo; entre a dialética marxista e o evangelho.... a propósito, era março de 1986.
Eu havia vivido algo espetacular em que tentei seguir a proposta de Francisco de
Assis, nos limites do que denominamos de simplicidade voluntária... Isso depois se
tornou um conceito bem considerado socialmente, no cenário das propostas alterna-
tivas de viver ecologicamente de modo mais adequado.
Em meu entendimento, havia uma profunda identidade e intimidade entre o que
propunha Francisco de Assis, em seu reviver do Cristo, e Paulo Freire. Principalmen-
te, havia uma pretensão dessas almas de nos mostrar que a dimensão política é uma
dimensão espiritual, no sentido mais abrangente dos termos. Ambas comprometidas
com a ideia de que nossa realização espiritual atravessa nosso compromisso sociopolí-
tico; de nossa opção pelos esfarrapados desse mundo nas palavras de Paulo Freire; de
nossa opção pelos pobres, como diria Francisco de Assis.
Retomando meu puxar pela memória... reconheço que não sei ao certo se havia lido
algo de Paulo Freire anteriormente. Acredito que sim, sem certeza. Creio que durante
minha graduação, uma licenciatura plena, tenha tido a chance de ouvir sobre ele..., mas,
realmente conheci essa maravilhosa proposta dialógica naquele contexto amoroso.
Ali percebi a riqueza da proposta, da Dialogicidade. Certamente, havia naquele
âmbito algo que correspondia às minhas expectativas quanto ao que acreditava ser es-
sencial num processo formador, que pensa a integralidade. Essa caminhada foi longa.
Mais de trinta anos se passaram. Resisti fortemente em reconhecer a importância de
partilhar experiências concretas de Dialogicidade, em torno da Perspectiva Eco-Rela-
cional. Melhor dito, havia em mim uma resistência no que se refere a apresentar ativi-
dades, exercícios, tarefas didático-pedagógicas. Pois me parecia que seria uma espécie
de manual, cartilha, e era averso a isso. Eu acreditava que o importante era compar-
tilhar os fundamentos e as causas que justificam a experiência dialógica, a aplicação
concreta de uma Perspectiva Eco-Relacional (FIGUEIREDO, 2003; 2007; 2017).
Necessitaria aqui mais um capítulo para aprofundar esse debate, se o tempo e o
espaço me permitissem. Por agora, vamos anunciar alguns temas geradores. Nessa
sequência histórica, tentei continuar minhas atividades como educador em escolas
públicas por mais uns vinte e cinco anos. Pouca prática freireana... Reconheço minha
incompetência de então quanto aos processos de integrar as ideias de Paulo Freire
ao que realizava em meu cotidiano escolar. Ainda que esboçasse algumas tentativas
‘humanistas’ e ‘dialógicas’... ainda que me envolvesse com política sindical, ainda que
buscasse viver a tal da simplicidade voluntária.
Chegou um momento em que me vi bastante limitado em minhas práticas do-
centes. Percebia também os limites do que eu fazia e o pouco impacto dessas práticas.
Resolvi então tentar um concurso para uma Universidade Pública. Entendia que isso
me daria estímulo e teria maior ressonância no que se referia ao impacto social de meu
trabalho.

22
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Em minha segunda tentativa consegui êxito. Passei a compor o quadro de profes-


sores de Biologia da Universidade Estadual do Ceará. Eu pretendia estudar e ensinar,
principalmente, ecologia. Nessa vertente, fiz Mestrado em Saúde Pública e Doutorado
em Ciências - Ecologia. Nesses dois movimentos tive o privilégio de experimentar
aprendizagens especialíssimas.
Durante o Mestrado, sob a orientação do prof. Manfredo Araújo de Oliveira, me
apropriei com consistência e densidade das discussões acerca dos velhos e novos pa-
radigmas civilizatórios, epistemológicos, metodológicos, pedagógicos... Aprendi um
tanto sobre filosofia e filosofar na prática.
Naquele processo pude ir desvelando a Metateoria Holística (FIGUEIREDO, 1999)
e reconhecer suas potências e limites. Pude ir observando em que aspectos poderia
ampliar as reflexões que se davam em torno da Educação Ambiental e da Educação
Popular. Tive a chance de entender as Representações Sociais e como elas sofrem e
potencializam mudanças sociais.
Mas o melhor foi que vislumbrei, com a ajuda de meu orientador9, a Pertinência
de se propor um paradigma alternativo que contemplasse uma síntese entre Educação
Ambiental e Educação Popular, que pudesse avançar com a holoepistemologia holís-
tica e oferecesse algo que transitasse em torno de um foco que tangenciava inúmeros
paradigmas emergentes: As Relações. Ali se delineava uma proposta freireana, dialó-
gica, a Perspectiva Eco-Relacional (FIGUEIREDO, 2003; 2007; 2017).

9 Ressalte-se que é considerado por muitos um dos maiores filósofos do mundo no


campo de estudos da ética.

23
TRAÇANDO MARCOS NO CENÁRIO
CONTEMPORÂNEO: A RELEVÂNCIA DA
DIALOGICIDADE HOJE

T
udo começou em um tempo no qual buscava fundamentos mais consisten-
tes e balizados e respaldados por experts acerca da estrutura da Crise Eco-
lógica. Essa trajetória de Significação fortemente consolidado num Percurso
Desejante (FIGUEIREDO, 2003; 2007; 2017). Bem, essa crise demonstrou ser bem
mais grave e profunda. Constatei se tratar de uma Crise Civilizatória, Crise de escolhas
e rumos definidos por uma lógica que, posteriormente, reconheci se tratar de uma
Crise Colonializante (QUIJANO, 1991; 2005; LANDER, 2005; FIGUEIREDO, 2009a;
2010a; 2010b; WALSH, 2008; 2009).
Nessa vertente, a leitura da realidade é balizada por uma pretensão de se caracteri-
zar como moderna, unívoca, monoepistemológica, imperialista, eurocêntrica-estadu-
nidense, capitalista, mercadológica etc. (FIGUEIREDO, 2009a; 2010a; 2010b).
Encontrei no meu orientador de Mestrado, prof. Manfredo Araújo de Oliveira,
apoio essencial, em todos os sentidos e desejos. Ele colaborou com minha compreen-
são acerca da Fundamentação. Essa possibilita reconhecer as bases epistemológicas
para a crise colonializante do saber. E, para apoiar essas afirmativas, vou resgatar em
seu livro “Sobre Fundamentação” (OLIVEIRA, 1993), essas pontes.
Manfredo começa apresentando o entendimento clássico de Filosofia, no qual se
pretendia descer aos fundamentos da vida humana e de toda a realidade: “sua primeira
pergunta foi entre os primeiros filósofos gregos, pela arché pánton” (OLIVEIRA, 1993,
p. 11). Essa busca se dava na tentativa de responder à primeira e última pergunta que,
segundo Manfredo Oliveira, estariam subjacentes a todas as outras questões filosófi-
cas: “Qual o sentido do mundo? Qual o sentido de minha vida?”. Elas, certamente, nos
remetem ao destino humano do autoconhecimento como essência de todas as outras
buscas. Ao encontrar quem somos, percebemos para onde e como vamos...
Segundo Manfredo Oliveira, a Filosofia contemporânea vive o dilema de um tem-
po pós-filosófico – tendo em conta o sentido original da Filosofia. Esse tempo se carac-
teriza por se pautar por determinações impostas desde o chamado Círculo de Viena.
Para esses pensadores só se fez real progresso em Filosofia mediante posturas cientifi-
cistas, por meio de critérios da verificação empírica.
“Neste contexto de morte da filosofia, emerge [...]: a pragmática transcendental”
(OLIVEIRA, 1993, p. 14). Nela há o encontro de duas fortes tradições da modernida-
de: a revolução linguística e a revolução pragmática. Ainda que tenhamos alternativas

25
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

de enfrentamento por meio da filosofia dialética contemporânea que atravessa o ceti-


cismo da pragmática para chegar até à ontologia.
A reviravolta linguístico-pragmática do pensar nos remete à própria raiz da ciência
moderna que começa aí. “Agora se tem consciência de que a ciência só começa onde
observações são articuladas linguisticamente” (Op. Cit., p. 47). A reviravolta do pen-
samento filosófico, também aí se dá, mediante a ‘viragem na direção da linguagem’,
como afirma Manfredo Oliveira. O agravamento desse quadro ocorre quando da ra-
dicalização dessa inversão de valores, nos quais a representação substitui a realidade
de maneira tão brutal. Manfredo Oliveira traz afirmativas de Wittgestein que afirma
peremptoriamente que o fundamento da linguagem não está fora e exterior, mas é a
própria linguagem, a práxis do uso da linguagem. Para esse autor, ainda conforme
Oliveira, a linguagem humana seria a capacidade de interação com outra pessoa, esta-
belecendo normas e papéis.
Se, por um lado, desvela o poder da comunicação, inerente a linguagem humana,
traz a potência de distorção da realidade por meio dos enunciados e representações,
passíveis de manipulação, inclusive midiática. Porém, como disse certa vez um dos
meus interlocutores de pesquisa, no problema está a solução (FIGUEIREDO, 2003;
2007). Há uma potência potente ao reconhecermos que essa mudança de paradigma
nos oferece alternativas desveladoras do contexto distorcido que nos é apresentado na
atualidade tanto pela ciência quanto pela filosófica pragmática moderna.
Encontramos, na própria práxis da linguagem e em seus princípios, o reconhe-
cimento de que a consciência dos indivíduos é permeada e marcada pelas regras da
linguagem. A própria linguagem acontece na comunidade de pessoas em interação.
Destaco ainda o caráter prático, inter-trans-subjetivo e histórico da linguagem huma-
na. E mais, essa linguagem está inserida num contexto de existir que lhe define especi-
ficidades e peculiaridades – ainda que haja uma pretensão colonializante de homoge-
neização e normalização disso. Afirma Oliveira (1993, p. 53): “Tantas são as formas de
vida existentes, tantas são os contextos praxiológicos, tantos são, por consequência, os
modos de uso de linguagem numa palavra os jogos de linguagem”. Essa seria a razão
de refletirmos seriamente quanto ao problema semântico, da significação das palavras.
Para Manfredo Oliveira (1993), Wittgenstein defende que a linguagem é ação co-
municativa entre “sujeitos livres”. Só essa frase já nos remete a inúmeras questões im-
portantes. Primeiramente, a linguagem está permeada de cultura e imprime sua marca
nessa cultura. Se a ação comunicativa verdadeira pressupõe seres humanos livres, isso
é muito mais um projeto de futuro do que uma realidade do presente. Afinal, estamos
impregnados do alheio, do alienígena, que define a linguagem e a cultura do silên-
cio, como informa Paulo Freire, e exclui a linguagem própria, ‘primitiva’, enquanto
primeira, original e originária das relações diretas com o lugar de vida e de afetos e
amores. Porém, a própria frase é controversa quando afirma sujeitos livres. Mesmo que
a tradução e definição de sujeito possa ser a mais diversa, podemos problematizá-la
enquanto ente assujeitado pela opressão social, pelos valores sociais, pela colonialida-
de na qual nasce e vive e convive.
Nesse dilema contemporâneo, Manfredo Oliveira (Op. Cit.) busca alternativas e
se depara com K. O. Apel, mas se encontra principalmente em V. Hösle, com sua pro-
posta de um idealismo objetivo, o que para alguns seria uma dialética reconfigurada.
Nesse jogo de palavras teríamos a pretensa possibilidade de articular, por meio da

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

linguagem, o real e o representacional. Entretanto, traríamos para nossa observação a


perspectiva de uma ética que supera o aparente, a forma, o sintoma em detrimento das
causas – característica dos tempos modernos.
Nessa direção, há recomposição da ideia de um telos transcendental que nos con-
clama a sermos mais e melhores, por escolha própria ontológica inerente ao nosso ser
que se funda no Absoluto. Essa ética se consorcia com a estética, a boniteza também
faz parte de nossa autoconsciência, que requer um respeito mútuo embasado numa
densidade superior ao imediato. O ‘dever-ser’ origina o ser e é sua meta, principiados
numa esfera superior, normativa.
Essa opção nos convida a efetuar uma leitura ampla, multirreferencial, transdisci-
plinar, artística, filosófica, científica, na qual a realidade expressa nas representações
se propõe a ser o mais fidedigna possível, na expectativa de contemplar as singularida-
des e universalidade. Esse projeto de formação humana implica e explica o caminho
dialógico. A Dialogicidade, particularmente a proposta por Paulo Freire, nos oferece
aportes imprescindíveis na realização dessa meta, desse objetivo intersubjetivo.
A relação entre objetividade e intersubjetividade, a multiplicidade de olhares,
aromas, toques, gostos, faculta uma linguagem facilitadora de comunicações focadas
no ser-mais. A u-topia, enquanto lugar a se constituir, é a de uma linguagem de en-
contro, de amorosidade, de fé, de desvelar das representações, da expansão e amplia-
ção de nossas leituras por meio das outras pessoas. A parceria dialógica, portanto,
se torna o lugar de encontro por natureza. O lugar de encontro é o lugar dialógico,
pois associa afetividade e amorosidade, pertencimento; busca de compreensão, per-
cepção amorosa por meio d@ outr@; saberes tecidos conjuntamente, mais amplos e
grupalmente forjados.
Essa argumentação nos chama ao conhecimento mais profundo de Paulo Freire
e sua Teoria Dialógica da Ação. Vamos ensaiar alguns motes e convites..., mas an-
tes mesmo disso, me permitirei trazer, para esse diálogo, Francisco de Assis. Esse
ser iluminado que conseguiu inaugurar o projeto de superação da modernidade, do
capitalismo moderno, no momento mesmo em que esta se insinuava e se espraiava
no mundo.
Ele nasceu em um mundo medieval que se organizava na direção do Estado Mo-
derno e todas as suas sequelas. Ele presenciou e se rebelou contra a lógica opressora
desse estado e de suas inúmeras garras manifestas por meio da política imperialista,
dos burgueses que assumiam o papel de gestores das coisas públicas e da produção de
riquezas e poder social, da igreja que se entretinha a partilhar por um pouco tempo
esse poder que ainda era propriedade das elites feudais, representadas pela nobreza e
reis e rainhas...
Francisco de Assis pôde viver essa dualidade ocorrendo. Sentiu o braço forte do
pai comerciante e delicado da mãe religiosa. Sofreu a opressão no sentido de se tornar
alguém, tal como um cavaleiro, um nobre remido, um comerciante de sucesso. Viveu
as lutas fraticidas em nome do poder temporal – conflitos entre nobres e comerciantes,
entre igreja e imperadores – e mesmo do religioso, imposto pelas cruzadas, em nome
do domínio das “terras santas” e seus simbolismos.
Diante disso tudo, enfrentou e superou as tendências habituais de seu tempo e se
libertou com base no diálogo inter-trans-religioso-espiritual. Teve como propósito a

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

liberdade decorrente da pobreza, castidade e obediência. Quando, por meio da pobre-


za, enfrentou o capitalismo e o predomínio do dinheiro em detrimento do humano
e da humanidade. Com sua ética da frugalidade afrontou o consumismo, a ideia de
lucro, de se dar bem. Através da castidade se contrapôs ao predomínio abusivo do sexo
sobre o amor e da coisificação das pessoas. Diante do inelutável anseio pelo poder tem-
poral, se colocou na condição da obediência consciente, de superar a ideia de ter poder
sobre @ outr@. Ou seja, é preferível abdicar de dominar as outras pessoas ao consentir
com a verdade d@s outr@s. Isto, por sua vez, implicava na aceitação da diferença e do
diferente, da alteridade e das singularidades em contraponto ao propósito do mundo
moderno que ensaiava a normatização e homogeneização da sociedade.
Francisco enfrentou e superou as adversidades desse mundo moderno nascente
com base na amorosidade e respeito profundo a todos os seres. Jamais tergiversa em
dialogar com quem quer que seja e, em geral, com base em suas experiências de vida
traz exemplarmente propostas e temas geradores.
No livro “Francisco de Assis: um caminho para a educação”, o autor Orlando Ber-
nardi (2003), afirma categoricamente que escolher Francisco de Assis como modelo
educativo nos tempos atuais faz todo o sentido, por este nos oferecer um modelo aves-
so ao hegemônico.
Francisco de Assis se coloca simultaneamente como mestre e aprendiz. Ele se re-
lacionou com leprosos, com ladrões, com tod@s @s marginalizad@s de sua época. Na
verdade, se relacionou amorosamente com todos os seres da natureza. Transcendeu a
modernidade com suas propostas de simplicidade e autenticidade. Enfrentou os maio-
res temores da humanidade contemporânea. Foi capaz de abdicar de seu direito de
herança da riqueza dos pais; passou a viver em contato direto com a natureza, de tra-
balhos pontuais que lhe ofereciam o necessário de cada dia. Mantinha a alegria como
companheira constante. O cuidado e o respeito mútuo eram a tônica das relações dos
irmãos franciscanos.
O ser humano foi a sua fonte de inspiração e mote para as tarefas com as quais
se comprometia. O exemplo era a base de seus processos educativos. Seu momento
ascético principal foi o encontro com o leproso, uma das criaturas mais discrimina-
das e desconsideradas do seu tempo. Ele o acolhe e o beija. Disse que o amargo se
fez doce. Toda disciplina era pautada pela compaixão. Toda rigidez se esvaía diante
da arte encantadora, seja com o canto, seja com a dança, com a qual brindava a vida.
Sua pedagogia era de acolhimento e amorosidade, expressa em exemplos de dedica-
ção, amor, respeito, gratidão, bondade e cortesia; tratar a tod@s de maneira pessoal e
diferenciada. Diante do binômio liberdade-autoridade, propunha sempre o diálogo
contínuo entre amor, serviço e disponibilidade ao outro, à outra. Um detalhe muito
relevante de seu estilo pedagógico residia em sua imensa capacidade de reconhecer as
necessidades e contingências de cada um dos seus irmãos, das suas irmãs, e de cuidar
da maneira mais sutil e discreta possível. Havia, portanto, um contínuo cuidado em
seu modo de ser.
“A fraternalidade (capacidade de ser fraterno) pervade o modo de ser e agir do
Poverello” (BERNARDI, 2003). Destaca, inclusive que, diante da falha alheia não se
encolerizem ou se perturbem com o ‘pecado’ de alguém. Salienta também que, para
Francisco de Assis, não há autoridade, mas serviço a ser realizado. Para além, o diálogo
franciscano fundamenta-se na prática do amor, da bondade, da fraternidade. Em sua

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

comunidade predomina a poesia, a convivência harmoniosa, o amor e a simplicidade


voluntária. Há uma convicção em Francisco que lhe assegura na bondade intrínseca
ao humano.
Sua proposta educativa é mais focada no experiencial do que na leitura, mais na
sabedoria do que no conhecimento teórico. Pautada em um comportamento amoroso
como referência. Prima mais pelo pathos e eros do que pelo logos e a ratio nas relações.
Aliás, é no contexto das relações que a comunicabilidade, a solidariedade, a verdadeira
aprendizagem ocorre.
Relato, em seguida, alguns diálogos extremamente relevantes para reconhecermos
a pujança do fazer educativo-formativo de Francisco de Assis. E tudo começa con-
cretamente com a advento de sua relação com o leproso. Em suas próprias palavras:
“[...] o que antes parecia amargo se converteu em doçura da alma e do corpo” (SÃO
FRANCISCO DE ASSIS, 1982, In: Testamento 3). Ali, ao acolher amorosamente aque-
la figura que anteriormente lhe causava asco, supera seus limites em direção ao amor, à
compaixão. Com o coração passa a viver e ser... Em seguida, encontra-se com o Cristo
dos evangelhos, com a fraternidade e a alegria da partilha; com Clara de Assis, inte-
grando ágape e Eros; encontra-se com o potencial da transformação, passível de ser
tocada por meio da ternura, do amor.
Francisco de Assis, enquanto formador/educador estimulava a cooperação, a com-
paixão, o acolhimento, a ternura, a simplicidade, o otimismo, a criatividade, a alegria,
o reconhecimento do saber d@ outr@ enquanto base para o aprender e saber. Vislum-
brava a beleza e a poesia em todos os recantos e artística e filosoficamente a expressava.
Era a admiração em pessoa diante da vida e dos seres. Sinteticamente, destaco a amo-
rosidade e a alegria como instâncias fundantes do seu saber pedagógico, o profundo
respeito às pessoas.
Sua revolução era extraordinária, pois se pautava por uma transformação desde o
interior. Em seu diálogo com Frei Leão acerca da Perfeita Alegria, ele narra detalha-
damente uma jornada em meio ao frio intenso do inverno da Úmbria. Conta como
mesmo diante da decepção do desconhecimento de irmãos, da violência imposta, da
desconsideração, do desrespeito, ele continua firme, acolhe com amorosa compaixão
e, assim, se consuma a perfeita alegria. Em sua primeira regra, traz uma recomenda-
ção de que independente de quem quer que se acerque, amigo, adversário, ladrão ou
bandido, seja acolhido com bondade (FRANCISCO DE ASSIS, 1982, In: Regra Não-
-Bulada 7, 13).
A base da educação franciscana é a cortesia. Essa implica em mansidão, magna-
nimidade, doçura, suavidade (BERNARDI, 2003), Francisco de Assis foi considerado
o homem do milênio, por ter revolucionado seu tempo, sem nunca ter se oposto dia-
metralmente a nada. Estimula outro paradigma didático-espiritual costurado com a
tênue e forte linha do amor incondicional. A cultura franciscana e sua espiritualidade
trazem como uma das principais referências o acolhimento ao leproso. Foi sua utopia
propulsora. Deu-se em si uma revolução interior, numa completa radicalidade de um
projeto de espiritualidade que ressoa em toda sua comunidade de vida. Seu ensinar é
se encontrar, se relacionar, amorosa e solidariamente com @ outr@, que se torna seu
irmão, sua irmã.
A pedagogia franciscana era uma pedagogia dialógica, comunitária, fraterna, gra-
tuita, lúdica, ecológica, pedagogia da esperança e da paz. Acima de tudo, a pedagogia

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de Francisco de Assis é a pedagogia da amorosidade, do profundo respeito e acolhi-


mento da outra pessoa que nos constitui em relação.
Apenas para ilustrar um tanto mais o que foi dito, trago alguns exemplares sagrados
dos Diálogos Franciscanos. Era uma cultura eminentemente oral, de boca para ouvido,
mas, em essencialidade, era uma cultura matrística mobilizada por uma tradição oral
que são recordações, ao molde do coração em que os falares dialogais d@s irmãos/ir-
mãs conservaram do Poverello, do pobre de Assis, e de seus primeiros companheiros.
Começo pelo Diálogo entre São Francisco de Assis e o Sultão Al-Malik Al-Ka-
milm, em 1219, perto de Damieta, Egito. Ele está apresentado como texto fora do
texto, destacado como transcrição literal.

Francisco: É precisamente neste ponto que os mártires raramente tem o prazer de


ter um grande diálogo com os seus adversários. Se conversarem entre sim apren-
derão a respeitar-se mutuamente. O martírio seria tão arcaico assim como a cons-
trução das pirâmides.
Sultão: Por que veio dialogar?
Francisco: Não vejo outro modo de chegar a um entendimento, e tu?
Sultão: Mas para tentar intentar converter-nos à verdadeira Fé. Que coisas temos dito?
Francesco: A história de sua sabedoria procede. Esta entre nós, é amigo de nosso
imperador, tem sede de conhecimento e da verdade. Sei que tem muito a me ensinar.
Sultão: Então não veio para ensinar e sim aprender?
Francesco: Existe melhor professor do que aquele que está disposto a aprender?
Sultão: Por ser um pequeno homem me parece que você tem uma certa experiên-
cia sobre a sabedoria.
Francesco: Não estou seguro. Vim aqui e tenho milhares de perguntas: por que
os soldados foram tão amáveis comigo? Por que permitiram atravessar todas as
barreiras? Por que os presos oraram ao longo do trajeto? Por que tinha grãos num
colar em suas mãos? Por que se inclinaram diante de mim com reverência? Sua Fé
me parece ser tão genuína?
Sultão: Sim, sim, entendi. Tem um monte de perguntas.
Francesco: É o que me atraiu até aqui. Uma pessoa sem preguntas, é uma pessoa
que tem olhos para ver.
Sultão: Pelo contrário sempre tenho pensado que vocês, os cristãos pensam que
tem todas as respostas, ainda que supor, é difícil à risca o fanatismo hipócrita
Francesco: Eu direi que a vossa resposta tem sinais de humildade, uma virtu-
de muito querida para mim. Para que construir respostas simples a perguntas
complicadas?
Sultão: Estamos lutando por defender nossas terras santas da profanação. O pro-
blema é que vocês creem que somos nós que as profanamos, se bem que estamos
cientes a ideia de se pode recuperar o controle e perpetuar a profanação. E a bata-
lha continua! e na teoria, com suficientes reservas de dinheiro e ódio, se poderia

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

continuar esta batalhar, ante a um pagão atrás do outro. Quem é pagão na reali-
dade? Até que nenhum permaneça à exceção de nós dois. A este ponto, de quem
será a vitória?
Francisco: Que benefícios terá o ganhador?
Sultão: Se ganhar, então estarei seguro de que Alá será louvado e que todas as
pessoas o adorarão somente a ele.
Francisco: Então, me parece que neste caso não deseja a paz, senão só a vitória.
Sultão: E qual a diferença? Se pode pôr fim a este terrível fratricídio, por que isso é o
que é. O sabe? Se podemos parar esta matança sem sentido, teremos finalmente a Paz.
Francisco: Porém Sultão, não é possível que em sua mente não creia que a Paz é
uma simples vitória, que uma "Vitória" pode eliminar os conflitos, e sabe bem que
levará somente ao ódio e contínuas tentativas de vingança, e não a Paz. Você sabe
que não nem paz e nem vitória quando uma das partes "ganha".
Sultão: Vejo que tenho adiante de mim um inimigo maior do que devia ter imaginado!
Francisco: Tenho de frente só um irmão contra o qual combates.
Sultão: Se somente podemos atuar com consciência de que todos procedem do
mesmo criador. Se somente podemos ver a um e a outro através dos olhos do Gran-
de Santo.
Francisco: Agora tuas palavras têm sentido. Finalmente deixou de falar de vitórias
e está começando a falar da realidade.

Poderia trazer aqui também o diálogo de Francisco de Assis com o lobo de Gúbio,
em que ele convida o lobo a reconhecer sua filiação divina e, portanto, ser irmão dos
seres humanos, que desumanamente destratavam-lhe. Mas que seria possível outra re-
lação de respeito mútuo e que essa só teria vantagens para tod@s. Assim, o lobo aceita
estabelecer essa outra maneira de se relacionar. Ou ainda, poderia trazer o diálogo
mais detalhado acerca da Perfeita Alegria, em que Francisco de Assis nos convida a
transmutar nosso mundo interior ao acolher de forma amorosa as adversidades, tais
como se fossem irmãos/irmãs a nos ensinar. Nesse sentido, ele caminha junto com Frei
Leão e lhe pede para escrever o que seria a perfeita alegria. E conta de dois homens que
caminhavam no frio inverno da Úmbria, como de fato estavam fazendo, só que depois
de muito caminhar, cansados e com fome, chegam a um eremitério e lá lhes é negado
abrigo e comida. Eles insistem e são enxotados agressivamente. Diz ele que os homens
se erguem da gelada via e continuam mantendo aberto o coração para a amorosidade,
digo para o diálogo e o entendimento, e diz que isso é a perfeita alegria. Esse depoi-
mento se encontra presente em seus escritos registrados por Frei Leão.

31
CAPÍTULO I
O CAMINHANTE SEMEADOR

“Mudar a linguagem faz parte do processo de mudar o mundo. A relação entre lin-
guagem-pensamento-mundo é uma relação dialética, processual, contraditória”
(Paulo Freire, 1994, p. 68).

A
té aqui tanto falamos em diálogo, mas o que é diálogo realmente? Para co-
meçar a ensaiar respostas, nos propomos uma busca na internet. Ainda
que haja certa resistência acadêmica em considerar a Wikipédia, o Google,
entendemos que são instrumentos de busca intensamente requisitados. Certamente,
precisamos exercitar intensamente um cuidado ao fazer uso desse recurso, até por-
que nele há uma tessitura parceira de temas, ideias, significados, passíveis, portanto, a
equívocos. Por outro lado, há uma abertura para correções e aprimoramentos cons-
tantes. Optamos por começar daí...
Conforme a Wikipédia, a enciclopédia livre10, o diálogo é assim apresentado:

Diálogo (em grego antigo: διάλογος diálogos) é a conversação entre duas ou mais
pessoas, costuma-se dizer erroneamente que significa ‘dois’, no entanto significa
‘passagem, movimento’, assim, diálogo significa a troca de intervenientes, que po-
dem ser dois ou mais. Embora se desenrole a partir de pontos de vista.

Noutro dicionário on-line11, temos:

Diálogo. substantivo masculino. 1. fala em que há a interação entre dois ou mais in-
divíduos; colóquio, conversa. 2. p.ext. contato e discussão entre duas partes (p.ex.,
em busca de um acordo); troca de ideias. 3. conjunto das palavras trocadas pelas
personagens de um romance, filme etc.; fala que um autor atribui a cada persona-
gem. 4. obra em forma de conversação, ger. com fins expositivos, explanatórios
ou didáticos. 5. mús composição em que as vozes ou os instrumentos se alternam
10
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Diálogo>. Acesso em: 07 fev. 2018.
11
Disponívelem: <https://www.google.com.br/search?client=firefox=-b&dcr0=&ei=6AGIWtDz4GmRwgT74QSYBg&q-
Di%C3%A1logo&oq=Di%C3%A1logo&gs_l=psy-ab.12..35i39k1l2j0l8.4328.6051.0.8799.7.7.0.0.0.0.278.993.0j-
5j1.6.0....0...1c.1.64.psy-ab..1.6.988...0i67k1j0i131k1.0.9HB7FbNCBlE>.Acessoem:17fev.2018.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

ou respondem. 6. teat um dos processos básicos de comunicação e expressão do


personagem no teatro; sequência de falas trocadas pelos personagens, que faz a
ação dramática caminhar sem a necessidade de um narrador. Origem ETIM lat.
dialŏgus,i 'id.' adp. do gr. diálogos, ou 'conversação, diálogo'
No site da Escola de Diálogo12, temos:

Etimologicamente o termo ‘Diálogo’ resulta da fusão das palavras gregas dia e lo-
gos. Dia significa ‘através’. Logos foi traduzida para o latim como ratio (razão). Mas
tem vários outros significados, como ‘palavra’, ‘expressão’, ‘fala’, ‘verbo’ e, principal-
mente, ‘significado’ propriamente dito. Na acepção mais antiga da palavra, logos
significa ‘relação’, ‘relacionamento’.

No Dicionário Aurélio (FERREIRA, 1988) a palavra diálogo traz o seguinte signi-


ficado:

Diálogo [do gr. diálogos, pelo lat. dialogu.]. Substantivo masculino. 1.Fala entre duas ou
mais pessoas; conversação, colóquio. 2.Obra literária ou científica em forma dialogada.
3.Troca ou discussão de ideais, de opiniões, de conceitos, com vista à solução de
problemas, ao entendimento ou à harmonia; comunicação: Sua maior dificuldade
na vida vem de não ter diálogo com os filhos. 4.Teatr. Colóquio entre os atores, mó-
vel da ação da peça, a partir do qual se desenvolveu o gênero teatral. [Cf. dialogo,
do v. dialogar.].

Por sua vez, o conceito de dialógico aparece no Aurélio (1988) como derivado do
grego, dialogikós. Enquanto adjetivo associado ao conceito de dialogal. Entendido
como relativo ao diálogo. Já a palavra dialogia seria um substantivo.
Ao acessar o Dicionário Paulo Freire (STRECK; ZITKOSKI, 2008; 2015), o fizemos
em busca dos seguintes conceitos associados a dialógica, Alteridade, amorosidade e
Diálogo/Dialogicidade. Nessa obra, começamos por tratar da alteridade e da amo-
rosidade por reconhecer que elas são essencialmente vinculadas a dialógica. O trato
da alteridade tangencia necessariamente o diálogo, e nessa direção, Sérgio Trombetta
(2015) afirma que essa questão perpassa toda a obra freireana na certeza de que a al-
teridade define a constituição do ser... no diálogo, na aceitação do outro como pessoa.
Para Paulo Freire o ser humano, diz esse autor, é subjetividade. E a subjetividade se
consolida na relação dialógica. Nas palavras de Trombetta, enquanto para Sartre ‘os
outros são meu inferno’, para Freire o outro é o lugar no qual é possível começar, por
meio do diálogo amoroso, a humanização, a libertação. Por sua vez, Leoni Fernandes
(2008, p. 37) traça uma definição de amorosidade na qual se materializa o compromis-
so com o outro, pautado na solidariedade e na humildade. Em vários trechos, Leoni
Fernandes articula amorosidade e diálogo/Dialogicidade.
Jaime José Zitkoski (2008) se dedicou a apresentar o Diálogo/Dialogicidade no
dicionário Paulo Freire. Segundo ele, a proposta freireana se pauta no Diálogo/Dia-
logicidade, como uma das categorias centrais de seu projeto pedagógico crítico. Na
leitura desse intelectual, Freire no capítulo terceiro do ‘Pedagogia do Oprimido’ nos
oferece o diálogo como processo dialético-problematizador por meio do qual pode-
12
Disponível em: <http://escoladedialogo.com.br/escoladedialogo/index.php/sobre-o-dialo-
go/>. Acesso em: 17 fev. 2018.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

mos ler a realidade e transformá-la. Nesse sentido, enfatiza que o diálogo implica em
práxis social. De acordo com esse autor, o diálogo freireanos começa com a busca do
conteúdo programático. “O desafio freireanos é construirmos novos saberes a partir
da situação dialógica que provoca a interação e a partilha de mundos diferentes...”
(ZITKOSKI, 2008, p. 131).

1.1 Diálogo e Dialogicidade

Em nosso entendimento, o processo dialógico inicia bem antes, na disposição de


ser dialógico e, efetivamente, se tecer entremeado pelos pressupostos dialogais. Há de
ser dialógico para tornar possível a práxis dialógica. A situação dialógica, a investiga-
ção dialógica, uma metodologia dialógica, o ambiente dialógico, a experiência dialógi-
ca, a postura dialógica decorrem disso.
No artigo “A dialogicidade de Paulo Freire na educação ambiental dialógica”, que
elaboramos no ano de 2005, apresentado e publicado no V Colóquio Internacional
Paulo Freire: desafios à sociedade multicultural, evento promovido em Recife – PE,
pelo Centro Paulo Freire de Estudos e Pesquisas, realizamos nossa primeira tentativa
de mapear a dialógica/dialogicidade em Paulo Freire.
Este texto foi atualizado e reelaborado para publicação em livro. “A Dialogicidade
de Paulo Freire na tessitura da Educação Ambiental Dialógica”, teve sua publicação
no livro “Educação Popular e Movimentos Sociais: experiências e desafios”, em 2016.
Nele, tratamos amplamente do conceito de Diálogo e Dialogicidade, e anunciamos sua
tessitura por Paulo Freire. Em seguida, apresentamos alguns trechos do artigo citado:
Em busca de algumas raízes, identifica-se que a dialogicidade carrega como senti-
do a qualidade ou caráter do que é dialógico ou está em forma de diálogo. Uma raiz da
dialógica freireana está, provavelmente, no Personalismo Filosófico, no qual Emma-
nuel Mounier (1905-1950), filósofo francês, reconhece a relevância da comunhão das
consciências enquanto processo capaz de forjar, por meio da lógica intrínseca ao diá-
logo, a condição da transcendência do ser num ir para além de si mesmo. Esta doutri-
na filosófica concebe o ser humano em sua individualidade como um valor absoluto,
considera que esse valor não é independente, nem superior ao do relacionamento do
indivíduo com a coletividade e com a natureza, mas por intermédio desse relaciona-
mento se expressa e se perfaz (FERREIRA, 1999).
Vê-se em Erich Fromm, citado por Paulo Freire (2000), aquilo que podemos chamar
de ‘dialógica’ como superação do medo da liberdade no confronto entre o ser e o ter;
entre o amor pela vida e o amor pela morte, entre coisificar e humanizar. Jaspers, citado
na mesma obra, afirma o diálogo no processo de tomar consciência de si, de algo.
Indo mais atrás no tempo, é possível encontrar em Hegel a compreensão do poten-
cial do diálogo na lógica dialética, com vistas a romper com a escravidão do opressor,
na superação da subalternidade, no encontrar da liberdade. Em Platão, têm-se uma
perspectiva dialética por meio da qual se torna possível avançar em compreensão e
criticidade. Uma lógica peculiar inerente ao encontro com @ outr@ para falar e ouvir
da vida, causos e histórias, conversar, prosear.
Ainda na busca das bases dessa proposta, encontro na obra de Paulo Freire alguns
princípios esclarecedores. Na página inaugural de sua primeira produção acadêmi-

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

ca de fôlego, “Educação e atualidade brasileira” – tese de concurso para a cadeira de


História e Filosofia da Educação, da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de
Pernambuco, afirma: “A possibilidade humana de existir – forma acrescida de ser –,
mais do que viver, faz do [humano] um ser eminentemente relacional”. Quatro pági-
nas adiante, ele se aproxima, efetivamente, pela primeira vez, da dialógica através do
conceito de ‘antidialogação’. Na sequência, ao tratar da educação brasileira, informa
que ela estava, exclusivamente, “centrada no verbo, nos programas, nos discursos”. Ele
afirma que: “A nossa experiência, por isso que era democrática, tinha que se fundar no
diálogo, uma das matrizes em que nasce a própria democracia” (FREIRE, 2001b; p.15).
Nesta mesma obra, destaca o ‘diálogo’ como instrumento de promoção da consci-
ência transitivo-crítica, segundo ele, vital à democracia brasileira. Ao definir ‘dialoga-
ção’, começa opondo-a ao conceito de ‘assistencialização’, em suas palavras:

[...] o máximo de passividade do [humano] diante dos acontecimentos que o en-


volvem. Opõe-se ao conceito nosso de ‘dialogação’, que coincide com o de ‘parla-
mentarização’ do professor Guerreiro Ramos. Enquanto na ‘assistencialização’ o
[humano] queda mudo e quieto, na ‘dialogação’ ou na ‘parlamentarização’ o [hu-
mano] rejeita posições quietistas e se faz participante. Interferente (Op. Cit.; p. 28).

Paulo Freire em seu primeiro livro publicado, “Educação como prática da liber-
dade”, ao homenagear seus pais, enfatiza a importância da dialógica: “Com ambos
aprendi, muito cedo, o diálogo”. Já na abertura da obra, em sua primeira página, inicia
tratando de ‘relações’ que, no seu entender, está essencialmente ligada à dialógica e a
conquista da liberdade:

Entendemos que, para o [humano], o mundo é uma realidade objetiva, indepen-


dente dele, possível de ser conhecida. É fundamental, contudo, partirmos de que
o [ser humano], ser de relações e não só de contatos, não apenas está ‘no’ mundo,
mas ‘com’ o mundo. Estar ‘com’ o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o
faz ser ente de relações que é (FREIRE, 2000, p. 47).

Paulo Freire (1983, p. 39), ao tratar do trabalho com as palavras-geradoras, afirma


que, ‘dialogicamente decodificadas’, vão redescobrindo o humano em sua autoria no
processo histórico da cultura. Ao falar sobre a superação da contradição educador-e-
ducando, aponta que a ‘relação dialógica’ é indispensável à cognoscibilidade dos au-
tores cognoscentes. Demarca que a concepção bancária “nega a dialogicidade como
essência da educação e se faz antidialógica”. Para potencializar a situação gnosiológica
afirma a dialogicidade, na qual a educação problematiza e se faz dialógica.
Ouvir e ser escutado implica n@ outr@. Isto, certamente, significa relação, troca,
multilateralidade. Aí, como contraponto, lembro que entre opressor(a) e oprimid@
não há diálogo, não há relação verdadeira.
Dialogar é reconhecer @ outr@ em sua legitimidade, autenticidade, como diria
Maturana (1998). É compartilhar o saber com @ outr@. Implica em ‘supra-alterida-
de’13, em parcerias, em conexão entre o individual e o coletivo, em democracia, em
13
Supra-alteridade é algo como somar alteridade e empatia, ou seja, implica no exercício de se
imaginar no lugar da outra pessoa, tanto no aspecto afetivo, quanto cognitivo.

36
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

acoplamento estrutural e deriva, em trans-missão, em ‘form-ação’, em ‘libert-ação’, em


‘palavr-ação’, em ensinar-aprender, em ‘trans-form-ação’, em curiosidade epistemoló-
gica, em busca da razão de ser, em criticidade, em compartilhamento de práxis social,
em autor@s e saberes distintos.
Afinal, dialogicidade é compartilhar palavra plena de sentido, de vida, de experiência
derivada da práxis social. Isto implica em diálogo sobre atividades criadoras, contextua-
lizadas, em novas leituras, saberes elaborados em parceria, pretendendo a ‘u-topia’. Desse
modo, identifico a dialógica como um dos fundamentos essenciais da Perspectiva Eco-
-Relacional (FIGUEIREDO, 2003). Ela, a dialógica, gera e se insere na própria essência
da PER. Fundamenta e traz como foco as relações autênticas, que só se consolidam no
diálogo. A dialogicidade só é possível no cenário de relações verdadeiras.
Como diz Paulo Freire (2000), o ser humano é um ser de relações pessoais, impesso-
ais, corpóreas, incorpóreas, concretas e imaginárias, divinas, mundanas, espirituais etc.
Relação significativa e verdadeira implica em diálogo; diálogo implica em relação signi-
ficativa e verdadeira; em abertura, reflexividade, pluralidade na singularidade, transcen-
dência, criticidade, consequência consequente, intencionalidade, relatividade, tempora-
lidade, contextualização, responsividade a desafios, proativa, no e com o mundo.
A dialógica freireana se concretiza em relações horizontais, instituída pela amoro-
sidade, enquanto instância eco-relacional, balizadas pela fé n@ outr@, pela esperança,
viabilizada pela humildade e confirmada pela criticidade. Ela não é só um encontro
de duas pessoas que buscam o significado das coisas, informações, conhecimentos, o
saber, mas uma relação que se consolida na práxis social transformadora. Dialogar é
muito mais do que apenas trocar ideias por meio de palavras ocas. É imprescindível ao
diálogo encaminhar para a trans-form-ação ou será mera verborragia.
A dialógica é mais que conversa, constitui-se como ente inseparável da curiosidade
epistêmica, definindo uma ecopráxis capaz de resgatar a noção da totalidade perdida.
A dialógica se dá numa estrutura dialética freireana, que se caracteriza por sua pecu-
liaridade de associar como igualmente importante, infra é superestrutura, subjetivi-
dade e objetividade, materialidade e espiritualidade, dimensão do capital e dimensão
cultural, do fazer e do ser.

1.2 A Dialógica Freireana

Certamente que a edificação de uma reflexão requer de um alicerce bem sólido.


Nossa escolha molhada de afeto, motivada por inúmeros fatores, estabelece como
grande referencial o educador Paulo Freire, que com sua nordestinidade, nos opor-
tuniza um refletir sobre o povo sertanejo nordestino. Sua matriz instiga-nos o cami-
nhar, a partir de suas referências. Sua ênfase na capacidade ontológica, própria do
humano de ‘ser mais’, de superar as ‘situações-limite’, na direção de um ‘sonho pos-
sível’, por meio de um percurso que transita da ‘curiosidade ingênua’ para a ‘curiosi-
dade epistêmica’, metódica, crítica, parece-nos delinear um caminho precioso para
a educação ambiental.
Destacamos, ainda, que a politização, a criticidade política da dialógica, caracte-
rizam o foco e eixo da proposta freireana. É uma instância imprescindível na consti-
tuição de um ‘que-fazer’ que, não sendo mera palavra, é ‘palavr-ação’ transformadora
do mundo, do ser, de si. E, nessa vertente, rompe com posturas que se polarizam,

37
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

ora caindo em idealismo inativo, ora em uma empiria sem o fermento da crítica de
reflexão.
Compreendemos, com Paulo Freire, a relação direta entre linguagem-pensamen-
to-mundo. Desse modo, interagindo com a linguagem enquanto mediadora e mate-
rializadora do pensar e da ação das pessoas no mundo, pode-se intervir e transmutar,
permanentemente, o mundo, o pensamento, a linguagem.

1.3 As Relações e a Dialógica

O conceito de relações..., guarda em si, como veremos, conotações de pluralidade,


de transcendência, de criticidade, de consequência e de temporalidade. [...]. Estar com
o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é
(FREIRE, 2000, p. 47).
Aqui me deixo ir através da corrente de águas límpidas da dialógica, em suas rela-
ções constituintes. Como afirma Paulo Freire, o diálogo constitui a própria intersub-
jetividade humana, sendo ela relacional e consubstanciadora da democracia, no afeto,
na fé, na humildade de saber-se inacabado e histórico. Ente de relações, o ser humano
constrói sua transcendência na interação com o mundo, com os múltiplos outros.
Como afirma Paulo Freire: “A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigên-
cia da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática,
ativismo” (FREIRE, 1996, p. 24). A constatação de que não poderíamos estar teori-
zando de forma dissociada da ação, nem agindo sem relacionar ação e reflexão em
um contexto de transformação, está presente como interlocução, impondo uma ne-
cessidade constante de atenção sobre a nossa práxis epistêmica. Isto se faz, ainda mais
premente, diante do fato de se compreender esse trabalho em seu contexto de interface
com a intervenção educativa. Não pretendia uma investigação que visasse apenas um
diagnóstico, e sim uma pesquisa que se vinculasse a uma proposta de ação pedagógica
transformadora de condições de opressão e a uma mobilização popular.
Isso impõe especificidades, já que toda e qualquer atividade que envolva docência
legítima implica, necessariamente, práxis epistêmico-pedagógica, o que significa a ne-
cessidade fundamental de vincular ação e reflexão educativa.
Paulo Freire (1983) afirma o ser humano como um ser de relações plurais, capaz
de, na organização reflexiva do pensamento, renunciar à condição de simples objeto,
exigindo o que por vocação é: autor social. Para isto, precisa desvelar o mundo de
opressão mediante um caminho (método) dialógico, por isso ativo e crítico. Compre-
ende o diálogo como um processo que se dá em uma relação horizontal, fundado em
uma matriz crítica e geradora de criticidade, que precisa nutrir-se de amor, humildade,
esperança, fé e criticidade. Acredita que, no ‘que-fazer’ educativo dialógico, no qual a
fé se associa à esperança e à confiança, implica no reconhecimento do potencial onto-
lógico do humano ‘ser mais’.
Nos caracteres da teoria dialógica, em confronto com a antidialógica, Paulo Freire
(1983; 2000) enfatiza que a co-laboração se opõe à conquista; a união rompe com a
lógica do dividir para dominar; a organização dos grupos-sujeitos impede a manipu-
lação; a síntese cultural possibilita a contraposição à invasão cultural.

38
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Na continuidade da caracterização das ideias de Paulo Freire, em torno do diálogo,


pode-se entendê-lo como encontro entre seres humanos, mediatizados pelo mundo,
para compreendê-lo. Diálogo no qual a reflexão e a ação são inseparáveis daqueles que
dialogam. Vê no amor o fundamento do diálogo. Ele destaca que o mesmo não pode
existir sem humildade e exige uma fé intensa no ser humano, em sua vocação de ser
mais humano. Requer clima de confiança mútua, não podendo existir sem esperança,
baseada na ‘in-conclusão’ do humano. Finalmente, alerta que o verdadeiro diálogo não
pode existir se os que dialogam não com se comprometem com o pensamento crítico
e uma inquebrantável solidariedade. Não vê dicotomia entre diálogo e ação revolucio-
nária (FREIRE, 1983; 2000).
Na relação o diálogo se faz existencial, com o sentido produzido pela práxis e nela,
solidariamente, compartilhado. Na visão freireana, o humano é um ser de relações
plurais, por meio das quais se supera, humaniza-se, faz-se mais.
Há uma pluralidade nas relações do [ser humano] com o mundo, na medida em
que responde à ampla variedade dos seus desafios. Em que não se esgota num tipo pa-
dronizado de resposta. A sua pluralidade não é só em face dos diferentes desafios que
partem do seu contexto, mas em face de um mesmo desafio. [...]. Nas relações que o
[ser humano] estabelece com o mundo há, por isso mesmo, uma pluralidade na própria
singularidade. E há também uma nota presente de criticidade (FREIRE, 2000, p. 48).
“A sua integração ao seu contexto, resultante de estar não apenas nele, mas com ele,
e não a simples adaptação, acomodação, ajustamento. A sua integração o enraíza” (Op.
Cit.; p. 50). No processo de enraizamento e reconhecimento de seu contexto, via re-
flexão-ação sobre seus temas básicos, os humanos estabelecem uma maior criticidade,
isto por meio da dialógico presente nas relações.
A partir das relações do [ser humano] com a realidade, resultantes de estar com
ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o
seu mundo. [...] Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor. Vai tem-
poralizando os espaços geográficos. Faz cultura. E é ainda o jogo destas relações do
[ser humano] com o mundo e do [ser humano] com os [seres humanos], desafiando e
respondendo ao desafio, alterando, criando, que não permite a imobilidade, a não ser
em termos de relativa preponderância, nem das sociedades nem das culturas (FREI-
RE, 2000, p. 51).
No jogo das relações, o humano pode consolidar a humanização do mundo por
meio da cultura. Ao fazer-se criador e recriador, movimenta-se objetivando a com-
preensão, a razão de ser das coisas, dos seres, dos fatos, dos eventos, dos fenômenos.
Por outro lado, é no diálogo que a relação estabelece um intercâmbio significativo,
por meio da linguagem que media a relação entre pensamento, sentimento, emoção e
mundo. Na dialógica freireana, o ciclo gnosiológico se consolida ao unir o conhecer ao
compartilhar, a pesquisa ao ensino.
A radicalização, que implica no enraizamento que o [ser humano] faz na opção
que fez, é positiva, porque preponderantemente crítica. Porque crítica e amorosa, hu-
milde e comunicativa. O [ser humano] radical na sua opção, não nega o direito ao
outro de optar. Não pretende impor a sua opção. Dialoga sobre ela. Está convencido
de seu acerto, mas respeita no outro o direito de também julgar certo. Tenta convencer
e converter, e não esmagar o oponente... (FREIRE, 2000, p. 58).

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Poder extrair, via reflexão, ‘saber-aprendizagem’ do ‘saber de experiência feito’, ex-


pressa a grandeza do cotidiano grávido de sentidos; o potencial de saberes presentes
na práxis vivencial cotidiana ampliando o potencial de acoplamento da consciência.
Entretanto, o diálogo sobre estes saberes não pode ser impositivo, nem pretender sub-
meter ou subjugar o outro. Os saberes precisam ser reconhecidos em si, sem hierar-
quizações falaciosas.
Este poder do enraizamento crítico sofre sérios embates e esmaecimentos nas culturas
sertanejas nordestinas, caracterizada por uma política de concentração de bens e riquezas
nas mãos de grupos socialmente privilegiados, como ocorre no sertão nordestino. Nesse
recanto, Freire observa, a continuidade do processo de colonização por meio da distribui-
ção de terras e águas para coronéis e apadrinhados políticos, o que lhe faz afirmar uma
necessária horizontalidade para que o diálogo ocorra (FREIRE, 2000, p. 76.).
Mesmo quando as relações humanas se façam, em certo aspecto, macias, de se-
nhores para escravo, de nobre para plebeu, no grande domínio não há diálogo. Há
paternalismo. [...]. A distância social existente e característica das relações humanas
no grande domínio não permite a dialogação (Op. Cit., p. 78).
Salientamos que para Freire, a educação é vista como ato de enfrentamento amo-
roso. Nesse contexto, o diálogo se erige como instância transformadora, crítica. “A
educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A
análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”
(FREIRE, 2000, p. 104). E afirma que somente num método dialogal se pode fazê-la de
maneira ‘trans-formadora’.
Paulo Freire (1983, p. 92), no “Pedagogia do Oprimido”, afirma a dialógica como
“essência da educação como prática da liberdade. [...] quer dizer, palavra verdadeira,
que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo”. Demarca que o diálogo educativo
começa na busca do conteúdo programático da educação libertária. Diria que começa
antes, na definição de princípios dialogais, melhor seria dizer que o diálogo começa
no próprio processo de fazer-se dialógico, de se reconhecer disposto a ser dialógico.
Lembro que numa definição Didática, o diálogo é o encontro entre seres humanos e
mundo num movimento de pronúncia, de compreensão e transmutação.
Considerar o diálogo nessa vertente é considerar a relação direta entre relações e
dialógica, o que implica na possibilidade de integrarmos a Perspectiva Eco-Relacional
(PER) à Dialógica freireana. Nesse vórtice retomamos a relevância dos pressupostos
para o diálogo e dos procedimentos dialogais. Retomamos a amorosidade e a humil-
dade, a fé no ser humano e a esperança no ser mais, bem como a busca das respostas
desveladoras das causalidades que se desdobram nas descobertas reveladoras de nós
mesmos e das demais ações de superação.
Enfatizamos, portanto, que essa proposta parte do pressuposto da necessidade de
se considerar como indispensável à nossa pesquisa a valorização d@ outr@ como legí-
tim@ em si mesm@ que se humaniza nas relações amorosas do encontro (MATURA-
NA, 1998); a superação de uma leitura cartesiana, colonializante, das relações sociais
e ecológicas com as esferas humanas e não humanas, próprias de algumas culturas
autóctones (BRANDÃO, 1994); que as esferas psíquica-sócio-política-ecológica são
indissociáveis; que o econômico é apenas parcela da totalidade; que todos esses são fa-
tores essenciais e indissociáveis da PER, capaz de contribuir para um mundo solidário
dialógico, habilitado a resistir à conjuntura crítica em que atualmente vivemos.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Bem, como já citado anteriormente, durante meu doutoramento, pude me dedicar


intensamente ao estudo da obra de Paulo Freire. Meu reencontro com Ele foi muito
fértil. Realmente foi possível ter uma boa compreensão de seus princípios e de sua pro-
posta. O trabalho com a tese propiciou viver, experienciar a Teoria Dialógica de Ação
e integrá-la à gestação da Perspectiva Eco-Relacional, gerando a Educação Ambiental
Dialógica (FIGUEIREDO, 2003; 2007; 2017). Nesse relatório apenas apontamos para
estes fatos e produções sem nos determos, no entanto, em apresentá-las mais extensa-
mente, pois elas se encontram disponíveis e acessíveis a consulta, nas obras indicadas.

1.4 Diálogo sobre o Diálogo

Em princípio, trazemos como complemento dos estudos anteriormente apresen-


tados, alguns nuances recém-descobertos acerca da historicidade acerca gênese da
dialógica/dialogicidade de Paulo Freire. Reconhecemos que os ensaios sobre esse con-
ceito, gerador da Teoria dialógica da Ação, principia já na sua tese “Educação e Atuali-
dade Brasileira”, porém, é no “Pedagogia do Oprimido” que ela adquire seus contornos
mais maduros. Mas sua pré-história, seu embasamento tem sido pouco tratado. Cons-
tatamos, evidentemente, que Freire assume haver uma pequena influência de Martin
Buber em suas reflexões, tanto que aparece citado no “Pedagogia do Oprimido”, ao
tratar da ação antidialógica. Mais precisamente ao tratar de um dos eixos articuladores
da Teoria da Ação Dialógica, da Colaboração. Ali Freire faz referência ao contributo
de Buber ao associar o eu antidialógico, dominador, que transforma o tu em oprimido,
subalternizado, num mero isto. Por outro lado, o eu dialógico sabe que o tu lhe cons-
titui (FREIRE, 1987, p. 96).
Ao revisitar essa história, fomos tentados a rever a gênese da dialógica de Freire.
Nesse movimento, nos deparamos, com um artigo de Lima e Christians (1979). Nele
temos uma informação interessante. Segundo estes autores, em um pequeno ensaio
produzido por Paulo Freire para a discussão com uma equipe interdisciplinar do
ICIRA – Chile, ao discutir o ato de conhecer, ele se remete à obra do filósofo espa-
nhol Eduardo Nicol14. Este afirma haver quatro relações constitutivas do conheci-
mento: epistemológica, lógica, histórica, e uma quarta relação, por ele denominada
de relação dialógica.
Decorrente disso, segundo esses autores, Paulo Freire assume a relação dialógica
como geradora do nós pensamos, agimos, nos comunicamos. É o nós que constitui o
‘eu’, os ‘eus’. E essa co-participação é comunicação que implica em reciprocidade dialo-
gal. Dessa maneira, podemos afirmar que educação é comunicação, diria Paulo Freire.
Encontro de pessoas em diálogo que, na busca comum do significado do objeto do
conhecer, conhecem. De imediato avança com a ideia original dada por Nicol ao diá-
logo, na direção do diálogo enquanto ato politicamente comprometido e, nele mesmo,
essencial. Diálogo adquire a ideia de ação cultural para a libertação dos mecanismos
sociais opressores, na ambiência de uma sociedade opressora. Assim, o diálogo adqui-
re uma racionalidade política engajada no processo de transformação do mundo, em
direção a um mundo no qual seja possível amar. Daí, tendo como base Eduardo Nicol,
Paulo Freire assume o diálogo como fundante do ato autêntico do conhecer, entre-
mentes avança com a ideia deste ser que, em certa medida se perde nessa perspectiva
do social, adquirindo uma postura política capaz de se contrapor, se opor mesmo as
14
NICOL, Eduardo, Los Princípios de Ia Ciência, México, Fondo de Cultura Econômica, 1965.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

padrões culturais colonializantes, no enfrentamento das tensões e superação da su-


balternidade. Em Freire, o objeto adquire o sentido de mediação. E a comunicação,
ato político em si, empodera os dialogantes e viabiliza a aprendizagem. Freire afirma:

A intersubjetividade ou a intercomunicação é a característica primordial deste


mundo cultural e histórico. Daí que a função gnosiológica não possa ficar reduzida
à simples relação do sujeito cognoscente com o objeto cognoscível. Sem a relação
comunicativa entre sujeitos cognoscentes em torno do objeto cognoscível desapa-
receria o ato cognoscitivo.
A relação gnosiológica, por isto mesmo, não encontra seu termo no objeto co-
nhecido. Pela intersubjetividade, se estabelece a comunicação entre os sujeitos a
propósito do objeto.
Esta é a razão pela qual, estudando as três relações constitutivas do conhecimento,
a gnosiológica, a lógica e a histórica, Eduardo Nicol acrescenta uma quarta, funda-
mental, indispensável ao ato do conhecimento, que é a relação dialógica.
Não há, realmente, pensamento isolado, na medida em que não há homem isolado.
Todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza
o primeiro sujeito do segundo, e a comunicação entre ambos, que se dá através de
signos linguísticos. O mundo humano é, desta forma, um mundo de comunicação.
(FREIRE, 1977 p. 65).

Salientam ainda estes autores, que mesmo em seus primeiros escritos Freire já cha-
mava seu método de dialogal. Afirmo que Paulo Freire ao dialogar com esses autores:
Álvaro Vieira Pinto, Nicol, Jaspers, Barbu, Zevedei, Buber, enriquece suas reflexões
acerca do diálogo. Porém, o diálogo em Freire desde o princípio traz a marca do com-
promisso com @s oprimid@s, o propósito libertador. É certo que adquire algumas
peculiaridades. Mas aprofunda sua densidade e impacto sociopolítico de fundamental
relevância e poder transformador, transcendendo o próprio Buber, Bakhtin, dentre
outros. A palavra prenhe de significação que se corporifica no diálogo supera a con-
dição de instrumento carregando reflexão e ação simultânea. Ambas, materializadas
na palavra historicamente datada e situada, empoderam o diálogo e são a essência do
próprio diálogo.
Mais uma vez enfatizo que fiz opções, tendo em conta autores que mais aparecem
no trato do diálogo, da dialógica, da dialogia, nesse diálogo com Paulo Freire. Desses
autores, destacaram-se Martin Buber, Mikhail Bakhtin, David Bohm e dois autores
com menos indicação – mas que nos parece interessante citar, por se tratar de uma
articulação contemporânea. Seriam: Matthew Lipman, com sua comunidade de inves-
tigação, e Carl Rogers e sua psicologia humanista.... Antes, porém, vamos avançar um
pouco mais nos elementos conceituais e articuladores com o campo empírico.

1.5 A Perspectiva Eco-Relacional

Buscamos, neste trabalho reunir informações, conhecimentos e saberes que pudes-


sem ajudar na ampliação do repertório educacional referente à Formação Docente que
contemplasse a Educação Popular e Ambiental, numa perspectiva intercultural críti-
ca (FLEURI, 1998; 2003; WALSH, 2009), dialógica (FREIRE, 1983; 1996; 1992; 1985,
1986, 2007; FIGUEIREDO, 2003; 2007), decolonializante (QUIJANO, 1991; 2005;

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

LANDER, 2005; FIGUEIREDO, 2009A; 2009B; 2010), bem como às práticas docentes
e formadoras associadas às questões socioambientais (BARCELOS, 2008; LOUREIRO;
2004; LAYRARGUES, 2000; 2002; GUIMARÃES, 1995; 2000; FIGUEIREDO, 2007).
Diante da premência e pertinência de refletir acerca da formação d@ educador(a)
numa perspectiva dialógica, que contemplasse a dimensão popular e ambiental, fo-
mos levados a optar por esse trabalho. Constatamos que os processos de formação
de professor@s e as concepções nele envolvidas habitualmente têm gerado resulta-
dos insatisfatórios. Por sua vez, as relações entre as práticas pedagógicas e os saberes
docentes denunciam que os paradigmas hegemônicos na formação docente deixam
de atender devidamente às demandas educativas contemporâneas, marcada pelas
mudanças e incertezas...
Vemos uma predominância de projetos de formação docente que se apoiam na
lógica colonializante, conteudística, bancária (FREIRE, 1983), de transferência de co-
nhecimentos, tendo o professor como único detentor e depositário dos saberes. Mo-
delo este, ainda hegemônico, que se respalda numa perspectiva técnico-instrumental,
com ênfase na formatação de professor(a) para adaptar-se à sociedade e manter às de-
mandas do mercado e as regras de mercantilização, com toda a carga de exclusão que
a acompanha e a produz, tal como nos propõe os estudos de Frigotto (2001), Kuenzer
(2000) e Shiroma (2000). E, neste cenário, nos parece muito pertinente uma alternati-
va de formação para @ educador(a) numa perspectiva dialógica.
Assim, ao nos referirmos à formação de educador@s dialógic@s no contexto con-
temporâneo, a partir de interlocuções com temáticas associadas à interculturalidade
crítica e à Decolonialidade, com vistas a uma formação crítica, contextualizada e am-
bientalizada, buscamos atender a essa demanda efetiva e afetiva.
Isto leva a um repensar paradigmático acerca da própria condição de ser educa-
dor(a), de ser professor(a), da práxis educativa e da formação docente. E, como tal, no
reconhecimento da célebre frase freireana de que nos educamos na relação e mediati-
zados pelo mundo, temos a convicção de que outra dinâmica societária pode se dar e
que a educação tem importante papel neste processo.
Diante da u-topia de uma educação dialógica, cabe a busca de fundamentos que
tragam esta lógica diferente da hegemônica. Santos (2008) e Freire (1983) falam que
é preciso superar a linha abissal, a opressão que nega humanidade e induz miséria.
Estes autores nos apontam que o horizonte desejável deve emergir do desvelamento
da subalternização inerente à modernidade e do entendimento do oprimido de que é
autor de sua libertação.
Esta proposta traz inovações e originalidade, muito embora reconhecendo o muito
que já existe de produção acerca da formação docente, da educação popular, da edu-
cação ambiental. Afinal, mesmo que exista, no Brasil, um repertório considerável de
estudos, pesquisas e práticas pedagógicas, ainda há muito que produzir nestes campos
de conhecimento, ao ter em conta a dialogicidade, a educação dialógica.
Foi a partir das reflexões de Aníbal Quijano (1991) que os Estudos da Colonialida-
de/Modernidade se alargaram desde os Estados Unidos, centro e fulcro da moderni-
dade/colonialidade contemporânea, até alguns recantos, ainda privilegiados, na Amé-
rica Latina (AL). Estes estudos se integraram à outra emergente corrente de pesquisa
acerca da Interculturalidade, que também se estendem desde o berço do eurocentris-

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

mo etnocêntrico até nós. Aqui ganham outra roupagem e incorporam os conhecimen-


tos acerca da colonialidade e, com as reflexões que ocorrem no Equador, chegam com
força e vigor para reconfigurar a Interculturalidade colorindo-a com uma perspectiva
crítica e a Colonialidade com uma materialidade expressa por meio dos movimentos
ancestrais latino-americanos.
Estes suportes ajudam a reconhecer o potencial desvelador e anunciante de práxis dia-
lógica inerentes aos saberes ancestrais do sul. E, neste rumo opta-se, neste projeto, por um
diálogo com os saberes de Paulo Freire, em particular quanto à formação docente.
Vale salientar que, na gênese dos estudos da colonialidade, Quijano (2005) trata
da ‘modernidade’ como um conjunto de elementos objetivos e subjetivos que funda-
ram um modo de existência social, que desenharam a sociedade moderna tal como a
conhecemos. Por sua vez, a ‘colonialidade’ se caracteriza por um padrão de poder que
deriva, na percepção de Quijano (2005), de uma classificação social hierarquizante da
população mundial pautada pela ideia de raça.
Nesta vertente, ao criticar a colonialidade/modernidade, criticamos o eurocentris-
mo, formulamos uma crítica à sua episteme única, enraizada numa lógica única, ao
seu dogmatismo religioso e projeto de domínio, que opera separações sucessivas e re-
ducionismos vários. DeColonializAção passa a ser verbo essencial aos novos tempos,
abertura à novas possibilidades.
Contrariamente ao que afirma a perspectiva eurocêntrica, a raça, a diferença sexual
e a sexualidade, a espiritualidade e a epistemologia não são elementos que acrescem às
estruturas econômicas e políticas do sistema-mundo capitalista, mas sim uma parte in-
tegrante, entretecida e constitutiva desse amplo "pacote enredado" a que se chama siste-
ma-mundo, patriarcal, capitalista, colonial, moderno, europeu (GROSFOGUEL, 2002).
É assim que diálogos em torno dos esfarrapados desse mundo, das questões de
classe, da popularização, da ambientalização, contextualização e racialização de mui-
tos dos debates contemporâneos, promovem aberturas, brechas, linhas de fuga, neste
sistema que estertora, mas resiste e tenta reinserir, desconstruir e revestir estas temáti-
cas desde a mesma lógica eurocêntrica-estadunidense. Daí a relevância de avançarmos
com estes temas-geradores e potencializadores de outros rumos e lógicas.
Neste corpus colonializante, podemos verificar a desqualificação, negação, ou mes-
mo a invisibilização dos saberes, conhecimentos, informações que se contraponham
potencialmente a esta lógica. Dessa forma, negam-se os saberes, epistemes e ontolo-
gias que carreguem resquícios, sementes ou mesmo indícios que possam fomentar
alternativas e brechas no sistema moderno, capitalista, eurocêntrico, colonializante.
Diante de toda esta denúncia, carecemos de um anúncio. Ressaltamos, com ou-
tr@s parceir@s investigador@s neste campo, que é preciso encontrar possibilidades
e alternativas para superar a colonialidade através da Decolonialidade como alicerce
necessário para uma revolução profunda, radical. E, para nós, Paulo Freire é um marco
fundamental na perspectiva de uma relação entre paradigma, episteme, teoria de ação
e processos educativos libertadores. Ele nos ajuda a entender o saber de lugar nenhum
para daí podermos tecer um saber datado e situado, um saber capaz de dialogar com
outros saberes e desse diálogo elaborar novos saberes.
Paulo Freire ofereceu a dimensão cultural e política como esferas essenciais no
modo de ser e se fazer da humanização, da superação dos mecanismos opressores e

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das interações subalternizantes e desumanizantes. Nestas passadas, em torno do desti-


no, foi que a Educação Ambiental Dialógica se teceu, ao se integrar no corpo de sabe-
res freireanos e reavivar a relevância dos processos relacionais na leitura de mundo que
o novo paradigma holístico-político-cultural integrativo traz (FIGUEIREDO, 2007).
Salientamos ainda estabelecendo uma ligação real entre esses tópicos, que quando
falamos de formação dialógica e relacional, estamos falando de Perspectiva Eco-Re-
lacional - PER, de interculturalidade crítica, de decolonialidade, há uma mistura na
perspectiva dialógica que propomos, fortemente freireana e que adquire elementos
inovadores ao se depara com Maturana, com a própria Perspectiva Eco-Relacional -
PER e estes estudos interculturais decolonializantes.
A referência epistemo-metodológica dessa tese é essencialmente a Perspectiva
Eco-Relacional - PER, consorciada e indissociável da Dialógica Freireana. A opção
por fundamentar nossas reflexões tendo como referência a Perspectiva Eco-Relacio-
nal, está inteiramente alinhada com a Dialógica Freireana, com a Interculturalidade
Crítica e a Decolonialidade. Para que se possa ter uma noção básica acerca dela, trago
aqui uma pequena apresentação acerca dessa proposição que surge no mestrado, na
feitura da dissertação quando constatamos que a abordagem holística que até então
era nosso fundamento já não conseguia atender nossas expectativas. Ali estava sendo
trançada as bases da Perspectiva Eco-Relacional – Perspectiva Eco-Relacional - PER.
Tivemos um apoio concreto imprescindível, o professor Manfredo Araújo de Oliveira,
meu orientador de mestrado e uma figura extraordinária nos estudos Hegelianos e
acerca da Linguagem na Filosofia Contemporânea e sobre a Ética.
A Perspectiva Eco-Relacional - PER veio atender a esse anseio de um paradigma
epistemológico. Começamos por informar que a PER foi proposta a partir da neces-
sidade de avançar em relação ao paradigma antropocêntrico, que caracterizou a ciên-
cia e a forma de nos relacionarmos com o outro, humano ou não, desde o início da
modernidade até hoje. Supera a visão de exploração e dominação da natureza para a
produção de riquezas, que tem caracterizado a ação humana sobre o planeta, e tam-
bém apresenta avanços em relação à visão ecocêntrica, que apesar de fazer uma crítica
ao antropocentrismo, primando por uma relação mais respeitosa para com a natureza,
não levou em consideração os aspectos sócio-histórico-culturais que influenciam a
ação humana. Para mim também havia um enorme interesse que a Perspectiva Eco-
-Relacional - PER também referendasse uma pretensão didático-pedagógica, que
atendesse esse entendimento da indissociabilidade entre investigar-ensinar-aprender-
-compartilhar. O ciclo gnosiológico freireano plenamente atendido e dentro de uma
esfera mais ampla que contemplava as relações como foco, o reconhecimento de que o
saber é situado e datado, tem uma trajetória histórica que se reconfigura e está aberta
a politicidade ética das relações.
A PER se principia na Metateoria Holística e vai se adensando indefinidamente.
Nos seus primórdios ela incorpora a Holística a noção de que a multimensionalida-
de, a complexidade, a multireferencialidade, precisavam estar presentes e manifestas.
Mais que isso havia de ser uma proposta que se fundamentasse freireanamente na
dialogicidade, na politicidade do ato investigativo-pedagógico-relacional. Era essen-
cial que tivesse uma opção pel@s oprimid@s de todas as maneiras e que com el@s
dialogasse e a partir deles se manifestasse.

45
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Reforçamos que a PER foi proposta a partir da necessidade de avançar em relação


ao paradigma antropocêntrico, que caracterizou a ciência e a forma de nos relacio-
narmos com o outro, natural ou não, desde a modernidade até a atualidade. Supera a
visão de exploração e dominação da natureza para a produção de riquezas, que tem
caracterizado a ação humana sobre o planeta, e também apresenta avanços em relação
à visão ecocêntrica, que apesar de fazer uma crítica ao antropocentrismo, primando
por uma relação mais respeitosa com a natureza, não levou em consideração os aspec-
tos histórico-culturais que influenciam a ação humana.
Importante destacar que a PER, desde a sua gênese15, caracteriza-se por sua dinâ-
mica relacional, como o próprio nome informa, e ao mesmo tempo, reforça a ideia de
uma percepção integral do mundo que propicie uma inter-relação harmônica entre
todos os seres.
A PER foi pensada inicialmente, no contexto da educação ambiental, num ambien-
te cuja peculiaridade do povo do lugar era a cultural oral como característica principal.
A matriz popular e intercultural presente nesta proposta favorece a valorização dos
saberes e da cultura popular local, do diálogo que reconhece esse saber tão importante
quanto o conhecimento científico.
Sua constituição se deu junto ao coletivo, num trabalho de grupos aprendentes
que em parceria atuava para o crescimento individual e coletivo processualmente e de
modo cíclico. Nesta vivência, tanto pesquisador, quanto pesquisados, se integraram
num processo de formação humana, de compartilha de aprendizagens, experiências.
Fundamentada principalmente nos pressupostos Freireanos, teve como meta e de-
safio a vivência experiencial destes pressupostos no cotidiano da feitura. A compreen-
são e a valorização do humano como ser de interrelação, considerando as necessidades
e peculiaridades dos participantes na constituição da proposta e no respeito aos sabe-
res, experiências, interesses, necessidades das pessoas e do grupo concomitantemente;
o diálogo como potencializador das relações através dos círculos dialógicos16 consti-
tuídos para a tessitura das aprendizagens, das tomadas de decisão, da superação dos
problemas encontrados e da busca para a solução dos mesmos; dos contos e causos
socializados, da utilização das imagens, das músicas, para melhor compreensão do que
muitas vezes era de difícil entendimento, utilizando as multi-linguagens, e aproveitan-
do as diferentes potencialidades que cada trazia para o círculo. Enfim, contribuiu para
a constituição de um projeto gestado numa dinâmica integrada, relacional, e porque
não dizer, eco-relacional, com vistas à formação humana em sua totalidade.
Além de uma fundamentação de base freireana, a PER busca suas referências nas
contribuições de Maturana (1998), que enfatiza o processo de interação afetiva como
alternativa para um mundo mais ético; Lane (1995) com a afetividade que supera a
lógica racionalista e incorpora a politicidade dos afetos; Brandão (1994, 2005) com
os subsídios para pensar a relação social entre humanos e não-humanos, ao mesmo
tempo em que contempla ideias de formação para educadores ‘ambientais’.

15
Para maior aprofundamento acerca da gênese da Perspectiva Eco-Relacional, ver o estudo de
FIGUEIREDO (2003).
16
O círculo dialógico significa a tentativa de ampliar o conceito de círculo de cultura proposto
por Freire, ao incorporar as dimensões epistemológica, ontológica, social, relacional, afetiva,
hermenêutica e o diálogo como processo e produto, que se dá a partir das próprias experiências
dos humanos que se relacionam.

46
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Ao pensar sobre a PER considero que um de seus contributos importantes são as


suas “metáforas categoriais”. Estas potencializam vantagens interessantes para a edu-
cação contemporânea. Evidente que muitas estão intimamente entremeadas com as
proposições freireanas da dialógica. Listamos aqui elas e, apresentamos, em seguida,
algumas apenas em caráter ilustrativo, seriam: a supra-alteridade; a equidade; as múl-
tiplas-linguagens; multidimensionalidade, multirreferencialidade; grupo-aprendente
e o círculo dialógico; a afetividade/amorosidade; contextualização; transposição infor-
macional; autor(a) epistêmico; saber parceiro; ecopráxis.
A supra-alteridade significa o respeito à diversidade e pluralidade de ideias e mani-
festação d@ outr@ diferente, capaz de enriquecer o saber anterior de cada um(a) d@s
dialogantes. Pode ainda ser compreendida como a disposição de se colocar no lugar d@
outr@ cognitiva, afetiva, sensitiva e intuitivamente; é o reconhecimento d@ outr@ como
autor(a) epistêmic@, como responsável pela autoria dos conhecimentos que tece em suas
relações significativas. A supra-alteridade pode nos colocar em muitos lugares de nós
mesm@s e em muitos lugares de estranhamento em que nos vivemos. Dialogar com o
saber d@ outr@ implica em supra-alteridade, em conexão entre o individual e o coletivo,
em democracia, em form-ação, em libert-ação, em palavr-ação, em ensinar-aprender,
em trans-form-ação, em busca da razão de ser, em criticidade, em compartilhamento.
O Saber Parceiro apresenta um saber que resulta do diálogo entre saberes distintos
gerando um novo saber mais rico e abrangente, compartilhado. Este saber se estabe-
lece por meio da dialógica. É um saber de entrelugar, de porteira, porta de acesso, de
passagem na direção de outr@s que também somos nós. Os autores epistêmicos trazem
a noção clara de que todos os envolvidos nas relações são simultaneamente aprenden-
tes e ensinantes, capazes de reconstruir e construir novos conhecimentos e saberes.
Grupo-aprendente é uma metáfora categorial que implica na conveniência de se valo-
rizar tanto o grupo como @s aprendentes que compõem o grupo, com igual valor e im-
portância; tanto os interesses individuais e coletivos. É relevante perceber a impossibi-
lidade de esquecer-se de si mesmo diante dos interesses do grupo, da mesma maneira
que o grupo é apoio e ampliação de poder, essencial nas conquistas individuais. A
ecopráxis é ação refletida que considera o contexto mais amplo e todas as inter-relações
presentes e influentes, direta ou indiretamente, no ato e na reflexão, amplia o horizonte
de reflexão. A ecopráxis potencializa pensar a ação, que se amplia permanentemente,
ao reconhecer que os limites são transitórios, mantendo a tensão entre o que é e o que
pode ser. A conjunção eco-relacional retrata a interação entre todos os componentes
do ambiente, a ligação de interdependência em contínua coevolução. Compreende
como essencial a dimensão afetiva, propiciadora das marcas evolutivas da natureza.
Potencializa o respeito autêntico a(o) outr@. O humano é concebido como unidade
multidimensional interligada ao todo.
Após esta breve apresentação da PER, damos continuidade ao tema enfocando al-
gumas potencialidades que a proposta apresenta como contributos para pensar a reno-
vação e alargar as possibilidades da formação permanente dialógica e eco-relacional.
Como ponto de partida, ao trazer à tona uma proposta que é ao mesmo tempo on-
tológica, epistemológica e metodológica com foco nas relações e na dimensão afetiva,
a formação permanente é também entendida como ‘relacional’. Este entendimento é
fundamento para compreender que outra lógica para a formação permanente, diferen-
temente daquela que a concebe como acúmulo de informações adquiridas através de
cursos, oficinas, palestras, seminários, dentre outras, é necessária e urgente.

47
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

A formação permanente como um processo relacional, materializa-se no compar-


tilhamento que ocorre em relações parceiras, democráticas, que se revestem de inte-
gralidade, de superação dos modelos colonializantes, subalternizantes, potencializan-
do a libertação d@s oprimid@s, em sua caminhada na direção do ‘ser mais’. Assim, for-
mação é concebida como um instrumento necessário a movimento para a superação
das condições desumanizantes que ainda perpassam os processos formativos.
Por ser relacional, privilegia-se a constituição de grupos-aprendentes, na qual
todos são ‘autor@s epistêmic@s’, ensinantes e aprendentes, ou seja, cada qual tem a
autoria do seu próprio conhecimento e saber, ainda que forjado na parceria, nas rela-
ções. Não há hierarquização de quem sabe mais ou menos. Há a valorização de todos
os saberes, no reconhecimento de que são importantes e diferentes entre si. Assim,
tod@s passam a se sentir incluíd@s, valorizad@s em suas singular pluralidade, dife-
rente-iguais respeitad@s em suas características, gostos, atitudes, comportamentos,
parceir@s de aprendizagem dentro de uma dinâmica que se constitui de um coletivo
cooperativo como instância fundamental.
Partimos do pressuposto de que o uso da PER (FIGUEIREDO, 2003, 2007), em
processos de formação dialógicos, oferece uma outra lógica que não se esgota em si.
É uma abertura constante ao diálogo, ao diferente, ao imprevisível, ao grupal. A PER
propõe romper com a lógica: cognitivista; colonializante e opressora; individualista e
individualizante de ensino; conteudista; da neutralidade científica; da formação por
meio da transmissão de conheci­mentos; de que alguém é o proprietário dos saberes
essenciais à formação; autoritária ou liberal; da teoria da ação bancária; cartesiana e
fragmentá­ria e avança em uma lógica eco-relacional. A contextualização com o mun-
do vivido se constitui tema gerador e lócus da aprendizagem no processo formador
que considera a PER.
Num breve exercício demonstrativo do quanto se interligam a Perspectiva Eco-Re-
lacional e as contribuições de Paulo Freire, nesta apresentação uma espiral se manifes-
ta demonstrando as inter-relações entre a valorização d@s oprimid@s e a supra-alteri-
dade; o conceito de democracia e o entendimento de que todo ato educativo é um ato
político e a leitura em teia; o diálogo e a dialógica no advento do saber parceiro; práxis/
leitura de mundo/ educação libertadora/ situação-limite/ ser-mais / quefazer/ inédito
viável/ temas-geradores. Apresentar exemplos concretos ocorridos na pesquisa...
Inclusão efetiva de tod@s parceir@s; valorização do saber d@ outr@ na feitura do
saber parceiro; relação pedagógica é relação dialógica; metodologias formuladas con-
juntamente; procedimentos democráticos; se propõe resgatar a história e saberes po-
pulares e potencializa o desvelamento de outras dimensões e vivências; efetivamente
há aproveitamento do saber vivido, o que possibilita de fato uma aprendizagem expe-
riencial definidora de autor@s sociais decididores; os valores e a ética são dimensões
essenciais; o respeito ensina respeito, elevando a autoestima e a estima; dialogar geran-
do o diálogo garante e estimula a fala d@ outr@ motiva as pessoas a se sentirem im-
portantes e envolvidas; a desordem orgânica gera uma nova organicidade – o ambiente
de liberdade possibilita a emergência de novos saberes; a compreensão de que somos
parte do mundo resgata a solidariedade e a necessidade do cuidado com @ outr@;
pensar sobre a forma como vivemos e a sociedade torna mais significativo o aprendi-
zado; as metáforas, imagens, lembranças, o ícone, os símbolos, as músicas, carregando
significados e significantes que permitem aos educandos vivenciarem intensamente a
proposta; a práxis é a potencializadora da teoria / o experimentar-se na criação.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

1.6 Dialógica e Dialogicidade em Buber, Bakhtin e Freire

Constatamos em nossa pesquisa virtual, tanto no âmbito acadêmico, quanto em


geral, que há uma certa centralidade entre um pequeníssimo grupo de autores quando
se trata de dialógica, diálogo, dialogicidade. A regra é apontar, além de Paulo Freire – o
mais citado e referenciado, Martin Buber, seguido de Mikail Bakhtin. Um tanto me-
nos, aparecem os nomes de Carl Rogers, David Bohm e Matthew Lipman.
Em nossos estudos, constatamos que há indicações e indícios de que Buber inau-
gura em certa medida estes estudos e a utilização desses conceitos. Para ele, intitulado
de Filósofo do Diálogo, é por meio do diálogo que nos constituímos humanos. É na
relação com @ outr@ que forjamos nossa humanidade. Esse tu se torna essencial para
que o eu seja viável. Com ele se constitui a chamada Filosofia Dialógica. Destaca que
existe outra relação, em geral desumanizante, ainda que faça parte do contexto de vida,
a relação eu-isto. Nessa há a semente da coisificação como também da fetichização que
desumaniza e nos torna coisas interagindo com coisas.
Bakhtin, por sua vez, também reconhece a influência vital que @ outr@ tem sobre
nós. Afirma que as palavras dess@ outr@ nos constitui. A diversidade seria, para esse au-
tor, um valor imprescindível em nossa constituição de ser humano, nos orientando e nos
fazendo evoluir. A alteridade no viver e conviver nos facultaria o espelho imprescindível
para nos reconhecermos tal como somos, ao mesmo tempo que nos ajuda na percepção
das mudanças necessárias. Nesta vertente reconhecemos o quanto ess@ outr@ tece co-
nosco a teia da vida, nos ‘Caminhos do Coração (GONZAGUINHA, 1987).
Na leitura possível desse tópico, Maturana e seus estudos sobre a importância do
Amor, do reconhecimento e acolhimento d@ outr@ como legítimo outr@, pode con-
validar isso. Destacamos nessa vertente a questão da alteridade no diálogo. E, nisso
também podemos encontrar muitos contributos em Paulo Freire, a ponto de muit@s
estudios@s da temática – inclusive no campo terapêutico humanista – tenderem a
considerar imprescindível dialogar com Paulo Freire, sob o risco de terem que reco-
nhecer que seu dito humanismo não contempla o humano em sua totalidade.
Mikhail Mikhailovich Bakhtin, este filósofo russo, favorece a interlocução em tor-
no do diálogo, conflito alteridade. Abrindo um parêntese, informo que no Brasil te-
mos duas importantes referências no trato dos estudos sobre Bakhtin: João Wanderley
Geraldi e Sônia Kramer. Geraldi inclusive dialogou com Freire e Bakhtin e encontros
possíveis entre estes autores.
Nesse trato, Geraldi (2013) afirma que dialogia e alteridade são os pilares estrutu-
rantes na interligação desses autores. Ainda que dê destaque ao fato de que dialogia
contempla também o conflito, polêmica, luta de classe... ao mesmo tempo em que
ambos defendem a influência direta entre @a envolvid@s no processo dialogal. Ainda
corroborando com essa argumentação, com o intuito de entender um pouco acerca
da dialógica de Bakhtin, salientamos sua argumentação de que uma defesa de posição
somente é possível com base na posição de outrem. Que a própria definição identitária
se configura em oposição ou conjunção com outras pessoas. Relação para Bakhtin,
tal como upara Paulo Freire, seria uma chave na formação humana. Para Bakhtin, o
diálogo é o lugar de relações concretas nas quais se configuram sentidos, significados
e ideologias.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Abrimos aqui uma breve digressão sobre uma das contribuições decorrentes dos
estudos de Bakhtin sobre a dialógica, que forjou o círculo bakhthiniano; a Análise
Dialógica do Discurso (ADD); como também a ideia de que ideologia se forma na
externalidade do indivíduo, se caracterizando como um signo, passível, portanto, de
se reconfigurar socialmente.
Em diálogo com autor@s que articulam uma interlocução entre Freire e estes ou-
tros autores citados, vamos encontrar indícios e rastros interessantes que podem aju-
dar em nossa jornada em busca dos resultados dessa investigação.
Um artigo de Lima e Christians (1979) remete a uma boa discussão acerca da dia-
lógica. Na leitura desses autores, entendemos que, ainda que reconheçam a relevância
das contribuições de Buber e Bakhtin, Paulo Freire se destaca, principalmente pelo
caráter explicitamente político de sua proposta dialógica.
Ao falar sobre Buber e sua perspectiva dialogal, afirmam que ele é o arquétipo
da dialogicidade, mas que há certa ambiguidade política em seus escritos. Ainda que
em sua vida tenha sido assumidamente comprometido com as causas sociais. Decerto
aparenta em suas reflexões teóricas posturas românticas e ingênuas, dizem estes auto-
res. Daí sua teoria dialogal deixar de contemplar a mudança revolucionária. Mesmo
assim, ele traz de modo pioneiro e renovador a bidirecionalidade da comunicação.
Porém, longe de se comparar a importância de Paulo Freire quando incorpora a essa
bidirecionalidade comunicativa o aspecto político da comunicação dialogal.
Paulo Freire, por sua vez, de conformidade com Lima e Christians (1979), ofe-
rece seus pressupostos básicos: o amor como fundamento, a confiança recíproca e o
caráter intencionalmente a priori das relações entre os homens. Estes autores, com
os quais concordo, assumem em sua leitura que Freire propõe estabelecer o diálogo
como centro do processo de libertação humana, numa pretensão evidentemente re-
volucionária e comprometida politicamente com as transformações sociais em favor
das classes oprimidas. Eles afirmam categoricamente que isto sequer é encontrado em
outras orientações dialogais. Acreditam eles que uma peculiaridade que diferencia a
dialógica freireana, seria sua emergência em cenários concretos de práxis, sem teorizar
abstratamente. Em suas palavras:

Todos os livros que escrevi foram, sem exceção, o relato de alguma fase da ativida-
de político-pedagógica na qual me engajei desde minha juventude. Alguns relatam
experiências já concluídas. Outros surgiram em meio a experiências em andamen-
to [...] E, como a experiência descrita nos livros progride, sinto-me obrigado a
continuar a relatar experiências capazes de aprofundar as afirmações e a s análises
já oferecidas ou de corrigir algumas delas. (FREIRE, 1978)

O texto também apresenta uma síntese biográfica de Freire, em que destacam que
ele viveu ainda na infância a fome, podendo compreender a ‘fome dos outros’, sua
obra ocorre em resposta à questão dos processos opressores. Exilado no Chile vive
o processo de alfabetização politicamente engajada e pós-alfabetização aplicada aos
camponeses. Em seguida, como membro do Conselho Mundial das Igrejas e do Ins-
tituto para a Ação Cultural, alocado em Genebra, atua na África, pós-revolução, com
destaque para Guiné-Bissau, que lhe ajudaram a compreender as peculiaridades das
sociedades desumanizadas. Esses três países, tipificaram estas sociedades desumani-

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

zadas. E, no entendimento desses autores levaram Freire a ver na humanização como a


questão fulcral de nossos dias. Assim a meta da libertação adquire um nexo causal de
base e marca sua definição de diálogo, dialógica, dialogicidade.
No entendimento de Lima e Christians (1979), para Freire, a dimensão política do
diálogo implica na transformação do mundo por meio de sua nomeação compartilha-
da e comprometida, num movimento de humanização e assunção da autonomia e de
se reconhecer agente cultural e historicamente capaz de enfrentar as injustiças sociais e
superá-las de modo parceiro. Lima e Christians tinham plena convicção de que a ação
cultural revolucionária implicava na emancipação e restauração da humanidade usur-
pada pelos padrões opressores. A grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos,
seria, portanto, se libertar e, consequentemente, libertar o opressor. E, nesse contexto,
o diálogo político ocupa o centro desse processo. Considera que a legitimidade revolu-
cionária é dada pela ação dialogal. Sendo o diálogo a essência da ação revolucionária.
É esta característica que define a plena diferença entre Paulo Freire e outros de-
fensores da tese do diálogo como ação humanista, tais como o psicoterapeuta Carl
Rogers, em sua abordagem centrada na pessoa e o existencialista Søren Aabye Kierke-
gaard. Ambos com propostas personalistas, diferentemente de Freire com sua posição
socialmente totalizante e multilateral.
Bem, nossa pretensão de avançar na partilha de elucubrações acerca de Buber e
Bakhtin de maneira um pouco mais aprofundada quedou-se diante do inexorável tem-
po que me impediu de fazer isso por agora. Me proponho fazê-lo mais adiante... Mes-
mo assim, apresentarei aqui algumas importantes contribuições de autor@s que nos
ajudam a entender um tanto mais estes autores dialógicos.
Citamos, o já citado Lima, Venicio A. de e Christians Clifford G. com seu belís-
simo texto intitulado: “Paulo Freire: A Dimensão Política da Comunicação Dialogal,
publicado em 1979, na revista Síntese. Nele estes autores ressaltam o quanto Buber
se deteve em sua postura política nos textos que nos ofereceu, diante do Hasidismo,
uma vertente radical do judaísmo. Nesse processo, Buber opta por priorizar o diálogo,
a dialógica, na perspectiva espiritual de superação do mundo fenomênico, tal como
propôs Sócrates com sua Maiêutica e Platão com sua dialética transcendental.
Ainda assim, precisamos considerar a extraordinária contribuição dada por Buber
ao inaugurar o campo da filosofia dialógica e potencializar sua expansão através da
educação.
Aragão e Navarro, 2004 nos ajudam a pensar o tecido dialógico por meio da apro-
ximação que faz entre Bohm, Freire e Bakhtin. Nela ressalta a tese de que a vida é
fruto de um grande diálogo e que esse tecido dialógico atravessa tudo e potencializa
a consciência. Pena, traz o “Diálogo, alteridade e agir ético na educação: um encon-
tro entre Martin Buber, Mikhail Bakhtin e Paulo Freire”. Nele nos apresenta Buber,
Bakhtin e Freire e vai mostrando o quanto a alteridade é dimensão imprescindível ao
diálogo. Ele corrobora com a informação de que Buber influencia Bakhtin na feitura
do seu dialogismo. Traz inclusive Friedman, Faraco e entrevista de Bakhtin que fun-
damentam sua afirmativa. Ele ainda diz que Buber e Bakhtin nos oferecem o alicerce
da ética do inter-humano. Buber em sua ideia de uma ontologia da relação e Bakhtin
em seu dizer que ser é ser para um outro. Enquanto Buber seria o filósofo do diálogo,
Bakhtin seria o filósofo das relações dialógicas. Daí, tanto Paulo Freire, quanto Buber
e Bakhtin compreendem o ser humano como um ser de relações, chega a afirmar no

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

texto e assume que estes três seriam pensadores que representariam o primado do
princípio dialógico.
Trazemos ainda uma pequena digressão para apresentar um pouco de dois autores
mais recentes no trato da dialógica, Lipman e Carl Rogers.

1.7 Comunidade de Investigação e o Diálogo em Lipman

Em nosso entendimento, fundamentado nas leituras identificadas nessa pesquisa,


constatamos interessantes reflexões de Matthew Lipman que nos ajudam a organi-
zar procedimentos praxiológicos que já vinham sendo aplicados através da Pedago-
gia Eco-Relacional, uma abordagem dialógica freireana. Ele nos ajuda a organizar as
ideias que já vinham sendo implementadas e se articulam com a Dialogicidade e o
Círculo Dialógico, tal qual o entendemos e ampliamos.
Para Lipman, há uma necessidade de se repensar a educação hegemônica e o modo
de pensar habitual, desde o fato evidente de que estamos equivocados ao supor que as
crianças, @s educand@s, são seres passivos e passíveis de receber o depósito de conhe-
cimentos que se definem a priori. Ele afirma ainda, com base em suas experiências
nos Estados Unidos, que a escola tem dificuldades de educar para a investigação e
participação ativa d@s educand@s (FÁVERO; CENTENARO, 2016).
Na percepção de Lipman, há de se superar o paradigma hegemônico no campo da
educação que ele denomina de paradigma padrão, pautado na transmissão de con-
teúdos, reprodução, memorização. E destaca a relevância do paradigma reflexivo da
prática crítica, em que se pauta na elaboração do aprender um pensar de ordem su-
perior. Esse pensar implica em ter uma postura criteriosa, criativa, capaz de perceber
as relações contidas nos temas investigados. Esse pensar de ordem superior seria a
fusão do pensar crítico e do pensar criativo, ainda que nos leve a supor que uma coisa
desemboca na outra. Em sua lógica, o conhecimento se é apropriado através da intera-
ção com o contexto, na solução de problemas (LIPMAN, 2008). Salienta-se ainda que
pensar criativamente é ir além das respostas prontas e postas, em que se buscam novas
respostas. Nesse pensar há de se ter também um pensar complexo.
A base de sua intervenção pedagógica acontece no contexto do que ele denomina
de converter a sala de aula em uma “comunidade de investigação”. Nela há circula-
ção de opiniões, com respeito, aprimoram respostas, buscam alternativas coletivas,
se desafiam (LIPMAN, 2008, p. 31). Em nossas atividades no cenário da Pedagogia
Eco-Relacional denominamos isso de grupos aprendentes (FIGUEIREDO, 2003). Se-
gundo Fávero e Centenaro (2016), estudiosos desse autor, destacam que ele percebeu
a relevância pedagógica do diálogo. Esse, enquanto interação sócio linguística se torna
fundamental e fundante da comunidade de investigação. Segundo Lipman (2001), po-
rém, nem todas as discussões podem ser definidas como dialógicas... estas são as que
favorecem o pensar certo. Assim também diria Paulo Freire. Na feitura lipmaniana, o
diálogo implica numa discussão acumulativa, na qual cada contribuição é com efeito,
uma linha de força ou um vetor que converge ou conflitua, mas é orquestrada com as
outras. Se nesse processo há um consenso final ou não, isto é, o de menor relevância.
O que realmente importa é o processo das contribuições de cada participante que se
relacionam e se aprimoram à medida que cada um aprende com o que @s outr@s tra-
zem para o diálogo (LIPMAN et al., 2001).

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1.8 Abordagem focada na pessoa ‘em diálogo”

Por sua vez, Carl Rogers, é uma boa descoberta, ainda que seja bastante limitado
seus contributos para a dialógica, para a dialogicidade, é interessante sua inserção no
campo da dialogicidade, pois traz mais valor e visibilidade para estas discussões. Fon-
seca (2018) consegue elaborar uma belíssima reflexão na qual demonstra que Rogers
reconheceu a relevância de Paulo Freire para o seu trabalho, porém, muito na pers-
pectiva de dizer da similaridade, ainda que considere que Paulo Freire utiliza muitas
abstrações e fala para oprimidos e minorias. Esse autor demonstra a leitura superfi-
cial formulada por Rogers em seus comentários sobre a importância da Pedagogia do
Oprimido. Porém, Rogers faz questão de frisar seu espanto diante da similaridade de
ideias entre sua abordagem e a de Paulo Freire.
No momento mesmo em que Rogers percebe a falta de uma dimensão política em
sua proposta que contemplasse as reflexões em torno do poder pessoal, fica evidente
para ele que sem essa dimensão haveria um déficit capaz de desqualificar sua aborda-
gem como humanista. Entretanto, parece a Fonseca, com o qual concordo, que Rogers
incorpora essa questão sem dar a densidade necessária à politicidade do ato educati-
vo-terapêutico.
Sua compreensão deixa de abarcar a largura da proposta dialógica de Paulo Freire
e ele tenta justificar esse fato por meio de uma redução da teoria freireana. Chega a
afirmar que se distinguem no que se refere ao público que atendem e diz que a Peda-
gogia do Oprimido focava em atender “camponeses amedrontados e oprimidos”. Diz
que Freire se coloca de modo abstrato, desconhecendo o impacto das contribuições da
dialogicidade no concreto da vida de milhares de pessoas das classes populares.
Outro ponto que vale destacar é o caráter individualista da dimensão política de
Carl Rogers em contraponto com a proposição fortemente coletiva de Paulo Freire. A
dinâmica de classe e suas ressonâncias é praticamente invisibilizada ou invisível para
Rogers e a abordagem centrada na pessoa (ACP). Na reflexão de Fonseca desconsi-
derar isso é impedir qualquer real possibilidade de compreensão da dialogicidade de
Paulo Freire.
Digno de destaque ainda é reconhecer que a práxis para Freire implica na base de
aprendizagem e de transformação social desejável na superação dos processos opres-
sores, fruto do capitalismo.
Ainda que admire e tenha como referência a pesquisadora da ACP, Maureen Mil-
ler O ‘Hara – adepta da utilização conjunta da obra de Rogers e Freire, discorda da
leitura que ela faz em certos aspectos, principalmente quanto ao desconhecimento
dessa peculiaridade da plena opção freireana de ter como foco o oprimido e a ideia de
superação dos processos opressores.
Em particular, discordo de Fonseca quanto ao fato de que Freire tenha na Filosofia
do Diálogo de Buber um ponto em comum com Rogers. A atitude e proposta dialógica
de Paulo Freire acontece no contexto crítico da realidade opressora, no reconhecimen-
to de um embate de classes sociais, na historicidade concreta dos grupos oprimidos
envolvidos. Por outro lado, a ACP desconsidera essas mediações socioculturais e ge-
neraliza sua atuação em torno de uma ‘pessoa’.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Para finalizar esse ensaio em torno dessa articulação dialógica de Paulo Freire, Bu-
ber e Bakhtin, tendo ainda a presença de Bohm, Rogers e Lipman, trazemos para parti-
cipar uma figura importante para a continuidade da difusão do pensamento freireano,
do ponto de vista institucional: Moacir Gadotti.
Gadotti, em artigo apresentado no Fórum Paulo Freire – V Encontro Internacio-
nal, promovido pelo Instituto Paulo Freire de Valência, na Espanha, no ano de 2006,
ao dialogar sobre dialogicidade, Hermenêutica e Educação, inicia essa fala recordando
sua trajetória com a temática da dialógica. Afirma categoricamente que seu primeiro
contato com a pedagogia do diálogo ocorreu através das obras de Buber, Georges Gus-
dorf e Paulo Freire, no Curso de Pós-graduação em Filosofia da Educação da PUC-SP,
durante seu Mestrado em Filosofia da Educação, no ano de 1997. Ressalta Martin Bu-
ber, e seu "princípio dialógico” e Gusdorf com a fenomenologia da “relação mestre-
-discípulo”. Na leitura de Gadotti seriam duas vertentes da pedagogia do diálogo: a
liberal. Uma pautada na filosofia humanista cristã outra no judaísmo, no existencialis-
mo. É ainda Gadotti, em sua análise crítica que afirma:

Até aqui o diálogo é compreendido como uma relação privilegiada entre duas pes-
soas, em igualdade de condições, na ‘reciprocidade’, como dizia Buber. Daí essa
concepção ainda aristocrática do diálogo confrontar-se com as condições concre-
tas da prática pedagógica e esbarrar com as desigualdades sociais e toda a sorte de
impedimento à realização do ideal dialógico. Sob essas novas condições históricas
a noção do diálogo toma uma forma também nova: entra em cena um novo dado,
que é o dado político da relação educadora.
[...] Nesse contexto histórico de fracasso da educação e de nova esperança, surge
uma nova sistematização, cuja maior figura é Paulo Freire. Paulo Freire... ele dá um
caráter eminentemente político ao diálogo. Em Paulo Freire o diálogo dos oprimi-
dos, orientados por uma consciência crítica da realidade, aponta para a superação
do conflito destes com os seus opressores...
[...]. Em Paulo Freire o diálogo não é só um encontro de dois sujeitos que buscam
a significação das coisas (o saber), mas um encontro que se realiza na práxis, no
engajamento, no compromisso social. Dialogar não é trocar ideias. O diálogo que
não leva à organização dos oprimidos é puro verbalismo. Esta é a dimensão políti-
ca do diálogo em Paulo Freire”.
E, assim, começa de fato a dialogicidade em um novo contexto, com toda sua densi-
dade atual, que só Paulo Freire pode dar naquelas circunstâncias e com sua experiência de
vida e intuição. Com Paulo Freire constatamos o emergir de uma dialógica autêntica, com-
prometida com a transformação social do mundo, com a libertação da opressão, com a su-
peração desse modelo de sociedade moderna, capitalista, imperialista, dogmática, machis-
ta, colonializante. A dialogicidade, a dialógica, o diálogo freireano nasce no ventre mesmo
da Teoria da Ação Dialógica, no cenário de uma teoria social, pedagógica, epistemológica
que se propõe, por meio do diálogo efetivar relações revolucionárias e libertadoras dos
processos subalternizante e colonializadores da sociedade moderna.
E nesse clima de revolução dialógica nos aproximamos da pesquisa empírica e do
modo como realizamos a caminhada, constituindo o caminhar e o caminho por meio
de uma metodologia dialógica.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Outro ponto que pretendo observar, numa aproximação com a dimensão educati-
va da dialógica freireana, é um aporte oriundo de notas de supervisão da Maria Teresa
Esteban, em que ela me apresenta, fruto de uma fala sua intitulada “América Latina,
colonialidade e sonhos de libertação: a práxis político-social de Paulo Freire”. Nesse
texto de embasamento da sua fala, ela dialoga com uma citação de Streck (2010), em
que ele afirma que Paulo Freire propõe uma ruptura com os sentidos da educação po-
pular, através da Teoria da Ação Dialógica, como educação do povo/pública ao ressig-
nificar o conceito como uma pedagogia d@ outr@. “Assim, reinventa a pedagogia, pois
desloca o seu eixo do indivíduo burguês educado para ser o cidadão, ‘para uma classe
social que ao mesmo tempo ensina e aprende’. Numa reviravolta pedagógica, podemos
dizer, desloca um processo centrado em métodos e técnicas para o compromisso com
a práxis transformadora”.
No artigo de Streck (2010), ele afirma que Paulo Freire, com sua proposta, con-
solida um pensamento pedagógico latino-americano, um momento de libertação da
pedagogia dos padrões tradicionais, de modo similar ao que ocorre com a libertação
da teologia com a teologia da libertação. Com Freire, a pedagogia se torna a pedagogia
do outro, do oprimido, afirma Danilo Streck. Avança ainda ao equiparar paradigma-
ticamente o deslocamento freireano ao de Rousseau, quando se propõe sair da ideia
de educar o indivíduo burguês para buscar educar o cidadão do contrato social. Nessa
linha, Streck afirma a opção por deslocar a educação do cidadão para a educação de
classe social, os oprimidos. Estes fatos se alinham para reforçar a relevância do diálogo,
da dialógica, da dialogicidade em Paulo Freire para as grandes transformações peda-
gógicas possíveis. Eu diria necessárias.
Como estamos aqui a escrever, a relatar através da escrita, passamos a exercitar o
diálogo por meio das indagações. Nessa reviravolta ao diálogo sobre o diálogo, talvez,
a primeira questão que emerge, nesse trecho do relatório, seja: há diálogo nessa escrita,
no relato, na narrativa? Talvez seja questionável começarmos com questões ao invés
de apresentarmos respostas. Talvez isso seja uma característica dialógica do diálogo?
Lembramos trecho de um artigo (FIGUEIREDO, 2009), no qual dizia que o pro-
blema é a questão. Nele, articulava a dificuldade de professor@s e cert@s educador@s
de se relacionar adequadamente com o diálogo, com perguntas inesperadas e desco-
ladas de respostas. Que isso decorre do desamor... A pedagogia da pergunta convém
estar alinhavada com a pedagogia do amor? Seria condição essencial? Paulo Freire,
no trato desse tema, ressalta que o medo da pergunta é uma das causas do estímulo às
ausências de perguntas. O medo é o outro lado do amor? Afirma, ainda, que há um
projeto de sociedade no qual a cultura do silêncio predomina e perguntas comprome-
tem isso, pois instigam a fala, o diálogo.
Relembramos uma observação de Paulo Freire, nesse mesmo diálogo, presente no
“Por uma pedagogia da pergunta” (FREIRE; FAUNDEZ, 1985), em que ressalta a im-
portância de ligarmos pergunta, resposta e ação... palavra-ação-reflexão no exercício
do diálogo, da dialogicidade. Lembro também de um caboclo sertanejo que me disse
que “no problema está a solução”.
A primeira parte de uma jornada de mil passos começa com a pergunta: para onde
quero ir? E essa foi antecedida por outra pergunta: Onde estou? Estes dois marcos
de referência possibilitam o percurso. Certamente, outras perguntas são necessárias:
Como irei? O que preciso levar? E aí recordo outro trecho daquele texto (FIGUEIRE-

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

DO, 2009), acerca de Ítaca, em que se tem referência à importância da caminhada no


fazimento do caminho, do caminhar... sim, o processo se torna essencial na formação,
mais do que o produto. Aliás, o produto é fruto da caminhada. A poesia é percurso, é
biófila. O resultado é o fim... E o amor é o que nos mobiliza, enquanto o medo nos pa-
ralisa. O amor é a maior das emoções, transcende-as. Emovere... movimentar, mover...
Chegamos então ao princípio. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com
Deus, e o Verbo era Deus. Tudo foi feito por ele; e nada do que tem sido feito, foi feito
sem ele”. Se parafrasearmos a Gênese, presente no Antigo Testamento Cristão, e adap-
tarmos o texto para falarmos de aprendizagem, formação, educação, ensinar e apren-
der, me parece perfeitamente factível dizer: No princípio era o diálogo e o diálogo era
o amor e o saber. Tudo foi feito com amor e sabedoria. Sem isto nada foi feito.
A gênese da sabedoria é o amor, assim parece. Em outras palavras, as relações au-
tênticas são condições vitais enquanto contexto no qual emerge a aprendizagem. Nesse
vórtice, podemos reconhecer no contexto relacional uma chave que explica o processo
pedagógico exitoso. É Paulo Freire quem afirma: “É na prática de experimentarmos as
diferenças existentes que nos descobrimos como eus e tus. A rigor, é sempre o outro,
enquanto tu, que me constitui como eu, na medida em que eu, como tu do outro, o
constituo como eu” (FREIRE, 2000, p. 96).
Como apresentamos na introdução, uma das nossas pretensões foi transitar fun-
damentalmente através de Paulo Freire, com foco no tema da dialógica e formação de
educador@s dialógic@s, portanto formação dialógica. Porém, associado a isto, estava,
enquanto foco oculto a se somar, a ideia de nos apropriarmos um pouco da perspectiva
dialógica de outr@s autor@s, considerad@s clássic@s, que transitassem nesse tema. Que
iremos tratar mais adiante no tópico em que estabelecemos o diálogo com Buber, Bakh-
tin, Bohm, dentre outros. Antes, porém, podemos efetuar ainda um pequeno desvio
no caminho para inserirmos a relação entre dialógica e cultura. Em Paulo Freire esse é
ponto crucial no processo de alfabetização dos seres humanos. Reconhecer nossa histo-
ricidade e potencialidade através do reconhecimento de que somos seres da cultura e,
portanto, seres da história, seres inconclusos, passíveis de ‘ser-mais’. Nesse movimento,
vou trazer aqui alguns recortes de um artigo no qual estabelecemos uma conversa entre
dialogicidade e cultura, cultura matrística em especial (FIGUEIREDO, 2016).

1.9 Dialogicidade e Cultura Matrística

Aqui trazemos recortes (FIGUEIREDO, 2016) associados à temática da cultura, da


cultura matrística associada à dialogicidade, à dialógica.
Em nossos estudos ao redor e atravessando e atravessados pela dialógica freireana,
constatamos efetivamente o quanto há nisso uma clara percepção do vínculo indisso-
ciável entre o diálogo e a cultura. Ao ter isto em pauta, revisitamos um artigo no qual
fomos em busca dos princípios do que seria uma Cultura Matrística. Nele, início res-
saltando que essa cultura se identifica e se relaciona com as chamadas culturas tradi-
cionais, culturas ancestrais, as culturas de nossos antepassados indígenas, das culturas
intituladas autóctones, culturas dos troncos velhos.
Nesse movimento de integrar contexto, pretexto e texto, fomos buscar Maturana
(MATURANA, 1998; MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004) para contextualizar

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

esse processo e reconhecer, em seu texto, o pretexto de tudo que decorreu com a perda
da perspectiva matrística que perdurou em remotos tempos, mundo afora.
Quando nos deparamos com as características elencadas por Maturana (Op. Cit.)
inerentes à cultura matrística, percebemos essa sensibilidade quase infantil. Para en-
tendermos essas argumentações, creio ser importante definir três conceitos em sua
abordagem. O primeiro seria de linguagem/linguagear; o segundo seria emoção/emo-
cionar; e o terceiro seria cultura, nessa base relacional que emerge da sua teoria.
Maturana tem transformado os substantivos linguagem e emoção em verbos. Seu
intuito é trazer o sentido de ação no conviver cotidiano. Concordamos inteiramente
com o entendimento de que a linguagem e a emoção não são coisas isoladas, elas ocor-
rem no fluir das relações, são “relacionais” (FIGUEIREDO, 2007). Dessa maneira, a
linguagem acontece no linguagear, tanto como a emoção acontece no emocionar. Flui,
ocorre no movimento relacional do conviver e da coordenação, dos acordos e acertos,
dos combinados pautados pelas emoções.
Por sua vez, a cultura se define, nessas bases, como o que se tece e se mantém gera-
ção após geração, em torno de acertos relacionais de convivência, satisfatórios para a
comunidade em questão, orientados pela emoção expressa na linguagem que comunica.
Salienta ainda Maturana, que certos gestos, ações, movimentos possuem signifi-
cados distintos de acordo com a emoção que lhe gera; o discurso, igualmente, possui
caráter diferente de conformidade com sua gênese emocional. Em suas palavras, as
culturas podem ser entendidas como redes fechadas de conversações que produzem
a configuração do emocionar partilhado grupalmente, geratriz de ações socialmente
validadas. Seria nessa rede que se configuraria o caráter da cultura. Por isso, nos afirma
que é a emoção que guia, no fundo, o fluir histórico.
Como podemos concluir, as emoções estariam no centro dos processos evolutivos
de todos os seres vivos, ao definirem seus fazeres, suas ações, suas comunicações. Eu
diria que o foco seriam as relações pautadas nas emoções que lhes constituem e, daí
decorre suas ações. As ações dos seres vivos, portanto, são relacionais em sua origem.
São essas relações mobilizadas pelas emoções e vice-versa que definem onde se en-
contram, seus destinos, sua busca de comida, onde e com quem se reproduzem, onde
criam os filhotes etc.
Ao se ter isso em conta, podemos já ensaiar algo que nos interessa mais a frente,
que se identifica com as possíveis mudanças culturais. Estas ocorrem quando acon-
tecem mudanças no emocionar que vai impactar as redes do linguagear em que se
vive. As condições de vida, as pessoas, vão mudando suas ações, suas experiências, daí
resulta reflexões que impactam, potencializam querer mudar o viver. Salienta ainda,
Maturana, que as culturas e o próprio viver tendem à permanência, ao conservado-
rismo. Constata-se que as mudanças nas condições de vida estão imbricadas com as
mudanças na cultura.
Retomando nosso foco, constata-se que a cultura matrística perdeu lugar na socie-
dade moderna para a cultura patriarcal. Essa Cultura patriarcal é hoje hegemônica no
mundo inteiro, integra desintegrando o mundo globalizado. A diferença básica entre
esta cultura e a matrística, reside no fato de que a cultura patriarcal/matriarcal se cen-
tra em relações de dominação e submissão, exigências, desconfianças e controle. Por
sua vez, a cultura matrística, antecessora da cultura patriarcal/matriarcal, está centra-

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

da em relações de muito respeito, cuidado e, portanto, de colaboração. O próprio sofri-


mento psíquico, inerente aos tempos modernos, teria origem nessa lógica dissociativa
que impacta ao gerar fragmentação.
Na escrita de Maturana (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004), os aspectos
puramente patriarcais de se relacionar da cultura patriarcal europeia, hoje predomi-
nante no mundo todo, como uma das consequências da dita “globalização”, configura
uma rede fechada de conversações, fundamentadas numa emoção que valoriza a ex-
clusão, a disputa.
Por sua vez, A Cultura Matrística amorosamente nos presenteia com uma conjun-
tura maternal em que o humano pode se refazer, pode reencontrar sua jornada épica
que lhe constitui ser humano, como ser aberto a ser mais a cada encontro. O termo
"matrístico" conota, na escrita maturaniana, “uma situação cultural na qual a mulher
tem uma presença mística, que implica a coerência sistêmica acolhedora e liberadora
do maternal, fora do autoritário e do hierárquico”. "Matrístico" se diferencia radical-
mente de "matriarcal/patriarcal".
Ao historicizar esse processo de negação da cultura matrística em prol de uma cul-
tura patriarcal/matriarcal, Maturana nos informa acreditar que pode deduzir, baseado
em restos arqueológicos, que os povos que viviam na hoje chamada Europa, entre sete
e cinco mil anos antes de Cristo, eram agricultores e coletores. Nada havia associado a
ideia de muros, cercas, diferenças hierárquicas etc. Nada havia de armas e os símbolos
sagrados estavam bastante associados ao feminino.
Esse povo matrístico, diz mais, vivia na partilha e seus campos de cultivo e coleta
não eram separados. A ideia de propriedade na lógica eurocêntrica não havia. Desse
fato, advém que a dinâmica emocional da apropriação e competição estava excluída de
sua dinâmica de vida cotidiana.
É lícito supor que a dialogicidade fosse processo natural e cotidiano de entendi-
mento mútuo e deliberações comunitárias. Esses diálogos provavelmente trariam te-
máticas em torno da parceria, partilha, inclusão, co-laboração, com-preensão, nego-
ciação, acordo, respeito e co-inspiração.
O emocionar matrístico nos instiga a sentir o amor. Conforme nos diz Maturana,
em diversas de suas obras, a emoção que estrutura a coexistência social é o amor. Em
outras palavras, o social decorre da possibilidade de reconhecimento d@ outr@ como
legitimo outr@ e das ações disso decorrentes. Nessa perspectiva, “[...] os povos matrís-
ticos europeus pré-patriarcais devem ter vivido uma vida de responsabilidade total,
na consciência de pertença a um mundo natural. A responsabilidade ocorre quando
se está consciente das consequências das próprias ações e quando se age aceitando-as”
(MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004). Isso é inevitável ao reconhecer-se parte
intrínseca do mundo em que vive.
Por outro lado, a lógica que regula o pensamento patriarcal é linear e ocorre num
contexto de apropriação e controle, orientados para a obtenção de algum resultado ime-
diato, independente das consequências mais amplas. Por isso, afirma Maturana, que o
pensamento patriarcal é sistematicamente irresponsável. Já o pensamento matrístico
acontece num contexto de consciência da interligação de toda a existência. Diante disso,
se deduz que todas as ações humanas impactam a totalidade da existência.

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O sexo e o corpo, matrísticamente falando, eram “fatores naturais de prazer, sensuali-


dade e ternura, na estética da harmonia de um viver no qual a presença de tudo era legiti-
mada por meio de sua participação na totalidade” (Op. Cit.). As relações humanas eram de
congruência e cooperação, integradas a um viver organicamente associado em que tudo se
relacionava para a alegria do todo e de cada parte desse todo. Mesmo a dor, nessa lógica sa-
grada da vida, um sofrimento, uma morte, faziam parte dessa dinâmica integrada na qual
tudo comunga para a harmonia de ciclos entrelaçados, mobilizados pelo amor.
Destacamos, com base nos estudos apresentados por Maturana, que a origem dessa
ruptura entre o ser humano e a “natureza”, se institui no Leste indo-europeu e invade,
primeiramente, a Europa e dali o resto do mundo. E, como isso teria se originado? No
movimento do ser humano de deixar de ser agricultor, coletor, caçador, para se tornar
pastor, proprietário de terra e de seres.
Diz Maturana que, provavelmente, o emocionar da apropriação não fazia parte
dessa cultura matrística. Porém, de repente alguns membros dessas comunidades hu-
manas migratórias, decidem restringir o acesso de outros comensais naturais, como os
lobos. Dali decorre várias mudanças que impactam o trabalho, a economia, a espiritu-
alidade, as relações cotidianas enfim.
Isto implica em uma sistemática que se instala, reconhecendo no lobo um inimigo.
Emerge uma emoção diferente que eclode de se matar para outra finalidade que a so-
cial. Se instala a eliminação da vida de um animal para conservação de uma proprie-
dade, que fica definida desse modo a partir dessa ação.
Decorre desse processo outra cultura que se torna dominante, o patriarcado. Ou
seja, da vida pastoril eclode a rede que estruturou o patriarcado como uma maneira
de viver independentemente do pastoreio. Essa se organiza no processo de exclusão,
apropriação, conflito de interesses, inimizade, disputa, guerra, hierarquização, subor-
dinação. Coloca no centro uma desconfiança por princípio de relação e o combate
como mecanismo de garantia da ordem, da dominação e do controle.
Maturana informa que se destacam ainda três modificações. Seriam elas, “[...] o
desejo constante por mais, numa interminável acumulação de coisas que proporciona-
vam segurança; a valorização da procriação como forma de obter segurança mediante
o crescimento do rebanho ou manada; e o temor da morte como fonte de dor e perda
total” (MATURANA; VERDEN-ZÖLLER, 2004).
A cultura matrística, entretanto, não foi completamente extinta: “[...] sobreviveu
aqui e ali em bolsões culturais. Em especial, permaneceu oculta nas relações entre as
mulheres e submersa na intimidade das interações mãe-filho” (MATURANA; VER-
DEN-ZÖLLER, 2004).
Ainda temos no maternar a manutenção da tradição matrística. Encontramos o
cuidado e um profundo respeito entre mãe e filh@, com base na tentativa de garantir
o bem-estar d@ outr@. Nisso temos a colaboração e o compartilhamento como ações
de referência desses relacionamentos. O linguagear amoroso está aqui representado.
Nos fala Maturana (1998) que o que nos constitui como seres humanos é nossa exis-
tência no linguagear mobilizada pelo emocionar. Paulo Freire (1983) diria que o que
nos humaniza é o diálogo pautado na amorosidade, na fé nos seres humanos, na es-
perança em práxis transformadora, na humildade e na criticidade que desvela a razão
de ser das situações.

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Sentir-pensar matrísticamente nos remete a Paulo Freire e seus contributos de uma


abordagem educacional na qual se encontra a possibilidade de reviver relações amo-
rosas, políticas, democráticas, na práxis do educar. Ele nos oferece Princípios de uma
Pedagogia Dialógica. Isso exige de nós amorosidade que influencia nossas reflexões e
ações; humildade de quem se abre as outras pessoas e situações; esperança na feitura
da vida solidaria e na qual a partilha do bem viver se instaure como procedimento
cotidiano e socialmente difundido; da fé nos seres; da confiança de que o bem vai pre-
dominar; do fazer-se crítico que vai além do aparente; da práxis que decorre de tudo
isso e gera tudo isso na convivência intima com a amorosidade.

1.10 Interculturalidade Crítica

No processo de delimitação dos contornos de uma Educação Intercultural Crí-


tica e Decolonizante, vamos numa trajetória que desvela as razões pelas quais essas
temáticas ganham consistência e motivação para serem incorporadas à Perspectiva
Eco-Relacional - PER e a Dialógica, como nós experienciamos. Nos meados de 2006,
observamos que o Grupo Mover, do qual me mantinha próximo pela afinidade de lei-
tura de mundo e de propósitos, vinha se dedicando aos estudos da Interculturalidade.
Daí, veio o interesse de conhecer esses estudos. Para tanto, começamos a dialogar com
Reinaldo Fleuri e a estudar textos resultantes de seminários que o Mover vinha reali-
zando. Isso, nos levou a realizar um pós-doutoramento com a supervisão do Reinaldo
Fleuri, na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, de 2007 a 2008.
Começamos a entender que a Interculturalidade emerge no cenário dos estudos
que tratam das chamadas Diferenças Culturais; Imposições de uma cultura em relação
a outra; Encontros e Conflitos daí resultantes; das culturas de Dominação e Exclusão;
Diversidade Ecológica e diversidade Cultural; Singularidade biológicas, genéticas e
culturais; Influência cultural e ideológica que acompanha a dominação econômica; as
diferenças culturais, os conflitos, as diferenças apresentam ainda resoluções marcadas
por perspectivas etnocêntricas; Imposição de um pensamento único muito associado
ao domínio econômico. Neste contexto, a reflexão Intercultural é imprescindível para
possibilitar o pensamento acerca de uma sociedade mais viável, capaz de assumir os
desafios éticos, ecológicos, políticos...
Nessa balada, foi possível também entrar em contato com os estudos acerca da
colonialidade – colonialismo – a Intercultura. Nesse convívio em Santa Catarina, em
particular com Gustavo Lopez, estudante de doutorado em estágio sanduiche no gru-
po Mover, entrei em interação com os estudos que interligavam Interculturalidade e
os Estudos acerca da Colonialidade/Modernidade. Nisso, foi possível conhecer mais
detidamente a Interculturalidade Crítica, proposta primeiramente por Catherine Wal-
sh, em particular na sua relação com os processos educativos.
Há de ser reconhecer que os contatos culturais fazem parte da história. Contatos
de recusa e confrontação, de intercâmbio, de aprendizagens mútuas. Neles ocorrem
os processos de interação e a constituição de identidade. Mas disso surgem dilemas:
Como fazer para que ocorra uma convivência saudável diante de nossa diversidade.
A maneira atual de como se desenvolvem as sociedades contemporâneas é um acon-
tecimento intercultural que se processa em contextos históricos bem diferentes, forte-
mente marcados por guerras, genocídios, crises econômicas, migrações, formação de
blocos regionais.

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Então somos levados a reconhecer que a escola possui um papel dúbio, pois que
tanto pode favorecer a exploração quanto a parceria. A escola é uma forte instituição
mediadora da diversidade cultural, social e linguística, nas formações da atualidade,
possui papel de agenciar a relação entre culturas com poder desigual (opressor@s/
colonizador@s X oprimid@s/colonizad@s; mundo ocidental X mundo oriental; saber
formal escolar X saber informal cotidiano.
Historicamente, este complexo campo dos estudos da interculturalidade principia
no contexto Europeu e Americano com o intuito de amenizar os conflitos interétnicos;
promover a integração entre culturas, a superação de preconceitos, o acolhimento dos
estrangeiros e dos filhos de imigrantes. O termo Intercultura passa a ser usado pelos
documentos oficiais do Conselho Europeu a partir do início dos anos 80.
Somente depois, este debate entra nas temáticas acerca da formação da identidade
e valorização das diferenças. Surge inicialmente como mecanismo para compensar
os déficits culturais (culturas inferiores) – imposição de uma cultura considerada su-
perior. Passa por uma fase de aprendizagem da tolerância e aceitação do diferente,
através da promoção do reconhecimento da identidade de cada um e estímulo a coo-
peração grupal (perspectiva moral). Chega à reflexão sobre as atitudes e práticas dis-
criminatórias, o que visa o processo de mudanças nas relações e o reconhecimento da
diversidade cultural. Mas, sem uma discussão aprofundada acerca dos próprios limites
da cultura majoritária dominante...
Nesse crescente de criticidade, na América Latina os estudos acerca da Intercultu-
ralidade adquirem um caráter político mais contundente. Acontece o reconhecimento
das diferenças nas singularidades, sem mascarar os conflitos e utilização do diálogo
como possibilidade de convivência entre as culturas – caminho para uma perspecti-
va crítica. Emerge, no contexto das lutas contra os processos crescentes de exclusão
social, movimentos sociais que reconhecem o sentido e a identidade cultural de cada
grupo social, que valorizam o potencial educativo dos conflitos e buscam desenvolver
a interação e a reciprocidade entre grupos diferentes, como fator de crescimento cul-
tural e de enriquecimento mútuo.
Desse modo, em decorrência dessa maturação dos estudos interculturais, percebe-
-se que isto impacta nas práticas educacionais, constituindo uma perspectiva intercul-
tural que propõe novas estratégias de relação entre humanos e entre grupos diferentes.
Busca promover a construção de identidades sociais e o reconhecimento das diferen-
ças culturais. Mas, ao mesmo tempo, procura sustentar a relação crítica e solidária
entre elas.
O Brasil sempre se teve um ambiente bastante propício para se pensar as relações
interculturais, por ser um país marcado pela miscigenação de raças e cores. De forma
mais direcionada, este debate surge com o Lançamento dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (1996). Reinaldo Fleuri (1998, 2001, 2003), em seus estudos, afirma que o
reconhecimento da multiculturalidade e da perspectiva intercultural ganharam rele-
vância social e educacional no Brasil, com o Referencial Curricular Nacional para as
Escolas Indígenas, com as políticas afirmativas das minorias étnicas, com as propostas
de inclusão de pessoas portadoras de necessidades especiais na escola regular, com a
ampliação e reconhecimento dos movimentos de gênero etc.
A educação atual sofre de urbanidade mercantil, de usuras, de pragmatismo ime-
diatista, de consumismo e descartes no modismo de cada dia, de uma fantasia distor-

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cida da realidade, de um sei não o que de futuro inexistente fora da história construída
no hoje. Mas, em paralelo, incorporamos novos paradigmas aliando-os aos discursos so-
ciais, políticos, econômicos, educativos numa perspectiva crítica. Começamos a ensaiar
a inclusão da dimensão cultural, dos diálogos interculturais, ainda que nesse momento
estejamos vivendo um contexto de retrocessos nas conquistas recentres acerca dessas
questões. Entrementes, nunca foi tão importante refletir sobre interculturalidade.
Ela nos oferece um corpus teórico para pensar e sentir acerca do diálogo entre cul-
turas, no entre lugar. A preocupação fundamental da Educação Intercultural passa a
ser a elaboração da diversidade de modelos culturais que interagem na formação d@s
educand@s. Tal deslocamento de perspectiva, legitima as culturas de origem de cada
indivíduo e coloca em xeque a opressão da cultura hegemônica. E este fato traz conse-
quências para a elaboração dos métodos e das técnicas de ação pedagógica e de com-
partilhamento de informações. Essa educação Intercultural crítica visa a incorporação
de um conjunto de propostas educacionais que buscam a promoção de relações de
respeito entre grupos socioculturais, mediante processos democráticos e dialógicos.
Nelas, há busca de projetos educativos que levem em conta a pluralidade e diversidade
cultural, em que o diálogo entre as culturas seja possível, no respeito às diferenças, na
democratização de acesso e permanência de todos no âmbito escolar.
A Educação Intercultural Crítica é uma forma de educação fundada nos direitos
humanos e promotora da democracia e da cidadania. Concebe o projeto educativo
como aquele que deve estar baseado na participação, para permitir a melhoria das
condições de vida dos indivíduos. Promove a tolerância e se expressa na capacidade de
respeitar cada pessoa com a base ética da paz, da segurança e do diálogo intercultural.
A Educação Intercultural Crítica inclui a ideia de intercâmbio, da interdependência,
da interaprendizagem, do diálogo e da negociação entre pessoas de culturas diferen-
tes, baseada no princípio fundamental da igualdade de condições. É uma proposição
democrática de diálogo de culturas, dentro de uma perspectiva complementar, alheia
à tentação perversa de hierarquizar as interações entre a cultura oral e a cultura escrita.
Ao refletir acerca da Interculturalidade e a Práxis Docente, cabe buscar uma Pers-
pectiva Intercultural Crítica que implica em processos educativos e de forma direta
na práxis docente a estes associados. Imaginar uma sociedade na qual seja possível a
convivência, aceitação e o respeito a pluralidade de seus indivíduos, torna-se necessá-
rio pensar processos educativos que visem a aprendizagem destes aspectos. Torna-se,
portanto, essencial repensar os processos formativos e por extensão a práxis docente.
Walsh (2009b, 2017), ao tratar da Interculturalidade, destaca a relevância de dis-
tinguirmos entre modelos distintos de interculturalidade. Afirmo que isso requer a
consciência de que modelos distintos de entender a interculturalidade, geram modelos
distintos de educação intercultural. Ao pensar sobre isso, estabelecendo estas ligações
vemos que a Educação Intercultural pode ser proposta para: Assimilar / Compensar
(adaptação unidirecional dos estudantes aos cânones culturais hegemônicos), Dis-
tinguir / Biculturalizar (currículos culturalmente diferenciados –e excludentes- por
“respeito” à diversa identidade cultural dos estudantes) ambas identificada com uma
interculturalidade funcional.
Por outro lado, pode ser proposta para tolerar / Educar contra o racismo (modelos
que incluem entre os seus destinatários estudantes da sociedade majoritária), numa
lógica bem pragmática. Mas, encontramos abertura para uma Educação Intercultu-

62
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

ral que seja proposta para Interagir e Transformar (educação intercultural através da
aprendizagem complexa), identificada com uma postura Crítico-Dialógica.
Finalizando esse exercício de uma brevíssima apresentação em torno da Intercul-
turalidade e da Educação Intercultural, queremos destacar a importância dos estudos
presenteados a nós por Catherine Walsh. Ela faz uma belíssima discussão ressaltando
porque precisamos abdicar dessas outras interculturas e assumirmos uma intercultu-
ralidade crítica e uma educação decolonial.

1.11 Decolonialidade

Em se tratando da Colonialidade/Decolonialidade, nessa tese, apresento suscin-


tamente alguns elementos que me ajudam a reconhecer sua propriedade inestimável
para entendermos o mundo em que estamos inserid@s. Efetivamente existem diversas
maneiras de estudar o tema ‘modernidade’. A Colonialidade, perspectiva originalmen-
te cunhada por Aníbal Quijano (1991), é uma das mais amplas e, para nós, representa
relevante ajuda para entender essa sociedade capitalista, opressora, porque sinaliza
para o modelo hegemônico de sociedade que, na verdade, se instituí através do do-
mínio colonial, pautado no capitalismo, na opressão, na subalternização. Ele adquire
tentáculos que se imiscuem em todos os recantos e se afunilam numa exploração des-
medida que alcança todos os níveis e recantos da sociedade atual.
Com o intuito de entender esta proposição analítica, começamos por explicitar
que existe uma diferença entre Colonialismo e Colonialidade. O Colonialismo é en-
tendido como a ação de se propagar alastrar-se, invadir, dominar, exercer supremacia
sobre @ outr@ no contexto material. A Colonialidade explicita o entendimento de que,
junto com esse movimento de apropriação indébita das terras alheias, há um perverso
mecanismo de apropriação das mentalidades que garante a manutenção da posse e a
subsunção dos antigos habitantes desses lugares, solapados. Portanto, colonializar im-
plica em colonizar as mentes e as ideias, o imaginário e as culturas. Colonialidade é o
Colonialismo manifesto no domínio sobre a dimensão do imaginário, das ideologias.
Segundo Quijano, o ano de 1492 demarca essa invasão planetária que se inicia
nas Américas e, atualmente, se estende mundo afora. Os Estudos da Colonialidade/
Modernidade potencializam uma crítica a esse modelo de sociedade pautada na estra-
tificação humana, numa perversa hierarquização que justifica a exploração de outro
ser humano. Fundamentam uma crítica ao eurocentrismo e à sua episteme que opera
separações sucessivas e reducionismos vários (LANDER, 2005). Podemos estudar a
Colonialidade, com base em Walsh (2008), por meio de quatro eixos de investigação: a
colonialidade do poder, do saber, do ser e do conviver (da mãe natureza).
A Colonialidade do Poder que por meio da ideia de raça e racialização social se
estabelece em um padrão “universal” de exploração, controle, subalternização. Te-
mos o Eurocentrismo como forma hegemônica de regulação epistêmica, no modo de
produzir conhecimento válido, a chamada Colonialidade do Saber que decorre deste
procedimento regulatório da ciência. Ela assume esse papel regulatório e legimador
do que é ou não valido no cenário da ciência. Por sua vez, é possível entender a Colo-
nialidade do Ser primeiramente como um argumento que negava espiritualidade dos
povos indígenas da América Latina. Como cultuavam a Deus de um modo distinto,
sem templos e nem imagens, foram considerados seres sem alma; potencializando a

63
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

coisificação do ser humano. Com Walsh (2008), apoiada por Lander, Escobar e Coro-
nil, que têm discutido a problemática da natureza e sua destruição, refletimos sobre a
colonialidade do com-viver, denominada por ela de ‘Colonialidad de la madre natu-
raleza y de la vida misma’. Esta colonialidade decorre de uma dissociação falsa entre
razão, cultura, sociedade e natureza. A Colonialidade do conviver descarta o espiritu-
al-social, a relação milenar entre mundos biofísico humano e espiritual, incluindo aos
ancestrais, sustentáculos das comunidades tradicionais (WALSH, Op. Cit.).
A Colonialização afeta praticamente tudo. E ressoa em todas as dimensões, de tal
maneira que temos afirmado acerca da micro-colonialidade, relacionada às dimensões
do cotidiano, das relações face a face. Nesse sentido, a micro-colonialização, em sua
capilaridade, implica num processo que atua como um dispositivo opressor ou como
ação opressora, des-humanizante.
Vivemos um momento em que há uma disputa de discursos e ideais, mas há espe-
ranças que possibilitam alternativas. Neste contexto é possível elaborar um texto de-
colonializante. Oferecemos um conjunto de reflexões acerca da Colonialidade/decolo-
nialidade, das quais citamos algumas na sequência. Mas, primeiramente vamos eleger
um conceito que nos parece mais pertinente hoje, do que nos pareceu antanho. Temos
tratado como similar descolonialidade e decolonialidade, porém fomos convencidos
pela Catherine Walsh (2013) de que é pertinente uma opção crítica por utilizar o con-
ceito de decolonialidade ao invés de descolonialidade.
Diante do fato de haver uma aplicação indevida do conceito de “descolonial”, iden-
tificado com o que seria uma contraposição ao “colonialismo”, e o termo descoloni-
zação ser usado para identificar o processo histórico de ascensão dos Estados-nação,
após a ruptura com as administrações coloniais, Walsh opta por utilizar os termos
decolonial e decolonialização. Diz ela que essa expressão “decolonial” reconhece que
ainda não superamos a lógica colonial, pois na verdade ela ganhou fôlego através dos
procedimentos colonializantes, ou seja, através de operações mentais, afetivas e práti-
cas de alimentar uma ideologia de dependência e submissão à lógica eurocêntrica-es-
tadunidense. Walsh avança ao dizer que a ideia da supressão do “s” demarca distinção
bem mais ampla que engloba múltiplas dimensões, seja epistemológica, ontológica,
metodológica, pois que na verdade, ao delimitar, amplia ao assumir uma postura po-
lítica de contraposição a lógica colonializante. Em suas palavras: “[...]. Con este juego
lingüístico, intento poner en evidencia que no existe un estado nulo de la colonialidad,
sino posturas, posicionamientos, horizontes y proyectos de resistir, transgredir, inter-
venir, in-surgir, crear e incidir” (WALSH, 2013, p. 24-25).
Salientamos ainda que Walsh tem sido a principal interlocutora quanto as questões
educativas e pedagógicas da Colonialidade/Decolonialidade. Citamos de passagem,
importantes estudos que esta autora tem elaborado em torno dessas temáticas: In-
terculturalidade, Estado, Sociedade: lutas (de)coloniais do nosso tempo; Intercultu-
ralidade e pedagogia decolonial: surgir, reexistir e reviver; Interculturalidade crítica
e (de)colonialidade; Pedagogias decoloniais: práticas insurgentes de resistência, (re)
existência e (re) vida (WALSH, 2008; 2009; 2012; 2013). Destacamos ainda que ela tem
como principal referência Paulo Freire e Franz Fannon. Obviamente que incorpora
também outras reflexões que atualizam disputas em torno das questões raciais e de

64
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

gênero, como as propostas por Sylvia Wynter17 , Nelson Maldonado Torres18 e Jacqui
Alexander19.
Nessa tese e neste livro, há uma defesa de que a grande referência para uma edu-
cação decolonial, para uma pedagogia decolonial, para relações pedagógicas Decolo-
niais, é Paulo Freire, ainda que haja o reconhecimento de que se torna interessante a
inclusão dos debates contemporâneos em torno das questões étnico-raciais, de gênero,
das minorias ativas em geral, da diversidade social e cultural. Entretanto, há uma base
consistente na proposta da Teoria da Ação Dialógica (FREIRE, 1983), capaz de fazer
frente as posturas colonializantes que discriminam e negam a potência das diferenças
na formação humana, em geral.
Anunciamos aqui alguns textos nossos nos quais fazemos uma pequena digressão
histórica anunciando o advento dos Estudos da Colonialidade/Modernidade; da rela-
ção entre a proposta de Paulo Freire e os Estudos da Colonialidade/Decolonialidade;
da relação pedagógica entre os eixos da Colonialidade/Decolonialidade e a Teoria da
Ação Dialógica; de um conceito derivado de Colonialidade Ambiental. Nesses outros
estudos (FIGUEIREDO, 2016; 2002; 2010; 2009; 2009b; 2009c) trazemos elementos
para identificarmos a manifestação da colonialidade em diversas situações, bem como
em estratégias e práxis dialógica capaz de superação dessas situações subalternizantes
e opressoras.
Consideramos que a dimensão educativa é privilegiada. Na educação se tem uma
interface efetiva entre o macro e o micro social. Assim afirmamos a premência de
ações educativas micro-decolonializantes, na medida em que se pode contribuir para
superar a opressão entre seres humanos, daí a importância da incorporação de outras
alternativas de formação, em nossa proposta com os contributos da dialógica.

1.12 Formação Docente numa Perspectiva Dialógica

Nesse ponto da tese/do livro somos induzidos a introduzir minimamente a forma-


ção docente. Com certeza, não vamos nos propor a trazer uma discussão balizada e
nem mesmo uma profusão de ideias acerca do tema.
Paulo Freire está constantemente a nos alerta para o fato de que @s professor@s
precisam assumir a autoria de seus saberes docentes. Há de se ter uma perspectiva
crítica acerca dessa temática. Ainda que ao longo da história das teorias didático-pe-
dagógicas que se aprimoram, considerando este aspecto sociopolítico da formação,
carecemos de reconhecer as “inovadoras” ideias que nos legou Paulo Freire. Trago
inspiração e reformulação de trechos de um artigo publicado anteriormente (FIGUEI-
17
Sylvia Wynter é romancista, dramaturga, filósofa e ensaísta jamaicana. Em seus estudos asso-
cia ciências naturais, humanidades, arte e lutas anticoloniais.
18
Nelson Maldonado Torres é professor associado do Departamento de Estudos Latinos e Ca-
ribenhos e do Programa de Literatura Comparada da Rutgers University (New Brunswick). Foi
presidente da Associação Caribenha de Filosofia (2008-2013). Autor de diversos artigos e livros,
dentre eles o “La descolonization y el giro de(s)colonial (Universidad de la Tierra, Chiapas, Me-
xico, 2012). Tem tratado a decolonialidade associada a temáticas tais como a perspectiva negra
e a transdisciplinaridade.
19
M. Jacqui Alexander é uma das teóricas mais importantes do feminismo transnacional em
atividade hoje.. Pedagogias da Travessia: Meditações sobre o Feminismo é sua principal obra, na
qual reúne ensaios que ela escreveu...

65
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

REDO; SILVA, 2018) para ilustrar o tema. Então vamos tracejar em torno de alguns
nomes interessantes nessa área de estudo.
Libâneo (1999) traz um retrato da conjuntura educacional com o intuito da forma-
ção continuada objetivada na atualização histórica e técnica d@s professor@s. Sacris-
tán (1999) afirma, quanto a formação, que geralmente @s professor@s só mudam suas
práticas diante de uma imposição concreta de mudança. Nesse meio tempo, Donald
Schön, trata sobre a nova epistemologia da prática profissional e traz o conceito de
professor(a) reflexiv@. Essas proposições serviram para que Schön (2000) retomasse
esse conceito e o ampliasse, com o intuito de destacar proposta para a qualificação
docente. Para além da crítica à racionalidade técnica, propõem a reflexão como parte
do processo de formação e de trabalho do professor.
Zeichner (2002), por sua vez, vem demarcar que o processo de ensinar e aprender
d@s professor@s se prolonga durante toda a sua carreira. Zeichner trata da valorização
e a autonomia profissional e acadêmica do trabalho docente, incluindo a dimensão
sociopolítica e cultural. Já Stenhouse trabalha fundamentalmente com o conceito de
professor pesquisador e suas implicações. Lembramos Freire quando já articula ele-
mentos em torno dessas proposições acima.
Pimenta (2002) retoma a discussão do professor reflexivo com ênfase na contri-
buição da reflexão para a formação do trabalho coletivo na intervenção profissional
e sua relação com a dinâmica social mais ampla. Destacamos ainda os trabalhos de
Contreras (2002), Alarcão (2001, 2008), Pereira (1999), Perez-Gómez (1992), Candau
(1993), que, em geral, elaboram suas contribuições em torno dos estudos sobre mode-
los de formação, na vertente de problematizar os paradigmas. A proposta crítico-re-
flexiva passa a valorizar o professorado e seus conhecimentos. Chegamos inclusive a
incluir uma nova dimensão ontológica identificada com a história de vida e formação
(NÓVOA, 1995). Valorizam esta proposta PINEAU, 1988; JOSSO, 2004; DOMINICÉ,
1988, 2006). Os estudos sobre a formação docente têm sido um tema bastante comum,
como nos informa Imbernón (2009; p. 7):

[...] a formação permanente do professorado teve avanços muito importantes como,


por exemplo, a crítica rigorosa à racionalidade técnico-formativa, uma análise dos
modelos de formação de cima para baixo, a análise das modalidades que provo-
cam maior ou menor mudança, a formação próxima às instituições educativas, os
processos de pesquisa-ação, como processo de desafio e crítica, de ação-reflexão
para mudança educativa e social, com um teórico professor(a) pesquisador(a), um
conhecimento maior da prática reflexiva, os planos de formação institucionais etc.

Diante disso tudo, somos compelidos a reconhecer que temos um vasto acervo de
teorias relacionadas a formação, mas é possível afirmar, com bastante concretude, o
quanto reconhecemos da presença dessas temáticas, já ínsitas na obra de Paulo Freire.
Assim, anunciamos que uma formação que se pense dialógica requer alguns pressu-
postos: É diferenciada dos modelos tradicionais que, em geral, privilegiam a reprodu-
ção, o tecnicismo, a fragmentação do saber, a opressão e a formatação definida a priori.
É considerada e potencializada em articulação com aspectos políticos, sociocul-
turais, econômicos, históricos, eco-ambientais, de forma integrada, numa dinâmica

66
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

que contemple os saberes populares, favorecida por relações dialógicas, pela dimensão
afetiva e relacional, pela busca da autonomia e da humanização.
É pautada pela ética, competência técnica, compromisso com a problematização
dos conteúdos, opção pela relação dialógica no processo formativo, rigorosidade me-
tódica, autoridade coerente e democrática, reflexão crítica.
Se corporifica ao dar a forma ou ter a forma de parceria em que, numa relação
horizontal, democrática, crítica, libertadora, decolonializante, o diálogo formativo se
instaura. Nesta formatação há um conceber, imaginar; aperfeiçoar com a busca por
promover o ‘ser mais’, no respeito à diferença, ao diferente.
Materializa-se no compartilhamento, nos conflitos e acordos, convencimentos que
se dão nas relações parceiras, democráticas, que se revestem de integralidade, de su-
peração dos modelos que oprimem os humanos em sua caminhada na direção do seu
ser mais.
Privilegia a humanização e a politicidade que traz para a formação, o sentido de
inconclusão e potencialidade humana para intervenção no mundo.
Ao se ter em conta Paulo Freire e os estudos que a tese traz como temas geradores
emergentes, pode se vislumbrar o alargamento do campo de leitura acerca da formação
docente, popular, ambiental, dialógica, com o propósito dessa formação diferenciada.
Por isto tudo, é que reconhecemos o quanto pode ser relevante para a formação
de educador@s dialógic@s, uma proposta que inclua estas temáticas. Acredito que o
diálogo entre estes conhecimentos favorece uma interculturalidade crítica realmen-
te decolonializante. Nesse procedimento conceitual, sem perder o nexo praxiológico,
vamos costurando os trechos de textos anteriores e o atual, bem como na busca de
alargar essa colcha de retalhos com o diálogo possível entre autores dialogais.

67
CAPÍTULO II

O LABIRINTO E A TRAMA: A PESQUISA


EM QUESTÃO

“O sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a co-
participação de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um ‘penso’, mas
um ‘pensamos’ que estabelece o ‘penso’ e não o contrário”.

“Esta coparticipação dos sujeitos no ato de pensar se dá na comunicação. O objeto,


por isto mesmo, não é a incidência terminativa do pensamento de um sujeito, mas o
mediador da comunicação” (Freire, 1992; p. 66).

“Teoria, epistemologia e método aqui formam um círculo contínuo e influenciam-


-se mutuamente (...). As representações sociais, enquanto formas de conhecimento, são
estruturas cognitivo-afetivas e, desta monta, não podem ser reduzidas apenas ao seu
conteúdo cognitivo. Precisam ser entendidas, assim, a partir do contexto que as engen-
dram e a partir de sua funcionalidade nas interações sociais do cotidiano”
(Spink, 1995a, p. 117 e 118).

N
esse ponto do texto, anuncio que, antes mesmo de apresentar a metodo-
logia da pesquisa e seus resultados, resolvi realizar uma pretensão antiga.
Essa pretensão era tentar entender um pouco os atravessamentos que ou-
tros autores realizam em torno do diálogo, da Dialogicidade. Realizei uma pesquisa
pelo estado da arte em torno do Diálogo, Dialogicidade, Dialógica. Nesse sentido,
novamente numa licença ‘poético acadêmica’, me permiti utilizar o Google para uma
pesquisa na internet em torno desses tópicos.
Identificamos 30 páginas nas quais aparecem sites que fazem conexão com a pala-
vra diálogo. O primeiro site que aparece é a definição que a Wikipédia oferece acerca
do que seria diálogo. Quanto a dialógica, encontramos 20 páginas com sites em torno
predominantemente da educação, mas trazendo alusão ao termo em inúmeras áreas,
desde a economia, engenharia, direito etc... Os primeiros sites a aparecerem trazem
uma definição do termo:

69
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Significado / definição de dialógica no Dicionário Priberam da Língua ...


https://www.priberam.pt/dlpo/dialógica
Significado / definição de dialógica no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.
Dialógico - Dicionário Online de Português
https://www.dicio.com.br/dialogico/
Significado de Dialógico no Dicionário Online de Português. O que é dialógico: adj.
Dialogal; descrito ou escrito seguindo a forma de um diálogo, de uma...

Dialógico - Dicionário inFormal


www.dicionarioinformal.com.br/dialógico/

Significado de dialógico. O que é dialógico: Que pretende provocar discussão, debate,


diálogo.

[PDF]Dialógica
wefithomologa.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/.../aprendizagem-dialógica.pd...

Quando o termo foi dialogicidade, os primeiros sites que apareceram foram:

Dialogicidade - Dicionário inFormal


www.dicionarioinformal.com.br/dialogicidade/
Significado de dialogicidade. O que é dialogicidade: Ato de dialogar.
[PDF]TEORIA FREIRIANA 1. A Dialogicidade Este é um dos eixos ... - Ice
www.ice.edu.br/TNX/storage/webdisco/.../bad879e8d37e495bf4c18d9720689fb2.pdf
de LIMV ALMEIDA - Citado por 6 - Artigos relacionados 19 de dez de 2008.

A DIALOGICIDADE NO PENSAMENTO DE PAULO FREIRE E DE ...


www.ojs.ufpi.br › Capa › v. 5, n. 10 (2014) › Santos
de MJ Santos - 2015 - Artigos relacionados

Paulo Freire, liberdade e dialogicidade. | Ricardo Gondim


www.ricardogondim.com.br/meditacoes/paulo-freire-liberdade-e-dialogicidade/

Significado / definição de dialogicidade no Dicionário Priberam da ...


https://www.priberam.pt/dlpo/dialogicidade
Significado / definição de dialogicidade no Dicionário Priberam da Língua Portu-
guesa.
O que é dialogicidade? | Yahoo Respostas
https://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20091026131700AAycODu

70
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

A Dialogicidade; Dialogicidade, segundo Paulo Freire, está em permitir aos alunos


agir e refletir sobre a ação pedagógica realizada, diferente de um refletir exclusivo
da mente do professor. Aí se chega à práxis, ou a "teoria do fazer"...

[PDF]A dialogicidade de Freire na construção do diálogo igualitário e suas ...


www.pedagogia.ufscar.br/.../a-dialogicidade-de-freire-na-construcao-do-dialogo-igual...

Dialogicamente - Dicionário Online de Português


https://www.dicio.com.br/dialogicamente/
Significado de Dialogicamente no Dicionário Online de Português. O que é dialogi-
camente: Significado de dialógico Dialogal; descrito ou escrito seguindo a forma...

Resenha: representação, dialogicidade e a linguagem como questões ...


www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822009000100017
de DB Carvalho - 2009 - Citado por 2 - Artigos relacionados
Significado de Dialogicidade - Dicionário Web
www.dicionarioweb.com.br/dialogicidade/
Significado de dialogicidade: Qualidade ou caráter do que é dialógico ou está em
forma de diálogo.

Nestes sites foram mapeados 158 itens, entre artigos, resumos, dissertações e teses
em torno dessa temática que envolve os conceitos de diálogo, dialógica e dialogicida-
de. Certamente sabemos que, se nosso escopo fosse uma pesquisa acadêmica com o
intuito de apontar artigos, dissertações e teses publicadas em torno dessa temática, te-
ríamos resultados bastante amplos e interessantes como pode se perceber numa rápida
olhada na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD).
Em nosso caso, o intuito foi apontar o quanto aparece publicamente, para um pú-
blico não especializado em torno desses temas. Ainda que na pesquisa, tenhamos bus-
cado a percepção de estudantes de graduação e professor@s que atuam na graduação.
Porém, nossa intencionalidade era uma leitura desses temas a partir de discentes e do-
centes sem que, necessariamente os mesmos tivessem uma formação ou base teórica
em torno desse tema gerador.
Mesmo tendo em conta essa argumentação, fizemos um mapeamento via TEDE
UFC, e constatamos 15 trabalhos de pós-graduação em que aparece, no seu título ou
assunto, o conceito de Dialogicidade. Destacamos, em seguida, os mesmos:
Raphaell Moreira Martins. Título: Contextualização do ensino e dialogicidade na
educação física escolar: fazeres docentes em ação no ensino médio. Data da defesa:
26/01/2015.
Camilla Rocha da Silva. Título: Educação dialógica freireana nos cursos de licen-
ciatura na UFC. Data da defesa: 28/04/2017.
Katiane Oliveira Lobo. Título: Ações pedagógicas e concepções sobre educação
ambiental: um estudo de caso. Data da defesa: 31/01/2013.

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Mário Marques de Sousa. Título: Dialogicidade, experimentação e aprendizagem


cooperativa aplicada ao ensino de ligações químicas e interações intermoleculares.
Data da defesa: 24/07/2015.
Solange Maria Vinagre Corrêa. Título: Conhecimento químico e princípios agroe-
cológicos na formação de jovens e adultos agricultores do Curso Técnico em Agrope-
cuária do Proeja – IFPA – Campus Castanhal. Data da defesa: 15/12/2014.
Erica Silva Pontes. Título: Geografia e Educação Ambiental Dialógica: Conceitos e
Práticas Ambientais na Reserva Extrativista da Prainha do Canto Verde-Ceará-Brasil.
Data da defesa: 19/12/2013.
Cristiane Soares Gonçalves. Título: Banda de Música de Guanacés: caminhos didá-
ticos para a formação humana e musical. Data da defesa: 27/10/2017.
Camilla Rocha da Silva. Título: Educação Dialógica Freireana na Trajetória de For-
mação de Estudantes do Curso de Pedagogia da UFC: possibilidades e desafios. Data
da defesa: 14/02/2013.
Renata Maria Luna Rolim. Título: Educação de Jovens e Adultos no campo: contri-
buições à formação de educadores e educadoras ao Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária. Data da defesa: 14/01/2010.
Joana Adelaide Cabral Moreira. Título: Saber docente, oralidade e cultura letrada
no contexto da educação infantil: análise da prática docente à luz dos autores da Escola
de Vygotsky. Data da defesa: 07/08/2009.
Sheyla Maria Fontenele Macedo. Título: Práticas avaliativas na educação de jovens
e adultos em escolas da rede pública de Fortaleza - CE: fator de inclusão escolar? Data
da defesa: 12/09/2008.
Fábio Porto de Oliveira. Título: Utopia, Esperança e Resistência: Um Estudo sobre
a Práxis Libertadora na Política Pública de Esporte e Lazer de Fortaleza. Data da de-
fesa: 01/07/2009.
Elisa Maria de Assis. Título: Gestão do Sistema Tutorial, à Luz do Imaginário do
Tutor e do Aluno. Data da defesa: 30/11/2007.
Ana Cláudia do Espírito Santo Silva. Título: O Programa Saúde da Família na pre-
venção de situações de complexidade: O exemplo da AIDS. Data da defesa: 25/03/2004.
Maria Consiglia Raphaela Carrozzo Latorre. Título: Sonoridades Múltiplas: práti-
cas criativas e interações poético-estéticas para uma educação sonoro/musical na con-
temporaneidade. Data da defesa: 21/02/2014.
Quando fizemos a busca no sistema de biblioteca digital da UFC, https://perga-
mum.ufc.br/pergamum/biblioteca/index.phpao, ao pesquisar por títulos em se tenha
o termo dialógica/dialógico, identificamos:
ZANOTELLI, Germana Albuquerque Costa. A relação dialógica na prática clíni-
ca do profissional fisioterapeuta e a visão integral do sujeito-paciente. 2015. 154f.
Tese (doutorado) - Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-Graduação em
Educação Brasileira, Fortaleza, 2015. Disponível em: <http://www.repositoriobib.ufc.
br/00002f/00002fbf.pdf>.

72
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

ALENCAR, Sylvia Elizabeth de Paula. O cinema na sala de aula: uma aprendiza-


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Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira,
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na na trajetória de formação de estudantes do Curso de Pedagogia da UFC: possibi-
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Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2013. Disponível em:
<http://www.repositoriobib.ufc.br/00002d/00002d4c.pdf>.
SILVA, Camilla Rocha da. Educação dialógica freireana nos cursos de licencia-
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FROSCH, Patrizia Imelda; FIGUEIREDO, João B. A. Sem amor não há perspec-
tiva: o grupo de Mulheres das Goiabeiras e a Educação Ambiental Dialógica. 2014.
203f. Tese (doutorado) -Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-Graduação
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OLIVEIRA, Jaci Dantas de. O sistema literário segundo Antônio Candido: teo-
rias para uma conceituação dialógica de literatura. Fortaleza, CE, 2001. 229fl Disserta-
ção (Mestrado) UFC 2001 Odalice de Castro e Silva.
ALENCAR, Sylvia Elisabeth de Paula. O uso do cinema na sala de aula: uma apren-
dizagem dialógica da disciplina história. 2007. 156f. Dissertação (mestrado) - Universi-
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2007. Disponível em: http://www.repositoriobib.ufc.br/000034/00003446.pdf
BESSA, Letícia Leite; GERMANO, Idilva Maria Pires. Adolescência, risco e prote-
ção: um estudo narrativista-dialógico sobre trajetórias de vida. 2010. 132f. Dissertação
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logia, Fortaleza-CE, 2010.
FERREIRA, Karla Patrícia Martins. A formação de sentido e o sentido da vida:
Karla Patrícia Martins Ferreira; Orientador: João Batista de Albuquerque Figueiredo.
2011. 190 f Tese (doutorado) - Universidade Federal Do Ceará, Programa De Pós-Gra-

73
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

duação Em Educação, Fortaleza-CE, 2011. Disponível em: <http://www.repositorio-


bib.ufc.br/00001c/00001cc8.pdf>.
SILVA, Joelma Rodrigues da. A obscena senhora d: o processo dialógico do subli-
me e do grotesco em Hilda Hilst. 2004. 131f.; Dissertação (Mestrado) em Literatura
Brasileira. Universidade Federal do Ceará, 2004. Vera Lúcia de Albuquerque Moraes
(orientador).
SILVA, Valniza Araújo da. O percurso da participação popular na luta pela
saúde na periferia de Fortaleza: desvendando o campo dialógico com o Programa
Saúde da Família no Planalto Pici. 2006. 155 f. Dissertação (mestrado) - Universida-
de Federal do Ceará. Faculdade de Medicina. Programa de Pós-Graduação em Saúde
Pública, Fortaleza, 2006. Disponível em: <http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/
riufc/25750/1/2006_dis_vasilva.pdf>. Acesso em: 26 set. 2017.

Em se tratando do conceito de dialogicidade, aparecem duas dissertações:


MARTINS, Raphaell Moreira; SILVA, Maria Eleni Henrique da. Contextualização
do ensino e dialogicidade na educação física escolar: fazeres docentes em ação no
ensino médio. 2015. 287f. Dissertação (mestrado) -Universidade Federal do Ceará,
Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2015. Disponível em:
<http://www.repositoriobib.ufc.br/000032/00003205.pdf>.
SOUSA, Mário Marques de. Dialogicidade, experimentação e aprendizagem co-
operativa aplicadas ao ensino de ligações químicas e interações intermoleculares.
2015. 97 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Ceará, Centro de Ciên-
cias, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, Fortaleza-CE,
2015. Disponível em: <http://www.teses.ufc.br/tde_busca/arquivo.php?codArqui-
vo=15445>.

Com o conceito de diálogo encontramos:


CASTRO, Elimeleque Costa. A escritura além-limite de Hilda Hilst: um diálogo
possível com a loucura. 2009. 262f. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal
do Ceará, Programa de Pós-Graduação em Letras, Fortaleza, 2009. Disponível em:
<http://www.repositoriobib.ufc.br/00003b/00003b6f.pdf>.
OLIVEIRA, Amanda Nogueira de. A família ¿os poderosos e as poderosas¿:
percursos juvenis entre o WhatsApp e a praça. 2016. 149f. Dissertação (mestrado)
-Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós -Graduação em Comunicação
da Comunicação, Fortaleza, 2016. Disponível em: <http://www.repositoriobib.ufc.
br/00002a/00002a1f.pdf>.
SILVA, Andréia Turolo da. Affordances e restrições na interação interpessoal
escrita online durante a aprendizagem de inglês como língua estrangeira. 2015. 526
f. Tese(doutorado) ¿ Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, Depar-
tamento de Letras Vernáculas, Programa de Pós-Graduação em Linguística, Fortaleza,
2015. Disponível em: <http://www.repositoriobib.ufc.br/000027/0000275b.pdf>.
SOARES, Raianny Lima. A prática de educação a distância desenvolvida pelo
laboratório de pesquisa multimeios: diálogos com a sequência Fedathi. 2017. 145f.
Dissertação (Mestrado em) -Universidade Federal do Ceará, Instituto de Cultura e

74
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Arte, Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2017. Disponí-


vel em: <http://www.repositoriobib.ufc.br/00003e/00003e2b.pdf>.
COSTA, Alyni Ferreira. Artes em diálogo poesia e pintura: João Cabral de Melo
Neto e Joan Miró. 2012. 142f. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Cea-
rá, Programa de Pós-Graduação em Letras, Fortaleza, 2012.
COSTA, Alyni Ferreira. Artes em diálogo poesia e pintura: João Cabral de Melo
Neto e Joan Miró. 2012. 142f. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Cea-
rá, Programa de Pós-Graduação em Letras, Fortaleza, 2012.
SILVA, Klébia Enislaine do Nascimento e. Colaboração intraturno na construção
dos enunciados da norma oral do português popular da cidade de Fortaleza. 2013.
240 f. Tese (doutorado) Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades, De-
partamento de Letras Vernáculas, Programa de Pós-Graduação em Linguística, For-
taleza-CE, 2013.
PIERRE, Claudia Maria Moura; MATOS, Kelma. Convivência democrática e re-
lações de paz e conflito: estudo na Escola Municipal de Ensino Fundamental Desem-
bargador Amorim Lima. 2016. 176f. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Ce-
ará, Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2016. Disponível
em: <http://www.repositoriobib.ufc.br/00002c/00002c62.pdf>.
LIMA, Raimundo Nonato de. Dialogismo, polifonia e argumentação: efeitos de
objetividade/imparcialidade na notícia radiofônica. 2002. 172 f. Dissertação (mestrado)
- Universidade Federal do Ceará, Departamento de Linguística, Fortaleza CE, 2002.
NASCIMENTO, Reginauro Sousa. O diálogo entre ator e personagem no teatro
espírita: a experiência espiritual e artística dos atores e atrizes do grupo espírita e tea-
tro Leopoldo Machado. 2013, 195 f. Dissertação (mestrado) Universidade Federal do
Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira,
Fortaleza, 2013. Disponível em: <http://www.repositoriobib.ufc.br/000033/000033af.
pdf>.
CÂMARA, Fernando França. O diálogo entre literatura e artes plásticas em Arte
em exposição, de Carlos Drummond de Andrade. Fortaleza, 2003. 192fl. Dissertação
(Mestrado) em Literatura Brasileira - Universidade Federal do Ceará, 2003. Odalice de
Castro e Silva (Orientador).
FIGUEIRÊDO, Eugênia Bridget Gadêlha. Diálogo entre modo de vida comuni-
tário dos adolescentes em regime de liberdade assistida e a proposta de inserção
comunitária do ECA. 2008. 166 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do
Ceará, Departamento de Psicologia, Fortaleza-CE, 2008.
LEÃO, Francisco Daniel Pereira; OLINDA, Ercília Maria Braga de (orient.). O di-
álogo inter-religioso na prática pedagógica dos professores da rede pública muni-
cipal de Fortaleza. 2016. 145 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Ce-
ará, Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2016. Disponível
em: <http://www.repositoriobib.ufc.br/000027/0000273c.pdf>.
ALVES, Ana Paula Martins. O discurso argumentativo em cartas de reclamação
produzidas por alunos do 4º ano do ensino fundamental. 2013. 162 f. Dissertação
(mestrado) - Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-Graduação em Lin-
guística, Fortaleza, 2013.

75
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

HOLANDA, Antônio Euclides Vega de Pitombeira e Nogueira. De Eça a Macha-


do, ou um diálogo entre concepções de representação da realidade. 2013. 138 f.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Ceará, Pós-Graduação em Letras,
Fortaleza, 2013.

Quando fizemos a busca na UFF, https://app.uff.br/pergamum/catalogo/bibliote-


ca/index.php, ao pesquisar por títulos em se tenha o termo dialógica/dialógico, iden-
tificamos:
AZEVEDO, Patrícia Bastos de. Ensino de história e memória social: a construção
da história-ensinada em uma sala de aula dialógica. 2003. 143 f Dissertação (Mestrado
em Educação) - Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação.
LOPES FILHO, Ozéas Corrêa; HANSEN, Gilvan Luiz. A organização da esfera
pública na era das mídias de massa e a contribuição dialógica habermasiana. Ni-
terói, 2014. 209 f. Tese (Doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais) - Universidade
Federal Fluminense, Faculdade de Direito, 2014.
RODRIGUES, Lília Marques Simões. O planejamento do estágio supervisionado
de enfermagem na atenção básica: avaliação da ação dialógica ensino-serviço. Niterói,
2012. 102 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Enfermagem Assistencial) - Uni-
versidade Federal Fluminense, 2012.
SERPA, Andréa. Quem são os outros NA/DA avaliação? caminhos possíveis para
uma prática dialógica. 2010. 286 f. Orientador: Maria Teresa Esteban. Tese (doutora-
do) - Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação, 2010.
SCHWARTZ, Maria da Penha. Saberes e percepções do paciente com estoma intes-
tinal provisório: subsídios para uma prática dialógica na enfermagem. Niterói, 2012.
96 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Enfermagem Assistencial) - Universidade
Federal Fluminense, 2012.
FECHER, Maicon do Couto; BARBOSA, Antônio Carlos Rafael. Fitoantropologia
da Ayahuasca: a miração como processo dialógico entre o humano e a planta. 2017.
214 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal Fluminense. Departamento de
Antropologia, 2017.
BRILHANTE, Ronaldo de Moraes. A formação do ambiente dialógico: argumen-
tos introdutórios para uma pedagogia das paixões urbanas a perspectiva do universo
experienciado. Niterói, 2007. 199f Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanis-
mo) - Universidade Federal Fluminense, 2007.
NASCIMENTO, Francisco de Assis de Sousa. Teatro dialógico: Benjamim Santos
em incursão pela história e memória do teatro brasileiro. 2009. 240 f Orientador: Fran-
cisco Alcides do Nascimento. Tese (doutorado) - Universidade Federal Fluminense,
Departamento de História, 2009.
Com o conceito de dialogicidade nada encontramos, já com o conceito de diálogo
identificamos:
CARNERO, José Vicente Pereira Justo. A clínica, a sensibilidade e o conhecimento:
um diálogo entre as obras de Reich e Spinoza. 2012. 230 f Orientador: Cristina Mair

76
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Barros Rauter. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal Fluminense, Departa-


mento de Psicologia, 2012.
ERANI, Maria Helena de Souza. Confidências musicais: aspectos de interpretação
no diálogo dos instrumentos. 2008. 112 f. + CD Dissertação (mestrado) - Universida-
de Federal Fluminense. Departamento de Arte, 2008.
PADILHA, Cristina Ferreira Gonçalves. A construção da identidade mexicana na
perspectiva de Carlos Fuentes: de La muerte de Artemio Cruz a Tiempo mexicano, um
diálogo entre gêneros. 2009. 99 f Orientadora: Livia Maria de Freitas Reis. Dissertação
(mestrado) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2009.
CUSTÓDIO, Marinaldo Luiz. O contador e o rei: o imaginário de um diálogo.
2003. 134 p
LACERDA, Aline Goneli de. O diálogo colaborativo como facilitador da aprendi-
zagem dos alunos de nível básico de inglês como língua estrangeira. 2009. 155 f.
SANTOS, Adriana Ramos dos. O diálogo das escolas ribeirinhas do Juruá com as
questões do trabalho e do meio ambiente. 2011. 146 f. Orientador: Eunice Schilling
Trein. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Edu-
cação, 2011.
BAPTISTA, Karina Cunha. O diálogo dos tempos: memória da escravidão, história
e identidade racial entre os afro-brasileiros. Dissertação (mestrado) - Universidade
Federal Fluminense. 2002. 98 f
SOUZA, Maria Inês Galvão. Do diálogo das artes à dança do amor: um memorial
sobre o espetáculo o amor e seus duplos. 2002. 125 f.
BOY, Walison. Dos lugares de conservação: o diálogo de saberes e a democratiza-
ção da gestão ambiental na APA estadual de Macaé de Cima. Niterói, 2010. 167 f
MENEZES, Eduardo Pimentel. Espaço e imaginário: um diálogo possível no ensi-
no de Geografia. 2011. 290 f Orientador: Iduina Mont´Alverne Chaves Tese (doutora-
do) - Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação, 2011.
BENEDITO, Mitsi Pinheiro de Lacerda Leite. A formação continuada de profes-
soras: um diálogo com as possibilidades. Niterói, 2001. 177 f. Dissertação (mestrado)
- Universidade Federal Fluminense, 2001.
STRUCHINER, João Luiz. Forma e função. Forma e conteúdo. Um diálogo entre
a Bauhaus e a Escola de Frankfurt. Walter Gropius e Theodor W. Adorno. 2003. 98 f.
REIS, Lucilaine Maria da Silva. Inserção e diálogo: como crianças pequenas viven-
ciam sua entrada na educação infantil? 2014. 178 f. Dissertação (mestrado)-Universi-
dade Federal Fluminense. Faculdade de Educação, 2014.
MOREIRA, Simone Maria Bacellar. Leitura e Internet: diálogo em construção.
2011. 183 p. Orientador: Maria Elizabeth Chaves de Mello Tese (doutorado) - Univer-
sidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2011.
FIGUEIREDO, Alda de Moura Macedo. Manto da apresentação: Arthur Bispo do
Rosário em diálogo com Deus. 2010. xi, 127 f. Dissertação (mestrado) - Universidade
Federal Fluminense. Departamento de Arte, 2010.

77
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

BARROS, Isabela Dantas Nunes de. Mediações e os desafios da trans-missão no


campo do Direito: educação para uma nova justiça a partir da ética e do diálogo. 2016.
168 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal Fluminense. Departamento de
Sociologia e Faculdade de Direito, 2016.

2.1. Aprumando o passo (Metodologia, Métodos e Técnicas da Pesquisa)

“Não sabemos o que pensamos enquanto não vemos o que dizemos”


(Geertz, 1973; p. 90).

Em princípio desse trecho da tese/ do livro, quero compartilhar que me identifico


com Paulo Freire quando ele se diz um fenomenólogo dialético. Sim porque na ver-
dade tanto considero importante considerar a capacidade macro da pesquisa no trato
das grandes tendências e questões, na potência transformadora da dialética; quanto
considero imprescindível ter em consideração o micro, o pequeno no ato de pesquisar.
Essas idas e vindas, aproximações e distanciamentos, olhar desde a aranha na teia, até
se lançar nos espaços como borboleta e vislumbra de cima o horizonte de observação.
Como nossa referência epistemo-metodológica se identifica com a Perspectiva
Eco-Relacional - PER, temos também em mente e coração, alma e físico, a ideia dos
entrelaçamentos e repercussões de todos os movimentos e passos na pesquisa. Consi-
deramos que há uma integralidade, uma totalidade da qual nos aproximamos, cientes
de que jamais teremos consciência de sua plenitude. Maas temos focos que orientaram
a pesquisa.
É uma pesquisa qualitativa no campo da educação, por isso mesmo não podemos
desconsiderar as recomendações e observações formuladas pela professora Marli An-
dré (2009), no livro em que estuda, dentre outros tópicos, a pesquisa qualitativa em
educação. Ressalta o cuidado que temos que ter ao denominar nossas pesquisas. Nesse
caso, nossa pesquisa se desdobrou em duas: uma de caráter documental e bibliográfico
e outra empírica. Em ambas, tive o propósito de tecer conhecimentos numa relação de
diálogo, com as letras e com as pessoas, com as ideias e com os discursos.
Optei por um estudo de caso, conforme define Marli André (2013) em outro es-
tudo seu em que trata exatamente de estudo de caso em educação. Encontro ali os
fundamentos pertinentes para a pesquisa e um conselho significativo:

Na perspectiva das abordagens qualitativas, não é a atribuição de um nome que es-


tabelece o rigor metodológico da pesquisa, mas a explicitação dos passos seguidos
na realização da pesquisa, ou seja, a descrição clara e pormenorizada do caminho
percorrido para alcançar os objetivos, com a justificativa de cada opção feita (AN-
DRE, 2013, p. 96).

Fomos organizando os objetivos, definindo os passos, observando o caminho que


iriamos trilhar e iniciamos a jornada. A ideia era integrar os aportes da Pesquisa En-
gajada pesquisa engajada (Brandão 1981; Figueiredo, 2004) e da Pesquisa dialógica,
na qual teríamos o desvelamento do campo, a interlocução com @s autor@s sociais
selecionad@s para interagir conosco e poder atender aos nossos propósitos.

78
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Tivemos aportes da Teoria das Representações Sociais (Moscovici, 1978), ainda


que não os restringíssemos a essa abordagem; utilizamos elementos da Entrevista Nar-
rativa (Jovchelovich; 2000) e as Observações de Caráter Etnográfico (Geertz, 1973), no
trato da aplicação dos questionários e das entrevistas.
Representações Sociais seriam um modo de conhecimento particular presente no
senso comum, constituído de imagem (figura) e linguagem (significação), que orienta
para a ação e proporciona diretriz para a comunicação entre indivíduos e o pensamento
socialmente elaborado (MOSCOVICI, 1978). Para identificar estas representações, pre-
tende-se utilizar, na pesquisa, entrevistas, observações etnográficas e narrativas orais.
Ao trabalhar com base nas Representações Sociais (MOSCOVICI, 1978; JODE-
LET, 2001; JOVCHELOVICH, 2000; ARRUDA, 1983; MADEIRA, 2001), é preciso
ter clareza de que as representações re-apresentam algo e, neste sentido, re-elaboram
a realidade intersubjetivamente. Possuem, portanto, um caráter criador de imagens
e significações na relação do psiquismo humano com o mundo (JOVCHELOVICH,
2000). Ciente destes fatores, existe o intento de manter a articulação entre RS e uma
abordagem dialógica, crítica e política, com base em Paulo Freire, pois que se pretende
manter uma constante vigilância epistemológica no trato da colonialidade e dos sabe-
res ancestrais Tremembé.
Há de se ter procedimentos criticamente orientados que concebam os afetos, va-
lores, as ações e a comunicação como agentes mobilizadores, que contribua para a
compreensão da leitura dos depoimentos e narrativas.
Uma das formas de provocar a reflexão sobre as questões educacionais em geral e,
sobre as questões ambientais em particular é, justamente, buscar o entrecruzamento
crítico entre aquilo que entendemos sobre o mundo e aquilo que nele se modifica na
medida em que refletimos acerca da razão de ser de nossas concepções e práticas.
Em relação ao estudo do material investigado dentro do contexto das Representa-
ções Sociais, mas principalmente da análise textual (MORAIS, 1999, 2003, 2006), ele
se insere numa tradição de pesquisa fenomenológica ampliada dialeticamente pela
Perspectiva Eco-Relacional e pela Abordagem Paulofreireana, inferindo-se que a aná-
lise textual necessita de procedimentos técnicos para o desvelamento das associações,
que emergem das teias de significados
A partir destas escolhas, concentramos a atenção nos estudos de material asso-
ciado a dialogicidade, a dialógica freireana; aos estudos da Interculturalidade Crítica
e da Decolonialidade. Utilizamos como material de estudo Publicações, textos sobre
estes temas; os livros Educação como Prática da Liberdade, Pedagogia do Oprimido e
Pedagogia da Autonomia, como também usamos o livro Extensão ou comunicação?,
todos de Paulo Freire. Aplicamos os questionários com estudantes de graduação da
Universidade Federal do Ceará - UFC e da Universidade Federal Fluminense - UFF, e
as entrevistas narrativas com professor@s dessas duas instituições de ensino superior.
Deste ponto, os estudos da Decolonialidade, da Dialógica Freireana e da Perspec-
tiva Eco-Relacional, ganharam novas dimensões na tentativa de compreender as inte-
rações didático-pedagógicas, particularmente em torno da Educação dialógica e seus
contributos par a formação docente.

79
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Os passos dessa investigação podem ser assim anunciados:


(1) Realizamos os estudos crítico interpretativos dos textos acerca da Intercultura-
lidade, Decolonialidade e Dialogicidade dos livros de Paulo Freire;
(2) Pesquisa sobre Dialogicidade e dialógica, na internet;
(3) refletir sobre as contribuições epistemológicas e metodológicas derivadas dos
Estudos da Colonialidade/Modernidade, da Dialogicidade e da Perspectiva Eco-Rela-
cional, voltadas para as questões relativas ao trabalho didático-pedagógico na forma-
ção de educador@s numa perspectiva dialógica, intercultural, decolonializante;
(4) pesquisa empírica na Universidade Federal Fluminense – Universidade Federal
Fluminense - UFF e na Universidade Federal do Ceará - UFC;
(5) Aplicação dos questionários e das Entrevistas Narrativas;
(6) Dialogar com estudantes e professor@s acerca da Dialógica;
(7) estabelecer relações entre alguns dos pressupostos epistemológicos e filosóficos
relativos à formação e, de modo mais específico, associados a dialógica, intercultura-
lidade, decolonialidade.
(9) sistematização do material decorrente da pesquisa empírica, da pesquisa teó-
rico-bibliográfica e do diálogo e integração deste conjunto resultante da investigação;
(10) analisar o material e integrá-lo às reflexões resultantes.
(11) Consolidar essa tese.

2.2. Na Tessitura de uma Reflexão Interpretativa

Não apenas as ideais, mas as próprias emoções são no [ser humano] artefatos cultu-
rais (Geertz, 1973; p. 95).
“... pedras de um lado e sonhos do outro – são coisas deste mundo. O que devemos
indagar é qual a sua importância: o que está sendo transmitido com a sua ocorrência
e através da sua agência... (op. cit.; p. 20 e 21).

O mais importante desse processo foi entrar em contato com esse conjunto que
emergiu da pesquisa, seja em sua fase mais ligada as leituras, seja o debruçar sobre o
rico material que conseguimos encontrar nos questionários e nas entrevistas. Como
afirma Paulo Freire:

“Para mim a realidade concreta é algo mais que fatos ou dados tomados mais ou
menos em si mesmos. Ela é todos esses fatos e todos esses dados e mais a percepção
que deles esteja tendo a população neles envolvida”.
“Se..., a minha opção é libertadora, se a realidade se dá a mim não como algo parado,
imobilizado, posto aí, mas na relação dinâmica entre objetividade e subjetividade,
não posso reduzir os grupos populares a meros objetos de minha pesquisa” (Freire,
1981; p.35).

80
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Quanto à interpretação das informações coligidas, foi utilizada a análise de con-


teúdo fundamentada em uma Perspectiva Eco-Relacional, juntamente com as contri-
buições oferecidas pelo contexto sócio-histórico, para que desse modo se transpusesse
a ilusão da transparência e se identificasse efetivamente as representações sociais pre-
sentes na linguagem falada pelos atores/autores sociais estudados. A finalidade essen-
cial foi estabelecer a compreensão dos dados brutos, depurando-os, confirmando os
pressupostos e respondendo questões norteadoras, explorando e ampliando o conhe-
cimento sobre o assunto e articulando perspectivas.
Bardin (1977), considerado uma referência, oferece a “Análise de conteúdo” como
instrumento bastante usual na interpretação resultante da aplicação da Teoria das Re-
presentações Sociais. Essa foi nossa opção para tentar interpretar o conteúdo presente
nas entrevistas e nas narrativas. Entretanto, reconhecemos que seria insuficiente utili-
zar a análise de conteúdo, principalmente por pretendermos dar um enfoque eminen-
temente dialógico na relação com os resultados dos questionários e entrevistas. Assim,
optamos por buscar a análise textual qualitativa como suporte, referência e apoio para
o tratamento dados aos textos produzidos a partir de uma leitura flutuante do mate-
rial, seguida por um recorte dos temas de interesse, extraindo o que se associava ao
tema focal.
Optamos por essa análise textual discursiva (MORAES E GALIAZZI, 2006) em
virtude dela nos pareceres mais pertinente e identificada com a dialógica e a Perspec-
tiva Eco-Relacional - PER. Traz aportes bastante apropriados e que se coadunam com
nossa proposição e fundamentos epistemológicos. Com a palavra, para nos apresentar
um pouco da proposta, Moraes e Galiazzi (2006, p. 118):

A análise textual discursiva é uma abordagem de análise de dados que transita


entre duas formas consagradas de análise na pesquisa qualitativa que são a análise
de conteúdo e a análise de discurso. Existem inúmeras abordagens entre estes dois
polos, que se apoiam de um lado na interpretação do significado atribuído pelo
autor e de outro nas condições de produção de um determinado texto. Ainda que
o termo análise textual, segundo Titscher et al. (2002), possa relacionar-se a uma
diversidade de abordagens de análise, incluindo-se nisto a análise de conteúdo e
as análises de discurso, no presente texto o termo análise textual discursivo assume
um sentido específico, conforme expresso em síntese a seguir.

MORAIS (1999, 2003), em dois outros artigos vem nos ajudar a realizar as etapas
que favorecem a análise do material resultante da pesquisa empírica. Em seu texto
“Tempestade de Luz”, pontua e amplia o diálogo inserido dimensões intersubjetivas
nos processos e enfatizando a dimensão da criatividade e da criação no definir das
categorias e reler e escrever o texto autoral.
Agora, vou aproximar mais do campo concreto que vivenciei durante a pesquisa
nos campis das duas Universidades que me permitiram essa investigação. Comecei no
Rio de Janeiro e finalizei em Fortaleza.

81
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Campo Empírico
Chego ao Rio de Janeiro, era um misto de medo, apreensão e expectativa espe-
rançosa. Essa cidade me deslumbra, como a muitas pessoas. Tenho um apreço e uma
sensação de familiaridade, talvez decorrente da energia gostosa que ela me proporcio-
na. Sua beleza estética se equipara à sua riqueza histórica. A mística carioca dá ares
de despojamento e alegria. Nem sei por qual motivo, para mim, é como se o Rio de
Janeiro tivesse um pouco do Ceará. Nem sei bem o quê...
Tive o primeiro encontro de supervisão com a Maria Teresa, no qual apresentei
minha proposta de abordagem para a pesquisa empírica. Expliquei minha intenção
e ela me ajudou a aprimorá-la. Fechamos uma proposição: Aplicação de um questio-
nário tendo como foco a indicação de professores/professoras que tivessem alguma
prática de ensino-aprendizagem que pudesse ser classificada de dialógica, pel@s estu-
dantes. No segundo momento, faríamos entrevista com est@s professor@s. A mesma
abordagem seria aplicada tanto na Universidade Federal Fluminense (UFF), quanto na
Universidade Federal do Ceará (UFC).
Definimos uma estratégia de articulação para viabilizar a aplicação dos questioná-
rios. Em virtude de o tempo dedicado ao Pós-Doutorado ter um limite relativamente
curto e haver o propósito de realizar essa parte empírica tanto no Rio de Janeiro quan-
to no Ceará, fizemos alguns recortes epistemológicos. Primeiramente, para aplicar os
questionários, combinamos de pedir aos professores/professoras de Didática naquele
semestre, 2017.1, que pudesse aplicar os questionários e, em seguida, conversar com as
turmas sobre Teoria Dialógica de Educação. Assim foi feito...

Pesquisa na Universidade Federal Fluminense – UFF


Foram aplicados mais de 290 questionários, em 08 turmas de Didática, com estudantes
dos seguintes cursos: Pedagogia, História, Letras, Educação Física, Matemática, Biologia.
Aplicamos os questionários e tivemos a indicação de 15 professor@s... Foi uma viagem
maravilhosa transitar nos campi... Fui ao Instituto de Letras; Instituto de Educação Física;
Instituto de Ciências Humanas e Filosofia (ICHF), em especial no Curso de Graduação em
Ciências Sociais; no Curso de Graduação em História; no Curso de Graduação em Socio-
logia; no Instituto de Biologia, no Curso de Graduação em Ciências Biológicas; Na Facul-
dade de Educação, onde me deparei com a seguinte estrutura: Coordenação do Curso de
Graduação em Pedagogia (SGP), Coordenação do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu,
Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu, Departamento de Fundamentos
Pedagógicos (SFP), Departamento de Sociedade, Educação e Conhecimento (SSE), Labo-
ratório de Educação Matemática (Labem). Desse conjunto de 15 professor@s indicad@s,
tivemos a oportunidade de realizar 13 entrevistas.

Questionários Aplicados na UFF, nas turmas das professoras:


Maria Teresa Esteban, aplicados no dia 28/03/17
Monica Vasconcelos, aplicados no dia 25/04/17
Alice Yamazaki, aplicados no dia 25/04/17
Walcéa Barreto, Alves aplicados no dia 08/05/17 (2 turmas)
Sandra Maciel de Almeida, aplicados no dia 24/04/17 e no dia 25/04/17 (2 turmas)

82
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Entrevistas UFF
Adriana Martins Correia (Educação) - 13/06/17
Alexandre Santos Moraes (História) - 14/06/17
Alice Yamazaki (Educação) - 06/06/17
Edson Pereira da Silva (Biologia) - 07/06/17
José Antônio Sepulveda (Educação) - 21/06/17
Leonardo Tadeu Silvares Martins (Matemática) - 13/06/17
Marcelo Mocarzel (Educação – substituto) - 23/06
Martha Copolilo (Educação Física) 20/06/17
Monica Vasconcelos (Educação) - 20/06/17
Patrícia Ferreira Neves Ribeiro (Letras - Língua Portuguesa) - 09/06/17
Martha Abreu (História) - 22/06/17
Paulo Antônio Cresciulo de Almeida - (Educação Física) 21/06
Rejany dos Santos Dominique (Educação) - 09/06/17

Pesquisa na Universidade Federal do Ceará – UFC


Comecei articulando o contato com o Departamento de Teoria e Prática do En-
sino, no qual ficam as disciplinas de Didática ofertadas para a UFC. Pedi que na pri-
meira reunião de agosto fosse colocado meu pleito de aplicar questionário nas turmas
de Didática daquele semestre. Praticamente tod@s concordaram. Na verdade, só uma
única professora de Didática, em razão de seu planejamento, considerou inoportuna
essa atividade.
Apliquei ao todo mais de 550 questionários em 11 turmas de Didática que atende
diversos cursos, tais como: Química, Física, Biologia, Matemática, Teatro, Pedagogia,
Ciências Sociais, Filosofia, História... Deles decorreu a indicação de 35 professor@s...
Nesse trajeto, passei pelo Instituto de Cultura e Arte; Faculdade de Educação, com seus
três departamentos: Departamento de Teoria e Prática de Ensino, Departamento de
Fundamentos da Educação, Departamento de Estudos Especializados e o Programa
de Pós Graduação em Educação com sua estrutura para atender suas nove linhas de
pesquisa, Laboratório de Informática, Laboratório de Multimídias, Salas de Ensinos,
Laboratório de Jogos e Brinquedos; Departamento de Literatura; Departamento de
Biologia; Departamento de História... Confesso que foi uma oportunidade preciosa
que muito me proporcionou de experiências e aprendizagens. Do total de professor@s
indicad@s, foi possível realizar 25 entrevistas.

Questionários aplicados nas turmas d@s professor@s da UFC:


Aline Souza aplicados no dia 05/10/17
Inês Mamede aplicados no dia 06/10/17

83
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Ingrid Louback aplicados no dia 06/10/17


Luiz Botelho aplicados no dia 17/10 e 20/10/17 (2 turmas)
Paulo Barguil aplicados no dia 23/10/17 e 24/10/17 (2 turmas)
Camilla Rocha aplicados no dia 26/10/17 (2 turmas)
Bernadete Porto aplicados no dia 18/10/17
Juscileide Braga de Castro aplicados no dia 24/10/17

Entrevistas UFC
Aline da Silva Souza (Educação - Substituta) – 30/11/17
Atilio Bergamini Júnior (Letras/Literatura) – 16/11/17
Bernadete de Souza Porto (Educação) – 16/11/17
Camilla Rocha da Silva (Educação – Substituta) – 26/11/17
Clarice Zientarski (Educação) – 29/11/17
Cláudia Freitas de Oliveira (História) – 14/11/17
Cristiane Amorim Martins (Educação - Substituta) – 14/11/17
Fernanda Nascimento (Educação - Substituta) – 29/11
Heulália Charalo Rafante (Educação) – 30/11
Inês Cristine de Melo Mamede (Educação) – 04/12
Ingrid Louback de Castro Moura (Educação) – 14/12/17
Jailson Pereira da Silva (História) – 27/12/17
José Roberto Feitosa Silva (Biologia) – 08/12/17
Kênia Sousa Rios (História) – 13/12/17
Luciane Germano Goldberg (Educação) – 16/11/17
Luiz Botelho Albuquerque (Educação) – 09/11/17
Luiz Fábio Silva Paiva (Sociologia) – 16/11/17
Marcelo Tavares Natividade (Sociologia) – 13/12/17
Meize Regina de Lucena Lucas (História) – 04/12/17
Neide Fernandes Monteiro Veras – 27/11/17
Paulo Meireles Barguil – 11/12
Raphael Alves Feitosa (Biologia) – 14/11/17
Suene Honorato de Jesus (Letras – Literatura) – 01/12/17
Tharyn Carvalho de Freitas (Teatro) – 17/11/17
Valdemarin Coelho Fernandes – 08/12/17

84
CAPÍTULO III

TESSITURAS E TEIAS DA PESQUISA

A aranha tece sua teia na expectativa de tecer o seu destino e expandir suas conquis-
tas e ampliar seu modo de ser e estar no mundo.

C
aminho por uma estradinha de terra que demarca o rumo no campus, em
direção ao local agendado para nossa entrevista. Possui fronteiras definidas
pelo espaço pisoteado do terreno em contraste com ambiente verde, uma
grama misturada com mato (ervas ditas daninhas) que nascem e crescem favorecidas
por não receberem o impacto das pegadas diárias de tantas outras gentes. Lembro de
uma música do Gonzaguinha que tem me acompanhado nesses tempos difíceis da
pandemia. Nela o poeta, fruto do nordeste com o Sudeste, do Rio de janeiro enchar-
cado de Exu de Pernambuco, e nos oferece a ideia de que somos tanta gente depois de
interagir com tanta gente.

Caminhos do Coração
Gonzaguinha

Há muito tempo que saí de casa


Há muito tempo que caí na estrada
Há muito tempo que eu estou na vida
Foi assim que eu quis
E assim eu sou feliz
Principalmente por poder voltar
A todos os lugares onde já cheguei
Pois lá deixei um prato de comida
Um abraço amigo
E um canto pra dormir e sonhar
E aprendi que se depende sempre
De tanta muita diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas

85
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Das lições diárias de outras tantas pessoas


E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente
Onde quer que a gente vá
E é tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho
Por mais que a gente pense estar
É tão bonito quando a gente pisa firme
Nessas linhas que estão
Nas palmas de nossas mãos
É tão bonito quando a gente vai à vida
Nos caminhos onde bate
Bem mais forte o coração
O coração
Ah! O coração”.

Será mais uma marca no coração, uma tatuagem enraizada que difere daquelas ta-
tuagens que marcam superficialmente a epiderme, sem aprofundamento capaz de fazer
a diferença... Foi assim que comecei minha peregrinação em busca de uma trajetória
de significados que se entrelaçasse com meus Percursos Desejantes, sentidos no senti-
do cognitivo, mas também no sentido de sentir, de sentimentos e emoções que podem
emergir quando permitimos ser tocados amorosamente (FREIRE, 1983) pela vivência,
tornando-a experiência (DEWEY, 1959; LAROSSA, 2002). Comecei assim o encontro
com a professora Alice Yamazaki (Educação) no dia 06/06/17, no Campus de Gragoatá,
na UFF, bem como comecei minha jornada na UFC, com o professor Luiz Botelho Albu-
querque, no dia 09/11/17, na Faculdade de Educação, no campus do Benfica.
Na pretensão de apresentar resultados desse trabalho, alinhavando teoria e pesquisa
empírica, integrando as metáforas e as contribuições, iremos adiante nesse movimento.
Primeiramente vamos procurar realizar um exercício de associar as metáforas que esco-
lhemos para nos acompanhar e os princípios dialógicos que aparecem nesse texto.
Num ensaio disso, me deparo com a metáfora do caminhante, largamente utilizada
durante minha tese de doutorado. Também revisito a metáfora da teia e do labirinto
que utilizei durante meu mestrado. Busco a metáfora da borboleta que acompanha
minha trajetória enquanto coordenador de grupo de pesquisa e minhas próprias ela-
borações em torno da Perspectiva Eco-Relacional. Me aproximo da metáfora da trama
e da colcha de retalhos, muito forte no reencontro com os sertões nordestinos. Aqui
também me remete a metáfora do cultivo, do semeador.
Irei considerar os contributos metodológicos para análise decorrentes de Morais
(1999; 2003; 2006), de Bardin (1977) e da querida professora Marli André (1986;
2013), vamos propor nosso ensaio interpretativo. Efetivamente, temos a intuição asso-
ciada ao processo do método dialógico escolhido. A dialogicidade é mote, é movimen-
to, é inspiração e procedimento do ato de pesquisar e do ato de interpretar resultados
da investigação. Certamente, temos clareza que é uma tradução possível. E como toda

86
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

tradução beira a traição de sua autenticidade. Jamais saberemos o quanto de proxi-


midade da pretensão original de noss@s interlocutor@s. Ainda que nosso proposito
foi e é ser o mais fidedigno possível ao que pretendiam nossos parceiros de pesquisa
quando nos narraram acerca do tema proposto.
Optamos por realizar recortes temáticos pautados pelas questões que nos interes-
savam para esta tese. Dessa maneira, seguimos um certo ordenamento na anunciação
aqui apresentada.
Nosso intuito fundamental foi oferecer contributos reais e práxicos que podem
servir de referência para professoras e professores que optarem por uma práxis educa-
tiva politicamente engajada e comprometida com um novo tempo. Nesse sentido, em
nosso entender, essa escolha tende a ser por uma educação dialógica, freireana, deco-
lonial e intercultural crítica, eminentemente comprometida com as camadas sociais
mais prejudicadas na lógica societária hegemônica colonializante, capitalista, imperia-
lista, mercadológica, economicista, eurocêntrica-estadunidense.
Assim sendo, trazemos em seguida resultados da pesquisa empírica realizada junto
a professoras e professores, indicad@s por estudantes da disciplina de didática, tendo
como recorte epistemológico aquel@s que se destacaram como “professor@s dialógi-
c@s”, pois ofereceram uma experiencia exitosa com “aula dialógica”. Foram docentes
da Universidade Federal do Ceará e da Universidade Federal Fluminense. Foi um es-
tudo de caso focado em experiencias exitosas de dialogicidade.
O nosso grande e principal referencial teórico é Paulo Freire e sua Dialogicidade,
com isso em evidência, a ideia era acolher narrativas/depoimentos dest@s educador@s
e com base nisso tecer conceitos que se entrecruzariam com nossas elaborações teóri-
co-epistemológicas, com propósitos metodológicos, didático-pedagógicos.
Para tanto, incialmente iremos definir nosso entendimento das categorias que
emergiram do campo empírico para, posteriormente, podermos dialogar com nossos
referenciais teóricos.
As questões que optamos por incluir na tese, como fruto da pesquisa empírica
efetuada, foram: O que é uma aula dialógica? Cite três exemplos de aulas dialógicas? O
que significa para você ser um(a) professor(a) dialógico(a)? Certamente estas questões
nos oferecem inúmeras possibilidades de desdobramentos futuros. Em nosso momen-
to presente, referente a esta tese, optamos por apenas identificar @s professor@s indi-
cad@s pel@s estudantes e suas reflexões eminentemente práxicas.
Ainda tangencialmente trazemos alguns depoimentos relacionados ao que pode ser
oportunizado na vivência de uma aula dialógica, quais as vantagens de uma aula ditam
dialógica e quais as dificuldades de se trabalhar com aulas consideradas dialógicas.
Em seguida, apresentamos as narrativas de professor@s em torno do que para el@s
seria uma ‘aula dialógica’, ser ‘professor(a) dialógic@’ e o que seria para el@s ‘dialogici-
dade/dialógica’. Antes, algumas curiosidades acerca da pesquisa empírica. O primeiro
fato que emerge é que o curso com mais indicação de professor@s foi a educação,
seguido da história, em ambas as instituições (UFC e UFF).
Houve algumas nuances decorrentes do fato de se tratar de uma pesquisa circuns-
crita num espaço temporal específico. Por exemplo, supomos que deixam de aparecer
citações de professor@s do curso de Educação Física na UFC, em razão de naquele

87
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

semestre não se ter turma de Didática ofertada para esse curso... Igualmente, supomos
que deve ter ocorrido com outros cursos e professor@s que deixaram de ter indicação
decorrente dessas situações. Entretanto, considero que isso em nada reduz a relevância
e impacto da pesquisa realizada e dos resultados conquistados.

3.1 Os questionários com estudantes e seus resultados

Retomando informes anteriores, destacamos a amplitude de nossa investigação


quando aplicamos questionário com 550 discentes da Universidade Federal do Ceará -
UFC e 290 estudantes na Universidade Federal Fluminense – UFF. Nesse vasto corpus
de pesquisa foi possível identificar inúmeras pistas e indicativos de como podemos
acolher esses apontamentos como contribuições especialíssimas para quem, como eu,
quer experienciar aulas dialógicas em seu cotidiano acadêmico.
Dessa feita, fomos tratando esses achados da pesquisa e tivemos a colaboração
de uma equipe de trabalho com essas análises e sínteses, encontros e refazimentos.
Conseguimos elaborar alguns relatórios e tivemos constatações interessantes. Estas
corroboram com algumas das nossas hipóteses de que uma aula dialógica favorece a
superação da subalternidade e a libertação de processos opressores, sejam no âmbito
social mais amplo, seja nas relações didático-pedagógicas.
Conforme @s estudantes da UFC, numa aula dialógica @ professor(a) se preocupa
com o aprendizado d@ estudante; dá importância a relação entre teoria e prática; há di-
álogo entre teorias e vivências. Permite que @s estudantes exponhas suas opiniões sem
se sentirem julgados; há produção de conhecimentos através dos debates; existe espaço
para discentes contribuírem eticamente e para expor livremente seus pensamentos. A
centralidade da aula está no diálogo. O conhecimento é circular. Tem reflexão crítica e
coletiva sobre os conteúdos. Se reconhece que o erro é necessário. @ estudante expõe,
pergunta, comenta. Temos o incentivo à criticidade. Estimula a aproximação d@ estu-
dante ao objeto de estudo e ao protagonismo na sala de aula. Incentiva a consciência
de classe. Utiliza linguagem acessível e postura democrática. Todos se veem no mesmo
patamar. Há Liberdade de expressão, onde se permite questionar, discordar...
@s estudantes da UFF, tem uma postura um pouco mais retraída e subalterna, em
nossa leitura de seus depoimentos. Para eles, uma aula dialógica implica em tecer,
produzir conceitos e atuarem junt@s na construção do saber. Professor(a) e estudantes
aprendem em parceria. Há trocas de ideias e experiências. Geram um espaço de cria-
ção compartilhada. Se propõem a construir conhecimentos sem hierarquia. Há parti-
cipação ativa d@s estudantes. E a aula tem como base a experiência d@s estudantes.
Existe respeito aos conhecimentos d@s estudantes. Contempla as vivencias sociais e
comunitárias d@s estudantes.
Percebemos uma similaridade muito grande nas definições e o que esperam de
uma aula dialógica. Há ênfase em alguns aspectos: na UFC, os conceitos que mais
aparecem são: Interação, vindo em seguida Horizontalidade e Participação. Já na
UFF se destacam os conceitos de: Participação, vindo em seguida os conceitos de
Interação e Escuta.
Nos estudos efetuados em nossa pesquisa PIBIC – UFC (2018, 2019, 2020), na qual
contamos com a participação das bolsistas Andreia Lopes Monte, Andreza Firmino
Gonçalves, Maria Eliane Soares Ferreira, foi identificado, numa análise mais detalha-

88
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

da, que as categorias que mais se destacam na análise foram: Aprendizagem parceira;
contextualização e Estudantes atuantes. Podemos traduzir, tendo em conta a referên-
cia da Perspectiva Eco-Relacional, nas seguintes metáforas categoriais: Aprendizagem
Parceira, Contextualização e Autor(a) Epistêmico.
No trato da primeira categoria, a ‘aprendizagem parceira’, evidenciamos que
os discentes destacam a relevância de ser ter situações em sala de aula, nas quais
há lugar para que, respeitosamente, exista a escuta de tod@s @s envolvidos no ato
pedagógico, tanto para a assimilação de conhecimentos já sistematizados, quanto
para a elaboração de novos conhecimentos. Algumas práticas pedagógicas relatadas
como potencializadoras dessa aprendizagem parceira foram debates, roda de con-
versa e seminários. Podem ser apoiadas em textos, filmes ou documentários. Ainda
de conformidade com os depoimentos d@s estudantes, o que realmente importa é
que a exposição do conteúdo em estudo se relacione com situações do cotidiano ou
faça parte do imaginário possível da turma. Dessa maneira, há possível “troca de
conhecimentos e experiências”. Ainda há o indicativo da importância de se respeitar
opiniões divergentes e a busca por compreender cada fala. Afinal, essa práxis dialó-
gica na educação, favorecem a superação da logica colonializante, tão ao gosto do
capitalismo, do imperialismo, do fascismo.
Quanto a ‘Contextualização’, @s discentes destacam que se torna fundamental
que os conteúdos tratados em sala de aula se identifiquem com a realidade e o con-
texto de vida d@s estudantes para que a aprendizagem faça mais sentido, traga mais
significado. Segundo as respostas, uma aula dialógica “não é meramente expositiva
nos padrões mais tradicionais do ensino, mas aborda os conhecimentos dos alunos
(acumulados a partir de variadas experiências) e constrói um conhecimento mais li-
gado a realidade dos mesmos”. Esses conhecimentos prévios podem ser classificados,
conforme Paulo Freire (1983), de temas geradores, oferecendo situações limites para
a codificação/decodificação potencializando aprendizagens significativas e potencial-
mente transformadoras da realidade. Favorece um aprender participativo no próprio
ato limite de compreender criticamente o tema. Contextualizar é proveniente do latim
significando Tecer junto.
Temos ainda um contributo socialmente relevante que é a tomada de consciência
das situações opressoras e colonializante pautadas pela política e estruturação social
hegemônica. Há uma imposição alienante dessas estruturas colonializantes no imagi-
nário coletivo. Muitas vezes se apresentam como propostas educativas que oferecem
conteúdos e informações abstratas e distantes da realidade de vida d@s educand@s.
Tudo isso dificulta o reconhecimento e a aprendizagem. Além de favorecer a acomo-
dação e uma sensação de incapacidade e de fragilidade intelectual por não dar conta
de aprender o que é dissociado da realidade presente.
A terceira categoria foi intitulada como ‘estudante ativo’. Traduzimos pela metá-
fora categorial da PER, associada a ideia d@ “autor(a) epistêmic@”. Nesse item, @s
estudantes depoentes, ressaltam que @s discentes devem ser respeitados em suas falas,
ideias, reflexões, percepções. Que haja estímulo e condições favoráveis, sem serem jul-
gados nem criticados, para que possam participar e propor debates e assuntos na sala
de aula. Que possam se sentir parcela ativa na construção do conhecimento. Na PER
a ideia de autoria está associada a necessidade de saída da condição de passividade ou
submissão a representar um papel em um script proposto por outrem. Que estudantes
possam ter reconhecida sua capacidade de autoria, na qual propõe ações e transfor-

89
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

mações no cenário da vida. Salientam ainda que se faz imprescindível que educador@s
reconheçam isso como natural, direito legítimo e não uma concessão ou um favor que
está sendo oferecido que “dá espaço para o aluno falar”.
A partir disso, podemos compreender que a contribuição pedagógica que a edu-
cação dialógica oferece para a formação docente faz com que discentes e docentes se
constituam no ambiente dos grupos aprendentes de tal maneira que há o acontecimen-
to exitoso do ato de ensinar e de aprender dialógico, decolonializante e intercultural.
Uma formação docente dialógica é capaz de contributos baseados na decolonialidade.
Isso também empodera ações didático-pedagógicas que conseguem desconstruir prá-
ticas conteudista e bancárias.
Bem, mas antes de adentrar o universo docente e suas contribuições, cabe aqui in-
formar que chegamos nos estudos possibilitados por meio de um bom conjunto de en-
trevistas oferecidos generosamente por noss@s interlocutor@s, professor@s ligad@s ao
campo da formação docente da Universidade Federal do Ceará - UFC e da Universi-
dade Federal Fluminense – Universidade Federal Fluminense - UFF, indicad@s pelos
estudantes através dos questionários citados. Essa indicação tinha como recorte o fato
de serem professor@s considerad@s dialógic@s ou que ministraram exitosamente aulas
dialógicas. Relembramos que foram efetivadas 25 *- na UFC e 14 entrevistas junto a UFF.
Nesse caso, conseguimos excelentes resultados. Desse corpo de resultados, nossa
aplicação de métodos de análise já sinalizados, chegamos a definir nossas categorias
empíricas, descritivas, depois de um processo que envolveu o destrinchar das narra-
tivas com foco nos temas de nosso interesse. Algo bem interessante e que muito nos
favoreceu foi poder concentrar tanto os resultados tematizados pela ideia de profes-
sor(a) dialógic@, quanto pela aula dialógica, puderam se associar em quatro catego-
rias. Sendo elas: Escuta, Horizontalidade, Acolhimento e Criticidade. Agora vamos
a elas, vamos dialogar com cada uma e em seguida apresentaremos o diálogo entre
essas categorias e os depoimentos de professor@s.

3.2 Categorias empíricas e reflexões

Escuta
Em se tratando de escuta, precisamos começar por uma definição do dicionário.
Assim, Escuta é um substantivo feminino que retrata a ação de escutar, de ficar à es-
preita para ouvir. Também pode ser entendido como serviço de recepção de ondas
hertzianas emitidas por rádios, realizado com o objetivo de fiscalização e controle das
telecomunicações. Significa ainda lugar onde se escuta, pessoa incumbida de escutar
as conversas dos outros, atividade de vigilância, sistema eletrônico pelo qual se ouvem
e/ou se gravam, a distância, conversas telefônicas clandestina ou secretamente. No
âmbito militar significa processo de detecção da atividade inimiga pelo som. Juridica-
mente se associa a ideia de “escuta especializada enquanto procedimento de entrevista
sobre situação de violência ou ato judicialmente considerado.
Etimologicamente, conforme o Dicionário Aurélio, a palavra escuta provem do la-
tim escutare, significando: "tornar-se ou estar atento para ouvir; dar ouvidos a; aplicar
o ouvido com atenção para perceber ou ouvir" (AURÉLIO, 1988).

90
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Na ambiência acadêmica20 temos a escuta associada, no campo da educação, ao


fator distintivo que separa ouvir de escutar. Ouvir estaria mais identificada com a di-
mensão biológica de sentir o som, a comunicação emitida, enquanto o escutar estaria
associado ao ato de se dispor a acolher o dito. Ainda cabe qualificar essa ação tendo
em conta aspectos tais como empatia, alteridade, disposição para a escuta... atenção
ao que escuta. Escutar, implica sempre em mais do que ouvir. Isso atravessa a ideia
de alcançar níveis diferentes na escala de audição, mas principalmente está ligada a
ideia de valorizar e dar significado acolhedor ao que se escuta. Reforçando, o signifi-
cado de ouvir se liga ao sentido da audição, ao que o ouvido capta. Já escutar implica
essencialmente ao ato de ouvir com atenção, compreender e processar a informação
devidamente, considerando a subjetividade e objetividade do escutar.
Decorre disso inúmeras ilações importantes, considerando a dimensão educativa da
escuta. Disso derivam alguns conceitos que se tornam usuais nesse campo. Deles destaca-
mos o mais comum, proposto por René Barbier (1997). Nele, o autor caracteriza a escuta
sensível como o reconhecimento e aceitação incondicional de outrem. Entretanto, isso não
significa que há uma aderência automática ao dito dest@s. Segundo ele, seria uma escuta
própria de um pesquisador educador, tendo em conta a transversalidade (Barbier, 1997).
Em seu artigo: “Escuta sensível na formação de profissionais de saúde (*), nos diz que:

“Trata-se de um escutar-ver que recebe em seu significado a influência da aborda-


gem rogeriana em ciências humanas, inclinando-se para a tendência interpretativa
da meditação no sentido oriental do termo (Krishnamurti, 1994). A escuta sensível
se apoia na empatia. O pesquisador deve saber sentir o universo afetivo, imaginá-
rio e cognitivo do outro para poder compreender de dentro suas atitudes, compor-
tamentos e sistema de ideias, de valores de símbolos e de mitos. A escuta sensível
reconhece a aceitação incondicional de outrem. O ouvintesensível não julga, não
mede, não compara. (...) A escuta sensível é sempre "multirreferencial", segundo
a expressão de Jacques Ardoino (Sérgio da Costa Borba, 2001). (BARBIER, 2002).

Escuta ativa é outro conceito que encontramos nas pesquisas pelas redes virtuais.
Aparece mais em outras áreas, particularmente nas empresariais. Se trata do Conceito
de Escuta Ativa. Esta se caracterizaria por abertura para com o outro, uma atenção plena
sobre o que a outra pessoa deseja expressar. Algo pode ser diferente a sua própria opi-
nião, no entanto, escutar de forma ativa significa atender com respeito à outra pessoa.
Implicaria na busca de compreensão através da empatia.
Ela se manifestaria de diversas formas, tais como tomar as palavras de seu interlo-
cutor como base para expor suas ideias e argumentos; usá-las para reconfigurar suas
próprias ideias; reelaborar em parceria.
Um dos marcos dessa proposta é o não julgar e o respeito às suas emoções, sentimen-
tos e experiências. Estaria associada a ideia de inteligência emocional e se apoia fortemente
na empatia. Há de se ter também atenção para com a linguagem corporal, olhares, sorrisos,
gestos, expressões faciais, seriam também informações importantes nessa escuta.
20
Acadêmico é um termo de origem latina, “academicus”, que remete ao termo academia que
provém do Grego “akademeia. Acadêmico está provavelmente associada ao termo Grego “aka-
demos”, um herói grego. “O Bosque de Akademos”, reza a lenda, foi o terreno onde Platão esta-
beleceu sua primeira escola filosófica. Diante disso, diz então que acadêmico é o termo que se
refere à academia ou a algo pertencente a ela... (Dicionário Aurélio, 1988)

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Pedagogia da Escuta é um conceito bonito de se encontrar. Nele, reconhecemos a


escola sob uma perspectiva malaguzziana. Essa pedagogia surgiu logo após a Segunda
Guerra Mundial, quando o pedagogo Loris Malaguzzi implementou um conjunto
de práticas pedagógicas nas escolas públicas da província de Reggio Emilia, no nor-
te da Itália. Para ele, a criança precisava de escuta cuidadosa pois possuía “Cem lin-
guagens”, uma multiplicidade expressões de suas experiências, por meio da escrita,
da oralidade, da corporeidade, da música, das artes plásticas, entre outras. Portanto,
Malaguzzi ressalta que o papel efetivo do professor é estar atento ao que @s estudan-
tes demonstram, segundo ele, só se torno possível a promoção das crianças em sua
completude, ao abranger sua multidimensionalidade.
A pedagogia da Escuta se funda na consideração a pluralidade e a complexidade
d@s educand@s; valoriza as diferenças; estimula inúmeras experiências através de
diversas linguagens; propõe a autonomia das crianças; valoriza a liberdade de ex-
pressão; busca a retroalimentação dos processos educativos a partir de constantes
avaliações; tenta manter o elo entre a escola e a família.
Mas confesso que estas proposições já estão presentes desde as históricas obras
de Paulo Freire. Na verdade, ainda que originalmente Paulo Freire tenha pensado
a educação dialógica, por meio da educação de jovens e adultos, ali desde sua tese
para professor da Universidade do Recife já temos a dialogicidade presente, como
foi possível observar em nossos textos presentes nas referências dessa tese.
Desde ali Paulo Freire aponta esses elementos que aqui aparecem voltados para
a Educação Infantil. Constatamos que a dialógica freireana sinaliza essas questões,
corroboradas adiante com seu livro práxico mais intensamente vinculado a escola: o
Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 1997). Mas certamente, vale a pena reconhecer
estes contributos para a educação atual, que reeditam ou se identificam com estas pro-
posições freireanas. E digo mais, o importante mesmo é experienciar, praxicar a edu-
cação dialógica e reconhecer no concreto o quanto de benefícios ela pode nos oferecer.
Bom, chegamos ao coração da escuta. A Escuta Amorosa, Freireana. Esse con-
ceito já está posto e proposto desde o Educação como Prática da liberdade (FREIRE, 1967),
ganhando consistência e densidade no Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1983) e tendo
sua expressão de práxis acadêmica mais intensamente no Pedagogia da Autonomia (FREI-
RE, 2002). Podemos constatar que é anterior aos demais, ainda que o próprio autor jamais
o tenha definido, em seu sentido mais formal. Porém, fomos dialogar com a definição nos
escritos do próprio autor e de outros interlocutores que dialogam com ele, em especial no
dicionário Paulo Freire, já que estamos aqui no trato de categorias e conceitos.
Começamos demarcando a ideia de escuta presente em sua obra de referência,
seu livro magno, o Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1983). Nele não encontramos
explicitamente esse conceito, porém, podemos identificar a ideia intrínseca à “escuta”,
quando ele diz uma de suas mais célebres frases: “Já agora ninguém educa ninguém,
como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os [seres humanos] se educam em
comunhão, mediatizados pelo mundo”. (FREIRE, 1983, p. 39). Nosso entendimento é
que se evidencia na comunhão a escuta, como também o acolhimento. Tanto quanto
ele vai afirmar que: “Esta busca do ser mais, porém, não pode realizar-se ao isolamen-
to, no individualismo, mas na comunhão, na solidariedade dos existires, daí que seja
impossível dar-se nas relações antagônicas entre opressores e oprimidos”. (FREIRE,
1983, p. 43).

92
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Explicitamente, Paulo Freire trata dessa escuta, como essencial na feitura desse
novo ser dialógico, capaz de enfrentar e superar esse contexto social excludente e
opressor, no livro Medo e Ousadia (FREIRE E SHOR, 1985, p. 75). Assim se pronuncia:

“Se estou aqui recriando o professor como alguém que fala e escuta, também estou
induzindo o aluno, a se recriar como alguém que escuta e que fala, dentro de um
novo roteiro a ser seguido na sala de aula. Penso que, aqui, a arte é a reinvenção
verbal, a recriação vocal através do diálogo.

No Pedagogia da Autonomia, em seu capítulo 3, Paulo Freire (1997), assume ple-


namente a relevância da escuta atenta e cuidadosa ao afirmar que “Ensinar exige saber
escutar”. Diz mais:

Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele. Mesmo que,
em certas condições, precise de falar a ele. O que jamais faz quem aprende a
escutar para poder falar com é falar impositivamente. Até quando, necessaria-
mente, fala contraposições ou concepções do outro, fala com ele como sujeito
da escuta de sua fala crítica e não como objeto de seu discurso. O educador que
escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes necessário,
ao aluno, em uma fala com ele. (p. 58).
No processo da fala e da escuta a disciplina do silêncio a ser assumido com rigor e a seu
tempo pelos sujeitos que falam e escutam é um ‘sine qua’ da comunicação dialógica. O
primeiro sinal de que o sujeito que fala sabe escutar é a demonstração de sua capaci-
dade de controlar não só a necessidade de dizer a sua palavra, que é um direito, mas
também o gosto pessoal, profundamente respeitável, de expressá-la. Quem tem o que
dizer tem igualmente o direito e o dever de dizê-lo. É preciso, porém, que quem tem o
que dizer saiba, sem sombra de dúvida, não ser o único ou a única a ter o que dizer. (...),
acrescento, quem tem o que dizer deve assumir o dever de motivar, de desafiar quem
escuta, no sentido de que, quem escuta diga, fale, responda. E intolerável o direito que
se dá a si mesmo o educador autoritário de comportar-se como o proprietário da ver-
dade de que se apossa e do tempo para discorrer sobre ela. (...). Ao contrário, o espaço
do educador democrático, que aprende a falar escutando, é cortado pelo silêncio inter-
mitente de quem, falando, cala para escutar a quem, silencioso, e não silenciado, fala. A
importância do silêncio no espaço da comunicação é fundamental. ... (p. 60).

No Dicionário Paulo Freire, o “Escutar” se nos apresenta de maneira especial, a


começar por quem nos oportuniza essa leitura, a professora Ana Maria Saul, coorde-
nadora da Cátedra Paulo Freire da PUC de São Paulo, uma das primeiras do Brasil e
referência importante nos estudos acerca de Freire e sua obra. Atuou ao seu lado durante
um período profícuo e relevante (1999). Segundo nos informa, a escuta esteve sempre
presente na prática de Paulo Freire. Era exercitado regularmente em sala de aula, in-
clusive fazia questão de iniciar as aulas ouvindo as práticas e os interesses de pesquisa
dos alunos; os seus sonhos. Ao tratar desse verbete, ela nos diz que:

Saber escutar é um dos saberes necessários à prática educativa, apresentados por


Paulo Freire no livro Pedagogia da autonomia (1997). Trata-se de uma escuta que
vai além da capacidade auditiva e difere da pura cordialidade. (...).

93
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Saber escutar é condição para o desenvolvimento de uma prática educativa


democrática. Na medida em que aprendemos a escutar, paciente e criticamente, o
educando, afirma Freire, podemos passar a falar com ele e não falar para ele, como
se fôssemos detentores da verdade a ser transmitida. Nessa perspectiva, saber escu-
tar requer que se aprenda a escutar o diferente.
(...). A escuta é também, para Freire, requisito para o diálogo e para a compreensão
do conhecimento que o educando traz para a situação de [ensino-aprendizagem],
possibilitando, ao educador, conhecer e trabalhar a partir da leitura de mundo do
educando. Saber escutar é, portanto, uma prática que se imbrica, necessariamente,
na construção do conhecimento crítico-emancipador. É importante lembrar, com
Freire, que a prática do saber escutar implica necessariamente posturas que vão re-
querer do educador novos aprendizados: humildade, amorosidade aos educandos
e tolerância. (...).

Podem-se encontrar referências ao escutar, feitas por outros autores, em


diferentes contextos. Na obra de Enrique Dussel21, em particular, o Método para
uma filosofia da libertação a escuta, em linha com o trabalho de Freire destaca-se
como exigência ética: “saber-ouvir é o momento constitutivo do próprio método;
é o momento discipular do filosofar; é a condição de possibilidade do saber-inter-
pretar, para saber-servir”.
O escritor Eduardo Galeano (2007)22, autor do clássico ‘As veias abertas da
América Latina’, em entrevista, faz importante reflexão sobre a necessidade de
escutar, ao responder sobre o papel do intelectual, hoje, na América Latina. Em
sintonia com Freire, no tocante à importância de [dar ouvido aos oprimidos], Ga-
leano ressalta o valor de escutar a palavra dos desprezados porque são palavras
verdadeiras. (...).

Ainda segundo o dicionário Paulo Freire, este verbete aparece em várias de suas
páginas, tais como: 34, 58, 102, 119, 149, 153, 159, 160, 176, 192, 295, 296, 299, 315,
331, 337, 356, 366, 372, 389, 392.

Horizontalidade

Horizontalidade é substantivo feminino, significando a qualidade ou condição do


que é ou está na horizontal; direção estabelecida por reta paralela ao horizonte. Hori-
zontalidade estaria, portanto, vincada ao significado de estar em situação de opinião
igual as outras pessoas, no sentido de valor e de reconhecimento. Refere-se a uma
proposta democrática de interação, em que o poder emerge do povo, para o povo e
pelo povo23.

21
DUSSEL, Enrique. Método para uma filosofia da libertação. São Paulo: Loyola, 1986.
22
GALEANO, Eduardo. Veias continuam abertas na América Latina. Entrevista concedida a Mario
Augusto Jakobskind. Disponível em: <http://www.outerspace.com.br>. Acesso em: 4 nov. 2007;
23
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.pribe-
ram.org/horizontalidade [consultado em 10-09-2020]. https://www.dicionarioinformal.com.
br/horizontalidade/

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Horizontalidade, nessa direção, se identifica com os conceitos de igualdade e de


equidade, associados ao ideal de justiça social que balizam políticas (e lutas) sociais.
Cabe, porém, ressaltar que podem igualmente ser utilizada pela lógica do mercado,
propositora da ideia do liberalismo, no qual tod@s poderiam igualmente se beneficia-
rem de seus esforços para a conquista de seus sonhos. O que se propõe nessa identi-
ficação da horizontalidade com a igualdade e equidade, no entanto é reconhecer que
ninguém de fato possui superioridade natural diante d@ outr@, todas as hierarquias
são instituídas social e culturalmente.
Em estudo feitos na área da comunicação, constatamos a ideia de horizontalidade
na qual se teria a noção de que uma comunicação vertical seria autoritária, em geral
ligada a interesses econômicos da publicidade, por outro lado a comunicação horizon-
tal seria pautada por um paradigma da democratização da informação, estabelecendo
canais de participação cidadã.24
Em outro artigo interessante25, no trato da horizontalidade, na dimensão jurídica
do termo, podemos deduzir em um estudo efetuado quanto aos direitos fundamen-
tais... nele tratam do termo como uma teoria da eficácia dos direitos fundamentais, em
que interpreta o conceito de horizontal ao tratar de poderes idênticos... destacando
que a observância dos direitos fundamentais não se restringe ao Estado diante do ci-
dadão, devendo se estender às relações privadas... Consequentemente, podemos deri-
var que horizontalidade jurídica pode ser tratada como uma leitura de igualdade dos
direitos e deveres entre setores sociais, tanto quanto entre indivíduos.
No âmbito da educação, em Paulo Freire, identificamos esse conceito ligado a ideia
de relação entre seres na qual se busca agir sem uma hierarquia seletiva que define
desigualdades de direitos ou privilégios associados a ideia de verticalidade, na qual
há alguém acima. Dessa maneira, ninguém é maior ou mais do que ninguém, tod@s
somos diferente-iguais. Nesse sentido e propósito afirma Paulo Freire:

Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma re-


lação horizontal, em que a confiança de um polo no outro é consequência óbvia.
Seria uma contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provo-
casse este clima de confiança entre seus sujeitos. Por isto inexiste esta confiança
na antidialogicidade da concepção “bancária” da educação. (FREIRE, 1987, p.46)

Em geral, ao tratar da horizontalidade, uma questão que emerge é a relativa ao des-


valor colonializante que se institui quanto ao senso comum, ao saber de experiencia
feito. Aqui se institui uma hierarquia verticalizante em que se instaura uma desigual-
dade consequente do fato do professor ser o portador dos saberes validos em detri-
mento aos conhecimentos desvalorizados oriundos da vida, do cotidiano ordinário
dos estudantes. Em contraponto a isso cabe, ampliarmos as reflexões acerca desses
24
Marcio G. Trevisol2Alessandra de barros. Verticalidade ou horizontalidade da informação:
Estudo de caso do programa “Estúdio Santa Catarina da RBS”. In: Intercom –Sociedade Bra-
sileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIII Congresso de Ciências da Comu-
nicação na Região Sul–Chapecó-SC – 31/05a 02/06/2012. http://www.intercom.org.br/papers/
regionais/sul2012/resumos/R30-1021-1.pdf
25
SILVA JUNIOR, Nilson Nunes da. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais. https://
ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/eficacia-horizontal-dos-direitos-fun-
damentais/) – texto no portal jurídico da internet.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

saberes e da redefinição paradigmática que os legitima ou deslegitima. Um enfoque a


ser considerado é o saber escutar, presente na obra Pedagogia da Autonomia. A apren-
dizagem da escuta é referida pelo autor como um caminho para transformar o autori-
tarismo do discurso de quem fala para os educandos na horizontalidade de quem fala
com os educandos. Saber escutar é uma atitude de respeito aos saberes de experiência
feito dos educandos, bem como a valorização da vida em si, das relações cotidianas. É
trazer a vida para a sala de aula e levar saberes vitais para o mundo.
Quando Carlos Rodrigues Brandão trata do círculo de cultura, no Dicionário
Paulo Freire (STRECK, REDIN, ZITKOSKI, 2015) , ele nos reforça a relevância da
horizontalidade: “Para Freire essa interação dialógica é uma relação horizontal entre
os sujeitos, mediada pelo conteúdo programático, transformado culturalmente pela
redução e codificação”.
Por sua vez, ao definir saber de experiencia feita, Ana Lúcia Souza de Freitas (In:
STRECK, REDIN, ZITKOSKI, 2015) , informa também sobre a horizontalidade: “A
aprendizagem da escuta é referida pelo autor [Paulo Freire] como um caminho para
transformar o autoritarismo do discurso de quem fala para os educandos na horizon-
talidade de quem fala com os educandos.” (p. 603). Já, Carlos Rodrigues Brandão, ao
tratar do Círculo De Cultura, nos diz:

Juntamente com uma crítica ética e, sobretudo, política, daquilo a que Paulo Frei-
re deu o nome de educação bancária, por oposição a uma educação libertadora,
surgem e se difundem práticas de ensinar-e-aprender fundadas na horizontalidade
das interações pedagógicas, no diálogo e na vivência da aprendizagem como um
processo ativo e partilhado de construção do saber (p. 117).

Quando define o verbete comunicação, no Dicionário citado, Fábio da Purificação


de Bastos, nos informa que: “Para Freire essa interação dialógica é uma relação horizon-
tal entre os sujeitos, mediada pelo conteúdo programático, transformado culturalmente
pela redução e codificação, pois “só o diálogo comunica” (FREIRE, 1976, p. 115).
É no horizonte da horizontalidade que encontramos a possibilidade de vislumbrar
adiante, em situações que só se tornam possíveis nas interações autenticas que impli-
cam numa superação de toda e qualquer hierarquia que negue a potência da alteridade
d@s envolvid@s.

Acolhimento

Acolhimento é substantivo masculino que carrega como significado o ato ou efeito


de acolher; acolhida, seria a maneira de receber ou de ser recebido; recepção, conside-
ração, abrigo26. Acolhimento é sinônimo de: proteção, guarida, consideração, refúgio,
abrigo, hospitalidade, acolhida, gratuituidade, hospitalidade. Pode também ser enten-
dido como lugar em que há segurança. No dicionário Michaelis, acolher se traduz
por hospedar ou obter hospedagem; albergar(-se), agasalhar(-se). Também representa
26
(https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&biw=1166&bih=542&q=como+se+pronuncia+acolhi-
mento&stick=H4sIAAAAAAAAAOMIfcTowC3w8sc9YSnzSWtOXmM05OINKMrPK81LzkwsyczPExLn-
YglJLcoV4pfi5eJOTM7PycjMTc0rybdiV2ItKNF1CuJZxCqbnJ-br1CcqlAA06qApBIAhALLGGUAAAA&-
sa=X&ved=2ahUKEwimqtekrd3rAhVGHbkGHWAZCpMQ3eEDMAB6BAgMEAg).

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dar crédito a; dar ouvido a; levar em consideração. Pode ainda ser entendido como
admitir (alguém) em seu convívio. Esse é um importante significado psicossocial,
caracterizando que alguém foi aceito por um grupo, que foi admitido em uma asso-
ciação. Pode retratar o sentido de deferir algo (pedido, opinião, requerimento etc.);
atender, escutar, ouvir27.
Etimologicamente a origem desse conceito está ligada a palavra “acolher”. Ela vem
do Latim ACOLLIGERE, que se traduz por levar em consideração, receber. Ainda se
liga a ideia de AD, “a”, mais colligere, “reunir, juntar”, este formado por COM, “junto”,
mais LEGERE, “reunir, coletar, recolher”28.
Termo muito utilizado no Direito como sinônimo de aceitação. Quando se inter-
põe algum recurso, no pedido o recorrente espera que seja dada resposta favorável a
seu recurso, ou seja, espera que suas argumentações sejam acolhidas, isto poderia ser
interpretado como acolher a solicitação. Constata-se o advento de uma novo lógica no
campo da justiça criminal, identificada com a ideia de acolhimento, que aponta para
um novo modo de vivenciar a execução penal onde cumpridores e equipe técnica se
dispõem a reconhecer necessidades individuais e coletivas dos sujeitos em sua comple-
xidade, como consequentes das desigualdades29.
Avançando em direção aos significados mais relevantes aos interesses de nosso
estudo atual, constatamos em pesquisas na internet, que o termo aparece mais fre-
quentemente associado ao campo da saúde ou do serviço social. Comum identificar o
termo ao recebimento afetuoso de pessoas em situação de rua, acolhimento institucio-
nal, serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), entre similares... O
mais frequente de fato se liga a ideia de acolhimento em saúde, em situações de risco
social, recuperação de usuários de drogas. Diante desse quadro, vejamos o que diz a
Política Nacional de Humanização (Ministério da Saúde, 2003)30:

Acolhimento é uma diretriz da Política Nacional de Humanização (PNH), que não


tem local nem hora certa para acontecer, nem um profissional específico para fa-
zê-lo: faz parte de todos os encontros do serviço de saúde. O acolhimento é uma
postura ética que implica na escuta do usuário em suas queixas, no reconhecimen-
to do seu protagonismo no processo de saúde e adoecimento, e na responsabiliza-
ção pela resolução, com ativação de redes de compartilhamento de saberes. Aco-
lher é um compromisso de resposta às necessidades dos cidadãos que procuram os
serviços de saúde.

Ao chegar as Ciências Humanas, em especial a Educação, constatamos que a prin-


cipal referência no trato do Acolhimento, do acolher, se refere a Paulo Freire. Mesmo
que Freire trate desse tema correlacionando com a dimensão da dialogicidade, em
especial ao conceito de Amorosidade. Salientamos ainda que tanto dialógica quanto
amorosidade perpassam toda a obra freireana.
27
http://michaelis.uol.com.br/busca?id=XpPo.
28
(https://origemdapalavra.com.br/palavras/acolher/)
29
(https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1599/Provimento-Novo-CPC-Lei-no-13105-15).
30
Brasil. Política Nacional de Humanização. Brasília: Ministério da Saúde, 2003. http://bvsms.
saude.gov.br/bvs/dicas/167acolhimento.html. Acessado em setembro de 2020.

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Identificamos a efetiva correlação entre amorosidade e acolhimento através dos es-


tudos apresentados no Dicionário Paulo Freire (STRECK, REDIN, ZITKOSKI, 2008),
mas, em especial, em um excelente artigo de Colonni e Amorim (2017)31, no qual
defendem a relação efetiva entre acolhimento e amorosidade em Paulo Freire. Nas
palavras desses autores, manifesta no resumo do citado artigo: “Com este ensaio, al-
meja-se oferecer algumas reflexões sobre o sentido e o sentir da amorosidade como
modo de acolhimento do outro no eu, uma possibilidade de reconhecimento de um
eu no outro.”
Sérgio Trombetta, ao tratar da Alteridade, no Dicionário Paulo Freire (STRE-
CK, REDIN, ZITKOSKI, 2015), afirma: “O diálogo é comunhão, é acolhimento ético
do outro, é encontro amoroso dos homens e mulheres que, mediatizados pelo mun-
do, o pronunciam, isto é, o transformam, e, transformando-o, o humanizam para a
humanização de todos. (FREIRE, 1992, p. 118). Ainda nessa obra de destaque, nos es-
tudos de Paulo Fere, Cleni Fernandes faz referência ao acolhimento quando apresenta
o vocábulo “Amorosidade”, na obra citada, p.65. Ela nos diz:

A amorosidade freiriana que percorre toda sua obra e sua vida se materializa
no afeto como compromisso com o outro, que se faz engravidado da solidarieda-
de e da humildade. Usando o prefixo com-, ganha força a ideia de compromisso
que pode significar prometer-se consigo e com o outro. (...), em um emaranhado
que envolve respeito como uma categoria de acolhimento das diferenças, não ape-
nas como categoria cultural, embora também o seja, mas sua essência se constitui
como categoria de conteúdo ético.
A confiança é construída por atitudes de respeito como acolhimento, nos limites
das relações humanas possíveis, entremeadas de afeto e de disponibilidade para
o diálogo. A confiança não é dada por relações abertas, ela é condição construída
junto com a humildade, com a crença de que o possível é também construção ética
a transitar entre o pessoal e o social, ou melhor, entre o individual e o social que
nos constroem pessoas situadas no e com o mundo.

Tudo isto nos remete a um entendimento de que que, ao ter como categoria o
acolhimento, estamos na verdade identificando nas falas de professor@s a ideia da
amorosidade aplicada nas interações de sala de aula. Seria o amor em ação no contexto
didático-pedagógico. Não que a amorosidade se restrinja ao acolher, mas reconhecer
que o acolhimento significa tecer lugar de confiança, cuidado, respeito, afeto, sentir,
ser tocado e se deixar tocar.

Criticidade

Criticidade é substantivo feminino, representando a característica de ser crítico, do


que se fundamenta ou é estabelecido a partir de um juízo de valor; capacidade de ser
crítico, de julgar, criticar. Por sua vez crítica, da qual deriva criticidade, também é um
substantivo feminino, que tem como significado a análise avaliativa de alguma coisa;
ação de julgar ou de criticar. Também é entendida como avaliação negativa. Relata a
31
Sobre o conceito de amorosidade em Paulo Freire. Autores: Filipi Vieira Amorim, Humberto
Calloni. In: Conjectura: filosofia e educação, ISSN 0103-1457, Vol. 22, Nº. 2, 2017, págs. 380-
392. https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6415543

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atividade que consiste na examinação de obra científica, artística ou literária, de ações,


fatos ou textos históricos32.
Crítica etimologicamente vem do Grego “kritikos”, traduzida como a capacidade
de julgar; de KRINEIN, relacionado a separar, decidir, julgar; se lida também a krisis,
significando julgamento, seleção. Tem relação também com o conceito Indo-Europeu
KREI-, traduzido por peneirar, discriminar, distinguir”. 33
Resumindo, em palavras usuais, criticidade é a aplicação do pensamento crítico
enquanto capacidade de olhar para as situações de maneira atenta, reflexiva, cuidado-
sa. Isso exige, principalmente, que a pessoa consiga deixar suas crenças e opiniões de
lado para fazer sua análise.
Pensar de forma crítica decorre de um conjunto de recursos mentais, uso da lógica
e da racionalização para identificar forças e fraquezas, alternativas, para que assim se
possa chegar a conclusões e novas abordagens aos problemas em questão. Pensamento
crítico é um julgar propositado e reflexivo sobre crenças ou respostas a observações,
experiências ou argumentos. Relativamente este pensamento aprecia se há validade
em acatar certas teses como algo autênticas. Por sua vez, de acordo com o dicionário
Aurélio, senso crítico é a “capacidade de analisar, refletir ou buscar informações antes
de tirar uma conclusão. É a tendência de quem não aceita automaticamente o que lhe
é dito ou imposto”. Isso pode ser aprimorado em seu exercício. Isto
A criticidade inclusive é um dos propósitos da filosofia, na qual se tem como pretensão
a ultrapassagem do chamado pensamento ingênuo, naquilo que Paulo Freire denomina da
busca da razão de ser do aparente, do imediato. Temos inúmeras vertentes, tanto na filoso-
fia, quanto na educação, que trata de uma tendência crítica, identificadas com problemati-
zação da sociedade excludente, colonializante e opressora em que nos encontramos. Com
isso caminhamos criticamente em direção à Criticidade na educação.
Eliane da Costa Bruini, colaboradora da revista Brasil Escola, em um de seus tex-
tos34, no qual trata do professor Crítico-reflexivo, nos reafirma a potência e atualidade
dessa vertente da formação docente, já tratada por nós nas referências teóricas dessa
tese. Entretanto, não enveredaremos por esse rumo, pois que a ênfase de fato se dá
na ideia de reflexividade e associada, em geral, a formação d@ professor(a) pesquisa-
dor(a). Ela afirma que a reflexão crítica tem como base a pedagogia crítica de Freire e
parte da premissa de que essa formação crítica qualifica as pessoas para esse desvelar
e transformar de suas realidades social, histórica e cultural e potencializando, criando
possibilidades para uma maior autonomia e emancipação.
Certamente, alguém que possa ser caracterizado como professor(a) crític@-refle-
xiv@ possui como uma de suas principais características, o cuidado com as conse-
quências éticas e morais de sua práxis social. Na perspectiva de Dewey, professor@s
deve ser intelectuais, reflexivos e críticos. Nóvoa (1995)35, por sua vez, defendo que a
formação docente acontece por meio da reflexão crítica sobre suas práticas.

32
Dicionário Online de Português - https://www.dicio.com.br/critica/
33
https://origemdapalavra.com.br/pergunta/critica/
34
O professor crítico-reflexivo. https://educador.brasilescola.uol.com.br/orientacoes/o-profes-
sor-critico-reflexivo.htm.,
35
NÓVOA, Antonio. Formação de professores e profissão docente. In. Os professores e a sua
formação. Nóvoa, A.(org.) 2. ed. Portugal: Publicações Dom Quixote, 1995.

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Bem, mas também concordo com a afirmativa de que é em Paulo Freire que a
educação se encontra conscientemente com a criticidade e reflete sobre ela e com ela
institui uma jornada epistemológica, na qual o ingênuo se torna crítico, a consciência
ingênua se torna consciência crítica, o conhecimento ingênuo se torna crítico. Desse
modo, ao investigar a grande obra, o Pedagogia do Oprimido, nos deparamos com
inúmeras afirmativas e indícios da essencialidade da Criticidade na feitura do ser li-
berto, que supera a subalternidade, a opressão, a colonialidade.
Assim, já no prefácio do livro, o Professor Ernani Maria Fiori, utiliza a ideia de
crítica/criticidade dezoito vezes. Tal como, quando afirma categoricamente seu poder:
“Essas palavras, oriundas do próprio universo vocabular do alfabetizando, uma vez
transfiguradas pela crítica, a ele retornam em ação transformadora do mundo”.
Vamos então as próprias palavras de Paulo Freire, definindo a importância da cri-
ticidade, e delineando um tanto quanto da sua práxis. Ele nos conta, já nas primeiras
palavras do livro, ao se referir a resultados de experiências decorrentes dos trabalhos
em seus cinco anos de exílio, somados a observações feitas no Brasil, em atividades
educativas, que um dos aspectos que lhe surpreende, nos cursos que realizou: “Não são
raras as vezes em que participantes destes cursos, numa atitude em que manifestam o
seu "medo da liberdade”, se referem ao que chamam de “perigo da conscientização”. “A
consciência crítica (...dizem...) é anárquica”. (PAULO FREIRE, 198736, p. 12).
Na sequência, página seguinte, ao tratar da relação entre fanatismo e setorização
em contraponto a radicalidade, destaca que a criatividade e a criticidade alimentam
a radicalização. Se refere a isso desse modo: “A radicalização, (...), é sempre criadora,
pela criticidade que a alimenta. Enquanto a sectarização é mítica, por isto alienante, a
radicalização é crítica, por isto libertadora”.
Ao afirmar o espírito do Pedagogia do Oprimido em antítese a uma pedagogia
para o oprimido, Freire (1987, p 17) nos alerta que: “A pedagogia do oprimido, que
não pode ser elaborada pelos opressores, é um dos instrumentos para esta descoberta
crítica – a dos oprimidos por si mesmos e a dos opressores pelos oprimidos, como ma-
nifestações da desumanização”. Vai mais profundo, ao ressaltar que somente aos opri-
midos cabe lutar por sua libertação e aos que se solidarizam realmente com eles e, nes-
se processo libertador, se torna essencial “... ganhar a consciência crítica da opressão,
na práxis desta busca. Vai então delineando o caminho e ressalta que: “Desta forma,
esta superação exige a inserção crítica dos oprimidos na realidade opressora, com que,
objetivando-a, simultaneamente atuam sobre ela. E sublinha que: “... inserção crítica
e ação já são a mesma coisa. Por isto também é que o mero reconhecimento de uma
realidade que não leve a esta inserção crítica (ação já) não conduz a nenhuma transfor-
mação da realidade objetiva, precisamente porque não é reconhecimento verdadeiro.”
(Op. Cit., p. 21).
Avança em suas elocubrações, dialoga com Lukács, e diz que concorda com a ques-
tão da correlação entre inserção crítica na realidade através da práxis, pois como assu-
me “... nenhuma realidade se transforma a si mesma”. E fecha essa ideia ao dizer que a
Pedagogia do Oprimido requer que os oprimidos “... se saibam ou comecem critica-
mente a saber-se oprimidos...”. (FREIRE, 1987, p 22). E, em seguida: “...se o momento
já é o da ação, esta se fará autêntica práxis se o saber dela resultante se faz objeto da
reflexão crítica. (Op. Cit., p. 29).
36
PAULO FREIRE, 1987, Pedagogia do Oprimido, versão digital, p. 12).

100
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Mais adiante, na página 30, (Freire, 1987) correlaciona esse movimento às relações
educativas e, mais uma vez, destaca a importância da criticidade. Nos informa: “Edu-
cador e educandos (liderança e massas), co-intencionados à realidade, se encontram
numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, critica-
mente conhecê-la, mas também no de re-criar este conhecimento.
Ao começar sua explicação acerca da educação bancária, Freire (1987, p. 40) enfa-
tiza seu caráter anestesiante, inibindo o poder de criação dos educandos, enquanto a
educação dialógica, problematizadora, implicaria em constante desvelar da realidade:

A primeira pretende manter a imersão; a segunda, pelo contrário, busca a emersão


das consciências, de que resulte sua inserção crítica na realidade”. Quanto mais se
problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais
se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao
desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, preci-
samente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros,
num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante
tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada.

No trato de ações concretas, na práxis didático pedagógica, mais uma vez Paulo
Freire (1987, p. 50) vai destacar a significativa relevância da criticidade ao dizer: “...: “a
constatação do “tema gerador”, como uma concretização, é algo a que chegamos atra-
vés, não só da própria experiência existencial, mas também de uma reflexão crítica
sobre as relações homens-mundo e homens-homens, implícitas nas primeiras.
Muito interessante é a alusão que ele faz ao poder decorrente da percepção crítica
de “..., na ação mesma, se desenvolve um clima de esperança e confiança que leva os
homens a empenhar-se na superação das “situações-limites”. (FREIRE, 1987, p. 51).
Retoma a caracterização da criticidade ao afirmar que “... a análise crítica de uma
dimensão significativo-existencial possibilita aos indivíduos uma nova postura, tam-
bém crítica, em face das “situações-limites”. (OP. Cit., p 55). E aí corporifica a práxis
no trato da decodificação associada a análise crítica, conforme pode se constatar no
rodapé da mesma página.
Outro ponto importante, para entendermos freireanamente a criticidade, é quando
Paulo Freire (1987, p. P. 57) alude ao fato de que uma investigação instituinte da práxis
educativa: “... se fará tão mais pedagógica quanto mais crítica e tão mais crítica quanto,
deixando de perder-se nos esquemas estreitos das visões parciais da realidade, das
visões “focalistas” da realidade, se fixe na compreensão da totalidade”.
E esmiúça a atividade acerca da codificação e decodificação aludindo ao fato de
que: “Os homens são porque estão em situação. E serão tanto mais quanto não só pen-
sem criticamente sobre sua forma de estar, mas criticamente atuem sobre a situação
em que estão. (FREIRE, 1987, p. 58). Por isso mesmo: “As codificações não são slogans,
são objetos cognoscíveis, desafios sobre que deve incidir a reflexão crítica dos sujeitos
descodificadores. (Op. cit., p. 62).
Olha que forte essa afirmativa e quão rica de significados: “Críticos seremos, verda-
deiros, se vivermos a plenitude da práxis. Isto é, se nossa ação involucra uma crítica

101
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

reflexão que, organizando cada vez o pensar, nos leva a superar um conhecimento
estritamente ingênuo da realidade. (FREIRE, 1987, p. 73).
Desde esse ponto, Paulo Freire vai ressaltar o quanto precisamos reconhecer nossa
condição de alojar @ opressor(a) e que é na criticidade que se pode reconhecer essa
aderência e a potência de criticamente superar essa contradição. Demonstra então que
na problematização da situação limite podemos exercer uma “análise crítica sobre a
realidade problema”. (FREIRE, 1987, p. 97). Daí: “... na síntese cultural, não há, invaso-
res, não há modelos impostos, [@s ator@s], fazendo da realidade objeto de sua análise
crítica, jamais dicotomizada da ação, se vão inserindo no processo histórico, como
sujeitos. (Op. Cit., p. 106).
Transitando para finalizar essa obra magistral do saber educativo, Freire (1987,
p. 107) vai destacar a essencialidade libertadora de se: “Ter a consciência crítica de
que é preciso ser o proprietário de seu trabalho”. E conclui suas reflexões acerca da
criticidade já na última página do livro ao proferir essa afirmativa autorreflexiva e crí-
tica: “Desta maneira, nos daremos por satisfeitos se, dos possíveis leitores deste ensaio,
surjam críticas capazes de retificar erros e equívocos, de aprofundar afirmações e de
apontar o Que não vimos.
Trazendo Freire, em Pedagogia da autonomia (1996, p. 32 e 33), ele afirma de for-
ma conclusiva: “A necessária promoção da ingenuidade a criticidade não pode ou não
deve ser feita a distância de uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética.
Decência e boniteza de mãos dadas”. Ainda nessa mesma obra, Freire trata expli-
citamente da criticidade no cenário da formação docente. São palavras suas: “... por
isso é que, na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da
reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente sobre a prática de hoje ou de
ontem que se pode melhorar a próxima prática” (Freire, 1996, p. 39).
Bem, mas numa volta ao Dicionário Paulo Freire (STRECK, REDIN, ZITKOSKI,
2015) ao definir “Condicionado e Determinado, Jaime José Zitkoski nos fala que a
proposta de Freire foi eminentemente na intencionalidade de superarmos a condição
ingênua e atingirmos a criticidade da consciência como próprio da ontologia humana.
No vocábulo ‘Conflito’, no dicionário citado ((STRECK, REDIN, ZITKOSKI, 2015,
p. 144) constatamos Moacir de Góes afirmar que:

(...) a conotação de criticidade nos coloca diante da reflexão sobre a necessidade


política, cultural e social de fazermos emergir atitudes contrárias à discriminação
de qualquer natureza, agindo como homens radicais que optam crítica e amoro-
samente, sem impor sua opção, mas dispostos a construir juntos o novo. Homens
críticos que dialogam sobre as diversidades das opções.

No trato da ‘Conscientização’, na obra acima citada, Ana Lúcia Souza de Freitas


((STRECK, REDIN, ZITKOSKI, 2015 p. 151), também fala sobre a criticidade: “A
conscientização requer o desenvolvimento da criticidade, que, aliada à curiosidade
epistemológica (...), potencializa a criatividade da ação transformadora ante as situa-
ções-limite (...). Criticidade, curiosidade e criatividade integram a complexidade das
relações que situam a conscientização no campo das possibilidades... Ainda no trato
da criticidade, essa autora traz Enrique Dussel (1986) quando “... analisa os concei-

102
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

tos de conscientização, utopia e inédito-viável e destaca a contribuição de Paulo Freire


como “um educador da consciência ético-crítica”.
Salientamos ainda que há um lugar próprio no dicionário Paulo Freire (STRECK;
ZITKOSKI, 2015) para tratar da Criticidade. Ali Carlos Eduardo Moreira vem nos
apresentar sua leitura de Paulo Freire acerca do tema e dialogar com ele na definição
do verbete. Assim ele se pronuncia:

A criticidade, para Freire, é a capacidade do educando e do educador refletirem


criticamente a realidade na qual estão inseridos, possibilitando a constatação, o
conhecimento e a intervenção para transformá-la. Essa capacidade exige um rigor
metodológico, que combine o “saber da pura experiência” com o “conhecimento or-
ganizado”, mais sistematizado. O seu principal objetivo é fazer com que as pessoas
e as classes oprimidas, que aceitam esse desafio, possam pensar certo e se constituí-
rem como sujeitos históricos e sociais, que pensam, criticam, opinam, têm sonhos,
se comunicam e dão sugestões (FREIRE, 1997).

Ainda como fruto desse processo de criação do Moreira, ele vai nos oferecer cita-
ções de Paulo Feire, presentes no Pedagogia do oprimido (1987), no qual Paulo Freire
concebe pensar certo como condição básica para a superação da curiosidade ingênua
em direção ao conhecimento crítico na formulação de: ... um conhecimento crítico
como base para a práxis transformadora”. Assim sendo, o pensar certo seria um pen-
sar crítico, é o que afirma Moreira, com o qual concordo. E, nesse processo de trans-
mutação da curiosidade ingênua em epistemológica, Esse autor nos oferece subsídios
oriundos do livro Pedagogia da autonomia (1997), no qual afirma Paulo Freire que o
educador é capaz de potencializar a construção do conhecimento pelos educandos, a
partir da definição conjunta de conteúdo a serem trabalhados por meio de um diálogo
‘crítico-problematizador’, na busca de formar “pessoas críticas, de raciocínio rápido,
com sentido de risco, curiosas, indagadoras” (FREIRE, 2000, p. 100).
Finalizando essa categoria de análise empírica, ainda informamos que segundo o
próprio dicionário Paulo Freire (STRECK; ZITKOSKI, 2015), é possível encontrar o
conceito de criticidade (atitude crítica) citado em várias de suas páginas: 29, 58, 61, 79,
81, 84, 88, 89, 97, 98, 99, 135, 144, 165, 180, 208, 246, 247, 268, 296, 299, 306, 307, 346,
347, 362, 356, 380.
Será que podemos associar essas categorias aos princípios dialógicos? Poderiam
se vincular assim: Escuta Fiel e esperançosa; Horizontalidade Humilde; Acolhimento
Amoroso; Criticidade Democrática. Poderíamos interligar essas categorias a metáfo-
ras categoriais da Perspectiva Eco-Relacional - PER? Tipo: Contextualização, grupos
aprendentes, autor(a) epistêmic@, saber parceiro?

3.3 Entrevistas – Narrativas e vozes d@s professor@s

Chegamos ao coração da tese? Creio que o Coração da Tese efetivamente seja a


Dialógica, a Educação Dialógica, a Formação Docente Dialógica. Entretanto, há de
se ter essa dimensão da práxis no chão da escola para trazer uma vida mais vivida,
experienciada e assim se torna extremamente relevante esse momento da tese, no qual
iremos tratar de um diálogo entre a teoria já apresentada. E aí queremos mais uma vez

103
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

enfatizar que a ideia de teoria e prática em Freire se diferenciam de outras lógicas e re-
ferenciais. Já que para Paulo Freire teoria e prática não se separam, há de se ter práxis,
ou seja, ação reflexão-ação para nos dar vida e orientar a vida.
Porém, ficaria inviável trazer como base desse diálogo todos os depoimentos e nar-
rativas de professores e professoras indicad@s como dialógic@s pel@s estudantes da
Universidade Federal do Ceará - UFC e da Universidade Federal Fluminense - UFF.
Por isso e por uma razão cientifica, já que o conhecimento científico utiliza procedi-
mentos que lhe permita considerar a validade desses conhecimentos produzidos.
Em virtude desses fatores, argumentos justos, optamos por trabalhar os depoimen-
tos colhidos através das entrevistas tendo como referência epistemo-metodológica a
Perspectiva Eco-Relacional - PER somada a ideia de uma Análise mais aprofundada.
Certamente, atravessamos o clássico mais utilizado no campo das ciências humanas,
a Análise de Conteúdo de Laurence Bardin (1977), seguimos rumo a uma abordagem
mais aprofundada com os contributos da professora Marli André (1986, 2013) e chega-
mos às proposições de Roque Morais (1999, 2003), com o que ele chama de processos
de análise textual qualitativa.
Nos encontramos plenamente com esse autor e sua proposta. Adotada essa práxis
de pesquisa, buscamos reouvir os depoimentos d@s professor@s, frutos das entrevis-
tas, reler todo o material, transcrições, observações do diário de campo, elaborados
durante meu pós-doutorado. Em seguida, efetuar recortes e marcar trechos mais sig-
nificativos.
Optamos por trabalhar com dois temas geradores: Aula dialógica e professor dialó-
gico. Eles teriam mais potência para nos ajudar a atender meus objetivos e consolidar
essa tese e suas contribuições.
Quando fomos verificar o tema gerador “Aula Dialógica”, tivemos, numa primeira
aproximação desse material, um conjunto de categorias que emergiram dos textos:
No trato do material inerente aos professores e professoras da UFC
Escuta, aprender com..., se formar com, ... se transformar com..., participação (ati-
va), horizontalidade, relação horizontal, ética, política, respeito, acolher, acolhimento,
formação reflexiva, reflexão crítica, criticidade, aprendizagem sentida/significativa,
troca, clima favorável, autonomia, reciprocidade,
No trato do material inerente aos professores e professoras da UFF:
Escuta, participar da construção do conhecimento, lugar de fala e escuta políti-
ca, tecer junto o conhecimento, realidade diferente, aprender com..., troca, partir da
experiência de vida dos estudantes, horizontalidade, provocativa, fazer sentido, dar
voz!!!, democrática, sentir junto, criticidade, espaço confortável para falar, perguntar,
concordar, discordar.
Depois de uma apreciação quanti-qualitativa chegamos à definição das quatro
principais categorias. Eles contemplavam o conjunto de respostas identificadas junto
ao corpo docente investigado, noss@s parceir@s nessa tese. Estas que apresentamos
anteriormente e com elas aprofundamos estudos e compreensões, para que pudessem
consubstanciar nossa interpretação dos resultados que apresentaremos em seguida.

104
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Antes disso, ainda queremos fazer algumas observações e definir codinomes


para identificar depoentes aqui anunciados e com quem dialogamos. A primeira e
mais importante observação é a que nossa leitura é uma das leituras possíveis. Ou-
tras leituras e entendimentos poderiam decorrer de uma outra abordagem, outros
referenciais ou apenas outros olhares ou outros ângulos, outros ponto de vista, outra
ótica, outro prisma.
Escolhemos denominar @s docentes com nomes de flores, pois que é assim que se
aproximam da ideia de teia e de borboleta. Sim, as teias geralmente são forjadas nos
entrelaços de galhos com flores e as borboletas nelas buscam abrigo e alimento.
Chegamos ao momento em que nos deparamos com a trama, o macramê que
emerge da tessitura feita a muitas mãos. Vamos então anunciar da seguinte maneira:
apresentamos o tema gerador, as categorias, depoimentos e narrativas nas quais de-
finem o que seria uma aula dialógica e exemplos de aulas dialógicas exitosas. Vamos
utilizar cores e legendas para facilitar a visualização de algumas escolhas que efetua-
mos na nossa análise.

3.3.1 Aula Dialógica

Escuta

• UFC

Crisântemo (2ª. Categoria que emerge: Acolhimento)


“Uma aula em que todas as pessoas têm o direito de se manifestar, e se expressarem
e… exercitar, o que não é fácil, a escuta né… porque a dialogicidade não pressupõe
apenas o falar isso é cada vez mais notório né… quando você termina de falar e alguém
já está lhe respondendo dificilmente houve um tempo de escuta, houve um tempo
de consideração né… Então assim o nosso grande desafio, que eu entendo né... uma
convivência dialógica é a que a gente exercita a escuta. E que haja verdadeiramente
por que a dialogicidade vai pressupor também esse acolhimento do outro. A dialogi-
cidade é também muito mais a escuta do outro do que propriamente a expressão de si,
esse é um grande desafio para mim…”.
Aqui, nesse depoimento consto que Crisântemo foca intensamente na questão da
escuta e associa isso a acolhimento também. Destaca que escuta transcende o falar e
ouvir e caminha na perspectiva do escutar verdadeiramente. Nos fala da convivência
dialógica com essa escuta cuidadosa que dá tempo para maturar as ideias.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica


... eu quero explicitar que essa escuta requer uma abertura emocional. Como
a gente vive no ambiente dito acadêmico, que pressupõe discursos elaborados,
rebuscados, citações de autores né… … Eu peço para eles fazerem a leitura do
material em casa e em sala eles vão trazer... ele pode destacar alguma coisa que ele
concordou, alguma coisa que eventualmente ele discordou, alguma coisa que ele
pede esclarecimento, ou alguma coisa que ele amplia. ... docência se caracteriza
com o acolhimento do outro muito mais do que… e aí é um grande desafio o

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

nosso próprio professor é aquele que professa e o nosso desafio hoje é exatamente
o acolhedor.
É uma questão de valores, né?... cada um tem os seus e entra na história do acolher.
Tem determinadas pessoas que tem outros valores e tenho que entender de uma
certa forma até que isso não me agrada que o outro pensa diferente, aja diferente
de mim, tenha outros valores, tenha outros princípios né, mas eu acho que é isso…
nós somos pessoas, nós somos um, mas somos diferentes, mas nós somos iguais
no sentido do projeto do humano, então nós somos iguais e somos diferentes...
... questão da hierarquia… quanto maior o controle, menor é a capacidade de
expressão, menor a possibilidade de se estabelecer relações igualitárias que
possam exercer continuamente a escuta. Eu entendo que aqui no ponto de vista
histórico… é um contexto de muito silenciamento de muito medo e associado ao
controle existe o medo, então as nossas relações são muito baseadas nisso do con-
trole, do medo. .... A gente precisa desenvolver nos estudantes da gente, a minha
responsabilidade como acolhedor… e que eles têm uma oportunidade de se ex-
pressar… discordarem uns dos outros, de mim…

Gardênia

“… Eu escuto muitos os alunos... nas disciplinas eles tem oportunidade de falar


eles se sentem à vontade para falarem e contribuírem com a discussão. (...). Eu acredi-
to que a aula é um aprendizado coletivo para mim e para eles, então, por exemplo eu
acho que o meu programa... Quando entrego o programa no primeiro dia de aula eu
sempre digo que o programa já está desatualizado porque dependendo da discussão
que foi levantada em sala de aula dependendo da obra literária eu vou procurar, e eles
também, outros textos que nos ajudem a discutir determinada coisa”.
Gardênia fala que sua escuta começa já na elaboração parceira do programa das
disciplinas e se estende ao longo do semestre na escuta das experiencias de leituras ou-
tras d@s educand@s. Entretanto, em certa medida há ainda certo academicismo nessa
escuta que pode ser qualificada ao se permitir escutar a vida d@s estudantes e com ele
tramar os próprios textos autorais coletivos.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica

1. Eu gosto de dar aula partindo do diálogo com os estudantes. Eu me considero


uma curadora de obras x como se eu fizesse assim… a cada disciplina eu escolho
um número X de obras e eu me coloco ali como curadora, como quem organizou
aquelas… escolheu essa e não aquela, pôs numa ordem X, mas aí a discussão eu
sempre espero que eles façam.

• UFF

Agapanto

Então, (...) não é uma questão só profissional, eu acho que isso tem que está na
nossa vida. .... Assim, eu acho que a escuta do outro e a possibilidade de dialogar tem

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

que ser algo que é do meu cotidiano. (...) ... está na relação com meus alunos, mas tem
que está na relação com minhas filhas, com as pessoas que trabalham comigo, sempre
numa perspectiva de que o dialógico ele é a possibilidade de um diálogo, e aí o dialogo
já é algo que não é autoritário, sem me colocar como melhor que ele, embora reconhe-
cendo que tem alguns saberes que eu tenho e que aquelas pessoas não têm e vice versa
assim e dependendo do lugar onde eu esteja isso tem um valor, tem uma importância
como mãe, como professora, agora sempre fazendo uma tentativa de ouvir o que o
outro tem pra dizer e fazer sentido disso naquilo que, por exemplo, no caso da aula,
fazer sentido disso pro conteúdo que está sendo trabalhado.
Agapanto associa sua prática de escuta pedagógica a escuta do cotidiano, em to-
das suas instâncias de vida. Ressalta que precisa escutar como professora, como mãe,
como ser humano. E propõe que isso seja um sinal de escuta autêntica e de fala verda-
deira de seus/suas estudantes.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica:

Sandra A (Educação): Eu trouxe pra eles assistirem uma fala de uma pessoa, uma
escritora da Nigéria eu acho Chimamanda Adichie, ela tem uma fala que ela fala
sobre história única. Aí eu trouxe esse vídeo pra gente pensar como que a gente
tem que ter esse cuidado do olhar pros conteúdos, que a gente tem que ter esse cui-
dado na relação com os alunos de não criar uma história única assim do mundo.
Eu peço pra eles lerem um livro, aí eu peço pra eles fazerem o seguinte, eles vão
ler o livro e eles vão ter que tematizar, eles tematizam e a partir dessa tematização
eles citam trechos literais do livro. Às vezes eles leem, às vezes eu leio e aí a gente
vai discutindo os sentidos daquilo né pra eles e aí começam a falar da experiência
deles como alunos principalmente assim.
Eles foram visitar a escola, eles tinham um roteirinho assim de coisas que eu acho
que eram importantes eles não deixarem de olhar. ... eles fazem entrevista com a
diretora, tirar foto e depois eles assistem uma aula e fazem uma entrevista com
o professor e com alguns alunos. Aí depois eles escrevem um relatório contando
como que foi.

Jacinto

... experiência de dar a voz para os alunos, principalmente os alunos mais carentes,
os alunos com mais dificuldades.... Então vem a leitura de mundo, ver o mundo que
se está... É sempre diálogo, tentar fazer uma mediação da fala, na escola básica eles
tendem ao silencio, a interdição então, você desconstruir isso é muito difícil. ...a gente
sempre trabalha muito com as questões das sensações que eles têm e... Então, se certa
forma o que eu faço é tentar compartilhar as nossas experiências, sem deixar de lado
os conteúdos que me cabem enquanto professor da disciplina. (...). Eu não consigo
entender educação ou o processo de ensino e aprendizagem em que o professor não
aprenda também. Então, é... eu preciso que me falem pra eu melhorar. Primeiro que
eu não gosto desse lugar de conforto... eu vi muitos anos as pessoas caladas, sem voz e
agora eu quero a voz... e pra dar a voz para as pessoas é muito difícil porque elas têm
medo de falar, tem medo do professor, tem medo da nota, tem medo dos colegas, tem

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

medo de tudo. Então... a construção tem que ser algo num lugar onde se sinta muito
bem. E pra que você se sinta bem eu tenho que estar me sentindo bem também. Então,
é um processo de troca. (...), eu sempre digo pra eles que eu não sou dono da verdade.
Jacinto fala em dar voz e atuar na mediação. Isso nos remete a ideia de uma frágil
escuta ou uma escuta que pode ser qualificada. Afinal, há uma distinção efetiva entre
o que se é o que se idealiza ser. E nesse trânsito nos costuramos enquanto agentes da
escuta sensível e afetiva. Tanto é real isso que sinaliza para a expectativa de se fazer
mais, como diria Freire com a pretensão de “ser mais”.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica


1. Normalmente é muito comum eu trazer alguma temática de aula em cima de
alguns autores que eu tenho trabalhado.
2. ... e aí a gente fica lá discutindo isso e nisso eu vou construindo os conteúdos e
eles vão dizendo as experiências deles, aí eu sempre jogo pra realidade da escola,
como é que isso acontece na escola.

Lavanda

...tem que dar abertura inicialmente pra colocação dos alunos é… criar instru-
mentos e estratégias pra que eles possam se colocar e que a gente possa efetivamente
dialogar, ... então, eu acho que uma aula dialógica é uma aula que os alunos se sentem
confortáveis em se colocar, em perguntar e apresentar e que o professor tenha ciência
disso e não queira monopolizar a fala. (...).
Ainda há uma concepção de que tem que dar abertura, mas nos indica que isso está
imbricado a uma proposta autêntica de escuta ao projetar e tecer junto ambientes de
conforto para a fala e a escuta. E há uma provocação para que a fala ocorra e a escuta
seja promovida.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica


1. Por exemplo, é…vamos ler aqui juntos e a gente lê um ponto e eu falo “e aí? o que
vocês me dizem sobre isso?” .... é a única forma que eu encontro, por exemplo, de
costurar exemplos da prática o tempo inteiro
2. ... a gente se senta em roda e conversa sobre a ... e fala “e aí, o que isso quer di-
zer? o que vocês entenderam? me diz o que você entendeu disso?” e aí a gente faz
esse bate bola que eu vou vendo que depois de um tempo eles vão ficando afiados.
3. ... trabalhar com muito mais textos, eu divido em grupos e peço pra cada um
montar um pequeno seminário, alguma pequena apresentação, mas que os outros
alunos tem que fazer perguntas sobre esse texto.

Escutar é verbo, princípio ativo que conclama, grita alto para que tenhamos a dis-
ponibilidade de consolidar espaços, ambientes, costurados coletivamente, nos quais
@s educand@s se constituam como possibilidade de ser autor(a) epistêmico (FIGUEI-
REDO, 2003; 2007) do processo de tessitura do conhecimento. E isso ocorrendo por
meio da escuta qualificada e atenta, paciente a ativa, que considera as interpretações

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e experiências de tod@s @s envolvidos na dialógica, incitando a partilha de leituras,


análises e reflexões. Me parece que é preciso fé pra poder buscar a escuta, confiança
para escutar com o devido cuidado, esperança para bordar, tricotar a escuta como ação
transformadora.

Horizontalidade

UFC

Azaléa
Uma aula dialógica é uma aula... que todos... todas as pessoas podem participar
igualmente... não... igualmente não... (risos) deixa eu pensar... uma aula dialógica é
uma aula que estimula ou que permite a participação de todos os envolvidos, ou
seja, que a condução da aula não fica centrada no professor ou na professora né... o
professor planeja a sua aula de tal forma que os estudantes também possam participar
dessa construção de conhecimento coletivo. Uma aula que possibilite o... o despertar
do conhecimento que os estudantes já trazem, uma ideia meio socrática assim... e que
o conhecimento de cada um... de professor, professora e estudantes contribua junto
com os conteúdos, os temas que estão sendo ali estudados, os livros, os autores,
os textos... que tudo isso vai gerar um novo conhecimento pra cada um e também
coletivo que é maior do que o que era antes. Acho que uma das primeiras coisas é
estar aberta a aprender assim, com os alunos, reconhecer que mesmo eu tendo uma
caminhada maior do que a deles eu ainda posso aprender com eles e que eu estou
aprendendo...aprendendo sobre os conteúdos, sobre os temas, mas também aprenden-
do a ser professora o tempo todo, então essa coisa de que eu não estou formada... mas
de que eu estou me construindo como professora e estar aberta a isso. Estar aberta a
dialogar sobre as necessidades dos estudantes, as demandas deles, o que eles que-
rem aprender ali é... e buscar sempre essa horizontalidade. Não só de mim para
com eles, né... de uma forma equilibrada...(...). Acho que também inclui nisso, em ser
uma professora dialógica, a luta pelos direitos de todos, né... porque eu acho que a
educação é uma instancia fundamental na luta pelos direitos de todos e de todas.
Horizontalidade chama para o compartilhar, na leitura de Azaléia. É se colocar na
humildade que reconhece que tem o que aprender tanto quanto o que ensinar. E se
dispõe a reconhecer os limites e as potencias d@s discentes. E considera, ainda que isso
mobiliza e empodera para a busca dos direitos comuns a tod@s.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica


1. Camila R (Educação): proponho um texto que os estudantes deveriam ler pre-
viamente e aí quando chegamos a aula para iniciar eu trouxe um vídeo que tinha
relação com o texto, mas também relação com o tema atual que tá sendo bastan-
te discutidos por professores, as pessoas ligadas a educação e aí é... em seguida
dividi o texto em partes pra que cada equipe pudesse reelaborar uma compre-
ensão dessa parte do texto e representá-la de forma criativa através de um
cartaz, que aí eu levei o material no dia pra eles fazerem colagem, desenho ou
escrever... aí, em seguida né..., após esse momento, todos os alunos... todas as
equipes foram apresentar pra turma toda e ter esse debate geral da turma toda.

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2. É... eu tô tentando lembrar... porque... assim... eu... eu tenho dito ultimamente


que eu to aprendendo a ser dialógica porque eu... tive uma formação escolar
muito tradicional, aquela coisa de que quando brincava de escolinha quando
era criança era gritando com as bonecas e tal... e na universidade foi que eu
comecei a ver essa possibilidade... de trabalhar de forma diferente, dialógica e
mais horizontal, mas eu ainda as vezes me encontro em conflito... entre esse...
é como se eu precisasse encontrar ainda um ponto de equilíbrio porque as
vezes eu acho que eu não sei ser dialógica com rigor. Aí as vezes as coisas pare-
cem que ficam meio frouxas e os alunos “não levam a sério” ou acham que não
tão aprendendo. Mas eu considero que todas as minhas aulas são dialógicas é...
mesmo em uma aula em que eu vou falar mais do que os alunos, por exemplo,
eu sempre faço algum momento inicial onde eles podem falar e tal...
3. ... é cada um escrever e representar sua história de vida, de forma pictórica (ri-
sos) é... através de desenho, cartaz, colagem e etc... eu acho que isso é um mo-
mento significativo porque eu passo a conhecer os alunos, então... não é só um
estudante que tá ali, é um estudante que veio do interior, que as vezes tem muita
dificuldade pra chegar até aqui, a outra que é mãe, a outra que trabalha numa
escola... então, isso é importante pra eu conhecer e planejar a disciplina porque
aí a gente vai partir do que eles já sabem, né... tendo como base aqueles conte-
údos previstos na ementa da disciplina e tal, mas parte do que eles já sabem e
isso contribui com que tenham relação com que eles trabalham, com o que eles
vivem, com o que eles pensam e por outro lado eu acho que é importante pra
turma se conhecer também, conhecer um ao outro. Teve até uma situação en-
graçada que numa turma que eu tive esse semestre, uma turma que tá no último
semestre né... na graduação e aí o primeiro aluno que foi apresentar, o primeiro
rapaz, quando ele começou todo mundo disse assim “ah, todo mundo conhece
o fulano já...” e ele trouxe vários elementos da vida dele super significativos que
ninguém sabia e todo mundo “valha, olha que legal, que interessante” e aí, no
meu entendimento isso gera uma aproximação do grupo, começa a estimular
uma relação né... de aproximação. (Esse me parece Acolhimento)
4. E outra... eu gosto de trabalhar muito com música também, acho que as aulas
que eu trabalho com música também são bem dialógicas né... porque des-
perta... Às vezes, eu trabalho com músicas instrumentais né... pra despertar
algumas sensações, sentimentos, reflexões e, às vezes, músicas com letra, onde
eles fazem uma relação da letra da música com o tema que tá sendo estudado,
com o texto que tá sendo trabalhado, então eu gosto de trabalhar músicas...
muita música nordestina também.

Copo-de-leite

Uma aula dialógica é a que prima pela troca, pelo diálogo com o aluno, é... que não
tem uma hierarquia... no caso eu trabalho muito isso, eu procuro sempre ter uma re-
lação de igualdade com os alunos, então tá sempre aberta à palavra, a troca e o diálogo.
(...). Então, a gente conversa muito sobre tudo, né... e tudo é feito a partir do que
eles vão trazendo e a gente vai fazendo é... coletivamente.

110
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Copo-de-leite, reconhece que uma aula dialógica precisa ser experienciada como
troca, mas uma troca sem hierarquias opressoras e colonializantes. Ela se dispõe a
uma relação de igualdade. E isso abre espaço para o macramê, o fuxico37, para o fazer
coletivo compartilhado.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica


1. Luciene G (Educação): Certo, então assim... a disciplina ela é toda construída
pelos alunos, certo... então... desde o começo. Então, uma das primeiras ativi-
dades que a gente faz é a definição de arte, então pros alunos poderem enten-
der o que é .... Os alunos poderem entender o que é ... a gente precisa discutir
o que que é., então ao invés de eu trazer uma definição de ... para os alunos…
2. Tem uma perspectiva... de construção. Então na verdade a gente tem um pro-
grama, mas todas as atividades elas pensam como é que os alunos vão fazer. ...
Então eu peguei vários conceitos de ..., diferentes definições de ... e transfor-
mo… eles pegam as palavras chaves, distribui essas palavras chaves em cores
e eles se reúnem por cor. E aí cada grupo tem que fazer uma definição de
... usando essas palavras e depois eles apresentam para o grande grupo. E aí
depois a gente começa a fazer uma discussão e todo um debate em cima do
que é ..., do que não é ..., as palavras que foram mais difíceis para eles, por
que eles usaram, porque que eles não usaram... eles podiam negar as palavras
coisa e tal... Então é uma forma de construção coletiva em que eles vão trazer
várias definições a partir dessas palavras e vão problematizar termos que são
próprios da própria área. Então é uma atividade que eles aprendem primeiro
que não existe uma definição certa de ..., então a partir do diálogo... eles pre-
cisam de diálogo para montar as definições porque às vezes não tem consenso
né, entre eles, mas eles discutem, então eles precisam chegar num consenso
porque se não chegar com uma definição para o grupo e ao mesmo tempo eles
apresentam para nós o processo.
3. Então esse é um exemplo… que é uma atividade bem forte dentro da discipli-
na que é chamada Linha do Tempo. Então os alunos eles contam... eles têm 10
minutos para contar para turma o que que ele estiveram de .... da vida deles. E
é um processo completamente livre, cada um vai contar como quiser, como
puder, com os recursos que tiver, inclusive eles podem trazer pessoas para essa
atividade... Então pela própria perspectiva autobiográfica... existe a questão do
singular e plural. E depois a gente faz todo um debate em cima disso.

Kalanchoê

Eu acho que uma aula dialógica é uma aula que faz com que os alunos se coloquem
né... que trabalha e aí nesse sentido acho que o próprio Freire mesmo... (...). o meu
método de pedagogia de aula foi criado por Sócrates, é a maiêutica. (risos) eu gosto
de fazer perguntas, né... que são sempre essa perspectiva que parte do aluno. Uma das
maneiras é pedir que eles falem de algum modo sobre o conteúdo prévio que a gente
acordou. O que ele conseguiu ler... o que ele achou, como aquilo fala pra ele, esse foi
Fuxico é uma artesiana feita a muitas mãos, com as quais as colchas de retalhos são tecidas.
37

Momento que em círculo, em igualdade de condições as pessoas contribuem para a obra conjunta.

111
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

difícil, esse não foi... aí ele vai trazer um pouco da sua própria realidade... eu gosto de
conhecer os alunos, saber de onde vem, essa coisa toda de... (...) eu acho que é isso,
é horizontalizar a sala de aula né... tornar a sala de aula um lugar mais participa-
tivo... Eu gosto do texto do Ítalo Calvino porque diz... o clássico não tá na contramão
dessa vida...
Na perspectiva da horizontalidade Kalanchoê busca parturiar saberes parceiros
(FIGUEREDO, 2003; 2007). E nesse processo está a proposta de criar um lugar de
participação e cooperação na feitura de aprendizagens e tessitura de novos conheceres.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica


1. ... eu acho a aula que mais me toca como modelo dessa aula é sair do espaço
oficial e ir pra um espaço na sociedade...
2. Outra aula que eu acho é quando você dá pros alunos uma oportunidade deles
mesmos organizarem a sua avaliação. Aprendam a fazer um evento e a colo-
car nesse evento os problemas que discutimos.
3. Não é minimizar o papel do professor, nós temos muita experiência de conhe-
cimento, de leitura, mas a gente sensibiliza pra que eles entendam e constru-
am com prazer. E pode ser legal pra caramba ler um clássico de 100 páginas
(risos)... ler no bosque, fazer coisas diferentes, então acho que é introduzir a
dimensão do prazer no fazer....

• UFF

Peônia

.... Isso, nesse sentido me parece que organiza a própria disciplina porque você
parte do pressuposto de que você não é a figura central ou não é a única figura do
processo de ensino aprendizagem. Você vê que essa disciplina precisa ser construída
coletivamente dentro de sala de aula de uma forma menos verticalizada do que se
for tradicionalmente. (...). Eu considero isso indispensável. … ainda que a gente as-
suma a… o ponto de vista Paulo Freireano, a ideia de que a dialética, que a… que a
troca faz parte da sala de aula, quer dizer, que a gente aprende ensinando e ensina
aprendendo (...). Me parece que a ideia é estimular a compreensão de que a sala de
aula é um espaço de construção coletiva do conhecimento … que seu sucesso depen-
de a ascensão dessa coletividade. (...). ... minha expectativa inicial é que de alguma
forma eles reconheçam que exista essa possibilidade da prática docente, o caminho
possível em que os alunos sejam ouvidos e reconhecidos em sua gênese. Me parece
que essa é uma demanda absolutamente necessária porque é uma questão política que
está em jogo. É a capacidade de exercer seu direito a palavra, de exercer sua posição,
de exercer democraticamente a ocupação legítima do espaço, tirando essa verti-
calização. ... acho que é importante que os alunos e as alunas estejam confortáveis
pra expor suas dúvidas, que podem se manifestar politicamente, enfim… rompendo
uma lógica de silêncio que eu acho que não tem mais espaço hoje em dia. (...)… acho
que é o principal resultado e torna a aula de fato mais agradável, e torna o encontro
mais motivador. Exatamente, talvez, pela questão do controle. (...) é uma questão in-
teressante, mas talvez quando você coloca, quando você se exime do poder de querer

112
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

controlar tudo o que acontece na sua sala de aula você também abre espaço pro novo,
você também permite que alguma coisa aconteça e se reserva o direito de escutar esse
acontecimento. De uma pergunta insólita, que uma questão que você não pensou, de
que o teu aluno te provoca a pensar e que você por sua vez levanta uma questão que
também não tinha sido colocada anteriormente e que faz com que o aluno tenha uma
visão diferente a respeito da própria experiência de mundo. Então, acho que tem uma
espécie de acontecimento que é próprio da aula dialógica....
Peônia começa sinalizando para a necessidade de deixar a centralidade nos pro-
cessos didático-pedagógicos. Destaca o fazer coletivo. Revisita a frase de Paulo Freire
de que é preciso aprender para poder ensinar realmente. E que ao ensinar, se aprende.
Que a legitima ocupação do espaço da sala de aula implica em uma postura democrá-
tica. E nos fala de algo extremamente caro aos tempos atuais, largar a ideia de controle
e de manter tudo sob sua batuta, pois que isso abre as condições para o advento do
inédito viável, o sonho possível.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica


1. ... reorganizar uma proposta inicial do curso. ... esse momento que estrutu-
ra a própria organização do curso, não trago programas fechados com cro-
nogramas pré-formatados com as aulas e textos estipulados pra cada dia. Eu
trago um princípio, eu trago uma questão e a partir dessas questões a gente vai
trabalhando e vendo pra onde o curso se encaminha.
2. Produzimos material didático, esses materiais produzidos por grupos de alunos
e levados a turma e discutido pela turma em diálogo aberto, horizontal, quer
dizer, todos participavam do debate, da crítica ao trabalho que o colega fez.
3. Em alguns casos, as aulas expositivas e nesse caso o método é lançar perguntas e
a partir das respostas ir provocando outras perguntas até a gente chegar a algum
caminho ou não, mas a estratégia de fato é recusar o monopólio da palavra.

Assim, podemos constatar nessa categoria a disposição para relações em que a di-
mensão das relações entre iguais, embora diferentes, definam e orientem a dialógica da
sala de aula. A horizontalidade: é percebida como estar disponível a compreender-se
em um processo de crescimento, de ensino e aprendizagem, fora de posturas hierar-
quizantes, castradoras, impondo submissão e utilizando de estratégias de dominação,
subalternização, opressão. Ao abrir mão de definir uma figura socialmente construída
do educador como figura “falante” que domina o processo de aprendizado, ocorre uma
atitude de respeitar @ educand@ e suas contribuições, no cenário de um processo que
prioriza a partilha de saberes e práticas na elaboração do ambiente da aula.

Acolhimento

• UFC

Amor-perfeito
Pra além dos termos freireanos, uma aula dialógica pra mim é uma aula que conse-
gue inverter a lógica tradicional da comunicação professor aluno. Pra que isso acon-

113
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

teça, pra que haja uma aula dialógica todos os elementos do ensino são modificados,
então a função da educação muda e por isso o papel do professor muda e é nesse
sentido que eu acho que haja uma inversão epistemológica em que o centro de todas as
decisões, né... de todo o processo de planejamento e avaliação do que acontece em
sala de aula é o aluno e a aprendizagem do aluno. Pra mim numa aula dialógica é a
aprendizagem do aluno que comanda todos os elementos do ensino.
Na narrativa dessa educadora, ela vai ressaltar a importância do cuidado amoroso,
do abrigar, agasalhar @s educand@s para que a aprendizagem ocorra. Redefinir tudo
com base no aprender implica que o ensinar se definiria pelo um conjunto de fatores
que atravessam @ outr@ e nos impulsiona a estar receptiv@ a esse outr, a essa outra,
que nos constitui.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica

1. Todo mundo lê um texto, só que tem um grupo que naquele dia vai tá respon-
sável por ler o texto e me mostrar como é que o ambiente muda tendo feito
aquela leitura, então eles vão vir pra arrumar a sala de tal modo que a compre-
ensão dele sobre o texto apareça no ambiente. Outro grupo vai ler o texto e vai
fazer uma atividade de acolhimento. Não pode ser uma dinâmica de grupo
qualquer. Tem que ser uma dinâmica de grupo que tenha a ver com o texto,
que ele tem que me mostrar uma habilidade de ser capaz de coordenar um
grupo conforme o texto lido. Que pedagogicamente, cientificamente na peda-
gogia eles aprenderam. Existe um grupo que vai trabalhar a sistematização das
informações no nível mais cognitivo, certo? Tem um outro grupo de vai tra-
balhar a confecção de um brinquedo ou uma brincadeira a partir do texto e o
último grupo seria assim, vocês vão me mostrar fora daqui o que aprenderam
nessa aula. Então eles vão pra escola pública, eles podem escolher espalhar
cartazes pela faculdade, tem gente que cria canal no YouTube pra mostrar o
que aprendeu, tem gente que posta notícia na internet como um todo, tem
gente que faz atividade em outra disciplina, é super curioso porque aquilo que
ele aprendeu com os colegas sobre aula, sobre dinâmica de grupo me mostra
que pegou e na aula de ensino de ciências ele aplicou aquilo né que é uma coisa
de cuidar da sistematização pra além da sala de aula. Então eu considero que
essa é uma unidade toda dialógica.
2. ... eu trabalho com três perspectivas de aprendizagem: aprendizagem das ci-
ências que seria uma coisa mais cognitiva eu não abro mão disso; a aprendiza-
gem do fazer, uma habilidade de ser pedagogo, desenvolver um conhecimento
pedagógico e a aprendizagem do ser.... eu tenho uma síntese do texto, eu tenho
a minha exposição do texto, eu tenho a minha sistematização do texto ou eu
ou os monitores né... mas isso dura geralmente, por exemplo, numa manhã
de quatro horas isso dura meia hora. O resto da manhã eles vão trabalhar as
transgressões da aprendizagem ou em termos cognitivos, então... aí são mil
recursos que a gente tem de metodologia ativa né... vamos elaborar material
didático, vamos fazer um gancho com a prática deles lá de pedagogo, de pro-
fessores né... e vamos geralmente trabalhar os valores que são princípios mo-
rais e éticos que estão envolvidos com aquela aprendizagem.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

3. No começo eles vão estranhando porque aparece como uma novidade pra eles,
não só tem o direito de falar como eles passam a assumir a responsabilidade
sobre a sua fala e depois eu começo a geralmente ter uma experiência positiva
que eles começam a disputar... vir a disputar e fazer o melhor que pra mim é
uma experiência de crescimento muito grande. Eu aprendo muito com eles
e ao mesmo tempo me sinto... me sinto... importante na formação deles, no
sentido de eles acreditarem mais na educação... na potência do grupo...
4. ...eles pesquisam o pensamento da criança sobre o mundo, mundo natural.... o
que é que faz cócegas na cabeça das crianças de 5 a 12 anos. Como é que elas
olham pro universo em que elas vivem, o que ela tem maior curiosidade de
saber sobre o mundo e que a escola não responde. Eles fazem um levantamen-
to dessas questões e vão fazer uma intervenção com a professora da escola e
como eles vão planejar uma aula pra responder aquela criança. Se não houver
esse pensamento mais expandido, que eu acho que uma perspectiva crítica ou
uma perspectiva dialógica trazem eles não conseguem fazer uma boa aula. ...
porque é curioso que o grupo da pedagogia não saiba o assunto que os alunos
querem saber.... que as crianças querem saber... os futuros pedagogos geral-
mente não sabem por que a chuva cai em gotas, por que é que não é só dia e
por que não é só noite. Eles perguntam as coisas mais inusitadas do mundo,
então....eu digo assim “esse menino existe?” Ele está na sua sala de aula. Como
é que você planejaria pra esse conhecimento aí que não está previsto no script
do planejamento e mais do que isso os colegas têm que saberem a resposta
e terem que responder isso e com isso se cria uma sistematização de muitas
informações sem o peso que poderia ter, né... porque vai aparecer conteúdo
de física, de química, de biologia e eles vão planejando... as nossas crianças no
ensino fundamental, a grande curiosidade delas, com raras exceções é a natu-
reza. Que eu acho que é justificável porque é a origem das ciências, é a origem
do mundo humano, né, essa curiosidade. Só que os professores deixam de ter
essa curiosidade, aí esse meio do caminho os professores estão sendo forma-
dos metodologicamente só é possível se eu abrir pra que eles falem muito, que
eles não tenham medo de perguntar as coisas mais bobas, que eles reconhe-
çam o saber do outro e isso pra mim é dialógico.
5. É uma dificuldade... não só ler como escrever, pra mim é uma dificuldade
enorme. Eles precisam aprender a escrever porque eles não sabem. Não são es-
timulados, né... eu acho que uma das coisas é eu ofertar várias fontes de leitura
que inclusive é um choque pra eles. Ao invés de eu trazer um texto, eu mostro
vários textos. Eu digo “pelo menos um você vai gostar de ler” aí eu vou dizen-
do assim “se você quer se formar num ponto de vista de muita qualidade pra
responder a vários desafios da pedagogia você vai ter que ler todos, mas vamos
supor que você não tenha tempo e que não queira ler todos, você vai ter que
ler pelo menos um”.... Ele precisa estudar pra ser um bom professor, você pre-
cisa ter competência teórica. Eu sei que eu faço isso toda aula... ou lê canções,
ou lê textos que são da literatura, ou histórias, ou reflexões de pessoas como
Paulo Freire e também Rubem Alves que trazem um aspecto da formação do
professor que muitas vezes muitos textos acadêmicos não trazem, que é a for-
mação ética e moral do ser, do aprender a ser. Então é no lugar do sentimento
que eu acho que é o maior estímulo, que ele traz no pensamento, aquilo que
é mais potente pra aprendizagem dele que é o desejo de aprender. Aí eu vou

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

provocando esse desejo... por filmes, existem milhares de filmes curtos, filmes
de cinco minutos, várias historinhas, tem vários livros que trabalham já com
as temáticas que são teóricas .... Eu acho que o estímulo é pela sensibilidade.
Sem educação da sensibilidade fica sempre uma ordem externa e eu preciso
que essa ordem seja interna pra que ele queira estudar mais e estudar bem.
E, pra minha surpresa, vários me abordam “professora estou lendo esse livro,
ele é maravilhoso”. Eu nem pedi, eu nem obriguei... eles vão atrás. Se você me
perguntar por quê? É pela sensibilidade. Tem uma coisa que é assim... eu gosto
muito de gente, eu gosto muito de gente, eu gosto de ouvir história das pesso-
as, eu gosto... por isso que eu ando de ônibus porque eu adoro ouvir história,
adoro ouvir recortes da vida das pessoas, por isso que eu gosto de literatura,
porque tem recorte, por isso que eu gosto de bossa nova e de música brega
porque tem recorte do cotidiano. Eu adoro o cotidiano, né. ... eles sabem que
eu gosto muito deles, eles sabem que eu torço muito por eles, eles sabem que
eu faço tudo pra eles aprenderem. Eu já ouvi depoimentos de alunos assim......
“você cuida tanto da gente que é impossível de eu te sacanear”.
6. Vou te dar um exemplo, teve um dia aqui que vários iam sair da aula pra irem
fazer uma pesquisa obrigada numa escola aqui, uma visita obrigada, eles esta-
vam superchateados de fazer a visita e como teoricamente eu sou a boazinha,
eles vieram no começo da aula e de repente dez pessoas foram embora. Só
que a magia da Didática pra mim é que aquilo que acontece na minha aula é
teórico e eu estava discutindo objetivo do ensino, então eu enganchei aquela
evasão repentina com os motivos que eles vieram, muito respeitosamente, di-
zer só que eu levantei a questão. Eu digo “veja como é complicado a formação
ética das pessoas. Como você escolhe uma atividade que você está dizendo
que péssima, que é obrigatória, que você não vê o menor sentido de ir, que
você vai pra cumprir tarefa e você abre mão daquilo que você está dizendo
que é prazeroso pra você”. Sabe o que aconteceu? Foi a duas semanas atrás,
pelo WhatsApp eles avisaram aos colegas que não tinham saído daqui e todos
voltaram. Coagi pra eles voltarem? Não. Chamei a reflexão, porque se não eles
começam a privilegiar os castradores, os tradicionalistas, eles começam a estu-
dar muito pro texto da disciplina que vai lascar na cabeça deles e abandonam
o estudo que vai ter sistematização, mas não é pelo terror, não é pela imposi-
ção. Eu digo “presta atenção no que você tá escolhendo, porque esse mundo
se fala muito mal dele... é nosso. Então que horas você reproduz isso que a
teoria pedagógica está lhe convidando a não reproduzir? Por exemplo, eu digo
“vocês acham que a professora que vocês vão observar, que vocês tacam o pau
geralmente... vão pra escola pública e as professoras não prestam... em que
vocês são diferentes delas? Vocês acham que elas se rendem ao sistema não
foi porque passaram por essa formação? Por que será que elas se rendem ao
sistema? Tem uma ponte daqui pra escola e a gente cai no foço?” Não, somos
nós, então se todo dia eu não olhar o que eu to fazendo eu vou reproduzir.
Então, é pelo sentimento que chega lá, sabe.
7. Tem alguma ponta de formação na aprendizagem do ser que eu acho que é
uma coisa muito descuidada na formação inicial dos professores. Você traba-
lha bem com a teoria científica, você trabalha bem com a teoria pedagógica,
até isso, mas você não trabalha com aquilo que vai juntar uma coisa com a
outra. Entender que são princípios de sociabilidade.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

8. ... se precisar reprovar eu reprovo, dou limite... tem gente agora que precisou
de um limite que se você olhar de fora vai dizer que isso é tradicional e eu vou
dizer pra você que isso não tem nada de tradicional. É o máximo da dialogia.
Eu lhe respeitar a tal ponto que eu digo “você não vai burlar esse sistema com
esse tipo de ação”. O máximo de dialogia pra mim é chegar nesse extremo que
parece ser um extremo tradicional.

Begônia

... uma aula dialógica é aquela que estabelece uma dialética como eu sempre falo
com os meus alunos. Quando eles chegam, eles trazem elementos das suas próprias
vivencias e eu tenho as minhas e ao longo do processo essas relações, elas se inter-
penetram ao longo do curso... nós trabalhamos juntos de forma que tanto na meto-
dologia, quanto na avaliação, quanto na didática, quanto na relação interpessoal é... ao
final eu saio transformada e eles também. E eu estabeleço um mediador nessa relação
que é o conhecimento... (...) por isso que eu digo pra eles “quando esse processo fina-
liza eu saio diferente e vocês também. Se a gente não se transformar nesse processo é
porque não houve essa dialogicidade”.
O eixo dessa narrativa da Begônia se configura ao redor do caminhar junt@ para
que possa semear e colher o resultado desse processo. Há um esperançar que se realiza
nesse projeto que envolve o acolher respeitoso e afetuoso e se manifesta em uma práxis
que entremeia o científico com o “senso comum”, os saberes acadêmicos com os sabe-
res de mundo que @s educand@s trazem para compartilhar.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica


... Ao invés de eu fazer explanações, eu faço perguntas “o que vocês entenderam por
isso?” pra que eles se coloquem o que eles estão compreendendo e eu possa me-
diar pra aproximar o máximo possível do pensamento daquele autor. No segundo
momento, eles têm que ser mais autônomos. Eles têm que escolher um objeto em-
pírico da educação pra eles analisarem, então chega no final da disciplina, eles têm
que... a partir daquelas teorias apresentar o conceito e fazer essa relação.

Cravina

Bom... as aulas... é o estabelecimento de um clima favorável ao diálogo que torne


a experiência da sala de aula significativa tanto pra o professor quanto pra os es-
tudantes. Principalmente pros estudantes. Então, o aspecto ideológico é esse, tornar
uma experiência de construção de aprendizado significativa pros participantes.
Cravina nos aponta para o clima que favorece a lavoura, na expectativa do plantio.
Fala de experiencias que ajudam no acontecimento que dá significado ao aprender. E
esse movimento ocorre a partir do acesso aos interesses d@s estudantes e de um pro-
jetar compartilhado de ideias e ideais educativos.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Exemplos exitosos de Aula Dialógica

1. Então... a minha primeira providência é explicar a natureza do trabalho que


nós vamos fazer em termos de construir um clima favorável ao diálogo e pra
isso eu preciso de informação... é... a respeito dos interesses e das caracterís-
ticas do percurso escolar dos estudantes. Então, um dos primeiros trabalhos
que eu peço é um bilhete, a depender da maturidade, ou uma carta da pes-
soa dizendo o que está a fim, qual é a sua trajetória de chegada até ali. En-
tão... padronizar esse trabalho desde o início na perspectiva de criar um clima
favorável a essa interação dialógica. Eu vou voltar a essa carta várias vezes na
medida em que o trabalho vai avançando pra eu me manter informação sobre
o que a pessoa queria, o que ela procurava. ... Diga o que você quer... veio
fazer o que aqui nessa... por que se matriculou no curso...
2. ... numa troca de... experiências. É extraordinário com as pessoas tem muitas
experiências interessantes pra dizer a respeito de tudo. Finalmente garantir que
ao longo do trabalho essa... esse respeito pelo clima dialógico será mantido.
3. .... Então, cada aula é uma coisa nova mesmo, que merece atenção e eu procuro
seduzi-los pra isso na perspectiva de mostrar... Eu tenho... em vez de fazer cha-
mada eu tenho uma folhazinha que tem os nomes dos meninos e algumas co-
lunas, onde o que vai acontecendo ao longo do semestre vai ficando registrado.
4. Olha... mesmo essas pessoas muito jovens têm milhares de anos em sala
de aula e podem então ajudar nessa discussão sobre uma compreensão do
conhecimento que se faz a cada interação. Então, manter esse clima é uma
construção que é relevante nessa perspectiva.

• UFF

Verbena

[...] uma aula dialógica é aquela aula em que eu dou espaço pro aluno construir
também sentido junto comigo, então é uma aula que lógico tem um momento de
exposição, de apresentação talvez mais indutiva de conceitos do que por dedução mais
por indução de conceitos e de certa maneira eu centralizo, controlo essa parte, entre
aspas, esse controle, como se isso fosse possível e a interferência, a intervenção dos alu-
nos na construção daquilo que a gente está teorizando, abordando... (...).Bem, quando
você fala professora dialógica, quando você está falando do dialógico eu penso logo
em Bakhtin, no conceito de dialogismo. Então é esse o entendimento de qualquer tex-
to que eu produzo em sala de aula a cada aula que eu dou não depende só de mim,
está na relação com o outro.
Verbena se dispõe a dar espaço para se caminhar junto na feitura do saber. Emerge,
porém, uma disposição ativista na qual, ainda que haja uma postura diretiva vertical
aparentemente, há uma intencionalidade democrática e o acolher afetuoso no ir junto
nesse semear de aprendizagens e colheitas de saberes.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Exemplos exitosos de Aula Dialógica

1. [...] por exemplo, eu trabalho com produção de texto. “O quê que é texto pra
você?” Então é um dos aspectos que eu vou tratar no curso, concepção de texto, de
linguagem. Aí eu digo “é, mas que é curioso quando a gente tem uma voz passiva,
a gente tem um sujeito que é paciente, que não é agente”. Então é isso. É a partir de
uma experiência de estudo, de vida que a gente vai construindo a aula.

Lisianto

Pra mim o primeiro referencial é Paulo Freire. ... acho que esse diálogo pode acon-
tecer de diferentes formas. Eu entendo que é você, é essa troca de você falar e você
ouvir né. ... no sentido de entender o quê que ele traz, o quê que ele pode contribuir
e também de que lugar que ele está falando. Porque quando você se abra pra uma aula
dialógica vão aparecer diferentes visões de mundo né, diferentes concepções que es-
ses alunos têm. (...) eu não gosto muito dessa ideia de parassimetria porque eu acho
que tem a simetria sim de conhecimentos e de conteúdos em muitos momentos, mas
nem sempre essa simetria diz que eu conheço mais.... mas também entendendo que
em outros momentos o conhecimento pode ser construído a partir dessas experiên-
cias. (...) Também eu acho que assim, você tem que ter essa, você não fazer isso por
metodologia você fazer isso por acreditar. (...). E que você tem que se abrir ao im-
previsível. Principalmente porque é no imprevisível que você vai produzir com aquela
turma, com aquele grupo um conhecimento novo né.
Lisianto nos informa da troca de papéis entre o ouvir e o falar, entre o dar e o rece-
ber, entre o ser acolhido e o acolher. Nisso há um exercício de empatia e de alteridade,
compartilhando ligares intelectuais e afetivos. E que esse movimento decorre de uma
convicção intima de que é isso mesmo.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica

1. Adriana C (Educação): ... o tempo todo eu busco que eles me expliquem o quê
que eles tão entendendo com aquilo. Eu busco fazer sempre é que eles façam
relações com o mundo em que eles vivem.
2. ... eu jogava esse negócio totalmente estranho pra eles verem que esse estranho
não é estranho. Que esse estranho é extremamente familiar, tem tudo a ver
com a história.

Narciso

... nunca consegui dar aula sem conversar e sem saber o que que pensam meus
alunos.. A aula, necessariamente, tem que ter um espaço onde o aluno fala, interrogue,
explicite seu pensamento, então, de uma maneira geral... sempre fazendo essa ponte,
esse caminho, essa conexão com o que é o foco do conteúdo ali daquele curso. (...). ...ir
buscando essa articulação entre a vivência do aluno que é importantíssima, uma
coisa que eu valorizo muito, talvez até porque eu venha né de uma formação militante
no sindicato, (...) a gente tem que né trabalhar essa articulação né, entre a doxa, conhe-
cimento comum, e a episteme.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Esse Narciso não é aquele que acha feio o que não é espelho. Considera impres-
cindível conhecer o pensar d@s educand@s e os interroga, empoderando a presença
intensa dess@ outr@. Acredita que a semente do amanhã é o que ess@ outr@ traz de
vivência/experiência.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica

1. O aluno dá opinião, ele fala, o outro dá, o outro... E isso vai se construindo
uma rede.
2. Depois a gente vem pra cá aí eles entram, em geral em dupla, pra fazer, pra
desenvolver uma proposta.
3. Então, partindo do interesse das crianças pelo Minecraft, a gente elaborou um
jogo de RPG, aí as próprias crianças fariam esse jogo de RPG e durante as
aulas construiriam juntos a história de onde se passa, os personagens. Dialogo
também com as inteligências e os conhecimentos que eles trazem. Então isso
também é um outro caminho porque você vai aprendendo a planejar e a pen-
sar com o outro, não a pensar sozinho. E diálogo também, é isso, com as sin-
gularidades de cada um, com os desejos de cada um. Você cria o personagem,
o seu avatar. E aí a gente colocou em forma de maquete, ou forma de esquete,
ou de teatro, alguma produção assim.

Acolhimento é proporcionar um recanto no qual a gente torna possível receber


as experiências e vivencias de cada educand@ como parte essencial do processo for-
mativo, eminentemente coletivo. Com respeito as individualidades, competências e
dificuldades compreende @ discente, como muito maior do que o que ocupa na aula.
Considera suas especificidades como essencial na feitura do diálogo e de como pode
ser costurado. Acolher exige extrapolar o padrão de como a sala de aula é compre-
endida habitualmente, pois reconhece que a dimensão afetiva viabiliza para que seja
verdadeiramente favorável romper com a lógica hegemônica que impõem um distan-
ciamento entre os seres. Bawman (2001) já se refere a isso quando discute a fragilidade
das relações constitutivas da modernidade e que decorrem dessa lógica colonializante,
como eu diria.

Criticidade

• UFC

Ciclame

Olhe... em geral, eu acredito que a aula dialógica seja aquela que... possibilita uma...
um respeito entre o professor e o estudante no caso, um reconhecimento daquilo que
já traz enquanto bagagem cultural, intelectual e a capacidade de expandir a parti-
cipação. Então, pra mim respeito, reconhecimento da bagagem e participação fazem
parte desse processo que culmina, de certa maneira, numa possibilidade de formação
crítica do aluno....

120
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Quando Ciclame traz a palavra respeito para a formação crítica, podemos identificar
a ideia de apreço, consideração. Mas também nos lembra o sentido original do termo
respeito que se liga a ideia de olhar novamente, admirar. E um segundo olhar implica
aprofundamento, em intencionar mais a atenção. Pedagogicamente se vincula forte-
mente a disposição de considerar @ outr@ como fundamento do conhecer, da expan-
são crítica da consciência.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica

1. Valdemarin F (Educação): No começo do semestre eles recebem o tema das


aulas e naquela aula eu disse.. a aula de terça-feira vai ser tal tema, ... eles cria-
ram a autonomia suficiente pra iniciar..., eu entrei como um dos integrantes
do grupo naquela discussão.

Amarílis

É... inspiradas nas experiências de Paulo Freire. Seria uma aula com espaço... falo
de diálogo com os alunos... pela fala dos alunos, pela experiência de opiniões e me-
diada pelo professor. O professor vai... buscando estimular essas falas, de opiniões de-
les sobre os temas abordados, mas também estimular uma reflexão crítica.
Amarílis, nos fala de espaço de diálogo na feitura das experiencias. Há estimulo
aos posicionamentos e a reflexão crítica compartilhada. As opiniões são consideradas
como básicas para o aprofundar e ampliar criticamente o conjunto de saberes. Isso é
atravessado pela criticidade.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica

1. ...separei eles em grupos dentro da sala e dentro desses grupos pequenos eu


pedi que eles trouxessem um conceito debatendo entre os colegas sobre pra
eles o que significa: O que é educação? O que é escola? O que é ensino? E aí,
na verdade, isso já foi no início da aula. Depois a gente retornou todo mundo
junto e cada grupo foi expor as suas falas e seus conceitos e a gente foi refle-
tindo sobre cada um desses conceitos.
2. ... no sentido de levar a eles a refletir sobre aqueles conceitos que eles esta-
vam trazendo. E eu fui confrontando uns com os outros, perguntando qual
estava mais certo, se estava mais completo do que os conceitos que eles trou-
xeram e fui problematizando em cima desses conceitos que eles trouxeram. ...
eu estava ali pra dizer qual é o conceito certo, qual é a definição mais correta,
a ideia era deixar claro que ao longo da disciplina a gente ia ter muito isso,
que não existia um certo e errado. ... existe um posicionamento ideológico e
político dentro da educação e que vai direcionando pra caminhos diferentes,
que não ter certo e errado.
3. É... deixa eu ver... uma outra atividade que a gente fez foi explorar as expe-
riências de vida dos alunos dentro de sala. É... fazer um pequeno relato de
experiência dentro de sala sobre que tendência pedagógica eles acreditam que

121
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

vivenciaram enquanto alunos no período escolar deles. ... baseado na proposta


até o Ciclo Reflexivo Biográfico.
4. ... fiz um modelo de atividade pra eles visitarem uma escola, observar uma
aula e tal... então, isso já foi meio que um pontapé inicial pra a gente chegar
até esse momento de ver uma pessoa que tem mais prática. ... eles têm uma
visão de professores em formação.... baseado no que a gente estudou ao lon-
go da disciplina baseado muito na visão que eles tinham de sala de aula. Eles
conseguiram perceber a diferença ele na posição de aluno e agora na posição
de professores em formação...

• UFF

Magnólia

A aula dialógica é uma aula em que o conhecimento, o tema tratado, abordado com
os alunos, ele tem que dialogar com a experiência de vida desse estudante... Então,
que as ideias desenvolvidas por determinados autores possam, de alguma forma, sus-
citar nos alunos a relação com a sua própria vivência e com a sua própria leitura de
mundo, sua experiência. Muitas vezes, a aula dialógica ela é provocativa, né, porque
às vezes o aluno vem marcado por uma visão de mundo, uma compreensão de rea-
lidade que não coincide às vezes com a referência teórica que a gente está estudando.
Então, às vezes a pessoa tem uma visão mais burguesa da realidade e aquela teoria está
tratando de aspectos que a pessoa não se deu conta na sua vivência (...). Olha, eu acho
que assim, a gente não é todo tempo dialógico, né? Dialógico nos termos que eu estou
falando... Agora, eu observo também que muitas vezes o aluno ele preferia uma coisa
meio pronta, meio padronizada, não tão personalizada.
Para Magnólia, uma aula dialógica se pauta na experiencia de vida d@s estudantes.
E no diálogo entre estes saberes de experiencia feito e os saberes científicos, se desvela
uma compreensão criticamente expandida e a aprendizagem do mundo e das palavras.
Há uma transmutação gradativa no mecanismo mesmo de provocar uma percepção
mais atenta e profunda do mundo.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica

1. ... por exemplo estudar o Pedagogia da autonomia, do Paulo Freire, e aí eu es-


colho um conceito ou uma expressão um pouco talvez motivada pelo olhar que os
alunos tem sobre a sala de aula, o ensino, né?
2. Eu trabalhei com uma expressão “curiosidade epistemológica” e fomos levantan-
do dentro do Pedagogia da autonomia o que era essa curiosidade epistemológica.
Um exercício muito simples, né? Que é selecionar quais são as passagens em que
ele faz referência a isso, né? Quando a gente fez a exposição assim de cartazes com
todo esse olhar ampliado do Paulo Freire sobre a necessidade de a gente superar a
consciência ingênua diante da realidade...

122
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Perpétua

[...] eu começo essa desconstrução desde o primeiro período dizendo pra eles
“olha, aqui o diálogo, ele é foco, ele é central no nosso processo de construção do
conhecimento”. (...). Então, eu procuro fazer com que eles compreendam que aqui é
um espaço onde eles realmente têm voz, ou seja, que é pra que ele se coloque, é um
espaço que não é um espaço só de concordância. Eu costumo dizer “olha, o diálogo
comporta o consenso e o conflito”, (...). Então a ideia é de que o aluno seja sujeito
nesse processo de construção de conhecimento e acho que esse aluno só é sujeito nesse
processo se ele for um aluno que se posicione, que fale, que se coloque em relação às
suas convicções, posturas, suas ideias. (...) “olha, é… cada um a partir do seu lugar,
mas a gente precisa conversar, a gente precisa conversar pra gente poder entender onde
a gente quer chegar”. Claro que eu tenho os meus objetivos, tenho as minhas intencio-
nalidades pedagógicas, mas precisa vir dessa conversa, desse diálogo, digamos assim.
(...) eu acho que a aula dialógica… primeiro… ela oportuniza que esse aluno saiba que
ele tem direito, que tem um espaço ali... E outra coisa, acho que potencializa muito
essa questão da consciência crítica, dessa possibilidade reflexiva, daquela ideia de que
nada está pronto, daquela ideia de que não tem uma única verdade, um único caminho
possível por isso eu até costumo dizer pra eles…. eu trabalho muito com a ideia de
ampliar concepções e não de trazer conceitos.
Perpétua diz começar uma aula dialógica informando que o eixo articulador do
seu processo de ensino-aprendizagem é o próprio diálogo. E este comporta consensos
e conflitos. E se define as metas nessa ampliação de concepções, nesse transmutar de
uma consciência ingênua para uma consciência crítica. E nisso se tem a ideia de am-
pliar o conhecimento.

Exemplos exitosos de Aula Dialógica

1. Martha C (Educação Física): [...] eu trabalho muito com eles a partir de dinâ-
micas... por exemplo, eu dou um texto pra eles que é um texto que diz que discute
certa questão ...Então eles se dividem em trios e cada um vai tirar do texto uma
questão que achou relevante. E aí vai dizer o porquê dessa questão. Primeiro pro-
voca um diálogo entre eles três porque justamente cada um com a sua leitura e
essas questões vão ser diversas e eles vão chegar a uma questão que vai representar
o tema e já provoca um diálogo. Depois eles colocam isso para o grupão...
1. [...] eu trabalho muito também com essa questão das vivências, eu tra-
balho com as vivências corporais, com as vivências de sensibilização,
conscientização corporal, do seu corpo em relação a outros corpos e
essas vivências também tem um momento. ... Eu costumo usar música,
em alguns momentos eu uso imagens e a gente também senta ali no
tatame, faz um círculo e conversa sobre essa vivência, como cada um se
sentiu, depois a gente conversa um pouco sobre o que aconteceu com
cada um, como cada um se sentiu.
2. Tem um momento que eu faço… eles têm um espaço grande, eles cir-
culam nesse espaço de qualquer maneira e eu peço “olhem nos olhos.
Cada vez que você passar por um colega olhe no olho” isso dá um di-
álogo bem interessante, essa coisa de que a gente olha, mas não vê, a

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

gente olha, mas não olha no olho, como é difícil olhar no olho do outro,
como é que eu fiquei constrangido quando o outro me olho nos olhos e
aí é uma outra forma da gente também fazer esses debates, essas coisas.
[...].

Tulipa (Formação crítica)

Eu não sei se eu vou definir o que é uma aula dialógica, eu vou te dizer quem são
os referenciais que norteiam a minha prática. Eu tenho um referencial epistemológico
duro que é... eu sou marxista leninista e como marxista não acredito em verdade, então
essa é a primeira coisa que é informada aos meus alunos, que não existem verdades,
logo o que a gente vai está discutindo lá são boas explicações para os fenômenos, elas
não são verdadeiras, a única certeza que a gente tem a respeito delas é que elas são
falsas. Que elas vão ser reformuladas em qualquer momento, então esse é um... é um...
não é um princípio, mas é um referencial teórico muito forte que tem nas minhas
aulas. (...) estou pouco interessado que eles acreditem no que eu estou falando porque
assim... a... não existem nenhuma petição de crença ou de acreditar no que eu estou
falando, mas a única coisa que eles são obrigados é a entender.... eu tenho... certeza que
eles têm ideias e eu quero ouvir as ideias, então eu tenho que instigá-los pra falar,
pra saber exatamente o que eles pensam, como é que eles pensam pra que eu possa
trabalhar com isso. Eu não tenho como chegar impondo coisas que provavelmente não
vão fazer sentido, inclusive de não dialogar com aquilo que eles percebem, que eles
sabem e assim por diante. A terceira coisa, que é um outro referência epistemológico,
é a epistemologia de Bachelard, ou seja, eu acredito que o erro é uma coisa importante.
Eu digo sempre para os meus alunos assim “olha, acertar não tem graça, só tem graça
vocês errarem porque quando vocês erram eu tenho oportunidade de corrigir, eu te-
nho oportunidade de saber aquilo que não foi bem entendido”. ... O outro referencial
teórico que eu uso é o Paulo Freire. Não é o Paulo Freire de você fazer uma grande
pesquisa do que é a realidade dos alunos... ! Mas eu acho que há uma Ética Freireana.
Há uma ética de saber que o outro tem coisas que sabe e precisam ser ouvidas e mais
do que isso, que todo conhecimento ele não tem importância e nem nexo nenhum se
ele não fizer um sentido dentro da realidade. E o último, considero eu, é uma coisa
meio romântica, embora tenha sido o que eu mais vi na vida, não é um referencial
teórico, mas é uma referência, a maiêutica socrática. É achar que assim... é aquela
coisa romântica,... o parteiro... você está ali parturiando a... as ideias, o conhecimento.
Embora, isso seja só uma ideia romântica porque eu não acredito que o conhecimento
seja parturiado, acho que ele é construído, como bom marxista, como bom bachelar-
diano, acho que ele é construído, acho que é uma realidade construída e tal, mas é só
aquela coisa romântica, assim de... naquela relação... né... é uma relação... Engraçado
né... afetivo. Seria legal colocar o afeto do lado do Freire, né!? Mas eu prefiro colocar o
afeto do lado do Sócrates, que é o racional, e não do lado do Freire, que é o afetivo. (...).
Vamos ser românticos, já que a gente já falou teoricamente bastante... é a oportunidade
de mudança. A oportunidade de se construir no tempo e no espaço das mudanças.
Tulipa fala da relatividade do que é verdade. Também incentiva a reflexão acerca de
uma ética freireana, que se definiria por reconhecer a essencialidade d@ outr@ no fa-
zer de si mesm@. E defende que a criticidade seria resultante de um processo natural,
ontológico, de se constituir um ser mais.

124
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Exemplos exitosos de Aula Dialógica

1. O que eu considero que os alunos consideram que seja dialógico na minha aula
é que eles não têm respostas. ... os alunos sentem desconforto imenso porque eles
querem a resposta certa. Então, assim... a coisa fundamental é você não ter res-
postas prontas.
2. Trazemos um tema e então vamos ler, vamos pensar o que é. ... todas as aulas são
dadas em termos de contradições entre as ideias. Existe um debate, essa é a tensão...
esses caras são bons nisso aqui, esses são bons nisso aqui... aqueles outros triunfam ali.
3. É uma perspectiva da realidade de que a realidade é movimento e o movimento
se dá por contradição e depois da contradição tem as sínteses. Essa é outra coisa
legal, essa é outra coisa legal. Uma contradição leva a uma síntese e o grande ba-
rato da síntese é que a contradição anterior perde o sentido. Não tem vitorioso
e perdedor. O sentido é perdido porque a síntese supera a contradição colocando
uma contradição nova. A história é contada em termos de contradição.
4. E quando são aulas mais técnicas, tipo seleção natural, mutação... são colocadas
em termos de conceito. O que aquele conceito significa? E a gente discute, discute,
discute qual é o objetivo e toda vez que eles vão dizendo “é isso” e eu descon-
truo, “é isso” e eu descontruo, “então não é nada?” eu digo não.
5. Existe conhecimento... [momentâneo]. Eles são ferramentas pra você poder in-
terpretar ideias, mas eles são ferramentas, eles não são a verdade. Eles são ferra-
mentas, você tem que usar essas ferramentas. ... digo, se o que você quer é... é um
negócio pra você fixar, porque fixar é ruim porque geralmente cai... Mas se você
quiser, tem um negócio fantástico que acabaram de inventar que chama livro...
aquilo não se discute. (risos) Aquele não discute as coisas, se você quiser as coisas
todas, tem uma coisa chamada livro, acabou de chegar, tá tudo lá.

Criticidade implica nessa categoria que também retrata um princípio dialógico, mui-
to querido por Paulo Freire e que registra esse movimento impactante que nos leva de
uma curiosidade desprovida de cuidado e densidade para uma curiosidade qualificada
de crítica que cria e desvela, que se imiscui e revela, que traz uma perspectiva episte-
mológica para a busca, no achado, na resposta e no compartilhar. Lugar articulado de
reflexão crítica, seja quanto aos processos políticos, históricos e culturais, seja quanto ao
indivíduo em si, suas complexas relações e psiquê. Induzido através de questionamentos
e problematizações quanto aos processos que envolvem as formações diversas dos edu-
cand@s, sempre nos leva além, adiante, sempre nos traz novos horizontes.

3.3.2.Professor(a) Dialógic@

Curiosamente percebemos38 que as mesmas categorias aplicadas ao estudo do tema


anterior, faziam total sentido aqui. Numa leitura flutuante do material de pesquisa que
tínhamos a nossa disposição, trouxe como primeiros resultados as seguintes palavras,
numa tempestade de luz, como diria Roque Morais (2003).
38
Para chegar a esse entendimento tive a colaboração de Fernando Leão e Andreia Monte. Me
ajudaram a assegurar que realmente fazia sentido manter as mesmas categorias, diante da análise
do material que derivou das entrevistas com @s professor@s-autor@s dessa pesquisa empírica.

125
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Vimos emergir conceitos, na Universidade Federal do Ceará - UFC, tais como: de-
mocratizar o conhecimento, partir do conhecimento do estudante, tecer juntos novos
conhecimentos / Aprender junt@, aquele que respeita estudante/ seus saberes), escuta,
há horizontalidade, vivencia o amor, participação ativa, troca real, autonomia, valori-
za a diversidade, possui compromisso ético, busca transformação social, significativa,
parceria, política. Por sua vez, Universidade Federal Fluminense - UFF verificamos
uma teia em torno de: espaço para conversa, para tecer junt@s; conhecimento constru-
ído a partir da realidade do estudante, troca de experiencias, horizontalidade, escuta,
dar voz, transformação do mundo, democrátic@, valoriza a diversidade, respeito. Dis-
so tudo, constatamos que as categorias que representavam mais amplamente esses dois
universos eram as mesmas que foram encontradas no estudo da aula dialógica. Dessa
maneira, apresentaremos em seguida os depoimentos d@s professor@s acerca do que
el@s consideram ser um(a) professor(a) dialógic@.

Escuta

• UFC

Begônia

..... é um professor que entende esse sujeito como participante também. Que não é só
aquele que vai receber esse conhecimento. Eu tenho que colocar esse aluno... o professor
que é dialógico, ele tem que colocar esse aluno na perspectiva ativa..., ele também vai
ser aquele sujeito que vai contribuir pra construção de novos conhecimentos.
Temos, portanto, aqui a ideia de um(a) professor(a) que estimula a participação
na feitura de novos conhecimentos. Se coloca ainda como co-participe desse processo
numa escuta efetiva de tod@s envolvid@s.

Gardênia

... Não é só uma questão de abrir espaço para o aluno falar né, tem uma questão que
seria de levar essa fala em consideração. Então partir dessa fala, valorizar essa fala,
trazer elementos dessa fala para dialogar com os conteúdos, trazer conteúdos que dia-
loguem com aquela fala. ... tentar fazer com que eu possa promover autonomia do Es-
tudante e também a minha autonomia ..... eu não me coloco diante do alguma... como
assim... diferente deles, como alguém que está acima superior ou que tem... enfim... eu
tenho ali uma especificidade de uma trajetória onde pode haver alguma diferença de
grau ou de quilometragem de leitura em relação aquilo mas nunca como algo que faz
de mim alguém que tem mais capacidade de pensar sobre aquilo. Insight de um aluno
em sala de aula me dá outra percepção do texto. E às vezes não é Insight, às vezes ele
está pesquisando também. ...diálogo, ele não pode ser só revezamento de turno de fala.
O diálogo tem que ser interação né. ...fiquei encantada com a proposta da Educação
do Campo. Foi aí que eu comecei a ler Paulo Freire, por exemplo, foi nesse momento
que eu comecei a ler Paulo Freire e tentar entender as coisas de outro modo ... ao invés
de ficar com raiva eu já estava caminhando nesse outro processo e eu passei a ter uma
postura mais de ouvi-lo de tentar compreender aquela situação né…

126
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Gardênia nos afirma categoricamente que a escuta se diferencia da lógica de abrir


espaço de fala, destacando que escuta efetiva significa valorizar essa fala. Se predispõe
a dialogar com os conteúdos por meio dessa escuta qualificada das falas d@s estu-
dantes. Diz mais, que esse processo precisa ser interativo. E a escuta que se espera é
compreensiva.

Lírio

Eu acho que é... partindo dessa ideia de escuta. Escutar... e realmente escutar... não
só fingir que escuta e impor aquilo que você... tem por teu referencial, teu arcabolso
cultural, você pode trazer a tua experiência, mas partir da experiência do outro é
fundamental, o que ele sabe... ... Porque eu acho que isso faz com que a aprendiza-
gem seja mais... sentida, seja mais significativa. Que ele conseguiu encontrar uma
conexão com aquilo que... está sendo construído naquele momento ou uma resposta
pra aquele momento, ou uma resposta pra alguma problemática, pra alguma urgência,
ele se identifique... enfim..., mas é mais por uma questão mesmo de fazer sentido, de
trazer, de aproximar, de trazer pra perto um pouco. Se não tem relação com outro...
não tem relação comigo eu não vou me implicar nisso.
Lírio nos problematiza a escuta ressaltando o ‘realmente escutar’, sem fingimentos,
sem usar isso apenas como estratégia ou procedimento técnico. Há real valorização da
experiencia d@s estudantes. E esta fundamenta o ensino e a aprendizagem.

Crisântemo

Uma aula em que todas as pessoas têm o direito de se manifestar, e se expressarem


e… exercitar, o que não é fácil, a escuta né… porque a dialogicidade não pressupõe
apenas o falar isso é cada vez mais notório né… (...). É exatamente o exercício de au-
toridade, então as relações horizontais de igual pra igual elas são um desafio. Então é
algo a ser constantemente cuidado, construído e ampliado, porque eu lhe digo que a
nossa tendência é estabelecer relações voláteis.
Crisântemo demonstra toda sua fé na escuta ao manifestar que todas as pessoas
possuem direito de manifestar sua fala. E que a própria superação do autoritarismo
decorre dessa escuta cuidadosa.

Amarílis

Ser uma professora dialógica é um desafio tremendo né... porque... primeiro é li-
dar com a diversidade de pensamentos né, de saberes dos alunos de sala, de a gente
conseguir costurar isso a partir das próprias falas deles.... a gente tem uma tendência
a querer chegar e mostrar o que sabe né... e na verdade o meu desafio de ser uma
professora dialógica é exatamente não fazer isso. Não mostrar o que eu sei porque o
que eu sei não necessariamente é o que eles precisam saber naquele momento né. Eles
sabem que é tentar encontrar dentro da fala deles, despertar neles... costurar, como
eu disse, nessas falas esses saberes. ...

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Amarílis ressalta o desafio de ser dialógica enquanto professora por tratar de ou-
vir a diversidade, as diferentes falas e lugares de fala. Toca na ideia de um tecer a teia
epistêmica que costura novos saberes. E que isso decorre do reconhecimento de que
ninguém sabe tudo e que tod@s temos algo a ensinar.

Cravina

Eu acho que é fazer... compreender que o outro vale a pena, além desse respeito
formal ao cidadão, mas como portador de muitos saberes e de uma cultura escolar
considerável e que o diálogo faz sentido mesmo como troca de informações. Onde é
que entram os conteúdos específicos, aquelas coisas que estão na ementa e no plano de
curso? Então, entram pra tematizar cada um desses encontros e chamar a experiência
que eles têm pra refletir sobre aquele aspecto. Por exemplo, avaliação. Então, todo
mundo tem uma experiência relevante em avaliação, muitas vezes dramáticas e muitas
vezes completamente injustas que para os estudantes mais jovens é uma coisa muito
desestruturadora. Então, discutir avaliação na perspectiva da didática e depois colocar
essa coisa da vida mesmo, de um exemplo concreto como é a questão de avaliação, de
uma oportunidade de a pessoa se explicar é... nessa coisa de... alguns desses tópicos
da avaliação... por exemplo: assiduidade. (...) Conversar com o ser humano que está
num processo de formação onde é extraordinário eles terem um direcionamento de
vida ainda que isso coloque situações que são insolúveis do ponto de vista formal. São
solúveis do ponto de vista dialógico.
Trago aqui a afirmativa espetacular de Cravina para lhe dar o devido destaque,
quando nos anuncia que é imperioso: “... compreender que o outro vale a pena”. Que
nossa escuta deve estar num patamar superior ao simples ouvir, numa mera formali-
dade. Que é esperançar o chamar a fala d@s estudantes, suas experiências e com elas
ampliar nossa leitura de mundo.

Camélia

É uma professora que dá voz ao aluno, que não tem a percepção de que só ela sabe
das coisas, que só ela está acrescentando aí na disciplina. ... Então, é... é uma professora
que aprende com seu aluno também, não tem a postura em sala de aula apenas de
ensinar e que compreende também que os alunos aprendem entre si.
Camélia “dá voz”, mas tem consciência da importância da humildade, de relações
horizontais que fomentem o aprender com @ estudante e também reconhece a impor-
tância da escuta mútua entre estudantes e estudantes e professor(a).

Íris

É um professor que escuta. Um professor que ouve e nesse ouvir, nesse escutar ele
reelabora seus pensamentos em comunhão com esses pensamentos dos alunos.
Íris integra escuta e comunhão; fé na vida, fé no ser humano, no que virá... com
consideração ao fato de que é preciso ouvir amorosamente.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Hortência

É ser um professor que se propõe a escutar, que se abre a escutar, que está aberto
a essa... porque escutar é sempre sofrer pequenas feridas narcisas, a gente leva umas
pancadas, ouve o que não quer, mas tá aberto a isso. Que os estudantes possam vir e
falar bem livremente assim sobre o que é... eles tão vivendo...
Abertura à escuta, se permitir sofrer pequenas dores narcísicas, com vistas a unir
escuta e acolhimento. Visa, em certa medida, contribuir com uma outra sociedade em
que seja possível realmente o escutar atento e afetuoso e transformador.

• UFF

Lisianto

Eu acho que você abrir esse espaço pra conversa. É você tentar, eu acho que tem a
simetria sim de conhecimentos e de conteúdos em muitos momentos, mas nem sem-
pre essa simetria diz que eu conheço mais. Então eu posso conhecer mais, mas tam-
bém entendendo que em outros momentos o conhecimento pode ser construído a
partir dessas experiências. ... trabalhar com a realidade do aluno...
Escuta qualificada que favorece a elaboração de conhecimentos por meio das ex-
periencias d@s estudantes, trabalhando com a realidade dos discentes. O professor
dialógico abriria esse espaço para conversa.

Prímula

É conhecer o aluno, é dialogar com o saber dele. O que que ele sabe e como é que
ele conta... E trocar experiências em situações em sala de aula. Trazer as experiências
deles para a gente refletir em sala. ...
Professor(a) dialógic@ significaria, para Prímula, conhecer @s estudantes e trocar
experiencias para reflexão.

Rosa do Deserto
é construir através do diálogo, desenvolver o conhecimento através do diálogo.
Consideremos que, ao tratar de professor(a) dialógic@, Rosa do Deserto considera
que fomentar a produção do conhecimento ocorre através do diálogo, da escuta.

Perpétua

Eu acho que estar disposta a ouvir porque professor fala… eu falo muito né… Tá
disposto a ouvir e compreender que cada um ali tem a sua história. Então não é ouvir a
história que eu quero, é ouvir a história que cada um tem pra contar, é ouvir um pouco
de como é que cada um ressignifica aquela leitura que você traz.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Lavanda

Um professor dialógico é um professor flexível em primeiro lugar... Eu monto a


minha aula, eu planejo a minha aula dando aula, né. Eu vou vendo o que desperta e
essas coisas vão acontecendo. Eu acho que um professor dialógico, é um professor que
ouve, muito mais hoje, do que fala como era aquele professor antigo é… tradicional
que detinha todo o conhecimento. Pra mim um professor dialógico é um professor
que ouve e a partir do que ele escuta ele toma novas decisões e novos caminhos.
Lavanda vem nos dizer que ser professor(a) dialógic@ é ser um(a) professor(a) que
se vai fazendo e refazendo no próprio ato de dar aula. E na escuta em aulas vai figuran-
do e reconfigurando a teia educativa.

Agapanto

(...). Assim, eu acho que a escuta pro outro e a possibilidade de dialogar tem que
ser algo que é do meu cotidiano. Então tem que ser algo que é com meus alunos. Essa é
como eu me coloco né. Eu penso que pra mim tem que tá na relação com meus alunos,
mas tem que tá na relação com minhas filhas, com as pessoas que trabalham comigo,
sempre numa perspectiva de que o dialógico ele é a possibilidade de um diálogo, e aí o
diálogo já é algo que não é autoritário né, acho que ter escuta pro outro de fato assim
né, sem me colocar como melhor que ele, embora reconhecendo que tem alguns
saberes que eu tenho e que aquelas pessoas não tem e vice versa.
Agapanto fala da escuta qualificada que decorre de uma experiencia de escuta ao longo
da vida e que, com isso, potencializa esse aprender junto, numa relação de horizontalidade.

Jacinto

Acho que tudo parte da abertura que você dá pra fala. Acho que é o fundamental.
Primeiro o aluno sentir que pode confiar em você, isso é um ponto... e sempre dentro
do limite do confiável de sala de aula. Então o professor pode te respeitar... isso e tal,
não sei o que, mas mesmo assim criterioso, não falta, está lá no horário... então, que ele
se sinta à vontade e que ao mesmo tempo tenha uma escuta.
Abertura para a fala, associada a confiança e o respeito, facultam uma escuta afeti-
va que potencializa o ser dialógico. E nesse impulso ígneo, vamos reconhecendo que a
fé nas pessoas nos oferece o poder da escuta verdadeira e a consequente aprendizagem
na relação de ouvir, falar, escutar, interagir.

Horizontalidade

• UFC

Azaléa

Acho que uma das primeiras coisas é... estar aberta a aprender assim, com os alu-
nos, reconhecer que mesmo eu tendo uma caminhada maior do que a deles eu ainda

130
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

posso aprender com eles e que eu to aprendendo... to aprendendo sobre os conteúdos,


sobre os temas, mas também to aprendendo a ser professora o tempo todo, então essa
coisa de que eu não to formada né... mas de que eu to me construindo, que eu to a cada
vez mais me construindo como professora e está aberta a isso. Estar aberta a dialogar
sobre as necessidades dos estudantes, as demandas deles, o que eles querem aprender
ali é... e buscar sempre essa horizontalidade. Não só de mim para com eles, né... de
uma forma equilibrada que é isso que eu estava dizendo antes, que talvez eu esteja em
conflito ultimamente né... em descobrir esse equilíbrio entre ser dialógica é... que ser
dialógica é diferente de ser “boazinha”, permissiva é... ou o que rolar tá certo e tal...
mas também de não ser rigorosa... rigorosa não... não ser rígida, né... então, acho que
é essa coisa... e de possibilitar também a horizontalidade entre os alunos pra que eles
descubram que eles também podem aprender uns com os outros e... e respeitar uns
aos outros né... acho que também inclui nisso, em ser uma professora dialógica, a luta
pelos direitos de todos, né... porque eu acho que a educação é uma instancia funda-
mental na luta pelos direitos de todos e de todas.
Azaléa fala de aprender com... da busca da horizontalidade como um graal per-
dido, entendendo que há diferenças fundamentais entre autoridade e autoritarismo,
rigidez e disciplina.

Copo-de-leite

No meu entendimento eu me colocar, apesar de estar na condição de professora…


eu não me colocar em uma hierarquia em relação aos alunos, saber ouvir e ao mes-
mo tempo saber falar. ... o processo de aprendizagem é construído entre mim e os
alunos... são meus colegas, então eu penso que o dialógico tem a ver com essa quebra
dessa hierarquia que se dá entre professor e aluno e com a perspectiva da real troca....
é algo novo que nasceu a partir do que nós fizemos juntos, então eu acho que é mais
nessa perspectiva de ouvir, de receber, de trocar …
Copo-de-leite nos alerta para sairmos de posturas hierarquizantes, garantindo o
direito de fala e de escuta, reconhecendo nos estudantes uma real troca, já que ambos
somos seres do ensinar e do aprender.

Kalanchoê (Escuta)

Eu acho que não dá para ser um professor dialógico se não for militante, se for
somente academicismo não é dialógico, se seguir um diálogo vertical não é dialógico
tem que ser horizontal, tem que entender o aluno como alguém como um ator e um
sujeito na construção do conhecimento. ... Ser um professor dialógico é dar a voz e
a partir dessa voz começar a construir junto com eles o que está acontecendo ali. …
Kalanchoê traz importante lição de humildade ao nos alertar que para superarmos
posturas academicistas ou militantes no trato do fazer junto, com igualdade e equida-
de nas relações didático-pedagógicas.

131
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Ciclame

... professor dialógico, um professor que respeita. É um professor que respeita, um


professor que ao mesmo tempo que ele respeita esse estudante que está com ele em sala
de aula, não só como um intelectual, mas como pessoa mesmo... ele busca fazer com
que o seu trabalho, o seu conhecimento, a sua aula, a sua temática específica tenha
uma relação direta com a totalidade social. Eu acho que na medida em que o profes-
sor consegue fazer essa relação entre sala de aula e totalidade social, esse diálogo entre
essas duas dimensões que não são excludentes, ao contrário... estão completamente
ligadas, eu acho que essa é uma postura de professor dialógico.
A horizontalidade aqui se manifesta num respeito tal, que se reconhece a impor-
tância de relacionar sala de aula e totalidade social num reconhecer a pertinência dessa
correlação enquanto instancia de aprendizagem e ensinança.

Botão-de-ouro

Uma professora que respeita os seus alunos, sabe... e nesse respeito elas os entendem
como sujeitos, sujeitos de direitos e deveres e aí também tem o compromisso ético. Lem-
bro muito do Saviani. Tendo um compromisso ético com o que eu estou fazendo aqui,
estou recebendo recurso público e eu tenho um compromisso com aprendizagem. ...
Botão-de-ouro porta aqui a ideia de compromisso ético no cenário da horizontali-
dade, do respeito aos fazeres pedagógicos, manifestos no respeito a tod@s.

Calêndula

... o professor dialógico, ele promove essas situações de trocas né... de trocas e ou
confrontos, eu estou chamando de confronto quando essas trocas ganham um calor
maior, de trocas e confrontos... ele promove isso, mas ele não é ausente do papel dele,
ele não se... extrai do papel de... também enriquecer em termos teóricos e de conteúdo
aquela compreensão que os alunos tão trazendo. ...Ele valoriza o conhecimento dos
alunos, as trocas dos alunos ele vai depois sistematizar um pouco, fazer uma síntese,
fazer uma organização daqueles conhecimentos todos que circularam naquela aula
né... .. que todos avancem no seu modo de compreender...
Calêndula utiliza a questão das trocas, que envolvem consensos e confrontos na
feitura de aprendizagens e novos conhecimentos. Há valorização dessa partilha nesse
avançar do ser como ser.

Girassol

Acho que é... respeitar os alunos, tentar ter uma relação horizontal com eles ...
não de imposição, mas também sem ter medo de ensinar. Eu acho que esse é um prin-
cípio que é importante. ... mas também não quer dizer que por eu saber um pouco
mais do que eles sobre determinadas temáticas... não quer dizer que eu vou sempre tá...
é... impondo de uma maneira desrespeitosa esse conhecimento, entendeu...... também
ética e também política dentro dessa perspectiva.

132
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Girassol faz um alerta de que horizontalidade se coaduna com o ato de ensinar, ou


seja, respeito aos saberes d@s educand@s não significa temer ensinar o que convém ser
ensinado. Isso também seria um compromisso ético e político.

• UFF

Peônia

Eu acho que é recusar a ideia de que você é o protagonista da sala de aula. Me


parece que a ideia é estimular a compreensão de que a sala de aula é um espaço de
construção coletiva do conhecimento e que ela não pode acontecer… que seu sucesso
depende a ascensão dessa coletividade... ... ... o público tem que fazer diferença porque
eles também são atores da sala de aula.
Peônia possui o entendimento de que é desejável que o protagonismo em sala de
aula seja compartilhado. E que horizontalmente se estimula a construção coletiva do
conhecimento. Todos são autores e atores em sala de aula.

Acolhimento

UFC

Amor-perfeito

Uma professora que acha uma função social da educação no paradigma da demo-
cratização do conhecimento, do direito de todos ao conhecimento. Assume isso radi-
calmente, ou seja, tudo vale desde que o aluno aprenda. Faça pra que o aluno aprenda.
Ele se desafia em relação ao método, ele reinventa o método pra que o aluno reinvente
o conhecimento, então nesse sentido ele é um professor criativo. Pra que ele assuma o
conhecimento eu tenho que ... dialogar com as questões que ele traz. Não vou me-
nosprezar o conhecimento que ele traz, partir sim do conhecimento sempre dele, de
quem ele é concretamente. “Esse menino desenha muito bem.” Eu tenho que incluir o
desenho nessa história se não ele não vai chegar aqui... eles adoram usar o celular, você
acha que eu vou proibir minha turma de usar um celular? Eu não vou estar castrando
porque eles se comunicam muito bem. (...). Então, um professor dialógico pra mim é um
professor que gosta de estudar, gosta de descobrir, gosta de descobrir o ensino o tempo
todo, ele não se enfada.... eu tenho um monte de gente dentro de mim. Então, um pro-
fessor dialógico é um professor que a cada semestre carimba, tatua em si o aluno que ele
conseguiu dialogar. A gente vai se tornando enorme em termo de gente. Tem tanta gente
dentro de mim que na´... aqui na... a 59ª turma eu tenho uma multidão aqui. ... um pro-
fessor dialógico, ele respeita as pessoas, ele ama profundamente a humanidade. Não
tem como ser dialógico se ele no amar a humanidade na sua complexidade. Assim... de
ver beleza... de ver beleza nos erros, sabe... uma dificuldade nos professores é ver beleza
no erro. Ele erra “mas que maravilha esse erro” é vibrar com o erro dele, saber vibrar com
tudo que ele é capaz de fazer. Sempre acreditando que ele pode mais. Ninguém nunca
chega pronto, nem professor, nem aluno e nem nunca pode achar que consolidou tudo
que precisava ser consolidado. A gente está só se encontrando, né e trocando ideias.

133
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Amor-perfeito nos ensina que é na amorosidade que se define @ professor dia-


lógic@, no paradigma da democratização do conhecimento. Que é a partir do co-
nhecimento de experiencia feito que provem sempre d@s estudantes que se faz o
conhecer. Que esse professor(a) dialógic@, reconhece e respeita as gentes, ama pro-
fundamente a humanidade. Sabe que ninguém nunca chega pronto, nem professor,
nem aluno e é nesse abrigo, com esse agasalho que podemos avançar.

Gérbera

Ser uma professora dialógica é ser uma professora que tenta responder aquilo que
é... os alunos possivelmente estariam perguntando ... É um exercício não só dialógico,
mas poético mesmo, né... de encontro e desencontro e tem obviamente conflito. ...
Quando a gente abre pra uma perspectiva dialógica está tendo conflito, né. Então, são
aulas em que tem determinados momentos em que é... eles me perguntam o que eu
acho sobre determinado tema aí eu me apresento... e tem debate e alguns não concor-
dam e eu digo, “mas é na diversidade que a gente constrói o respeito”.
Gérbera vem nos falar que a caraterística de ser professor(a) dialógic@ estaria liga-
da a acolher as demandas de informação, de carinho, de afetos, num exercício poéti-
co-dialógico. Ressalta também que encontros e desencontros são naturais nas relações.
Igualdades e diversidades vão fomentando o aprender amoroso da dialogicidade.

Cravo

... professor preocupado com o que ele aprende quando ele ensina..... antes de tudo
eu digo também que eu não sou um professor muito preso ao conteúdo, eu acho que o
conteúdo ele é contornável, mas ele não pode ser o conteúdo sem sentido. O conteúdo
só fará sentido se a gente conseguir atribuir algum significado pra que o aluno guar-
de pra vida. Pra vida nas diferentes instancias, pro amor, pro trabalho, pro afeto, pra
existência, mas ele não pode ser um conteúdo que se justifique por si só. Então, um
professor dialógico é aquele que consegue, em alguma medida, discutir com o aluno,
apresentar essa possibilidade de significar o que ele aprende.
Cravo nos orienta que o professor dialógico se mante aprendente enquanto en-
sinante. Que os conteúdos são importantes, mas não o mais importante. Demarca
também que o que dá verdadeiro significado ao conteúdo é poder levá-lo para a vida
mesma, nas diferentes instancias.

• UFF

Magnólia

... a gente não é todo tempo dialógico, né? Dialógico nos termos que eu too falando.
Porque existem, por exemplo, agora mesmo eu tô me desafiando ... Então a gente é na
medida em que na construção do planejamento você levanta os anseios dos estudan-
tes e considera a perspectiva, o anseio deles por conhecimento pra definição do desen-
volvimento da disciplina, né? Agora, eu observo também que muitas vezes o aluno ele
preferia uma coisa meio pronta, meio padronizada, não tão personalizado.

134
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Magnólia suscita um bom debate ao ressaltar que nem sempre dá conta de ser
dialógic@. Ainda que discordemos, foi interessante esse pensar pois nos remete a en-
tender que isso estaria associado a incompreensões, a paradigmas elitistas, a ideologias
alienantes e alienadas, a limites autoimpostos ou a preconceitos derivados de ideias
que boicotam. Por outro lado, traz excelente contributo na tentativa de responder a
essa questão do que é ser um(a) professor(a) dialógic@, na medida mesma em que
instiga os anseios discentes e os recebe amorosamente, tendo-os como contributos na
conquista dos objetivos pedagógicos

Narciso

É um pouco disso tudo aí que eu tô falando. Eu nem sabia que eu era dialógica. Eu
fiquei até surpresa... Então, eu acho que um professor é dialógico quando ele não tá
fechado 1: no seu planejamento, 2: no seu conteúdo. Quando ele tem o planejamento
e o conteúdo como meios para sua organização e organização do grupo, mas não como
algo que se não for cumprido ele morreu. ...eu acho que essa dialogicidade é uma ma-
neira também do cara se sentir parte.... Talvez porque eu goste dos humanos. Então
assim, eu sei que existe, eu sei que existe N problemas, existe desqualificação teórica,
existe desqualificação pela religiosidade do outro, mas se existe uma escola democrá-
tica, uma sociedade democrática onde caibam todos por inteiro eu tenho que traba-
lhar com essa diversidade. E eu tenho que ouvir aquilo que me causa desconforto.
Professor(a) dialógic@ não se fecha diante do planejar, da definição de conteúdo.
Gosta de seres humanos e incentivam uma postura democrática e acolhedora das di-
ferenças sociais.

Criticidade

• UFC

Antúrio

Eu acho que é isso, uma professora que respeita o conhecimento do estudante,


é uma professora que interage, que compreende o seu papel, a sua importância na
socialização do conhecimento historicamente acumulado não é... é uma pessoa que
tem uma concepção de mundo que compreende que esses estudantes pertencem em
sua ampla maioria a classe trabalhadora não é.... A partir também do conhecimento
freireano não é... da concepção de mundo, da prática de compreender a realidade
desse sujeito... compreender o mundo deles.

Hibisco

... na perspectiva dialética de construção de um processo realmente de... como é


que eu posso dizer... gerar processos micros de transformação social, Então, é um pro-
cesso... eu entendo quase como um processo de transformação social da qual a gente
precisa entender um pouco dessas dimensões da vida deles e trabalhar com elas, né.

135
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Formação Crítica

• UFF

Lótus

Bem, não sou freireana de carteirinha no sentido de ter domínio de toda a teoria.
Tenho pouca leitura sobre, mas gosto muito de Pedagogia da autonomia, mas Pedago-
gia do oprimido foi marcante porque tudo que eu li de Paulo Freire, foi por iniciativa e
eu desde o começo a primeira vez que eu li eu tinha 22 anos foi na graduação. E aquilo
me tocou profundamente. Também eu acho que tem muito isso... Eu venho das cama-
das populares. Minha mãe era empregada doméstica. Eu sou a única a ter concluído o
ensino médio, que dirá ser professora universitária. Então as reflexões do Paulo Freire
falam diretamente a mim. Porque eu conheço aquele lugar. Eu conheço o que é você
pertencer às camadas populares, o que é você ser excluído, o que é você está nadando
contra a correnteza pra tentar alcançar algum lugar né. Então aquilo a primeira vez
que eu li foi altamente impactante. ... eu sempre entro com alguma coisa do Paulo
Freire, não passo a disciplina toda, mas sempre entro com alguma coisa da autonomia,
do oprimido. ... quando eu penso num professor dialógico, penso um sujeito que não
se coloca num lugar de destaque, do mais importante. ... Nossos alunos, boa parte
deles vem de uma realidade, se você pegar o perfil da pedagogia... no geral eles são
estudantes que já vem de uma trajetória de desigualdade e aí eles se queixam muito
das relações que os professores estabelecem com eles, distantes e tal. Não foi isso que
me fez agir como eu ajo, mas eu venho de um ambiente onde ser excluído é o normal,
se sentir excluído, se sentir oprimido é o normal, é o natural né, se sentir diferente, se
sentir pior é o normal. Então eu fico preocupada, atenta cuidando dessa questão de
tentar estabelecer uma relação mais próxima que evite a hierarquização embora eu
entenda que a hierarquia tá posta e acho que de fato existem papeis marcados, mas eu
acho que o professor dialógico ele precisa ter essa delicadeza de tentar romper com
os padrões, não ser uma coisa tão marcada tão delimitada de quem sabe quem não
sabe, sabe?
Lótus faz um emocionante depoimento pessoal, no qual justifica optar por consi-
derar um professor(a) dialógic@ aquele comprometido com as camadas sociais mais
sofridas, os excluídos e ressalta a importância de ter a delicadeza de superar critica-
mente esses padrões opressores.

Tulipa

Tem que dar voz. Essa é a primeira coisa, tem que dar voz. E não é por nada, não.
É porque elas existem e se você não dá a voz você está sendo simplesmente autoritário,
autocrático, você está impedindo a diversidade, a pluralidade... Essa é a primeira coi-
sa.... a primeira coisa é no sentido de permitir que as vozes se expressem e a segunda
coisa é romper com essa perspectiva de que existe um referencial que é a verdade
e que todos nós temos que nos encaminhar para ele como um monolito .. Essa é a
questão. Se você acaba com esse referencial de verdades, esse referencial de poder... aí
você tem uma polifonia e você sabe que o conhecimento e apenas uma ferramenta
pra você lidar com a realidade. Uma ferramenta poderosa que além de transformar

136
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

a realidade natural, se bem que a natureza é cultural também, mas não só isso, mas
também de... humilhação, depressão... conhecimento é poder. É uma arma e vamos
lidar com ele com a mesma responsabilidade de quem lida com uma arma. .... essas
coisas tem... consequências lógicas, teóricas, políticas, epistemológicas e são violentas.
é uma responsabilidade com... essa... assim... lá no final... aquela coisa utópica, é a
transformação do mundo.
Tulipa começa dizendo que temos que “dar voz” ... Mesmo que apareça dessa ma-
neira ativo-passivo, constatamos em seguida que confronta as questões de poder e pro-
blematiza a polifonia e o entendimento de que o conhecimento é uma ferramenta de
enfrentamento do real, muito eficiente para transformar o mundo natural e cultural.
E conclui seu depoimento indicando a utopia da transformação do mundo desigual
num mundo melhor.

3.4 Uma teoria pedagógica parceira envolvendo grupo.

As proposições aqui anunciadas e os diálogos que dela decorreram nos indicam a


pertinência de uma educação dialógica, de uma formação docente numa perspectiva
dialógica. Entretanto, essa só se efetiva plenamente se considerar a parceria, os grupos
aprendentes (FIGUEIREDO, 2003, 2007) e a consolidação de saberes parceiramente
tecidos. Outro aspecto a ser enfocado aqui como desfecho do capítulo é a concepção de
que o êxito dessas experiencias nos aparecem como sucessos parciais. Isso transparece
nos limites que elencam noss@s depoentes. Porém, há uma constatação das vantagens
de se experiencias aulas dialógicas enquanto potenciais ações docentes que nos quali-
fiquem e nos corroborem com nossa expansão de consciência capaz de implementar
práxis transformadora. Assim, à guisa de fecho dessa parte da tese trazemos então
esses trechos das entrevistas que denunciam problemas e anunciam possibilidades.

Síntese das Dificuldades de uma aula dialógica:

Talvez mais tempo de dedicação a encontrar essas práticas, sabe, mais concreta-
mente dialógicas. Eu faço por intuição muitas vezes, faço por convicção, mas talvez
quisesse fazer consciente disso.
Então eu acho que a quantidade de alunos eu acho que é um fator complicante. A
dificuldade inicial que eu sinto, a dificuldade mais marcante que eu sinto e que eu acho
que a maioria dos colegas que passam…. que adotam a mesma postura, que adotam
o mesmo princípio sempre é que o diálogo envolve a participação de duas partes, se
não o diálogo vira monólogo e muitas vezes os alunos têm lido muito pouco… e se
habituam a textos rápidos... você só lê aquilo que você quer saber.
Quanto menos envolvimento dos alunos pior é a aula. A aula melhora significativa-
mente quando os alunos participam mais, então acho que a dificuldade é essa.
... penso que em alguns lugares ter um estudante questionador e que traga diferen-
tes visões, visões que às vezes nem sempre a gente compartilha, né, mas essa multipli-
cidade que o ser humano é capaz de pensar
Resisto. É o que me cabe, é uma ética.

137
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Bom, necessidade de preparação maior... pensar na estratégia, no caminho a se-


guir pra que tenha a discussão, a necessidade de preparação maior de tempo.
Há uma questão de adequar o tempo da aula, você fica… é menos previsível a execu-
ção da coisa e uma necessidade ali de ficar o tempo todo preparado pro que pode vir.
... eu tive 74 alunos numa sala, no bloco A isso foi muito pesado porque eu tive que
matar várias coisas que eu queria fazer... Se eu tenho um grupo como esse aqui de vinte
e poucos eu consigo ir em cada um.
eu acho que a experiência é muito importante. A idade tem que servir para alguma
coisa e você não tem medo do aluno. E esse método pode confundir “esse professor
não sabe nada” (risos).

Inibição de alguns alunos

... desvantagem é que você não consegue estimular todo mundo.


Volta e meia, questões religiosas sempre é aquela, sabe, que atrapalha a beça, prin-
cipalmente com essa história de escola sem partido isso aí vem ficando mais tenso.
...o uso do tablet, o uso das tecnologias da informação a pessoa fica autista.
... a pessoa fica isolada vai se deprimindo e tal, fica violenta né, faz o tal da violência
cibernética. “mas minha mãe teve depressão, mas se curou indo na igreja porque nós
acreditamos em Deus.”
Eu acho que as dificuldades, são as dificuldades do aluno trabalhador, essa é a pior
de todas. Porque não é só o fato de ele vir a chegar atrasado, é o fato de ele vir cansado
Além de tudo a quantidade de gente na turma. Agora eu acho que deu uma melho-
rada, mas é... ainda tem tido turmas com 55, 60 alunos e aí não tem cadeiras suficien-
tes... questão de infraestrutura mesmo.

Síntese das Vantagens de uma aula dialógica:

Eu acho que essas um pouco que eu te falei né… essa possibilidade de você é…
ouvir o outro… essas possibilidades de você ressignificar conhecimentos que você já
tem, de criar outros conhecimentos, essa possibilidade de você entender que a diferen-
ça existe, tá ali… a ideia de entender até onde eu não concordo com aquilo que você
pensa, mas até onde eu preciso respeitar aquilo, a ideia do não convencimento, eu acho
complicado uma aula que seja uma ideia de convencimento, quer dizer…
“olha, vocês tão e ouvindo falar aqui e eu ouço vocês também, vocês quando me
escutam falar escutam as próprias vozes.
Eu acho que é esse conhecimento ele é problematizado pelo aluno, talvez ele nunca
tenha pensado naquilo, então talvez, por exemplo, quando ele dá uma opinião
... começa a construir uma nova posição a respeito daquele tema. Eu acho que essa
é a principal contribuição.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Me parece que a aula fica de fato mais atrativa… ela provoca mais, envolve mais os
alunos, eles se sentem mais partícipes do processo de aprendizagem, eles se sentem de
fato agentes do que acontece em sala de aula
... pra que a escola se democratize, abra mais oportunidade pros estudantes, para
outras vozes estarem presentes na escola, no ambiente escola, né, no ambiente educativo.
De um modo geral? Eu acho que é… enfim… é a questão da construção do conhe-
cimento. Saber expor, argumentar e discutir. Conhecimento, essencialmente aquele
que você está construindo.
Primeira vantagem é… e aí totalmente egoísta, é muito mais prazerosa pro pro-
fessor. Eu acho que quando você pra uma aula que você tem resposta, que os alunos
interagem com você, os alunos te devolvem e criam…
Primeiro eu fico muito mais feliz (risos), segundo eu acho que é isso os alunos se sen-
tem mais confortáveis, é uma forma de ensinar, de ajudar a pensar, formar o professor…
As pessoas ficam mais livres para pensar.
Acho que estabelecimento de relações entre estudantes e estudantes, estudante e
professor. Penso que a possibilidade de rever, reformular suas concepções, seus conhe-
cimentos. A possibilidade de redesenhar, de redefinir a própria profissão...
Participação, construção coletiva, auto-organização, democracia na aula, autonomia.
Primeiro que eu falo menos. Eu acho que segundo você trabalha a sociabilidade, as
diferenças, e a possibilidade de conviver, de dialogar com a diferença. Você trabalha os
conhecimentos e a cultura né. Pra mim como professora eu aprendo mais.
Primeiro eu acho que a compreensão dos textos e dos conceitos são mais efetivas.
E outra coisa que eu gosto muito que é o que me motiva pra dar aula é conhecer
outras realidades. Da mesma forma que eu conheço, outras pessoas vão conhecendo
outras realidades e isso é muito motivador.

Frequências Quantitativas Para Ilustrar

Aula dialógica:
1 Escuta - 5
2 Horizontalidade - 4
3 Acolhimento -6
4 Criticidade -5

Professor(a) dialógic@
1 Escuta - 14
2 Horizontalidade - 15
3 Acolhimento - 7
4 Criticidade – 4

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Análise quanti-qualitativa:

Em processo de finalização desse capítulo, temos uma escuta que nos mobiliza em
direção a uma “Pedagogia freireana da escuta”. Ela nos convida a agir com amor e res-
peito. Ter como pretensão uma escuta afetiva, amorosa, na qual se reconhece @ Outr@
como legitimo em si mesm@. Nos possibilita autoridade e historicidade, estar atent@
ao que é dito... Curios@ e acolhedor.
Essa perspectiva de acolhimento amoroso, por sua vez, organiza a compreensão
de que a mente funciona muito bem como instrumento de corte, seleção, organização,
entretanto, precisamos da dimensão afetiva para impulsionar e agregar, definir e man-
ter. Certamente que isso pode e é bem mais interessante e prazeroso de se fazer, ao se
manter o desapego, a flexibilidade, a atenção e o cuidado.
Horizontalmente somos recordados da importância da humildade na feitura de
nós mesm@s. Somos porque somos no plural e no singular, simultaneamente. E con-
sequentemente podemos perseverar no desvelamento do mundo e de seus mistérios
por meio da Criticidade. E com ela superamos as aparências e as ilusões e adentra-
mos no cerne mesmo da vida, do viver e nos relacionar... Aí sim, encontramos a nós
mesm@s na relação plena, amorosa, humilde, repleta de fé, confiança e esperança e
criticidade na feitura desse mundo melhor que desejamos e aspiramos e imaginamos
e podemos realizar.

3.5. Metáforas, Categorias, experiências de vida.

Num ensaio que se propõe dialógico fica inadmissível imaginá-lo constituído ape-
nas da dimensão teórica. Consideramos que a pretensão de compatibilidade com os
princípios freireanos nos ‘exige’ coerência e nesse sentido, faz-se necessário uma cons-
tante interlocução teoria e prática, que forjam a práxis pedagógica dialógica.
Ao analisar esse belíssimo material que nos foi disponibilizado generosamente pe-
los meus colegas e parceiros professor@s, tanto da UFC – instituição na qual trabalho
–, quanto da UFF – que me acolheu tão gentilmente –, nos deparamos com uma rique-
za de narrativas e partilhas de experiências.
Em virtude de pouc@s professores que se sentiram desconfortáveis com a exposi-
ção explícita de seus nomes nesse trabalho, fomos levados a optar por retirar o nome
próprio de todos os depoimentos. Lastimo pela perda da autoria partilhada, por mim
reconhecida. Desse modo, selecionamos uma maneira de nominar os parceiros den-
tro dos limites do possível, para não descaracterizar a referência aos cursos nos quais
noss@s parceir@s docentes atuam em geral. Para dificultar a identificação, retiramos
a instituição em que atuam e optamos por utilizar siglas ao invés do nome explícito.
Mas, no trato do que efetivamente é mais importante, as experiências exitosas, nos
parece que há uma tendência em adequar procedimentos acadêmicos habituais ao
novo modus operandi – procedimento operacional – associado à Dialogicidade. Nisso
nenhuma intenção de crítica depreciativa há. Apenas enfatizamos que, em geral, apa-
rece bastante a indicação de gerar práxis didático-pedagógicas dialógicas a partir das
leituras de textos. Ainda que a grande maioria d@s que opta por esse procedimento
reconhece que a maior parte das tentativas traz uma certa decepção pela ausência da

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

leitura de boa parte do grupo discente. Por outro lado, existem exercícios de superação
desse limite concreto na utilização de estímulos quase sempre ligados a uma tarefa
associada à leitura, tal como levantar questões, elaborar críticas favoráveis ou desfavo-
ráveis, identificar dificuldades na leitura e no entendimento do texto, organizar uma
síntese, um resumo ou uma reflexão escrita sobre o mesmo. Há, ainda, a ideia de or-
ganização de seminários de uma maneira mais articulada e cooperativa com o fim de
elencar questionamentos e incitar curiosidade. Nessa direção, nos parece que a experi-
ência mais exitosa se associa à ideia de induzir a curiosidade pela leitura do texto e ter
um complemento de leitura em sala de aula e diálogo em torno dos temas geradores
que emergem dessa leitura crítica. Em nossos estudos das referências utilizadas aqui
nesse trabalho, com fundamento em Freire, principalmente, mas tendo ainda a inspi-
ração de Buber, Bakhtin, dentre outros, podemos indicar e pertinência de se buscar na
utilização de textos, a ideia de uma investigação temática e de um estímulo afetivo para
que o processo de leitura ocorra e potencialize o diálogo em sala de aula.
Ao buscar experiências pertinentes, nos deparamos com atividades que já utiliza-
mos com regularidade, tendo demonstrado sua validade por anos de prática, que é a
feitura do plano de curso em parceria com @s estudantes, tendo como meta a consoli-
dação do que podemos chamar de Grupo Aprendente, inspirado no círculo dialógico
de Paulo Freire, mas que pode se apoiar em contributos do círculo bakhtiniano e nos
Grupos de Investigação, tal como tem feito Lipman, ainda que eu prefira os grupos
aprendentes, tal como temos utilizado.
Num exercício de releitura e reelaboração das falas, até para dar algum tratamen-
to ao material que ‘coletamos’, vamos aqui trazer trechos traduzidos embasados nas
respostas ofertadas pelos parceir@s que nós entrevistamos. Ainda nesse preâmbulo,
somos tentados a evidenciar algumas problemáticas que decorrem do diálogo entre
nossas referências, nossa compreensão e o que advém das narrativas d@s professor@s
aqui apresentadas.
Mas, vamos retomar o diálogo com recortes dos resultados das aulas dialógicas...
E, em continuidade ao que iniciamos pouco antes, uma das indicações bastante recor-
rentes foi o trabalho com textos – o que nos parece um padrão das aulas em universi-
dades brasileiras. O diferencial seria a base teórica dialógica que orienta essa prática e
procurar utilizar frequentes problematizações ou apoiar o estudo partilhado por meio
de prévias diretrizes propostas pel@s estudantes. As perguntas seriam um forte dife-
rencial... perguntas que instigassem a curiosidade, que potencializassem a vontade da
leitura, a vontade da partilha. Que explorassem os diferentes entendimentos e valores.
Outro recurso utilizado em alguns exemplos de aulas dialógicas, foi a utilização de ou-
tras linguagens em conjunto com textos para favorecer a dinâmica dialogal, tal como
o uso de filmes, pequenos vídeos, músicas, imagens...
A contextualização é uma recomendação bem frequente também. Aparece de for-
mas distintas, mas, em todas, a ideia é estabelecer uma integração com os debates, con-
teúdos e propostas teóricas ao Cotidiano, à vida vivida e experienciada por discentes e
docentes. E isso pode ser feito através de exemplos de vida, histórias de vida, histórias,
estórias, causos etc.
Outra ideia interessante é a produção parceira – professor@s e estudantes – de mate-
rial que possa ser utilizado didaticamente, tanto na própria sala de aula, como também
em outras atividades pedagógicas e docentes. Neste tópico, aparece desde a sugestão

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

de produção de jogos, personagens, avatares, histórias partilháveis, cartazes, sites, pá-


ginas de internet, revistas digitais...
A tessitura em grupo é um veio profícuo e rico para integrar e possibilitar as rela-
ções de cooperação, imprescindíveis à dialogicidade. Nela, se torna interessante buscar
sentidos e significados como instância fundante de aprendizagem e de tessitura de
saberes partilháveis com a escola.
A abordagem autobiográfica também aparece como recurso interessante para via-
bilizar a dialógica. Trazer isso como uma maneira de auto, hetero, eco-reconhecimen-
to e poder gerar, com isso, maior proximidade e intimidade entre @s componentes
de um grupo de aprendizagem. Ao mesmo tempo, oferece farto material que pode
ser utilizado como tema gerador. Oferece ainda um retorno a tempos nos quais havia
maior abertura afetiva/amorosa e, com isso, gera um clima mais dialógico.
Muit@s fizeram questão de destacar que o conhecimento preliminar ou inicial, e
mesmo essa acolhida dos conhecimentos prévios é ponto de partida, jamais é porto de
chegada na viagem à Ítaca. Outro tópico relevante para est@s depoentes é o quanto a
diferença característica das pessoas dialogantes significa riqueza, potencial de apren-
dizagem, nunca obstáculo, impedimento para o aprender. Outro ponto a ser eviden-
ciado é o quanto à curiosidade ingênua-curiosidade epistêmica é imprescindível para
a alquimia transformadora de uma sala de aula bancária para um ambiente dialógico.
Ainda observamos o indicativo de se considerar o processo por meio da metáfora
da teia, da tessitura da teia e da teia enquanto captura do ato de aprender, de elaborar
conhecimento e sabedoria, na partilha da informação e das elucubrações possíveis no
trajeto do conhecer. Constatamos também que alterações nos ambientes de aprendi-
zagem, na configuração das turmas, na proposta de desafios e situações desestabilizas-
tes... provocações e momentos desconcertantes ou inusitados são desejáveis para aulas
dialógicas.
Um vórtice crucial, nos parece ser o reconhecimento e a conscientização e a cons-
ciência de que para se ter uma aula dialógica temos os pressupostos dialogais (FREI-
RE, 1983), considerar a Teoria da Ação Dialógica. Há se querer ter a abertura amorosa,
o princípio da escuta, a superação dos medos a priori, o se permitir sair do controle,
o acolhimento afetivo, a relação horizontal, o reconhecimento da alteridade como
premissa para o ser-mais. Seria, como foi dito, reconhecer que na atualidade um dos
grandes desafios da docência é saber acolher amorosamente, como também colabo-
rar... Diria que reaprender a fazer conexões também se torna uma tarefa vital para
potencializar as pontes...
O “sumir da aula” é algo que pode servir de mote para um outro conjunto de pen-
sares-sentires... inclusive é algo muito potente, pois ajuda a nossa aprendizagem do
deixar fluir... E como é difícil diante de uma formação acadêmica que nos ensina a
controlar como instância fundamental para a prática docente, abrir mão do controle e
permitir que estudantes assumam a regência na sala em parceria conosco, exercitando
a autonomia. Porém, tanto quanto o cognitivismo, o individualismo, a competição, o
objetivar o produto em detrimento do processo, a resposta em detrimento da pergun-
ta, é algo a ser superado nos tempos de hoje.
Concluindo este capítulo somos tentados a conectar com o capítulo seguinte. Me
parece importante reconhecer a necessidade que tivemos de tratar de interligar as ca-

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tegorias que emergiram da pesquisa empírica com o que virá em seguida. Em nosso
entendimento há uma possível correlação criativa entre essas categorias e os princípios
dialógicos e as metáforas que escolhemos.
Certamente são possíveis outras interpretações. Aqui apenas usamos a ideia do
colapso da função de ondas, dos estudos quânticos de Schroedinger, para definir nossa
escolha. E optamos por alinhar a categoria “Acolhimento” com o Princípio Dialógico
da “Amorosidade”; a “Horizontalidade” identificamos com a “Humildade; a “Escuta”
conjugamos com a Fé e a “Criticidade” com a “Criticidade” e nem podia ser diferente
nesse caso, salvo melhor juízo. Vamos assim da teia para o casulo. A teia pode enredar
um casulo e dar surgimento a borboleta.

143
CAPÍTULO IV

PRINCÍPIOS DIALÓGICOS E METÁFORAS,


UMA LINGUAGEM PARA O HOJE E O AMANHÃ

É preciso o amor pra poder pulsar,


é preciso paz pra poder seguir,
é preciso a chuva para florir.
Almir Sater e Renato Teixeira39

P
rincípio (do latim principiu) significa o início, fundamento ou essência de
algum fenômeno. Também pode ser definido como a causa primária, o mo-
mento, o local ou trecho em que algo, uma ação ou um conhecimento tem
origem. Sendo que o princípio de algo, seja como origem ou proposição fundamental,
pode ser questionado. Para o Dicionário Aurélio Eletrônico (1988), princípio significa:
o primeiro impulso dado a uma coisa; origem; o que constitui a matéria; o que entra na
composição de algo; regras ou conhecimentos fundamentais e mais gerais.
A definição de princípio para o Dicionário Eletrônico Michaelis é: momento em
que uma coisa tem origem; aquilo do qual alguma coisa procede na ordem do conheci-
mento ou da existência; característica determinante de alguma coisa; regras ou código
de (boa) conduta pelos quais alguém governa a sua vida e as suas ações; lei, doutrina
ou acepção fundamental em que outras são baseadas ou de que outras são derivadas.
‘Princípios’ seriam um conjunto de normas ou padrões de conduta que orienta-
riam pessoas ou instituições. A conceituação dos princípios está relacionada ao come-
ço ou início de algo. Etimologicamente, segundo o site Origem da palavra40, PRINCÍ-
PIO derivaria do termo latino ‘principium’, significando origem, causa próxima, início,
ou ainda de ‘prin’, do grego, traduzido como “o que vem antes”.
Podemos então afirmar, com base nessa pesquisa acerca do significado de Princí-
pio, de princípios, que princípios dialógicos seriam a própria Origem do Dialógico,
ou o que dá origem ao dialógico. Isso, mais do que demonstra (é uma das teses que
aqui defendo), que os princípios dialógicos representam uma instancia mais do que
necessária a se visitar, desde que se pretenda experienciar uma proposta educativa ou
uma formação educativa dialógica. E, mais do que isso consideramos que se faz essen-
39
SATER, Almir e TEIXEIRA, Renato. Tocando em Frente. Género(s): Sertanejo. Gravado-
ra Philips, 1990.
40
(https://origemdapalavra.com.br/palavras/principio/)

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cial que na implementação de uma abordagem dialógica, se tenha em conta todos o


conjunto de princípios anunciados e propostos por Paulo Freire (1983), desde sua obra
magistral: o Pedagogia do Oprimido.
Salientamos ainda que em nossa pesquisa empírica junto a docentes indicados por
discentes como dialógic@s. Apenas em dois casos, tivemos a percepção de que todos
esses princípios foram considerados e estiveram ínsitos em suas práxis educativas. Isso
levou a um êxito relativo nas atividades educativas levadas a tento. Concluímos que há
de se ter em consideração todos os princípios para que tenhamos maior possibilidade
de sucesso nas atividades didático-pedagógicas. Então, vamos adentrar os princípios
e potencializar que essa lagarta saia do casulo como uma linda borboleta. Para tanto,
fizemos uma pesquisa em dicionários; em alguns livros de estudiosos da proposta de
Paulo Freire, no tripé fundante na obra de Paulo Freire utilizados como base dessa
tese; O Pedagogia do Oprimido, o Pedagogia da Esperança e o Pedagogia da Autono-
mia; e finalizamos com um texto acasulado em parceria minha e alguns estudiosos e
pesquisadores no âmbito das ciências humanas.

4.1 Os Princípios Dialógicos

Inicialmente trarei aqui uma pesquisa extensiva que envolve desde uma pesquisa sobre
os conceitos constitutivos dos princípios dialógicos freireanos nos dicionários, em seus
sentidos etimológicos bem ao gosto de Paulo Freire; um estudo mais aprofundado desses
princípios nas suas principais obras, no caso optamos por seu primeiro livro publicado, o
Educação como Prática da Liberdade, seu principal e coração de sua obra, o Pedagogia do
Oprimido e o Pedagogia da Esperança. Desde esses lugares adentramos nessa busca por
transformação para o concreto de nossas relações mais próximas e fomos dialogar com
parceir@s sobre o que representaria esses princípios pensados em sua possível origem e
sentidos e significados compartilhados. Realizamos ainda um círculo dialógico em torno
desses princípios no contexto do grupo de pesquisa que coordeno (Gead).
Ao buscar os dicionários, nos apoiamos principalmente no Aurélio e no Michae-
lis41. E através desses dicionários consultados trouxemos esse conjunto de definições
acerca dos vocábulos que constituem os Princípios Dialógicos. Cremos que em cer-
ta medida estes significados foram considerados mais ou menos por Paulo Freire ao
propor eles como pressupostos essenciais para desencadear uma dialógica autêntica.
Somos tentados a afirmar que se faz necessário que contemplemos esse conjunto de
princípios para que tenhamos uma autêntica dialógica ocorrendo, mais ainda quando
se tratar de aulas dialógicas ou interações educativas, didático-pedagógicas, que se
intitulem dialógicas em toda sua plenitude.

Amorosidade

Amoroso traz como significado: aquel@ que tem ou sente amor, ou é propenso ao
amor; que denota amor; relativo ao amor, a coisas de amor. Traz ainda a ideia de que é
carinhoso, terno, meigo; ou aquele que tem ou sente amor; aquele que está apaixona-
do. amorosidade. Amorosidade implica na qualidade do que é amoroso.
41
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.DicionárioAurélio básico da língua portuguesa. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira,1988 DICIONÁRIO Michaelis. Disponível em: <www.michaelis.uol.
com.br>. Acesso em: set. 2020.

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Quando se trata da palavra AMOR, encontraremos uma enormidade de sites e


reflexões digitais em torno do tema, porém, em geralmente, estão associadas ao amor
romântico-afetivo, a relacionamentos entre casais. Temos belíssimas lições e ilações
decorrentes dessas mensagens. Vou trazer algumas delas, frutos de citações disponibi-
lizadas, em sua grande maioria de autoria desconhecida:

O amor é equação onde prevalece a multiplicação do perdão. O amor nos possibilita


enxergar lugares do nosso coração os quais sozinhos jamais poderíamos enxergar.
Enxergar sonhos que antes eu não saberia ver sozinho.

Mas também temos frase com autoria como essa: “É preciso ter amor na educação”,
seu autor é Taddy Blecher, fundador da primeira instituição de ensino superior gratui-
ta sul-africana. Ele afirma que o ensino tradicional não desenvolve plenamente as pes-
soas. O Instituto Maharishi, foi criado em 1997, já formou mais de 18 mil pessoas por
meio de um sistema autofinanciável. Encontramos a frase maravilhosa de Guimaraes
Rosa, em Grande Sertão: Veredas: “Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra
pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho
de saúde, um descanso na loucura”.
Alex Bretas42, estudioso de Maturana, cita Charles Eisenstein com o conceito de
interser para reforçar a relevância do amor, tão extensa e profundamente tratada por
Humberto Maturana, em várias de suas obras. É de Bretas a frase que se segue: “O
amor explicita essa conexão, e ao explicitá-la, podemos aprofundar nosso entendi-
mento sobre o que e quem nos cerca. Somos mais inteligentes com o amor. O amor é a
união daquilo que a falta de amor teimou em separar”.
Estes, são apenas pequenos exemplos diante de uma enormidade de estudos que si-
nalizam, para o amor como essencial nos processos educativos. Lembro que podemos
extrair lições muito importantes inclusive nos tratados sobre o amor romântico-afe-
tivo. Eles trazem boas metáforas, tal como a música nordestina de Lucy Alves quan-
do problematiza o amor fugidio, os modismos atuais de relacionamentos vaporosos,
como fala Bawman (2001), e o despertar para o amor que lhe mobiliza na direção do
ser amado, através das distancias físicas e do tempo.

Amor à Perder de Vista


Lucy Alves43
É, foi maravilhoso te encontrar
Rolou que nem corda e caçuá
Fizemos um bom baião de dois
Sem compromisso pra depois
Foi fugaz feito chuva de verão
Molhou, fecundou meu coração
Semente brotou e deu roseira
De paixão mais verdadeira.
42
BRETAS, Alex. O que aprendi com Maturana sobre o amor, a educação e a vida. In: (https://
medium.com/@alexbretas11/o-que-aprendi-com-maturana-sobre-educa%C3%A7%C3%A3o-
e-sobre-a-vida-4dc3964a3027).
43
ALVES, Lucy. Amor a perder de vista. In: Lucy Alves (CD). Universal Music, 2014.

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É, ficar uma vez não satisfaz


O meu sentimento pede mais
Aqueles momentos de prazer
Me marcaram pra valer
Já usei celular, computador
Mandei mil mensagens de amor
Pergunto aos amigos por você
Deixa tudo e vem me ver
(Tô amando, tô amando)
Louca por você (...).

Humildade

Humildade é uma virtude que nos dá o sentimento da nossa fraqueza; modéstia,


pobreza; respeito, reverência; submissão. Significa a qualidade de humilde. Humil-
dade vem do latim humilitas, e é a virtude que consiste em conhecer as suas próprias
limitações e fraquezas e agir de acordo com essa consciência.

Fé implica na convicção da existência de algum fato ou da veracidade de alguma


asserção; credulidade. Firmeza na execução de uma promessa ou de um compromisso.
Crença, confiança. Asseveração de algum fato. Testemunho autêntico que determina-
dos funcionários dão por escrito acerca de certos atos, e que tem força em juízo. Con-
junto de ideias e crenças de determinada religião ou doutrina. Conjunto de dogmas e
doutrina que constituem um culto. É considerada a primeira virtude teologal: adesão
e anuência pessoal a Deus, seus desígnios e manifestações. Confirmação de algum
fato; comprovação, corroboração, validação. Juridicamente significa credibilidade que
se deve atribuir ao fato (ou ao documento) em que se fundamenta, daí resultando a
veracidade mesma do fato; verdade afirmada.
Fé é uma palavra que significa "confiança", "crença", "credibilidade". A fé é um
sentimento de total de crença em algo ou alguém, ainda que não haja nenhum tipo de
evidência que comprove a veracidade da proposição em causa. Ter fé implica uma ati-
tude contrária à dúvida e está intimamente ligada à confiança. Em algumas situações,
como problemas emocionais ou físicos, ter fé significa ter esperança de algo vai mudar
de forma positiva, para melhor. De acordo com a etimologia, a palavra fé tem origem
no Grego "pistia" que indica a noção de acreditar e no Latim "fides", que remete para
uma atitude de fidelidade.

Esperança

Esperança: ato de esperar o que se deseja. 2.Expectativa, espera. 3.Fé, confiança


em conseguir o que se deseja. 4.Aquilo que se espera ou deseja. A segunda das três
virtudes teologais, simbolizada por uma âncora. Que tem esperança. A segunda das
três virtudes teologais, simbolizada por uma âncora ou pela cor verde (as outras duas

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são a fé e a caridade). A raiz indo-européia da palavra esperança é spe que significa


expandir, aumentar, ter êxito, levar qualquer projeto adiante seja ele de ordem física ou
psíquica. Spe dará em latim spes e daí a nossa esperança. Da mesma etimologia temos
pro-spere que significa prosperar, evoluir conforme o esperado, tornar-se próspero.

Confiança

Confiança: Sentimento de segurança e respeito em relação às pessoas com quem se


mantém relações de amizade ou negócios. Credibilidade ou conceito positivo que se tem
a respeito de alguém ou de algo; crédito, segurança. Crença de que algo é de qualidade
superior e não falhará. Crença ou fé de que determinadas expectativas se tornarão re-
alidade; esperança Segurança íntima de procedimento. Crédito, firmeza, fé. Boa fama.
Segurança e bom conceito que inspiram as pessoas de probidade, talento, discrição, etc.
Sentimento de segurança em relação a si mesmo. Esperança firme. Familiaridade.

Criticidade

Criticidade traz como significado a capacidade de criticar, avaliar e de analisar.


Atributo de crítico. Característica de crítico, do que se fundamenta ou é estabelecido
a partir de um juízo de valor; habilidade ou capacidade para ser crítico, para julgar,
criticar. Capacidade crítica. Por sua vez, a palavra crítica, está relacionada a capacidade
de avaliar, analisar, julgar. provém do grego: kritikos, “capacitado para fazer julgamen-
tos”, de krinein, “separar, decidir, julgar”, relacionado a krisis, “julgamento, seleção”, do
indo-europeu krei-, “peneirar, discriminar, distinguir”.

4.2 O advento dos Princípios Dialógicos nos Livros de Paulo Freire

Nesse momento, sou estimulado a fazer uma viagem para dentro das obras básicas
de Paulo Freire, no caso selecionamos o Educação como Prática da Liberdade, por ser
seu primeiro livro publicado; o Pedagogia do Oprimido, por representar sua grande
obra; nela inaugurar esse diálogo sobre a Teoria da Ação dialógica e organizar de ma-
neira mais sistemática uma apresentação sobre a dialógica e a dialogicidade, ainda que
já houvesse tratado desse tema quando de sua tese em 1959, naquela época denomi-
nando a ideia de “dialogação”. O que na verdade me parece bem interessante por trazer
o conceito de diálogo e de ação associados. E também trazemos para essa jornada o
Pedagogia da Autonomia, por se tratar de seu último livro publicado por ele mesmo,
por apresentar uma práxis educativa voltada para a escola com o embasamento do
Pedagogia do Oprimido, portanto, da Teoria da Ação Dialógica, da Educação como
prática da liberdade, da Educação Dialógica.

4.2.1 EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA LIBERDADE (1ª. Edição. 1967).

Nutre-se do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. Por isso, só o


diálogo comunica. E quando os dois polos do diálogo se ligam assim, com amor, com
esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo.
Paulo Freire

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Este foi seu primeiro livro publicado. Com ele inaugura uma jornada que levou até
seu último livro escrito, organizado e publicado por ele mesmo, em 1996, o Pedagogia
da Autonomia. Por isso iniciamos aqui nossa peregrinação, em busca do casulo perdi-
do, ou seria o Santo Graal? Enfim, foi uma garimpagem que nos ofereceu uma riqueza
de reflexões. Foi um revisitar dessas obras com uma leitura crítica focada nos princí-
pios dialógicos. Vale salientar, que nem todas as vezes que aparecerem vocábulos, que
podem se associar aos princípios, traremos aqui, pois que em alguns casos podem ter
sentidos distintos do que nos interessa ao nosso estudo.

Amorosidade/ Amor no EPL

Ao estudarmos a obra freireana, iniciando cronologicamente com o Educação


como Prática da Liberdade, vamos identificando que desde aí já temos a explicita-
ção dos princípios dialógicos e no encontro do amor no Educação como Prática da
Liberdade: Temos de imediato o poema de Thiago de Mello, em uma riqueza de nos
deslumbrar e estimular a viver a alegria, a arte e o amor. Ele começa assim seu lindo
poema em homenagem ao amor: “Peço licença para algumas coisas. Primeiramente
para desfraldar este canto de amor publicamente. Sucede que só sei dizer amor quando
reparto o ramo azul de estrelas que em meu peito floresce de menino....” (p. 27 e 28).
Em seguida, na página 40, Paulo Freire (1967), borboleteia a falar de amor: “Exa-
tamente porque, ser finito e indigente, tem o homem na transcendência, pelo amor, o
seu retorno à sua fonte, que o liberta...”. Uma forte chamada a relação entre amor e a
potência transcendental que a ele atribui. Empodera, por isso mesmo, nossa humani-
dade ao nos recontar a fonte.
Logo depois, na página 44, vai ressaltar os contrapontos ao amor, e para isso se
refere ao: “(...) medo da solidão, que se alonga como “medo da liberdade”, na justapo-
sição de indivíduos a quem falta um vínculo crítico e amoroso, que a transformaria
numa unidade cooperadora, que seria a convivência autêntica”. Portanto, esse vínculo
propicia a transmutação em que o individualismo adquire a capacidade de coopera-
ção. Freire, na página 49, vai nos apresentar sua Educação Libertadora, lagarta que vai
se tornar a borboleta no Pedagogia do Oprimido, para tanto ressalta que ela:

“A radicalização, que implica no enraizamento que o homem faz na opção que fez,
é positiva, porque preponderantemente crítica. Porque crítica e amorosa, humilde
e comunicativa. O homem radical na sua opção, não nega o direito ao outro de
optar. Não pretende impor a sua opção. Dialoga sobre ela. Está convencido de seu
acerto, mas respeita no outro o direito de também julgar-se certo. Tenta convencer
e converter, e não esmagar o seu oponente. Tem o dever, contudo, por uma questão
mesma de amor, de reagir à violência dos que lhe pretendam impor silêncio.

Nesse trecho acima, já faz correlação direta entre amor e revolução, entre uma
postura que respeita como princípio ético e político que se propõe a educar, convencer,
jamais impor, registra a importância de buscarmos nossa essência, nossas raízes como
fator de decisão, ainda que haja profunda alteridade quanto as escolhas das outras
pessoas, até por se pautar pelo amor. Mas, destaca que em respeito e amor a humani-
dade jamais deve se calar diante da opressão. E enfatiza que: “A posição radical, que é
amorosa, não pode ser autoflageladora. Não pode acomodar-se passivamente diante

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do poder exacerbado de alguns que leva à desumanização de todos, inclusive dos po-
derosos” (FREIRE, 1967, p. 50).
Em seguida, Freire (1967, p. 51) traz um depoimento que me parecer estar falando
de hoje, em um livro de 53 anos atrás... Mantive na integra por ser tão incrível... E nos
remete ao amor como estratégia de re-existência, de resistência.

“Mas, infelizmente, o que se sente, dia a dia, com mais força aqui, menos ali, em
qualquer dos mundos em que o mundo se divide, é o homem simples esmagado,
diminuído e acomodado, convertido em espectador, dirigido pelo poder dos mitos
que forças sociais poderosas criam para ele. Mitos que, voltando-se contra ele, o
destroem e aniquilam. É o homem tragicamente assustado, temendo a convivência
autêntica e até duvidando de sua possibilidade. Ao mesmo tempo, porém, incli-
nando-se a um gregarismo que implica, ao lado do medo da solidão, que se alonga
como “medo da liberdade”, na justaposição de indivíduos a quem falta um vínculo
crítico e amoroso, que a transformaria numa unidade cooperadora, que seria a
convivência autêntica.”

Na página 97 da mesma obra, Paulo Freire vai nos conectar essa proposta educativa
e o amor como essência do processo: “A educação é um ato de amor, por isso, um ato
de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discus-
são criadora, sob pena de ser uma farsa”.
E chegamos ao cerne desse livro ao inaugurar em obra publicada. Lembramos que
ele já que havia anteriormente tratado da questão, em sua tese apresentada durante
o concurso da Universidade do Recife: Educação e Atualidade Brasileira, com vistas
ao atendimento das exigências para efetivação na cadeira de História e Filosofia da
Educação. Podemos afirmar se tratar do cerne de sua obra, aqui melhor delineada e
que integra os princípios dialógicos, já anunciados e defendidos. Vejamos Paulo Freire
(1967, p. 107 e 108):

E que é o diálogo? É uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crí-
tica e gera criticidade (Jaspers). Nutre-se do amor, da humildade, da esperança,
da fé, da confiança. Por isso, só o diálogo comunica. E quando os dois polos do
diálogo se ligam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem
críticos na busca de algo. Instala-se, então, uma relação de simpatia entre ambos.
Só aí há comunicação.
“O diálogo é, portanto, o indispensável caminho”, diz Jaspers, “não somente nas
questões vitais para nossa ordenação política, mas em todos os sentidos do nosso
ser. Somente pela virtude da crença, contudo, tem o diálogo estímulo e significa-
ção: pela crença no homem e nas suas possibilidades, pela crença de que somente
chego a ser eu mesmo quando os demais também cheguem a ser eles mesmos”.
O antidiálogo que implica numa relação vertical de A sobre B, é o oposto a tudo
isso. É desamoroso. É acrítico e não gera criticidade, exatamente porque desamo-
roso. Não é humildade. É desesperançoso. Arrogante. Autossuficiente. No antidiá-
logo quebra-se aquela relação de “simpatia” entre seus polos, que caracteriza o di-
álogo. Por tudo isso, o antidiálogo não comunica. Faz comunicados. Precisávamos

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de uma Pedagogia de Comunicação, com que vencêssemos o desamor acrítico do


antidiálogo (FREIRE, 1967, p. 109)44.

Humildade no EPL

Curioso que nesse livro “humildade” é o princípio que menos é anunciado. Por que
seria? Entretanto como podemos constatar, na página 107 citada acima ele anuncia a
humildade como um dos princípios da dialogicidade e ressalta que o diálogo se nutre
do amor, da humildade, da esperança, da fé, da confiança. No rodapé dessa mesma
página Freire retoma para definir a essencialidade desses princípios, enquanto matriz
da dialógica: “Relação de “simpatia” entre os polos, em busca de algo. Matriz: Amor,
humildade, esperança, fé, confiança, criticidade. E na finalização do livro adverte
que a humildade está ligada diretamente a esperança e reconhece que jamais cabe a
arrogância, o desamor, a autossuficiência, como estratégias do diálogo.

Fé e Confiança no EPL

Fé e confiança são outros princípios que pouco foram dialogados nessa obra, fé
aparecendo apenas 5 vezes ao longo do texto e Confiança 4. Como exemplo de citação
relativa à fé e confiança, encontramos esse trecho em que Paulo Freire (1967, p. 43).
diz: “(...) sem esperança e sem fé, domesticado e acomodado: já não é sujeito. Rebai-
xa-se a puro objeto”. As outras vezes foram citadas anteriormente quando do trato da
amorosidade.

Esperança no EPL

Esse é um dos princípios que aparece bastante, 16 vezes, entretanto, em geral num
texto sem o sentido definidor da palavra enquanto princípio dialógico, certamente em
minha leitura, com exceção destas passagens aqui apresentadas.

O clima de esperança das sociedades desalienadas, as que dão início àquela volta
sobre si mesmas, auto-objetivando-se, corresponde ao processo de abertura em
que elas se instalam. Ora, qualquer ameaça de recuo neste trânsito, de que o irra-
cionalismo sectário é causa e efeito, e de que resulte um retorno ao fechamento,
constitui um impacto destruidor ou quase destruidor da esperança.
A desesperança das sociedades alienadas passa a ser substituída por esperança,
quando começam a se ver com os seus próprios olhos e se tornam capazes de proje-
tar. Quando vão interpretando os verdadeiros anseios do povo. Na medida em que
vão se integrando com o seu tempo e o seu espaço e em que, criticamente, se desco-
brem inacabados. Realmente não há por que se desesperar se se tem a consciência
exata, crítica, dos problemas, das dificuldades e até dos perigos que se tem à frente.

Nessas duas passagens, constatamos a correlação que Freire (1967, p. 51 e 53) faz
da esperança com a saída da condição de subalternidade quase plena para uma so-
44
Os negritos são meus para destacar os aspectos mais relevantes em nossa leitura. Bem como,
o sublinhado para demarcar os princípios em questão.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

ciedade que começa a se reconhecer oprimida, colonializada. Ressalta que saem da


desesperança e da apatia e: “... substituem por otimismo crítico. Por esperança...” (Op.
Cit., p. 53). Complementando esse trecho trago uma nota de rodapé da página 52 em
que fala da esperança quando convencida da condição permanente do inacabamento.
Ali “(...) pode encontrar o [ser humano] e as sociedades o sentido da esperança. Quem
se julga acabado está morto”. Continuando o raciocínio, Paulo Freire (1967, p. 53)
apresenta: “Este clima de esperança, que nasce no momento exato que a sociedade
inicia a volta sobre si mesma e descobre-se inacabada, com um sem-número de tarefas
a cumprir, se desfaz em grande parte sob o impacto da sectarização.” A citação desse
princípio também aparece no trecho já anunciado, ele se encontra na página 107. E lá
encontramos no rodapé um gráfico muito interessante:

A com B = DIÁLOGO/comunicação/intercomunicação
→←
Relação de “simpatia” entre os polos, em busca de algo.
Matriz: Amor, humildade, esperança, fé, confiança, criticidade.
ANTIDIÁLOGO
Relação de A
“simpatia” |
quebrada. B = sobre comunicado
MATRIZ — Desamoroso, inumilde, desesperançoso, sem fé, sem
confiança, acrítico.

Criticidade (Pensar Crítico) no EPL

Este princípio, junto com a amorosidade, é o qua mais é tratado nessa obra, apa-
rece 20 vezes no texto: E configura um marco tanto nesse livro quanto no Pedagogia
do Oprimido. No primeiro momento em que trata do tema Paulo Freire (1967, p. 39)
conecta criticidade e o conceito de relações, o que é muito importante e essencial para
ele. Posso afirmar que a educação como prática da liberdade, a pedagogia do oprimido,
a pedagogia da esperança, a pedagogia da autonomia, poderiam ser intituladas de Pe-
dagogia das Relações ou Pedagogia Relacional. Observemos: “O conceito de relações,
da esfera puramente humana, guarda em si, como veremos, conotações de pluralidade,
de transcendência, de criticidade, de consequência e de temporalidade”.

Há uma pluralidade nas relações do homem com o mundo, na medida em que


responde à ampla variedade dos seus desafios. Em que não se esgota num tipo pa-
dronizado de resposta. A sua pluralidade não é só em face dos diferentes desafios
que partem do seu contexto, mas em face de um mesmo desafio. No jogo constante
de suas respostas, altera-se no próprio ato de responder. Organiza-se. Escolhe a
melhor resposta. Testa-se. Age. Faz tudo isso com a certeza de quem usa uma fer-
ramenta, com a consciência de quem está diante de algo que o desafia. Nas relações
que o homem estabelece com o mundo há, por isso mesmo, uma pluralidade na
própria singularidade. E há também uma nota presente de criticidade. A captação
que faz dos dados objetivos de sua realidade, como dos laços que prendem um

153
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

dado a outro, ou um fato a outro, é naturalmente crítica, por isso, reflexiva e não
reflexa (Op. Cit., p. 40)

No rodapé dessa página Freire ainda adensa a reflexão acerca da criticidade e ins-
taura a ideia de que existir implica em criticidade que transcende o simples viver:

Existir ultrapassa viver porque é mais do que estar no mundo. É estar nele e com
ele. E é essa capacidade ou possibilidade de ligação comunicativa do existente com
o mundo objetivo, contida na própria etimologia da palavra, que incorpora ao
existir o sentido de criticidade que não há no simples viver. Transcender, discernir,
dialogar (comunicar e participar) são exclusividades do existir.

Na página seguinte (Freire, 1967, p.41) encontramos esta nota que complementa a
reflexão: “Insistimos, em todo o corpo de nosso estudo, na integração e não na acomo-
dação, como atividade da órbita puramente humana. A integração resulta da capaci-
dade de ajustar-se à realidade acrescida da de transformá-la a que se junta a de optar,
cuja nota fundamental é a criticidade”. E, no rodapé da página 60, vem nos ajudar a
entender sua definição de criticidade:

A criticidade para nós implica na apropriação crescente pelo homem de sua po-
sição no contexto. Implica na sua inserção, na sua integração, na representação
objetiva da realidade. Daí a conscientização ser o desenvolvimento da tomada de
consciência. Não será, por isso mesmo, algo apenas resultante das modificações
econômicas, por grandes e importantes que sejam. A criticidade, como a entende-
mos, há de resultar de trabalho pedagógico crítico, apoiado em condições históri-
cas propícias.

Nosso querido interlocutor (FREIRE, 1967, p. 61), nos adverte que: “O que carac-
teriza o comportamento comprometido é a capacidade de opção. Esta exige, como já
salientamos, um teor de criticidade”. E orienta que esse compromisso com a liberdade
requer (Op. Cit., p 62): “(...) uma educação capaz de corresponder a este fundamental
desafio — o da ascensão da ingenuidade à criticidade”. Em seguida, na página 92, re-
toma a noção de responsabilidade em lutar pela superação da ingenuidade em direção
à criticidade. E busca em Eric Fromm, apoio para advertir quanto ao risco de nos
quedarmos na alienação da linguagem, como é possível verificar nas páginas 94 e 95:

Não seria, porém, com essa educação desvinculada da vida, centrada na palavra,
em que é altamente rica, mas na palavra “milagrosamente” esvaziada da realidade
que deveria representar, pobre de atividades com que o educando ganhe a experi-
ência do fazer, que desenvolveríamos no brasileiro a criticidade de sua consciência,
indispensável à nossa democratização.

“E é precisamente a criticidade a nota fundamental da mentalidade democrática”


(FREIRE, 1967, p.95). E é na educação que encontramos uma valiosa aliada na supera-
ção de relações alienantes, autoritárias, antidemocráticas (Op. Cit., p. 96):

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Quanto menos criticidade em nós, tanto mais ingenuamente tratamos os problemas


e discutimos superficialmente os assuntos. Esta nos parecia uma das grandes carac-
terísticas de nossa educação. A de vir enfatizando cada vez mais em nós posições in-
gênuas, que nos deixam sempre na periferia de tudo o que tratamos. Pouco ou quase
nada, que nos leve a posições mais indagadoras, mais inquietas, mais criadoras.

E nesse ponto da jornada rumo a borboleta, Freire (1967, p. 96) adentra mais in-
tensamente no relacionamento entre educação, pesquisa e diálogo: “À nossa cultura
fixada na palavra corresponde a nossa inexperiência do diálogo, da investigação, da
pesquisa, que, por sua vez, estão intimamente ligados à criticidade, nota fundamental
da mentalidade democrática”. E conecta com suas atividades de estudioso da educação,
também no âmbito da Alfabetização (Op. Cit., p. 103 e 104): “Desde logo, pensávamos
a alfabetização do homem brasileiro, em posição de tomada de consciência, na emer-
são que fizera no processo de nossa realidade. Num trabalho com que tentássemos a
promoção da ingenuidade em criticidade, ao mesmo tempo em que alfabetizássemos”.
E retoma os princípios quando nos orienta como realizar esta educação, tal como já
informado como presente nas páginas 107 e 108.......

4.2.2 PEDAGOGIA DO OPRIMIDO (17ª. Edição de 1987). (Utilizaremos aqui


como referência nas citações as páginas da versão digital).

Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre


si, mediatizados pelo mundo
Paulo Freire

Bem, essa é a grande referência da tese e da obra de Paulo Freire. Constatamos que
os dois princípios mais citados na obra são o amor e a criticidade, ainda que criticidade,
enquanto princípio, apareça bem menos. Portanto, o grande destaque, “o pulo do gato”,

Amorosidade/ Amor no P.O.

Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não
é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há, amor
que a infunda.
Paulo Freire

O Amor, há o amor, posso afirmar com segurança que é o grande contributo de


Paulo Freire, articular esses princípios em torno do amor. Desse modo, estabelece
uma lógica que posteriormente é tratada nos estudos da psicologia social brasileira
costurada com a psicologia social russa. Nessa mistura Silvia Lane45 e Bader Sawaia46
demonstram como o amor pode estar imbricado com a política e ser ato político.
45
Silvia Tatiana Maurer Lane, (1933-2006), é certamente uma das mais importantes teóricas da
Psicologia Social Brasileira. Seus textos são fontes de leitura obrigatória na maioria dos cursos
de Psicologia dos países de língua portuguesa e espanhola.
46
Bader Burihan Sawaia é Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUCSP). É uma das grandes teóricas no campo da Psicologia Social Brasileira.

155
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Paulo Freire já havia feito essa mesclagem resultando no seu corpo de princípios
dialógicos. E o amor em Paulo Freire é ato político por excelência, além de ser o
foco articulador de sua Educação como prática da Liberdade, de sua Pedagogia do
Oprimido, da autonomia.
O amor aparece 31 vezes em trechos do livro Pedagogia do Oprimido. Porém, tanto
nesse princípio quanto nos demais, apresentaremos aqui apenas aqueles recortes que
fizerem efetiva alusão aos princípios dialógicos, em nosso entendimento. E já na sua
apresentação do livro, por ele intitulada de PRIMEIRA PALAVRAS, traz essa profunda
e rica chamada: “Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim
descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam”. Aqui já inicia sua
articulação entre o amor e a práxis libertadora. Assume uma opção pelos “pobres”, re-
trato de tod@s oprimid@s. Para Paulo Freire, eram oprimid@s todas as pessoas que se
encontravam na situação de risco social, de discriminação, de colonialização, de subal-
ternização. @s oprimid@s são as mulheres e negros, em geral; são homossexuais e ho-
moafetivos, @s morador@s de rua, por exemplo. Isso manifesta esse amor enquanto ato
político desde o início até o final do Pedagogia do Oprimido. Me permitam trazer um
trecho mais longo no qual explicitamente utiliza o vocábulo ‘amor’, por se tratar de um
depoimento pessoal (FREIRE, 1987, p. 13) relevante para nos debruçarmos:

Entre estes, haverá, talvez, os que não ultrapassarão suas primeiras páginas. Uns,
por considerarem a nossa posição, diante do problema da libertação dos homens,
como uma posição idealista a mais, quando não um "blablablá” reacionário. “Bla-
blablá” de quem se “perde” falando em vocação ontológica, em amor, em diálogo,
em esperança, em humildade, em simpatia. Outros, por não quererem ou não po-
derem aceitar as críticas e a denúncia que fazemos da situação opressora, situação
em que os opressores se “gratificam”, através de sua falsa generosidade.

Paulo Freire (1987, p. 17) vai reafirmar essa intima conexão-acoplamento, enfatizan-
do que é o ato de amor d@s oprimid@s o que viabiliza a libertação dos processos opres-
sores, colonializadores, subalternizantes. Esse ato de amor é ato político de libertação.

Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o sig-


nificado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os
efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade
da libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua
busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta
que, pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de amor, com o qual
se oporão ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta
se revista da falsa generosidade referida.

Por isso mesmo, como enfatiza (FREIRE, 1987, p. 20), o oposto é inviável. Opres-
sor aparenta amor, pseudo amor, falso amor, com intuitos políticos de exploração,
alienação, manipulação: “O opressor só se solidariza com @s oprimid@s quando o
seu gesto deixa de ser um gesto piegas e sentimental, de caráter individual, e passa a
ser um ato de amor àqueles”. E, mesmo a violência da reação d@s oprimid@s está, em
geral, associada ao amor com o qual buscam ir além dessa relação de poder opressora,
vertical e necrófila:

156
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Na verdade, porém, por paradoxal que possa parecer, na resposta [d@s oprimid@s]
à violência dos opressores é que vamos encontrar o gesto de amor. Consciente ou
inconscientemente, o ato de rebelião d@s oprimid@s, que é sempre tão ou quase
tão violento quanto a violência que os cria, este ato d@s oprimid@s, sim, pode
inaugurar o amor. (FREIRE, 1987, p. 24).

Há de se ter um enfrentamento, um desvelar dessas relações nocivas que tanto


penalizam @s oprimid@s por criarem um falso amor que imobiliza, ou ainda pior leva
para descaminhos e escolhas perniciosas geradas por esses mitos sociais que oferecem
fantasias como alternativa as dificuldades reais que impactam o cotidiano de boa parte
da população brasileira e mundial. “O sadismo aparece, assim, como uma das caracte-
rísticas da consciência opressora, na sua visão necrófila do mundo. Por isto é que o seu
amor é um amor às avessas – um amor à morte e não à vida.” (FREIRE, 1987, p. 26).
Aprofunda essa reflexão (Op. Cit., p. 31), ao informar que:

Não basta que os homens não sejam escravos; se as condições sociais fomentam a
existência de autômatos, o resultado não é o amor à vida, mas o amor à morte. Os
oprimidos que se "formam” no amor à morte, que caracteriza o clima da opressão,
devem encontrar, na sua luta, o caminho do amor à vida, que não está apenas no
comer mais, se bem que implique também nele e dele não possa prescindir.

“A opressão, que é um controle esmagador, é necrófila. Nutre-se do amor à morte


e não do amor à vida.” (FREIRE, 1987, p. 37). Por isso mesmo, precisamos tod@s nós
que nos dispomos a contribuir com uma lógica societária biófila, que comungamos
com @s esfarrapad@s desse mundo, corroborar com uma EDUCAÇÃO DIALÓGICA.
“Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não
é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há, amor
que a infunda” (OP. Cit., p. 45). E, nessa metamorfose da lagarta a borboleta, nosso
Paulo Freire vai declarar os fundamentos do diálogo:

Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo. Daí que seja essen-
cialmente tarefa de sujeitos e que não possa verificar-se na relação de dominação.
Nesta, o que há é patologia de amor: sadismo em quem domina; masoquismo nos
dominados. Amor, não, Porque é um ato de coragem, nunca de medo, o amor é
compromisso com os homens. Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato de
amor está em comprometer-se com sua causa. A causa de sua libertação. Mas, este
compromisso, porque é amoroso, é dialógico. Como ato de valentia, não pode ser
piegas; como ato de liberdade, não pode ser pretexto para a manipulação, senão
gerador de outros atos de liberdade. A não ser assim, não é amor. Somente com a
supressão da situação opressora é possível restaurar o amor que nela estava proibi-
do. (PAULO FREIRE, 1987, p. 45)

Freire continua essa exposição em nota de rodapé, na mesma página citada ao


exemplificar concretamente esse ideal com o caso de Che Guevara, quando o mesmo
destaca amor como qualidade essencial do verdadeiro revolucionário:

Não é devido à deterioração a que se submete a palavra amor no mundo capitalista


que a revolução vá deixar de ser amorosa, nem os revolucionários façam silêncio

157
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

de ser caráter biófilo. Guevara47, ainda que tivesse salientado o “risco de parecer
ridículo”, não temeu afirmá -la. “Dejeme decirle (declarou dirigindose a Carlos
Quijano) a riesgo de parecer ridiculo que el verdadero revolucionario es animado
por fuertes sentimientos de amor. Es imposible pensar un revolucionário autênti-
co, sin esta cualidad”.

E continua encorpando a dialogicidade, uma perspectiva dialógica, como alterna-


tiva vital para superarmos essa sociedade excludente e que oprime das mais diversas
maneiras. Se pretendemos encontrar saída para essa situação hegemônica, na qual as
elites optam por atitudes necrófilas, precisamos optar por um modelo social e educa-
tivo que se oriente pela dialógica. E para que isso seja possível, faz-se necessário os
princípios dialógicos, por Freire (1987, p. 46) apresentados:

Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma re-


lação horizontal, em que a confiança de um polo no outro é consequência óbvia.
Seria uma contradição se, amoroso, humilde e cheio de fé, o diálogo não provocas-
se este elimina de confiança entre seus sujeitos. Por isto inexiste esta confiança na
antidialogicidade da concepção “bancária” da educação. Se a fé nos homens é um
dado a priori do diálogo, a confiança se instaura com ele. A confiança vai fazendo
os sujeitos dialógicos cada vez mais companheiros na pronúncia do mundo. Se
falha esta confiança, é que falharam as condições discutidas anteriormente. Um
falso amor, uma falsa humildade, uma debilitada fé nos homens não podem gerar
confiança. A confiança implica no testemunho que um sujeito dá aos outros de
suas reais e concretas intenções. Não pode existir, se a palavra, descaracterizada,
não coincide com os atos. Dizer uma coisa e fazer outra, não levando a palavra a
sério, não pode ser estímulo à confiança.

Paulo Freire (1987, p. 72) continua sua descrição da lagarta que procura se aliar
para entrar no casulo revolucionário. Essa lagarta sabe que carece de apoio, de parce-
rias para poder transmutar. Há uma busca por lideranças, por alianças revolucioná-
rias. Essas lideranças também requerem o reconhecimento de que a revolução só se
dá com o povo, nunca para o povo e nem sobre o povo. Ela jamais pode prescindir de
diálogo autêntico, confiança mútua, amorosidade:

... ao se descrer do povo, ao temê-lo, a revolução perde sua razão de ser. É que ela
nem pode ser feita para o povo pela liderança, nem por ele, para ela, mas por am-
bos, numa solidariedade que não pode ser quebrada. E esta solidariedade somente
nasce no testemunho que a liderança dá a ele, no encontro humilde, amoroso e
corajoso com ele.

O casulo vai se abrindo com vagar, requer um tempo de maturação, que as asas es-
tejam prontas para o voo. Não adiante precipitar, mas também não há de se esperar na
pura espera. Há de se esperançar. Carecemos de parcerias, solidariedade, nessa feitura
das condições prévias para o voar...

47
Ernesto Guevara: Obra Revolucionária, México, Ediciones Era-S.A., 1967, pp. 637-38.

158
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Em um dado momento de sua experiência existencial, em certas condições histó-


ricas, estes, num ato de verdadeira solidariedade (pelo menos assim se deve esperar),
renunciam à classe à qual pertencem e aderem aos oprimidos. Seja esta adesão o
resultado de uma análise cientifica da realidade ou não, ela implícita, quando verda-
deira, um ato de amor, de real compromisso.33 Esta adesão aos oprimidos importa
numa caminhada até eles. Numa comunicação com eles. (FREIRE, 1987, p. 93).

É na amorosidade que Paulo Freire (1987, p. 99) se respalda com o intuito de po-
tencializar a práxis revolucionária. E, tem consciência de que essa só se torna real na
comunhão de propósitos: “A comunhão provoca a co-laboração que leva liderança a
massas àquela “fusão” (...). Fusão que só existe se a ação revolucionária é realmente
humana, por isto, simpática, amorosa, comunicante, humilde, para ser libertadora”.

Humildade no P.O.

Humildemente, esse conceito ocorre em 10 situações. Evidentemente, Paulo Freire


(1987, p. 46) reconhece sua importância e premência enquanto princípio dialógico. E,
isso será demonstrado em seguida:

Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade. A pronúncia do mundo, com
que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante. O
diálogo, como encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir, se rompe,
se seus polos (ou um deles) perdem a humildade. Como posso dialogar, se alieno a
ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em mim?

Freire (1987, p. 46) vai alinhavar esse princípio com a ideia de que, habitualmente,
as pessoas confundem arrogância com a ideia de que não precisam de outras pessoas.
E essa “independência” no mal sentido, a falta de humildade em outras palavras, vai
fomentar o distanciamento. E, como podemos constatar na Teoria da Ação Dialógica,
a divisão favorece a opressão:

A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humil-


dade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus compa-
nheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão
homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao
lugar de encontro com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos,
nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais.

Como já constatamos anteriormente (FREIRE, 1987, p. 46), a humildade, tanto


quanto o amor, a fé nos seres humanos, definem o diálogo e sua relação horizontal.
A confiança de um polo no outro é consequência. E, continua, ao nos ensinar que se
o amor, a humildade e a fé, são a priori do diálogo, a confiança daí deriva. Sem estes
pré-requisitos fica inviável o diálogo, na perspectiva freireana.

Foi assim, no seu diálogo com as massas camponesas, que sua práxis revolucioná-
ria tomou um sentido definitivo. Mas, o que não expressou Guevara, talvez por sua

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humildade, é que foram exatamente esta humildade e a sua capacidade de amar,


que possibilitaram a sua “comunhão” com o povo. E esta comunhão, indubitavel-
mente dialógica, se fez co-laboração. (FREIRE, 1987, p. 98).

Fé no P.O.

“Não há também, diálogo, se não há uma intensa fé nos homens. Fé no seu poder
de fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de ser mais, que não é privi-
légio de alguns eleitos, mas direito dos homens” (FREIRE, 1987, p. 46). Começamos
assim a esmiuçar esse princípio, no Pedagogia do Oprimido. É preciso fé para amar ou
é preciso amor para se ter fé? O certo é que é preciso amor para poder pulsar (Sater e
Teixeira). Ainda na mesma página Paulo Freire vai tocar no cerne da fé enquanto pres-
suposto do diálogo e integrá-la à criticidade. É preciso paz pra poder seguir, é preciso
a chuva para florir, como disseram os poetas, e atrair as borboletas.

A fé nos homens é um dado a priori do diálogo. Por isto, existe antes mesmo de que
ele se instale. O homem analógico tem fé nos homens antes de encontrar-se frente
a frente com eles. Esta, contudo, não é uma ingênua fé. O homem dialógico, que é
crítico, sabe que, se o poder de fazer, de criar, de transformar, é um poder dos ho-
mens, sabe também que podem eles, em situação concreta, alienados, ter este po-
der prejudicado. Esta possibilidade, porém, em lugar de mata no homem dialógico
a sua fé nos homens, aparece a ele, pelo contrário, como um desafio ao qual tem de
responder. Está convencido de que este poder de fazer e transformar, mesmo que
negado em situações concretas, tende a renascer. Pode renascer. Pode constituir-se.

Sem esta fé nos homens o diálogo é uma farsa. Transforma-se, na melhor das hipó-
teses, em manipulação adocicadamente paternalista”.
Fecha esse princípio, juntamente com o amor (FREIRE, 1987, p. 107), a última pá-
gina do livro, um desfecho do Pedagogia do Oprimido: “Se nada ficar destas páginas,
algo, pelo menos, esperamos que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos
homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar”.

Esperança no P.O.

Como já anteriormente informado, trazemos aqui apenas os trechos que nos aju-
dam a entender o princípio e seus contributos. Situações nas quais aparece o vocábulo,
mas que não apresentam estes aspectos, são desconsideradas. Portanto, apesar de essa
apalavra aparecer 16 vezes na obra, trazemos aqui estes poucos recortes.
Na p. 13 já tivemos um recorte que foi citado. Posteriormente, temos uma obser-
vação importante formulada por Paulo Freire (1987, p. 47) na qual diferencia a espera
enquanto mera espera e a espera enquanto parceira da práxis. E nessa esperança ativa
há movimento que potencializa o “ser mais”, nesse “quefazer”:

Se o diálogo é o encontro dos homens para Ser Mais, não pode fazer-se na deses-
perança. Se os sujeitos do diálogo nada esperam do seu quefazer já, não pode haver
diálogo. O seu encontro é vazio e estéril. É burocrático e fastidioso.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

“No momento em que a percepção crítica se instaura, na ação mesma, se desen-


volve um clima de esperança e confiança que leva os homens a empenhar-se na su-
peração das “situações-limites”. Paulo Freire (1987, p. 51) nos faz a observação acerca
desse clima favorável a superação dos contextos de vida concretos que nos incitam a
superá-los através de ato-limite, só possíveis na fé e na esperança. Estas empoderam
na perspectiva de tornar o ser um autor mobilizado pela esperança, se constituindo
como ente de esperança:

Idealistas seríamos se, dicotomizando a ação da reflexão, entendêssemos ou afirmás-


semos que a simples reflexão sobre a realidade opressora, que levasse os homens ao
descobrimento de seu estado de objetos, já, significasse serem eles sujeitos. Não há,
dúvida, porém, de que, se este reconhecimento ainda não significa que sejam sujei-
tos, concretamente, “significa, disse um aluno nosso, serem sujeitos em esperança. E
esta esperança os leva à busca de sua concretude. (FREIRE, 1987, p. 73).

Confiança no P.O.

Encontramos uma citação já anunciada anteriormente na página 46 do Pedagogia


do Oprimido, em que há descrição dos princípios apresentados. Ali há destaque para
a confiança enquanto consequência desse tripé, amor, humildade e fé. E, em momento
seguinte, Freire (1987, p. 51) correlaciona a esperança a motivação para o ato-limite:

Esta é a razão pela qual não são as “situações limites”, em si mesmas, geradoras de
um clima de desesperança, mas a percepção que os homens tenham delas num
dado momento histórico, como um freio a eles, como algo que eles não podem ul-
trapassar. No momento em que a percepção crítica se instaura, na ação mesma, se
desenvolve um clima de esperança e confiança que leva os homens a empenhar-se
na superação das “situações-limites”.

Paulo Freire (1987, P. 97) traz um esclarecimento interessante quando trata do


desvelamento do mundo como parte constitutiva e constituinte da práxis que de-
corre também de sua disposição de enfrentamento impulsionada pela confiança de
que é capaz:

O desvelamento do mundo e de si mesmas, na práxis autêntica, possibilita às massas


populares a sua adesão. Esta adesão coincide com a confiança que as massas popula-
res começam a ter em si mesmas e na liderança revolucionária, quando percebem a
sua dedicação, a sua autenticidade na defesa da libertação dos homens. A confiança
das massas na liderança implica na confiança que esta tenha nelas. Esta confiança nas
massas populares oprimidas, porém, não pode ser uma ingênua confiança.

“É que a confiança, ainda que básica ao diálogo, não é um a priori deste, mas uma
resultante do encontro em que os homens se tornam sujeitos da denúncia do mundo,
para a sua transformação” (FREIRE, 1987, p. 98). Portanto, a confiança é fruto, é co-
lheita desse processo dialógico, porém se consorcia com ele na disposição mesma de
transformar.

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Criticidade (Pensar Crítico) no P. O.

Já tratado extensamente no capítulo anterior, por coincidir como uma das catego-
rias empíricas eleitas, nos reservamos, até para não parecer redundante e nem exte-
nuante, evitar trazer estas citações acerca da criticidade aqui, apenas retomaremos o
vocábulo “pensar crítico”, que aparece 5 vezes no livro, para refletirmos sobre ele, em
particular.
Ainda que tenhamos tratado desse trecho do Pedagogia do Oprimido antes, vamos
encarar mais uma vez esse recorte para uma breve reflexão acerca do pensar crítico,
pois que nesse ponto do livro Freire (1987, p. 47), ao definir os princípios do diálogo
coloca o pensar crítico como estrutural ao diálogo verdadeiro e define o pensar críti-
co como um pensar verdadeiro: “...., não há o diálogo verdadeiro se não há nos seus
sujeitos um pensar verdadeiro. Pensar crítico. Pensar que, não aceitando a dicotomia
mundo-homens, reconhece entre eles uma inquebrantável solidariedade”. E aí, Frei-
re, ainda na mesma página, contrapõe o pensar ingênuo ao crítico na feitura de uma
transformação permanente da realidade e do ser humano.

Para o pensar ingênuo, o importante é a acomodação a este hoje normalizado. Para


o crítico, a transformação permanente da realidade, para a permanente humani-
zação dos [seres humanos]. Para o pensar crítico, diria Pierre Furter, “a meta não
será mais eliminar os riscos da temporalidade, agarrando-se ao espaço garantido,
mas temporalizar o espaço. O universo não se revela a mim (diz ainda Furter) no
espaço, impondo-me uma presença maciça a que só posso me adaptar, mas com
um campo, um domínio, que vai tomando forma na medida de minha ação”.

E chega uma daquelas frases marcantes de Paulo Freire (1987, p. 47): “Somente o
diálogo, que implica num pensar crítico, é capaz, também, de gerá-la”. Ou seja, diálogo
e pensar crítico estão imbricados e indissociáveis. E ricamente nos oferece este pensar
que o pensar crítico que implica numa perspectiva situada e historicamente datada,
em que os era se percebe habilitado a romper com as trevas da realidade opaca criada
pelas situações de opressão e colonialidade. O pensar certa cria condições de emergir e
sair do casulo como esvoaçante borboleta que singra ares e horizontes infindos.
Esta reflexão sobre a situacionalidade é um pensar a própria condição de existir.
Um pensar crítico através do qual os homens se descobrem em “situação”. Só na medi-
da em que esta deixa de parecer-lhes uma realidade espessa que os envolve, algo mais
ou menos nublado em que e sob que se acham, um beco sem saída que os angustia e
a captam como a situação objetivo-problemática em que estão, é que existe o engaja-
mento. Da imersão em que se achavam, emergem, capacitando-se para inserir -se na
realidade que se vai desvelando. (FREIRE, 1987, p. 58).
Portanto, “Se as massas associam à sua emersão, à sua presença no processo his-
tórico, um pensar crítico sobre este mesmo processo, sobre sua realidade, então sua
ameaça se concretiza na revolução”. (FREIRE, 1987, p. 84). Viva a Revolução, a possi-
bilidade crítica, dialógica, de sua realização.

162
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

4.2.3 PEDAGOGIA DA AUTONOMIA - 25ª. Edição – 2002. (Utilizaremos aqui


como referência as páginas da versão digital.)

A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a
irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a quem
comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado.
Paulo Freire
Amorosidade / Amor no P.A.

Começamos bem nessa obra que materializa as orientações do Pedagogia do Opri-


mido na sala de aula, nas relações didático-pedagógicas. Freire (2002, p. 07) inaugura
sua fala no destaque de que jamais a competência técnico-científica que orienta as
ações docentes deve prescindir do Princípio Dialógico da amorosidade, eis em suas
próprias palavras: “A competência técnico científica e o rigor de que o professor não
deve abrir mão no desenvolvimento do seu trabalho, não são incompatíveis com a
amorosidade necessária às relações educativas”. E adensa essa reflexão ao ressaltar que:
“Como ser educador, se não desenvolvo em mim a indispensável amorosidade aos
educandos com quem me comprometo e ao próprio processo formador de que sou
parte? Não posso desgostar do que faço sob pena de não fazê-lo bem”. (OP. Cit., p. 35).
Ainda articula amor como mote para a reação legítima de raiva amorosa na busca
da liberdade: “Uma coisa me parece muito clara hoje: jamais tive medo de apostar na
liberdade, na seriedade, na amorosidade, na solidariedade, na luta em favor das quais
aprendi o valor e a importância da raiva. (FREIRE, 2002, p. 55). E então fecha a ideia
acima comunicada, ao falar que é: “(...) preciso que saibamos que, sem certas qualida-
des ou virtudes como amorosidade, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto
pela alegria, gosto pela vida, abertura ao novo, disponibilidade à mudança, persistên-
cia na luta, recusa aos fatalismos, identificação com a esperança, abertura à justiça,
não é possível a prática pedagógico-progressista, que não se faz apenas com ciência e
técnica. (OP. Cit., p. 61 e 62).

Humildade no P.A.

No trato desse princípio, no Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire (2002, p. 20),


articula o pensar crítico, a criticidade como parceira da humildade: “Pensar e fazer
errado, pelo visto, não têm mesmo nada que ver com a humildade que o pensar certo
exige”. E, coloca então a humildade como condição essencial para ensinar: “Ensinar
exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores” (Op. Cit., p.
34). Daí, traz um texto mais amplo no qual vai trazer conselhos acerca da humildade
para a práxis concreta na interação pedagógica:

O meu respeito de professor à pessoa do educando, à sua curiosidade, à sua timi-


dez, que não devo agravar com procedimentos inibidores exige de mim o cultivo
da humildade e da tolerância. Como posso respeitar a curiosidade do educando se,
carente de humildade e da real compreensão do papel da ignorância na busca do
saber, temo revelar o meu desconhecimento? (FREIRE, 2002, p. 35).

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

A arrogância farisaica, malvada, com que julga os outros e a indulgência macia com
que se julga ou com que julga os seus. A arrogância que nega a generosidade nega
também a humildade. que não é virtude dos que ofendem nem tampouco dos que
se regozijam com sua humilhação. O clima de respeito que nasce de relações justas,
sérias, humildes, generosas, em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos
se assumem eticamente, autêntica o caráter formador do espaço pedagógico. (Op.
Cit., p. 47, 48).

Mais adiante no texto, Paulo Freire (2002, p. 53), dialoga como professor com pro-
fessor@s, recomendando que estejamos capacitados para ensinar adequadamente que
é esse preparo jamais deve ser motivo de arrogância, ao contrário deve pautar a humil-
dade enquanto essência de uma educação dialógica:

Assim como não posso ser professor sem me achar capacitado para ensinar certo
e bem os conteúdos de minha disciplina não posso, por outro lado, reduzir minha
prática docente ao puro ensino daqueles conteúdos. Esse é um momento apenas de
minha atividade pedagógica. Tão importante quanto ele, o ensino dos conteúdos, é o
meu testemunho ético ao ensiná-los. É a decência com que o faço. É preparação cien-
tífica revelada sem arrogância, pelo contrário, com humildade. É o respeito jamais
negado ao educando, a seu saber de “experiência feito” que busco superar com ele.

Nesse ponto de seu livro, proposto para fundamentar uma educação dialógica,
Paulo Freire (2002, p. 61 e 62), vai estabelecer uma preciosa articulação entre prin-
cípios dialógicos, a amorosidade e a humildade, e o gosto pela vida, pela alegria, pela
possibilidade de sempre estarmos abert@s às inovações:

É preciso que saibamos que, sem certas qualidades ou virtudes como amorosida-
de, respeito aos outros, tolerância, humildade, gosto pela alegria, gosto pela vida,
abertura ao novo, disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa aos fa-
talismos, identificação com a esperança, abertura à justiça, não é possível a prática
pedagógico-progressista, que não se faz apenas com ciência e técnica.

E, nessa mesma página (62), se estende em um texto no qual adverte quanto ao


considerar que o pensamento d@ professor(a) seja o certo, bem como uma postura
elitista de desconsiderar que quem escreve ou fala fora dos padrões linguísticos, consi-
derados como corretos, definam a validade do pensar ou do falar. E, aí nos lembra de
uma das suas poucas certezas, como ele mesmo admite: de que ninguém é superior a
ninguém. Vejamos em sua escrita:

Se a estrutura do meu pensamento é a única certa, irrepreensível, não posso escu-


tar quem pensa e elabora seu discurso de outra maneira que não a minha. Nem
tampouco escuto quem fala ou escreve fora dos padrões da gramática dominante.
E como estar aberto às formas de ser, de pensar, de valorar, consideradas por nós
demasiado estranhas e exóticas de outra cultura? Vemos como o respeito às dife-
renças e obviamente aos diferentes exige de nós a humildade que nos adverte dos
riscos de ultrapassagem dos limites além dos quais a nossa autovalia necessária
vira arrogância e desrespeito aos demais. É preciso afirmar que ninguém pode ser

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

humilde por puro formalismo como se cumprisse mera obrigação burocrática. A


humildade exprime, pelo contrário, uma das raras certezas de que estou certo: a de
que ninguém é superior a ninguém. A falta de humildade, expressa na arrogância
e na falsa superioridade de uma pessoa sobre a outra, de uma raça sobre a outra,
de um gênero sobre o outro, de uma classe ou de uma cultura sobre a outra, é uma
transgressão da vocação humana do ser mais.* O que a humildade não pode exigir
de mim é a minha submissão à arrogância e ao destempero de quem me desrespei-
ta. O que a humildade exige de mim, quando não posso reagir à altura da afronta,
é enfrentá-la com dignidade. A dignidade do meu silêncio e do meu olhar que
transmitem o meu protesto possível.

Fecha estas citações acerca da humildade com uma mensagem muito especial: “No
fundo, o educador que respeita a leitura de mundo do educando, reconhece a historici-
dade do saber, o caráter histórico da curiosidade, desta forma, recusando a arrogância
cientificista, assume a humildade crítica, própria da posição verdadeiramente científi-
ca”. (FREIRE, 2002, p. 63)

Fé no P.A.
Nada aparece referente a fé no Pedagogia da Autonomia.

Esperança no P.A.

“É também na inconclusão de que nos tornamos conscientes e que nos inserta no


movimento permanente de procura que se alicerça a esperança. “Não sou esperanço-
so”, disse certa vez por pura teimosia, mas por exigência ontológica”. (FREIRE, 2002, p.
30). Em outras palavras, ser humano na pretensão de ser um ser em se fazendo, ciente
de que inteiro precisa buscar sua plenitude nas relações, isso solicita a esperança. E
nela e com ela, aprender e ensinar. Afinal, “Ensinar exige alegria e esperança” (FREI-
RE, 2002, p. 37). Sim, pois que há um vínculo indissociável na prática educativa e o es-
perançar, enquanto verbo e esperança substantiva. Assim expressa Freire (2002, p. 37):

Há uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança. A


esperança de que professor e alunos juntos podemos aprender, ensinar, inquie-
tar-nos, produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos à nossa alegria. Na
verdade, do ponto de vista da natureza humana, a esperança não é algo que a ela
se justaponha. A esperança faz parte da natureza humana. Seria uma contradição
se, inacabado e consciente do inacabamento, primeiro, o ser humano não se ins-
crevesse ou não se achasse predisposto a participar de um movimento constan-
te de busca e, segundo, se buscasse sem esperança. A desesperança é negação da
esperança. A esperança é uma espécie de ímpeto natural possível e necessário, a
desesperança é o aborto deste ímpeto. A esperança é um condimento indispensável
à experiência histórica. Sem ela, não haveria História, mas puro determinismo. Só
há História onde há tempo problematizado e não pré-dado. A inexorabilidade do
futuro é a negação da História.

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E Paulo Freire (Op. Cit., p. 38) brinca seriamente com a contradição entre o esperançar
e a desesperança: “É preciso ficar claro que a desesperança não é maneira de estar sendo
natural do ser humano, mas distorção da esperança. Eu não sou primeiro um ser da deses-
perança a ser convertido ou não pela esperança. Eu sou, pelo contrário, um ser da esperan-
ça que, por "n" razões, se tornou desesperançado”. É enfático ao problematizar a ideia de
uma história determinista, na qual o futuro já está posto. Há de se reconhecer que a nossa
condição de seres históric@s, abre o presente para a feitura de um porvir esperançoso:

A desproblematização do futuro numa compreensão mecanicista da História, de


direita ou de esquerda, leva necessariamente à morte ou à negação autoritária do
sonho, da utopia, da esperança. É que, na inteligência mecanicista portanto de-
terminista da História, o futuro é já sabido. A luta por um futuro assim “a priori”
conhecido prescinde da esperança.

E, a ação pedagógica não prescinde de autoridade, mas renega autoritarismo. Em


um temos a negativa ao ser que espera esperançoso e na outra a autoria que alarga e
potencializa o horizonte do amanhã. Diz Freire (2002, p. 48: “A autoridade coerente-
mente democrática está convicta de que a disciplina verdadeira não existe na estagna-
ção, no silêncio dos silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que instiga,
na esperança que desperta”. E, continua se posicionando explicitamente quanto a uma
postura crítica quanto ao modelo de sociedade capitalista, pautada na exploração, na
opressão. “Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberra-
ção: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que me anima apesar de
tudo”. (FREIRE, 2002, p. 53). E nesse posicionamento, demonstra e assumo que é algo
orgânico, vital, radical ainda que não dogmático:

Jamais receei ser criticado por minha mulher, por minhas filhas, por meus filhos,
assim como pelos alunos e alunas com quem tenho trabalhado ao longo dos anos,
porque tivesse apostado demasiado na liberdade, na esperança, na palavra do ou-
tro, na sua vontade de erguer-se ou reerguer-se, por ter sido mais ingênuo do que
crítico. (FREIRE, 2002, p. 55).

Alia-se as demais pessoas quando depõe acerca de outr@s que podem se aliar na
busca por esse outro mundo possível, no qual seja viável o amor. E que a escola é um
lócus de esperança na colaboração para esse sonho possível:

A professora democrática, coerente, competente, que testemunha seu gosto de


vida, sua esperança no mundo melhor, que atesta sua capacidade de luta, seu res-
peito às diferenças, sabe cada vez mais o valor que tem para a modificação da re-
alidade, a maneira consistente com que vive sua presença no mundo, de que sua
experiência na escola é apenas um momento, mas um momento importante que
precisa de ser autenticamente vivido. FREIRE, 2002, p. 58).

E aí, Paulo Freire (Op. Cit., p. 74) vai nos contar que há um compromisso ético
integrado com essa esperança que nos pôde mobilizar em direção a estes sonhos e
u-topias. E que nosso compromisso pessoal conosco é também compromisso com esse
projeto social libertador, autônomo e solidário:

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Não sendo superior nem inferior a outra prática profissional, a minha, que é a
prática docente, exige de mim um alto nível de responsabilidade ética de que a
minha própria capacitação científica faz parte. É que lido com gente. Lido, por
isso mesmo, independentemente do discurso ideológico negador dos sonhos e das
utopias, com os sonhos, as esperanças tímidas, às vezes, mas às vezes, fortes, dos
educandos. Se não posso, de um lado, estimular os sonhos impossíveis, não devo,
de outro, negar a quem sonha o direito de sonhar.

Confiança no P.A.

Também relativo a esse constructo nada aparece nessa obra.

Criticidade (Pensar Crítico) no P.A.

Como informei no trato do Pedagogia do Oprimido, aqui também não irei tratar
dessa categoria, por ter sido amplamente estudada quando da apresentação da catego-
ria empírica que com ela se identifica. Porém, a caráter de finalização desse trecho da
tese, retomo a afirmativa presente, mas abro exceção nesse diálogo com o Pedagogia
da Autonomia, último livro publicado por Paulo Freire, no qual em três capítulos traz
o Pedagogia do Oprimido para a formAção Docente. Nesse livro Paulo Freire, em
seu capítulo primeiro interliga discencia a amorosidade, ressalta o rigor da pesquisa
enquanto constitutiva do educador, o respeito enquanto ética e estética, em que afirma
que boniteza é tão importante quanto o fazer certo. No capítulo dois nos fala da humil-
dade de não se supor capaz de transmitir conhecimentos. E finaliza o livro ressaltando
a fé e a criticidade enquanto aliadas na emergência da borboleta que saiu do casulo.

“A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano
a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a
quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. Não
há intelegibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se fun-
de na dialogicidade. O pensar certo por isso é dialógico e não polêmico. (FREIRE,
2002, p. 19 e 20).
Como ser educador, se não desenvolvo em mim a indispensável amorosidade aos
educandos com quem me comprometo e ao próprio processo formador de que sou
parte? (Op. Cit., p. 35).

4.3 Princípios Dialógicos Freireanos em Diálogo; tecendo o casulo de onde


emerge a borboleta

Aqui, no aconchego de um casulo, a lagarta vai se transformando radicalmente em


borboleta. Será que ela tem consciência de onde irá? Richard Bach diz que parece o
fim do mundo para a lagarta o momento em que deixa de ser lagarta e se torna borbo-
leta. E foi tecendo o casulo, preparando o ambiente que realizamos uma consulta com
parceir@s, especialistas em educação, bem como promovemos um círculo dialógico
virtual, no qual o tema eram os Princípios Dialógicos. Com isso, dialogamos com esse
material e alinhavamos as definições que trago a seguir. São minhas, mas são muito
mais nossas...

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a) Borboletas de outros jardins - Contributos de parceir@s para a tese


Constatamos um conjunto espetacular de depoimentos acerca dos vocábulos que
constituem os Princípios Dialógicos Freireanos. Em nosso diálogo com estes qualifi-
cad@s parceir@s, oriundos de diversas instituições e Estados do Brasil, assim infor-
mamos que, em seguida, trazemos as falas que sintetizam em essência como dialogam
sobre a origem/definição acerca de nossos princípios dialógicos.

Amorosidade/amor

Ao tratarem da origem no amor, explicitam que nos constituímos no amor e dele


ascendemos na condição de “ser mais”. Consideram que amor implica essencialmente
em abertura a(o) outr@. Seria uma energia divina em nós que impulsiona na direção
de nós mesmos atravessados pel@ outr@.

• Nascemos com a condição de amor, contudo são os encontros e as experiên-


cias que permitimos na vida que podem nos proporcionam sermos afetados
pelo amor. Então pra mim, o amor só é possível com o movimento genuíno de
abertura interna, abissal, capaz de viabilizar sentir essa frequência e experiên-
cia amorosa com e para o mundo, em todas as suas dimensões.
• O Amor vem da força de atração que um núcleo de um átomo exerce sobre o seu
elétron, pois Amor é atração, acolhimento. Na medida que o átomo seja por sua
vez atraído para formar moléculas o Amor só cresce. Quando as moléculas for-
mam tecidos que por sua vez se tornam órgãos, estamos vendo a mesma atração
em movimento. E quando os órgãos produzem seres, esses também se atraem e
formam sociedades, unidos pela atração. O Amor é o que atrai, da mesma forma
que a falta de atração produz a perda daquele elétron que se comporta da mesma
forma que perdemos aqueles a quem não exercemos mais o amor.
• O amor é a força agregadora da existência. O amor caminha com a força or-
ganizadora de vida.
• O Amor vem da percepção do outro. Significa a abertura para o mundo, para
o outro, para a vida.
• o amor vem da minha capacidade de enxergar os meus semelhantes
• O amor vem do sentimento de conexão com o universo, com algo maior que
nós, com Deus. Praticamos esse amor inicialmente na família, depois com os
amigos, e quanto mais expandimos o amor, maior nossa conexão com Deus.
• O amor nasce da nossa relação com o outro. O amor é uma vontade de sentir
que o outro está bem, de desejar e lutar por esse bem.
• O Amor é um sentimento gratificante e que nos realiza, nos torna plenos. E
variado... amor-próprio, ao outro, universal, filial, materno ou paterno, conju-
gal, fraterno. E gradual.... nasce pequenino como uma centelha divina dentro
de nós, pode crescer ao infinito ou não...precisa ser exercitado.... E algo que
se aprende, que se desenvolve com a força da Boa vontade. Sempre faz bem
a quem ama e a quem e dirigido o amor. Amor é luz. Amor é paz. Amor é
doação da si.

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• Amor não é fonte ou causa de sofrimento. Amor é solução. Amor não mata,
não destrói. Amor constrói, transforma. O que destrói e a falta dele. Amor não
diminui quando se compartilha, multiplica se.
• Amor é resultante do nosso aperfeiçoamento moral e espiritual. E um apren-
dizado. Vamos expandindo a nossa capacidade de amar ao longo da vida de-
pendendo das circunstâncias e das experiências.
• E preciso amar... e preciso amar incondicionalmente .... a todos....estamos lon-
ge disso ainda ....a sociedade está fincada na competição entre os indivíduos e
no egoísmo...no individualismo...nas exigências da vaidade e do orgulho...do
ter e do poder....temos muito que caminhar, que aprender
• Amor é a chama que metaforicamente acende nosso peito, conduzindo nossas
ações e sentidos para o respeito a si e ao outro.
• Amor, penso que o amor romântico chega por identidade afinidade, aos ou-
tros desejos (falta) e talvez uma transformação da carência afetiva que todos
temos; o amor de mãe eu incluo nesta categoria.
• O amor vem do autoconhecimento. Conhecendo a nós mesmos, tomamos
consciência acerca do outro. O amor é acima de tudo cuidado e respeito. Lugar
de afetos e desafetos, mas onde existe amor sempre existe respeito.
• Tudo emana do AMOR. O AMOR é a energia essencial que move o univer-
so. Somos todos, humanos, fragmentos do amor total que alguns denominam
Deus.
• O amor vem da vontade de se doar ao outro e da esperança de um mundo
melhor e de uma vida mais feliz.
• Da compreensão da importância do outro na minha vida, na falta que ele pode
me trazer, na minha consciência agora. Da saudade do que vivi e saber da im-
portância para seguir em frente.
• A natureza do amor é amar.
• Da compreensão da importância do outro na minha vida, na falta que ele pode
me trazer, na minha consciência agora. Da saudade do que vivi e saber da im-
portância para seguir em frente.
• Amor vem da empatia (estar no lugar do outro)
• O Amor vem de Deus, ou o nome que quiserem dar para essa manifestação da
espiritualidade que vai para além da matéria. Deus é o amor
• O amor vem da empatia, vem de você se reconhecer no outro, se identificar
com o outro.
• O amor vem do autoconhecimento. Conhecendo a nós mesmos, tomamos
consciência acerca do outro. O amor é acima de tudo cuidado e respeito. Lugar
de afetos e desafetos, mas onde existe amor sempre existe respeito.
• Penso que o amor é próprio do ser humano. Ele pode ser entendido como o
sentimento mais forte que temos por outra pessoa, seja num relacionamento
ou com filhos, amigos, parentes. Sendo assim, ele vem de dentro de nós, au-

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menta e se espalha nas relações que temos conosco mesmo, com os outros e
com o mundo. É o olho no olho, a mão na mão, o face a face. É indispensável
a vida.
• Penso que o *AMOR* em suas várias formas de se manifestar nasce de um sen-
timento forte que nos impulsiona a prática do bem, da verdade, da justiça, da
ética, da humildade, da fé, da esperança, do respeito ao outro, da compreensão,
entre outros aspectos. O *AMOR* liberta. Quem ama se doa pelo bem do outro.
• O Amor é um sentimento gratificante e que nos realiza, nos torna plenos. E va-
riado... amor-próprio, ao outro.... universal... filial, materno ou paterno, con-
jugal, fraterno. .... nasce pequenino como uma centelha divina dentro de nós,
pode crescer ao infinito ou não...precisa ser exercitado.... É algo que se apren-
de, que se desenvolve com a força da Boa vontade. Sempre faz bem a quem
ama e a quem é dirigido o amor. Amor é luz. Amor é paz. Amor é doação da si.
• O amor é tudo. Amar é o que nos faz humano.
• Ei sei *amar* mas confesso que não sei dizer de onde vem o amor.
• A semente do amor está em nós, basta só plantar, regá-la com carinho em
terra fértil, cuidar dela sem falta que dela nascerão humildade, confian-
ça, criticidade, fé e esperança , porque somente a partir de uma postura
amorosa podemos ser humildes, ter confiança em nós e nos outros as/ ,
olhar para o mundo de forma crítica no sentido de contemplar todos os
lados, termos fé em nós mesmos e na s /o s outr as/ os e a esperança que
nos leva a movimentar montanhas. De fato, sem amor não há perspectiva.

A Humildade

Ao tratarmos desse princípio, constatamos essa humildade de noss@s depoentes


ao se reconhecer aberto a(o) saber diferente, o acolhimento das gentetudes, de se
sentir diferente-igual à todas as pessoas; de que precisamos umas das outras, uns dos
outros; húmus que, no amor se propõe a acolher e aprender com...

• Pra mim a humildade é o que Paulo Freire define como gentetude, vem dessa
nossa capacidade humana de encontrar, dialogar e valorizar o outro e a gente
como ele(a) é e como também somos, incluindo aí todas as diferenças e confli-
tos. A humildade viabiliza o encontro, a nossa capacidade de aprender sempre,
em qualquer situação e tempo e as significações possíveis e particulares do
mundo, das relações numa dimensão horizontal e das experiências em nós.
• A Humildade surge na consciência de que o elétron só é elétron por existir
quem o atraia da mesma forma que um órgão só existe por haver um corpo
e que uma pessoa só existe por haver uma sociedade. A Humildade é o saber
que só somos por haver algo que nos dá a nossa razão de ser.
• Humildade é a capacidade de ter consciência de suas capacidades e habilida-
des para sentir-se igual aos outros.
• A Humildade vem da percepção de que preciso do outro. Significa a aceitação
de seus limites e dos limites do outro.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

• Humildade é quando percebemos que não somos o único e que "ser com o
outro" podemos ser melhores
• A humildade vem do reconhecimento de nossas limitações, que não estamos
no controle. Em uma maior dimensão, é o reconhecimento que fazemos parte
de algo maior.
• A humildade nasce do nosso sentimento de pequenez em relação a Deus. Sa-
ber que Deus ama toda a humanidade nos faz crer que não somos melhores
que o outro. Entender isso, nos faz perceber que a vida traz situações em que
essa compreensão é necessária e nos permite viver melhor. Sentimentos de
disputa, competitividade e superioridade nos tornam infelizes, enquanto o
oposto nos traz plenitude, confiança e paz.
• A Humildade vem da capacidade de compreensão do que realmente somos
diante da imensidão do universo e do sentimento de que somos todos iguais
apesar das diferenças. E algo que se cultiva, se busca, se conquista
• Humildade é um estado de consciência de que somos todos UM e ao mesmo
tempo somos o todo. Quando reconheço falhas no outro, na verdade percebo
o que há em mim. Quando reconheço minhas falhas e a do outro, sem julga-
mento, entro em estado de humildade.
• A humildade a meu ver é fruto do reconhecimento de que existe algo maior,
algo que nos rege, uma força que vai muito além do que a mente humana é
capaz de imaginar... a humildade nos faz pequenos mesmo na nossa grande-
za, pois nos permite o olhar permanente de que sempre estamos aprendendo,
evoluindo e que aprendemos principalmente nas relações de uns com os ou-
tros... ser humilde é reconhecer sua pequenez diante do mundo, qualquer que
seja o impacto que você acredita causar sobre ele.
• Humildade é reconhecimento do outro como igual (estar com o outro)
• A Humildade vem da evolução espiritual. Do entendimento de nossa insigni-
ficância. Quem inventou a insignificância foi o poeta Manoel de Barros. Lendo
ele, entendemos isso
• A humildade vem de você se reconhecer como ser inacabado, em constante
aprendizado. Aberto para o mundo e para o outro.
• A humildade a meu ver é fruto do reconhecimento de que existe algo maior,
algo que nos rege, uma força que vai muito além do que a mente humana é
capaz de imaginar... a humildade nos faz pequenos mesmo na nossa grande-
za, pois nos permite o olhar permanente de que sempre estamos aprendendo,
evoluindo e que aprendemos principalmente nas relações de uns com os ou-
tros... ser humilde é reconhecer sua pequenez diante do mundo, qualquer que
seja o impacto que você acredita causar sobre ele.
• Se é húmus então vem da terra, traduz estar abaixo, mas não inferior. É im-
portante sem aparecer. Humildade é a capacidade que temos de ensinar sem
parecer sábio e de aprender sem parecer ignorante. Humildade é um estado de
espírito, um jeito de ser, um modo de vida.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

• Sem amor não há humildade, pois está pressupõe colocar-se no lugar do outro,
abrir mão de sua perspectiva em favor de outras. Ser humilde é escuta; é um
ato de respeito ao outro; um modo de dizer que não somos donos da verdade.
• A *humildade* vem do amor pleno que se manifesta sem orgulho, sem pre-
potência, sem arrogância. É compreender que em nossas diferenças somos
iguais. Como bem diz Freire: não existem saberes mais e nem menos existem
saberes diferentes.

A Fé

Fé de fidelidade a um propósito nos traz a essa fé enquanto possibilidade de tecer


com... é força que persiste para além da atração; que nos impulsiona. Fé e esperança
andam juntas; vem de nosso anseio do além-aqui. É o encanto pelo que virá.

• A fé, pra mim que não tenho uma religião definida, vem e acontece quando
aprendemos a observar o mundo, reconhecemos a sua complexidade e perce-
bemos como de uma forma profundamente harmonia tudo está interligado e
integrado. Nesse momento percebemos que algo maior existe, e somos apenas
parte e aprendizes dessa experiência planetária e espiritual.
• A Fé é a força que persiste quando não há atração, é a busca de algo que não
existe ou deixou de existir. O pequeno elétron que está prestes a se soltar da-
quele núcleo ainda se agarra a aquele átomo com a força da fé, pois qualquer
mudança sempre vai exigir dele uma energia que não quer desprender. assim
ele tem a fé de que algo ainda existe para que possa se agarrar um pouco mais
antes de se desprender. Da mesma maneira que um órgão haverá de se dedicar
até o seu último suspiro na esperança de que o corpo reconheça a sua função
para com o órgão sendo a fé a esperança do acontecimento.
• A fé é aquilo que precisamos para seguir quando nossas forças estão esgarça-
das no caminho pedregoso.
• A fé vem da percepção da finitude. Significa a aceitação de que somos peque-
nos, mas não desimportantes para o mundo, para Deus.
• A fé são instantes constantes da vida em que posso compreender o que o outro
acha incompreensível
• A fé nasce a partir da necessidade que temos, sobretudo diante dos desafios
da vida, de acreditar em algo maior. Por mais que tenhamos fé, em nós mes-
mos, força e vontade para solucionar as dificuldades que a vida nos impõe,
percebemos, principalmente nos momentos mais duros, que a vida não está
sob nosso controle. Crer em uma força motriz que nos impulsiona para um
caminho seguro, apesar das pedras no percurso, é algo que nos fortalece. A
conexão com Deus, através da prece, da meditação, da observação da natu-
reza, do universo, engrandece a nossa fé. A fé é algo difícil de descrever, mas
em termos comparativos, é um sentimento que se assemelha a paz que uma
criança sente, quando sabe que está sendo cuidado por uma mãe ou por um
pai. A diferença, nesse caso, é que Deus é um Pai que não enxergamos ou to-
camos, apenas sentimos.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

• A Fé e a Esperança andam juntas. Fé na vida, fé em você mesmo, fé em Deus e


sempre algo que nos anima e nos sustenta, que nos mobiliza.
• A fé nasce do amor incondicional que temos a Deus e da certeza de que esse
amor é recíproco.
• A Fé vem do Gilberto Gil. Portanto é música, criada pelas borboletas amarelas.
• A fé, ao meu ver, a gente já nasce com ela e não tem que se preocupar muito
em explicá-la. É o que faz a gente conversar com a gente mesmo ou com al-
guém que habita além de nós e dos outros. Talvez venha da vontade de querer
ser sempre melhor. Vem da nossa necessidade de ter força, conforto...
• A fé e a esperança caminham juntas... elas vêm de dentro e de fora... de um
movimento de vida, que nos move em direção ao que acreditamos, ao nosso
papel nessa passagem, ao legado que deixamos, que é essencialmente relacio-
nal...
• Vem do nosso inacabamento, da nossa necessidade do além-aqui, do nosso
desejo de algo maior, para além desse lugar, desse tempo, é segurança para
alguns em momentos de problemas na vida, é porto seguro para outros todos
os dias. É crença que move para coisas boas, mas desvirtuada pode ser tão
conservadora que não leva a lugar nenhum, estagna, imobiliza, aliena. Mas se
esclarecida, liberta em comunhão com os outros. Vem de Deus, dos deuses e
deusas, das energias, do cosmo, está dentro de cada um/uma e fora também,
em todo lugar.
• Fé é o encanto pela esperança.

A Esperança

Esperar sem espera vã, já dizia Paulo Freire. E aqui encontramos o amanhã no hoje;
manter o positivo em pauta; é fruto da fé. Vem do vácuo onde mora o nada que pode
ser tudo. É o inédito viável, o sonho possível.
• Vem quando percebemos que acordamos com uma presença/postura no hoje,
potencializada por uma projeção/visualização de um amanhã transformado,
na maioria das vezes não só numa condição subjetiva, pessoal, mas princi-
palmente numa dimensão sociocultural e coletiva. Ter esperança é sentir que
somos sementes e estamos em tempo de plantio, ou em constante (re)plantio.
• A esperança é a fé em movimento, um pequeno átomo solto no firmamento
lidando com a sua falta de fazer parte de um algo, ele espera um acontecimen-
to com fé de que aconteça pois quando avaliou através da criticidade da sua
existência ele confia no propósito do seu ser participar de um algo maior, que
é de onde vem a sua humildade. Quem, mesmo sendo o menor dos elétrons, já
sentiu a atração sabe que depois que sente o amor, o mesmo entende que sem
amor não há existência.
• Esperança é não deixar que o negativo se sobreponha à nossa potência de vida.
• A esperança vem do sonho de outros mundos possíveis. Ela significa alento e
força para continuarmos buscando sermos mais.

173
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

• A esperança é um sentimento que nasce a partir da fé em Deus. Trata-se de


uma certeza antecipada da vinda de dias melhores, mais felizes, porque existe
um cuidado conosco proporcionado pelo Criador. Se temos fé, teremos es-
perança. Nossas energias se renovam, a alegria antecipada atenua a tristeza.
Os sonhos vão tomando forma, ganhando brilho e cores e a confiança de que
Deus está à frente de tudo permite que possamos acender a luz da esperança
em nossos corações.
• Fé e Esperança são remédios poderosos para a cura física e ou emocional para
quem as tem (como eu). E um incalculável patrimônio que se adquire desde
que se disponibilize para as possibilidades espirituais. Podem se desenvolver
sem limites. Traz profundo bem estar físico e emocional. E fundamental para
muitos (como eu) ou uma bobagem para outros tantos.
• A esperança nasce de uma aposta que fazemos na vida e na certeza de que ela
nos foi dada para sermos felizes e realizados.
• De que o homem será capaz de refazer suas ideias individuais, em benefício
próprio. Diante da nossa realidade atual ele não pode fugir mais das desigual-
dades que criou. Não têm mundos, existe um mundo. A esperança é nossa
capacidade de toda hora andar mais um pouco, com o outro.
• A esperança vem das crianças, das sementes, do novo, dos sonhos, que sempre
tem que estar em nós!!
• O futuro é colaborativo. Esperança = ter fé no amanhã.
• A Esperança, de esperançar, vem do vácuo, onde mora o nada.
• A esperança vem da fé em si e nos outros, vem do jeito individual e coletivo de
encarar a vida é a própria história.
• A fé e a esperança caminham juntas... elas vêm de dentro e de fora... de um mo-
vimento de vida, que nos move em direção ao que acreditamos, ao nosso papel
nessa passagem, ao legado que deixamos, que é essencialmente relacional...
• É a possibilidade do amanhã, é o inédito viável, é a possibilidade de a vida ser
mais do que um eterno presente, é o que me coloca em movimento. Vem da
certeza de que há algo a mais nos esperando, mas que precisamos construir
no esperançar.
• A *esperança* nasce do desejo de ser, de existir, de conquistas que podem ser
espirituais, materiais, afetivas. A esperança é um sentimento que nos mobiliza,
nos move em busca, nos transporta, nos transforma e nos faz ser.
• A Fé e a Esperança andam juntas. Fé na vida, fé em você mesmo, fé em Deus e
sempre algo que nos anima e nos sustenta, que nos mobiliza.
• Sem amor não há confiança, pois confiar exige entrega, respeito e reconhe-
cimento do outro. Confiança é atitude de quem ama o outro; uma ação de
lealdade.

174
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

A Confiança

Segundo nossos depoentes, confiança decorre de nos colocarmos na condição de


crianças novamente, com entrega para o que vier; provém dos cuidados responsivos,
apropriados; da disponibilidade de relações maduras plenas de amor e respeito de uns
para com os outros. É o se dispor a um apurado exercício do convívio.

• Vem quando somos, principalmente na infância, escutados, acreditados, po-


tencializados e profundamente amados. Claro que podemos adquirir essa
postura confiante na vida adulta, mas nesta fase a meu ver, é preciso antes
desconstruir a falta de confiança já adquirida na infância, para só depois (re)
construir esse sentimento interno, socialmente expresso com a nossa presença
e postura normalmente segura, tranquila, harmônica podem firme.
• A Confiança surge na certeza de que uma atração existe pelo fato do elétron
precisar do seu núcleo e o núcleo do seu elétron, é a confiança de um órgão
saber que ele existe pois ele é tão necessário ao corpo quanto o corpo necessita
dele, da mesma forma que numa sociedade a confiança e a certeza dos laços
que unem os seus membros.
• É a entrega para si mesmo e para o outro
• A Confiança- vem da esperança em mim e no outro. Significa um ato de cora-
gem sem o qual a vida se torna limitada poque sem riscos.
• Confiança é quando sentimos que o outro está perto sem necessariamente o
enxergarmos
• A confiança vem da crença que somos capazes de superar obstáculos, e ela
se inicia com nossos pais acreditando em nós, e se desenvolve à medida que
enfrentamos as novas dificuldades estimulados pela superação de obstáculos
ultrapassados. A confiança se alimenta da razão.
• A confiança nasce, a princípio, dos cuidados responsivos, apropriados, que
recebemos de nossos pais ou cuidadores. Esse relacionamento seguro nos traz
uma base emocional forte. As sementes de acreditar que podemos contar com
o outro são plantadas e fertilizadas nessa relação de amor. Daí a importância
das interações entre cuidadores e crianças se consolidaram de maneira a ga-
rantir à criança um apego seguro e adequado.
• A autoconfiança é importantíssima.
• Confiança é entrega ao Sagrado, ao invisível, que nos guia diariamente, sem se
pautar em pessoas, objetos ou situações.
• Confiança é uma decorrência da afinidade vibracional entre seres que com-
preendem ou intuem que tudo emana do movimento do amor.
• A confiança nasce da esperança de que o nosso melhor será reconhecido pelos
que amamos.
• Como mulher negra, hoje tenho consciência da minha ancestralidade e o que
ela representa. Por isso os medos quando chegam, vão logo embora. (...). Ser
negra neste mundo me deixa sempre em estado de alerta. A confiança chega

175
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quando estou nos extremos dos problemas a serem enfrentados. Sei que sai-
remos dessa situação. Afinal atravessamos o mar em navios negreiros. Nossos
corpos são tudo isso, carregados de confiança. Olhamos todo dia para o mar.
Atravessamos, mas não perdemos nossos laços.
• Confiança é acreditar na capacidade do outro.
• A confiança nasce da esperança de que o nosso melhor será reconhecido pelos
que amamos.
• A confiança vem das relações verdadeiras, desprovidas de julgamentos e co-
branças. Portanto não faz parte do repertório dos banqueiros e agiotas.
• A confiança vem de você reconhecer sua própria história, os desafios que foi
capaz de enfrentar, e reconhecer que, apesar das desventuras chegou onde está.
• Confiança é um ato solidário, é acreditar que o outro nunca vai te trair, por-
tanto, implica na reciprocidade. Confiança é ter a certeza que de tudo o que foi
combinado vai acontecer como o combinado, é seguir em frente sem precisar
olhar para trás, é ter certeza do caminho. É o passo a passo juntos, é caminhar
na mesma direção com a certeza que o mais importante é o caminho, o pro-
cesso, não a chegada ou a partida.
• A *confiança* nasce das relações maduras plenas de amor e respeito de uns
para com os outros.
• Confiança é o apurado exercício do convívio.

A Criticidade

De onde vem a criticidade serve de mote para inúmeras ilações engrandecedoras.


Questiona a atração que ocorre; capacita para a análise acurada; está de braços dados
com a eticidade; é capacidade de se ter uma maior compreensão e análise do todo.

• Vem da condição humana de observar, conhecer, dialogar, questionar, com-


parar, avaliar, contextualizar e adquirir nestes comportamentos citados, um
lugar social de fala.
• A Criticidade é aquilo que questiona a atração, é o que avalia o quando há a
necessidade do existir, seja um elétron que quando acometido por outra força
avalia se a atração é realmente atrativa, da mesma forma que um órgão aco-
metido dos excessos de um corpo ressente pelo que sofre questionando se
realmente faz parte.
• Capacidade de analisar os fatos da realidade de forma justa e adequada
• A Criticidade vem do laço ético que estabeleço com o mundo. Significa que
estou atento ao impacto que as minhas ações têm e que aceito ser possível
melhorar.
• Criticidade é quando exercitamos o pensar diferente do outro, mas ao mesmo
tempo, com o outro.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

• A Criticidade ...o agir consciente, a possibilidade de refletir sobre os próprios


atos, nos distingue dos animais .... O agir crítico e necessário para escolher-
mos o presente futuro da vida individual e coletiva. Sem o pensar crítico não
somos autônomos e livres.... mas autômatos a reproduzir ideias e condutas que
reforçam interesses que não partilhamos. Pensar criticamente é assumir suas
próprias ideias e projetos. É necessário a liberdade de escolha.
• Criticidade é Consciência desperta, sem a ilusão dos sentidos. Trazer signifi-
cados para além da mente humana que está habitualmente vinculada a emo-
ções cristalizadas de medo e insegurança.
• Ser crítico é ouvir, refletir e rever ou reafirmar as suas opiniões.
• Criticidade é um tipo de "Leitura diagnóstica" que pode estar mais próxima
ou mais afastada do amor. Se generosa, mais próxima. Se severa e discernente
(maniqueísta), mais distante.
• A criticidade nasce da atitude de se colocar mais consciente diante dos fatos,
agindo no aqui e no agora sem ilusões entorpecentes sobre a realidade.
• A criticidade é o aprofundamento da leitura da realidade, é consciência toman-
do conta da totalidade do real, aprofundando o saber sobre as coisas, sobre os
processos, sobre o que ela pode envolver. É desvelamento, descobrimento, é
colocar em crise o saber até aqui-agora, ir além do já sabido. É encruzilhada
nova, é escolha, é opção política. Do ponto de vista da consciência, é o trânsito
da ingenuidade para a criticidade.
• A *criticidade* nasce da capacidade de se ter uma maior compreensão e aná-
lise do todo e de suas múltiplas e mínimas possibilidades. A criticidade nasce
quando se começa a questionar, a se perguntar, a perceber que precisa apren-
der a buscar outras possibilidades para transformar a si mesmo e a realida-
de que nos cerca. É sair da consciência ingênua para uma consciência crítica
transformadora de si e do seu meio quando necessário.

Finalizando esse trecho da tese, trago dois depoimentos que trazem um desfecho
interessante, ao integrar esses princípios que constituem um corpus único e indissoci-
ável, em certa medida. Afinal, é na conjugação desses princípios que podemos de fato
ter uma perspectiva dialógica em práxis efetiva.

Acredito que esses sentimentos aí enumerados (amor, humildade, confiança, criti-


cidade, fé e esperança) são ingredientes de um grande caldeirão sempre em ebuli-
ção. Esses ingredientes são formulados de acordo com condições bem complexas,
desde a trajetória histórica (...), com toda uma gama de aspectos culturais e antro-
pológicos implicados, até as situações específicas com que nós, indivíduos, vamos
nos defrontando e interagindo, o que pressupõe elementos de não tão simples de-
finição (empatias e humores particulares).
Os princípios dialógicos são essenciais porque fazem dos processos de ensino e
aprendizagem um encontro de pessoas, que se reconhecem em seus afetos, no co-
nhecimento e na possibilidade de criar. A aprendizagem faz mais sentido quando
nasce do encontro entre pessoas, a partir do diálogo.

177
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b) Borboletas do meu jardim - Contributos do Gead sobre os Princípios Dialógicos


Uma busca por uma definição dos princípios dialógicos através de um círculo de
cultura, realizamos um trabalho com algumas parceiras e parceiros do Gead. Durante
4 encontros virtuais nós dialogamos acerca dos vocábulos que constituem os princí-
pios do diálogo, conforme propõe Freire no Educação como Prática da Liberdade e no
Pedagogia do Oprimido.
Salientamos que foi utilizada a análise textual discursiva, de acordo com o que
propõe Morais (1999), tendo como fundamento epistemo-metodológico a Perspectiva
Eco-Relacional - PER e, em particular, a base da Pesquisa Dialógica. Então, depois dos
encontros, transcrevemos o material e em seguida, fizemos uma leitura flutuante para
ir me familiarizando ainda mais com os depoimentos. Na sequência, deliberamos os
recortes que iriam tecer uma nova leitura de cada um dos contributos constitutivos
dos princípios dialógicos que aqui elaboramos.
Nessa reelaboração criamos um mapa de conceitos que ajudaram a elaborar uma
perspectiva mais ampla decorrente de um movimento que ampliava a síntese resultan-
te da interlocução entre tese e antítese. Em seguida trazemos o resultado desse pro-
cedimento da tempestade de luz e diálogo. E uma frase síntese com recortes das falas
do grupo.

Amorosidade / Amor

Amor é tendencia inata do ser humano; implica em doação; partilha no encontro;


empatia; se colocar no lugar d@ outr@; refletir n@ outr@; reconhecer @ outr@ de ver-
dade; semear junt@; caminhar junt@; religare mistura que gera o novo; compartilhar
saber; imbricada no educar; valorizar e se valorizar; apostar na esperança.
Destacamos ainda uma fala sintética: “... não se pode falar em educação sem falar
de amor. Ensinar é cuidar. Amor leva a uma reflexão profunda sobre nós mesmos... é
se colocar no lugar do outro”.

Humildade

Humildade: é humus que fertiliza; estar ligado aos ciclos da terra, da vida; cheias e
vazantes; acolher e respeitar os diferentes saberes e ritmos; respeito a(o) outr@; inter-
dependência; simplicidade; desconsiderado pela lógica do capital.
Numa frase síntese: Humildade é húmus- fertilizante, cheia e vazante e fica o hú-
mus. ... tão mal visto na sociedade capitalista, é um elemento importante na Decolo-
nialidade. Implica em reconhecer limitações. Entretanto, ninguém sabe mais ou me-
nos. São saberes diferentes. Respeito ao outro... acolher a diferença...sensibilizar com
a dor do outro.

Fé se inspira em: acreditar no que vira, acreditar no intangível, fé e esperança são


indissociáveis; religar e; subjetiva; espiritual; capacidade de esperar; crer no que não

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vê e no que vê; crença em dias melhores; fécula (o que dá liga e alimenta); força que
mobiliza; potência de mover; fidelidade.
A fé assim se move na frase síntese: Fé é algo mais subjetivo. Acreditar no intangí-
vel. Grande conflito do homem ocidental. O coletor, habitante das cavernas, diante dos
ciclos das estações... após longo inverno, haveria prosperidade que gera fé e esperança
em dias melhores. Fé que transforma ou aliena... nos move ... É potência de realização.
Fé leva a mudança... A fé projeta a ação... fé move montanha...Fé e esperança são im-
possíveis de dissociar... Fécula relação implica em acreditar, ficar e realizar.

Esperança

Esperança: é ser criança; se mover na fé; espiritual; é verbo e sentimento; abraço


na desesperança; é plural, nunca no individual; onde a beleza do mundo se esconde;
sentimento que move; provém da fé; é encantar-se com...; conecta vida, arte e criação;
devolve entusiasmo à espera.
Nossa frase se apresenta assim: Esperança é movimento, ligada ao verbo esperan-
çar... Espere em movimento... É um sentimento que não é menos importante que o
verbo. Sentimento necessário para nos permitir outras ações, pautadas por nossas
posturas éticas. Esperança se conecta a vida, a arte, a ser criador. esperança vem da
fé... Esperança é plural... Não se tem esperança só. esperança é saber que pode agir. A
criança é ontologicamente esperança...

Confiança

Confiança: Com fé; construção parceira; requer esforço mútuo; fruto dar acordos;
envolve tempo e entrega; muda tudo; essencial as relações; implica em relações e pro-
cessos; fiar com...; entrega; decorre do amor; depositar fé em alguém; fruto da dispo-
sição de amar.
Na frase síntese assim é anunciada: Confiança é construção. Requer o esforço de
tod@s @s envolvid@s. Requer muito cuidado, muito zelo. Conhecer o outro. Por na-
tureza somos desconfiados. Requer esforço, zelo, não é rápido. Requer coerência entre
o que se diz e o que se faz. Por isso as relações hoje são tão frágeis... Não se espera o
tempo, os processos... então se fragiliza e fragilizam os relacionamentos. Confiança é
processo de se relacionar com o outro. É processual e surge da relação. Confiar é depo-
sitar fé em alguém. Decorre do conhecer ou se dispor a conhecer a verdade do outro,
da disposição de amar... obriga essa arqueologia de nós mesmos...Reconhece o outro
como lugar de nossa realização humana. Confiança vem de um ato de amor, se dispor
a acreditar e estabelecer essas relações. É relacional e surge do ato de amor.

Criticidade

Pensar Crítico: é problematizar para transformar; olhar para a realidade com cons-
ciência; reconhecer que tem o que aprender; ir para além do ingênuo; buscar entender;
leitura atenta do mundo; fruto da problematização; ir além do aparente; pensar o real
desde dentro; busca da razão de ser.

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

A frase síntese que define criticidade define que: Criticidade seria o processo de
problematizar a realidade para transformá-la. criticidade emerge do reconhecer que a
gente não sabe tudo, de que não sabe que leve a busca de novos conhecimentos. olhar
para a realidade, mas fora do pensamento automático e não apenas através da razão,
mas também com o sentimento. Aí entra a intuição. leva também a problematizar o
já imposto. Surge da problematização. É um processo contínuo e dialógico. Somos
seres críticos, acontece que vamos sendo moldados, vamos perdendo... Pensar crítico
gera diálogo no ir além do aparente. pensar crítico é pensar a realidade de dentro da
realidade. Busca de razão de ser
Então, essa releitura dos princípios dialógicos nos ajudam a alargar nossa per-
cepção sobre eles. Favorecem que possamos reconhecer uma amplitude maior e nos
mobiliza para o exercício de nossa própria definição e os entrecruzamentos que po-
demos realizar.
A borboleta borboleteia com borboletas em voos especiais que potencializam no-
vos horizontes de percepção. São alargadas as consciências. Entretanto, ainda pode-
mos encontrar subsídios para a implementação dos Princípios dialógicos e que, certa-
mente, integrados favorecem o sucesso das empreitadas dialógicas. Um desses proce-
dimentos no contexto da Teoria da Ação Dialógica que nos favorecem muito é a ideia
de integrar amor, arte e alegria, os três As. Com essa pretensão em coração e mente e
corpo, reconhecemos que o uso das metáforas e tudo o que elas podem representar,
trazem esse valioso aporte para as experiencias dialógicas. E com elas também vamos
chegando a última parte dessa tese. Que fique junto nossa esperança, fé e confiança de
que o amor, a humildade e a criticidade se misturem com a vivacidade das simbologias
que abrem o horizonte da imaginaçao-aprendezagens-ensinagens intensamente vivas
e potentes.

4.4 Metáfora

Manoel que só podia ser de barros nos conta que “uma árvore bem gorjeada passa
a fazer parte dos pássaros que a gorjeiam48". É no adiante dessa afirmativa que se pode
cantar a vida que passa a nos en-cantar e o caminhante, ao caminhar, se torna cami-
nho que se faz junto, colado, mergulhado um no outro, se fazendo indissociavelmente
um(s). Árvore, sombra, flores, frutos, nós, eus, vocês, nos fazendo ‘ser mais’...
João Figueiredo

A meta está fora... mas precisa ter suporte dentro. É desde dentro que podemos es-
tabelecer metas. Se desconhecemos o nosso lugar de origem, será difícil chegar aonde
pretendemos ir. Porém, se temos o conhecimento do nosso lugar, podemos conhecer
outros lugares. Se sabemos o que pretendemos, nosso propósito, podemos comparti-
lhar. Entretanto, nem sempre seremos entendidos ou reconhecidos em nosso querer e
menos ainda em nosso ser. A metáfora, em geral, simboliza. Manifesta um recurso cul-
tural de tentar ser entendido, reconhecido. Mas, se torna imprescindível reconhecer-
mos que nem sempre o sentido é o mesmo. Sinais trazem significados compartilhados,
por outro lado limitam e circunscrevem. Os signos abrem o leque de possibilidades
interpretativas. Os símbolos são signos abertos à interpretação, mas que trazem a pau-
Trechos do poema “Administrador do Inútil”, autoria de Manoel de Barros. http://www.algu-
48

mapoesia.com.br/poesia/poesianet061.htm.

180
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ta da cultura, naquilo que Maturana (1998) denomina de consenso que potencializa


a ação.
A meta está dentro e permite o diálogo.... metadentro.... meta dentro e fora... Po-
demos reconhecer que há uma capacidade humana inesgotável de interpretação, de
subjetivar o objetivo e objetivar o subjetivo. E se há uma potência de ancoragem nesse
procedimento, porque não utilizar em nosso favor, ao invés de deixar que nos escamo-
teie, nos tire do rumo e nos desvie da “direção certa”? E o que é o certo e o errado? Onde
encontrar os definidores ético-morais que estabelecem a “certidão” do definimos como
o caminhar? Percurso desejante e trajetória de significação (FIGUEIREDO, 2007) juntas
na mesma pretensão, garantem o fazer certo, o pensar certo, as escolhas certas.
Podemos afirmar que a utilização de metáforas nos processos educativos multi-
plica largamente a capacidade de aprendizagem d@s educand@s e está intensamente
ligada a amorosidade, a humildade, a fé, a esperança, permitindo confiança, consoli-
dando a criticidade. Por meio da utilização desse dispositivo dialógico, temos a chance
de assegurar um lugar de diálogo, ou seja, um lugar no qual haja clima e condições
favoráveis ao encontro na amorosidade, na horizontalidade, na leveza e na alegria que
oferece ambiência na qual o ensinar e aprender ocorra de maneira exitosa. Isso é um
dos resultados constatados no capítulo anterior.
Podemos antes de adentrar efetivamente na Metáfora, enquanto dispositivo dia-
lógico, definir um pouco do que entendemos por “Lugar de Diálogo” e “Dispositivo
Dialógico”. E nessa intenção, buscamos subsídios nas falas bem atuais que tratam do
lugar de fala.

4.4.1 Do lugar de fala ao lugar de diálogo

Este debate contemporâneo foi impulsionado a partir de um estudo publicado por


Djamila Ribeiro49, em 2017, mestre em Filosofia, mulher negra e feminista. a autora
traz em três capítulos um diálogo sobre o silenciamento e invisibilidade histórica da
mulher negra, no qual ela afirma, respaldada por Kilomba, que essa mulher negra foi
colocada na última posição de uma hierarquia social, envolvendo gênero, raça e clas-
se social, que podemos denominar de oprimid@, tal como como Freire intitulou, ela
seria “o outro do outro”, freireanamente eu diria: “a outra da outra do outro do outro”.
E nesse espaço que pode se tornar lugar (I FuTuan, 1983), ao adquirir afeto e consci-
ência, se torna possível uma fala diferenciada e única de quem ocupa essa condição.
Entretanto, essa defesa de um “lugar de fala”, não foi pensado na perspectiva de invia-
bilizar o diálogo entre lugares de fala. Na verdade, objetiva ressaltar as peculiaridades
de cada “espaço-lugar”, mapeando as potencias e fragilidade e peculiaridades de cada
dessas cartografias e da dinâmica possível para o entendimento mútuo. E dessa condi-
ção situada podemos transcender em direção a um entendimento compartilhado que
empodera politicamente e favorece uma compreensão. Com esse propósito comum
podemos vislumbrar o que aqui denomino de lugar de diálogo. Esse traz implícito e
explicito a ideia de um lugar de encontro amoroso, no reconhecimento das singula-
ridades plurais qualificadas para o mútuo entendimento e unificação de projetos de
transformação social com foco na sociedade decolonial, em que tod@s interajam na
49
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?. Belo Horizonte: Letramento, 2017. 112 p. (Feminis-
mos Plurais) é o primeiro de uma coleção chamada Feminismos Plurais, que pretende abranger
as interseccionalidades das desigualdades a partir do olhar de autoras(res) negras(os).

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liberdade das relações horizontais, permeadas de amor, humildade, fé, esperança e


confiança.

4.4.2.Dispositivo Dialógico

Dispositivo de Diálogo por sua vez pode ser caracterizado como estratégias, ins-
trumentos e procedimentos que favoreçam o diálogo, a amorosidade em particular,
mas ao mesmo tempo tenha em consideração a propriedade dos princípios dialógicos
interagindo entre si e desde aí criando condições pertinentes ao dialogar, ao dialógico,
à dialogicidade. O dispositivo dialógico por excelência seria a implementação do uso
das metáforas e movimentos e estratégias que com elas se aliam.

4.4.3. Metáforas, Definições essenciais

Para a definição de metáfora que aqui apresentamos, utilizamos vários dicionários,


dos quais destaco o Aurélio. O intuito foi alargar ao máximo um entendimento do sig-
nificado e uso da Metáforas. Começo informando seu sentido etimológico, em seguida
apresentamos uma definição que resulta dessa mistura interpretativa possibilitada por
meio de diversos dicionários e estudos elencados na nota de rodapé abaixo50.
Metáfora deriva do grego μεταφορά, "transferência, transporte para outro lugar",
composto de μετά (meta),"entre" e φέρω (pherō), "carregar"51. Em seu sentido literal, o
verbo grego metaphrein seria traduzido pelo verbo latino transferire.
Segundo o Dicionário Aurélio, a metáfora seria uma figura de linguagem em que
o significado natural de uma palavra é substituída por outra que por semelhança pode
ser subtendida. Metáfora é uma figura de linguagem, um recurso semântico, quer di-
zer que é um meio utilizado por quem escreve, ou por quem fala, para melhorar a
expressividade de sua comunicação, seu um texto, sua fala. ‘Porta’ um tom de mais
eloquência, de entusiasmo, alegria, beleza, para os que a leem e a ouvem
Salientamos ainda que as me­táforas são conectores, tipo pontes, que ligam mais
facilmente, de modo quase natural, consciente e inconsciente. Isso nos permite inter-
venções didático-pedagógicas e mesmo terapêuticas. Ainda favorecem ambiente para
a transformação pessoal.
Metáfora é um procedimento semântico, um artifício linguístico, que se utiliza
para favorecer o entendimento ou enriquecer a comunicação. Capacita a transferên-
cia de significados através do uso de comparações diretas ou indiretas, concretas ou
abstratas.
Elas estão presentes, as metáforas, em todos os âmbitos da nossa vida, do nosso
cotidiano. Se manifestam seja na música, nas poesias, nas propagandas, e o tempo
todo em nossas falas. Cada vez mais há um uso habitual de imagens indutivas, que
se iniciou de modo mais contundente no campo da comunicação, particularmente
50
Bagno, Marcos (2013). Gramática de Bolso do Português Brasileiro. São Paulo: Parábola. p. 165;
«μεταφορά». Henry George Liddell, Robert Scott, A Greek-English Lexicon, on Perseus. Consultado
em 15 de junho de 2013; «μετά». Henry George Liddell, Robert Scott, A Greek-English Lexicon,
on Perseus. Consultado em 15 de junho de 2013.; figuras-de-linguagem-logo1; Figura de Lingua-
gem. https://www.figuradelinguagem.com/metafora/. Consultado em setembro de 2020.
51
https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Met%C3%A1fora

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nas ações de propaganda e marketing. Segundo estudos da língua, afirmam que usa-
mos em média 4 metáforas a cada minuto, em uma conversa informal. Entretanto,
geralmente, o fazemos sem consciência da potência e da capacidade comunicativa das
metáforas, bem como os riscos inerentes ao seu uso descuidado inconsciente ou, pior
ainda, inconsequente.
Cabe então esse alerta, uma advertência, quando do uso das metáforas. Aconte-
ce que as metáforas geram sempre interpretações múltiplas, em razão da sua própria
polissemia. Assim sendo, é pertinente observar esse fato para evitar conflitos interpre-
tativos mais sérios. Estamos vivendo um tempo em que a complexidade nos favorece,
mas pode também gerar incompreensões. Interessante observar quer sempre possibi-
lidades edificantes, construtivas, integrativas, e, portanto, aproxima ações ao invés de
que interpreta ações que gerem distanciamento, resistência. Belicosidade.
Portanto, quando uma palavra é utilizada fora de um contexto concreto, literal,
temos ali o uso de imagens metafóricas que induzem uma comparação implícita, su-
bentendida no texto. Se caracteriza por comparar sem que sejam empregados termos
comparativos.
A metáfora, didaticamente, pode ser considerada uma comparação que não usa,
mas que apresenta de forma literal uma equivalência que é apenas figurada. Consiste
no uso de palavras, imagens, objetos, sensações, emoções, sentimentos, habitualmente
oriund@s de outros contextos de significação que são transpostas enquanto informa-
ção, para outro contexto e situação com a intenção de estabelecer um melhor acesso ao
significado possível ao sentido pretendido.
A metáfora é o recurso estilístico responsável por transpor o sentido literal para o
figurado. Ela cria novos sentidos ou possibilidade de novos sentidos, ao transfigurar
um sentido literal, dando-lhe um sentido figurado. Temos as metáforas de uso e as de
invenção. As de uso são as que regularmente se manifestam no cotidiano. As metá-
foras de invenção, melhor apresentadas por Paulo Ricouer52, possuem o condão de
possibilitar interpretações surpreendentes e, até mesmo, em novas significações. É o
que acontece bastante em músicas e poesias. Gilberto Gil nos oferece belas metáforas
para apresentar metáforas:

Metáfora
Gilberto Gil
Uma lata existe para conter algo
Mas quando o poeta diz: "Lata"
Pode estar querendo dizer o incontível
Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: "Meta"
Pode estar querendo dizer o inatingível
Por isso, não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
52
Paul Ricouer deixou sua contribuição para nosso entendimento das “metáforas de invenção:
“... a interpretação metafórica, fazendo surgir uma nova pertinência semântica sobre as ruínas do
sentido literal, suscita também uma nova visão referencial.” (p. 289). RICOEUR, P. La metáphore
vive. Paris, Seuil, 1975.

183
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Na lata do poeta tudonada cabe


Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível
Deixe a meta do poeta, não discuta
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora

Atualmente essa perspectiva metafórica tem alargado o leque de interações por


meio da lógica intitulada de Gamificação, bom como as Storytelling. Esse modelo se
apoia em narrar uma história com a qual o leitor se identifica e que transmite de forma
implícita – pois a metáfora é uma ferramenta de comunicação indireta –, pelo nível de
comunicação inconsciente, um conhecimento que aju­dará a pessoa em uma mudança
de crenças que a levará a uma mudança pessoal.
Storytelling é na verdade a contação de história que hoje tem adquirido um nome
mais tchan53... Estamos gradativamente a revisitar o passado e a considerá-lo. Mas,
há de se ter uma consciência reflexiva que nos alerte para os erros pregressos que nos
levou enquanto sociedade a ao abandone pernicioso das narrativas, dos relatos das
nossas histórias, tal como denunciou Walter Benjamim (1994) ao afirmar que esse foi
um dos grandes males do século XX. Recordemos que essa é a forma mais antiga de
compartilhar informação através de gerações, em certa medida nos mantinha mais
inteir@s e parceir@s.

4.5 Metáforas e sua potência transmutadora

O hemisfério esquerdo do cérebro é o lócus do consciente, traz os componentes


lógicos, particularmente identificados com a dimensão cognitiva e a racionalidade
lógico-matemática. O hemisfério direito do cérebro, está identificado com a dimen-
são mais criativa, abstrata, a dimensão analógica, portadora dos símbolos, da mente
inconsciente. Estabelecer uma ponte de comunicação entre os dois hemisférios po-
tencializa as ações de aprendizagem e de modificações mais radicais que podemos
realizar. Enquanto a dimensão cognitiva se constitui basicamente por procedimentos
científicos, filosóficos, empíricos; a dimensão criativa se identifica bastante com a arte,
com a afetividade. Interligar essas dimensões dão unidade ao ser humano e trazem
poder que está ligado a integralidade, inteireza, percepção de totalidade.
As metáforas carregam uma linguagem capaz de interligar as duas dimensões, jun-
tas os hemisférios cerebrais em torno de um interesse comum. Gera inclusive con-
dições de superar crenças limitantes que tanto nos engessam e dos medos que nos
paralisam. Metaforizar, portanto, pode ser um importante aliado nesses movimentos
de ensinar e aprender com sentido expandido e potência ampliada.
As metáforas permitem que se fomente uma história que gere novas condutas, pro-
voque emoções e reflexões inovadoras. Ela é uma proposta que transcende a síntese
53
O Tchan (ou Tchã) tem sido utilizado comumente para representar um charme a mais, um en-
canto adicional... porem, como toda a metáfora, carrega inúmeras possibilidades interpretativas.

184
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

indo para além do três, sem se caracterizar como o quatro. Rsrs... Em outras palavras,
mais identificadas com a dimensão do concreto, num processo científico ou filosófico
que se constitui por meio da dialética da linguagem, qualquer tese está aberta à antí-
tese para que se elabore uma nova síntese. Isso é o processo habitual de fomenta. Ela
congrega elementos relevantes e essenciais e vai direto ao ponto. Oferece uma nova
perspectiva ao “olhar”, ao “sentir”, ao “perceber”.
No campo da Linguística constatamos que desde a antiguidade clássica até início
do século XX, a metáfora era reconhecida no campo da linguagem, exclusivamen-
te como um tropo poético objetivando embelezar os textos, numa lógica própria do
pensar aristotélico. Somente a partir da década de 1970, os pressupostos científico-fi-
losóficos do objetivismo começam a ser questionados, e ganha vulto a subjetividade
e se avança rumo à intersubjetividade. Dessa maneira, a metáfora ganha outras pos-
sibilidades. A linguagem passa a ser reconhecida não apenas como representação da
realidade, mas a própria realidade representada. E se constata o poder constituinte que
ela adquire. E essa pretensão ganha ares de verdade e impacta mais amplamente, como
informam Lakoff e Johnson; Black e Réddy (apud: ALMEIDA, 2005) tendo este último
proposto reflexões seminais para esse novo olhar sobre a metáfora. A metáfora então
adquire novo status e passa a se postular também ‘metáfora criativa’, com o intuito su-
perior ao estético, como constitutiva do mundo fenomênico. Este foi um exemplo da
riqueza que as metáforas vêm adquirindo ao longo dos últimos tempos. Já no campo
da educação, optamos por trazer um belíssimo estudo do professor Danilo Streck, no
qual nos oferece uma oportuna contribuição ao tratar das metáforas no cenário da
educação. No presente momento, temos ciência de novo trabalho seu em que elabora
um aprofundamento das correlações em torno do uso educativo, didático-pedagógico
das metáforas, por meio da metáfora do labirinto para dialogar com a educação popu-
lar latino-americana.
Streck (2001) inicia seu ensaio ao apresentar o tema “Metáforas em educação”. Nele
inicia afirmando que: “Não podemos imaginar a comunicação humana sem metáfora”
(p. 13). Danilo Streck avança na demonstração e poder das metáforas, alinhavando
ideias, tais como quando destaca que: ... as ciências dificilmente avançariam em suas
descobertas se não buscassem analogias entre aquilo que desejam explorar e áreas ou
objetos já conhecidos e que fornecem elementos para exprimir o ainda inominado”
(STRECK, 2001, p.14).
Em outro trecho nos relembra de Assman (1996) com seu livro “Metáforas novas
para reencantar a educação”, em que considera a pertinência de novas metáforas que
possam nos empoderar. O fulcro principal do texto de Danilo Streck era defender a
ideia de que Paulo Freire utilizou explicitamente a metáfora da trama com evidente
centralidade no “Pedagogia da Esperança”. Defende que essa proposta estaria conec-
tada com duas outras metáforas fundamentais usadas por Paulo Freire em obras ante-
riores, como comprovação da utilidade pedagógica dada por Freire ao uso desse dis-
positivo dialógico, seriam: “linha” e “ruptura”. Teríamos, então, um conjunto triádico
de metáforas que ao mesmo tempo se sucedem e se complementam na obra de Paulo
Freire” (STRECK, 2001, p. 16).
Desde aí, Streck (2001, P. 16) continua ao informar que o livro “Educação como
prática da liberdade” apresentava a ideia de uma sociedade (brasileira) em transição,
de sociedade-objeto para sociedade-sujeito, tal como uma ‘linha que se rompe’ ... Des-
de aí, chega-se ao Pedagogia da Esperança com a “vida como trama”. “Há de se con-

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

siderar, portanto, muitos fios para fazer sentido da trama desta existência” (STRECK,
2001, p.21). E em seguida, consegue demonstrar com várias citações do livro de Paulo
Freire a presença forte dessa ideia de trama como fio condutor e amarra firme com a qual
desenrola suas reflexões. “(...) é no jogo das tramas de que a vida faz parte que ela – a vida
– ganha sentido (FREIRE, 1996, p. 65). E, na leitura atenta de Streck ele vai desfiando o
novelo de fios que tecem essa trama, ao desfilar a interligação constitutiva da trama; a
interligação dos fios; a complexidade; o contexto que ela apresenta; a unidade na diver-
sidade; a historicidade; futuro aberto; os saberes percebidos enquanto trama; valoriza a
subjetividade; a interdependência; liga passado e futuro no presente; do eu ao nós; novo
imaginário. No contraponto, pode prender, aparenta inércia. Diante desses desafios Stre-
ck propõe metáfora vivas, autopoiéticas, auto criativas, auto-organizadas.
Como podemos constatar as metáforas que durante bom tempo se limitaram ao
campo da ornamentação, em especial na orbita dos estudos da linguagem. Porém, a
partir dos anos de 1970 se expande e chega a ter impacto nos circuitos da cultura em
geral, com forte influência na educação e na saúde. Trazemos uns poucos recortes de
freirean@s que Streck et al nos presenteia para assuntarmos acerca dessa interlocução
entre Metáfora e Cultura. Antes, porém, peço permissão para trazer alguns tópicos,
oriundos da minha tese de doutorado (FIGUEIREDO, 2003), que considero perti-
nentes ainda na intencionalidade de reconhecermos o poder transformador que as
metáforas trazem.
Primeiramente, é cabível reconhecer que na metáfora, em potência, há manifesta
leitura de mundo, tema gerado, situação-limite, representações sociais, narrativas. Em
outras palavras a metáfora oferece a mediação da linguagem no entendimento freire-
ano que ressalta haver necessidade da leitura de mundo preceder a leitura da palavra,
mas também, entender que na proposta dialógica de educação que Paulo Freire nos
brinda, há um movimento de buscar no mundo elementos constitutivos do diálogo,
para daí estabelecermos as codificações e decodificações que criam abertura para o
ensinar e aprender dialógico. Interpretar códigos simulam criticidade e garantem ex-
pansão de consciência. Reconhecer que nas metáforas temos conteúdos escondidos
que precisam de desvelamento, ajudam por meio da transposição informacional, por
favorecer o entendimento que a vida mesma, discursos e retóricas requerem a busca
da razão de ser, do que está atrás do aparente. Como afirma Paulo Freire (1992, p. 77):
“Não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer a palavra verdadeira seja
transformar o mundo”.
Na conjuntura das representações sociais e, comumente, tendo em conta a con-
vicção de que a maioria da população brasileira se caracteriza por ser oriunda de uma
cultura oral, ou residualmente oral, há de se reconhecer suas características e como
podemos usar isso em favor do ensino-aprendizagem dialógico. Nessa vertente, Lane
(1995) nos apresenta as categorias fundamentais do psiquismo humano, na esteira
de Vygotsky, Luria e Leontiev, elege a atividade, a consciência e a personalidade, me-
diadas pela linguagem e pelo pensamento nas relações com os outros. Ela inclui a
afetividade nessa estrutura, propondo-a também como mediadora na constituição do
psiquismo humano (Lane & Codo, 1989; Lane & Sawaia, 1995; Leontiev, 1978; Luria,
1986; Vygotsky et al., 1989).

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Emoção, linguagem e pensamento são mediações que levam à ação, portanto so-
mos as atividades que desenvolvemos, somos a consciência que reflete o mundo e
somos a afetividade que ama e odeia este mundo, e com esta bagagem nos identi-
ficamos e somos identificados por aqueles que nos cercam. (LANE, 1995, p. 62).

Assim, na compreensão dos elos entre essas categorias psicossociológicas: repre-


sentações sociais, afetividade, consciência, concepções, percepções e atitudes, Lane
ressalta que o humano se transforma ao falar, ao mesmo tempo em que transforma o
que ouve. Sendo assim, a palavra, as metáforas, são veículos de poder e domínio. Ca-
rece de cuidados no confronto com seus diversos significados possíveis – que, segundo
Lane, é uma ideia defendida por Paulo Freire como condição para o pensar crítico,
motor de ação transformadora (FIGUEIREDO, 2003; 2007)
Temos uma forte advertência de Freire (2000, p. 20) ao informar que a leitura de
mundo que se segue a leitura da palavra não pode prescindir da continuidade dessa
leitura de mundo. Isso para explicitar a criticidade que precisa acompanhar sempre a
leitura, o decifrar das metáforas e estabelecer leituras de palavras prenhes de transfor-
mação social.
Ao tratar da correlação entre metáfora e cultura, respaldado pela obra citada aci-
ma (STRECK et al, 2002), constato o entrecruzamento que é feito entre decência e
boniteza que vai se estabelecendo nessas interlocuções. Marco Raúl Mejía (Op. Cit., p.
59), “constata que a cultura irá transformar-se, pelo processo semiótico, num campo
de luta sobre o significado que, por exemplo, vai permitir a multiplicidade de leituras
(...) também aí há uma luta pelo sentido e pela interpretação (...).
Humberto Maturana, por sua vez, também colabora com essa reflexão ao alinhar o
linguajear com a amorosidade. Afirma categoricamente que o que nos constitui huma-
nos e potencializa o advento da linguagem é o emocionar, o amor em ação. Segundo
ele, a aprendizagem de uma vida na solidariedade, na cooperação e no acolhimento só
é possível num linguajear de amorosidade. Para Maturana (1999, p.185), o amor é “O
fundamento do fenômeno social e não uma consequência dele, e que os fenômenos
sociais, em um domínio qualquer de interações duram somente enquanto o amor ….

“O central do fenômeno social humano é que ele se dá na linguagem, e o central


da linguagem é que apenas nela se dão a reflexão e a autoconsciência. A linguagem
em um sentido antropológico é, portanto, a origem do humano enquanto tal, uma
vez que é tanto sua queda quanto sua libertação”. (MATURANA, 1999, p. 207.).
."Nós, seres humanos, não somos animais racionais. {...} somos animais linguajan-
tes emocionais que usamos as coerências operacionais da linguagem para justificar
nossas preferências e nossas ações no processo, e, sem nos darmos conta disso, nos
cegamos para o fundamento emocional de todos os domínios racionais que traze-
mos à mão." (MATURANA, 1999, p. 319).
"O amor, o anseio biológico que nos faz aceitar a presença do outro ao nosso lado
sem razão, nos devolve à socialização e muda a referência de nossas racionaliza-
ções. A aceitação do outro sem exigências é o inimigo da tirania e do abuso, porque
abre um espaço para a cooperação. O amor é o inimigo da apropriação." (MATU-
RANA, 1995, p. 185).

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Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Dessa maneira, contatamos o quanto Maturana pode colaborar com a dialogicida-


de freireana, por trazer uma leitura do campo bio-epistemológico para fundamentar o
que já é dito por Paulo Freire. Em particular no destaque que formula e articula entre
Diálogo e Amorosidade, por ele, Maturana, denominado linguagear e emocionar... Va-
mos adiante da teia até a emergência da borboleta.

4.6 Metáforas em Tese

Nesta tese/neste livro, optamos por fazer um pequeno exercício com as metáforas
que elenquei. Saliento que na minha dissertação de mestrado trabalhei com a metáfora
do caminho, o Tao Ecocêntrico que anunciava a importância de novos paradigmas
epistemo-metodológicos.
No doutorado a metáfora foi a do caminho que se entretecia com a teia..., mas nada
mais aprofundado. Aqui nos propomos a retomar um pouco essas metáforas e trazer
outra que me é cara, a da borboleta. Como falei no início desse trabalho, a ideia era ir
da teia à borboleta. E começamos pelo caminho anteriormente anunciado, passamos
pelo semear no caminho, passamos pelo labirinto que convida ao fio que reabre os
caminhos, avançamos na tecelagem da teia, chegamos a teia, a trama e a, daí fomos ao
casulo que revifica essa caminhada em direção a voos mais altos e mais largos, alargan-
do os horizontes da lagarta que se reconhece borboleta.

4.6.1 O caminhante semeador

Temos dito que Antonio Machado, poeta espanhol nos afirma que: “Caminhante,
não há caminho, o caminho se faz ao caminhar”, eu afirmo que não há caminho, nem
caminhar, nem caminhante, estes se fazem ao caminhar. Contudo, trago de um artigo
intitulado “O problema é a questão” (FIGUEIREDO, 2009) que há de se saber a origem
da caminhada e a que se destina, pois sem isso é improvável chegar a algum lugar que
se pretenda.
O entrecruzamento entre o caminhar e o semear é carreado por meio do reconhe-
cimento de ambas as metáforas como constitutivas do ser que se reconhece no cami-
nho. E entende que precisa deixar frutos por onde passar. Caminhar é constitutivo de
nosso ser e do modo de ser. Ficar parado não leva a lugar algum, obviedade relevante
para nos pôr em movimento. O primeiro passo, habitualmente é o mais difícil pois
implica na motivação, nas razoes que nos impulsionam a caminhar.
Quais os possíveis significados para o conceito de caminhante? Mais do que con-
ceituar cabe entender as razoes que nos tornam caminhantes, peregrinos. Muitos dirão
que os motivos para fazer o Caminho passam por: viajar, conhecer lugares diferentes
ou de uma maneira diferente, pode ser a busca por superar desafios (físicos e emocio-
nais), ainda pode estar associada a ideia de evoluir espiritualmente, aprender a com-
partilhar, conhecer gente e culturas diversas, de diferentes lugares, potencializa ainda
praticar o desapego, a generosidade, entre muitos outros.
Semear, por sua vez, está ligada ao objetivo de fomentar sombra, afinal nada me-
lhor que descansar sob a sombra de uma árvore; gerar frutos é ter a garantia de um
alimento saudável e fresquinho; oferecer flores, mesmo quando a sementeira não dá
frutos, ela pode dar lindas flores, enfeitam o mundo inteiro; favorecer a fauna, pois a

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planta atrai os animais para mais perto... É uma forma de se aproximar da natureza; me-
lhora a qualidade do ar, pois as plantas respiram retirando gás carbônico da atmosfera,
contribuindo também para melhorar a qualidade do ar. Tudo isso é um Colaborar com
o futuro, semear hoje garante que as próximas gerações sobrevivam. Metaforicamente,
sombrear é criar um ambiente confortável diante das intempéries; frutificar pode signifi-
car a compartilha de suas realizações; florescer pode se ligar a ideia de embelezar a vida;
ser parceiro da fauna é ser parceiro da natureza; melhorar a qualidade dos processos
respiratórios se conecta até mesmo ao trato das emoções, das interações consigo e com
@s outr@s. Somos convidad@s, enquanto seres viventes a contribuir com a continuidade
da vida, sem isso inexiste razoes para continuar a caminhada...
Trago ainda aqui um conto e uma música. O conto vem da tradição do Zen Budis-
mo. Nele se relata sobre a metáfora do bambu para se refletir sobre a educação. A partir
da leitura de um conto zen (autor desconhecido), a ideia é reconhecermos o quanto
carecemos de entender que a temporalidade e a sazonalidade do ato de educar exige de
nós, educador@s, pais, muito de nossa perseverança, fé, esperança, confiança e amor.
Todo bom agricultor sabe que uma boa colheita requer boa semente, adubo e água em
quantidade adequada. É óbvio que o semeador sabe que de nada adianta praguejar ou
se impacientar diante do cultivo, a semente precisa de seu tempo de maturação. No
caso do bambu japonês, temos uma curiosidade que requer ainda mais a paciência
característica do oriental. Depois de semear e ter os cuidados comuns, o tempo passa,
passa, passa, sete anos e nada parece estar acontecendo. Depois dos longos sete anos e
aproximadamente sete semanas a planta de bambu crescem mais de 30 metros. Duran-
te os primeiros sete anos de aparente inatividade, o bambu desenvolveu uma complexa
teia de raízes que lhe permitiram o crescimento a tal altura.

Caminhos do Coração
Há muito tempo que eu saí de casa
Há muito tempo que eu caí na estrada
Há muito tempo que eu estou na vida
Foi assim que eu quis, e assim eu sou feliz
Principalmente por poder voltar
A todos os lugares onde já cheguei
Pois lá deixei um prato de comida
Um abraço amigo, um canto pra dormir e sonhar
E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas
E é tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá
É tão bonito quando a gente sente
Que nunca está sozinho por mais que pense estar
É tão bonito quando a gente pisa firme

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Nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos


É tão bonito quando a gente vai à vida
Nos caminhos onde bate, bem mais forte o coração
E é tão bonito quando a gente pisa firme
Nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos
É tão bonito quando a gente vai à vida
Nos caminhos onde bate, bem mais forte o coração
O coração
O Coração...
Gonzaguinha (1982)

4.6.2 Labirintos e tecelagens

O labirinto de Teseu animou minhas reflexões pré dissertação de mestrado... Ali


nos encontramos ao reconhecer que as relações de poder e a opre3ssao eram os modus
operandos do mundo em que vivíamos e vivemos. Teseu foi explotado de sua terra
para dar cumprimento aos acordos sociais belicosos que normatizam a vida civiliza-
tória, particularmente do mundo colonializado, marcado pelas guerras de conquista
e poder. E ao Chegar na ilha de Creta, reino de Minos, pai do mitológico Minotauro,
metade homem e metade animal, ele está para ser lançado no labirinto para ser engoli-
do pelo lado animal, ao se perder nos corredores dessa estrutura, composta por vários
caminhos interligados, de tal forma que se torna difícil encontrar a única saída. Diante
da vida corriqueira, nos perdemos ao esquecer nossa origem, ontologia, axiologia. Daí
a ideia de pecado original??? Fez que perdêssemos o Éden e o viver em abundância,
prazer e alegria para ter que viver sob o julgo d@ opressor(a). Seria necessário tomar
consciência dessa condição. Frequentemente isso ocorre nas relações. Aí foi que Teseu
encontrou Ariadne, filha do soberano de Creta. Ela caiu de amores por Teseu. O herói
encontra no amor a saída do labirinto. O fio de Ariadne oferece ao caminhante do
labirinto a positividade de reencontrar sua origem e conquistar a relação amorosa que
lhe qualifica como ser inteiro, mais que animal e humano separados.
O labirinto é um símbolo ancestral que se concebe para a interiorização do ser
humano, seu crescimento interior. O labirinto representa uma viagem para o nosso
próprio centro e para um retorno ao mundo, tanto literal como metaforicamente.
O fio tece muitas mãos e com elas se tece o destino. Temos o mito das moiras que
na roda da vida, simbolizam a roda da fortuna. As Moiras são três irmãs, que na mi-
tologia grega determinam o destino dos seres humanos e dos deuses. Uma faz o fio, a
outra tece, e a terceira, corta. Elas utilizam a Roda da Fortuna para definir alguns fios
para um destino e outros para destinações diferentes. Isso nos lembra o trabalho das
tecelãs no mundo todo. Elas se reúnem e definem destinos no tricotear, nos fuxicos54.
Em parceria vão tecendo colchas de retalhos e tecidos com a mistura de diferentes
recortes e fios. No círculo de costuras as mulheres vão definindo o destino da vida, da
terra, do mundo.

54
Fuxicos são artesanias que criam pequenos círculos feitos com retalhos de tecido e franzidos
com linha.

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Aproveito para convidar à uma leitura sensacional que apresenta um histórico da


tecelagem no Mundo e sua relação com a feitura do mundo através das agulhas e li-
nhas, é o texto Ana Maria Machado (2003), intitulado “O Tao da teia – sobre textos
e têxteis”. Uma narrativa encantadora e de uma riqueza inigualável. Nesse trabalho a
autora nos apresenta uma tessitura que se inicia lá nos gregos, para os quais “o fuso
e a roca eram uma imagem do cosmos que continha o fuso de Platão, rodeado por
um círculo de fogo e água”. Uma máquina de fazer deuses e seres humanos, em que a
mulher segurava na mão esquerda o chumaço que ia desaparecer e na direita o fio que
ia surgindo. Ela faz uma leitura crítica na qual a tecelagem e a mulher, explicitam o
paradigma da produtividade feminina. Recorda que o fiar e tecer estiveram em mãos
de mulheres até o aparecimento do tear mecânico (em 1764, difundido efetivamente
na primeira metade do século XIX). Foi o tempo em que o poder estava nas mãos
femininas, ainda que sutil e discretamente invisível. Na casa ou na corte, foram os
primeiros produtos para os antigos mercados de troca de mercadorias. Se por um lado
criou uma exploração ainda mais contundente em relação ao feminino, potencializou
as comunidades femininas, de mulheres que passavam o dia reunidas, tecendo juntas,
contando histórias, brincando com as palavras. Potente carga simbólica associou útero
e tecelagem, cordão umbilical e fio da vida, trama e coletividade (Machado, 2003).
Maria Machado (2003, p. p. 183) diz que: “Não é de admirar que a linguagem re-
flita toda essa riqueza de relações nas palavras ligadas a essa área de produção”. Basta
a gente lembrar de alguns termos usuais ainda hoje, tais como: “ ... um dos nomes
para designar pano ou tecido em inglês seja fabric – palavra que em português foi
dar fábrica ... chamamos tecido de fazenda, palavra que também evoca os núcleos de
poder e produção rural das grandes propriedades ...o ministro das Finanças entre nós
é ministro da Fazenda.

4.6.3 Teia Epistêmica

A teia tem sido um tema recorrente em meus trabalhos, me parece ser uma metá-
fora que me acompanha e representa muito, pois que com ela identifico a possibilidade
de outros paradigmas adiante do que se tem como referência de ciência eurocêntrica-
-estadunidense.
A teia transborda em múltiplos sentidos e significados. Encontro a teia diante de
diversos movimentos que realizei na minha tese de doutorado e aqui retomo, em certa
medida para ressaltar a profusão de significados e sentidos poder ser percebidos e
identificados na leitura da teia.

4.6.4 Significado de Teia

Antes, porém de trazer minhas analogias, quero trazer um pouco dos significados
estudados pelos dicionários. Ao considerar o que estes dicionários consultados nos
trazem (AURÉLIO, PRIBERAM, MICHAELIS, CALDAS AULETE55), sintetizamos,
que o vocábulo Teia significa: tecido ou pano feito em tear; trama; conjunto de pesso-
as, coisas, ideias etc. interligadas numa organização semelhante a uma trama; conjunto
55
Dicionário Aurélio, 1988; Dicionário Michaelis, https://michaelis.uol.com.br/moderno-por-
tugues/busca/portugues-brasileiro/. Dicionário Priberan da Língua Portuguesa, 2008-2020,
[consultado em 23-09-2020]; Dicionário Caldas Aulete -http://www.aulete.com.br/teia.

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de fatos encadeados; enredo, intriga; conjunto de acontecimentos em sequência; série;


estrutura, organização; enredo.

4.6.5.1Teia de Aranha

Uma teia de aranha é uma armação de fios de seda extremamente finos criada
por aranhas a partir de glândulas produtoras de uma fibra proteica excretada de suas
fieiras. Conforme o Dicionário Aurélio, zoologicamente seria tela elástica de fios finís-
simos, feita pelas aranhas. No Caldas Aulete teia de aranha seria uma rede de fios que
as aranhas segregam e tecem como armadilha para insetos.
Em pesquisas na internet56, constatamos algumas informações e curiosidades inte-
ressantes que trazemos aqui para uma breve noção da complexidade da teia de aranha,
do ponto de vista biológico.
A grande maioria das aranhas tecem suas teias utilizando fios de seda produzidos,
produzidos em glândulas especiais, localizadas no seu abdômen. A seda é expelida
em estado líquido por meio de fúsulas existentes na parte posterior do abdômen. Em
contato com o ar a seda solidifica-se, formando um fio, e a aranha constrói com ele
sua teia. A teia tem propriedades que ajudam a filtrar o som e controlar a temperatura.
Proporcionalmente as teias são cinco vezes mais fortes do que aço, e podem ser estica-
das até quatro vezes o seu comprimento sem se partir. Há inúmeras variações de teias,
as circulares, são apenas um dos muitos tradicionais estilos.
Para iniciá-la, a aranha se aproxima de um local que possa servir de base e expele a
seda. Depois vai puxando os fios de dentro para fora, juntando-os no centro, onde fica
para fazer raios e formar a teia. Em geral, são utilizadas para captura alimentar, mas
também protege de predadores e, algumas, utilizam como berçário.
Culturalmente as metáforas com aranhas e suas teias é milenar. Foram represen-
tadas na cultura popular de diversos povos e tradições, da mitologia grega ao folclore
Africano, a aranha tem sido usada para representar uma variedade de coisas, e perdu-
ra até os dias atuais, com personagens como Spider-Man. Tem sido considerada em
sua complexidade e potência e artimanha ao longo do tempo, Sua virtude simbólica
mais identificada tem sido a da paciência, persistência e astúcia. A aranha tem uma
demorada espera de sua presa para enredá-los. Conectada a mitos de origem e a seres
mitológicos que retratam várias mensagens. Inúmeras culturas atribuem a capacidade
da aranha de teias com a origem da fiação, tecelagem , cestaria etc. Estas estão associa-
das aos mitos da criação, por tecer seus próprios mundos. Mais recentemente, com o
advento das novas tecnologias digitais, passou a se usar muito a teia de aranha como
uma metáfora ou analogia, Internet ou World Wide Web, por evocar a interconectivi-
dade de uma teia de aranha.
No folclore e mitologia, a aranha, juntamente com sua teia, é destaque em fábulas
mitológicas, cosmologias, representações espirituais artísticas, e em tradições orais em
todo o mundo desde os tempos antigos. Aparece como Uttu, a antiga deusa suméria.
Já no Egito Antigo, a aranha foi associada com a deusa Neith em seu aspecto como
fiandeira e tecelã do destino. Na mitologia Africana, a aranha é personificada como
56
http://www.ninha.bio.br/biologia/teia-de-aranha.html
https://www.portalsaofrancisco.com.br/biologia/teia-de-aranha

192
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

uma criação divina Anansi, e como um trickster personagem de folclore tradicional


Africano. Culturas norte-americanas têm tradicionalmente representado aranhas. Os
Lakota possuem a figura spider-trickster. Os Hopi têm o mito de criação de Aranha
avó (KokyAngwuti). Aranha avó também desempenha um papel importante na mito-
logia da criação do Navajo. O Sul-Americano Moche do antigo Peru trazem o Moche,
representado na sua arte. O Tsuchigumo do Japão, é uma criatura mítica, sobrenatural
enfrentado pelo lendário Minamoto no Raiko. A cultura islâmica oral sustenta que
durante a Hijra , Maomé e seu companheiro de viagem Abu Bakr foram protegidos por
uma aranha,. Igualmente temos na tradição judaica David sendo protegido por uma
aranha. Na filosofia védica da Índia, a aranha é descrita como a que esconde a realida-
de com os véus de ilusão. Rede de Indra é usada como uma metáfora para o conceito
budista de interpenetração, que sustenta que todos os fenômenos estão intimamente
ligados. Podemos constatar nessa teia de informações que, em sua viagem ao longo
dos tempos, a aranha e sua teia apresenta um bom enredo a nos apresentar57.
Voltemos então agora, ao meu trabalho anterior e suas repercussões para refletir
sobre a teia. Na tese ela aparece em inúmeras situações e contextos, tai como entrete-
cida na teia de representações, no reconhecimento que os seres humanos são entes de
relações e por isso mesmo, constrói sua transcendência no entremear dos fios que lhe
colocam em interação com o mundo, com os outros.
Trago na tese proposições de Brandao, no seu livro “Somos as águas puras”, no qual
ressalta que: “Os índios veem-se no interior de uma trama de relações ativas, intencionais e
significativas no mundo da natureza.” (Brandão, 1994, p. 21). Assim, podemos extrair dessa
ilação que os índios se reconhecem sob essa perspecti­va relacional ocorrendo na trama, na
teia em que convivem. Como afirma Brandão (Op. Cit.), no imaginário dos po­vos das flo-
restas, as permutas entre a sociedade e a natureza são inter constituintes, na reciprocidade
entre seres sociais que coabitam em uma mesma teia de trocas amorosas.
Aparece a teia também no trato da metodologia, vendo-a como método de uma
epistemologia vivencial-experiencial, voltada para a teia de relações, como possíveis
de repercutir em uma teoria que considere a totalidade das rela­ções interligadas e in-
teratuando. E com base nessa percepção de totalidade natural tem-se a consciência
de que somos parte integrante da grande teia da vida (FIGUEIREDO, 2007, p. 63).
Reconhecemos que tod@s envolvid@s nas pesquisas se caracterizam como vidas de
entrelaçadas que costuram teias:

“É como se uma aranha emergisse da dimensão imaginária e se apresentasse como


parceira permanente na constituição da teia epistêmica que é parte essencial da
teia da vida, teia ontológica no humanizar-se que pode se fazer teia axiológica na
consolidação de valores e princípios éticos fundamentais.
A aranha tece num trabalho vital, tirando de suas entranhas a matéria-prima dos
fios que habilita o edificar da teia. Essa teia lhe propicia as condições da captura,
da interligação com o ambiente ao seu derredor. Reconhece e interage assim que
qualquer ser toca qualquer ponto de sua teia. Sua teia é uma exteriorização de uma
parcela de sua interioridade. Sua teia é parte de si mesma e lhe envia mensagens de
qualquer fio tocado. (FIGUEIREDO, 2007, p. 163).
57
Parte dessas informações apresentadas foram extraídas do texto intitulado: “representações
culturais de aranhas - Cultural depictions of spiders”. In: https://pt.qwe.wiki/wiki/Cultural_de-
pictions_of_spiders. Acesso em junho de 2020.

193
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Dessa metáfora eclode o potencial das metodologias aqui adotadas. Constituem,


tal como a teia, a potencialização de diversos fios entremeados por meio dos nós
que lhe interligam e permitem a aquisição de componentes da realidade e assim
alimentar a necessidade de conhecer e saber. Costuram, desse modo, uma teia do
real composta de seus ‘nós crísicos37’, de sua fiação, obra que exterioriza um inter-
câmbio de sua natureza interior com a natureza fora de si. Constrói uma ‘percepção
eco-relacionada’ para si e para os outros. Uma construção que associa práxis edu-
cativa e práxis investigativa constituindo uma práxis ontológica, de se fazer-refletir
ao refletir o fazer com consciência. (Op. Cit., p. 163).

Utilizei também na tese o conceito de cultura, conforme Geertz (1973), no qual ele
se refere a metáfora da teia para ressaltar que o ser humano é um animal amarra­do a
teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e
as sua análise.
Nisso, propusemos que a confecção das teias temáticas envolvendo o diálogo em
torno de palavras–geradoras, situações-limites, corporificando problemas efetivos fos-
se o meio de estabelecer as relações dialógicas e a tessitura de conhecimento relacional,
parceiro, resultante do intercâmbio entre o saber popular e o saber científico tendo em
vista a construção do inédito-viável. (FIGUEIREDO, 2007, P. 177). Esse procedimento
dialógico gerava a teia de significados indicando, de algum modo, a singularidade do
grupo e a inter-relação entre os nós da teia, vinha demonstrar “a realidade na forma
de trama, de teia de aranha, que se conecta em todos os seus pontos, essa interação
entre todos os pontos da teia, se dá através dos nós agregadores dos fios, tecidos na
constituição das representações sociais, que compõe a teia da vida”. (FIGUEIREDO,
2007, p. 180). E, finalizamos essa reapresentação de fios da teia que constituíram a teia
de relações da minha tese de doutorado.

4.7 A Borboleta

A borboleta caracteriza todo o nosso movimento no pós doutorado sênior, con-


cluído em fevereiro de 2018, na Universidade Federal Fluminense – UFF. Tivemos a
nos inspirar a ideia que levamos desde o símbolo definidor do grupo de pesquisa que
criei em 2004 e que até agora lidero, junto à Faculdade de Educação e ao PPGE da
Universidade Federal do Ceará - UFC. Retrata a ideia da metanóia da lagarta até se
tornar borboleta.
Como já citado tantas vezes, a trajetória da lagarta até a borboleta acontece num
marco temporal que cria um vácuo na existência da lagarta. Será que a lagarta tem al-
guma noção do que vai acontecer com ela? O que será que atrai a lagarta até o casulo?
O fato concreto é que, como diz uma célebre frase de Richard Back: “O que a lagarta
chama de fim do mundo, o homem chama de borboleta. E o fato é que eclode, literal-
mente do casulo um novo ser. Absolutamente distinto daquele ser que ali entrou. Ha-
via uma lagarta que se arrastava pela vida em busca do seu alimento e que, de repente,
se viu entremeada num envoltório escuro e isolado de tudo e de tod@s... E `eureca´,
acontece o milagre, um ser capaz de voar dali surge. E tem todo um processo que
envolve a complexidade dos paradigmas contemporâneos, como digo em tom de brin-
cadeira, mas que é uma grande e séria verdade... e o mais interessante é que esse ser
surge com uma beleza esvoaçante: A borboleta! E singra ares nunca antes imaginado.

194
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Quando pesquisamos sobre a borboleta constatamos que é considerada símbolo da


transformação e da renovação, mas há inúmeros significados atribuídos à simbologia
das borboletas. Dizem os espiritualistas que os anjos se comunicam frequentemen-
te conosco através das borboletas. Segundo se fala, quando uma borboleta aparece,
pode significar que seu anjo da guarda ou espírito guia está lhe enviando um sinal
positivo....
Ao nos aproximarmos das ciências humanas, inicialmente nos deparamos com
um texto interessante que estabelece uma aproximação com a ideia do diálogo, nesse
caso na perspectiva de Buber. Nesse encontro do diálogo com a borboleta, acontece
o estudo realizado por Segundo Ciro Marcondes Filho (2008) que propõe um debru-
çar acerca das afirmativas de Martin Buber de que é no encontro com o outro que se
materializa a crisálida, de onde eventualmente pode eclodir um Tu, a borboleta. Dessa
maneira, temos o resultado proposto no próprio título: “No diálogo com o outro, a
crisálida pode tornar-se borboleta, a comunicação tem chance de acontecer”.
Adentrando no campo da estética, da poética, da filosofia, em certa medida, nos
deparamos com Gibran Kalil Gibran (1980), no O Profeta, que nos ressalta que: "A
borboleta continuará a pairar sobre o campo e as gotas de orvalho ainda brilharão so-
bre a relva quando as pirâmides do Egito estiverem destruídas e não mais existirem os
arranha-céus de Nova York." Em outras palavras, a leveza e delicadeza da borboleta lhe
dão a força que as estruturas densas e pesadas das pirâmides e edifícios não garantem.
Constatamos na educação que as borboletas inspiram diversos projetos, particu-
larmente voltados para a educação infantil. Parece que as borboletas evocam uma ma-
gia, um ar de poesia.

Proteção Às Borboletas
Eu sou como a borboleta
Tudo o que eu penso é liberdade
Não quero ser maltratado
Nem exportado desse meu chão
Minhas asas, minhas armas
Não servem para me defender
As cores da natureza pedem
Ajuda pra eu sobreviver
Você que me vê voando
Como a paz de uma criança
Você sabe a minha idade
Eu sou sua esperança
A ordem da humanidade
Não deve ser destruída
Quando eu voar me proteja
Sou parte da sua vida
Eu sou como a borboleta.
(Benito Di Paula, 1975)

195
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4.8 Princípios Dialógicos, Metáforas e Teoria da Ação Dialógica

Caminhante semeou, sementes de amor, humildade, de fé, de esperança, de con-


fiança, de criticidade. Transitamos através de inúmeras narrativas, depoimentos, che-
gamos aos contributos de Paulo Freire. Entramos em alguns livros, com destaque para
o Educação como prática da liberdade, Pedagogia do Oprimido, Pedagogia da Auto-
nomia. E fomos em direção as metáforas que selecionamos, com seu colorido, seus
perfumes, sua configuração.
Agora, vamos encaminhando para um entrecruzar dos estudos feitos acerca da
metáfora e as colaborações ofertadas para nós por Paulo Freire. Ele já antevia a perti-
nência dos neologismos e da simbologia ao nos apresentar o tema gerador, situação-li-
mite, ato-limite, quefazer, inédito viável... Freire então nos oferece os fundamentos da
dialógica na potência transformadora dos princípios dialógicos. Constatamos que há
uma amplitude semiótica considerável ao aprofundarmos as reflexões acerca do amo-
rosidade / Amor; da humildade; da fé, esperança e confiança e da Criticidade / pensar
crítico. São metáforas objetivas-subjetivas-intersubjetivas. São mediações dialogais
que abrem o leque de possibilidades interpretativas que tecem com o simbolismo dos
temas geradores, da codificação e decodificação decolonializante e libertadora. É um
trânsito que caminhante/semeador, entretece e tece costurando uma teia que se torna
casulo e permite o surgir da borboleta.
A Teoria da Ação Dialógica carreia novos aportes, utiliza quatro eixos e com ela
também brinquei de modo sério com as interlocuções que podem ser realizadas. São
múltiplas as possibilidades que podem ser experienciadas, entretanto aqui escolhi co-
nectar os quatro eixos aos quatro princípios dialógicos fundamentais: Colaboração
conecto com a amorosidade; União junto com a humildade; Organização integro a
fé e a Síntese cultural ligo com a Criticidade.
Nos caracteres da teoria dialógica, em confronto com a antidialógica, Paulo Freire
enfatiza que: a co-laboração se opõe à conquista; a união rompe com a lógica do di-
vidir para dominar; a organização dos grupos-indivíduos impede a manipulação; a
síntese cultural possibilita a contraposição à invasão cultural (Baseado no capítulo 4
do Pedagogia do Oprimido).
Em nossa leitura, a proposta de Paulo Freire é por uma práxis Dialógica, política,
transformadora, intercultural crítica, decolonializante... “... se são seres do quefazer é
exatamente porque seu fazer é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo. E,
na razão mesma em que o quefazer é práxis, todo fazer do quefazer tem que ter uma
teoria que necessariamente o ilumine”. (P.O., 13ª. Ed. 1983, p. 145).
Recordo que a Teoria Antidialógica da Ação se funda em quatro vertentes, que
nesse momento articularei com os quatro eixos da Colonialidade/Decolonialidade, tal
como nos propõe Walsh (2008; 2009, 2017):
CO-LABORAÇÃO é relação com o outro. Significa laborar com, tecer com @
outr@ parceiramente. Potencializa o reconhecimento da realidade, acima dos proce-
dimentos fragmentadores; desvela criticamente o mundo e o quadro opressor; reco-
nhece que é no encontro que podemos avançar. Decolonializa o Ser por meio das
eco-relações, da supra-alteridade (FIGUEIREDO, 2003; 2007).

196
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

UNIR PARA A LIBERTAÇÃO - implica em comunhão entre os seres; entre cultura


e natureza, entre as dimensões humanas; entre objetividade e subjetividade. Une o
que vem se apresentando falsamente como separado. A relação integradora viabiliza
a Decolonialidade do Poder. Nas metáforas categoriais da Perspectiva Eco-Relacio-
nal - PER, encontramos o reconhecimento d@ outr@ como legítimo em si, por ser
reconhecido como autor(a) epistêmic@ na feitura do saber parceiro (FIGUEIREDO,
2003; 2007)
ORGANIZAÇÃO - é a maneira orgânica pela qual se busca unidade. Interação re-
volucionária que contribui com deliberações democráticas e participativas. Testemu-
nho afetivo: radicalização quanto à busca das raízes de nosso ser mais inteiro; crença
nos saberes populares; prática da liberdade não autoritária, nem licenciosa. Dessa for-
ma se pode enfrentar com a Decolonialidade do Saber as estratégias manipulatórias.
No cenário da Perspectiva Eco-Relacional - PER, encontramos o Grupo aprendente/
epistêmico e nesse contexto cooperativo e solidário vamos tecer novos projetos sociais
(FIGUEIREDO, 2003; 2007).
SÍNTESE CULTURAL visa à transformação; tenciona permanência-mudança; é
emancipatória; favorece a criação parceira das pautas de ação; resolve a contradição en-
tre o saber da liderança e dos grupos populares. Integra Decolonialidade do Saber com a
Decolonialidade do Poder, do Ser na perspectiva da Decolonialidade Ambiental.
Síntese: Dialogicidade é Decolonialidade do Ensinar: implica em uma Teoria de
Ação Dialógica. No corpo das metáforas categoriais da Perspectiva Eco-Relacional -
PER, encontro o próprio saber parceiro, já citado, pois que é essa compreensão da
relevância da compreensão compartilhada e com ela mobilizada coletivamente.
Na ação dialógica, os sujeitos se encontram para a transformação do mundo em co-
laboração, co-laboração esta que se concretiza no diálogo, ou seja, na comunicação entre
os seres humanos mediatizados pela realidade. Como força contrária à manipulação e à
conquista está a organização das ‘massas’ populares em classes. Tal mobilização envolve
também a liderança revolucionária que acredita no povo e, juntamente com ele, instaura
o aprendizado da pronúncia do mundo, aprendizado verdadeiro, dialógico. Há um ma-
nejo das pessoas a partir de uma ênfase na visão localista dos problemas, do treinamento
de líderes formadores dessa visão e da apregoação da harmonia de classes. Divididos, os
oprimidos serão sempre presos fáceis do dirigismo e da dominação...
O objetivo da ação dialógica está em proporcionar que os oprimidos exerçam um
ato de adesão à práxis verdadeira de transformação da realidade injusta. Essa ade-
são implicará no rompimento com a visão mítica do mundo e a conscientização dos
oprimidos sobre a real situação em que se encontram. Instrumento de superação da
própria cultura alienada e alienante. Na síntese cultural não há invasores nem modelos
impostos. Liderança e povo criam juntos as pautas para a sua ação.
O conhecimento da totalidade é indispensável à ação da liderança revolucionária
como síntese cultural. Esta se incorpora ao povo na ação reivindicativa, problema-
tizando o significado da própria reivindicação. A síntese cultural serve, portanto, à
organização e esta à libertação... Nesta teia epistêmica são saberes válidos aqueles que
possibilitam o bem viver, o sumak kawsay, considerando a interculturalidade crítica
e decolonialidade. Vale salientar, que conhecimentos desejáveis, neste procedimento
dialógico, são os que potencializam uma comunidade solidária, equânime e fraterna
(FIGUEIREDO, 2010; 2010b; 2012; 2018; AZIBEIRO, 2018).

197
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Para Freire, a educação é vista como ato de enfrentamento amoroso. Nesse con-
texto, o diálogo se erige como instância transformadora, crítica. Essa abordagem
dialógica é, essencialmente, uma educação que potencializa os seres humanos para
a amorosidade, para a compreensão e resolução de questões fundamentais da vida
do lugar... É centrada em uma práxis que pretende trans-referenciar um bem viver
compartilhado. Observemos que a totalidade do real impõe necessidade de múltiplos
olhares, trans-referencialidade, trans-disciplinaridade, trans-versalidade, politicidade,
eticidade, esteticidade, eco-relacionalidade; em síntese: diálogo contextualizado com
@s outr@s na práxis.
A cultura emerge como campo de embate, mas também como ambiente de encon-
tro, pelos desejos e significados. O mundo não está dado, mas se faz por meio do diálo-
go-práxis, palavr-ação permanente. A história se produz pelos seres em suas relações.
Dialogar é transformar...
A amorosidade é o coração dos princípios que requerem uma incorporação con-
junta e, é possivelmente, a dinâmica mais profunda e complexa da qual o humano
pode participar. Inicia-se a partir do momento em que um ser se liga a outro pelo
‘amor’, pela aproximação cuidadosa. Dentre os critérios fundamentais: o respeito e o
cuidado por si e pel@s outr@s. Cuidar é um ato consciente que pode ser ensinado, e
consiste, por sua vez, num dos maiores geradores de prazer que a percepção humana
conhece.
O amor diz que o que realmente importa é se importar com @ outr@. Assim se faz
o amor que transmuta. E, se ninguém ensina a ninguém, se ninguém aprende só, só
se aprende com... amor! Nessa trajetória o saber de experiência feito, encharcado de
afetos, de amores e desejos, dão consistência ao diálogo, enriquecem a vida, as lições
da escola, das relações cotidianas. Dessa maneira, aqui se oferece parcerias, possibili-
dades, alternativas, diálogos freireanamente tecidos.

198
(IN)CONCLUSÃO

“Enquanto relação democrática, o diálogo é a possibilidade de que disponho de,


abrindo-me ao pensar dos outros, não fenecer no isolamento”.

“... um poema, uma canção, uma escultura, uma tela, um livro, uma música, um fato,
um feito, um acontecimento, jamais têm, explicando-os, uma única razão. Um aconte-
cimento, um fato, um gesto, de amor ou de ódio, um poema, um livro se acham sempre
envolvidos em densas tramas, tocados por múltiplas razões de ser, de que algumas
estão mais próximas do ocorrido ou do criado, de que algumas são mais visíveis enquan-
to razão de ser” (Freire, 1994; p. 120).

F
inalizando, estamos conscientes da necessidade de reconhecer que estas res-
postas são decorrentes do que est@s professor@s consideram apropriado
apresentar acerca de suas práticas e teorias... há de se ter uma relativização
desses depoimentos. Diante das nossas questões, temos respostas tipo, o que ele quer
que eu responda.... o que devo responder ... o que devo evitar responder... Há uma
tradução, por parte dest@s professores, que el@s nos oferecem acerca de suas vivências
e experiências. Há uma tradução da minha parte aqui, quando dialogo com este/esse
material de conformidade com as leituras que posso realizar, como fruto de minhas
outras relações praxiológicas e teórico-conceituais e mesmo de minhas escolhas me-
todológicas.
Sabemos que o que estamos aqui apresentando, tudo isso, traz diversos vieses,
próprios de uma pesquisa científica... Mas acreditamos que existem aportes e con-
tributos interessantes para quem quer dialogar sobre práxis dialógica em processos
de ensino-aprendizagem, particularmente aplicados no ensino superior, na formação
universitária...
Constatamos que a maioria dos depoimentos circulam em redor de um buraco que
é a teorização da prática... Há uma leitura que tende a apresentar elaborações teóricas
acerca do que fazem, ao invés de aparecer atividades concretas que foram realizadas
pelo grupo de professor@s entrevistad@s. Vez ou outra aparecem... Isto não retira a
importância dos resultados, ainda que nossa expectativa fosse outra.... Esperamos ain-
da avançar com a práxis dialógica corporificada em diversas aulas dialógicas a serem
disponibilizadas em futuro breve.
A estética, a arte, muito nos ajudam nisso, os mecanismos associados à dimensão
estética favorecem a superação desses modos de ser, ineptos para a dialogicidade. Ve-
nho conclamando os 3 As: Amor, alegria e arte como antídotos diante dessa loucura

199
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

que estamos vivendo atualmente. A escuta total na humildade e na fé em relação a(o)


outr@, a disponibilidade para o outro na amorosidade, a curiosidade constante numa
pretensão epistemológica, a convicção de sermos sementes do ser-mais, a certeza de
que realmente aprendemos na relação, na dialogicidade, no encontro com o outro
em toda sua legitimidade, autenticidade, são efetivamente imprescindíveis para se ser
dialógic@.
A ética dialógica pode ser elaborada através da práxis dialógica. Entretanto, temos
aportes nos autores que aqui trazemos para ampliar nossa percepção e nossas repre-
sentações. Reconhecendo que a realidade é sempre maior do que podemos abarcar,
mas que a relação dialógica alarga nossos horizontes e @ outr@ é espelho para poder-
mos ir além.
No ensaio de finalizar esse relato-relatório, salientamos que somente é possível
uma aula dialógica autêntica, verdadeira, na conjuntura de ser dialógic@. E, nesse
modo de ser e agir e sentir-pensar o diferente-igual é que encontramos o alicerce de
nosso aprender-ser feliz. Pois, como diria Paulo Freire, se nada resultar disso tudo, que
possamos manter a esperança de que um dia será possível ter um mundo no qual é
possível amar e ser feliz...
A tese caminhou desde seu início numa perspectiva eco-relacional. Constato clara-
mente que desde os princípios até o final traz esta pretensão eco-relacional. Se o Cami-
nhante Semeador parece ser algo meramente humano, na verdade a natureza denota
várias situações comprobatórias de que todos os seres têm seus caminhos e semeiam
de algum modo. Do mesmo modo, a tecelagem está muito associada ao aprendizado
que nós realizamos com as aranhas. A teia epistêmica é um atributo humano, e da na-
tureza, tal como a borboleta e o alçar voos, que também é um atributo da humanidade.
Avançamos humanos e natureza não-humana para além de nossa condição atual. Em
tudo e em tod@s há de se incorporar dimensões como o amor, a humildade, a fé, disto
emerge o esperançar e a práxis transformadora. Há de se continuar...

200
REFERÊNCIAS58

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BARBIER R., L'approche transversale, l'écoute sensible en sciences humaines, Paris,
Anthropos, coll. Exploration interculturelle, 1997.
BARBIER, René, Escuta sensível na formação de profissionais de saúde (*) René Bar-
bier (Universidade Paris 8, CRISE) http://www.barbier-rd.nom.fr/ Conferência na Es-
58
Aqui, mais uma vez, vamos usando nossa licenciosidade e transgrediremos a norma para
apresentar nas referências um bom número de artigos e livros que foram considerados em nossa
leitura e elaboração, embora deixem de aparecer explicitamente no corpo do texto. Mesmo as-
sim, os mantivemos nas referências bibliográficas por reconhecermos a pertinência no sentido
de viabilizar indicações de leituras futuras para nossos leitores e interlocutores dialógicos.

201
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

cola Superior de Ciências da Saúde – FEPECS – SES-GDF http://www.saude.df.gov.br/


FEPECS . BARBIER R., La recherche-action, Paris, Anthropos, 1996 (traduction en
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210
ÍNDICE REMISSIVO

A
A borboleta 4, 143, 150, 155, 157, 167, 194, 195, 200
Amorosidade 9, 27, 28, 29, 30, 31, 34, 37, 40, 47, 59, 60, 94, 97, 98, 134, 146, 152, 153,
158, 159, 163, 164, 167, 181, 182, 187, 196, 198, 200
C
Caminhante Semeador 3, 33, 200
D
Decolonialidade 7, 8, 15, 45, 64, 65, 80, 90, 197
Dialogicidade 7, 12, 19, 35, 36, 37, 41, 43, 45, 49, 50, 51, 53, 54, 55, 56, 58, 70, 71, 74,
76, 79, 86, 87, 92, 97, 105, 117, 127, 134, 135, 142, 149, 152, 158, 167, 182, 188, 199,
200, 204, 205
Diálogo 7, 153
Diálogo freireano 54
E
Educação como Prática da Liberdade 22, 79, 146, 149, 150, 178
esperança 9, 29, 37, 38, 39, 40, 54, 59, 60, 101, 109, 140, 148, 149, 151, 152, 153, 156,
160, 161, 163, 164, 165, 166, 169, 170, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181,
182, 189, 195, 196, 200, 206
F
formação docente 7, 8, 15, 18, 19, 43, 44, 65, 66, 67, 79, 90, 99, 102, 137, 204
H
humildade 9, 30, 34, 37, 38, 39, 40, 59, 60, 94, 95, 98, 109, 128, 131, 140, 149, 151, 152,
153, 156, 158, 159, 160, 161, 163, 164, 165, 167, 170, 171, 172, 173, 177, 180, 181, 182,
196, 200

L
lugar de diálogo 4, 15, 181

M
Metáforas 8, 12, 13, 18, 47, 48, 86, 89, 103, 143, 147, 180, 181, 182, 183, 184, 185, 186,
187, 188, 192, 196, 197, 201
P
Pedagogia da Autonomia 79, 92, 93, 96, 146, 149, 150, 163, 165, 167, 196, 206.
Pedagogia do Oprimido 4, 155
Perspectiva Eco-Relacional 8, 17, 18, 22, 23, 37, 40, 41, 42, 45, 46, 48, 60, 78, 79, 80,
81, 86, 89, 103, 104, 178, 197
Práxis 8, 11, 16, 18, 19, 21, 26, 35, 37, 38, 39, 40, 43, 44, 48, 50, 53, 54, 55, 59, 60, 62, 65,
71, 87, 89, 92, 99, 100, 101, 103, 104, 117, 137, 140, 146, 149, 156, 159, 160, 161, 163,
177, 186, 194, 196, 197, 198, 199, 200, 203, 205
Princípios dialógicos 8, 12, 15, 18, 86, 103, 143, 145, 146, 150, 151, 156, 158, 164, 168,
177, 178, 180, 182, 196
S
Ser mais 9, 37, 38, 39, 40, 48, 58, 67, 92, 108, 117, 124, 160, 165, 168, 174, 180, 197
T
Teia epistêmica 128, 193, 197, 200
Teoria da ação dialógica 15
Editora Livrologia
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Título
Formação d@ educador(a) dialógic@ numa perspectiva decolonializante

Organizadores
João B. A. Figueiredo

Assistente Editorial
Nicole Brutti

Bibliotecária
Karina Ramos

Arte da capa
Larissa Rogério Bezerra (Drª. em Educação - UFC)

Design Gráfico da capa


Clara de Freitas Figueiredo (Drª. em Comunicação e Arte - USP)

Projeto Gráfico e Diagramação


Paula Editorações
Site: www.paulaeditoracoes.com
Instagram: @paulaeditoracoes

Formato
15,5 cm x 22,5

Tipologia
Minion Pro, entre 8 e 10 pontos

Papel
Capa: Suprema 280 g/m2
Miolo: Pólen Soft 80 g/m2

Número de Páginas: 215

Publicação: 2022
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