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PEDRO BANDEIRA
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A Drogo do Obediêncio

A primeiro oventuro dos Koros


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Elll Moderna
1

Sunaeruo

1. Os Karas........ 7 16. A outra mensaÉlem de Chumbinho. ........101


2. Estranhos acontecimentos. 73 77 . O cadâver mensageiro ..................... ,,,,..,,707
3. Investigação no Elite......... 7g 18. O perigoso espião2inho................... ........111
4. Crànio raciocina .27 1!. Códigos combinados........... ........776
5. O plano de Miguel .)) 20. Em busca de fortes emoções ........727
6. Um encontÍo inesperado.. .39 21. Um casal de namorados curiosos.... ,,,,,...125
7. Chumbinho valente ........... .44 22. Na trilha de um desconhecido ........ ........130
8. Um Kara nas sombras da noite .49 23. O delírio do Doutor Q.I................... ,,,..,..1,34
9. Decifrando a mensagem .57 24. Zé da Silva, perigoso meliante ........ ........740
10. Meninos obedientes ............... .63 25. Dois Karas é melhor do que um só ........747
11. Uma droga mais que perfeita .71 26. Mocinhos e bandidos.......... .... ...153
12. Assalto ao banco?! .................. .78 27. De preferência, mortosl. ........158
73. Infeliz reaparecimento............ 83 28. A capacidade de desobedecer......... ........166
14. Quem será o oferecedofl....... .88 29. E o Doutor Q.I.? .. ........774
15. Os três incompetentes... qa 30. Temos de contínuarl............. ........181
1. Os Kenes

A campainha do Colégio Elite não soou dando o sinal


parao recreio porque o Colégio Elite não tinha campainha.
Um colégio especial como aquele, para estudantes muito
especiais, não precisava de sinal. Todas as decisões no Elite
contavam com a participaçáo direta dos alunos, que, por
isso, cumpriam as regras sem precisar de comando.
Naquele momento, porém, Miguel não estava pensando
nas Íegras democráticas do colégio, embora fosse um dos
mais entusiasmados oradores das assembleias semanais.
Também não estava ligado nas suas responsabilidades
como presidente do Grêmio do Colégio Elite.
Enquanto andava apressado, depois de paspar pela
sala do diretor, a preocupação de Miguel era bem outra. Na
biblioteca, no compuador, consultou os jornais dos últimos
meses e separou algumas matérias. A impressorarapidamen-
te the forneceu duplicatas dos trechos selecionados.
I

Com a pasta de cópias debaixo do braço direito, Miguel


doras do outro time. E a professora de Educação Física
entrou silenciosamente no anfiteatro do Elite. De frente
teve de lamentar a saída da melhor jogadora de vôlei do
para o palco, onde ensaiava o elenco de teatro do colégio,
Colégio Elite. Afinal, a garota tinha se queixado de uma
ele mostrou rapidamente a palma da máo esquerda. Nela,
torção no tornozelo. Era melhor não forçar, pois o cam-
alguém viu um K desenhado a tinta. I peonato intercolegial começaria no próximo mês, e o time
náo era nada sem Magrí.
*** l
A menina saiu mancando da quadra até se ver fora das
vistas do professor. Aí, não precisando mais fingir, correu
A professora de arte ficou chateada quando o ator paÍa o esconderijo secreto dos Karas.
principal da peça pediu para deixar o ensaio, pois não
aguentava mais de dor de cabeça. ***
Estâ bem, Calu . Yá tomar um comprimido.
-
Na entrada dos vestiários do Colégio Elite, havia um
***
quartinho onde eram guardadas as vassouras e outros
materiais de limpeza. Um cantinho sem lâmpada, escuro
Ninguém entendeu quando Crânio abandonou aquela
mesmo de dia. Por isso era difíc1l perceber o pequeno
partida de xadrez, reconhecendo uma derrota que não
alçapáo que havia no forro.
existia, já que seu adversário estava irremediavelmente
Com a agilidade de um gato, Magrí saltou, agarrando
perdido, com um bispo a menos e o rei encurralado, em
a beirada do alçapáo. Afastou a tampa e jogou o corpo
posição de levar xeque-mate em poucos lances.
paru cima como um trapezista.
Mas o xadrez tinha de esperar, porque o jovem gênio
Estava no esconderijo secreto dos Karas: todo o vasto
do Colégio Elite tinha visto um -K desenhado na palma da
forro do imenso vestiário do Colégio Elite, iluminado no
mão que se abrira na entrada da sala de jogos.
centro por algumas telhas de vidro por onde passava aluz
clo dia, deixando todo o resto mergulhado na escuridão,
***
Bem no centro da pequena área iluminada, estava Mi-
guel, sentado sobre os calcanhares. À sua frente, espalhadas
Quando Magrí viu aquele K, estava no meio de uma pelo chão, havia várias cópias de matérias de jornal. Ao
cortada fulminante que não pôde ser aparada pelas )oga-
seu lado, Crânio e Calu esperavam em silêncio.

8
9
Magrí fechou o alçapáo e agachou-se junto aos amigos, Magrí estendeu o braço e apertou a máo protetora de
sem uma palavra. Miguel.
A turma dos Karas estava completa. Haviam sido con- Uma cabecinha apareceu na abertura do alçapáo e

vocados pelo 1(desenhado na máo esquerda de Miguel, o uma vozinha brincalhona invadiu o forro:
sinal de emergência mâxima. Vamos, Karas, apareçamt Eu sei que vocês estão aí!
-
Crânio tirou sua famosa gaitinha do bolso e ficou O dono da vozinha e da cabeça pulou para dentro
passando-a pelos lábios, sern soprar, lentamente. do esconderijo, fechou o alçapáo e avançou até a ârea
Calu quebrou o silêncio, sem se preocupar com o tom iluminada.
de voz, pois o forro do vestiário era uma laje de concreto Os Karas puderam ver a cainha sorridente do Chum-
bem espessa e não deixava vazar nenhum som: binho.
O que houve, Miguel?
- ***
Com os olhos nas cópias de jomal, ainda sentado como
um sacerdote budista, Miguel falou pausadamente:
É uma emergência mâxima. Está na hora de os é,Karus? Eu sei quemvocês sáo,oquevocês
- -Como
Karas... são e sei que esta deve ser uma reunião importante.
Um ruído veio do a\çapã"o. Por um décimo de segun- Dos cantos escuros não veio nenhuma Íesposta.
do, os Karas se entreolharam. Quem estaria invadindo o O pequeno intruso continuou:
surpresâ, hein? Eu sei tudo sobre vocês. Há
esconderijo?
- Que
Obedecendo a um sinal de cabeça do líder, Crânio, muito tempo estou de olho em todos os seus movimentos.
Magrí e Calu saltaram para longe da luz, escondendo-se Mas não precisam esquentaÍ a cabeça: só eu sei de vocês,
silenciosamente na escuridão. não contei nada a ninguém!
Teriam sido descobertos? Ou seria algum servente O silêncio novamente respondeu ao menino.
do colégio que resolvera su'bir no forro do vestiário por E então? Querem brincar de esconde-esconde? Ah,
-
alguma razáo inocente? ah, ah! Eu pensava que os Karas se reuniam para coisas
A tampa do alçapão foi afastada. Os Karas puderam mais importantes!
perceber que havia alguém pendurado na bekada. esfor- Calu mordeu o lábio e Magrí apertou um pouco mais
'a máo de Miguel, enquanto Chumbinho continuava com
çando-se para subir. Parecia ser um corpo bem mais leve
do que o de qualquer um dos serventes. a brincadeira, saboreando o seu triunfo:

10 11
I

Querem que eu encontre vocês? Quem vai ser o


-
primeiro? A Magrimagricela? O Crânio? O Calu? Ou vamos
começar pelo chefão? Hein, Miguel? O que você me diz?
Eu sei ou não sei quem são vocês?
Lentamente, cada um dos Karas saiu da escuridão.
Chumbinho logo estayacercado pelos quatro, bem debaixo
daluz que se escoava pelas telhas de vidro. O menino era
um palmo mais baixo que o menor dos Karas, mas seu 2. EsrneNHos ACoNTECTMENTos
sorriso eÍa o de um gigante:
Olá, pessoal! Por essa vocês não esperavam, hein?
-
Magrí agarroü o garoto pela gola do uniforme: Chumbinho teve de esperar no escuro, mas a reunião
Seu pirralho! Eu devia... dos quatro Karas, improvisada para resolver o problema
- provocado pelo menino, foi rápida. Não havia o que dis-
Ei, calminha, campeã! É assim que vocês recebem
-
as visitas? cutir, pois o pirralho descobrira o esconderijo secreto. O
Largue o menino, Magrí. jeito era continuar a reunião como se Chumbinho fosse um
-
Era avoz de Miguel. Baixa, seca, como deve ser avoz dos Karas. Mais tarde teriam de encontrar outro esconderijo
de um comandante. e despistar o garoto. Todo o esquema de segurança dos
Magrí soltou Chumbinho, e Miguel pôs a mão no om- Karas teria de ser alterado, as rotinas revistas, os códigos
bro do invasor: secretos modificados. Drogal Ia ser uma mão de obra da-
O que você quer aqui? nada. Raio de moleque!
-
Ora, Miguel, ainda pergunta? Eu quero ser um dos E claro que Chumbinho devia pensar que os Karas
-
Karas, é lógico! cram uma equipe maluca que se reunia secretamette para
lrrincar de espião e detetive, porque o menino quase chorou
cle emoção quando foi submetido a uma râpida"cerimônia
cle iniciação" na "Ordem dos Karas", gue Miguel inventou
rra hora sô para fazer feliz o pequeno invasor.
Espetaram o dedo do menino com um canivete, f,ze-
l.am-no escrever uma declaraçáo de fidelidade e carimbá-la

72 73
com o próprio sangue (uma gotinha só); ele teve de re- Euvi as caras de fantasma dos pais do Bronca, pes-
petir um juramento (também inventado na hora) cheio de -
soal. Cheguei perto e ouvi al:iráe dele chorando e dizendo:
expressões como "até a morte", "oferecerei minha própria "Meu filho! Onde está o meu filhinho?..."
yida" e outras bobagenzinhas que deixaram o pobre do É mesmo! lembrou Calu. Desde a semarru
Chumbinho com um nó na garg nta e úmalâgrima equi-
- - -
passada eu não vejo o Bronca!
librada nabeiradinha da pâlpebra. Todos se calaram. A terrível onda de desaparecimentos
Calu queria introduzir outras brincadeiras na tal "ce- estava apavorundo a cidade. Em dois meses, vinte e sete es-
rimônia", mas Miguel não deixou; a emergência mâxima tudantes haviamevaporado sem deixar nem cheiro. A polícia
não podia mais ser adiada. rodavafeitobarata tonta, percorrendo a cidade com as sire-
nes berrando, batendo em todas as portas, dando entrevistas
para todos os canais de televisão, e nem um bilhete ou uma
nota de resgate tinha aparecido para jogar um pouco deluz
Agora eram quatro ouvindo Miguel e as razóes da naquele mistério. Agora, parecia seÍ a vez do Elite.
emergência máxima, só que um deles náo cabia em si de Chumbinho estava excitadíssimo. Durante meses tinha
orgulho e achava que todo mundo estava ouvindo o bater seguido cada passo dos Karas, tinha preparado cuidadosa-

emocionado do seu coraçáozinho. rnente seu plano e, no momento certo, tinha conseguido o

É claro que todos vocês jâ otxiramfalar do desapa-


rlue queria: ser um dos Karas, o avesso dos coroas, o con-
- triria dos caretas! E agora estava envolvido numa aventura
recimento de estudantes recomeÇou o líder dos Karas.
- <la pesada. Com sequestros, polícia e tudo. Era dernais!
aqui nestes jornais: este rapaz sumiu do Equipe,
-Yejam Logo o Bronca! lembrou Chumbinho. Ainda
esta garot4 do Dante, este outro, do Rainha, este aqui, do - - -
rrrr sexta-feira eu convidei o Bronca paÍauma escapadinha
Galileu, esta, do Objetivo, outro do Dante, um do Vera...
l ;rté o flipetama. Gozado! Ele estava táo... tão esquisito...
Mas o Elite, até agora, está fora disso interrompeu
- - Até aquele momento, Crânio só tinha ouvido a discus-
Magrí. Não sei então por que os Karas...
-()tta1( s;ro, com sua gaitinha nos lábios, sem um som e também
agora" acabou, Magri. Neste instante, na sala
- ..i(' rn uma palavr a. Mas-€-qu€ ehurrnbirúo eentlr,a. pa,reeia
do diretor, estão os pais do Bronca com dois sujeitos com
irrrportante:
pinta de polícia.
Esquisito, Chumbinho? Esquisito como?
E da? Isso não quer dizer que... -
- -
Sei 1á. Esquisito... caret^... diferente... sei lá!

L4
75
Fale, garoto! comandou Miguel. Tudo pode deria ser útil. Era uma testemunha. Mais tarde náo faltaria
- - -
ajudar a gente. ocasião de inventar uma forma de afastar o garoto' .
Mais uma vez Chumbinho tinha conseguido tornar-se Muito bem, Karas, vamos agir.Magtí, tente descobrir
-
o centro de atraçáo dos Karas. Estava radiantet se o Bronca tinha alguma namotada. Com cuidado' Pelo
Bom... vocês sabem como é o Bronca... jeito, nem os pais, nem a polícia, nem o diretor querem que
- o desaparecimento venha a público. Eu vou descobrir onde
Claro que sabemos, Chumbinho apressou Magrí.
- - ele mora e procurar os lugares que ele frequentava' Cal't,
É o sujeito mais esquentado do Elite. É por isso que
- papeie com os colegas de classe do Bronca. Descubra quem
todo mundo chama o Bronca de Bronca.
Pois é continuou Chumbinho. Na sexta-feira, foi o último a falar com ele. Descubra tudo o que puder'
- - - Amanhã nos encontraÍemos aqui, no primeiro intervalo'
ele estava diferente. Era como se não fosse o Bronca. Di-
ferente! Parecia um carneirinho, mas um carneirinho com E eu? perguntou Chumbinho.
- -
um olhar estranho, parado, nem sei explicar direito... Raio! O que fazet com o Chumbinho? O menino ti-
Vê se dá um jeito de explicar, moleque! ralhou nha sido necessário para descrever os últimos passos do
- - Bronca, mas era só. Se ele não tivesse alguma tarefa, ia
Calu. Fala logo. Vê se não enrola!
- acabar perturbando. Miguel teve uma ideia:havia o Bino,
Não estou enrolando, Calu! Eu falei pra gente pular
- um garoto novo na escola, meio apagado, que tinha sido
o muro e ir até o flíper, mas o Bronca disse que não, ficou
dizendo que era proibido, ficou repetindo que tudo era transferido para o Elite há poucos dias. Era isso! Basta-
proibido, que ele tinha de obedecer... va colocar Chumbinho em campo neutro e ele náo iria
Aí Calu estourou: atrapalhar.
Ora, deixa de besteira, Chumbinho! O Bronca é o Preste atenÇão, Chumbinho. Agora você é um dos
- -
maior rebelde do Elite. Proibição pra ele é piada! Karas. Não se esqueça do seu juramento. Quero que você
Mas é isso mesmo que eu estou tentando explicar! cole no Bino, mas com muito cuidado. Pergunte se ele iáfez
- amrzades no colégio, pergunte se ele conhece o Bronca"
Por isso é que eu disse que ele estava tão diferente. Esta- '

va... obediente... Não force nada e náo fale do assunto com mais ninguém'
Obediente?! riu-se Calu. Tem graça! O Bronca, Amanhã você me conta o que conseguiu, tá?
- - - O menino sorriu feliz' Deixa
obediente! Joia, chefe! - -
-
Miguel compreendeu que, pelo menos poÍ enquanto, comigo!
náo ia ser possível livrar-se de Chumbinho, porque ele po- Quanto a você, Crânio'..
-

16 77
-
Eui riu-se o gênio da turma. _ Eu vou pra
casa!
-

-
Pra casa?l estranhou Chumbinho. _ Numa hora
-
des.sas? Fazer o quê?

Pensar, Chumbinho, pensar...


-

3. INvesrrcAÇÃo No ELrTE

Todas as manhãs , a chegada dos estudantes ao Colégio


Elite era uma algazarr a total. Naquela ter ça-f ek a, a excitaçáo
era muito maior, pois o desaparecimento do Bronca não
era coisa que se conseguisse manter em segredo, embora
/,* o diretor do colégio tivesse tentado abafar o escândalo de
*

ffi todas as maneiras.


Os Karas tinham passado todo o dia anterior investi-
gando secretamente, e a policia também tinha feito a süa
pafie. Por todos os lados, policiais fardados e à paisana
espalhavam-se como se o Elite estivesse para ser atacado
por um exército.
Agora Miguel esta..{a ali, na sala do professor Cardoso,
o diretor do Colégio Elite. Um homem importante. Nacio-
nalmente, ou melhor, mundialmente respeitado como o
criador de uma experiência educacional avançadíssima,
o Colégio Elite.

1B
79
Naquele colégio, apalavra dialogoffaduzia o relaciona- O diretor recostou-se no espaldar alto de sua cadeira
mento entre alunos e professores, ou entre representantes giratória. Percebeu que não seria fácil dobrar a personali-
dos alunos e direção do colégio. E ali estavam Miguel, rlade do rapaziírho.
como presidente do Grêmio, e o professor Cardoso, como Eu não posso garantir a você que nenhum outro
diretor.
-
,gaÍoto será sequestrado, Miguel. Mas eu posso assegurar-
Miguel, eu conto com você começou o diretor. -lhe que qualquer escândalo maior em torno do desapa-
- -
É preciso manter os estudantes tranquilos e conf,antes rccimento do nosso aluno só poderá ser prejudicial ao
- lilite.
íw atuaçáo da polícia. Tudo está sob controle. Não há nada
a temer. A polícia já tomou todas as providências. Acho que não se trata de evitar escândalos envolven-
-
rlo o Elite, professor Cardoso. O Elite já
providências, professor Cardoso? A polícia está envolvido.
- Que O diretor suspirou profundamente:
já encontrou o Bronca? Já sabe o que aconteceu com os
outros estudantes desaparecidos? Hâ pouco você disse que só existe uma verdade,
-
Ainda não, Miguel. Mas... não foi, Miguel? Você ainda é muito jovem, náo faltarâ
- ocasião de aprender que as coisas são relativas. A verdade
Então a trnica forma de acalmar os alunos do Elite
- tcm várias facetas. Dependendo do lado que se olha, um
é falar a verdade para eles.
Inesmo fato pode parecer totalmente diferente.
O professor Cardoso encarou Miguel, com uma ex-
Eu só vejo um modo de olhar a verdade inter-
pressão dlertida: - -
rompeu Miguel. O modo certo.
-
A verdade? Qual verdade? -
O professor Cardoso ignorou a intermpçào:
Só existe uma verdade, professor Cardoso.
- Yeja o caso do desaparecimento do Bronca, por
-
É mesmo? sorriu o diretor. E qual é ela? -
- - t'xemplo. Se alertarmos nossos alunos, talvez estejamos
Éfalar francamente do desaparecimento do Bronca.
- rrlertando também os sequestradores. Se contarmos a todo
É contar a eles tudo o que a políciajá descobriu.E alertá-
nrundo o que sabemos, talvez estejamos nos revelando
-los para que eles possam se proteger e evitar que um deles
também para os bandidos.
seja apróxima vítima.
O senhoÍ quer dizer que já há suspeitos aqui mes-
A próximavítima? Quem lhe disse que haverá uma -
- r)io, rro Elite?
próxima vítima?
Eu não disse isso. Para não prejudicar as inves-
E quem gataflte que não haverâ, professor Cardoso? -
- tigaÇões, a polícia não está conf,ando nem em mim.

20
21
Ir t'lt's r.str-io muito certos. Já conseguimos também a Eu estou no comando das investigações, rneu tapaz,
r:< rlrrl xrraçào da imprensa. Nenhuma providência policial -
crrrbora ache que náohânadapara investigar. Essa juven-
.scrá noticiada até que os estudantes seiam encontrados.
trrde irresponsável é assim mesmo. Vai ver, o tal garoto...
Só falta agora a sua colaboração, Miguel. Conhecemos a (lomo é mesmo o apelido dele? Bronca, náo é7 Yai ver,
sua liderança e contamos com ela. Temos de impedir o o tal do Bronca está por aí aprootando alguma confi-rsão,
pânico dentro do Elite. É só isso que eu peÇo: impeclir t'nquanto faz a policia perder tempo. Na certa, daqui a
o pânico.
lx)uco vat reaparecer com a cara mais sem-vergonha do
Miguel raciocinou por um segundo e decidiu-se. Afinal rrrundo. Ah, essa juventude!
O outro detetive levantou-se, caminhou até Miguel e
Verei o que posso fazet, professor Cardoso.
- r'olocou a máo amigavelmente no ombro do garoto. Era
Nesse momento, a secretária do diretor abriu a portai
rnais moço que Andrade, e Miguel sentiu uma sensação de
Professor Cardoso, os policiais chegaram.
- t'onforto, de amizade, no Íosto simpático e bem barbeado
Eu éstava esperando por eles. Peça para entraÍem,
- rlo detetive.
por favor.
Como vai, Miguel? Eu sou o detetive
Rubens. Já
Eram dois detetives de terno, com expressão sisu- -
«ruvi dizer que você é um ótimo presidente do Grêmio
da, própria da profissão, e cansada, de quem estava às clo colégio. Pode ficar tranquilo. Vamos descobrir o que
voltas com vinte e oito desaparecimentos de estudantes.
llconteceu com o Bronca.
Sentaram-se no amplo sofá da diretoria. Um deles brincava
A grossa porta da sala do diretor foi aberta naquele
com um molho de chaves, fazendo um barulho ritmado,
rnomento e por ela entrou Chumbinho, acompanhado por
irritante.
rrm guarda. Miguel ouviu novamente o barulhinho chato
O professor Cardoso apontou pata o mais velho dos clo molho de chaves.
dois homens, um sujeito meio gordo, suarento, que mal pediu o guarda,
Com licença, detetive Andrade
cabia no terno surrado. - -
rupontando Chumbinho mas parece que este menino
Miguel, este é o detetive Andrade. Ele quer fazet -,
- Ítri o último a encontraÍ-se com o desaparecido.
algumas perguntas a você.
Andrade levantou-se do sofá com dificuldade. A sua
O detetive eÍtxugou o suor do pescoço e da c reca cxpressão era de desinteresse, mas, no seu olhar, Miguel
com um lenço amarrotado e falou, sem olhar pata o garoto,
percebeu um brilho que desmentia a expressão.
como se estivesse interrogando as paredes:
Você foi o último a ver o Bronca, não é, garoto?
-
22
)1
O coração de Miguel bateu apressadamente. Havia Andrade perdeu a paciência:
alguma coisa estranha, alguma coisa muito estranha no ar. Vamos, garoto. Eu não tenho o dia todo. Vamos
-
E ele decidiu que a situação náo era para confiar. Mas e rlireto ao ponto.
Chumbinho? Será que ele conhecia mesmo todos os sinais Que ponto?
-
e códigos secÍetos dos Karas? O Bronca, menino! Você encontrou ou não encon-
-
Acho que fui eu, sim ia dizendo o menino no t.rou o Bronca?
- - O Bronca? Ah, sim, o Bronca. É claro que eu en-
momento em que Miguel cruzou os braços.
-
Sim. Chumbinho sabia o que significavam os braços contrei.
cruzados. Era o sinal de silêncio dos Karas. Era a ordem E o que foi que ele disse?
-
para "trartcar-se". Equivalia a um dedo encostado nos lá- Ele disse oi.
-
bios, só que ninguém sequer desconfiava. Era preciso ser oi?
-
um Kara, e Chumbinho, agora, era um deles. oi.
- E você?
E então, menino? peÍguntou o detetive Andrade,
- - -
irritado. O que você viu? O que o tal Bronca disse? Havia Eu o quê?
- -
algum desconhecido com ele? Havia alguma coisa estranha O que é que você disse?
-
com ele? Ele disse alguma coisa? Vamos, fale, garoto! Eu? Eu respondi oi, também.
-
Os olhos do Chumbinho piscaram inocentemente: O rosto de Andrade avermelhou-se. O detetive estava
Bem... sabe? Eu tinha dado uma escapadinha até Í'urioso e apertava o lenço com ambas as mãos, enquanto
- o suor gotejava-lhe pela careca. Sua voz saiu espremida,
o fliperama, né? É que eu sou muito bom em fliperama,
sabe? Pois é, acho que eu sou o melhor do colégio. Junta com raiva:
gente em volta quando eu estou jogando... Você está me gozando, moleque?
-
bom, garoto. E o Bronca? Eu? Eu não, senhor...
-Tá -
Ah, o Bronca nào é muito bom em flíper, não. Ele Rubens sorriu para Chumbinho:
- Foi só isso? Ele não disse mais nada?
é meio esquentado, não tem paciência, sabe?
-
F. daí? Chumbinho continuou com caúnha inocente:
- Não. Foi só oi. Ele devia ter dito outra coisa?
daí que ser bom em fliperama náo é pra qualquer
-E -
um. Eu, por exemplo... Foi aí que o detetive Andrade explodiu:

24 25
Ponha-se daqui pta fora, moleque! E você aí, des-
-
cruze os braços. Isso não é modo de se portar diante de
uma autoridade!
Quando a poÍta da diretoria se fechou atrâs dos ga-
rotos, Miguel podia ouvir o irritante barulhinho do molho
de chaves nas mãos do detetive. I t

4. CRÂNIo RACIOCINA

Quando Miguel e Chumbinho fecharam o alçapào


tlepois de pular parz. o esconderijo secreto, da gaitinha
rlo Crânio vinha uma melodialenta, que se espalhava por
t«rdo o forro do vestiário do Elite.
Por que você fez o sinal de silêncio, Miguel?
-
O líder dos Karas sorriu quando olhou paÍa o menino.
No dedo indicador damáo esquerda do Chumbinho, aquele
tlue havia levado uma espetadinha para a tal "cerimônia de
irriciação", havia um enorme curativo. O dedo do garoto
('stava enrolado com gaze e esparadrapo como se tivesse
r;ofrido um sério acidente...
Está rindo de quê, Miguel? Eu perguntei por que
-
você fez o sinal de silêncio.
Ahn? Não sei, Chumbinho. Eu achei que havia al-
-
qlllna coisa estranha, alguma coisa que me deixou descon-
íirrdo. Achei melhor náo falar nada agora. Além do mais,
nris sabemos muito pouco.

26
27
Mas tem aquele jeito estranho do Bronca, Ele nunca E você, Chumbinho? Descobriu alguma coisa?
- -
foi obediente assim. Eu grudei no Bino o dia todo, como você mandou,
Pois é, Chumbinho. É só isso que temos. E não
-
e descobri que ele é legal. Gente fina, bom papo. Só que
-
vamos contar nada para ninguém. Pelo menos por en- náo é de nada no flíper...
quanto. Não diga, Chumbinho!
Magrí e Calu chegaramjuntos, e a menina foi a primeira
-
Descobri também que ele náo era muito ligado
a apresentar seu relatório. Enquanto Magrífalava, o som da -
no Bronca. Parece que papearam uma ou duas vezes, só
gaitilrha do Crânio ficou suave como uma carícia. isso.
O Bronca tinha uma namorada, sim, mas a gaÍota Nessa altura, todos os olhares estavam fixos no Crânio.
-
não sabe de nada. Não viu nada, nem ninguém estranho.
O rapazinho parou de tocar a famosa gaitinha,batett-a na
Está tão "desconsolada" como desaparecimento do Bronca
coxa para eÍrxugar e falou, correndo os olhos por todos
que até jâ arranjou outro namorado pra tet com quem se
os companheiros até encontrar os grandes olhos de Magrí.
"consolar"...
Enrubesceu um pouco e começou:
E você, Calu?
- Este não foi um sequestro comum,Karas. Acho que
Nada estranho, Miguel. Ninguém se lembra de ter vis- -
- não devemos esperar por algum bilhete ou telefonema
to o Broncafalando com alguém desconhecido, nem sabem
misterioso exigindo resgate.
dizer se o Bronca estava diferente. Nada, nada mesmo.
Crânio espalhou as cópias de notícias de jornal pelo
Eu descobri que o Bronca era um sujeito meio re-
- chão:
servado relatou Miguel. Não deu para saber se ele
- -
frequentava algum lugar especial fora do colégio. Acho que O Bronca é o vigésimo oitavo estudante a desapa-
-
estamos empacados, Karas. Nem sei por onde começar. recer em cerca de dois meses. Vejam: desapareceram três
E eu, Miguel? perguntou Chumbinho apontando cstudantes de nove colégios diferentes. Éi facil concluir
- - cntão que o Bronca é somente a primeira vítima do Elite.
para si mesmo com o dedo enfaixado.
Ai, ai, ai, Miguel tinha se esquecido do Chumbinho! Era A primeira vítima?! O que é que você quer dizer
-
preciso manter o menino interessado até que fosse possível c:om isso?
despistáJo. Se o moleque se sentisse à margem, poderia Quero dizer que estamos agindo contra uma orga-
-
botar a boca no mundo e revelar todos os segredos dos nizaçáo poderosíssima, na certa dirigida por uma cabeça
Karas. O jeito era seguir com o jogo: privilegiada. Finalmente, um rivalà minha alturat

28 29
1

Mas o que esse tal cérebro pretende com os estu-


-
Mas os sequestros... -
Não são sequestros comuns. Há um método. Um dantes sequestrados?
-
método Acho que esse cérebro criminoso não está seques-
científico de amostragem. Estão sendo recolhidas -
três amostras de cada um de pelo menos dez diferentes trando estudantes, Calu. Está recolbendo cobaias!
colégios, todos do mesmo padráo. Pelo jeito, eles querem - Cobaias humanas?! - assustou-se Chumbinho.
jovens da classe alta, bem alimentados, saudáveis, boas Exatamente. Cobaias sadias, bem nutridas, pata
-
cabeças, atléticos... algum tipo de experiência maluca. Maluca e macabra!
Então quer dizer que... Chumbinho entendeu de repente toda a extensão do
- perigo que rondava o Elite:
Quer dizer que mais dois alunos do Elite devem ser
-
sequestrados ainda esta semana. Hoje mesmo, talvezl Então erâ por isso que o Bronca estava estranho
-
daquele ieito! Tão obediente e táo c reta. Vai ver eles hip-
*** notizaram o Bronca pra facütar o sequestro!
Nada disso, Chumbinhs in1sffsÍnpeu Crânio.
- - -
Os Karas se entreolharam. A lógica do raciocínio do Em hipnose eu sou especialista. Cientificamente, a hipnose é
Crânio era indiscutível. O perigo estava presente. E aameaça um método muito interessante, mas tem as suas falhas. Não
eÍa gfave. é todo mundo que pode ser hipnotnado. E o nosso genial
Eles vào pegar mais dois de nós! espantou-se a inimigo não admite falhas. O método dele é certeiro!
-
menina. Mas para quê?
-
Então... raciocinou Magrí se o Bronca estarra
-
Não sei ainda, Magrí. Cheguei a pensat em um - -
- parado, alguma coisa
- diferente, de olho fizeram com ele.
sequestro em massa para a obtenção de um vultoso res-
Se não foi hipnose, então...
gate das maiores fortunas de São Paulo. Mas, nesse caso,
Então?
por que exatamente três alunos de cada colégio? Por que -
Então vai ver deram uma droga pra ele!
sempre os mais saudáveis, atléticos e inteligentes? Por que - Isso Ínesmo, Magrí Miguel confirmou. Uma
não simplesmente os mais ricos? Está clarot Ele náo vai - - -
droga. Só o efeito de uma droga poderia explicar o com-
pedir resgate. ..
poÍtameoto do Bronca...
EleT Ele quem?
- Não sei quem é ele. Mas eu Chumbinho entusiasmou-se:
sinto que estou diante
- É isso! Eles agarraram o Bronca e obrigaram o coi-
de um grande cérebro, muito
alguém especial. Perigosa- -
tado a tomar a tal droga!
mente muito especial...

31
30
À força? sorriu Crânio. Se eles pegaram o
- - -
Bronca à força e aplicaram-lhe uma droga, por que não
c Íreg ram logo com ele? Por que ele Êcou livre para cir-
cular por aí e aindabater um papinho com você?
Chumbinho calou-se, e a hipótese mais terrível surgiu
clara na cabeça de Miguel:
Então o Bronca tomou a droga por sua livre von-
-
tade? Nesse caso...
Nesse caso a droga foi oferecida a ele tranquila- 5. O PLANo DE MIGUEL
-
mente, por alguém que ele conhecia e em quem confrava
completou Crânio. E, se o Bronca estava no Elite
- - O silêncio ocupou todo o esconderijo dos Karas. Não
sob o efeito da droga, o mais lógico é supor que ele tenha
havia medo no arl pois aquela turma náo era de sentir
tomado a droga aqui dentro, náo ê?
medo. Mas os cinco corações batiam apressados, injetando
É... paÍece lógico. ânimo nos cinco corpos, para enfrentar toda a açáo qtte
-
Então esse tal oferecedor de drogas que ele conhe-
- estava paru vir.
cia e em quem confiava... começou Calu.
- As notas agudas da gaitinha do Crânio se frzeram ou-
Crânio arrematou: vir, tornando ainda mais pesado o ambiente. Miguel estava
É daqui, de dentro do Elite!
- pensando. Pensando estavam todos, e Chumbinho deu uma
Barbaridade! E ele vai agir de novo! Duas vezes!
- tossida que revelava o seu nervosismo.
Talvez até jâ esteia agindo! pó... Isto aqui pó... desculpou-
Éo está cheio de
- -
-se o menino.
Sentado nas pernas, que era o jeito de Miguel sentaÍ-se,
o líder dos Karas encostolr o queixo no peito e fechou os
olhos, em grande concentração. A seu lado, o coração de
Magrí fazia sulsir e descer o último E do nome do colégio,
impresso na camiseta da menina.
Quase encostado no geniozinho dos Karas, Calu sus-
surrou, com malícia:

1)
33

L
o
adianauma açáo'Entenderam que
lrcm que Miguel iamats
Você já notou os peitinhos que estão crescendo na biblioteca"
- um plano e sabiam que "estudar
na Magrí? tmigo tinha
qual a ptôxrma
cra urn código que indicava' a cada um'
Por um instante, a cakna do Crânio pareceu perturbada:
Numa hora como esta, você... t:xefa a cumPrir'
- e foi pensando' revoltado:
Chumbinho não sabia disso o tal
Calmal brincou Calu. Eu esqueci que você só Crânio não disse que
- - - "Esperar?! Mas o próprio
pensa cientificamente. repente'
agindo agoÍamesmo? De
..

Crânio conseguiu controlar-se; oferecedor poderia estar controle


a polícia tem tudo sob
vern o Miguel e dizque
Eu não penso só em máquinas, Calu. Eu penso em achava os
- que não vai utot't"t"' mals tnda" ' E eu que
e
carne também... Bom' se Miguel pensa
Karasuma turÍnatáo sensacional!
-
Não vá.me dner agora que você também é humano... ele estuda para a Íal
Mas a provocaçáo de Calu não encontrou ouvidos. que eu vou frcar parudo enquanto
Crânio estava novamente tocando a gaitinh4 e em seu provinha, está muito enganado!"
ChumbinhoÍoifazer o que
achava
E, apressadaínente'
cérebro sô havia lugar para o mistério dos estranhos de-
saparecimentos. que tinha de fazet'

O líder dos Karas levantou a cabeça e olhou para *,F*

Chumbinho. Decidiu que estava na hora de acabar com a


brincadeira do menino. O plano que tinha de ser posto em passl'
Cada um por sua vez'
todos os Karas veteranos
prâtica era arriscado, e ele não podia expor um garotinho
que Miguel saiu de lâ'
como aquele a üma quadrilha tão impiedosa. ram pela biblioteca, depois
Na página 112 dotexto
da peça O auto d'a Compade-
em
Calu encontrou sua arefa
Miguel encerrou a reunião, dizendo que tinha prova de
cida, deAriano Suassuna'
ínatemática naquele dia e precisava estudar na biblioteca. partid'as' de Bobby
código. No Minbas sessenta melbores
E a investigação? Karatê
- o que tinha defazer'Eno
Não a-vafiçamos muito hoje, Chumbinho. Recome- Fischer, Crânio descobriu
- estaza a parte da Magtí'
uital, deMatsutatsu Otarna' Miguel
çaremos amanhã.. O Elite está cheio de policiais. Acho que a perder' As ordens de
Não havia um minuto
não temos nada a temer por enquanto. O tal oferecedor
puseram-se a campo'
deve esperar por uma oportunidade melhor. eram clarus'E os Karas
Um a um, todos os Karas foram deixando o esconde- ***
rijo. Os mais veteranos, Magrí, Calu e Crânio, sabiam muito

35
34
Mígrrt.l s:rlrirr
aqLleles desaparecimentos

u j;
rrIgrrrrr rk'rrrilrc
.,-r.,t"'t tinham }{avia os pipoqueiros, sorveteiros e vendedores de
lrr-rgigangas que sempre cercam os colégios, disputando
; :;:l;: :'",x;':::.1'T,[i"T,ã: rrs mesadas dos estudantes. Mas foi fácil verificar que to-
Iixurrrin:lncio AS notícias
dos jornais, Miguel clos os vendedores ao redor do Elite eram os mesmos há
() nrétoclcr
da
verificou que
quadrilha eÍa segLrestrar
todos OS três estudan rnuito tempo, e nenhum outro havia aparecido paru fazer
tes de uma IICSIIA
escola antes de passar
Isso queria dizer para a próxima. concorrência.
que o tal oferecedor
escola, ganhava infiltrava-se em uma Assim, por eliminaçáo, alógica dizia qlue o oferecedor
a conÊança de
três meninos ou cle drogas náo agia dentro das escolas. Mas ele tinba de
oferecia a droga meninas
e depois a bandonava
aq uela escola. agir. Senão, como explicar que todos os estudantes tivessem
Aí estava um padrão:
nove escolas haviam
sitadas pelo tal sido v1 desaparecido em suas escolas, e não em suas casas, seus
oferecedor de drogas
dois rnESES Isso em pouco mais de clubes ou outro lugar qualquer? Como explicar o Bronca,
queria dizer que
ou menos uma semana o bandido frcava
mais dentro do Elite, falando com o Chumbinho e assombrado
em cada colégio
seÍ um SO Se houvesse Portanto deveria
mais de um certamente como um cretino?
a tacar mais de poderiam
Llma escola na
mesma semana
Claro! O oferecedor trabalhava dentro dos colégios.
o oferecedor era um so Era alguém de dentro. Só podia ser. E, se faltavam ainda
mas quem serta ele?
professores? Miguel Um dos
achava clifícil encontrar dois alunos para completar a trinca que deveria desapare-
que ta balhasse um professor
nos dez colégios cer do Elite, o oferecedor ainda estava ali por perto. Mas
ao mesmo tempo.
qualquer forma tinha Mas, de
mandado Crânio quem seria ele?
de professores de compafar AS Iistas
todas as escolas
envolvidas Crânio tinha razáo. O plano parecia perfeito, sem uma
Um dos funcionários
nao poderia set pois falha, produto de uma mente criminosa fora de série.
consegLle mudar ninguém
de emprego :l CA
cl:r sefllana. Era preciso procurar outras peÇas para montar aquele
C) quadro
de funcionári<>s Alénr diss o
do Illitcr efa o rnesmo
comeÇo do ano. des de o quebra-cabeça. Tinha de haver alguém ou alguma coisa
Ninguém tinha sido
desde então. admitido ou demitido comum ao Bronca e aos outros vinte e sete infelizes que
Seria um dos tinham caído nas mãos do cérebro criminoso.
Bobageml como
tudante poderia é que um es- Por isso tinha mandado Magrílocalizar as famílias de
:equentar um colégio
oalunos?
semana? diferent. ,u,Ou nove dos desaparecidos, separado mais nove para Calu
^
investigar, ficando com os últimos nove para si.

36

37
Quem sabe se depois, juntando o que cadaumouvisse,
fosse possível esclarecer aquele mistério?

*r<*

Entardecia quando Miguel estacionou a bicicleta na


pofia de uma rica mansã,o no Jardim Europa, depois de já
ter conversado com duas famflias de estudantes desapare-
cidos, e de não ter conseguido localizar uma terceira. Foi 6. tlu ENCoNTRo INESPERADo
aí que um carro da polícia parou ao seu lado.
Olá., Miguel cumprimentou alguém de dentro
- - O que está fazendo por aqui, garoto? perguntou
do carro. - -
o
líder dos Karas ouviu nitidamente o barulho irritante o detetive Andrade, saltando do carro e agarcando Miguel
do molho de chaves. pelo braço. O que você quer nesta casa?
-
Eu? Nada... respondeu Miguel, tentando livrat-
- -
-se do aperto.
Você não sabe que casa é esta? Vamos, respondal
-
O detetive Rubens colocou-se entre os dois. Afastou
Andrade firmemente com uma das mãos e passou o outro
braço em torno dos ombros de Miguel.
Calma, Andrade. Deixe o garoto comigo.
-
Não se meta, Rubens. Eu quero saber o que esse
-
moleque estâ fazendo aqui. Esta é a casa daquele garoto
que desapareceu lâ do Dante. Eu quero saber.. '
Miguel tentou manter a cabeça no lugar. Percebeu que
o jeito era bancat o garoto assustado:
Eu... eu não sabia. O que é que tem essa casa? Eu
-
ia falar com um amigo que...

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39
Ah, é? gozou Anclracle, _ H vocô também
- - es_
-
O senhor estâ enganado. Eu vim.
tava visitando amiguinhos quanclo foi
fazer perguntas Garoto, acho melhor me acompanhar até a delega-
na casa daquela menina que desapareceu -
do Equipe? cia. Acho que temos umas coisinhas a esclarecer.
E na casa daquele garoto que sumiu
do yera? Hein? Espera aí, Andrade interrompeu Rubens. O
Responda! - - -
rapaz é menor. Você não pode...
Por um instante Miguel não soube
o que responder. Posso. Eu não estou prendendo o garoto. Estou
Ele estava sendo seguido o tempo todo! por -
quê? Será apenas querendo interrogar uma possível testemunha.
que Magrí, Calu e Crânio também
estavam sendo segui_ bem, Andrade concordou o detetive Rubens
dos? Era preciso pensar depressa.
Se a polícia descon_
-Está -
com um suspiro resignado. Vamos, então.
fiava dele, era por causa de alguma coisa
que ele tinha
-
Andrade abriu a porta da viatura e empurrou Miguel
dito ou feito no interrogat ório lá, na sala
do professor para dentro.
Cardoso, o diretor do Elite. Então
não haver ia razão Você fica, Rubens. A bicicleta do garoto náo cabe
para desconfiar dos outros três, a
menos que a polícia
-
no carro. Fique aqui com ela. Eu mando uma viaturamaior
soubesse da existência dos Karas.
Impossível! Ou não? para buscar você e a bicicleta.
Ou... teria Chumbinho aberto o bico?
O rosto do detetive Rubens alterou-se:
Aos poucos, a voz calma do detetive
Rubens mouxe Nada disso, Andrade. Eu vou também. Faço
de novo o líder dos Karas à realidade: -
questão...
- Desculpe, Miguel, mas é verdade. Você andou vi_ - Quem está comandando este caso sou eu. Você
sitando as casas de dois dos garotos
desaparecidos. Nós fica, Rubens!
sabemos. por quê? O que você tem
a ver com isso? Andrade bateu a porta e arrancou. O guincho dos
Nada. É que...
- pneus deixou para úás o detetive Rubens e a bicicleta de
Pela primeira vez Miguel estava atordoado.
Sua. pre_ dez marchas de Miguel.
sença de espírito, táo brilhante em
situações inesperadas,
não lhe ffazia qualquer inspiração {.**
Andrade náo estava para brincadeiras:
Você náo acha suspeitas essas suas
- visitinhas, ga_ Andrade dirigia calmamente, sem usar a sirene, e pa-
roto? Logo quando um colega seu
também sumiu? recia mais controlado.

40
41
tranquilo, Miguel. Não precisa ter medo de
F'iqr-re Porque o Chumbinho também desapareceu!
- -
nacla. Desculpe o mau jeito, mas às vezes um policial pre- O impacto daquela notícia terrível apressou a decisão
cisa agir depressa. Eu queria falar a sós com você. de Miguel. O carro estava em marcha leflta quando ele
da
Sentado ao lado do detetive, Miguel pensou na única abriu a poÍtae iogou-se no asfalto, rolando parulonge
saída que lhe restava. Era arriscado, mas seu instinto o vratura Policial.
aconselhava a agir depressa.
Andrade nem pegou o microfone do carro para cha-
mar pelo rádio uma viatuÍa que viesse buscar o detetive
Rubens e a bicicleta de Miguel. Nada disso. Dirigia devagar
e falava com a maior calma do mundo:
Tenho só uma perguntinha, Miguel. por que você
-
não deixou aquele menino falar,lâ na sala do diretor?
O
- Chumbinho? Eu não disse nada...
Não, você não falou. Mas, de algum modo, você fez
-
com que o garoto calasse aboca. Não sei como, mas meus
longos anos de polícia permitem que eu perceba pequenas
coisas que não é todo detetive que percebe.
Miguel se sentiu cercado. Todos os seus passos e até
os seus gestos de comando como líder dos Karas eram do
conhecimento de Andrade!
O carro da polícia começou a subir uma ladeiÍa e o
detetive teve de diminuir ainda mais a marcha.
Eu não mandei o Chumbinho calar a boca afir-
- -
mou Miguel já com a máo direita na maçaneta da porta.
Pode perguntar a ele.
-
Gostaria muito de falar com o Chumbinho, Miguel.
-
Só que agora nã.o é mais possível...
Não é possível? Por quê?
- L
42 43
T
[.i
dezenas de
no ginásio de esportes, treinando alguma das
modalidades esportivas em que era especialista'
aquele com-
Parado ali, em frente ao oferecedor' com
interes-
primido da droga fla Írtáo, Chumbinho fingia estar
sadíssimo na experiência, mas náo sabia
o que fazet'
da dtoga'
O menino tinha visto o Bronca sob o efeito
comportamento
Será que agora ele saberia imitar aquele
idiota,sem que o oferecedor desconfiasse?
Ah' se ele fosse
7. CnulaBrNHo vALENTE
um ator como Calu, a coisa seria bem mais fácil" '
como
Oque aconteceria depois? Ele seria sequestrado
dúvidas' Por
Vamos lá, Chumbinhol É uma boa. Experimente! o Bronca e os outros. Chumbinho não tinha
- isso precisava encontrat \ína forma de deixar
um aviso
Você vai ver que legal!
Chumbinho nem podia acreditar. Ele havia descoberto para os Katas.
o oferecedor de drogas! ExPerimente, vamos!
- concordou Chumbinho' - Só que aqui
Estavam num canto do pátio, que estava cheio de -Tâcerto -
vai dar na vista. É melhor lá no banheiro'
estudantes. Incrível! Era possível oferecer a droga no Tal-
O menino correu para os banheiros do vestiário'
meio da multidão, sem nenhum risco. Até parecia que, no esconderiio
vez tivesse tempo de deixar algum sinallâ
fazendo o contato daquela maneira, o oferecedor estaria Íra certa p^ra
secreto. Só que o oferecedor veio iunto'
mais seguro do que se atraísse avítima para um cantinho coisa direitinho'
se certificar de que o garoto ta Íazet a
deserto: duas pessoas cochichando num canto chamam
E, naturalmet\te, paÍa prcpara:r o sequestro'
muito mais a atenÇão do que misturadas no meio de todo e iatancar-
Chumbinho entÍou em um dos reservados
mundo. pottai
-se quando o oferecedor entreabriu a
Agora era preciso pensar depressa. Não havia nenhum
Como é, iá engoliu?
dos Karas à vista. Miguel provavelmente estava na biblio- -
Jâ var...
- o ofe-
teca, estudando matemática. Crànio poderia estar iogando
O espaço do reservado era muito pequeno' e
xadrez ou às voltas com os computadores do colégio. Calu Chumbinho'
recedor não podia frcar alidentro, iunto com
estaria no anfiteatro, ensaiando, e Magrí certamente estaria
O menino encostou novamente a porta e falou:

45
44

I
Fique de olho pra ver se aparece alguém. Chumbinho obedeceu. Olhou para o oferecedor com
-
Tá legal. Ande logo! o melhor ar de idiota de que era capaz. Será que estava
-
Chumbinho jogou a droga no cesto de papéis. Até fazendo a coisa direito? O outro não iria desconfiar?

tudo bem. Mas como deixar o sinal pata osKaras? Preste atençáo, Chumbinho. Você quer me obe-
Ele pre_
cisava de alguma coisa para escrever e precisava
-
tambérn decer?
de um código que não desse na vista. O quê? Como? Sim, quero.
Anda logo, chumbinho!
-
bem. A droga jâfezefeito. Agora vocêvaifazer
-
fora da porta. - eta avozdo oferecedoq -Muito
tudo o que eu mandar. Você quer ser um bom menino?
A ideia nojenta veio-lhe à cabeça,mas era a única
não podia perder mais um segundo. Felizmente púvada
e ele
-PelaQuero.
a cabeça do Chumbinho passava aknagerndo Bron-
do reservado tinha sido usada por algum porcalhão que ca, que ele tinha de imitar. Pelo jeito do Bronca, a droga
não puxara a descarga. Tentando sufocar o nojo, tirava toda a capacidade de iniciativa da vítima e fazia re-
Chumbi_
nho enfiou a máo dentro do vaso. Sem perda de tempo, cordar todas as ordens e proibições que o drogado iâtinha
com a ponta do dedo suja com aquela *tinta,,e recebido na vida, e o sujeito se transformava totalmente
sentindo o
estômago contorcer-se em enjoos, desenhou num imbecil. A saída, então, era representar o imbecil.
nos azulejos
a mensagem paÍa os Karas. Você é um bom menino, Chumbinho. AgoÍa, eLt
-
Quando o oferecedor, cansado de esperar, empuffou quero que você aia com naruralidade.
a porta do pequeno reservado, encontrou chumbinho Sim.
apoiado na parede: -
Saia do colégio andando normalmerÍe. VéL até a
Desculpe, me deu uma tonteira...
-
pÍaça em frente e suba dois quarteirões à esquerda. Pare
-
É normal, náo se assuste. na esquina e
aguaÍde novas ordens. Não se desvie por
-
Chumbinho cambaleou até uma pia e deixou a razáo alguma. Todo o resto é proibido.
água
correr fafta pela mão direita. Ele nem podia ajudar Sim.
com a
outra mão por causa do exagerado curativo da
-
espetadinha Agora vá, Chumbinho.
da "iniciaçáo". -
O menino tinha representado direitinho. O oferecedor
Às suas costas, a voz do oferecedor veio dura, não desconÃava de nada. Na certa, porém, o vigiaría de
agres_
siva: longe até que ele chegasse à tal esquina. Droga! Se con-
Feche a torneira. Olhe pra mim. seguisse uma folga, Chumbinho até que podería dar uma
-

46
4/
('()r'r'i(|. à lrilrli.tc'ca, à sala de jogos, ao ginásio
ou ao an-
íltcatr<r clo colégio para avisar um dos Karas. Mas
ele não
p<xlia arriscar. Qualquer desvio do itinerário indicado pelo
<rfêrecedor ia dar na vista. sua única esperanÇa era que
um
dos Karas visse a sua imunda mensagem no banheiro.
Ele seria o segundo estudante a desaparecer do Colégio
Elite. Quem seria o terceiro? Mas... era óbvio! E chumbi-
nho sorriu por dentro ao descobrir quem seria o terceiro
a sumir do mapa... 8. unr Kene NAS soMBRAS DA NorTE

Depois de pular para fora do carro da polícia, Miguel


correu sem forçar muito. Ele sabia que Andrade jamais
Chumbinho saiu do colégio e caminhou lentamente
poderia alcançâ-lo a pé. Mesmo que fosse mais magro e
pelapraça. Nenhum transeunte pÍestava atençáonele.
eual mais jovem, Andrade nunca seria páreo para um atleta
seria o próximo passo da quadrilha?
como Miguel.
IJma van toda fechada parou à sua frente. Um homem
enorme saltou e olhou firme nos olhos do garoto. Não pa_ Certamente o policial já deveria ter dado um alerta pelo

recia gente, parecia um animal de terno. um animal feroz rádio do carro, e outras viaturas da polícia logo chegariam
e enlouquecido. para cetcat a área, à sua procura. Por isso era necessário
Chumbinho fez uma caÍa de idiota bem caprichada. confundir ao máximo a própria pista.
Ele queria ser o mais convincente possível. Ele tinha fugido ladeira abaixo, no sentido contrário à
O homem abriu a porta traseira da van: direção do trânsito,pata impedir que Andrade o perseguis-
Venha cá. se de caÍro. Entrou em um jardim, atravessou a lateral da
- casa aÍé o quintal e pulou o muro de trás, passando para
Sim, senhor.
- o terreno de outra casa, que também atravessou. Estava,
Enrre aí e fique quietinho.
-
A porta fechou-se atrás de Chumbinho e o menino agora, fia tua paralela àquela onde tinha pulado para foru
sentiu a vafi arÍaítcar. No escuro total, náo podia saber do carro. Era só coffer ladeira acima enquanto a polícia
paru otde estava indo. procuraYa por ele ladeira abaixo.

48
49
-=Ú-

No alto da ladeira, entrou no primeiro ônibus que Miguel sentia-se cansado e faminto quando desceu do
parou. ônibus e procurou um telefone público. O único que en-
Era hora de saída do trabalho, e o ônibus estava lotado controu estava depredado por algum vândalo, como tantos
de pessoas cansadas, suadas, ansiosas por chegar em casa na cidade grande. Acabou entrando em uma lanchonete e
a tempo de assistir à novela. Rapazinho rico, como todos pediu parutelefonat
do Colégio Elite, Miguel estava pouco acostumado a andar ProCurou na lista o telefone do Chumbinho, pelo
de ônibus, mas, misturado àquela multidão de trabalha- sobrenome do garoto' O sobrenome era meio raro e só
dores, bem podia passar poÍ um ffice-boy voltando para havia um na lista.
casa. O ônibus era a melhor manefua de esconder-se da Alô? O Chumbinho está?
polícia. -
Do outro lado da linha, aYoz da máe do Chumbinho
"Chumbinho!", pensava Miguel, espremido no meio estava desesperada:
daquela gente toda. "Será que o maldito Andrade disse Meu fllho! Meu filho foi sequestradol
a verdade? Serâ que Chumbinho estâ agora nas mãos -
Miguel sentiu o cotaçáo apertar-se' Então era verdade!
da quadrilha? Eu não fui com a cara do Andrade, nem Seu frlho vai aparccer, senhora' São e salvo' Eu
ele com a minha... Pra mim, ele faz parte do esquema -
juro!
todo. Na certa ele pertence à quadrilha do tal cérebro Quem estâ falando?
-
criminoso.. . " Mas Miguel iâ títha desligado. Em seguida, discou o
O sacolejar do ônibus lembrou a Miguel todos os lan- número de Calu.
ces daquele dia, o terceiro desde que ele havia convocado Alô? era a voz do melhor ator do Colégio Elite'
aquela emergênci a máxima.
-
Emergê ncia mâxkna, Karat. Chumbinho desapareceu!
"Tem alguma coisa muito suspeita com o Andrade... -
Mas como'..
Primeiro o modo desinteressado dele lâ na sala do profes- -
Acabei de ligar para a casa dele' Precisamos agir'
sor Cardoso.,. Depois o jeito dele tentando me levar paru -
Não confie em ninguém, principalmente no detetive gordo
a delegacia... E o modo como ele se livrou do detetive e careca, chamado Andrade.
Rubens, impedindo que ele entrasse na viattra? É claro bom. Onde você está?
-TáL
que Andrade não ia me levar para a delegacia.. . Na certa Não importa. Amanhã de manhã me encontre no
ele... Talvez eu pudesse confiar no detetive Rubens, mas, -
esconderijo secreto. É o único lugar seguro para mim agora'
depois que eu fugi, certamente sou um suspeito..." Vou passar a noite 1á. Telefone para a minha casa, Calu'

50 57
t
Ilrritc rr rrrinha voz e diga que eu vou dormir na sua casa seu quartel-general no esconderijo secreto e prosseguir a
csta noite. Invente que vamos estudar juntos pata uma investigação usando os outros Karas que ainda não eram
prova, ou qualquer coisa parecida. Não quero que minha conhecidos pela polícia.
f amília fi que preocupada. Ainda na lanchonete, tomou um suco de larania e
Certo, Miguel. comeu um sanduíche. Fez o próximo percurso utilizando
-
Você já verificou todos os endereços que eu indi- três ônibus diferentes e, quando chegou ao Elite, o colégio
-
quei? estava às escuras.
Alguns não estavam certos. Neles náo morava
Já,. Miguel pulou o muro do pátio silenciosameírte, para
-
nenhum estudante sequestrado. Consegui esses endereços náo atrair a atençáo dos vigias da noite. Era lua cheia, e o
com as próprias escolas, mas acho que me informaram luar iluminavafracamente as quadras. O garoto esgueirou-
errado. -se junto ao muro, misturado às sombras.
Eu não consegui visitar todos os meus. Tome nota Perto dos vestiários, dois vigias conversavam pregui-
-
dos que faltam e tente interrogar os pais desses garotos çosamente.
por telefone. Finja que é um policial... Ei, Calu, você tem Miguel pegou uma pedrinha e jogou-a violentamente
certeza de que é capaz de imitar voz de adulto? contra a tabela de basquete que havia do outro lado do
É claro, Kara! pâtio.
-
Muito bem. Tente descobrir tudo o que puder. euem Você ouviu isso? perguntou um dos vigias.
- - -
sabe não localizamos alguma pessoa comum a todos os Ouvi. Não é nada.
-
sequestradores? Se descobrirmos, teremos encontrado o O barulho veio de lâ, Vamos verificar. Não temos
oferecedor.
-
nada pra fazer mesmo...
Certo. E quais os pais que faltam? Enquanto os dois se afastaYam, Miguel saltou, agarraÍ7-
-
Tome nota, do-se no beiral do telhado dos vestiários. As portas fica-
-
Pode falar. Estou anotando. vam trancadas à noite e ele tinha de entrar no esconderijo
-
Miguel ditou a rclaçáo para Calu e despediu-se: secreto de outra maneira.
Reunião amanhá às oito. Todos os Karas! Caminhou sobre o telhado como um gato, afastou
-
Amanhã às oito, Miguel. duas telhas e espremeu-se por entre as ripas e os sarrafos
-
Miguel desligou o telefone. Nada mais havia a fazer que sustentavam o telhado. Do lado de dentro, recolocou
naquela noite. Dali em diante, ele teria de estabelecer o as telhas no lugar.

52 53
t
Estava sozinho no esconderijo secreto dos Karas, fra- Calu telefonou primeiro para a casa de Miguel e saiu-se
camente iluminado pelo luar que atravessava as poucas muito bem. Era tão bom ator que a própúa mãe do amigo
telhas de vidro. acreditou piamente que estava falando com o filho.
Desceu pelo alçapão do quartinho das vassouras e, no Depois começou a ligar paÍa as casas dos meninos
escuro, procurou uma das privadas para urinar. Escolheu desaparecidos que Miguel não pudera visitar. Em cada
iustamente aquela onde haviauma mensagem malcheirosa chamada, fazia uma voz diferente, perguntava tudo o que
da qual ele gostaria muito de tomar conhecimento. Mas o queria e prometia ligar de novo. Foi estranho: quatro dos
vestiário esta.ra escuro, pois não seria possível acender a telefones estavam errados. As famílias procuradas não
luz sem chamar a atefiçáo dos vigias. E a mensagem con- moravam naqueles endereços.
tinuou ali, sem que Miguel a percebesse. Tinha terminado o último telefonema quando apolícia

Abriu só um pouquinho uma torneira, para evitar o chegou.

barulho, e lavou os arranhões que tinha sofrido ao saltar


para longe do carro e de Andrade.
Subiu de novo para o esconderijo e ajeitou-se para
Suado, com o rosto vermelho, o detetive saltou da
dormir.
viatlrra e correu para a casa.
A lua veio espiar pelas telhas de vidro. Cansado, Mi-
É a polícia. Abram! ordenou o detetive esmur-
guel pensou ver o rosto sorridente do Chumbinho naquele - -
rando valentemefite a pofia.
disco de prata.
Uma segunda viatura, de sirene ligada, estacionou
"Chumbinho... Tudo minha culpa! Se eu não tivesse
atrás da primeira, cantando os pneus. Um policial mais
aceítado a intromissão daquele garoto... Ele é tão peque-
jovem correu também para a casa. Os olhares dos detetives
no... Eu aceitei, só por brincadeira. Agora o coitado está cruzaram-se, e, se os olhos fossem metralhadoras, os dois
nas mãos da quadrilha! Pobre Chumbinho... Eu não devia...
estariam mortos na hora.
Mas eu vou salvá-lo... Eu vou..." Um criado de bochechas gordas e óculos de lentes
Adormeceu, iluminado pelo luar. grossas abriu a portai
Pois não? O que desejam?
*** -
Esta é a casa de um Íapaz que chamam de Calu?
-
perguntou o policial mais velho.
-

54 55
- li rln
()Lrlr() glu.oto, chamado Miguel? Estâ aí tam_
lrc'ln? completou o outro.
-
O criado parecia um pouco assustado com a ansiedade
clos policiais:
S... s... sim... Só que os dois saíram...
-
Para onde foram?
-
Não disseram. Mas devem voltar logo, eu acho...
-
Vou esperar na viatura.
- 9. DscrrRANDo A MENSAGEM
Eu tarnbém vou.
-
O criado fechor: a porta. Em vez de estar assustaclo,
ele sorria.
O instinto alerta de Miguel acordou-o com o primeiro
ruído vindo do alçapáo. O líder dos Karas rolou para a
escuridão do forro e esperou.
Um sujeito estranho, de óculos e gordas bochechas
apareceu sob as telhas de vidro, iluminado pelo luar:
Miguel, sou eu anunciou-se Calu, tirando aqueles
- -
óculos exagerados e os dois chumaços de algodã.o que lhe
aumentavam o volume das bochechas. A polícia esteve
-
lá em casa. Tinha o tal detetive gordo que você falou e Llm
outro, mais simpático. Procuravam por mim e por você.
Tive de enganá-los, fingindo-me de criaclo da minha própria
casa. Ah, ah! Os dois trouxas caíram direitinho! Logo que
deu, escapei e vim pra câ.
Certamente a polícia tinha estado na casa de Miguel,
falando com a mãe do rapazinho, depois do falso telefo-
nema. Por isso tinham corrido tão depressa pata a casa
de Calu.

)o
57
Agora eràm dois Karas "queimados" junto à polícia E aposto que ela jâ limpou tudo, náo é? lamen-
- -
Miguel e Calu não podiam mais circular livremente. tou-se Crânio. Por que alguém faria pingos e riscos nas
-
paredes do banheiro? Pingos e riscos, ou traÇos e pontos.
*** Podia ser um código. Morse, talvez.
Todos se calaram. Se não tinha sido nenhum deles, a
De manhãzinha, quando Magrí chegou aos vestiários, (rnicapessoa que poderia deixar algum código no banheiro

uma faxineira gorda resmungava, muito zangada. do Elite só poderia ser...


O que foi, dona Rosa? Chumbinho, é claro! Vai ver ele deixou uma men-
- -
Essa garotada grá-frna não tem o menor respeito sagem para os Karas antes de ser sequestrado!- concluiu
- Miguel.
pelo trabalho dos pobres, isso é o que é!
Mas o que aconteceu? Só temos um jeito de saber decidiu Crânio.
- - - -
Imagine que porcaria: borraram as paredes do Magrí,vê se enconttaa dona Rosa. Traga-apaÍa o vestiário.
-
banheiro! Que nojeira! Tudo cheio de riscos e pingos de Quero falar com ela no quartinho das vassouras.
porcaria. Depois a pobre aqui é que tem de limpar! Calu riu com deboche:
A mulher pegou o seu balde e foi embora, resmun- besteira!Você acha que dona Rosa conhece
-Ora,que
gando sozinha. o código Morse? Você acha que ela vai se lembrar? Ora,
deixe de bobagem, Crânio!
,<:!* Crânio admitia tudo, menos que gozassem da sua
genialidade:
Magrí ainda estava rindo quando fechou o alçapão do Pode estar certo de que ela se lemtrra. Pelo menos
-
esconderijo secreto. no inconsciente dela a mensagem está fotografada.
E como é que você vai "tevelar" essa fotograf,a?
Qual é a graça, Magr? -
- Hipnose, meu caro! Ou você jâ esqueceu esta minha
Fizerum uma porca duma sujeira nas paredes do
- -
banheiro! Dona Rosa estava louca de raiva! Disse que uma especialidade?
porção de pinguinhos e riscos feitos com...
Crânio deu um pulo:
Pinguinhos e riscos? Você disse pinguinhos e riscos?
-
Dona Rosa é que disse.
-

58 59
YA

Donzr Rosa conhecia muito bem o Crânio e simpatizava Conte para mim, dona Rosa. Como são esses riscos
com o jeito educado do rapazinho. por isso achou divertido
-
e esses pingos?
o modo como ele falava, Em cima tem um risco, um pingo, outro risco...
-
Esse seu trabalho deve dar uma canseira danada, É Morse, mesmo. O que ela disse é um Kl con-
- - -
nào é, dona Rosa? feriu Magrí.
É sim, meu filho. É uma trabalheirar. E depois, dona Rosa?
- -
E, de vez em quando, a senhora sente vontade de Tem um risco, outro pingo, outro pingo, outro
- -
sentar e esquecer de tudo por uns minutos, náo é? pingo...
Bl traduziu Calu.
-É. - -
Então descanse, dona Rosa. Sente-se nesta cadei_ Embaixo tem um risco, um pingo, um risco, um
-
ra. Suas pálpebras estão pesadas e a senhora está calma,
-
pingo...
Miguel.
tranquila...
-
C de Chumbinho!
- concluiu
Estou calma, tranquila.., Tem mais, dona Rosa?
- -
Seus olhos estão se fechando, lentamente... mui- Mais nada... sujeira... potcatia... meninos por-
- -
to lentamente... a senhora está com sono, muito sono... cos...
Agora a senhora já está adormecida. Está dormindo e está Crânio aproximou-se da faxineira:
tranquila... Dona Rosa, euvou contar até três. Quando eu termi-
-
O corpo gordo da faxineira estavalargado na cadeira. nar de contar, a senhora acordarâ e terâ esquecido tudo o
Mole como um saco de batatas, que aconteceu agoÍa. Um, dois, três! Acorde, dona Rosa!
A senhora só ouve a minha voz. Somente a minha Os olhos da gorda senhora abriram-se de repente e
-
voz. Yamos voltar no tempo para esta marúfi,. A senhora ela se levantou apressada:
está entrando no vestiário... Nossa! Tenho muito trabalho ainda. Com licença,
-
- No vestiário...que porcariat. - murmurou dona meninos, mas eu tenho de...
Rosa em seu transe hipnótico, E foi-se embora, sem se lembrar de nadinha daqtela
Isso. Vamos falar da porcaria. A senhora está vendo estranha sessão de hipnose.
-
a porcaria?
Estou vendo. Esses meninos não têm consideração **r<
-
com os pobres...

60 6t

l-
^t

K-tl-C: Karas-Bino-Chumbinho decifrou Miguel.


- -
E is.sol Chumbinho tentou nos avisar que ele e Bino
-
caíram Íta aÍmadilha dos bandidos!
Calu! - comandou Crânio. - Verifique se Bino veio
-
à escola hoje!

***

Era isso mesmo. Por mais que procurassem, não foi


10. MrNINos oBEDIENTES
possível encontrar o Bino.
Miguel sentiu-se duplamente culpado. Ao mandar
Chumbinho "investigar" o pobre do Bino, ele tinha envol- A porta ttaseira davanfoi aberta e al:uz forte do meio-
vido também o próprio Bino na história. -dia penetrou no interior do veículo, cegando Chumbinho
Pobre Bino! Pobre Chumbinhol, E agora? por um instante. Quando sua vista acostumou-se à clari-
de
dade,o menino viu-se no pátio interno de uma espécie
pavilhão bem grande, parecendo uma fâbrica'
Saia! ordenou uma voz'
- -
Era o mesmo grandalháo animalesco que o havia
trazido até ali. outros dois gorilas do mesmo estilo aproxi-
q&&@" maram-se. um deles colocou um bracelete de esparadrapo
íã&,a&@@ nopulsoesquerdodomenino.Nobraceleteestavaescrito
64S06 'Çr&a ô
D.O.20.
Chumbinho estranhou aquelas iniciais D'O'' mas
sorriu por dentro ao ler o número 20 sta hipótese se
confirmava. se haviam sido sequestrados três estudantes
de nove diferentes colégios, mais o Bronca e depois ele'
Chumbinho, seu número deveria set 29 ' Ah!' ' ' Ínas agota
ele estava entendendo por que tinha recebido o bracelete

6z 63
com o número 201 ... Eram só vinte os sequestrados. Os estendeu-lhe um macacáo azul, sapatos, meias, cueca e
outros nove que faltavam... nã,ofaltauamr. mandou que ele se trocasse.
E os outros Karas? Teria algum deles encontrado a Chumbinho obedeceu à ordem. O macacão e os sa-
mensagem em código que ele deixara no banheiro? Te- patos serviam direitinhol
riam entendido o que Chumbinho tentara dizer comtanta "Que gente mais organizadat", pensou o menino. 'Já
pressa? sabiam até o número que eu calço e que eu visto!"
Você agoru é o Vinte falou um dos grandalhões No peito e nas costas do macacáo, estava bordado o
- - número 2O depois das letras D.O.
dirigindo-se a ele. Sempre que chamarem pelo Vinte,
- "Outra vez o D.O. ... O que será isso?", cismou o
você atende. Certo?
Sim, senhor. garoto, muito mais curioso e excitado com o que estava
- conseguindo descobrir do que assustado, como deveria
Venha comigo.
- ficar qualquer garotinho da idade dele. Mas ele agota eta
Chumbinho seguiu o grandalhão docilmente, fazendo
ainda sua carinha de estúpido. Até ali, a representação ia um Kara, e um Kara náo tinha o direito de ter medo.
funcionando direito. Mas até quando funcionaria? E se
aqueles brutamontes descobrissem a farsa que o menino
estava representando? O que fariam com ele?
Vestido e frchado, o número 20 foi levado até uma sala
Entraram no pavilhão da tal fâbrica e atravessaram um
em cuja pofia estava escrito: D.O. -Testes.
corredor comprido. Tudo estava muito limpo e arrumado.
A sala era muito grande. Um salão, como o de uma
Parecia até um hospital.
academra de ginástica.Lá estavam outros dezenove jovens,
Chegaram a uma sala ampla, cheia de arquivos. Chum-
todos numerados e com as letras D.O. às costas.
binho viu-se frente a uma secretária qr're nem olhou para
Estava também o Bronca, com o número 19 bordado
o seu lado. O grandalhão entregou à mulher um papel
no macacão.
e ela pôs-se a digitar furiosamente em seu computador. "O Bronca! Encontrei o Bronca!", pensou Chumbi-
Nada perguntou a Chumbinho, mas, por via das dúvidas,
nho, animado com os progressos na investigaçào, mas
o menino continuou imóvel e apalermado. sem saber para que serviriam aquelas descobertas, com
rl
Em seguida, o menino foi empurrado para um vestiário ele preso, numerado e fortemente vigiado, igualzinho
onde havra prateleiras cheias de roupas. O brutamontes aos outros.

64 I
(r5
O menino olhou fixamente para o colega do Elite, mas
portanto, quais os níveis de esforço suportáveis pelas co-
Bronca não deu o menor sinal de reconhecê-lo. parecia
baias. A cobaia número 6 repetiu a ordem sem demonstrar
um idiota, e não estavaflngindo como Chumbinho. Bronca
cansaÇo nem desejo de parar
estava idiotizado mesmo, como idiotizados estavam todos
Até quando? perguntou a yoz metálica vinda
os outros tapazes e moças de macacáo azul numerado. - -
do vídeo.
Um garoto, com o número 6, estava caído no chão, Até o limite da ruptura física, Doutor Q.I. Perdemos
no meio do salão de testes. Estava imóvei, com o rosto -
a cobaia número 6.
voltado para o chão.
Muito bem. Procedam com a cobaia morta do jeito
Um homem de avental branco dirigiu_se a uma es_ -
que planejamos.
pécie de televisor que havia no fundo do salão. Apertou
Será feito, Doutor Q.I.
algumas teclas e a tela iluminou-se, mostrando a silhueta -
De que modo foi usada a droga?
de alguém. -
Em comprimidos, Doutor Q.L Mas o efeito daDroga
Resultado do teste de eficiência 147/06, Doutor -
- da Obediêncía é o mesmo, qualquer que seja a forma de
Q.I. informou o homem de avental, branco, falando
-
paru a silhueta.
usá-la. Já experimentamos em pó, em comprimidos, em
líquido, injetada, cheirada, aspirada e até fumada, na forma
Pode relatar ordenou uma voz metálica, vinda
- - I
I
de cigarros. E os resultados foram sempre bons.
datela, certamente deformadapor alguma espécie de flltro
Ótimo. Quero a repetiçáo do teste 747 coma cobaia
de som. -
número 11. A ordem deve ser suspensa antes de completar-
Chumbinho arrepiou-se:
-se o período de tempo em que perdemos a número 6.
"A yoz deformada , a frgura em silhueta... Este deve
Precisamos saber até onde chega a eficiência daDrcga da
ser o chefão da coisa toda. E é claro que não quer ser Obediência sem a perda da cobaia. Quero novo relatório
(
reconhecido!"
amanhá, bem cedo.
O homem do avental branco comeÇou:
A tela apagou-se,fazendo desaparecer a sinistra silhue-
Primeira conclusão: a Droga da Obediência...
-"Droga ta que falava da morte de um menino como se falasse de
da Obediência!,,, espantou-se Chumbinho. números e frações.
"Então é isso que significam as iniciais D.O.?"
Horror! Chumbinho mal podia acreditar no que estava
aDroga da Obediência aumenta o desempenho presenciando. Temeu até que sua expressão denunciasse
físico, sem limites, Doutor e.I. precisamos estabelecer,
o que lhe passava pelo pensamento. Aquela gente usa:va

66
67
T
vidas humanas como cobaias e ninguém parccia preo- braÇo esquerdo. A agulha estava ligada a um canudinho
cupado com a morte estúpida de um garoto que, talvez qle úaziao soro alimentar de um frasco dependurado em
há poucos dias, tinha sido um alegre estudante de algum um cabide hospitalar ao seu lado.
colégio de São Paulo! O homem qtefalava,provavelmente um médico, olha-
À sua volta, todas as outras cobaias humanas estavam va paru a tela de um aparelho igual ao que o menino vira
impassíveis, como se nada estivesse acontecendo. na sala de testes. Da tela vinha a mesma Yoz metâlicai
Chumbinho viu um garoto com o número 11 ser cha- Idiotasl Vocês sabem muito bem que eu não
-
mado para o centro da sala. admito falhas. As cobaias devem ser alimentadas regular-
De repente, tudo aquilo se misturou em sua mente, mente, conforme o planejado. Sob o efeito da Dtoga da
sentiu-se enjoar, entontecer... Chumbinho desmaiou. Obediência, nenhuma cobara manifesta desejo algum' Se
náo a alimentarem, a cobaia pode sofrer danos' Que isso
*** não se repita!
DesculPe, Doutor Q.I.'..
-
Só pode ter sido isso, Doutor Q.I.A cobaia número A silhueta apagou-se da tela antes que o médico pu-
-
20 náo foi alimentada depois que foi trazida para câ. Por isso desse completar as desculPas.
desmaiou.Já aplicamos soro alimentar e o eletrocardiograma
da cobaia está normal. Deve acordar em poucos minutos. ***
Aquela voz entrou pelos ouvidos do Chumbinho como
num sonho. O menino percebeu que estava deitado e fez O médico devia ter concluído que tudo ia bem com
um esforço para náo abrir os olhos até colocar suas ideias a cobaia número 20 e chumbinho foi normalmente rein-
em ordem. tegrado aos pobres meninos drogados' Logo formaÍam
Diabo! Ele tinha desmaiado e quase pôs tudo a perder. uma fila e o menino seguiu iunto com as cobaias humanas
Por sorte, avoz que ouvira tinha encontrado uma desculpa para um imenso refeitório. Era ahora do iantar dos jovens
perfeita para o desmaio. Por enquanto eles desconheciam capturados. Comeu quando recebeu a ordem para tanto e
que Chumbinho náo estava sob o efeito da tal Droga da procurou fazer ttdo do jeito que faziam os outros'
Obediência. No final da refeição, Chumbinho olhava paraa cadeta
Já recomposto, o menino abriu os olhos, Estava em vazia onde provavelmente costumara sentar-se o pobre
uma enfermaria, deitado e com uma agtúha na veia do menino número 6, quando um funcionátio colocou alguma

68 69
coisa à sua frente. Era um vidrinho com um comprimido: I
só podia ser outra dose da Droga da Obediência.
"Quer dizer que o efeito da droga é passageiÍo?,,, pen_
sou Chumbinho. "yai ver todas as cobaias têm de tomar
um reforço da droga de tempos em tempos. Era quase
meio-dia quando eu fingi tomar a primeira dose. Agora
deve ser mais ou menos oito da noite. Então o efeito dura
cerca de oito horas... euer dizer que eu tenho oito horas
para agir..." 11. Ulm DRoGA MArs euE PERFETTA

Uma ideia começou a crescer na cabeça do Chumbi_


nho, enquanto ele fingia tomar o comprimido dadroga e
Sozinho no laboratório da grande indústria multinacio-
o escondia dentro do macacáo azul.
nal de produtos farmacêuticos Pain Control, o bioquímico
"Todos pensam que eu estou idiotizado como
os ou* Márius Caspérides ajeitou os óculos e conferiu mais uma vez
tros. Por isso ninguémvaificar me vigiando. ótimo!Agora
suas anotações na planilha do computador. Tinha passado
é só esperar que as luzes se apaguem. Tenho de saber
mais. o dia inteiro submetendo os coelhos aos mais diferentes
Preciso conhecer melhor este lugar maldito!,,
testes, e agota não tinha tempo para sentir sono.
Teve de esperar algumas horas, até que as atividades
Incrível, mas parecia que as suas piores suspeitas se
das cobaias fossem encerradas e todas levadas ao dormi-
confirmavam.
tório, Deitou-se como ordenavam, flngiu dormir e, quando
Os coelhos estavam imóveis na gaiola, na frente das
todas as cobaias adormeceram, esgueirou-se sirenciosamen-
mais gostosas cenouras e folhas de alface. Mas, mesmo
te paru fora da cama.
I
depois de um dia inteiro sem alimento, os coelhos não se
dirigiam à comida sem uma ordem, isto é, sem que o bio-
químico enfiasse seus focinhos na comida, forçando-os a
comer. Assim tinha sido com os porquinhos-da-índia, com
os cães, com os gatos e com os macacos.
"Sim, sim, sim... a droga funciona bem. Aliás, funciona
completamente bem, aliâs funciona completamente...",
pensava o bioquímico Caspérides, ajeitando os óculos a

70
77
T
toclu hctla. "Sim, sim, sim...Isso é mau, muito mau... pre_ Control. Se o Doutor Q.I. estivesse em sua sala, a chamada
ciso avisar o Doutor Q.I.. .. é urgente, muito urgente.. , sim, seria atendida na hora.
sim, sim, o Doutor Q.I. precisa saber disso!,, Ninguém sabia em que parte da grande indústria frcavaa
Levantotr -s e apressadamente da b ancada d,e tr abalho,
sala do Doutor Q.I.e tampouco havia alguém que soubesse
deixando aberta a portinhola da gaiola dos coelhos. Mas qual era o verdadeiro norne do poderoso dirigente da Pain
essa distração de Márius caspérides náo fiaúaproblemas.
Control, que não mostrava o rosto nem na tela do interco-
Sem que alguém o empurrâsse para fora, nenhum coelho
municador. Mesmo averdadeiravoz dele era desconhecida.
ousaria sair da gaiola.
Tudo o que os funcionários da Pain Control conheciam do
Já na pofia, o bioquímico Caspérides deu mais uma
Doutor Q.I. era uma silhueta e uma voz modificada por um
olhada no laboratório. De todas as gaiolas, lotadas com
filtro de som.
os mais diferentes animais, nào saía nenhum som, não se
A tela iluminou-se e a silhueta apareceu ao mesmo
percebia nenhum movimento, como se todos os bichos
tempo que se ouvia a tal voz metâlica.
estivessem mortos. Mas eles estavam vivos, bem vivos, com
caro Márius Caspérides! Que prazer inesperado!
os olhos parados, olhando para nada... -Meu
A que devo a surpresa de sua chamada?
*** Sim, sim, sim... gaguejou Caspérides. Boa noi-
- - -
te, Doutor Q.I.... é sobre a droga. É que eu descobri...

Quando parou em frente à tela do intercomunicador


A drogat A maravilhosa Droga da Obediência!
- -
mais próximo do laboratóriq o bioquímico Márius Caspé_ interrompeu a voz do Doutor Q.I. A fantástica droga
-
rides não reparou na pequena sombra de macacáo azul que você descobriu, Márius Caspérides!
que se ocultava a um canto. Sim, sim, sim... mas é que eu continuei com os
-
testes e...
Algum problema, Caspérides? Seus testes demonstra-
-
ram algum problema com a nossa maravilhosa Droga da
O bioquímico sabia que não era difícil falar com o Obediência?
Doutor Q.I. só era difícil uer o Doutor e.I. para falar com Sim, sim, sim... não, náo, nã"ol, Sim e não...
ele, bastava procurar qualquer dos intercomunicadores que
-
Lâ, na sala que ninguém sabia onde frcava, a imagem
se espalhavam por toda a indústria de medicamentos pain trêmula do bioquímico, na tela do aparelho, deve ter irri-

72
73
tado o poderoso chefe da Pain Control. A voz agora era pesquisando uma droga capaz de combater os casos de
fria, era dura. loucura mais rebeldes, mais furiosos...
Ou sim ou não, meu caro Caspérides. Ou você E com o financiamento, com o patrocínto da Pain
- -
descobriu um problema com a droga, ou não descobriu. Control para suas pesquisas, seu sucesso foi absoluto, Cas-
Sim, sim, sim, eu descobri. A droga funciona bem. pérides! cortou a voz do Doutor Q.I. Com a Droga
- - -
Bem até demais. Muito demais, exageradamente demais. da Obediência, haverá grandes progressos no tratamento
As cobaias se acalmaram e obedecem como esperávamos, dos loucos furiosos...
mas... Sim, sim, sim, desculpe, Doutor Q.I., mas parece
-
Mas o quê? que eu não estou sendo claro. O que eu quero dizer é que
-
O nerwosismo do bioquímico Márius Caspérides crescia a droga tem urn efeito devastador sobre a personalidade
cada vez mais ao falar para uma tela iluminada que não das cobaias. Parece que a vontade se anula! É claro que
mostrava o rosto do interlocutoÍ. Era como falar paru as eu pretendo agora fazer algtns testes com outros animais
paredes de uma sala vazia. Uma sala que tinha voz, que maiores. No entanto...
tinha o poder absoluto. Outros animais maiores, Caspérides? Que tipo de
-
Com a droga, as cobaias obedecem totalmente, animais?
- Estou pensando nos grandes orangotangos, em
Doutor Q.I. Mas paÍece que perdem a vontacle própria, a
-
capacidade de iniciativa. Sim, sim, siml Ficam incapazes cavalos, touros e até feras? como ursos, leões...
de fazer qualquer coisa voluntariamente. Ficam inertes, à E seres humanos? perguntou o Doutor Q.I.
- -
espera de alguma ordem, como se fossem máquinas que O bioquímico Márius Caspérides assustou-se:
só funcionam quando são ligadas e só param de funcionar Como? Seres humanos? Gente? Não, não, não, Dou-
-
quando alguém as desliga! tor Q.I. É muito cedo para testar a Droga da Obediência
Depois de um breve silêncio, a voz do Doutor e.i. em seres humanos. Ainda mais agora que eu...
pareceu aliviada: Pois você está atrasado, meu caro Caspérides.Jâ dei
-
ainda bem! Por um momento tive medo de que a ordem, e a Droga da Obediência está sendo aplicada em
-rJfa,
houvesse algum problema com a Droga da Obediência! quem deve ser. Nada de ratos, camundongos oLl papagaios.
Sim, sim, sim, Doutor Q.I., parece que o senhor Gente, Caspérides, gente!
- O senhor iá mandou testar a droga nos
não entendeu direito. Existe um problema, um problema Gente?l
-
muito grande. Como o senhor sabe, há anos eu venho loucos?

/1 75
t

leg6e5? Loucos coisa nenhuma! Essa droga maÍa- Chumbinho também estaria a ponto de chorar. Mas
- agora era um Kara e não tinha direito ao desespero. Ele
vilhosa está sendo testada nos jovens mais saudáveis que
pudemos encontrar! precisava agir. Mas como?
Caspérides empalideceu: Lembrou-se de Crânio: "Pensar, Chumbinho, pensar..."
Gente? E gente sã? Mas esta é uma droga perigosa. .silenciosamente, comeÇou a voltat paÍa o dormitório
- das cobaias humanas.
Só poderia ser aplicada com ordem médica. Eaética proíbe
ao médico aplicar medicamentos em um corpo são!

- Ética médica, Caspérides? - riu-se o Doutor Q.I. -


A única ética que me importa é a da Pain Controll
Não, não, não! Isso é um absurdo! Eu não vou
-
permitir...
Permitir? Ora, Caspérides, quem é você parapermitir
-
ou proibir qualquer coisa aqui na Pain Contro?
O bioquímico Márius Caspérides agarrou-se ao inter-
comunicador, gritando desesperado:
p
Não, não, não! Por favor! Não pode fazer isso! Com
-
gente, não! Não desligue! Nãol!
Suavemente a imagem do intercomunicador apagou-se.

***

O bioquímico tremia, a ponto de chorar. Mas, mes-


mo que não estivesse tão altetado, seu desligamento das
coisas simples da vida não deixaria que ele percebesse
o pequeno vulto de macacáo azul e curativo no dedo
que se espremia contra as paredes, escondendo-se nas
sombras.

/o 77
em direção ao laboratório, os três horríveis encarregados
da segurança da indústria. Caspérides nunca soube como
se chamavam) mas, para simesmo, costumava pensar neles
como o Coisa, o Animal e o Fera, pois, pelo jeito, aqueles
.l1omens não eram de brincadeira.
E, pelo modo como se aproximavam, iluminados pelo
dia que chegava, o Coisa, o Animal e o Fera não estauam
para brincadeiras.
12. Asselro Ao eexco?!
Cansado pela noite sem dormir, atordoado pela con-
versa com o Doutor Q.L, Márius Caspérides viu uma luz
"Em gente! O Doutor Q.I. está aplicando a Droga da vermelha acender-se dentro de sua cabeça: perigo, perigo,
Obediência em jovens sadios! O que eu posso fazer?,,, perigo!
pensava Caspérides, recalculando freneticamente no com- Sim, sim, sim. Ele havia gritado com o Doutor e.I.,
putador as características bioquímicas da droga que ele ele havia se colocado contra o Doutor e.I. pelo tom de
mesmo havia criado. voz daquele chefe sem nome e sem rosto, havia perigo no
Mas as horas se passaram sem que ele encontrasse ar. A humanidade estava em perigo com o uso da Droga
respostas para as perguntas que o assombravam. A Droga da Obediência que ele, o bioquímico Márius Caspérides,
da Obediência taria danos permanentes ao organismo? havia criado. E ele, o bioquímico Márius Caspérides, estava
Provocaria lesões deflnitivas no código genético desses agoÍa em perigo por ter-se oposto ao uso da droga que
jovens? Seus danos poderiam tornar-se hereditários? O que ele mesmo ctiara.
ele poderia fazer para impedir que o Doutor e.L usasse Tentou raciocinar. Ele só conhecia os três capangas de
sua invençào do modo que bem entendesse, sem respeito vista. Nem sabia o nome deles. Na certa, os três também
à Ética da Ciência? não o conheciam direito e poderiam muito bem confundi-lo
A manhã chegou, iluminada, mas sem jogar nenhuma com qualquer um dos técnicos que trabalhavam na pain
luz no espírito desesperado de Márius Caspérides. l Control.
Através dasvidraças do laboratório de bioquímica dava Foi o tempo de decidir-se, guardar os óculos no bol-
para avistar todo o pâtio interno da pain Control. E foi por so, pegar uma vassoura esquecida a um canto, e os três
ali que Márius Caspérides viu caminhando rapidamente, brutamontes abriram a porta violentamente.

7B
79
Ei, você aí! berrou o Animal. Onde está o tal Virou-se e começou a andar paru l.rás.
- - -
Mârio Casp a-náo-se i-de -qu ê? Quem olhasse para aqueles operários veria todos vi-
Hum, é comigo? perguntou Caspérides, fazendo- rados de frente pata a fâlsrica como se chegassem, e nem
- -
-se de desentendido e fingindo que varria o chão. suspeitaria de que um deles estava andando paratrâs como
É claro que é com você, seu idiota! um caranguejo.
-
Sim, sim, sim, desculpe... Acho que ele estálâ,no A ideia deu certo. Em pouco tempo, Caspérides estava
-
fim do corredor, no laboratório de engenharia genética, na rua. Enfiou-se no primeiro ônibus que passava e deu
Trabalhou a noite toda, coitado... uma últirna olhada para o prédio da Pain Control.
Os três correram para onde apofita.va o falso faxineiro Na calçada, o Coisa, o Animal e o Fera apontavam
e Márius Caspérides saiu de fininho pela porta por onde furiosos para o ônibus, aos gritos.
eles tinham entrado.
***
>B*r.

O ônibus chegava ao centro da cidade quando um


No pátio, iluminado pelaluz da manhá, o bioquímico automóvel negro bloqueou a rua. De dentro dele, três ho-
Caspérides teve certeza de que não ia ser fácil escapar mens corpulentos saltaram ainda a tempo de ver o pobre
do prédio da Pain Control. Certamente todas as portarias bioquímico que escapava por uma das janelas do ônibus
tinham sido alertadas pelo Doutor Q.I. e era bem possível e corria, para misturar-se à multidão.
que algum dos porteiros fosse menos burro que os três Para onde ir? Como fugir? Como escapar da poderosa
capangas. organizaçáo comandada pelo sinistro Doutor Q.L?
Naquela hora, pela portaria de entrada, chegavam os O Coisa, o Animal e o Fera viram-se cercados pela
operários do turno da manhá e, pela outra, ao lado, saía multidão que chegava paÍa o trabalho naquela manhã.
o pessoal da noite. O tal Mário das Caspas não poderia escapar. Perseguiram
- Caspérides misturou-se aos que saíam, embora sou. o bioquímico pela rua da Quitanda, abrindo caminho com
besse que seria facilmente detido na hora de identificar-se. brutalidade.
Misturado no meio daqueles operários exaustos, o bioqui Quando chegaram à 15 de Novembro, estaya aconte-
mico passou, sem que ninguém percebesse, para a leva cendo uma confusão dos diabos. Correria pra todo lado,
dos que efitÍa'vam. parecia até...

BO
B1
Um assalto! gritou alguém. Estão assaltando
- - -
o banco!

- O banco? eue banco?


Aquele lá!
-
São muitos?
-
Não sei, mas parece que prenderam um deles.
-
Yejal
De dentro do banco vinha uma balbúrdia danada.
Os guardas de segurança do banco tentavam dominar o 13. Ixrnlrz REAPARECTMENTo
tal assaltante, que se debatia e gritava:
Podem me prender! Ah, ah, ah, nào há cadeia que
- Em frente à delegacia, a rLta estava completamente
me segure! Eu sou o perigoso Zé da Silva! procurado no
afiavancada pelos veículos da televisão, das rádios e dos
país inteiro! Sim, sim, sim! Sou Zé da Silval
jornais da cidade,alémda multidão de curiosos que sempre
Àertados pelo alarme do banco, vários carros da po_
aparece nessas horas.
lícia chegaram com as sirenes ligadas.
Acharam! Enfim encontraram!
No primeiro deles, o assaltante Zé da Silva foi levado -
Quem?
aos pescoções. -
Um dos meninos desaparecidos. O Ricardinho Me-
No último, três grandalhões foram presos também, pois -
haviam sido encontrados com armas namáo,correndo em deiros Tremembé!

plena rua 75 de Novembro. Encontraram? Que bom!


Bom? Bom coisa nenhuma! O menino está morto!
-
*** A sala da delegacia, cercada pot sofás de couro já
bem gasto , parecia minúscula para tanta gente. Depois de
Naquela manhá, num matagal em Taboáo da Serra, a muita insistência, os jornalistas tinham conseguido uma
molecada encontrou o cadâver de um menino, meio mer_ entrevista coletiva.
gulhado num córrego imundo. Envolvido e empurrado pelos repórteres, o detetive
O cadáver esta-va picado de balas. Andrade estava meio cego pelos refletores da televisão
e pelos Jlasbes das máquinas fotogtáflcas. Os repórteres

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83
'I
enfiavam-lhe microfones iunto ao rosto, todos esperando O Miguel, o presidente do Grêmio do Elite. E mais
alguma grande revelação:
-
um, que chamam de Calu!
O Ricardinho estava com tiros pelo corpo inteiro, O que a polícia tem a informar sobre isso, detetive
- -
náo é? Andrade?
Ouvimos dizer que os pulsos do menino estavam Calma, calmat Estamos investigando. Vai ver os dois
- -
amarrados com arame, é verdade? garotos só saíram para uma farnnha e logo...
Isso não está parecendo uma execução feita pelo Para uma farrinha?l interrogou alguém. Mas
- - - -
Esquadrão da Morte, detetive Andrade? nós ouvimos dizer que havia um desconhecido na casa do
O senhor acha que há gente da própria polícia tal Calu. Alguém que se fazia passar por um criado.
-
envolvida nesses crimes? É isso mesmol conflrmou outro. Dizem que
Andrade suava como nunca e se sentia sufocado por
- - -
era um sujeito de óculos, de bochechas grandes...
aquele abafamento: Andrade não sabia o que responder. Não sabia mais
NãolAcho que isto não tem nenhuma ligação com o que fazer paru acalmar aquele tumulto.
-
o Esquadráo da Morte! Estamos investigando, estamos investigando...
Será que o menino pertencia a alguma quadrilha?
-
-
A polícia acha que os outros desaparecidos vão ser
-
assassinados também?
Nada dissol Estamos trabalhando dia e noite e logo Quando Andrade finalmente conseguiu livrar-se da
-
vamos encontrar todos eles... imprensa, viu-se novamente envolvido por outra multidão.
Do fundo da sala veio a pergunta de um repórter Eram os pais e os advogados dos estudantes desapare-
recém-chegado: cidos. A morte de Ricardinho levara aquelas pessoas ao
É verdade que desapareceram mais clois garotos desespero. Cada um imaginava que o seu fllho seria o
-
do Colégio Elite? próximo a aparecet baleaclo no meio de algum monte de
Aquela era uma novidade, e uma novidade capaz de lixo. Todos exigiam providências cla polícia e Andrade
aumentar ainda mais a fenrrra daquela sala: escapou por pouco de ser agredido por uma das mães
Como?! mais nervosas.
-
Mais dois? Quando conseguiu fechar uma porta atrás de si e dei-
-
Quem? xar toda aquela confusão do outro lado, Andrade estava
-

B4
B5
i

exausto como um iogador de futebol depois de uma flnal Eu disse que o menino morreu à tarde, mas não
de campeonato.
-
morreu por causa dos tiros. Ele foi baleado depois de
À sua frente, porém, o detetive Rubens parecia pronto morto!
para it a um casamento. Seu terno permanecia impecável Barbaridade! Anclrade deixou-s e cair numa ca-
e seu cabelo não tinha um fio fora do lugar.
- -
deira. Aquela era demais! Os malditos estão brincando
Como é, Andrade? Tudo bem com a entrevista à
-
com a gente. Estão fazendo a gente perder tempo. Quise-
-
imprensa? tam fazet crer que esta era uma execução do Esquadrão
O palavráo que ia começar a ser dito por Andrade foi da Morte. E todo mundo sabe que o Esquadráo da Morte é
interrompido pela entrada do médico legista: coisa de policiais coÍftiptos que matam gente por dinheiro.

- lâ terminei a autópsia, detetive Andrade. Esses bandidos querem jogar a opinião púbiica cofitra a
Os dois detetives voltaram-se ansiosos paru o médico: polícia!
Qual a conclusão, doutor? E parece que já conseguiram, não é, Andrade?
- -
A que horas ocoffeu a morte? Andrade não respondeu à provocação do detetive
-
O médico comeÇou a falar: Rubens. A prioridade era outra:
A vítima morreu ontem, entre 16 e 18 horas, mais E qual foi a causa mortis, doutor?
- -
ou menos... O médico parecia confuso:
dizer que balearum o garoto ontem à tarde? O senhor nào vai acteditar, Andrade. O garoto
- Quer - em consequência de um esforço físico exagerado.
Não, eu não disse isso desmentiu o médico. morreu
- - -
Ele morreu ontem à tatde, mas... O coração dele não aguentoul
Caramba! exclamou Andrade. Quer dizer Como?l
- - - -
que, baleado daquele jeito, o Ricardinho ainda demorou O Ricardinho moreu de exaustão, detetive Andrade!
a morrer?
-
O barulho das chaves sendo manipuladas tradttzia o
Eu também não disse isso. nerwosismo de todos eles.
-
A paciência de Andrade játinha acabado, e ele berrou
com o médico do jeito que gostaria de ter gritado com os
repórteres:
E o que é que o senhor disse, exatamente, doutor?
-
Já estou cansado desse jogo de adivinhações!

B6
87
os estudantes vão aparecendo, um a um, mortos como
cachorros loucos!
Í
A gaitinha parou de tocar:
Não!
-
. Todos voltaram-se para o gênio dos Karas:
Não o quê, Crânio?
-
Os estudantes não uã.o aparecü baleados. Não
-
necessariamente.
14. Qunu ssRÁ o oFEREcsoon?
Por que você diz isso?
-
Émuito simples, Karas. Vocês achamque esses ban-
No esconderijo secreto dos Karas, com a gaitinha de
-
didos se dariam ao trabalho de recolher um certo númer<r
Crânio fazendo fundo musical, Magrí acabava de relatar a de estudantes especiais, aplicar-lhes uma droga nova, pata
Miguel e a Calu os acontecimentos envolvendo o apareci- simplesmente enchê-los de chumbo?
mento do cadáver do menino baleado: Sei Iá... respondeu Magrí. Vai ver são uma
Na televisão e no rádio não se fala de outra coisa,
- - -
espécie de sádicos...
-
Karas. É claro que são sádicos, Magrí. Mas obedecem a
-
Quer dizer que estão pensando que eu e Miguel algum tipo de inteligência'macabra, que tem alguma frna-
-
também fomos sequestrados? perguntou Calu, que estava lidade terrível. Os estudantes estão sendo usados de uma
-
achando muito divertida aquela situação. forma científica. Louca, mas científica.
ver aquele gordão do Andrade estava na minha E o Ricardinho?
-Yai -
casa, procurando por mim, quando você telefonou parulâ e Só pode ter sido um acidente de trabalho. Se eu
imitou a minha voz, Calu
-
concluiu Miguel. Mas pode estiver certo, essa morte confirma aminha teoria de que os
- -
estar certo de que o Andrade nã.o acba que eu também estudantes estão sendo usados como cobaias paru...
tenha sido sequestrado. Ele sabe que eu estou em algum Magrí saltou como um gato. Estava repentinamente
lugar, escondido. E sabe que eu represento um risco para rcvoltada,louca por uma açáo mais efetiva. Com o rosto
o esquema todo! quase colado ao rosto do amigo, a menina explodiu:
Belo risco! gozou Calu. Nós estamos aqui, Chega de conversa mole, Crânio! Há três dias nós
- - -
parados, escondidos da polícia e dos bandidos, enquanto
-
andamos por aí,fazendo perguntas feito trouxas, enquanto

88
rJg
os bandidos sequestram o Chumbinho, sequestram o Bino Chegou a vez de Calu:
e ainda nos oferecem o cadáver de um garotinho! E você, Eu tinha de investigar nove casas de meninos se-
aí, falando em teorias como um besta!
-
questrados. Mas Miguel teve de fugir do Andrade e me
A surpresa de Crânio foi imensa. O lábio do garoto passou mais seis deles. Falei com alguns pessoalmente e
tremeu, os olhos piscaram, ia chorar:
com outros por telefone. Só que foi tudo uma decepção.
Ma... Magrí... eu...
-A primeira lâgrima O pessoal só se lamenta e chora. Eles têm muito pouco a
foi de Magrí. A meio palmo clo rosto
informar. Quatro deles eu não consegui encontraÍ.
de Crânio. Os dois se calaram e agaffatam-se num longo
Eu também não encontrei quatro dos meus nove
abraço, um abraço desesperado... -
informou Magrí. Com os outros foi bem do jeitinho
- Tâ
Desculpe, Crânio... Eu não queria falar assim... - -
bem, Magrí. Não faz mal... que você contou, Calu. Só choradeira. Esses pais de hoje
-Miguel levantou-se em dia conhecem muito pouco os próprios filhos...
e abraçou os dois. Calu veio em
seguida e os quatro ficaram ali, abraçados, em silêncio, Como foi com esses pais que vocês não encontra-
-
com os corpos colados, procurando unir suas energias, ram? perguntou Crânio. Eles não estavam em casa?
- -
aumentar suas esperanÇas. Não. Foi estranho... explicou Magrí. Os
- - -
LInidos, os Karas eram invencíveis. endereços não conferiam. Nunca havia morado naqueles
endereços qualquer família de esrudante desaparecido...
Gozado! comentou Calu. Com os quatro que
- - -
eu não encontrei foi a mesma coisa...
Reanalisaram e rediscutiram tudo o que já tinham des-
Os olhos do Crânio se arregalaram:
coberto até aquele momento. Era preciso encontrar algum
Espere aíl Quer dizer que nào foi possível localizar
ponto comum a todos os desaparecimentos. -
oito famílias de garotos raptados?
O oferecedor não pode ser nenhum dos professoÍes
- Novel corrigiu Miguel. Eu só tive tempo de
informou Crânio.
-estudantis das nove - que
Verifiquei com todos os grêmios - - -
visitar dois da minha lista. O endereço do terceiro também
escolas tiveram estudantes seques-
trados. Comparei as listas de professores com a lista do estava errado.

pessoal do Elite. A maioria é de professores exclusivos de Crânio estava excitadíssimo:


cada escola.Hâ três que dão aula em duas dessas escolas E quem eram esses nove? Vocês jâverifrcaram? To-
-
e apenas um que dá, aula em três delas. dos garotos? Ou havia garotos e garotas? Todos de escolas

90 97
diferentes? Ou mais de um de uma mesma escola? Deixa
ver a lista!
Magrí começou a compreender: Os Karas tinham descoberto o detalhe comum a todos
que já percebi aonde você quer chegar, Crânio. os desaparecimentos. O mesmo falso estudante,o mesmo pe-
-Acho
Verifique a lista. Eu vou dar um telefonema! queno pattfe que, sob diferentes nomes, haviapenetrado em
Enquanto a menina sumia pelo alçapão, os três Karas dez colégios de São Paulo e feito desaparecer vinte meninos
examinaram a lista de desaparecidos. De cada colégio, uma e meninas, sob o efeito de uma droga maldita que deixava
famí;ia de um dos meninos desaparecidog não pudera ser todos eles feito idiotas, sem iniciativa nem inteligência.
localizada, A mensagem fedorenta do Chumbinho paru os Karas
Que estranho... não queria dizer que ele e Bino tinham caído nas mãos da
-
Estranho? Estranho nada. Claro demais!- declarou quadrilha. Chumbinho tinha avisado aos Karas que Bino
-
Crânio. Como eu não pensei nisso antes? eta o oferecedor!
-
Nesse momento, Magrí reapareceu. Com o rosto ver- Jâ era um começo. Os Karas tinham levantado uma
melho e uma expressão de assombro no olhar, a menina ponta do véu estendido pela mente maligna que coman-
anunciou: dava aquela organizaçáo.
de telefonaÍ pÍacasa do Bino. Usei o número Mas, Crânio lembrou Magrí
-Acabei
que está na ficha do Elite. Pois bem; lá nunca morou um
- - -,apolíciatambém
deve ter descoberto que um dos desaparecidos de cada
garoto chamado Bino! uma das escolas não tinha endereço nem família que viesse
Crânio deu um tapa na testa: reclamar por ele!
É isso! Eu estava errado desde o início. A amostra É claro que sim respondeu Crânio. Mas sô eu
- - - -
que está sendo sequestrada de cada colégio é de dois, e descobri que o oferecedor é o Bino. Para a polícia, esses
não de três estudantes. O terceiro é um falso aluno, que sequestrados sem casa nem família devem ser mais um dos
se matricula em uma escola por semana, fornece um en- detalhes nebulosos que estão deixando os investigadores
dereço falso e provavelmente diz que vai trazer depois os de cabelo em pé!
documentos da escola anterior. Oferece a droga para dois Menos o tal Andrade, não é? brincou Calu. O
colegas e depois desaparece!
- - -
danado é carecal
Quer dizer que... Miguel fez com que a convefsa retofnasse ao ponto
-
Que o oferecedor é o Bino! principal:
-
c))
93
Não há motivo para acreditar que os bandidos Temos de agir depressa, Karas. Eu e Calu iâ esta-
- -
váo parar no vigésimo estudante, que é o Chumbinho. mos queimados. Todos pensam que nós também fomos
Se eles precisam de cobaias humanas, vão continuar sequestrados. É um disfarce perfeito. Calu, você acha que
procurando. pode maquiar nós quatro, de modo que nem as nossas
neste momento mesmo previu calu <; mães possam nos Íeconhecer?
-Talvez, - -,
pllantra do Bino esteja, com outro nome, em algum outro li
colégio, preparando sua nova vítima! -Éclaro,Kara. I
Muito bem. Meu plano é este: Magrí e Crânio vão
O problema é saber qual vai.ser o próximo colégio - ii

- entÍar para a lista dos desaparecidos também. i


i

a set atacado lembrou Magrí.


- -
O quê?l
Crânio pediu um mapa da cidade e uma lista dos
É isso mesmo. As famílias de vocês dois vão tomar o
principais colégios. Magrí foi buscar e, em cinco minutos, -
mesmo susto que a minha, que a do Calu, que a do Bronca,
os quatro Karas examinavam o mapa, aberto sobre o forro
que a do Chumbinho e que a de todos os outros. Magtí e
do vestiário e sob a luz do meio-dia, que entrava pelas
Crânio, vocês podem aceitar esse sacrifício?
telhas de vidro.
A causa é boa, Miguel respondeu Magrí.
Vejam mostrou Crânio. Eles jâ atacaram co- - -
- - - Estou pronto concordou Crânio.
légios nos Jardins, no Morumbi, em Moema... - -
Ótimo. Nosso melhor disfarce será constarmos da
Espetou um alfinete de cabeça vermelha no local do -
lista dos sequestrados. Maquiados pelo Calu, poderemos
mapa onde se localizava cada colégio que já havia sido
"visitado" pelo oferecedor. Com alfinetes de cabeça bran- circular livremente, sem a obrigaçáo de aparecer em casa

ca, Crânio assinalou outras escolas que poderiam ser os paÍa trafiqullizar nossas famílias. Vai ser duro, mas é o
próximos alvos. único jeito.
Aqui, aqui, aqui e aqui apontou Crânio. Conte com a gente, Miguel.
- - -
Um -
desses quatro colégios deve estar namka do falso Bino. Se Então, Katas, vamos usar a mesma tática que os
-
eu úaçar uma circunferência assim, abrangendo toda esta bandidos.
parte, faltam somente estes quatro colégios importantes A mesma tática? Como assim?
-
para a quadrilha atacar. Vamos ser falsos estudantes infiltrados nos quatÍo
-
O raciocínio parecia lógico. Não havia tempo a perder, colégios selecionados pelo Crânio. Exatamente como o falso
e o líder dos Karas não perdeu um minuto: Bino. Só que nós levamos uma enorme vafitagemsobre ele.

94
95

t
Nós sabemos que ele está em um desses colégios, mas ele
não sabe que nós estamos attâs dele.
Mas o falso Bino também pode estar disfarçado'
-
Pois o nosso desafio será descobrir qual é o disfarce
-
do falso Bino antes que ele descubra qual é o nosso.
Vamos à luta. Ou nós ou ele!
-
Magrí, você vai para o Rio Branco. Calu vai inves-
-
tigar o Porto Seguro. Crânio fica com o Pueri' Eu vou para 15. Os rRÊs TNCoMPETENTES
o Logos.
Cal.r fez uma lista e entregou-a a Magtí.
Arranje esses itens de maquiagem pra mim. Tem A tela do inteÍcomunicador acendeu-se e a silhueta
-
tudo nos camarins do anfiteatro. do Doutor Q.L projetou-se sobre os três grandalhões que,
A menina pegou a lista e, antes de desaparecer pelo naquele momento, mais pareciam três moleques apanhados
alçapáo do forro, aproximou-se suavemente de Crânio. no meio de uma travessura.
Desculpe, Crânio. Desculpe eu ter gritado com você. Um pouco atrás dos três, confortavelmente instalado
-
Eu estava nervosa. Nelosa e errada. As suas teorias foram em uma poltrona, alguém se divertia com a situação e
maravilhosas. Como sempre. brincava com um molho de chaves.
A menina beijou Crânio na boca. Foi um beijo rápido, A voz metâlica estava furiosa:
mas o suficiente para fazer o garoto sentir uma tonteira Seus incompetentes! Cambada de paquidermes!
gostosa como... como ele nunca antes tinha sentido na -
Como é que três brutamontes como vocês não conseguem
vida... pegar um simples funcionário como Máriüs Caspérides?
O Coisa, sem saber o que fazer com as mãos, também
não sabia direito o que fazer com a fala:
Doutor Q.I.. .. sabe o que foi? É que... a gente deu
-
azatt.

Azar deu a Pain Comtrol quando contratou vocês


-
três para a segurança!

L)6 97
Foi azat mesmq Doutor Q.I. desculpou-se o Fera. Êz com que ele não registrasse o flagrante. Sumi com as
- -
O tal Mário Caspinha conseguiu sair pelos portões, nem armas dos três e assim foi possível livrá-los. Mas é preciso
-
sei como. Mas nós vimos quando ele subiu num ônibus. ter mais cuidado. O ambiente está pegando fogo. Se eu
Fomos atrás dele até o centro da cidade. Ele se meteu no não tivesse agido a tempo...
meio da multidão e, quando a gente estava quase botando Eles estariam encrencados, não é, detetive? inter-
- pain -
a mã.o nele... rompeu o Doutor Q.I. Ea Control, em consequên-
-
- A
gente estava quase... tentou completar o cia, esÍaria encrencada junto, náo é,meu caro detetive? E o
-
Coisa. senhor sabe o que teria de fazer nesse caso, detetive?
Cala aboca, seu cretino!ordenou a voz. Depois de um breve silêncio, a voz do detetive soou
- -
Como eu ia dizendo continuou o Fera o naquela sala como se fosse a voz cavernosa de um car--
- - -,
azar foi que o talMârio das Caspas correu justo para um ÍASCO:

lugar em que um Zé da Silva qualquer estava assaltando Eu teria de eliminar os três, lá mesmo, dentro do
um banco e...
-
cârcere da delegacia...
Avoz metâlica e enfurecida do Doutor Q.L perdeu o Podia-se ouvir o som da saliva sendo engolida por três
pouco de paciência que ainda tinha: grossas gatgantas.
E vocês três artan)aram um jeito de serem presos E o senhor faria isso, detetive? perguntou o
- - -
como três trombadões principiantes! Doutor Q.L
Foi uma coincidência, Doutor Q.I.! Como é que
- - É claro que eu faria.
a gente ia adivinhar que a polícia ia aparccer por causa O Doutor Q.I. deu o tempo suficiente para que a
de uma porcaria de assalto abanco,logo quando a gente última frase fizesse o efeito que tinha de fazer dentro das
esta-va perseguindo o sujeito, com as armas nas mãos? mentes acanhadas dos três seguranças da Pain Control.
A sorte de vocês é que a Pain Control tem gente Por um momento, só se ouvia o barulhinho irritante do
-
infrltrada na polícia. De outro modo, vocês iam acabar molho de chaves.
fichados como cúmplices de assalto a bancol A voz do Doutor Q.I. novamente se fez ouvir:
O homem da poltrona patov de brincar com o molho Vocês pensam que o problema está resolvido sim-
de chaves e entrou na conversa:
-
plesmente porque o nosso detetive conseguiu libertá-los?
Desta yez deu para liwar estes três, Doutor Q.I. Nada disso! Enquanto Márius Caspérides estiver à solta, todo
-
Não foi muito difícil porque o escrivão é meu amigo e eu o esquema da Pain Control está em perigo. Ele é, agora,

9B
99
l,t
o nosso inimigo mais importante. Foi ele quem criou a
Droga da Obediência. Ele sabe rudo o que é preciso para
destruir a nossa organizaçáot
Uma pausa assustadora percorreu a sala. Não se ouvia
mais nem o ruído do molho de chaves.
Vocês três são ignorantes demais para compreen-
-
dera grandeza do nosso projeto. E o bioquímico Márius
Caspérides foi idealista demais para perceber que o ver-
dadeiro idealismo está do nosso lado. Não precisamos de
16. A ourRA MENSAGEM DE CuunarmHcr

uma droga como esta para acalmar loucos furiosos. Nós


precisamos dela para controlar a humanidadel Silenciosamente como tinha saído, Chumbinho voltou
Enquanto o vídeo comeÇava a escurecer, ainda foi paÍa o dormitório. Jâ devia ser madrugada qtando subiu
possível ouvir as últimas ordens do Doutor Q.I.: paru o seu beliche e ficou ali, encolhido, ouvindo o resso-
É o futuro que está em jogo. Quero a cabeça de Má-
- nar suave dos pobres meninos obedientes.
rius Caspérides jâ, ou as cabeças de vocês é que rolaráot. Todos tinham tomado a dose noturna da Droga da Obe-
diência e estavam cumprindo direitinho a ordem de dormir.
Menos Chumbinho. O garoto estava só, no meio
de tanta gente. Só ele tinha consciência do que estava
acontecendo. Esgueirando-se pelas paredes, aproveitando
cada sombra para esconder-se, o menino tinha percorrido
todos os cantos daquela fábrica de robôs humanos. E ele
tinha tido a sorte de presenciar a discussão do tal Márius
Caspérides com aquela silhueta, gue mais parecia uma
personagem de filme de terror.
Agora ele sabia. Agora ele compreendia a extensão
do perigo que aquela droga representava. E ele não po-
dia sentir medo. Era um Karu. O único que poderia fazer
alguma coisa.

100
101
\
I
Tinha pegado Llma caneta e Llma folha de bloco em
O menino fingiu que dormia, mas, através das pálpe-
uma das salas por onde passara clurante as investigações
bras semicertadas, viu entrar um empregado de avental
noturnas. Aproveitando as primeiras luzes da madrugacla,
branco. O sujeito traziauma bandeja cheia de comprimidos,
Chumbinho comeÇou a reciigir uma mensagem para os
que colocou sobre uma mesa.
Karas' Ainda não sabia como fazer aquele bilhete chegar
Hora de acordar, menininhos obedientes! Vamos,
às mãos de seus amigos, mas eÍa Llrgente falar para eles -
acordeml
claquela droga maldita. Era preciso também ql-le a turma
Todos acotdarame pllseram-se em pé imediatamente.
soubesse que havia um aliado e que esse aliacro era o
Nada das normais espreguiçadas e esfregações de olhos.
próprio inventor da Droga cra obecliência, o bioquírnico
Nenhuma risada, nenhuma brincadeira, nenhuma palawa.
Márius Caspérides.
Não mais eram jovens inteligentes e cheios de vida. Eram
cuidadosamente, chumbinho recortoll pequenas tiras
máquinas estúpidas.
do papel e tentou escrever em letras bem pequenas, pro_
Venham cá ordenou o empregado. Cada um
curando a forma mais curta de clar o seu recado. Mas e se -
pegue
- -
um desses comprimidos e tome. Depois, todo mun-
o bilhete fosse interceptado pelos bandiclos? Era preciso
do para o banheiro. Andem logo, que hoje temos muitos
escrever em código. Mas que código? Ele conhecia alguns
testes a fazer!
dos códigos dos Karas. Só que, se ele os tinha clescoberto,
Chumbinho colocou-se na fila que caminhava em
não seria também Íácil para os ban<lidos decifrá_los?
direção à bandeja de comprimidos para tomar o reforço
chumbinho romoll uma decisão. Trabalhou febril-
da droga maldita.
mente, com a menor letra que conseguiu, e, por fim, a
"Não posso mais ficar sozinho", pensou o menino.
mensagem coube em uma pequena tira de papel.
"Preciso de mais alguém comigo. Quem sabe..."
Olhou paru o enoÍme curativo que sua mãe tinha feito
A ideia the ocorreu quando jâ estava na frente da
por causa da espetadinha da "iniciação na orclem dos Karas,,.
bandeja. Rapidamente, pegou dois comprimidos e deixou
Era como um grande dedal de gaze enrolado com esparadra_
cat na bandeja a bolinha que tinha feito ao amassar o
po no indicador cla mão esquerda. Retirou o curativo como
papel que sobrara. Fingiu que tomava a droga e escon-
se puxasse um declo cle luva e enfiou ali dentro o papelzinho
deu os dois comprimidos no macacão. Com o canto
enrolado. Encaixou novamente o curativo no lugar, e estava
do olho, viu quando Bronca chegou junto à bandeja,
amassando as tirinhas de papel co, os rascunhos clo có<ligo pegou e engoliu a bolinha de papel como se fosse um
quando a portà do dormitório se abriu.

702
103
Pronto! Chumbinho sorriu por dentro. Logo não estaria Chumbinho? Bronca ainda estava meio tonto.
mais sozinho. O restinho do efeito da droga que Bronca
- -
O que você está fazendo aqui? O que eu estou fazendo
havia tomado na noite anterior já devia estar passando, e
-
aqui? O que está havendo?
então Chumbinho teria um companheiro lúcido. euem Não temos muito tempo para explicações, Bronca.
sabe se, juntos, nã.o seria mais fácil criar um plano para
-
Você tomoLl uma droga que o Bino ofereceu lá no Elite,
fugir dali? não se lembra?
O efeito da Droga da Obediência, pelo jeito, era tão Bino? Elite? Sim...
-
seguro que os empregados nem precisavam se preocupar Aquela era a Droga da Obediência, Bronca.lJma
-
muito com a vigilância dos garotos. Depois de dar a ordem, droga terrível que transformou você num morto-vivo.Yeja,
o empregado de avental saiu do dormitório. Com ceÍteza todos os outros garotos estão drogados. Mas você nã.o estâ
daiaumtempinho pataas cobaias idiotas irem ao banheiro. mais. Eu troquei o comprimido que você devia tomar por
Enquanto isso, foi cuidar de outra coisa qualquer. uma bolinha de papel!
O banheiro eÍa grande e não havia separuçáo entre Droga da Obediência? Que história é essa?
-
os meninos e as meninas. Drogados, eles eram cobaias Fique firme, Bronca. Temos de encontrar um jei-
-
sem sexo. to de cair fora daqui. Finja que estâ drogado. Faça tudo
direitinho como os outros. Finja que está obedecendo às
O plano de Chumbinho comeÇou a dar certo: parado
ordens. Essa gente é perigosa! Eles..,
no meio do banheiro, Bronca parccia confuso. Olhava
Me larga! berrou Bronca. Que negócio é esse?
espantado para uma linda menina, sentada no vaso de - - -
pofia aberta. Sacudiu a cabeça, como que para acordar Quero ir embora daqui!
Atrás do amigo assustado, Chumbinho viu, na porta do
de um sonho.
banheiro, dois empregados que olhavam surpresos aquela
Onde estou? O que está acontecendo? O que está
- discussão. Bronca desvencilhou-se das mãos de Chumbinh<r
havendo comigo?
e correu para a porta, na direção dos empregados.
Chumbinho agarrou o colega pelos ombros, cheio cle
Sai da frente! Quero sair daqui! O que vocês estão
esperanÇa. -
pensandoT
Bronca! Que bom! Você está acordando! Olhe pra
- Os dois empregados tentaram agarrat Bronca, mas o
mim. Eu sou Chumbinho, seu colega do Elite, aquele do garoto era forte e estava enfezadíssimo. Com dois safanões,
Íliperama. Lembra-se de mim? abriu caminho entre os dois e correu pelo dormitório.

704
705
Os empregados e Chumbinho correram affâs. Bronca
abriu a porta do dormitório e enflou-se por um longcr
corredor.
Pega! Não deixa fugir!
-
Chumbinho viu quando Bronca empurrou um funcio-
nário que tentava barrar-lhe o caminho. O sujeito caiu, mas,
de joelhos, sacou um revólver e apontou para as costas do
macacáo azul, onde estava bordado D.O. 19.
Um clarão, e o corpo do Bronca foi arremessado para
77 . O cADÁ\tsR MENSAGEIRo
a frente, como se tivesse tropeçado.
Quando Chumbinho chegou junto ao colega, um ori- Magrí havia vasculhado todos os cântos do Colégio
fício negro enfeitava aletra D. Ilio Branco sem encontrar nem sinal do Bino. Ela era boa
O menino ajoelhou-se junto ao cadãver e sussurroLr, fisionomista e tinha ceÍteza de pocler reconhecer o ofere-
tomando-lhe a mão esquerda nas suas: cedor, mesmo que ele estivesse clisfãrçado. Não, Bino nào
Bronca! Meu Deus! Desculpel estava no Rio Branco.
-
À sua volta, empregados discutiam excitadamente: Agora era ir ao encontro combinado com os Karas, às
O que houve? Esses garotos não tomaram a droga? sete da noite, numa lanchonete c1o centro da cidade. Lá,
-
Sei 1á! Eu mandei tomar! eles tinham cefieza de não encontrar nenhum conhecido:
-
Aqui tem coisa! a classe alta não frequenta a avenida São João.
-
Agarra esse aí! Temos de falar com o DoutoÍ e.I.l Passava urn pouco das seis quanclo Magrí chegou ao
-
No momento em que a mão pesada do empregado centro da cidade. Anoitecia, e a menina achou divertido
agarrou o ombro do Chumbinho, o menino havia acabado vagar incógnita pelos calçadões da Barão de Itapetininga
de tirar o curativo e enfiá-lo no dedo do cadáver. e da Conselheiro Crispiniano, misturada à multidão de
funcionários que enchiam as rllas, cansados no fim de uma
quarta-feira de trabalho.
,// I
/.4
Magrí sentia-se muito segura em sell disfarce. O cabelo
iw,)
estava diferente e Calu havia colocado uns arames em sua
.M§í.,
, ," í ,'.t boca, para parecer aparelho de correção dentária. Aquela

106 707
ferragem mudava a conformação do seu rosto e modificava- Kara antes de tudo. E aquele detalhe não the escapou: no
-lhe a voz. A menina vestia uma jaqueta com enchimentos dedo do cadâver havia um curativo. Um curativo grande,
que lhe alteravam totalmente o porte elegante. palmilhas exagerado como o que havia no dedo do Chumbinho!
dentro dos tênis machucavam-lhe um pouco os pés, mas Coincidência? Talvez, mas uma pista suf,ci ente para fazer
obrigavam-fla a andar de modo diferente. Sobrancelhas
a menina coÍrer pela DomJosé de Barros até a Sáo Joáo.
unidas completavam o disfarce.
Magrísabia que conseguir um táxi àquela hora era uma
"Como estou horrorosa!", divettia-se a menina, vendo
façanha. Por isso abriu a porta de um que estava parado
a própria imagem refletida em uma vitrina.
no sinal e ofereceu ao passageiro:
Aos poucos, uma outra imagem, formada atrás do seu
Estas cinco notas para o senhor, se me ceder este
reflexo, chamou-lhe a atençáo. Estava em frente aumaloja -
táxll
de eletrodomésticos, e um televisor ligado num noticiário
Surpreso, o passageiro concordou.
acordou-a do devaneio.
Obrigadal a menína entrou no táxi e estendeu
- - Mais cinco paru o senhor,
outras notas pata o motorista.
-
Desaparecimento de estudantes: outro cadáuer en_ -
se me levarvoando para a Teodoro Sampaio com a avenida
contrado. Vejam no proximo segmento...
Doutor Arnaldol
O coração da menina disparou. Outro cadâverl Ai, Era uma boa vantagem não ser pobre naquela hora.
como foi difícil aguentar os comerciais até ver novamente Em poucos minutos Magrí estava desembarcando do táxi
o locutor! em frente ao Instituto Médico Legai.

... cadauer de urn rapaz, encontrado com um tiro ***


-
nas costas, na estação do metrô de Vila...
Todos os funcionários e até os policiais ficaram com
A menina mal podia acteditar no que estava vendo. pena daquela garotinha desesperada. Afinal, que mal ha-
Paravarial os repórteres tinham agido mais rápido do que veria em deixar entrar a infeliz namoradinha do gaÍoto
a polícia e ali, na tela, estava o corpo do Bronca, lívido assassinado? Era melhor que ela se despedisse dele antes
como um lençol! que o corpo da vítima fosse destruído pela autópsia.
Apesar do choque, a rapidez de raciocínio e a aten- A menina, de aparelho nos dentes, descabelou-se ao veÍ
ção treinada de Magrí nào se deixaram abalar. Ela era um o cadáver do rapaz estirado numa pedra fria no necrotério.

108
109
Bronca! Meu amor! O que fr,zeram com você, meu
-
querido? Ai de mim! Assassinaram o meu amor!
A menina atirou-se sobre o cadáver,beijou_o exagerada_
I

mente e agarrou-se em sua mão.


Por quê? Por que fizeram uma coisa dessas? O que
-
será de mim agora?
Delicadamente, um funcionário retirou dali a chorosa
namoradinha da vítima.
18. O PERrGoso ESPrÃozrNHo
***
Depois de enfiar o curativo com a mensagem no dedo
Ainda abalado pela comovente cena que acabara de do cadâver do Bronca, Chumbinho foi arrastado aos trancos
presenciar, o detetive gordo, exallsto, suado, frcou olhando
por um corredor. Vários empregados falavam nervosamente
para o cadâver.
ao seu redor, enquanto dois deles agarravam seus braços
Bandidos... assassinos! eue crueldade...
- e os mantinham torcidos às costas.
De repente, seu faro treinado de cão policial deu um
Chumbinho não dekou escapar um só gemido. Era um
alerta. Alguma coisa estava diferentel
Kara. Naquele momento, ele não pensava no que poderia
Ei, vocêl-
chamou ele por um funcionário._ Rá_
-
pido! Quero ver as fotos que tkaram do cadâver!
aconteçer consigo mesmo. Só tinha pensamentos para o
colega assassinado e paÍa a esperança de que sua mensa-
O funcionário atendeu prontamente e o detetive gor_ gem fosse encontrada pu um dos Karas.
ducho examinou as fotos, comparando-as com o cadáver
No flm do corredor, o menino foi empurrado para
à sua frente.
dentro de uma sala. Jogaram-no nLlma cadeira, e os dois
InfernolBstáfaltando o curativo do dedo!A meninal
- empregados que o haviam trazido fi,caram ao lado, cada
Cadê a menina? Prendam depressa a menina que acabou
um segurando pesadamente Chumbinho por um ombro,
de sair daquil
como se ele fosse capaz de escapar voando pela janela.
Mas eratarde demais. por mais que procurassem, foi im_
Um dos homens dirigiu-se à tela de um aparelho igual
possível encontÍar a namoradinha do garoto assassinado.
àquela em que o menino tinha visto Márius Caspérides
discutir com o Doutor Q.I.

110
111
Ir
A silhueta sinistra apareceu na tela do intercomu- Agora etaasüavez.Ele tinha causado aquela confusão
nicador e o empregado começou a relatar o que tinha toda e... Não! Havia um jeito. Ele tinha de representar de
acontecido. novo. Quem sabe conseguiria salvar a pele?
algo estranho com duas das cobaias, Doutor Da tela, veio a voz frltrada, tenebrosa, do Doutor
Q.L Nesta manhá... Q.r.,
Chumbinho tentou raciocinar depressa e prever as Incompetência! Incompetência!Tudo o que eu vejo
-
consequências do seu ato. Ele tinha sido apanhado em é incompetência. Vocês não se certificaram de que todas
flagrante e agora tudo podia acontecer. as cobaias tomassem o reforço da droga?
são justamente os dois do Colégio Elite, Doutor Na verdade não, Doutor Q.L desculpou-se o
- -
Q.r.... funcionário. As cobaias têm se comportado direitinho
-
Os empregados o tinham visto conversando com o nesses dois meses. Executam todas as ordens sem dis-
Bronca. Logo, estaya claro que os dois não tinham tomado cussão, tomam os reforços da droga sem necessidade de

a dose matinal da droga. vigilância. Deixamos abandeja com a droga no dormitório,

certamente os dois náo estavam sob o efeito da como fazemos todas as manhãs. Ordenamos às cobaias que
tomassem a droga e...
Droga da Obediência, Doutor Q.I... .
Mas por que as cobaias 19 e 20 não tomaram? Vocês
Então era lógico para os bandidos que ele tinha impe- -
podem explicar isso?
dido o Bronca de tomar a droga e seria punido por isso.
Bem, Doutor Q.I., eu...
estavam discutindo no banheiro. Foi aí que a -
A figura da tela do intercomunicador berrou para
cobaia número 19 saiu correndo feito um louco...
Chumbinho:
Qual seria a punição? Chumbinho imaginava que a sua
Garoto! Por que você não tomou o remédio?
atitude de espião deveria representar um enorme perig<-r -
Chumbinho começou com o seu teatro:
para a organizaçáo. E o que eles fazem com os espiões?
Ahn? Onde estou? O que está acontecendo? Eu
O menino engoliu em seco ao lembrar-se das cenas de -
estalra no colégio, falando com o Bino. Ele me deu uma
fuzilamento nos filmes de guerra.
coisa para experimentar... Disse que era ótimo... aí só me
.,. tivemos de atirar, não houve outro jeito. A cobaia lembro de estar num banheiro, com o Bronca falando pra
-
número 79 está morta. Jâ mandei abandonar o cadâver, gente fugir... Onde estou? Quero ir pra casat
como planejamos. Quanto à cobaia número 20... Da tela, a voz veio mais baixa, quase paternal:

772
773
t T
Você já vai pta casa, menino. Vai só tomar um re- O comandante da Paim Control franziu as sobrance-
-
medinho, e logo vai pra casa... lhas e leu avidamente a matéria. Ali estava a lista completa
Chumbinho viu o empregado estender-lhe um com- c1os seis desaparecimentos do Elite: Bronca,
primido e um copo d'água. Miguel, Calu e agoÍa Magrí e Crânio.
A Droga da Obediência! E agora? Todos estavam olhan- Ele sacudiu a cabeça, tentando entender. Em segui-
do para ele e não haveria jeito de fingir que tomava a droga. da, apertou um botão do intercomunicador e deu uma
Ele seria obrigado a tomar o comprimido, de verdadel ordem.
Um remédio? balbuciou o menino. Depois Localizem nosso agente escolar. Quero falar com
- - - -
eu vou pta casa? ele pelo intercomunicador.
Yai sim, garoto. Agora tome o remédio.
-
Tentando disfarçar seu temor, Chumbinho pegou o
comprimido. Colocou-o Íra boca e tomou um gole d'á"gua.
Seus olhos se fechavam quando ele ouviu a voz metálica O fàlso estudante estava na frente da tela. Mas estava
falar com brutalidade: totalmente modificado. Até a cor do seu cabelo era dife-
De agora em diante, quero vigilância total sobre as rente. Só pelo olhar é que dava paru ver que era mesmo
-
cobaias. Não admito mais enganos! Levem esse moleque o safac'linho do Bino.
para junto dos outros! Você tem agido bem até agora cumprimentou a
Chumbinho deixou-se levar, molemente, como um boi
- -
voz autoritária do Doutor Q.I. Mas eu tenho razões para
que vai para o matadouro. -
acreditar que houve quebra na nossa segurança.
na segurança? espantou-se Bino. Eu
- Quebra - -
posso garantir que...
Não me interessam as suas garantias. Ouça com
O Doutor Q.I. estava furioso quanclo desligou o inter-
-
atenção e não discuta. Eu tenho uma missão muito impor-
comunicador. Mas sua zange foi distraída pela manchete tante pera você. Trata-se de quatro gaÍotos...
do jornal que estava à sua frente: O oferecedor da Droga da Obediência ouviu as ordens.
O que ele devia fazer tiri^n de ser feito naquele mesmo dia.
Mais olois estttclantes clo Elite
des ap are c em m is terios a,m e /ú e

714
775

rl
Crânio abriu cuidadosamente o curativo, que já estava
imundo depois de rolar mais de um dia em várias mãos.
Dentro dele descobriu um papelzinho enrolado.
Só pode ser a letra do Chumbinho observou
- -
Magrí. Mas náo dâ pra entender nada.
-
Os três leram ansiosamente, enquanto Crânio trans-
crevia a mensagem em letras maiores num guardanapo
de papel da lanchonete. O texto era a coisa mais confusa
19. Coorcos coMBrNADos do mundo:

Dsenterginis dinis Enterbomberdaisômberlc aisinis :


Na lanchonete da avenida São João, dois rapazes sen-
Tombersaisgenter! Inis cbinisuomber omber
tados em uma mesinha de canto olhavam ansiosamente Miniss aisufterc Cinis rt o mbers ctis d o mberr.
para o relógio da parede quando uma garota entrou e
sentou-se ao seu lado. p21scs o nosso Código Vermelho observou Ma-
- Mas não faz sentido. -
Miguel ainda não chegou? perguntou a garota gÍí. . .

- - -Crânio sorriu:
em voz baixa.
Ainda náo respondeu Crânio, que tinha o nariz Esse Chumbinho é mesmo uma figura! Você tem
- - - Só que, por se-
razáo,Magrí. Aqui tem o Cod,igo Vermelbo.
deformado pela massa plástica de maquiagem. Nós es-
- guranÇa, o danado do Chumbinho usou dois códigos com-
távamos preocupados com você. São quase nove horas!
binados! Vamos traduzir primeiro o Código Vermelbo.
Você encontrou o Bino? perguntou Calu.
- - Em outro guardanapo, Crânio escreveu o Codigo Ver-
Não, mas tenho uma pista.
- melbo dos Karas:
Em poucas palavras Magrí relatou a morte do Bronca
e a história do curativo no dedo. Por fim, estendeu o dedal A=ais
de esparadrapo e gaze para Caht: E = enter
você, Crânio disse Calu, que não conseguia I = inis
-Yeja -
acostumar-se com os enormes óculos que usava como O = cttnber
disfarce. U = ufter

776 717
l
Agora, era só substituir aqueles sons estranhos pelas Calu comeÇou a comPreender:
vogais correspondentes: Quer dizer que aquela droga que deixa as pessoas
-
Hum... deixa ver. Dsenterginis... dá dsegi... com cara de idiota é aDtoga da Obediência?
- E, pelo nome, dâ até
Feita a traduçáo, a mensagem ficou assim: concordou Crânio.
-É... - -
parater uma ideia do que representa essa porcatia'Droga
Dsegi di Ebodaôlcai: Tbsage! da Obediência! Por isso o Bronca estavatão bonzinho, não
I cbiuo o Mísaur Cirtósador. é? Táo obediente, tão bom menino...
Só que agora o Bronca está morto! lembrou
- -
Bem bolado!- aplaudiu Calu. que agora Magrí, com um nó na gatgarúa.
- -Aposto
basÍa aplicar o Código Tênis-Polart. Droga da Obediência'.. obediência." morte! -
Era isso mesmo. Para decifrar o código,bastava escre- - Uma droga que tedtz
raciocinou Crânio em voz alta'
ver a palavra tenis sobre a palavra polar, de modo que o -
as pessoas à obediência absoluta!
/ correspondesse ao p e assim por diante. Depois, era só Aposto que muitos pais e professores bem que
substituir uma letra pela outra. Crânio escreveu em outro -
gostariam de contar com um pouco dessa droga, né?
guardanapo
Não caçoe, Calu! A coisa é muito séria' Estamos
Dsegi. D náo tem código , frca D mesmo; S é igual a -
- lidando com gente que sequestra estudantes, que os usa
R; E é igr;;al a O; Gtambém não tem código,fi,ca G mesmo;
como cobaias! ralhou Crânio.
e I é A. Pronto! Temos a primeira palavrat -
Que os mata! acrescentou Magrí.
No guardanapo, estava escrita a palavra Droga. - -
E quem será essa "chave"? Quem será Márius Cas-
-
Droga? Estamos na pista certa. Vamos ver o resto. -
pérides?
Em pouco tempo, a mensagem de Chumbinho estava
ouvi esse nome informou Crânio' É um
tradtzida: - Ját
- -
cientista, um bioquímico, se não estou enganado' Acho
Droga cía Obed,iência: Perigo! que li alguma coisa a respeito dele. Na última reunião da
A chaue é Marius Caspérides. sociedade Brasileira pafa o Progresso da ciência ele apre-
sentou uns estudos sobre engenharia genética aplicada ao
Boa, Chumbinho! Se o menino estivesse ali, na tratamento de doenças psiquiátricas graves, ou qualquer
- - coisa do gênero.
certa ganhaia w beijo da Magrí.

118 719
Um bioquÍmico? perguntou Magrí. Então vai ver
- - -
ele sabe alguma coisa sobre essa Droga da Obediência.
Vamos procurá-lo, então! decidiu Calu.
- Mas como encontrá-lo? -
-Crânio saiu-se com um sorriso misterioso:
Eu tenho um método científico e infalível para re-
-
solver um problema como este!
É mesmo? E qual é o método?
- p1sçu12r na lista telefônica! brincou o gênio dos 20. Etvt BUSCA DE FoRTES EMoÇôES
-
Karas.
-
Miguel sentia-se muito desconfortável com a cabeleira
encaracolada que Calu tinha arranjado para ele. Com o
bigode ralo de adolescente, então, ele se sentia ridículo,
Foi fácil encontrar o endereço do bioquímico Márius
Mas tinha de concordar que o trabalho de maquiagem de
Caspérides na lista telefiônica da lanchonete. Ficou decidido
Calu era de primeira.
que Magrí e Crânio iriam procurá-lo.
Para falar a verdade, até que Miguel gostaria mesmo
E Miguel?
- Talvez tenha ido para o esconderijo secreto su- de jâ ter bigode. Mas, por mais que ele raspasse, com o
-
pôs Calu.
-
Eu vou para lá. Descubram o tal bioquímico aparelho debarbear do pai, até agora os primeiros fios de
-
e me encontrem no esconderijo. barba ainda não tinham aparecido.
Misturado na multidão de estudantes do Logos, naqLle-
*** la hora Miguel não pensava no desconforto da cabeleira
nem no ridículo do bigodinho precoce. O líder dos Karas
Calu foi sozinho num táxi. No outro, ia um garoto procurava avidamente o oferecedor. Mas o tempo passava
muito inteligente e muito feliz: Magrí deixara-se abraçar e e Miguel não conseguia encontraÍ o Bino.
for aviagem toda com a cabecinha repousando no ombro "É claro que ele deve estar disfarçado", pensava o rapa-
de Crânio... zinho. "E deve seÍ um mestre do disfarce paru se matricular
em dez colégios, sempre com uma cara diferente. Será que
eu vou conseguir reconhecêlo? Tenho de conseguir!"

120 1,21,
A cabeleira encaracolada fazia Miguel suar. Eu tenho uma coisa legal aqui. Você quer
euando
o sinal tocou e todos comeÇaram a correr para as classes, -
emoções?
ele deu um jeito de entrar no banheiro. Tirou a cabereira Estou a fim. Coisa forte?
e colocou a cabeça debaixo da torneira. -
Da pesada. Entra nessa?
Nesse momento, ouviu uma voz atrás de si: -
Bino parecia estar com pressa. Não disfarçava nada,
_ oi... como se tivesse cetteza de que Miguel acettaria. Com fir-
Com a água escorrendo pelo rosto, Miguel viu um ga_ meza, foi levando Miguel paru fora.
roto estranho, diferente, que olhava fixamente para ele. Então venha cá. Você vai gostar.
Hum? Oi... respondeu Miguel. -
- - Alguma coisa estaya enada. A inruição de Miguel o
Você é novo por aqui? _ perguntou o estranho. alertava, mas ele tinha de seguir em frente. Tudo estava
-
Foi aí que Miguel percebeu o erro que tinha cometido. fácll demais, mecânico demais, sem nenhuma simulação.
Aquele era o Bino, espetacularmente disfarçado!E ele, Mi_ Saíram do colégio, e Bino, sempre com o braço em
guel, estava ali, desprevenido, apanhado como um patinho! torno dos ombros de Miguel, levou-o para a direita, des-
Disfarçadamente, livrou-se da cabereira, deixando-a cair cendo a avenida Rebouças.
no
cesto de papéis ao lado da pia. Para onde estava sendo levado? Miguel náo sabia,mas
Novo? Eu... comecei neste ano. E você? estaya certo de que o método usado para ruptar Bronca e
-
Acabei de me matricular. Chumbinho não tinha sido aquele. Eles estavam quebrando
-
Bino! Era ele mesmo!Teria reconhecido Miguel? Tarvez a rotina. Será que...
não, quem sabe? Talvez ele nem se lembrasse de Miguel, Uma van toda fechada parou aolado dos dois. A porta
já que tinha estado tão pouco tempo no Elite.. . foi aberta e alguém ordenou:
Você está com algum problema, amigáo?
- -
Entre!
o desgraçado estava entrando direto no assunto. sem No instante em que ele descobriu que estava caindo
medo. Sem rodeios. E agora? numa armadllha, náo havia tempo para mais nada. Bino
Miguel achou melhor aniscar tudo e entrar logo com empurrou-o por trâs. Pela frente, um braço musculoso
o seu jogo: agarrou-lhe o pescoÇo, e uma pesada máo tapou-lhe a
Sei lá. Estou numa fossa... Sem pique, sei lá... boca e o naiz com um pano.
-
Bino chegou-se amigavelmente, sorrindo, e passou o Lutando para libertar-se, Miguel sentiu o cheiro forte
braço pelos ombros de Miguel: do clorofórmio.

722
723
***

A cabeça rodava e o estômago estava enjoado quando


Miguel acordou. Viu-se em um quarto vazio, como uma
cela. Não haviajanelas. A ventilação vinha de uma abertura
no teto e uma làmpada iluminava frouxamente o quarto.
Passou a máo pelo rosto e viu que não tinha mais o
bigodinho falso.
27. Urv cASAL DE NAMoRADoS cuRlosos
A cama onde estava estirado
era dura, mas a limpeza
do ambiente fazia aquilo parecer mais um hospital do que
uma prisão. A pequena casa geminada, na Vila Mariana, estava às
"Deve seÍ um quarto de luxo. Até televisão tem aqui!,,, escuras. Mas o instinto aletta do casal de Karas indicou
pensou o Íapaz, sentando-se na cama. que havia alguma coisa errada.
A tal "televisão" acendeu-se sozinha e uma silhueta Magríe Crânio passaram na frente da casa, abraçados,
apareceu natela: fingindo-se de namorados (essa, é clato, foi uma ideia do
Boa tarde, Miguel. Eu estava esperando por você. Crânio).
-
Não se fiotaYa nenhum movimento fia casa, mas,lá de
dentro, ouviam-se sussurros que poderiam ser percebidos
até por quem não estivesse prestando atenção:
Bzzz... bzzz... bzzz...
- Hein?
- Bzzz... bzzz... bzzz...
-
Hein? Não estou entendendo nadal
- O camarada está demorando!
- seu cretino!
baixo,
-Fala
Bzzz... bzzz... bzzz...
-
Hein?
-

124 125
O casal de namorados continuou
andando. Na esquina, É bom a gente liquidar com ele logo. Você ouviu
um grande carro preto estavâ estacionado. -
Dentro, dava o Doutor Q.L Ele quer a cabeça com caspas do tal Mário.
para perceber um r,r-rlto de
sentinela.
Ou vai querer a cabeça da gente em troca!
Crânio e Magrí aproximaram_se
um pouco mais do Então, pense! Para onde pode ter fugido o sujeito?
caffo e Crânio aproveitou pata,,representar,,um
namorado
-
Eu penso, eu penso o tempo todo explicou o
mais entusiasmado. (O que estragavaeram
aqueles arames
- -
Coisa. Mas acontece que eu não sou detetive!
que Calu tinha botado na boca
de Magrí...) -
Veja bem: a gente perseguiu o tal Mário até a praça
Dentro do carro, a enorme sentinela
dormia um sono
-
do Patriarca,lembra?
de roncar. pronto. Os Karas estavam
à vontade para in_ Lembro, Daí ele correu pela rua da Quitanda...
vestigar a casa. -
Virou à direita na L5 de Novembro e...
Com a agilidade de campe á de ginâstica -
olímpica E aí tinha um tal Zé da Silva assaltando um banco
do Colégio Elite e esperanÇa de -
medalha de ouro pu,r^ o e berrando que era o assaltante mais perigoso do Brasil!
Brasil nas próximas Olimpíadas, E aí a gente foi em cana, né?
Magrí escalou pur*,d.
da casa e deslizou sobre o telhado. ^ -
Como se estivesse se É...
exibindo nas barras assimétricas, pendurou_se -
com o tal Zé da Silva. Sorte que tem aquele
do telhado pelas pernas, jogando
no beiral - Junto
a cabeça para batxo. detetive que está do nosso lado, né?
Assim, dependurada como um
morce go, Magtíviu, através
da veneziana, dois vultos imensos.
-É.
Viu e pôde entender Aí o Zé da Silva ficou em carra e a gente foi solto,
melhor os sussurros.
-
né?
Eu acho que o tal Mârio não vai É...
- apaÍecer _ dizia -
o Animal. E agora?
-
Comonã.o vai aparecer?! _ Agora o quê?
,i- Ele
_ argume ntava o Coisa. -
mora aqui! Como é que a gente vaipegar otalMârto Caspinha?
-
Eu sei que ele mora aqui, mas Sei lá. Acho que ele nem vai apareceÍ por aqui.
- está fugindo. - Também acho.
É claro que está fugindo. Mas paraonde?
- -
Como é que eu vou saber? Se Então, que é que adianta a gente frcar aqui, no escuro?
- eu soubesse, ia lá e -
liquidava com ele! Não sei. Mas, se a gente sair daqui, onde vamos
-
procurar?

726
727

/l
Pense: pra onde pode ter ido o tal Má.rio? Cracfl Acho que não'..
- -
Não sei. A gente estava perseguindo ele lá naptaça O Animal estaYa desnorteado:
-
do Patriarca... Acho melhor a gerrte voltar pata o carro'
-
Isso você já falou. E depois? É melhor mesmo'
- -
Depois a gente foi em cana. E lâ foram os dois grandalhóes, discutindo pela rua'
-
enquanto o casal de namorados se esgueirava pata o iar-

Magrí achou que aquela conversa não tinha futuro. dim da casa.
Ergueu o corpo, segllrou no beiral agarrando-se numa Magrí conseguiu forçar wa ianela' Crânio entrou em
calha cle zinco e deixou o corpo cair suavemente. Foi aí seguida.
qlre a velha calha cecleu: cractt Comaajudadeuma|anternaqueencontfafaÍflnacoz'i-
O que foi isso? perÉauntou o Animal. nha, procu taÍamavidamente por alguma pista do morador
- -
Foi tm cract! explicou o Coisa. ausente. Logo encoÍrttaramum computador' Crânio ligou-o
- -
É claro que foi um cractt Venha! e, na ârea de trabalho, ali estava: D' O' Conclusõesfi'nais'
-
Estabanadamente, os dois bandidos abriram à poÍta E os dois Karus leram o arquivo do bioquímico' E o
da casa cle Caspérides e precipitaram-se para o pequeno que leram os fez tremer.
jarclim. Crânio copiou o arquivo em um disco e, antes de sair'
Aqui nã,o há nada di.sse o Coisa. Só aquele retirou uma foto de Caspérides que havia em um porta-
- - -
casal de namorados. -retratos.
[211s5 perguntar a eles se viram alguma coisa! Encostaram a ianela pelo lado de fora e sumiram na
-
Ei, psiul Vocês aí! Viram alguma coisa? noite
-
O rapaz desgrudou-se da moÇa e dis.se, com a cara
mais inocente do mundo:
Hum... o quê?
-
Vocês virarn alguma coisa?
-
Que coisa?
-
Sei lá. Qualquer coisa!
-
Não vimos nada diferente...
-
Não ouviram um cracil
-

728 729
ameaÇa do outro mundo: o cientista havia criado uma
clroga poderosa. Certamente eÍa aquilo que estava sendo
experimentado nos estudantes sequestrados'
Estavam no forro do vestiário do Colégio Elite' A ma-
clrugada ia alta, e Miguel ainda não tinha dado sinal
de

vida.
Miguel... Onde estarâ Miguel? preocupaYa-se
- -
Magrí'.
22. Ne TRTLHA DE uM DESCoNHECTDo Estamos tão longe de Márius Caspérides quanto os
- observou Calu, desanimado'
bandidos
- perguntou Crânio, que ainda náo havia
Serâ?
-
Você sabe que minha memória é como um gravador, - -
Crânio reforçou Magrí. Eu ouvi claramente o que eles perdoado o amigo por ter enchido de arames a linda bo-
- - quinha daMagrí. Serâ mesmo? Vamos ver o que temos:
conversavam. Um dos sujeitos falava em um certo Doutor -
Q.I., alguém que ameaçava avida deles se não trouxessem
de acordo com os dois grandalhões, Márius Caspérides
Márius Caspérides morto! fugiu da quadrilha, foi perseguido até o centro da cidade
e eles o perderam de vista quando deram com um
assalto
Doutor Q.I.! Calu parecia experimentar o peso
- - acontecendo num banco, náo é?
macabro daquele nome. será esse maluco?
- Quem Foi isso que aqueles dois disseram"'
Doutor Q.L, não é? sorriu Crânio. Doutor -
- - - Crânio sorriu. Um sorriso de suspense, de triunfo'
Quociente de Inteligênciar. Yai ver ele é chamado assim
por ter um altíssimo quociente de inteligência. É elel Sô Estâ rindo de quê, Crânio? Ficou maluco?
-
pode ser ele. O cérebro que está por trás desses crimes Vocês não estão percebendo? Mas é tão simples!
-*
todos. A inteligência criminosa! O meu inimigo! Mas du- O que é tão simPles, Crànro?
vido que o quociente de inteligência dele seja maior do Veiam bem: o que vocês fariam se estivessem fu-
-
que o meu... gindo desesperadamente de uma poderosa quadrilha? O
Os três tinham lido o arquivo do bioquímico no que vocês fariamse soubessem que suas vidas estavam em
computador portátil que fazia parte dos equipamentos perigo? Mais: o que vocês faúam se soubessem que nem
dos Karas no esconderijo secreto. Apesar da linguagem adiantaria pedir aitda, iâ qu' havia bandidos infiltrados
extremamente técnica, o que eles tinham lido pareciauma na prôpria Polícia?

730 131
Crânio deixou as perguntas no ar por um momento.
A hipótese de Crânio parecia a ideia mais maluca do
calu e Magrí nada disseram. crânio estava excitadíssimo
rnundo, mas era genial em sua simplicidade. Se o garoto
com a perspectiva de uma disputa intelectual
entre ele e cstivesse certo, o bioquímico Márius Caspérides estaria
um gênio criminoso. para os outros Karas, essa excitação
l)reso, naquele mesmo instante, na mesma delegacia de
era sinal de que ele já tinha uma resposta satisfatória
na onde tinham sido libertados os três brutamontes, na mesma
ponta da língua. Só que ele gostava de valori
zar a própria clclegacia dos detetives Rubens e Andrade.
inteligência e capacidade de resolver enigmas
complicados. Só tem uma coisa, Karas lembrou Calu. Zé da
Os Karas conheciam avaidade do amigo
e sabiam que era
- - -
Silva é o nome mais comum deste país.Há centenas de Zés
melhor dar corda e deixar que ele explicasse o seu
racio_ cla Silva nas prisões. Na certa, só naquela delegacia deve
cínio do modo que gostava.
haver uma meia dúzia. Precisamos de um plano para...
Vou dizer a vocês o que eu faria se fosse Márius
- interrompeu Magrí. Vocês estão esque-
Caspérides. Ele é um cientista genial,um privilegiado,
e na
-Karas - -
cendo de uma coisa; Miguel ainda não apareceu!
certa pensou a mesma coisa que eu teria pensado.
Se eu Bom, Magri,vaiver ele encontrou o falso Bino e...
estivesse fugindo de bandidos armados e
não tivesse outra -
Não adianta discutir isso agora decidiu Crânio.
saída, eu simplesmente entrariaem um
banco gritando que - -
O dia ainda não amanheceu, e tudo o que a gente pode
aquilo era um assalto e me deixaria prender com
a maior -
fazer tem de ser feito pela manhã. Estamos exaustos. Vamos
facilidade!
aproveitar essas horinhas para dormir um pouco.
Mas, se houvesse bandidos infiltrados na polícia,
-
você seria desma.scarado logo ao chegar na
Aieitaram-se como puderam no forro do vestiário.
delegacia! Aqueles três dias tinham sido exaustivos, mesmo para
não. Se os policiais_bandidos não conheces_
-Talvez os Karas. E o dia que estava para vir prometia mais ação
sem direito aminha cara,bastaria eu dar
um nome falso ao aínda.
ser preso. Um nome como Zé da Silva, por
exemplo! Crânio fechou os olhos e sonhou com Magrí em seus
Quer dizer que...
- braços, sem arames nos dentes.
Que Zé da Silva e Márius Caspérides
-
pessoa!
são amesma Magrí custou a pegar no sono. A fracaluz da lua, que
sefiltrava através das telhas de vidro, fezbrilhar alágrima
que corria pelo rosto da menina.
***
Miguel... meu querido... onde está você?
-

732
133

il
Não pense que pode Íazer comigo o que quiser,
11. -
.#*'. Doutor Q.I. Eu tenho amigos que...
&
Amigos? cortou avozmetâlica. Crânio?
- - - Quais?
q Magrí? Calu? Ah, ah, ah!
O senhor é um demônio! Como sabe esses nomes?
-
Ota, mas se foi você mesmo que me contou.. .

-
Eu?l Como?
-
23. O DELÍRro Do DouroR Q.I. Você se acha muito esperto, náo é, Miguel? Pensou
-
que era uma ideia brilhante desaparecer iunto com Crânio,
Magrí e Calu, náo é? Assim frcaria com maior liberdade de
Quem é o senhor? Como sabe meu nome? movimentos para atrapalhar os nossos planos, não é? Mas
-
A voz metálica que saía da tela parecia divertir-se: será que não the ocorreu que você podia enganar a todos,
Ora, ora. oÍa, Miguel. Eu sei muito mais do que o menos a nós? É claro que todo mundo pensou que vocês
-
seu nomel quatro tinham sido sequestrados. Menos zósl Somente nós sa-
Quero sair daquit O senhor não tem o direito de... bíamos-quem estava ou não em nosso poder. Quando vocês
-
Calma, meu caro. Você não está em situação de se esconderam, foi como se tivessem mandado uma cartinha
-
dizer quais são os meus direitos. Eu só quero conversar para a Pain Control dizendo quem eram os garotinhos que
com você. Pode me chamar de Doutor e.I. andavamfazendo perguntas nos últimos dois dias...
Eu fui trazido à força para este lugar. Fui narco- Miguel corou. Tinha cometido um erro. um erro graYe,
-
tizadol Que espécie de lugar é este para onde se trazem que tinha exposto todos os Karas ao inimigo!
pessoas à força? dizer que são vocês os sequestradores de es-
Você está na Pain Control, Miguel. A mais pode-
- Quer indústria de medicamentos! E estão usando
tudantes? Uma
-
rosa indústria farmacêutica do mundo. Você nunca ouviu os meninos como cobaias, certo?
falar de nós porque atuamos sob os nomes de diferentes Ora, oral Que espertezat Como descobriu isso?
empresas. Mas, por trás de todas, comandando todas elas,
-
Não interessa como descobri. Eu quero saber é que
está a Pain Control.
-
remédio monstruoso é esse que precisa de jovens sadios
Miguel percebeu que estava no covil dos lobos e que como cobaias. Um remédio deve servir aos doentes, e não
falava com o próprio líder da alcateia. aos sadios!

134
735

h
na
O Doutor Q.I. ficou em silêncio.Parecia pensar. Quan- sonho de perfeiçáo: a Pain Control vai transformar-se
do falou novamente, sua voz já não tinha mais o tom de Will Controlt
O Doutor Q.I. deixou sua declaraçáo fazer efeito
e
cinismo do início da conversa. Agora ele falava com o
entusiasmo de um louco: continuou:
Ah, ah, ah! Éclaro que você percebeu logo o que
Você é muito inteligente, Miguel. Inteligente o -
- vem a ser Will Control, náo é mesmo? Quer
dizer Conffole
bastante para perceber a grandeza do nosso projeto. Você
d,a Vontad.e! É isso. Jâ imaginou? Já pensou
no que será
já pensou no significado do nome da nossa empresa?
ima-
controlar a vontade e a iniciativa da humanidade? Já
Já pensou no que significa Pain Control O nome da nossa ordem'
corporação quer dizer Controle da Dort. Você imagina o ginou o que será uma sociedade em que nenhuma
Não havetâ
que significa urrla organizaçáo capaz de controlar a dor da nenhuma instrução venha a ser contestada?
teadaptados pela
humanidade? Uma organizaçáo capaz de determinar quanta mais prisões, porque os criminosos serão
nem
dor os habitantes do planeta podem sentir? Nós somos capa- Droga da Obediência. Não havetâ mais sofrimento'
mais greves'
zes de controlar a duraçáo davidahumana, a qualidade da ansiedade, nem loucura, nem dor' Não haverá'
deser-
vida humana. Mexendo com uma simples fórmula química, nem passeatas de protesto' Nenhum soldado iamais
para
podemos determinar quantas crianças vão sobreviver em tarâ nemse perguntatâ por que está sendo mandado
Biafra e quantas devem moffer no Maranhão! a guerÍa. Obedecerá e pronto! Não será mais necessário
adubos para
Não! protestou Miguel. A missão de uma suspender uma remessa de vacinas ou de
- - - algum país onde esteia havendo uma revolução'
Com a
indústria farmacêutica náo é essa!
de fazer
Você tem razáo. A nossa missão é maior. Para a Droga da Obediêncra, náo havetá' mais o desejo
- revoluções. Porque náohaverâmais desejos
de espécie al-
sociedade perfeita que planejamos, náo é suficiente con-
guma. Só o meudesejo, só a minltavontade
comandando
trolar a quafitidade de doença ou de saúde que regula a
humanidade. Não! Nós queremos uma sociedade perfeita a espécie humana!
Miguel estavaestarrecido' Tinha imaginado uma
série
como a das formigas, onde cada um conheça o seu lugar
dos
e nele permaneça, produzindo aquilo que deve produzir, de possibilidades para explicar o desaparecimento
estudantes. Nunca the ocorreta, porém,
que os propósitos
cumprindo as ordens que deve cumprir!
Isso é uma loucura! Isso... da quadrilha fossem tão diabólicos!
- O senhor é um louco! Um louco perigoso! Vocês
Foi aí que nós descobrimos aDroga da Obediência. -
- pretendem destruir a vontade, acabar com
os deseios' anu-
E essa droga maravilhosa vai abrir caminho para o nosso

137
136
lar a criatividade dos homens. Será que vocês não percebem a humanidade. Você é uma pessoa especial, Miguel' Uma
que, com isso, estarão destruindo os próprios homens? inteligência privilegiada e um líder como poucos. Por isso
Ora, Miguel, lá estâvocê novamente olhando as coi- eu o convido a autocontrolar-se e a assumir o lugar que
-
sas por um lado só. Não, meu caro, as coisas são relativas. é seu por direito. você foi escolhido entre milhões! venha
A verdade tem várias facetas. Procure olhar do nosso lado comigo comandar o mundo!
e verá. a maravilha de um mundo de paz, sem conflitos, O coração de Miguel disparou dentro do peito' Sua
sem turbulências. Eu sei que você dirá que só existe uma prudência, porém, o aconselhou a controlar-se' Não eram
verdade. Nesse caso, procure entender que essa verdade só algumas dezenas de garotos sequestrados que depen-
está. nas minbas mãost diam dele. Agora eta o futuro da espécie humana que
NãolA obediência somente leva à repetição de ve- estava em suas mãos. Ele tinha de ganhar tempo, tinha de
-
lhos erros. Só o respeito pela liberdade de cada um pode representar.
garantir a sobrevivência da humanidade. Só o respeito Eu... não sei... é tudo tão surpreendente!
-
pelas opiniões divergentes pode garantir o pÍogresso. Só Posso imaginar sua surpÍesa, meu caÍo rapaz Nós
-
a desobediência modifica o mundo! precisamos de lideranças jovens como a slra' Venha aiudat-
O que é isso, Miguel? Que discurso é esse? Será que -nos a construir um novo mundo!
-
você se esquece de quem você é? Como líder lá no seu Um novo mundo...
-
colégio, você não é também um autoritário? Não é você Você precisa, naturalmente, ver a nossa Dtoga da
-
quem não admite que suas decisões sejam contestadas? Obediência ern funcionamento, não é? Muito bem' Você
Eu... vai ver tudo que precisa. Alguém virábuscâ-lo e the mos-
-
Não se envergonhe, meu caro. Você está certo trarâ os testes que estamos realizando' Por agota, eu me
-
quando não permite que opiniões idiotas prejudiquem a despeço. Voltaremos a falar.
vitória das suas ideias superiores. É por isso que eu quero A silhueta apagou-se natela- o garoto estava só' com
convidálo a unir-se a nós. todo o peso do mundo sobre os ombros'
Unir-me a vocês?
-
Como você jâ deve ter imaginado, está em nossos
-
planos selecionar uma elite que, é claro, não tomarâ aDro-
ga da Obediência. Serâ a elite dos que devem ser obedeci-
dos. A elite dirigente, que darâ as ordens, que comandará

138 739
***

O carcereiÍo estava morrendo de sono. Seu turno já


tirrtra acabado hâ duas horas, mas o companheiro que
deveria substituilo ainda náo havia chegado'
Quando o telefone da carcetagem tocou, o carcereiro
atendeu de mau humor:
A1ô.
24. Zt oe Srve, pERrcoso MELTANTE -
É da carceragerrf,
-
Não. E da casa da sua mãe!
-
Avoz, do outro lado do fio, ficou furiosa:
Naquela quinta-feira a delegacia amanheceu com a como fala, seu cretino! Aqui é o doutor Boa-
-Yeia
costumeira confusão de advogados tentando libertar seus nerges!
clientes, viaturas manobrando e policiais envolvidos com Oh! Desculpe, doutor!
-
seus afazeres. Mande subir o prisioneito Zé da Silva' Quero
-
Por isso ninguém prestou muita atenção naquele ra- interrogá-lo na minha sala'
pazinho de óculos que entrava caÍregando uma pilha de Qual Zé da Silva, doútor Boanerges? Aqui tem dois'
-
livros. O do assalto ao banco, sua besta!
-
Ei, rapazl Aonde vai com isso? De... Desculpe, doutor. É que eu preciso saber"'
- -
Mandaram entregar para o delegado. Você iâ estâ me enchendo. Ou você faz esse prisio-
- -
Segundo andar, à direita. neiro subir em cinco minutos ou eu vou arranjat ptavocê
- dirigir o trânsito em Itaquera!
O plano tinha dado certo. Calu estava dentro da de-
legacia. Agora era procurar Márius Caspérides, ou melhor, Desculpe, doutor.É Ptajá, doutor!
-
Zé da Silva.
Aquela pilha de livros era um passaporte perfeito.
***
Calu percorreu todas as dependências da delegacia e, cada
vez que percebia aiguém curioso com a sua presença ali, O gtarda chegou com o prisioneiro Zé da Silva alge-
perguntava logo pelo delegado. mado e bateu na pofia do doutor Boanerges.

740 141.
Entre ordenou uma voz lá de dentro. O prisioneiro titubeou:
- - * Mais de vinte? Meu Deus!
Os dois errtraÍam em uma sala vazia. De uma poÍta
trancada, a voz comandou: É isso mesmo. Só que não temos nenhuma pista de
-
Deixe o prisioneiro aí. Saia, feche a porta e frque onde estejam os garotos. E não podemos confiar napolícia.
-
montando guarda. Os sequestradores têm policiais fazendo o jogo deles.
Onde o senhor esú, doutor? perguntou o gtarda. E onde está o delegado que estava falando lâ do
- - -
Estou no banheiro, seu idiota! banheiro?
-
É que eu não posso... Não tem delegado nenhum, seu Caspérides. Era eu.
- -
Você só pode fazer o que eu mandart. Cumpra a Uma das minhas especialidades é imitar vozes. O delegado
-
ordem, jál que ocupa esta sala telefonou pata câ dizendo que vai se
S... s... sim, doutor! atrasar. Sorte que quem atendeu fui eu. Assim, foi fâcil
-
No momento em que a porta da sala foi fechada, o imitar avoz dele paraffazeÍ o senhor até esta sala. Vamos,
prisioneiro viu, surpreso, um rapazinho sair do banheiro. seu Caspérides! Confie em mim! Não temos muito tempo'
Caspérides? O senhor é o bioquímico Márius Cas- Dois dos rapazes jâfonm assassinados!
-
pérides, eu suponho... Assassinados?! Não é possível! Tudo culpa minha!
Sim, sim, sim, náo, náo, não! Sou Zé da Silva, o -
- -
Culpa sua? Por quê?
perigoso assaltante!
Fui eu que criei a Droga da Obediência. Mas eu
Sou amigo, seu Caspérides. Tênho uma foto sua. -
- não preten dia. . , eu não queria. . .

Pode esquecer o seu disfarce. Meu nome é Calu. Precisa-


Sabemos disso. Sabemos que o senhor fugiu porque
mos libertá-lo! -
eÍa coÍfiÍao uso da droga, certamente. Mas precisamos do se-
O prisioneiro estava apavorado:
nhor para saber onde estão os estuclantes desaparecidos.
Não, não, não! Eu não quero ser libertado. Sou um
- Devem estar lâ na Pain Control...
perigoso meliante! -
Nesse momento, a porta da sala se abriu e o detetive
muito tempo não se falamais meliante, seu Cas-
-}Já Rubens entrou:
pérides. Pode confiat em mim. Nós já sabemos da Droga
Pain Control ? O que é isso?
da Obediência. Precisamos do senhor parallbertar nossos -
amigos, paralibertar mais de vinte garotos que estão sendo
,l3**
usados como cobaias para testar a Droga da Obediência!

142 143
Não se assuste acalmou o detetive Rubens, Enquanto o velho elevador descia pxa a garagem, o
-
fechando a porta. Ouvi tudo lá de fora. Ouvi também detetive Rubens tirou um chaveiro do bolso e ficou brin-
-
quando você disse que há policiais envolvidos com os cando com ele. o chaveiro fazia um barulhinho ritmado,
sequestros, garoto. Mas eu não sou um deles. Também estou irritante.. .

desconfiado de que há cúmplices dos bandidos dentro da


:tr**
própria polícia. Mas ainda há policiais honestos, meus ami-
gos. Fiquem tranquilos. Vamos pegar a quadrilha inteira!
Hâ um policial gordo, careca... começou Calu Na garagem da delegacia, o detetive Rubens fez Calu e
- -
a informar. o bioquímico caspérides entrarem num camburão e fechou
O Andrade? à potta, trancando-os no lugar destinado aos prisioneiros.
- Calu ouviu o detetive dat a pafiida no caÍro e, de re-
Esse. Disseram para nà,o confiar nele.
- pente, descobriu que tinha caído numa armadrlha:
O detetive coçou o queixo:
Andrade, hein? Eu bem que estava desconfrado! Ei! Ele nem perguntou o endereço da Pain Controlr'
- - Rubens é um
Bom, se Andrade é um dos bandidos, toda a cautela é Que estúpido que eu fui! O maldito detetive
pouco. Preciso tirar vocês dois daqui. Vamos sair num dos bandidos!
camburão. Tenho amigos em outra delegacia. Vou usar os Mas era tarde demais. Estavam presos no interior do
policiais de lá. para estourar a tal Pain Control e libertar os camburão como um par de criminosos'
garotos. Venham comigo!
Rubens tirou um par de algemas da cintura:
***
Desculpe, garoto. Você é chamado de Calu, náo é?
-
Desculpe, mas é melhor eu levar você algemado também. O camburão saiu sacolejando e teve de dar uma brecadi-
Assim ninguém vai desconfiar quando eu colocar os dois nha para não atropelar um casal de mendigos esfarrapados.
dentro do camburão.
**a
Estâ bem concordou Calu.
- -
Delicadamente, o detetive Rubens algemou o rapaz.
Os três saíram pelo corredor. O detetive Rubens foi O detetive Andrade estava furioso' Suado, iá àqru.ela
empurrando os dois "prisioneiros", exatamente como cos- hora da manhá, há três noites sem dormir, agarrou um
tumam fazer os policiais. guarda pela gola:

144 145
Como? O Rubens saiu dirigindo um camburão? E
-
levou o prisioneiro Zé da Silva com ele?
Foi explicou o guarda. _ E levou também um *:*"
- -
prisioneiro jovem, algemado...
Infernol berrouAndrade, correndo para arua e
-
trombando
-
espetacularmentecom o casal de mendigos.

25. Dots Kanes É usrnoR Do euE uM só

Depois que a silhueta do Doutor Q.L desapareceu,


Miguel ficou um longo tempo com os olhos pregados na
tela apagada do intercomunicador. Ele não sabia se era dia
ou noite, pois não tinha ideia de quanto tempo permane-
cera cloroformizado. Ainda sentia enjoos, mas agota tinha
vontade de vomitar pelo que acabara de ouvir.
Uma sociedade de formigas obedientes! Era isso que
estava reservado à espécie humana com a Droga da Obe-
diência. E ele, Miguel, talvez fosse o único que podia fazer
alglrma coisa contra aquela barbaridade. Mas o que fazer?
Estava trancado naquele quarto, como nllma prisão!
Tempo! Era só nisso que ele conseguia pensar. Pr-eci-
sava ganhar tempo e tentar uma virada na situação. Mas
ele estava sozinho. Se, pelo menos, ele tivesse os Karas a
seu lado...
Trouxeram uma bandeja com uma farta refeição. Mi-
guel nem tocoll nos alimentos. Tinha fome, mas a comida
podia conter alguma droga. E ele precisava manter a cabeça

146
747
q
limpa, para pensar. Recostou-se na cama e pensou. Talvez mentes, das vontades, das iniciativas. E a Will Control do-
houvesse uma esperanÇa se ele pudesse fingir que aceitava minará o mundo!
o jogo do fanático Doutor Q.I. Talvez...
Exausto, o líder dos Karas adormeceu.

Miguel acompanhou o empregado, e a frgura do Dou-


tor Q.I. continuou a persegui-los, aparecendo aonde quer
Acordou com a tenebrosa silhueta do Doutor Q.I. que eles fossem.
dando-lhe um "bom-dia" que prometia ser péssimo.
Este é o ginásio dos testes de resistência física. Veja
Venha, Miguel. Agora você vai conhecer o começo -
- o que já conseguimos com as cobaias.
de uma nova era!
O empregado entregou uma tabela ao Íapaz.
Guiado por um dos empregados, Miguel percoÍreu
Na primeira coluna desta tabela que você tem nas
as dependências da Pain Control. O empregado pouco -
mãos estão os recordes mundiais explicava a voz metâ-
tinha o que falar, pois em cada dependência havia um -
lica do Doutor Q.I. Na segunda, estão as marcas conse-
intercomunicador cuja tela se acendia logo que eles en- -
guidas pelas cobaias sob o efeito da Droga da Obediência.
tÍatram, mostrando a silhueta do Doutor Q.I., que dava as
Como você pode ver, Miguel, todas as cobaias superaram
explicações necessárias.
os recordes, e duas delas conseguiram vinte centímetros a
Esta é a unidade-piloto de produçáo da Droga da
- mais no salto em altura!
Obediência, Miguel. Estamos produzindo a droga em di-
ferentes apresentações: em comprimidos, em pó e até na
Correndo sobre uma esteira rolante, uma garotinha, a

forma de cigarros. Dentro de um mês, já estaremos prontos cobaia número 1.4, nã.o apÍesentava nenhuma expressão
para sair da fase de testes. humana. Parecia um boneco de cera que sabia correr.
E qual serâ a próxima fase, Doutor Q.I.? Esta cobaia está correndo há vinte horas, Miguel.
- -
Vamos comeÇar pelas escolas. Estamos preparando Sem apresentar sinal de cansaço nem diminuir o ritmo.
- Ela conseguit fazer os 42 quilômetros da maratona em
uma equipe de jovens para oferecer a Droga da Obediên-
cia em todas as escolas. Dentro de pouco tempo, teremos apenas uma hora e cinquenta! Quase meia hora abaixo
controlado toda a juventude do mundo. O resto será fácrl. do recorde mundial!
É uma questão de tempo. Logo teremos o controle das A voz demonstrava um orgulho imenso:

148 749
I
T
Sabe o que isso signif,ca, meu caroT Significa que, Ei! Que negócio é esse? Abra! Abra essa porta!
- -
sob a açáo da Droga da Obediência, as pessoas perdem o De fora, vinham batidas furiosas fia pofia. De dentro,
medo, o sentido de autopreservação que diminui sua ca- através do intercomunicador, vinha ayoz calma do Doutor
pacidade física. Com a Droga da Obediência, nós estamos Q'I.,
criando super-homens! Ora, oÍa, oraT Miguel! Pelo que vejo, e como eu
.
-
E a capacidade intelectual, Doutor Q.I.? E a capa- desconfiava, minha oferta foi recusada, náo é? Que pena!
-
cidade criativa? Vai ser uma lástima ter de eliminar Ltfit tapaz como você!
Isso tudo desapaÍece, Miguel. Mas para que quere- ter de me pegar primeiro, Doutor Q.I.!
- -Yar
mos criatividade? Para que queremos iniciativa? Isso com- E você acha que isso é difícil? Você prendeu a si
-
pete a nós, a elite dirigente. Compete a uocê, gue agora mesmo dentro dos meus domínios! Que ingenuidade! Eu
faz parte dessa elite! espeÍava mais de você. Você acha que essa porta vai resistir
Miguel sentiu vontade de chorar: sentado no meio das muito? Você acha que...
cobaias, com a mesma expressão estática dos outros, estava Não deu para ouvir o resto. Num salto, Miguel artafl-
Chumbinho. Pobre menino! Tudo poÍ causa de Miguel... cou o fio que ligava o intercomunicador à tomada. A tela
Mas o que era aquilo? A mão esquerda do menino apagou-se.
abriu-se e fechou-se numa fraçà.o de segundo. Ninguém Chumbinho parou de representar e correu para o
percebeu o movimento, mas Miguel pôde ler um K dese- amigo:
nhado na palma da mão de Chumbinho! Miguel!
-
Então Chumbinho não estava sob o ef-eito da droga! Chumbinho!
-
Estava representandol Os dois abraçaram-se, e a fotça de um aumentou o
"Não estou mais sozinho!", pensou Miguel. ânimo do outro.
Agora alguma coisa poderia ser feita. E o líder dos Chumbinho, como é que você ficou esse tempo
-
Karas não perdeu tempo. A visita àquela unidade da Pain todo aqui, sem tomar a droga?
Control tinha terminado e ele acompanhou o empregado Não foi difícil. Eu fiz como sempre faço quando a
-
até a porta. mamãe vem me dar aquelas pílulas de vitamina. Eu deixo
O senhor primeiro disse Miguel, educadamente. embaixo da língua, finjo que engulo e depois cuspo fora!
- - Do lado de fora, batidas fortes mostravam que os ban-
No momento em que o homem saiu, Miguel rapida-
mente bateu a porta e fechou-a por dentro didos estavam tentando arcombar a porta a marretadas.

150 151
I
Preste atenção, Kara, porque aquela porta náo vai
-
resistir por muito tempo. Tudo aqui depende da energia
elétrica, até mesmo a flscalização do Doutor e.I. Nossa
saída é desligar tudo. Vamos fazer o seguinte...
Chumbinho prestou atenÇão no que dizia o líder dos
Karas. O plano jâ estava pronto quando a porta do ginásio
cedeu com um estrondo.

26. MocrNHos E tsANDrDos

Me larga, seu gorila! Me solta!


-
Fique quieta, menina! Eu não quero the fazer malt.
-
A gordura do detetive engaflava muito. Andrade era
forte como poucos. Tinha agarrado o jovem mendigo com
uma das mãos e a garota mendiga com a outra. Por mais
que se debatessem, os dois esfarrapados não conseguiam
soltar-se.
Fiquem quietos! Não tenham medo! Eu sei quem
-
vocês são! berrava o detetive.
-
Sabe nadat. de volta o mendigo. Nós
- -bercava -
somos dois pobres mendigos. Não fizemos nada! O senhor
não pode prender a gente!
Eu não estou prendendo ninguém. Vocês são dois
-
dos estudantes sequestrados, não são? Você é a Magrí e
você é o Crânio! Esse disfarce não efigana meu faro de
detetive. Quero falar com vocês. Fiquem quietos!
Andrade arrastou os dois para uma sala e fechou a
porta.

752
153
Você! acusou a menina. Você é da quadrilha Crânio e Magrí contaram para Andrade tudo o que
- - - tinham lido nos arquivos do computador do bioquímico e
de sequestradores! Não se aproxime de mim!
Magríl Crâniol suplicou o detetive. Eu não tudo mais que sabiam. E eles sabiam agora que, além de
- - - Chumbinho, Miguel e outros garotos, Calu e Márius Cas-
sou nada disso. Confiem em mim!
Não!Você é o inimigo!- berrou Magrí. Eu quero pérides também estavam nas mãos da quadrilha.
- - que esse tempo todo eu tive aqui, na de-
o detetive Rubens! Exifo falar com o detetive Rubens! - Quer dizer
Andrade balançou a cabeça: legacia, a única pista do mistério? perguntou Andrade.
-
Vocês não sabem a diferença entre mocinhos e Pois é confirmou Magrí. Eu ouvi a conversa
- - - -
bandidos! Pois saibam que o detetive Rubens acaba de dos bandidos falando da fuga de Márius Caspérides e da
sair daqui sequestrando o prisioneiro Zé da Silva e um prisão de um tal Zé da Silva. Depois Crânio teve o palpite:
rapazinho, que eu nem sei quem é! analisando a conversa que eu tinha ouvido, descobriu que
Calu? Sequestraram o Calu? surpreendeu-se as duas pessoas eram uma só!
- - Não foi uma questão de palpite consertou Crâ-
Crânio.
- -
Era o Calu? assombrou-se mais ainda Andrade. nio. Foi uma questão de lógica.
- - -
O outro sequestrado? Mas, aflnal, vocês três foram ou Andrade andava de um lado para o outro:
- Certamente Rubens levou Calu e Caspérides para
não foram sequestrados?
-
Foi aí que Crânio percebeu o erro que os Karas tinham o mesmo lugar onde esconderam os outros.
cometido. Ao se fazerem de sequestrados, eles tinham se Magrí sorriu tristemente:
acusado paru a quadrilha! Os bandidos seriam os únicos O problema é saber onde fica esse lugar...
-
a saber que eles náo haviam sido sequestrados. E, se An- Crânio fez aquela cara tritnfante que sempre fazia
drade pensava que eles faziam parte dos desaparecidos, quando tinha uma ideia brilhante:
então Andrade era inocente! Diabo! Miguel tinha errado Acho que temos um jeito de saber...
-
outra vez! Que jeito é esse? Fala logo!
-
Ele temrazáo, Magrí concluiu Crânio, segurando
- -
a menina enfurecida. Ele é amigo. Miguel enganou-se.
-
O bandido é o Rubens. Calu caiu numa armadllhal
Àquela hora, a rua onde morava o bioquímico Márius
Caspérides já estava movimentada.

r54 755
Numa esquina, três homens corpulentos discutiam O Animal perdeu a paciência e arraflcou o bilhete da
dentro de um carro preto estacionado: mão do Coisa:
a gente estava quase pegando o sujeito, quando aqui. Eu leio. Está escrito: O cbefe quer uer
Dá, isso
-
o tal assaltante de banco... uocês imediatarnente. Corramt
O Zé da Silva. - O chefe? Deve ser o Doutor Q.I.!
-
É. o zé da silva. É claro que só pode ser o Doutor Q.I., seu burro!
- -
Que outro chefe nós temos?
-Eaí? Aqui diz corcam. Acho melhor a gente andar
Aí a gente foi em cana.
- -
É.. logo!
- O Fera deu a partida no carro preto.
Pense! Precisamos pensar!
- Não notou que estavam sendo seguidos por outro
Tô com muito sono pra pensar!
- caffo com um homem gordo ao volante e dois jovens
lJm rapaz todo esfarrapado passou correndo ao lado
do carro e jogou um papel 1á dentro. Em um segundo, o mendigos.
rapaz jâ tinha desaparecido.
O que é isso? perguntou o Animal.
- -
Um papel respondeu o Coisa.
- -
É claro que é um papel, seu idiota! reclamou o
- -
Fera. Dá aqui!
-
O Fera abriu o papel, que estava dobrado em dois.
É um bilhete!
- perguntou o Coisa.
E o que é que está escrito?
- -
Hum... deixa ver... resmungou o Fera. Leia
- que - -
você, eu estou sem óculos.
Mas você não usa óculos...
-
Então preciso usar. Leia!
-
O Coisa pegou o bilhete. Limpou a gaÍganta com um
pigarro e ficou olhando paÍa o papel.
Tô com muito sono pra ler!
-

756 757
com Miguel, aproveitou a confusão e esgueirou-se silen-
ciosamente para fora.
Arrastou-se colado à parede, por baixo do intercomu-
nicador, de modo que a objetiva do aparelho não pudesse
focalizâ-lo. Desapareceu por uma porta lateral.
O intercomunicador, lâ na sala do Doutor Q,I., estava
sintonizado somente no corredor que dava para o ginásio
de testes, por causa da confusão propositalmente armada
27 . Dn pnen'rnÊNclA, MoRros!
por Miguel. Assim, Chumbinho pôde correr com tranqui-
lidade pelo resto da Pain Control, pois todos os outros
A porta do ginásio de testes de resistênciafísica da Pain intercomunicadores estavam desligados e todos os empre-
Control foi arrombada com estrondo e os empregados do gados tinham corrido paru o ginásio de testes.
Doutor Q.I. entraram, empurrando-se uns aos outros. As dependências onde estava sendo testada aDroga da
Vinda do intercomunicador que havia do lado de fora, Obediência só tinham janelas lacradas e opacas, para que
Miguel ouvia a Yoz do Doutor Q.I.: ninguém pudesse ver o que se passava lá dentro. Assim, a
Peguem esse Miguel! Quero ele vivo! iluminação era toda artiflcial.
- Por isso Chumbinho tinha de encontrar e desligar a
O líder dos Karas começou a correr pelo ginásio, no
meio dos aparelhos de ginástica e dos meninos-cobaias, chave central de energia elétrica.
desviando-se dos perseguidores com uma agilidade que Nesse momento, uma porta à sua frente foi aberta, e
eles nunca tinham visto! o menino tomou um susto:
Pega! Calu! E o senhor é o bioquímico que eu vi falando
- -
Não deixa escapar! com... Ei! Por que vocês estão algemados?
- Fria, Chumbinho! ordenou Calu.
No meio daquela algazarta,os empregados não prestaram
- -
a menor atençáo às cobaias, que estavam imóveis, agnrdando Mas era muito tarde. Por trás dos dois surgiu o detetive
ordens. Só a pobre menina que havia batido o recorde da Rubens, apontando um revólver para o garoto.
aí, menino! Senão leva chumbo!
maràtofia continuava correndo sobre a esteira rolante.
- Quietinho
Havia, porém, mais um que não estaYa imóvel. Era Mas Rubens não conhecia os Karas. Se conhecesse,
Chumbinho, que, de acordo com o plano que combinara jamais iria distrair-se da guarda de um deles para apontar

158 759
Não podemos fazer nada, seu Rubens... lamen-
vma afma para o outro: com as mãos algemadas, Calu - -
tou-se o Coisa.
aproveitou-se e golpeou, de baixo para cima, o braço es-
informou o Fera.
Estamos sem as nossas armas
tendido de Rubens! - -
Abalafoi cravar-se no teto e, ato contínuo, Calu meteu Os três foram empurrados dentro, e o detetive
para
Andrade entrou de arma na máo,logo seguido por um
uma cotovelada no estômago do detetive.
jovem casal de mendigos.
A atma voou longe e, quando Rubens recuperou o
Crânio! Magrír.
fôlego, viu um cano apontado para sua testa' Era Chum- -
Calu! Chumbinho!
binho, que, rápido como um gato, havia se apoderado do -
Cadê Miguel?
revólver: -
rtocê, seu bandido! vingou-se Chum- Está na boca do lobo! respondeu Chumbinho.
- Quietinho, - - -
binho, com muita raiva na voz. Ele se lembrava daquela
A essa hora já deve ter sido preso, Está no ginásio de
-
testes, às voltas com mais de vinte empregados do Doutor
cata fia sala do diretor do Colégio Elite e, ao conttârio de
Miguel, não tinha simpatizado com ela desde o início' Q.I.!
aplaudiu Calu, revistando Onde fica isso? perguntou Andrade. Vamos lá!
-
Grande, Chumbinhol
- - - -
os bolsos de Rubens, em busca da chave das algemas'
Não adiantal Eles estão armados e podem pegar
-
Sim, sim, sim! sorriu Caspérides.- Que meni- os meninos-cobaias e Miguel como reféns. Mas Miguel
- - teve uma ideia. Eu estava tentando fazer o que ele man-
nos valentes!
Vocês náo váo escapar... começou a ameaç r dou quando apareceram Calu, Caspérides e esse maldito
- - traidor!
Rubens,
Calu tirou as algemas de seus Algemaram Rubens ao Fera, o Fera ao Coisa, o Coisa
-Calaaboca,traidorl- ao Animal e o Animal à maçaneta da porta, usando as
pulsos, libertou também o bioquímico, mas, no momento
algemas que tinham estado em Calu e Caspérides e mais
em que se preparava paÍa algemat o detetive traidor" '
duas que Àndrade trazia consigo.
O que está acontecendo aqui?
- Vamos! Temos de encontrar a chave da energia
Na moldur a da porta, aparecetzm três fi guras enorrnes, -
elétrica!
ameaçadoras:
Detetive Rubens! estranhou o Animal' O que
- - - {ê**
é que o senhor estâfazefido aí no chão?
Rápido, idiota! Me ajude! Esses moleques" '
-

160 767
Miguel correu pelo ginásio, driblou os perseguidores o um ao outro, formando uma estranha frla, como crianças
quanto pôde, resistiu o maior tempo possível, mas acabou grandes, de mãos dadas.
sendo capturado e subjugado pelos empregados. A uma Estúpidos! Incompetentes! berrou o Doutor Q.I.
- -
ordem do Doutor Q.L, um dos bandidos ligou novamente Os inimigos etltraram na Pain Controlt. A cobaia 20
- poderiaalgemar sozinha esses incompetentes.
fla tomada o intercomunicador do ginásio de testes. Avoz não Preciso
do sinistro personagem, novamente dentro do ginásio, descobrir onde estão os invasores!
estava calma, confiante: O Doutor Q.I. continuou freneticamente aligar e des-
Que brincadeira mais boba, Miguel! Eu pensava ligar os intercomunicadores, à procura dos inimigos.
- Aí estão! O Caspérides está com eles! Maldito!
que você fosse capaz de agir com mais inteligência. De -
que adiantou correr como um ratinho? De que adiantou... Acho que pretendem chegar à casa de força! concluiu
-
Ei! Onde estâ a cobaia número 20? Diabo, Miguel! Você o Doutor Q.L ao ver o detetive Andrade, o bioquímico e
estava só ganhando tempo enquanto seu amiguinho fu- os quatro Karas correndo por um corredor. Depres-
-de Miguel.
gia, náo é? O número 20 é aquele que estava sern tomar sa! Dois de vocês fiquem aí, tomando conta
a droga! O resto corÍa atrás deles! Se eles desligarem a força, es-
Furioso, investiu contra os empregados: taremos perdidos! Eu quero todos eles vivos ou mortos.
Vocês são todos uns incompetentes! Deixaram o De preferência, mortos!
- Os bandidos conheciam muito bem a planta da Pain
garoto enganá-los o temPo todo!
Mas nós... tentou desculpar-se um dos empre- Control e seu labirinto de corredores. Logo os fugitivos es-
- - tavam cercados e com o acesso à casa de força cortado.
gados.
Cale a bocal Deixem que eu descubro o moleque Eles são muitos! Não vamos escapar! gritou An-
- - -
pelo intercomunicador. drade vendo os bandidos que se aproximavam de armas
As telas dos intercomunicadores espalhados por toda na máo.
a Pain Control acenderam-se urna a :uma. O Doutor Q.I' Sim, sim, sim, flào, náo, náot lembrou Márius
- -
procurava Chumbinho. Caspérides. Venham comigo!
-
O bioquímico abriu a poÍta de um laboratório e todo,s
-Oqueéisso? começaram a eÍrtÍar.
Na tela do Doutor Q.I. apareceu um longo corredor,
no fim do qual, algemados aumaporta, estavam o detetive Um dos bandidos, vendo que não os alcançaria a

Rubens e os três ferozes seguranças da Pain Control, presos tempo, ergueu a arma, fez pontaria e atirou.

762 163

O tiro reboou altíssimo dentro do ambiente fechado de incêndio ligado diretamente com o corpo de bombeiros.
da Pain Control. Só restava um dos fugitivos fora da pofia Era a úrltima esperança!
do laboratório. A porta que os protegia era reforçada, como cleve ser
Era Chumbinho. Seu corpinho deu um tÍanco e o em um laboratório que trabalha com produtos perigosos
menino caiu paru lrrâs. e explosivos. Mas aquela não aguentaria por muito tempo:
Chumbinho!Não!- gritou Magrí antes que a pofia do lado de fora, os bandidos haviam arranjado marretas e
-
se fechasse. machados e golpeavam a porta sem dó nem piedade.
Calr: aganou um pesado banco e atirou-o coÍúra a jÀ-
nela opaca e lacrada do laboratório. O vidro estilhaçou-se
com estrondo. Agora havia por onde sair a fumaça que o
Dentro do laboratório, protegido por uma grossa porta bioquímico comeÇava a provocar.
corta-fogo, a confusão eÍa geral: Com a ajuda de Crânio, Caspérides misturou vários
Chumbinho! Que horror! Ele foi baleaclo! produtos e logo grossos rolos de fumaça negra saíam pela
-
Calu tentou acalmar a menina: lanela quebrada do laboratório.
esteja apenas levemente ferido, Magrí!
-'Íalvez
llsvsmsnte ou gravemente ferido, rráo hâ o que a
-
gente possa fazer pelo Chumbinho agota, a não ser tentar
sair desta! Depressa, gente! convocou Crânio. Tive
- -
uma ideia. Precisamos de fumaça, muita fumaçal Vamos
queimar...
Fumaça? interrompeu Caspérides. Não é
- - -produtos
preciso queimar nada. Posso misturar alguns
químicos e...
Ótimol Onde está o alarme de incêndio?
-
Todos entenderam imediatamente o plano de Crânio.
Magrí correu e acionou o alarme de incêndio. No mesmo
instante, uma sirene altíssima disparou. Eles sabiam que
uma indústria moderna como aquela deveria ter o alarme

764 765
-ü-

É mesmo! concordou o outro. Elas estão


- - -
despertando!
Miguel levantou-se coraiosamente:
Quietinho aí, rapaz! Não se mexa! gritou o pri-
- -
rneiro, com a arma apontada.
Sem temer um tiro pelas costas, Miguel voltou-se para
os rapazes e moças que estavam despertando do efeito da
28, A CAPACIDADE DE DESoBEDECER Droga da Obediência:
Pessoal!Vocês foram sequestrados. Foram efigarru-
-
dos e usados pela mais sinistra das quadrilhas!
Os bandidos estavam nervosos:
No ginásio de testes, imobilizado pela de dois Cala aboca, rapaz! Olha que eu atiro!
^meaça
revólveres, Miguel viu que alguma coisa diferente estava -
Miguel sentiu o cano frio da arma encostar-se em sua
acontecendo com a menina que corria sobre a esteira nuca. Mas continuou falando, com calma, escolhendo as
rolante. palavras:
Um brilho de consciência passou pelos olhos dela, e a Todos vocês ficaram vârias semanas sob o efeito da
menina diminuiu o ritmo da corrida. Mas, como a esteira con-
-
Droga da Obediência, que anulou a inteligência de vocês
tinuou rolando, ela foi anastada para ttás e atkada ao chão. e transformou todos em robôs imbecilizados!
Que foi isso? espantou-se um dos empregados. Os meninos e meninas olhavam-se uns aos outros,
- -
Aos poucos, um um, os meninos-cobaias comeÇaram
a como se fosse difícil acreditar no que estavam ouvifldo.
a sacudir a cabeça, a esfregar os olhos, a olhar espantados Naquele instante, o Doutor Q.I. desviou a atenção do
em volta. corredor em frente aolaborutório onde estavam os fugitivos
Onde estou? e ligou seu intercomunicador com o ginásio de testes.
-
'Qr" tontura! O que está havendo a? Maldiçáo! Seus incompe-
O que está acontecendo? -
tentes! Façam esse garoto calar aboca!
-
O empregado bateu a mã.o na testa: Mas, dessa vez, os dois bandidos não podíam fazer
Inferno! Com a confusão, esquecemos de dar o nada diante da fúria de dezessete garotos, que já tinham
-
reforço da droga paÍa as cobaias! tomado consciência das palavras de Miguel. Saltaram

766
\67
r decididamente contra os dois, aos trancos e cabeçadas, Várias sirenes foram ouvidas do lado de fora e, em
ar r ancar am seu s revólveres e os imobllizar am, praticamente poucos minutos, uma pequena tropa de bombeiros apa-
sentando em cima deles! receu por trás dos bandidos, justamente no momento em
Avoz do Doutor Q.I. vinha alta e furiosa: que a porta do laboratório vinha abaixo.
Miguel!Você não entende o que estáfazendo? Você . O que está se passando por aqui? perguntou o
- - -
está destruindo a rcalizaçáo do rnaior sonho da humanida- bombeiro que vinha à frente, de olhos arregalados.
de!A obediência absoluta! ParelPense um poucolVocê não Os bandidos voltaram-se e apontaram as atmas Íta
pode fazer isso! Você está destruindo séculos de sonhos! direção dos bombeiros.
Você está destruindo o futuro! Naquele instante, todas as luzes se apagaram.
Miguel parou em frente ao intercomunicador:
Não! Eu estou saluando o futurol O que eu estou
-
destruindo é um sonho louco de dominacáo da humani-
dade, de controle da mente humana! Na escuridáototal, os bandidôs não atiraram, pois não
Nada dissol Você não entende... havia como enxergar qualquer alvo. Não sabiam o que
-
Eu só entendo que a minha capacidade de criticar fazer. Atirar a esmo? Nunca tinham agido pelas próprias
-
tudo o que ouço e vejo e a minha capacidade de contes- cabeças e esperavam desesperadamente uma ordem do
tar tudo o que descubro de errado é que fazem de mim chefe supremo da Pain Control.
um seÍ humano! É a minha capacidade de desobedecer Doutor Q.I.! Doutor Q.I.l O que faremos-/ gritou
- -
qlue faz de mim um homem! um deles pata a escuridão.
Você poderia ter se iuntado a mim! poderia construir Na escuridáo, avoz cavernosa do Doutor Q.I. ressoou
-
um mundo novo! acima de todos eles:
Eu uou coÍrstruir um mundo novol Esteja certo Não adianta comeÇar uma guerra no escuro. Não
- -
disso. Mas nesse mundo não haverá" lugar para pessoas adianta atkar nos bombeiros. Vocês váo acabar acertando
como você! uns aos outÍos. Nada mais adianta. Fomos derrotados.
A tela do intercomunicador apagou-se. Entreguem-sel
Os bandidos tentaram entreolhar-se, para decidir o
que fazet. Mas, no escuro total, isso era impossível. E, se
até a hderança brutal do Doutor Q.L tinha desistido, nào

168 769
U
havia mais por que oferecer qualquer resistência, Ouviu-se Oi, pessoal! Tudo está sob controle agora?
o ruído das armas caindo no chão, em obediênciaà ordem
-
Magrí deu um grito:
da voz cavernosa. Chumbinho! Você não está morto!
No mesmo instante as luzes acenderam-se e ilumina-
-
claro que não estou! explicou o menino, com
ram as catas assombradas dos bandidos, cercados de um
-E -
a cara mais sapeca do mundo. Eu só fi.ngi que fui atin-
lado do corredor pelos bombeiros, e do outro pelo detetive
-
gido pelo tiro. Assim esses trouxas nem ligaram pra mim
Andrade, Magrí, Calu, Crânio e Caspérides. e frcaram tentando derrubar a pofia. Eu fui saindo de frni-
Andrade assumiu o comando da situação: nho.. . Era a única maneira de continuar a procuraÍ a casa
Quietos, todos vocês! Mãos na cabeçal de força! E desliguei na horinha, né?
-
Os bandidos obedeceram e baixaram as cabeças, O bioquímico Márius Caspérides surpreendia-se cada
derrotados. vez mais:
Garotos!- ordenou o detetive. Peguem as armas Sim, sim, sim! Então foi você que apagou as luzes?
- - -
desses bandidos! É claro que fui!
Crânio, Magtí e Calu executaram a ordem.
-
Sim, sim, sim, mas que valentia!
O chefe dos bombeiros deu um passo à frente:
-
Magri,ainda saboreando o alívio de reencontrar Chum-
Que loucura é essa? Posso saber o que está acon- binho são e salvo, lembrou-se de que atüÍma ainda estava
-
tecendo por aqui? incompleta;
Andrade não deixou a surpresa durar mais: E Miguel? Vamos libertar Miguel!
Sejam bem-vindos, amigos. Sou o detetive Andrade.
-
Nem bem a menina acabava de falar, o líder dos Karas
-
Como vocês podem ver, aqui não houve nenhum incêndio. aparecia abrindo caminho através da tropa de bombeiros,
Houve muito mais do que um incêndio... Mas, antes de seguido por todos os meninos-cobaias.
mais explicações, será que vocês podiam dar umaforcinha
aqui na prisão desse bando de criminosos? *{<{.

Os bombeiros ajudaram a empurrar os bandidos para


dentro de uma sala, onde eles ficariam bem trancadinhos Um grande silêncio, Há três dias os Karas não se reu-
até a chegada de reforço policial. niam, e a tensão daquela aventura tinha sido de esfranga-
Por entre o grupo de bombeiros que empurrava os lhar os nervos de qualquer um. Mesmo que esse alguém
bandidos, uma carinha sorridente apareceu: fosse um Kara!

770
77t
I
E todo aquele suspense explodiu num grito de desa- Não sei. Nós só víamos o Doutor Q.L pelo interco-
bafo, de saudade, de carinho:
-
municador...
Miguel! Então vamos procura! pessoal!- comandou Mrguel.
- -
Com os trapos de mendiga esvoaÇando, Magrí correu
para o amigo e abraçou-se a ele, bem apertado, como se
fosse uma despedida.
Miguel, meu queridol Mas foi inútil. Por mais qLle vasculhassem a Pain
-
O outro "mendigo" baixou a cabeça e disfarçou o Control de cima a baixo, não foi possível encontrar o Dou-
ciúme, mexendo nos farrapos da calça, como se quisesse tor Q.L O tenebroso personagem que pretendia dominar
ajeitar um vinco imaginário. o mundo com a Droga da Obediência tinha desaparecido
Andrade sorria, participando de toda aquela alegria, sem deixar rastro. Com ele se evaporava também aquele
de todo aquele alívio: sonho louco, aquele pesadelo ameaçaclor...
Ufa! Terminou! Ainda bem que tudo se resolveu
-
sem derramamento de sangue! Nem sei o que poderia
acontecer se o Doutor Q.I. não tivesse desistido e... Ei!
Esperem um pouco: como é que o Doutor Q.I. pôde dar
a ordem de rendição pelo inteÍcomunicador se a energia
elétrica estava desligada?
Calu abriu o mais orgulhoso sorriso:
E quem disse que o Doutor Q.I. se rendeu? A voz
-
que vocês ouviram era ct, minba, imitando o safadáol
Sim, sim, siml Esses meninos são mesmo demais!
-
Andrade fez uma festinha muda na cabeça de Calu,
desmanchandolhe os cabelos.
Por falar em Doutor Q.I., cadê ele?
- - lembrou o
Chumbinho.
Onde fi.ca a sala do Doutor Q.I., seu Caspérides?
-
perguntou Miguel.
-

772 773
f

Andrade tinha sido obrigado a concordar. Por isso,


desde o dia anterior até a manhã daquela sexta-feira,
cinco dias depois que Miguel tinha convocado os Karas
pata a emergência máxima, a imprensa de todo o país
estava fazendo um estardalhaço nunca visto em toÍno de

29.8 o Douron Q.I.? Anclrade.


Era o herói que todos aplaudiam. O cérebro dedu-
tivo que, "sozinho", havia descoberto a pista daqueles
sequestros tão misteriosos. O policial destemido qlre, sem
O detetive Andrade tinha ficado de boca aberta: a altda de ninguém,havia penetrado no covil dos raptores
Mas como, Miguel? Como ell posso deixarvocês fora
- e prendido a quadrilha toda. Mais de vinte bandidos!
disso? Você,Chumbinho,Mag(r, Calu e Crânio foram os ver-
Era a glória da polícia. O servidor dedicado, cujo
dadeiros detetives que desmascararam a quadrilha da Droga
heroísmo apagava a vergonha que o corrupto detetive
da Obediência. Vocês são heróis de verdade! A imprensa
Rubens causara a todos os policiais.
precisa saber disso. Todo mundo precisa saber disso!
Andrade recusou todas as homenagens. Tinha cum-
Enquanto esperavam a chegada das viaturas da polícia
prido com o seu dever e não queria bajulações . Jâ estava
para levar os bandidos da Pain Control, Miguel negava
com firmeza:
envolvido com outro caso e não tinha tempo para nada.
Por favor, detetive Andrade. Nós não queremos que A única entrevista não oficial que aceitou conceder foi
- quando o professor Cardoso, o diretor do Colégio Elite,
ninguém fique sabendo da nossa participaçáo nesse caso.
Queremos fi.car na sombra. A glória deve ser toda sua. Diga
convocou-o pata uma reuniáo na sala da diretoria.
que nós fomos sequestrados como os outros garotos e que Enquanto atÍavessava o pâtro do Elite, Andrade viu-se
o senhor nos salvou a todos. Não queremos aparecer. cercado pela garotada e teve de conceder autógrafos como
Mas por quê? se fosse um artista de cinema. Assim, quando entrou na
-
Temos nossas razões. Por favor, não pergunte sala do professor Cardoso, o gordo detetive esta\.a suado,
-
quais são. enxugando a carecà com seu lenço amanotado.

174 775
t
Bem-vindo ao Elite, detetive Andrade! cumpri- Obrigado, professor Cardoso. Sinto-me honrado e
- - -
mentou o diretor, caminhando até o policial e abraçando-o extremamente aliviado por estar, neste momento, encar-
calorosamente. regado de dirigir estas breves palavras ao nosso querido
Na sala já se encontravam os heroizinhos anônimos herói, o detetive Andrade.
Miguel, Crânio, Chumbinho, Calu eMagrí, todos com cari- Logo Miguel? Fazendo um discurso careta como aque-
nhas de inocentes colegiais indefesos. Andrade olhavapara le? Andrade não conhecia o rapaz profundamente, mas o
eles e sentia um nó na gaÍgarrta: queria que eles fossem tinha visto em combatei tratava-se de um líder de poucas
seus filhos, gostaria de poder colocar no colo cada um palavras e muita açáo. Andrade sentiu-se pouco à vontade.
deles. Na verdade, Andrade sentia como se eles jafossem Que história era aquela?
seus filhos. honrado por ser o poÍta-voz da gratidão de
Sente-se, meu caro Andrade convidou o todos nós continuou Miguel. E aliviado por poder
- - - -
professor Cardoso. Nosso colégio será eternamente estar aqui, inteiro e vivo, graças ao heroísmo do senhor,
-
agradecido ao senhor. Afinal de contas, o Elite foi o mais detetive Andrade. Há mais pessoas que deveriam estar aqui,
atingido de todos os colégios. Seis alunos daqui foram agradecendo ao senhor, Mas não caberiam todos nesta
sequestrados, enquanto somente dois garotos desapa- sala, porque o senhor salvou a humanidade inteira. A vida
receram de cada um dos outros colégios. O terceiro de inteligente deste planeta esteve ameaçada pela Droga da
cada um dos colégios era sempre o mesmo Bino, náo é? Obediência e pelo sinistro Doutor Q.I., o cérebro criminoso
Infelizmente um dos nossos alunos foi assassinado. Mas que organizou essa terrível ameaça!
os outros cinco estão aqui. Andrade teve vontade de interromper o rapazinho, de
O professor Cardoso fezuma pausa. Caminhou até os dizer que continuava investigando, que acaptrJra do Doutor
cinco Karas e pôs a mào no ombro de Miguel. Q.L era uma questão de horas, mas sabia que aquilo não
Temos muito a agradecer ao senhor, detetive An- era verdade. O comandante da Pain Control havia evapo-
-
drade. Por isso Miguel, como presidente do Grêmio do rado como uma gota de âgua no ferro quente.
Colégio Elite, pediu-me que convocasse esta reunião. Ele Infelizmente continuou Miguel o Doutor Q.I.
- - -,
tem um pequeno discurso de agradecimento para o senhor, escapou. Na certa vai passar um período na sombra, antes
que expressa o que todos nós sentimos. de atacar novamente. E ele vai atacar, estou certo disso.
Miguel levantou-se sorrindo jovialmente, como se fosse É uma ameaÇa perigosa, Jamais descansarâ enquanto não
o orador da turma em festa de formatura. reahzar sua ânsia de poder absoluto. É preciso pegáJo,

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detetive Andrade. Ninguém poderâ dormir sossegado en- o desaparecimento do Bronca em segredo para proteger
quanto esse homem estiver à solta, a imagem do Elite? Lembra-se de que discordamos a esse
Miguel aguardou um instante, Seu discurso estava to- respeito?
mando um rumo inesperado, e todos os presentes estavam Lembro-me Yagamente, Miguel.
em suspense.
-
Vagamente! Então, na certa, náo vai se lembrar das
Eu falei com o Doutor Q.L somente através daquelas palavras que usou naquele momento, náo é?
-
telas de comunicação que havia na Pain Control, mas falei. Das palavra§ sorriu o diretor. E lógico que não!
Não foi possível ver o seu rosto, porque ele estava sempre
- - -
Pois eu me lembro. É uma questão de entender
na sombra. Nem adiantaria tentar reconhecer a voz dele,
-
o raciocínio das pessoas, o modo de pensar das*pessoas
porque o Doutor Q.I. usava uma espécie de filtro de som através do que elas dizem. O senhor me disse que eu era
que lhe alterava a voz. Era quase como falar com uma mâ- muito jovem, náo é?
quina. Existe, porém, vma característica da personalidade Tahez tenha dito isso, sim.
de cada um que é impossível esconder com sombras, com
- que
E eu olhava as coisas de um lado só, náo é?
filtros de som ou com qualquer outro artifício. Essa carac-
-
Que eu haveria de aprender que as coisas são relativas,
terística é o pensamento. náo é? Que a verdade tem várias facetas, náo é?
Aos poucos, um leve mal-estar foi tomando corpo e O professor Cardoso recuou, como se fosse empurrado
atingindo a todos naquela sala. pelas palawas de Miguel.
E eu me lembro perfeitamente das palawas e da O que é isso? Uma brincadeira?
- -
maneira de pensar do Doutor Q.L Como se ele estivesse Não é uma brincadeira, piofessor Cardoso. Ou devo
falando agota. E, se ele estivesse falando agoÍa, prova-
-
dizer... Doutor Q.I.?
velmente diria que eu estou olhando de um lado só da O homem estava branco como papel. Continuou re-
questão. Diria talvez qüe as coisas são relativas e que a cuando até a sua grande mesa de diretor e olhou suplicante
verdade tem várias facetas. para Andrade.
Miguel voltou-se para o diretor do Elite, que ouvia Detetive Andrade! O senhor está fazendo parte
âtentamente.
-
deste jogo?
Lembra-se, professor Cardoso, quando tudo isto Eu náo estava, professor... Doutor... sei lá! Não
- -
comeÇou, náo faz nem uma semana? Lembra-se da nossa estava, Ínas agoÍa estou. Vou acabar me acostumando a
conversa, quando o senhor dizia que era melhor manter ser envolvido pelas estripulias desses garotos!

778 t7g
Isso é um abuso! protestou o acusado. Sou o
- - -
diretor deste colégio e não admito ser desrespeitado dessa
maneira! Eu dirijo um colégio democrático, um modelo de
educação liberal que...
Excelente disfarce, não é, Doutor Q.L? inter-
- -
rompeu Miguel. Quem haveria de desconfiar que o
-
respeitabilíssimo e ultraliberal diretor do Colégio Elite
pudesse organizar a experiência mais ditatorial e demente
que jâ existiu?
30. Tevros DE coNTTNUAR!
O rosto do homem passou do pálido ao rubro, e sua
voz satrt carregada de ódio assassino: Pois é isso, meus amigos. Com a apda da Interpol,
Maldito! Moleque maldito! Eu devia ter mandado -
- investigamos direitinho a Pain Control.
matar você no primeiro minuto! Fui acreditar na sua inte-
Andrade e os cinco Karas tinham marcado encontrc)
ligência e você destruiu tudo! Ignorante! Você destruiu a
num lugar discreto, pois assim havia pedido Miguel. E esse
salvação da humanidade! Estúpido!
Mesmo enquanto Andrade o arrastava para foru, alge- lugar era o zoológico.
mado, o Doutor Q.I. continuou gritando: De camisa esporte, caminhando pelas alamedas do
Ignorante!Você destruiu um sonho! O maior sonho zoológico, com um sorvete na mão, o detetive Andrade
-
do mundo! mais parecia um professor cercado poÍ seus alunos. Na-
quele dia, Andrade não estava suando.
O Doutor Q.I. comandava toda a organização em
-
uma salinha secÍeta que só tinha entrada pela sala da di-
retoria do Elite. Ali descobrimos o intercomunicador. Mas
a minha curiosidade era saber como o Doutor Q.I. poderia
ter controlado daquela maneira ulna empresa importante
como a Pain Control. Com a altda da Interpol, porém,
recebi a resposta em menos de um dia.

180 181
Eu também tinha pensado nisso, detetive Andrade que fossem liberados os documentos do colégio anterior.
-
O que descobriu?
disse Crânio. Fornecia um endereço falso e pronto. Em geral, todos os
- -
Os acionistas da Pain Control estão espalhados pelo colégios aceitam provisoriamente matrículas desse jeito.
-
mundo inteiro. Uma firma de advogados conseguiu uma Por isso o plano de colocar o Bino em qualquer colégio
procuração de todos eles para representá-los na assembleia que quisessem sempre dava certo.
de acionistas. Acontece que o Doutor Q.I. controlava a tal Rino também está preso?
-
firma de advogados. Assim, foi fácil eleger testas de ferro para Ele é menor de idade. Estáà disposição doJúzado.
-
dirigir todas as filiais da Pain Control, enquanto o próprio O juiz de menores é quem vai decidir a sorte do Bino.
Doutor Q.I. ficava por trás de tudo, comandando a todos. Estavam todos apoiados na mureta que dá para o fos-
Eta sujeito brilhante! comentou Calu. so dos ursos-pardos, Aquelas enormes almofadas marrons
- -
Um dos mais brilhantes criminosos que já conheci pareciam tão quentes e fofinhas que Chumbinho ficou
-
concordou Andrade. imaginando como seria gostoso descer até lá. e abraçar-se
-
E o que vai acontecer com os bandidos? com um deles. Crânio quebrou o breve silêncio:
-
Todos vão responder processo como coautores Qual é o verdadeiro nome do Doutor Q.I.?
- -
dos sequestros e dos assassinatos. A maioria dos funcio- Andrade estava acabando de comer a casquinha de
nários e operários da Pain Control estava fora da tÍama. biscoito do sorvete:
Trabalhavam apenas com os medicamentos normais e nem Ainda não foi possível descobrir. Ele se recusa afalar
-
desconfiavam da existência da Droga da Obediência. Só e parece que não existe ficha criminal dele em nenhuma
vinte e poucos deles, incluindo o Doutor Q.I. e o deteti- pafie do mundo. Mas, qualquer que seja o seu nome, a

ve Rubens, sabiam dos meninos sequestrados. A área do coisa está bem mim para o lado do Doutor Q.I... .

prédio onde ficavam os sequestrados era proibida para os Com essa prisão, as coisas mudaram lâ no Elite
- -
outros funcionários. informou Chumbinho, esquecendo a vontade de abraçar
E o Bino? os uÍsos.
-
conseguimos pegâ-lo. Ele agia sob vários nomes: Mudou? Como?
-Já -
Bino, Cacá,Joca e muitos outros. O plano era simples. Um Com a saída do professor Cardoso, quer dizer, com
-
dos bandidos aparecia em um colégio pedindo que seu a prisáo do Doutor Q.I., a Associação de Pais e Mestres
"filho" frequentasse as aulas por uma ou duas semanas até assumiu a direção do colégio.

782 183
E o que muda com isso? Educadores, psicólogos, sociólogos e figuras de
I

-
Só a dkeçáo respondeu Chumbinho. As respeito da sociedade participavam do debate. Andrade,
- - -
decisões vão continuar sendo tomadas pelo conselho entre elogiado e pressionado, saía-se da melhor forma
de professores e alunos. Bem do jeitinho que era com o possível.
Doutor Q.L como diretor. Enquanto as palavras do debate percorriam os sen-
É isso mesmo concordou Magrí. O sistema tidos do garoto, uma sombÍa passou pelo seu ânimo.
- - -
liberal do Elite é uma criaçáo do Doutor Q.I.!
Uma ponta de remorso. Aquele policial táo dedicado, que
Ele foi capaz de criar um sistema democrático
- passara noites sem dormir investigando os sequestros, só
absoluto, de um lado raciocinou Crânio enquanto
- -, tinha merecido suspeitas por parte de Miguel. E Rubens,
teÍÍava criar a mais absohta tirania, do outro...
elegante vigaústa, tinha enganado completamente o líder
Andrade colocou as mãos nos ombros do líder dos
dos Karas.
Karas:
A sociedade inteira tem unta díuida de gratidã.o
-
Ele sabia olhar as coisas pelos dois lados, náo é, -
para corn o senbor, detetiue Andrade dizia um dos
Miguel? -
debatedores.
um crânio! concluiuMagrí.
-Era - Líder dos Karas! Que ironial O pensamento de Miguel
Ei, espera aít. protestou Crânio. O único
- - - afundava cadavez mais naquela dolorosa autocrítica. Que
Crânio do mundo sou eu!
líder era ele, se tinha considerado Chumbinho um fedelho
*** intrometido, de quem os Karas deveriam livrar-se? Logo
Chumbinho, o pequeno herói que tinha enfrentado as
No quarto de Miguel, o aparelho de televisão ligado piores situações sem fraqueiar jamais? Logo Chumbinho,
jogava uma luz aztlada sobre o corpo do rapazinho esti- que tinha passado aos Karas as mais importantes infor-
rado na cama. com a cabeça apoiada nas mãos cruzadas mações que haviam possibilitado a solução daquele caso?
atrâs da nuca. E logo Chumbinho, que tinha desligado a chave geral de
Miguel olhava com atenÇáo para a querida imagem energia da Pain Control, evitando tmabatalha sangrenta
do detetive Andrade, suando sob o calor das luzes dos no final da históúa?
refletores, no debate sobre o assunto do momento: a Na televisão, um senhor muito afetado falava com
Droga cla Obediência. entu.siasmo:

tB4 185
A questão mais importante a discutir neste debate ditador dos Karas? Não era ele, Miguel, um autoritãrio?
-
é aprópria Droga d,a Obediência. Quais seriam realmente Ele era obrigado a concordar com o Doutor e.I. Sim, ele
seus efeitos? Quais os seus danos? era um ditador. Sim, ele era um autoritário. E, mais que
Líder dos Karas! Mas não tinha sido ele, o próprio tudo, ele era um líder incapaz, que havia errado vârias
Miguel, quem haviajogado Chumbinho contra Bino, pen- vezes durante aquela batalha...
sando que Bino era um inocente novato? Grande líder! Uma lágrima percorreu a face do garoto e foi salgar-
Nem mesmo a mensagem de Chumbinho ele tinha enten- lhe a bocano momento em que ele decidia que o melhor
dido... Ele imaginara que o B da mensagem queria dizer era dissolver a turma dos Karas. Ele não poderia expor
que Bino também tinha sido taptado, quando Chumbinho aqueles quatro maravilhosos amigos à sua incapacidade
tentava informar que Bino eÍa o oferecedor... Quanto e ao seu autoritarismo..,
tempo perdido por causa daquele erro! Na televisão, o clima estava explosivo. Todos queriam
Os efeitos da Droga da Obediência poderiam até falar ao mesmo tempo, e Andrade, suando como nunca,
- tentava interromper o orador, que berrava entusiasma-
ser bem-aplicados dizia uma debatedora. Ou mal-
- -
-aplicad,os, como no plano sinistro do Doutor Q.L... damente:
Grande líderl Um líder que havia exposto todos os A Droga da Obed.iência, conlo tod,as as descober-
-
Karas à quadrilha do Doutor Q.I., com a ideia de fingir tas científicas, é um bem! Deuemos pesquisa-la e usa-la
que todos também haviam sido sequestrados. Que ideia com cautela, sob o controle d.as entid.ades gouerna.men-
estúpida! tais. Viuemos atualmente umd crise de autorid.ad,e, que
Sequestrctr e manter em có.rcere priuado clezenas pode ser resoluida com a Droga da Obediência! Artnal de
- contas, um pouco de obed,iência não ba de fazer mal à
de meninos e meninasfoi realmente um crime hediondo
protestou outro debatedor. Mas é claro que nãopo- nossa juuentude!
- -
d,emos fi,car contra a energia nuclear so porque jogara.m Os olhos de Miguel apeÍtaÍam-se. Então todo aquele
uma bomba. atômica. em Hiroxima! trabalho só tinha servido para aquilo? As pessoas mais
A depressáo tinha tomado conta de Miguel. À sua importantes da sociedade julgavam que a Droga da Obe-
memória vinha a imagem do Doutor Q.I., tentando con- diência poderia ser um bem?
vencê-lo a fazer pafie da quadrilha, com um argumento Miguel pressionou o botão do controle remoto e
aterrador: náo era ele, Miguel, uma espécie de pequeno o televisor apagoü-se. Deitado no quarto às escllras, o

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Íapazinho decidiu que não importavam os erros. O que
importava era a luta, que tinha de continuar, O que im-
portava eram os Karas, que tinham de continuar!
Havia ainda muito a ser feito. Os Karas tinham ven-
cido uma batalha, mas a guerra ainda estava longe, muito
longe de terminar!

Meu nome é Pedro Bondeiro. Nosci em Sontos em 1942 e


mudei-me poro Sõo Poulo em l9ó1. Cursei Ciêncios Sociois e
desenvolvi diversos otividodes, do teotro à publicldode e oo ior-
nolismo. A portir de 1972, comecei o publicor pequenos histórios
poro crionços em publicoções de bonco, oté, desde 1983, possor
o dedicor-me totolmente ô literoturo poro crionços e odolescentes.
Sou cosodo, tenho três filhos e umo porçõo de netinhos.

O livro A Drogo do Obediêncio foi escrito em l9B3 inspirodo


por umo brutol dor de cobeço chomodo cefoleio de Horton. Certo
modrugodo, ocordei com umo crise violento e, enquonto lógrimos
de dor deslizovom-me pelo foce, fiquei pensondo como ero iniusto
oquele sofrimento: o inieçõo que fozio cessor imediotomente os
crises deixoro de ser fobricodo pelo loborotórío formocêuticol E oli
estovo eu, sofrendo e chorondo, porque olguém la do tol indúskio,
por interesses comerciois ou de quolquer oulro ordem que fosse,
determinoro que eu sofresse e chorossel

188 789
,I

Fiquei pensondo, enlõo, que hó vórios moneiros de exercer o


poder: um loborotório que é copoz de controlor o duroçÕo e o in-
tensidode dos dores humonos é mois poderoso do que um exército!
Assim, um invento químico conseguirio tombém onulor o vontode!
Dominor os mentesl A humonidode serio regulodo pelo uso de
drogos, os deseios seriom reprimidos, os protestos, obofodos!
E o obediêncio obsoluto serio imposto!
Pensei tombém: mos seró que isso é openos ficçÕo? Seró que
tudo isso io nõo estó ocontecendo otuolmente com o lovem hu-
monidode drogodo, vogondo como idiotos semimortos, sem fé
no futuro, sem fé em si mesmos e ió sem o forço e o gorro de que
tonto precisomos?
Serio tombém impossível nõo somor o essos inspiroções sinistros
todo umo histório pessool de vido permeodo pelo exortoçõo o
obediêncio, ô disciplino, ô oceitoçõo possívo de um mundo co-
mondodo de cimo poro boixo, em um poís esmogodo pelo tutelo
insono de um outoritorismo violento, como ocontecio com o meu
poís, o meu Brosil, dominodo e controlodo hovio onos por umo
ditoduro militor.
Assim nosceu A Drogo do Obediencio. NÕo é importonte gostor
do livro ou concordor com ele. É importonte pensor no ossunto.
Ai, quem me dero que um mundo de iovens de órbitos vozios
fosse openos ficçôol

P.S.: Felizmente, desde l99lo dor de cobeço desoporeceu


Mos o livro que elo inspirou continuo mois do que vivo!

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