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Ginette Paris1
(Montreal)
Uma de minhas colegas é uma psicóloga com uma prática um tanto quanto
inusitada. Ela trabalha em parceria com médicos que encaminham cônjuges de pacientes
que têm doenças crônicas ou terminais. Ela não vê o paciente, somente o cônjuge. Após
cinco anos de prática, ela descobriu que aqueles cônjuges que, além do fardo do marido
ou da esposa doente, tinham que cuidar de crianças mais novas estavam, de algum modo,
em melhores circunstâncias. Mesmo se essa situação significasse muito mais trabalho,
fadiga e responsabilidades pesadas, os cônjuges ficavam menos deprimidos e
recuperavam-se mais rapidamente da morte do companheiro do que os demais. Curiosa a
respeito dessa descoberta, ela perguntou-lhes por que eles estariam em melhores
condições do que aqueles com menos responsabilidades e mais tempo livre.
Cada um, a seu modo, disse-lhe que a proximidade cotidiana com crianças
pequenas os forçava a agir alegremente, a esconder seu sofrimento e sua aflição, a agir
com tranquilidade mesmo quando, interiormente, o sentimento fosse de desespero. Se as
crianças fossem expostas às ansiedades do adulto, uma situação ainda pior poderia
desenvolver-se e tornar-se um pesadelo completo. Na medida em que o papel da mãe ou
do pai seguros de si, serenos e amigáveis, que colocam as crianças na cama, que
cozinham, que servem as refeições, que dão banho ou que leem uma história antes de
dormir é um papel alegre, o adulto encontra nesses momentos um escape de sua situação
triste e frequentemente devastadora.
A mãe ou o pai que, apesar da dor e da perturbação que possa estar sentindo
interiormente, finge que tudo está em paz está brincando1 com a criança que, por sua vez,
guia-lhe e proporciona-lhe limites. A mãe ou o pai e a criança têm um contrato
inconsciente: eles fazem de conta que “tudo está indo bem”. Seria absurdo perguntar-lhe
1
Ginette Paris é professora de Psicologia Social na University du Quebec, Montreal. Ela é a autor de Pagan
Grace [Graça pagã] (Spring, 1989) e Pagan Meditations: The Worlds of Aphrodite, Artemis and Hestia
[Meditações pagãs: Os mundos de Afrodite, Artêmis e Héstia] (Spring, 1986). Esse artigo, uma introdução
ao seu trabalho sobre psicodrama arquetípico, foi proferido na conferência “Myth and Theatre” [“Mito e
Teatro”] de 1987 em Chateau de Malérargues, França.
se estão sendo verdadeiros, assim como é tolice perguntar a uma criança se ela está sendo
verdadeira quando está brincando; trata-se de verdade honesta e brincadeira honesta.
Estão brincando e isso está fazendo a ambos muito bem. Jogos somente tornam-se falsos
quando os tomamos literalmente, quando os denominamos “realidade”, ou seja, quando
queremos parar de brincar para sermos sérios.
A sua experiência não está distante da nossa, com ou sem crianças, com ou sem
um cônjuge doente. Quem nunca esteve em uma situação emocional desesperadora e foi
forçado a manter uma máscara alegre? Por exemplo, estar em uma posição em que você
deveria mostrar atitudes profissionais de entusiasmo e de receptividade quando você
preferiria mostrar uma máscara carrancuda parece inicialmente um esforço. Porém,
frequentemente o sentimento que estava sendo encenado torna-se nosso e nós tornamo-
nos um com a máscara. É como entendo a popularidade de uma abordagem psicológica
tão simplista quanto “pensar positivo”. Essa abordagem é construída em torno de uma
prescrição fundamental: substituir fantasias e papeis negativos por positivos. Se repito
para mim mesma: “Eu sou forte, eu sou forte” com frequência suficiente e se ajo como se
fosse forte, então posso tornar-me forte. Exceto pelo fato de que não se pode basear uma
psicologia inteira exclusivamente no lado positivo de uma única experiência interior, não
mais do que em um único arquétipo, e exceto por uma determinada aplicação simplista
do método, pode-se ver por que essa abordagem desperta interesse. Para aqueles que
vestem a máscara do tédio, da timidez e da inferioridade, o pensamento positivo pode agir
como um terreno de treino para um papel mais positivo, relaxado ou poderoso.
Agir como se não estivemos perturbados, quando nos sentimos em pânico, pode
parecer uma mentira. Porém, isso ocorre somente porque se presume que há uma e
somente uma emoção genuína e que qualquer comportamento que não seja uma expressão
dessa emoção única, profunda, verdadeira é enganoso. Irving Goffman, em seu livro The
Presentation of Self in Everyday Life [A apresentação do eu na vida cotidiana]2 define
sinceridade como “confiança em nossa própria performance” enquanto o cinismo seria
não se importar com a plateia e zombar daqueles que acreditam em nossa performance.
Essas definições de sinceridade e de cinismo são adequadas a um ponto de vista
dionisíaco. O ator não sente que engana a plateia a respeito de sua identidade porque sabe,
como nós sabemos, que está interpretando um papel, vestindo uma máscara. Se ele não é
cínico, no sentido de Goffman, põe tudo de si em seu papel e tenta ser para a plateia o
personagem que finge ser. Enquanto isso, o ator não se preocupa se está sendo verdadeiro
em relação ao seu “eu real”. Ele é verdadeiramente um ator. Como nós todos somos.
Dioniso não é o ator atrás da máscara. Ele é a máscara.
Dioniso na organização