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FACULDADE DE DIREITO
2019
1
A Cristo Jesus como oferta que lhe seja agradável.
2
Agradecimentos
3
Resumo
A Economia Circular tem sido um tema ao qual tem sido dado nos últimos
anos um espaço cada vez maior no estudo e na pesquisa. De fato, tem-se visto
de forma cada vez mais intensa o esvaimento do modelo linear de produção que
tinha suas bases voltadas para infinitude de recursos.
No contexto de transição de modelos econômicos partindo da linearidade
para a circularidade, esse estudo se propõe a analisar questões pertinentes à
implementação de um sistema de Economia Circular e que envolva a valorização
de resíduos ou matérias-primas secundárias seguindo o apelo feito pela União
Europeia no intuito de se “fechar o ciclo”.
A valorização de resíduos tem várias nuances, assim como a Economia
Circular. Por isso, para que a pesquisa fosse verdadeiramente eficaz foi
necessário avaliar o maior número de variáveis possíveis que podem interferir
no “fechamento do ciclo”, bem como na criação de um mercado de valorização
de resíduos verdadeiramente eficiente.
Neste sentido esse trabalho aborda, dentre outros temas, políticas de
incentivos, barreiras à implementação, medidas de promoção e dificuldades
existentes para uma transição à Economia Circular. No desdobramento de cada
um deles foi possível inferir quantas mudanças são necessárias para que o
caminho à circularidade aconteça e quais são aquelas mudanças mais urgentes.
4
Abstract
The Circular Economy has been a subject that has been given in recent
years an increasing space in study and research. In fact, there has been an
increasingly intense depletion of the linear model of production that had its bases
turned to infinity of resources.
In the context of the transition of economic models from linearity to
circularity, this study proposes to analyze issues pertinent to the implementation
of a Circular Economy system and involving the valorization of waste or
secondary raw materials following the European Union's to “close the cycle”.
The valuation of waste has several nuances, as does the Circular
Economy. Therefore, for the research to be truly effective, it was necessary to
evaluate as many variables as possible that could interfere in the "cycle closure",
as well as in the creation of a truly efficient waste recovery market.
In this sense, this work addresses, among other topics, incentive policies,
barriers to implementation, promotion measures and existing difficulties for a
transition to the Circular Economy. In the unfolding of each of them it was possible
to infer how many changes are necessary for the path to circularity to happen
and what are those most urgent changes.
5
ÍNDICE
INTRODUÇÃO…………………………………………………………………………3
1. DO LINEAR AO CIRCULAR ....................................................................... 7
1.1. Um processo de transição .................................................................... 7
1.2. Cinco perguntas que implicam a circularidade.................................... 10
1.3. Economia Ecológica ........................................................................... 11
2. INOVAÇÕES LEGISLATIVAS NO CAMPO DA ECONOMIA CIRCULAR 16
2.1. União Europeia ................................................................................... 16
2.1.1. A Economia Circular nos Tratados da União Europeia ............. 16
2.1.2. COM/2001/31 ............................................................................ 18
2.1.3. COM/2003/302 .......................................................................... 20
2.1.4. DIRETIVAS 2006/12/CE e 2008/98/CE ..................................... 22
2.1.5. COM/2014/398 .......................................................................... 23
2.1.6. COM/2015/614 .......................................................................... 24
2.1.7. COM/2018/028 .......................................................................... 25
2.1.8. COM/2018/032 .......................................................................... 26
2.2. Portugal............................................................................................... 28
2.2.1. Resolução do Conselho de Ministros n.º 11-C/2015 ................. 29
2.2.2. Resolução do Conselho de Ministros n.º 190-A/2017 ............... 29
2.2.3. Ideal impossível da perenidade ................................................. 30
3. A LOGÍSTICA INVERSA NO SEIO DA ECONOMIA CIRCULAR ............ 31
3.1. Logística Inversa na União Europeia .................................................. 32
3.1.1. Responsabilidade Alargada do Produtor .................................. 33
3.1.2. Riscos e Oportunidades ............................................................ 35
3.2. Política europeia em matéria de logística ........................................... 36
3.3. Projeto Prosum ................................................................................... 37
3.3. Logística Inversa em Portugal............................................................. 41
3.4. Logística Inversa na Suíça um modelo eficiente ................................. 44
3.4.1. Taxa de Reciclagem Antecipada ............................................... 47
4. ECONOMIA CIRCULAR E MERCADO ..................................................... 50
4.1. Serão aterros sanitários futuras minas? ............................................. 50
4.2. Valorização de Resíduos .................................................................... 52
4.3. Barreiras ao mercado de resíduos ...................................................... 55
4.4. Medidas de promoção da economia circular....................................... 59
4.5. Mudança de paradigma ...................................................................... 59
1
4.6. Uma banca de matérias-primas secundárias ...................................... 61
4.6.1. MOR – Mercado Organizado de Resíduos ................................ 63
4.7. Industrial Symbiosis for Regional Sustainable Growth and a Resource
Efficient Circular Economy – SYMBI .......................................................... 65
5. POLÍTICAS DE INCENTIVOS À ECONOMIA CIRCULAR ....................... 69
5.1. Incentivos na União Europeia ............................................................. 70
5.2. Fiscalidade e outros problemas afetados pelas políticas de incentivos
................................................................................................................... 72
5.2.1. Análise de Incentivos Tributários no Canadá ............................ 82
5.2.2. A Importância dos Tributos na Logística Inversa do Brasil ........ 88
CONCLUSÃO .................................................................................................. 97
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 100
2
INTRODUÇÃO
1 EGBU, Charles; Going north for sustainability: leveraging knowledge and innovation for
sustainable construction and development; Londres: IBEA Publications Ltd., 2015, p. 61.
2 Idem, ibidem. p. 61.
3 ELLEN MACARTHUR FOUNDATION; Economia Circular. Disponível em: bit.ly/2b3KkL1
3
Nas ciências econômicas, por sua vez, um dos maiores contributos para
a Economia Circular, mesmo sendo conceitualizado com outro jargão, foram os
escritos do economista Nicholas Georgescu-Roegen, precursor da escola de
Economia Ecológica. Seus ensinamentos engrandeceram as bases com as
quais foram compreendidos os limites econômicos dos sistemas lineares. A sua
visão que abarcou a economia por um prisma da termodinâmica ajudou a
fortalecer a compreensão da capacidade de entropia que envolve o processo de
reciclagem e aproveitamento de matérias primas secundárias.
Por sua vez, a União Europeia, demonstrou apreço ao tema e, tendo em
vista todo o arcabouço que foi depositado nas últimas quatro décadas, assumiu
importante papel ao introduzir pouco a pouco nos seus documentos conceitos
de Economia Circular que viriam a consagrar um plano para transição de modelo
linear para um modelo circular.
Ressalte-se aqui que além do plano de ação por ela implementado que
visa “Fechar o Ciclo” que nasceu da Comunicação COM/2015/0614 foram ao
longo dos anos em tratados, comunicações e diretivas, abordados temas
pertinentes ao modelo econômico circular, mesmo que esse ainda não fosse
totalmente expresso.
Nesse contexto muitos dos temas abordados pela EU foram de uma forma
ou de outra implementações da Economia Circular, porém com nomes distintos.
Nisso vale ressaltar as inúmeras intervenções na gestão dos resíduos, na
logística inversa, nos aspectos da reciclagem e na valorização de matérias
primas secundárias. Esse último, um tema que exige uma atenção especial
devido a sua grande complexidade, por interferir sobremaneira em várias áreas
da economia.
Os resíduos não são só resíduos, agora podem representar um potencial
valorativo que lhes permite algo que em outras épocas talvez fosse impensado,
a capacidade de se tornarem bens tão preciosos quanto matérias-primas
virgens. Isso porque a escassez dos recursos tem obrigado os produtores a
fazerem o máximo com o mínimo e reaproveitarem o que for possível no intuito
de diminuir os custos de produção e, consequentemente, possíveis
externalidades negativas.
Vale dizer que a valorização dos resíduos cria um ambiente favorável que
permite pensar na possibilidade de reuso de materiais que inclusive estão
4
dispostos em aterros sanitários. As minas de hoje podem ser antigos redutos de
lixo4.
Dito isto, faz sentido compreender as nuances que envolvem o processo
de transição para a Economia Circular, os incentivos de que ela necessita, as
medidas que urgem para que seja ela promovida, as mudanças necessárias e
as barreiras que insurgem no seu impedimento. Ademais, impõe-se também o
dever de compreender os agentes da Economia Circular, os seus papeis com
ônus e bônus.
É necessário quebrar paradigmas e buscar dentro e fora da União
Europeia sinais de transição da Economia Circular para que se faça uso
daquelas boas prática e abstenção das desnecessárias ou más. Para isso é
perspicaz encontrar modelos que tenham no campo legal, político e mercantil as
melhores saídas, para questões que envolvam promoção, tributação,
valorização no âmbito da Economia Circular.
Além dos paradigmas, algumas barreiras precisam ser superadas no
caminho de transição para uma Economia Circular, delas, duas urgem como
necessárias para essa mudança, são a barreira cultural e a barreira de mercado5.
Outras barreiras, como as regulatórias, por exemplo, envolvem a necessidade
de vontade política e profundas reformas na seara tributária.
Nesse sentido, ponderar esse caminho de transição por meio da tentativa
de viabilização de instrumentos econômicos que promovam a circularidade não
é possível sem que sejam avaliadas as práticas correntes que impõem
dificuldades a implementação de modelos de negócios circulares. Uma dessas
grandes dificuldades, vale assinalar aqui, tem sido a grande disparidade de
preços entre matérias-primas virgens e secundárias imposta pelos modelos
econômicos vigentes. Neste caso o papel tributário tem influenciado
enormemente na promoção das discrepâncias, pois, se por um lado há inúmeros
incentivos para a promoção dos modelos de extração, por outro a carga tributária
incidente em conjunto com a ausência de incentivos ao investimento na
reciclagem ou logística inversa se mostram como detratores de um modelo de
Economia Circular.
5
A valorização de resíduos, tema desse estudo, pode ser considerada
como valorização de matérias-primas secundárias, resguardadas suas
distinções. Numa compreensão mais ampla nem todo resíduo é matéria-prima,
mas poderá sê-lo respeitados os processos de reciclagem e melhoramento, pois
há aqueles em que o potencial de reutilização é baixo ou inexistente o que os
destina tão somente ao descarte. Por isso, para que haja de fato um “mercado
de valorização” há a necessidade premente de criação de meios objetivos que
indiquem e regulem preços de mercado assim como o que é feito com as
matérias-primas virgens.
6
1. DO LINEAR AO CIRCULAR
6 “Since 150 years industrialization created a linear production and consumption model. This
linear model assumes a take-make-waste pattern in which with energy, labour and capital
produce products out of natural resources with a single life cycle. Resources are withdrawn from
the earth (take), processed to components (make) and after the use phase thrown away (waste).
This is called the cradle-to-grave principle (Braungart 2002). This linear consumption pattern in
which the end user is responsible for the removal of the product, seemed to be successful to
provide affordable products and global welfare, but was totally based on waste of resources and
the creation of garbage (Ellen MacArthur Foundation 2013)”. EGBU, Charles; Going north for
sustainability: leveraging knowledge and innovation for sustainable construction and
development; Londres: IBEA Publications Ltd., 2015, p. 78.
7 FRANCISCO, Carta. Enc. Laudato Si’: Sobre o Cuidado da Casa Comum. Roma, 2015.
físicos. A economia circular é uma alternativa atraente que busca redefinir a noção de
crescimento, com foco em benefícios para toda a sociedade. Isto envolve dissociar a atividade
econômica do consumo de recursos finitos, e eliminar resíduos do sistema por princípio”. ELLEN
MACARTHUR FOUNDATION; Economia Circular. Disponível em: https://bit.ly/2b3KkL1.
7
Figura 1 - Economia Linear
Fonte: LUZ e ECHEVENGUA (2015)
10 “O conceito de economia circular tem origens profundamente enraizadas que não podem ser
ligadas a uma única data ou autor. Suas aplicações práticas para os sistemas econômicos
modernos e processos industriais, no entanto, adquiriram uma nova dinâmica desde o fim da
década de 1970, lideradas por um pequeno número de acadêmicos, líderes intelectuais e
empresas”. Idem.
11 FRANCISCO, Carta. Enc. Laudato Si’: sobre o cuidado da casa comum. Roma, 2015.
tecnológico: o debate The Limits to Growth versus Sussex. Desenvolvimento e Meio Ambiente,
v. 26, p. 51-68, jul./dez. 2012. Editora UFPR. p. 56. Apud, (KING et al., 1973 [1972], p. 181).
8
capital”13. É nesse diapasão da estabilidade econômica de que a Economia
Circular tem forte tendência a ser uma solução. Para Ellen MacArthur
Foundation14,o conceito de Economia Circular “se caracteriza mais do que se
define, como uma economia restaurativa e regenerativa, por premissa manter
produtos, componentes e materiais em seu mais alto nível de utilidade e valor o
tempo todo, fazendo distinção entre ciclos técnicos e biológicos”.
A Economia Circular é concebida como um ciclo contínuo de
desenvolvimento positivo que preserva e aprimora o capital natural, otimiza a
produtividade de recursos e minimiza riscos sistêmicos gerindo estoques finitos
e fluxos renováveis. Ela funciona de forma efetiva em qualquer escala. Esse
novo modelo econômico busca, em última instância, dissociar o desenvolvimento
econômico global do consumo de recursos finitos.
9
Princípio 2: Otimizar o rendimento de recursos fazendo circular produtos,
componentes e materiais no mais alto nível de utilidade o tempo todo,
tanto no ciclo técnico quanto no biológico.
10
como uma economia circular pode nos beneficiar; iii. onde as mudanças para
nossas economias são necessárias; iv. quais os negócios estão fazendo da
economia circular uma realidade; e v como os nossos governos e regulamentos
podem dar suporta à Economia Circular16.
Certamente, as respostas não são simplórias. Um mundo em que a
economia circular seja desenhada em perfeição e que as respostas surjam de
forma rápida e eficiente, necessita de uma nova forma de pensamento, um novo
sistema social, novas formas de engajamento e novas instituições.
16 “We address things like: why raw material supply chains are important to society; how
circularity can benefit us; where changes in our economies are required, who needs to be
involved; what businesses are doing to make the circular economy a reality; and how
governments and regulators can support the Circular economy”. LUND UNIVERSITY.
Introduction to the Circular Economy - Part I - Introduction - Materials. (n.d.). from
https://goo.gl/rvSHFE.
17 “La conclusión es que, desde el punto de vista puramente físico, el proceso económico es
entrópico: no crea ni consume materia o energía sino que solamente trasforma baja entropía en
alta entropía. Ahora bien, el conjunto del proceso físico del entorno material es igualmente
entrópico. ¿Qué distingue entonces el primer proceso del segundo? Las diferencias son dos y,
llegados aquí, no deberían ser difíciles de establecer”. Georgescu-Roegen, N., 1996. La Ley de
la Entropía y el proceso económico. Fundación Argentaria, Madrid. p. 353.
18 INFOESCOLA. Primeira lei da termodinâmica - Física. (n.d.). Retrieved from:
https://bit.ly/2tkBhf1
11
cardinal é uma observação ocasional de que o homem pode produzir apenas
utilidades, uma observação que realmente acentua o quebra-cabeça. Como é
possível ao homem produzir algo material, dado o fato de que ele não pode
produzir matéria ou energia?”19
19 Georgescu-Roegen, Nicholas. (1976). (1970) The Entropy Law and the Economic Problem.
10.1016/B978-0-08-021027-8.50009-6…, cit. p. 1, parte I.
20 Idem. p. 1, parte II.
21 Sadi Carnot em seu livro REFLECTIONS ON THE MOTIVE POWER OF HEAT se debruça
sobre a capacidade que uma máquina tem de transformar calor em movimento. Ele também
cria o chamado ciclo reversível, no qual, a transformação mecânica de calor em movimento
nunca resulta num rendimento exatamente igual ao consumido.
12
inevitável escassez de recursos, pois a economia clássica não previa limitações,
põe-se em questão que também os ciclos de reciclagem são finitos e limitados
22.
and its Limitations. Ecological Economics. 143. 37-46. 10.1016/j.ecolecon. 2017.06.041, n. 4.1.
13
Segundo Ayres25, os argumentos de Georgescu-Roegen deveriam
considerar a terra como um sistema aberto, e consequentemente não disposto
à teoria da quarta lei da termodinâmica. Ainda segundo Ayres “o fluxo exergético
contínuo do sol” seria “suficiente para permitir a reciclagem de materiais para
sempre”. Ora presumir isso é contradizer a segunda lei da termodinâmica, ou
seja, a entropia, que importa, em se tratando do sol, o seu esvaecimento à
medida que sua energia se dissipa. O sol não é perpétuo.
Não obstante a crítica que rodeia os argumentos de Georgescu-Roegen,
alguns pontos podem ser considerados incontroversos, e, por isso, razão de
aprofundamento. Neste sentido o professor Robert U. Ayres26 cita
nomeadamente cinco proposições que podem ser extraídas dos ensinamentos
de Georgescu-Roegem e que são indubitavelmente incontroversas, excetuada a
proposição número dois. Nesses termos: “… a tese de Georgescu-Roegen
representou várias proposições não controversas e uma implicação errônea.
Entre as proposições geralmente não controversas, estão as seguintes: (1) o
bem-estar humano é uma função da produção econômica (produção); (2) a
produção é inerentemente material-intensiva; (3) o processamento de material
requer energia disponível (ou seja, exergia); que converte materiais de baixa
entropia (por exemplo, combustíveis fósseis, minérios metálicos) em materiais
de alta entropia (por exemplo, resíduos); (4) o estoque de materiais de alta
qualidade (baixa entropia), incluindo combustíveis, na Terra é finito; (5) a
reciclagem de materiais ou combustíveis - convertendo materiais de alta entropia
em materiais de baixa entropia - requer um fluxo exógeno de baixa energia de
entropia (ex. Exergia) e (6) materiais nunca podem ser reciclados com 100% de
eficiência porque sempre há perdas entrópicas”.27
De todos os argumentos defendidos por Georgescu-Roegem aquele que
se torna mais pertinente ao estudo ora tratado é o da eficiência energética da
25 “Some critics from the physical sciences have accused G-R of simply failing to realize that the
earth is not a thermodynamically closed system, and that continuing exergy flux from the sun will
suffice to permit materials recycling forever.” AYRES, Robert U. The Second Law, The Fourth
Law, Recycling and Limits to Growth. Center for the Management of Environmental Resources.
Fontainebleau, France. 1998.
26 AYRES, Robert U. The Second Law, The Fourth Law, Recycling and Limits to Growth. Center
14
reciclagem, pois a valorização de resíduos a que se propõe a própria União
Europeia depende do nível de energia aproveitável de um material reciclável.
Nessa baila, a relação entre potencial reciclável (energia disponível) e
resíduos inservíveis (energia dissipada), ou simplesmente eficiência de recursos
é um fator que apreende o interesse econômico desde primórdios. Assim
assevera a LUND UNIVERSITY28: Em relação à eficiência de recursos, observa-
se que algum tipo de reciclagem de metais sempre foi realizada. Alguns desses
recursos, devido às suas propriedades, eram inerentemente adequados à
circularidade e sempre foram considerados valiosos demais para serem
descartados sem mais uso.
Nesse sentido alguns materiais, como o chumbo, por exemplo, ainda nos
dias atuais corrobora com essa lógica de valoração concentrada na sua
capacidade de reciclagem. Outros materiais, no entanto padecem de tecnologias
que possam maximizar sua eficiência de reuso, é o ocorre com o lítio, por
exemplo, que no âmbito da União Europeia não registra resultado algum dentro
de qualquer ciclo de reciclagem29.
on EU flows and Raw Materials System Analysis data, EUR 29435 EN, Publications Office of the
European Union, Luxembourg, 2018, ISBN 978-92-79-97247-8 (online), doi:10.2760/092885
(online), JRC112720. p. 11.
15
Fonte: Talens Peiro, L., Nuss, P., Mathieux, F. and Blengini, G., 2018.
16
Nesse sentido se pronuncia a professora Carla Amado Gomes30 ao expor
que “a relação da União Europeia com o ambiente é hoje indesmentível, mas o
começo não foi auspicioso. O Tratado de Roma ignorava a proteção ambiental
compreensivelmente, dada a inicial vertente puramente económica da
integração, bem como em virtude da necessidade de desenvolvimento industrial
e comercial do pós-guerra ─, numa época em que, de resto, se vivia a pré-
história do Direito Internacional do Ambiente”.
Ora, de fato, o Artigo 2º do Tratado de Maastricht já havia introduzido de
forma explícita os conceitos de crescimento sustentável e o respeito ao meio
ambiente fazendo então com que o futuro da Economia Circular pudesse
encontrar solo fértil dentro do arcabouço jurídico europeu.
“Artigo 2°. A Comunidade tem como missão, através da criação de um
mercado comum e de uma União Económica e Monetária e da aplicação das
políticas ou ações comuns a que se referem os artigos 3° e 3°-A, promover, em
toda a Comunidade, o desenvolvimento harmonioso e equilibrado das
atividades económicas, um crescimento sustentável e não inflacionista
que respeite o ambiente, um alto grau de convergência dos comportamentos
das economias, um elevado nível de emprego e de proteção social, o aumento
do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social e a solidariedade
entre os Estados-membros.
Outrossim, ato contínuo os próximos tratados não apagaram tais
registros, tendo o Tratado de Lisboa dado em 2007 dado um maior respaldo ao
desenvolvimento sustentável, no entanto com uma pauta que muda a tônica do
“respeito ao meio ambiente” para o esforço na “proteção do meio ambiente,
mas sem deixar de lado, é claro, “o progresso econômico e social”.
“DETERMINADOS a promover o progresso económico e social dos seus
povos, tomando em consideração o princípio do desenvolvimento sustentável e
no contexto da realização do mercado interno e do reforço da coesão e da
proteção do ambiente, e a aplicar políticas que garantam que os progressos na
integração económica sejam acompanhados de progressos paralelos noutras
áreas,” (Tratado de Lisboa Consolidado 2007, Preâmbulo).
30 AMADO GOMES, Carla e ANTUNES, Tiago. O Ambiente e o Tratado de Lisboa: uma relação
sustentada. 10 de março de 2010. Actualidad Jurdica Ambiental AJA. Disponível em:
https://goo.gl/7cukBm. Acesso em 17 de janeiro de 2019…, cit. p. 1.
17
Consoante, a Economia Circular aderirá também aos apelos gritantes que
seguem para além do preâmbulo do Tratado em tela, e que se explicitam de
forma anda mais concisa do seu Artigo 2º, n. 3., nele a própria União Europeia
ratifica estabelecer “um mercado interno” observando reiteradamente o
desenvolvimento sustentável de mãos dadas com o desenvolvimento
econômico.
“3. A União estabelece um mercado interno. Empenha-se no
desenvolvimento sustentável da Europa, assente num crescimento económico
equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia social de mercado
altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso
social, e num elevado nível de proteção e de melhoramento da qualidade do
ambiente. A União fomenta o progresso científico e tecnológico”. (Tratado de
Lisboa, Artigo 2º, n. 3)
2.1.2. COM/2001/31
19
seria sensato pensar em resíduos, ou mesmo na sua redução, sem pensar no
potencial de valorização que eles têm. Sem valorização dos resíduos a eficiência
é, de certa forma, alijada.
“Se não forem tomadas novas iniciativas, prevê-se que o volume de
resíduos continuará a aumentar na Comunidade, num futuro próximo. Para além
de exigir terrenos valiosos, a gestão dos resíduos liberta muitos poluentes para
a atmosfera, a água e o solo, incluindo as emissões de gases com efeito de
estufa provenientes dos aterros e do transporte de resíduos. Os resíduos
também representam, com frequência, uma perda de recursos valiosos, muitos
dos quais escasseiam e poderiam ser valorizados e reciclados para nos ajudar
a reduzir a nossa procura de matérias-primas virgens”. (COM(2001) 31, 6.2.1.)
O texto está completamente imbuído da dinâmica da Economia Circular
em que a valorização de resíduos cria o círculo virtuoso que remete à diminuição
da extração de matéria-prima.
2.1.3. COM/2003/302
Dando seguimento ao modelo que aparece como uma solução justa para
problemas ainda recentes, a Comunicação 2003/302 começa a propor o que se
categoriza como uma visão integrada em que a reciclagem e a “estratégia de
prevenção” de resíduos somam-se para “incorporar uma dimensão do produto
na política ambiental”.
Mesmo que en passant há um eminente comprometimento para se
“encontrar soluções positivas simultaneamente para o ambiente e a indústria”.
Aqui repousa também vislumbres da Economia Circular.
É fato, a visão de ciclo compreende perceber esses dois mundos,
ambiente e indústria, sem interrupções. O lançar fora o resíduo rompia o elo
cíclico que compreende a necessidade de um produto ser devolvido ao seu
produtor quando inservível. A Comunicação 2003/302, bem como outros
documentos que aqui são estudados põe em pauta a necessidade de haver
“melhoramentos ambientais” em conjunto com um “melhor desempenho dos
produtos”, sempre alinhados a “melhoramentos contribuam para a
competitividade industrial”. Mesmo que noutros termos, isso reflete
20
profundamente a finalidade da Economia Circular, em que indústria e meio-
ambiente não são inimigos.
Do nascimento até a sua morte os produtos precisam ser geridos. Nisso
também se fundamenta a Comunicação, disso se extrai o conceito de “ciclo de
Vida”. Que muito embora esteja ainda focado do âmbito da destinação, impõe-
se na perspectiva de ciclo.
“Conceito de ciclo de vida - Considera o ciclo de vida de um produto e
procura reduzir os seus impactos ambientais acumulados - desde o "nascimento
até à morte". Ao fazê-lo, procura também impedir que as várias partes do ciclo
de vida sejam consideradas de uma forma que leve simplesmente a que os
encargos ambientais sejam transferidos de uma parte para outra. Ao abordar
todo o ciclo de vida do produto de uma forma integrada, a PIP também promove
a coerência das políticas. Dá origem a medidas tendentes a reduzir os impactos
ambientais no momento do ciclo de vida em que essas medidas têm mais
probabilidade de contribuir eficazmente para a redução do impacto ambiental e
de representar economias de custos para as empresas e a sociedade”.
(Comunicação 2003/302, 3)
Não deve ser ignorado o quanto a comunicação em tela tenha se referido
ao mercado de vários pontos de vista. Desde a relação com o próprio mercado
em si mesma, onde vê-se a necessidade de estabelecimento de incentivos que
promovam produtos sustentáveis junto aos produtores, até mesmo a ação direta
junto aos consumidores para que absorvam uma cultura voltada para o uso e
compra de produtos sustentáveis.
No entanto, ao tratar daqueles instrumentos que deveriam “criar o
enquadramento económico e jurídico apropriado” a Comunicação peca num
ponto. Ao tratar dos impostos e subsídios (5.1, a) impõe-se à partida a
necessidade de incorporar “custos externos ambientais no preço de um produto
de modo que o preço fixado reflita corretamente os impactos ambientais”. Isso
acaba por dizer que um produto mais danoso ao ambiente, muitas vezes aquele
que não tem um alto poder de reciclabilidade por várias razões, acabe por ter de
suportar um ônus quem sabe até excessivo.
Ora, tratar os bens produzidos com foco no seu impacto é um risco. Nesse
sentido é sempre importante avaliar a necessidade do produto em contrapartida
ao seu impacto. Nessa relação em que um e outro sejam substanciais é oportuno
21
fazer um juízo de ponderação. Outrossim, alguns bens que causam impacto
ambiental elevado em determinada região, podem ser uma fonte de
subsistência, ao que uma suposta fixação de preço para refletir impactos
ambientais poderia colocar em cheque economias locais. Em outras palavras
níveis aceitáveis de poluição podem ser compatíveis com atividades impactantes
ao meio-ambiente, sem a pronta necessidade de tributar uma externalidade
negativa de por si só.
31Miranda, J., Cunha M., Rui, Guimarães, A. L., Kirkby, M. (coord.). Direito dos resíduos.
Lisboa,: Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos, Instituto de Ciências
Jurídico-Políticas/Centro de Investigação de Direito Público da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa…, cit. p. 84.
22
“As atuais conceções de gestão de resíduos baseadas numa lógica de
análise do ciclo de vida (ACV) dos produtos já foram acolhidas no ordenamento
jurídico, conforme se retira do texto da própria DQR, p. ex., do considerando 8:
“Torna-se, por conseguinte, necessário rever a Diretiva 2006/12/CE, de modo
(…) a introduzir uma abordagem que tenha em conta todo o ciclo de vida dos
produtos e materiais e não apenas a fase de resíduo (…)”. Há também
referências à abordagem por ACV em outros pontos da DQR, como os
considerandos 27 e 39 e n.º 2 do art.º 4.º. Também a proposta do plano nacional
de gestão de resíduos 2011-2020 (PNGR 2020) preconiza uma gestão de
resíduos integrada no ciclo de vida do produto”32.
2.1.5. COM/2014/398
23
conduz viabilidade e um modelo de Economia Circular eficiente capaz de
iluminar outros mercados.
2.1.6. COM/2015/614
24
O primeiro desses elos toca o âmbito da produção de bens, no qual a
“concepção dos produtos” tenderia a “tornar os produtos mais duráveis ou mais
fáceis de reparar, modernizar ou refabricar” (COM/2018/028, 1.1) e os
“processos de produção” a utilizar de forma eficiente os recursos
(COM/2018/028, 1.2). Os dois seguintes, consumo e gestão de resíduos,
integram, de certa forma, a tríade em que se baseia o sistema de reciclagem
cujo foco repousava somente no resíduo, mesmo com uma visão de ciclo,
conforme previa a COM/2003/302. Esses três primeiros objetivos rememoram as
condições de responsabilidade pós-consumo, ou simplesmente, “Ciclo de Vida”
e morte do produto, sem maiores preocupações com um sistema que envolvesse
a valorização dos resíduos, ou mesmo um sistema complexo em que o túmulo
do resíduo é substituído por seu berço.
Destarte disso, a comunicação coloca no plano da Economia Circular,
além dos três primeiros elos comentados, os outros dois fechariam o ciclo
econômico inteiro. A valorização dos recursos, quarto elo da cadeia, seria aquele
através do qual haveria o impulsionamento de um “mercado das matérias-primas
secundárias” em que “materiais que podem ser reciclados são reinjetados na
economia como novas matérias-primas” (COM/2018/028, 4). O último ente
desse conglomerado compreende a inovação e o investimento, onde podem
ainda ser incluídos uma série de outros componentes em vista do alcance da
Economia Circular, exemplo disso seriam investimentos públicos em recolha
seletiva, por exemplo, ou mesmo a facilitação ao acesso para financiamento para
projetos de economia circula.
2.1.7. COM/2018/028
2.1.8. COM/2018/032
34 GEYER, R., JAMBECK, J., LAVENDER, K. Production, use, and fate of all plastics ever
made. LAW SCIENCE ADVANCES.19 julho de 2017 : E1700782. p. 3.
35 BIZARRO, Cheila. Microplastics as vectors of heavy metals for fish. Universidade de Lisboa,
26
Em outras palavras, essa última comunicação tenta entender a relação entre a
reciclagem e produtos químicos contaminantes que inviabilizam o processo de
reaproveitamento dos resíduos.
Segundo a Comunicação, alguns produtos químicos constituem
obstáculos técnicos que impedem a reciclagem ou meso a tornam muito cara,
além da periculosidade apresentam para a vida saúde humana e o meio-
ambiente (COM/2018/032, Introdução).
Se com os plásticos há uma grande preocupação, eles que, segundo a
OECD (2018), vêm sendo melhorados tecnologicamente, e sobre os quais tem
emergido e se tornado disponíveis no mercado “melhores práticas sobre seu
uso” e “sua aplicação”, bem como se tem visto uma mudança na “natureza da
indústria de plásticos”. O mesmo ocorre com produtos químicos, pois à medida
que novos químicos vem sendo desenvolvidos outros são retirados do mercado
“em particular se forem considerados perigosos para a saúde humana ou para o
meio ambiente”. Isso aumenta o limbo sobre os efeitos de tais produtos na
reciclagem, pois nem sempre se tem uma ideia do alcance dos seus riscos e
inviabilidades.
Esses condicionantes químicos, considerados pela União Europeia
como “substâncias com histórico”, de acordo com a COM/2018/32, caso tenham
contaminado possíveis materiais recicláveis “quando o produto se torna resíduo”
poderão ou não ser permitidos no tempo da reciclagem, dada essa dinâmica do
de substituição contínua de produtos químicos no mercado. Por isso a
necessidade de analisar a transição para uma Economia Circular também por
essa matriz.
Para o European Environmental Bureau38 a falta de transparência é uma
outra razão para se deter a este tema, a Comunicação reconhece que “em
muitos casos, não é óbvio” quais as substâncias “contidas em produtos, por
exemplo, se os produtos não são rotulados”. Definições claras e transparentes
são mais apropriadas “para alcançar um uso mais seguro dos produtos químicos
em materiais circulares”. Ainda para a organização é necessário que se
garantam “informações adequadas e transparência em toda a cadeia de
27
fornecimento” pois, isso ajuda “a evitar as substâncias com histórico” (químicos
herdados).
Um dos principais obstáculos à transparência, segundo o European
Environmental Bureau39, reside no fato de as informações sobre os pormenores
dos produtos químicos serem reivindicadas como “confidenciais” ou “como
dados comercialmente sensíveis”, o que, ainda segundo o bureau europeu
implicaria o acionamento da Convenção de Aarhus, na qual se instrui a
obrigatoriedade da “divulgação integral da informação relacionada com as
‘emissões no ambiente’, mesmo quando esta informação é comercialmente
sensível”40.
Sobre o tema confidencialidade das informações quando o assunto é meio
ambiente e segurança humana há um impedimento claro que prejudica esse
argumento em favor de quem queira guardar informações sobre produtos
químicos. Haveria de existir uma condição rigorosa e excepcional para que a
informação fosse tida como confidencial41.
2.2. Portugal
39 Idem.
40 Idem, ibidem. Apud, Regulation [EC] No 1367/2006.
41 Idem, ibidem. p. 12.
28
Segundo texto da própria portaria, foi adotado no documento uma
abordagem paradigmática, abraçando-se uma abordagem própria de uma
Economia Circular. Nesse sentido, a finalidade do documento que visava
consubstanciar “a gestão de resíduos como uma forma de dar continuidade ao
ciclo de vida dos materiais”, com o intuito de “devolver materiais e energia úteis
à economia” atraia para si a substância da própria Economia Circular, pois com
o alcance dessa finalidade se obtém como consequência a “otimização dos
recursos materiais e energéticos” e a minimização da extração de “novas
matérias-primas”.
Não obstante o plano estratégico revisado pela portaria estar voltado para
a gestão de resíduos urbanos, não é inválida a sua comunhão de interesses com
a Economia Circular. Por preconizar metas alinhadas em seu âmago com esta o
Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos almeja maximizar a “gestão e
tratamento de resíduos urbanos” sempre “numa lógica de uso eficiente de
recursos e de economia circular”.
29
Ato contínuo, a publicação em 2017 da Resolução do Conselho de
Ministros nº 190-A/2017 que aprovou o Plano de Ação para a Economia Circular
em Portugal foi um ressalto sobre a transição portuguesa na saída de uma visão
linear de economia.
Já no seu texto introdutório o documento exalta o abandono do antigo
conceito que detinha a preocupação com o “fim-de-vida” rumo a um novo
conceito regido pela circularidade num contexto de “de reutilização, restauração
e renovação, num processo integrado”.
Segundo a resolução, a inspiração ecossistêmica da Economia Circular
promoverá uma “reorganização do modelo econômico” vigente. Os “ciclos
fechados”, de certo modo já compreendidos por Georgescu-Roegen42 e
rechaçado por Robert Ayres43, se coordenariam para essa reorganização sem
prescindir à compatibilidade técnica e econômica junto com “enquadramento
social e institucional”. Nesse conjunto a dinâmica da economia circular agrupa
as “capacidades das atividades produtivas”, “incentivos e valores”.
Vale dizer que os valores explícitos no tocante ao enquadramento social
e institucional não se expressam claramente como valores monetários. O que é
uma ausência, talvez proposital, na resolução. Nela não há uma meta específica
que vise o estabelecimento de mecanismos que facilitem a valorização dos
resíduos quando da sua reintrodução na cadeia produtiva.
O que se lê claramente na resolução é o aspecto monetário voltado para
as possíveis “vantagens econômicas” que podem usufruir os “fornecedores e
utilizadores” das matérias-primas secundárias, algo que é bom, mas pode não
ser suficiente, pois tais vantagens podem representar um preço falso do produto
.
30
impossibilidade. Segundo a lei da termodinâmica sobre a qual foram tecidos os
devidos comentários anteriormente, a reciclagem perpétua é uma
impossibilidade, “materiais nunca podem ser reciclados com 100% de eficiência
porque sempre há perdas entrópicas”44.
Os ciclos perenes de reconversões a “montante” e a “jusante” expostos
na resolução esbarram nesse problema, algo que parece ser uma cópia um tanto
quanto fidedigna do tema da COM/2014/0398, que propôs de maneira um tanto
quanto presunçosa “acabar com os resíduos na Europa”, como se isso fosse
possível.
Ora, por não ser claro se a perpetuação dos ciclos dizem respeito a uma
busca incansável pela Economia Circular e não sobre uma tentativa de
realmente acabar os resíduos por meio da reciclagem, avança-se à crítica. O
resultado, outrossim, é mesmo desejado e não se contradiz, os ciclos de
reconversão desembocam na “minimização da extração de recursos,
maximização da reutilização, aumento da eficiência e desenvolvimento de novos
modelos de negócios”, é o que diz a Resolução do Conselho de Ministros.
Ainda segundo a resolução para implementação do plano de transição é
necessário que haja “uma logística inversa robusta”. Nos ditames do documento
é ela que “garante do retorno de produtos, componentes e materiais ao
fabricante para novos ciclos de utilização”. Será ressaltado mais à frente o quão
é importante o ciclo reverso no qual a logística inversa para que a transição para
a Economia Circular seja verdadeiramente alcançável. Tal importância dada ao
tema Logística Inversa reside no fato de que a valorização dos resíduos está
ligada intrinsecamente à sua “influência” na rentabilidade (2007/C 97/08, 4.5).
Nesse sentido a “logística de entrega” citada na resolução n.º 190-A/2017 é algo
implica em custos de inovação o que consequentemente influencia na
valorização dos resíduos no âmbito português.
44AYRES, Robert U. The Second Law, The Fourth Law, Recycling and Limits to Growth. Center
for the Management of Environmental Resources. Fontainebleau, France. 1998…, cit. p. 3.
31
ações de uma cadeia voltada para a reciclagem ou remanufatura de bens
inservíveis, mas reaproveitáveis como matérias-primas secundárias.
Nesta baila, o tratamento de fluxos essenciais de resíduos e matérias
recicladas e a produção de energia a partir de resíduos, como também as
práticas excelentes nos sistemas de recolha de resíduos compõem uma das
preocupações da Economia Circular e por conseguinte o fundamento da
Logística Inversa, que tem consideravelmente relação intrínseca com a primeira
desde as suas origens.
Muito difundida no meio empresarial como sistema de “retorno” de um
bem ao seu produtor ao fim da sua vida útil. Em alguns ordenamentos jurídicos,
como se dá na jurisdição Brasileira, por exemplo, a Logística Inversa
compreende uma responsabilidade pós-consumo que recai sobre o fabricante45.
Alguns países já estão na vanguarda da Logística Inversa. Dentre eles
destacam-se a Holanda, os Estados Unidos e o Japão, que vêm apresentando
há muito alternativas para se lidar com os problemas de destinação de bens
inservíveis46.
A título de exemplo, nos Estados Unidos da América desde 2004
centenas de leis e regulamentações ambientais publicadas tanto em estados
individuais quanto no âmbito do governo federal já incluíam mandatos para
operações de reciclagem e responsabilidade pela recuperação de embalagens47.
32
Segundo Sameer Kumar e Valora Putnam48 na Europa há
direcionamentos reguladores que ditam a “prevenção de resíduos” e a promoção
da sua recuperação para “reutilização, remanufatura ou reciclagem de
materiais”. Nesse sentido, ainda segundo os autores, o continente europeu lidera
o tema de redução de resíduos nos setores automotivos, eletrônicos e
embalagens.
É notória a liderança que a União Europeia tem exercido na criação de
normas jurídicas que dão vez a Logística Inversa direta e indiretamente. Neste
sentido, foram nomeadamente publicadas a Diretiva 94/62/CE relativa a
embalagens e resíduos de embalagens, a Diretiva n.º 2000/53/CE relativa aos
Veículos em Fim de Vida, a Diretiva 2008/98/CE relativa aos resíduos ,a Diretiva
2012/19/UE de Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos, a Diretiva
2006/66/CE relativa a pilhas e acumuladores e respectivos resíduo, bem como
outras legislações de caráter unitário.
48 Kumar, Sameer & Putnam, Valora, 2008. Cradle to cradle: Reverse logistics strategies and
opportunities across three industry sectors. International Journal of Production Economics,
Elsevier, vol. 115(2), pages 305-315, October.
49 Idem.
33
Ademais, ainda acerca da responsabilidade alargada cada vez mais
membros da União Europeia vem percebendo que “as responsabilidades
alargadas dos produtores aumentam a eficiência ambiental e econômica.
Quando os produtores são responsabilizados pela extensa fase de fim de vida
dos produtos, eles têm mais motivação para facilitar outros membros da cadeia
de suprimentos, os usuários e as partes interessadas no processamento de final
de vida. Eles têm a oportunidade de tornar o processo mais eficaz e econômico.
A abordagem de gestão de resíduos regulamentada/socialista ao pagamento
pela reciclagem é muito diferente da reciclagem para fins lucrativos”50.
A ferramenta Responsabilidade Alargada do Produtor aqui em estudo
se confunde com o denominado princípio da Responsabilidade do Produtor,
adotado por alguns estudiosos para tratar em suma de uma mesma realidade. A
Responsabilidade Alargada do Produtor, no entanto, possui diferentes
instrumentos sob sua guarda, eles têm impactos distintos na geração de
resíduos, no uso de material virgem e na própria produção de bens.
Segundo Margaret Walls51 a ferramenta ora analisada tem vários
instrumentos de política, cujos mais comuns são: a) “A obrigação legal de retorno
do produto e metas de reciclagem”. Segundo a autora, com esta política o
governo obriga que os fabricantes façam retornar os produtos postos no mercado
após o seu fim de vida útil, estipulando o para cada tipo de reciclagem suas
respectivas metas. b) “Obrigação de retorno do produto e metas de reciclagem
com acordos de reciclagem e esquemas de crédito”. Semelhante ao citado
anteriormente essa abordagem difere no fato de que os objetivos nela
impetrados não se aplicam a cada produtor individual, mas à indústria; neste
caso além do estabelecimento de metas os fabricantes podem adquirir créditos
que são negociáveis e as empresas podem negociar entre si. c) “Retorno
voluntário de produtos com metas de reciclagem”. Nessa abordagem, de
maneira totalmente voluntária, as indústrias firmam acordos para organizar o
sistema para seus produtos e metas de reciclagem. Não existem leis ou
regulamentos governamentais estabelecendo metas ou penalidades no caso de
50 Kumar, Sameer & Putnam, Valora, 2008. "Cradle to cradle: Reverse logistics strategies and
opportunities across three industry sectors," International Journal of Production Economics,
Elsevier, vol. 115(2), pages 305-315, October. apud. apud Millbank, 2004. p. 307.
51 WALLS, Margaret. Extended Producer Responsibility and Product Design. Washington, DC.
34
não atendimento do estipulado. d) “Taxa de Reciclagem Antecipada ou Taxa de
Disposição Antecipada”. Trata de forma de financiamento da reciclagem com
inserção de um ônus na venda de cada produto, sendo visível para o consumidor
quando ele compra determinado bem. Esse instrumento será mais esmiuçado
abaixo quando for apresentado o modelo de Logística Inversa da Suíça. e) “Taxa
de Reciclagem Antecipada combinada com um subsídio à reciclagem”. A TRA
busca fundos que podem ser usados de várias formas. Os efeitos do incentivo
dessa política são altamente dependentes da TRA e do que é feito com as
receitas. O subsídio de reciclagem que também pode ser subsídio por unidade
ou quantidade de produto reciclado, leva a uma política bastante diferente em
que as receitas da TRA são utilizadas para cobrir os custos de gestão de
resíduos ou para cobrir os custos de infraestrutura de uma forma global.
Em termos de manutenção de uma Economia Circular, analisando-a do
ponto de vista de sustentabilidade econômica voltada para a Responsabilidade
Alargada do Produtor, vale afirmar que a combinação de instrumentos pode ser
benéfica quando não gerar preços fictícios.
Atribuídos de responsabilidade de gestão os produtores podem auferir
melhores resultados obtendo subsídios que incentivam a sua produção. Esses
subsídios, por sua vez, podem representar um risco para a precificação de
produtos finais e para a valorização de matérias-primas secundárias. Isso porque
uma vez ausentes, o produto pode não ser rentável ou mesmo a atividade de
produção de matérias primas secundárias se tornar dispendiosa.
Se por um lado o subsídio pode “maquiar” o preço, por outro os impostos
ambientais podem elevá-lo e não exercerem um papel econômico-cultural
eficiente na transição para uma Economia Circular. No entanto, como do risco
do subsídio já padecem as matérias-primas virgens e os produtos delas
derivados e esse é o maior mal para as matérias-primas secundárias e os seus
produtos derivados, o subsídio da reciclagem em detrimento do subsídio da
extração é melhor que o tributo.
35
A Logística Inversa, que compreende em seu âmago o retorno de um
material à reciclagem por via do seguimento de um fluxo ao fim da sua utilização
pelo consumidor final, leva a crer que há nesse meio um campo de fundamental
importância para países em que a mineração foi levada ao extremo. Nesses
países em que as fontes de extração de materiais de alto valor agregado já não
é abundante e que a dependência de fontes externas de materiais primários é
cada vez maior, a Logística Inversa e a Reciclagem são uma tábua de salvação.
No entanto, segundo Sameer Kumar e Valora Putnam52 há um risco de
que o fluxo de reciclagem gere impacto na indústria produtiva, pois o custo da
reciclagem do alumínio representa apenas 5% do seu custo de produção. Isso
tem afetado diretamente o setor produtivo europeu. No qual se “corre o risco de
perder partes significativas da indústria de processamento de alumínio”53.
Por outro lado, se há um risco para a indústria extrativa, na compreensão
de Moritz Fleischmann54 há uma oportunidade que muitas empresas estão
reconhecendo, a de combinar a gestão ambiental com os benefícios financeiros
simples proporcionados pela economia nos custos de produção e acesso a
novos segmentos de mercado motivados pela reciclagem. Desde os anos 2000
é visto um crescente aumento “das atividades de recuperação de produtos tanto
em escopo quanto em escala”55.
52 Kumar, Sameer & Putnam, Valora, 2008. "Cradle to cradle: Reverse logistics strategies and
opportunities across three industry sectors," International Journal of Production Economics,
Elsevier, vol. 115(2), pages 305-315, October. apud. apud Millbank, 2004.
53 Idem. n. 2.
54 Fleischmann, Moritz. Quantitative Models for Reverse Logistics. Rotterdam, The Netherlands:
36
se igualar a logística avançada (Supply Chain Management)56. Emalguns casos
sendo um grande bônus e noutros casos apenas um ônus.
“A logística é um importante facilitador quando se trata de superar esses
desafios e aumentar a implementação de abordagens de economia circular em
todos os setores. Tão importante quanto a logística avançada, que impulsiona o
comércio global por meio do transporte de materiais, bens e informações desde
o início até o (literalmente) acabamento, é a logística inversa”57.
Nesse sentido os termos do parecer anunciam que os custos crescentes
do setor do transporte põem em risco a sua rentabilidade, fim a que estão
adstritos os empresários desse meio. Além dos custos comumente conhecidos,
quais sejam, o “custo do trabalho e dos preços do petróleo, do custo dos
congestionamentos e das infraestruturas e de exigências cada vez mais severas
em matéria de segurança” há ainda, segundo o parecer, a “influência” da
“logística de reciclagem” na rentabilidade (2007/C 97/08, 4.5).
37
acessíveis numa única plataforma” o projeto ajudou a fornecer uma “base para
melhorar a posição da Europa no fornecimento de matérias-primas”60.
Segundo o projeto são gerados na Europa anualmente cerca de 9 milhões
de toneladas de resíduos equipamentos elétricos e eletrônicos e entre 7 e 8
milhões de toneladas e veículos em fim de vida, bem como são registradas
vendas de mais de 1 milhão de toneladas de pilhas.
Em dados numéricos esses resíduos podem representar grande valia
para o mercado de materiais secundários na Europa. Ainda segundo dados do
ProSUM cerca de “99% do consumo mundial de gálio está em circuitos
integrados e dispositivos optoeletrônicos, 74% de índio em monitores de tela
plana e 27% de cobalto em baterias recarregáveis”61.
Direcionado para um grande leque de usuários finais, o que inclui é claro
a indústria de reciclagem, os dados do projeto são agrupados e rastreados no
intuito de lhe permitir uma “melhor caracterização do conteúdo material desses
resíduos”.
O projeto é incrivelmente grandioso e considera dados de 1980-2015 para
informações de introdução no mercado de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos
(EEE) e veículos e de 2000-2015 para se referir aos resíduos de baterias62.
A título de prospecção de futuro além dos períodos expostos no parágrafo
anterior os valores de geração de resíduos aos quais o projeto se propôs estudar
podem incluir o período 2015-2030, com resultados confiáveis até 2020,
“especialmente para produtos com um tempo de permanência relativamente
longo”63, e , devido a previsibilidade, com informações fiáveis até 2030 no que
toca os resíduos de veículos automotores, pelo fato desses bens terem uma vida
útil mais longa.
A geração de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos na União
Europeia no estudo em tela resulta de uma abordagem de duração de vida útil
dos produtos, e é demonstrada na Figura 4 em kg por habitante. Conforme pode
ser percebido há a diferença entre o maior produtor de resíduos, Noruega, e o
último produtor, Romênia, chega a ser o dobro variando entre aproximadamente
60 Idem. Ibidem.
61 Idem. Ibidem.
62 ProSUM. Historic and Current Stocks Deliverable 3.1., 2015. Disponível em:
https://goo.gl/yHMeCB.
63 Idem. cit. p. 9.
38
25 kg e 10 kg por habitante.
39
Figura 5 - Histórico de geração de resíduos por categoria em milhares de toneladas.
Fonte: ProSUM, 2015
64 Idem, Ibidem.
40
Figura 7- Histórico de estoque de produtos por categoria em milhares de toneladas
Fonte: ProSUM, 2015
A Logística Inversa em Portugal tem sido vista por uma ótica sobretudo
econômica. Há precipuamente um objetivo a ser atingido que é a redução de
custos por parte das empresas. Nesse sentido, a gestão dos resíduos sólidos
tem se tornada cada vez mais fundamental no atingimento dessa pretensão65.
65“Ao analisar os artigos acima referenciados, é possível verificar que todos analisam o aspeto
económico da logística inversa com a redução de custos por parte das empresas como principal
objetivo. A gestão dos resíduos sólidos é uma prática fundamental nas economias preocupadas
com o desenvolvimento sustentável já que tem em conta a importância da preservação
ambiental, a importância da redução da geração de resíduos e a saturação dos espaços
disponíveis para aterros sanitários, onde Portugal não é exceção, pelo que se pode ver com os
vários artigos publicados sobre esta temática”. VARADINOV, Maria José Pinto da Silva. La
Gestion de la Logística Inversa en las Empresas Portuguesas. Departamento de Direccion de
Empresas y Sociología. Universidad de Extremadura, 2015.
41
Além disso, há ainda uma preocupação sadia que paira sobre a atividades
empresarial, nela desenrolam-se as noções de desenvolvimento sustentável,
tendo em conta a preservação ambiental, a redução da geração de resíduos
dentre outras66.
Em Portugal as iniciativas para gestão dos resíduos no que toca a
implementação da logística inversa, e, consequentemente a transição para um
modelo de Economia Circular já tem demonstrado alguns resultados. Nesse
sentido vale destacar o trabalho organizado pela Associação Portuguesa de
Gestão de Resíduos que é responsável pela recolha e encaminhamento para
tratamento e valorização de mais de 400 mil toneladas de resíduos de
equipamentos elétricos e eletrônicos (REEE) e resíduos de pilhas e
acumuladores (RPA) gerados em Portugal67.
O trabalho de gestão faz parte de um esforço conjunto denominado Rede
Electrão atuando na “área da responsabilidade alargada do produtor de
equipamentos elétricos e electrônicos (EEE) e de pilhas e acumuladores (PA)”68.
A associação sem fins lucrativos é uma instituição licenciada para atuar
em três setores de fluxos de resíduos sendo eles o Sistema Integrado de Gestão
de Resíduos de Equipamentos Elétricos e Electrônicos (SIGREEE), o Sistema
Integrado de Gestão de Resíduos de Pilhas e Acumuladores (SIGRPA) e o
Sistema de Gestão de Resíduos de Embalagens (SIGRE).
Em termos de manutenção do seu trabalho a Amb3E, pelo menos em
relação ao sistema SIGREEE, é financiada por meio de prestações financeiras
pagas pelos produtores aderentes de EEE. Neste caso há uma transferência da
responsabilidade pela gestão dos resíduos de EEE69. As prestações financeiras
são calculadas de acordo com valores tabelados que recebem o nome de
“ecovalor” e são definidos de acordo com o tipo de bem produzido pelos
fabricantes por categoria de equipamento.
O que ocorre em Portugal difere da prática de alguns outros países que
tem adotado modelos de financiamento da cadeia de Logística Inversa através
66 Idem.
67 Amb3E – Associação Portuguesa de Gestão de Resíduos. Quem somos. Lisboa, Portugal.
Disponível em https://goo.gl/DYSbsz.
68 Electrão. Sobre Nós. (n.d.). From https://bit.ly/2Wn32Al.
69 Amb3E. Relatório Anual de Actividades. Rede Electrão. Portugal, Lisboa, 2017. Disponível
em: https://goo.gl/1yhr1Y.
42
de taxas de reciclagem antecipadas, que funcionam de forma semelhante a um
tributo, pago pelo consumidor final. Na prática os responsáveis pelo
financiamento do sistema de reciclagem são os próprios aderentes, que pagam
contribuições financeiras baseadas em “ecovalores”. Em outros casos o custo
da reciclagem é repassado ao consumidor final por meio do pagamento da TRA.
Os valores arrecadados com a taxa antecipada são em alguns casos colocado
num fundo comum e regido por uma entidade privada que transfere os recursos
aos operadores da rede de reciclagem consoante suas despesas. Exemplo
desse modelo é a Suíça onde há um sistema de TRA e fundo privado para
manutenção do sistema de reciclagem.
Ademais, Portugal também adotou de forma explícita um tributo ambiental
dentro do seu ordenamento jurídico com o intuito de reduzir a produção de
resíduos70. A Taxa de Gestão de Resíduos “visa a compensação tendencial dos
custos sociais e ambientais que o produtor de resíduos gera à comunidade ou
dos benefícios que a comunidade lhe faculta, de acordo com um princípio geral
de equivalência, e estimular o cumprimento dos objetivos nacionais em matéria
de gestão de resíduos”71.
Ainda sobre o sistema português, a rede Electrão funciona sob o regime
de adesão, sendo que há dois grupos de participantes, os associados, um
conjunto de 50 produtores que atuam em Portugal no setor de EEE, bem como
os aderentes, um grupo de aproximadamente 1500 produtores de EEE, Pilhas
e Acumuladores e PA e E, dos mais variados segmentos de atividade.
A adesão ao sistema se dá por meio de contrato e mediante a
transferência de responsabilidade pela gestão do resíduo para a Amb3e.
Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente (APA)72 e de acordo com o
artigo 5º do Regime Geral de Gestão de Resíduos (RGGR) a responsabilidade
pela gestão dos resíduos, incluindo os respetivos custos “cabe ao produtor inicial
dos resíduos, sem prejuízo de poder ser imputada, na totalidade ou em parte, ao
produtor do produto que deu origem aos resíduos e partilhada pelos
distribuidores desse produto se tal decorrer de legislação específica aplicável”.
43
No entanto segundo o artigo 10º, n. 4, do mesmo diploma a responsabilidade do
produtor pela gestão dos resíduos “pode ser assumida a título individual ou
transferida para um sistema integrado”, ou até mesmo “através da celebração de
acordos voluntários entre o produtor do produto e a ANR”.
Um dos pontos fracos desse tipo de sistema já foi percebido no modelo
adotado na Suíça, onde em alguns casos, o sistema é obrigado a reciclar ou
destinar resíduos oriundos de produtores que não aderiram ao sistema
integrado, ou mesmo produtos advindos de outros países sem que haja um
responsável local pela sua produção ou até mesmo importação.
Segundo a Amb3E73 para a contratação da transferência de
responsabilidade pela gestão de resíduos no Regime Normal de Adesão é
necessário especificar a quantidade de produtos colocados no mercado dentro
de uma das três categorias de sistemas integrados para os quais a Amb3e está
licenciada para atuar.
Uma prestação financeira será calculada de acordo com as informações
disponibilizadas pelos aderentes da quantidade de produtos colocados no
mercado em peso ou unidades74.
Além do Regime Normal de Adesão, destinado a grandes produtores, há
também o Regime de Pequenos Aderentes com condições mais específicas
também para os três sistemas de gestão de resíduos sob tutela da Amb3E.
Em termos de números a Rede Electrão da Amb3E foi responsável pela
recolha, tratamento e valorização de cerca de 40 mil toneladas de resíduos de
equipamentos elétricos e eletrónico e de mais de 200 toneladas de resíduos de
pilhas e acumuladores, representando um contributo muito significativo para o
cumprimento das metas nacionais aplicáveis a estes dois fluxos de resíduos. Os
fluxos operacionais de resíduos de equipamentos de elevada perigosidade,
designadamente, equipamentos de frio, lâmpadas, televisores e monitores,
representaram cerca de 19% do total de resíduos elétricos recolhidos e tratados.
73 Amb3E. Regime Normal de Adesão (RNA). Rede Electrão. Portugal, Lisboa, 2018.
Disponível em: https://goo.gl/L63pyq.
74 Idem.
44
Muito embora esse estudo se paute sobre a União Europeia e a Suíça não
faça parte dela, isso não é um motivo para não colocar aqui um modelo eficaz
que poderia ser replicado nas suas boas práticas. Por isso, como algo
verdadeiramente agregador, foi trazido ao presente estudo o modelo de logística
inversa adotado nesse país.
Dentre tantos outros que poderiam vir à tona, esse veio ser aqui
introduzido pelas qualidades que lhe foram impressas. Nisso importa notar com
apreço a sua concepção original, bordada por mãos de particulares, ou seja,
pelas próprias empresas que vislumbravam resolver os problemas oriundos da
geração de resíduos e também algumas inovações que traduzem um modelo de
economia circular eficaz e possível de ser adotado em situações semelhantes.
Assim, nesse visível movimento em prol da Economia Circular, há que se
considerar a Suíça, que há muito tem implementado a prática de Logística
Inversa no seu território com grande eficácia. Desde 1995 a Suíça organiza um
sistema de coleta e reciclagem de equipamentos eletrônicos, ou por eles
nomeado de REEE75.
Nesse sistema duas instituições tem um papel bastante relevante, a
primeira delas é a Swico Recycling, instituição sem fins lucrativos que atua em
todo o território suíço para recolher equipamentos eletrônicos e eletrônicos
descartados utilizados nas áreas de Informática, Eletrônica de Consumo,
Escritório, Comunicações, Indústria Gráfica e Tecnologia de Medição e
Medicina, operado pela SWICO (Swiss Economic Association for the Suppliers
of Information, Communication and Organizational Technology), em 30 de
Setembro de 2014 a Swico Recycling contava com 500 signatários da
Convenção (fabricantes e importadores) da Suíça e do estrangeiro, que cobriam
75“A Suíça foi o primeiro país a implementar para todo o setor industrial um sistema organizado
para coleta e reciclagem de REEE, em operação desde 1995 (Sinha-Khetriwal, Kraeuchi, &
Schwaninger, 2005). Este sistema foi precedido por duas iniciativas voluntárias de fabricantes
de eletroeletrônicos que criaram duas Producer Responsibility Organisations (PRO). Em 1990,
surge a S.EN.S (Swiss Foundation for Waste Management) como uma organização sem fins
lucrativos que opera soluções de recuperação em nome dos fabricantes, importadores e
varejistas (Hischier, Wäger, & Gauglhofer, 2005). A Garantia de Reciclagem SWICO foi criada
em 1993 pela SWICO (Swiss Association for Information, Communication and Organization
Technology), associação dos produtores e importadores da Suíça de equipamento eletrônico
para escritório e TI. Entretanto, somente em 1998, a legislação sobre coleta e reciclagem de
REEE entrou em vigor (Sinha-Khetriwal et al., 2005)”. DEMAJOROVIC, JACQUES; AUGUSTO,
ERYKA EUGÊNIA FERNANDES; SOUZA, MARIA TEREZA SARAIVA DE. Logística Reversa de
REEE em Países em Desenvolvimento: Desafios e Perspectivas Para o Modelo Brasileiro. São
Paulo 2016. Disponível em: https://bit.ly/2GzrR6U. Acesso em: 25 de outubro de 2016.
45
mais de 90% do mercado suíço, garantindo que os produtos descartados sejam
retirados através do comércio e pontos de coleta, e reciclados adequadamente76.
A segunda é a SENS Foundantion, que também é uma organização sem
fins lucrativos que opera soluções de recuperação em nome dos fabricantes,
importadores e varejistas, é uma fundação independente, neutra, e orientada
para a comunidade que opera em público sob a marca SENS eRecycling, seu
objetivo é: i. Promover soluções de reciclagem comercialmente organizadas; ii.
Implementar a garantia da qualidade e a eliminação ambientalmente racional no
eRecycling; iii. Otimizar os sistemas logísticos; E iv. obter financiamento
competitivo de serviços através da taxa de reciclagem antecipada (advance
recycling fee - ARF). De forma correspondente, a SENS Foundation concentra
suas atividades em quatro áreas centrais de sustentabilidade, expertise, redes e
soluções (SENS - Sustainability, Expertise, Networks, and Solutions) o que
acaba por refletir a identidade e o nome da instituição77.
Ainda, segundo a própria SENS Foundation78, ela atende a
necessidades ambientalmente relevantes em parceria com a economia,
autoridades e consumidores. Garante o sistema de coleta para as seguintes
categorias de aparelhos: eletrodomésticos grandes e pequenos; construção,
jardinagem e equipamentos de hobby; brinquedos; lâmpadas e tubos. Ao fazê-
lo, a Fundação trabalha em estreita colaboração com redes especializadas nas
quais os parceiros, que vêm de todas as fases do eRecycling de equipamentos
elétricos e eletrônicos, estão representados.
Ponto interessante de ser destacado é acerca do financiamento da
atividade da tanto da SENS quantas da Swico Recycling, a reciclagem de
REEE’s feita por essas instituições é paga antecipadamente pelo consumidor
por meio da ARF (Advance Recycling Fee – Taxa de Reciclagem Antecipada).
Esta taxa foi instituída com base na “Ordinance to Return, Take back and
Disposal of Electrical and Electronic Equipment” (Portaria sobre o Regresso,
Coleta e Eliminação de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos)79, para assegurar
o financiamento de uma reciclagem sustentável e ambientalmente correta de
46
equipamentos elétricos ou eletrônicos, enquanto os fabricantes, os retalhistas,
os importadores e os pontos de coleta estão obrigados a aceitar os aparelhos
como resíduos, os consumidores estão obrigados a recolher os seus resíduos
para reciclagem.
Segundo DEMAJOROVIC, AUGUSTO e SOUZA80 o sucesso do sistema
de coleta suíço se deve a eficiência da gestão do fluxo dos resíduos, pela SWICO
e a SENS.
practices from other European systems. Institute for Spatial and Landscape Planning Federal
Institute of Technology, ETH Zurich, Switzerland.
47
Dependendo da região geográfica, a SWICO ou a SENS convida recicladores
para apresentarem propostas e, em seguida, estima os seus custos de
reembolso por cada quilograma de material reciclado. A introdução da TRA foi
uma das tantas decisões pragmáticas que a SWICO precisou tomar durante a
sua criação, e tem se mantido como uma das boas práticas do sistema suíço,
sendo adotada também por outros setores além do de eletroeletrónicos.
Por outro lado, a SENS FOUNDATION84 veio a expor que o legislador não
definiu como a industria de eletroeletrónicos seria responsável para gerenciar e
financiar o seu sistema de reciclagem, e fez isso baseado na simples ideia de
que ao longo do tempo a própria indústria encontraria meios suficientemente
estáveis, responsáveis e razoáveis para criar um sistema de reciclagem, e o
poder público poderia restringir e controlar os resultados desse sistema.
Por outro lado, mesmo sendo um modelo tão interessante, seu formato
começa a dar sinais de cansaço. Neste sentido o parlamentar suíço Bastien
Girod85, representante do Partido Ecológico Suíço, expôs ao Parlamento do seu
país alguns questionamentos, inclusive, acerca dos custos da SENS, que tem
excedido sua receita durante três anos. Segundo ele o comércio eletrônico e o
turismo de compras tem mexido no sistema de Logística Inversa da Suíça, uma
vez que comprar produtos no exterior e pela internet introduz equipamentos que
necessitarão ser reciclados, mas sem o pagamento da taxa que garanta a
manutenção do sistema que faz a reciclagem.
Ainda nos seus questionamentos, Bastien Girod86 se preocupa com as
medidas que o Conselho Federal Suíço adotará para o financiamento da
reciclagem dos aparelhos eletroeletrónicos, e se haveria como alimentar o valor
da taxa de reciclagem antecipada ou um ampliar o próprio sistema da SENS e
SWICO, para tentar gerar viabilidade.
O Parlamento Suíço responde as indagações expondo o cenário peculiar
da reciclagem de eletroeletrónicos, pois o sistema gerido pela SENS e SWICO
é autofinanciado, ou seja, é um sistema voluntário gerido pelo próprio setor
84 SENS FOUNDATION. Swiss Foundation for Waste Management. Zurich, Switzerland, 2007.
Disponível em: https://bit.ly/2J1MDNZ.
85 GIROD, Bastien. Garantire il Finanziamento del Riciclaggio dei Rifiuti di Apparecchiature
48
através da TRA87. Para o Parlamento a própria autonomia do sistema de
financiamento é um empecilho para sua atuação, pois além de não ter previsão
legal é monitorado pelo próprio setor, e justamente por ser um sistema voluntário,
o Conselho Federal não tem informações mais precisas sobre o todo, além da
dificuldade de conhecer em detalhes as causas das dificuldades financeiras das
instituições gestoras do sistema de reciclagem, tais como vendedores on-line
que não participam no sistema de financiamento e o turismo de compras que
representam perda. Além disso, por ser um sistema voluntário, alguns
fabricantes e importadores na Suíça não participam dele e se beneficiam
comercialmente, podendo vender produtos mais baratos desfrutando
gratuitamente do sistema de reciclagem já existente.
Além de requerer que o Parlamento do seu país influenciasse no valor da
TRA, Bastien Girod questiona como essa casa vislumbrava a possibilidade de
revisão do Ordinance to Return, Take back and Disposal of Electrical and
Electronic Equipment acerca do financiamento da reciclagem de
eletroeletrônicos na Suíça e a possibilidade de criação de uma Taxa de
Disposição Antecipada (TDA) obrigatória, que seria paga a uma organização
responsável pela Confederação, sendo que o fabricante ou importador que
pagasse a TRA (compromisso voluntário) não pagaria a TDA (obrigação legal,
imposto) que atualmente só existente em alguns setores da Suíça, tais como
vidros88, pilhas e baterias89, ao que o Parlamento se mostra reticente,
principalmente com a ideia de criar um novo imposto que financiasse a
reciclagem do setor, considerando que a maior parte dele já aderiu à taxa
voluntária, não sendo pertinente uma taxa nova que seria gerida por uma
instituição nova90.
A SWICO aplica A TRA aos produtos de forma tabelada, variando de
produto para produto, baseando-se na média de custo de reciclagem dos bens
87 Idem, Ibidem.
88 SWITZERLAND. Ordinance on the Prepaid Disposal Contribution for Glass Beverage
Conteiners. Setembro, 2001. Disponível em: https://bit.ly/2L5fTWG.
89 SWITZERLAND. Ordinance on the Prepaid Disposal Fee for Batteries and Accumulators.
49
produzidos e comercializados por meio de uma fórmula bastante simples,
conforme é ilustrado abaixo91:
ARF = (r * O + R) / S
91 STREICHER-PORTE, Martin. SWICO/S.EN.S, the Swiss WEEE recycling systems, and best
practices from other European systems. Institute for Spatial and Landscape Planning Federal
Institute of Technology, ETH Zurich, Switzerland.
92 Idem.
93 AYRES, Robert U. The Second Law, The Fourth Law, Recycling and Limits to Growth. Center
50
Sendo assim, dentro da perspetiva da Economia Circular o uso dos
resíduos tem forte impacto. Primeiramente porque ela derivou da reciclagem,
depois porque tem como fundamento o fechamento do ciclo onde os resíduos se
transformem e não sejam simplesmente depositados.
Nessa ótica de reaproveitamento, e numa utópica realização da
plenitude econômica circular os resíduos estarão dentro de uma cadeia em que
não lhes restará como fim último a disposição sanitária. Neste sentido, os
resíduos que um dia já foram depositados poderão ser matéria-prima ainda que
em aterros antigos.
O resíduo monetarizado, ou seja, transformado em dinheiro é concebido
como “fonte importante e fiável de matérias-primas” (COM/2014/0398).
Atualmente ainda são depositados em aterros sanitários cerca de 90%
dos resíduos europeus (COM/2014/0398). Para uma mudança efetiva de
sistema em que um mercado seja plausível no plano de uma circularidade
palpável não pode faltar vontade política aninhada ao investimento que promova
primeiramente a suscetibilidade da reciclagem de materiais que possam ser
reintroduzidos nas cadeias produtivas como matéria-prima secundária.
Além da vontade política, o trabalho de conscientização não pode ser
desprezado devendo ser posto na linha de frente no convencimento do
empresariado e dos usuários finais. Isso porque bens produzidos com matéria-
prima reciclada face os produzidos com matéria-prima virgem não apresentam
em sua totalidade a eficiência destes últimos. Disso decorre a necessidade do
convencimento dos produtores para o investimento em tecnologias que
aperfeiçoem os produtos com matéria-prima secundária, bem como a
necessidade de convencimento dos usuários de que tais bens alcançam
resultados tão bons ou melhores que os de origem não reciclada.
Alguns bens como o plástico, o vidro, os metais, o papel, a madeira, a
borracha não enfrentam tanta dificuldade de aceitação quando reciclados, pois
não contam com um agregado tecnológico que lhe implique um nível de pureza
muito alto para que sejam postos no mercado. O mesmo não ocorre com
subprodutos em que a pureza da matéria-prima preponderante marque a
diferença entre um bem de excelente qualidade e um bem de qualidade inferior.
Por outro lado, quando da impossibilidade do reaproveitamento dos
resíduos, no momento em que se classificam como rejeitos, em que não há
51
hipótese de reciclagem, a valorização energética se torna a única forma de
diminuição dos seus danos. Essa valorização energética, muito embora não seja
explanada pela COM/2014/0398 pode decorrer da incineração dos rejeitos ou
até mesmo da pirólise. Em que pese ambas atenderem ao apelo de não mais se
depositarem resíduos em aterros, algo que é pretendido pela União Europeia,
deixam resquícios também danosos ao ambiente, muito embora em menor
proporção.
A valorização dos resíduos é de certo modo uma forma razoável de se
criar um mercado em que bens reciclados circulem em detrimento de bens de
matéria-prima virgem, no entanto não pode ser, e não é, a única salvaguarda
para se instaurar uma nova Economia Circular, pois um conjunto de outras
iniciativas precisam ser levadas a cabo e nelas se incluem o estabelecimento de
metas de reciclagem mais arrojadas, mas acima de tudo da compreensão de
uma lógica circular mais alargada que não inclua na sua pauta tão somente a
reciclagem, mas também o aperfeiçoamento dos processos, das formas de fazer
negócios e do uso dos bens produzidos.
94Nuno Ferreira da Cruz e Rui Cunha Marques in Miranda, J., Cunha M., Rui, Guimarães, A. L.,
Kirkby, M. (coord.). Direito dos resíduos. Lisboa,: Entidade Reguladora dos Serviços de Águas
52
Para a primeira forma de valorização, segundo Nuno Ferreira da Cruz e
Rui Cunha Marques95 a metodologia aplicável é a equação dada por
Massarutto96 conforme figura X.
Kirkby, M. (coord.). Direito dos resíduos. Lisboa,: Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e
Resíduos, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas/Centro de Investigação de Direito Público da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. p. 187. apud. MASSARUTTO, A. (2012),
Garbage is gold: but how many carats?, in 1st International EIM Pack Conference, Instituto
Superior Técnico, 29 e 30 de novembro, Lisboa.
97 Nuno Ferreira da Cruz e Rui Cunha Marques in Miranda, J., Cunha M., Rui, Guimarães, A. L.,
Kirkby, M. (coord.). Direito dos resíduos. Lisboa,: Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e
Resíduos, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas/Centro de Investigação de Direito Público da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. p. 187.
98Nuno Ferreira da Cruz e Rui Cunha Marques in Miranda, J., Cunha M., Rui, Guimarães, A. L.,
Kirkby, M. (coord.). Direito dos resíduos. Lisboa,: Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e
Resíduos, Instituto de Ciências Jurídico-Políticas/Centro de Investigação de Direito Público da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. p. 187. apud. MASSARUTTO, A. (2014), “The
long and winding road to resource efficiency: an interdisciplinary perspective on extended
producer responsibility”, in Resources, Conservation and Recycling, in press. DOI:
10.1016/j.resconrec.2013.11.005.
53
“Finalmente, o valor de mercado do material reciclável também não
oferece uma justificação plausível para atratividade da valorização de resíduos.
De facto, não existem muitos ‘catadores de lixo’ (Campos, 2014) na Europa
(ainda que com a crise económica este fenómeno ganhe alguma expressão). Em
países em vias de desenvolvimento a expressão ‘PR – (CRS + CT)’ pode ser
positiva porque os salários são mais baixos”99.
Um dos grandes travões da introdução da Economia Circular no contexto
de um mercado que envolva todos os princípios oriundos dessa nova forma de
pensar a produção de bens é sem dúvida a questão financeira que envolve a
transição dos sistemas.
Nesse sentido, a própria comunicação COM/2014/0398, que veio propor
de maneira um tanto quanto presunçosa “acabar com os resíduos na Europa”
insistiu na necessidade de desbloqueios de investimentos para sobrevivência da
economia circular.
No item 2 da referida comunicação, ao tratar da criação de um
enquadramento político propício a norma inicia o texto falando especificamente
do mercado. Nesse sentido, a norma assevera que os mercados “são um
importante motor da eficiência na utilização dos recursos e da economia circular”.
Essa visão da comunicação está voltada a valorizar a inclusão de matérias-
primas de origem reciclada no contexto do mercado econômico.
Isso num contexto global pode ser um tanto quando complexo, pois diz
respeito a mudanças profundas não só na forma de se produzir bens, mas
também na forma de se colocar tais bens no próprio mercado. Ou seja, para
países em que a industrialização planeada no extrair-produzir-descartar ainda
não se conseguiu estabilizar uma economia linear, pensando-se em reduzir
impactes ambientais, falar de uma economia voltada para a circularidade é muito
avançado.
Se por um lado a Economia Circular tende a gerar um valor agregado
aos bens que participam desse tipo de lógica produtiva, por outro, numa visão
de mercado equânime é necessário saber sopesar benefícios regionais.
Com isso pode-se dizer que uma empresa que receba incentivos num
país de economia mais frágil onde tais incentivos estejam voltados a favorecer
99 Idem.
54
um equilíbrio não pode concorrer com os benefícios de uma empresa num país
de economia mais estruturada, somente porque este último país faz uso de
insumos de origem reciclada no seu processo produtivo.
Tocar nesse ponto é importante, pois muitas das empresas em países
em vias de desenvolvimento, cito como exemplo o Brasil, buscam nos incentivos
uma forma de serem mais competitivas no mercado em que atuam. Ademais,
uma política de incentivos à cadeia de reciclagem aparenta ser uma solução
salvadora à Economia Circular para concorrer com a Economia Linear e isso não
é necessariamente verdade.
A “Ecoindustria” só acontecerá com eficiência quando puder ser
competitiva o suficiente sem necessitar de isenções, desonerações ou
incentivos. Para isso a mudança de cultura é um passo a ser dado antes mesmo
da instituição de um mercado.
55
motivo de especulação. Ou seja, além de ser responsável por reciclar, o que já
é oneroso, poderia o produtor ficar vassalo de um mercado paralelo de algo que
ele já é responsável. Vejamos o que diz a Diretiva:
“Os Estados-Membros asseguram que os produtores, ou terceiros agindo
por conta destes, criem sistemas para proceder à valorização dos REEE
utilizando as melhores técnicas disponíveis. Esses sistemas podem ser criados
pelos produtores, a título individual ou coletivamente. Os Estados-Membros
asseguram que qualquer estabelecimento ou empresa que efetue operações de
recolha ou tratamento proceda ao armazenamento e tratamento dos REEE nos
termos dos requisitos técnicos definidos no Anexo VIII” (Diretiva 2012/19/U,
Artigo 8º, n.3).
Às três ações previstas na comunicação que seriam próprias das
empresas, quais sejam “a prevenção dos resíduos”, a “conceção ecológica”, e a
“reutilização” dão atribuições ao particular que não podem ser postas em risco
por um mercado que não seja suficientemente regulado. A regulação é um
campo em que somente o Estado poderá atuar para manter um mercado de
resíduos salvaguardado de influências paralelas. Isso porque a responsabilidade
dada ao produtor não é a responsabilidade assumida pelo atravessador de
mercado (“sucateiro”, por exemplo). Nos casos em que alguns resíduos podem
não vir diretamente à mão do produtor (baterias veiculares, por exemplo) é
necessário uma atuação de um agente regulador para que o produtor, a quem é
atribuída a responsabilidade de prevenir, conceber e reutilizar não se veja de
mãos atadas frente à retenção de resíduos que são seus.
Assim, mesmo considerando o quantum da poupança líquida mensurada
pela EU que ronda os 600 mil milhões de euros, ou ainda um volume de negócios
anual de 8%, segundo a comunicação há riscos que precisam ser avaliados.
Esses riscos e barreiras começam aos poucos a serem enumerados. A
sorte da valorização dos resíduos, ou mesmo de um mercado de valorização,
depende necessariamente da emancipação da Economia Circular, bem como da
sua adoção como modelo principal nos negócios empresariais. Essas barreiras
compreendem quatro aspectos, sendo então, culturais, mercadológicas,
regulatórias e tecnológicas100.
100“We present the findings on CE barriers in sequence of their relevance, as identified in our
survey (Table 3). Hence, we start with cultural barriers, before moving on to markets barriers,
56
Para os referidos autores a maior dessas barreiras e sem a qual nada é
possível ser vencido é a cultural, pois ela abarca todas as outras, e está
intimamente unida ao modelo de sistema linear. É como se tudo girasse em torno
desse modus operandi em que estão contaminados consumidores e empresas.
Na Figura 9 logo abaixo vê-se com mais clareza outros aspectos que
pormenorizam cada uma dessas barreiras. Vale dizer que para os fins desse
trabalho aquela que se apresenta de forma também peculiar é a barreira
mercadológica, pois nela há de se destacar dois dos principais oponentes ao
mercado de valorização, quais sejam, o baixo custo das matérias-primas virgens
e custos de investimento iniciais altos.
regulatory barriers and, finally, technological barriers. We usually describe results from the angle
of the full sample. However, we also discuss findings from a specific stakeholder angle whenever
marked differences between our stakeholder groups were identified (with our stakeholder groups
being ‘businesses’ and ‘policy-makers’)”. Kirchherr, Julian & Piscicelli, Laura & Bour, Ruben &
Kostense-Smit, Erica & Muller, Jennifer & Huibrechtse-Truijens, Anne & Hekkert, M.P.. (2018).
Barriers to the Circular Economy: Evidence From the European Union (EU). Ecological
Economics. 150. 10.1016/j.ecolecon.2018.04.028. n. 4.
57
cultura dos consumidores e das empresas. Outrossim, não haveria um problema
cultural se a Economia Circular fosse de pronto altamente lucrativa 101.
No mesmo sentido e tendo baseado o estudo antecedente, a Deloitte já
havia vislumbrado essas categorias de barreiras à Economia Circular quando
propôs em outubro de 2017 o relatório intitulado Breaking the Barriers to the
Circular Economy102. O estudo da Deloitte que se deu por meio de entrevistas a
empresas e governos não só levantou quais seriam as possíveis barreiras ao
mercado, mas também avaliou aquelas que seriam as mais prementes de
avanço. Para a companhia de consultoria, as barreiras podem ser classificadas
em seus pormenores como “urgentes”, “intermediárias” e “menos urgentes”.
Sendo as barreiras culturais e de mercado as mais necessitadas de atenção.
Dessas a barreira cultural que representa a “falta de interesse e conscientização
dos consumidores”, é, segundo a Deloitte, a principal barreira da pesquisa.
De fato, sem que seja criado um “interesse e conscientização do
consumidor” a tarefa de implementação de um mercado de Economia Circular
será tarefa hercúlea. Por outro lado, o estudo também percebeu que um dos
atores fundamentais para a transição para uma Economia Circular são os
governos. Para a Deloitte, esses agentes podem ser facilitadores da Economia
Circular “quebrando a atual reação em cadeia em direção à falha da Economia
Circular”103.
O governo seria um grande interessado nessa transição, pois ela “resolve
muitos problemas” de uma só vez, tais como a escassez de algumas matérias-
primas básicas, bem como alguns fatores de mercado que influenciam a
implementação desse tipo de economia. E bem verdade que os fatores mais
importantes no âmbito do mercado podem ser regulados pelos governos, como
é o caso dos “baixos preços de materiais virgens” e os “altos custos de
investimentos iniciais”104.
101 “This implication resonates with Kirchherr et al. (2017, p.228) who write that “[CE is not] a
‘quick win’, but a major long-term undertaking”. If the CE was immediately extremely profitable,
cultural barriers like ‘Lacking consumer interest and awareness’ and ‘Hesitant”. Idem. n. 4.1.
102 Deloitte. Breaking the Barriers to the Circular Economy. Deloitte The Netherlands and
58
Segundo a Deloitte “muitos dos preços de materiais virgens são
artificialmente baixos”105, pela simples razão dos subsídios que tais materiais
podem usufruir por meios estatais como taxas reduzidas ou mesmo incentivos.
Outros estudos como o de Sofia Ritzén Sandström106, por exemplo,
apresentam de um modo geral semelhanças no tocante as barreiras aqui já
enumeradas. Para a autora as principais barreiras à Economia Circular
comportam o domínio financeiro, estrutural, operacional, comportamental,
Tecnológica. Dos quais o comportamental compreende aspectos das barreiras
culturais aqui já faladas e o financeiro aspectos das barreiras mercadológicas
que envolvem a dificuldade de se medir os benefícios financeiros da Economia
Circular e a sua rentabilidade.
105 Deloitte. Breaking the Barriers to the Circular Economy. Deloitte The Netherlands and
Universiteit van Utrecht, Netherlands, 2017. Disponível em: https://bit.ly/2H2e5Kc. Acessado
em: 12 de Fevereiro de 2019. p. 10.
106 SANDSTRÖM, Sofia Ritzén, Gunilla Ölundh, Barriers to the Circular Economy – Integration
59
a ótica de mercado. Porém, não é suficiente implementar medidas que
imponham uma cultura de circularidade quando essa ainda não existe no
consciente coletivo.
Neste compasso, as proposições dadas pela COM/2014/0398 que
incluem a integração econômica circular envolvendo o consumidor acrescentam
também mudanças de paradigmas que vão desde a conceção dos produtos,
passando por um ecodesign, ou seja, com bens pensados e que “sejam mais
fáceis de manter, reparar, modernizar, retransformar ou reciclar (conceção
ecológica)”, bem como pela ideia de simbiose industrial.
Além disso, ainda mais paradigmático é a sugestão de um novo modo
de pensar escolhas para os consumidores, que deixam de ser “consumistas” e
passam a ser “usuários”. É possível vislumbrar aqui uma nova concessão do
produto posto no mercado, que, a depender do caso, será simplesmente “usado”
e depois “devolvido”. Nos termos da comunicação:
“As abordagens da economia circular «eliminam» desde a conceção os
resíduos e implicam inovação ao longo de toda a cadeia de valor, em lugar de
assentarem unicamente em soluções para o fim da vida útil de um produto.
Podem, por exemplo, incluir:
(…)
o encorajamento a um maior leque de escolhas, bem como a melhores escolhas
por parte dos consumidores, através de modalidades de aluguer, empréstimo ou
partilha de serviços em alternativa à aquisição de produtos, salvaguardando
simultaneamente os interesses dos consumidores (em termos de custos,
proteção, informação, termos contratuais, aspetos relativos a seguros, etc.)”(
COM/2014/0398, 2.1.).
Tal ideia em que se compreende consumidores como usuários de bens
consumíveis ou esgotáveis não é nova, e há sinais de que pode ser aplicada em
alguns setores de mercado, como é o exemplo de pilhas e baterias.
A título de elucidação invocamos o modelo que é aplicado no Brasil em
que a Resolução 401/2008 do Conselho Nacional do Meio Ambiente desse país
estabeleceu tais conceitos, ao que vejamos:
“Art. 4º Os estabelecimentos que comercializam os produtos
mencionados no art. 1º, bem como a rede de assistência técnica autorizada
pelos fabricantes e importadores desses produtos, deverão receber dos
60
usuários as pilhas e baterias usadas, respeitando o mesmo princípio ativo,
sendo facultativa a recepção de outras marcas, para repasse aos respectivos
fabricantes ou importadores”.
A inserção da palavra “usuários” na resolução poderia ser taxada como
uma mera coincidência, não fosse o texto da resolução anterior que ela mesma
regula em que a conceção de usuário é ainda mais peculiar.
Ato contínuo a o Art. 16 da mesma resolução introduz duas palavras que
ratificam a mudança do paradigma ao tratar das baterias compostas por chumbo-
ácido, níquel-cádmio e óxido de mercúrio. Nos termos do artigo há a necessidade
de após o “seu uso” tais itens “serem devolvidos”.
Numa interpretação extensiva é possível vislumbrar uma nova
compreensão sobre a introdução de bens no mercado em que numa ótica
transcendente de Direito Ambiental são passíveis necessárias adaptações do
Direito Civil e Comercial. Isso porque numa ótica civilista o bem inservível ou que
deve ser entregue à reciclagem é seu. No entanto, numa análise mais profunda,
e vendo sob a ótica da Economia Circular e do Direito Ambiental, a obrigação de
devolver um bem ao fim da sua vida útil lhe dá em tese mais condições de
possessão que de propriedade. Já é comum que pessoas que comprem carros
elétricos façam a compra do veículo, mas tenham a bateria “alugada”. Ou seja,
Abrindo-se para um horizonte mais à frente é possível que relações de compra
e venda (Direito Civil e Comercial), por exemplo, tenham que se adequar às
normas de Direito Ambiental que tendencialmente irão condicionar o mercado
quanto à devolução e entrega de bens que outrora poderiam ser compreendidos
como propriedade.
61
Segundo DEMAJOROVIC, AUGUSTO e SOUZA107 houve uma tentativa
de se implantar um sistema criado pela ONU para o setor de eletroeletrônicos na
China, e que apesar do acúmulo de conhecimento técnico gerado, o modelo de
larga escala não foi eficiente. Ainda, segundo os pesquisadores, um dos
principais desafios encontrados foi a falta de disponibilidade de sucata de
eletroeletrônicos. Outra lacuna foi a ausência de legislação para regular o
tratamento de lixo eletrônico nesse país, onde setor informal domina a coleta e
a negociação desses resíduos. A competitividade com o setor informal de
resíduos torna economicamente inviável qualquer projeto, sendo que a
implementação de uma infraestrutura de reciclagem em larga escala na China
poderá ser bem-sucedida quando uma regulamentação adequada estiver em
vigor.
Onde não houver setores bem regulados o lixo permanecerá lixo e a
possibilidade de aproveitamento do potencial dos resíduos para reciclagem será
mínimo. Isso denota a necessidade de se criar mecanismos regulatórios que
limitem a informalidade e consequentemente a circulação do lixo como moeda
de troca ou o seu uso como meio de subsistência.
Na Índia, o mesmo projeto teve resultados mais animadores, utilizando
na etapa de pré-processamento e desmontagem manual mão de obra do setor
informal local, recebendo incentivos para se trabalhar na produção de lotes
ideais para serem enviados a uma usina na Europa108.
Para DATT e NISCHAL109 a ARF do modelo suíço usado para pagar pela
coleta, transporte, reciclagem e descarte de eletrodomésticos, deveria ser
implementado na Índia. Segundo o autor, o Governo da Índia reconheceu
recentemente os serviços que o setor da reciclagem informal proporciona, e há
abertura para a implementação de um sistema mais eficiente. Isso aparece de
forma clara na Política Nacional do Meio Ambiente Indiana, de 2006, que
recomendou que se desse reconhecimento legal e se fortalecesse os sistemas
do setor informal de coleta e reciclagem de diversos materiais, em especial,
62
reforçando o seu acesso ao financiamento institucional e às tecnologias
relevantes.
Vale dizer que os desafios de para implementação da Logística Inversa
em larga escala em países em desenvolvimento são muitos, dentre eles se
destacam: i. o volume de coleta insuficiente para sustentar financeiramente a
operação; ii. lacunas tecnológicas; e iii. exportação ilegal de lixo eletrônico.
Além dos aspectos tributários também são identificadas barreiras à
adesão das empresas aos programas de reciclagem, assim como a resistência
de recicladores autônomos e empresas do setor informal entregarem o lixo
eletrônico às centrais de reciclagens organizadas e equipadas110.
Alinhado a à informalidade do setor de reciclagem que afeta diretamente
a oferta de matérias-primas secundárias no mercado resta a falta de um ente
organizado que balize cotações para os materiais de origem reciclada, assim
como já acontece atualmente com as matérias-primas básicas que contam com
um sistema quase universal de quotação que garante um pouco mais de
objetividade.
A título de exemplo, no tocante às matérias-primas virgens, o mercado
atual conta com inúmeras formas de balizamento, dentre elas, uma das mais
conhecidas, a LONDON METAL EXCHANGE (LME), uma instituição formada no
ano de 1874 que tem o objetivo de regular valores de metais e prover condições
de mercado juntamente com uma estrutura de gestão e regulamentação para
negociação de contratos LME. Para não haver injustiça, cite-se algumas
inovações dessa casa na área de reciclagem ao introduzir índices LME Steel
Scrap e a LME Steel Rebar em novembro de 2015 e julho de 2017, que são
indicativos de preços para rebarbas e sucata de aço e que favorecem a
valorização desse tipo de resíduo de forma mais objetiva.111.
63
Em Portugal a iniciativa de criação de um mercado de resíduos encontrou
respaldo na criação do MOR (Mercado Organizado de Resíduos)112.
Segundo a União Europeia113, em Portugal “existe uma ampla utilização
de apoio à simbiose industrial sob a forma de uma plataforma de comércio de
resíduos em linha”. Essa iniciativa é focada sobretudo no âmbito dos resíduos
industriais, o que já representa de per si já é um bom cenário, porém cabe dizer
que um mercado de resíduos não é o mesmo que um mercado de matérias-
primas secundárias. Isso porque grande parte dos resíduos podem ser matérias-
primas, mas o contrário nem sempre é verdadeiro.
A título de exemplo, colocar no mercado uma tonelada de aparas de
alumínio, não é o mesmo que colocar num balcão uma tonelada de lingotes de
alumínio reciclado pronto para uso no processo fabril.
No caso de Portugal, o Mercado Organizado de Resíduos, que teve sua
implementação desde 2010, permite a todas as empresas que queiram dele
participar a “comprar ou vender resíduos”, com exceção aos resíduos perigosos.
Com a finalidade de “facilitar e promover o comércio de resíduos, bem como
possibilitar sua recuperação e reintrodução no círculo econômico” o projeto
desenvolvido em Portugal tem como resultado a diminuição da “demanda por
matérias-primas primárias” e consequentemente promove a simbiose
industrial114.
A estratégia de atuação adotada para operação do MOR foi a de
negociação eletrônica, ou seja, por meio da “interação entre a oferta e a
demanda de resíduos” através de uma plataforma web. Nessa plataforma os
“operadores de resíduos” podem realizar transações de “compra ou venda de
112 “O mercado de resíduos é um espaço de negociação que reúne as várias plataformas onde
se processam as transacções de resíduos que sejam reconhecidas pela APA como reunindo
condições de sustentabilidade e segurança. É a essas plataformas de negociação que acedem
os produtores e operadores de resíduos, lançando as suas ordens de compra ou venda de
resíduos. Por seu turno, o funcionamento destas plataformas de negociação no âmbito do
mercado organizado de resíduos está dependente de autorização a conceder pela APA, a qual
verifica se as mesmas têm um suporte electrónico adequado, se estão instituídos os necessários
mecanismos de segurança da informação e das operações e, ainda, se contribuem
efectivamente para a satisfação dos objectivos fixados nos planos de gestão de resíduos”.
SOUZA D’ALTE, Tiago. Relatório Sobre Instrumentos Económicos Ambientais 2010. Agência
Portuguesa do Ambiente. Lisboa, Abril de 2011. p. 63
113 EUROPEAN COMMISSION. Support for industrial symbiosis. A framework for Member States
to support business in improving its resource efficiency. An Analysis of support measures applied
in the EU-28. Bruxelas, outubro de 2015. p. 4.
114 Idem. p. 4.
64
resíduos”. O gerenciamento desse mercado é feito por meio de entidades
privadas que envidam esforços em “garantir a transparência” e o “acesso
universal e igualitário a todos os usuários em potencial” no uso da plataforma de
transações. Ademais, no cerne da gestão da plataforma estão garantia da
“pontualidade” e “precisão das informações que circulam no sistema”115.
Vale ressaltar que o Mercado Organizado de Resíduos – MOR está sob a
tutela da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e por isso pode ser por ela
incentivado financeira e administrativamente. Os incentivos podem ser
direcionados tanto à gestão do mercado, bem como, aos interessados nas
transações, ou seja, os “próprios produtores/detentores de resíduos e entidades
de recuperação”116. Seu funcionamento, no entanto, se condiciona à fase dos
resíduos, sendo oportuno que compreendesse também a fase posterior, ou seja,
a do processo de valorização dos resíduos, onde eles adquirem mais-valia por
lhe serem atribuídas características que lhe garantam reentrar no processo
produtivo como insumo.
Assim, é necessário que o MOR seja mais abrangente e compreenda um
mercado não só de transação, mais também de monetização dos resíduos e sua
distinção face as matérias-primas secundárias.
em: https://bit.ly/2XxZuLX.
65
os mercados de matérias-primas secundárias” 118. Com o apoio da União
Europeia, esse projeto tem por finalidade, dentre outras coisas, buscar “reduzir
os custos de produção e aliviar as pressões ambientais através do aumento da
eficiência dos recursos e das emissões de gases com efeito de estufa”119. Com
isso prevê ainda que haja uma contribuição para uma melhoria positiva “no
desenvolvimento sustentável regional e na criação de emprego”120.
No tocante à análise do “cenário dos mercados de matérias-primas
secundárias” a câmara compreende que ele está em caminho de evolução.
Corroborando com a percepção do presente estudo a análise da Câmara
concorda que “não existem esquemas de preços estabelecidos para facilitar o
uso de materiais reciclados e secundários nos processos de produção”. Neste
contexto os esquemas de preços são mais liberais e sem padrões muito
determinados. Isso que tem permitido variações de definição de um modelo para
escolhas de esquemas de preços pelas empresas, podendo então ser feito o uso
de uma estratégia para determinar:
“Um número de preços padrão para um produto/serviço além do preço
padrão, criando preços especiais para a) clientes específicos, b) usuários finais
originários de campanhas de marketing específicas e canais de comunicação, c)
volumes específicos de bens/serviços e d) diferentes localizações
geográficas”.121
Não obstante não existirem esquemas definidos, aqueles esquemas que
as empresas têm tomado mão são: i. preços de mercado; ii. precificação por
níveis ou por volume; iii. precificação por pacote; iv. precificação geográfica; e v.
precificação por projeto.
Ainda de acordo com a Câmara de Comércio de Molise os preços de
mercado são definidos conforme “o preço oferecido no mercado internacional,
onde o primeiro é determinado pela oferta e demanda, seguindo as tendências
de cada indústria”122. Neste caso o próprio mercado se regula livremente sem
que haja a intervenção de um agente público ou externo. Nos preços de mercado
118 CHAMBER OF COMMERCE OF MOLISE. Input study on "How to stimulate secondary raw
material markets” Workshop. Italy, February 2018.
119 Idem. cit. p. 2.
120 Idem, ibidem.
121 Idem, ibidem. cit. p. 24.
122 Idem, Ibidem. p. 24
66
o preço das matérias-primas secundárias é definido de segundo inúmeras
variáveis que incluem “a) preços do petróleo bruto, b) demanda por materiais
virgens, c) as condições econômicas gerais”, e “d) outros fatores como por
exemplo a regulação (sistema de tributação, por exemplo) e sazonalidade”123.
O problema desse sistema, de acordo com a Câmara, é a subestimação
dos preços de matérias-primas secundárias, que acabam por ficar abaixo dos
preços de mercado que assim ficam condicionados por serem levados em
consideração para precificação “os custos de transporte e impostos sobre
vendas”.
Por sua vez a precificação por níveis ou por volume “incluem o
fornecimento de matérias-primas secundárias a preços diferentes com base na
quantidade pedida”. Ou seja, trata-se de um modelo de precificação que
depende de quantidade, e, consequentemente, da relação entre comprador e
fornecedor, pois quanto maior o pedido feito para uma determinada matéria-
prima secundária melhor o seu preço, nesse sentido “quanto maior o número de
toneladas compradas, maior o desconto permitido”124. Tal esquema de
precificação funciona exatamente como o que ocorre com as matérias-primas
virgens sem trazer inovações para as matérias secundárias.
O terceiro esquema estudado pela Câmara de Comércio de Molise é
aquele que se define por “preços por pacote” sendo concebido como uma
“estratégia de preços de colocar juntos vários tipos de matérias-primas
secundárias em um único pacote”. Nesse processo consegue-se obter um
melhor preço pelas matérias-primas secundárias vendidas em conjunto do que
quando vendidas separadamente. Segundo a Câmara de Comércio de Molise, a
adoção desse tipo de esquema de precificação “permite reduzir o custo de
compra de matérias-primas secundárias, necessárias para desenvolver produtos
mais sustentáveis e ecológicos, oferecendo às empresas/indústrias um desconto
significativo”125. Neste contexto, tal esquema pode ser mais interessante “para
economias de escala na produção e economias de escopo na distribuição; como
123 CHAMBER OF COMMERCE OF MOLISE. Input study on "How to stimulate secondary raw
material markets” Workshop. Italy, February 2018. p. 24.
124 CHAMBER OF COMMERCE OF MOLISE. Input study on "How to stimulate secondary raw
67
é o caso de parques eco-industriais e empreendimentos de economia circular”.
Para a Câmara a maior vantagemdesse tipo de esquema de precificação é que
ele “permite utilizar um grande volume de subprodutos e resíduos gerados,
obrigando as empresas a comprar uma quantidade diversificada e maior de
matérias-primas secundárias”126. Um ponto contrário para esse esquema é a
dificuldade de se criar pacotes específicos tanto para os fornecedores quanto
para os compradores, um e outro precisam necessariamente ter oferta e
demanda alinhadas para os mesmos tipos de matérias-primas.
O quarto formato de esquema que envolve a “precificação
geográfica”127 vem a se referir como “a prática de determinar preços de
mercado diferentes com base na localização geográfica do comprador”. Resta
óbvio que esse esquema precisa considerar na sua conta o “custo adicional de
transporte e envio para diferentes locais”.
Conforme já foi visto anteriormente nesse estudo “a logística é um
importante facilitador quando se trata de superar esses desafios e aumentar a
implementação de abordagens de economia circular em todos os setores”128.
Dessa forma os custos de transporte devem ser ponderados, pois “aumentam
consideravelmente o preço de mercado das matérias-primas secundárias”129, a
precificação aqui pode ser acompanhada por um esforço das autoridades
públicas, no intuito de determinação de “zonas de preços geográficos”. De
acordo com a sugestão da Câmara de Molise tal intento estatal representa a
criação de ambientes geográficos distintos que são incentivados por custos de
transportes diferentes e consequentemente preços de matérias-primas variáveis
que podem incentivar uma região em detrimento de outra.
materials based on the demographics of a certain area and costs of transportation. This will also
enable public authorities to identify regions/areas that lag behind (characterised by low recycling
rates and poor waste treatment), taking up measures to boost recycling, improve resource use,
and open new markets for secondary raw materials. In contrast, this is not the case for by ‐product
exchanges carried out in eco‐industrial parks; where the shipping cost is eliminated and
companies/industries enjoy lower prices than the ones offered in the market”. CHAMBER OF
COMMERCE OF MOLISE. op. cit. p. 25.
68
No esquema denominado “precificação por projeto”130 há uma
dependência entre fornecedor e comprador no tocante à realização de um
projeto baseado em simbiose industrial, ou seja, no fato em que os resíduos
gerados por um fornecedor são adquiridos por um comprador de forma
sistemática. Nesse esquema é determinada sob acordo uma “taxa fixa” a partir
do início da realização do processo de simbiose.
Nesse contexto para definição do preço acordado entre as partes “todos
os atores envolvidos podem fazer uma estimativa da quantidade de matérias-
primas secundárias de que precisarão para atender aos requisitos de produção”.
Muito embora pareça ser um cenário interessante, a própria Câmara de Molise
alerta para o fato de que existe um risco de desequilíbrio contratual nesses
acordos, pois, corroborando com o presente estudo, não há um mercado de
preços seguro o suficiente para que não se preveja a permissão de reajustes de
preços durante a realização do projeto. Isso porque as matérias-primas
secundárias sofrem de grande “volatilidade dos preços”, podendo em alguns
casos terem preços até “cinco vezes maiores do que as flutuações de preço de
materiais virgens”131.
69
instrumentos de política de Responsabilidade Alargada do Produtor132, ou ainda
pela desoneração tributária da cadeia por meio de incentivos133 134.
Em prol da possibilidade de inserção de taxa visando o financiamento de
um sistema de reciclagem esse estudo já se deteve, e o modelo suíço de taxa
voluntária é bastante interessante neste sentido, sendo também utilizado nesse
país a hipótese de taxa obrigatória.
Tal premissa também é importante pela evidência da barreira regulatória
na qual o Estado está intrinsecamente envolvido, bem como o importante papel
que os governos exercem sobre a transição para uma Economia Circular.
132 WALLS, Margaret. Extended Producer Responsibility and Product Design. Washington, DC.
USA: Resources For The Future, 2006. pp. 3-4.
133 SCHARF, Kimberley. Tax Incentives for Extraction and Recycling of Basic Materials in
Canada. Fiscal Studies, vol. 20, no. 4, pp. 451-477. Toronto, Canada: Institute for Fiscal Studies,
1999.
134 CNI - Confederação Nacional da Indústria. Proposta de Implementação dos Instrumentos
70
c) Regimes de responsabilidade alargada do produtor e incentivos às
autoridades locais.
No mesmo diapasão a comunicação COM/2015/0614, n.2, veio a
estimular os estados membros a recorrerem a instrumentos econômicos,
incluindo a instrumentos fiscais para assegurar que os preços dos produtos em
relação ao consumidor “reflitam melhor os custos ambientais”. Porém se faz
necessário que os incentivos sejam voltados para a manufatura bens, cujo custo
não deveria ser maior que o de um bem feito com matéria-prima virgem.
Não raro, a União Europeia tem adotado essa sentença, qual seja, a
necessidade de criar instrumentos fiscais, para afirmar a necessidade da
existência de meios que incentivem as Economia Circular135. No entanto, a EU
se imiscui da obrigação de dizer como ou mesmo especificar modelos de
instrumentos efetivos. A tarefa de criação de meios eficazes recai,
aparentemente, como um rescaldo sobre os produtores. Nesse diapasão o órgão
europeu se manifesta de forma um tanto quanto omissa:
“O preço é um fator fundamental que influencia as decisões de compra,
tanto na cadeia de valor como para os consumidores finais. Por conseguinte, os
Estados-Membros são estimulados a fornecer incentivos e a recorrer a
instrumentos económicos, como a fiscalidade, para assegurar que os preços dos
produtos reflitam melhor os custos ambientais.” (COM/2015/0614, n. 2)
A União Europeia136 ainda se reserva no direito de incitar a necessidade
de criação de meios que apoiem “negócios e produtos de economia circular”.
Segundo o relatório Accelerating the transition to the circular economy –
Improving access to finance for circular economy projects, levanta-se como
135 “A nova legislação prevê uma maior utilização de instrumentos económicos eficazes e outras
medidas em prol da hierarquia dos resíduos. Os produtores desempenham um papel importante
nesta transição por passarem a ser responsáveis pelos seus produtos quando estes se
transformarem em resíduos. Os novos requisitos para os regimes de responsabilidade alargada
do produtor contribuirão para melhorar o seu desempenho e gestão. Além disso, os regimes
obrigatórios de responsabilidade alargada do produtor deverão ser estabelecidos para todas as
embalagens até 2024”. Comissão Europeia. Economia Circular: Novas regras colocarão a UE na
vanguarda mundial a nível de gestão e reciclagem de resíduos. (n.d.). Retrieved from
https://bit.ly/2rZM1OA.
136 EUROPEAN COMISSION. Accelerating the transition to the circular economy – Improving
access to finance for circular economy projects. Brussels, 2019. Disponível em:
https://goo.gl/Bds7VA.
71
problema um “volume atual de ‘finanças circulares’ insuficiente para apoiar a
transformação de como o valor dos materiais é capturado e preservado”137.
É incontestável, não se pode criar cadeias de valor sem que “as empresas
com modelos e produtos de negócios de economia circular” tenham “acesso ao
financiamento para ampliar suas operações”138.
O contributo das autoridades governamentais nesse campo é de suma
importância, e assim como acontece no vislumbre do papel dos governos na
derrubada de algumas barreiras regulatórias ou mesmo nas falhas do “mercado”
e da “regulamentação conseguirem gerar condições favoráveis para a transição
para a Economia Circular, as autoridades públicas podem desempenhar um
papel crítico como facilitadoras da mudança”139.
Nesse sentido, os governos são capazes de “identificar o potencial da
Economia Circular em diferentes escalas regionais”, “reunir potenciais parceiros
comerciais circulares que normalmente não interagem no mercado”, ou até
mesmo usarem ou criarem “fundos públicos para criar receitas para projetos de
Economia Circular”140.
72
voltada para oneração tributária ou mesmo os custos que envolvem investimento
em de mão de obra, equipamentos etc, foram trazidos aqui o estudo da
professora Kimberley Scharf intitulado Taxa Incentives for Extraction and
Recycling of Basic Materials in Canada141 e o estudo feito no Brasil pela
Confederação Nacional da Indústria daquele país que propunha a
implementação dos instrumentos econômicos legais como meio de Estímulos à
cadeia de reciclagem e à Logística Inversa142.
Para Tim Jackson143 estratégias de produção sustentáveis e limpas
dentro de uma economia comportam a necessidade de uma mudança de
atuação. Para o autor, pensando no esteio de uma economia é possível
depreender que uma “política eficaz sobre materiais existentes precisa incluir
uma série de instrumentos de política do governo, incluindo regulamentações,
incentivos e desinvestimentos econômicos e educação”. Ou seja, a possibilidade
de os governos lançarem mão aos meios sugeridos pela própria União Europeia
recorrendo “a instrumentos económicos, como a fiscalidade” não pode ser
enfrentada como um exemplo apenas, mas como uma das ferramentas.
Ainda segundo Tim Jackson144 partindo “do ponto de vista dos objetivos
da política de materiais”, resta bastante claro que que as autoridades
reguladoras tem o dever de “variar de condições de uso a proibições definitivas”
de alguns bens. Para ele os “incentivos” governamentais que são dados aos
setores de extração de materiais e que se fundamentam numa projeção de
desenvolvimento econômico por meio de “tarifas, deduções fiscais e subsídios”
tem “impactos adversos sobre as espécies e os habitats”. Nesse ínterim, por
meio de “cronogramas de depreciação e deduções fiscais” os materiais
reciclados são preteridos em detrimento dos materiais virgens145.
Assim comos as questões fiscais, abordadas mais abaixo, a necessidade
de instrumentos financeiros dedicados à Economia Circular compreende uma
141 SCHARF, Kimberley. Tax Incentives for Extraction and Recycling of Basic Materials in
Canada. Fiscal Studies, vol. 20, no. 4, pp. 451–477. Toronto, Canada: Institute for Fiscal Studies,
1999.
142 CNI - Confederação Nacional da Indústria. Proposta de Implementação dos Instrumentos
73
lacuna ou mesmo um empecilho para o desenvolvimento dessa forma de
economia frente ao modelo linear já existente, que conta com uma base de meios
de financiamento mais abrangente.
Tendo em vista a importância depositada nesse âmbito econômico, a
União Europeia, por meio de relatório publicado em 2017146, trouxe à pauta a
importância da fiscalidade como instrumento econômico, “em particular os
impostos ambientais”. De acordo com o órgão tais instrumentos “são cada vez
mais utilizados no campo da política ambiental”. Eles revelam-se “uma parte
importante da combinação de políticas para apoiar a transição para uma
economia verde inclusiva”147.
A visão europeia cinge-se de benignidade para a aplicação de tributos
como forma de incentivos à Economia Circular, no entanto essa visão parece
equivocada, pois a tributação ambiental pode não gerar como efeito uma
Economia Circular, mas na verdade pode bloqueá-la. Primeiramente porque o
tributo ambiental visando a mudança de comportamento dos indivíduos não
garante esse efeito, e depois porque também não garante que as empresas irão
optar por uma transição de produção circular por questões tributárias. A
mudança de cultura sob a qual se baseia a União Europeia para justificar a
utilização de tributos ambientais como instrumentos passa por outra ação que é
a de garantir a rentabilidade da Economia Circular e diminuir a discrepância de
tratamentos fiscais (incentivos e subsídios) dada aos materiais virgens em face
dos secundários.
“Quando cuidadosamente projetados, esses instrumentos podem ajudar
a mudar comportamentos de consumidores e empresas para atividades mais
sustentáveis, ajudando a reduzir a poluição e a degradação ambiental, melhorar
a saúde, incentivar a eficiência de recursos e enfrentar desafios globais como a
mudança climática. Os impostos ambientais também podem gerar receitas
públicas que podem ser usadas para diferentes propósitos, por exemplo, para
apoiar uma reforma fiscal mais ampla, contribuir para investimentos prioritários
74
ou ajudar a cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e o Acordo
Climático de Paris”148.
O efeito da tributação é inverso, são fortes os indícios que a Economia
Circular é protelada por questões ligadas a fatores de baixa lucratividade
alinhados a incentivos fiscais de matérias-primas virgens e alta carga tributária
das matérias secundárias149.
A barreira cultural, pormenorizada anteriormente, que implica uma
mudança “nos comportamentos de consumidores e empresas”150 obriga a
necessidade de criação de um “interesse e conscientização do consumidor”151,
algo que tendencialmente não se cria por meio de impostos.
Aparentemente o foco tributário-ambiental pesa sobre a perspectiva de
criação de um meio-ambiente mais saudável. Isso não é ruim. No entanto, cria
uma sensação de que o efeito é mais importante que a causa. É de certa forma
mais fácil evitar a poluição do ar com a colocação de um filtro numa chaminé que
que diminuir a extração de uma matéria-prima escassa e entrar num ciclo de
econômico-circular.
Numa análise sob essa perspectiva tributária-ambiental a União Europeia
avaliou 40 instrumentos econômicos específicos em seus 28 Estados-Membros.
Esses instrumentos se posicionam nas seguintes categorias: i. Poluição do ar; ii.
Gerenciamento de Resíduos e Produtos; iii. Materiais; iv. Qualidade da água; v.
Lixo marinho; vi. Estresse hídrico e disponibilidade; vii. Uso e gerenciamento de
terras; e viii. Biodiversidade152.
Universiteit van Utrecht, Netherlands, 2017. Disponível em: https://bit.ly/2H2e5Kc. Acessado em:
12 de Fevereiro de 2019. p. 7.
152 EUROPEAN COMMISSION. Capacity building, programmatic development and
communication in the field of environmental taxation and budgetary reform. Directorate-General
for Environment. Brussels. November, 2017. Disponível em: https://bit.ly/2K38dDV. p. 7.
75
Os instrumentos selecionados no estudo não são, é claro, uma análise
exaustiva de toda a tributação-ambiental na União Europeia, como explica o
próprio documento que explicita o seu caráter genérico.
As categorias ii. e iii. são as que interessam nesse estudo, pois nelas
deveriam estar aquelas políticas tributárias voltadas para a reciclagem dos
produtos após o seu uso e extração de matérias-primas virgens,
respectivamente.
Mesmo sendo de caráter genérico, não se vislumbra que haja no campo
dos materiais muitos tributos ambientais voltados à extração de matérias-primas
virgens o que possibilitaria analisar com mais fidelidade entre esses e as
matérias-primas secundárias. Essa é a percepção do relatório:
“Os instrumentos econômicos aplicáveis nas áreas de gestão de resíduos,
produtos e materiais incluem impostos sobre resíduos (por exemplo, para aterros
e incineração), impostos sobre embalagens, sacolas plásticas e outras taxas de
produtos, esquemas de reembolso de depósitos e esquemas de pagamento
conforme o uso, impostos sobre matérias-primas e agregados, e impostos e
taxas sobre recursos naturais. Instrumentos relacionados à gestão de resíduos
e produtos são muito mais comuns do que aqueles destinados à extração de
materiais naturais.”153
Tais conclusões consolidam a afirmativa de que a tributação ambiental na
União Europeia tem nuances de preocupação mais com o efeito de que com a
causa. Dos 13 cases de estudo no âmbito de resíduos, recursos naturais e
economia circular, apenas um, o da Estônia, optou por tratar de extração de
matérias-primas virgens154. Ainda assim, conforme expressa o relatório os
resultados não foram positivos, pois o “encargo de extração de recursos minerais
da Estônia não reduziu a quantidade de recursos minerais extraídos”155, o que
revela uma consolidação do princípio do poluidor-pagador numa definição
negativa.
resources extracted (extraction rates have remained relatively stable since around 2005), and the
Finnish peat energy tax is too low to be effective in addressing the environmental impacts
associated with peat use”. Idem, ibidem. p. 43.
76
O esforço da Estônia teve, a princípio, um intento positivo, ele foi exercido
dentro de uma reforma tributária que aumentou a taxa de extração de recursos
minerais sendo apenas uma parte de outras “mudanças mais amplas na taxação
que incluíram redução no imposto de renda e aumento de impostos sobre o uso
recursos ambientais”156. No entanto, para fins práticos, conforme explanou o
relatório não gerou repercussões positivas no âmbito da extração mineral nesse
país.
77
Figura 10 - Instrumentos Econômicos baseados no mercado Europeu
Fonte: EUROPE COMISSION, 2017
78
Figura 11 - Instrumentos Econômicos baseados no mercado Europeu
Fonte: EUROPE COMISSION, 2017
79
É fundamental que haja uma reforma tributária, mas no sentido contrário
à criação de novos impostos ambientais. Em suma, a sugestão dada pela União
Europeia de aumentar a arrecadação por meio da tributação ambiental
pretendendo que tais tributos “representem 10% do total das receitas fiscais e
sociais até 2020”157 é possivelmente um risco à implementação de uma transição
para a Economia Circular.
O grande desafio que precisa ser resolvido é ainda e continuará sendo,
até que se tomem medidas necessárias, é a União Europeia compreender uma
fórmula de como resolver “a dificuldade de compatibilizar a oferta e a demanda
de matérias-primas secundárias”158.
Assim como se consegue perceber em cenários parecidos como
exemplificados no caso do Brasil e do Canadá mais à frente, “as matérias-primas
secundárias competem com materiais virgens, que podem, em muitos casos,
atender a todas as especificações de produtos definidos a um preço baixo”159.
Essa guerra evidenciada entre materiais primários e secundários
compreende além da dificuldade de introdução no mercado das matérias-primas
secundárias também uma potencial dificuldade de “recuperação de
investimentos em reciclagem, incluindo os custos de mão de obra”160. Os
investimentos para implantação de um sistema de reciclagem em escala
industrial é caro161.
Uma possibilidade de solução para tal desafio seriam os aqui já exaltados
“incentivos econômicos”, porém a luz que ilumina a visão da União Europeia
insiste em abordá-los sob dois vieses. O primeiro deles é o da “aplicação de
Product Policy Framework contributing to the Circular Economy. Brussels. 2019. Disponível em:
https://bit.ly/2Xx27OV. p. 60.
159 Idem, ibidem. p. 60.
160 Idem, ibidem. p. 60.
161 Nesse sentido se manifesta a Confederação Nacional da Indústria do Brasil em seu estudo
80
EPR” (Extended producer responsibility), ou seja, garantindo que “os produtores
contribuam financeiramente aos custos da gestão de resíduos”. O segundo trata
de aspectos tributários e envolve “taxas reduzidas de IVA”, uma “mudança da
tributação sobre o trabalho para outras bases tributárias menos prejudiciais ao
crescimento econômico” e cita-se como exemplo dessa mudança a opção por
“impostos sobre o consumo e impostos ambientais”162. Resta óbvio que os
incentivos no âmbito de tributação precisam ir além e contemplar questões que
fazem os materiais secundários mais caros que os primários.
Corroborando com o entendimento de que os governos devem agir em
prol da Economia Circular facilitando a circulação de matérias-secundárias, de
acordo com a Câmara de Comércio de Molise é necessário que as autoridades
públicas tomem medidas que criem condições de mercado que sejam atrativas
e que visem a promoção e a utilização desse tipo de matéria-prima “em direção
a um modelo econômico circular, reduzindo os preços de mercado relevantes e
favorecendo investimentos eficientes em recursos” 163.
No entendimento da Câmara é preciso que se elimine de forma gradual
“todos os subsídios que são prejudiciais à promoção de um modelo de economia
circular”164. Essa tarefa envolve necessariamente o que já fora considerado
nesse estudo, ou seja, a mitigação da disparidade nos incentivos dados às
matérias-primas virgens, e não só, mas também “a retirada de incentivos de
mercado que promovam o uso de novos produtos, bem como o descarte de
produtos usados”. A atuação fiscal nesse caso deveria na verdade “incluir o
agendamento de créditos fiscais corporativos para empresas que fazem
investimentos eficientes em recursos, como a integração de tecnologias de
produção verde”165.
Considerando que aumentar a tributação na extração das matérias-primas
virgens não tem surtido muitos efeitos até agora, haja vista o exemplo da Estônia,
favorecer a produção verde por meio de créditos fiscais pode ter um resultado
positivo. Nesse sentido diminuir a pressão fiscal também sobre a mão de obra
81
pode gerar um estímulo ao “crescimento sustentável, acelerando a transição
para um padrão de desenvolvimento mais circular”166.
Empresas de financiamento para adotar tecnologias inovadoras para
substituir matérias-primas críticas em setores industriais chave, como
automotivo, máquinas, produtos químicos, aeroespacial e construção. A
escassez de matérias-primas críticas, juntamente com a sua importância
econômica, torna necessário explorar novos caminhos para a substituição, a fim
de reduzir o consumo de recursos naturais e diminuir a dependência relativa das
importações.
82
impostos especiais de consumo e sobre os recursos provinciais nos setores de
mineração, madeireiro e petróleo e gás”169. A autora exemplifica que os
“impostos provinciais de vendas sobre o capital são suportados mais
pesadamente pela sucata e recicladores de resíduos em comparação com a
extração de recursos e outros tipos de atividades”. Outro pondo que ele
considera é que no Canadá alguns “estágios de exploração e extração da
produção de materiais virgens se beneficiam de incentivos fiscais especiais em
vista da viabilidade financeira das empresas e da mineração”170.
Para chegar a esse resultado Kimberley Scharf faz uso de várias fórmulas
que consideram alíquotas efetivas marginais globais por província, para os
setores de madeireiro, mineração, petróleo e gás (materiais virgens) e sucata
(materiais reciclados) da economia canadense. Ela também considera nos seus
cálculos a mão de obra utilizada na produção, bem como outros materiais (tais
como combustível) como insumos no processo produtivo. Depois disso a citada
pesquisadora calcula as taxas efetivas marginais totais para produtos
manufaturados (papel, metal, plástico) empregando materiais virgens ou
materiais reciclados como insumos intermediários no processo de produção,
nisso também inclui capital, mão de obra e outros insumos. O resultado é
apresentado na Figura 11.
83
É importante registrar que o estudo do autor expõe a hipótese de um
cenário ideal, onde todos os envolvidos contribuem com todos os impostos, sem
que haja necessariamente sonegação.
Para obtenção do resultado Kimberley Scharf usou estimativas de
investimentos em classes de ativos depreciáveis (edifícios e máquinas) e não
depreciáveis (terrenos, estoque e despesas de exploração e desenvolvimento).
É possível perceber que os dois setores estudados pela autora, produtores de
materiais virgens (madeireiro, mineração e petróleo e gás) e de materiais
reciclados (sucata e resíduos) dependem fortemente de maquinários como
principal insumo de capital, sendo o setor madeireiro o mais intensivo em
máquinas. As áreas de mineração e petróleo e gás também incorrem em uma
grande quantidade de despesas de exploração e desenvolvimento, enquanto o
setor de sucata e resíduos tem uma parcela muito maior de estoques 171.
84
Segundo a pesquisadora, são vários os fatores que contribuem para as
taxas de imposto efetivas marginais serem relativamente baixas sobre o capital
no setor de mineração, dentre eles: i. as despesas de exploração e
desenvolvimento; ii. os custos nos setores de mineração e petróleo e gás em
conjunto com uma grande parcela de gastos com esses ativos; iii. abatimentos
rápidos em ativos de capital depreciáveis; e iv. isenções do imposto de vendas
provincial para compras de bens de capital utilizados pelo setor de recursos174.
85
A Figura 14 apresenta estimativas das taxas marginais efetivas de
imposto sobre mão de obra por província para cada setor. Alguns setores não
apresentam discrepâncias muito grandes nessas taxas como os setores
madeireiro; de mineração; de sucata e resíduos e de fabricação variam de 17%
(dezessete por cento) a 23% (vinte e três por cento)177.
Por outro lado, ao se tratar do setor de petróleo e gás as taxas de impostos
sobre mão de obra são razoavelmente mais altas do que as dos outros setores,
variando de 21% (vinte e um por cento) a 26% (vinte e seis por cento). A razão
disso, segundo a autora é que os royalties de petróleo e gás não são dedutíveis
do imposto de renda das empresas178.
86
Figura 16 - Taxas de Impostos Marginais Efetivos sobre Custos Marginais
Fonte: SCHARF, 1999
Figura 17 - Taxas de Impostos Marginais Efetivos nos Custos Marginais: Produtos Finais
Usando Materiais Virgens como Insumos Intermediários
Fonte: SCHARF, 1999
87
Figura 18 - Taxas de Impostos Marginais Efetivos nos Custos Marginais: Produtos Finais
Usando Materiais Reciclados como Insumos Intermediários
Fonte: SCHARF, 1999
A via fiscal tem sido em muitos países um dos meios mais buscados para
regular divergências regionais e até mesmo competitivas.
Os tributos são por vezes os maiores vilões dos mercados e impõem
limites ou barreiras protecionistas que valorizam determinados bens em
detrimento de outros.
88
A exemplo do Canadá, no Brasil a política de incentivos fiscais seria um
dos meios mais eficientes de favorecer a cadeia de Logística Inversa e por
conseguinte a transição para a Economia Circular, pois a imensidão de tributos
pode ser um fator diferenciador na eficácia ou não dessa transição. Utilizado
como base o estudo realizado pela CNI180, que descreve os tributos atualmente
incidentes sobre as cadeias de Logística Inversa, com destaque para os tributos
indiretos, se vislumbrará o quão importante é o aspecto fiscal numa Economia
em busca da circularidade.
Primordialmente, a Confederação abre seu estudo invocando os
pormenores do PIS/COFINS, expondo a hipótese de suspensão da incidência
dos tributos nos casos de venda de sucata para empresas do regime de lucro
real, o que não se aplica a empresas do SIMPLES, e a vedação de crédito por
parte das empresas que adquiriram a sucata com suspensão de PIS/COFINS.
Vejamos:
“Ao que tudo indica, o objetivo da suspensão seria diferir a cobrança
desses tributos das etapas de coleta, triagem e transporte até a indústria
recicladora. De fato, se todas as empresas da cadeia de reciclagem fossem do
lucro real, esses tributos seriam pagos apenas quando da venda dos produtos
da indústria recicladora (à alíquota de 9,25%). Isso não representaria uma
desoneração dos resíduos, mas apenas a postergação de seu recolhimento até
a saída da indústria recicladora. Nesse caso, parte dos tributos recolhidos pela
indústria recicladora corresponderiam à tributação diferida da sucata utilizada
como matéria-prima”181.
Pelo motivo de parte do sistema de Logística Inversa no Brasil não ser
formadas por empresas apenas do Lucro Real, mas do SIMPLES, nas etapas
coleta, triagem e transporte, há tributação cumulativa, sem benefício da
suspensão e sem compensação posterior. Isso sugere que “se nas etapas finais
da cadeia há empresas do lucro real”, a tributação cumulativa e a impossibilidade
compensação resultam “em uma carga tributária mais elevada sobre os resíduos
89
sólidos, inclusive comparativamente àquela incidente sobre a matéria-prima
virgem”182.
Por sua vez com o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços) é adotado predominantemente o regime de diferimento, ou seja, o
imposto é “cobrado na entrada da sucata na indústria recicladora ou apenas
quando da saída do produto elaborado com sucata da indústria recicladora” 183.
Trata de transferir o lançamento do imposto para fase posterior àquela geradora
da obrigação de se pagá-lo. No caso brasileiro, em particular, o diferimento do
ICMS sobre sucata esbarra nas operações interestaduais, pois no momento em
que a sucata cruza a fronteira entre um ente estadual e outro acaba-se o
diferimento, exigindo-se o pagamento do tributo. Ainda segundo a referida
Confederação esse tipo de interrupção “cria uma complexidade que dificulta
essas operações”184.
Sobre o ISS (imposto sobre serviço) destacamos que na cadeia de
Logística Inversa existem etapas em que os serviços de terceiros são
necessários para fechamento do ciclo, algumas tarefas como coleta, transporte,
acondicionamento e destinação, todas necessárias para a cadeia, são passíveis
da incidência desse tributo185.
Uma vez cientes dos tributos incidentes na cadeia de Logística Inversa,
convém estimar o quantum dessa incidência sobre algumas cadeias existentes
no Brasil. Na Figura 11 são expostos os resultados de uma cadeia de mercado
(resíduos de valor econômico) e uma outra cadeia onerosa.
90
Figura 19 - Tributação da Logística Inversa, 2013, R$ milhões
Fonte: CNI (2014)
91
Circular isso faz todo o sentido, pois só volta ao berço o que dele saiu e esse
retorno não deveria ser tributado com o risco de haver bis in idem.
Na proposta de desoneração sugerida pela CNI (2014) se tem ainda: i. a
criação de “crédito presumido de ICMS, PIS/COFINS e IPI sobre o valor dos
resíduos adquiridos pela indústria”; ii. a “ampliação da suspensão da
incidência de PIS/COFINS para toda a cadeia de coleta e triagem de
resíduos; iii. a “harmonização da legislação estadual sobre o diferimento
de ICMS e a adoção da isenção nas transações interestaduais com sucata”;
iv. a “desoneração de ISS, PIS/COFINS e ICMS dos serviços de terceiros
prestados ao longo da cadeia de coleta, triagem, processamento e
destinação dos resíduos”188.
Considerando o alto custo da Logística Inversa de alguns setores, pois
nem todos os produtos inservíveis tem valor de mercado e consequentemente
sua comercialização não é suficiente para cobrir o custo do seu retorno ao
fabricante, a Confederação levantou como proposta ações que podem permitir a
redução do custo para os setores de Logística Inversa onerosa.
Na prática, as empresas põem no custo do produto todas aquelas
despesas que são oriundas da produção e comercialização dos bens fabricados,
e a tendência é que isso seja feito com os custos da Logística Inversa, sendo
eles repassados o consumidor final. Porém o que é repassado para o
consumidor não é o custo da reciclagem daquele produto, pois o valor transferido
ao preço “será base de tributação e também pela incidência da margem de
comercialização sobre esse valor”189.
Ainda segundo a CNI esse custo não deveria ser tributado, considerando
que a obrigação foi criada pelo próprio Poder Público, ela sugere a adoção de
“um sistema de visible fee”, esse sistema seria semelhante à TRA, porém com
um nome um pouco diferenciado “Ecovalor”.
Por esse sistema, o custo da Logística Inversa (Ecovalor) é repassado,
em cada etapa do processo de produção e comercialização do produto, de forma
destacada do preço do produto, não constituindo base de incidência de qualquer
tributo. Assim, por exemplo, na venda da indústria para o atacado a nota fiscal
92
discrimina separadamente o preço do produto e o Ecovalor. O mesmo ocorre na
venda do atacado para o varejo e na venda do varejo para o consumidor final190.
Uma outra alternativa sugerida pela CNI (2014) com a mesma intenção
de reduzir os custos da Logística Inversa onerosa, seria a “concessão de um
crédito presumido de ICMS, PIS/COFINS e, se for o caso, IPI, de modo a
compensar – ao menos em parte – o aumento da tributação e o aumento de
custo para o consumidor final”191. O crédito presumido serviria para compensar
a tributação do aumento do preço oriundo do repasse dos custos de Logística
Inversa ao consumidor.
Além da CNI, há quem insista que a atuação voltada para o consumidor
centrada nos preços deveria estabelecer de “esquemas de preços atraentes para
o descarte de resíduos para incentivar a reciclagem e a recuperação de
resíduos”192. Ademais, os utilizadores deveriam pagar pelo preço da reciclagem
por meio de “uma taxa específica com base na quantidade de resíduos que
geram e/ou quanto reciclam”, o que parece se assemelhar à uma TRA193 ou a
uma Taxa de Gestão de Resíduos (TGR)194.
Oposta a estratégia de taxação seria possível o uso de meios de
recompensa, nela “os consumidores com consciência ambiental” adquiririam
“créditos fiscais” ou mesmo “pontos de bônus” na hipótese de compra de
produtos feitos de matérias-primas secundária, por exemplo195.
É importante frisar que de caso-a-caso a tributação sobre a cadeia de
Logística Inversa pode inviabilizar de tal forma a utilização de materiais
reciclados na produção de novos bens que é possível conjecturar acerca das
vantagens na utilização de produtos virgens.
Anteriormente, foi possível observar esse fato no sistema de Logística
Inversa do Canadá, lá o percentual médio das taxas de tributos dos produtos
feitos com material virgem no gira em torno de 23,4% (vinte e três virgula quatro
93
por cento), e com a utilização de material reciclado 27,9% (vinte e sete vírgula
nove por cento)196.
No mesmo sentido, voltando-se para a tributação da cadeia de Logística
Inversa a Confederação da Nacional da Indústria do Brasil viu a mesma
inviabilidade, com a qual tem corroborado a tese outra tratada, ao que seja visto:
“Nos casos em que as empresas das etapas iniciais da cadeia de
Logística Reversa recolhem PIS/COFINS pelo regime cumulativo (lucro
presumido ou SIMPLES) e as empresas das etapas finais apuram esses tributos
pelo regime não cumulativo (lucro real), então a suspensão da incidência de
PIS/COFINS nas vendas para empresas do lucro real tende a resultar em uma
tributação mais elevada que a verificada no regime não cumulativo puro. Como
a manufatura com matéria-prima virgem é, na maior parte dos casos, sujeita à
tributação pelo regime não cumulativo (por se tratar de empresas de grande
porte), isso significa que a incidência de PIS/COFINS sobre a matéria-prima
reciclada tende a ser mais elevada que sobre a matéria-prima virgem”197.
A Figura 11 ajudará a entender melhor o desequilíbrio tributário entre
matéria-prima virgem e reciclada. No primeiro exemplo, na produção é utilizada
matéria-prima virgem, sendo as empresas do lucro real, considerando que não
há suspensão em nenhuma das etapas. No segundo exemplo, pelo regime de
suspensão, há uma primeira incidência de tributação que é na venda entre os
intermediários das cadeias, que seriam os comercializadores atacadistas de
material reciclado (CAMR), depois disso toda a cadeia passa pela suspensão até
a chegada no reciclador, que opera no lucro real.
196 SCHARF, Kimberley. Tax Incentives for Extraction and Recycling of Basic Materials in
Canada. Fiscal Studies, vol. 20, no. 4, pp. 451–477. Toronto, Canada: Institute for Fiscal
Studies, 1999. p. 470.
197 CNI - Confederação Nacional da Indústria. Proposta de Implementação dos Instrumentos
94
Figura 20 - Exemplo de desequilíbrio competitivo entre MP virgem e reciclada
Fonte: CNI (2014)
95
os agentes da cadeia até chegar Empresas Recicladoras, que “por se tratar de
empresas de grande porte”198 geralmente estão sujeitas ao regime não
cumulativo. A Empresa Recicladora, por sua vez, depois de ter produzido um
bem com essa matéria-prima reciclada, e tê-lo vendido no mercado por R$
15.000,00, pagará 9,25% 9,25% (nove vírgula vinte e cinco por cento) sobre a
receita, o que compreende ao valor de R$ 1.388,00 (mil trezentos e oitenta e oito
reais), que é mesmo valor pago pela Empresa B no exemplo anterior, porém,
sem direito à credito.
Dessa forma é possível observar que o resultado obtido com a utilização
de matéria-prima virgem é 14,5% (quatorze vírgula cinco por cento) menor que
o obtido com a utilização de material reciclado, o que corresponde à R$ 256,00
(duzentos e cinquenta e seis reais) que é exatamente o valor exigido na cadeia
sob regime de suspensão.
96
CONCLUSÃO
199 Deloitte. Breaking the Barriers to the Circular Economy. Deloitte The Netherlands and
Universiteit van Utrecht, Netherlands, 2017. Disponível em: https://bit.ly/2H2e5Kc.
200 “This implication resonates with Kirchherr et al. (2017, p.228) who write that “[CE is not] a
‘quick win’, but a major long-term undertaking”. If the CE was immediately extremely profitable,
cultural barriers like ‘Lacking consumer interest and awareness’ and ‘Hesitant”. Idem. n. 4.1.
201 Ellen MacArthur Foundation. The Circular Economy 100 (CE100) programme. Abril de 2016.
Disponível em https://goo.gl/UQ1jzv. p. 1.
97
“aumentam consideravelmente o preço de mercado das matérias-primas
secundárias”202.
Além das preocupações com as barreiras e os custos na implementação
de um mercado de valorização e consequentemente na transição para a
Economia Circular, vale se deter também em outras condicionantes, tais como
meios objetivos de valorização, para que não haja sistemas paralelos e informais
que fazem dos resíduos e da obrigação dada aos fabricantes uma moeda que
pode influenciar nos preços de compra e venda de matérias-primas secundárias.
Aqui o poder regulador terá grande importância.
Outrossim, uma condicionante ao processo de transição que afeta os
preços de matérias-primas secundárias e produtos é a tributação203. O Brasil204
e no Canadá205 são exemplos dessa premissa. Nesses países a tributação da
reciclagem foi pormenorizadamente analisada, ao passo que se concluiu que os
seus sistemas tributários eram verdadeiros inimigos da implementação de
modelos de reciclagem eficientes e lucrativos.
Ainda se falando da tributação vale dizer que seu uso tem representado
um equívoco e não uma solução, ressalte-se a título de exemplo o caso da
Estônia que optou por tratar da tributação de extração de matérias-primas
virgens com o intuito de diminuir o uso de recursos naturais escassos. Nesse
caso a tributação não surtiu efeito pois o “encargo de extração de recursos
minerais da Estônia não reduziu a quantidade de recursos minerais extraídos” 206.
Os incentivos tão bem-quistos pela União Europeia talvez sejam
um aliado nessa construção da Economia Circular. Desde que estejam voltados
para a valorização das matérias-primas secundárias e sejam banidos das
primárias eles poderão ajudar a fazer o processo de transição. Os preços baixos
202 CHAMBER OF COMMERCE OF MOLISE. Input study on "How to stimulate secondary raw
material markets” Workshop. Italy, February 2018. p. 25.
203 Idem, ibidem. p. 24.
204 CNI - Confederação Nacional da Indústria. Proposta de Implementação dos Instrumentos
Canada. Fiscal Studies, vol. 20, no. 4, pp. 451–477. Toronto, Canada: Institute for Fiscal Studies,
1999.
206 EUROPEAN COMMISSION. Capacity building, programmatic development and
communication in the field of environmental taxation and budgetary reform. Directorate-General
for Environment. Brussels. November, 2017. Disponível em: https://bit.ly/2K38dDV. p. 53.
98
de matérias-primas virgens “são artificialmente baixos”207, pela simples razão
dos subsídios que tais materiais podem usufruir por meios estatais como taxas
reduzidas ou mesmo incentivos. Por isso, a implementação de uma Economia
Circular deve resolver disparidade nos incentivos dados às matérias-primas
virgens em detrimento das secundárias ou até mesmo retirar os “incentivos de
mercado que promovam o uso de novos produtos, bem como o descarte de
produtos usados”208. E, por fim “incluir o agendamento de créditos fiscais
corporativos para empresas que fazem investimentos eficientes em recursos,
como a integração de tecnologias de produção verde”209.
Dito isto, é pertinente destacar uma outra possível solução
significativamente boa que facilitaria a transição para a Economia Circular.
Nesse sentido a criação de uma plataforma de banca que permitisse a transação
de matérias-primas secundárias voltado para a circularidade e para além da fase
do resíduo seria uma excelente providência.
207 “Indeed, the main market barriers identified in our research – low virgin material prices and
high upfront investment costs – can be addressed by governmental interventions. First, many
virgin material prices are artificially low since energy for producing these materials is frequently
provided at subsidized rates”. Deloitte. Breaking the Barriers to the Circular Economy. Deloitte
The Netherlands and Universiteit van Utrecht, Netherlands, 2017. Disponível em:
https://bit.ly/2H2e5Kc. p. 10.
208 CHAMBER OF COMMERCE OF MOLISE. Input study on "How to stimulate secondary raw
99
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