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LUIS MIGUEL JUSTO DA SILVA

SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL NO MEIO URBANO:


políticas públicas e tutela jurídica

Dissertação apresentada como requisito à


obtenção do Título de Mestre em Direito no
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Direito da Universidade Federal do Paraná.

Orientador:
Prof. Dr. Manoel Eduardo A. Camargo e Gomes

CURITIBA
2001
Esta dissertação foi julgada APTA para a obtenção do título de Mestre
em Direito e aprovada em sua forma final pela Coordenação do
Programa de Pós G r a d u a ç ã o –
Mestrado e Doutorado - da Faculdade
de Direito da Universidade Federal do Paraná.

Dr. Jacinto N. de Miranda Coutinho


Professor Coordenador do Programa

Apresentada perante a Banca Examinadora composta pelos Professores:

Prof. Dr. Manoel Eduardo A. Camargo e Gomes - UFPR


Presidente da Banca

P rof Dra Nuria Belloso Martin - Universidad de Burgos


Membro Titular da Banca

Prof. Dr. Luiz Edson Fachin - UFPR


Membro Titular da Banca

Curitiba, 07 de janeiro de 2001


O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.

Fernando Pessoa

À Montargli, aldeia alentejana onde nasci, dedico esta dissertação.


AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Isaura e Joaquim, ao meu filho Lucas, pelo

sentido da vida.

Ao meu orientador Professor Doutor Manoel Eduardo Alves


Camargo e Gomes, cujos limites deste trabalho não lhe

pertencem, pela irmandade manifestada aqui e noutros ritos

de passagem, ao qual dedico, se êxito tiver, o meu título


de Mestre.

Aos Professores Doutores Luiz Edson Fachin, Diretor da


Faculdade de Direito, e Jacinto Nelson de Miranda Coutinho,
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito,

pela fraterna amizade que ultrapassa o mundo acadêmico.

Aos meus Professores Doutores no Mestrado, cuja docência


possibilitou, ainda, um maior respeito e admiração: Fernando
Andrade de Oliveira, Celso Luiz Ludwig, Clèmerson Merlin
Clève, Cristiane Derani, Alvacir Alfredo Nicz, Eros Roberto
Grau e Marçal Justen Filho.

Ao corpo discente do Mestrado e Doutorado pela confiança na


representação do Centro de Estudos Jurídicos - CEJUR, que,
em verdade, é devida aos meus pares de diretoria.

Aos excelentes funcionários que servem com espírito público


esta digna Faculdade de Direito, representados aqui pela
Laura, Sandro e Rita.

À recente amiga Antônia, pela fundamental colaboração no


trabalho, oportunizando conversas que espero não terminem
com a conclusão deste.

iv
SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................... vii

INTRODUÇÃO........................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 - DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE 6

1.1 PROPEDÊUTICA DO DIREITO AMBIENTAL................................ 7

1.1.1 Meio Ambiente: Recepção Legal e Doutrinária............................ 7

1.1.2 A Constitucionalização do Conceito de Meio Ambiente............... 19

1.1.3 Taxionomia dos Aspectos Ambientais.......................................... 27

1.1.3.1 Ambiente natural....................................................................... 28

1.1.3.2 Ambiente artificial...................................................................... 30

1.1.3.3 Ambiente cultural...................................................................... 33

1.1.3.4 Ambiente do trabalho................................................................ 37

1.1.4 Princípios do Direito Ambiental..................................................... 39

1.1.4.1 Princípio da precaução ou da prevenção................................. 41

1.1.4.2 Princípio da participação ou da cooperação............................ 43

1.1.4.3 Princípio do poluidor-pagador ou da responsabilização 47

1.2 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL 51

1.2.1 A Declaração de Estocolmo: a Conexão entre Ambiente e

Desenvolvimento.......................................................................... 52

1.2.2 Nosso Futuro Comum: o Conceito de Sustentabilidade............... 53

1.2.3 Conferência “Rio-92”: uma Agenda Mundial do Desenvolvimento

Sustentável.................................................................................... 58
1.2.4 A Agenda 21 Brasileira.................................................................. 64
1.2.5 A Agenda 21 e o Meio Urbano...................................................... 66
1.2.6 Direito Ambiental e a Noção de Sustentabilidade........................ 69

v
CAPÍTULO 2 - POLÍTICA URBANA E SUSTENTABILIDADE.............. 75

2.1 POLÍTICA URBANA NO CONTEXTO JURÍDICO.......................... 75

2.1.1 Função Socioambiental nas Cidades.......................................... 83

2.1.2 Função Socioambiental da Propriedade..................................... 85

2.2 URBANIZAÇÃO INSUSTENTÁVEL............................................... 90

2.2.1 Aspectos da Degradação Ambiental Urbana............................. 96

2.2.1.1 Segregação Socioespacial....................................................... 97

2.2.1.2 Poluição urbana........................................................................ 101

2.3 POLÍTICA PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO URBANO

SUSTENTÁVEL................................................................................. 103

CAPÍTULO 3 - PROTEÇÃO AMBIENTAL NAS CIDADES..................... 113

3.1 INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE TUTELA DA SUSTEN-

TABILIDADE AMBIENTAL URBANA.............................................. 114

3.1.1 Zoneamento Ambiental............................................................. 114

3.1.2 Licenciamento Ambiental............................................................ 120

3.1.3 Estudo de Impacto Ambiental..................................................... 130

3.1.4 Legislação e Estrutura Institucional Municipal............................ 135

3.1.5 Política Fiscal Ambiental.............................................................. 140

3.2 ATUAÇÃO DA SOCIEDADE NA DEFESA DO AMBIENTE 146

3.2.1 Participação e Controle na Espacialidadeda Administração

Pública Municipal......................................................................... 153

3.2.2Participação e Controle Coletivo e Individual................................... 155

CONCLUSÃO............................................................................................. 161

REFERÊNCIAS.......................................................................................... 166

vi
RESUMO

O objetivo dessa dissertação volta-se para a tentativa de demonstração da


plausibilidade jurídico-política da noção de sustentabilidade ambiental ser
recepcionada pelas políticas públicas do meio urbano e pelo conjunto de
instrumentos normativos de tutela ambiental das cidades. Para tanto,
procurou-se demonstrar a compatibilidade doutrinária da categoria
sustentabilidade no Direito Ambiental do Meio Urbano (Capítulo 1), tendo
como marco teórico, fundamentalmente, o que se poderia chamar de Teoria
Geral do Direito Ambiental, operacionalizada a partir do método dedutivo, o
qual indica uma investigação de pontos gerais (conceituai, taxiológico e
principiológico) para um ponto específico (sustentabilidade ambiental
urbana). Após, buscou-se evidenciar que essa categoria não só é adequada
como pode se constituir em um elemento central do processo de formulação
e execução de política pública aplicada nas cidades (Capítulo 2). O método
utilizado foi o dedutivo, com a opção por um procedimento que parte da
política urbana no contexto jurídico para alcançar o desenvolvimento urbano
sustentado como elemento central das políticas públicas, operacionalizado
por marcos teóricos de outros campos do saber além do Direito Ambiental,
especialmente, a sociologia urbana contemporânea. Por fim, procurou-se, ao
indicar o conjunto de instrumentos institucionais e processuais de tutela,
comprovar sua plausibilidade sistêmica no ordenamento jurídico e na
doutrina do Direito Ambiental brasileiro (Capítulo 3). Pelo método descritivo,
acompanhado de singelo esforço de sistematização, teve-se como critério a
dupla direção do comando constitucional do art. 225 em relação à sujeição
do dever de proteção ambiental: Poder Público e coletividade. Com esse
recorte metodológico pretendeu-se elevar a categoria sustentabilidade à
condição não só de elemento nodal da política pública do meio urbano,
como também de objeto da própria tutela jurídica ambiental para as cidades.
1

INTRODUÇÃO

O objetivo geral que informa o presente trabalho situa-

se no âmbito de uma investigação da categoria do meio ambiente urbano

na perspectiva do Direito Ambiental. A escolha desse universo teórico-

doutrinário deve-se à sentida ausência, nesse ramo do Direito, de esforços

acadêmicos voltados ao levantamento, à ordenação e sistematização

crítica de conteúdos normativos, com incidência na tutela jurídico-política

do meio urbano. O reflexo desta ausência - que acabou por se constituir na

principal motivação dessa investigação - é a inexistência de um corpo

doutrinário, capaz de oferecer aos operadores do direito uma maior

inteligibilidade do plexo de disposições políticas, normativas e doutrinárias

do Direito Ambiental aplicáveis ao universo urbano.

No âmbito desse universo, esta investigação situa-se

na confluência de três temáticas relacionais distintas: o desenvolvimento

econômico ligado à exploração dos recursos naturais; a política urbana e a

urbanização adstrita à qualidade de vida nas cidades; e, os meios jurídico-

institucionais de proteção ambiental.

Com esses referentes, o objetivo desta dissertação

volta-se para a tentativa de demonstração da plausibilidade jurídico-política

da noção de sustentabilidade ambiental ser recepcionada pelas políticas

públicas do meio urbano e pelo conjunto de instrumentos normativos de

tutela ambiental das cidades.


Para atingir o objetivo proposto, a análise e siste­
matização da temática encontram-se estruturadas em três Capítulos. No
primeiro, de natureza propedêutica, busca-se uma conceituação do meio
ambiente com o qual se pretende trabalhar, advinda do ordenamento
ordinário e constitucional. Após, apresenta-se a taxionomia ambiental
2

doutrinariamente estabelecida, identificando a dimensão de seus aspectos


e a abrangência de sua tutela, bem como seus princípios conformadores,
atribuídos pelos tratados internacionais e admitidos pela doutrina ambiental
nacional e alienígena.
Desta forma, o primeiro Capítulo 1 procura sistematizar
alguns conceitos doutrinários aptos a consolidarem as interfaces
necessárias dos aspectos ambientais, delimitando o campo de incidência do
Direito Ambiental. Assim, procura-se assegurar a investigação com um
instrumental básico para percorrer as etapas necessárias na
contextualização do ambiente urbano.
A segunda parte do Capítulo 1 pretende trazer do
cenário internacional a discussão sobre as questões ambientais e a
dinâmica relacional entre o ambiente e o desenvolvimento, tendo como
referente as duas maiores Conferências realizadas pelas Organizações das
Nações Unidas em Estocolmo e no Rio de Janeiro.
Essa opção metodológica deve-se ao fato de esses
Encontros demonstrarem e ratificarem o posicionamento da comunidade
internacional, segundo o qual os problemas ambientais necessitam ser
apreendidos de forma planetária tendo como eixo indissolúvel o modelo de
desenvolvimento adotado. Nesse desiderato, os tratados internacionais
estabeleceram diversos compromissos, dentre os quais, o da formulação e
implementação de uma agenda de políticas públicas direcionadas ao
desenvolvimento sustentável, com alcance global, regional e local.
Nessa dimensão, a categoria sustentabilidade é
utilizada como referente metodológico do presente trabalho, não só por
ser entendida como objeto de tutela do próprio Direito Ambiental, mas,
principalmente, por ser o termo-conceito mais adequado à formulação de
uma política pública ambiental equilibrada para as cidades.
3

Esse Capítulo, como se pode notar, tem como marco

teórico, fundamentalmente, o que se poderia chamar de Teoria Geral do

Direito Ambiental, operacionalizada a partir do método dedutivo, o qual

indica uma investigação de pontos gerais (conceituai, taxiológico e

principiológico) para um ponto específico (sustentabilidade ambiental

urbana). Importa salientar, nesse passo, que foi necessária a utilização de

conteúdos extraídos das conferências internacionais, para apontar a

plausibilidade de adequação da categoria sustentabilidade no âmbito das

políticas públicas ambientais.

A política urbana, o processo de urbanização

contemporâneo e a decorrente degradação urbana conformam o campo de

reflexão do segundo Capítulo 2. Nessa sede, a tratativa sobre função

social das cidades e da propriedade, segregação socioespacial, poluição

urbana, servem para a necessária delimitação da análise das políticas

públicas direcionadas ao desenvolvimento urbano, em especial no que se

refere à recepção da categoria sustentabilidade no âmbito da formulação

de política pública ambiental para as cidades.

Tal como no Capítulo anterior, o método aqui utilizado

foi o dedutivo, com a opção por um procedimento que parte da política

urbana no contexto jurídico para alcançar o desenvolvimento urbano

sustentado nas cidades como elemento central das políticas públicas.

Neste capítulo, foi necessária a utilização de marcos teóricos de outros

campos do saber além do Direito Ambiental. Assim, por exemplo, para

análise do processo de urbanização foram utilizados, especialmente, os

trabalhos de CASTELLS e LEFEBVRE, ambos expoentes da sociologia

urbana contemporânea.
4

O Capítulo final, divide-se em duas partes. A primeira,

dedica-se ao conjunto de instrumentos de tutela ambiental, passíveis de

utilização na espacialidade urbana. A segunda, aos espaços institucionais

de participação popular voltados para a defesa do meio ambiente, com

seus respectivos instrumentos processuais. Essa divisão procurou

reproduzir a dupla direção do comando constitucional contido no art. 225

da Constituição Federal, em relação à sujeição do dever de defender um

meio ambiente ecologicamente equilibrado: Poder Público e coletividade.

Tal divisão - ao patrocinar uma ordenação desses

espaços e instrumentos institucionais - acaba por retratar a possibilidade,

ainda que parcial, de se buscar uma efetividade às políticas públicas do

meio urbano, voltada para a sustentabilidade. Por este viés, a adequação

da sustentabilidade como objeto da tutela jurídica ambiental do meio

urbano, exsurge naturalmente, tornando desnecessária uma reflexão mais

aprofundada. Por esta razão o método utilizado foi o descritivo,

acompanhado de singelo esforço de sistematização tendo como critério a

mencionada dicotomia presente no art. 225 da Constituição Federal.

Nesse recorte metodológico - um tanto limitado pela

ausência de outros paradigmas teóricos que favorecessem ao menos um

cotejo - a sustentabilidade parece poder ser elevada à condição não só de

elemento nodal da política pública do meio urbano, como também de objeto

da própria tutela jurídica ambiental para as cidades.

Trata-se, tão-somente, da apresentação de uma


possibilidade. Sem dúvida, um primeiro passo, sustentado por um trabalho

acadêmico que não possui a natureza de tese doutoral e, portanto, limitado

a uma releitura, na qual a ruptura epistemológica deve ser evitada.


5

“Vi que não há Natureza,


Q ue a Natureza não existe,
Que há m ontes, vales e planícies,
Q ue há árvores, flores e ervas,
Q ue há rios e pedras,

M as que não há um todo a que isso pertença, (...)

A Natureza é p a rte s sem um todo,


Isto é talvez o ta l m istério de que falam .(...)
F o i isto o que sem p e n s a r nem parar,
A c e rte i que devia s e r a verdade...

Fernando Pessoa
6

CAPÍTULO 1

DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Neste capítulo, cuja função é eminentemente


propedêutica, tendo como referencial o Direito Ambiental, busca-se a

conceituação normativa de meio ambiente com a qual se pretende trabalhar.

Para tanto, inicia-se com o contexto formulador da noção do ambiente como

objeto da tutela jurídica nos níveis constitucional e infraconstitucional. Após,


apresenta-se a taxionomia do meio ambiente, particularmente em seus
vários aspectos e com a percepção da necessidade de identificação da
abrangência da tutela ambiental, bem como seus princípios conformadores,

atribuídos pelos tratados internacionais e admitidos pela doutrina ambiental

nacional e estrangeira.

A primeira parte do Capítulo procura sistematizar


alguns conceitos doutrinários aptos a consolidarem as interfaces
necessárias às análises desta dissertação, bem como iniciar a investigação
com um instrumental básico para percorrer as etapas necessárias na
contextualização de um de seus aspectos: o meio ambiente urbano.
A segunda parte pretende trazer da tratadística
internacional a discussão sobre as questões ambientais quando referidas à

dinâmica relacional entre o meio ambiente e o desenvolvimento, seus

princípios balizadores e o conceito de sustentabilidade ambiental. Tem como

referência as duas maiores conferências realizadas pelas Organizações das


Nações Unidas em Estocolmo e no Rio de Janeiro, respectivamente, em
1972 e 1992. Tais Encontros elaboraram um entendimento da comunidade
internacionalsegundo o qual os problemas ambientais devem ser
apreendidos de maneira planetária tendo como eixo indissolúvel o modelo
de desenvolvimento adotado pelos países.
7

O capítulo conclui com a apresentação do compromisso

internacional, acatado pelo Brasil, do estabelecimento de uma agenda de

políticas públicas direcionadas ao desenvolvimento sustentável, com alcance

no espaço urbano.

Nessa dimensão, a abordagem que se fará a respeito

do desenvolvimento sustentável servirá de marco teórico, principalmente

quando se almeja tratar, mais adiante, do processo de urbanização e da

política urbana constitucional, como fenômenos ligados ao estabelecimento

de relações socioambientais dentro do espaço urbano.

Com esse percurso teórico intenta-se, metodo­

logicamente, apontar o campo de incidência do Direito Ambiental e o objeto

de tutela jurídica desse ramo do saber. Essa reflexão é relevante para a

discussão referente à percussão do Direito Ambiental no meio urbano e

seus instrumentos de proteção, tema objeto desta dissertação.

Nesta trajetória, levada a efeito em um campo minado,

com categorias normativas e teóricas novas, desprovidas de marcos

metodológicos seguros, procurar-se-á demonstrar o insistente apelo da

doutrina dominante em asseverar que o Direito Ambiental tem como objeto

de tutela apenas o meio ambiente: um termo-conceito tão amplo

quanto vago, que invade o universo de proteção jurídica de diversos

ramos do Direito.

1.1 PROPEDÊUTICA DO DIREITO AMBIENTAL

1.1.1 Meio Ambiente: Recepção Legal e Doutrinária

No âmbito normativo, o meio ambiente como categoria

jurídica é de definição recente, pois o Direito ocupava-se apenas em


8

regular o conjunto de recursos naturais e seus elementos, considerados

separadamente. A tutela jurídica, portanto, restringia-se à proteção

estanque e circunscrita à qualidade do ar e dos recursos hídricos, à

conservação da flora e da fauna, mediante códigos próprios ou pela

legislação específica.

A normatização identificadora do meio ambiente em

sua dimensão atual - identidade unitária - teve sua primeira sistematização

mediante a Declaração de Estocolmo, documento final da Conferência

das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, ocorrida em 1972,

na Suécia.

O processo de unificação conceituai envolveu

fundamentalmente duas ordens de preocupação que poderiam ser

resumidas em dois aspectos: institucional e material. O primeiro resultou na

inserção da categoria meio ambiente no âmbito das políticas públicas dos

países participantes e dos organismos internacionais, gerando não só a

inclusão dessa categoria em diversos ordenamentos jurídicos, como também

a produção de diversos instrumentos institucionais para a sua proteção.

Conforme TRINDADE: “Os anos seguintes à Declaração de Estocolmo

testemunharam uma multiplicidade de instrumentos internacionais sobre a

matéria, em nível tanto global quanto regional”.1

A segunda ordem de preocupação voltou-se para a

questão conceituai propriamente dita. Neste diapasão, ao englobar o

conjunto de recursos naturais e sua relações com o homem, no âmbito da


categoria meio ambiente, consubstanciou-se a dimensão de ecossistema
socioambiental. Esse dilargamento, conjugado com sua conformação como

1TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Direitos humanos e meio ambiente -


paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Fabris, 1993. p. 40.
9

elemento de política pública, resultou no reconhecimento da inter-relação

entre meio ambiente e a ordem econômica, vez que, como estabelecido

nas conclusões do Encontro Internacional, não se poderia tratar do meio

ambiente sem a necessária conexão com o desenvolvimento econômico.

Dali em diante acordaram os países sobre a necessidade de se conceber

instrumentos normativos e econômicos que induzissem a alteração dos

respectivos modelos de desenvolvimento praticados até então.2

Comentando o marco referencial da Conferência de

Estocolmo, FREITAS pontua que “é-a partir daí que o mundo voltou os

olhos para o tema emergente, o que acabou influindo decisivamente em

reformas constitucionais, que foram concretizar-se, principalmente, na

década de oitenta".3

Dentre mais de uma centena de países que

subscreveram a Declaração de Estocolmo, foram Portugal, Espanha e

Brasil os primeiros a recepcionar, na ordem constitucional, as diretrizes da

Declaração. Assim aconteceu com a Constituição Portuguesa que, ainda

na década de 1970, inaugurou a formulação moderna do conceito de meio

ambiente pelo ordenamento jurídico, correlacionando-o com o direito à

vida, conforme, prevê seu artigo 66 (mantido nas revisões posteriores):

“ 1 Todos têm direito a um ambiente de vida humana,

sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o

defender.

2Quanto à relação entre meio ambiente e desenvolvimento, será tratada de


maneira mais detalhada no tópico de desenvolvimento sustentado inserido na segunda
parte do capítulo.

3FREITAS, Vlademir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das


normas ambientais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 27.
10

(...)

3. O cidadão ameaçado ou lesado no direito previsto

no n. 1 pode pedir nos termos da lei, a cessação das

causas de violação e a respectiva indenização.

4. O Estado deve promover a melhoria progressiva e

acelerada qualidade de vida de todos os portugueses”.4

Acompanhando a progressista ordem portuguesa, a

Espanha estabeleceu em sua Carta Constitucional de 1978:

“ 7. Todos têm o direito a desfrutar de um meio

ambiente adequado para o desenvolvimento da

pessoa, assim como o dever de conservá-lo;

2. Os Poderes Públicos velarão pela utilização

racional de todos os recursos naturais, com o fim de

proteger e melhorar a qualidade de vida, defender e

restaurar o meio ambiente, apoiando-se na

indispensável solidariedade coletiva”.5

No caso do Brasil, os compromissos avençados

iniciaram-se no ano seguinte, com a criação, em 1973, da Secretaria

Especialdo Meio Ambiente - SEMA6. Como país considerado

4DIAS, José Eduardo Figueiredo; MENDES, Joana Maria Pereira. Legislação


ambiental sistematizada e comentada. Coimbra: Coimbra, 1999. p. 11-12.

5SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2. ed. São Paulo:
Malheiros, 1997. p. 25.

6A SEMA foi instituída pelo Decreto n.° 70.030/73, no âmbito do então Ministério
do Interior, com o objetivo de orientar a política de conservação do meio ambiente e o uso
racional dos recursos naturais; acabou extinta pelo Lei n.° 7.735/89.
11

subdesenvolvido e severamente criticado pelas condições de pobreza e

pela degradação ambiental, a institucionalização de uma Secretaria

Especial, vinculada à Presidência da República foi a resposta brasileira no

sentido de mostrar sua disposição em incluir, no âmbito de suas políticas

públicas, a atenção ao meio ambiente e, deste modo, neutralizar as críticas

e a pressão internacional.

Mais tarde, também por iniciativa do Executivo

Federal, como apoio definitivo à gestão ambiental, foi introduzida no nível

normativo infraconstitucional a Lei n.° 6.938/81, que dispôs sobre a Política

Nacional do Meio Ambiente - PNMA. Acompanhando as mais modernas

orientações, o diploma contempla como objetivo do PNMA a preservação,

melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando

assegurar condições de desenvolvimento socioeconômico, aos interesses

da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.7

Na implantação dessa política, previu a lei uma

estrutura político-administrativa oficial estabelecida no conjunto articulado

de órgãos institucionais, nos níveis federal, estadual e municipal. Tal

estrutura foi denominada de Sistema Nacional de Meio Ambiente -

SISNAMA8 e constituída pelos órgãos e entidades oficiais dos três entes

federativos ligados à gestão ambiental. Como órgão superior, foi instituído

o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, composto por

representantes do setor público e de segmentos organizados da sociedade

civil. Como órgão executivo dessa política, foi criada uma autarquia, o

7Art. 2.° da Lei 6938/81.

8Art. 6.° da Lei 6938/81.


12

Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis -

IBAMA, cabendo aos Estados e Municípios adotar a mesma direção.

Inaugurava-se, assim, estrutura matriz institucional

responsável pela formulação e execução das políticas públicas e ações

referentes ao meio ambiente, com o desafio de conjugar as peculiaridades

de um país rico em recursos naturais e fornecedor de matéria prima e que

pretendia ingressar no grupo dos dez países mais desenvolvidos do mundo.

Outro ponto a ser ressaltado na já referida Lei

n.° 6.938/81 foi o estabelecimento de instrumentos de política ambiental e

de definições de algumas categorias, até então sem status jurídico:

"Art. 9.° São instrumentos da Política Nacional do

Meio Ambiente:

I - o estabelecimento de padrões de qualidade

ambiental;

II - o zoneamento ambiental;

III - a avaliação de impactos ambientais;

IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva

ou potencialmente poluidoras;

V - os incentivos à produção e instalação de

equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia,

voltados para a melhoria da qualidade ambiental;

VI - a criação de reservas e estações ecológicas,

áreas de proteção ambiental e as de relevante


interesse ecológico, pelo Poder Público Federal,

Estadual e Municipal;
13

VII - o sistema nacional de informações sobre o meio

ambiente;

VIII - o Cadastro Técnico Federal de Atividades e

Instrumentos de Defesa Ambiental;

IX - as penalidades disciplinares ou compensatórias

ao não cumprimento das medidas necessárias à

preservação ou correção da degradação ambiental”.

Quanto às categorias jurídicas relacionadas à gestão

ambiental e sua aplicabilidade normativa, formam definidas na mesma lei:

"Art. 3 o - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se

por:

I - meio ambiente: o conjunto de condições, leis,

influências e interações de ordem física, química e

biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas

as suas formas;

II - degradação da qualidade ambiental: a alteração

adversa das características do meio ambiente;

III - poluição: a degradação da qualidade ambiental

resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar

da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e


econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio


ambiente;
14

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os

padrões ambientais estabelecidos;

IV - poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito

público ou privado, responsável, direta ou

indiretamente, por atividade causadora de degradação

ambiental;

V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas

interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o

mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da

biosfera”.

A Política Nacional do Meio Ambiente foi, sem dúvida,

um marco importante para o estabelecimento de políticas públicas

relacionadas à melhoria da qualidade ambiental, condicionando

instrumentos de proteção e padrões ambientais ao desenvolvimento

socioeconômico nacional. Como dito, até então inexistia uma política

pública direcionada para essa perspectiva, havendo, menos ainda, uma

produção normativa que possibilitasse sua aplicabilidade.

Outro reflexo importante decorrente da edição da

referida lei foi a constatação de que a doutrina jurídica brasileira obtinha

um novo campo de investigação a ser assimilado, cuja abrangência

direcionava-se a vários ramos do Direito. Constatou-se, porém, que o

conjunto de implicações e relações jurídicas estabelecidas a partir da

compilação normativa e da aplicabilidade da lei impunha uma


especialização doutrinária capaz de fornecer uma investigação mais

aprofundada e de forma sistêmica.

Na esteira da doutrina estrangeira, esse novo ramo da


ciência jurídica foi denominado Direito Ambiental, caracterizando-se, desde
15

logo, pela multidisciplinaridade, especialmente, em relação à Ecologia,

Sociologia e Economia, Direito Constitucional, Administrativo, Civil e Penal.

O primeiro pesquisador brasileiro a voltar-se ao Direito

Ambiental como disciplina autônoma buscou na doutrina estrangeira esse

entendimento:

“A/a medida que o ambiente é a expressão de uma

cisão global das intenções e das relações dos seres

vivos entre eles e seu meio, não é surpreendente que

o Direito Ambiental seja um Direito de caráter

horizontal, que recubra os diferentes ramos clássicos

do direito (Direito civil, Direito administrativo, Direito

penal, Direito internacional), é um Direito de

interações, que se encontra disperso nas várias

regulamentações”.9

O Direito Ambiental brasileiro apoiado na Política

Nacional do MeioAmbiente pôde demonstrar sua importância e

necessidade no sistema jurídico nacional. A partir da normatividade desta

Política, a doutrina ambiental vem incorporando e aprofundando categorias

jurídicas por ela estabelecidas. Dentre elas, destaca-se a noção de meio

ambiente, definida no artigo 3.°, inciso I, como “o conjunto de leis,

influências e interações, de ordem física, quimica e biológica que permite,

abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

9MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 6. ed. São


Paulo: Malheiros, 1996. p. 70.
16

Tal conceituação sofreu várias críticas formuladas

pela doutrina ambiental. Esperava-se que os aspectos culturais e sociais

nela estivessem compreendidos, em face das diretrizes definidas, desde a

década de 1970, pela Declaração de Estocolmo que, como visto, apontava

para a relevância desses aspectos. Na voz da doutrina, esta conceituação

caracteriza-se pela sua formulação ampla e ao mesmo tempo vaga,

elaborada a partir de uma base conceituai técnico-científica de difícil

identificação por parte do cidadão comum, destinatário da norma.

Além dessas observações, as críticas à referida

conceituação comportam outras, como a formulada por ANTUNES: “O

conceito normativo estabelecido em sede legal, cuja precisão tem sido

posta em dúvida pela doutrina especializada em razão de sua falta de

clareza, tem uma matriz claramente tecnocrática e não política”.10

Em verdade, a definição apresentada condicionava-se

à realidade política vivida pela sociedade brasileira:

“Não se pode desconhecer que a Lei 6.938/81 é fruto

de um período autoritário e sua elaboração, assim

como os seus conceitos, de uma forma ou de outra,

guardam esta marca. É de se registrar, no particular,

que o caput do art. 2 o da lei menciona expressamente

que a Política Nacional do Meio Ambiente tem por

objetivo assegurar os interesses da ‘segurança

nacional’, que é conceito doutrinário bastante claro”.11

10ANTUNES, Paulo Bessa. Dano ambiental - uma abordagem conceituai. Rio


de Janeiro: Lumen Júris, 2000. p. 155.

11ANTUNES, op. cit., p. 155.


17

Nesse particular, melhor sorte teve a legislação

infraconstitucional portuguesa que, por intermédio da Lei n.° 11/87 em seu

art. 5.°, definiu o meio ambiente como “o conjunto dos sistemas físicos,

químicos, biológicos e suas relações e dos seus fatores econômicos,

sociais e culturais com efeito direto ou indireto, mediato ou imediato, sobre

os seres vivos e a qualidade de vida do homem.”12

Na dicção lusa, ao contrário da brasileira, estão

identificados os conteúdos necessários da relação estabelecida entre o

homem e a natureza: as interações e influências de ordem física química e

biológica que ocorrem por meio de sistemas próprios, condicionam-se aos

fatores de ordem econômica, social e cultural, no seu efeito sobre os seres

vivos e na qualidade da vida humana.

A doutrina ambiental estrangeira já havia caminhado

nesse sentido, compreendendo-o como produto de uma forte interação

social com a natureza. É ilustrativo o exemplo da doutrina argentina:

“E/ concepto de ambiente y su problemática, el

hombre se perfila en su naturaleza de ser social y es

su intervención modificadora de los componentes

físicos naturales que o circundan, el punto de partida

de los problemas dei ambiente, cuando estas

modificaciones alteran, de algún modo, el equilíbrio de

los ecosistemas o atentan contra su restablecimiento.

Entonces, el medio ambiente debe ser entendido en

12DIAS; MENDES, op. cit., p. 28.


18

forma amplia, esto es, involucrando todo aquello que

rodea al hombre, lo que le puede influir y lo que puede

ser influído por é /”.13

De todo modo, à parte das críticas formuladas ao

conceito, a introdução da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente no

ordenamento jurídico brasileiro inaugurou a implantação de políticas

públicas relacionadas ao meio ambiente no cenário nacional. A imprecisão

e a amplitude interpretativa da definição de meio ambiente acabaram por

obrigar a doutrina jurídica a conceber tal definição como uma grande

moldura que necessitava ser preenchida com novos conteúdos que

estabelecessem o vínculo preciso deste com a atividade humana.

Não obstante a doutrina ambiental brasileira tenha

conseguido algum êxito na sistematização e definição de categorias

jurídicas necessárias ao Direito Ambiental, outro obstáculo de maior

complexidade haveria de ser superado. O Direito Ambiental, ao buscar nos

demais ramos do Direito algum instrumental, deparava-se com categorias

jurídicas não informadas originalmente pela dimensão contemporânea dos

direitos difusos - como direito de propriedade, atividade econômica,

direito de construir - dificultando, deste modo, a efetividade da tutela ao

meio ambiente.

A situação somente seria revertida alguns anos mais

tarde com o início do processo democrático brasileiro, que exigiu a

mudança da ordem constitucional. Na esteira das recentes Constituições


estrangeiras, a Constituição de 1988 estabeleceu o direito ao meio
ambiente como direito fundamental, condicionando-se à sua defesa a

13LIBSTER, Maurício. Delitos ecológicos. Buenos Aires: De Palma, 1993. p. 4.


19

atividade econômica, a função social da propriedade, sendo entendida a

qualidade do ambiente como essencial à saúde e à vida humana.

1.1.2 A Constitucionalização do Conceito de Meio Ambiente

No nível constitucional brasileiro, até 1988 não havia

menção à expressão meio ambiente. Todos os ordenamentos constitucionais

anteriores concebiam a tutela ambiental dentro da já referida perspectiva de

exploração dos recursos naturais, principalmente relativa à competência

legislativa e funcional da matéria.

Assim ocorreu, primeiramente, com a Constituição

Imperial de 1824, que não faz qualquer alusão à matéria e com a Carta

Constitucional de 1891, que se limitou a atribuir à União competência para

“legislar sobre terra e minérios”.14 Já, a Constituição de 1934 delegou à

União competência legislativa sobre “riquezas do subsolo, metalurgia,

água, mineração, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca e sua

exploração”.15 Na Constituição de 1937, a competência legislativa privativa

da União dispunha sobre “minas, metalurgia, água, energia hidrelétrica,

florestas, caça e pesca e sua exploração”.16 A Carta de 1946 dispunha que

à União caberia legislar sobre “riquezas do subsolo, mineração, metalurgia,

águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca”.17 A Constituição de

1967 atribuía competência à União para legislar sobre “jazidas, minas e

14Artigo 34, n.° 29.

15Artigo 5 °, inciso XIX, “j”.

16Artigo 16, inciso XIV.

17Artigo 5.°, XV, alínea I.


20

outros recursos minerais, metalurgia, florestas, caça e pesca”.18 Por fim, a

Emenda Constitucional n.° 01, de 1969, manteve os termos adotados na

Carta anterior.

Como categoria juridicamente prevista, o meio

ambiente foi inserido na ordem constitucional brasileira pela Carta de 1988.

A partir da hermenêutica constitucional relativa ao meio ambiente,

depreendida em dezenas de artigos19, espargida pelos diversos Capítulos,

apresenta-se como sendo um direito de todos à sadia qualidade de vida:

“CAPÍTULO VI - Do Meio Ambiente

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-

se ao poder público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras

gerações.

§ 1.° Para assegurar a efetividade desse direito,

incumbe ao poder público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos

essenciais e prover o manejo ecológico das espécies

e ecossistemas;

18Artigo 8.°, inciso XVII, alíneas “h” e “i”.

19Citem-se como exemplos os seguintes dispositivos: art. 5.°, XXIII, LXXI, LXXIII;
art. 20, II, III, IV, V, VI, IX, X, XI e §§ 1 o e 2.°; art. 21, XIX, XX, XXIII alíneas a, b, c; XXV;
art. 22, IV, XXVI; art. 23, l.lll, IV, VI, VII, IX, XI; art. 24, VI, VII, VIII; art.26 e incisos; art.30,
VIII, IX; art. 43, § 2.° , IV e § 3.° ; art. 49, XIV, XVI; art. 91, III; art. 129, III; art. 170, III, VI;
art. 173, § 5 o; art. 174, §§ 1.°, 3.° e 4 o; (art. 176 e parágrafos; (art. 182 e parágrafo; art.
186, I, II; art. 200, VII, VIII; art. 215, § 1.°; art. 216 e incisos e §§ 1.°, 3.° e 4.° ; art. 220, §
3.° , II; art. 225, parágrafos e incisos; art. 231; art. 232. No Ato das Disposições
Transitórias, os artigos 43, 44 e parágrafos.
21

II - preservar a diversidade e a integridade do

patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades

dedicadas à pesquisa e manipulação de material

genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação,

espaços territoriais e seus componentes a serem

especialmente protegidos, sendo a alteração e a

supressão permitidas somente através de lei, vedada

qualquer utilização que comprometa a integridade dos

atributos que justifiquem sua proteção;

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou

atividade potencialmente causadora de significativa

degradação do meio ambiente, estudo prévio de

impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V - controlar a produção, a comercialização e o

emprego de técnicas, métodos e substâncias que

comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o

meio ambiente;

VI - promover a educação ambiental em todos os

níveis de ensino e a conscientização pública para a

preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da

lei, as práticas que coloquem em risco sua função


ecológica, provoquem a extinção de espécies ou

submetam os animais a crueldade.

§ 2 ° Aquele que explorar recursos minerais fica

obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de


22

acordo com solução técnica exigida pelo órgão público

competente, na forma da lei.

§ 3 o As condutas e atividades consideradas lesivas

ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas

físicas ou jurídicas, a sanções penais e

administrativas, independentemente da obrigação de

reparar os danos causados.

§ 4.° A Floresta Amazônica brasileira, a Mata

Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense

e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua

utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de

condições que assegurem a preservação do meio

ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos

naturais.

§ 5.° São indisponíveis as terras devolutas ou

arrecadadas pelos Estados, por ações

discriminatórias, necessárias à proteção dos

ecossistemas naturais.

§6° As usinas que operem com reator nuclear

deverão ter sua localização definida em lei federal,

sem o que não poderão ser instaladas”.

Definiu o caput do art. 225 que o meio ambiente

ecologicamente equilibrado é um direito de todos, um bem de uso comum


do povo e essencial à sadia qualidade de vida. O conteúdo jurídico e
doutrinário estabelecido pelo artigo, pela sua conceituação e por suas

categorias jurídicas, é considerado pelo Direito Ambiental como

megaprincípio, no qual se fundamenta sua aplicabilidade.


23

O sentido da preservação contido no dispositivo

referido parece criar duas situações distintas: não promover a degradação

e impor a recuperação do ambiente degradado. O que a Constituição fez

foi criar uma figura jurídica capaz de impor à sociedade e ao Estado - em

suas relações sociais e produtivas - uma obrigação de zelar pelo meio

ambiente. Tal imposição importa em comportamentos que poderiam ser

sintetizados da seguinte forma: condutas de proteção e manutenção dos

ecossistemas20, medidas preventivas e compensatórias21 e ações que

visem ao uso sustentável22 dos recursos naturais23.

Em razão da alta relevância do meio ambiente

considerado como bem jurídico, a Constituição Brasileira estabeleceu a

obrigação de o Poder Público e a coletividade preservá-lo no presente e

para as gerações vindouras, numa perspectiva de responsabilidade social

e estatal decorrente de uma solidariedade transgeracional. O meio

ambiente constitui-se, portanto, em um bem não pertencente a esta ou

àquela pessoa física ou pessoa jurídica; ao contrário, como objeto jurídico,

é considerado um bem de natureza difusa, de uso comum de todos,

concebido em sua totalidade de patrimônio coletivo.

Pelo que se depreende da norma constitucional,

houve uma inserção de valores que vieram a conformar o conceito do meio

ambiente como bem jurídico. O meio ambiente definido pela legislação

20 Exemplos: incisos, I, II e II e parágrafos 4 o e 5.°.

21 Exemplos: incisos I, II, III, IV, V, III e parágrafos 2.°, 3.° e 6 °.

22A conceituação de sustentabilidade será analisada e cotejada na segunda


parte deste capítulo.

23Exemplos: incisos IV, V e VII e parágrafo 2.°.


24

ordinária como “o conjunto de leis, influências e integrações de ordem

física, química e biológica que, permite, abriga e rege a vida em todas as

suas formas”24 obteve outras categorias de maior relevância.

Desse modo, a Constituição significou um marco na

tratativa das questões relacionadas ao meio ambiente, passando a ser o

sustentáculo e referencial jurídico do Direito Ambiental. Por seu intermédio,

a conceituação jurídica de meio ambiente, ao considerá-lo como um direito

fundamental relacionado à vida, permitiu à doutrina jurídica nacional

acompanhar a estrangeira.

Esse é o entendimento traduzido por ANTUNES, ao

analisar o conceito de meio ambiente e suas interfaces inseridas na

ordem constitucional:

“O legislador constituinte, ao atribuir ao meio ambiente

a condição de um direito a ser desfrutado pelo ser

humano, desta e de outras gerações, efetivamente

deu-lhe uma conotação essencialmente política, e,

portanto, cultural. Diante da constitucionalização do

termo, qualquer outra definição que exclua dele o

caráter de direito fundamental, não encontra amparo

na Norma Fundamental”.25

O mesmo entendimento encontra-se em Afonso da

SILVA, para quem “o meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de


elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento

24Conceito descrito no art. 3.°, inc. I da Lei 6.938/81.

25ANTUNES, op. cit., p. 156.


25

equilibrado da vida em todas as suas formas”. E finaliza: “a preservação,

recuperação e revitalização do meio ambiente há de constituir uma

preocupação do Poder Público e conseqüentemente do Direito, porque

ele forma a ambiência na qual se move, desenvolve, atua e se expande a

vida humana”.26

Complementando tal reflexão, vale a observação mais

abrangente de FIORILLO, para quem “o direito à vida é o objeto do Direito

Ambiental, sendo certo que sua correta interpretação não se restringe pura

e simplesmente ao direito à vida, enquanto vida humana, mas sim direito à

sadia qualidade de vida em todas as sua formas”.27

Essa noção do ambiente como direito fundamental

é igualmente empregada pela doutrina estrangeira, como formulada por

Mota PINTO:

“O meio ambiente dos grupos ou sociedades humanas,

como tal considerados, perspectiva a pessoa como

sujeito de um certo número de direitos absolutos, que

se impõem ao respeito de todos, incidindo sobre os

vários modos de ser físicos ou morais da sua

personalidade. Incidem tais direitos de personalidade,

designadamente, sobre a vida da pessoa, a sua saúde

física e a sua integridade física”.28

26SILVA, J.A., Direito ambiental..., p. 2.

27FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Manual de Direito Ambiental e legislação


aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 25.

28PINTO, Mota. Teoria geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1983. p. 63.
26

Não obstante a Constituição de 1988 ter atribuído

nova conformação à categoria ao meio ambiente, não trouxe uma definição

capaz de contemplar os inovadores conteúdos de sua própria tábua

axiológica. Em não o fazendo, deixou à doutrina, uma vez mais, o encargo

de preencher esse vácuo.

Diante disso, os doutrinadores brasileiros vêm

intentando, acertadamente, atribuir ao termo ‘meio ambiente’ formulações

adstritas à normativa constitucional. Persiste, no entanto, a imprecisão

metodológica na atribuição do campo de incidência e do objeto de tutela do

Direito Ambiental. Tal imprecisão dificulta sobremaneira a aplicabilidade

normativa ambiental, vez que ora se infere que o Direito Ambiental deve

buscar a proteção do meio ambiente, ou da sua qualidade, ora tutelar a

vida humana ou a vida em todas as suas formas.

Verifica-se, assim, uma vasta gama de direitos e

relações ligada às tratativas das questões ambientais, impondo à doutrina,

quando de um maior rigor metodológico, cuidar dos valores e elementos já

inseridos no termo-conceito meio ambiente.

Nesse sentido, tentar-se-á precisar a diferenciação

metodológica entre o campo de incidência do Direito Ambiental e seu

objeto de tutela jurídica.

Para tanto, auxiliado pela taxionomia do meio ambiente,

tal como sua conceituação extraída das categorias constitucionais, intentar-

se-á delimitar o campo de incidência do Direito Ambiental. A doutrina tem

classificado o meio ambiente em seus seguintes aspectos: meio ambiente


natural, meio ambiente artificial, meio ambiente cultural e meio ambiente
do trabalho.
27

1.1.3 Taxionomia dos Aspectos Ambientais

Antes de abordar os diferentes aspectos relativos ao

meio ambiente identificados pela doutrina, é de destacar que esta não

pretende, ao classificá-los, retirar o caráter unívoco de seu conceito, mas,

ao contrário, estabelecer diferenciações ou particularidades dentro de uma

mesma situação unitária.

Desse modo, a taxionomia investigada tem, em

verdade, um caráter didático doutrinário e que não se opõe ao caráter

prepositivo da noção unitária do meio ambiente. Em relação a essa

perspectiva, são irretocáveis as palavras de CANOTILHO e Vital MOREIRA:

“ Trata-se de um conceito unitário, pois embora se

possa colocar o acento tônico: I - sobre o meio

ambiente como ‘modo de ser global’ da realidade

natural, fundado num dado equilíbrio dos seus

elementos (modelo ecológico); II - ou sobre o

ambiente com uma ou mais zonas circunscritas do

território particularmente importante pela sua beleza,

valor paisagístico, científico ou histórico; III - ou sobre

o ambiente como suporte territorial de referência aos

empreendimentos agrícolas, industriais e comerciais,

a Constituição aponta (em consonância, de resto, com

diplomas internacionais) para uma visão unitária


(conjunto dos sistemas físicos, químicos e biológicos e
de factores econômicos sociais e culturais), além de
28

serem interactivos entre si, produzem efeito, directa e


ou indirectamente, sobre unidades existenciais vivas e
sobre qualidade de vida do homem”.29

Feitas essas considerações, os aspectos a seguir

descritos pela doutrina são, antes de tudo, como já dito, componentes


determinados pela ordem constitucional, e, nesta condição, instrumentos
fundamentais para a delimitação do campo de incidência da tutela jurídica
ambiental, definida a partir da política pública governamental.

1.1.3.1 Ambiente natural

O despertar para as preocupações com o meio


ambiente, cujo início deu-se na década de 1950, relacionava-se,
fundamentalmente, com o desmatamento das florestas tropicais e com a
extinção de animais, alertando para a importância da manutenção dos
ecossistemas. Tais apelos motivavam a sociedade na luta pela
preservação ambiental, embora com uma visão pontual do meio ambiente,
que não envolvia a vida humana.
Assim, como primeiro aspecto de uma possível
classificação do meio ambiente está o denominado ambiente físico ou
natural, formado pelo solo, água, ar atmosférico, flora, fauna, na
perspectiva de suas inter-relações e interdependências, ou seja, fundado
na noção de homeostase.30

29CANOTILHO, J. J. Gomes & MOREIRA Vital. Constituição da República


Portuguesa anotada. Coimbra: Coimbra, 1993. p. 347.

30“Homeostase: propriedade auto-reguladora de um sistema ou organismo que


permite manter o estado de equilíbrio de suas variáveis essenciais ou de seu meio
ambiente”. (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua
portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 904.)
29

0 aspecto natural do meio ambiente é o que guarda a

maior identidade, por intermédio de seus elementos, perante a sociedade.

Em grande parte, a educação ambiental tem se servido do aspecto natural

para despertar, principalmente nas crianças, a importância da preservação

ambiental. Da mesma forma, alguns movimentos ecológicos baseiam suas

ações nesta direção, denunciando a matança ilegal e a extinção de

animais, desflorestamento e suas relações com as mudanças climáticas.

A ordem constitucional, nesse aspecto, dispôs sobre a

proteção do meio ambiente natural e dos seus respectivos ecossistemas,

especificamente no artigo 225, § 1.°, incs. I, II, III e VII e também no

seu § 2.°:

11Art. 225 (...)

§ 1° - Para assegurar a efetividade deste direito

incumbe ao Poder Público:

1 - preservar e restaurar os processos ecológicos

essenciais e prover o manejo ecológico das espécies

e ecossistemas;

II - preservar a diversidade e a integridade do

patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades

dedicadas à pesquisa e manipulação do material

genético;

III - definir, em todas as unidades da Federação,

espaços a serem especialmente protegidos, sendo a


alteração e a supressão permitidas somente através
de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
(...)
30

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da

lei, as práticas que coloquem em risco a sua função

ecológica, provoquem a extinção de espécies ou

submetam animais à crueldade.

(...)

§4° -A Floresta Amazônica brasileira, a Mata

Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense

e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua

utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições

que assegurem a preservação do meio ambiente,

inclusive quanto ao uso dos recursos naturais”.

O legislador constituinte, como se pode notar, não

descuidou em estabelecer que os maiores ecossistemas naturais

brasileiros fossem especialmente identificados e protegidos e, além

desses, determinou que outros mais viessem a ser criados em todo o

território nacional.31 Ressalta-se, ainda, a conexão direta entre esses

espaços protegidos e a preservação da biodiversidade e de seu patrimônio

genético, bem como o modo de utilização dos recursos naturais.

1.1.3.2 Ambiente artificial

Outro aspecto do meio ambiente a ser considerado é

denominado doutrinariamente de ambiente artificial ou urbano. “Opondo-se

ou contrapondo-se ao elemento natural aparece o elemento artificial,

31Saliente-se, nesse particular, que o legislador constituinte conferiu estabilidade


extraordinária aos atos de criação de áreas protegidas, estabelecendo que sua alteração
e supressão somente serão permitidos por lei (Art. 225, III da CF).
31

aquele que não surgiu em decorrência de leis e fatores naturais, mas por

processo e moldes diferentes, proveio da ação transformadora do

homem”.32 Em outras palavras, cuida do espaço urbano construído, assim

entendido o conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e das ruas,

praças, parques, espaços livres em geral (espaço urbano aberto).33

Tal classificação tem o caráter eminentemente

delineador da identificação dos elementos integrantes do aspecto urbano,34

visto que o Direito Ambiental, em verdade, preocupa-se com a qualidade

de vida humana no meio urbano e não com a tutela propriamente de seus

elementos identificadores.35

Na Constituição encontra-se uma série de

dispositivos36 que intentam tutelar a qualidade de vida nas cidades,

destacando-se dentre esses o Planejamento Urbano. Tal instrumento é

descrito no seu artigo 182, que, de modo abrangente, traduz esse sentido:

32MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
p. 200.

33Essa subdivisão do meio ambiente urbano em aberto e fechado tem origem no


Direito Urbanístico, ramo do Direito cuja articulação com o Direito Ambiental será feita
mais adiante.

34Vale, aqui, a ressalva de que o aspecto urbano, "nesta sede, não está posto
em contraste com o termo ‘campo’ ou ‘rural’, já que qualifica algo que se refere a todos os
espaços habitáveis, 'não se opondo a rural, conceito que nele se contém, possui, pois,
uma natureza ligada ao conceito de território” (SPANTIGATI, Frederico. Manuale de
Dirito Urbanístico. Milano: Giuffrè, 1969. p. 11, apud FIORILLO, Antonio Celso Pacheco;
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Manual de Direito Ambiental e legislação aplicável.
São Paulo: Max Limonad, 1997. p.60).

35Destaca-se esta idéia para que não se distancie da atribuição constitucional da


preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que não se restringe à
proteção de seus elementos delimitadores.

36Além dos art. 182 e 183 referente ao Capítulo da Política Urbana, veja-se o art.
5.°, inc. XXIII, o art. 21, inc. XX, dentre outros.
32

“Art. 182 - A política de desenvolvimento urbano,

executada pelo Poder Público municipal, conforme

diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo

ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais

da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes".

Em decorrência da amplitude da tutela e do campo a

ser investigado, a doutrina jurídica tem se apoiado na imbricação de dois

de seus ramos - Direito Urbanístico e Direito Ambiental no sentido de

subtrair de seus sistemas normativos os elementos necessários para a

aplicabilidade de suas finalidades.

O desenvolvimento urbano, instrumento próprio do

Direito Urbanístico, tem como objetivo final ordenar o pleno desenvolvimento

das cidades e garantir o bem-estar de seus habitantes. A imbricação do

Direito Ambiental com o Urbanístico ocorre pela convergência de duas

categorias jurídicas estabelecidas: as noções de “bem-estar de seus

habitantes” (art. 182) e a de “qualidade de vida de todos” (art. 225). Ambas

as noções remetem para a preocupação com a qualidade de vida nas

cidades e com o conseqüente bem-estar de seus habitantes.

Portanto, o Direito Ambiental, ao classificar o

ambiente urbano como um de seus aspectos, objetiva tutelar o conjunto de

seus elementos constitutivos, todavia condicionados ao objetivo mediato de

assegurar a qualidade de vida nas cidades.37

37Em vista de o tema central deste trabalho tratar da investigação do meio


urbano e de seus instrumentos de tutela a partir do Direito Ambiental, aponta-se aqui, tão-
somente, sua característica inserida na taxionomia confirmadora da propedêutica jurídica
ambiental. Seu estudo detalhado será objeto dos próximos capítulos.
33

1.1.3.3 Ambiente cultural

Para que se possa compreender o aspecto cultural,

bem como sua tutela inserida no campo de incidência do Direito Ambiental,

convém entender o que poderia ser considerada a ontologia da conexão

entre homem e natureza, numa dada realidade social.

Essa conexão tem como princípio a própria dialética

imanente da relação entre homem e natureza, apanhada numa dada

perspectiva histórica, situada espacial e temporalmente.38 Para tanto, o

homem a ser considerado é aquele compreendido na sua dimensão

relacional (coletiva e cultural), integrante de uma determinada sociedade e

de uma natureza específica. A natureza, por sua vez, é a ambiência da

“possibilidade de vida”, contemplando o homem e outros seres vivos, bem

como o conjunto de recursos naturais e econômicos disponíveis.

Com esse arcabouço conceituai é possível identificar

uma relação que se consubstancia pela antropia cultural, a qual,

modificando a natureza, é por ela modificada, em uma sucessão

temporalmente mensurável.

Adite-se que essa relação não se restringe à

apropriação da natureza em si mesma, mas à totalidade das ações

humanas que a compõem, emolduradas num amplo espectro que comporta

produção e reprodução econômicas, de consumo, trabalho, lazer e outros

aspectos culturais da relação sociedade e natureza.

38Do ponto de vista aqui adotado, essa conexão importa no reconhecimento de


uma análise diacrònica e sincrònica simultaneamente.
34

A esse respeito, DERANI, sublinha que:

toda formação cultural é inseparável da natureza,

com base na qual se desenvolve. A natureza

conforma e é conformada pela cultura. De onde se

conclui que tantas naturezas teremos quão

diversificadas forem as culturas e, naturalmente pelo

raciocínio inverso, as culturas terão matizes diversos

posto que emergem de naturezas diferentes”.39

A realidade social encontra-se permeada no tempo

por culturas diversas e pelo meio que as circunscreve, refletindo suas

antropias, determinando ontologicamente as relações de uma cultura social

com a natureza.

Em virtude disso,

faz incluir no conceito de ambiente, além dos

ecossistemas naturais, as sucessivas criações do

espírito humano que se traduzem nas suas múltiplas

obras. Por isso, as modernas políticas ambientais

consideram relevante ocupar-se do patrimônio

cultural, expresso em realizações significativas que

caracterizam, de maneira particular, os assentamentos

humanos e as paisagens do seu entorno”.40

39DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad,


1997. p. 68.

40MILARÉ, Direito do ambiente, p. 183.


35

Assim, esse terceiro aspecto relevado pela taxionomia

ambiental na doutrina jurídica, acaba por integrar o patrimônio histórico,

artístico, arqueológico, turístico, paisagístico, que, embora artificial, ou

seja, como produção humana, em regra não se confunde com o anterior,

“pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se impregnou”:41

A expressão “cultural” aqui abrange toda a dimensão

de cultura apresentada por Marés de SOUZA FILHO como

elemento identificador das sociedades humanas e

engloba tanto a língua na qual o povo se comunica,

conta suas histórias e faz seus poemas, como a forma

como prepara seus alimentos, o modo como se veste

e as edificações que lhe servem de teto, com suas

crenças, sua religião, o saber e o saber fazer as

coisas, seu Direito”.42

A normatividade da tutela constitucional voltada ao

ambiente cultural encontra-se prevista no art. 186 e seus incisos,

contemplando a abrangência das formas culturais protegidas, antes aludidas:

“Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os

bens de natureza material e imaterial, tomados

individualmente ou em conjunto, portadores de

referência à identidade, à ação, à memória dos

41SILVA, J.A., Direito Ambiental..., p. 3.

42SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. Bens culturais e proteção jurídica.


Porto Alegre: Unidade, 1997. p. 9.
36

diferentes grupos formadores da sociedade brasileira,

nos quais incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e

demais espaços destinados às manifestações

artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,

paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico,

ecológico, e científico".

Com essa estrutura normativa, o ordenamento

constitucional brasileiro consagrou, no direito positivo, o pluralismo cultural.

Sob o título de patrimônio cultural foram previstas as suas mais diversas

formas de manifestação. Constitui-se de bens tangíveis (edifícios, obras de

arte, locais) ou de bens intangíveis (conhecimentos artísticos), considerados

individualmente ou em conjunto. Não se circunscrevem mais àqueles

eruditos ou excepcionais, relacionados à produção de elites sociais. Basta

que sejam portadores da referência à identidade, à ação e à memória dos

diversos segmentos étnicos e sociais e já se encontram tutelados.

Desta forma, rompeu-se com uma tradição normativa

constitucional que, desde 1934, limitava-se a declarar protegidos apenas e

tão-somente os bens de valor histórico, artístico, arqueológico e


paisagístico, sem, contudo, considerar outras tantas manifestações sociais
próprias do povo brasileiro.
37

1.1.3.4 Ambiente do trabalho

Parte da doutrina tem considerado o meio ambiente

do trabalho como seu último e não menos importante aspecto.43 A esse

respeito, o objeto jurídico tutelado está circunscrito à saúde e à segurança

do trabalhador no ambiente de seu labor. Esse ambiente é “integrado pelo

conjunto de bens, instrumentos e meios, de natureza material e imaterial,

em face dos quais o ser humano exerce as suas atividades".44

Sobre o tema, o legislador constitucional consagrou a

terminologia “ambiente do trabalho”45 como integrante do meio ambiente,

no Capítulo da Saúde:

“Art. 200 - Ao sistema único de saúde compete, além

de outras atribuições, nos temos da lei;

(...)

VII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele

compreendido o do trabalho".

43A doutrina divide-se na identificação e consideração deste aspecto ambiental.


Entre os favoráveis, dentre outros encontram-se: Celso Antonio Pacheco FIORILLO,
Sebastião Valdir GOMES, Marcelo Abelha RODRIGUES, Guilherme Purvim de
FIGUEIREDO, Julio César de Sá ROCHA. Entre os que o classificam como aspecto
ambiental estão: Paulo Afonso Leme MACHADO, Toshio MUKAI, Paulo de Bessa
ANTUNES, Edis MILARÉ, dentre outros.

44GOMES, Sebastião Valdir. Direito Ambiental brasileiro. Porto Alegre: Síntese,


1999. p. 30.

45Esta terminologia, oriunda de um dos aspectos do ambiente, foi adotada em


consonância com a Organização Internacional do Trabalho através da sua convenção
n.° 155/81, que trata especificamente da “Segurança, saúde dos trabalhadores e meio
ambiente do trabalho”. Em outros países segue-se o mesmo sentido: Itália - ambiente de
lavoro; França - milieu du travai!; países anglo-saxônicos - working environment para
permanecer em poucos exemplos.
38

Ressalte-se, ainda, que a segurança e a saúde,

relativas ao ambiente do trabalho, dizem respeito de maneira mediata,

também, à saúde e à qualidade de vida das populações situadas próximas

aos locais de produção, principalmente quando se trata de zonas industriais.

Do ponto de vista estritamente normativo, o aspecto

do ambiente do trabalho merece toda a consideração da doutrina. Em

verdade, o legislador acertadamente entendeu a saúde do trabalhador na

atividade laborai como algo a ser tutelado, inserindo-se nessa tutela o local

apropriado para que se desenvolvam tais atividades. Mesmo sendo um

aspecto mais restrito, o ambiente do trabalho - seja na área urbana ou na

rural - em virtude das diferentes atividades exercidas em diversos locais e

estabelecimentos, configura-se um ambiente merecedor de tutela visto ser

contemporaneamente locus gerador das várias formas de poluição interna

e de seu entorno.

Sobre o aspecto do meio ambiente do trabalho,

algumas observações merecem ser feitas, não obstante o silêncio

doutrinário encontrado nessa sede.

A definição trazida a colação do que se constituiria

ambiente do trabalho - integrado pelo conjunto de bens, instrumentos e

meios, de natureza material e imaterial, em face dos quais o ser humano

exerce as suas atividades - mostra-se, como tantas outras relacionadas ao

meio ambiente, bastante vaga e abrangente. Não se afirme com isto que a

definição esteja incorreta. Menos ainda que não se deva tutelar a saúde do
trabalhador e suas condições e locais de trabalho. A observação de ordem

crítica é que outros ramos do direito e de diversas ciências, ambos


alicerçados pelos seus sistemas normativos e regulamentares, estão mais
direcionados ao exercício dessa tutela.
39

Como anteriormente analisado, a definição legal e a


conceituação trazida pela norma constitucional possibilitam a identificação
de outras atividades humanas desenvolvidas em ambientes específicos,
contudo, não albergadas pela taxionomia doutrinária. A atividade do lazer

e da recreação exercida nas praias, parque, jardins, montanhas, seria


um exemplo.

Nesta direção, poder-se-ia incluir como o ambiente do


lazer, outro aspecto na classificação, vez que o habitat em que se
desenvolvem tais atividades é tutelado por normas ambientais. O que se

quer referir é que a doutrina, ao classificar o meio ambiente, mesmo que


com intuito didático, nos aspectos naturais, artificiais e culturais, já preenche
a totalidade genérica do campo de incidência do Direito Ambiental.
Isso posto, finaliza-se de maneira pontual os aspectos
do meio ambiente, que acabam por delinear o amplo campo de incidência
fixado pela maioria dos doutrinadores do Direito Ambiental.46 A partir daqui,
analisar-se-ão os princípios conformadores do Direito Ambiental, sempre
tendo como base as normas ambientais constitucionais e a dimensão dos
aspectos acima referidos.

1.1.4 Princípios do Direito Ambiental

O Direito Ambiental brasileiro, como moderno ramo da


ciência jurídica, ressente-se ainda de um maior aprofundamento no sentido
de sua sistematização. Como visto, teve sua gênese influenciada pelos
tratados internacionais e sua estrutura decorrente da via legislativa.

46Entre os doutrinadores destacamos José Afonso da Silva, Rodolfo de Camargo


MANCUSO, Celso Antonio Pacheco FIORILLO, Nelson NERY JUNIOR, Antonio Herman
BENJAMIN, Édis MILARÉ, Wlademir Passos de FREITAS, além de outros já mencionados.
40

No processo de sua formação, vários doutrinadores

vêm se dedicando à busca da formulação dos princípios reitores do Direito

Ambiental nacional, articulando aqueles originários dos tratados

internacionais com a ordem constitucional. No entanto, até o presente, tal

esforço não pode ser considerado suficientemente uniformizado para a sua

consagração na doutrina ambiental brasileira.47

Em face da inexistência da uniformização e, portanto,

de consenso, foram elencados, a seguir, apenas os princípios originários

dos tratados internacionais que já foram recepcionados pela Constituição,

e, nesta condição, permeiam e conformam toda a doutrina do Direito

Ambiental contemporaneamente adotada.48

47Como exemplo de uma primeira formulação de princípios do Direito Ambiental


em sede constitucional, têm-se os seguintes: "a) Princípio da supremacia do interesse
público na proteção do meio ambiente em relação aos interesses privados; b) Princípio da
indisponibilidade do interesse público na proteção do meio ambiente; c) Princípio da
intervenção estatal obrigatória na defesa do meio ambiente; d) Princípio da participação
popular na proteção do meio ambiente; e) Princípio da garantia do desenvolvimento
econômico e social ecologicamente sustentado; f) Princípio da função social e ambiental
da propriedade; g) Princípio da preservação de danos e degradações ambientais; h)
Princípio da avaliação prévia dos impactos ambientais das atividades de qualquer
natureza, i) Princípio do Poluidor - Pagador ou da responsabilização das condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente; j) Princípio do respeito à identidade, cultura e
interesse das comunidades tradicionais e grupos formadores da sociedade; k) Princípio da
cooperação internacional em matéria ambiental." Essa relação de princípios teve como
referência os artigos de Álvaro Luiz Valery MIRRA e Édis MILARÉ, vinculados na Revista
de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986 v. 2, p. 50 e 1999, v. 15,
p. 37, respectivamente.

48Dentre os doutrinadores nacionais, que adotam tais princípios, pode-se


apontar: Paulo Affonso Leme MACHADO, Toshio MUKAY, Edis MILARÉ, Antonio Herman
BENJAMIN, Cristiane DERANI, Celso Antonio Pacheco FIORILLO, dentre outros. Na
doutrina comparada, relacionamos: Ramón Martin MATEO e Jaquenod de ZSÕGÕN
(Espanha); Eduardo PIOGRETTI e Maurício LIBSTER (Argentina); Michel PRIEUR e
Alexander C. KISS (França), Joaquim J. G. CANOTILHO e José Eduardo Figueiredo DIAS
(Portugal); Eckard REHBINDER e Michael KLÕPFER (Alemanha); Mássimo Severo
GIANNINI e Beniamino CRAVITA (Itália).
41

1.1.4.1 Princípio da precaução ou da prevenção

Tratado como o princípio mais importante do Direito

Ambiental, seu sentido está na premissa de que, na maior parte das vezes,

os danos ao meio ambiente são de difícil reparação quando não,

irreparáveis. As atividades produtivas contemporâneas provocam cada vez

mais agressões ambientais cuja reparação tem por característica a

incerteza e a onerosidade excessiva.

Diante da impotência do sistema jurídico, incapaz de

restabelecer, em igualdade de condições, uma situação idêntica à anterior,

adota-se o princípio da prevenção ou precaução do dano ao meio ambiente,

por ser o sustentáculo e objetivo primeiro da preservação ambiental.

Para a exemplificação da importância deste princípio

em face da irreversibilidade dos danos ambientais, tem-se em FELDMANN

a lição de que

“... não podem a humanidade e o próprio Direito

contentar-se em reparar e reprimir o dano ambiental. A

degradação ambiental, como regra, é irreparável.

Como reparar o desaparecimento de uma espécie?

Como trazer de volta uma floresta de séculos que

sucumbiu sob a violência do corte raso? Como purificar

um lençol freático contaminado por agrotóxicos?”.49

A Declaração do Meio Ambiente da Conferência de


Estocolmo permeou por seus 26 princípios a noção da precaução, que veio

49MACHADO, Paulo Affonso Leme Machado. Dano ambiental: prevenção,


reparação e recuperação. Apresentação Fábio Feldemann. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1993. p. 5.
42

a ter tratamento expresso na “Carta Ambiental da Eco-92”, mediante o

Princípio n.° 15:

“Para proteger o meio ambiente, medidas de precaução

devem ser largamente aplicadas pelos Estados

segundo suas capacidades. Quando houver perigo de

dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica

não deverá ser utilizada como razão para adiar a

adoção de medidas eficazes em função dos custos

para impedira degradação do meio ambiente".50

Como prática da aplicabilidade da prevenção em outra

perspectiva, traz-se a lição a respeito da importação de sementes de soja

transgênica. A não-comprovação, ainda, das conseqüências de seu cultivo

fez com que o Mercado Comum Europeu e o Brasil, dentre outros países,

não autorizassem o seu plantio e a sua comercialização no âmbito de seus

territórios. Nesse sentido, aplica-se a máxima do princípio in dubio pro

natura, também para os casos em que não se conhece cientificamente o

risco de determinadas atividades.

De fato, o princípio da precaução é, sem dúvida, aquele

norteador do Direito Ambiental, pelo qual se deve orientar fundamentalmente

a Administração Pública. Tal princípio deve estar presente no

desenvolvimento de políticas públicas e no controle das atividades

econômicas. O licenciamento administrativo, o Estudo de Impacto Ambiental


(EIA) mostram-se - ao lado do tombamento, da desapropriação e da
fiscalização - instrumentos eficazes para a sua concretização.

50c o n f e r ê n c ia d a s n a ç õ e s u n id a s s o b r e o m e io a m b ie n t e e
DESENVOLVIMENTO. 2. ed. Brasília: Senado Federal, 1997. p. 596.
43

Como a imposição de defesa e preservação ambiental,

referida constitucionalmente, é conferida ao Poder Público, têm, também, os

Poderes Legislativo e Judiciário tal obrigação. Apoiado nesse princípio, o

Legislativo deve aparelhar a sociedade e o Estado com leis específicas

alicerçadas na prevenção ambiental. Da mesma forma, o Poder Judiciário

deverá nortear-se pelo princípio da precaução em suas decisões,

principalmente naquelas de caráter cautelar e mesmo de antecipação de

tutela a fim de evitar possíveis danos ao meio ambiente.

Dessa forma, a precaução e a prevenção importam

em limites à atividade econômica, públicas e privadas, no sentido da

imposição constitucional da qualidade de vida e do equilíbrio ecológico do

meio ambiente, cuja observância tem base em tratados internacionais, e na

própria Constituição.

1.1.4.2 Princípio da participação ou da cooperação

O princípio da participação ou da cooperação

fundamenta-se, constitucionalmente, em duas dimensões: uma de ordem

interna, baseada na participação como dever da sociedade em preservar o

meio ambiente, e outra de ordem externa, relacionada ao dever de

cooperação entre os países objetivando soluções comuns para a melhoria

da qualidade ambiental nacional51 e internacional.52

510 caput do artigo 225, da CF, quando atribui a todos o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado dispõe neste sentido: “(...) impondo-se ao poder
público e a toda à coletividade o dever de defendê-lo e preserva-lo para as presentes e
futuras gerações”.

52A Constituição, no seu art. 4.°, IX, estabelece como princípio nas relações
internacionais a “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”, nele
subentendida a preservação do meio ambiente.
44

As agressões ao meio ambiente produzem por vezes

conseqüências que não se encontram circunscritas aos limites territoriais de

um único país, envolvendo, como conseqüência, seus vizinhos. Há, portanto,

dimensões transfronteiriças e globais a serem consideradas no tratamento

da preservação do meio ambiente, obrigando a que o princípio da

cooperação não se circunscreva apenas ao âmbito interno de cada nação.

Esse tema teve especial atenção através dos tratados

internacionais estabelecidos nas duas principais Conferências sobre o Meio

Ambiente.53 A cooperação e a participação obtiveram alusão expressa no

Princípio 05 da Declaração da ECO-92, determinando que

“... todos os Estados e todos os indivíduos, como

requisito indispensável para o desenvolvimento

sustentável, devem cooperar na tarefa essencial de

erradicar a pobreza, de forma a reduzir as

disparidades nos padrões de vida e melhor atender as

necessidades da maioria da população do mundo”.54

Tal princípio foi recepcionado no ordenamento

legislativo nacional pela Lei n.° 9.605/98, que prevê as sanções penais e

administrativas relativas a condutas e atividades consideradas lesivas ao

meio ambiente. No Capítulo VII, intitulado “Da Cooperação Internacional

53Na declaração de Estocolmo, este aspecto foi abordado no Princípio 20, que
manifestou a necessidade de livre intercâmbio de experiências e mutuo auxilio tecnológico
e financeiro entre os países, no sentido de facilitar a solução global dos problemas
ambientais (TRINDADE, op. cit., p.225).

54CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE E


DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 595. Além dessa menção, a cooperação encontra-se,
deforma indireta, prevista nos Princípios 07, 09, 12, 13, 14, 18 e 27 da Declaração
da Eco-92.
45

para a Preservação do Meio Ambiente”, estabeleceu-se que o Brasil

prestará, no que concerne ao meio ambiente, a necessária cooperação a

outro país, sem qualquer ônus, quando solicitado para produção de provas,

exame de objetos e lugares, informações sobre pessoas e coisas etc.55

O aspecto da cooperação no nível interno encontra-se

relacionado à necessária participação da sociedade na interlocução com o

aparelho estatal, com vistas à proteção do meio ambiente no âmbito

territorial de cada país. Nesse sentido, tanto maior será essa participação

quanto for o amadurecimento democrático apresentado, conforme

ressaltado por MATEO: “La participación, en cuanto perfeccionamiento de la

democracia, requiere de la inmediación de los ciudadanos con los centros

de decisión política, y por ello se beneficia, en lo que a tutela ambiental

se refiere...”.

O princípio da participação comunitária, não exclusiva

do Direito Ambiental, tem como ênfase a imposição constitucional de

defesa e preservação ambiental, de maneira mútua por parte da sociedade

e do Estado. Assim, a resolução dos problemas ambientais não está

adstrita às ações desenvolvidas isoladamente por diferentes agentes, mas

à construção de uma profícua cooperação dos diferentes segmentos

sociais na formulação e execução de uma política nacional, a ser

implementada pelo Poder Público.

Na construção desse diálogo entre o Estado e a

sociedade, no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, o direito à

55Art. 77 da mencionada Lei.


46

informação56 e o direito à educação são, nesse particular, subprincípios

integrantes do poder-dever de participação.

O direito à informação, também basilar do Estado

democrático, entre outras ocasiões, exprime-se objetivamente no âmbito

ambiental, pela necessidade de publicidade dos licenciamentos

administrativos e nos Estudos de Impacto Ambiental, como requisito de

sua validade.57

Quanto ao subprincípio da educação, não olvidou o

legislador constituinte em apontar como dever do Estado a promoção da

educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização

pública para a preservação do meio ambiente.58

Albergados os direitos de informação e da educação,

fortalece-se e incrementa-se a participação comunitária na formulação de

políticas públicas de caráter ambiental. Essa participação deverá ser

exercida nos diversos canais previstos à disposição da sociedade em vários

fóruns afins, dentre eles destacando-se os Conselhos de Meio Ambiente,

56Tais direitos estão sintetizados nos artigos 220 e 221 da CF.

57Saliente-se que o direito à informação encontra sustentação no princípio da


publicidade (expresso com todas as letras no caput do art. 37 da Constituição Federal),
bem assim no dever de prestar informação imposto aos órgãos e entidades públicas em
face de interesse particular e coletivo, sob pena de responsabilidade (posto no art. 5.°,
XXXIII da Carta Maior). Ambos dispositivos, constituem as bases de um complexo sistema
constitucional voltado para a transparência administrativa e participação popular, no qual
se colocam outras disposições normativas como a contida no art. 5.°, inciso LX, 37 § 1.°,
37 § 3 o, 216 § 2 o, 220 § 6.°,bem assim o art. 225, inc. IV, o qual estabelece que para
assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente, incumbe ao Poder Público "exigir, na
forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se
dará publicidade”.

580 Art. 225, inc. IV, da CF dispõe: “promover a educação ambiental em todos
os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.
47

que, como mencionado, devem ser implantados nos três níveis federativos,

como previsto pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.59

1.1.4.3 Princípio do poluidor-pagador ou da responsabilização

A expressão “poluidor-pagador” ensejaria a noção de

que se trata de um princípio baseado no fato de quem paga poderia poluir.

Em verdade, tal nomenclatura, oriunda do direito francês, tem, com efeito,

outro significado. Assenta-se na vocação redistributiva do Direito Ambiental

e inspira-se na teoria econômica de que os custos sociais externos que

acompanham o processo produtivo devam ser internalizados.

Tal princípio baseia-se, fundamentalmente:

a) na necessidade da absorção, pelas pessoas

jurídicas de direito público e privado, dos custos

provenientes da adequação de sua produção ou

produtos aos padrões ambientais exigidos por lei;

b) na responsabilização dessas pessoas pelos tipos

de poluição ou formas de degradação ambiental.

Com respeito ao primeiro aspecto, a internalização

dos custos objetiva a eliminação ou a diminuição até níveis aceitáveis de

algum tipo de poluição. Na prática, isto ocorre com os investimentos

privados em tecnologias para a adequação aos padrões ambientais do

próprio produto, do processo produtivo, do transporte e da comercialização.

Nesta perspectiva, DERANI comenta que:

590 s fóruns de participação e controle serão temas específicos do último


Capitulo deste trabalho.
48

“Durante o processo produtivo, além do produto a ser

comercializado, são produzidas ‘externalidades

negativas’. São chamadas externalidades porque,

embora resultante da produção, são recebidas pela

coletividade, ao contrário do lucro, que é percebido

pelo produtor privado. Daí a expressão ‘privatização

dos lucros socialização das perdas’, quando

identificadas as externalidades negativas. Com a

aplicação do princípio do poluidor-pagador, procura-se

corrigir este custo adicionado à sociedade, impondo-

se sua internalização”.60

Deste modo, o princípio não tem como desiderato, por

certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita apenas a

compensar os danos causados, mas ao contrário, está fundado no primeiro

princípio apontado neste estudo, o da precaução. Desse modo, os preços

pagos por emissões de efluentes industriais não alforria, de nenhuma

forma, o condicionamento dessas atividades emitentes aos padrões

ambientais estabelecidos. Assim, a cobrança diz respeito às externalidades

negativas advindas do processo produtivo, porém delimitadas na lei.

Os dois aspectos relacionados a este princípio foram

previstos no tratado internacional firmado na Conferência da Eco-92. O

relativo à responsabilização foi expresso no Princípio 13, estabelecendo

que “os Estados irão desenvolver legislação nacional relativa à

60DERANI, op. cit., p. 235.


49

responsabilidade e à indenização das vítimas de poluição e de outros

danos ambientais

Já o Princípio 16 reforça a noção acima referida sobre

a absorção pelas empresas dos custos referentes à poluição oriunda de

suas atividades, ou seja, o aspecto do poluidor-pagador:

“As autoridades nacionais devem procurar promover a

internalização dos custos ambientais e o uso de

instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem

segundo a qual o poluidor deve, em princípio, arcar

com o custo da poluição, com a devida atenção ao

interesse público e sem provocar distorções no

comércio e nos investimentos internacionais”.62

Da mesma forma que os demais princípios

apresentados, o do poluidor-pagador ou da responsabilização tem sua base

no ordenamento jurídico brasileiro, no nível ordinário e constitucional. A Lei

de Política Nacional do Meio Ambiente acolheu o princípio do poluidor-

pagador, estabelecendo como um dos seus fins a imposição ao poluidor e

ao predador da obrigação de recuperar e, ou, indenizar os danos causados

ao meio ambiente.63 O princípio obteve previsão constitucional mediante do

art. 225, § 3.° da CF, dispondo que: “As condutas e atividades consideradas

lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou

61CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE E


DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 596.

62CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE E


DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 596.

63Artigo. 4.°, VII da Lei n.° 6.938/81.


50

jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da

obrigação de reparar os danos causados”.

Após a apresentação dos princípios conformadores

do Direito Ambiental adotados pela doutrina, finaliza-se a primeira parte

deste capítulo.

O exposto a respeito da inserção normativa e

doutrinária da categoria meio ambiente, sua taxinomia e os princípios que

lhe informam, permite delinear, com relativa precisão o campo mínimo

de incidência do Direito Ambiental: ambiente natural, urbano, cultural

e do trabalho.
Como visto, a proteção jurídica que recai sobre esse
universo, tão amplo quanto complexo, é informada, ao menos, pelos
princípios da responsabilização (ou do poluidor-pagador), da participação
(ou da cooperação) e da precaução (ou da prevenção).
A delimitação desse campo, bem assim do sentido da
tutela jurídica a ele deferida, conforma, em verdade, um sistema articulado,
cuja racionalidade ainda não foi desvelada pela doutrina. A configuração do
sentido da tutela fornecida pela conjugação dos princípios jurídicos que a
informam, ao ser aplicada a um campo de incidência que envolve todo o
amplo universo no qual se desenvolvem as atividades humanas, requer a
definição precisa do objeto tutelado por esse ramo do saber.
A doutrina não tem se detido nessa reflexão. Na
maioria das vezes tem silenciado ou, como visto, confundido campo de
incidência com objeto de tutela. Outros há, ainda, que se referem ao objeto
tutelado como sendo o direito à vida humana, à vida em qualquer de suas
formas, à qualidade de vida, à saúde, ao meio ambiente, à qualidade
ambiental etc. Muito provável e compreensivelmente, isto se deve à
natureza jurídica indeterminada da categoria meio ambiente, consagrada
51

tanto na definição legal ordinária (Lei n.° 6.938/81), quanto na ordem


constitucional (art. 225).
A segunda parte deste capítulo estará voltada
precisamente para a reflexão do objeto da tutela do Direito Ambiental,
tendo com referente a noção de sustentabilidade.

1.2 DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

Atualmente, entre diretrizes governamentais,


propaganda empresarial e manifestações sociais, poucos conceitos têm
sido tão utilizados e debatidos como o do desenvolvimento sustentável.

Muitas vezes compreendido como se fosse expressão

de generalizada aceitação por algum tipo de senso comum, o conceito de

desenvolvimento sustentado traz à tona um amplo debate, tanto em

torno da idéia de desenvolvimento como da noção de sustentabilidade

ambiental, faltando-lhe ainda precisão e conteúdo, cabendo-lhe as mais

variadas definições.64

Tal debate constitui, de fato, um dos desenhos

possíveis da trajetória recente percorrida pelas questões relacionadas ao

meio ambiente, principalmente em sua tentativa de um diálogo com a

Economia Política e com as Ciências Sociais de modo geral. Reproduzir

esse debate foge aos objetivos deste trabalho, porém interessa a análise

64Como diz GORDILLO “a precisão do conceito que se estipula é um pré-requisito


de tudo que a seguir se exponha sobre o tema". (GORDILLO, Agustin. Princípios gerais
de Direito Público. Trad. Marco Aurélio Greco. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1977.
p.6.) Desprovido de um marco conceituai preciso, a doutrina tem utilizado a noção de
desenvolvimento sustentado, como um locus de indeterminação capaz de acolher as mais
variadas impressões: um cômodo reduto de legitimação retórica.
52

originária formuladora do conceito de desenvolvimento sustentável e suas

diretrizes, para a delimitação do objeto de tutela jurídica ambiental.

1.2.1 A Declaração de Estocolmo: a Conexão entre Ambiente e

Desenvolvimento

As primeiras noções de “desenvolvimento sustentável”

tiveram origem na já mencionada Conferência sobre Meio Ambiente

Humano realizada em Estocolmo (1972).

Nessa ocasião, a Comissão Mundial sobre o Meio

Ambiente e o Desenvolvimento (CMMAD), da Organização das Nações

Unidas (ONU), concluiu que os modelos de desenvolvimentos adotados

pela maioria dos países resultavam em um aumento cada vez maior do

número de pessoas pobres, além de causarem danos ao ambiente.

Propunha, para tanto, que os países adotassem um

novo modelo de desenvolvimento que deveria contemplar a melhoria nas

condições de vida das pessoas, sem o que não haveria resultado na

preservação ambiental. Do diagnóstico estabelecido pela Comissão

surgiu a tese pela qual, mais tarde, redundaria na noção denominada

desenvolvimento sustentável.

No Preâmbulo da Declaração de Estocolmo, afirmou-

se que “nos países em desenvolvimento a maioria dos problemas

ambientais é causada pelo subdesenvolvimento. Muitos continuam a viver

abaixo dos níveis mínimos necessários para uma existência humana,


privados de comida, vestimentos, abrigo, educação e saúde”.65

65SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Direito Ambiental internacional.


São Paulo: Thex, 1994-5. p. 46.
53

Desta forma, o desafio ambiental chegava ao centro

da discussão internacional sobre meio ambiente. A economia mundial não

podia mais se isentar de considerar o meio ambiente como um

ecossistema interligado e interdependente, de cujo equilíbrio dependia a

vida como um todo no planeta. A dimensão ambiental ultrapassava, assim,

a noção de recursos naturais como matéria prima necessária aos meios de

produção. Sua apropriação e o seu processo produtivo necessitavam de

uma correção de rota, vez que eram os principais causadores da

degradação ambiental em todos os seus aspectos.

1.2.2 Nosso Futuro Comum: o Conceito de Sustentabilidade

Mais tarde, em 1983, a Assembléia Geral da ONU

encomendou a uma comissão presidida por Gro BRUNDTLAND, primeira-

ministra da Noruega, e composta por personalidades representativas

de países com diferentes culturas, sistemas políticos e graus de

desenvolvimento,66 estudos alternativos levando em conta a inter-relação

do meio ambiente e o desenvolvimento.

Os trabalhos da comissão duraram aproximadamente

quatro anos, e seu relatório final ficou conhecido mundialmente como

“Relatório BRUNDTLAND”, embora fosse publicado com o título Nosso

Futuro Comum (Our Common Future).67 Essa publicação tornou-se

referência mundial para a elaboração de estratégias e políticas de

desenvolvimento compatíveis com o ambiente.

66A comissão era composta por 27 membros, dos quais 12 vinham de países
subdesenvolvidos, 7 de países desenvolvidos e 4 de países de regime comunista.

67COMISSÃO MUNDIAL DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso


Futuro Comum. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1988.
54

O primeiro aspecto a ser destacado nesse relatório é

seu bem-sucedido esforço para obter um consenso mundial com referência


à temática ambiental, que ultrapassasse as diferenças existentes na

política internacional entre países ricos e pobres, assim como entre países

capitalistas e socialistas.
Embora o Relatório BRUNDTLAND seja habitualmente

considerado um texto técnico notável, sobretudo pelas numerosas

recomendações aos governos, seu principal mérito está no seu viés ético.

A singularidade da questão ambiental refletia-se no fato de que, à diferença

de outras questões com implicações morais, igualmente colocadas no


debate internacional, possuía uma grande objetividade, permitindo articular

ética e política de um modo quase inédito nos acordos internacionais.68

O relatório BRUNDTLAND consolidava uma visão crítica

do modelo de desenvolvimento adotado pelos países industrializados e

mimetizado pelas nações em desenvolvimento, ressaltando a incompa­


tibilidade entre os padrões de produção e consumo vigentes e o uso racional

dos recursos naturais com a capacidade de manutenção dos ecossistemas.


Conceituou-se como sustentável o modelo de

desenvolvimento que "atende às necessidades do presente sem

comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem suas


próprias necessidades".69 Após a edição pela ONU do Nosso Futuro

Comum, o conceito de desenvolvimento sustentado foi mundialmente


incorporado e passou a fazer parte dos demais tratados internacionais

relacionados ao tema.

68A reivindicação da sustentabilidade era proposta unânime e deveria resultar em


compromissos políticos dos governos de todos os países.

69COMISSÃO MUNDIAL DE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, op. cit.,


p. 46.
55

Não se pode negar a importância desse conceito

quando deixa de assumir o ser humano como medida de todas as coisas,

incorporando-o em sua relação com a natureza, numa perspectiva

antrópico-cultural. Mais ainda: sua concepção baseada na eqüidade traduz

de forma definitiva a dicotomia perversamente estabelecida entre os

países desenvolvidos industrializados e aqueles em desenvolvimento,

fornecedores de matérias primas. Todavia, resta analisar se o conceito de

desenvolvimento sustentado é tecnicamente eficiente para refletir a

mudança paradigmática do atual modelo de desenvolvimento mundial.

Poder-se-ia iniciar, primeiramente, pela desconexão

entre o diagnóstico crítico sobre o modelo de desenvolvimento adotado e a

conceituação proposta. A tese caracterizava-se por uma “idéia-força” - a de

sustentabilidade - que fosse capaz de direcionar, de maneira criativa,

iniciativas de dinamização econômica sensíveis ao fenômeno da degradação

do meio ambiente e da marginalização social, cultural e política, e apontava

para a necessidade de um modelo que contemplasse também a justiça

social e a preservação ambiental. Todavia, o “que permanece é a questão

fundamental de como se desenvolver uma coerente estrutura social e

econômica capaz de realizar um equilíbrio entre reprodução dos sistemas

naturais e reprodução e distribuição da produção social”.70

A literatura surgida em torno do conceito de

desenvolvimento sustentável permite deduzir que grande parte da

diversidade de interpretações do conceito deriva da tensão introduzida pela

ética no campo da economia e da política.

70DERANI, op. cit., p. 136.


56

O conjunto de medidas que o relatório reivindica

(limitação do crescimento populacional, garantia de alimentação em longo

prazo, diminuição do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias

de fontes renováveis, crescimento econômico equilibrado nos países

industrializados, controle dos mecanismos de urbanização, satisfação das

necessidades básicas de todos os seres humanos etc.) obrigaria a revisar os

valores e as práticas tradicionais das atuais instituições políticas e

econômicas nacionais e internacionais. Mas isso o relatório não conseguiu

propor com clareza e profundidade, e, talvez, nem poderia.

As tensões e ambigüidades do conceito de desen­

volvimento sustentável, derivadas de seu posicionamento ético, são

multiplicadas pelas diversas atribuições dadas ao papel do Estado, da

sociedade civil e do mercado.

Nessa perspectiva, uma abordagem que compreen­

desse a complexidade, o conjunto de aspectos e as implicações do

desenvolvimento sustentado deveria ter em conta a inter-relação das três

dimensões do conceito: ambiental, social e econômica.

A sustentabilidade ambiental do desenvolvimento,

referindo-se à base física do processo produtivo e da vida social, aponta

tanto para a conservação do estoque dos recursos naturais necessários

para o dito processo como para a proteção dos ecossistemas naturais,

mantendo suas condições paisagísticas, assim como absorvendo as

agressões antrópicas sem comprometer a regeneração dos ecossistemas.

A sustentabilidade social do desenvolvimento,

referindo-se à qualidade de vida da população, associa-se à noção de


justiça social. Em outras palavras, conforme a distribuição de renda e
a eliminação da pobreza sucessivamente. Neste caso, não se restringe
57

ao consumo de bens, mas a valores, como a saúde física e mental,

educação, amadurecimento do indivíduo, satisfação das necessidades

espirituais e culturais.

A sustentabilidade econômica do desenvolvimento,

talvez a mais óbvia, estaria colocada como o crescimento econômico

contínuo sobre bases não predatórias, no sentido de que a taxa de

utilização dos recursos naturais renováveis limitar-se-ia à capacidade

natural de sua reposição. No caso dos recursos não renováveis, além de

considerar a importância do desequilíbrio ecológico que produz sua

diminuição, seria necessário acomodar o ritmo de sua utilização ao

processo de procura de substitutos. Por fim, ainda, seriam necessários

investimentos que permitissem uma mudança do modelo produtivo para

tecnologias mais sofisticadas e apropriadas.

Que a noção de desenvolvimento sustentável foi

fundada em bases éticas, isso parece consenso. Porém, a dimensão

política que se poderia aditar deveria estar baseada na democratização da

atividade econômica, ou seja, a maior participação da sociedade na

produção e nos seus resultados. Isto implicaria, como leciona DERANI, a

“inserção do indivíduo no mercado com a realização dos princípios de

pleno emprego, poder de consumo, acesso à atividade empresarial

(combate ao oligopólio e ao monopólio), acesso aos meios de produção,

discussão de diretrizes econômicas” .71

Essa dimensão política da sustentabilidade ainda é


algo por se conquistar; de toda forma, os elementos que caracterizam sua
noção constituem um avanço em relação à perspectiva anterior.

71 DERANI, op. cit., p. 270.


58

1.2.3 Conferência “Rio-92”: uma Agenda Mundial do Desenvolvimento

Sustentável

A convite do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro foi a

sede da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, realizada em 1992. A reunião ficou conhecida como Rio-

92, e a ela compareceram delegações nacionais de 175 países. Foi a

primeira e maior reunião internacional desta magnitude a se realizar após o

fim da Guerra-Fria. A Conferência do Rio foi também inovadora ao convidar

e obter uma grande participação de Organizações Não-Governamentais

(ONGs) de todo o mundo - não unicamente originárias de movimentos

ambientalistas - que passaram a desempenhar um papel fiscalizador e de

pressão sobre os governos para o cumprimento de uma agenda que viria

a ser estabelecida.

O compromisso do Brasil com o meio ambiente

começara, como visto, 20 anos antes, em Estocolmo. Esse marco inicial

dos esforços internacionais para a proteção do meio ambiente viu-se

prejudicado, contudo, por ter ocorrido num momento histórico em que os

alinhamentos decorrentes da Guerra-Fria impediam reais ações a partir dos

tratados internacionais. No Brasil, da mesma forma e com um agravante,

vivia-se o período de ditadura militar, e tais questões somente eram

tratadas pelos órgãos oficiais, pois eram consideradas como assunto de

segurança nacional.

Na Conferência do Rio, ao contrário da de Estocolmo,


a cooperação prevaleceu sobre o conflito. Ao abrir novos caminhos para o

diálogo multilateral, colocaram-se os interesses globais no centro da

discussão. O significado da Rio-92 foi, portanto, muito além dos


compromissos concretos assumidos: acabou por desvelar as possibilidades
59

de compreensão de problemas ambientais globais, mesmo a despeito dos

antagonismos ideológicos.

Os compromissos específicos adotados pela

Conferência Rio-92 incluem duas convenções, uma sobre “Mudança do

Clima” e outra sobre “Biodiversidade”, além da “Declaração sobre

Florestas”. A Conferência aprovou, igualmente, documentos de objetivos

mais abrangentes e de natureza mais política: a “Declaração do Rio” e a

“Agenda 21”.

Em todos esses tratados, foi endossado o conceito


fundamental de desenvolvimento sustentável, combinando as aspirações
compartilhadas por todos os países ao progresso econômico e material
com a necessidade de um respeito com o meio ambiente. Além disso,
introduziu o objetivo global de paz e de desenvolvimento social duradouros.
As relações entre países ricos e pobres, desde a
Conferência do Rio, têm sido caracterizadas em seus tratados por um
conjunto de princípios inovadores, basilares da noção de sustentabilidade:
“princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas entre a
capacidade dos países", do “poluidor-pagador” e o de "padrões
sustentáveis de produção e consumo".
A chamada Agenda 21, por sua vez, estabeleceu, com
vistas ao futuro, objetivos concretos de sustentabilidade em diversas áreas,

explicitando a necessidade de se buscar novos recursos financeiros e


adicionais oriundos dos países desenvolvidos para a viabilização em nível
global do desenvolvimento sustentável.
No preâmbulo desse documento, sintetizador dos
principais assuntos nela referidos, destaca-se a noção contemporânea da
indissociabilidade entre a questão ambiental e o desenvolvimento, além do
fato de a efetividade de suas propostas depender do êxito de sua
60

implantação em três níveis - global, regional e local. Neste sentido,


destacam-se alguns trechos:

“ 7. Preâmbulo
1.1. A humanidade se encontra em um momento de
definição histórica. Defrontamo-nos com a perpetuação
das disparidades existentes entre as nações e no
interior delas, o agravamento da pobreza, da fome, das
doenças e do analfabetismo, e com a deterioração
contínua dos ecossistemas de que depende nosso bem-
estar. Não obstante, caso se integrem as preocupações
relativas ao meio ambiente e desenvolvimento e a elas
se dedique mais atenção, será possível satisfazer às
necessidades básicas, elevar o nível da vida de todos,
obter ecossistemas melhor protegidos e gerenciados e
construir um futuro mais próspero e seguro. São metas
que nação alguma pode atingir sozinha; juntos, porém,
podemos - em uma associação mundial em prol do
desenvolvimento sustentável.
(...)

1.3. A Agenda 21 está voltada para os problemas


prementes de hoje e tem o objetivo, ainda, de preparar
o mundo para os desafios do próximo século. Reflete
um consenso mundial e um compromisso político no
nível mais alto no que diz respeito a desenvolvimento
e cooperação ambiental. O êxito de sua execução é
responsabilidade, antes de mais nada, dos Governos.
Para concretizá-la, são cruciais as estratégias, os
planos, as políticas e os processos nacionais.
(...) Outras organizações internacionais, regionais e
61

sub-regionais também são convidadas a contribuir


para tal esforço. A mais ampla participação pública
e o envolvimento ativo das organizações não-
governamentais e de outros grupos também devem
ser estimulados.
1.4. O cumprimento dos objetivos da Agenda 21
acerca de desenvolvimento e meio ambiente exigirá
um fluxo substancial de recursos financeiros novos e
adicionais para os países em desenvolvimento,
destinados a cobrir os custos incrementais
necessários às ações que esses países deverão
empreender para fazer frente aos problemas
ambientais mundiais e acelerar o desenvolvimento
sustentável (...). É necessário reconhecer, ainda, que
tais países enfrentam dificuldades sem precedentes
na transformação de suas economias, em alguns
casos em meio a considerável tensão social e política.
(...)

1.6. (...) Com o correr do tempo e a alteração de


necessidades e circunstâncias, é possível que a
Agenda 21 venha a evoluir. Esse processo assinala o
início de uma nova associação mundial em prol do
desenvolvimento sustentável”.72

Posteriormente, a Agenda 21 passa a discorrer


minuciosamente, em várias centenas de páginas, sobre os diversos
aspectos sociais, ambientais e políticos, que devem ser implementados

72c o n f e r ê n c ia d a s nações u n id a s sobre o m e io a m b ie n t e e


DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 9.
62

pelos países, com vistas à reformulação do atual modelo na direção do


desenvolvimento sustentado.
A Seção Primeira73 (Capítulos 2 a 8) trata das
"Dimensões Econômicas e Sociais". Nela são discutidas, dentre outros
temas, as políticas internacionais que podem ajudar a viabilizar o
desenvolvimento sustentável nos países em desenvolvimento; as
estratégias de combate à pobreza e à miséria; as mudanças necessárias a

serem introduzidas nos padrões de consumo; as inter-relações entre


sustentabilidade e dinâmica demográfica; as propostas para a promoção da
saúde pública e a melhoria da qualidade dos assentamentos humanos.
A conservação do ambiente e a questão dos recursos
para o desenvolvimento são objeto de Segunda Seção.74 Ao longo de 13
Capítulos são apresentados os diferentes enfoques para a proteção da
atmosfera e para a viabilização da transição energética; a importância do
manejo integrado do solo, da proteção dos recursos do mar e da gestão
eco-compatível dos recursos de água doce; a relevância do combate ao
desmatamento, à desertificação e à proteção aos frágeis ecossistemas de
montanhas; as interfaces entre diversidade biológica e sustentabilidade; a
necessidade de uma gestão ecologicamente racional para a biotecnologia
e, finalmente, a prioridade que os países devem conferir à gestão, ao
manejo e à disposição ambientalmente racional dos resíduos sólidos,
perigosos, tóxicos e radioativos.

73c o n f e r ê n c ia d a s n a ç õ e s u n id a s sobre o m e io a m b ie n t e e
DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 13-113.

74c o n f e r ê n c ia d a s n a ç õ e s u n id a s sobre o m e io a m b ie n t e e
DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 132-439.
63

As medidas requeridas para a proteção e promoção


de alguns dos segmentos sociais mais relevantes são analisadas nos nove
Capítulos da Terceira Seção.75 O texto enfatiza as ações que objetivam a

melhoria dos níveis de educação da mulher, bem como a participação da


mesma, em condições de igualdade, em todas as atividades relativas ao
desenvolvimento e à gestão ambiental. Adicionalmente, são discutidas as
medidas de proteção e promoção à juventude e aos povos indígenas,

às organizações não-governamentais, aos trabalhadores e sindicatos,


à comunidade científica e tecnológica, aos agricultores e ao comércio
e à indústria.
O texto termina com uma revisão dos instrumentos
necessários para a execução das ações propostas elencadas na Quarta
Seção76 (Capítulos 33 a 40). Nessa parte são discutidos os mecanismos
financeiros e os instrumentos e mecanismos jurídicos internacionais;
a produção e oferta de tecnologias limpas e de atividade científica,
enquanto apoios essenciais à gestão da sustentabilidade; a educação e o
treinamento como instrumentos da construção de uma consciência
ambiental e da capacitação de quadros para o desenvolvimento susten­
tável; o fortalecimento das instituições e a melhoria das capacidades
nacionais de coleta, processamento e análise dos dados relevantes para a
gestão da sustentabilidade.

75c o n f e r ê n c ia das nações u n id a s sobre o m e io a m b ie n t e e


DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 445-493.

76c o n f e r ê n c ia das nações u n id a s sobre o m e io a m b ie n t e e


DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 501-575.
64

1.2.4 A Agenda 21 Brasileira

Em consonância com a Agenda 21 Global, a Agenda

21 Brasileira deve ser a expressão de um projeto de desenvolvimento

sustentável, que viabilize, simultaneamente, a conservação e a qualidade

ambiental, o tratamento equânime e justo na distribuição da riqueza

nacional e a busca permanente do crescimento e da eficiência econômica e

da participação democrática.

A Agenda 21 Brasileira visaria, portanto, contribuir

para o estabelecimento de marcos estratégicos em direção ao próximo

século, de maneira mobilizadora e participativa, a partir da soma de duas

ações convergentes.

A primeira seria responsável pela construção dos

objetivos gerais e estratégias para o desenvolvimento sustentável nacional,

bem como pela definição das linhas de ação de responsabilidade do

Governo Federal, em parceria com a sociedade e os demais entes da

Federação. A segunda ação convergente estaria dedicada à promoção de

agendas regionais e locais.

Para a consecução do primeiro objetivo e atendendo ao

estipulado no Capítulo 38 da Agenda 21 global, que versa sobre os “Arranjos

Institucionais Interacionais”, foi constituída pelo governo brasileiro a

"Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21


65

Nacional". Criada por decreto, em 26 de fevereiro de 1997,77 no âmbito da

Câmara de Políticas dos Recursos Naturais da Presidência da República, tem

por finalidade propor políticas e estratégias de desenvolvimento sustentável e

coordenar a elaboração e implementação da Agenda 21 brasileira.

770 Decreto Presidencial de criação da CPDS, de 26 de fevereiro de 1997


determina:
“Art. 1 o Fica criada, no âmbito da Câmara de Políticas dos Recursos Naturais, a
Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional, com a
finalidade de propor estratégias de desenvolvimento sustentável e coordenar, elaborar e
acompanhar a implementação daquela Agenda.
Art. 2 o Compete à Comissão:
I - propor à Câmara estratégias, instrumentos e recomendações voltados para o
desenvolvimento sustentável do País;
II - elaborare subm eterá aprovação da Câmara a Agenda 21 Nacional;
III - coordenar e acompanhar a implementação da Agenda 21 Nacional.
Art. 3 o A Comissão será integrada:
I - por um representante de cada órgão a seguir indicado:
a) Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal,
que a presidirá;
b) Ministério do Planejamento e Orçamento;
c) Ministério das Relações Exteriores;
d) Ministério da Ciência e Tecnologia;
e) Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República;
II - pelo Secretário de Coordenação da Câmara de Políticas Sociais;
III - por cinco representantes da sociedade civil, de livre escolha do Ministro de
Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal.
§ 1 o A Comissão poderá instituir grupos de trabalho temáticos, integrados por
representantes de órgãos e entidades governamentais da administração federal, estadual
e municipal e da sociedade civil.
§ 2 o Os integrantes da Comissão e seus respectivos suplentes serão designados
pelo Ministro de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal,
após indicação, no caso do inciso I, pelos titulares dos órgãos ali descritos.
§ 3 o O Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia
Legal proverá o apoio técnico-administrativo necessário ao funcionamento da Comissão.
§ 4 ° Será considerada prestação de serviços relevantes, não remunerada, a
participação nos trabalhos da Comissão.
Art. 4 ° A Comissão deverá, no prazo de trinta dias a contar da data de sua
instalação, elaborar seu regimento interno e seu programa de trabalho, para aprovação do
Presidente da Câmara de Políticas dos Recursos Naturais.
Art. 5 ° Este Decreto entra em vigor na data de publicação.
Art. 6 o Fica revogado o Decreto n.° 1.160, de 21 de junho de 1994”.
66

Sendo essa Agenda um instrumento de formulação de

política pública nacional que visa atingir o desenvolvimento sustentável,

constitui-se como um mecanismo que pode ser utilizado por qualquer

instância de governo, seja ele nacional, estadual ou municipal. O que importa

não é a escala territorial, mas o envolvimento dos diferentes atores sociais

num planejamento estratégico fundamentado no marco da sustentabilidade.

Observando a repartição de competência prevista na

Constituição Federal (arts. 21 e segs.) reservou-se um papel específico para

cada uma das esferas de governo na definição de suas respectivas políticas

públicas. O plano federal define as políticas gerais e estruturantes do país,

elaborando diretrizes e princípios. No âmbito estadual, cabe a cada Estado,

em seu espaço territorial, exercício semelhante de formulação de políticas

públicas intransferíveis para o federal e/ou municipal, em atendimento ao

princípio federativo que rege a nossa Constituição. Na esfera municipal, as

Agendas 21 locais tratarão, assim, de assuntos específicos de cada cidade,

abordando temas que estão em sua esfera de decisão. Desta forma, cria-se

a harmonia entre as competências e o apoio mútuo na formulação e

implementação de ações para o desenvolvimento sustentável.

1.2.5 A Agenda 21 e o Meio Urbano

Num país de dimensões continentais, de múltiplas

diferenças e jovem do ponto de vista da democracia e do efetivo respeito

aos direitos de cidadania, a ênfase e a preocupação com o processo de


elaboração da Agenda 21 brasileira, e a opção pela inclusão das Agendas
locais como parte da própria Agenda, não deveriam ser meras escolhas
metodológicas, mas condição indispensável para o êxito dessa missão.

Esse aspecto, pela sua importância, em face das especificidades do País,


67

deveria poder ser visto como o fator diferencial da Agenda brasileira em

relação às demais experiências no mundo.

A Agenda 21 global, em seu Capítulo 07, intitulado

“Promoção do desenvolvimento sustentável nos assentamentos humanos”,

que cuida mais diretamente dos problemas urbanos, estabeleceu o seguinte:

“Objetivo dos assentamentos humanos.

O objetivo geral dos assentamentos humanos é

melhorar a qualidade social, econômica e ambiental

dos assentamentos humanos e as condições de vida e

de trabalho de todas as pessoas, em especial dos

pobres de áreas urbanas e rurais. Essas melhorias

deverão basear-se em atividades de cooperação

técnica, na cooperação entre os setores público,

privado e comunitário, e na participação, no processo

de tomada de decisões, de grupos da comunidade e de

grupos com interesses específicos, como mulheres,

populações indígenas, idosos e deficientes. Tais

abordagens devem constituir os princípios nucleares

das estratégias nacionais para assentamentos

humanos. Ao desenvolver suas estratégias, os países

terão necessidade de estabelecer prioridades dentre as

oito áreas programáticas deste capítulo, em

conformidade com seus planos e objetivos nacionais e


considerando plenamente suas capacidades sociais e

culturais. Além disso, os países devem tomar as

providências condizentes para monitorar o impacto de


68

suas estratégias sobre os grupos marginalizados e

não-representados, com especial atenção para as

necessidades das mulheres”.78

Estabelece, em seguida, as áreas de atuação dos


países nos âmbitos nacional e local, a serem atingidas para o cumprimento
dos objetivos relacionados anteriormente:
a) oferecer a todos habitação adequada;
b) aperfeiçoar o manejo dos assentamentos humanos;
c) promover o planejamento e o manejo sustentáveis
do uso da terra;
d) promover a existência integrada de infra-estrutura
ambiental: água, saneamento, drenagem e manejo
de resíduos sólidos;
e) promover sistemas sustentáveis de energia e
transporte nos assentamentos humanos;
f) promover o planejamento e o manejo dos
assentamentos humanos localizados em áreas
sujeitas a desastres;
g) promover atividades sustentáveis na indústria da
construção;

h) promover o desenvolvimento dos recursos humanos

e da capacitação institucional e técnica para o

avanço dos assentamentos humanos.


São poucos os exemplos de políticas públicas
ambientais comprometidas com a qualidade de vida de suas populações. O

78c o n f e r ê n c ia d a s n a ç õ e s u n id a s sobre o m e io a m b ie n t e e
DESENVOLVIMENTO, op. cit., p. 85.
69

que se constata de maneira alentadora, e também inovadora, é a


preocupação em tratar das questões anteriormente referidas, de forma
sistêmica e integrada, tendo a dinâmica urbana como eixo de referência.
O enfoque do sistema urbano como parte do
ecossistema global coloca em pauta como atingir o desenvolvimento
sustentável nas cidades. Essa visão, muito embora venha conquistando o
seu espaço, ainda deverá passar por um intenso embate com a concepção
mais tradicional de desenvolvimento urbano, que trata as cidades de forma
fragmentada e setorizada.
Nessa perspectiva, os rumos do desenvolvimento
urbano necessitam da crescente atenção de órgãos governamentais
municipais, partidos políticos e entidades da sociedade civil. O conjunto
dos compromissos assumidos pelos tratados internacionais, conformado
numa agenda de políticas públicas, poderá servir como instrumento para
estimular importantes articulações para uma gestão democrática das
cidades, como maior atenção ao planejamento urbano e à cidadania.79

1.2.6 Direito Ambiental e a Noção de Sustentabilidade

A sustentabilidade traduz a idéia-força da manutenção


de bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades,

garantida uma relação socioeconômica satisfatória com o meio ambiente,


com o objetivo de possibilitar que essa relação se reproduza no tempo.
O desenvolvimento sustentável como formulação
inerente aos problemas ambientais transformou-se em categoria fundamental

79“E/ proceso de elaboración y de toda política pública implica decisiones e


interacciones entre indivíduos, grupos e instituciones; decisiones e interacciones
influenciadas sin duda por las conductas, las disposiciones de indivíduos, grupos y
organizaciones afectadas". SUBIRATS, Joan. Análisis de políticas públicas y eficacia
de la Administración. Madrid: Ministério para las Administraciones Públicas, 1994. p. 41.
70

do Direito Ambiental; seu conceito alicerça seus princípios, bem como está
inserido na própria noção jurídica de meio ambiente.

Denota-se, também, que a sua idéia-força foi albergada

pela Constituição Federal, de maneira direta ou indireta. O Capítulo dedicado

à Ordem Econômica estabelece:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização

do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim

assegurar a todos existência digna, conforme os

ditames da justiça social, observados os seguintes

princípios:

(...)

VI - defesa do meio ambiente;

(...)”.

Assim, não se configura um impedimento da atividade

econômica, mas uma condicionante. Toda a atividade produtiva de alguma

forma ocasiona algum tipo de degradação ao meio ambiente. Todavia, o que

se propugna é que os impactos advindos das atividades econômicas

estejam dentro de padrões de qualidade ambiental, ou seja, a atividade

econômica condiciona-se aos limites da sustentabilidade do meio ambiente.

Da mesma forma, o caput do art. 225 da CF,

reapresenta na nova conceituação jurídica de meio ambiente quando

dispõe que “todos têm direito ao ambiente ecologicamente equilibrado (...),


impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as

presentes e futuras gerações”.


A sustentabilidade remete exatamente à noção de que
o meio ambiente do presente seja mantido em padrões suficientes que
71

garantam seu equilíbrio e que sejam assegurados os recursos naturais às

gerações futuras para que possam suprir suas necessidades.

Buscando outro exemplo ainda no ordenamento

constitucional, tem-se o dispositivo que trata da função social da

propriedade rural:

“Art. 186. A função social é cumprida quando a

propriedade rural atende, simultaneamente, segundo

critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,

aos seguintes requisitos:

I - aproveitamento racional e adequado;

II - utilização adequada dos recursos naturais

disponíveis e preservação do meio ambiente;

(...)

IV - exploração que favoreça o bem-estar dos

proprietários e dos trabalhadores”.

Dessa forma o exercício da propriedade está

condicionado à sua função social, e anorma remete ao preenchimento de

alguns requisitos para que isso seja concretizado. Dentre eles, estão a

condição do aproveitamento racional e adequado, a utilização adequada

dos recursos naturais disponíveis, a preservação do meio ambiente e,

por fim, que a exploração favoreça o bem-estar dos proprietários e

dos trabalhadores.
Tais requisitos em seu cotejo com a conceituação
jurídica do meio ambiente e com a noção de sustentabilidade demonstram

que se tratam de valores, atribuições e objetivos comuns, ou seja, a função

social atribuída à propriedade impõe requisitos que preencham a forma


72

adequada de seu uso e exploração. Esta relaciona-se diretamente com a

sustentabilidade ambiental da propriedade, podendo-se inferir que o

exercício da propriedade está condicionado, em síntese, ao seu

desenvolvimento sustentável.

Com estas considerações a respeito da importância

da noção de sustentabilidade na doutrina e no sistema normativo

ambiental, intenta-se concluir, ao menos para os objetivos desta

dissertação, o apontamento e a diferenciação metodológica entre o campo

de incidência80 e o objeto de tutela81 do Direito Ambiental, haja vista a

indeterminação encontrada na doutrina.

Tendo como sustentáculo a propedêutica jurídica

apresentada, poder-se-ia inferir o campo de incidência do Direito Ambiental

correspondente aos aspectos: natural, urbano, cultural e do trabalho. No

referente ao objeto de tutela, como visto, tratado de forma diversa

pelos doutrinadores, incumbe antes analisar a conceituação jurídica do

meio ambiente.

Definido pela legislação ordinária de forma ampla e

vaga e, posteriormente, aditado por categorias e valores constitucionais, o

meio ambiente permanece, ainda, no ordenamento e na doutrina

caracterizado por uma conceituação indeterminada.82 Não obstante isso, tal

80Ver conceituação de campo de incidência.

81Ver conceituação de objeto de tutela jurídica.

820 conceito jurídico indeterminado configura-se quando “la Ley infiere una
esfera de realidad cuyos limites no aparecen bien precisados en su enunciado, no
obstante lo cual es claro que intenta delimitar un supuesto concreto”. (ENTERRÍA, Garcia
de; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo. Madrid: Civitas,
1981. p.385. v. 1 e 2.)
73

indeterminação não se apresenta como obstáculo para o devido

apontamento metodológico do objeto a ser tutelado pelo Direito Ambiental.

Tendo como referência, da mesma forma, a prope­

dêutica geral apresentada na primeira parte deste Capítulo, somando-se à

outra, de caráter mais restrito, que tratou do desenvolvimento sustentado,

infere-se como objeto de tutela do Direito Ambiental o ambiente sustentável.

O Direito Ambiental não intenta, portanto, a proteção

dos aspectos ambientais ou da vida humana ou, ainda, da vida em todas

as suas formas, conforme mencionado pela doutrina. O Direito Ambiental

direciona-se à sustentabilidade do ambiente, cujo objeto reflete a forma

geral pela qual se desenvolvem as relações sociais e econômicas no

mundo da vida, atribuindo-se tutelar a sustentabilidade do meio ambiente a

partir desse plexo relacional.


74

Que pena que tenho dele! Ele era um camponês


Que andava preso em liberdade pela cidade. (...)
Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha, (...)
Fernando Pessoa
75

CAPÍTULO 2

POLÍTICA URBANA E SUSTENTABILIDADE

Após a exposição realizada no Capítulo I sobre as

categorias propedêuticas do Direito Ambiental, a delimitação de seu campo

de incidência e a determinação do seu objeto de tutela, o presente Capítulo

volta-se, mais detidamente, à investigação de um dos aspectos do meio

ambiente escolhido para este estudo, qual seja, o ambiente urbano.

Para tanto, trazem-se à colação diretrizes e categorias

referentes às noções preliminares da política urbana e sua correlação com

as categorias do Direito Ambiental. Num segundo momento, pretende-se

articular a política e o processo de urbanização e as principais formas

de degradação ambiental no contexto das cidades, alicerçado pela

noção da sustentabilidade.

2.1 POLÍTICA URBANA NO CONTEXTO JURÍDICO

Como visto no primeiro Capítulo, a noção de

sustentabilidade remete à preocupação com o meio ambiente, porém não

se descuidando dos problemas relacionados à pobreza humana. Em

virtude disso, e principalmente em se tratando das cidades brasileiras,

passa a ser um componente fundamental do desenvolvimento urbano.

Nesse sentido está o doutrinador urbanista, Nelson SAULE JUNIOR

quando alerta que

"... a política de desenvolvimento urbano que não tiver

como prioridade atender as necessidades essenciais da

população pobre das cidades estará em pleno conflito


76

com as normas constitucionais norteadoras da política

urbana e com o sistema internacional de proteção aos

direitos humanos, em especial com o princípio de

internacional do desenvolvimento sustentável”.83

O desenvolvimento sustentável, como componente e


requisito obrigatório das políticas públicas assumidas pelo Estado Brasileiro,84
encontra acolhimentos também em outras diretrizes constitucionais, além dos
Capítulos do Desenvolvimento Urbano e do Meio Ambiente.
Consubstanciado na diretriz da cooperação entre os
povos,85 e nos direitos e garantias constitucionais do povo brasileiro,86 o
desenvolvimento sustentável agrega-se ao objetivo da República
Federativa do Brasil, que visa erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais.87 Mostra disso é o previsto no

83SAULE JUNIOR, Nelson. Tratamento constitucional do plano diretor como


instrumento de política urbana. In: FERNANDES, Edésio (Org.). Direito Urbanístico. Belo
Horizonte: Del Rey, 1998. p. 49.

84"Art. 5.° (...)


§ 2 o Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte".

85“Art. 4 o A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações


internacionais pelos seguintes princípios:
(...)
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade...”.

86“Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento


sustentável. Têm o direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza”
(Princípio n.° 01 da Declaração de Princípios da ECO-92).

81"Art. 3 o Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:


(...)
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais; ...”
77

Princípio 05 da Declaração da Eco 92: “todos os Estados e todos os


indivíduos, como requisito indispensável do desenvolvimento sustentável,
irão cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, a fim de reduzir
as disparidades do padrão de vida e melhor atender à necessidades da
maioria da população do mundo”.88

Assim, parece não restar dúvida que a noção de

sustentabilidade e as políticas públicas de desenvolvimento nela baseadas

estão em consonância com as diretrizes da Constituição brasileira. Desta

forma, tal noção torna-se indispensável para a análise dos campos de

incidência do Direito Ambiental.


O processo de intensa urbanização deflagrado no
Brasil nos anos 30 teve seu estudo, a partir de uma perspectiva crítica,
iniciado somente na década de 1960.89 A complexidade do tema,
juntamente com as limitações teóricas do marco crítico, já produziram
debates intermináveis acerca da natureza e das especificidades do
fenômeno urbano. Entretanto, pode-se argumentar que a pesquisa sobre o
urbano vem conseguindo um grau satisfatório de clareza conceituai, tanto
no que diz respeito à crítica do marco teórico tradicional neoliberal - ainda
dominante - como à própria compreensão do fenômeno.
Vista do marco teórico crítico, a questão urbana
brasileira tem sido considerada como o resultado dinâmico de uma
articulação complexa e altamente contraditória entre as forças econômicas,
políticas e culturais, por meio das quais, tanto na cidade como no campo,
têm sido redefinidas segundo imperativos da atual etapa de acumulação
capitalista no plano mundial. Existe um consenso no sentido de que a

88Princípio n.° 05 da Eco 92.

890 marco teórico da pesquisa urbana crítica foi originalmente definido em 1970
por Henry LEFÈBVRE e Manuel CASTELLS.
78

urbanização atual se destina à produção de formas e estruturas espaciais


específicas - como as regiões metropolitanas - fundamentais para apoiar a
recriação das relações sociais necessárias para a reprodução do capital.
Nesse diapasão tem-se posto ênfase especial nos
papéis desempenhados nesse processo por uma gama de agentes e
instituições sociais e políticas, particularmente pelo Estado e pelos
movimentos sociais urbanos. Entretanto, apesar de uma vasta legislação
urbana aprovada durante esse período, mesmo de maneira fragmentada,
não se sabe acerca da ação positiva do Direito em tal processo.
A pesquisa crítica urbana realizada nos campos da
Geografia e da Sociologia freqüentemente considera a legislação urbana a
partir do ponto de vista limitado da teoria marxista clássica do Estado, a
qual concebe o Direito como mero instrumento monopolizado pelos
interesses dominantes. Já os filiados à corrente marxista contemporânea
têm apontado para a causalidade circular entre infra-estrutura econômica e
superestrutura ideológica, mediante concepção de uma duplicidade das
funções do Estado, contidas, de um lado, como legitimação política e, de
outro, como acumulação capitalista.90
Para esta corrente, os problemas advindos do processo
de urbanização seriam o resultado do entrechoque de ambas as funções,
mediadas pela relativa autonomia da burocracia estatal, aqui entendida
como agente de formulação e execução de políticas públicas.91

"PRZEWORSKY, Adam. Estado e economia no capitalismo. Trad. Argelina


C. Figueiredo e Pedro P. Z. Bastos. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995. p.98.

91Como diz GOMES, “é a partir do impacto entre as forças de acumulação e de


legitimação que essas diferentes demandas são entronizadas e apropriadas pelo Estado
na forma de auto-interesse institucional - instância última da produção e dos resultados
das decisões políticas”. (GOMES, Manoel Eduardo Alves Camargo e. Participação
popular no controle ambiental. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado
Federal, n.104, p.332, out./dez. 1989.)
79

Em ambas as correntes, a formulação da legislação

urbana tem sido vista, em grande medida, como fenômeno indiretamente

relacionado com o processo social de produção capitalista do espaço urbano.

De toda forma, as razões de tal falta de interesse dos

pesquisadores urbanos pelo Direito são preocupantes. Não se pode negar

que a pesquisa jurídica,92 muitas vezes impregnada com uma ideologia

vincada no direito privado e no individualismo, concebe a cidade como

sendo pouco mais que uma área limitada, integrada por lotes demarcados

de propriedade dos indivíduos.93 O legalismo estrito não vai além de

atribuir certos poderes administrativos às autoridades públicas para

controlar o crescimento urbano, baseado na sua responsabilidade em

promover o bem-estar social.

Em verdade, a maioria dos estudos jurídicos tende a

ignorar a urbanização como processo complexo e desigual das relações

socioeconômicas desenvolvidas nas cidades, para tão-somente ter como

perspectiva aquelas restritas ao campo do Direito Civil e Administrativo

clássicos. Pode-se afirmar que esta falha tão considerável na pesquisa

urbano-jurídica teve implicações significativas, ajudando a manter e

92Na maioria das Faculdades de Direito do Brasil, disciplinas relacionadas ao


Direito Urbanístico não fazem parte de seu currículo, sendo mais facilmente encontradas
nos cursos de pós-graduação jurídicos ou em outros campos do saber como Sociologia,
Arquitetura, Engenharia, Geografia etc.

93Não se quer, com isso, negar a crescente confluência do direito privado e do


direito público na contemporaneidade, pois como diz MEDAUAR “na atualidade, parece
estranho pensar em fronteiras rígidas entre o direito público e o privado”. (MEDAUAR,
Odete. O Direito Administrativo em evolução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.
p. 169.) Entretanto, não se pode deixar de mencionar os efeitos da resistente primazia dos
valores privatísticos nos albores do direito ambiental, especialmente no que se refere
à resistência de uma concepção contemporânea de limitação administrativa ao direito
de propriedade.
80

reproduzir o padrão geral de crescimento urbano desordenado brasileiro. A

legislação urbana acabou por refletir as contradições e tensões existentes

nas relações entre o Estado, os proprietários, os construtores privados

e a população.

A evolução dessa legislação no Brasil parece

configurar-se, em princípio, em uma simples coleção de regras fragmen­

tadas e incompletas, as quais se referem a aspectos parciais e específicos

do processo geral de crescimento, não levando em conta o planejamento e

o desenvolvimento urbano. Ademais disso, da mesma forma que ocorreu

com a legislação ambiental, a falta de um tratamento constitucional

adequado do tema antes de 1988 criou vários problemas quanto às

competências legislativa e executiva sobre a política urbana.

Com a promulgação da atual Constituição, novos

valores reformadores do Estado Democrático de Direito vieram a redefinir a

política urbana, inclusive dedicando-lhe um Capítulo próprio.

Desse Capítulo, três pontos merecem ser destacados.

Primeiro, a Constituição atribuiu às autoridades públicas locais a faculdade

de promulgar leis que disciplinem o uso e o desenvolvimento do solo

urbano, com o objetivo de garantir o “desenvolvimento total das funções

sociais da cidade” e o “bem-estar de seus habitantes”.94 Além disso, as

cidades com mais de 20.000 habitantes ficaram obrigadas a aprovar um

Plano Diretor, considerado “instrumento básico para a política de

desenvolvimento e expansão urbana”.95

94Artigo 182, caput, da CF.

95Artigo 182, § 1.°, da CF.


81

Segundo, o direito à propriedade privada na perspectiva

da nova Ordem Constitucional foi novamente reconhecido como um princípio

básico da ordem econômica, estando adstrito ao cumprimento de sua função

social, de acordo com os ditames de justiça social.96 Além disso, previu-se

que a propriedade urbana somente cumpre a sua função social quando

atende aos “requisitos fundamentais do ordenamento da cidade expressos no

Plano Diretor3’.97 Por último, tem-se a instituição da usucapião em áreas

urbanas privadas de até 250 m2, após cinco anos de posse pacífica.98

Desses três pontos principais que constituíram um

novo marco para as diretrizes da política de desenvolvimento urbano

brasileiro, a inserção da usucapião, em particular, foi extremamente

significativa. Oportunizou o reconhecimento do direito de milhares de

moradores em situação irregular, possibilitando os programas públicos de

regularização e legalização fundiária, posto que se aplica - em teoria - na

grande parte das favelas existentes, minorando a segregação

socioespacial nas cidades.

A legislação constitucional teve o cuidado, por meio

da norma, em apontar o objetivo do desenvolvimento urbano como aquele

responsável por ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade, garantindo o bem-estar de seus habitantes. As funções sociais da

cidade dizem respeito diretamente à devida promoção dos direitos de seus

habitantes - como habitação, segurança, trabalho, transporte, saúde, lazer

96lnterpretação do artigo 5.°, XXII, XXIII, em consonância com o art. 170, II,
III, da CF.

97Art. 182, § 2 o , da CF.

98Art. 183 da CF.


82

- assegurando um piso vital mínimo, cuja extensão é encontrada no texto

constitucional nos Capítulos relativos aos direito fundamentais e sociais."

Ao Município coube tal competência por intermédio do

adequado ordenamento de seu território e, mediante o planejamento,

controle, parcelamento e ocupação do solo urbano, previstos como

mecanismos de execução do seu Plano Diretor.100

Acolheram-se, ainda na competência municipal, todas

as possibilidades advindas do chamado “interesse local”, oportunizando

que cada Município possa respeitar a formação social e geográfica

conformadoras de suas características urbanas. A categoria jurídica

“interesse local” permitiu, ademais, a predominância do interesse municipal

sobre o interesse estadual ou federal. Dessa forma, “cada Município é livre

para organizar-se, consultando seus interesses particulares, observadas

apenas as restrições que objetivam manter de pé os marcos que separam

as competências das pessoas políticas”.101

Mesmo que a real acepção da expressão “assunto de

interesse local” ainda comporte interpretações diversas, já se estabeleceu

doutrinariamente que sua caracterização está na predominância do

interesse local em detrimentos dos demais entes federativos. Em rigor,

“... não há assunto municipal que não seja

reflexamente de interesse da União ou de Estado-

membro, como também não há interesse que não

"Arts. 5.° e 6.°, respectivamente da CF.

100Art. 30, I, II e VIII, da CF.

101CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São


Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 106.
83

ressoe nos Municípios. O provimento de tais negócios

cabe exclusivamente ao Município interessado, não

sendo lícita a ingerência de poderes estranhos, sem a

ofensa à autonomia Municipal”.102

Feitas essas considerações a respeito dos novos

ditames do desenvolvimento urbano na sua perspectiva constitucional,

passa-se a refletir sobre as categorias do Direito Ambiental correlacionadas

com a normatividade urbana, no sentido de prescrever neste campo de

incidência, uma articulação com a sustentabilidade ambiental nas cidades.

2.1.1 Função Socioambiental nas Cidades

Analisando mais detidamente o ordenamento

constitucional referente à política urbana, encontra-se no artigo 182 da

Constituição Federal os objetivos do desenvolvimento urbano, norteador do

Poder Público Municipal: o pleno desenvolvimento das funções sociais da

cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes. Por outro lado, o

caput do artigo 225 da Constituição Federal, dentre outros aspectos

anteriormente analisados, refere-se ao direito de todos ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida,

direcionado, aqui, à sustentabilidade ambiental das cidades.

Num cotejo desses dois artigos, pode-se constatar

uma correlação objetiva entre os direitos advindos das categorias jurídicas

“bem-estar” (art. 182) e “qualidade de vida” (art. 225). Dessa forma, poder-
se-ia inferir que na composição dos elementos integrantes da função social

102MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal. São Paulo: Revista dos


Tribunais, 1985. p. 114.
84

da cidade encontra-se o escopo da qualidade do meio ambiente, deduzindo

que em sua dimensão está inserida a função ambiental da cidade.

Tal hermenêutica tem em DALLARI sua confirmação,

quando o ilustre urbanista ensina que

da sistemática constitucional são extraídos e

analisados diversos princípios de Direito Urbanístico e

de políticas urbanas, capazes de dar suporte ao

desenvolvimento sustentável nos assentamentos

humanos, colocando o ser humano como centro das

preocupações, como titular do direito a uma vida

saudável e produtiva, em harmonia com a natureza”.103

Desse modo, para a cidade cumprir sua função social

- e, como conseqüência, ambiental - é necessário que a política de

desenvolvimento urbano esteja comprometida com a defesa do meio

ambiente, o que importa na proteção abrangente de seus aspectos: natural,

urbano, cultural e do trabalho.

Muitas vezes, na prática social a efetividade do

cumprimento dessas funções pode gerar uma intensa litigiosidade com a

presença de complexos conflitos urbanos. Exemplo disso é o caso da

preservação de áreas verdes, bacias hidrográficas, mananciais e

matas ciliares nas cidades. Não raras vezes, são esses locais escolhidos

pelos excluídos do mercado social, que encontram ali sua última esperança
de sobrevida.

103DALLARI, Adilson Abreu. Novas perspectivas do Direito Urbanístico


brasileiro. Porto Alegre: Fabris, 1997. p. 16.
85

Para minimizar tais conflitos, a política urbana encontra


nos instrumentos de ordenamento e no planejamento urbano-ambiental
prévios alicerces para tal desiderato. Estas funções socioambientais,
relacionadas a interesses difusos, devem compreender na dimensão das
políticas públicas o acesso de todos à moradia, aos equipamentos e serviços
urbanos, transporte público, saneamento básico, saúde, educação, cultura,
esporte, lazer, enfim aos direitos urbanos que são inerentes à vida na cidade.
As funções socioambientais das cidades, ao incorporar

a política de desenvolvimento urbano à luz da noção de sustentabilidade


ambiental, apontam para a construção de uma nova ética urbana. Os valores
ambientais e culturais apresentam-se como novas cláusulas dos contratos
sociais urbanos, originando novos paradigmas da gestão pública, mediante
práticas de cidadania que reconheçam e incorporem os setores periféricos,

excluídos de seus direitos e segregados na espacialidade urbana, permitindo


o bem-estar e a qualidade de vida a todos os habitantes da cidade.

2.1.2 Função Socioambiental da Propriedade

As políticas de desenvolvimento urbano a serem


implementadas nos Municípios brasileiros para o cumprimento pelo Poder
Público das funções socioambientais da cidade - moradia, equipamentos e
serviços urbanos, transporte público, saneamento básico, saúde, educação,
cultura, esporte, lazer - talvez encontrassem maior eficácia se todos os

terrenos urbanos fossem de domínio público, o que não ocorre em nosso


País, por força do direito de propriedade constitucionalmente previsto.
Entretanto, à medida que inscreve o direito de
propriedade em geral como direitos e garantias individuais fundamentais,104

104Art. 5.°, XXII, da CF.


86

a Constituição Federal acaba por condicionar sua garantia, ao cumprimento

de sua função social,105 ratificando, ainda, a nova estrutura jurídica desse

direito quando arrola como princípio da ordem econômica106 a “propriedade

e sua função social”. No mais, aliás, impõe com acerto tratamento diverso

às diferentes espécies de propriedade, distinguindo a urbana, rural, a

autoral, de bens de produção, de recursos minerais etc.

Com o amalgamento dos conceitos de propriedade e de

função social, incide sobre a estrutura da propriedade uma nova natureza

intimamente ligada ao Poder Público e, conseqüentemente, ao cumprimento

de políticas que extrapolam os estreitos limites dos direito individuais.

Durante muito tempo, a propriedade assumiu feição

nitidamente privada, entendendo-se tratar de direito absoluto, no sentido de

conferir a seu titular a faculdade de disposição total do bem, podendo usá-

lo ou dele desfrutá-lo livremente, sem quaisquer restrições. Tal paradigma

dominante tem suas bases no Código Civil brasileiro aprovado em 1916,

quando cerca de 12% da população vivia em cidades, mas que, entretanto,

vem vigorando ao longo do processo de urbanização, que condiciona,

atualmente, 78% da população.

Há muito, o tratamento liberal e individualista dado

pelo Código Civil aos direitos de propriedade tem orientado a maioria das

decisões judiciais, colocando obstáculos nas tentativas de ação do Estado

no controle do uso, ocupação e desenvolvimento do solo urbano. Como já

mencionado, por vezes, a cidade é vista pelo Direito meramente como um

105Art. 5.°, XXIII, da CF.

106Art. 170, II e III, da CF.


87

conjunto de lotes privados e algumas terras públicas, deixando de

correlacioná-los com a espacialidade e o processo de urbanização.

Nessa matéria é importante reconhecer a distinção

entre o direito individual e a função social da propriedade feita pelo texto

constitucional, que em Eros GRAU

encontra justificação, a primeira na garantia, que

se reclama, de que possa o indivíduo promover a sua

subsistência e de sua família, daí porque concorre

para essa justificação a sua origem, acatada quando a

ordem jurídica assegura o direito de herança. Já a

propriedade dotada de função social, é justificada

pelos seus fins, seus serviços, sua função” J07

Com a ordem constitucional vigente, o direito de

propriedade deixa de ser visto como um regime jurídico único de direito

privado, exclusivamente subordinado ao Direito Civil, pois está igualmente

vinculado ao Direito Público, disciplinado pela ordem constitucional, que lhe

dá as bases e lhetraça contornos, assim sintetizado por FACHIN: “há aqui,

em verdade, a ‘constitucionalização’ do Direito Privado que deve ser lido à

luz da Constituição” .108

A Constituição de 1988 expressamente estatui um

conjunto de requisitos que emolduram a função social a que está

107GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São


Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 247.

108FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar,
2000. p. 72.
88

submetido todo e qualquer exercício sobre a propriedade, como já

apresentado anteriormente.

Pelo prisma do Direito Ambiental, alicerçado no artigo

186 da CF, a função social da propriedade tem incluído também a função

ambiental a que ela está adstrita. Dito de outro modo, o tratamento do uso

da propriedade fica condicionado ao bem-estar social,109 mas também à

preservação ambiental e ao uso racional de seus recursos naturais, no

cumprimento da chamada função ambiental da propriedade, categoria

contemporânea do Direito Ambiental.

Na mesma sistemática, a propriedade urbana é

disciplinada no texto constitucional, o qual aponta o Plano Diretor como

instrumento básico do Município que deverá definir quando a propriedade

urbana cumpre sua função social, como meio para concretizar a vinculação

desta às diretrizes e aos objetivos da política urbana, da seguinte forma:

“ Ari. 182. (...)

§ 2.° A propriedade urbana cumpre sua função social

quando atende às exigências fundamentais de

ordenação da cidade expressas no Plano Diretof.

Não se concebe, portanto, a propriedade que não

atenda às funções sociais da cidade. Para garantir o exato cumprimento

dessas funções, autorizado está o Município a editar lei sancionatória

contra o proprietário do uso do solo urbano não edificado, subutilizado ou

não utilizado, que não promova aproveitamento adequado às diretrizes do


Plano Diretor.

109Art. 5.°, inc. XXII e XXIII.


89

A inserção da função social da propriedade, “bem

assim, as exigências da política urbana, como o parcelamento ou

edificações compulsórios, o imposto sobre a propriedade predial e territorial

urbana progressivo no tempo, além da desapropriação, sugerem uma

diferenciada postura na apreensão jurídica desse fenômeno”.110

A função social da propriedade urbana não desnatura

o direito de propriedade, ao contrário, qualifica-o, na medida em que passa

a contemplar o grau entre a intensidade de seu uso e o potencial de

desenvolvimento das atividades de interesse urbano.

Paralelamente a essas diretrizes, o seu uso

condiciona-se, ainda, às limitações legislativas de competência municipal

de cunho ambiental-urbanístico. Por exemplo:

a) nas construções de edificações, públicas ou

privadas, leva-se em conta o recuo obrigatório de

todos os lados e a altura das edificações tendo em

vista a necessária insolação e areação dos

edifícios e das construções;

b) o percentual de impermeabilização do solo e a

não edificação em fundos de vale, em virtude

das enchentes;

c) a impossibilidade de desmatamento em terrenos

próximos aos rios ou considerados como áreas de

matas de preservação permanente;


d) a exigência de autorização de corte de todo o tipo

de árvores;

110FACHIN, Teoria crítica..., p. 108.


90

e) preservação dos sítios de valor histórico e

paisagístico com o devido tombamento, e, ainda,

tantas outras limitações baseadas na legislação

ambiental e urbanística de cada cidade, respeitada

a legislação federal.

Em suma, na propriedade urbana e na respectiva

função social inserem-se inúmeras limitações urbanísticas que visam à

implementação das funções sociais e ambientais da cidade, no sentido de

garantir o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à

qualidade de vida, bem como ao bem-estar dos seus habitantes.

Nessa perspectiva, dando seguimento ao estudo

sobre o ambiente urbano, deixa-se a contextualização teórico-jurídica para

ingressar na natureza empírica do processo urbano contemporâneo e suas

formas de degradação do ambiente. Tal passagem concluirá a investigação

dos problemas socioambientais das cidades desde capítulo, deixando para

o último a apresentação dos instrumentos jurídicos e institucionais de tutela

da sustentabilidade ambiental.

2.2 URBANIZAÇÃO INSUSTENTÁVEL

As áreas urbanas em todo o mundo, de há muito, são

consideradas locais privilegiados para geração de emprego, inovação e

ampliação das oportunidades econômicas etc. Os centros urbanos revelam

enorme agilidade na construção de uma rede de relações no plano da


economia, da política, da cultura, introduzindo, ainda, a conexão entre as

zonas rurais e as grandes cidades.


No entanto, ao se vislumbrar o atual estágio da

globalização econômica, percebe-se a formação cada vez maior de uma


91

dicotomia socioespacial na esfera urbana. Por um lado, um quadro

favorável a uma parcela da população com o acesso a um nível de

consumo e riquezas sem precedentes. De outro, em face do mesmo

espaço urbano, encontra-se uma massa de excluídos que não satisfazem

suas necessidades materiais básicas.

Ainda que de maneira diferenciada, as cidades,

generalizadamente, defrontam-se com esse quadro de inclusão e exclusão

social. Abrem-se espaços públicos, socializa-se a vida urbana e crescem

as zonas privatizadas, aumentando a oferta de serviços públicos e de

equipamentos coletivos; no outro vértice, agrava-se o número de pessoas

que vivem ilhadas em áreas degradadas e periféricas, sem meios para o

acesso a esses serviços e equipamentos.

A incorporação da temática ambiental vem sendo

considerada um avanço na compreensão da problemática urbana, no

sentido de superar a visão que atribui estatuto diferenciado para a questão

da pobreza e da deterioração ambiental - quando ambos, como exposto

anteriormente, originam-se de um estilo de desenvolvimento que gera

desigualdades sociais e desequilíbrio ambiental.

A importância da questão socioambiental nas

plataformas de luta dos diversos atores do espaço urbano, no sentido

da implementação de políticas públicas, não mais implica a redução do

tema à preservação do ambiente. Ao contrário, introduz a necessidade

de uma política urbana e econômica comprometida com a dimensão


da sustentabilidade.
92

Nesse sentido, novamente encontra-se apoio em SAULE

JUNIOR,111 para quem “o direito à cidade deve ser compreendido como direito

de ter condições dignas de vida, de exercitar plenamente a cidadania, de

ampliar os direitos fundamentais, de participar da gestão da cidade, de viver

um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável”.

Como visto no Capítulo anterior, existe um consenso em

formação sobre a idéia de que a questão e a consciência ambientais vêm

trazer transformações profundas na compreensão do processo de produção e

na organização econômica e espacial da sociedade contemporânea.

Entretanto, o impacto real dessa consciência crescente sobre o meio urbano

construído, em especial nas aglomerações metropolitanas, é ainda incipiente.

As áreas urbanas têm sido vistas tradicionalmente

como espaços mortos, do ponto de vista ecológico. Ainda que se tome

como focos principais da problemática ambiental atual - seja pela lógica da

produção industrial e suas mazelas ambientais, seja pelos padrões de

consumo que atuam intensamente na destruição e desperdício dos

recursos naturais e humanos - as metrópoles, as cidades e as áreas

urbanas têm sido ainda pouco consideradas nos seus aspectos ambientais.

A qualidade de vida nas cidades brasileiras - com

suas implicações sobre o resgate do valor de uso do espaço urbano e do

sentido social da propriedade112 - aparece timidamente nos debates

111SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do Direito Urbanístico


brasileiro: ordenamento constitucional da política urbana e aplicação e eficácia do plano
diretor. Porto Alegre: Fabris, 1997. p. 34.

u 2 “ Dentre os diversos dilemas que os fatos impõem perante o Direito neste final
de século, situa-se a análise sobre a função social da propriedade urbana, e nessa linha,
a realização de elementares direitos humanos, como o ter uma moradia”. (FACHIN, Luiz
Edson. A cidade nuclear e o direito periférico. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 85,
v. 723, p. 107, jan. 1996.)
93

urbano-ambientais. Os movimentos ambientalistas não fogem a essa regra,

em geral privilegiam estudos e debates sobre questões relacionadas aos

ecossistemasnaturais, preferencialmente àqueles onde a presença

humana não se faz sentir. Outra parte, que começa a discutir o meio

urbano, está calcada em

uma ideologia ecológica ligada ao capitalismo

ecológico, que não apenas faz naturais as relações

sociais, mas malthusianamente se volta contra a

população e o imigrante, enquanto contrapõem jardins

nos altos prédios dos centros metropolitanos a um

ruralismo mítico da volta à natureza” ,113

Essa interpretação ideológica do ambiente construído

naturaliza em demasia a própria relação entre sociedade e natureza,

confundindo pobreza com deterioração ambiental, igualando a crise social

e econômica à crise do meio ambiente, muitas vezes culpando-se as

próprias vítimas.

De outra parte, o conjunto da sociedade civil por

intermédio dos seus canais de representação só recentemente vem

demonstrando sinais de transformação no sentido de chamar para si um

papel mais decisivo e atuante no enfrentamento dos seus problemas

coletivos imediatos no contexto do processo de urbanização.

Movimentos diversos nascidos no seio das sociedades


urbanas, e expandindo-se pelo tecido urbano, têm, ainda que inci­

113CARRION, Fernando. La ciudad y el medio ambiente en América Latina.


México: El Colégio de México, 1986. p. 196.
94

pientemente, mostrado novas direções em busca de uma maior integração

entre as cidades e o meio ambiente.

Na compreensão da dinâmica contemporânea da

organização do espaço social, oriunda da urbanização globalizada,

LEFÈBVRE, leciona:

“E/ tejido urbano prolifera, se extiende, consumiendo

los resíduos de la vida agraria. Por tejido urbano, no

se entiende, de manera estrecha, la parte construída

de las ciudades, sino el conjunto de manifestaciones

dei predomínio de la ciudad sobre el campo. Desde

esta perspectiva, una residencia secundaria, una

autopista, un supermercado en pleno campo forma

parte dei tejido urbano. Más o menos denso, más o

menos compacto y activo, solamente escapan a su

influencia las regiones estancadas o decadentes,

limitadas a la naturaleza" .114

A forma socioespacial dominante vai para além

das cidades, configurando-se em redes de informações que penetram

virtualmente todosos espaços regionais, integrando-os em malhas

mundiais.115

114LEFÉBVRE, Henri. La revolución urbana. Madrid: Aliança, 1972. p. 10.

115“L/gar as pessoas física ou virtualmente cria a possibilidade de elas viverem


em guetos, optando por se relacionarem com quem quiser, deixando de lado a sociedade.
É a ruptura do contrato em que está baseada a sociedade. Não é a tecnologia que produz
isto, mas ela se favorece desta situação”. (CASTELLS, Manuel. Entrevista. Revista istoÉ,
São Paulo, p. 9, 09 jun. 1999.)
95

Ademais disso, sob o aspecto econômico, a atual

urbanização intensifica-se, cada vez mais, na hegemonia do modo de

produção e consumo globalizados, permeando todo o tecido urbano,

resultando na redução qualitativa e quantitativa das identidades culturais

de cada cidade.

A importância da questão ambiental metropolitana no

centro da dinâmica urbano-industrial e do meio ambiente recoloca

necessariamente a discussão para além das cidades, atingindo o conjunto

dos espaços urbanizados, trazendo assim a necessidade de se repensar

também a questão rural.

Os espaços monolíticos e hegemônicos construídos

pela industrialização necessitam abrir-se para a pluralidade e diversidade

que podem ser propiciadas pelo resgate e impulso das mediações e

articulações entre sociedade e Estado.

Tal mediação tem o sentido de objetivar possibilidades

de reinvenções dos ambientes sociopolíticos contemporâneos, tendo como

base a criação e o fortalecimento de uma ampla economia popular urbana,

integrando e dando acesso àqueles que se encontram fora do mercado e

desprovidos dos serviços públicos.

Da mesma forma, a articulação entre os diversos

setores organizados da sociedade, por meio dos instrumentos democrá­

ticos à sua disposição, pode mostrar sua indignação, pressionando o

Estado, formando um anteparo a uma economia mundial centrada na


exclusão de espaços e populações e na destruição, conseqüentemente, do
meio ambiente.
Em síntese, somente com outras bases econômicas

informadas pela ética formadora da sustentabilidade e voltadas para a


96

garantia da reprodução coletiva, a cidadania,116 que parece querer

amadurecer incorporando a questão ambiental, poderá contribuir para

novos arranjos urbanos e ambientais nos diversos centros e periferias.

2.2.1 Aspectos da Degradação Ambiental Urbana

Entendida de maneira restrita, a degradação ambiental

diz respeito à destruição e à ruptura do equilíbrio de ecossistemas naturais.

Ademais, essa destruição e essa ruptura são debitadas na conta da “ação

humana” ou, como dizem os cientistas naturais, do “fator antròpico”, sem levar

em conta em uma sociedade estruturalmente heterogênea e heteronômica.

No presente trabalho, diversamente, a despeito da

ênfase especial que está posta à interação entre natureza e sociedade, a

degradação ambiental é entendida como o solapamento da qualidade de

vida em uma coletividade na esteira dos impactos negativos exercidos sobre

o meio ambiente, oriunda de dois fenômenos: a dinâmica do processo de

urbanização do modelo civilizatório e do modelo econômico adotado.

Retoma-se, para tanto, a noção de sustentabilidade

ambiental apresentada no primeiro Capítulo, calcada na possibilidade de

articulação entre o desenvolvimento socioeconòmico e o equilíbrio do meio

116A cidadania é percebida aqui como pluralidade de cidadão. Como nos ensina
o Prof. CLÈVE: “O conteúdo desse termo, cidadão, tomemo-lo em sua dimensão dialética,
para identificar o sujeito reivindicante ou provocador da mutação do direito. Homem
envolto nas relações de força que comandam a historicidade e a natureza política. Enfim,
queremos tomar o cidadão como ser sujeito e homem a um tempo. O cidadão é o agente
reivindicante possibilitador, na linguagem de Lefort, da floração contínua de direitos
novos". (CLÈVE, Clèmerson Merlin. O cidadão, a administração pública e a nova
Constituição. Revista de Informação Legislativa, Brasília, Senado Federal, n. 106, p. 82,
abr.-jun. 1990.)
97

ambiente, tendo-se como referencial o processo de urbanização moderna,

acima abordado.

Com esse arcabouço teórico, inicia-se a análise da

degradação ambiental em sua perspectiva socioeconòmica - a segregação

socioespacial - e, posteriormente, de maneira reflexa, pelas formas de

poluição, fatores inerentes aos centros urbanos.

2.2.1.1 Segregação Socioespacial

Como já mencionado, nos marcos de uma sociedade

heterogênea e dividida em classes, mormente a brasileira, reconhecida

pelas desigualdades e assimetrias, é preciso considerar que a posição que

diferentes grupos ocupam na esfera de produção importa, sobremaneira,

em sua responsabilidade na gestão da economia, do ordenamento do

espaço, logo, na sua responsabilidade relativamente à problemática

ambiental urbana.

Considerando a cidade como um ecossistema urbano

ou “como uma unidade ambiental, dentro da qual todos os elementos e

processos do ambiente são inter-relacionados e interdependentes, de

modo que uma mudança em um deles resultará em alterações em outros

componentes”,117 deparar-se-á com uma variadíssima gama de conflitos

socioambientais. Dentre eles, encontram-se os problemas relacionados às

externalidades negativas geradas pelo processo produtivo (emissão de

poluentes aéreos, hídricos e sólidos, o uso excessivo de produtos e


materiais descartáveis etc.), ocupação desordenada do solo urbano,

117MOTA, Suetônio. Planejamento urbano e preservação ambiental.


Fortaleza: UFCE/PROEDI, 1981. p. 28.
98

embates pela preservação do patrimônio histórico-cultural, a falta de áreas

destinadas à preservação do espaço natural etc.


Os conflitos ambientais no meio urbano misturam-se
com a própria questão urbana, sendo igualmente derivados de reações
culturais, politicamente condicionadas aos fenômenos da urbanização e
das relações socioeconômicas nele encontradas.
Da perspectiva deste trabalho, os conflitos ambientais
no meio urbano que mais se relevam, porque mais graves - ao menos do
ponto de vista dos atingidos -, são aqueles ligados à pobreza e à segregação
socioespacial. Tratam-se de conflitos reais e latentes em todas as cidades
brasileiras, mormente nas regiões metropolitanas, decorrentes de condições
estruturais em uma sociedade profundamente desigual e injusta, onde a
grande parcela da população vive em ambientes sujeitos ao mais diversos
riscos, tanto de natureza catastrófica (enchentes, desmoronamentos etc.)
quanto de natureza lenta (doenças endêmicas diversas).
Isso não querer dizer, logicamente, que os conflitos e
problemas mais difusos e menos vinculados às necessidades básicas
materiais, como o patrimônio natural, arquitetônico e a defesa da beleza
cênica devam ser negligenciados. Afinal, todos desejam uma cidade mais
harmônica, com sua memória defendida, praias limpas, áreas verdes

preservadas, inclusive a classe social mais pobre - especialmente se


também puderem usufruir plenamente desta qualidade de vida, o que, nos
marcos da segregação socioespacial típica das cidades brasileiras, está
longe de ser uma realidade.
A análise da degradação socioambiental urbana torna-
se, portanto, mais concreta quando associada não apenas à produção de
riqueza - poluição industrial, de automóveis, produtos químicos, alta
produção de resíduos sólidos - mas ao seu revés, à pobreza, tese
relacionada à sustentabilidade ambiental do Relatório BRUNDTLAND, que
99

chamou a atenção para a questão da causa e efeito entre pobreza e


degradação ambiental.118

Desse contexto decorre a necessidade de eleger

como maior problema socioambiental urbano aquele relacionado à

segregação socioespacial e suas conseqüências, que resultam em

impactos ambientais, generalizadamente, em todas as grandes cidades.

Em qualquer cidade onde se apresentam imensas

desigualdades sociais, a conseqüência é a segregação socioespacial, ou

seja, os mais afortunados moram e estabelecem suas relações dentro da

cidade legalmente ordenada; por outro lado, a população menos favorecida

obriga-se a ocupar espaços impróprios para a moradia, cuja finalidade

destina-se, muitas vezes, à preservação ambiental. Constata-se que

a dicotomia entre o direito de morar e o dever de preservar é agravada

pelas explosões demográficas e crises econômicas, forçando pessoas

pobres a adotarem uma solução habitacional em áreas desprovidas de

infra-estrutura.119

118“Os problemas ambientais no Brasil, derivam basicamente de duas ordens


determinantes. Por um lado, a pobreza nas cidades, particularmente as de grande porte,
afeta grande parcela da população brasileira e se confunde com as conseqüências da
degradação ambiental. Por outro lado, encontram-se os problemas causados pela
concentração das atividades econômicas, particularmente a do setor industrial, nas
localidades urbanas”. (BRASIL, Presidência da República. O desafio do
desenvolvimento sustentável. Brasília: Cima, 1991. p. 60.)

119Neste sentido, vale a observação da Professora Betina GRUPENMARCHER


sobre tal fenômeno e sua relação com a função social da propriedade urbana: “O que se
pode notar é que tem havido uma inversão de valores, onde o princípio da função social
da propriedade está sendo utilizado pela sociedade p or meios antijurídicos, a exemplo das
invasões, onde a população de baixo poder aquisitivo busca através de atos alcançar o
‘p rincipio da função social da propriedade’, que é um princípio constitucional e que devido
ao funcionamento anormal das instituições não se implementa”. (GRUPENMARCHER,
Betina; BUSQUETS, Cristina Del Pilar. Favelas, invasões e modalidades de loteamento.
In: Temas de Direito Urbanístico - 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 53.)
100

Os impactos dessa segregação atingem o ambiente,

interferindo em seu equilíbrio necessário, por exemplo, no caso do

abastecimento de água, às vezes comprometendo a única bacia

hidrográfica que abastece a cidade. Ao mesmo tempo, o seu impacto social

afeta de maneira mediata a todos os habitantes indistintamente, fazendo,

porém, dos pobres urbanos os segregados provocadores desse impacto,

aqueles que sofrerão as conseqüências imediatas (alagamento das

residências, deslizamentos de encostas e o desmoronamento de casas,

doenças endêmicas etc.). Aliás, nas metrópoles brasileiras, os problemas

ambientais, diretamente vinculados a esses subprodutos da urbanização

capitalista periférica - pobreza e a segregação em larga escala -, são

facilmente identificáveis.

Assim, a segregação socioespacial e as desigualdades

econômicas encontradas no interior das cidades constituem-se nas principais

fontes de impacto socioambiental no meio urbano contemporâneo. A

sustentabilidade ambiental urbana, neste aspecto, está diretamente

relacionada à insustentabilidade econômica do modelo de desenvolvimento

adotado, bem como à falta de políticas públicas a estes direcionadas.

Por sinal, foi esta a conclusão do Relatório Oficial

Brasileiro apresentado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio

Ambiente e o Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro:

“... o consenso de que a pobreza e a degradação

ambiental estão intimamente relacionadas tende a


desaparecer quando se abandona a retórica e se

procura especificar empiricamente as relações de

causalidade entre ambos os processos. Tais relações


ocorrem de forma indireta, através de outras variáveis
101

intervenientes. Entre elas destacam-se os padrões de

desigualdades que caracterizam o estilo de

desenvolvimento atual, com suas seqüelas de

marginalização e desintegração social; a fragmentação

institucional da sociedade contemporânea, assim como

as imperfeições estruturais do mercado e, ainda, da

função reguladora do Estado”.120

O compromisso de governo brasileiro, posterior a essa

Conferência, em adotar a Agenda 21 nas cidades, pode configurar-se como

um instrumento institucional importante para minorar o problema. Nesta

Agenda, como visto, está previsto um conjunto de ações que, se

implementado, atingirá de modo sistêmico os problemas ambientais e

socioeconômicos relacionados às desigualdades sociais urbanas.

2.2.1.2 Poluição urbana

Quase todas as atividades humanas na cidade

produzem algum tipo de poluição; porém, as econômicas, em especial, se

não realizadas disciplinadamente dentro do planejamento urbano e de

padrões técnicos previamente estabelecidos, (poluição: ar, água, solo,

visual, sonora), provocam danos irreversíveis ao meio ambiente, atingindo

diretamente a qualidade de vida dos habitantes e do entorno das cidades.

O ordenamento jurídico brasileiro, mediante a Lei de

Política Nacional do Meio Ambiente, estabeleceu que por poluição entende-


se a degradação da qualidade ambiental, resultante de atividades que,

120BRASIL, Presidência da República, op. cit. p. 22.


102

direta ou indiretamente, prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar

da população; que criem condições adversas às atividades sociais e

econômicas, afetem desfavoravelmente a biota (seres vivos), atinjam as

condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente e lancem matérias ou

energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.121

Nessa conceituação, são protegidos o homem e sua

coletividade, o patrimônio público e privado, o lazer e o desenvolvimento

econômico por meio de diferentes atividades, a flora e a fauna, a paisagem

e os monumentos naturais, inclusive os arredores naturais desses

monumentos. Deve-se destacar-se que os locais de valor histórico ou

artístico podem ser enquadrados nos valores estéticos em geral, cuja

degradação afeta também a qualidade ambiental. Por último, considera-se

como poluição o lançamento de materiais ou de energia com inobservância

dos padrões ambientais estabelecidos.

Para combater a poluição e ao menos minimizar a

degradação ambiental urbana, busca-se mediante a sustentabilidade

ambiental, conforme definida, a compatibilização entre o desenvolvimento

econômico e a preservação da qualidade do meio ambiente. Os recursos

ambientais, portanto, estão condicionados, na sua utilização, ao

estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental,122 além de

normas relativas ao uso e manejo desses recursos.


Para a obtenção de resultados significativos nesta
direção, vários instrumentos institucionais encontram-se previstos no
ordenamento jurídico para sua implementação no âmbito urbano:

121Tal previsão encontra-se no art. 3.°, inc. III, da Lei 6.938/81.

1220 estabelecimento de padrões técnicos ambientais está a cargo do


CONAMA, previsto na Lei 6.938/81, em seu art. 8.°, inc. VII.
103

zoneamento ambiental, avaliação de impacto ambiental, licenciamento e


revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a criação de
espaços territoriais ambientalmente protegidos, política fiscal, fiscalização
administrativa, licenças e autorizações ambientais, entre outros.
De outra parte, à medida que a preservação ambiental
é dever do Poder Público e da coletividade, papel importante tem a
sociedade nesse processo. Por meio dos canais institucionais de controle e
fiscalização, a participação comunitária enseja atuação efetiva na
espacialidade pública urbana, notadamente no estabelecimento de padrões
ambientais que visem regular as formas de poluição nas cidades.

2.3 POLÍTICA PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO URBANO


SUSTENTÁVEL

Assiste-se, mundialmente, à transformação da


administração urbana em direção ao seu contínuo e crescente
empresariamento, materializado, entre outros aspectos, naquilo que tem
sido indicado como competitividade das cidades. Dessa maneira, a
reestruturação em curso no cenário internacional tem implicado a mudança
dos paradigmas de gestão das cidades, passando-se a exigir eficiência,
produtividade e focalização das políticas urbanas. O desafio atual está em
buscar modelos de políticas que combinem as novas exigências da
economia globalizada com a regulamentação pública da produção da
cidade e com o enfrentamento do quadro de exclusão social e de
deterioração ambiental.
Esse processo de transição tem acarretado uma série
de adaptações que incluem o plano político-institucional e a reforma do
Estado e das formas de governar, para, entre outros aspectos, possibilitar a
inserção do país nos novos patamares colocados pela contemporaneidade.
104

Acirrando ainda mais o receituário de ajuste baseado

no corte de gastos públicos, nas privatizações de empresas estatais, na

reestruturação da previdência social, e na redução do aparato do Estado,

entre outros aspectos, esse novo cenário induz à necessidade de se

repensar a gestão, o planejamento e a governabilidade urbana, a partir de

um considerável contingente de limitações.

Dessa maneira, para se avaliar e propor iniciativas

minimamente exeqüíveis por parte dos governos locais, há que se

partir necessariamente da incorporação dos preceitos contidos na própria

Constituição. Isso, articulando-a à necessidade e à capacidade de

atendimento das demandas das grandes maiorias, moldadas de modo

democrático, por meio da construção de consensos mínimos possíveis, e às

prescrições contidas na pauta de uma agenda relativa à sustentabilidade.

Além disso, para o enfrentamento dos problemas sociais

urbanos impõe-se, principalmente, a tentativa de se empreender estratégias

capazes de não somente aprimorar critérios alocativos e redistributivos dos

recursos do Estado, especialmente por meio de instrumentos transparentes

de gestão do setor público, como também aumentar a participação da

sociedade nos processos decisórios, para co-responsabilizá-la como agente

social privilegiado, nos processos vinculados à apropriação, à produção e à

gestão das cidades, tendo em vista o desenvolvimento sustentável.

No referente à função institucional dos Municípios

na aplicação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento urbano

sustentável, deve-se privilegiar aquelas cujos principais objetivos concentrem-


se na elaboração de instrumentos de desenvolvimento sociopolítico, socio-
econômico e de planejamento físico e territorial, tais como:
105

a) criação de órgãos e fóruns colegiados -

consultivos e deliberativos - de gestão que

estejam envolvendo os diversos agentes e atores

sociais e econômicos relevantes no processo de

construção social de Agendas e pautas de

especial interesse para as comunidades;

b) a adoção de formas de co-gestão dos serviços

comunitários, aperfeiçoamento da regulamentação

urbanística e edilícia e de instrumentos de gestão

que visem maior transparência, responsabilidade

pública, eficiência e eficácia das ações

governamentais, e

c) a construção de parcerias urbanas com o setor

privado e a comunidade.

Nesse rol, ressaltam-se as iniciativas que, mediante

um amplo processo de consultas e debates com todos os segmentos e

forças sociais envolvidos, capitaneado pelo governo local, estejam lidando

com a tentativa de:

a) repensar as formas de legitimação do investimento

público que envolvam a comunidade;

b) articular prospectivamente o potencial de desen­

volvimento social e econômico local com as

possibilidades oferecidas pelo contexto no


qual estão inseridas (nos níveis estadual, nacional
e global).
O diálogo necessário entre sociedade e Estado na

elaboração de Planos Diretores, orçamentos participativos, Agendas 21


106

locais etc., como elementos de formulação e execução de políticas

públicas, dão materialidade a tais iniciativas.123

Entretanto, o que se tem verificado na realidade

brasileira, são políticas públicas distanciadas e muitas vezes distorcidas

dos valores socioambientais e econômicos que deveriam integrar o

planejamento urbano: maior preocupação com a administração urbana de

curto prazo, maior interesse em determinar o que se pode fazer em lotes

privados do que em estabelecer áreas destinadas a espaços públicos;

maior preocupação pelas atividades imobiliárias privadas do que pelo

futuro que se almeja para a cidade de todos etc.

É também notável a ausência de mecanismos e de

normas de cooperação que permitam melhor articulação entre as três

esferas de governo. A redistribuição de competências na Constituição, com

a relevante autonomia municipal, não previu mecanismos financeiros

suficientes que permitam apoiar as iniciativas do poder local, sempre o

mais atuante nas questões da sustentabilidade das cidades.

Além desses graves obstáculos para a susten­

tabilidade do desenvolvimento, outros entraves são também ilustrados pela

inexistência ou pela fragilidade de políticas urbanas federais, bem como

dos instrumentos legais requeridos pela sociedade para regulamentação do

Capítulo de Política Urbana da Constituição Federal.

123“/_a investigation orientada en torno a las políticas públicas es una necesidad


no solo para detectar las ineficiencias de la actuation pública y reducirlas en el futuro,
sino para conseguir mejor inyección de princípios normativos en el desarrollo diario de
tales políticas. Las consecuencias y ventajes de este giro son importantes. Es posible
llegar al problema planteado desde una perspectiva interdisciplinar. Se concede una
necesaria centralidad a los actores de todo tipo implicados”. SUBIRAIS, op. cit., p. 207.
107

Numa perspectiva pragmática, é possível distinguir no

atual cenário brasileiro dinâmicas a favor e contra os princípios da

sustentabilidade urbana e uma série de fatores que as impulsionam. Vários

dos entraves àalmejada conquista da cidade sustentável já foram

apontados aolongo deste diagnóstico. Cabe ainda mencionar outros que,

seja pela magnitude que adquiriram em um país continental como o Brasil,

seja pela natureza estrutural que os caracterizam, desempenham um papel

negativo, exigindo esforços redobrados para que não retardem os

processos que visam alcançar o desenvolvimento sustentável. São eles:

“a) a reforma inconclusa do Estado brasileiro,

implicando ainda esforços significativos para a

modernização das instituições e dos mecanismos de

gerência que foram herdados do modelo

estadonovista (década de 1930) e do Estado

desenvolvimentista da década de 1970, quando

a dimensão ambiental era sequer conhecida

pelos gestores e o centralismo das decisões foi

largamente praticado. A descentralização, admi­

nistrativa e de recursos, como reza a Constituição

Federal de 1988, tem sido lenta e não conta com um

plano de metas;

b) as dificuldades econômicas e, portanto, a

baixa capacidade de investimentos em infra-estrutura


urbana e sen/iços básicos. As projeções econômicas

indicam, no curto prazo, um crescimento do PIB

aquém da sua necessidade de fazer frente ao

endividamento (interno e externo) e, no médio prazo,


108

nenhum indicador seguro de que o desejado aumento

da riqueza nacional far-se-á com base em critérios

mais justos socialmente e mais responsáveis da

perspectiva ambiental. Está, portanto, configurada

uma tendência de aumento do descontentamento

social, intensificada pelos efeitos recessivos que o

chamado ajuste fiscal está produzindo (desemprego,

aumento da pobreza urbana etc.);

c) reforma agrária incompleta e sem conexão com a

inserção econômica competitiva nos mercados

globalizados, o que pode significar, se não for

acionada uma política de fixação dos assentados

rurais, nova onda de migração para as cidades, de

um lado, e do adensamento da desruralização do

país, de outro;

d) reforma fiscal e tributária orientada para os

problemas do déficit das contas públicas e não para

as necessidades que o desenvolvimento sustentável

pressupõe. Na reforma tributária em curso, a

discussão de tributos seletivos não vem considerando

a tendência internacional de utilizar instrumentos

econômicos da base tributária nacional para

impulsionar a nova economia”.124

124MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Cidades sustentáveis: subsídios à


elaboração da agenda 21 brasileira. Brasília: CNIA, 2000. p.48.
109

Por outro lado, pode-se contabilizar uma série de

fatores positivos encontrados na realidade brasileira, impulsionadores do

desenvolvimento sustentável nas cidades, e que devem ser ampliados e

fortalecidos. São eles:

"a) a estratégia de inserção econômica competitiva

adotada pelo pais coloca as questões ambientais no

primeiro plano da agenda econômica, uma vez que

crescem as barreiras não-tarifárias ligadas à

certificação de produtos nos mercados regionais e

globais. Essa tendência leva à aceleração da

reconversão industrial e à adoção de procedimentos

ambientais compatíveis;

b) o aumento da consciência ambiental da população

e a crescente institucionalização de organismos e de

sistemas de gestão públicos do meio ambiente.

Amplia-se a base material de uma nova cultura, com a

proliferação, sobretudo nos últimos anos, de cursos

universitários com disciplinas especificas, dentre elas

a do Direito Ambiental. O ambientalismo tornou-se um

movimento cultural importante e vem ampliando a sua

base política por intermédio de centenas de

organizações,125 a maioria com atuação local;

c) o adensamento da vida democrática, fenômeno


relativamente recente mas que já contabiliza uma

125Exemplo disto está no catálogo de instituições e organizações ambientalistas


brasileiras, a “Ecolista”, publicado por iniciativa conjunta do Fundo Nacional de Meio
Ambiente, ISER, WWF e Mater Natura, 1997.
110

inegável ampliação da esfera pública e da demanda

por participação social. Atualmente, a emergência da

‘sociedade civil’, configurada quando opera

instituições como ‘terceiro setor’, dá consistência a um

novo conjunto de forças sociais, vitais para a

sustentabilidade urbana. Os programas desenvolvidos

pela Comunidade Solidária têm demonstrado que a

sociedade brasileira corresponde quando um mínimo

de possibilidades de participação social se apresenta;

d) a renovação significativa, ainda que lenta, do

arcabouço legal que regula o controle e a gestão dos

recursos naturais no país. As novas leis nacionais, a

dos Recursos Hídricos126 e a dos Crimes

Ambientais,127 são peças fundamentais na gestão

sustentável e têm uma aplicação direta nas cidades

brasileiras, sobretudo no que diz respeito à disciplina

do setor industrial.128

Demais disso, deve-se mencionar e valorizar as várias

e inovadoras experiências em gestão urbana que vêm ocorrendo em todo o

território nacional, mostrando a força das cidades e a importância de se

fortalecer o protagonismo social e político local. Práticas de planejamento e

orçamento público participativo, em que a população define prioridades

126Lei 9.433/97 que institui a Política Nacional dos Recursos Hídricos.

127Lei 9.605/98 que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas


de condutas lesivas ao meio ambiente.

128MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, p.48.


111

para alocação de recursos; planejamento estratégico de cidades, em que a

vocação e o futuro que se quer são desenhados pelos cidadãos em

conjunto com gestores. Em vários exemplos é possível ver a sociedade e

os gestores públicos empenhados na construção do novo desenvolvimento

urbano. Pode-se afirmar que mais de cinqüenta Municípios brasileiros,

congregando metrópoles, cidades médias e pequenas, já iniciaram

processos de elaboração da Agenda 21 brasileira.129

Finaliza-se o presente Capítulo referente à política

urbana e sua imbricação com a sustentabilidade do meio ambiente, na

tentativa de demonstrar a adequação sistêmica jurídico-política da

sustentabilidade ambiental às políticas públicas voltadas ao meio urbano.

No último Capítulo desta pesquisa, o esforço será

voltado à indicação da tutela instrumental do ambiente urbano, tendo como

premissa o disposto constitucional do caput do art. 225, bem como do

cumprimento dos princípios acordados nos tratados internacionais que

impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o

meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

129Número fornecido pelo informativo número 14, Ações para um futuro


sustentável, da Comissão Pró-Agenda 21, do ISER (Rio de Janeiro, 1999). Entre as
cidades mencionadas estão: Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Juiz de
Fora, Santos, Porto Alegre, Curitiba, Recife, Angra dos Reis, Niterói e Betim.
112

“Disse Dublai Kan:


- É tudo inútil, se o último porto só pode ser a cidade
infernal, que está lá no fundo e que nos suga num
vórtice cada vez mais estreito.
E responde Marco Pólo:
- O inferno dos vivos não é algo que será; se existe,
é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos
todos os dias, que formamos estando juntos.
Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é
fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e
tornar-se parte deste até o ponto de deixar de
percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção
e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer
quem e o quê no meio do inferno, não é inferno, e
preservá-lo e abrir espaço."

ítalo Calvino, As Cidades Invisíveis.


113

CAPÍTULO 3

PROTEÇÃO AMBIENTAL NAS CIDADES

Neste último Capítulo, pretende-se identificar os

instrumentos político-institucionais encontrados na espacialidade pública,

relacionados à proteção do meio ambiente no objetivo do cumprimento da

função socioambiental nas cidades. Tais instrumentos protetores e de

gestão, devidamente previstos no ordenamento jurídico nacional visam à

imposição constitucional, na perspectiva deste trabalho, aos Municípios e à

sua coletividade na defesa do meio ambiente.

Para tanto, inicia-se pela indicação dos instrumentos

previstos na Política Nacional do Meio Ambiente e sua conformação

possível dentro da estrutura municipal. Além desses, outros podem ser

implementados pelos Municípios no sentido de auxiliar na gestão e na

proteção ambiental urbana.

Por fim, serão articuladas algumas reflexões sobre a

participação da coletividade neste contexto. O dever da coletividade na

preservação ambiental será analisado, aqui, com as limitações traçadas

pelo próprio tema. Primeiramente, delimitar-se-á o espaço, analisando a

prática coletiva de defesa ambiental no âmbito municipal. Ainda na

configuração das margens desta participação, a abordagem estará

focalizada em três aspectos: na formulação e execução de políticas

públicas ambientais, na participação dos órgãos colegiados dotados de


poderes normativos para esta finalidade e na atuação fora da espacialidade
pública a partir de meios judiciais e extrajudiciais de tutela ambiental.
114

3.1 INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE TUTELA DA SUSTENTABI-

LIDADE AMBIENTAL URBANA

Por força do regime federativo estabelecido no quadro

de competências desenhado pela Constituição Federal, com ênfase no que

se convencionou chamar de federalismo cooperativo, a cada ente

federativo foi atribuída a competência para a proteção ambiental.

No âmbito do Município, vários instrumentos jurídicos

de gestão, fiscalização, licenciamento e de organização estrutural

administrativa estão à disposição do Poder Público para a promoção de

políticas públicas direcionadas à defesa e preservação do meio ambiente

urbano. Neste sentido, passa-se a investigar tais instrumentos, alguns

previstos pela Política Nacional do Meio Ambiente, com previsão jurídica

para integrar a estrutura político-institucional municipal.

3.1.1 Zoneamento Ambiental

O zoneamento é considerado um dos principais

instrumentos da política urbana, destinado a regular o uso da propriedade

pública e privada do solo, ou, ainda, de áreas contíguas urbanas no

atendimento dos interesses coletivos. A categoria jurídica do zoneamento

quer de natureza urbana, ambiental, ou industrial, “consiste num conjunto

de normas legais que configuram o direito de propriedade e o direito de

construir, conformando-os ao princípio da função social, mediante


imposições gerais à faculdade de uso e de edificação” ,130

130SILVA, J.A., D ireito Am biental..., p. 182.


115

Dentre essas categorias de uso possível no

zoneamento urbano, destaca-se a do zoneamento ambiental. Esse

instrumento, previsto pela Política Nacional do Meio Ambiente,131 mostra-se

imprescindível no planejamento urbano ao identificar espacialidades

naturais e culturais relevantes, que devem ter tratamento especial pela sua

importância na proteção do meio ambiente. Tais espaços devem ser

previstos prioritariamente pelo Plano Diretor, ou, na falta desse, no devido

ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do

parcelamento e da ocupação do solo urbano.132 A efetivação do

zoneamento ambiental e seu caráter protetor são possíveis quando

determinam e registram as seguintes espacialidades relevantes:

a) áreas para a proteção dos recursos naturais

(águas superficiais e subterrâneas e mananciais;

florestas e demais formas de vegetação, com a

respectiva fauna aquática e terrestre e categorias

geológicas);

b) áreas para a proteção de bens de valor

cultural (histórico, artístico, paisagístico, turístico

e monumentos);

c) áreas de interesse sanitário (depósito de resíduos

in genere);

d) áreas de interesse social (zonas de lazer, parques

urbanos, regionais, unidades de conservação


ajustáveis, áreas verdes distribuídas pelo tecido

131Art. 9.° da Lei n.° 6.938/81.

132Tal competência está prevista no art. 30, VIII, da CF.


116

urbano, jardins públicos, estradas turísticas, rios e

canais navegáveis);

e) locais de paisagens notáveis (colinas, morros,

áreas verdes, vales, baías e lagos);

f) áreas de controle do crescimento urbano;

g) áreas de segurança pública (barragens de

controle de zonas de inundações, zonas de solo

instável, de deslizamentos, de aeroportos, de risco

de inundação e de incêndio);

h) áreas para linhas de alta tensão, canais e canali­

zações, rodovias e ferrovias;

i) áreas para uso habitacionais, comerciais, indus­

triais, equipamentos urbanos e comunitários;

j) áreas para logradouros públicos em geral (ruas,

praças, avenidas) com os respectivos mobiliários

urbanos, além de outras exigências cada vez

mais pressionadas e consumidoras de espaços

integrantes do meio urbano.

Da relação de áreas indispensáveis para o alcance

da função ambiental das cidades, as áreas verdes merecem um

destaque especial.

Definidas como florestas e demais vegetações,

parques, bosques, matas, árvores, jardins ou qualquer espécie vegetal, tais

áreas constituem o aspecto natural do meio ambiente por meio de seus


recursos naturais e de seus ecossistemas, indispensáveis à preservação
do patrimônio ambiental, não só das áreas rurais, como também das zonas
urbanas e periferias. As áreas verdes são consideradas atualmente
117

imprescindíveis pelo seu relevante papel ecológico, social, econômico,

cada vez mais importante ao bem-estar dos habitantes das cidades.

Dentre as suas funções relacionadas com a

preservação, recuperação ou melhoria dos frágeis ecossistemas urbanos,

evidenciam-se as seguintes:

a) como recurso biológico indispensável aos

equilíbrios naturais do solo, subsolo, dos montes,

morros, das montanhas ou serras, da flora, da

fauna e de milhares de seres organizados em

associações, agindo contra erosão, deslizamentos

e desertificação;

b) como elemento fundamental à proteção e

preservação do regime das águas e dos lençóis

freáticos;

c) como elemento de produção considerado

relevante à economia local, estadual e nacional;

d) como elemento essencial à recuperação do ar e à

redução dos ruídos, agindo contra a poluição

sonora e atmosférica;

e) como elemento indispensável à paisagem (urbana,

periférica e rural), agindo contra a poluição visual;

f) como elemento antimicrobiano e de conservação

climática;

g) como elemento indispensável à saúde pública, ao


lazer, ao turismo, contribuindo para preservar o
meio ambiente e impedir parcialmente os dese­
quilíbrios próprios da vida moderna.
118

Ainda pela relevância do aspecto natural dentro da

perspectiva urbana, é oportuno evidenciar que as florestas e demais formas

de vegetação situadas nos ecossistemas definidos pelas normas do

art. 2.° do Código Florestal,133 quer na zona rural, quer na zona urbana ou

de expansão urbana, são legalmente consideradas de preservação

permanente, com caráter de perpetuidade absoluta, de interesse público

indisponível, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos

valores ambientais ali integrantes e justificadores de sua proteção, em

conformidade com disposto no art. 225, § 1.°, inc. III, da CF, já mencionado.

133'7\rf. 2 o: Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei,


as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:
a) ao longo dos rios ou de outro qualquer curso d'água, em faixa marginal cuja
largura mínima será:
1 - de 5 (cinco) metros para os rios de menos de 10 (dez) metros de largura:
2 - igual à metade da largura dos cursos que meçam de 10 (dez) a 200
(duzentos) metros de distancia entre as margens;
3 - de 100 (cem) metros para todos os cursos cuja largura seja superior a 200
(duzentos) metros.
b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;
c) nas nascentes, mesmo nos chamados "olhos d'água", seja qual for a sua
situação topográfica;
d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;
e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a
100% na linha de maior declive;
f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;
g) nas bordas dos taboleiros ou chapadas;
h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, nos campos naturais ou
artificiais, as florestas nativas e as vegetações campestres”. (Lei n.° 4771/65).
119

No tocante às florestas e demais formas de vegetação

previstas nas normas dos arts. 3.° e 5.° do Código Florestal,134

inconfundíveis com as definidas anteriormente, apresentam caráter de

perpetuidade relativa, permitindo sua supressão ou alteração, total ou

parcial, necessária a atividades ou projetos de utilidade pública ou

interesse social, somente mediante lei do Poder Legislativo competente,

em consonância com o contido no art. 225, § 1.°, III da CF.

Por fim, vale uma observação sobre esse aspecto

diante da incompatibilidade da norma do § 1.° do art. 3.° do Código

Florestal, com a vigente norma constitucional. Impõe-se sua inadiável

134,'/A/t. 3.° Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando assim


declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural
destinadas:
a) a atenuar a erosão das terras;
b) a fixar as dunas;
c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;
d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares;
e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;
f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção;
g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas;
h) a assegurar condições de bem-estar público.
§ 1 o A supressão total ou parcial de florestas de preservação permanente só
será admitida com prévia autorização do Poder Executivo Federal, quando for necessária
à execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública ou interesse
social.
§ 2 ° As florestas que integram o Patrimônio Indígena ficam sujeitas ao regime
de preservação permanente (letra g) pelo só efeito desta Lei.
(...)
Art. 5 ° O Poder Público criará:
a) Parques Nacionais, Estaduais e Municipais e Reservas Biológicas, com a
finalidade de resguardar atributos excepcionais da natureza, conciliando a proteção
integral da flora, da fauna e das belezas naturais com a utilização para objetivos
educacionais, recreativos e científicos;
b) Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, com fins econômicos, técnicos ou
sociais, inclusive reservando áreas ainda não florestadas e destinadas a atingir aquele fim.
Parágrafo único. Fica proibida qualquer forma de exploração dos recursos
naturais nos Parques Nacionais, Estaduais e Municipais".
120

compatibilização por parte do Congresso Nacional, com a norma do inciso

III do § 1.° do art. 225 da CF, substituindo-se a expressão “com prévia

autorização do Poder Executivo Federal” por “através de lei do Poder

Legislativo competente”.

3.1.2 Licenciamento Ambiental

O Município, em sua competência cooperativa com

os demais entes federados, tem, como já visto, atribuição constitucional

de proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de

suas formas.135

Para tanto, a Administração Pública Municipal utiliza-

se do poder de polícia para “condicionar e restringir o uso e gozo de bens,

atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio

Estado”.136 Quanto às modalidades de poder de polícia, destacam-se as de

natureza preventiva - licenças, concessões permissões e autorizações -

visando à obediência das leis e dos regulamentos, diante das atividades

relacionadas com a exploração ou utilização da propriedade, com as

construções, o tráfego, os bons costumes, as medidas sanitárias, as

atividades econômicas, dentre outras.

No caso específico da matéria ambiental, decorrente

das vertiginosas transformações da época contemporânea, com grave e

progressiva degradação do patrimônio ambiental (natural, urbano, cultural

e do trabalho), em iminente risco contra a saúde pública e a qualidade de

135Art. 23, inc. VI.

136MEIRELLES. Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 13. ed. São


Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p. 93.
121

vida nos centros urbanos, destaca-se o licenciamento como instrumento

integrante da progressista legislação sobre o meio ambiente e integrante

do poder de polícia ambiental, com novos procedimentos administrativos -

inspeção, vigilância, monitoramento e auditoria - além das inovadoras

infrações e sanções concernentes ao ilícito administrativo ambiental.

Relacionado como tal pela Política Nacional do Meio

Ambiente,137 o licenciamento conforma-se como um procedimento

administrativo de gestão, atuando na perspectiva do princípio da

precaução, disciplinando as atividades e os empreendimentos no sentido

preventivo da proteção do meio ambiente e no combate às diversas

formas de poluição.

A Política Nacional do Meio Ambiente, mediante sua

lei instituidora, determinou que dependerá de prévio licenciamento do

órgão ambiental competente a “construção, instalação, ampliação e

funcionamento de estabelecimento e atividades utilizadoras de recursos

ambientais”138 que sejam considerados pelo órgão licenciador como

capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ao meio ambiente.

Note-se que a legislação utilizou o termo licença para qualificar os atos

administrativos próprios para esta finalidade. Sem espaço para aprofundar

a questão, cumpre esclarecer que o termo “licença”, nesta sede, é

considerado equivocado pela doutrina do Direito Ambiental, a qual entende

tratar-se do instituto da “autorização”.

1370 licenciamento ambiental está previsto no ordenamento jurídico brasileiro


através dos seguintes diplomas normativos: Lei 6.938/81; Lei 7.804/89, Decreto Federal
99.274/90, Resoluções do CONAMA 001/86 e 237/97. Excetuam-se aqui as Leis
Estaduais e Municipais que tratam do licenciamento ambiental na esfera de suas
competências, de acordo com as normas federais acima referidas.

138Tal definição está contida no Art. 3.°, inc. II e III da Lei 6.938/81.
122

O professor MUKAI, um dos pioneiros do Direito

Ambiental, sintetiza a controvérsia semântica:

“Portanto, quando a Lei 6938/81 prevê que o

licenciamento ambiental e a revisão do licenciamento

de atividade efetiva ou potencialmente poluidora, são

instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente,

após a Constituição de 1988, por força do art. 225,

caput, não resta dúvida de que tais expressões devem

ser entendidas como sinônimas de autorizações, atos

administrativos precários e discricionários”.139

A licença ambiental assegura tão-somente uma

estabilidade meramente temporal, não um direito adquirido de operar ad

aeternum. Em verdade, o licenciamento ambiental tem como fundamento o

princípio da precaução e deve ser entendido como um compromisso entre

o empreendedor e o Poder Público. Enquanto obedecidas as

condicionantesambientais, nada mais será exigido; porém, mudanças

científicas e tecnológicas futuras podem importar em novas condicionantes

que possam vir a ser implementadas.140

139MUKAI, Toshio. Direito Ambiental sistematizado. Rio de Janeiro: Forense


Universitária, 1994. p. 81.

140O procedimento para tais circunstâncias vem disciplinado pela Resolução do


CONAMA 237/97, que, em seu art. 19, dispõe:
“O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar
os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma
licença expedida, quando ocorrer:
I - violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais;
II - omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a
expedição da licença;
III - superveniência de graves riscos ambientais e de saúde”.
123

O licenciamento ambiental a ser exercido pelo Poder

Público municipal consubstancia-se num procedimento administrativo

preventivo, constitutivo de três fases distintas, integrantes de um único

licenciamento. O licenciamento prévio, concedido na fase preliminar, diz

respeito à aprovação da localização e à viabilidade ambiental da atividade

ou do empreendimento a ser licenciado, estabelecendo-se requisitos

básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases. Após,

tem-se a fase da licença de instalação, que autoriza o empreendimento ou

a atividade de acordo com as especificações do projeto de construção

incluindo medidas de controle ambiental. Por fim, a licença de operação,

ligada ao funcionamento dos equipamentos de controle de poluição e de

seu processo produtivo.

Essas licenças estão relacionadas a diversos tipos de

atividades públicas ou privadas, urbanas e rurais, em seus diversos

campos de atuação:

a) Extração e tratamento de minerais: pesquisa

mineral com guia de utilização; lavra a céu aberto,

inclusive de aluvião, com ou sem beneficiamento;

lavra subterrânea com ou sem beneficiamento;

lavra garimpeira e perfuração de poços e

produção de petróleo e gás natural;

b) Indústria de produtos minerais não-metálicos:

beneficiamento de minerais não-metálicos, não


associados à extração e fabricação e elaboração
de produtos minerais não metálicos, tais como:

produção de material cerâmico, cimento, gesso,

amianto e vidro, entre outros;


124

c) Indústria metalúrgica: fabricação de aço e de

produtos siderúrgicos; produção de fundidos de

ferro e aço/forjados/arames/relaminados com ou

sem tratamento de superfície, inclusive

galvanoplastia; metalurgia dos metais não-

ferrosos, em formas primárias e secundárias,

inclusive ouro; produção de

laminados/ligas/artefatos de metais não-ferrosos

com ou sem tratamento de superfície, inclusive

galvanoplastia; relaminação de metais não-

ferrosos, inclusive ligas; produção de soldas e

anodos; metalurgia de metais preciosos;

metalurgia do pó, inclusive peças moldadas;

fabricação de estruturas metálicas com ou sem

tratamento de superfície, inclusive galvanoplastia;

fabricação de artefatos de ferro/aço e de metais

não-ferrosos com ou sem tratamento de

superfície, inclusive galvanoplastia; têmpera e

cementação de aço, recozimento de arames,

tratamento de superfície;

d) Indústria mecânica: fabricação de máquinas,

aparelhos, peças, utensílios e acessórios com e

sem tratamento térmico e/ou de superfície;


e) Indústria de material elétrico, eletrônico e
comunicações: fabricação de pilhas, baterias e
outros acumuladores; fabricação de material

elétrico, eletrônico e equipamentos para


125

telecomunicação e informática; fabricação de

aparelhos elétricos e eletrodomésticos;

f) Indústria de material de transporte: fabricação e

montagem de veículos rodoviários e ferroviários,

peças e acessórios; fabricação e montagem de

aeronaves; fabricação e reparo de embarcações e

estruturas flutuantes;

g) Indústria de madeira: serraria e desdobramento

de madeira; preservação de madeira; fabricação

de chapas, placas de madeira aglomerada,

prensada e compensada; fabricação de estruturas

de madeira e de móveis;

h) Indústria de papel e celulose: fabricação de

celulose e pasta mecânica; fabricação de papel e

papelão; fabricação de artefatos de papel,

papelão, cartolina, cartão e fibra prensada;

i) Indústria de borracha: beneficiamento de

borracha natural; fabricação de câmara de ar e

fabricação e recondicionamento de pneumáticos;

fabricação de laminados e fios de borracha;

fabricação de espuma de borracha e de artefatos

de espuma de borracha, inclusive látex;

j) Indústria de couros e peles: secagem e salga de

couros e peles; curtimento e outras preparações de

couros e peles; fabricação de artefatos diversos de


couros e peles; fabricação de cola animal;
126

k) Indústria química: produção de substâncias e

fabricação de produtos químicos; fabricação de

produtos derivados do processamento de petróleo,

de rochas betuminosas e da madeira; fabricação

de combustíveis não derivados de petróleo;

produção de óleos/gorduras/ ceras vegetal-

animais/óleos essenciais vegetais e outros

produtos da destilação da madeira; fabricação de

resinas e de fibras e fios artificiais e sintéticos e

de borracha e látex sintéticos; fabricação de

pólvora/explosivos/detonantes/munição para caça-

desporto, fósforo de segurança e artigos

pirotécnicos; recuperação e refino de solventes,

óleos minerais, vegetais e animais; fabricação de

concentrados aromáticos naturais, artificiais e

sintéticos; fabricação de preparados para limpeza

e polimento, desinfetantes, inseticidas, germicidas

e fungicidas; fabricação de tintas, esmaltes,

lacas, vernizes, impermeabilizantes, solventes e

secantes; fabricação de fertilizantes e agroquí­

micos; fabricação de produtos farmacêuticos e

veterinários; fabricação de sabões, detergentes e

velas; fabricação de perfumarias e cosméticos;

produção de álcool etílico, metanol e similares;


I) Indústria de produtos de matéria plástica:
fabricação de laminados plásticos; fabricação de

artefatos de material plástico;


127

m) Indústria têxtil, de vestuário, calçados e

artefatos de tecidos: beneficiamento de fibras

têxteis, vegetais, de origem animal e sintéticos;

fabricação e acabamento de fios e tecidos;

tingimento, estamparia e outros acabamentos

em peças do vestuário e artigos diversos de

tecidos; fabricação de calçados e componentes

para calçados;

n) Indústria de produtos alimentares e bebidas:

beneficiamento, moagem, torrefação e fabricação de

produtos alimentares; matadouros, abatedouros,

frigoríficos, charqueadas e derivados de origem

animal; fabricação de conservas; preparação de

pescados e fabricação de conservas de pescados;

preparação, beneficiamento e industrialização de

leite e derivados; fabricação e refinação de açúcar;

refino/preparação de óleo e gorduras vegetais;

produção de manteiga, cacau, gorduras de origem

animal para alimentação; fabricação de fermentos e

leveduras; fabricação de rações balanceadas e de

alimentos preparados para animais; fabricação de

vinhos e vinagre; fabricação de cervejas, chopes e

maltes; fabricação de bebidas não alcoólicas, bem

como engarrafamento e gaseificação de águas

minerais; fabricação de bebidas alcoólicas;


128

o) Indústria de fumo: fabricação de cigarros/

charutos/cigarrilhas e outras atividades de benefi-

ciamento do fumo;

p) Indústrias diversas: usinas de produção

de concreto; usinas de asfalto; serviços de

galvanoplastia;

q) Obras civis: rodovias, ferrovias, hidrovias,

metropolitanos; barragens e diques; canais para

drenagem; retificação de curso de água; abertura

de barras, embocaduras e canais; transposição de

bacias hidrográficas; outras obras de arte;

r) Serviços de utilidade: produção de energia

termoelétrica; transmissão de energia elétrica;

estações de tratamento de água; interceptores,

emissários, estação elevatória e tratamento de

esgoto sanitário; tratamento e destinação de

resíduos industriais (líquidos e sólidos); tratamento/

disposição de resíduos especiais, tais como: de

agroquímicos e suas embalagens usadas e de

serviço de saúde, entre outros; tratamento e

destinação de resíduos sólidos urbanos, inclusive

aqueles provenientes de fossas; dragagem e

derrocamentos em corpos d’água; recuperação de


áreas contaminadas ou degradadas;

s) Transporte, terminais e depósitos: transporte de

cargas perigosas; transporte por dutos; marinas,

portos e aeroportos; terminais de minério, petróleo


129

e derivados e produtos químicos; depósitos de

produtos químicos e produtos perigosos;

t) Turismo: complexos turísticos e de lazer,

inclusive parques temáticos e autódromos;

u) Atividades diversas: parcelamento do solo;

distrito e pólo industrial;

v) Atividades agropecuárias: projeto agrícola;

criação de animais; projetos de assentamentos e

de colonização;

w) Uso de recursos naturais: silvicultura; exploração

econômica da madeira ou lenha e subprodutos

florestais; atividade de manejo de fauna exótica e

criadouro de fauna silvestre; utilização do patrimônio

genético natural; manejo de recursos aquáticos

vivos; introdução de espécies exóticas e/ou

geneticamente modificadas; uso da diversidade

biológica pela biotecnologia.141

Como última característica do licenciamento

ambiental,142 tem-se a publicidade, obrigatória em toda a fase de seu

procedimento. Excluindo-se os casos de sigilo industrial, está obrigado o

órgão licenciador a dar publicidade, por meio de periódicos de grande

circulação e do Diário Oficial local, de todos os pedidos de licenciamentos,

suas fases e prazos de licença.

141As atividades relacionadas fazem parte do Anexo I da Resolução 237/97, que


abrange de maneira geral aquelas que necessitam do licenciamento ambiental.

142Ressalve-se que as características apontadas referem-se ao licenciamento


ambiental propriamente dito, não sendo elencadas outras pertinentes ao licenciamento
administrativo.
130

Tal dever relaciona-se a outro princípio do Direito

Ambiental, o da participação ou cooperação. Desta forma, a publicidade

garante o direito de informação, para que individualmente ou por

intermédio de associações ambientalistas, sindicatos ou entidades

de classe, a coletividade possa reunir elementos e intervir qualificadamente

no processo.143

Assim, o licenciamento ambiental de competência

municipal torna-se outro importante mecanismo de tutela administrativa do

meio ambiente, dependendo unicamente de vontade política do Poder

Público a sua efetividade. Naqueles Municípios onde não haja estrutura

administrativa e legislação própria para este objetivo, o licenciamento

ambiental ficará a cargo dos Estados ou da União.

3.1.3 Estudo de Impacto Ambiental

Também previsto na Política Nacional do Meio

Ambiente, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) poderá integrar no âmbito

municipal um importante mecanismo de gestão ou, ainda, um instrumento

indispensável para o licenciamento ambiental. A Constituição previu para

aquelas atividades potencialmente poluidoras a exigência pelo órgão

competente de um estudo de impacto ambiental.144

Antes de analisar o procedimento do EIA, suas fases e

finalidades, por tal estudo estar condicionado ao impacto de atividades e

1430 sentido obrigatório da publicidade no licenciamento ambiental está previsto


no art. 17, § 4 o do Decreto 99.274/90. Consta, também, do Princípio 10 da Conferência
Rio-92.

144Artigo 225, § 1 °, inc. IV da CF.


131

empreendimentos no meio ambiente, cumpre esclarecer o conjunto de

condições inerentes à definição de impacto ambiental.

O ordenamento jurídico considerou que impacto

ambiental é toda a alteração das propriedades físicas, químicas e

biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou

energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente,

afetem a saúde, a segurança e o bem-estar das populações; as atividades

sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio

ambiente e, por fim, a qualidade dos recursos naturais.145

A incorporação desse instrumento no ordenamento

jurídico nacional significou um marco na evolução do Direito Ambiental. Até

a década de 1980, toda atividade ou empreendimento tinha sua viabilidade

condicionada a aspectos técnicos ou econômicos, sem qualquer relação

com o meio ambiente. Assim, a viabilidade não estava ligada a limitações

na forma de utilização dos recursos naturais, bem como ao processo

produtivo; não estavam relacionadas exigências e padrões aos resíduos

poluidores dele oriundos. Hidrelétricas gigantescas como Balbina e Itaipu,

estradas como a Transamazônica, projetos de extração mineral como

Carajás, foram construções sem qualquer condicionante sobre os impactos

ambientais que tais empreendimentos originaram, alguns irreversíveis,

atingindo patrimônios nacionais de preservação e reservas naturais.

O Estudo de Impacto Ambiental, como parte

integrante da avaliação dos impactos no meio ambiente, é atualmente

considerado um dos mais importantes instrumentos de compatibilização do


desenvolvimento econômico com o meio ambiente. Configura-se, portanto,

145Tal definição está disposta no art. 1.° da Resolução 001/86 do CONAMA.


132

um mecanismo direcionado à sustentabilidade, razão pela qual torna-se

imprescindível sua utilização prévia à instalação de obra ou atividade

causadora de significativa degradação ambiental.

Ressalte-se que, muitas vezes, o Estudo de Impacto

Ambiental é confundido com o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA),

sendo este um resumo daquele. “O Estudo tem maior abrangência que o

relatório, incorporando o levantamento de literatura científica e legal

pertinentes ao trabalho de campo, análises de laboratório e a própria

redação do relatório" ,U6 O Relatório, por sua vez, como parte resumida, diz

respeito aos aspectos negativos e positivos da atividade avaliada, que

serve de instrumento de comunicação entre o empreendedor, o órgão

licenciador e a comunidade atingida, sendo sua publicidade obrigatória.147

O ponto culminante do Estudo de Impacto Ambiental é

a realização de audiência pública, na qual o conteúdo do RIMA poderá ser

contraditado pelo órgão licenciador e, também, pelas pessoas e entidades

interessadas.148 Justamente para que os indivíduos e entidades da

sociedade possam reunir elementos para averiguar a pertinência do RIMA,

bem como a conveniência do licenciamento, é que se exige plena

publicidade dos atos que precedem a Audiência Pública. yNão fosse tal

146MACHADO, Direito Ambiental..., p. 163

147Art. 225, § 1.°, IV da CF.

148A obrigatoriedade da realização de audiência pública está condicionada a: a)


quando órgão competente para a concessão da licença julgar necessário; b) quando
cinqüenta ou mais cidadãos requererem ao órgão a sua realização; c) quando o Ministério
Público solicitar que seja realizada (art. 2.° da Resolução 09/87 do CONAMA). Destaque-
se que as Constituições dos Estado de Goiás (art. 132, § 3.°), Maranhão (art. 241, inc.
VIII), Mato Grosso (art. 263, parágrafo único, inc. IV), Mato Grosso do Sul (art. 222, § 2 o,
inc. VI), Pernambuco (art. 215) e São Paulo (art. 192, § 2.°) prevêem a obrigatoriedade da
realização de audiência pública para qualquer análise de EIA.
133

ditame, a coletividade não teria condições de reunir os elementos aptos a

influenciar a decisão do órgão licenciador.

A finalidade da Audiência Pública, expressa no art. 1.°

da Resolução 09/87 do CONAMA - “expor aos interessados o conteúdo do

produto em análise e o do RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos

presentes as críticas e sugestões a respeito”, confirma o exposto acima.

No âmbito do instituto até aqui analisado, a

competência dos Municípios está prevista na Resolução 237/97 do

CONAMA no art. 6.°, que estabelece:

“Art. 6 o - Compete ao órgão ambiental municipal,

ouvidos os órgãos competentes da União, dos Estados

e do Distrito Federal, quando couber, o licenciamento

ambiental de empreendimentos e atividades de impacto

ambiental local e daquelas que lhe forem delegadas

pelo Estado por instrumento legal ou convênio”.

A fiscalização, o licenciamento e a avaliação de


impactos ambientais têm sido exercidos pelo órgão ambiental estadual no
âmbito territorial dos Municípios afetos a cada Estado. Isto não significa
que cada Município não seja competente para tais finalidades. Para que
isto ocorra, alguns requisitos são necessários. Como acontece na maioria
das capitais brasileiras, as leis orgânicas municipais devem prever em sua
estrutura executiva e legislativa atribuições referentes à proteção do meio
ambiente local. Legislação municipal (respeitadas as de caráter geral da
União e dos Estados), estrutura administrativa, poder de polícia ambiental,
normas de licenciamento, são mecanismos institucionais e instrumentais
que possibilitam a cada Município exercer sua competência relacionada ao
meio ambiente.
134

Paulo Afonso Leme M AC HADO , quando se refere ao

Estudo de Impacto Ambiental no âmbito municipal, mostra a sua

importância ampliando as possibilidades de tratamento pela Administração

Pública frente à matéria:

“Os Municípios terão a liberdade de aceitar o Estudo

de Impacto Ambiental realizado pela União ou pelos

Estados. Essa aceitação poderá ser total ou parcial. O

Município poderá designar outros peritos ou

consultores para estudar o projeto, como poderá

promover audiência pública. Importa acentuar que o

Município brasileiro está em atraso com a legislação

ambiental, pois poucos introduziram esse instituto em

suas legislações”.149

Com essas observações, verifica-se que a avaliação

de impacto ambiental constitui ato preventivo e controlador dos riscos, por

meio do qual se examinam as conseqüências ou repercussões

desfavoráveis ou favoráveis de determinadas atividades sobre o meio

ambiente, no sentido de selecionar a melhor alternativa e a melhor

proposta conclusiva à adequada decisão da autoridade competente. O seu

objetivo básico é evitar os efeitos prejudiciais ao meio ambiente, total ou

parcialmente, e preservar a qualidade de vida em todos os seus aspectos.

Pela sua eficácia à proteção e à preservação


ambiental, à saúde da população e ao bem-estar social, observa-se que a
avaliação de impacto ambiental é um instrumento poderoso para as

149MACHADO, D ireito Am biental..., p. 280.


135

políticas urbanas. Afinal, é nas cidades que os impactos ambientais

verificam-se em maior intensidade, tornando-se muitas vezes em impactos

sociais negativos, em virtude de suas conseqüências relacionadas ao

emprego150 e à saúde pública.

Nessa perspectiva, a avaliação de impacto ambiental

vem assumindo papel cada vez mais relevante na concretização da gestão

ambiental urbana, no sentido de alcançar soluções racionais e ajustáveis

aos crescentes conflitos entre os objetivos do desenvolvimento econômico,

caracterizadores da sociedade contemporânea, objetivando a

sustentabilidade e como oportuna e conveniente solução aos problemas

ambientais, sanitários, sociais, econômicos e culturais do momento.

3.1.4 Legislação e Estrutura Institucional Municipal

No âmbito da competência ambiental dos Municípios,

estão as matérias administrativas e legislativas.151 O poder legiferante

municipal condiciona-se às normas gerais da União e dos Estados, cujo

limite encontra-se direcionado pelo seu caráter restritivo, principalmente,

quando estabelece fatores ou padrões de qualidade ou proteção ambiental.

150O impacto relacionado ao emprego tem acontecido nos grandes centros


quando, por exemplo, hipermercados instalam-se na parte central das cidades,
inviabilizando pequenos comércios naquela região. O mesmo impacto negativo se repete,
v.g., no caso da instalação dos shoppings centers dentro da espacialidade central urbana.

151Assim tem entendido a jurisprudência como exemplo das competência


legislativa: “MEIO AMBIENTE-PROTEÇÃO-LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. Com arrimo na
Constituição Federal, art. 23, VI, e 30, I e II, é competente o município para legislar sobre
proteção ambiental, nos limites de sua territorialidade, para atender à situações de
interesse local, devendo as sanções aplicáveis pelo descumprimento das normas
disciplinadoras de que cuidam prevalecer contra seus infratores". (TJ-MG - Ac. da 4 a
Câm. Cív. no DJ de 24.04.2000 - Embs. 138.453/6 - Capital - Rei. Dês. Corrêa de
Marins, in ADCOAS 8180186.)
136

Na dicção de MIRRA,

“É bastante freqüente, na prática, que os Municípios,

ao legislarem em tema de meio ambiente, procurem

diminuir o rigor do legislador federal ou estadual e,

com isso, ampliar ou facilitar o exercício de atividades

potencialmente degradadoras do meio ambiente em

seus territórios, sem o devido respeito à restrições já

anteriormente estabelecias pelas norma das União e

dos Estados”.''52

As leis orgânicas dos maiores Municípios brasileiros

de há muito prevêem normas de proteção ambiental, que estabelecem

padrões técnicos de monitoramento e de funcionamento de atividades, bem

como condutas lesivas ao meio ambiente urbano. Porém, críticas eram

feitas pela incompletude das infrações e suas respectivas penalidades,

que, por vezes, entravam em conflito com a legislação estadual e federal.

Outra crítica relacionava-se às variações dos índices monetários utilizados

para quantificar valor de multa e os diferentes critérios de aplicabilidade

sobre os bens ambientais, que geravam distorções novamente em relação

à legislação dos Estados e da União.

Com a recente promulgação da Lei n.° 9.605/98,

denominada de Lei da Natureza,153 esse problema foi praticamente

resolvido, em virtude de constar do texto normativo uma vasta relação de

152MIRRA. Álvaro Luiz. Limites e controle dos atos do poder público em matéria
ambiental. In: MILARÉ, Edis (Org.). Ação civil pública. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1995. p.36.

153Lei n.° 9.605/98.


137

condutas e sanções administrativas cuja aplicabilidade pode ser exercida

nos níveis municipal, estadual e federal de governo. Na esfera dos

Municípios, basta previsão legal em seu ordenamento legislativo, atribuindo

a cada administração municipal competência e estrutura administrativa

próprias para atuar na proteção, fiscalização e no monitoramento do

meio ambiente.

A “Lei da Natureza”, também conhecida como “Lei de

Crimes Ambientais”, tem em seu corpo normativo infrações de natureza

administrativa, civil e criminal. As de natureza administrativa foram

regulamentadas pelo Decreto n.° 3.179/99, abrangendo infrações relativas

aos diversos aspectos do meio ambiente. Tal Decreto foi fundamental no

sentido da sistematização das infrações administrativas que, anteriormente,

encontravam-se espargidas em diversos diplomas legais - Portarias,

Resoluções, Circulares etc. - que, sem a necessária força e autoridade de

lei, dificultavam sua aplicação.

O Decreto considerou infração administrativa

ambiental “toda a ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso,

gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”.154 Dentre as

penalidades previstas, a inovação ocorreu, portanto, pela sistematização e

classificação das infrações tendo em vista o bem ambiental atingido, e o

valor das multas, que passaram a variar de cinqüenta reais a cinqüenta

milhões de reais.155
Outra novidade ocorreu nas sanções administrativas
restritivas de direito aplicáveis às pessoas físicas e jurídicas. Estas foram

154Decreto n.° 3.179/99, artigo 1.°.

155Decreto n.° 3.179/99, artigo 4.°.


138

classificadas da seguinte forma: suspensão ou cancelamento de registro,


licença, permissão ou autorização; perda ou restrição de incentivos e
benefícios fiscais, bem como a participação em linhas de financiamento em
estabelecimentos oficiais de crédito, e, por fim, a proibição de contratar

com a Administração Pública, pelo período de três anos.156

Para os Municípios brasileiros, que agora gozam de

um ordenamento integrado e sistematizado das infrações e penalidades

administrativas, o mesmo diploma previu, além das infrações contra a flora


e a fauna,157 outras específicas e de maior ocorrência no ambiente urbano,

referentes à poluição em todas a suas formas,158 ao seu ordenamento e ao

patrimônio cultural.159
À parte este importante e atual diploma jurídico, têm
todos os Municípios brasileiros - no cumprimento do dever constitucional
de defesa e proteção do meio ambiente - competência legislativa no
estabelecimento de padrões e normas de peculiar interesse, as quais se
prestam a normatizar particularidades ambientais de cada Município, de
acordo com sua formação geofísica e econômica, complementando as já
estabelecidas pelo ordenamento estadual e federal.
Passando da competência legislativa para a executiva,
observa-se a falta, para a maioria dos pequenos e médios Municípios, da
necessária estrutura administrativa e competente corpo técnico para que
tal dever constitucional seja exercido pela Poder Público Municipal,
garantido a qualidade de vida e o bem-estar da coletividade nas cidades.

156Decreto n.° 3.179/99, artigo 1 °,§ 9.°, inc. I a V.

157Decreto n.° 3.179/99, artigos 11 a 40.

158Decreto n.° 3.179/99, artigos 41 a 48.

159Decreto n.° 3.179/99, artigos49 a 52.


139

Essa estrutura político-institucional, à semelhança do

que ocorreu em nível Estadual e Federal, deve ser composta de

Secretarias Municipais de Meio Ambiente, responsáveis pela articulação da

política ambiental com as demais Secretarias. Tal estrutura administrativa

dependerá de um aparelhamento técnico-funcional, responsável pelas

áreas de fiscalização, licenciamento, monitoramento e educação ambiental.

Complementando essa estrutura administrativa, a

política ambiental estabelecida nos Municípios deve contemplar um

Conselho Municipal do Meio Ambiente contando com os recursos dos

Fundos Municipais do Meio Ambiente.

Tais Conselhos Municipais de Meio Ambiente160 são

compostos paritariamente por representantes do Poder Executivo e por

representações de entidades ambientalistas, Ministério Público, órgãos de

classe das indústrias, do comércio, associação de moradores, do órgão

ambiental estadual, dentre outros, conforme estabelecer seu regimento.

Dentre as atribuições desses Conselhos Municipais de Meio Ambiente,

estão as seguintes: aprovar a política ambiental do Município,

acompanhando sua execução; estabelecer normas e padrões de proteção,

conservação, recuperação e melhoria ambiental; decidir em último grau os

recursos de infrações; analisar e opinar sobre a ocupação e uso dos

espaços territoriais de acordo com as limitações e condicionantes

ambientais, promover a educação ambiental e administrar o Fundo

Municipal do Meio Ambiente, cujos recursos podem advir do tesouro

160A título de exemplo, encontra-se no Município de Curitiba, através do Decreto


Municipal 691/95, o Regimento Interno e estrutura do seu Conselho Municipal do Meio
Ambiente. Tais conselhos são necessários para que o município possa arrecadar recursos
advindos das multas por infrações ambientais, os quais são parte dos recursos destinados
aos Fundos Municipais do Meio Ambiente.
140

municipal, do pagamento de multas, de convênios e projetos, ou até

mesmo dos Fundos Estadual e Nacional do Meio Ambiente.

Assim, contando com as competências legislativa

e executiva Municipais outorgadas pela Constituição Federal, com

a atualíssima “Lei da Natureza” e com uma estrutura administrativa

própria, estarão os Municípios aparelhados para a implementação da

política urbana e para o cumprimento das funções socioambientais nas

cidades brasileiras.

Ressalve-se aqui que os aspectos jurídicos

institucionais, acima apontados, são possibilidades dentro do ordenamento

legal brasileiro, não se pretendendo com isso dizer que todos os

Municípios tenham condições e viabilidade de implementação. Em muitos

casos, esta tarefa ficará a cargo do Estado ou da União, como entes

federados que têm por imposição constitucional o mesmo dever de

defender e proteger o meio ambiente.

3.1.5 Política Fiscal Ambiental

Ainda na esteira da identificação de mecanismos

institucionais de proteção do ambiente urbano, encontram-se no

ordenamento jurídico nacional instrumentos tributários que configuram a

chamada “tributação ambiental”, conceituada como: “o emprego de

instrumentos tributários para orientar o comportamento dos contribuintes à

pretexto do meio ambiente, bem como para gerar recursos necessários à


prestação de serviços de natureza ambiental”.161

161 FREITAS, Vlademir Passos de. Direito Ambiental em evolução. Curitiba:


Juruá, 1998. p. 298.
141

A atuação do direito tributário como instrumento de

política ambiental se estabelece no nível fiscal - com o objetivo de

financiamento de políticas públicas - e no extrafiscal - agindo diretamente

no condicionamento de condutas, desestimulando algumas e incentivando

outras. Ou seja, os tributos fiscais têm a finalidade de arrecadação de

recursos financeiros; os extrafiscais atendem a fins outros que não a

arrecadação, geralmente, à correção de situações sociais indesejadas e à

condução de economia, estímulo ou desestímulo de certas atividades.

Nesse sentido, José Marcos Domingues OLIVEIRA afirma que:

“... é indubitável dentre os demais meios jurídicos de

prevenção e de combate à poluição, bem como de

conscientização de preservação ambiental, que o

tributo surge como ferramenta importante e eficiente

tanto para proporcionar ao Estado recursos para agir

(tributação fiscal) como para estimular condutas não

poluidoras e ambientalmente preservacionistas e

desestimular as poluidoras e ambientalmente

degradantes (tributação extrafiscal7’.162

Dentre os impostos com vocação de proteção

ambiental municipal, tem-se o Imposto sobre a Propriedade Territorial

Urbana (IPTU). A Constituição alude à progressividade, ou seja, à elevação

gradual, de suas alíquotas com base na utilização inadequada quanto à

162OLIVEIRA, José M. Domingues de. Proteção ambiental no Brasil e


nos Estados Unidos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar,
1991. p. 110.
142

política urbana163 e na improdutividade da propriedade.164 Os critérios

legais para definição da política urbana, como anteriormente abordado,

devem ser estabelecidos no Plano Diretor e podem levar em conta fatores

vinculados à proteção do meio ambiente, o que refletiria na modulação das

alíquotas desses impostos.

Do lado oposto da progressividade, encontram-se os

incentivos fiscais para fins de defesa ambiental sobre o IPTU, naquelas

propriedades detentoras de grandes áreas florestadas. Três exemplos

confirmam esta possibilidade.

Primeiramente foi o Município do Rio de Janeiro, ao

estabelecer no seu Código Tributário (Lei n.° 691/84)

“... dispositivo que isenta de imposto sobre a

propriedade predial e territorial urbana: terrenos e

prédios de interesse ecológico ou relevantes para a

preservação paisagística ou ambiental; áreas

declaradas pelo Poder Público como reservas

florestais ou qualquer terreno de área superior a

10.000 m2 efetivamente cobertos por florestas" .165

A cidade de Curitiba veio na mesma esteira, mediante

a Lei n.° 6.819/86, permitindo incentivos fiscais sobre o mesmo IPTU, para

imóveis com cobertura vegetal de relevante interesse para o Município.

Como no exemplo anterior, tratou de isenção ou de redução relativa ao

163Artigo 182, § 4 o, inc. II, da CF.

164Artigo 153, § 4 .° da CF.

165OLIVEIRA, op. cit. p. 33.


143

índice de cobertura vegetal, estabelecendo um cadastro intitulado Setor

Especial de Áreas Verdes. Mais tarde, a Lei n.° 8.356/93 estendeu o

benefício também em função da existência de associações vegetais nativas

não cadastradas, como bosques de preservação permanente, assim como

para árvores isoladas cuja proteção copada perfaça uma área mínima de

40% da área total do imóvel, ou ainda, de árvores imunes a corte como o

pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia).

Como último exemplo tem-se a cidade de São Paulo,

que, mediante a Lei Municipal n.° 10.365/87, concede incentivo fiscal de

IPTU a imóveis revestidos de vegetação arbórea declarada de preservação

permanente ou perpetuados, nos termos do Código Florestal.166 O

incentivo fiscal concedido pelo Município é de 50% do valor do imposto,

aplicado de acordo com o índice da área protegida.

Como segundo imposto previsto no âmbito municipal,

tem-se aquele aplicado sobre serviços (ISS), que, da mesma forma, pode

apresentar-se como incentivador da preservação ambiental. Num exemplo,

a diminuição de alíquotas do ISS para os serviços relacionados com o meio

ambiente, como aqueles pertinentes à educação ambiental ou ao turismo

ecológico das cidades.

Complementando os instrumentos de ordem tributária

ou a esta vinculados, tem-se a contribuição de melhoria cobrada pelo

Município, pela qual

“... poderia a lei prever a cobrança de contribuição de


melhoria ambiental de quantos se beneficiassem por

obra pública que tivesse contribuído para a melhoria

166Código Florestal, Lei 4.771/65, artigo 6.°.


144

da qualidade ambiental, como o saneamento de uma

praia, a canalização de esgoto, a despoluição de

córrego ou rio de vizinhança”.167

Além desses instrumentos tributários, existem os de

ordem financeira baseados na repartição de receitas tributárias.168 Apesar

de serem de mais fácil e rápida implementação, por já estarem previstos na

Constituição, dependem do Poder Legislativo Estadual para a sua

efetivação, porém com recursos orientados para os Municípios.

Tal instrumento financeiro de proteção ambiental

baseia-se na compensação econômica pela União aos Municípios que

sofrem restrições, por exemplo, em virtude do zoneamento ambiental que

prevê a preservação das áreas de manancial ou de preservação florestal.

Os Estados do Paraná, Minas Gerais, São Paulo, Rio

de Janeiro vêm desde 1992 introduzindo critérios ambientais para a

distribuição de receita aos Municípios que tenham em seu território áreas de

preservação ambiental. O mecanismo, como se disse, é de simples

aplicação, bastando que a lei estadual permita e discipline quanto e como a

parcela dos 50% do produto de arrecadação do imposto da União sobre a

propriedade rural169 pode ser distribuída aos Municípios que sofrem

restrições econômicas em razão da preservação destas áreas. A vantagem

desse instrumento, como já afirmado, é a sua prévia previsão constitucional,

tornando desnecessária a criação de um novo instrumento fiscal.

167MILARÉ, Edis. Sistema municipal do meio ambiente. Revista de Direito


Ambiental, São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 14, p. 47, 1999.

168Matéria prevista no art. 153 e incisos da CF.

169Artigo 158, inc. II da CF.


145

Ainda dentro do âmbito da repartição de receitas

tributárias, outro mecanismo importante foi o chamado “ICMS ecológico”,

referente aos 25% do ICMS repassados pelos Estados aos Municípios.170

Nesta sede, o Estado do Paraná, de maneira pioneira,

instituiu pelaLei Complementar Estadual 059/91171 o ICMS Ecológico, que,

desde entâo, vem representando uma das mais significativas e

promissoras alternativas de gestão ambiental urbana no Brasil. Trata-se,

antes de tudo, de implementação de preceito da Constituição Estadual,

que, ao tratar da repartição de receitas tributárias do Estado, estabeleceu:

“... o Estado assegurará, na forma da lei, aos

municípios que tenham parte de seu território

integrando unidades de conservação ambiental, ou

que sejam diretamente influenciados por elas, ou

àqueles com mananciais de abastecimento público,

tratamento especial quanto ao critério da receita

referida no art. 158, parágrafo único, II, da

Constituição Federal”.172

Portanto, a implementação do ICMS ecológico vai para

além de uma simples compensação financeira. Do ponto de vista prático,

representa um projeto ambiental com a possibilidade de os Municípios

assegurarem a conservação de grandes áreas, constituindo um espaço de

desenvolvimento de biodiversidade dentro do perímetro urbano.

170Artigo 158, inc. IV da CF.

171Lei Complementar n.° 59/91 do Estado do Paraná, regulamentada pelo


Decreto Estadual 974/91 e reformulada pela Lei Estadual 2.791/96.

172Artigo 132 da Constituição do Estado do Paraná.


146

Nesse sentido, as palavras de LOREIRO,

fazer justiça fiscal pela conservação da

biodiversidade é o objetivo fundamental do projeto. E

isto ocorre, se se considerar que pelo menos 50 dos

192 municípios beneficiados de 1998 (pelos critérios -

biodiversidade e mananciais de abastecimento) têm

acima de 17% de todo o recurso financeiro repassado

em função do ICMS Ecológico, chegando no caso de

Piraquara a 82%”.173

Dessa forma, a fiscalidade e a extrafiscalidade podem

configurar a tributação como instrumento a serviço da defesa do meio

ambiente e, como mencionado, podem até representar mais de 80% dos

recursos arrecadados pelo Município. Não obstante isto, a tributação

ambiental mostra-se como um campo ainda pouco explorado pelos

Municípios brasileiros, mesmo oferecendo ferramentas para a viabilização

satisfatória da proteção ambiental.

3.2 ATUAÇÃO DA SOCIEDADE NA DEFESA DO AMBIENTE

Os avanços dos sistemas normativos e institucionais

de proteção ao meio ambiente vêm a ressaltar a importância do exercício

do direito de participação, seja no plano nacional, seja no internacional,

inclusive no processo dê criação das normas de proteção. A participação

173LOREIRO, Wilson.Incentivos econômicos para a preservação da


biodiversidade no Brasil - ICMS ecológico. Tese (Doutoramento em Economia e
Política Florestal). Curitiba, Curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal do
Paraná, 1998. p. 47.
147

da sociedade neste contexto deixou de ser uma simples possibilidade

teórica para tornar-se uma realidade.

No plano internacional, principalmente mediante

organizações não-governamentais, a participação efetivou-se nos

encontros preparatórios da Conferência do Rio de Janeiro, sendo sua

importância retratada por um princípio em particular:

“Princípio 10 - A melhor maneira de tratar questões

ambientais é assegurar a participação, no nível

apropriado, de todos os cidadãos interessados. No

nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso

adequado a informações relativas ao meio ambiente

de que disponham as autoridades públicas, inclusive

informações sobre materiais e atividades perigosas

em suas comunidades, bem como a oportunidade de

participar em processo de tomada de decisões. Os

Estados devem facilitar e estimular a conscientização

e participação pública, colocando a informação à

disposição de todos. Deve ser propiciado acesso

efetivo a mecanismos judiciais e administrativos,

inclusive no que diz respeito a compensação e

reparação de danos”.174

Da mesma forma, ainda quanto à participação da


sociedade na proteção ambiental, o Relatório Nossa Própria Agenda, da
Comissão de Desenvolvimento e Meio Ambiente da América Latina

174AGENDA 21 - CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO


AMBIENTE E O DESENVOLVIMENTO. Brasília: Senado Federal, 1997. p. 595.
148

designada pela ONU, adverte que “ampla participação da sociedade civil é

essencial para alcançar o desenvolvimento com equidade e fortalecer o

ordenamento jurídico para proteger os cidadãos contra os danos

ambientais e o exercícios abusivos do poder"’.175

Afirma também o Relatório que a democracia

participativa é condição sine qua non para alcançar o desenvolvimento

sustentado, “caracterizada pela atuação de inúmeras organizações como

intermediárias entre o Estado e a sociedade”.176

Os acordos internacionais e suas diretrizes de

interdependência entre participação da sociedade e do Estado na proteção

ambiental encontram-se expressamente refletidos na Constituição Federal.

Como já referido, o artigo 215, caput, espelha esta imposição ao Poder

Público e à coletividade na defesa do meio ambiente.

Assim, a proteção ambiental possui dupla face para a

sociedade: é ao mesmo tempo direito e dever. Neste sentido, a população

encontra na participação popular o instrumento necessário para cumprir tal

dever. Não basta ter acesso aos atos do Poder Público ou aos atos a ele

dirigidos. É preciso uma atuação direta como forma de participação

e controle do Estado e no estreitamento das relações entre administrador

e administrado.

O precursor do Direito Ambiental francês, Michel

PRIEUR, informa com extrema propriedade a importância dessa

participação na dinâmica ambiental:

175COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE DA AMÉRICA


LATINA E CARIBE - ONU. Nossa própria agenda. São Paulo: Linha Gráfica, 1990. p. 76.

176COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE DA AMÉRICA


LATINA E CARIBE - ONU, p. 188-189.
149

"Cette participation est um apport majeur de la


conservation de l’environnement à la protection dès
droits de l’homme: par son double aspect que apport à

la fois droits et devoirs aux individus, le droit de


l’environnement transforme tout ce domaine em sortant
les citoyens d’um stautut passif de bénéficiaires et leur
fait partages dès collectivité toute entière. (...)
L’environnement est la chose de tous, as gestion et as

protection ne peut être confiée à des mandataires”.177

Sobre o mesmo tópico da participação popular, sua


importância no controle do Poder Público e na defesa ambiental, traz-se,
da mesma envergadura teórica que a acima, a posição de Ramón
Martin MATEO:

efectivamente el ambiente no es propiedad de la


Administración, sino que es solo su gardián, las
actividades que aqui inciden deben se supervisadas
por la opinion pública y organizaciones ambientales
con un máximo de transparência, discusión pública y
amplios derechos ajudicados a los grupos de interés
medioambientales”.178

177“Esfa participação é uma das principais contribuições da conservação do


meio ambiente à proteção dos direitos humanos: p or seu duplo aspecto de conferir
simultaneamente direitos aos indivíduos, o direito do meio ambiente transforma todo esse
domínio em libertando os cidadãos de um estado passivo de beneficiário e fazendo-o
compartilhar da coletividade em seu todo. (...) O meio ambiente é de todos, sua gestão e
proteção não pode ser confiada somente às autoridades”, (trad. livre) (PRIEUR, Michel.
Droit de l’environnement. 2. ed. Paris: Dalloz, 1991. p. 90.)

178MATEO, Ramóm Martin. Manual de Derecho Ambiental. Madri: Trivium,


1998. p. 57.
150

Ainda na confirmação da importância da participação,

encontra-se na doutrina ambiental brasileira a unanimidade em MILARÉ,

quando identifica um aspecto relevante do princípio da participação.

“A participação pública nos procedimentos admi­

nistrativos ambientais ainda é uma novidade. Surge

ela como produto da desconfiança dos cidadãos em

relação à conduta do administrador no trato das

questões ambientais. Há, em todo esse fenômeno,

uma crise do próprio modelo tradicional de democracia

representativa. De uma hora para outra, ao cidadão já

não basta eleger seu representante. Exige-se, em

acréscimo, intervenção direta na administração da

coisa pública”.179

Nessa perspectiva, tomar parte nas decisões políticas,

principalmente quando envolvem, direta ou indiretamente, direitos humanos

e ambientais garantidos constitucionalmente, é uma exigência lógica do

exercício da noção de cidadania integral, já apontada. O exercício do

direito e do dever da participação encontra-se diretamente relacionado com

o projeto de sociedade idealizado pela Constituição - sociedade justa,

livre e solidária.

As decisões de planejamento do Poder Público, de

imensa importância para a sustentabilidade ambiental, continuam, ainda,

inalcançáveis por parte da sociedade, com uma forte propensão

179MILARÉ, Edis. Estudo de impacto ambiental. São Paulo: Revista dos


Tribunais, 1993. p. 117.
151

tecnocrática impositiva, manipulando por vezes a realidade conforme a

conveniência distante de sua natureza pública.

O desafio que se apresenta é, então, o de conferir

uma dimensão pública para as práticas ligadas à política estatal que diz

respeito a um destino coletivo. Isso se faz à medida que se propicia a

existência do que, RAICHELIS, classifica como “elementos constitutivos da

esfera pública,”180 dentre os quais destacam-se:

a) visibilidade: as ações e os discursos dos sujeitos

devem transparecer a todos os implicados nas

decisões políticas, pressupondo informações

fidedignas para o público;

b) controle social: envolve o acesso aos processos

que informam as decisões no âmbito da sociedade

política. Viabiliza a participação da sociedade

organizada na formulação e na revisão das regras

que conduzem as negociações e na arbitragem

sobre os interesses do jogo, além do

acompanhamento da implementação daquelas

decisões, segundo critérios pactuados;

c) representação de interesses coletivos: implica

a constituição de sujeitos sociais ativos, que se

apresentam na cena pública a partir da

qualificação de demandas coletivas, em relação à


quais exercem papel de mediadores;

180RAICHELES, Raquel. Esfera pública e os conselhos de assistência social:


caminhos da construção democrática. São Paulo: Cortez, 1998. p. 82-83.
152

d) democratização: remete à ampliação de fóruns

de decisão política que, extrapolando os condutos

tradicionais de representação, permite incorporar

novos sujeitos sociais como protagonistas e

contribui para criar e consolidar novos direitos.

Implica a dialética entre o conflito e o consenso,

de modo que os diferentes e múltiplos interesses

possam se qualificados e confrontados, daí

resultando a interlocução pública capaz de

gerar acordos e entendimentos que orientem

decisões coletivas;

e) cultura pública: supõe o enfrentamento do

autoritarismo social e da cultura privatista de

apropriação do público pelo privado. Remete à

construção de mediações sociopolíticas dos

interesses dos sujeitos sociais a serem

reconhecidos, representados e negociados na

cena visível da esfera pública.

Nesse contexto, o Estado precisa se apresentar como

um espaço privilegiado do exercício democrático, instrumento de promoção

e motivação da participação política onde todos os envolvidos possam se

mostrar abertamente, tornando visíveis os conflitos a serem equacionados

segundo um conjunto de regras do jogo previamente estabelecidos por

todos. Não se trata de eliminar o poder, mas de uma alteração formal e

substancial no seu exercício.


153

A participação ou o controle extra-orgânico181 da

coletividade na proteção do meio ambiente em face da Administração

Pública tem sido exercido genericamente em duas dimensões: a

participação como cooperação conjunta administrativa e legislativa em

órgãos colegiados, e a participação como controle dos atos da

Administração Pública, fora da espacialidade pública.

3.2.1 Participação e Controle na Espacialidade da Administração Pública

Municipal

A participação na dimensão da cooperação ambiental

administrativa acontece pela via da representação de entidades diretamente

ligadas à preservação ambiental ou de classes, escolhidas pela Administração

Pública para compor os órgãos colegiados responsáveis pela formulação das

políticas ambientais.

A utilização de Conselhos na estrutura institucional dos

Municípios é ainda recente, diferentemente do Conselho Nacional do Meio

Ambiente - CONAMA. Estruturados com a mesma conformação e objetivos

no âmbito municipal, representam uma experiência em gestão ambiental

181 GOMES, baseando-se em José Roberto DROMI, classifica de maneira precisa


os tipos de controle da Administração Pública. “Os controles intra-orgânicos seriam aquelas
manifestações propriamente administrativas dos controles internos à estrutura do poder
controlado (...), neste gênero estariam insertas todas as modalidades de controle internos
das funções administrativas. Os controles inter-orgânicos seriam aqueles realizados na
relação entre os distintos órgãos ou poderes do Estado. Os controles extraorgânicos, seriam
aqueles que se realizam a partir de fora do Estado (...), a modalidade de controle praticada
por entes que não pertencem ao Estado". (GOMES, Manoel Eduardo Alves Camargo e.
Controle da Administração: pressupostos teóricos para uma revisão conceituai.
Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas). Florianópolis: Curso de Pós-Graduação em
Direito da UFSC, 1992. p. 140-141.)
154

que redesenha uma nova institucionalidade nas práticas sociais de

distintas entidades da sociedade civil e sua interlocução com o Estado.

Para que esse modelo de participação possa


representar um avanço, é necessário que os Conselhos possuam, dentre
outras, as mesmas características dos Conselhos Estaduais e do Nacional:

sejam paritários, permanentes, deliberativos, normativos, formuladores de


políticas e controladores de ação.

Nessa conformação, os Conselhos devem ser paritários,


significando uma composição com igual número de representantes do
governo e da sociedade civil, representados pelos segmentos produtivos,
entidades ambientalistas, associação de moradores, Ministério Público,

órgãos ambientais oficiais do Estado e da União, membro do Poder


Legislativo, universidades, dentre outros.
Sendo um organismo permanente e deliberativo, o
Conselho não poderá se limitar a emitir pareceres ou opiniões, a serem
acatadas ou não pelo Poder Público. Ao contrário, reunindo-se em

sessões plenárias mensais, após a discussão ampla, decidirá sobre


todas as matérias de sua competência, representando uma instância
desconcentrada de poder.
Pela sua função normativa, as deliberações tomarão

forma de Resoluções, as quais, dentro do plano de competência própria do


Conselho, definirão e disciplinarão as questões relacionadas à política
municipal do meio ambiente.
Por fim, como controlador de ações, deve o Conselho
analisar, aprovar e fiscalizar as ações em desenvolvimento pelo órgão
executivo da Administração Pública Municipal, que, em geral, são as
secretarias ou departamentos municipais de meio ambiente.
Entretanto, não deve ser considerado como único

conduto de participação política e nem exemplo modelar de uma sociedade


155

civil organizada. Representa apenas uma das formas possíveis de

participação social para a proteção do meio ambiente urbano. Precisa ser

atentamente acompanhado, e avaliado, devido à manipulação a que pode

estar sujeito.182 De toda a forma, o maior desafio continua sendo a

implantação e o funcionamento de estruturas administrativas municipais

aparelhadas para dar cumprimento à recente legislação sobre infrações

ambientais estabelecidas pela Lei n.° 9.605/98 e regulamentado pelo

Decreto n.° 3.179/99.

3.2.2 Participação e Controle Coletivo e Individual

A outra dimensão da participação da sociedade na

tutela ambiental frente à Administração Pública, refere-se ao controle dos

atos administrativos estabelecidos fora da espacialidade pública. Nessa, a

participação é exercida de forma direta, coletiva ou individualmente,

fiscalizando e propondo medidas, nas esferas judicial ou extrajudicial.

O constitucionalista e também doutrinador do Direito

Ambiental, José Afonso da SILVA, trata a democracia participativa

condicionada a esta dimensão, afirmando que “o princípio participativo,

182“É exatamente aqui que a participação popular tem sido mais deficiente, seja
pela ausência de um canal direto que ligue a comunidade aos órgãos da Administração
Pública, seja pela falta de composição paritária nos órgãos colegiados que participam da
elaboração e da execução dessas políticas, e onde as propostas dos ambientalistas não
raras vezes são rejeitadas". Esta é a crítica de MILARÉ, citando Álvaro MIRRA quando de
sua abordagem sobre a participação popular na formulação de políticas ambientais.
(MILARÉ, Direito do ambiente, p. 246.) De toda sorte, em outras ocasiões apenas a
presença dos representantes das entidades populares e do Ministério Público inibem
arranjos que e outras esferas, são estabelecidos nos gabinetes do poder sem
qualquer notícia.
156

caracteriza-se pela participação direta e pessoal da cidadania nos

atos de governo”.183

Na esfera da participação comunitária de proteção

ambiental extrajudicial de cunho legislativo, têm-se os institutos tradicionais

previstos constitucionalmente, que consistem “em institutos de participação

semidireta, combinando instituições de participação direta com instituições de

participação indireta”.m São os institutos da Iniciativa Popular, Referendum

Popular e Plebiscito, presentes também na esfera municipal, que, pela sua

conhecida função, não necessitam de maior aprofundamento.

Outro mecanismo importante de participação popular

é, como visto, a audiência pública conceituado como:

um instituto de participação administrativa aberta

aos indivíduos e a grupos sociais determinados,

visando à legitimidade da ação administrativa,

formalmente disciplinada por lei, pela qual se exerce o

direito de expor tendências, preferências e opções que

possam conduzir o Poder Público a uma decisão de

maior aceitação consensual”.185

No Brasil, a audiência pública tem previsão legal, o

que confere a esse instituto um especial relevo em face da eficácia

183SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. São


Paulo: Malheiros, 1995. p. 141.

184SILVA, J.A. Curso de Direito..., p. 141.

185MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito de participação política:


legislativa, administrativa, judicial. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 129.
157

vinculativa de suas decisões. A Constituição Federal previu algumas

hipóteses na quais podem ter lugar a audiência pública.186

Recentemente, a audiência publica teve, por meio de

regulamentação, sua condição elevada à categoria de instituto do

procedimento administrativo, passível de ser utilizada para quaisquer

matérias de interesse coletivo. É o que se constata da leitura do art. 32 da

Lei n.° 9.784/99:

"Art. 32 Antes da tomada de decisão, a juízo da

autoridade, diante da relevância da questão, poderá

ser realizada audiência pública para debates sobre a

matéria do processo.

(...)

Art. 34 Os resultados da consulta e audiência pública

e de outros meios de participação de administrados

deverão se apresentados com a indicação do

procedimento adotado”.

O objetivo da audiência pública é informar o público e

colher apreciações, sugestões e contra-propostas, de modo a fornecer à

autoridade competente todas as informações necessárias para a tomada

de decisão. É por meio desse instituto que se efetiva o direito de ser ouvido

pela Administração Pública, fundamentado na garantia constitucional de

receber informações dos órgãos públicos e da participação popular.


Resta uma observação de ordem prática, quando se
trata de audiência pública referente à avaliação de impacto ambiental.

186Artigos 29, X; art. 204, II e art. 216, § 1.° da CF.


158

Após realizada a audiência pública, as sugestões apresentadas e dúvida

levantadas, deve o órgão competente responder a todas as questões, o

que fará por intermédio da equipe multidisciplinar responsável pela

avaliação, apresentando posteriormente suas conclusões ao público, em

documento próprio.

Em relação às questões ambientais, a matéria foi

prevista na Resolução n.° 001/86 e regulada, posteriormente, pela

Resolução n.° 009/87, ambas do CONAMA. Como visto, ela é parte

integrante do licenciamento ambiental constituindo-se em fase do Estudo

de Impacto Ambiental. É efetivamente o instrumento de garantia do

exercício de participação popular, que informa o EIA, pois responsável pela

concretização de dois objetivos: receber informações da Administração e

prestar informações a ela.

A obrigação da Administração está em comunicar à

sociedade a realização do EIA mediante edital e anúncio em jornais,

abrindo um prazo para que as pessoas possam solicitar a audiência

pública, caso essa não a tenha indicado.

O público que profere suas opiniões, críticas e

sugestões na audiência, pode ser constituído de nacionais e estrangeiros,

não sendo requisito a cidadania brasileira para a participação. Quaisquer

pessoas, moradoras de qualquer lugar, podem participar. Essas

manifestações não têm caráter vinculativo sobre a decisão, contudo,

somente podem ser desprezadas quando devidamente motivadas. A falta

de motivação poderá considerar nulo o procedimento licenciatório.


Adite-se que caso o Município não tenha estrutura
administrativa suficiente ou previsão legal para exigir o Estudo de Impacto

Ambiental, resta à população desse local participar das audiências públicas


159

promovidas pelos órgãos Estadual ou Federal, quando de impacto

ambiental em sua territorialidade.

Por fim, tem-se ainda o controle da sociedade dos

atos da Administração pela via judicial, o qual vem ganhando importância

no último anos.

Para os atos praticados ilegalmente pelo Poder

Público contra o meio ambiente, sejam eles próprios ou relativos ao

licenciamento indevido, vários instrumentos jurídicos de caráter processual

coletivo e difuso encontram-se à disposição da sociedade para punir e

recuperar os danos ambientais deles oriundos.

A mais antiga é a Ação Popular, regulada pela Lei n.°

4.717/65 e atualmente galgada ao status de norma constitucional, art. 5.°,

inc. LXIII. Legitima qualquer cidadão, entendido como aquele que se

encontra no uso e gozo de seus direitos políticos, a utilizar-se dela para

pleitear ao Poder Judiciário a anulação de atos administrativos lesivos ao

meio ambiente e outros interesses difusos.

Outro instrumento da sociedade é o Mandado de

Segurança Individual e Coletivo, com sede constitucional no art. 5o, inc.

LXX, que visa à proteção de direito líquido e certo, não amparado por

Habeas Corpus ou Habeas Data, e quando o responsável pela ilegalidade

ou abuso de poder for a autoridade pública. Encontram-se legitimados para

o exercício do Mandado de Segurança Coletivo os partidos políticos com

representação no Congresso Nacional, os sindicatos, entidades de classe


ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos
um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.
Por derradeiro, cumpre apontar a Ação Civil Pública
surgida no ordenamento jurídico nacional pela Lei n.° 7.347/85 e albergada
pela Constituição Federal pelo art. 129, inc. III, que atribuiu ao Ministério
160

Público a função institucional de sua propositura, ao lado de terceiros

legitimados para tanto. Do mesmo modo que a Ação Popular, é isenta de

custas e de ônus de sucumbência, salvo pela litigância de má-fé. Além do

Ministério Público, a interposição da Ação Civil Pública cabe às autarquias,

pessoas jurídicas estatais e paraestatais, associações destinadas à defesa

do meio ambiente que estejam constituídas há mais de um ano.187 Esse

controle judicial tem como especificidade a inauguração no ordenamento

jurídico nacional da antecipação de tutela e a prestação de tutela, o que se

configura num grande avanço para os danos ambientais.

Assim, pela Ação Civil Pública, “como típico e mais

importante meio processual de defesa ambiental”,188 finalizam-se os

instrumentos de tutela ambiental, pelos quais a população pode participar e

controlar os atos do Poder Público, exercitando seu direito de participação

e, ao mesmo tempo, cumprindo seu dever constitucional de defesa da

sustentabilidade ambiental.

Surge como desnecessário maior esforço de reflexão

para demonstrar a plausibilidade da recepção da sustentabilidade

ambiental no âmbito das tutelas jurídicas do Estado brasileiro por este

elenco - elaborado sem a pretensão da completude e da profundidade - de

instrumentos jurídicos de tutela ambiental aplicáveis ao meio urbano. Desta

adequação sistêmica, parece exsurgir, em última instância e reflexamente,

a compatibilidade da categoria sustentabilidade ambiental no ordenamento

jurídico pátrio e nas políticas públicas de governo.

187Podendo este requisito ser dispensado pelo juiz, quando entender haver
manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano
ambiental.

188SILVA, J.A., D ireito Am biental..., p. 221.


161

CONCLUSÃO

A sociedade brasileira vem enfrentando profundas

transformações estruturais oriundas do processo de urbanização. De forma

concreta deixa de ser uma sociedade predominantemente rural, fundada na

exportação de produtos primários de base agrícola, emergindo para a uma

complexa e integrante sociedade urbano-industrial. Essas transformações,

bem como suas peculiaridades, manifestaram-se de forma notável na

estruturação do espaço urbano.

Do ponto de vista ambiental e demográfico, os dados

disponíveis atestam a velocidade, extensão e profundidade desse processo

de urbanização. Alimentadas, pelo menos até o final da década de 1960,

por elevadas taxas de crescimento e durante todo o período por crescentes

fluxos migratórios do campo para a cidade, a população urbana que em

1950 mal atingia a cifra de 18 milhões de habitantes - 36% da população

total, em 1996 atinge 123 milhões - mais de 78% da população total.189

O processo de urbanização brasileiro apresenta uma

dupla característica: por um lado concentra grandes contingentes

populacionais em um número reduzido de áreas metropolitanas e grandes

cidades; por outro, alimenta o crescimento da população de um grande

número de cidades de diferentes tamanhos, que se integram num

complexo padrão de divisão territorial do trabalho social entre o campo e o

espaço urbano, e entre as cidades.


Essas características deixam entrever a complexidade
dos processos subjacentes à transformação social e ambiental. Os
processos ocupacionais e sociais, que tiveram lugar associados a essa

189IBGE. Censo demográfico de 1996.


162

urbanização vigorosa, não confirmam as teorias promissoras da

globalização econômica e dos estágios lineares de seu desenvolvimento. O


que se percebe é que esses processos produziram resultados

contraditórios sobre a dinâmica da estrutura ocupacional urbana.

Com mutações que lhe são intrínsecas, a expansão

capitalista teve uma força dinâmica suficiente para criar um volume

considerável de novos empregos na indústria e em outras atividades


correlatas, criando um fluxo migratório para as cidades. A população rural

via-se atingida cada vez mais pela mecanização de monoculturas de


grandes propriedades.
Contudo, esse dinamismo, aliado às características

de um modelo de desenvolvimento com exclusão social, expandiu e


acentuou no mundo urbano brasileiro um contingente de subempregos,
expostos à incertezas de um mercado de trabalho especializado e instável.

Desse duplo processo resultou uma estrutura social


urbana com extratos ocupacionais identificados àqueles com rendas muito
elevadas e à massa crescente de desempregados.
Em síntese, a sociedade brasileira resultante do
processo econômico de crescimento e de urbanização, apresenta-se

estruturalmente como um sociedade complexa, espacial, ocupacional e

socialmente diversificada, unificada mas heterogênea, segmentada e,

sobretudo, profundamente desigual.


Nesta sentido, as cidades brasileiras sofrem

simultaneamente os problemas que atingem os países desenvolvidos e


subdesenvolvidos. Isso é mais especificamente perceptível no caso das
maiores metrópoles brasileiras: industrialização dispersa, diversas formas
de poluição, segregação socioespacial e a degradação do ambiente,
afetando diretamente à qualidade de vida urbana.
163

Os problemas socioambientais advindos desse

processo de urbanização, pela ótica do desenvolvimento sustentável,

deixaram de representar mais que uma referência entre as condições de

vida e de consumo das populações humanas, para dizerem respeito à

própria base da reprodução da esfera produtiva.

No cenário institucional brasileiro, já se pode verificar

a identificação, no ideário das políticas públicas, da incorporação da noção

de sustentabilidade. As ações governamentais passam convergir no

enfrentamento de duas demandas até então conflitantes: a necessidade de

prover a base material de sustentação socioeconômica e a implementação

de uma política coerente com o esgotamento dos recursos naturais.

A articulação entre proteção ambiental e

desenvolvimento socioeconômico, exsurge, mesmo que lentamente,

como eixo estruturador do debate acerca da reformulação do modelo

de desenvolvimento, mediante políticas públicas, objetivando sua

sustentabilidade.

Alicerçado por um ordenamento jurídico informado por

um plexo legislativo e um instrumental jurídico-institucional, o Estado

Brasileiro encontra-se, consoante com as modernas diretrizes ambientais,

devidamente aparelhado para esse desafio.

As cidades, locus do estabelecimento das complexas

relações sociais, econômicas, políticas contemporâneas, merecem atenção

especial nessa perspectiva. Já se identificam vários mecanismos


institucionais e legais para o poder local enfrentar o processo de

degradação ambiental agravada pela urbanização. Os planos diretores, o


zoneamento e a autonomia municipal como ente federativo, auxiliam nesse

desiderato.
164

Ademais disso, o processo de democratização por que

passa a sociedade brasileira impõe experiências de planejamento e

desenvolvimento urbano participativos do conjunto dos atores sociais. O

diálogo necessário entre sociedade e Estado por intermédio da cooperação

na execução de políticas públicas, mais facilitado na esfera local, deve

buscar novas estratégias compromissadas com o pleno desenvolvimento

das funções sócioambientais da cidade e bem-estar de sua população.

Dentre as estratégias, esta dissertação tentou

demonstrar a, talvez, mais modesta e a menos inventiva: a legitimidade da

recepção da categoria sustentabilidade ambiental pelas políticas públicas

voltada para o meio urbano e a presença de um instrumental jurídico,

em plena vigência no ordenamento brasileiro, orientada para a efetivação

de sua tutela.

Para tanto, procurou-se demonstrar a compatibilidade

doutrinária da categoria sustentabilidade no Direito Ambiental,

especialmente no que se poderia denominar de Direito Ambiental do Meio

Urbano (Capítulo 1). Após, buscou-se evidenciar que essa categoria não só

é adequada como pode se constituir em um elemento central do processo de

formulação e execução de política pública aplicada nas cidades (Capítulo 2).

Por fim, intentou-se, ao indicar o conjunto de instrumentos institucionais e

processuais de tutela, comprovar sua plausibilidade sistêmica no

ordenamento jurídico e na doutrina do Direito Ambiental brasileiro.

Com efeito, permeado pelos ares do século 21, o


desafio da sustentabilidade do meio ambiente permanece, a um só tempo,

como responsabilidade de todos e de cada um, habitantes da urbe e do

planeta. Diante desse quadro, conclui-se com a instigante metáfora de

Michel SERRES para enfatizar tal desafio, que se impõe impostergável.


165

“Do/s inimigos brandindo bastões lutam em areias

movediças. Atento às táticas do outro, cada um

responde golpe a golpe. (...) Fora da moldura do

quadro, nós, espectadores, observamos a simetria dos

gestos. (...) O pintor - Goya - enfiou os duelistas até

os joelhos na lama. A cada movimento, um buraco

viscoso os engole de modo que eles se enterram

juntos, aos poucos (...). Quem vai morrer, nos

perguntamos? Quem vai ganhar(...)? E agora: não

estaremos esquecendo o mundo das coisas, a areia, a

água, a lama, os juncos do pântano? Em que outras

areia movediças chafurdamos juntos, adversários

ativos e voyeurs doentios? De inicio, colocamos dois

rivais frente a frente (...), na areia movediça de Goya,

para ao final decidir um vencido e um vencedor (...).

Subitamente os dois inimigos estão no mesmo campo

e, longe de combater um ao outro, lutam juntos contra

um terceiro competidor. Qual? (...). Os duelistas não

percebem que se enterram na areia movediça (...).

Ardente, a história continua cega à natureza”.190

Que essa dissertação, nos seus estreitos limites,

some-se a tantos outros esforços acadêmicos, no sentido de contribuir para

um chamamento à natureza, imprescindível para a sustentabilidade dos


contínuos duelos travados pelas relações humanas.

190SERRES, Michel. O contrato natural. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.


p. 11, 12 e 17.
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