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O ESTUDO DE IMPACTO E O PASSIVO

AMBIENTAL DA EMPRESA

Dissertação apresentada como requisito


parcial à obtenção do grau de Mestre.
Curso de Pós-Graduação em Direito Pri­
vado, Setor de Ciências Jurídicas, Uni­
versidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Alfredo de Assis. Gonçalves Neto

CURITIBA
1995
O ESTUDO DE IMPACTO E O PASSIVO AMBIENTAL DA EMPRESA

Dissertação apresentada como requisito


parcial à obtenção do grau de Mestre.
Curso de Pós-Graduação em Direito
Privado, Setor de Ciências Jurídicas,
Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Alfredo de Assis
Gonçalves Neto

CURITIBA
1995
O ESTUDO DE IMPACTO E O PASSIVO AMBIENTAL DA EMPRESA

Dissertação aprovada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre. Curso de Pós
Graduação em Direito Privado, Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do
Paraná, pela comissão formada pelos professores:

Orientador Prof. Alfredo de Assis Gonçalves Neto


Setor de Ciências Jurídicas, UFPR

Prof.
Setor de Ciências Jurídicas, UFPR

Prof.
Setor de Ciências Jurídicas, UFPR

Curitiba, 30 de junho de 1995


SUMÁRIO

1 O ESTUDO DE IMPACTO E O PASSIVO AMBIENTAL DA EMPRESA.................. 1

1.1 INTRODUÇÃO...............................................................................................................1

1.1.1 OObjeto......................................................................................................................1

1.1.2 A Metodologia........................................................................................................... 2

1.1 ..2.1 O Direito Econômico como lugar comum de argumentação.............................7

1.1.2.2 O Estudo de Impacto Ambiental como lugar comum de argumentação 9

1.1.3 O conteúdo..................................................................................................................11

1.1.4 As fontes...................................................................................................................... 12

2 A POLÍTICA AMBIENTAL ............................................................................................. 14

2.1 ANTECEDENTES DE ORDEM INTERNACIONAL.....................................................14

2.1.1 Características comuns das Políticas Ambientais................................................. 15

2.1.1.1 A feição intemacionalista e o Princípio da Interdependência........................... 15

2.1.1.2 A uniformidade dos demais princípios essenciais............................................... 17

2.1.1.2.1 O Princípio da Sustentabilidade ambiental.......................................................17

2.1.1.2.2 A responsabilidade objetiva e o princípio do poluidor pagador.....................18

2.1.1.2.3 O Princípio da Avaliação Prévia dos Impactos Ambientais............................18

2.1.1.3 A adoção de um regime diferenciado de apropriação e tutela dos recursos


ambientais................................................................................................................ 19

2.1.1.3.1 A generalidade.................................................................................................... 22
2.1.1.3.2 A dinamicidade............................................................................................. ....... 23

2.1.1.3.3 A funcionalidade................................................................................................... 24

2.1.1.4 A harmonização dos “Serviços" e “Usos" do meio natural.................................. 24

2.1.1.5 Multiciplidade de instrumentos institucionais........................................................ 26

2.1.1.5.1 Instrumentos diretivos..........................................................................................27

2.1.1.5.2 Instrumentos punitivos..........................................................................................28

21.1.5.3 Instrumentos repristinatórios ou compensatórios de danoscausados


ao meio ambiente.................................................................................................. 29

2.1.1.5.4 Instrumentos Preventivos do dano e da degradaçãoambiental.................... 29

2.1.1.5.5 Instrumentos de monitoração..............................................................................30

2.1.2 Os modelos de política ambiental.............................................................................30

2.1.2.1 O modelo de interferência pontual........................................................................ 32

2.1.2.2 O modelo de interferência global........................................................................... 32

2.2 A POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA.................................................................... 33

2.2.1 Referências históricas................................................................................................ 33

2.2.2 Referências ideológicas.............................................................................................35

2.2.2.1 A vanguarda tecnoburocrática................................................................................35

2.2.3 Referências políticas-econômicas............................................................................ 36

2.2.3.1 A ordenação das relações de produção............................................................... 36

2.3 O MODELO NACIONAL................................................................................................ 38

2.3.1 O ecodesenvolvimento na política ambiental brasileira..........................................38


3 O ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL........................................................................ 42

3.1 INTRODUÇÃO................................................................................................................ 42

3.1.1 Antecedentes legislativos...........................................................................................43

3.1.2 Antecedentes de ordem gerai................................................................................... 44

3.1.2.1 O planejamento da atividade empresarial............................................................ 45

3.1.3 Conceito....................................................................................................................... 47

3.1.4 Conteúdo mínimo........................................................................................................48

3.1.5 Partes intervenientes.................................................................................................. 50

3.1.5.1 O proponente do projeto, obra ou atividade......................................................... 51

3.1.5.1.1 Profissionalimo, lucratividade, habitualidade e massividade..........................52

3.1.5.2 O EIA e a equipe técnica...................................................................................... 54

3.1.5.3 O EIA e a atuação da administração pública ......................................................55

3.1.5.3.1 A atuação discricionária ..................................................................................... 57

3.1.5.3.2 A atuação prévia ................................................................................................. 58

3.1.5.4 A coletividade..........................................................................................................59

4 AS VIRTUOSIDADES DO EIA ........................................................................................ 62

4.1 O EIA E A TUTELA DO DIREITO DIFUSO AO GOZO DE UM MEIO AMBIENTE


SUSTENTADO............................................................................................................... 62

4.1.1 Conceito de Direito Difuso......................................................................................... 63

4.1.1.1 Origens do conceito ...............................................................................................63


4.1.1.2 O Coletivo e o individual. O Público e o privado..................................................64

4.1.2 O EIA e a determinação do conteúdo material do direito degozo de um meio


ambiente sustentado................................................................................................. 70

4..2 O EIA E A DETERMINAÇÃO DO CONCEITO JURÍDICO DEMEIO AMBIENTE. .72

4.2.1 Introdução ...................................................................................................................72

4.2.1.1 A indeterminação do conceito jurídico de meio ambiente ................................. 73

4.2.1.2 A postura metodológica adequada....................................................................... 74

4.2.1.3 A determinação do conceito jurídico de meio ambiente através do EIA............75

5 A DETERMINAÇÃO DO CONCEITO JURÍDICO DE DANO AMBIENTAL................ 77

5.1 INTRODUÇÃO................................................................................................................77

5.2 O CONCEITO JURÍDICO DE DANO............................................................................77

5.3 O CONCEITO JURÍDICO DE DANO AMBIENTAL.................................................... 81

5.3.1 O impacto e o dano ambiental................................................................................... 81

5.4 A CLASSIFICAÇÃO MÍNIMA E O DANO AMBIENTAL............................................. 84

5.4.1 A previsibilidade .........................................................................................................85

5.4.2 A previstabilidade .......................................................................................................86

5.4.3 A probabilidade e a certeza...................................................................................... 87

5.4.4 A tolerabilidade e o estado da tecnologia................................................................88

5.4.5 A evitabilidade............................................................................................................91

5.4.6 A reversibilidade e a duração................................................................................... 95

5.4.7 A natureza da repação..............................................................................................98


5.5 CONCLUSÃO................................................................................................................99

6 O EIA COMO INSTRUMENTO DE DETERMINAÇÃO E ATUAÇÃO DA


RESPONSABILIDADE O B JETIV A ................................................................................100

6.1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 100

6.2 OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA 100

6.2.1 A responsabilidade objetiva como opção de política legislativa........................... 100

6.2.2 A teoria do Risco Ambiental ......................................................................................104

6.3 A CARACTERIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA.............................. 105

6.3.1 O dano ........................................................................................................................ 105

6.3.2 O agente ........................................................................................... 107

6.3.3 A equivalência das causas e a inversão do ônus da prova...................................107

6.3.4 As defesas possíveis................................................................................................... 109

6.3.5 A solidariedade........................................................................................................... 110

6.3.6 As eximentes.............................................................................................................. 111

6.4 O NEXO DE CAUSALIDADE ...................................................................................... 112

6.5 O EIA E A ATUAÇÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA................................. 113

6.5.1 Conceito analítico de ação civil pública.................................................................... 114

6.5.2 Características da ação civil pública........................................................................ 114

6.5.2.1 A atuação do dano ao Direito Difuso....................................................................114

6.5.2.2 Legitimação concorrente ....................................................................................... 115


6.5.2.2.1 O Ministério Público........................................................................................... 116

6.5.2.2.1.1 A obrigatoriedade............................................................................................. 119

6.5.2.2.2 A União, os Estados e os Municípios.............................................................. 120

6.5.2.2.3 As autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista,


fundações e associações.................................................................. 120

6.5.2.2.4 A questão da competência................................................................................. 122

6.5.2.2.5 A indisponibilidade .............................................................................................. 125

6.5.2.2.6 A cláusula “rebus sic $tantíbus”e a Imprescritibilidade .................................. 133

6.5.2.2.7 A imprescritibilidade .............................................................. 136

7 O EIA E A DEFESA DA CONCORRÊNCIA.................................................................. 140

8 O EIA E AS OBRIGAÇÕES AMBIENTAIS DA EMPRESA COM ERCIAL................ 146

8.1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 146

8.2 O EIA E A IDENTIFICAÇÃO DO PASSIVO AMBIENTAL DA EMPRESA .............146


COMERCIAL

8.2.1 As “Contas” do passivo ambiental da em presa......................................................147

8.2.1.1 O passivo não-financeiro....................................................................................... 147

8.2.1.1.1 O dever de monitorar o estado do meio ambiente .......................................... 147

8.2.1.1.2 O dever de informar.............................................................................................147

8.2.1.2 O passivo financeiro............................................................................................... 148

8.2.1.2.1 O dever de indenizar..........................................................................................148

8.3 A CONTABILIZAÇÃO DO PASSIVO AMBIENTAL DA EMPRESA ....................... 149


8.4 O CONTROLE DO PASSIVO AMBIENTAL DA EMPRESA ................................... 161

8.4.1 A gestão dos problemas e riscos ambientais da empresa ................................... 163

8.4.1.1 Observância da Lei ................................................................................................164

8.4.1.2 Eficiência no planejamento estratégico................................................................165

9 CONCLUSÕ ES.................................................................................................................167

9.1 NO PLANO CONCEITUAL E METODOLÓGICO ...................................................... 167

9.2 NO PLANO DA POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA E DO ESTUDO DE


IMPACTO AMBIENTAL................................................................................................ 168

9.3 NO PLANO DO DIREITO DIFUSO À PRESERVAÇÃO E GOZO DE UM MEIO


AMBIENTE SUSTENTADO........................ 170

9.4 NO PLANO DA DETERMINAÇÃO DO CONCEITO JURÍDICO DE MEIO


A M BIENTE...................................................................................................................... 171

9.5 NO PLANO DA DETERMINAÇÃO DO CONCEITO JURÍDICO DE DANO


AMBIENTAL...................................................................................................................172

9.6. NO PLANO DA DETERMINAÇÃO E ATUAÇÃO DA RESPONSABILIDADE


OBJETIVA...................................................................................................................... 173

9.7. NO PLANO DA DEFESA DA CONCORRÊNCIA....................................................... 173

9.8. NO PLANO DA IDENTIFICAÇÃO DO PASSIVO AMBIENTAL E


DETERMINAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES AMBIENTAIS DA EMPRESA
COM ERCIAL...................................................................................................................174

REFERÊNCIAS BIBLIO GRÁFICAS.......................................................................... 176


RESUMO

Analisa segundo metodologia tópica e calcada no raciocínio problemático o Estudo


de Impacto Ambiental - EIA, esclarecendo seu encadeamento, a partir do Direito
Econômico e da atividade da empresa comercial, com a atuação diretiva e indicativa
do Estado e com a disciplina da produção, circulação, distribuição e consumo das
riquezas. Visa demonstrar as virtuosidades do EIA como instrumento de tutela do
direito difuso ao gozo do meio ambiente sustentado, instrumento de determinação
do conceito de meio ambiente, instrumento de determinação do conceito de dano
ambiental, instrumento de determinação e atuação da responsabilidade objetiva
pelos danos causados ao meio ambiente e instrumento de defesa da concorrência.
Conclui explicitando, pela força persuasiva das conclusões e a partir de um sistema
lógico aberto e elíptico que instrumentaliza “dados" de vários sistemas “fechados"
(como o Direito Civil, Administrativo, ou Constitucional), o regime jurídico a que se
sujeita o passivo ambiental da empresa comercial.
XII
xiii
1 O ESTUDO DE IMPACTO E O PASSIVO AMBIENTAL DA EMPRESA1

1.1 INTRODUÇÃO

1.1.1 O Objeto

O trabalho explora algumas das principais conseqüências da novíssima

legislação ambiental b rasileira^ para o universo jurídico da empresa comercial^. Ele

1 Recorreu-se ao vocábulo ’passivo’ por duas razões fundamentais, entre outras. Em primeiro lugar, ele
expressa, no jargão econômico e contábil (campos em que algumas das principais conclusões jurídicas do
trabalho estão referidas), as idóias de *bbrigação a realizar", "pendência", 'débito*. Tais noções calham,
analogicamente, ao que se enfatiza no texto, isto ó, as "obrigações" que, sob o aspecto legal, incumbe à empresa
realizar em decorrência da nova realidade normativa derivada da introdução da legislação ambiental no
ordenamento pátrio. Em segundo lugar, o mesmo vocábulo, já associado ao qualificativo "ambiental*, migrou dos
relatórios de auditorias especializadas para as páginas dos jornais, revistas e livros científicos, sendo hoje
amplamente aceito para significar o conjunto de obrigações que oneram o patrimônio de uma dada pessoa natural
ou jurídica em conseqüência da legislação ambiental. Por outro lado e ainda quanto ao designativo "ambiental", se
ó certo que laços topológicos ligam o tema da responsabilidade objetiva ao campo do Direito Civil, ou o tema da
ação civil pública ao campo do Direito Processual Civil, parece natural que, pelo critério teleológico, esses e
outros assuntos também sejam peculiarmente abordados dentro do que, por consagração, convencionou-se
denominar Direito Ambienta) ou Direito do Meio Ambiente. É que uma convergência normativa, sistêmica, e
metodológica permite, indubitavelmente, defender validamente a existência de tal "ramo autônomo" do Direito,
sem prejuízo de sua vinculação, a partir de uma aproximação "macrojurídica", ao "continente" do Direito
Econômico.

^ O trabalho se refere basicamente, embora ocorram remissões eventuais à normas nacionais e internacionais
anteriores e posteriores, às inovações introduzidas na legislação brasileira a partir da Lei 6.938, de 31 de agosto
de 1981, que traçou, pela primeira vez, as diretrizes normativas e institucionais para uma "Política Nacional de
Meio Ambiente",

3 Nesse ponto cabe uma advertência. Adota-se, em essência, a definição tradicional de empresa consagrada na
doutrina comercialista. A distinção entre empresa civil e comercial, que subjaz à nomenclatura empregada,
decorre da adoção, pelo autor, do critério funcionalista. Segundo esse critério, reconhece-se à empresa comercial
uma função essencial à movimentação do modo de produção como um todo, disso decorrendo um tratamento
especial que justifica, até mesmo, o surgimento de um "ramo autônomo" já conhecido como Direito das Empresas
ou Direito Empresarial. Assim pode ser formulado o conceito analítico de empresa comercial, segundo a
concepção do autor: "atividade de organização dos fatores de produção com vistas à obtenção de um resultado
econômico através do atendimento lícito, profissional, regular e habitual a uma demanda reiterada, constante e
massiva. A empresa mercantil revela, em si mesma, um estado de direito identificável e tem a função de
promover e facilitar a produção, circulação, distribuição, transporte e consumo de riquezas no meio social, sendo
analisa as mudanças advindas para o regime jurídico da empresa mercantil com a

introdução da política nacional de meio ambiente e seu mais importante instrumento de

operacionalização : o Estudo de Impacto Ambiental (EIA).

Através da dissecação do EIA, segundo metodologia que adiante se

explicita, importantíssimas categorias como a tutela do direito difuso, o dano ambiental,

a responsabilidade objetiva por danos ao meio ambiente, a ação civil pública, a defesa

da concorrência etc., são tratadas e aplicadas ao âmbito da empresa comercial,

extraindo-se disso conclusões para o campo jurídico e prático.

1 .1 .2 A Metodologia

Evitando adentrar na vastidão e profundidade que cada um dos temas

citados, individualmente, sugere, tarefa extremamente dificultada pelo fato de estarem

situados topologicamente em distintos ramos do direito, o trabalho percorre um *methos"

(caminho) mais objetivo, a despeito de certa resistência à irrestrita aceitação de métodos

dessa natureza pela doutrina dominante4 .

servida por uma extensa rede pública e privada de serviços, insumos, benefícios e infra-estruturas. Por ser
instituição essencial ao desenvolvimento das relações de produção e à movimentação do próprio modo de
produção capitalista, recebe tratamento social, econômico e jurídico autônomo e peculiar."

4 A maioria dos que se consagram ao estudo do direito no Brasil, talvez por terem se "viciado" em dadas
concepções metodológicas e epistemológicas a partir das quais aprenderam a "pensar* e “entender* a disciplina,
apegam-se a um certo modo peculiar, fechado em si mesmo e invariável de análise dos fenômenos jurídicos.
Esse modo peculiar, avesso a cortes que não sejam dedutivos e verticais, leva sempre ás mesmas e inevitáveis
conclusões. Em suma, partem do velho princípio da identidade, segundo o qual "se â é a, â não pode ser b",
identificando, classificando e negando, artificiosamente, as inevitáveis contradições. Embora útil e até
imprescindível para a operação de qualquer sistema de decodificação de conceitos, o princípio da identidade
(bem como os demais princípios lógicos dele decorrentes, como o princípio da não contradição, o princípio do
terceiro excluído etc.) não serve, sozinho, para explicar certas circunstâncias em que a pode ser fc, conforme o
"ponto de vista" do observador. Tenha-se em mente, exemplificativamente, a teoria da estrutura piramidal do
ordenamento jurídico (segundo Merkel, Kelsen e Cossio), em oposição à idéia de sistema aberto (Hegel, Viehweg
e Engisch), a idéia de enlace lógico de normas, baseada na "fundamentação e derivação" (novamente Kelsen e,
Esse método parte de dois pressupostos^ que sustentam todo o

desenvolvimento do trabalho, bem como orientam o “viés" pelo qual a análise é

encetada.

No campo *m acrojurídico, a concepção segundo a qual o Direito

Econômico7 pode ser o ponto comum de convergência e atração do regime legal da

entre nós, Machado Neto), em oposição à idóia da tópica e da lógica da razoabilidade (Larenz e, entre nós, Tórcio
Sampaio Ferraz). Ora, ó certo que as contradições e conflitos entre a realidade normativa e o real concreto
existem, sendo tambóm inegável que entre duas realidades normativas referentes a idênticos sujeitos ou objetos,
a contradição ó freqüente, senão inevitável. Os objetos que chamam a atenção do jurista são, comumente,
multifacetados, permitindo diversos ângulos de abordagem. Logo, há uma opção metodológica a ser feita no início
de qualquer trabalho jurídico. Ou trilha-se o caminho dedutivo e vertical, adotando-se um sistema fechado que se
valida logicamente em si mesmo, ou trilha-se o outro caminho, em que a contradição ó assumida e superada,
tambóm logicamente, mediante "cortas" que perpassam as divisões ató então estanques entre os diversos e
tradicionais "ramos" ou "campos" do direito. Privilegiou-se, nesse trabalho, a segunda opção.

® Pressuposto ó aqui entendido, em sentido amplo, como um enunciado logicamente necessário e antecedente
de outros, ou ainda, em acepção livre, como um princípio básico e fundamental para o desenvolvimento de uma
sóríe argumentativa.

6 Conforme Eros Grau. Elementos de Direito Econômico. Ed. Revista dos Tribunais, p. 31. Igualmente, Robert
Savy, Decano da Faculdade de Direito e Ciências Econômicas de Limoges, França, lança mão de idóia
semelhante, nos seguintes termos: m O Direito Económico tomado no seu conjunto - considerado globalmente,
o direito económico relaciona-se, ao mesmo tempo, com o direito público e com o direito privado (cf. G. Farjat.
Droit Economique, 1971). Encontra-se nos vários níveis em que a política econômica se manifesta. - O direito
macro-económico ó, entre outros, um meio para delinear as perspectivas de conjunto da evolução da economia a
médio prazo: 6 o direito da planificação pública ou privada. Aióm disso, tem por objectivo garantir os grandes
equilíbrios conjunturais: a regulamentação dos preços ou do comércio externo, o direito monetário, etc. - O direito
económico sectorial 6 a formulação jurídica das intervenções, de um modo geral públicas mas, por vezes,
privadas, respeitantes quer a um determinado ramo de atividade (a siderurgia, os transportes, o comércio...), quer
a um sector delimitado do espaço económico nacional (a acção regional, o urbanismo...). - o direito económico
micro-económico 6 constituído por regras que, dada a sua natureza, se aplicam a uma determinada empresa e
em que o objectivo 6 influenciar o seu comportamento com as exigências do interesse económico geral ("léttres
d’agrement", quase-contratos, planos de viabilização...) (Savy, Robert. Direito Público Económico Editorial
Notícias. Lisboa, 1a. edição, p. 13).

^ O Direito Econômico, antecipado em suas formulações desde antes da grande guerra de 1914, principalmente
na obra de juristas como Heymann (vide a introdução preliminar à sua coleção "Arbeiten zum Handels-Gewerbes
und Landwirtschaftsrecht", 1908), desenvolve-se grandemente durante os anos de guerra. Nessa ópoca, ele
ainda ó concebido como o conjunto das normas através das quais o Estado se utiliza da economia com vistas a
assegurar o atingimento de certos fins políticos e econômicos. Com a sobrevinda da paz, em 1918, o Direito
Econômico continuou a se desenvolver na Alemanha, já com outro cunho e feição, ganhando particular relevo nas
obras de Hedemann e Klausing. Nesse mesmo ano Hedemann funda em Jena o "Institut für Wirtschaftsrecht" que
mais tarde ó ampliado e transferido para Berlim. Esse instituto toma-se célebre pela edição de publicações que,
ao longo dos anos seguintes, veiculam os principais trabalhos de afirmação do Direito Econômico Alemão. Mais
tarde o Direito Econômico alcança a Itália, onde ó particularmente estudado pelo Professor Mossa, da
Universidade de Pisa ("Corso di Diritto dellEconomia", Pisa, 1933 e "Tratado dei Nuovo Diritto Commerciale",
Milano, 1942), o qual, em 1946, passa a editar a "Nuova Rivista di Diritto Commerciale, Diritto det’Economia,
Diritto Socialef. Na Espanha, o Direito Econômico passa a compor os estudos dos Professores Garrigues
(Tratado dei Derecho Mercantil") e Polo ("El Nuovo Derecho de la Economia", Revista de Derecho Mercantil,
1946, p. 373 e seguintes), sendo estudado na Hungria por Kiraly ( "Le Droit Économique : branche independent de
la Science juridique", Recueil d'ótudes sur les sources du Droit en 1'honneur de F. Gény, Paris, 1936).
Recentemente, sobretudo na França e na Bólgica, o Direito Econômico passou a ser objeto de importantes
estudos, surgindo, inclusive, vários manuais sobre a matéria. Embora já consolidado como matéria jurídica, ainda
contende a doutrina quanto a definição do Direito Econômico. Para alguns o Direito Econômico não seria
propriamente uma nova disciplina mas uma nova concepção do direito como um todo, segundo a qual caberia à
ciência jurídica responder ás necessidades de regulação da vida em uma sociedade onde o aspecto econômico
domina e prevalece sobre o aspecto jurídico. Segundo essa concepçào, todos os ramos do direito
contemporâneo estariam fortemente impregnados de Direito Econômico e seria urgente uma revisão, sob a égide
da economia, de todos os problemas da vida jurídica. Ainda sob essa ótica, o Direito Comercial, por exemplo,
estaria totalmente submergido no âmbito do Direito Econômico, dada a sua intensa relação com as necessidades
da vida econômica. Há, por outro lado, uma corrente de autores que buscam uma maior precisão na definição do
Direito Econômico, partindo para uma limitação mais clara de seu objeto. Essa visão leva, freqüentemente, a
conceituação do Direito Econômico como o conjunto de normas e procedimentos pelos quais o Estado
contemporâneo regulamenta a economia nacional. O Direito Econômico seria, então, o direito da economia
dirigida. Ele regularia as relações econômicas que, por razões de interesse público, restam subtraídas ás regras
da livre concorrência. Este Direito Econômico, compreendido como o direito da concentração ou da coietivização
dos bens de produção e da organização da economia pelos poderes públicos ou privados, estaria em um domínio
bastante particular e restrito, competindo ao Direito Comercial o papel de direito comum das relações econômicas
onde impera a liberdade dos contratantes. Não obstante essas duas posições, ambas passíveis de crítica tanto
pelo que afirmam quanto pelo que negam, surge atualmente uma visão alternativa do Direito Econômico.
Abandonando-se qualquer tipo de rigidez e procurando render á doutrina aquilo que, indiscutivelmente, se
observa no mundo dos fatos, ó forçoso reconhecer que existem certas concepções clássicas do direito privado
que não mais se ajustam â realidade da vida econômica. Assim, ó evidente que o princípio da autonomia da
vontade, sobre o qual repousa a teoria geral dos contratos civis e comerciais, pouco se adapta às instituições do
mundo econômico contemporâneo. Alguém se arriscaria a dizer, nesse sentido, que os contratos praticados pelos
bancos são "verdadeiros" acordos de vontade, regidos pela autonomia da vontade dos contratantes ? Como
negar que nesse tipo de contrato existem cláusulas de adesão ou condições obrigatórias tanto para os bancos
como para os que com ele contratam, já que as próprias instituições financeiras, inobstante sua superioridade
jurídica em face do particular, estão também manietadas por regulações estatais ? Com base nessas e em outras
considerações ó que surge a idéia da constituição de uma nova disciplina jurídica que se insere precisamente no
meio de dois campos tradicionalmente opostos : o direito público e o direito privado. O Direito Econômico, assim
entendido, teria por missão regular a vida econômica como um todo e disciplinar a produção, a circulação, a
distribuição, o transporte e o consumo das riquezas. O Direito Comercial, nesse sentido, sobretudo se
considerado como o Direito da Empresa Mercantil, não seria senão um dos braços do Direito Econômico,
exatamente aquele que regula a circulação de mercadorias e de capitais, tendo a seu lado o Direito do Trabalho, o
Direito da Propriedade Industrial, o Direito Agrário, o Direito Ambiental, entre outros ramos. Fora dos domínios do
Direito Econômico restaria o Direito Civil clássico com suas normas acerca da família e das relações patrimoniais
que ocorrem de modo relativamente independente da vida econômica, vale dizer, todas as operações imobiliárias
de mera subsistência (sem comercialização de excedentes), as relações de ocupação de bens imóveis (direitos
reais) etc. Sem dúvida que os princípios de um tal Direito Econômico ainda estão por ser construídos. Em
inúmeros pontos ó certo que os princípios de Direito Civil servirão, naturalmente, de base, assim como já serviram
para a construção das categorias que sustentam os contratos administrativos, por exemplo. Em todo caso será
conveniente repensar esses princípios à luz das necessidades econômicas, principalmente para que reste
assegurado que imperativos de interesse coletivo e postulados da economia não imponham uma mudança no
sentido de novas direções. Não se diga, ademais, que um Direito Econômico assim concebido tenderá a ser um
direito estatizante. É óbvio que em períodos de economia dirigida este Direito Econômico poderá reconhecer um
largo poder de regulamentação da economia nacional ao Estado. Em contrapartida, em um regime de economia
liberal, esse Direito Econômico também terá a virtuosidade de respeitar aos direitos e liberdades individuais, vindo
a regulamentação estatal tão somente para impedir o mau uso das forças econômicas predatórias que,
freqüentemente, atuam na anulação da liberdade nominal que, no modelo liberal, assiste aos economicamente
mais fracos. É fundamental, por último, que se reconheça o papel preponderante que o Direito Comercial tem a
cumprir na formação deste Direito Econômico. Graças ao avanço que o Direito Comercial tem alcançado em suas
formulações, ele servirá, forçosamente, de centro e núcleo de novas construções. No Brasil, consolidam-se aos
empresa mercantil e da disciplina da produção, circulação, distribuição e consumo das

riquezas, catalisando, portanto, categorias oriundas de diferentes ramos do direito e

permitindo seu tratamento segundo uma ótica unívoca.

Já dentro do “micro-universo" da empresa, a concepção segundo a qual o

EIA é o instrumento hermenêutico adequado (o *gancho", em suma) para a identificação

e positivação das categorias jurídicas que geram e determinam o conteúdo e a extensão

do que o autor qualifica como passivo ambiental^ .

poucos as seguintes definições do Direito Econômico, entre outras : Affonso Insuela Pereira . O Direito
Econômico na Ordem Jurídica, 2a. edição, Editora Bushatski, p. 66/67 - *Complexo de normas que regulam a
ação do Estado sobre as estruturas do sistema econômico e as relações entre os agentes da economia" - José
Nabantino Ramos. Sistema Brasileiro de Direito Econômico. Ed. Resenha Tributária, IBDT, p. 92 - D. 02.01 -
Discriminações - "O Direito Econômico é o conjunto sistemático de princípios e normas que disciplinam : a) a
produção de bens e serviços; b) a partilha dos benefícios desse trabalho; c) o consumo das utilidades produzidas;
d) os meios necessários à consecução desses objetivos para realizar; e) determinada política econômica. * -
EdvaJdo Brito. Reflexos Jurídicos da Atuação do Estado no Domínio Econômico. Ed. Saraiva, p. 145 - "A
necessária função conformadora do Estado, manifestada pela modificação autoritária da ordem social e pela
participação ativa estatal na vida social, decorreu da inarredável intervenção no domínio econômico para
estabelecer o seu equilíbrio abalado pelo liberalismo. " - Washington Peluso Albino de Souza. Direito Econômico.
Ed. Saraiva, p. 3 - "O direito econômico ó o ramo do direito composto por um conjunto de normas de conteúdo
econômico e que tem por objeto regulamentar as medidas de política econômica referentes às relações e
interesses individuais e coletivos, harmonizando-as - pelo princípio da MeconomicidadeH- com a ideologia adotada
na ordem jurídica." - Geraldo de Camargo Vidigal. Teoria Geral do Direito Econômico. Ed. Revista dos Tribunais,
p. 44 - "O direito econômico é a disciplina jurídica de atividades desenvolvidas nos mercados, visando a organizá-
los sob a inspiração dominante do interesse social." - Eros Grau. Elementos de Direito Econômico. Ed. Revista
dos Tribunais, p. 31 - "Conceituo-o como o sistema normativo voltado à ordenação do processo econômico,
mediante a regulação, sob o ponto de vista macrojurídico, da atividade econômica, de sorte a definir uma
disciplina destinada à efetivação da política econômica estatal." - Ives Gandra da Silva Martins. Direito Econômico
e Tributário. Ed. Resenha Tributária - FlEO. p. 9/10 - "Os ordenamentos jurídicos veiculadores das normas
econômicas são necessariamente formulados a partir de uma concepção dinâmica, com flexível adaptação de
conceitos clássicos aos nascentes desafios, não raras vezes descortinadores de soluções originais. Os modelos
tradicionais e as regras hermenêuticas sofrem, na área específica do direito econômico, mutações sensíveis,
espelhando, quase sempre, a lei maior de cada país, maleabilidade suficiente para dotar sua estrutura legal de
instrumental célere e descomplicado, capaz de acompanhar a velocidade de tais fenômenos." Ainda Ives Gandra
da Silva Martins, na obra em que se colheu a maioria das definições antes citadas, sintetiza "Direito Econômico ó
a disciplina jurídica da macroeconomia." - Caderno de Direito Econômico - Disciplina Jurídica da Iniciativa
Econômica. 1a. edição. Ed. Resenha Tributária. Co-edição do Centro de Estudos de Extensão Universitária. São
Paulo, 1983, p. 110/111.

3 Partindo-se do princípio, segundo Tórcio Sampaio Ferraz, de que "interpretar é selecionar as possibilidades
comunicativas da complexidade discursiva" (op. cit. p. 235) é forçoso reconhecer, "a fortiori", que o discurso da
norma ó pura "possibilidade comunicativa" até ser positivado pela via da interpretação, vale dizer, ató ter o seu
sentido definitivamente explicitado atravós de um ato intelectivo que, necessariamente, considera a dimensão
"semântica" e a dimensão "pragmática" do signo jurídico. Ver-se-á ao longo do texto que os procedimentos
técnicos e analíticos que constituem o estudo de impacto ambiental são as "ferramentas" atravós das quais o
Com base nesses dois "lugares comuns de argumentação" ( “topoP “), opta-

se por um "corte epistemológico" que permite, com a desejável objetividade e clareza, o

desenvolvimento e as conclusões do trabalho.

Como conseqüência, o passivo ambiental da empresa não é abordado ao

modo sistemático, pelo menos no que se refere a um sistema hermenêutico fechado, de

estrutura piramidal, com coerência e plenitude garantidas por enlaces lógicos de

fundamentação e derivação. Esse tipo de abordagem, embora útil e até recomendável

para outros fins, exigiria a análise "vertical* de cada um dos temas implicados, de modo

a que a responsabilidade ambiental e a ação civil pública, entre outros, restassem

exaustivamente explorados em termos doutrinários para, somente ao final, filtrarem-se,

sentido meramente "diretivo" da norma legislada transmuda-se em "ação" e em "operação" na realidade concreta.
Em outras palavras, ver-se-á como, no campo da semântica e da pragmática, o instrumento que indica o sentido
definitivo e dominante da norma ó o estudo de impacto ambiental. Daí dizer-se que as categorias jurídicas restam
"positivadas" mediante a atuação do EIA como instrumento.

^ A expressão liga-se à tópica, enquanto técnica de pensamento que se orienta para problemas. Cabe a
transcrição da melhor doutrina : "Tópica é o nome específico de um dos livros do "Organon" aristotólico. Os
conceitos e proposições básicos dos procedimentos dialéticos (no sentido de diálogo), estudados na tópica
aristotélica, constituíam não axiomas nem postulados de demonstração, mas "topoi" de argumentação, isto é,
lugares (comuns), formas variáveis no tempo e no espaço, de reconhecida força persuasiva no confronto das
opiniões. A tópica, assim, estaria a serviço da chamada "ars disputationis", casos em que as conclusões a que se
chegam valem pelo efeito obtido (são funcionais), sendo, pois, mais importante uma bem feita elaboração das
premissas."(...) "Quando se fala, hoje, em tópica, pensa-se, como já dissemos, numa técnica de pensamento que
se orienta para problemas. Trata-se de um estilo de pensar e não, propriamente, de um método. Ou seja, não é
um conjunto de princípios de avaliação e evidências nem de canônes para julgar a adequação de explicações
propostas, nem ainda critério para selecionar hipóteses. Em suma, não se trata de um procedimento verificável
rigorosamente. Ao contrário, é um modo de pensar, problemático, que nos permite abordar problemas, deles partir
e neles culminar. Assim, pensar topicamente significa manter princípios, conceitos, postulados com caráter
problemático, no sentido de que jamais perdem sua qualidade de tentativa." (...) "Os pontos de vista referidos,
chamados "loci", "topoi", lugares comuns, constituem pontos de partida de séries argumentativas, em que a
razoabilidade das opiniões é fortalecida. Como se trata de séries argumentativas, o pensamento tópico não
pressupõe nem objetiva uma totalidade sistematizada. Parte de conhecimentos fragmentários ou de problemas,
entendidos como alternativas para as quais se buscam soluções. O problema é assumido como um dado, como
algo que dirige e orienta a argumentação, a qual culmina numa solução possível, entre outras." (Tórcio Sampaio
Ferraz Júnior. Introdução ao Estudo do Direito - técnica, decisão, dominação. São Paulo, Atlas, 1986. p.298/300.)
à modo de conclusão, as implicações de tais categorias para o universo da empresa

mercantil.

Pelo contrário.

A consistência intema do trabalho, que não despreza a metodologia dedutiva

onde ela se revela útil às suas conclusões, faz amplo uso do raciocínio dito

"problemático11, orientado pela tópica e peia teoria da argumentação.

Instrumentaliza-se, assim, as categorias de vários sistemas "fechados"

(como o Direito Civil, Administrativo, ou Constitucional) para, fora deles, explicar

topicamente e pela força persuasiva das conclusões, o regime a que se sujeita o

passivo ambiental da empresa comercial.

A responsabilidade ambiental ou a ação civil pública, nesse passo, não

passam de "dados" a descrever e considerar em um sistema aberto e de feição elíptica

que busca, entre várias, a melhor solução possível.

1.1. 2.1 O Direito Econômico Como Lugar Comum de Argumentação

Postula-se, portanto, que as categorias específicas do Direito do Meio

Ambiente, do Direito Civil, do Direito Comercial, do Direito Administrativo, sem prejuízo

da unicidade de cada "ramo autônomo", podem ser estudadas, enquanto aplicáveis à

empresa mercantil e à produção, circulação, distribuição e consumo de riquezas, a partir

do "continente" do Direito Econômico, "lugar comum" para o qual convergem,

normativamente, tanto a disciplina da produção econômica quanto o regime legal da


empresa, enquanto atividade, idéia criadora, complexo de bens e conjunto de relações

institucionais e administrativas.

Explica-se.

Ao tratar, concomitantemente e segundo um encadeamento funcional e

indutivo, do dano e do impacto ambiental provocado pela empresa, do exercício do

poder de polícia sobre as atividades empresariais, do licenciamento e da instalação de

uma unidade fabril, a "legislação ambiental" (ou, se se quiser, a legislação civil,

administrativa, constitucional etc.) está consagrando como centro de imputação a

empresa comercial e, em última análise, está criando um regime especial de apropriação

de recursos sociais, aplicável à produção, circulação, transporte, distribuição e consumo

de riquezas que tenham por substrato o meio ambiente.

Nessa medida, independentemente de que a licença ambiental, por exemplo,

seja tratada verticalmente pelo Direito Administrativo, a responsabilidade ambiental pelo

Direito Civil e as limitações à livre iniciativa pelo Direito Constitucional, um vínculo

funcional e indutivo liga as categorias ditas "ambientais" (ou "constitucionais",

"administrativas" etc.) a um regime comum e especial de apropriação de recursos

sociais, tendo como centro de imputação tópica a atividade da empresa comercial

considerada como agente econômico.

Para que se estude e se explore, portanto, as implicações dessa "legislação

ambiental" no universo da empresa comercial nada mais correto do que lançar mão do

"lugar comum" do Direito Econômico, evitando a análise profunda e exaustiva das


categorias específicas do dano, responsabilidade ou licença ambientais, senão na

medida em que tal análise resulta útil para a construção das conclusões do trabalho.

1.1.2.2 O Estudo de Impacto Ambiental Como Lugar Comum de Argumentação

No que toca ao estudo de impacto ambiental, a situação não é diferente.

Para que se estude e se explore as implicações da "legislação ambiental" no universo

da empresa comercial, lança-se mão do "lugar comum1'do El A.

É que o estudo de impacto ambiental10 , certamente o mais importante

instrumento da política ambiental brasileira sob a ótica microeconômica e empresarial,

figura hoje como meio compulsório de controle não só das variáveis ambientais dos

investimentos públicos e privados, mas também de seus aspectos globais de interação

com o entorno econômico e social11 .

10 Segundo o conceito legislativo em vigor, ‘considera-se impacto ambiental qualquer alteração das
propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia
resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: "I -a saúde, a segurança e o bem estar
da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias do meio
ambiente; V - a qualidade dos recursos ambientais (art. 1o., da Resolução 001/1986 - CONAMA). Como se vê, a
definição da Lei ê extremamente ampla, vaga e imprecisa, sobretudo se se considerar que meio ambiente,
também segundo a Lei ó “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e
biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas (Lei 6938/81, art. 3o., inciso I). Nas seções
subseqüentes deste trabalho explicitam-se os procedimentos interpretativos que, ao parecer do autor, melhor se
afinam com a natureza de tais conceitos legais, a fim de "filtrar", nos casos concretos, a partir da noção de
impacto, a noção do dano ambientai.

11 Apesar de o estudo de impacto ambiental ser exigido, indiscriminadamente, para empreendimentos públicos e
privados, do que derivou a menção a que esta nota se refere, o trabalho não aborda, senão eventualmente e para
fins ilustrativos, a realização do estudo em relação a investimentos públicos ambientalmente relevantes. É
importante que se consigne, contudo, que a Resolução 001, de 23 de janeiro de 1986, do CONAMA - (Conselho
Nacional do Meio Ambiente), ato normativo que, em regulamentação da Lei 6.803, de 02 de julho de 1980, traçou
o "perfil" do estudo de impacto ambiental, ao discriminar, exemplificativamente, as obras e atividades que
exigiriam a realização prévia do estudo, referiu-se a situações que, ao menos quando da edição da norma,
envolviam a atividade do Estado. É o caso das estradas de rodagem, ferrovias, aeroportos, oleodutos,
hidroelétricas, distritos industriais, projetos urbanísticos etc (art. 1o. da Resolução 001/1986 - CONAMA). O
caráter geral das "indicações"de exigência de estudo de impacto ambiental contidas nas Leis 6.803/80 e 6.938/81
Seu surgimento, bem como o surgimento da política ambiental como um

todo, decorreu da "intemalização*12 dos custos sociais da apropriação dos recursos

naturais renováveis ou não, seja como matéria prima, insumo, receptor de rejeitos ou

mercadoria. A introdução dessa nova condicionante, como é óbvio, alterou

significativamente as condições globais de concorrência do mercado nacional e

internacional, influindo direta ou indiretamente na estrutura e funcionamento de todos os

agentes econômicos. A paulatina e compulsória absorção de tais custos, que não se

exaurem em expressões financeiras mas envolvem um complexo sistema de ônus e

obrigações tradicionalmente ignorados por um regime jurídico que os tratava como

“extemalidades“ (v.g., a recuperação do recurso natural degradado), hoje vem causando

um movimento de acomodação das empresas, coletividade e instituições sociais e

(arts. art. 10, inciso V, parágrafo 3o. e art. 9o., inciso ill, respectivamente) e o caráter claramente exemplificativo
da enumeração do art. 1o. da Resolução 001/1986 - CONAMA, foram os fatores jurídicos que legitimaram, a partir
de 1986, a exigência de realização prévia do estudo de impacto ambiental para o licenciamento da instalação e
operação de obras e atividades potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental, sempre ao
critério discricionário do órgão ambiental competente. A declaração legal sobre a generalização da exigibilidade
da confecção prévia do estudo de impacto ambiental, entretanto, veio com a edição da Constituição de 1988 que,
em seu art. 225, parágrafo quarto, elevou a sistemática da avaliação prévia de obras e atividades potencialmente
lesivas ao meio ambiente à condição de princípio constitucional de tutela ambiental: "Todos têm direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Parágrafo Primeiro - Para assegurar a
efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:! - (...); II - (...);lll - (...);IV - exigir, na forma da
lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do
meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade(...)m

12 Sobre a gênese do conceito de intemalização ("trade-irf no jargão econômico ) é bastante elucidadtiva a


visão de Galbraith : "a economia neoclássica, como ate os seus mais orgulhosos adeptos concordariam, não
preparou as pessoas para a explosão das preocupações acerca do meio ambiente - contra o que seria de se
esperar um bom e competente avanço da ciôncia. Logo, os economistas deveriam ter tido o cuidado de evitar a
recomendação de remédios que partem destas idéias. No entanto, os economistas neoclássicos não hesitaram
em sugerir que o ambiente poderia ser internalizado no sistema de preços. O debate sobre ‘trade-offs' baseia-se
neste pressuposto" (Galbraith, J. K. Economics and the Public Purpose. Harmondsworth, Penguin Books,
reedição 1977, p. 306/307 - tradução do autor do trabalho).
políticas (como as associações de defesa do meio ambiente, o Ministério Público e o

próprio Poder Judiciário), com reflexos jurídicos que não podem ser desprezados.

São precisamente estes reflexos jurídicos, no aspecto particular da empresa

que efetivamente se apropria de recursos ambientais oriundos de reservas próprias ou

não, que interessam ao trabalho. A qualificação jurídica do impacto direto dos custos

ambientais sobre a empresa comercial é a tarefa que o trabalho, nessa aproximação

*microjurídica", assume para si. E é a análise do EIA que esclarece e positiva, em uma

situação concreta, qual o tratamento legal a que tais custos estão sujeitos e quais suas

principais implicações sob o ponto de vista técnico-jurídico.

Assim, se no campo “macrojurídico" se utiliza o "continente" direito

econômico para situar as premissas das quais decorre o passivo ambiental da empresa,

no campo *microjurídico", reduzido ao "micro-universo” da própria instituição

empresarial, o estudo de impacto ambiental serve de instrumento de aproximação e

análise de categorias jurídicas que, efetivamente e em situações concretas, geram o

passivo ambiental.

1.1.3 O Conteúdo

Em uma primeira seção, para bem caracterizar a política ambiental brasileira,

sua conformação e os veículos institucionais e normativos que a introduziram à vigência,

identifica-se seus antecedentes internacionais e internos. O EIA, já revelado como

principal instrumento da política ambiental brasileira, é então descrito, conceituado e


analisado, apontando-se suas virtuosidades como vetor de aplicação de diversas e

importantes categorias jurídicas à empresa comercial e abordando-o como : (i)

instrumento de tutela do direito difuso ao gozo do meio ambiente sustentado; (ii)

instrumento de determinação do conceito de meio ambiente; (iii) instrumento de

determinação do conceito de dano ambiental; (iv) instrumento de determinação e

atuação da responsabilidade objetiva pelos danos causados ao meio ambiente e, (v)

instrumento de defesa da concorrência. Ao final, identifica-se o passivo ambiental da

empresa, listando-se, na última seção, as conclusões do trabalho.

No curso de todo o texto são desenvolvidos, tanto quanto é necessário para

a argumentação, conceitos básicos sobre a *responsabilidade objetiva", meio ambiente",

"dano ambiental", "direito difuso" , "ação civil pública", entre outros, os quais, não

obstante, não são (nem poderiam ser) tratados com o rigor e o aprofundamento que

seria de se exigir de um trabalho no âmbito do Direito Civil, Constitucional,

Administrativo, Processual Civil etc., como já se advertiu.

1.1.4 As Fontes

Em razão do ineditismo da matéria, a bibliografia utilizada resumiu-se, no

campo do Direito Ambiental, às poucas obras clássicas disponíveis, em português,

espanhol, inglês, francês e italiano, no Brasil e em bibliotecas da Itália e dos Estados

Unidos (Universidade de Pisa, Perugia e Camerino e Biblioteca do Congresso -

Washington-DC). O recurso às revistas especializadas, sobretudo as disponíveis nos


locais e épocas das pesquisas bibliográficas ( maio e agosto de 1990, na Itália, e janeiro

e fevereiro de 1992, nos Estados Unidos) lastreou amplamente a sua realização. É que,

dada a rapidíssima evolução do Direito Ambiental, os periódicos científicos tem

espelhado com maior atualidade o parecer atualizado da doutrina e da jurisprudência.

Quanto aos ramos do Direito em que os temas instrumentalmente abordados têm a sua

sede tradicional, as referências bibliográficas encontram-se dispersas em notas de pé-

de-página, bem como em seção própria ao final. As notas de pé-de-página, além disso,

são amplamente usadas para a veiculação de ilustrações, informações e justificativas

que, embora úteis e pertinentes ao que se expôs no correr do texto, dele não poderiam

constar sob pena de comprometimento da objetividade. Por essa razão, as mesmas

notas alcançam, por vezes, dimensões significativas e, no âmbito da fundamentação

das conclusões do trabalho, assumem foros de “texto principal", devendo, portanto,

merecer a devida atenção.


2 A POLÍTICA AMBIENTAL

2.1 ANTECEDENTES DE ORDEM INTERNACIONAL

A política ambiental brasileira sofreu, e em medida bastante significativa, a

influência de decisivos fatores de ordem internacional.

Inserida no contexto de seu tempo, ela corporifica a manifestação de uma

tendência que se expressou em vários estados da comunidade internacional, mais ou

menos na mesma época, e surge, em boa medida, sob a égide de um acirrado e intenso

debate que, desde a década de setenta, se propagou a partir dos principais centros de

irradiação da cultura jurídica e política, versando sobre as limitações institucionais do

processo de desenvolvimento.

Sacudidos pelas evidências concretas da degradação ambiental em

proporções e velocidade inauditas para os padrões até então conhecidos pela

civilização ocidental 3 , os segmentos mais informados da opinião pública mundial,

reverberados pelos veículos de comunicação da "aldeia global", souberam sensibilizar

os canais competentes. Como resultado, veio a progressiva proliferação da edição de

normas domésticas e internacionais em matéria ambiental.

^ O acidente em Bhopal, índia, envolvendo a Union Carbide Inc., o desastre nuclear de Chernobyl e os
freqüentes vazamentos em navios petroleiros, entre outras tragédias, bem ilustram a afirmação consignada.
Atenta a esse movimento, a Organização das Nações Unidas promoveu, em

1972, na Suécia, a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente Humano. Nela

foram discutidos e proclamados os mais importantes princípios do Direito Ambiental. A

Declaração de Estocolmo, documento conclusivo do enclave, traz estampados os

conceitos e princípios que acabaram por influenciar, mais ou menos decisivamente, o

"formato" das diversas legislações nacionais posteriores, como foi o caso do Brasil e dos

EUA.

2.1.1 Características Comuns das Políticas Ambientais

Podem ser identificadas algumas características comuns das políticas

ambientais, todas decorrentes da grande influência dos antecedentes internacionais já

comentados e que se apresentam com maior ou menor ênfase conforme o "modelo"

especifico adotado no âmbito doméstico de cada Estado da comunidade internacional.

2.1.1.1 A Feição Intemacionalista e o Princípio da Interdependência

Resguardadas as peculiaridades locais e as opções institucionais de cada

Estado, pode-se afirmar, como regra geral, que os institutos e instrumentos basilares

das políticas ambientais domésticas migraram, ultimamente, da teoria e dos textos

internacionais para as legislações nacionais, sem prejuízo de que, em um primeiro

momento, o próprio Direito Ambiental Internacional tenha nascido como uma tentativa

de resolução de problemas domésticos através de leis e regulamentos domésticos. É


que, precisamente no momento em que tentavam resolver as questões ambientais

nacionais a partir do exercício dos poderes domésticos, os Estados nacionais ganharam

consciência de que tais problemas, em suas causas e efeitos, não se circunscreviam a

limites geográficos ou políticos.

Ao contrário.

Emissões oriundas de indústrias norte-americanas causavam o fenômeno da

chuva ácida sobre importantes florestas canadenses. Métodos pesqueiros adotados no

Japão prejudicavam a reprodução da fauna marinha em todo Oceano Pacífico. As

queimadas nas florestas brasileiras provocaram a liberação de grandes quantidades de

dióxido de carbono, contribuindo significativamente para o agravamento do fenômeno

do aquecimento global ('global warming1).

Em razão dessa característica francamente "transfronteiriça“ dos problemas

ambientais, a própria Declaração de Estocolmo consagrou o Princípio da

Interdependência, segundo o qual os membros da comunidade internacional

interdependem quanto aos esforços para a solução dos problemas ambientais tanto

domésticos quanto planetários (Veja-se "Stockholm Declaration on The Human

Environment, U.N. Document A/CONF. 48/14, reprinted in I.L.M. 1416 [1972]“).

Assim, a interação entre o Direito Internacional e o direito doméstico, no

campo da política ambiental, apresenta-se com especial destaque e importância,

consagrando o dístico "think globally, act locally* e encorajando a recepção de diretrizes

geradas pelo concerto das nações.


2.1.1.2 A Uniformidade dos Demais Princípios Essenciais

Em face do desenvolvimento quase uniforme que as categorias do Direito

Ambiental conheceram a partir do intenso debate internacional, os princípios

fundamentais introduzidos nas legislações domésticas também mostram-se

uniformizados em sua tipologia. O princípio da interdependência (já citado), da

sustentabilidade ambiental, da responsabilidade objetiva por danos causados ao meio

ambiente, da avaliação prévia dos impactos ambientais, entre outros, têm sede

garantida em todas as políticas ambientais, relevando analisá-los em algum detalhe.

2.1.1.2.1 O Princípio da Sustentabilidade Ambiental

A recorrência do tema da "sustentabilidade ambiental" na pauta institucional

interna ou internacional, teve implicações definitivas para a consolidação das políticas

ambientais domésticas.

Enraizou-se na ordem jurídica o reconhecimento de que os recursos

naturais, por seu caráter essencial à sobrevivência e sua condição de finitude, devem ter

seu aproveitamento ou, para usar um conceito típico, seu "manejo", limitado por normas

que garantam a sua preservação para as futuras gerações.

Na verdade, o princípio da sustentabilidade, que foi primeiramente pensado

no contexto da doutrina do "ecodesenvolvimento", adiante comentada, tem conhecido

novas e mais avançadas formulações. Durante a Conferência das Nações Unidas para o
Desenvolvimento e Meio Ambiente, ocorrida em 1992 no Brasil (a ECO-92), muito se

falou, na seara do Direito, em "equidade intergeneracional", princípio que traduz a idéia

de que as gerações presentes devem “manejar” parcimoniosamente os recursos

naturais com o fito de preservá-los para as futuras gerações. O art. 225, *caput", da

Constituição Brasileira, aliás, sugere a mesma idéia, colocando-a no ápice do sistema

legislativo nacional de meio ambiente.

2.1.1.2.2 A Responsabilidade Objetiva e o Princípio do Poluidor Pagador

A adoção, em alguma extensão, do princípio da responsabilidade objetiva

por danos ao meio ambiente, imputados os custos da repristinação, reparação ou

compensação ao poluidor (compreendido como o que aufere resultados

economicamente apreciáveis da atividade causadora do dano), generalizou-se no

âmbito dos Estados da comunidade internacional.

Na verdade, e em outras partes do presente trabalho a questão é tratada em

maior profundidade, criou-se uma "Teoria do Risco Ambiental" a respaldar a aplicação

da responsabilidade objetiva, como opção de política legislativa e em homenagem à

superlativa significância dos recursos ambientais, cada vez mais escassos.

2.1.1.2.3 O Princípio da Avaliação Prévia dos Impactos Ambientais

A avaliação prévia dos impactos ambientais decorrentes de atividades

antrópicas, seja através da ação isolada do poder público seja através da ação dos
agentes econômicos que protagonizam tais atividades, está alçada à condição de

princípio básico das políticas e legislações ambientais, ao nível internacional. Essa

avaliação, em regra, condiciona as concessões de licenças e alvarás ambientais, bem

como possibilita o controle e a monitoração dos efeitos adversos da atividade humana

sobre o meio ambiente.

2.1.1.3 A Adoção de um Regime Diferenciado de Apropriação e Tutela dos Recursos

Ambientais

Seria exagerado afirmar, como regra geral, que o núcleo do direito de

propriedade tenha sofrido modificações de estrutura^4 , no campo das diversas

legislações domésticas, em decorrência da recepção das categorias ambientais.

Contudo, é certo que a propriedade dos recursos ambientais, sobretudo no que toca ao

uso, gozo, fruição e disposição, sofreu profundas mudanças de concepção, quanto a

sua função.

^ Sem dúvida nenhuma, a conceituação do direito de propriedade como direito real sobre a coisa, consistente
na titularidade e exercício dos poderes do domínio (uso, gozo, fruição, disposição e reivindicação), exercitável
'erga omnes" e cuja estrutura envolve um sujeito ativo "versus" um sujeito passivo universal, continua válida.
Entretanto, as categorias de tutela ao direito difuso á salubridade e sustentabilidade do meio ambiente e dos
recursos ambientais limitam, no âmbito funcional, as prerrogativas de exercício dos poderes do domínio. As
limitações que decorrem do direito difuso á salubridade e sustentabilidade dos recursos ambientais não se
assemelhariam às limitações administrativas, embora pudessem, em alguns casos, ensejá-las. Decorrem da
aplicação da teoria do abuso de direito e podem ser adequadamente expressas pela locução limitações
funcionais. Afinal, a mesma lei que outorga o direito de propriedade e dispõe sobre o modo de seu exercício,
outorga, indiscriminadamente e sem referência a uma relação-base, o direito de gozo da sustentabilidade. Nessa
medida, portanto, é o próprio sistema de direito positivo que cria "esferas" de interesse não concêntricas, mas
tangenciais, que se autolimitam ou naturalmente ou através da intervenção corretiva dos poderes instituídos (veja-
se que se utiliza "instituídos" ao invés de "públicos" para abranger, além dos poderes do Estado os de outras
instituições não necessariamente estatais, que tendem a se fazer cada vez mais presentes nas relações sociais e
políticas da sociedade contemporânea.
O recurso ambiental, em suma, deixou de ser visto como um objeto

suscetível de apropriação, uso e disposição segundo o regime tradicional da

propriedade privada. Vale dizer, a salubridade e sustentabilidade do recurso ambiental

(e não, propriamente, a sua titularidade), passou a ser encarada, no plano social, como

elemento fundamental para a sobrevivência da coletividade, não só porque a mesma

coletividade depende, para seu desenvolvimento biológico, da manutenção das

condições que permitem, abrigam e regem a vida em todas as suas formas, mas

também porque, no plano econômico, os recursos ambientais são finitos (ou de

regeneração custosa) e o seu uso estratégico é a única saída para a manutenção do

chamado *progresso", em todos os setores. Por essas razões, a questão da

preservação ambiental e da sustentabilidade dos recursos passou a ser considerada

como um tema de interesse qualificado do Estado, o qual, para compatibilizar

preservação e desenvolvimento, passou a adotar políticas próprias e a criar normas

específicas.

Consagrou-se, por exemplo, no plano doméstico a natureza difusa do direito

à salubridade do meio ambiente (aplicação extensiva e intema do princípio da

interdependência e da sustentabilidade). Como decorrência, também os princípios do

"sic utere", o geral da responsabilidade, o do direito/dever de avaliação e de informação,

foram sendo paulatinamente adotados. Na legislação brasileira e norte-americana, são

ilustrativos do que se afirma, respectivamente, o art. 225 da Constituição Federal, a Lei


6.938/81, e a Resolução 001/86, do Conselho Nacional do Meio Ambiente e o parágrafo

4332, letra 'c*. números V a V , do National Environmental Policy Act - NEPA1^ .

Mas é preciso que se entenda corretamente o núcleo do direito difuso ao

meio ambiente salubre e sustentado.

O direito difuso à sustentabilidade e salubridade do meio ambiente não tem

por objeto de tutela um bem material qualquer, como ocorre, por exemplo, com o direito

à integridade física, o direito à propriedade ou o direito ao recebimento de uma

prestação pecuniária. É um direito que tutela um interesse imaterial, uma justa e legítima

pretensão agasalhada pela lei e reconhecida em favor de todos os cidadãos e até em

favor das futuras gerações. Esse interesse consiste no gozar de um entomo, de uma

atmosfera, de um ambiente equilibrado, sustentado, salubre. Traçando-se um paralelo, é

como se no Direito Penal fosse tutelada não a vida, já garantida pelo art. 121 do Código

Penal, mas a qualidade das condições físicas, químicas e biológicas que permitem a

vida.

^ ‘Cooperation of agencies; reports; availability of information; recommendations; international and national


coordination of efforts (...) - The Congress authorizes and directs that, to the fullest extent possible : (1) the
policies, regulations, and public laws of the United States shall be interpreted and administered in accordance with
the policies set forth in this chapter, and (2) all agencies of the Federal government shall - (a) utilize a systematic,
interdisciplinary approach which wil insure the integrated use of the natural and social sciences and the
environmental design arts in planning and in decisionmaking which may have an impact on man's environment; (b)
identify and develop methods and procedures, in consultation with the Council on Environmental Quality
established by subchapter II of this chapter, which will insure that presently unquantified environmental amenities
and values may be given appropriate consideration in decisionmaking along with economic and technical
considerations; (c) include in every recommendation or report on proposals for legislation and other major Federal
actions significantly affecting the quality of the human environment, a detailed statemente by the responsible
official on - (i) the environmental impact of the proposed action; (ii) any adverse environmental effects which
cannot be implemented; (iii) alternatives to the proposed action; (iv) the relationship between local short-term uses
of man's environment and the maintenance and enhancement of long-term productivity, and; (v) any irreversible
and irretrievable commitments of resources which would be involved in the proposed action should be
implemented. (...) - 1989-90 Educational Edition. Selected Environmental Law Statutes. West Publishing Co. St.
Paul. Minn. 1989, 1st reprint, p. 517/518.
Nesse escopo e para bem interpretar o núcleo do direito difuso à

sustentabilidade e salubridade do meio ambiente hã a considerar a sua generalidade,

dinamicidade e funcionalidade.

2.1.1.3.1 A Generalidade

Não se tutela, senão extraordinariamente e em caráter especial, este ou

aquele recurso natural, individualmente considerado.

Leia-se atentamente a Constituição Federal, art. 225, e ver-se-á que "todos

têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida

Note-se como é o aspecto de "equilíbrio" (sustentabilidade) e "higidez"

(salubridade) do "meio ambiente" (e não deste ou aquele bem individualmente

considerado), que a Constituição coloca sob proteção especial.

Sendo assim, a propriedade dos bens ambientais individualmente

considerados, não sofre alteração (salvo hipótese de desapropriação ou limitação

administrativa). Até porque, o meio ambiente, enquanto expressão que abrange em si os

recursos ambientais amplamente considerados, não é suscetível de apropriação.

O que a Lei Maior consagra é o caráter de indisponibilidade da expressão

equilibrada e salubre dos recursos ambientais da terra brasileira, independente do

regime de propriedade a que estejam sujeitos (bem por isso conceitua meio ambiente
como *bem de uso comum do povo1) e o direito de todos ao equilíbrio e salubridade de

tais recursos.

Tutela-se, portanto, cada ecossistema, cada bioma digno de preservação,

em seu todo. O indivíduo, seja animal, mineral ou vegetal, é tutelado na exata medida

em que é relevante para a manutenção da sustentabilidade de cada sistema como um

todo.

Não se pode, portanto, compreender a tutela ambiental e o direito difuso à

sustentabilidade e salubridade do ambiente sem considerar o seu caráter essencial de

generalidade.

2.1.1.3.2 A Oinamicidade

É certo, por outro lado, que não é o ambiente natural e intocado o visado

pela tutela legal. De outro modo, levando-se às últimas conseqüências a letra da

Constituição, seria o caso de destruir-se as cidades e retomar-se ao estágio pré-

civilizatório.

Tutela-se o ambiente, o bioma o ecossistema, em seu aspecto dinâmico,

considerado o homem e o estado da tecnologia como elementos que podem (e devem)

se harmonizar com o meio natural. Por isso, o "estado do meio ambiente" e os ajustes

necessários para o seu equilíbrio ideal (envolvendo a idéia da suportabilidade,

reversibilidade, razoabilidade etc., devidamente explorada adiante) só pode ser

alcançado mediante verificações técnicas e em consideração da situação concreta e


presente do uso efetivo dos recursos ambientais. Não há, em outras palavras, meio

ambiente "ideal" a ser tutelado.

Como resultado, o direito à sustentabilidade e salubridade se exerce em

relação a uma circunstância dinâmica e freqüentemente mutável.

2.1.1.3.3 A Funcionalidade

Como corolário de tudo quanto se afirmou, ao consagrar o direito difuso à

sustentabilidade e salubridade ambiental os ordenamentos visam permitir,

funcionalmente, que co-existam desenvolvimento econômico (como resultado do

exercício das prerrogativas da livre iniciativa e da propriedade privada dos meios de

produção) e preservação ambiental. Só dentro desse contexto pode-se considerar e

aplicar as categorias difusas que consagram o regime diferenciado de apropriação dos

recursos naturais vigente na maioria dos países da comunidade internacional.

2.1.1.4 A Harmonização dos "Serviços" e "Usos" do Meio Natural

As políticas ambientais, cujos principais modelos são adiante classificados,

têm em comum, também, o fato de partirem de um mesmo consenso técnico, que se

expressa no campo do planejamento do desenvolvimento.

Com efeito, se são vários os ‘serviços" e as utilidades sociais e econômicas

oferecidas pela meio ambiente, e mais, se alguns desses "serviços" e usos são

conflitantes entre si (v.g., lazer x utilização econômica), somente uma bem formulada
regulamentação institucional da apropriação e gozo desse versatilíssimo bem de

interesse difuso poderia harmonizar o incalculável número de relações e interesses que

sobre ele incidem. À essa regulamentação, que será tanto mais eficaz quanto mais

harmónicos e complementares forem os múltiplos usos do recurso ambiental por ela

induzidos, consagra-se a própria política ambiental e seus instrumentos que,

logicamente, variam conforme as diferentes circunstâncias do tempo e do lugar em que

se inserem.

Segundo Gilberto Muraro, autor italiano de inúmeros artigos sobre economia

ambiental e professor de direito da Faculdade de Jurisprudência da Universidade de

Padova : ‘È evidente allora che la finalità ultima delia politica ambientale consiste nel

risolvere in modo ottimale tali contrasti e quindi nel definire i livelli ottimali da assegnare

ai molteplici usi dell’ambiente nei vari tempi e nei vari luoghi. Gli obiettivi ultimi delia

politica ambientale riguardano dunque la struttura e la dinamica dello sviluppo produttivo

nel territorío, 1’assetto urbano, 1’inquinamento, il livello e la composizione delia flora e

delia fauna, i tipi di paesaggio da salvaguardare, ecc. Ma nel momento applicativo tale

politica dovrà avere ríguardo alie variabilli che sono manovrate dagli operatorí economici,

e quindi essa dovrà articolarsi in una serie di strumenti che regolino opportunamente

1’attivitá mineraria, i trasporti, gli insediamenti industriali, lo sacrico dei residui, la caccia e

la pesca, ecc." ( In : Rivista de Giurisprudenza Ambientalle, a. 2, n.1, abr. 1989, p.14).

Como se vê, a harmonização dos diversos usos e serviços proporcionados

pelo meio ambiente é tarefa assumida por qualquer política ambiental, variando
grandemente, entretanto, os instrumentos a partir das quais as relações "otimais" são

induzidas.

2.1.1.5 Multiplicidade de Instrumentos Institucionais

A política ambiental, como se viu, é a manifestação de um conjunto de ações

de planejamento1® . Visa dotar o Estado de condições de interferência global ou pontual

nas relações públicas e privadas, com o objetivo de garantir, tanto quanto possível e ao

longo do tempo, o alcance de certas metas ideais1 7 . Tal objetivo, em regra, é

16 Ao nível do planejamento do desenvolvimento é possível distinguir dois tipos fundamentais de políticas


estatais, como regra geral sujeita à exceções. Nos países de economia mais planificada, ou mesmo em países de
economia liberal em que certos setores conhecem uma planificação mais estrita, a forte presença estatal no
campo privado implica a edição de normas atravós de instrumentos ditos *diretivosComo o próprio nome
sugere, são políticas francamente intervencionistas e de observação compulsória entre os agentes destinatários
ou administrados. Já nos países que adotam modelos de planejamento mais liberais, ou em setores mais liberais,
o planejamento do desenvolvimento se manifesta atravós de instrumentos ditos "indicativos". No caso brasileiro, e
sobretudo no campo da política ambiental, não pode restar dúvidas, ante os termos claros dos respectivos
instrumentos normativos, que o modelo de planejamento ó essencialmente diretivo.

Embora seja possível reconhecer nas ações de planejamento, ató semantics e intuitivamente, a intenção de
"conformar" o futuro atravós do controle das condições do presente (e nesse sentido há no planejamento um claro
propósito preventivo), ele freqüentemente apresenta uma face corretiva. No campo do meio ambiente, inclusive,
essa dupla face das ações de planejamento fica denunciada pela paulatina evolução dos respectivos
instrumentos. 8e em um momento a enfase da legislação era punitiva, eis que centrada na responsabilização do
poluidor (Lei 6.938/81), em outra, a preocupação se deslocava para o campo da prevenção atravós da
generalização da exigência do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (Constituição Federal, art. 225, parágrafo
quarto). Nos Estados Unidos pode-se observar a mesma tendência. Desde a década de setenta estavam em
vigor normas de controle e monitorização das atividades potencialmente causadoras de danos ambientais, com
caráter preventivo. Em 1980, ou seja, pouco antes da Lei 6.938/81 no Brasil, o Congresso Norte-Americano
editou o ato conhecido como *Comprehensive Environmental Response, Compensation, and Liability Act'
(também chamado *CERCLA" ou "S U P E R F U N D Através dele o governo federal e, eventualmente, outras
partes, legitimaram-se a usar e administrar um fundo da ordem de oito milhões e quinhentos mil dólares,
destinado a custear atividades de "limpeza" de sítios contaminados. A novidade do m Superfundoa, além do caráter
retroativo e repristinatório de que se reveste, está na possibilidade de os valores do fundo serem recuperados
m ediante uçoes judiciai« contra uu cham ada« ’poltunikiJIy itt& po /w ibio pu/fta?" (pui too poluiu.Inin ion to
responsáveis). Tais ações, a que se aplica a responsabilidade objetiva ( "strict, joint and several liabilitym
), têm em
seu pólo passivo, concorrentemente, aquele que, ao tempo do fato, (i) era titular ou operador da empresa cuja
atividade causou a contaminação ambiental, aquele que, ao tempo da ação, (ii) figura como titular ou operador da
mesma empresa, (iii) a própria empresa e, quando ó o caso, aquele que a pedido de qualquer dos anteriores (iv)
transportou rejeitos contaminantes ou, de qualquer sorte, contribuiu para a produção do resultado danoso. Ainda
ao nível federal, em 1984 foi editado o "Resource Conservation and Recovery Act' ('RCRA*), condicionando a
obtenção de licenças ambientais á prévia limpeza dos danos praticados pelo pretendente no passado. Os
alcançado pelo direcionamento de ações públicas e pelo fomento e controle das ações

privadas, com a utilização de instrumentos típicos.

2.1.1.5.1 Instrumentos Diretivos

São instrumentos diretivos, em termos de planejamento do desenvolvimento

e conformação de políticas públicas e privadas a certos interesses e objetivos

declarados em lei, os seguintes :

a) a determinação de um zoneamento econômico ambiental do território do Estado, com

o objetivo de avaliar e identificar a real "vocação" dos recursos naturais que tem por

habitat nativo ou exótico os diversos ecossistemas existentes18 ;

b) a determinação, mediante um sistema de competências legislativas e administrativas

que podem variar de Estado para Estado, de padrões e "standards" de uso de recursos

naturais e su portabilidade do meio ambiente18 ;

Estados, por sua vez, fizeram editar legislações congéneres, que ficaram conhecidas como mbaby CERCLA’S" ou
"baby fíCLA’S”. Dessa forma, têm sido atingidos pelos efeitos da legislação repristinadora de danos passados
tanto empresas controladoras quanto subsidiárias, seus sócios, acionistas, administradores, financiadores,
passados ou atuais.

Este zoneamento ó, na verdade, imprescindível para o adequado funcionamento dos demais instrumentos de
política ambiental. Só um exame técnico acurado da prestabilidade de cada ecossistema pode permitir o
licenciamento e/ou controle de atividades econômicas que nele tem o seu cenário.

^ Tais *standarós" muitas vezes são determinados por tratados internacionais, acordos, convenções ou
protocolos de intenções não formalmente recepcionados pelo Estado que os aplica ou reconhece. São de
fundamental importância para a determinação do conceito legal de meio ambiente, eis que este ó um verdadeiro
"conceito em branco” que só se valida mediante a coleta, pelo intérprete, de dados oriundos da realidade
concreta.
c) a criação de um conjunto integrado de órgãos administrativos que, em cooperação

com outras instituições públicas ou privadas, cumprem as competências e atribuições

definidas em leis ou regulamentos e, fundamentalmente, exercem o poder de p o líc ia ^ O ;

d) o exercício do poder de polícia, através do licenciamento prévio, fiscalização e,

quando é o caso, repressão das atividades potencialmente danosas ao meio

ambiente^ .

2.1.1.5.2 Instrumentos Punitivos

Como instrumentos de punição das condutas desaconselhadas pelas

normas de política ambiental, derivados de opções de política legislativa, pode-se listar:

e) a adoção de sistemas legais, mais ou menos restritivos, de responsabilização civil das

condutas lesivas ao meio ambiente;

f) a criação de mecanismos processuais adequados à atuação do dano ambiental, bem

como conceitos amplos de titularidade do interesse jurídico de reparação;

20 No caso brasileiro, a Constituição de 1988 instituiu em matéria ambiental o sistema de competências


administrativas comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 23 e incisos). Às
Regiões Metropolitanas, entidades previstas pela nova Constituição (art. 25, parágrafo terceiro) também podem
ser entregues competências e atribuições ambientais em regime de concorrência com os órgãos já mencionados.
A Lei 6.938/81, por sua vez, criou o chamado Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, articulando a
atividade administrativa de órgãos ambientais federais, estaduais e municipais. Quanto ao concurso de entidades
públicas e privadas no exercício das competências que, a princípio e em tese, seriam só do Estado, a Lei
7.347/75, conhecida como Lei dos Interesses Difusos, legitimou o Ministério Público, as autarquias e as
associações civis de defesa e preservação ambiental, a proporem ação civil pública por danos causados ao meio
ambiente.

^ No Brasil, o exercício do poder de polícia ó tratado dentro do campo do Direito Administrativo. Bem por isso, a
atividade do Estado na limitação da liberdade individual, que se exerce através de tal poder, ó infralegal e está
inteiramente sujeita ao princípio estrito da legalidade. Os atos restritivos de direitos e praticados sob a égide do
poder de polícia , mesmo os auto-executórios, só se legitimam mediante previsão prévia e exaustiva em lei
formal. Fora disso, está-se diante do barbarismo estatal.
2.1.1.5.3 Instrumentos Repristinatórios ou Compensatórios

Visando a repristinação, reparação ou compensação dos recursos

ambientais degradados, os Estados tendem a introduzir à vigência:

g) fundos e reservas, compostos, inclusive, por receitas públicas e privadas. Tais fundos

são geridos, muitas vezes, por comissões compostas por representantes da coletividade

e têm seus saldos vinculados à realização de determinados fins vinculativos.

2.1.1.5.4 Instrumentos Preventivos do Dano e da Degradação Ambiental

Preventivamente ao dano, os seguintes instrumentos costumam ser eleitos

como eficazes:

h) a adoção de um modelo, pontual ou global, de identificação, análise, avaliação e

projeção prévia, bem como de monitoração e contabilização do impacto ambiental de

obras ou atividades potencialmente geradoras de significativa degradação;

i) a adoção de uma política de incentivos à criação, produção e instalação de

equipamentos e tecnologias voltadas para a salubridade e "limpeza" das atividades

produtivas, bem como ao aproveitamento econômico dos rejeitos dos processos

produtivos22.

^ A importância hoje atribuída a este instrumento está gerando um movimento em favor da reversão das
indenizações por danos ambientais a um fundo capaz de financiar a pesquisa em tomo de novas tecnologias de
redução de resíduos lesivos e aproveitamento econômico de rejeitos.
j) a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público em seus

diversos níveis, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse

ecológico, reservas extrativistas etc. O fomento à criação de espaços protegidos por

instituições privadas também pode ser considerado como um desdobramento cada vez

mais freqüente desse instrumento de política ambiental;

k) a criação de cadastros e bancos de dados ambientalmente relevantes, para servirem

como meios de monitoração da qualidade do ambiente;

I) a adoção de programas obrigatórios de educação ambiental, em todos os níveis de

educação formal.

2.1.1.5.5 Instrumentos De Monitoração

Para avaliar e monitorar o estado e a qualidade do meio ambiente, os

Estados da comunidade internacional costumam confeccionar, periodicamente:

m) relatórios sobre o estado e a qualidade do meio ambiente, destinados a ampla

divulgação;

2.1.2 Os Modelos de Política Ambiental

Nem todos os Estados da comunidade internacional, e entre estes os que

apresentam as políticas ambientais mais avançadas, adotam todos os instrumentos

listados. Pelo menos no âmbito da Comunidade Econômica Européia, há muitos


Estados que ainda discutem o modelo de política ambiental mais eficaz para as suas

realidades.

Esse fato pode ser explicado pela complexidade da opção nacional por uma

política ambiental deste ou daquele feitio. Além da necessidade de articular os

instrumentos dessa política setorial com os instrumentos de outras políticas públicas e

privadas, eis que o problema ambiental hoje não se coloca em um horizonte idílico mas

diz de perto ao problema do desenvolvimento social e econômico das comunidades

nacionais e internacional, há a necessária consulta aos mais variados segmentos da

sociedade civil através de processos que garantam transparência e ampla participação.

Por todas essas razões, não pode haver dúvida que o que antecede a adoção isolada

deste ou daquele instrumento (v.g., a responsabilidade objetiva, o zoneamento

ambiental etc.) é exatamente o debate em tomo do modelo global que melhor atende as

necessidades de cada Estado.

Assim, nenhum instrumento, isoladamente, pode ser considerado como

adequado. Como as várias peças de um quebra-cabeças, também os diversos

instrumentos de política ambiental só apresentam sentido se adequadamente

articulados em um conjunto global que conforma, precisamente, a política ambiental2 3 .

23 Vale anotar nesse passo, exemplificativamente, que no contexto de uma economia eficientemente regulada,
onde os investimentos de vulto, as obras e atividades são responsavelmente planejadas e monitoradas por ações
públicas ou privadas (o que freqüentemente pressupõe um alto grau de conscientização e organização da
sociedade civil), a adoção generalizada e incondicional da responsabilidade objetiva por danos ao meio ambiente
pode ser dispensável. Nesse modelo hipotótico, o papel preventivo e punitivo da responsabilização objetiva seria
suprido por outros instrumentos, menos drásticos e mais eficientes, que levariam ao resultado em última análise
desejado : o uso sustentado dos recursos ambientais. É de se considerar, ainda quanto á hipotética supressão da
responsabilidade objetiva, que a sua adoção tem caráter excepcional e derrogatório do sistema tradicional da
responsabilidade, baseado na noção jurídica de culpa e na noção moral do livre-arbítrio. A responsabidade
Em razão do que se expôs, pode-se considerar a existência de dois modelos

de política ambiental, entre os quais os Estados nacionais normalmente situam suas

opções institucionais. Trata-se do modelo de interferência pontual e o modelo

*omnicompreensivo", ou de interferência global.

2.1.2.1 O Modelo de Interferência Pontual

O modelo da interferência pontual está caracterizado por legislações

esparsas e difusas e instrumentos tópicos de controle ambiental. Pode-se dizer que o

Brasil, antes de 1981 e do advento da Lei 6.938 do mesmo ano, apresentava, se tanto,

uma política ambiental de interferência pontual. A tutela do meio ambiente decorria dos

capítulos do Código Civil que tratavam do direito de vizinhança, das posturas municipais,

da legislação agrária etc. Um exemplo bastante ilustrativo desse modelo de interferência

é o da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (6.766, de 19 de dezembro de 1979) que,

entre seus vários dispositivos, inclui princípios programáticos que aconselham a

preservação ambiental (arts. 4o. e 5o., por exemplo).

2.1.2.2 O Modelo de Interferência Global

Já o modelo de Interferência “omnicompreensiva" ou global revela uma

pretensão de universalidade e traduz o grau de importância que o Estado atribui à

objetiva traduz, em alguns campos, uma opção de política legislativa que pode, ou não, se justificar pela
importância do bem por ela tutelado. No caso brasileiro e ante ao lamentável estado de degradação ambiental dos
recursos ambientais do território nacional, não há dúvida que a adoção da responsabilidade objetiva, pelo menos
em um primeiro momento, se justifica.
gestão dos problemas ambientais. Além de implicar efetiva utilização de todos (ou de

quase todos) instrumentos institucionais de tutela ambiental, o modelo de interferência

global é diretivo e prima pela subordinação das demais políticas públicas e privadas aos

seus ditames.

2.2 A POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA

2.2.1 Referências Históricas

Desde a vigência entre nós das Ordenações do Reino de Portugal e ao

longo dos períodos colonial, imperial e republicano, os recursos naturais da terra

brasileira foram objeto de algum tipo de tutela jurídica. Estudos específicos demonstram

que no campo da ordenação do uso e ocupação do solo, das políticas agrárias e da

disciplina dos bens de relevante interesse natural, arqueológico, histórico, artístico ou

paisagístico, a atividade legiferante foi significativamente exercida, inicialmente pelo

Estado metropolitano e, já em fase posterior, pelo Estado brasileiro24 .

^ Já desde antes do término da compilação das Ordenações Afonsinas (1446), vigorava em Portugal o Decreto
de Afonso III que, pelo critério da compilação, faz parte das mesmas Ordenações, determinando que o pão e a
farinha não fossem levados para fora dos domínios territoriais do Reino (13 de julho de 1311). Dom Diniz, em 9 de
novembro de 1326, editou norma que punia severamente o furto de aves, equiparando-o a qualquer outro tipo de
furto. Com a edição das Ordenações Manoelinas e Filipinas o eixo da preocupação voltou-se para as sesmarias,
impondo-se aos seus ocupantes a obrigação de cultivo efetivo da terra. Preocupações quanto a ordenação da
atividade de caça e ocupação do solo urbano também ocuparam o legislador reinícola. Muito posteriormente, o
Código Civil Brasileiro consagrou disposições ao direito de vizinhança, o Código de Águas tratou da proteção do
recurso hídrico, o Decreto-Lei n. 25, de 1937, tratou da proteção dos bens públicos naturais, artificiais e culturais,
o Estatuto da Terra ocupou-se da questão do solo, A Lei dos Loteamentos estabeleceu diretrizes de zoneamento
e ocupação do solo etc. O detalhado estudo de Ann Helen Wainer, Legislação Ambiental Brasileira : Evolução
Histórica do Direito Ambiental. COAD, Seleções Jurídicas. Mai/Jun. 1992, p. 27/34, traz importantes ilustrações
adicionais sobre o tema.
Contudo, não se pode falar, propriamente, de política ambiental no Brasil,

senão após a edição da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981.

Antes disso, mesmo que se pudesse identificar no ordenamento pátrio um

certo número de diplomas que incluíam dispositivos de tutela pontual e difusa dos

recursos naturais (o que, em termos amplos e descomprometidos, não deixava de

representar um certo tipo de *política ambiental*), não se vislumbrava um quadro

institucional de regulamentação das relações humanas com o meio natural.

A partir de 1981, contudo, supriu-se esse papel. A edição do diploma que

em suas linhas mestras acabou sendo confirmado e ampliado pela própria Constituição

de 1988, consolidou o esforço do Estado pela criação de uma política ambiental com

contornos nítidos e inconfundíveis. Assim, é enganosa a noção segundo a qual foi a

Carta Magna de 1988 a introdutora da preocupação ambiental na promoção do

desenvolvimento. Embora, como se comenta adiante, seja o marco mais recente e

significativo da consolidação da política ambiental brasileira, na medida em que retrata

opções de desenvolvimento confessadamente comprometidas com a idéia de

ecodesenvolvimento ou desenvolvimento sustentável, a Constituição apenas ampliou

um caminho institucional já vigente no país desde o início da década de oitenta^S .

25 Por outro lado, é também falsa a idéia de que a Constituição Brasileira, na forma extensa como trata a matéria
ambiental, seja inovadora no plano do Direito Constitucional Comparado. Uma rápida consulta à Constituição da
República Portuguesa, de 1976, revela que o legislador constitucional português, de maneira bastante nítida,
influenciou o legislador constitucional pátrio, sendo válida a comparação : "Art. 66 (Ambiente e Qualidade de
Vida). 1. Todos têm direito a um ambiente de vida humana sactío e ecologicamente equilibrado e o dever de o
defender. 2. Incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo e apoio a iniciativas populares : a)
prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão; b) ordenar o espaço territorial
de forma a construir paisagens biologicamente equilibradas; c) criar e desenvolver reservas e parques naturais e
de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a
2.2.2 Referências Ideológicas

2.2.2.1. A Vanguarda Tecnoburocrática

Como importante fator para a "criação" da política ambiental brasileira, está a

atuação da vanguarda tecnoburocrática. A burocracia do Estado Federal, cujos quadros

especializados mantiveram-se em exercício razoavelmente continuado durante todo o

período da ditadura militar (1964/84), acabou desenvolvendo uma certa "cultura

ambientalista" de vanguarda, bastante hermética e intervencionista que, embora em

descompasso com o grau de amadurecimento da sociedade civil, acabou por dar feição

a uma Lei de Política Ambientai talvez precoce e certamente pouco discutida por seus

destinatários (os maiores interessados).

O autoritarismo e o tecnicismo que caracterizaram esse período da

administração pública federal, sobretudo em relação a matérias interditas à competência

administrativa e légiférante dos Estados e Municípios da Federação, favoreceu esse

elitismo de gabinete (a famosa "tecnocracia'). Bem fomida das últimas informações

técnicas sobre o tema, até porque treinada em temporadas de estudos fora do Brasil,

patrocinadas por organismos e agências internacionais difusores de doutrinas

preservção de valores culturais de interesse histórico ou artísticio; d) promover o aproveitamento racional dos
recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica. 3. é conferido a
todos o direito de promover; nos termos da lei, a prevenção ou a cessação dos fatores de degradação do
ambiente, bem como, em caso de lesão directa, o direito à correspondente indemnização. 4. O Estado deve
promover a melhoria progressiva e acelerada da qualidade de vida de todos os portugueses.mConstituição da
República Portuguesa, Texto segundo a Lei Constitucional n. 1/82, de 30 de setembro de 1976, Ed. Trabalhistas.
1a. ed., 1987.
desenvolvimentistas^ô, mas pouco disposta, pela feição do próprio regime, a

"democratizar* tais informações, a “intelligenzia“funcional brasileira formou o seu próprio

convencimento sobre o que deveria ser a política ambiental. Mesmo considerando que a

Lei de Política Nacional do Meio Ambiente tramitou pelo Congresso, não há como evitar

a conclusão de que as teses de vanguarda da burocracia estatal muito a influenciou. É

que o concurso do parecer de cientistas e de parlamentares "ecologistas11 parece ter

apenas reforçado o aspecto "elitista" desta lei que, embora possa ser salutar em sua

"intenção" global, jamais foi referendada pela reflexão da coletividade, podendo ser dito

o mesmo dos dispositivos de política ambiental inseridos na Constituição de 1988.

2.2.3. Referências Políticas-Econômicas

2.2.3.1. A Ordenação das Relações de Produção

Ainda como importante fator de ordem interna a determinar a edição da Lei

de Política Ambiental e sua ampliação posterior no âmbito constitucional e ordinário,

esteve a necessidade de ordenar, a partir de uma "moldura" institucional e normativa, a

Foi notória, nesse período também caracterizado como de ‘guerra fria", a atuação doutrinária de agências e
organismos internacionais, que atravós da "cooperação internacional" promoviam treinamentos em que se
internacionalizava conceitos estrategicamente importantes para os Estados de atuação dominante no cenário da
comunidade internacional. Sem falar, especificamente, da atuação de certos órgãos especializados da ONU
(como a UNDP - United Nations Development Programme), o caso da USAID - United States Agency for
International Development - e sua influôncia na formação da tecnoburocracia brasileira, por exemplo, ó
emblemático. Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (como o Banco Mundial, o Banco Internacional para a
Reconstrução e Desenvolvimento), assim como os centros regionais de irradiação de conhecimentos, como o
CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe), também cumpriram esse papel.
atividade pública e privada de disposição dos recursos naturais nas mais variadas

formas de atuação antrópica2? .

Na verdade o processo de desenvolvimento do país - e os ciclos da

economia brasileira bem o demonstram - jamais se pautou por qualquer preocupação de

ordem preservacionista. Prova disso está no estado lamentável de degradação que os

recursos ambientais apresentam no Brasil2**. E é bom que se consigne que, apesar da

crítica que se fez ao modo de introdução e à feição elitista da política ambiental

brasileira, a comunidade e os agentes econômicos interessados dificilmente tomariam a

27 Como se comenta adiante, a política ambiental também envolveu a criação de um conjunto de órgãos, de
atuação integrada, que exercem ampla atividade discricionária em face dos conteúdos "em branco" da maioria
dos princípios basilares do "sistema* ambiental. Não há como negar a analogia natural que, a partir disso, se
estabelece entre a política ambiental e a noção lógica de "moldura"ou "quadro"de normas (e isso ó válido para a
imensa maioria das políticas públicas). Fábio Nusdeo, aliás, ilustra com propriedade o funcionamento e a feição
normativa e institucional das políticas indicativas do Estado : "O legislativo basicamente faz-se presente no
campo econômico por meio de leis bastante amplas concernentes à criação de órgãos e entidades encarregadas
da execução da política econômica, fixando-lhes as atribuições, as competências e a composição. Por outro lado,
podem traçar limites, em geral extremamente imprecisos, para a atuação das mesmas, bem como consignar
objetivos gerais a serem atingidos e eventuais restrições quanto a objetivos concorrentes. É a denominada "loi
cadre"pelos franceses ou Mlege cornice" pelos italianos. No fundo, ela contém uma autorização para agir conferida
a órgãos ou agências do executivo. Estes, na realidade, os verdadeiros legisladores, pois a "loi cadre" não passa
de um esqueleto, por si só inoperante, sem a carne e os músculos a serem preenchidos pelas agências,
devidamente dotadas de poder regulamentar. Quase sempre ela não ó auto-exeqúível. Necessita, para ser
aplicada, de uma regulamentação e conseqüentemente de uma agência que a edite e exerça a competente
fiscalização." (Nusdeo, Fábio. A Elaboração e Aplicação da Norma de Direito Econômico, in Caderno de Direito
Econômico : Disciplina Jurídica da Iniciativa Econômica. Ed. Resenha Tributária, co-edição do Centro de Estudos
de Extensão Universitária. São Paulo, 1963, p. 19/20).

^ Para citar um exemplo restrito à poluição do ar por emissões industriais, os estabelecimentos industriais
"potencialmente poluidores" no Brasil, em 1980, conforme as informações do Censo Industrial do mesmo ano,
formavam 49,73% do universo de indústrias brasileiras e estavam situados, predominantemente na Região
Sudeste. Para informações adicionais acerca do estado do meio ambiente no Brasil pode-se consultar as
seguintes obras : Instituto de Planejamento Econômico e Social - IPEA. Poluição Industrial no Brasil. Consultée -
Sociedade Civil de Planejamento e Consultas Técnicas Ltda. Brasília, 1975, 111 p.; Fundação Estadual de
Engenharia do Meio Ambiente - Rio de Janeiro - FEEMA - Restrições Ambientais à Localização Industrial. Rio de
Janeiro . 1978; Braille, Victoria Valli - Poluição do Ar no Brasil - Participação da Indústria. FEEMA, Rio de Janeiro,
1979; Brasil - Divisão das Nações Unidas do Ministério das Relações Exteriores. Relatório Nacional do Brasil -
Notas Preliminares - Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente. Brasília - abril de 1971, mimeo;
CETESB - Secretaria de Serviços e Obras Públicas do Estado de São Paulo. Qualidade do Ar na Região
Metropolitana de São Paulo e Cubatão, São Paulo, 1985.
iniciativa espontânea de reclamar do Estado a limitação institucional das relações que

têm tradicionalmente oposto o desenvolvimento econômico à preservação ambiental2^ .

É inegável, portanto, que com a edição da Lei 6.938/81 atendeu-se a uma necessidade

premente de intervenção em relações de produção que se desenvolviam sem qualquer

freio ou critério.

2.3. O MODELO NACIONAL

No Brasil de hoje, marcado pela ampliação e generalização dos instrumentos

de política ambiental, obra acabada pela Constituição de 1988 e inaugurada pela Lei

6.938/81, pode-se dizer que vigora uma Política Ambiental “omnicompreensiva".

Mais do que isso.

Pode-se afirmar que vigora no Brasil um Estado claramente

*ecodesenvolvimentista *.

2.3.1 O Ecodesenvolvimento na Política Ambiental Brasileira

O Ecodesenvolvimento, conceito de formulação anterior à doutrina do

desenvolvimento sustentável mas que hoje foi absorvido por ela, deriva diretamente da

Declaração de Estocolmo.

^ Com afeito, embora 9eja criticável a concepção vanguardista que subjaz à política ambiental brasileira, è
preciso reconhecer que, não fosse a iniciativa espontânea dos poderes oficiais, quaisquer que tenham sido as
suas reais motivações, dificilmente o Brasil teria um quadro institucional dedicado ao trato da questão ambiental.
O ponto relevante, a essa altura, mais que a discussão do modo como a política foi trazida à vigência, ó a
adequação de seu modelo às necessidades nacionais. E uma boa oportunidade para tanto, se a sociedade
apresentasse suficiente amadurecimento político, seria a revisão constitucional prevista para o ano em curso.
Pode ser definido, em uma primeira aproximação, como a doutrina que

preconiza a urgência e a indispensabilidade da adoção, ao nível macro e micro

econômico, de políticas de compatibilização do crescimento econômico com a

preservação das condições equilibradas de vida no planeta.

O Ecodesenvolvimento é na verdade uma doutrina que se construiu em

tomo da problemática do desenvolvimento econômico, suas causas e conseqüências,

empregando ênfase na análise das políticas públicas e privadas de apropriação e

transformação de recursos naturais e de ocupação de territórios. Tem como ponto de

partida o objetivo de desacelerar e, paulatinamente, eliminar, o galopante processo de

destruição do equilíbrio entre os diversos biomas, salvando as espécies vivas, entre as

quais a humana, do iminente desbaratam ento^. E tudo sem prejudicar o

desenvolvimento econômico^ .

Usando a lição da doutrina desenvolvimentista, "o ecodesenvolvimento é um estilo de desenvolvimento que,


em cada ecorregiào, insiste nas soluções específicas de seus problemas particulares, levando em conta os dados
ecológicos da mesma forma que os culturais, as necessidades imediatas como aquelas a longo prazo. Opera,
portanto, com critérios de progresso relativizados a cada caso, a í desempenhando papel importante a adaptação
ao meio postulada pelos antropólogos (...). O ecodesenvolvimento tenta reagir à moda predominante das
soluções pretensamente universalistas e das fórmulas generalizadas. Em vez de atribuir um espaço excessivo à
ajuda externa, dá um voto de confiança à capacidade das sociedades humanas de identificar os seus problemas
e de lhes dar soluções originais, ainda que inspiradas em experiências alheias. Reagindo contra as transferências
passivas e o espírito de imitação, põe em destaque a auto-confiança ('.../.(Sachs, I. Ecodesenvolvimento :
crescer sem destruir. São Paulo, Vórtice, 19Ô6, p. 18.).

31 "São as principais teses do Ecodesenvolvimento ou Desenvolvimento Sustentável: a) a sustentabilidade


social, que recomenda o estabelecimento de um processo de desenvolvimento compatível com um crescimento
estável, incentivando-se a distribuição equitativa das riquezas, a garantia dos direitos sociais das grandes
massas da população e a redução das diferenças sociais; b) a sustentabilidade econômica, alcançável atravós de
um fluxo constante de investimentos públicos e privados e do manejo eficiente dos recursos ambientais; c) a
sustentabilidade ecológica, alcançável mediante a compatibilização entre a intensificação do uso dos recursos
ambientais e sua máxima preservação, a redução do uso dos combustíveis fósseis e outros de rápido
esgotamento, a eliminação do uso de produtos lesivos ao meio ambiente e contaminantes, a adoção de políticas
de conservação de energia e de reciclagem, a busca de tecnologias com baixo nível de rejeitos, o incentivo à
agricultura biológica a agro-silvi-pastoril etc; d) a sustentabilidade geográfica, atravós do incentivo de uma
distribuição equilibrada dos assediamentos humanos, considerada a sua função específica (residencial, industrial,
A análise dos principais documentos legislativos da política ambiental

brasileira comprovam a adoção do ecodesenvolvimento. Além de suas principais teses

estarem albergadas na ordem jurídica, nem um único instrumento de política ambiental

citados anteriormente deixou de ser recepcionado em lugar de destaque pela moldura

institucional adotada no país.

Confira-se.

O Capítulo II, do Título II da Constituição Federal ( “Dos Direitos Sociais“ -

arts. 6o. a 11), o Título VIII ( “Da Ordem Social“ - arts. 193 a 232), bem como alguns dos

mais importantes incisos da Declaração de Direitos ( art. 5o.), referem-se à

sustentabilidade social.

O Capítulo I, do Título VII (“Da Ordem Econômica e Financeira“ - arts. 170 a

192), bem como o Capítulo VI, do Título VIII ( “Do Meio Ambiente“ - art. 225), referem-se

à sustentabilidade econômica.

comercial, agrícola etc.) e do estabelecimento de reservas de biosfera para proteção da biodiversidade; e) a


sustentabilidade cultural, atravós do incentivo de políticas de ensino, entre outras, que possam desencadear
mudanças endógenas e radicais no modo de pensar e agir dos membros da coletividade destinatária e
promovente do ecodesenvolvimento.” (Sachs, Ignacy. Desarollo Sustentabie, Bio-Industrialización
Descentralizada y Nuevas Configuraciones Rural-Urbanas. Los Casos de India e Brasil. Pensamiento
Iberoamericano, num. 16, 1990, p. 235*256). Como se pode notar a partir da citação, a pretensão
ecodesenvoivimentista recai sobre o estabelecimento e manutenção de um processo de desenvolvimento que
compatibilize crescimento econômico e preservação ambiental. Aliás, a solução da compatibilização entre estes
dois termos da equação do desenvolvimento, ó desde algum tempo louvada como a grande tarefa para o direito e
a economia. John Keneth Galbraith, comentando o problema, anotou: "Resta-nos uma terceira opção (entre o não
crescimento e a manutenção dos esquemas tradicionais de degradação ambiental) : prosseguir o crescimento,
mas especificar, atravós da legislação, os parâmetros dentro dos quais ele pode ocorrer. Esses parâmetros
definem os danos permissíveis ao consumo e à produção, com respeito ao ambiente. O estabelecimento destes
limites se toma uma importante - de certa forma até a mais importante - tarefa da legislação moderna. Envolve,
por vezes, a proibição de determinados tipos de produção ou consumo, sempre que os danos ao público,
devidamente avaliados pela legislatura, superem qualquer satisfação que o serviço ou o produto proporcionem''
(Galbraith, J. K. op cit. p. 307).
Além do Capítulo VI, do Título VIII, já mencionado, a sustentabilidade

ecológica vem contemplada nos Capítulos I, II, III e VIII do Título VII (*Política Urbana,

Política Agrícola o Fundiária, Da Reforma Agrária, Dos índios* - arts. 182 a 183, 184 a

191, 231 a 232). A sustentabilidade geográfica também encontra-se atendida nos

mesmos dispositivos.

Os Capítulos III, IV, V e VIII, do Título VIII ("Da Educação, da Cultura e do

Desporto, Da Ciência e da Tecnologia, Da Comunicação Social e Dos índios* - arts. 205

a 2 1 7,2 18 a 2 1 9 ,2 2 0 a 224, 231 a 232), tratam da sustentabilidade cultural.

Deixando de lado, por um momento, a legislação ordinária e considerando

apenas os 245 artigos do corpo permanente da Constituição Federal, constatar-se-á que

pelo menos 100 (ou 40%) tratam, direta ou indiretamente, da questão ambiental.

Diante de todo o exposto, não pode haver dúvida que a política ambiental

brasileira adota um modelo de interferência global (ou “omnicompreensivo). Não é

exagerado afirmar, ademais, que a mesma política, pela amplitude e generalidade de

seus instrumentos, se sobrepõe ou, pelo menos, interfere significativamente, em todas

as demais políticas públicas. Nenhum valor ou interesse, por mais privilegiada que seja,

foi contemplado com tanta abrangência pela Constituição Federal quanto o da tutela ao

meio ambiente.
3 O ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL

3.1 INTRODUÇÃO

O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é o mais importante dos instrumentos

da política ambiental brasileira. Na verdade, dependendo de sua conformação e

amplitude (elementos que, no Brasil, se apresentam extremamente magnificados), pode-

se dizer que o EIA, por si só, equivale a uma política ambiental, tendo, em alguns

países, a função de substituí-la.

O EIA, principalmente porque se realiza previamente à implementação de

obras, atividades ou projetos, atua topicamente nas causas da degradação ambiental,

eliminando-as ou, quando isso é impossível, controlando-as. Ele prescreve

procedimentos técnicos multidisciplinares que, desenvolvidos desde o início da fase de

decisão e planejamento de ações públicas ou privadas e estendidos para além da fase

de conclusão e funcionamento destas, permitem a identificação, análise, projeção,

controle e monitoração do impacto ambiental.

O EIA é, igualmente, o instrumento mais adequado e eficaz para a própria

identificação do conceito legal de meio ambiente em relação a uma dada circunstância

de interesse. Sem o seu concurso, só mesmo através de custosas, complexas e

demoradas perícias se pode alcançar o "estado do meio ambiente", para efeito de uma

eventual reprístinação de danos, espontânea ou determinada pelos poderes do Estado.


Já como conseqüência da identificação do "estado do meio ambiente" e do impacto

ambiental, e através da análise destes elementos face aos cânones jurídicos em vigor,

ocorre a identificação do "dano ambiental", fundamental para a atuação da

responsabilidade civil que, no caso brasileiro, rege-se pela teoria objetiva.

A interação do EIA com os outros instrumentos de política ambiental,

sobretudo no Brasil, não se esgota no que, exemplificativamente, se comentou.

Na verdade ela é bastante intensa e esse aspecto integrativo do EIA será

objeto de atenção ainda nesta seção, principalmente no tocante aos instrumentos cuja

vigência traz reais e tangíveis conseqüências para a empresa comercial. Aliás, as

efetivas implicações jurídicas dessa forte integratividade do EIA parece não ter sido

ainda explorada pela doutrina.

3.1.1 Antecedentes Legislativos

Legislativamente, o EIA surgiu nos Estados Unidos da América, com a

edição do "National Environmental Policy Act" - NEPA, que demandava à agência

ambiental ("EPA - Environmental Protection Agency) a realização de estudos

padronizados sobre as conseqüências ambientais de projetos de obras ou atividades

potencialmente lesivas ao meio ambiente, bem como sobre suas alternativas viáveis.

Na França vigora desde 1976 a Lei n. 76.629, que prevê a realização do

EIA, com o objetivo de permitir a confrontação analítica entre a implementação de

determinada obra ou atividade e o rompimento do equilíbrio ambiental, bem como a


definição do conceito de meio ambiente vigente para a área geográfica de influência da

obra ou atividade analisada.

No âmbito da Comunidade Econômica Européia (CEE) vigora, desde 05 de

julho de 1985, a Diretiva n. 85/337/CEE, que recomenda aos países membros a adoção

de instrumentos de avaliação do impacto ambiental de projetos públicos e privados. A

mesma recomendação foi feita para a comunidade internacional através de tratados,

convenções e documentos normativos internacionais, como a Declaração de Estocolmo

e a Declaração da OCDE, entre outras.

No Brasil, certos dispositivos legais do Estatuto da Terra (Lei n. 4.504, de 30

de novembro de 1964), do Código Florestal (Lei n. 4.771, de 15 de setembro de 1965) e

da Lei de Controle da Poluição (Decreto-Lei n. 1.413, de 14 de agosto de 1975), figuram

como antecedentes históricos do EIA. Contudo, o diploma que outorgou ao EIA a

configuração que, ampliada por normas posteriores, o identifica, foi a Lei n. 6.803, de 02

de julho de 1980, que dispôs sobre o zoneamento nas áreas críticas de poluição.

Posteriormente, a Lei n. 6.938/81, secundada pelo Decreto n. 88.351, de 01 de junho de

1983 (que regulamentou a Lei n. 6.938/81 e deu outras providências), pela Resolução

CONAMA 001, de 23 de janeiro de 1986 e pelo art. 225, parágrafo quarto, da

Constituição Federal, terminaram a tarefa normativa.

3 .1 .2 Antecedentes de Ordem Geral

O EIA e o Projeto de Investimento


Como instrumento de política ambiental, o EIA veio, por assim dizer,

embutido na feição geral da moldura institucional adotada no Brasil a partir da década

de oitenta, sendo certo que os fatores que antecederam e influenciaram a adoção de tal

moldura são válidos para explicar também a adoção do EIA.

Há, contudo, peculiaridades na concepção do EIA como instrumento de

controle e monitoração de ações públicas e privadas, que o ligam a outros fatores de

relevante menção para o presente trabalho. É que se pode vislumbrar no EIA um

parentesco muito próximo com os projetos de investimento. Tanto o EIA como o projeto

de investimento prestam-se ao papel de instrumentos de projeção e monitoração da

atividade da empresa, devendo ser efetivamente utilizados para tal.

3.1.2.1 O Planejamento da Atividade Empresarial

Se o planejamento, de uma forma geral, pode ser considerado como a

atividade que visa induzir, através de instrumentos institucionais, a mobilização e a

disciplina de recursos em função de objetivos que a sociedade (ou as instâncias formais

de exteriorização da "vontade" do Estado) se propõe atingir32 , a elaboração de projetos

32 A definição de planejamento se inspira em Ignacy Sachs que esclarece, ainda, que o planejamento nasceu na
antiga URSS, motivado pela necessidade de reorganização de uma sociedade em condições de penúria e
isolamento (Sachs, Ignacy. Espaços, tempos e estratégias do desenvolvimento, São Paulo, Vértice, 1986. p. 24).
Deepak Lal, comentando a origem do planejamento, opina que : "Tornou-se um dos cânones das teorias
desenvolvimentistas exigir dos governos tudo que era possível para promover a industrialização. O planejamento
era a panacóia oferecida. Embora, na prática ele tenha vindo a ter tantas variantes quanto adesões, o
planejamento tem sido habitualmente identificado com a forma de intervenção governamental empregada na
União Soviética e na República Popular da China. Sua principal característica ó a determinação centralizada das
quantidades físicas dos bens e serviços que são os insumos e os produtos de uma miríade de indústrias que
compõe o chamado setor industrial. É uma tentativa de suplantar o funcionamento de uma economia de mercado.
f...J”(Lal, Deepak. A pobreza das teorias desenvolvimentistas. Rio de Janeiro, Instituto Liberal, 1987, p. 89).
de investimento, no campo econômico, traduz a necessidade de compatibilização das

ações isoladas ao escopo geral do planejamento.

Partindo-se da lição de Lenina Pomeranz, pode-se afirmar que o projeto de

investimento: *á uma atividade de planejamento, na medida em que antecipa,

analiticamente, um curso de ação relativo a uma aplicação de recursos. É, no entanto,

uma atividade peculiar, porque refere-se a uma unidade específica de ação e não ao

conjunto da economia. Em outras palavras, refere-se ao planejamento feito ao nível do

empreendimento singular, seja ele uma empresa industrial, um trecho de estrada de

rodagem, uma trama de vias expressas, uma colonização agrícola ou uma barragem

para a geração de energia hidrelétrica e irrigação. É pois, uma técnica de análise que

visa racionalizar a aplicação de recursos sociais, feita descentralizadamente, através

das unidades em que se organiza a atividade econômica ou/e a prestação de serviços

sociaisfSS.

Compõem o Projeto de Investimento, em regra, três partes, a saber

i) O Dimensionamento do Projeto - que compreende: a) a análise da demanda; b) a

análise da oferta; e assim permite c) o dimensionamento do projeto;

ii) Os Estudos Técnicos • que compreendem: a) os estudos tecnológicos; b) a definição

do tamanho; c) os estudos de localização; e d) a concepção das alternativas;

33 Pomeranz, Lenina. Elaboração e Análise de Projetos. São Paulo, Editora Hucitsc, 1985, p. 17. A respeito do
tema ver Lange, O. Political Economy. Varsóvia, PWN - Panstwowe Wydawnictwo Naukowe; e Londres,
Pergamon Press, 1963. Volume 1. Capítulo 5 e Godelier, M. Racionalidade e irracionalidade na economia. Rio de
Janeiro, Edições Tempo Brasileiro, 1970.
iii) Os Estudos Econômicos - que compreendem: a) a estimativa dos custos; b) a

estimativa dos benefícios; e c) a avaliação econômica34 .

Cotejado o modelo teórico do projeto de investimento antes consignado com

o modelo teórico do EIA, pode-se afirmar que o estudo de impacto ambiental é uma

espécie de Projeto de Investimento desenhado, especificamente, para a detecção dos

impactos ecológicos e globais de uma dada obra, atividade ou ação. E essa conclusão

ressai com extraordinária clareza da análise do modelo normativo de EIA vigente no

Brasil.

3.1.3 Conceito

O EIA pode ser conceituado como um conjunto de procedimentos técnicos

que visam, previamente à implementação de obras, projetos e atividades

potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental, identificar, analisar,

avaliar, valorar, projetar para o futuro e permitir a monitoração permanente das

alterações físicas, químicas, biológicas, sociais e econômicas por ela causadas no

respectivo entomo ambiental3 5 .

O papel imediato do EIA é o de servir de base para o licenciamento da

instalação e operação do projeto, obra ou atividade em análise. A partir das

considerações e resultados constantes do EIA, a autoridade pública expedirá a

3 * Pomeranz, Lanina. op. cit p. 22.

35 Conceito analítico formulado, a partir da legislação, pelo autor do trabalho.


competente licença, nela fazendo constar, quando for o caso, as limitações e condições

para a sua validade.

Seu papel institucional, contudo, não se esgota aí.

3.1.4 Conteúdo Mínimo

O Conteúdo Mínimo do EIA, que por ser um documento complexo envolve

também um Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), de caráter sintético e conclusivo, é

o seguinte:

i) O Diagnóstico Ambiental da área de influência do projeto - parte destinada à descrição

e análise dos recursos ambientais e suas interações, tais como existem no momento da

avaliação, de modo a permitir a caracterização da situação ambiental do sítio antes da

implementação da obra, atividade ou projeto. Nessa descrição devem ser considerados

o meio físico, composto pelo subsolo, solo (tipos e aptidões), águas, ar, clima, regime

pluviométrico, altitude, topografia, corpos d’água, regime hidrológico, correntes

marinhas, correntes atmosféricas etc., o meio biológico e os ecossistemas naturais,

compostos pela fauna, flora, espécies de valor científico e econômico indicadoras da

qualidade ambiental, espécies raras ou ameaçadas de extinção, áreas de preservação

permanente etc., o meio sócio-econômico (o uso e ocupação do solo, os usos da água

etc.), e o meio cultural, composto pelos monumentos arqueológicos, históricos e


culturais da comunidade, relações tradicionais de trabalho e lazer, potencial utilização

futura dos recursos naturais etc^fi;

ii) Descrição da Ação Proposta e suas alternativas - parte composta pela identificação

do projeto, seus objetivos e justificativas, análise de suas premissas de demanda e

oferta, adequação às políticas globais de ocupação de território indicadas pelo Estado,

alternativas de localização, tamanho, tecnologia, dimensão, consumo de insumos e uso

de infra-estruturas públicas (transporte, energia elétrica, telecomunicações,

armazenamento etc.), matérias primas utilizadas, mão de obra, processos e técnicas

operacionais, empregos diretos e indiretos a serem gerados, benefícios tributários,

econômicos e sociais para a área de influência etc;

iii) Identificação, análise e previsão dos impactos significativos, positivos e negativos -

parte composta pela identificação, previsão da magnitude e interpretação da importância

dos prováveis impactos relevantes de cada fase do projeto, sua classificação segundo

sejam positivos e negativos, diretos e indiretos, imediatos e mediatos, temporários e

permanentes, reversíveis ou irreversíveis, cumuláveis ou não cumuláveis, causadores

de reações em cadeia (sinérgicos) ou não causadores etc. Compõem esse segmento,

igualmente, a caracterização da provável qualidade ambiental da área de influência do

projeto após a implementação do projeto, obra ou atividade, levando-se em

consideração as diversas alternativas viáveis, bem como a hipótese de sua não

36 Sobre o tema ver Gevaerd Filho, Jair Uma. Anotações sobre os conceitos de Meio Ambiente e Dano
Ambiental, in Revista de Direito Agrário e Meio Ambiente. Curitiba, Instituto de Terras, Cartografia e Florestas, p.
13/17, e Gevaerd Filho. Reforma Agrária e Meio Ambiente, op. cit, p. 306/310.
realização. A recomendação de medidas mitigadoras dos impactos, com a discriminação

daqueles que não poderão ser mitigados e a realização de um detalhado estudo dos

riscos ambientais apresentados pela obra, bem como a confecção de um programa de

monitoração e controle, também compõem essa parte do EIA.

Obs.: Outros elementos podem ser exigidos do proponente do projeto, obra ou

atividade, conforme entenda útil, oportuno ou conveniente o órgão ambiental que o

analisará.

Como se vê, em cotejo com o projeto de investimento, o EIA é até mais

abrangente, na medida em que a própria descrição da obra ou atividade envolve,

praticamente, todas as análises que, ordinariamente, esgotam o escopo de tais projetos.

3.1.5 Partes Intervenientes

Também no que pertine às partes intervenientes, o EIA apresenta maior

amplitude que o projeto de investimento. Os "atores" no âmbito do EIA espelham o

caráter abrangente que se outorga à tutela do meio ambiente no Brasil e incluem, desde

o proponente da obra ou atividade a ser licenciada até a comunidade, passando pelos

órgãos especializados da administração e pela equipe multidisciplinar que o

confecciona.
3.1.5.1 O Proponente do Projeto, Obra ou Atividade

O EIA e a Empresa Comercial.

Há, em primeiro lugar, o proponente do projeto, obra ou atividade.

Como regra geral, será uma empresa comercial, sendo irrelevante, pelo

menos a princípio, sua estruturação jurídica^?. E a condição de empresa comercial

que, neste trabalho, se imputa ao agente econômico que se apropria de recursos

ambientais, como matéria prima, insumo, receptor de rejeitos ou mercadoria, decorre da

própria natureza econômica de tais atividades.

Para que se chegue a essa conclusão, basta que se formule uma única

pergunta : de quem interessa exigir a confecção de um estudo prévio de impacto

ambiental ?

A resposta é óbvia: daquele que, em consequência de uma atividade

profissional e massiva (em termos quantitativos) pretende operar, com proveito

econômico próprio ou de terceiro de quem é preposto ou prestador, projetos, obras ou

atividades que impliquem apropriação significativa de recursos ambientais. E, por

definição, o que organiza fatores de produção (capital, trabalho e meio ambiente) com

Como se demonstra adiante, se a empresa comercial proponente do projeto, obra ou atividade estiver
estruturada sob a forma de sociedade anônima (Lei 6404/76), há dispositivos expressos que demandam a efetiva
recepção do passivo ou contingência ambiental na contabilidade da empresa, tanto no que concerne à
regularidade das demonstrações financeiras, quanto no que concerne aos deveres do administrador e acionista.
Pode-se enxergar aí um diferenciador do regime jurídico a que se submete o passivo ambiental, conforme esteja
referido ao âmbito da sociedade anônima. Contudo, ó defensável a posição segundo a qual os princípios gerais e
universalmente aceitos da contabilidade, cuja observância ó de lei para qualquer empresa comercial, foram
apenas declarados explicitamente pela Lei do Anonimato, valendo, de qualquer forma, para todas as demais
empresas, independentemente da forma jurídica que adotem.
vistas ao atendimento profissional e massivo de demanda habitual é a empresa

comercial.

3.1.5.1.1 Profissionalismo, Lucratividade, Habitualidade e Massividade

Com efeito, o caráter profissional, o intuito de lucro, a habitualidade e a

massividade da atividade a ser considerada, são fatores que condicionam, como regra

geral, a exigibilidade do EIA.

Ainda que, por exemplo, se queira avaliar o impacto ambiental decorrente da

reunião, em uma manifestação política, de centenas de milhares de pessoas, tal

providência resultaria inútil. As conseqüências desse evento esporádico, que se pode

medir em termos de produção de lixo, poluição sonora, sobrecarga de equipamentos

públicos etc., deixam de ser juridicamente relevantes em face de sua extravagância.

Já a descarga na atmosfera, diuturna e constante, da fumaça das indústrias

localizadas em um certo distrito industrial, por seu caráter habitual, reclama precisão

antecipada de seu impacto.

E isso por várias razões.

Em ambas as hipóteses figuradas exemplificativamente, bens ambientais de

uso comum e cuja tutela interessa à coletividade nacional e internacional, sofrem

alterações de qualidade. No caso da manifestação política, entretanto, além da

eventualidade, que favorece a reversibilidade das alterações adversas, há a inexistência

de ganho material por parte de qualquer dos partícipes. Ou seja, às alterações


ambientais (ou ao risco de sua ocorrência), no caso da manifestação política, não

corresponde um proveito economicamente quantificável.

Já no caso das indústrias, além da constância da poluição, a coletividade

não aufere qualquer benefício econômico imediato da atividade empresarial. Isto é, os

resultados econômicos da atividade industrial são apropriados, individualmente, pelas

empresas que as operam, as quais, aliás, causam um dano coletivo em proveito de um

benefício individual.

É claro que o risco coletivo não é criado intencionalmente, muito menos pode

ser imputado à perversidade da classe empresarial.

Bem ao contrário.

Não existissem as indústrias (e a poluição decorrente de sua atividade), não

haveria a produção e a possibilidade de consumo. Não obstante, é tautológico que

aqueles que provocam um dano em conseqüência da perseguição de um resultado

econômico de apropriação individual, devem arcar com os custos da reparação.3® Só

unidades de produção eficientemente organizadas para o atendimento de demandas

massivas (o que caracteriza o núcleo da definição de empresa comercial), podem

produzir tais riscos. Logo, só em relação a elas, o EIA pode, validamente, ser exigido.

38 Os impactos decorrentes do afluxo de funcionários, rede elétrica, etc., embora consideráveis dentro do estudo
de impacto ambiental, são objeto de análise por ocasião do licenciamento do Distrito Industrial ou da Lei de
Zoneamento.
Portanto, o proponente, salvo a hipótese de intervenção direta do Poder

Público (aliás, já ressalvada), será sempre uma empresa comercial, bastando que a

essa qualidade se cumule a apropriação de recursos ambientais.

Não obstante o que se consignou, não é o proponente que confecciona o

EIA, mas uma equipe independente contratada por sua conta e responsabilidade.

3.1.5.2 O EIA e A Equipe Técnica

Multidisciplinar e Independente.

Em outros países, tais como a França e os Estados Unidos, também

pioneiros na adoção do EIA como instrumento de política ambiental conexo ao

licenciamento, não vigora a exigência de independência e isenção quanto à equipe

multidisciplinar especializada responsável tecnicamente pela sua confecção. Na França

a confecção do EIA fica por conta do próprio proponente e, nos Estados Unidos, do

mesmo órgão ambiental ao qual incumbe a sua análise.

No Brasil, optou-se pela intervenção de uma equipe multidisciplinar

independente tanto do proponente do projeto quanto da administração pública.

Essa equipe, de livre escolha entre as várias cadastradas perante a

administração pública, assume inteira responsabilidade técnica pelo estudo39 .

38 Resolução 001/1986 - CONAMA, arts. 7o.e 8o, e Resolução 001/1988 - CONAMA.


A solução de independência adotada pela legislação brasileira pode ser

criticada. Afinal, como se pode garantir a independência absoluta de uma equipe que,

não obstante arcar com a responsabilidade técnica do estudo, é remunerada pelo

proponente do projeto, obra ou atividade?

Sintomas de um abrandamento dessa liberdade de atuação da equipe

*independente", entretanto, já se fazem sentir. A Resolução 006/1987 - CONAMA, ao

se referir a estudos de impacto prévios à implementação de obras de grande porte, tais

como usinas hidrelétricas, entre outras, prevê o "acompanhamento" dos procedimentos

do EIA por técnicos designados para este fim pelos órgãos estaduais competentes (art.

9o.).

3.1.5.3 O EIA e a Atuação da Administração Pública

Os órgãos Ambientais.

Como já se referiu, a política ambiental brasileira, no que pertine à atuação

do Estado, é desenvolvida por um conjunto integrado de órgãos federais, estaduais e

municipais, que a legislação chama de Sistema Nacional de Meio Ambiente (ou

SISNAMA)4 0 .

40 Conforme o art. 6o. da Lei 6.938/81.


O SISNAMA tem sua estrutura conformada por leis e seu funcionamento

estabelecido segundo princípios constitucionais de repartição de competências

administrativas.

Considerando que o princípio da competência administrativa comum

(Constituição Federal, art. 23, incisos III, VI, VII, VIII), que vigora em matéria ambiental,

permite a atuação concorrente de órgãos federais, estaduais e municipais, bem como do

Distrito Federal e, quando for o caso, das Regiões Metropolitanas (Constituição Federal,

art. 225, parágrafo 3o.), o licenciamento de atividades potencialmente lesivas ao meio

ambiente, bem como o juízo discricionário sobre a própria exigibilidade do EIA e sua

aprovação, dependem, freqüentemente, da atuação concertada de várias pessoas

políticas e suas autarquias e entidades para-estatais, ainda que de níveis

administrativos diferentes (federais, estaduais e municipais etc.).

Considerando a competência legislativa concorrente entre a União, os

Estados e o Distrito Federal (Constituição Federal, art. 24, incisos V, VI, VII, VIII), bem

como a competência residual e pelo critério do "interesse local* dos Municípios

(Constituição Federal, art. 30, incisos I e IX), o exercício infraiegal do poder de polícia

pelos órgãos do SISNAMA está condicionado por normas de índole federal, estadual e

municipal.

De qualquer forma, pode-se dizer que os órgãos ambientais atuam no EIA

desde o início. A própria exigência de sua realização prévia depende da iniciativa do(s)

órgão(s) ambiental(is) a quem compete o licenciamento do projeto, obra ou atividade a


ser estudada. Há aí, inclusive, duas importantes questões jurídico-administrativas a

serem esclarecidas : a da atuação discricionária e a da atuação prévia.

3.1.5.3.1 A Atuação Discricionária

Não pode haver dúvida que a gestão ambiental - expressão que aqui se

emprega para significar o conjunto de atividades de fiscalização, prevenção,

licenciamento, bem como outras que caracterizam a atuação típica dos órgãos

ambientais - é tarefa que compete, nos termos da Lei, ao Estado-Administração. É a ele

que a Constituição dirige, sob o eufemismo "Poder Público", a competência da exigência

prévia do Estudo de Impacto Ambiental, em face de projetos, obras ou atividades

"potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental" (Constituição

Federal, art. 225, inciso IV).

Pode-se dizer, nesse sentido, que as normas que regulam o licenciamento

ambiental e o estudo de impacto não constituem comandos ou prescrições gerais e

abstratas destinadas à interpretação pela coletividade, mas destinam-se,

exclusivamente, à interpretação autêntica dos órgãos competentes do Estado-

Administração.

E o grau de liberdade que tais normas outorgam ao intérprete qualificado é

extremamente grande. Como penhor seguro do que se afirma há, de ordinário,

ambigüidade e vagueza na dicção das normas voltadas à tutela dos bens de interesse

ambiental. Veja-se, por exemplo, a expressão : "atividades potencialmente causadoras


de significativa degradação ambiental" (Constituição Federal, art. 225, parágrafo quarto).

Ora, no universo das atividades empresariais pertinentes, o que é *significativa

degradação ambiental“?

No "formato" da legislação ambiental brasileira, a determinação de tais

conceitos "em branco" compete aos órgãos especializados do Estado-Administração e a

ninguém mais. Não só o juízo sobre a exigibilidade do EIA se configura como atribuição

discricionária do órgão ambiental, como o juízo sobre a sua aprovação não pode ser

dele retirado sob pena de esvaziamento de atribuições e competências típicas. Não

seria exagerado dizer, aliás, que são de oportunidade, conveniência, utilidade e

necessidade públicas as razões que levam o administrador a exigir ou aprovar um

Estudo de Impacto Ambiental. O papel do senso técnico, em que o órgão ambiental é,

por natureza, especializado, não pode ser manifesto por outra instância administrativa

ou judicial, ressalvado vício de legalidade.

3.1.5.3.2 A Atuação Prévia

Em segundo lugar, por estar evidentemente ligado ao licenciamento da obra,

pode-se afirmar que o EIA existe em função do licenciamento e para que este ocorra

dentro de padrões máximos de segurança. Em conseqüência, não se pode falar em

Estudo de Impacto Ambiental que não seja prévio ao licenciamento, pelo menos no

contexto da política ambiental brasileira.


Pode-se até figurar hipóteses em que, dada a superveniência de efeitos

desconhecidos ou inauditos na época do licenciamento, vistorias técnicas, perícias,

auditorias ambientais e outros procedimentos sejam oportunos. Nesses casos,

possivelmente, as licenças outorgadas seriam suspensas até que a empresa,

administrativa ou judicialmente, comprovasse a inocorrência de danos ambientais

extraordinários ou insuportáveis. Contudo, na legislação ambiental brasileira, desde o

nível constitucional até o ordinário, não há referências ao Estudo de Impacto Ambiental

senão como instrumento prévio e conexo ao licenciamento ambiental.*1

3.1.5.4 A Coletividade

O EIA propicia uma oportunidade para a coletividade ter acesso e, se for o

caso, opinar sobre suas conclusões. A parte sintética e conclusiva do EIA, que

^ Na onda *ecok>gista*que tem varrido o Brasil, que se apresenta saudável em alguns aspectos, ó possível
detectar, sobretudo no Judiciário, algumas posições extremadas quanto a atuação do Ministério Público e
associações, de um lado, e empresas, de outro. Às centenas, tem sido ajuizadas ações civis públicas que, em
sua face cominatória, pretendem obrigar certas empresas a mandar confeccionar, e o Estado-administração a
analisar, Estudos de Impacto Ambiental, e isso após a entrada em funcionamento dos projetos, obras ou
atividades supostamente poluidoras. Parece haver em situações como a descrita, pelo menos dois flagrantes
equívocos. A uma, a exigência de Estudo de Impacto Ambiental compete, discricionária, típica e exclusivamente,
ao órgão ambiental, não podendo o Ministério Público ou qualquer outra instituição (inclusive o próprio Poder
Judiciário) invadir a esfera privada de competência deste, ditando-lhe quando e como deve exigir das empresas a
confecção do EIA. Salvo vício de legalidade na atuação do agente público competente, as razões de
conveniência e oportunidade em tomo da exigibilidade (ou não exigibilidade) do EIA em cada caso concreto, são
de sopesamento exclusivo do administrador. Até por decorrer de normas que se dirigem á interpretação autêntica
e privilegiada do administrador público, o direito de exigir o EIA e de realizar o juízo definitivo sobre sua utilidade
no caso concreto não se configura como direito difuso, falecendo ao Ministério Público e outros susbstitutos
processuais nominados pela Lei 7.347/85, nessa exata medida, legitimidade para reclamá-lo em juízo em
representação da coletividade indeterminada de interessados. A duas, o EIA, como tal, só existe se for realizado
prwviammntm ao licenciamento do projeto, obra ou atividade. Após o licenciamento, pode-se falar em perícia,
auditoria, prova técnica, mas não se pode falar em Estudo de Impacto Ambiental, tal como a lei brasileira o
formatou.
corresponde ao Relatório de Impacto Ambiental (doravante denominado RIMA), deve er,

obrigatoriamente, franqueada ao público interessado.

Assim preconiza a Resolução 001/1986 - CONAMA:

*Art. 11 - Respeitado o sigilo industrial, assim solicitado e demonstrado pelo interessado,

o RIMA será acessível ao público. Suas cópias permanecerão à disposição dos

interessados, nos centros de documentação ou bibliotecas da SEMA e do órgão

estadual de controle ambiental correspondente, inclusive o período de análise técnica.

Parágrafo Primeiro - Os órgãos públicos que manifestarem interesse, ou tiverem relação

direta com o projeto, receberão cópia do RIMA, para conhecimento e manifestação.

Parágrafo Segundo - Ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental e

apresentação do RIMA, o órgão estadual competente ou a SEMA, ou, quando couber, o

Município, determinará o prazo para recebimento dos comentários a serem feitos pelos

órgãos públicos e demais interessados e, sempre que julgar necessário, promoverá a

realização de audiência pública para informação sobre o projeto e seus impactos

ambientais e discussão do RIMA.“

As audiências públicas, que tem por finalidade permitir, aos eventuais

interessados, o acesso ao conteúdo do EIA e do RIMA, e ao órgão ambiental, a colheita

de críticas e sugestões, foram também objeto de regulamentação pela Resolução

009/1987 * CONAMA. Segundo ela, as audiências públicas deverão acontecer sempre

que o órgão ambiental entenda oportuno (no que repete a Resolução 001/1986) ou que
haja solicitação oriunda de entidade da sociedade civil, do Ministério Público, ou de

cinqüenta (50) ou mais cidadãos.

A regulamentação das audiências, apesar de conter dispositivos genéricos e

assistemàticos, é bem sintomática da preocupação de transparência que imbuiu os que

a conceberam.

Ao receber o RIMA, o órgão ambiental publicará aviso pela imprensa local

(municipal, estadual ou nacional, conforme for o caso) comunicando a abertura do prazo

de quarenta e cinco dias para a solicitação de audiência pública. Havendo solicitação, a

audiência será convocada mediante carta registrada para o(s) solicitante(s) e através da

imprensa para o público em geral, devendo realizar-se em local acessível ao público

potencialmente interessado.

Em face das circunstâncias do caso concreto e da natureza do EIA

(complexidade do tema e abrangência geográfica), poderá ser convocada mais de uma

audiência pública.

Na audiência pública, ainda por força de previsão regulamentar, a direção

dos trabalhos ficará a cargo do representante do órgão ambiental, que após exposição

objetiva do projeto e do respectivo RIMA, deverá abrir a palavra para as críticas,

questionamentos e debates. Do ato será lavrada ata que, como documento integrante

do EIA, será considerado pelo órgão ambiental por ocasião da deliberação quanto ao

licenciamento.
4 AS VIRTUOSIDADES DO EIA

Coerentemente com o que se afirmou na introdução, quanto à

instrumentalização do Estudo de Impacto Ambiental como "topoi" ou lugar comum de

argumentação para as conclusões do presente trabalho, e já finalizadas as seções

correspondentes à feição institucional da política ambiental brasileira e à delimitação do

conceito e das características do EIA, compete focalizar, desde o *loci* eleito, as

categorias e institutos que, em última análise, desembocam na configuração do passivo

ambiental da empresa.

A presente seção, portanto, desdobra-se em cinco partes consagradas,

respectivamente, à análise do EIA como : (i) instrumento de tutela do direito difuso ao

gozo do meio ambiente sustentado; (ii) instrumento de determinação do conceito de

meio ambiente; (iii) instrumento de determinação do conceito de dano ambiental; (iv)

instrumento de determinação e atuação da responsabilidade objetiva pelos danos

causados ao meio ambiente e, (v) instrumento de defesa da concorrência.

4.1 O EIA e a Tutela do Direito Difuso ao Gozo de um Meio Ambiente Sustentado


4.1.1 0 Conceito de Direito Difuso

Na verdade, a idéia de direito difuso é bastante nova e, em certo sentido, até

revolucionária para a Teoria Geral do Direito. Seu desenvolvimento deveu-se, mais que

aos avanços teoréticos da doutrina, à imposições políticas e sociais advindas da

constatação de realidades que se impuseram, espontânea e inelutavelmente, ao

reconhecimento da ordem jurídica.

4.1.1.1. Origens do Conceito

Em uma brevíssima retrospectiva histórico-jurídica, é possível situar o

surgimento do conceito de direito difuso a partir da evolução natural das declarações de

direito das constituições ocidentais.

É que as constituições tem servido, tradicionalmente, como repositórios das

concepções dominantes sobre a forma do exercício do poder político, a organização do

Estado, a garantia dos direitos civis, entre outras matérias reputadas *materialmente

constitucionais*. Pode-se mesmo dizer que a constituição, em sua acepção lógico-

normativa, tem tido a função de veicular princípios que gozam de uma superioridade

formal no processo de interpretação de normas e condutas de interesse legal.

Muitas vezes, princípios novos que são introduzidos no ordenamento pelo

viés da constituição, causam perplexidade e graves conseqüências no âmbito da

legislação ordinária que reclama um tempo historicamente variável para se conformar às


inovações4 ^ . e ó precisamente isso que ocorre com categorias como a do direito

difuso, entre outros.

Dada a importância do tema, vale a pena investigar extensivamente a sua

nascente, conceituação jurídica e aplicação concreta ao campo particular abrangido pelo

trabalho. Para tanto, limitada a análise temporal a certos momentos fundamentais da

história da civilização ocidental e eleito como parâmetro o momento moderno do

ressurgimento do Estado como instituição de direito (séc. XVII), desenvolve-se a

reconstrução histórica do tema.

4.1.1.2 O Coletivo e o Individual. O Público e o Privado

Até recentemente, conhecia-se duas grandezas de direitos, quanto ao

aspecto da individualidade ou pluralidade de seus titulares: o direito individual e o direito

coletivo. Da mesma forma, transitava-se, normalmente, por dois campos de interesse

jurídico absolutamente dicotomizados e distintos entre s i: o campo do interesse público

e o campo do interesse privado.

As razões histórico-políticas para tanto podem ser situadas, quanto a sua

origem, no momento de surgimento do Estado M o d em o 4 ^ .

Trata-sa do conhecido fenômeno da recepção.

^ É verdade que, na antiguidade, a distinção entre a *oikia* e a ‘polis’, bem como entre o ‘domus’ e a 'civita',
cumpria importante função. Contudo, para os fins do trabalho e como se esclareceu, importam as distinções a
partir do surgimento do Estado Moderno.
Na verdade, perdida a riqueza e prolixidade do Direito Romano Justinianeu

em razão do ocaso que as instituições políticas típicas da tradição ocidental conheceram

ao longo da Idade Média, as unidades políticas de manifestação e organização de poder

(as comunas e burgos livres) ressurgiram com contornos muito próprios.

O absolutismo, por sua vez, calcado na autoridade suprema do príncipe e na

constituição política “natural", também não se dedicou a um trabalho de reconstrução

lógico-jurídica do Estado e seus mecanismos.

O primado da razão, exsurgente com a Idade Moderna, é que trouxe consigo

essa obra, manifesta através de movimentos políticos e filosóficos de insurreição ao

poder absolutista. Tais movimentos, em suas instâncias concretas, estavam centrados

em reivindicações que expressavam um anseio de maior participação nas decisões do

Estado e de supressão dos privilegiosos das elites. A constituição, ainda na forma de

uma declaração de direitos, era a “carta" política, no sentido literal e figurado, que

poderia expressar o pacto de poder entre os diversos segmentos que compunham a

nação. Ela é vista como documento garantidor dos princípios pelo qual o poder se

organiza, exercita e auto-limita. Essa auto-limitação do poder, talvez a parte mais

importante naquele contexto, implicava reconhecimento formal dos direitos e garantias

dos cidadãos, tomados, já neste ponto, sujeitos políticos do processo de organização do

Estado.

Precisamente a partir daí surge a noção de direito individual, que

conceitualmente está ligada e é tributária direta do movimento revolucionário burguês


que culminou, no campo jurídico, com a edição da mais notável (até então) declaração

de direitos do cidadão "contra" o Estado (A Revolução Francesa).

Seu núcleo encampa todas as faculdades e prerrogativas outorgadas pelo

ordenamento ao sujeito de direito individualmente considerado, embora, em alguns

casos, admita-se seu exercício através de titulares múltiplos e contemporâneos entre si

(como no caso do condomínio).

A gênese do conceito de direito individual está intimamente conectada ao

fenômeno do surgimento do Estado Moderno sob o império da lei, ou o surgimento do

'Estado de Direito*, bem como à luta de afirmação do cidadão, sujeito do processo

político e social, ante à entidade estatal até então detentora de poderes ilimitados.

Nesse mesmo contexto cunhou-se a concepção de interesse público e interesse

privado, referida, a primeira, ao campo peculiar de atividades diretas e indiretas do

Estado, e a segunda, ao campo peculiar das atividades diretas e indiretas do particular

(*tertium non datur

Afirmado o direito individual com as declarações de direito das constituições

dos Estados burgueses, foi só com a reforma do Estado, em direção ao Estado de Bem

Estar Social (Welfare State), que começaram a ser incluídos nas constituições

ocidentais dispositivos protetivos dos direitos coletivos, ou de uma coletividade

determinada de pessoas, identificáveis por uma relação de pertinência a dada categoria,

circunstância, situação jurídica, social, biológica, étnica ou política que a destacasse


nitidamente das demais (é o caso dos sindicatos, dos partidos políticos, das etnias e das

atualmente ditas *minorias", entre outros segmentos).

Na verdade, foi a evolução do capitalismo, como modo de produção, que

provocou a transformação do Estado em direção ao *Welfare State". Partindo de um

início fortemente marcado pelo relevante papel das trocas comerciais (a fase conhecida

como do 'capitalismo mercantil'), o capitalismo foi adquirindo, cada vez mais

nitidamente, uma feição predominantemente industrial. O rápido incremento das

técnicas de manufatura e produção em escala, bem como o progresso tecnológico, com

o aparecimento das máquinas a vapor e o descortínio da revolução industrial, favorecido

pelo emprego de vastas multidões de operários que não tinham outra alternativa senão

a venda de sua força de trabalho, foram fatores determinantes para a alteração drástica

do perfil da acumulação do capital.

A demanda por força de trabalho, em conseqüência da sofisticação dos

métodos de produção em escala, era constante e crescente. As jornadas de trabalho,

por sua vez, não raro excediam as 18 horas diárias, trabalhadas, indiscriminadamente,

por homens, mulheres e crianças. Tais trabalhadores, recrutados sem qualquer critério,

ocupavam-se da operação das máquinas industriais e serviam como alavanca mestra do

desenvolvimento econômico que, mais do que beneficiar o Estado, redundava no

fortalecimento político e econômico da burguesia.

Já pelo lado político, o excessivo individualismo resultante dos documentos

legislativos do período de afirmação do Estado liberal burguês (que derivavam, por


vezes, em distorções "chauvinistas*), em detrimento do atendimento das necessidades

concretas de amparo dos direitos das massas de trabalhadores. Em razão disso, já a

certa altura do século XIX, sérias e profundas distorções sociais, econômicas e políticas

do Estado e de sua estrutura normativa, reclamavam correção.

De certa maneira, é correto afirmar que os graves conflitos sociais e políticos

que precipitaram a primeira guerra mundial e eventos de insurreição interna como as

Revoluções Alemã e Russa, decorreram de formas distorcidas e injustas de exploração

econômica, as quais provocaram desestabilização intema e no plano das trocas

internacionais.

Como *remédio* para esses males, já a partir da metade do século XIX,

diversos movimentos sociais provocaram mudanças políticas que se refletiram, cedo ou

tarde, em reformas constitucionais. Como conseqüência passou-se a incluir no capítulo

relativo às declarações de direitos das constituições provisões acerca dos direitos

coletivos. Releva notar que, a partir desse momento, o direito que sempre fora

considerado como uma prerrogativa individual, chegando, em algumas legislações, a

deformações individualistas, passou a admitir uma expressão coletivizada. O direito de

reunião, de associação sindical e política, bem como outras prerrogativas de titularidade

coletiva, são conquistas dessa fase de evolução do constitucionalismo44 . Ainda aqui,

44 Ada Peiegrini Grinover conceitua direitos coletivos, distingüindo-os dos interesses ou direitos difusos, corno
•interesses comuns a uma coletividade da passoas a apenas a atas, mas ainda repousando sobra um vínculo
jurídico definido que as congrega. A sociedade comercial, a família, o condomínio dão margem ao surgimento de
interesses comuns, nascidos em função da relação-base que congrega seus componentes, mas não se
confundindo com os interesses individuais. Num plano mais complexo, onde o conjunto de interessados não ó
mais facilmente determinável, embora ainda exista a relação-base, surge o interesse coletivo do sindicato, a
congregar todos os empregados de uma determinada categoria profissional. Mas ainda não estamos no piano do
contudo, principalmente nos países de forte tradição romano-germanística, face à

significativa influência da sistematização fechada das normas e princípios jurídicos, a

dicotomia interesse público/interesse privado permaneceu inalterada.

Foram significativos os reflexos e desdobramentos causados pela introdução

da noção de direito coletivo no ordenamento jurídico. Alteraram-se vários e importantes

conceitos na esfera da Teoria Geral do Direito.

A começar, a idéia de direito subjetivo teve uma inusitada ampliação de seu

núcleo e espectro de aplicação. Passou-se a aceitar uma coletivização de certos direitos

subjetivos, deslocando-se, em conseqüência, sua sede para o campo do direito público.

Por outro lado, sofisticaram-se também as concepções jurídico-processuais,

com a introdução do direito de ação como direito subjetivo público constitucional,

deslocando-se a essência da idéia de jurisdição (antes concebida como um favor do

Estado e, a partir de então, concebida como poder-dever).

Só recentemente, entretanto, em razão do consenso em tomo da

globalização de certos problemas (como o do meio ambiente, a tutela ao consumidor

etc.), começou-se a afirmar a existência de uma nova categoria de direitos : os

interesses difusos.

Os interesses difusos, expressão que se utiliza como sinônimo de direitos

difusos, seriam *interesses que não encontram apoio em uma relação-base bem

definida, reduzindo-se o vínculo entre as pessoas a fatores conjunturais ou

direito difuso” (Conferência proferida em 24 de novembro de 1982, no Seminário sobre Tuteia dos Interesses
Coletivos, na Faculdade de Direito da USP).
extremamente genéricos, a dados de fato freqüentemente acidentais e mutáveis :

habitar a mesma região, consumir o mesmo produto, viver sob determinadas condições

sócio-econômicas, sujeitar-se a determinados empreendimentos etc. Trata-se de

interesses espalhados e informais, à tutela de necessidades, também coletivas,

sinteticamente referidas à qualidade de vida. E essas necessidades e esses interesses,

de massa, sofrem constantes investidas, freqüentemente também de massas,

contrapondo grupos *versus" grupos, em conflitos que se coletivizam em ambos os

pólosfl5 .

4.1.2 O EIA e a Determinação do Conteúdo Material do Direito de Gozo de um Meio

Ambiente Sustentado

Precisado o conceito do direito ou interesse difuso e assentado o caráter

particular do direito difuso ao gozo do meio ambiente sustentado4 ** , cabe acrescentar

que o EIA permite particularizar e identificar o conteúdo desse direito em relação a uma

circunstância concreta.

É através dos procedimentos técnicos de identificação do entorno a ser

preservado, que se fixa o conteúdo do interesse da coletividade, existindo, antes disso,

somente um conceito em branco e imprestável à aplicação prática4 7 . Sabendo-se qual

Grinover, Ada Peiegrini. op. d t

Categoria que envolve, necessariamente, as características da generalidade, dinamicidade e funcionalidade.

47 Vgje lembrar, nesse ponto, o conteúdo mínimo do EIA, conforme já explicitado : I) O Diagnóstico Ambientai
da ó/ma da Influência do projeto - parle destinada à descrição e análise dos recursos ambientais e suas
é o meio ambiente a se preservar, qual o seu *estado" ideal de sustentação (conclusões

alcançáveis através dos procedimentos típicos do EIA), saber-se-á o conteúdo do direito

difuso de gozo e preservação que assiste à coletividade. Nesse sentido, evidentemente,

o EIA atende ao interesse primordial da coletividade.

À empresa, por seu tumo, interessa a definição do conteúdo do direito

difuso, pois é em função dele que as demais categorias jurídicas que, concretamente,

formam o seu passivo ambiental, poderão ser resgatadas, no sentido econômico, como

se verifica adiante.

interações, tais como existem no momento da avaliação, de modo a permitir a caracterização da situação
ambiental do sítio antes da implementação da obra, atividade ou projeto. Nessa descrição devem ser
considerados o meio físico, composto pelo subsolo, solo (tipos e aptidões), àguas, ar, clima, regime pluviométrico,
altitude, topografia, corpos d’água, regime hidrológico, correntes marinhas, correntes atmosféricas etc., o meio
biológico e os ecossistemas naturais, compostos pela fauna, flora, espécies de valor científico e econômico
indicadoras da qualidade ambiental, espécies raras ou ameaçadas de extinção, áreas de preservação
permanente etc., o meio sócio-econômico (o uso e ocupação do solo, os usos da água etc.), e o meio cutturai,
composto pelos monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, relações tradicionais de
trabalho e lazer da comunidade local, potencial utilização futura dos recursos naturais etc; ii) Deecríçáo da Ação
Propoata e euaa aiternativaa - parte composta pela identificação do projeto, seus objetivos e justificativas,
análise de suas premissas de demanda e oferta, adequação às políticas globais de ocupação de território
indicadas pelo Estado, alternativas de localização, tamanho, tecnologia, dimensão, consumo de insumos e uso de
infra-estruturas públicas (transporte, energia elétrica, telecomunicações, armazenamento etc.), matérias primas
utilizadas, mão de obra, processos e técnicas operacionais, empregos diretos e indiretos a serem gerados,
benefícios tributários, econômicos e sociais para a área de influência etc; iii) Identificação, aniUee e previsão
doe Impactoa significativos, positivos e negativos - parte composta pela identificação, previsão da magnitude
e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes de cada fase do projeto, sua classificação
segundo sejam positivos e negativos, diretos e indiretos, imediatos e mediatos, temporários e permanentes,
reversíveis ou irreversíveis, cumuláveis ou não cumuláveis, causadores de reações em cadeia (sinérgicos) ou
não causadores etc. Compõe esse segmento, igualmente, a caracterização da provável qualidade ambiental da
área de influência do projeto após a implementação do projeto, obra ou atividade, levando-se em consideração as
diversas alternativas viáveis, bem como a hipótese de sua não realização, a recomendação de medidas
mitigadoras dos impactos, com a discriminação daqueles que não poderão ser mitigados e a realização de um
detalhado estudo dos riscos ambientais apresentados pela obra, bem como a confecção de um programa de
monitoração e controle.
4.2 O EIA E A DETERMINAÇÃO DO CONCEITO JURÍDICO DE MEIO AMBIENTE

4.2.1 Introdução

Ao efeito de avaliar impactos ambientais de projetos, obras ou atividades, só

um procedimento técnico nos moldes do EIA é capaz de fornecer elementos seguros de

análise.

O mesmo pode ser dito quanto à formação de juízos de valor sobre as

atividades antrópicas de influência ambiental ponderável, sobretudo quando há a

necessidade de solucionar conflitos entre os vários "interessados11 diretos ou indiretos,

na implementação (ou não implementação) dos projetos e obras.

Quer-se dizer, em outras palavras, que o EIA, nos moldes em que vigora no

ordenamento brasileiro e a despeito das críticas que se pode formular quanto a seu

"formato", é o instrumento com que a coletividade, o proponente, a administração e os

demais legitimados para influir na gestão ambiental das obras humanas contam, para

balisar decisões. E isso perpassa um grande espectro de interesses freqüentemente

inconciliáveis, alcançando, no que interessa ao campo específico do presente trabalho,

a atividade jurisdicional.
A importância do que se vem de afirmar magnifica-se na medida em que é

indeclinável a constatação, aliás já mencionada, da ambiguidade, imprecisão e vagueza

do conceito jurídico de meio ambiente.

4.2.1.1 A Indeterminação do Conceito Jurídico de Meio Ambiente

A só leitura do conceito legal de meio ambiente dá a dimensão da

indeterminação que o caracteriza:

"conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e

biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas" (art. 3o., inciso I,

da Lei 6938/81).

Qualquer espécie de ambiente, natural ou não, poderia, facilmente, ser

encaixado na definição. Vale dizer, da só leitura da lei o intérprete nada dissume, a

exceção de direções interpretativas que o orientam quanto aos fatores ou critérios que

deverão embasar, a partir da realidade concreta, a "construção" do conceito mais

adequado aos contornos do caso em exame.

Essas características de indeterminação, não necessariamente negativas ou

indesejáveis (ao contrário), exigem, no plano da hermenêutica, instrumentos lógicos e

materiais capazes de conduzir o intérprete, face a cada caso concreto e com a

imprescindível segurança, à definição mais adequada do conteúdo do conceito de meio

ambiente.
4.2.1.2 A Postura Metodológica Adequada

Quanto aos instrumentos lógicos, situados no âmbito dos métodos e

procedimentos intelectivos de raciocínio jurídico, o estágio atual de desenvolvimento da

Filosofia do Direito permite a instrumentalização de "técnicas" adequadas a consecução

da tarefa. Tributárias de antiquíssimas cogitações clássicas sobre a natureza da

hermenêutica jurídica, as correntes neo-positivistas lógicas materializam alternativas

válidas e respeitáveis de interpretação jurídica, minimizando o rigorismo lógico-formal

que, por razões históricas e ideológicas, conformou o pensamento de inúmeras

gerações de juristas. A tópica, a teoria da argumentação, a lógica da razoabilidade,

bastante exploradas na introdução do presente trabalho, são os instrumentos

metodológicos adequados para a identificação do conceito jurídico de meio ambiente em

uma situação particular.

Ainda no campo lógico e ideal e para além da Teoria da Interpretação, estão

à disposição do intérprete sólidos fundamentos de uma Teoria da Justiça também

adequada à aplicação no campo do meio ambiente. Sem qualquer favor a modismos

demagógicos e fugazes como os que preconizam "justiças alternativas", essa Teoria da

Justiça é bastante antiga, tendo se manifestado já na antigüidade clássica. Adequada a

setores da vida social e jurídica que não se coadunam com soluções prontas e

alcançáveis por operações mentais simplistas (como o silogismo formal), essa Justiça é

concebida como equilíbrio no sentido físico. Assim como na física há equilíbrio quando o

corpo, sofrendo forças e pressões contrárias e antagônicas entre si, mantém-se estável,
no social, quando os diversos interesses legítimos e contrários, ajustam-se a uma

solução de razoável convivência, há justiça. A solução justa, nessa medida, não é

descoberta ou desvendada pelo intérprete, mas é construída pelas partes em litígio,

constituindo-se como a melhor entre várias possíveis.

Contudo e apesar da abundância de conceitos lógicos e metodológicos, a

perplexidade continua : com efeito, no campo do direito ambiental, qual o meio

ambiente que deve ser preservado?

O natural e intocado, tal como um suposto Deus teria legado às suas

criaturas nos primórdios do mundo ?

O que sen/e de local para a instalação de atividades que agridem as

espécies vivas que nele habitam ?

Os dados da realidade concreta, dos quais o intérprete, seja ele o juiz, o

administrador, o proponente ou o cidadão, se servirá para construir a solução justa (ou

'equilibrada') são colhidos a partir do EIA.

4.2.1.3 A Determinação do Conceito Jurídico de Meio Ambiente Através do EIA

O instrumento hermenêutico, o ‘‘filtro'' ou a *lente* pelo qual o intérprete retira

da realidade as *condições, leis e influências" que, segundo a lei, caracterizam o meio

ambiente, é o Estudo de Impacto Ambiental.

Os intérpretes legitimados pela lei para formular esse conceito são, por sua

vez, precisamente os atores que nele interferem e que, não por acaso, também recebem
legitimação processual extraordinária para pleitear em juízo a prevalência de suas

formulações.

É irrecusável a constatação, nesse particular, que apesar de ser o Juiz, no

cenário jurisdicional, o intérprete a que a lei outorga o privilégio de fixar, para todos os

efeitos, o conceito jurídico de meio ambiente, as formulações consideradas para tanto,

sempre com apoio da lei, serão as ofertadas pelas partes em litígio (em tese, a

coletividade - através de associações civis ou do Ministério Público, a administração, o

proponente do projeto, obra ou atividade, entre outras possíveis).

Invocando novamente, pois, o conteúdo mínimo do EIA, já abordado

anteriormente, quer-se asseverar que o Diagnóstico Ambiental, conjunto de

procedimentos identificativos do entorno do projeto, obra ou atividade em análise,

fomece todos os elementos técnicos e conjunturais para a identificação daquilo que, no

caso concreto, deve ser entendido como o meio ambiente a ser preservado.

Essa importante função do EIA na determinação do conceito de meio

ambiente, além de facilitar extraordinariamente a instrução de ações judiciais que

tenham por objeto a tutela ambiental (basicamente ações civis públicas), tem reflexos na

definição do dano ambiental que, igualmente, reclama uma “constmção integrativa* do

intérprete para a sua definição.


5 A DETERMINAÇÃO DO CONCEITO JURÍDICO DE DANO AMBIENTAL

5.1 INTRODUÇÃO

Embora constitua tema recorrente na prática jurídica, o conceito de dano não

se presta à simplificações, como de resto ocorre com a própria doutrina da

Responsabilidade Civil.

Em que pese não ser esse o lugar adequado para longas e aprofundadas

especulações doutrinárias quanto aos fundamentos da Responsabilidade Civil, parece

indeclinável, se se quer definir adequadamente o dano ambiental, que antes de mais

nada se defina ‘‘dano".

5.2. O CONCEITO JURÍDICO DE DANO

A noção vulgar de dano evoca a idéia de prejuízo, desvalor, diminuição do

substrato material ou ideal de determinado bem ou direito.

Essa noção, sem dúvida, está também na base de todas as definições

jurídicas de dano, e isso parece estar relacionado ao fato de que o Princípio Geral da

Responsabilidade Civil, segundo o qual não é dado a alguém causar dano a outrém, sob

pena de sanção (o famoso ‘ alterum non laedere"), responde à expectativa que,

popularmente, se tem do direito.


De fato, nada mais próximo da idéia que as pessoas fazem do direito do que

o conceito segundo o qual todo e qualquer "prejuízo" não imputável à vítima ou à

causas imponderáveis deve ser ressarcido.

Conquanto não se possa confundir, tecnicamente, dano e prejuízo, não há

dúvida que a base jurídica da definição do primeiro termo tem muito a ver com a idéia de

"perdas" que, na acepção vulgar, denota o conceito48 .

Partindo-se de uma análise legislativa, porém, a menção ao dano se

apresenta no ordenamento através da letra do art. 1.065 do Código Civil Brasileiro:

■hão cumprindo a obrigação ou deixando de cumprí-la pelo modo e no tempo devidos,

responde o devedor por perdas e danos."

Como se vê, pela vertente legislativa, a idéia de dano, expressa segundo a

fórmula já consagrada nas Ordenações do Reino de Portugal, revela a vinculação do

conceito ao Princípio Geral da Responsabilidade Civil, por sua vez calcado na noção

moral de "culpa" e "livre arbítrio".

A tal ponto ocorre a vinculação entre os dois temas mencionados (o do dano

e o do Princípio Geral da Responsabilidade Civil), que muitos autores defenderam que o

dano (ou o prejuízo), só seria de fato relevante para o direito se se produzisse

independentemente da vontade da vítima. Em outras palavras, o grande problema que

afligiu a doutrina civilista foi o de saber se o mal causado ao patrimônio jurídico de

É sintomático que já as Ordenações trouxessem a expressão "perdas e danos", tendo se consaçrado na


legislação e doutrina portuguesa as expressões "perdas”, "danos", "prejuízos" e ainda "despesas". Na legislação
francesa usa-se, indiscriminadamente, "dommage", que corresponderia ao português "dano", e "prejudica", que
corresponderia ao português "prejuízo" (Mendes, Castro. Do Conceito Jurídico de Prejuízo. Lisboa, 1943, p. 5.).
alguém era, por si, suficiente para caracterizar o dano ou se, mais que isso, seria

necessária a absoluta isenção de vontade ou consentimento da vítima para que, só

então, o dano passasse a ser juridicamente relevante. Von Thur, citado por Serpa

Lopes, afirma:

*uma diminuição do patrimônio não ó um prejuízo, senão quando se produz contra a

vontade do proprietário desse patrimônio, ou pelo menos sem o seu consentimento"

(Serpa Lopes, Miguel Maria de. Cunso de Direito Civil. v. 2, 3. ed. São Paulo : Freitas

Bastos, 1961, p. 467).

É claro que tais cogitações perdem o interesse em face da aplicação da

Teoria da Responsabilidade Objetiva, até porque o consentimento da vítima, a

legalidade da conduta lesiva, o caso fortuito e a força maior não configuram causas

excludentes da obrigação de indenizar. Ademais, o consentimento ou o concurso da

vontade da vítima não desnaturam o dano em si. Ele continua existindo, inclusive sob o

aspecto jurídico ; apenas que a conseqüência jurídica de sua produção não é imputada

ao Autor, por força de princípio interpretativo de ordem moral que reputa excluída a

responsabilidade. Analogicamente, aliás, essa excludente confunde-se com a

imputabilidade, enquanto causa de exclusão da responsabilidade criminal. Segundo

essa, o dano ao bem jurídico tutelado pela ordem criminal pode se produzir; contudo, as

conseqüências jurídicas de tal fato não se produzem em relação ao Autor considerado

incapaz de entender o caráter criminoso de sua conduta.


Fechado o parênteses, é certo que o dano vem sendo definido segundo

várias fórmulas que, não obstante, apresentam um núcleo comum.

As Institutas traziam a seguinte definição:

*damnum et damnatio ab ademptione et quasi deminutione patrimonii decta sunt*

(L. 3 Dig. De damn. inf. 39,2).

Na doutrina estrangeira Castro Mendes, Von Thur, Consolo, Rosmini, Pirson

et de Villè, De Cupis, e no Brasil, Lafayette, Bevilaqua, Pontes de Miranda, Santiago

Dantas, Aguiar Dias, entre outros, sempre citados por Serpa Lopes (op. cit.), relevam o

aspecto do prejuízo, da diminuição do substrato material ou da essência do bem, como

parte do núcleo da definição do dano. Verifica-se, contudo, uma tendência à sofisticação

do conceito, aditando-lhe uma valência lógico-jurídica, através da bipartição da categoria

em dois aspectos:

a) o aspecto ou elemento material ou substancial: correspondente à diminuição física

(ou, em alguns casos, ideal), da expressão fenomênica do bem juridicamente tutelado;

b) o aspecto ou elemento formai : correspondente à existência de uma previsão

normativa que, sob o aspecto lógico-jurídico, toma possível a imposição de uma sanção.

Tomado o conceito de dano pelo que ele apresenta de unânime, ou seja, a

verificação de uma diminuição do conteúdo material ou imaterial de um bem ou direito

juridicamente tutelado por conduta atribuível a alguém, e aplicando-se tal conceito ao

campo do meio ambiente, concluir-se-à que é também o EIA que possibilita, face a cada

caso concreto, a determinação do que seja “dano ambiental".


5.3 O CONCEITO JURÍDICO DE DANO AMBIENTAL

Nada há nada na legislação que permita, com precisão, a apuração do que

seja dano ambiental. Incumbirá ao intérprete que se dispuser a assumir tal tarefa o

cotejo do conceito de meio ambiente, já aplicado ao caso concreto através de estudos

ou perícias técnicas, com o cotejo do conceito de impacto ambiental, também aplicado

ao caso concreto, para só então, mediante uma operação de depuração lógica do

impacto, chegar ao conceito de dano ambiental.

Explica-se.

O *mote" para a apuração do conceito concreto de dano, com o qual o

proponente, a administração, a coletividade e, eventualmente, o Judiciário haverão de

trabalhar, é o conceito jurídico de impacto ambiental, conforme a previsão do art. 3o. da

Lei 6938/81 e do art. 1o. da Resolução 001/1986 - CONAMA.

Uma vez acertado o impacto e devidamente analisados os malefícios e

benefícios que dele advirão para os potencialmente interessados na preservação das

condições salubres e sustentadas do meio ambiente ("impactos positivos o negativos"),

será possível conceituar, avaliar, valorar, quantificar e classificar o dano ambiental.

5.3.1 O Impacto e o Dano Ambiental

A Necessária Distinção.
Assim a Resolução 001/1986 - CONAMA define impacto ambiental:

“(■■■) considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas,

químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou

energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:

I - a saúde, a segurança e o bem estar da população;

II - as atividades sociais e econômicas;

III - a biota;

IV - as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;

V - a qualidade dos recursos ambientais."

(art. 1o. e incisos)

Na verdade, o dispositivo citado apenas especifica em maior grau de

detalhamento o que a Lei 6.938/81, em seu art. 3o., inciso II, esboçava como idéia

mínima de impacto ambiental, embora utilizasse as expressões genéricas "degradação

da qualidade ambiental" e *poluição149 , senão confira-se:

"Art. 3o. Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - (...);

49 É irrecusável, ademais, a constatação da vinculação entre "os fins previstos" na Lei 6.938/81 e o problema do
dano ambiental. É que a mesma lei introduziu à vigência a Responsabilidade Objetiva em matéria ambiental,
através da previsão que se transcreve, implicando, reciprocamente, expressões como "degradação da
qualktadm ambientar, m
danoa e inconvenientee", m
poiuidoi etc. : "Art. 14 - Sem prejuízo das
penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o nào-cumprímento das
medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela
degradação da qualidade de vida sujeitará os transgressores: I - (...); II - (...); III - (...); IV - (...);
Parágrafo Prim eiro - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor
obrigado, independentem ente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados
ao meio am biente e a terceiros, afetados p o r sua atividade.
II - Degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do

meio ambiente;

III - Poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta

ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança, o bem estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

f) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

g) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

IV - Poluidor : a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável

direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;

V - Recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas,

os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a

flora."

Fruto da evolução natural da doutrina jurídico-ambiental e destinada a uma

interpretação integrativa com os preceitos da Lei 6.938/81, a Resolução 001-1986 -

CONAMA esboçou, ao indicar as atividades que devem caracterizar o conteúdo mínimo

do EIA, uma espécie de classificação de impactos ambientais (categoria que,

indubitavelmente, passou a corresponder, em seus aspectos negativos, o conceito de

"degradação da qualidade ambiental*):


"Ari. 6o. - O estudo de impacto ambiental desenvolverá, no mínimo, as seguintes

atividades técnicas:

I - (...);

II - Análise dos impactos ambientais do projeto e suas alternativas, através da

identificação, previsão de magnitude e interpretação da importância dos prováveis

impactos relevantes, discriminando: os impactos positivos e negativos (benéficos e

adversos), diretos e indiretos, imediatos e a médio e longo prazos, temporários e

permanentes: seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinórgicas; a

distribuição dos ônus e benefícios sociais. “

É fácil concluir, a partir do que foi consignado, que só o EIA, devidamente

interpretado, pode oferecer o conceito de dano ambiental no caso concreto.

A partir dele, os impactos negativos, sobretudo aqueles intoleráveis, diretos,

permanentes, irreversíveis e acumuláveis, serão, ou deverão ser, reputados como danos

ambientais, passíveis de reparação segundo os cânones da Responsabilidade Objetiva.

5.4 A CLASSIFICAÇÃO MÍNIMA DO DANO AMBIENTAL

O dano ambiental, identificado segundo os moldes que se vem de descrever,

pode (e deve) ser classificado.

Para tanto, além dos critérios sugeridos pela Resolução 001/1986 -

CONAMA, pode-se cogitar de outros critérios igualmente relevantes e ali não

contemplados.
Estes seriam os critérios aplicáveis a uma classificação mínima dos danos

ambientais quanto:

a) a previsibilidade;

b) a *previstabilidade

c) a probabilidade e certeza (caráter imediato e mediato, local ou regional);

d) a tolerabilidade e o estado de tecnologia disponível contemporaneamente à

implementação do projeto, obra ou atividade;

e) a evitabilidade do dano;

f) a reversibilidade e temporalidade do dano;

i) a natureza da reparação.

5.4.1 A Previsibilidade

A previsibilidade, primeiro critério para a classificação do dano ambiental,

está em estreita relação com todos os demais critérios. Com efeito, só os danos

previsíveis, considerados como os passíveis de antecipação e projeção razoável no

momento de confecção do EIA, podem ser tolerados, evitados, contabilizados etc.

A adoção do critério da previsibilidade implica a magnificação da projeção

dos eventuais impactos negativos da obra, atividade ou projeto, a tal ponto que seja

razoavelmente impossível que qualquer projeção adversa, segundo o estado da ciência

em vigência na data respectiva, possa escapar ao universo de cogitação do EIA.

Ter-se-á assim e em consonância com o resultado das projeções realizadas :


(i) danos imprevisíveis por não serem identificáveis pelo estado da ciência vigente ao

tempo da análise ou da implementação da ação;

(ii) danos imprevisíveis pelo estado da tecnologia contemporâneo ao EIA;

(iii) danos imprevisíveis pela própria natureza do projeto, obra ou atividade; e

(iv) danos imprevisíveis em face da ocorrência de caso fortuito ou força maior.

Se os danos são imprevisíveis, suas conseqüências estão, "a priori",

afastadas do âmbito de preocupação da empresa comercial.

Tome-se, por exemplo, a utilização de certas substâncias químicas, seja

para condicionar ou desencadear processos físico-químicos sobre o organismo humano

ou sobre qualquer outro elemento ambiental. É óbvio que o uso dessas substâncias

pode envolver a possibilidade de provocar conseqüências impossíveis de serem

previstas, ou mesmo identificadas, pelo estado da ciência ou da tecnologia existente na

época do EIA.

Justamente nesse passo reside a importância desse critério de classificação.

Constatando-se, no futuro, danos que à época da implementação da ação, projeto ou

atividade eram rigorosamente imprevisíveis, a pretensão de indenização a ser imputada

ao proponente do projeto deve ser, por razões de eqüidade, minimizada.

5.4.2 A Previstabilidade
A previstabilidade diz respeito a danos que, embora passíveis de ocorrência

(isto é, embora previsíveis), deixaram de ser adequadamente previstos no âmbito do

EIA.

Esse critério, combinado com o critério da "previsibilidade', interessa para,

face ao caso concreto, encontrar-se as soluções mais justas, entre várias, quanto à

repristinação, reparação ou, sobretudo, a compensação do dano.

É que certos danos podem ser imprevistos e imprevisíveis, enquanto outros

podem ser imprevistos, mas previsíveis, tirando-se disso definitivas implicações quanto

ao acertamento das indenizações.

As indenizações quanto aos danos imprevisíveis, devem ser absolutamente

minimizadas em face de que o dever de cuidado que incumbia ao proponente do

projeto, obra ou atividade foi diligentemente exercido. Já as indenizações do dano

imprevisto, embora previsível, sujeita-se ao rigor ordinário, por não terem sido esgotadas

as possibilidades de ocorrência segundo o estado atual da ciência e da tecnologia.

5.4.3 A Probabilidade e a Certeza

Há danos previstos, previsíveis, mas improváveis, devendo, portanto,

receber tratamento de virtual *contingência" ou dano potencial, não sujeito a

repristinação, reparação ou compensação senão em caso de concretização.


Por outro lado, não sendo meramente prováveis, os danos serão certos,

subdividindo-se em mediatos ou imediatos, de influência local ou regional, tudo

implicando, igualmente, no acertamento da justa indenização, entre outros reflexos.

A importância dessa classificação está em que, sendo meramente provável,

o dano não poderá ser considerado, contábil e juridicamente, como passivo (senão *lato

sensu1). Restaria mais apropriadamente designado como dano *contingencial", devendo

ser tratado como tal no âmbito contábil e jurídico. Os danos certos, por sua vez,

constituem, no aspecto da indenização, verdadeiros ‘‘passivos'1. O fato de serem certos,

imediatos ou mediatos influi no ritmo da prestação das indenizações ou medidas

mitigatórias por parte da empresa.

O aspecto local ou regional do dano certo, seja imediato ou mediato, é

relevantíssimo para a determinação da competência do foro judicial que poderá, se

provocado, processar eventual ação civil pública. Ao tratar especificamente do tema, o

presente trabalho comenta como o caráter local ou regional do dano ambiental pode

influenciar na definição da competência para conhecer, processar e julgar ações civis

públicas.

5.4.4 A Tolerabilidade e o Estado da Tecnologia

O critério da tolerabilidade considera a opção social de consenso sobre o

projeto, obra ou atividade e o estado da tecnologia contemporâneo à sua

implementação.
Por opção social de consenso entende-se o juízo que a coletividade faz

quanto à necessidade, utilidade, oportunidade e conveniência do projeto, obra ou

atividade para a melhora da qualidade de vida da população. Assim, por exemplo, é

consensual o juízo sobre a indispensabilidade de uma usina geradora de energia

elétrica, através do aproveitamento do potencial hidrelétrico de cursos d’água.

Ainda em relação ao exemplo invocado, é sabido que os danos ambientais

causados pela construção e operação de uma usina hidrelétrica são de grande monta e

de reparação freqüentemente impossível. Há, entre outras incontáveis lesões

ambientais, o desvio do curso natural de rios, a inundação de grandes extensões de

terras agricultáveis, a supressão inevitável de espécies e seus habitats naturais etc.

O mesmo pode ser dito da atividade de mineração ou de produção de papel.

Entretanto, nem de longe a coletividade concebe tais atividades como

indesejáveis ou suprimíveis. Isto é, o benefício eventualmente trazido pela supressão de

tais obras e atividades (bem como de suas conseqüências danosas), é tido, pelo senso

comum da coletividade, como indesejável, se o preço a pagar for a falta de energia

elétrica, de produtos minerais e de papel para o uso cotidiano. Quer-se dizer, em outras

palavras, que a opção social de consenso, traduzida ou não por regulamentações

específicas, chancela a necessidade, utilidade, conveniência e oportunidade de certas

obras e atividades, a despeito do mal ambiental que indubitavelmente causam. Não

fosse assim, a construção de cidades, casas, ruas, esgotos, etc., restaria

desaconselhada por uma opção de retomo ao estado puro de natureza.


Como conseqüência, para se saber se uma obra ou atividade pode ou não

ser licenciada, consulta-se, antes de mais nada o critério da tolerabilidade. O EIA, nesse

particular, deverá oferecer elementos que permitam, em caso positivo, identificar as

fontes de onde exsurge o consenso social em tomo da tolerabilidade da atividade, ou,

em caso negativo, contemplar alternativas viáveis para que os mesmos benefícios sejam

alcançados.

Quanto ao estado da tecnologia, que se entende como o conjunto de

técnicas, procedimentos, conceitos e materiais disponíveis para a implementação dos

projetos, obras ou atividades que causam impacto ambiental (o “know how*), trata-se de

critério ligado quase que umbilicalmente ao critério da tolerabilidade. Até porque é

natural que se considere toleráveis danos que, segundo o estado de tecnologia

contemporâneo à implementação do projeto, obra ou atividade, não comportam

eliminação possível.

Usando, ainda uma vez, o exemplo da usina hidrelétrica, compreende-se que

ela aplica o método de produção de energia mais adequado às condições do país (rico

em bacias hidrográficas com alto potencial de aproveitamento hidrelétrico). Ademais, ela

elimina, pelo menos em tese, os inconvenientes ambientais e o alto risco que, pelo

estado atual da tecnologia, caracterizam as usinas termo-nucleares.

Assim, justamente em razão de considerações em tomo do estado atual da

tecnologia, a opção social de consenso (que se traduz em normas e políticas públicas e


privadas) tem por intolerável a produção de energia elétrica a partir de instalações

termo-nucleares.

Segundo esse critério, ter-se-ía danos toleráveis e intoleráveis, sempre

partindo-se dos dados concretos oferecidos pelo EIA.

5.4.5 A Evitabilidade

Outro critério fundamental de classificação do dano ambiental é o da

evitabilidade. Trata-se da formulação de um juízo, desta vez pelo órgão ambiental e pelo

próprio proponente do projeto, obra ou atividade, quanto à possibilidade concreta de

serem evitados danos previstos ou razoavelmente previsíveis.

A evitabilidade, entretanto, no universo de alternativas de planejamento do

projeto, obra ou atividade, pode depender de vários fatores.

Com efeito, o montante de recursos disponíveis para inversão no projeto,

obra ou atividade, a natureza dos procedimentos de implementação e, novamente aqui,

o estado de tecnologia disponível, são elementos decisivos para propiciar, em certas

situações, o evitamento de danos previstos ou previsíveis.

É claro que o investimento em técnicas mais sofisticadas, bem como

procedimentos mais cuidados de implementação evitam danos. Inclusive, após a

introdução da Responsabilidade Objetiva por danos causados ao meio ambiente, os

agentes econômicos têm dedicado maior atenção e dinheiro ao desenvolvimento de

técnicas e pesquisas que possam minimizar o dano ambiental. O raciocínio ó bastante


simples : se é inevitável o custo da indenização, melhor aplicar recursos,

preventivamente, na pesquisa de métodos e procedimentos ambientalmente seguros, do

que despendô-los, posteriormente, no pagamento de pesadas multas e indenizações.

Contudo, é preciso que se pondere, sobretudo para os fins da presente

classificação, o aspecto da plausibilidade (ou da razoabilidade) do custo do evitamento.

Normalmente, a prevenção do dano ambiental coloca-se em proporção direta

com o custo do projeto, obra ou atividade. Pode-se dizer, inclusive, de forma geral, que

quanto mais sofisticadas, tecnicamente, as concepções e práticas de implantação do

projeto, obra ou atividade (e conseqüentemente mais altos os custos) mais

ambientalmente seguras elas serão.

Surge, então, o problema de dimensionar, face ao caso concreto, o que é ou

deixa de ser razoavelmente exigível do proponente da ação.

Esse *dimensionamento" só se toma possível ante o sopesamento da

relação *custos x benefícios'.

É, sem dúvida, desarazoado, dependendo das condições específicas do

caso, exigir do proponente da ação o investimento de recursos que superam a sua

capacidade econômica e que, pelo seu montante, possam inviabilizá-la. Há casos em

que a tecnologia capaz de eliminar boa parte dos danos está ao alcance geográfico e

econômico do proponente, não sendo o custo de tal monta que possa inviabilizar a

operação do empreendimento com resultados econômicos razoáveis. É a situação, por

exemplo, de uma casa noturna que ofereça aos seus freqüentadores música ao vivo
para bailes. Ou, ainda, de uma serralheria que pela utilização intensiva de instrumentos

que cortam metal, produza uma poluição sonora tida por intolerável pelos padrões e

*standards■ técnicos. Estão disponíveis no mercado, a preço razoável, equipamentos

acústicos, tanto para o revestimento de paredes e tetos como para a proteção dos

órgãos de audição dos trabalhadores, que devem ser providos pelos proponentes, sob

pena de se tomar intolerável a operação das respectivas empresas. Nesses casos, a

questão da evitabilidade do dano fica resolvida mediante a seguinte colocação : ou o

proponente dispõe dos recursos razoavelmente suficientes para a aquisição de tal

tecnologia, e aí poderá operar seu empreendimento locupletando-se do lucro viável, ou

não, e nessa última hipótese não há razões para que se releve a falta de condições

econômicas do proponente para o estabelecimento e operação da atividade

potencialmente lesiva.

Há, todavia, outros casos em que o problema da evitabilidade toma-se

complexo. Imagine-se, por exemplo, o caso de técnicas tradicionais de construção civil e

da engenharia que, sobretudo no Brasil, afiguram-se aos métodos utilizados desde

tempos imemoriais (o princípio do bate-estacas, das britadeiras, ou da serra circular

operada ao ar livre, exemplos bem conhecidos da população que habita as áreas

centrais das grandes cidades brasileiras).

Existe, e isso é bastante óbvio, instrumentos ou princípios bastante mais

avançados para uso em construções de prédios urbanos individuais ou coletivos.

Porém, é igualmente óbvio que a utilização de tais técnicas e equipamentos encarece o


custo do metro quadrado construído e esse resultado, em um país que apresenta o

déficit habitacional brasileiro, tem conseqüências sociais e econômicas indesejáveis. Se

se quiser, portanto, exigir da indústria da construção civil a utilização de tecnologias

*limpas", há duas alternativas possíveis quanto às conseqüências de tal conduta : ou

reduz-se a margem de lucro do construtor, ou eleva-se o preço de aquisição (e,

conseqüentemente, de locação dos imóveis).

Vai daí que uma operação de dedução do equilíbrio entre o evitamento

possível e o evitamento ideal dos danos ambientais deve ser feita pelo intérprete. Os

interesses, ambos legítimos, da preservação de um meio ambiente limpo e da

viabilização da oferta de produtos e serviços vitais para a coletividade, deverá ser

compatibilizado na prática.

Esse *balanço* entre o razoável e o desarazoado, no que toca aos danos

evitáveis, só se resolve mediante a análise econômica e social do EIA. É ele o

documento do qual exsurgirá o juízo quanto a ser plausível e sensata a conduta de

relevar um dano evitável (ao menos em tese), para viabilizar uma ação reputada

econômica e socialmente importante.

É interessante anotar, além disso, que nesse ponto a evitabilidade apresenta

uma estreita interface com o conceito de tolerabilidade, já abordado anteriormente, e

com o conceito de reversibilidade, ainda a ser analisado.

A administração pública ou o Poder Judiciário, quando diante da decisão

sobre a sublimação de um dano mediante altos investimentos tecnológicos que, não


obstante, inviabilizariam todo o empreendimento, enfrentarão, na verdade, um problema

de interpretação : a interpretação do sentir da coletividade em relação à tolerabilidade

do dano. Isto é, a investigação, no caso concreto, da opção social de consenso sobre a

necessidade, utilidade, conveniência e oportunidade do projeto, obra ou atividade,

apesar da produção do dano que, mediante vultosos investimentos, seria evitável.

O juízo sobre a evitabilidade do dano ambiental, segundo outra ótica, pode,

em alguns casos, ser superado pelo juízo quanto a reversibilidade do mesmo dano, em

um certo horizonte temporal. Ainda que um dano se apresente, a princípio, como

evitável, é evidente que a reversão espontânea do ambiente ao *status quo ante“ após

um determinado período de tempo, ameniza e, por vezes, elimina, a relevância de um

eventual evitamento. Daí porque, na imensa maioria dos casos, a classificação do dano

ambiental depende de uma complexa integração dos critérios mínimos ora esboçados,

que só o EIA pode propiciar.

5.4.6 A Reversibilidade e a Duração

O critério da reversibilidade diz respeito ao comportamento que o dano

apresenta ao longo do tempo. Está intimamente ligado, destarte, com o critério da

temporalidade, pelo qual se analisam as conseqüências jurídicas da duração do dano

ou de seus efeitos nocivos, enquanto sejam permanentes ou temporários.

É proverbial a capacidade de regeneração do ambiente natural. Embora

essa característica só se revele à plenitude em situações onde o dano produzido não


afeta a essência material do ambiente (como é o caso, por exemplo, dos projetos de

manejo e exploração florestal), a consideração da possibilidade de serem os efeitos

adversos da ação antrópica eliminados com a passagem do tempo tem conseqüências

jurídicas de extremo relevo.

No que pertine à reparação, quando o dano atinge bens ambientais que, por

sua própria natureza, admitem regeneração espontânea ou provocada, seu custo

corresponderá à manutenção das condições favoráveis para que tal regeneração ocorra.

Os projetos de exploração florestal, por isso mesmo, são excelentes exemplos do que

se afirma. Desde que confeccionados com proficiência e zelo, e devidamente

controlados pela autoridade administrativa competente, esses projetos podem incluir

cautelas e técnicas de manejo que, pelo menos em tese, permitem que as condições

favoráveis à regeneração, espontânea ou não, do bem lesado (no caso, não a árvore

em si, mas o sistema que a abriga), ocorra. Em tais casos, é comum que a ação de

implementação obedeça a cronogramas de cortes que são prescritos segundo o ritmo

ideal de crescimento das espécies consideradas. O manejo das florestas permite que a

extração de madeira ocorra de forma *sustentada", isto é, de forma propícia ao seu não

exaurimento.

É claro que os danos reversíveis se abatem (e, a princípio, só podem se

abater), essencialmente, sobre recursos naturais renováveis. Explorações de florestas,

viveiros de peixes, cursos dágua utilizados para a deposição de rejeitos industriais, são
exemplos típicos de cenários onde a reversibilidade deve ser considerada como critério

de classificação do dano ambiental.

Além da reversibilidade natural, porém, pode-se falar em reversibilidade

artificial e, sobretudo nesse campo, os efeitos da passagem do tempo passam a

desempenhar papel fundamental.

Já se dissertou longamente sobre o interesse e a natureza dos bens

tutelados pelo Direito Ambiental. Falou-se exaustivamente sobre a importância que o

sistema, o todo, tem para efeitos de aferição das medidas necessárias à preservação do

entorno ecológico. Sendo assim, por vezes a supressão de todo um ecossistema pode

ser compensada (e a palavra aqui foi bem escolhida), pela recomposição de outro. É

intuitivo que essa solução está longe de ser ideal, até porque é ínsita à idéia de

compensação a impossibilidade de repristinação do bem compensado (só se pode

compensar alguém daquilo que efetivamente se perdeu). Não obstante, voltando à

invocação da estreita ligação que os critérios de classificação do dano ambiental

apresentam entre si e trazendo a tona, novamente, a questão da tolerabilidade, em

certos casos apresenta-se como tolerável a compensação de um ecossistema

suprimido, por outro que possa neutralizar ou mitigar as conseqüências adversas

decorrentes da eliminação.

É comum, por exemplo, que ao nível dos projetos urbanísticos de

loteamentos ou implantação de distritos industriais ou indústrias, o Poder Público exija

do proponente o destaque de extensas áreas para conservação ou regeneração


sistemática. Além do aspecto reparador que essa exigência, implicitamente, traduz, dela

decorre um intencional aspecto de reversão, vale dizer, pela constituição da "reserva1'

procura-se neutralizar os efeitos da implantação do loteamento ou da indústria.

Com base, então, no juízo sobre a reversibilidade do dano ambiental, pode-

se classificá-lo como reversível ou irreversível e como permanente ou temporário.

5.4.7 A Natureza da Reparação

Conforme se apliquem as classificações já delineadas, será possível, por

último, classificar o dano ambiental conforme a natureza da respectiva reparação.

Assim, os danos temporários e reversíveis também poderiam ser

classificados como repristináveis, correspondendo a reparação ao custo da reprístinação

ou reposição do ambiente ao “status quo ante".

Os danos irreversíveis e permanentes poderiam ser, conforme se

prestassem ou não à mitigação, mitigáveis ou compensáveis. Os mitigáveis seriam

indenizáveis a partir do preço da implementação dos processos de mitigação. Já os

compensáveis envolvem, por sua própria natureza, uma ampla possibilidade de

indenizações, que variam desde a substituição do bem degradado, quando viável, até

uma solução de barganha que satisfaça, por sua razoabilidade, os interesses a serem

conciliados pelo EIA.


5.5 CONCLUSÃO

Novamente aqui é irrenunciável a conclusão de que é o EIA que propicia a

aplicação desses critérios à realidade do projeto, obra ou atividade em análise.


6 O EIA COMO INSTRUMENTO DE DETERMINAÇÃO E ATUAÇÃO DA

RESPONSABILIDADE OBJETIVA

6.1 INTRODUÇÃO

Ao identificar e permitir a análise dos impactos e danos ambientais, o EIA

acaba por apontar, de pronto, tanto preventiva como reparatoriamente, a solução de

indenização, com discriminação perfeita dos agentes diretos e solidários e da opção

mais adequada de indenização.

É que, como se viu, cada tipo de dano compreende uma solução

indenizatória própria, especificada com detalhe pelo modelo legislativo de EIA presente

no ordenamento.

Contudo, embora o trabalho não se situe no campo do Direito Civil, afigura-

se útil para os seus fins uma análise instrumental (e por isso menos rígida e profunda do

que caberia em um tratado) dos cânones fundamentais da responsabilidade objetiva.

6.2 OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA

6.2.1 A Responsabilidade Objetiva como Opção de Política Legislativa


Como reflexo de uma opção de política legislativa, que a rigor subverte todo

o esquema tradicional da responsabilidade jurídica, a responsabilidade objetiva é, sem

dúvida, criação desse século.

No Brasil, coerentemente com a tradição do sistema europeu continental

(sistema da *civil iawu ou romano-germanístico), a responsabilidade civil sempre foi

tratada a partir de uma concepção subjetivista.

O fundamento e a essência de toda e qualquer imputação jurídica a um

sujeito de direito, baseada na ocorrência de uma conduta lesiva a bens e interesses de

terceiro, sempre teve por pressuposto lógico e moral a interferência da livre e deliberada

vontade do autor do dano.

Tanto na modalidade culposa (presente a imperícia, imprudência ou

negligência), quanto na modalidade dolosa (em que se evidencia a efetiva intenção de

causar dano), o que, Ética e juridicamente, justifica a imputação da conseqüência da

reparação é o livre arbítrio. É, na verdade, o convencimento, que se impõe como

imperativo categórico do próprio sistema de responsabilidade em vigor, de que todo e

qualquer ente natural ou jurídico radica sua conduta na liberdade de escolha entre

causar (ou não causar) dano a outrérn, legitima tradicionalmente a imposição da

reparação. O princípio fundamental segundo o qual todos devem se conduzir em

sociedade de modo a não molestar os direitos e interesses de terceiros, deriva

diretamente dessa concepção que, por pretender investigar a intenção psicológica do

autor do dano, denomina-se de subjetivista.


O princípio geral da responsabilidade civil, como acima formulado, encontra-

se presente, desde remotamente, em todas as legislações do mundo civilizado.

É possível enxergar nele uma estreita ligação com o conceito de

imputabilidade, segundo o qual só as pessoas que detém efetivas condições intelectivas

para entender o caráter delituoso de sua conduta podem ser destinatários de sanções

jurídicas.

É fácil constatar, só por isso, qüe a base lógica que permite o funcionamento

de todo o sistema legal conhecido, aliás baseado na responsabilidade (obrigação de

responder por seus atos) e na imputabilidade (possibilidade de ser destinatário de

imputações de fatos e sanções), tem a ver com a noção de livre arbítrio e culpa, no

sentido moral e jurídico.

Diz-se isso para justificar a afirmação de que a adoção do princípio da

responsabilidade objetiva, a partir do qual afasta-se a análise do elemento psicológico

que motivou a conduta lesiva do autor do dano, implica completa subversão de todo o

sistema jurídico. E à essa afirmação não corresponde qualquer juízo de reprovação

quanto a adoção da responsabilidade objetiva, mas apenas a constatação de uma

realidade inegável.

Desde a inversão do ônus da prova (corolário natural da adoção da

concepção objetivista) até a negação do caso fortuito e da força maior como eximentes

da responsabilização, quando se está diante da responsabilidade objetiva alteram-se

todos os princípios e regras que, normalmente, ocupam o intérprete.


Por essas razões e mais pelo caráter draconiano que, a depender do caso

concreto e da importância do bem tutelado objetivamente, pode infectar a legislação que

a introduz, a adoção da responsabilidade objetiva deve ser precedida de amplos e

aprofundados debates.

Com efeito, considerar um determinado ente legal (natural ou moral) como

"responsável11por um resultado para o qual não concorreu, sequer remotamente, a sua

vontade consciente ou não, é levar às últimas conseqüências a tutela do bem específico

cuja danificação implica responsabilização objetiva (no caso, o meio ambiente).

Quando nem a ausência de culpa (sentido amplo), a legalidade da conduta,

a força maior e o caso fortuito, eximem o causador do dano de responsabilidade, é

porque se erigiu a tutela do meio ambiente como função primordial do sistema de

normas. Bem por isso é que se pode falar da responsabilidade objetiva mais como uma

drástica opção de política legislativa, do que como o resultado de uma "evolução

natural" do sistema jurídico^0 .

O que move o legislador, frente à determinadas circunstâncias especiais, a

adotar a responsabilidade objetiva como exceção à regra geral da responsabilidade civil

Os exemplos da legislação brasileira no campo da responsabilidade objetiva são bastante sintomáticos do que
se afirmou. A responsabilidade objetiva por danos causados em acidentes em estradas de ferro, por exemplo,
introduzida a várias décadas no ordenamento nacional, teve a sua adoção determinada pela introdução de um
■novo e perigoso• meio de transporte, que jà no primeiro quartel desse século vitimava extraordinariamente as
pessoas ainda não habituadas com os riscos inerentes àquele "prodígio0da tecnologia. Sem dúvida, a recepção
do princípio da responsabilidade objetiva nesse campo de atividade, veio para resolver, pela via da política
legislativa, uma situação de risco extraordinário e anormal. O mesmo pode ser dito em relação à adoção da
responsabilidade objetiva, já em 1977, relativamente às atividades de manipulação de energia nuclear. A partir
desses exemplos, e do mais que se consignou no corpo do texto, parece induvidoso que a adoção da
responsabilidade objetiva, como exceção ao esquema tradicional da responsabilidade subjetiva, constitui
instrumento de política legislativa que se destina a contrabalançar o risco extraordinário e anormal que exsurge
para a coletividade com a utilização de determinados métodos, técnicas e procedimentos.
subjetiva, é o risco que certas atividades ou condutas criam para a conservação e

existência de bens jurídicos considerados fundamentais.

6.2.2 A Teoria do Risco Ambiental

No caso do meio ambiente, considerada a opção de sustentabilidade que

inspirou o legislador constitucional e ordinário, pode-se afirmar que a adoção da

responsabilidade objetiva visa evitar, sob drásticas penas, o risco extraordinário e

anormal que decorreria da produção indiscriminada e indene de danos ambientais. Na

raiz dessa motivação, que em seu conjunto de justificativas se pode chamar de Teoria

do Risco Ambiental, estaria a noção de que a sobrevivência da coletividade e das

futuras gerações depende da manutenção das condições salubres e sustentadas dos

recursos ambientais. Assim, a consciência de que o exaurimento dos recursos

ambientais ó incompatível com a sobrevivência das espécies demandaria que, não só

as condutas que se abatem diretamente sobre o meio ambiente (como a exploração de

florestas), mas também as que indiretamente o afetam, fossem estritamente

controladas, tanto no intuito de prevenir (através do EIA) quanto de remediar as suas

conseqüências danosas.

O princípio do "Poluidor Pagado/*, albergado na legislação brasileira como

decorrência direta da consagração da Teoria do Risco Ambiental, obriga a intemalização

do custo de apropriação do recurso ambiental, ainda que quem dele se aproprie seja o

legítimo proprietário do sítio onde o recurso se encontra situado. Diferentemente do


sistema norte-americano do *property ríghts", onde a apropriação dos recursos naturais

é deferida, a princípio, àquele que "compra11 o direito de poluir, no Brasil o recurso

natural é como que separado de seu continente (as árvores do solo, o minério do

subsolo etc.). Decorrendo dano apreciável para a sustentabilidade do recurso natural

(nos termos do EIA ou de estudo técnico em seus moldes), como no caso de supressão

total, tolerável, inevitável, irreversível e permanente, o autor do dano, ainda que seja

proprietário do bem jurídico continente, estará obrigado a repará-lo (nesse caso,

compensá-lo), coerentemente com o que prescreve o regime de tutela do bem

ambiental, bastante explorado no presente trabalho.

6.3 A CARACTERIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Para que se caracterize, a responsabilidade objetiva reclama a configuração

de três elementos, a saber

a) um dano ambiental;

b) um agente a quem se possa imputar a conduta lesiva;

c) a existência de um nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano

verificado.

6.3.1 O Dano

Já se discorreu sobre a configuração do dano ambiental. Portanto, havendo

a constatação da produção de um dano ambiental, através do EIA ou de outro


procedimento técnico-pericial adequado, toma-se, a princípio e em tese, inescusável a

sua reparação, ou espontaneamente ou através dos instrumentos processuais

competentes.

É de se ressaltar, nesse particular, que é dever indeclinável do proponente

do projeto, obra ou atividade, da administração pública, da coletividade e das outras

instituições legitimadas por lei a perseguir judicialmente a reparação do dano ambiental,

a sua denúncia. A adoção da responsabilidade objetiva como drástico instrumento de

tutela ambiental não se coaduna com contemporizações. Ou bem a opção é pela

reparação incondicional da lesão causada, ou deve ser reformulado o sistema adotado

no Brasil.

Quanto ao proponente, quando constituído como empresa comercial, sob a

forma societária ou não, a obrigação de identificar e denunciar em sua escrituração

contábil o dano como passivo ou, pelo menos, contingência, decorre da submissão ao

sistema de leis comerciais vinculativas, que serão objeto de análise detalhada mais

adiante. Ademais, a intemalização dos custos ambientais é medida que, em larga

escala, só pode trazer benefícios ao mercado como um todo, na proporção em que

contribui para a regulação das condições justas de concorrência.

Quanto à administração pública, os deveres de moralidade, legalidade,

publicidade e exação no cumprimento das funções, prescritos pela Constituição Federal

(art. 37, "caput1), tomam imperativa a denúncia aos órgãos competentes (quando não a

atuação espontânea), para que o dano ambiental reste devidamente reparado. As


contemporizações quanto a exigências de controle de poluição, que caracterizam a

atuação de órgãos ambientais em relação a transgressores de preceitos de lei, não deve

ser tolerada.

Quanto às demais instituições legitimadas por lei a perseguir judicialmente a

reparação do dano ambiental (sobretudo o Ministério Público), a elas se aplicam as

mesmas advertências.

6.3.2 O Agente

Releva ao trabalho a condição do agente, na medida em que se apresentar

como empresa comercial. Não obstante, toda e qualquer pessoa natural ou jurídica

apresenta aptidão genérica para figurar como agente do dano ambiental. Tanto a União

Federal como o mais humilde dos cidadãos sofrerão as conseqüências da produção do

dano ambiental, desde que estejam direta ou indiretamente implicados na cadeia causal

que culminou na ocorrência do evento danoso. E esta é a razão pela qual se afirmou,

em outro lugar, que a inversão do ônus da prova é corolário indissociável da adoção da

responsabilidade objetiva.

6.3.3 A Equivalência das Causas e a Inversão do ônus da Prova

Pode-se dizer que, no campo da responsabilidade objetiva, adotou-se a

teoria da equivalência das causas, também vigente no campo do Direito Penal, com

notáveis implicações no campo da participação e co-autoria. Vale dizer, portanto, que


todo aquele que, em alguma medida, contribuiu para a produção do resultado danoso

está obrigado a responder por ele.

A razão é muito simples.

Se o que se pretende é a tutela do direito de um número indeterminado de

interessados no gozo e na preservação das condições salubres e sustentadas dos bens

ou recursos ambientais, a imposição do ônus de provar especificamente quem, em um

universo de possíveis agentes, causou o dano, pode, por si, frustrar a intenção maior do

instituto da responsabilidade objetiva51 .

Explica-se.

O cidadão que habita a metrópole não pode ser obrigado a identificar, entre

um certo número de possíveis autores, aquele que cortou as árvores de uma reserva

florestal. Ou, entre um número imenso de possíveis poluidores, aquele que está

descarregando na atmosfera rejeitos industriais tóxicos. Nessa situação, como em

outras em que o direito visa oferecer tutelas cautelares ou privilegiadas (o caso da

hiposuficiência do consumidor no âmbito do respectivo código é ilustrativo), basta que

se demonstre a plausibilidade do quanto se afirma para que, instaurado a procedimento

judicial competente, exerçam-se as dilações probatórias, arcando o imputado com o

ônus de provar que é inocente.

Já no campo da responsabilidade subjetiva, onde se perquire, fundamentalmente, a culpa, a intenção


psicológica do autor do dano, esse raciocínio ó inaceitável. Ou a vítima prova, extreme de dúvidas, que o agente
agiu sob a intenção de causar dano (ou de desconsiderar deveres genéricos e razoáveis de cautela), ou não fará
jus a qualquer indenização. A culpa, nesse e em todos os casos, será sempre subjetiva, até porque não se pode
"objetivar” um elemento psicológico ou deslocá-lo para outro sujeito que não seja o que, efetivamente, a
demonstrou através de seu comportamento.
6.3.4 As Defesas Possíveis

E a hipótese de prova da inocência, pelo sistema de responsabilização

adotado no Brasil, tem que percorrer poucos e apertados caminhos. Na verdade, as

únicas defesas possíveis do suposto autor do dano (ou do demandado na ação própria,

que é a ação civil pública), estão ligadas à inocorrência do dano e à negativa da autoria.

No caso da tentativa de demonstração da inocorrência do dano, passam a

ser extremamente relevantes como argumentos de defesa as considerações em tomo

da classificação do dano ambiental.

Ora, se o demandado conseguir provar, com argumentos e evidências

convincentes, que o dano produzido era tolerável pela opção social de consenso,

inevitável (sob o aspecto da evitabilidade em si, do estado da tecnologia ou da

tolerabilidade por opção social de consenso derivada) e, sobretudo, reversível ou

temporário, as chances de diminuição ou eliminação da reparação serão grandes.

No que toca à negativa de autoria, dada a amplitude que o sistema da

responsabilidade objetiva outorga à interpretação do nexo causal (conforme se explicita

adiante), as chances de sucesso da defesa são bem mais reduzidas, sobretudo se em

algum elo da cadeia causal o demandado tiver tido qualquer tipo de participação ativa

ou passiva.
Para que não passe *in albis", há ainda a militar como possível defesa do

demandado a alegação da culpa exclusiva da vítima, tratada adiante no âmbito das

eximentes de responsabilização.

Além do problema da inversão do ônus da prova e das estreitas

possibilidades de defesa, há a considerar a questão da solidariedade. Ela também se

revela funcional quando está em jogo a tutela privilegiada do meio ambiente, entre

outros interesses.

6.3.5 A Solidariedade

No caso de um dano à saúde de alguém não é de se exigir da vítima que

persiga o fabricante do alimento contaminado, que pode, por hipótese, estar sediado em

uma porção extremamente longínqua do país ou do exterior. Admite-se, até como

medida de justiça, que o prejudicado, sob os cânones da responsabilidade objetiva,

volte-se contra o agente econômico que vendeu o alimento contaminado. Do contrário, o

sistema jurídico a que competiria respaldar os interesses da vítima, estaria lhe impondo

ônus intoleráveis que acabariam por agravar ainda mais a ofensa sofrida.

Ilustrativo também da Teoria do Risco Ambiental, o exemplo permite que se

complemente que, se é o comerciante que se beneficia, de alguma forma, com o

atendimento de uma demanda por bens e serviços, deverá ele, também, arcar com os

ônus que, desse atendimento, exsurjam para a coletividade de clientes.


A solidariedade passiva, nos termos do que se acabou de exemplificar,

decorre da aplicação do art. 1.518, *caput", segunda parte, do Código C ivil:

"A/f. 1 .5 1 8 -O s bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam

sujeitos à reparação do dano causado; e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos

responderão solidariamente pela reparação. *

A transcrição do artigo de Lei certamente demonstra que a solidariedade

passiva de que se falou atende os requisitos de caracterização reclamados pelo mesmo

Código, no art. 896:

"A/f. 896 - A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.11

Ainda quanto a conduta do agente, a inexistência de eximentes de

responsabilização, com exceção da culpa exclusiva da vítima, é digna de nota.

6.3.6 As Eximentes

A tomar ainda mais imperativo o dever de denúncia do dano ambiental (que

antes de se constituir em uma atitude policialesca corresponde à prestação devida por

todos à coletividade em razão do direito à informação que a assiste), há a irrelevância

da legalidade da conduta, do caso fortuito e da força maior como causas que, em tese,

poderiam afastar o dever de indenizar.

Mesmo o agente que se conduz estritamente dentro da lei, operando

empreendimento escrutinado por EIA prévio e exaustivo e munido das devidas e

tempestivas licenças legais, mesmo esse agente haverá de arcar com a obrigação de
reparar o dano produzido. E esse dever persistirá ainda se o dano houver se produzido

por obra de força natural ou alheia ao controle do operador (acidentes naturais,

tempestades, tremores de terra, deslizamentos etc.).

Só a culpa exclusiva da vítima, porque nesse caso se opera a compensação

de créditos e débitos indenizatórios, é capaz de afastar as conseqüências da

responsabilidade objetiva. A culpa concorrente, como é óbvio, já não tem esse "efeito

colateral".

6.4 O NEXO DE CAUSALIDADE

Trata-se do vínculo, do liame concreto que liga a conduta do agente ao

resultado danoso. Como já se viu, pela consideração da equivalência das causas, esse

vínculo apresenta-se bastante ampliado no campo do Direito Ambiental, atingindo todos

que, de alguma forma, tenham contribuído para o resultado.

A transcrição da doutrina especializada pode ilustrar bem o que se vem de

afirmar

"Como a complexidade do fenômeno da poluição pode tomar, por vezes, difícil a

demonstração cabal desse nexo (de causalidade), tem-se sustentado que a relação de

eficiência causal 6 relevante também quando se manifesta de modo indireto ou mediato.

Como conseqüência, o nexo causal pode ser dessumido de presunção simples, "da

subsistência dos fatos que, embora não produzam diretamente as conseqüências

danosas, contribuíram para determinar um estado de coisas suficiente para causar a


produção do efeitos prejudiciais sem os quais o dano não se teria verificado''. Porém, em

se tratando de responsabilidade objetiva, como ó a da recomposição do dano ambientai,

a prova do nexo causal ó bem menos onerosa ao autor da ação de indenização. Basta

que se demonstre a existência do dano para o qual o risco da atividade exerceu uma

influência causal decisiva."

A transcrição da lição de Nelson Nery Junior, que por sua vez apoia suas

conclusões na doutrina italiana, confirma o que jà se tem afirmado sobre a amplitude do

nexo causal, em casos onde está em pauta a aplicação da responsabilidade objetiva por

danos causados ao meio am biente^ .

6.5 O EIA E A ATUAÇÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA

A Ação Civil Pública.

O EIA também possibilita, em relação à prevenção ou reparação dos danos

que aponta, a atuação da responsabilidade objetiva através do mecanismo processual

típico para tanto : a ação civil pública. A ação civil pública também é, como se viu, um

instrumento de política ambiental. É bem de ver que o seu surgimento, ao menos no

campo do Direito Ambiental, se dá justamente no momento em que as atenções se

voltam para o problema da preservação do meio ambiente e de outros patrimônios e

^ Nelson NERY Junior. Responsabilidade Civil e Meio Ambiente. Rev. Advogado, São Paulo, n. 37, p.38, set.
1992.
interesses de titularidade difusa, inovando significativamente a processualística

brasileira.

6.5.1 Conceito Analítico da Ação Civil Pública

A ação civil pública, cuja própria nomenclatura dá a idéia de

irrenunciabilidade, eis que se contrapõe à noção tradicional de ação civil de titularidade

privada, é um mecanismo processual, que visa a prestação jurisdicional de caráter

preventivo-cautelar, cominatório e/ou condenatório, adequado à persecução da

reparação dos danos causados ao patrimônio difuso histórico, estético, artístico,

turístico, paisagístico e ambiental e à concorrência, bem como aos interesses meta-

individuais de consumidores e investidores do mercado de títulos mobiliários, revertendo

os resultados pecuniários da eventual indenização, no caso do dano ambiental, a um

fundo de reconstituição de bens lesados, de gestão compartida entre o Estado e

representações da coletividade organizada.

6.5.2 Características da Ação Civil Pública

6.5.2.1 A Atuação do Dano ao Direito Difuso

Essa ação civil pública, disciplinada pela Lei 7.347, de 24 de julho de 1985,

tem como uma de suas características a restrição de seu âmbito de eficácia cautelar,

cominatória e/ou condenatória a hipóteses de ocorrência de dano ao direito difuso. Isto


é, só se admite a propositura da ação civil pública em face da ocorrência de danos (ou

ameaças de danos) ao direito difuso de preservação e gozo do bem ambiental. Ainda

que existam danos pessoais ou coletivos exsurgindo da mesma conduta, a ação civil

pública não se presta à persecução judicial de sua reparação ou evitamento. Nesses

casos, a propositura paralela de ações ordinárias pode solucionar o problema.

6.5.2.2 Legitimação Concorrente

Em face da característica antes citada, a legitimação para a propositura da

ação civil pública é concorrente. Isto é, para propô-la estão legitimadas,

concorrentemente, diversas pessoas jurídicas de natureza pública e privada, bem como

instituições, excluindo-se, por medida de política legislativa que se reputa criticável, a

pessoa n a tu ra l^ :

‘Art. 5o. - A ação principal a a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público,

pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser propostas por autarquia,

empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação q u e:

I - Esteja constituída há pelo menos um ano, nos termos da lei civil;

^ Dada a amplitude que a tutela legal do meio ambiente apresenta no Brasil, a legitimação da pessoa natural
Interessada parece ser de extrema conveniência. Não fosse o caso, por alguma razão ligada ao caráter difuso do
interesse posto em juízo, de se reconhecer à pessoa natutrai tal legitimidade, a lei deveria, peio menos, à
exemplo da legislação processual penal, admitir que o particular, já em juízo, provocasse a atuação do Ministério
Público para, como substituto processual da coletividade, desencadear a ação. Embora o inquérito civil,
disciplinado peia mesma Lei 7.347/81, em certa medida pretenda suprir esse papel, o Ministério Público
(autoridade à qual incumbe a instauração do inquérito) goza de discricionariedade para o arquivamento da
investigação. Ademais, não há previsão de iniciativa subsidiária da parte interessada, na hipótese de inação do
órgão competente (como ocorre em casos de ilícitos penais que autorizam a instauração de ações penais
públicas, com as quais aqui se traça um paralelo).
II - Inclua, entre as suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao

consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico."

6.5.2.2.1 O Ministério Público

O Ministério Público, instituição permanente e essencial à função jurisdicional

do Estado, atuante na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal), teve grandemente

ampliadas suas atribuições institucionais desde recentemente.

O movimento de garantia e defesa dos direitos e interesses difusos

encontrou no Ministério Público uma instituição apta, pelo menos em tese, para cumprir

o papel de substituição processual das massas eventualmente lesadas por danos a

patrimônios de titularidade difusa, como o patrimônio ambiental. Tanto é assim que a

própria Constituição, ao traçar as funções institucionais do órgão, assim se expressa:

"Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:

I-O-);

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública

aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a

sua g a ra n tia ^ ;

Já M defendeu em outro lugar que a Constituição, ao se referir, no art. 225, inciso IV, ao 'Poder Público',
estava na verdade se reportando ao Estado-Administração, não cabendo ao Ministério Público, em substituição
processual da coletividade difusa de interessados, propor ação civil pública para reivindicar o cumprimento dos
deveres prescritos ao administrador naquele dispositivo constitucional. A dicção desse inciso II, do art. 129
confirma o quanto se consignou, eis que deixa clara a legitimação do Ministério Público para a propositura das
"medidas necessárias" à garantia, pelo poder público, dos direitos assegurados na Constituição. Ora, ó direito da
própria administração decidir sobre a exigência de Estudo de Impacto Ambiental ao proponente de projeto, obra
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio

público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV

V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas.

(~ r

Sendo assim, sempre que os interesses difusos de preservação e gozo do

bem ambiental estiverem sendo atingidos por dano ou ameaça de dano, o Ministério

Público, em substituição processual de uma coletividade indeterminável de interessados

(que constitui exceção ao princípio do art. 6o. do Código de Processo Civil), poderá

lançar mão da ação civil pública.

É importante que se diga, sobretudo no momento em que a ação civil pública

tende a ser encarada como uma verdadeira “panacéia universal", que esse instrumento

processual tem contornos e limites muito precisos e nítidos.

Assim, por exemplo, só a eventualidade de um dano ambiental, certo ou

provável, pode ensejar a propositura da ação, ainda que se admita que ela se destine a

cominar ao demandado obrigação de fazer ou de não fazer. Nessa hipótese, a

cominação só poderá versar sobre obrigação que possa evitar o dano provável.

A atuação do Ministério Público, portanto, desde que ocorra no âmbito de

uma ação civil pública, deve envolver pretensão cautelar, cominatória ou condenatória

ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental. Sendo assim, só na hipótese de


vício de legalidade na atuação do administrador que dispensa o EIA, pode o Ministério Público, exercendo
prerrogativa própria decorrente do art 129 da Constituição Federal, arguir a nulidade do ato administrativo que,
por vício insanável, dispensou o proponente da realização do EIA. A ação civil pública, por óbvio, é mecanismo
processual Imprestável a esse fim e incabível em circunstâncias como a figurada.
pertinente à prevenção ou reparação de um dano ambiental e difuso quanto à

titularidade do patrimônio lesado.

Fora dessa hipótese e em razão do interesse público que avulta na ação civil

pública, o órgão ministerial atuará, sempre que não for parte, apenas como fiscal da lei

(art. 5o,. parágrafo primeiro, da Lei 7.347/85).

Não obstante o que se consignou, pesa sobre o Ministério Público o ônus da

obrigatoriedade quanto à propositura da ação civil pública, desde que constatada,

plausível e fundadamente, a ocorrência de dano ambiental ou ameaça de dano

ambiental. São ilustrativos dessa característica da atuação do órgão ministerial os

artigos que tratam da instauração do inquérito civil que, para arquivamento, reclama

revisão compulsória de autoridade hierarquicamente superiora ao promovente da baixa:

“Art. 9o. - Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se

convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o

arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o

fundamentadamente.

Parágrafo Primeiro - Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas

serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao

Conselho Superior do Ministério Público.

Parágrafo Segundo - Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público,

seja homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão as associações


legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados aos autos do

inquérito ou anexados às peças de informação.

Parágrafo Terceiro - A promoção de arquivamento será submetida a exame e

deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu

regimento.

Parágrafo Quarto - Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de

arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o

ajuizamento da a ç ã o /

6.5.2.2.1.1 A Obrigatoriedade

Se já em fase de inquérito a lei denota a obrigatoriedade da propositura da

ação frente à constatação fundada de existência de dano ou ameaça de dano,

sujeitando a promoção do arquivamento a uma série de formalidades que o dificultam,

entre as quais a ouvida de associações legitimadas e a homologação pelo Conselho

Superior do Ministério Público, a conclusão quanto a ser a obrigatoriedade uma das

características da atuação do órgão ministerial frente ao dano ambiental é irrecusável.

A indisponibilidade da ação, que também afeta a atuação do Ministério

Público (e de outras partes legitimadas para a sua propositura), hoje discutida por parte

da doutrina, é outra das características da ação civil pública. Contudo, por ser uma nota

distintiva da ação em análise, mais do que traço distintivo da atuação do Ministério

Público, está contemplada em outro item.


6.5.2.2.2 A União, os Estados e os Municípios

As pessoas políticas citadas em epígrafe, através de seus órgãos de

representação judicial (arts. 131 e seguintes da Constituição Federal), poderão propor

ação civil pública.

Nada mais natural, eis que serão os órgãos ambientais das mesmas

pessoas políticas que, na forma da lei, exigirão e analisarão os Estudos de Impacto

Ambiental concernentes a projetos, obras ou atividades a serem licenciadas.

É estranhável, apenas, que o art. 5o. da Lei dos Interesses Difusos não

tenha listado o Distrito Federal como parte legítima para a propositura da ação.

6.5.2.2.3 As Autarquias, Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista,

Fundações e Associações

Compreende-se a menção da lei quanto as Autarquias, em razão de que os

órgãos ambientais federais e estaduais estão, em regra, constituídos sob essa forma

jurídica5**.

Já no que toca às empresas públicas e sociedades de economia mista, não

se pode enxergar qualquer motivação explícita para a legitimação outorgada por lei.

55 é o caso do IBAMA - Instituto Brasilsiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, e do IAP •
Instituto Ambiental do Paraná.
Tratam-se de entidades para-estatais que, em tudo, regem-se pelo direito privado,

apresentando, inclusive, fim lucrativo.

Se as sociedades de economia mista e as empresas públicas estão

legitimadas, sem qualquer tipo de restrição, para a propositura da ação civil pública,

porque não estariam também todas as demais sociedades anônimas ou empresas

privadas, ou pelo menos aquelas que tem objeto comercial ligado direta ou

indiretamente à exploração do meio am biente^ ?

A menção da lei às fundações, quando instituídas pelo poder público,

parece, igualmente, não se sustentar, frente às mesmas razões declinadas para as

sociedades de economia mista e empresas públicas.

A referência da lei às associações, entretanto, inclusive impondo-lhes

restrições que, pelo menos ao que se dessume do texto legal, não oneram as outras

pessoas legitimadas, justifica-se até intuitivamente.

56 Não 6 demais lembrar, nesse particular, que as sociedades anônimas abertas, por força do fato de captarem
poupança pública atravós da venda de ações no mercado de bolsa ou balcão, sofrem (ou deveriam sofrer)
intervenção direta de mecanismos legais e administrativos cujo objetivo ó a sua fiscalização. Como se abordará
adiante, em outros países (como nos EUA), o órgão equivalente à CVM - Comissão de Valores Mobiliários,
conhecido como SEC - Securities Exchange Comission, fiscaliza de perto a atuação concreta e financeira de
sociedades anônimas ( “pubtic compartes"), no que foca ao cumprimento da legislação ambiental. Seria pensável,
face ao evidente interesse público que induvidosamente se evidencia no bom funcionamento das sociedades
anônimas, que elas próprias, seus acionistas ou administradores, pudessem propor ações civis públicas, na
preservação de seus próprios interesses e dos interesses da companhia. A ação de responsabilidade civil de
administradores, regulada pelos arts. 159 e seguintes da Lei 6.404/76, oferece importante precedente para a
reflexão. Releva consignar, no mesmo sentido, que há previsão específica de solidariedade passiva ampla, no
caso de quebra do dever do administrador e acionista, quanto à obrigação de indenizar. Da parte do autor não há
dúvida de que as normas da Lei 6.404/76 (sobretudo os arts. 152 e seguintes), combinadas com as normas da
responsabilidade objetiva por danos causados ao meio ambiente e do art. 1.518 do Código Civil Brasileiro,
comprometem gravemente, ao nível da obrigação de reparar, todos os acionistas, administradores e conselheiros
fiscais de sociedade anônima que pratique dano ambiental.
Com efeito, é bastante nítida a tendência da sociedade civil no sentido de se

organizar para a defesa de causas comuns a uma coletividade indeterminada de

interessados. A década de oitenta viu florescer no Brasil um movimento, hoje crescente,

de constituição de associações civis, tanto na área ambiental como em outras áreas

igualmente sensíveis (associações de defesa e proteção do consumidor, por exemplo),

atualmente conhecidas como ONG’s • Organizações Não Governamentais.

Sendo assim, aquelas associações regular e validamente constituídas sob o

pálio da Lei Civil, há pelo menos um ano da data da propositura da ação e voltadas

estatutariamente à defesa do meio ambiente, estão legitimadas para o uso da ação civil

pública. Para alargar ainda mais a possibilidade de atuação de tais associações em

juízo, a mesma Lei 7.347/85 exonera o Autor do pagamento ou adiantamento de custas

judiciais e emolumentos, nos seguintes termos:

“Art. 18 - Nas ações de que trata essa Lei não haverá adiantamento de custas,

emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas^7 .*

6.5.2.2.4 A Questão da Competência

®7 Diz-se que o artigo transcrito beneficia, preponderantemente, as associações civis em razão de que o
Ministério Público e a Fazenda Pública já gozam de benefício similar por força da previsão do art. 27 do Código
de Processo Civil que, aliás, aplica-se subsidiariamente á ação civil pública (art. 19). Quanto as autarquias, por
causa da vinculação financeira ao orçamento (do que decorre uma indisponibiiidade de recursos para o
pagamento de verbas contingenciais) tende-se a aplicar os mesmos favores processuais que se concede à
Fazenda Pública. Já para as empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista o problema não se
põe com especial ênfase. Tais pessoas, por gozarem de um regime jurídico de direito privado, não sofrem
restrições maiores quanto ao desembolso de verbas das quais dispõe abundantemente.
Outro dispositivo da Lei n. 7.347/85 que parece ter sido incluído como forma

de favorecer o ingresso em juízo das entidades da sociedade civil diretamente

interessadas em casos concretos de evitamento ou reparação de danos ambientais, é o

art. 2o., assim redigido:

"As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo

juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. ‘

Obviamente que o dispositivo aplica-se a casos em que, por ser local o dano

ou a ameaça de dano, a competência funcional para conhecer, processar e julgar a

causa é assumida pelo foro de sua ocorrência.

O Código de Defesa do Consumidor, contudo, em seu art. 93, que se

entende aplicável também à tutela do meio ambiente e, por conseqüência, à ação civil

pública que vise atuá-la (art. 117 do CDC), dispõe que são competentes os foros da

Capital do Estado ou do Distrito Federal, conforme as ações tenham por objeto danos

de âmbito nacional ou regional.

Lógico que, na situação por último abordada, a questão está referida à

competência territorial, isto é, enquanto o art. 2o. da Lei n. 7347/85 trata da competência

funcional, entregando-a ao foro do local da ocorrência do dano ou da ameaça de dano,

o Código de Defesa do Consumidor trata da especificação do que se deve entender por


local do dano ou da ameaça nos diversos casos concretos. Assim, por exemplo, se o

dano for de tal magnitude que seu evitamento ou atuação interesse à toda comunidade

nacional (e aí os pontos de argumentação em tomo da importância do dano não serão

só de natureza geográfica, mas envolverão outros aspectos não menos relevantes), a

competência territorial será a do Distrito Federal. Se, pelos mesmo critérios, o dano for

de interesse da comunidade regional, o foro competente será o da Capital do Estado.

Se, por último, for de interesse da comunidade habitante de uma única Comarca, o foro

desta será o competente.

Já no que pertine à competência da Justiça Federal ou da Justiça Estadual,

a situação permite solução menos complexa.

Como critério excludente da competência da Justiça Estadual há o fato de

figurarem na ação, como partes ou intervenientes, a União, autarquias federais e

empresas públicas. Nos demais casos a Justiça Estadual deterá competência para

conhecer, processar e julgar o caso^ô .

Há, por outro lado, dispositivo que procura desestimular a litigância

infundada, temerária ou de má-fé, assim formulado:

Muitas vezos, dada a inter-relação de interesses administrativos sobre a questão da gestão ambiental, peia
qual proliferam convênios entre aa diversas pessoas políticas para a viabilização do poder de polícia, o interesse
da União e de autarquias federais ó praticamente irrecusável. Os exemplos do quanto se afirma são conspícuos
na área florestal. Daí porque se observa uma tendência de serem propostas as ações civis públicas, já no foro
federal, configurando-se freqüentemente o litisconsórcio passivo entre pessoas políticas de diferentes níveis
(normalmente a União e o Estado). Trata-se de solução mais prática e econômica do que o ingresso perante a
Justiça Estadual que, com probabilidade que varia conforme a natureza da matéria versada na ação, poderá
declinar da competência em favor da Justiça Federal.
m
Art. 1 7 - 0 juiz condenará a associação autora a pagar ao réu os honorários

advocatícios arbitrados na conformidade do parágrafo quarto do art. 20 da Lei n. 5.869,

de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, quando reconhecer que a

pretensão é manifestamente infundada.

Parágrafo Único - Em caso de litigância de má-fé, a associação autora e os diretores

responsáveis pela propositura da ação serão solidariamente condenados ao décuplo

das custas, sem prejuízo da responsat>ilidade por perdas e danos. *

6.5.2.2.5 A Indisponibilidade

A Indisponibilidade, importante característica da açao civil pública, tem a ver

com a própria natureza do procedimento. Na verdade, a ação civil em análise só é

pública por que é difusa a titularidade dos interesses nela disputados pela parte ativa.

Não por acaso, a legitimidade para ajuizar a ação recaiu em pessoas políticas e

instituições que, ao menos em princípio, apresentam representatividade inquestionável.

Como corolário, portanto, de todas as garantias de representatividade e transparência

que marcam o instituto, o princípio da indisponibilidade formula-se no sentido de estar

interdita às partes em litígio a disposição sobre os termos em que este deverá ser

composto. Em outras palavras, só o Poder Judiciário, através do exercício soberano da

jurisdição, pode dirimir tais conflitos de interesse.

Subjaz ao princípio da indisponibilidade, que não se exerce exclusivamente

em relação à ação civil pública em análise mas está erigido em princípio basilar no
âmbito do Direito Público, algumas noções ideológicas que, de resto, sustentam

logicamente e como imperativos categóricos, o próprio sistema de direito a que o

ordenamento brasileiro se filia.

A rigor, a idéia de que só o Poder Judiciário, no exercício de um dos poderes

tripartidos do Estado, pode resolver, soberana e imparcialmente, os conflitos de

interesse envolvendo matéria de interesse coletivo ou difuso, radica-se na própria Teoria

da Tripartição de Poderes, como pressuposto retórico do Estado Modemo. Ora, permitir-

se que as partes em litígio componham, a seu alvedrio exclusivo, conflitos de tal

magnitude, é de certa maneira subtrair do Juiz Natural da causa a prerrogativa de dizer

o direito no caso concreto.

Pelo princípio da indisponibilidade, nem mesmo o Estado-Administração, a

quem competiria a fiel execução das leis, ou o Legislativo, passando-se por instituições

públicas de indiscutível representatividade formal como o próprio Ministério Público,

poderia arrogar-se o direito de decidir, em sede de compromisso ou transação, sobre a

composição amigável de um conflito envolvendo interesses difusos ou coletivos. Sobre

eles está vedada a transigência, pela simples razão de que o consenso dos reais

titulares sobre a conveniência do acordo é rigorosamente impossível. Traçando-se um

paralelo com o que prevalece, pela mesma fundamentação declinada, no campo do

Direito Internacional Público, pode-se dizer que o princípio da indisponibilidade nasce da

mesma fonte que o princípio da imunidade de jurisdição. Com efeito, só se justifica,

teoricamente, a submissão do Estado soberano a normas de tratados e acordos


internacionais através do recurso à doutrina da "auto-limitação da vontade", combinada

com a aplicação do princípio do "pacta sunt sen/anda", pressuposto lógico que, segundo

a doutrina de Kelsen, outorgaria coerência a todo o sistema normativo de feição

piramidal.

Assim, radicado nos pressupostos retóricos do Estado modemo e na

interpretação "a contrario sensu" de normas oriundas do Direito Privado, o princípio da

indisponibilidade tem vigorado no ordenamento pátrio com expressão vinculativa da

conduta em juízo das partes por ele afetadas.

Obviamente que atenuações ao rigorismo formal do princípio foram

paulatinamente aceitas. Tais atenuações, aconselhadas por razões de ordem prática e

tomadas possíveis pela inexistência de norma constitucional que vede, absolutamente,

o acordo de vontades (o princípio da indisponibilidade, como se disse, deriva mais da

feição geral do sistema do que de proibições literais da lei), validam-se através do

percurso de caminho inverso ao pressuposto pelo sistema jurídico para vedá-las (o que

só confirma a homenagem que se faz às suas bases epistemológicas). No caso de

acordos para composição de conflitos entre particulares e o Estado, por exemplo, esse

percurso cumpre, passo a passo, a inversão retórica do alicerce lógico que sustenta o

sistema.

Como na operação de desate de um nó, primeiramente, em venia ao

princípio estrito da Legalidade (segundo o qual ao administrador ou agente público só e

dado fazer o que está, estritamente, previsto na lei), há a edição de lei formal ou
material permissiva do acordo, em certas condições cuja aferição, em regra, é

prerrogativa discricionária do administrador. Em segundo lugar, em respeito ao mito da

representatividade do Poder Legislativo, providencia-se uma autorização legal para o

caso em espécie. Afinal, se é o Legislativo que representa, no processo de produção

normativa, a *vontade da nação", só ele pode, em face da necessidade de derrogação

da indisponibilidade, "afirmá-la" no sentido da exceção. Após isso, por ato privilegiado,

pessoal ou delegado, do Mandatário Supremo da pessoa política, a transação é

realizada e, a final, homologada pelo Poder Judiciário.

É importante asseverar que o exemplo de derrogação excepcional do

princípio da indisponibilidade antes citado, aplica-se em casos em que o Estado não

está atuando com poder de império ("jus imperii*), mas em situações em que ele atua

em igualdade de condições com o particular. Ademais, o que costuma estar em jogo

nessas situações são interesses típicos do Estado (desapropriar, adquirir equipamentos

para a administração etc.), em confronto com interesses típicos do particular (receber o

justo preço). Nessas circunstâncias é até natural que se reconheça ao Estado, por

razões de ordem prática, a prerrogativa de dispor amigavelmente sobre a composição

do conflito, eis que a ele se reconhece também, extreme de dúvidas, a titularidade do

interesse específico em litígio.

Na ação civil pública, entretanto, justamente por estarem em causa

interesses difusos (cuja titularidade, alegoricamente, é de todos e de ninguém), a idéia


que até a pouco tempo vigorava era a da aplicação irrestrita do princípio da

indisponibilidade.

Ao ver do Autor, essa posição configurava-se extremamente sensata e

conformada ao sentido geral do ordenamento. Até porque, ainda que figurativamente se

reconheça alguma representatividade formal ou material às pessoas e instituições

legitimadas a propor a ação civil pública, sabe-se perfeitamente bem que nenhuma

associação civil, por mais pródiga em número de membros e anos de atuação, pode, de

boa-fé, avocar para si a representação de um número indeterminado e indeterminável

de interessados na lide, podendo ser dito o mesmo do Ministério Público, instituição

cujas raízes históricas situam-se bem longe das nascentes populares, inclusive pelo

caráter profissional de seus membros.

Nenhuma solução melhor, portanto, que a que entrega ao Poder Judiciário,

após longas e democráticas dilações procedimentais, a escolha da melhor solução para

o caso, entre várias possíveis. Veja-se, a propósito, que o próprio EIA reserva espaço

privilegiado ao público em audiências especialmente deferidas. Não seria demais, em

face de tal antecedente, interpretar a atuação das pessoas e instituições legitimadas à

propositura da ação civil pública como supletiva, e não substitutiva da atuação da

coletividade. Se ao Ministério Público ou a determinada associação se reconhece

representatividade, com muito mais razão é de reconhecer-se ao Poder Judiciário, Juiz

Natural, por excelência e tradição, dos conflitos públicos e privados de interesse.


Não obstante, a partir da edição do Código de Defesa do Consumidor, vozes

respeitáveis se fizeram ouvir defendendo a derrogação do princípio da indisponibilidade

em relação a ação civil pública por danos ao meio ambiente.

É que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 117, declarou

aplicável à defesa do meio ambiente, no que for cabível, todas as disposições do seu

Livro III, referente à defesa do consumidor em juízo, e entre essas está a possibilidade

de celebração de compromisso, aliás incluída como parágrafo 6o., no art. 5o. da Lei

7.347/85, por força da previsão do art. 113 do mesmo Código.

Sobre essa possibilidade, é oportuna a transcrição da opinião de Donaldo

Armelin:

"A ação civil pública pode terminar em primeiro grau de jurisdição com sentença

irrecorrida. Mas pode se findar através de acordo. Este, por expressa autorização legal,

pode ser celebrado entre órgãos públicos legitimados e os interessados, no sentido de

ajustamento da conduta destes às exigências legais, mediante cominações,

configurando o documento elaborado a respeito, título executivo extrajudicial."

(...)

"A abrangência desses acordos, no texto legal, nomeados compromissos, alcança

obrigações de dar coisa infungível e de fazer ou de não fazer, tal como sucede com o

art. 55, parágrafo único da Lei n. 7.244/84 discipiinadora do Juizado de Pequenas

Causas. 159
A derrogação do princípio da indisponibilidade, operada pelo Código de

Defesa do Consumidor, parece criticável. Como a própria citação transcrita assevera, o

dispositivo que trouxe a possibilidade de celebração de compromisso para o campo da

solução de conflitos sobre a preservação e tutela ambiental compara-se, em tudo, ao

dispositivo que instituiu a mesma possibilidade para a solução de *pequenas causas".

Ocorre, contudo, que a instituição de compromisso no âmbito das *pequenas causas"

pressupõe, necessariamente, litígio envolvendo interesses patrimoniais disponíveis e

expressão monetária ou econômica pouco significativa. Os litígios ambientais não se

conformam a esse perfil, vale dizer, dificilmente poderão ser considerados, sob qualquer

aspecto, "pequenas causas".

Além disso, ó importante não perder de vista que o Código de Defesa do

Consumidor, conquanto tenha introduzido diversas inovações salutares, foi elaborado

sob a influência de uma ótica muito própria : a dos membros do Ministério Público. É

notória (e notável) a contribuição que uma certa elite cultural do órgão, sobretudo

oriunda do Estado de São Paulo, prestou para o desenvolvimento do diploma. Com isso,

e certamente não conscientemente, certos dispositivos foram cunhados como que "sob

encomenda" para a instituição, a qual, com a derrogação da indisponibilidade, ganhou

muito em poder de decisão quanto a eventuais acordos celebrados preventivamente ou

não à ação civil pública.

Armelin, Donaido. Tutala Jurisdicional do Me» Ambiente. Revista do Advogado. Associação dos Advogados
de São Paulo, n. 37, p. 59.
O lado positivo disso está nas evidentes vantagens que, em certos casos

particulares, a celebração do acordo propicia®^. Economia de tempo e de dinheiro,

sobretudo com a dispensa de caríssimas e demoradas perícias, são apenas algumas

dessas vantagens.

Pelo lado negativo, todavia, há a fíbia representatividade que o órgão

ministerial detém em relação aos centilhares de interessados na solução da questão.

Não fosse isso, por si, um dado de extrema relevância para a reflexão em tomo da

conveniência e oportunidade de derrogação da indisponibilidade no campo da ação civil

pública, há a considerar, também, a grave inversão de princípios que, no sistema legal

brasileiro, operou-se em razão da inovação. Muito embora em outros sistemas legais,

como o norte-americano, a solução do acordo seja natural em qualquer tipo de litígio, no

Brasil, como já se mencionou anteriormente, o princípio da indisponibilidade de certos

interesses privilegiados figura em lugar de destaque como decorrência dos pressupostos

epistemológicos e retóricos da ordem jurídica.

Por último, ainda, deve-se convir para o fato de que os conflitos típicos do

Direito do Consumidor, embora possam, excepcionalmente, apresentar interfaces com

os do Direito Ambiental (como no caso da tutela da salubridade dos produtos ofertados

Quer-se referir aqui a casos em que o dano ê evitado por acordos ou, se já produzido, resta revertido em
razão delas. Ora, se a questão se resume à, tão somente, reparar as conseqüências adversas do dano, ou evitar
que elas se produzam, o acordo se impõe por decorrência do bom senso. A maioria dos casos, entretanto, além
de se referirem a danos já produzidos e de reparação impossível, apresentam aspectos profundamente
complexos quanto às possibilidades de contenção de seus efeitos adversos, tanto ao nível social, quanto
econômico e, propriamente, ambiental. Quando em presença de tais casos, o acordo pode ser um instrumento
deletério, pelo simplismo das soluções que poderá alvitrar. Deixar, por outro lado, ao arbítrio de umas poucas
partes, ainda que privilegiadas, o encontro da solução, ó ainda mais perigoso.
ao mercado), são essencialmente diferentes destes, oportunizando soluções também

diferenciadas. Portanto, o que se considera solúvel por acordo, no campo da tutela das

relações de consumo, pode não ser no campo da tutela ambiental. Como conseqüência,

a extensão de mecanismos processuais de defesa do consumidor à defesa do meio

ambiente pode não ser uma estratégia feliz.

De qualquer modo, salvo a hipótese de acordo introduzida na ação civil

pública via do art. 113 do Código de Defesa do Consumidor, pode-se dizer que vigora,

como regra geral, o princípio da indisponibilidade quanto a esse tipo procedimental.

6.5.2.2.6 A Cláusula *fíebus S/c Stantibus" e a Imprescritibilidade

O art. 16 da Lei n. 7.347/85 está assim redigido:

*A sentença civil fará coisa julgada "erga omnes", exceto se a ação for julgada

improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá

intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova."

Dele se dessume que, em relação aos danos, ameaças de danos ou

cominações que forem objeto da ação, a sentença que der pela procedência ou

improcedência da demanda faz coisa julgada.

Contudo, a abrangência e imutabilidade dos termos da sentença, seja

proclamando a procedência ou improcedência da ação, deve ser interpretada com

restrições. A própria expressão da lei, "deficiência de provas", indica que a sentença

reflete aquilo que, no curso da instrução probatória, foi possível apurar quanto a

existência, materialidade, extensão e classificação dos danos.


Disso decorre que é plausível que um dano ambiental não identificado ou

aferido, por impossibilidade técnica, durante a instrução probatória de uma ação civil

pública julgada procedente ou não, tenha seu evitamento ou reparação reclamada em

outra (ou na mesma) ação.

Defende-se que no campo da ação civil pública, como ocorre em outros

campos (o da ação de alimentos e o da ação penal, por exemplo), a sentença tenha sua

eficácia condicionada e sujeita, ordinariamente, à cláusula "rebus sic stantibus",

caracterizando-se como dispositiva e revisível a qualquer tempo. E isso sob pena de se

frustrar os objetivos a que a ação civil pública, como instrumento processual de tutela do

meio ambiente, se consagra.

Basta que se reflita um pouco para concluir que a identificação do dano

ambiental depende fundamentalmente das características da ação antrópica que o

provoca. Viu-se, já por ocasião da análise dos critérios de classificação do dano

ambiental, que a tolerabilidade, evitabilidade, reversibilidade e duração do dano

dependem, em larga escala, do tipo de procedimento técnico utilizado pelo projeto, obra

ou atividade potencialmente danoso. Sendo assim, pela evolução natural do estado da

tecnologia, ou pela modificação das circunstâncias em que o projeto, obra ou atividade é

conduzido e explorado, os danos certos e existentes por ocasião da instrução probatória

podem se agravar (ou se mitigar), assim como danos impensáveis ou imperceptíveis à

época da mesma instrução podem começar a se produzir. Essas circunstâncias, que

são muito próprias do campo de atividades humanas que a tutela jurisdicional do meio
ambiente visa atuar com seus mecanismos preventivos, repressivos e repristinatórios,

exigem que as sentenças proferidas em sede de ação civil pública por danos ao meio

ambiente, sejam cominatórias ou condenatórias, estejam sujeitas à revisão, assim que

as circunstâncias fáticas que as justificaram apresentem mudanças dignas de atenção.

Uma indústria condenada, há cinco anos, ao implemento de uma obrigação

de fazer, consistente em acoplar equipamentos de tratamento de rejeitos em suas fontes

de descarga, pode estar sujeita, hoje, a uma revisão da parte dispositiva da sentença,

eis que novos equipamentos podem, em tese, reduzir ao grau mínimo - ou mesmo

eliminar - a toxicidade dos rejeitos que, mesmo tratados adequadamente ao estado da

tecnologia existente ao tempo da condenação, hoje podem apresentar níveis

intoleráveis de contaminação.

Da mesma forma, a falta de manutenção própria de equipamentos cuja

instalação decorreu de condenação em ação civil pública, pode prejudicar-lhes a

eficácia, demandando a revisão da sentença condenatória para que se previnam ou

sejam reparados danos que, se as condições fáticas que ensejaram a condenação

permanecessem imutáveis, não existiriam.

Há, no que se acabou de expor, duas questões a merecer destaque.

A primeira delas diz respeito ao fato de que o objetivo da tutela jurisdicional

do meio ambiente, isto é, o interesse da prevenção, repressão e repristinação judicial do

dano ambiental, reclama a revisibilidade permanente da sentença, dê ela pela

procedência ou improcedência da ação civil pública. As circunstâncias concretas que


ensejaram a prolação da sentença podem se alterar ao longo do tempo, devendo, nessa

medida, a cláusula *rebus sic stantibus* receber particular atenção e interpretação, eis

que sua presença é funcional em relação aos mecanismos processuais de tutela do

meio ambiente.

6.5.2.2.7 A Imprescritibilidade

Outra questão, que embora apresente certa semelhança com a anterior não

se presta à confusão, é a da imprescritibilidade da ação que visa prevenir a ocorrência

ou reparar as conseqüências do dano ambiental. E esta questão permite abordagem por

várias frentes.

A primeira delas é a que se refere à alegação como matéria de defesa em

ações civis públicas, de incidência bastante comum nos meios forenses, do "direito

adquirido à produção do dano*

Formula-se essa *exceção* em certas situações típicas que envolvem

empresas há muitos anos poluentes, sem que, até o momento de uma eventual

interdição, tivessem sido molestadas pela autoridade administrativa ou judicial.

É o caso daquela fábrica que, estando estabelecida há décadas em

determinada região, passa abruptamente a sofrer as pressões da comunidade local para

diminuir seus níveis de emissão de ruídos ou gases tóxicos.

Essa mudança de atitude em relação à velha fábrica, com a qual a

comunidade já deveria estar habituada, pode decorrer de vários fatores : a progressiva


conscientização da coletividade quanto à possibilidade de mobilização por melhor

qualidade de vida, uma eventual mudança das tendências de zoneamento da cidade,

pela qual uma região até então predominantemente industrial ou erma passa a servir de

local de moradia para contingentes cada vez mais expressivos, a disponibilidade de

equipamentos de controle de poluição não existentes até então etc. Não obstante, a

defesa da atividade poluidora principiará sempre pela seguinte fórmula : "mas a fábrica

existe desde antes do estabelecimento das casas ! Como pretender desalojá-la ou

sujeitá-la a restrições ?

É desarazoado e incorreto pensar-se em um "direito adquirido de p o lu ir A

uma porque a lei nova, ou mesmo um ato administrativo normativo regulamentar,

podem, a qualquer tempo, alterar os "standards" e padrões de suportabilidade do

ambiente as ações antrópicas, tomando mais severas as condições de seu exercício.

Como as licenças (a prévia, a de instalação e a de operação), necessárias ao

funcionamento de projetos, obras ou atividades potencialmente causadoras de

significativa degradação ambiental dependem de renovação e podem ser revistas a

qualquer tempo, a regularidade e licitude da ação dependerá do cumprimento das

exigências que, por via de lei material ou formal, forem impostas aos respectivos

operadores. Não há, pois, direito adquirido à manutenção dos padrões de

suportabilidade e "standards" com base nos quais uma dada atividade foi licenciada.

Como conseqüência direta do que se acabou de expor, sucede que o dano

ambiental, sob o aspecto da tolerabilidade está sujeito a aferição mediante critérios


extremamente mutáveis. A opção social de consenso, expressa em lei, dependerá do

juízo que a coletividade fizer das condições de desenvolvimento que melhor lhe convêm.

Logo, o que até a pouco tempo não era considerado dano ambiental, pode passar a ser

considerado como tal a curto, médio ou longo prazo.

Sendo assim, e pela aplicação do princípio da “actio nata", o dano ambiental

não suscetível de identificação, ou por razões técnicas ou por razões conceituais,

poderá ser atuado por outra ação (ou pela mesma ação), após o decurso de período

suficiente para, em outras esferas, ocorrer a prescrição da ação.

Para os casos em que não houve ação civil pública e que os danos são

técnica e conceitualmente identificáveis, a prescrição também não opera os seus

efeitos, apesar do decurso do tempo. Salvo na hipótese de reversão espontânea das

conseqüências da degradação ambiental (caso em que se estará diante de um dano já

revertido), o dano continuará a ser atuàvel pela ação civil pública, pois seus efeitos

lesivos, ao nível do desequilíbrio do ecossistema, da salubridade da instalação, da

estética ou da paisagem continuarão a se produzir (serão, pois, danos permanentes),

se, pela atuação de fatores de cumulação e sinergia não se agravarem paulatinamente

(hipótese em que, além de permanentes, serão cumulativos e sinérgicos).

Caberia, por último, questionar a forma de aplicação do princípio da "actio

nata" em face de interesses difusos.

Ora, sabe-se que para o titular do direito ofendido, o direito de ação nasce

concomitantemente com a consciência de que uma lesão se produziu em seu patrimônio


jurídico. Se se cogita do proprietário esbulhado, em relação à ação possessória, do

credor de prestação, em relação à ação de cobrança, do caluniado, em relação à ação

penal privada, tudo fica relativamente simples. Mas se o que está em jogo é o interesse

de uma coletividade indeterminada e indeterminável de pessoas, quando se pode

reputar nascido o direito de ação ?

Parece ser plausível a defesa da idéia de que a ação que tutela o interesse

difuso, como ocorre com a ação que tutela o interesse do menor, do tutelado ou do

curatelado, não está sujeita à prescrição. Afinal, como se assinalou por ocasião da

análise da natureza do direito difuso ao gozo e à preservação dos bens ambientais, a

noção de sustentabilidade que subjaz à tutela jurídica do meio ambiente tem como

diretriz a manutenção das condições salubres dos recursos ambientais para

locupletamento das futuras gerações. Se ó certo que, pelas regras em vigor, contra os

menores a prescrição não corre, que dirá em relação aos que sequer nasceram...

Devaneios a parte, o que é certo é que em relação a danos de identificação

técnica e conceituai impossível ao tempo da instrução probatória, a ação civil pública é

imprescritível.
7 O El A E A DEFESA DA CONCORRÊNCIA

O Estudo de Impacto Ambiental tem ainda a característica de funcionar como

um instrumento de defesa da concorrência, sobretudo porque, ao propiciar a

intemalização do custo social da apropriação dos recursos ambientais, obriga o mercado

a corrigir distorções oriundas da não observância desse processo de "trade-in^ .

Na verdade, a não intemalização de tais custos só interessa aos que se

beneficiam da criação de condições artificiais de oferta que, se praticadas em larga

escala, provocam prejuízos que se refletem negativamente desde o nível macro até o

nível microeconômico. O EIA, portanto, na medida em que oferece subsídios para a

intemalização de custos, contribui decisivamente para a regularização das condições

ideais de concorrência dentro do mercado.

Marcado, segundo a definição de Josó Luiz Bulhões Pedreira, "ó o conjunto de agantss econômicos inter-
relacionados como figurantes em trocas de determinado objeto. A palavra ó empregada também para denotar o
local em que os agentes econômicos se encontram para efetuar trocas(...). Os dois papéis essenciais do sistema
social do mercado são os de vendedor e comprador, que podem ser desempenhados pelos agentes que
produzem e usam (ou consomem) o objeto trocado, ou por intermediários, que compram para revender. São
funções dos intermediários (a) facilitar as trocas entre produtores e consumidores finais, (b) manter a
continuidade do mercado (vendendo ou comprando quando não há oferta de produtores ou consumidores) e (c)
reduzir as diferenças de preço no tempo e entre mercados. O mercado não é formado apenas pelos agentes que
efetivamente figuram nas trocas realizadas durante determinado período, mas compreende os papéis de
vendedor e comprador em potencial: participam de cada mercado (a) todos os agentes que tem as mesmas
fontes possíveis de fornecimento do objeto das trocas e (b) as fontes de fornecimento para as quais esses
agentes são os únicos compradores possíveis. A delimitação de cada mercado baseia-se, portanto, na definição
do conjunto de vendedores em potencial aos mesmos compradoresm(Pedreira, José Luiz Bulhões. Finanças e
Demonstrações Financeiras da Companhia : Conceitos e Fundamentos. Rio de Janeiro, Forense, 1a. edição,
1989, pp. 30/31).
A defesa da concorrência é matéria jurídica recente, se se tomar como

critério o desenvolvimento de estudos sistemáticos sobre o tema. Está situada no campo

do Direito Econômico, muito embora apresente desdobramentos que perpassam vários

ramos do Direito Público e Privado.

Se analisada sob o prisma da natureza das normas que compõe o sistema

legal que a denota, a defesa da concorrência situa-se, primordialmente, no campo do

Direito Constitucional. É que são as constituições, em regra, os repositórios das normas

de política econômica que visam conformar, diretiva ou indicativamente, as condições de

concorrência do mercado. Não é por outra razão, inclusive, que o art. 170 da

Constituição Federal, inclui entre os princípios orientadores da Ordem Econômica, a livre

iniciativa (art. 170, inciso IV).

Já, se abordada pelo vezo do Direito Comercial, as normas ordinárias de

defesa da concorrência pertinentes à tutela do consumidor e à repressão do abuso do

poder econômico, adquirem uma feição privatista. Outras normas dispersas no

ordenamento, principalmente de natureza repressiva, podem ser creditadas ao campo

do Direito Penal ou do Direito Administrativo.

Em suma, deixando de lado a preocupação em classificar a defesa da

concorrência segundo critérios tradicionais que não se afeiçoam às necessidades

práticas que demandaram a edição de suas normas e princípios, o que é relevante é a

constatação da existência de um conjunto mais ou menos homogêneo e sistemático de


diretivas legais que, ao nível da política econômica, visam disciplinar as relações

concorrenciais entre os agentes econômicos que atuam no mercado.

Segundo Cabral de Moncada, a motivação para o surgimento paulatino das

normas de defesa da concorrência está em que62 :

"O legislador partiu do princípio de que a concorrência se não desenvolve

espontaneamente entre as empresas participantes do mercado, não-lhe competindo tão-

só estabelecer um conjunto de regras tendo por objectivo simplesmente a prevenção e a

repressão de situações em que o comportamento das empresas lesam intoleravelmente

certos interesses públicos. Toma-se necessário, para além disso organizar

normativamente um regime de concorrência através do estabelecimento e defesa de um

conjunto de normas de política económica visando certos objectivos tais como um alto

volume de emprego, uma ampla capacidade produtiva, uma relativa estabilidade

monetária, etc., considerados só alcançáveis no quadro institucional de um mercado

aberto na maior medida possível a todos os agentes económicos e consumidores

O mesmo autor**2 esclarece como a livre iniciativa, erigida à condição de

princípio orientador da ordem econômica conforme preconizada pela Constituição

Brasileira, resta tutelada pelas normas de defesa da concorrência:

"As regras da concorrência dos nossos dias não se limitam a defender o mercado como

ordem normal das trocas econômicas. Organizam o mercado e desenvolvem-no, no

63 Cabral da Moncada, Luís S. Direito Económico. Coimbra. Coimbra Editora, Limitada. 2a. adição, 1988, p.
312/313.

63 Cabral da Moncada, Luia S. op. cit. p. 313.


pressuposto de que do seu funcionamento livre decorre a ordem económica mais justa e

eficiente. A defesa da concorrência é levada a cabo por que se acredita ser ela o melhor

garante da prossecução, como que implícita, de certos objectivos de política

económica. ‘

"O objectivo das leis de defesa da concorrência é o de assegurar uma estrutura e

comportamento concorrenciais dos varios mercados no pressuposto de que ó o mercado

livre que, seleccionando os mais capazes, logra orientar a produção para os setores

susceptíveis de garantir uma melhor satisfação das necessidades dos consumidores e,

ao mesmo tempo, a mais eficiente afectação dos recursos económicos disponíveis, que

ó como quem diz, os mais baixos custos e preços. A concorrência é assim encarada

como o melhor processo de fazer circular e orientar livremente a mais completa

informação económica quer ao nível do consumidor quer ao nível dos produtores, assim

esclarecendo as respectivas preferências. É por isso que a sua defesa é um objectivo

de política económica."

Há por traz das razões jurídicas e econômicas tão bem enfatizadas pelo

autor transcrito, razões de ordem política para a edição de normas de tutela da

concorrência. Elas visam desestimular a criação de cartéis e grupos empresariais

oligopolizados, que podem influir (e de fato influem) "dirigindo'', com políticas artificiais

de oferta de bens e serviços e controle de preços, amplos setores do mercado.

Para a defesa da concorrência, ademais, são identificáveis alguns sistemas

diferenciados de regulamentação do mercado.


Entre eles pode-se destacar dois de incidência mais comum : o sistema da

proibição (ou da per se condemnation) e o sistema do abuso (ou da "rvle of reason").

O primeiro sistema parte da idéia de que a concorrência é um

comportamento empresarial que se cristaliza independentemente da estrutura do

mercado. Seus princípios visam, com o estabelecimento de proibições de determinadas

condutas tidas *per se" como deletérias e intoleráveis, conformar ou manter um

comportamento concorrencialmente adequado por parte das empresas destinatárias.

Nesse sistema, trabalha-se com a idéia de dano potencial (e não de dano real) que deve

ser evitado "a priori*.

O sistema do abuso, ou da *rule of reason", parte da idéia de que as

condições de concorrência dependem mais da estrutura do mercado do que do

comportamento dos agentes econômicos. Por essa razão ele envolve o controle e

monitoração, "a posteriori", das atividades empresariais e da estrutura do mercado,

aconselhando atuação tópica e pontual no caso de verificação de condutas abusivas ou

lesivas às condições regulares da livre concorrência. Como a própria denominação do

sistema sugere, a razoabilidade desempenha função de relevo na formação do juízo

administrativo de intervenção na atividade.

No âmbito da tutela ambiental, que sem dúvida tangência, por seu caráter

implicitamente econômico, a tutela da concorrência, os dois sistemas têm ampla

aplicação no Brasil.
O sistema da proibição pode ser identificado nas restrições rígidas e

inapeláveis à apropriação de recursos naturais que caracterizam certos ecossistemas

tidos por intangíveis, como é o caso da Mata Atlântica, o Pantanal Mato-Grossense, a

Floresta Amazônica e diversas Unidades de Conservação Ambiental espalhadas pelo

território nacional (art. 225, inciso VI, parágrafo quarto, da Constituição Federal e leis

esparsas).

O sistema do abuso se evidencia, por exemplo, através do Estudo Prévio de

Impacto Ambiental. Na verdade o EIA figura como um instrumento de defesa da

concorrência, porque oportuniza o exercício pontual e tópico da intervenção em casos

em que se constata a não intemalização dos custos sociais da apropriação do recurso

ambiental.
8 O E IA E AS OBRIGAÇÕES AMBIENTAIS DA EMPRESA COMERCIAL

8.1 INTRODUÇÃO

Viu-se, nas seções precedentes, como o Estudo de Impacto Ambiental

apresenta superlativa expressão como instrumento "omnicompreensivo“ de política

ambiental, desdobrando-se em inúmeros reflexos conceituais e materiais que são

funcionais em relação a todo o sistema de tutela ambiental e para além dele. Aliás, o

desenvolvimento das seções precedentes deveu-se, precisamente, a persecução desse

objetivo.

Trata-se agora, tão somente, de aplicar as elucidações que ocuparam o

trabalho ao ambiente da empresa comercial e suas obrigações.

8.2 O EIA E A IDENTIFICAÇÃO DO PASSIVO AMBIENTAL DA EMPRESA

COMERCIAL

A realização do EIA permite a identificação do passivo ambiental da

empresa, considerado o passivo como o conjunto das obrigações negativas ou ônus

que recaem sobre esse agente econômico em razão do caráter potencial ou

efetivamente lesivo do projeto, obra ou atividade que explore.


8.2.1 As "Contas“do Passivo Ambiental da Empresa

Na verdade, esse passivo, cuja publicidade, nos termos do modelo normativo

de EIA em vigência, interessa à coletividade e ao Poder Público, pois a partir dela se

materializa a relação automática de crédito e débito que, face à responsabilidade

objetiva, passa a vincular todas as partes interessadas na preservação e gozo dos

recursos ambientais, não se traduz só em termos financeiros.

Ao contrário.

8.2.1.1 O Passivo Não-Financeiro

8.2.1.1.1 O Dever de Monitorar o Estado do Meio Ambiente

Conforme a natureza dos impactos e danos identificados e classificados pelo

EIA (se potenciais ou reais, toleráveis ou intoleráveis, evitáveis ou inevitáveis,

reversíveis ou irreversíveis etc.), o passivo poderá incluir a obrigação de monitorar o

estado geral do projeto, obra ou atividade, para a detecção preventiva de danos

potenciais, de adotar rotinas de segurança que garantam o adequado controle dos

riscos criados pela ação, etc.

8.2.1.1.2 O Dever de Informar


Outra faceta desse passivo se manifesta através da necessidade de cumprir

deveres de ordem ética e legal que vinculam a empresa comercial que opera atividades

potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental.

O dever de informar quanto ao estado de segurança ambiental do

empreendimento, pelo menos às autoridades administrativas competentes, quando não

aos funcionários, diretores, colaboradores, investidores e credores, impõe-se,

indubitavelmente, à empresa.

Sendo assim, em primeiríssimo lugar, o EIA permitirá à empresa comercial a

identificação dos ônus gerais e não indenitários (mas tão somente preventivos) que a

operação ou desenvolvimento do projeto, obra ou atividade acarreta. Obviamente que o

descumprimento de tais obrigações acarretará a sobrevinda de sanções administrativas

e, possivelmente, judiciais, a serem debitadas, conforme as respectivas expressões

financeiras, nas contas adequadas da escrituração contábil.

8.2.1.2 O Passivo Financeiro

8.2.1.2.1 O Dever de Indenizar.

O EIA também permitirá a identificação e a submissão ao tratamento legal de

rigor do passivo ambiental que se traduz, imediatamente, em obrigação de reparar.

Nesse caso, tanto sob a forma da repristinação do ambiente degradado ao “status quo

ante“ (freqüentemente impossível), quanto sob a forma da compensação do dano, a


obrigação de reparar ganha contornos de desembolso de dinheiro. Esses desembolsos,

sejam ou não diferidos no tempo (e isso dependerá largamente do tipo de dano

identificado pelo Estudo de Impacto Ambiental), também deverão ser escriturados,

rigorosamente, nos documentos e controles contábeis da empresa.

Finalmente, a escrituração, em si, de todos esses valores, bem como a

outorga da publicidade que tais registros legal e eticamente reclamam, configuram um

outro aspecto do passivo ambiental da empresa.

8.3 A CONTABILIZAÇÃO DO PASSIVO AMBIENTAL DA EMPRESA

Reunindo sob uma mesma rubrica as duas obrigações analisadas no último

parágrafo do item anterior (a de escriturar e dar publicidade às cifras correspondentes à

reparação do dano ambiental), até porque se apresentam como duas faces de uma

mesma moeda, pode-se dizer que o sentido geral do ordenamento em vigor

(principalmente o das normas de disciplina do exercício da atividade mercantil) impõe à

empresa a sua observância.

A escrituração dos resultados da atividade da empresa mercantil justifica-se

não só por razões burocráticas e de controle intemo.

Como agente econômico que é, a empresa comercial insere-se em um

contexto que apresenta inúmeras e complexas relações de várias ordens, que já ficaram

explicitadas quando se tratou de sua conceituação. Assim, ao escriturar os resultados

de sua atividade mercantil e dar-lhes a publicidade que, em cada caso, seja adequada,
a empresa está cumprindo um dever que satisfaz a interesses seus, do Estado, da

coletividade, de investidores, colaboradores, parceiros comerciais, credores etc.

Por essas razões, bastante óbvias aliás, já no Código Comercial Brasileiro

(Lei n. 556, de 25 de junho de 1850) são encontráveis os dispositivos que outorgam à

escrituração (e a respectiva publicidade) importância fundamental no ordenamento

mercantil:

“Art. 10. Todos os comerciantes sào obrigados :

1. A seguir uma ordem uniforme de contabilidade e escrituração, e a ter os livros para

esse fim necessários;

2. A fazer registrar no Registro de Comércio todos os documentos, cujo registro for

expressamente exigido por este Código, dentro de quinze dias úteis da data dos

mesmos documentos (art. 31), se maior ou menor prazo não se achar marcado neste

Código.

3. A conservar em boa guarda toda a escrituração, correspondências e mais papéis

pertencentes ao giro de seu comércio, enquanto não prescreverem as ações que lhe

possam ser relativas.

4. A formar anualmente um balanço geral do seu ativo e passivo, o qual deverá

compreender todos os bens de raiz, móveis ou semoventes, mercadorias, dinheiros,

papéis de crédito, e outra qualquer espécie de valores, e bem assim todas as dívidas e

obrigações passivas; e será datado e assinado pelo comerciante a quem pertencer.


Art. 11. Os livros que os comerciantes são obrigados a ter indispensavelmente, na

conformidade do artigo antecedente, são o Diário e o Copiador de ca/tas®^ .

Art. 12. No Diário é o comerciante obrigado a lançar com individuação e clareza todas as

suas operações de comércio, letras e outros quaisquer papéis de crédito que passar,

aceitar, afiançar ou endossar, e em geral tudo quanto receber e despender de sua ou

alheia conta, seja por que título for, sendo suficiente que as parcelas de despesas

domésticas se lancem englobadas na data em que forem extraídas da caixa. Os

comerciantes de retalho deverão lançar diariamente no Diário a soma total das suas

vendas a dinheiro, e, em assento separado, a soma total das vendas fiadas no mesmo

dia.

No mesmo Diário se lançará também em resumo o balanço geral (art. 10, n.

4), devendo aquele conter todas as verbas deste, apresentando cada uma verba a soma

total das respectivas parcelas; e será assinado na mesma data do balanço geral.

(...)*

Vê-se dos princípios gerais contidos no Código Comerciai, que nenhuma

empresa, atue ao nível individual ou societário, pode se furtar à manutenção de uma

escrituração contábil que, minimamente, reporte "em geral, tudo quanto receber e

despender de sua ou alheia conta, seja por que título for* (art. 14 - Livro Diário), bem

como *todas as dívidas e obrigações passivas* (art. 10, n. 4 - Balanço Geral).

O Copiador da cartas teve sua obrigatoriedade abolida pelo art. 11 do Decreto-Lei n. 466, de 03.03.69.
Os dispositivos do Código Comercial, contudo, destinam-se à interpretação

integrativa com outros dispositivos de outros diplomas esparsos. Nesse ponto, não só a

ancianidade do Código Imperial, como a própria natureza dinâmica da atividade

mercantil, impõe que a disciplina normativa das matérias de comércio se faça de forma

difusa e esparsa, sendo natural que leis posteriores, ainda que aparentemente

reguladoras de aspectos particulares do comércio, contenham princípios gerais.

A Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976),

que muito bem exemplifica a tendência citada, traz importantes subsídios de ordem

contábil e jurídica, aplicáveis à escrituração da empresa, que podem ser reconhecidos

como princípios gerais orientadores das atividades de todas os entes coletivos e

individuais que se dedicam ao exercício do comércio. Muito embora vá se tratar em

detalhes, mais adiante, da situação específica das sociedades anônimas, com menção

extensiva desses e outros dispositivos, parece oportuna a transcrição, já nesse passo,

da opinião da doutrina a respeito do que se afirmou:

“O regime da lei de sociedades por ações sobre demonstrações financeiras aplica-se

por analogia aos demais tipos de sociedades comerciais, e, por força da legislação do

imposto de renda, a todas as pessoas jurídicas (inclusive por equiparação) contribuintes

do imposto, tributadas com base no lucro real. Pode ser aplicado ainda, com pequenas

adaptações, a qualquer pessoa em cujo nome seja exercida a atividade da unidade de

produçãcfiS. *
Por sua vez, as leis ordinárias que disciplinam o Registro do Comércio,

exercido por entidades autárquicas que compõe um inteiro sistema notarial e

fiscalizatório, (compreendendo, ao nível federal, o Departamento Nacional de Registro

de Comércio, e ao nível estadual, as Juntas Comerciais), trazem princípios

complementares sobremaneira relevantes para a correta compreensão e interpretação

do papel da escrituração e sua publicidade na disciplina da atividade mercantil. Não é

demasiado obtemperar, aqui, que os órgãos registrais do comércio são sucessores dos

antigos Tribunais de Comércio do Império, verdadeiras instâncias jurisdicionais de

conciliação e julgamento de conflitos comerciais, de concepção derivada diretamente

das antigas corporações de mercadores. As Juntas Comerciais e o Departamento

Nacional de Registro do Comércio (doravante denominado DNRC) têm hoje funções

notariais e de exercício do poder de polícia quanto ao exercício da atividade mercantil,

competindo-lhes, segundo a mais coerente interpretação, não só o controle da forma de

determinados atos obrigatoriamente submetidos a registro, quanto do conteúdo,

sobretudo quando for detectada alguma afronta à Lei e à ordem pública. Confira-se o

teor do julgado que, parcialmente, se transcreve:

*Ementa Oficial: Junta Comercial. Limites de atuação da Junta Comercial como órgão

de intervenção estatal na administração de interesses privados. (...)“

Demonstrações Financeiras, segundo o mesmo autor, ‘São quadros elaborados com base em escrituração
mercantil e acompanhados de notas explicativas que apresentam, de modo resumido e com disposição que
facilita sua compreensão, informações quantificadas sobre o património da companhia. Esses quadros são
designados demonstrações porque revelam, ou dão a conhecer, aspectos do patrimônio, e são financeiros porque
fornecem informações sobre as finanças da companhia" (Bulhões Pedreira, José Luiz. Finanças e
Demonstrações Financeiras da Companhia, op. cit., p. 627/628).
"Compete à Junta Comercial verificara legalidade dos contratos trazidos a arquivamento

no alusivo às cláusulas relativas a matéria de ordem pública, ou estrutural ao tipo de

sociedade, ou relativas aos bons costumes, ou que visem a acautelar eventuais direitos

de terceiros. Nestes casos, poderá negar arquivamento aos contratos ofensivos a tais

princípios ou interesses. ‘

(...)

(1a. CC do TJRGS. Ap. n. 584.012.934, m. v. em 05.11.1985, rei. p / ac. Des. Athos

Gusmão Carneiro, venc. Des. Elias Elmyr Manssour, R T - 619/184)

A doutrina subscreve a opinião que predominou no julgado, asseverando

que:

“É o Registro de Comércio, destarte, guardião da Lei. Não mais do que isso. Cumpre-

lhe, e é sempre prudente aviventar certos mmos, examinar se foram observadas as

prescrições legais. "

(Ferreira, Waldemar. Tratado de Direito Comercial, v. IV)

"É preciso compreender que, (...), as Juntas Comerciais funcionam como tribunal

administrativo, pois examinam previamente todos os documentos levados a registro.

Mas essa função não é jurisdicional, pois as juntas possuem apenas competência para

o exame formal desses atos e documentos. Assim, p. ex., têm elas competência para

verificar se os contratos sociais, as atas de assembléias gerais, estão formalmente

corretos, atendendo às exigências legais. Se o objeto de uma sociedade comercial for


ilícito, ou se a ata da assembléia-geral registra uma decisão tomada em desatenção aos

dispositivos da lei, deve o registro ser denegado. *

(Requião, Rubens. Curso de Direito Comercial, Saraiva, 1o. volume, n. 66)

Apesar do cuidado com que a doutrina e os Tribunais tratam da matéria, eis

que são extremamente sutis os limites existentes entre o exame formal da legalidade

dos atos suscetíveis de registro na Junta e a invasão de competência do Poder

Judiciário (pois é cediço o princípio segundo o qual não se pode subtrair do exame do

Poder Judiciário as lesões ao direito individual, coletivo ou difuso), não pode haver

dúvida que, velando pela ordem pública e pelo interesse privilegiado de terceiros, o

órgão registrai pode, em presença de ilegalidade, recusar o processamento de ato que,

não fosse o vício de legalidade, competir-lhe-ía.

O que se disse aplica-se, com toda a certeza, à fiscalização pela Junta

Comercial dos atos de escrituração contábil e mercantil que se provam mediante livros e

documentos a serem ali autenticados.

Não bastasse o que já consta do Código Comerciai e na Lei das Sociedades

Anônimas (arts. 133 e seguintes), dando a exata compreensão da extensão e conteúdo

dos atos e fatos a serem escriturados, há uma extensiva e minudente regulamentação

dos serviços da Junta, bem como das formalidades adicionais de que devem se revestir

os livros comerciais, da qual se dessume, ainda com maior clareza, a consistência das

anotações.
É obrigatória, portanto, a manutenção de registros contábeis e mercantis

mínimos, pela empresa individual ou societária. A observância do cumprimento dessa

obrigação compete à Junta Comercial, por ocasião da autenticação de tais livros, sem a

qual eles tem minimizada a sua força probante em favor da empresa. Aliás, os livros

comerciais irregulares constituem prova contra a empresa comercial, sobretudo em

casos de faiôncia e infração tributária.

Em razão disso, a empresa comercial individual que se apropriar de recursos

ambientais estará obrigada a denunciar em sua escrita mercantil ou contábil o custo de

seu passivo ambiental, na forma indicada pelo Estudo Prévio de Impacto Ambiental e

seus procedimentos de monitoração. As cifras específicas vão variar grandemente

conforme o tipo de dano identificado pelo EIA e o tipo de indenização que, face ao dano,

se mostrar mais adequado à solução reparatória.

No âmbito das sociedades comerciais, a questão se coloca de modo ainda

mais rigoroso.

É que no universo societário, diferentemente do que ocorre no campo da

empresa individual, há a intervenção de uma figura extremamente importante para o

próprio desenvolvimento do comércio : o sócio ou investidor. Limitada a análise, por

razões práticas e de objetividade, à sociedade por cotas de responsabilidade limitada e

à sociedade anônima, ver-se-á que os deveres que vinculam o administrador frente aos
sócios, sobretudo no modelo "quase-público" da S/A, oportunizam uma ótica toda

própria de abordagem do passivo ambiental.

Os administradores das sociedades anônimas e limitadas estão vinculados

por deveres formais, expressos com detalhes na Lei do Anonimato®®, deveres estes

que se comunicam, inclusive, aos membros do Conselho Fiscal, se houver.

Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, dispõe sobre as sociedades por ações."Seção IV. Deveres e
Responsabilidades. Dever de Diligência. Art. 1 5 3 - 0 administrador deve empregar, no exercício de suas funções,
o cuidado e a diligência que todo homem probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.
Finalidade de Atribuições e Desvio de Poder. Art. 1 5 4 - 0 administrador deve exercer as atribuições que a Lei e o
estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e
da função social da empresa. Parágrafo Primeiro - O administrador eleito por grupo ou classe de acionistas tem,
para com a companhia, os mesmos deveres que os demais, não podendo, ainda que para a defesa do interesse
dos que o elegeram, faltar a esses deveres. (...) Dever de Informar. Art. 157 - (...) Parágrafo Primeiro - O
administrador da companhia aberta ó obrigado a revelar à assembléia geral ordinária, a pedido de acionistas que
representem 5% (cinco por cento) ou mais do capital social: a) (...); b) (...); c) (...); d) (...); e) quaisquer atos ou
fatos relevantes nas atividades da companhia. Parágrafo Segundo - (...) Paragrafo Terceiro - A revelação dos
atos ou fatos de que trata este artigo só poderá ser utilizada no legítimo interesse da companhia ou do acionista,
respondendo os solicitantes pelos abusos que praticarem. Parágrafo Quarto - Os administradores da companhia
aberta são obrigados a comunicar imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa qualquer
deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia, ou fato relevante oconido nos
seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou
comprar valores mobiliários emitidos pela companhia. Parágrafo Quinto - Os administradores poderão recusar-se
a prestar a informação (parágrafo primeiro, g), ou deixar de divulgá-la (parágrafo quarto), se entenderem que sua
revelação porá em risco interesse legítimo da companhia, cabendo à Comissão de Valores Mobiliários, a pedido
dos administradores, de qualquer acionista, ou por iniciativa própria, decidir sobre a prestação de informação e
responsabilizar administradores, se for o caso. Responsabilidade dos Administradores. Art. 1 5 8 - 0 administrador
não ó pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato
regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder. I - dentro de suas
atribuições ou poderes, com culpa ou dolo. II - com violação da lei ou do estatuto. Parágrafo Primeiro - O
administrador não ó responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se
negligenciar em descobrí-los ou deles tendo conhecimento deixar de aagir para impedir a sua prática. Exime-se
de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão
de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração ou,
não sendo possível, ao conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembléia geral. Parágrafo Segundo - Os
administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não-cumprimento dos
deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais
deveres não caibam a todos eles. Paragrafo Terceiro - Nas companhias abertas a responsabilidade de que trata o
parágrafo segundo ficará restrita, ressalvado o disposto no parágrafo quarto, aos administradores que, por
disposição ck> estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres. Parágrafo Quarto - O
administrador que, tendo conhecimento do não-cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou peio
administrador competente nos termos do parágrafo terceiro, deixar de comunicar o fato à assembléia geral,
tomar-se-á por ele solidariamente responsável. Parágrafo Quinto - responderá solidariamente com o
administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com
violação da lei ou do estatuto. Ação de Responsabilidade. Art. 159 - Compete à companhia, mediante previa
deliberação da assembléia geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos
causados ao seu patrimônio. Parágrafo Primeiro - A deliberação poderá ser tomada em assembléia geral ordinaria
E fácil constatar, não só pela leitura dos dispositivos de lei que se

transcreveu ao pé-da-página, mas também pelo caráter intuitivo das respectivas

prescrições, que aos administradores das sociedades anônimas não se faculta qualquer

discrição quanto à denúncia da existência de passivo ou contingência ambiental, sob

pena de severa responsabilização. Os deveres de observância obrigatória que

restringem a conduta administrativa a critérios éticos rigorosos, sob penas igualmente

duras, não permite espaço de transigência aos destinatários e atingem até mesmo

órgãos societários que, apenas subsidiariamente, comprometem-se com tarefas de

administração (como é o caso do conselho fiscal e de conselhos técnicos e consultivos,

quando existentes).

Conforme já se asseverou, ademais, os mesmos deveres e princípios se

aplicam, por analogia expressamente aconselhada pela Lei (art. 18, do Decreto n.

e, 36 prevista na ordem do dia, o for conseqüência direta de assunto neta incluído, em assembléia gerai
extraordinária. Parágrafo Segundo - O administrador ou administradores contra os quais deva ser proposta a
ação, ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma assembleia. Parágrafo Terceiro - Qualquer
acionista poderá promover a ação, se não for proposta no prazo de 3 (três) meses da deliberação da assembléia
geral. Parágrafo Quarto - Se a assembléia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas
que representem 5% (cinco por cento), pelo menos, do capital social. Parágrafo Quinto - Os resultados da ação
promovida por acionista deferem-se à companhia, mas está deverá indenizá-lo, até o limite daqueles resultados,
de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados.
Parágrafo Sexto - O juiz poderá reconhecer a exlcusão da responsabilidade do administrador, se convencido de
que esse agiu de boa-fó e visando ao interesse da companhia. Parágrafo Sétimo - A ação prevista nesse artigo
não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador. Órgãos
Técnicos e Consultivos. Art. 160 - As normas dessa seção aplicam-se aos membros de quaisquer órgãos criados
pelo estatuto, com funções técnicas ou destinados a aconselhar os administradores. (...) Capítulo XIII. Conselho
Fiscal. (...) Art. 165 - Os membros do conselho fiscal tem os mesmos deveres dos administradores de que tratam
os arts. 153 a 156 e respondem pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de seus deveres e de atos
praticados, com culpa ou dolo, ou com violação da lei ou do estatuto. Parágrafo Primeiro - O membro do conselho
fiscal não é responsável pelos atoe ilícitos de outros membros, salvo se com eles for conivente ou se concorrer
para a prática do ato. Parágrafo Segundo - A responsabilidade dos membros do conselho fiscal por omissão no
cumprimento de seus deveres, ó solidária, mas dela se exime o membro dissidente que fizer consignar sua
divergência em ata da reunião do órgão e a comunicar aos órgãos da administração e à assembléia geral.
3.708, de 10 de janeiro de 1919, conhecido como a *Lei das Limitadas*), aos

administradores das sociedades limitadas, sob idênticas penas.

A análise dos documentos da administração a serem submetidos à

aprovação da assembléia geral também ilustra como, no caso das demonstrações

financeiras, há nelas lugar de destaque reservado para a indicação de passivos e

contingências ambientais (art. 133 e seguintes e art. 176 e seguintes da Lei n.

6.404/76)67. a leitura da lei, que em nota de pé de página se transcreve, é por si

Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. 'Documentos da Administração. Art. 133 - Os administradores


devem comunicar, até 1 (um) môs antes da data marcada para a realização da assembléia geral ordinária, por
anúncios publicados na forma prescrita no art. 124, que se acham à disposição dos acionistas: I - o relatório da
adminstração sobre os negócios sociais e os principais fatos administrativos do exercício findo; II - a cópia das
demonstrações financeiras; III - o parecer dos auditores independentes, se houver. (...) Art. 176 - Ao fim de cada
exercício social, a Diretoria fará elaborar, com base na escrituração mercantil da companhia, as seguintes
demonstrações financeiras, que deverão exprimir com clareza a situação do patrimônio da companhia e as
mutações havidas no exercício: I - balanço patrimonial; II - demonstração dos lucros e prejuízos acumulados; III -
demonstração do resultado do exercício; e IV - demonstração das origens e aplicações de recursos. Parágrafo
Primeiro - (...). Parágrafo Segundo - (...). Parágrafo Terceiro - As demonstrações financeiras registrarão a
destinação dos lucros segundo a proposta dos órgãos de administração, no pressuposto de sua aprovação pela
assembléia geral. Parágrafo Quarto - As demonstrações serão complementadas por notas explicativas e outros
quadros analíticos ou demonstrações contábeis necessários para esclarecimento da situação patrimonial e dos
resultados do exercício. Parágrafo Quinto - As notas deverão indicar: a) (...); b) (...); c) (...); d) (...); e) (...); f) (...);
g) (...); h) (...); i) os eventos subseqüentes à data de encerramento do exercício que tenham, ou possam vir a ter,
efeito relevante sobre a situação financeira e os resultados futuros da companhia. Parágrafo Sexto - A companhia
fechada com patrimônio líquido, em data do balanço, não superior a 20.000 (vinte mil) Obrigações Reajustáveis
do Tesouro Nacional, não será obrigada á elaboração e publicação da demonstração das origens e aplicação de
recursos. Escrituração. Art. 177 - A escrituração da companhia será mantida em registros permanentes, com
obediência aos preceitos da legislação comercial e desta lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos,
deverão observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais
segundo o regime de competência. Parágrafo Primeiro - As demonstrações financeiras do exercício em que
houver modificação de métodos ou critérios contábeis, de efeitos relevantes, deverão indicá-la em nota e ressaltar
esses efeitos. Parágrafo Segundo - A companhia observará em registros auxiliares, sem modificação da
escrituração mercantil e das demonstrações reguladas nesta lei, as disposições da lei tributária, ou dm Imgisiaçao
especial mobrm a atívidadm que constitui seu objeto, que prescrevam métodos ou critérios contábeis diferentes
ou determinem a elaboração de outras demonstrações financeiras. Parágrafo Terceiro - As demonstrações
financeiras das companhias abertas observarão, ainda, as normas expedidas pela Comissão de Valores
Mobiliários, e serão obrigatoriamente auditadas por auditores independentes registrados na mesma comissão.
Parágrafo Quarto - As demonstrações financeiras serão assinadas pelos administradores e por contabilistas
legalmente habilitados. (...) Passivo Exigivel. Art. 160 - As obrigações da companhia, inclusive financiamentos
para aquisição de direitos do ativo permanente, serão classificadas no passivo circulante, quando se vencerem
no exercício seguinte, e no passível exigível a longo prazo, se tiverem vencimento em prazo maior, observado o
disposto no parágrafo único do art. 179. (...) Proposta de Destinação do Lucro. Art. 192. Juntamente com as
demonstrações financeiras do exercício, os órgãos de administração da companhia apresentarão á assembléia
geral ordinária, observado o disposto nos arts. 193 a 203 e no estatuto, proposta sobre a destinação a ser dada
eloqüente. O balanço patrimonial, por exemplo, deverá apontar o valor das indenizações

por danos ambientais pagas no exercício (art. 178, parágrafo segundo, letras a e b -

contas do *passivo exigível1), assim como uma reserva para contingências, constante da

proposta de destinação do lucro líquido a ser apresentada à homologação da

assembléia geral pelos órgãos de administração (art. 192 e 195), proverá o suficiente

para o pagamento das indenizações ambientais tidas por prováveis para os exercícios

futuros, desde que seu valor seja de estimativa possível.

Havendo boa fé por parte da empresa que se apropria de recursos

ambientais, a Lei das S/A abre a possibilidade de escrituração específica e apartada do

passivo ambiental, mediante critérios razoáveis que, segundo as conclusões do EIA ou

de outro estudo que lhe faça as vezes, satisfaçam as necessidades de amortização do

dano ambientai causado (art. 177, parágrafo segundo, normas sobre “registros

auxiliares*).

Há, portanto, como se comprovou, instrumentos legais que determinam que

as conclusões do EIA em tomo de passivos, danos e contingências ambientais sejam

contabilizados pela empresa comercial, seja ela individual ou societária.

ao lucro líquido do exercício. (...) Reservas para Contingências. Art. 195 - A assembléia geral poderá, por
proposta dos órgãos da administração, destinar parte do lucro líquido à formação de reserva com a finalidade de
compensar, em exercício futuro, a diminuição do lucro decorrente de perda julgada provável, cujo valor possa ser
estimado. Parágrafo Primeiro - A proposta dos órgãos da administração deverá indicar a causa da perda prevista
e justificar, com as razões de prudência que a recomendem, a constituição da reserva. Parágrafo Segundo - A
reserva será revertida no exercício em que deixarem de existir as razões que justificarem a sua constituição ou
em que ocorrer a perda.
8.4 O CONTROLE DO PASSIVO AMBIENTAL DA EMPRESA

Apesar de o EIA ter sido indicado como um instrumento de contabilização

compulsória e denúncia do passivo ambiental, ele pode ser utilizado, e com toda a

propriedade, em benefício da atividade da empresa que se apropria de recursos

ambientais. Já na seção que tratava da virtuosidade do EIA como instrumento de defesa

da concorrência indicava-se seu caráter absolutamente benéfico para a estabilização

das condições ideais de competição mercantil e industrial dentro do mercado. Ao longo

de todo o texto, ademais, louvou-se a intemalização como medida de bom senso capaz

de garantir a sustentabilidade dos recursos ambientais renováveis ou não, com

vantagens diretas e indiretas para a empresa comercial, a coletividade e as instituições

públicas ou privadas eventualmente interessadas.

Há no EIA, portanto, uma quase inesgotável potencialidade de utilização

como instrumento de gestão e controle ambiental, que deve ser explorada ao máximo

pela empresa que, em última análise, arcou com os custos de sua confecção.

Sendo, como é, uma espécie de projeto de investimento, o EIA pode e deve

ser encarado, no âmbito da empresa, como um instrumento de antecipação de decisões

sobre curso de ações administrativas. Considerações em tomo da localização, tamanho,

tecnologia a ser empregada, aproveitamento máximo de matérias primas, rejeitos e

energias renováveis ou não, embora se imponham à empresa em razão da


obrigatoriedade do EIA, ultrapassam o âmbito de interesse ambiental para se colocar

como temas de interesse geral de “otimização“de métodos, técnicas e procedimentos.

Assim como a empresa comercial, através da atuação de seus

administradores, analisa as tendências do mercado e suas projeções, privilegiando cada

vez mais o planejamento estratégico e seus instrumentos^ , no Brasil de hoje ela deve

concentrar sua atenção aos fatores de análise que acusam, no âmbito do EIA, os

desdobramentos ambientais de sua atividade, indo além do passivo ambiental e

utilizando o EIA e suas conclusões como poderoso instrumento gerencial.

As razões para tanto são óbvias.

Em primeiro lugar a realização do EIA é inevitável. Em um quadro

institucional que dota a coletividade e seus substitutos legais (o Ministério Público, as

associações civis, entre outros) de poderosíssimos instrumentos de coerção como a

responsabilidade objetiva e a ação civil pública, o impacto ambiental negativo decorrente

da atividade da empresa (em outras palavras “o dano ambiental“ decorrente dessa

atividade), assume a forma de indenizações e traduz-se em passivo ou, na melhor das

hipóteses, face a atuação imperfeita das instituições, em contingências.

Em segundo lugar, também em razão da ordem jurídica em vigência, a

contabilização do passivo ambiental é inevitável.

Porque não assumir, portanto, o controle desse passivo para, dentro da Lei,

inverter o custo das indenizações em pesquisas tecnológicas, inovações administrativas,

Ver Pomeranz, Lenina. Elaboração da Projetos da Investimento. Ed. Hucitec.


benefícios para a comunidade de empregados e colaboradores, implantação de

equipamentos úteis para a coletividade etc. ?

Com medidas dessa natureza, englobadas em um plano geral de controle e

gestão de riscos ambientais que pode ter como ponto de partida o próprio EIA, a

empresa ganha. Ganha na qualidade dos serviços e dos produtos, na produtividade, no

incentivo de seus empregados e colaboradores, nos custos, na ampliação da linha de

produtos, na melhora de sua imagem institucional e em uma infinidade de outros fatores

indiretos decorrentes desses benefícios.

A grandeza econômica das indenizações, além da incerteza de riscos

ambientais aleatórios e sem qualquer controle, pode ser trocada pela assunção dos

ônus da atividade ambientalmente lesiva e, em contrapartida, da locupletação com os

bônus que um sistema de controle e gestão de problemas e riscos ambientais pode

trazer.

Logo, operando dentro da Lei e tirando partido do avanço da legislação

ambiental, que na verdade reflete o avanço geral de toda uma concepção econômica

em que os agentes produtivos corrigem as distorções que o capitalismo, em forma bruta,

traz consigo, outra alternativa não há senão globalizar os resultados e conclusões do

EIA, colocando-os a serviço da melhora das condições de trabalho e concorrência.

8.4.1 A Gestão dos Problemas e Riscos Ambientais da Empresa


A fundamentação e as conclusões do EIA podem (e devem) ser

aproveitadas por um Plano ou Sistema Integrado de Gestão de Problemas e Riscos

Ambientais (SIGRA) cujos principais benefícios são listadas a seguir.

8.4.1.1 Observância da Lei

Não há lugar, no universo institucional do mercado, para a atividade ilícita e

clandestina. O lado "informal“ da economia, como se sabe, é deletério e não produz

vantagens individuais ou coletivas, mas graves disfunções que vêm em detrimento do

bem estar e do avanço das instituições políticas, econômicas e sociais. Mesmo no

campo tributário, onde as tentações da ilicitude têm levado grandes contingentes de

empresas à prática da sonegação, o velho e imoral conceito do "nada pagar* vem sendo

substituído por procedimentos gerenciais e estratégicos de *economia legai de

impostos*. No quadro de uma economia organizada, até mesmo no interesse de

propiciar o livre desenvolvimento das condições ideais de concorrência, a observância

dos princípios éticos e legais mostra-se indispensável. O ideal ético tende, no passo da

evolução da civilização, a ser atingido.

A recepção dos custos ambientais pela empresa é de lei, mas é também de

bom senso. O capitalismo parece finalmente ter se apercebido que só a sustentação dos

recursos ambientais, alcançável através da intemalização dos respectivos custos, pode

garantir a sua sobrevivência como sistema econômico.


A questão está, portanto, na aceitação e acomodação à essa nova

realidade, que, indubitavelmente, é irreversível.

A implantação de um Sistema Integrado de Gestão de Problemas e Riscos

Ambientais ó o passo fundamental para que a Lei seja efetivamente cumprida,

assumindo as rédeas do controle dos custos ambientais a própria empresa. Assim como

a empresa que adota um planejamento tributário não espera a chegada da fiscalização

para atualizar e monitorar o cumprimento das normas respectivas, a empresa que adota

o SIGRA se antecipa à atuação das instituições e, com ampla publicidade (que nesse

caso só pode favorecer a sua imagem institucional), revela e repara, dentro da

razoabilidade, o seu passivo ambiental.

O cumprimento da lei é, assim, o primeiro benefício que a empresa e os que

ela interagem recebem pela implementação do SIGRA, que é, como já se asseverou,

uma espécie de “subproduto* do EIA.

8.4.1.2 Eficiência no Planejamento Estratégico

Os pressupostos e fatores de análise do EIA, respeitantes à todo entorno

social, econômico, geográfico e tecnológico do projeto, obra ou atividade, permitem

ampla utilização como fatores de análise do desenvolvimento do empreendimento em si.

A reflexão sobre a localização, tamanho, demanda e oferta do setor, tecnologia mais

adequada, horizontes de retomo do investimento, custos e benefícios etc., propicia que


todas as ações de implantação e operação do projeto, obra ou atividade sejam melhor

planejadas, em aspecto de integração com inúmeros campos de interesse.

Todo esse universo de preocupação, envolvendo uma miríade de interesses

que são como que “catalisados" pela dimensão ambiental que o EIA explora, está

incluído no SIGRA. As funções corporativas vitais, reveladas através da atividade

administrativa, financeira, contábil, legal, de desenvolvimento de produtos, de marketing

e relações públicas, de planejamento estratégico, de relações institucionais e

corporativas etc., devem estar de tal modo integradas no SIGRA que permitam um

entrelaçamento de decisões.

As características desse Sistema, para que o planejamento estratégico seja

realmente eficaz, estarão em suas funções identificativas, preventivas, comunicativas,

reparatórias, administrativas de problemas, riscos e crises e, sobretudo, integrativas.


9 CONCLUSÕES

9.1 NO PLANO CONCEITUAL E METODOLÓGICO

No âmbito "macrojurídico'1, o Direito Econômico é o ponto comum de

convergência e atração do regime legal da empresa mercantil e da disciplina da

produção, circulação, distribuição e consumo das riquezas, catalizando, segundo uma

metodologia funcional e indutiva, categorias oriundas de diferentes ramos do direito

público e privado e permitindo seu tratamento científico segundo uma ótica unívoca.

No âmbito “micro-econômico", o EIA é o instrumento hermenêutico adequado

para a identificação e positivação das categorias jurídicas que geram e determinam o

conteúdo e a extensão do passivo ambiental da empresa.

O raciocínio dito "problemático”, por sua vez, orientado pela tópica e pela

teoria da argumentação, é o mais adequado para a interpretação e análise das

categorias que compõem o passivo ambiental da empresa. Segundo esse *método“ e

através de um sistema aberto e de feição elíptica que busca, entre várias, a melhor
solução possível para problemas e questionamentos postos, é possível a

instrumentalização de categorias ( “dados“) de vários sistemas "fechados“ (como o

Direito Civil, Comercial, Administrativo ou Constitucional) para, fora deles, explicar

topicamente e pela força persuasiva das conclusões, o regime a que se sujeita o

passivo ambiental da empresa comercial.

9.2 NO PLANO DA POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA E DO ESTUDO DE IMPACTO

AMBIENTAL

A política ambiental brasileira, influenciada pela evolução do Direito

Ambiental Internacional e pela ideologia de uma vanguarda tecnoburocrática, consagra :

(i) o princípio da interdependência, (ii) da sustentabilidade ambiental, (iii) da

responsabilidade objetiva e do “poluidor pagadorM


, (iv) da avaliação dos impactos

ambientais, além de um regime diferenciado de apropriação e tutela dos recursos

naturais caracterizado pela generalidade, dinamicidade e funcionalidade do direito difuso

à preservação e gozo de um meio ambiente sustentado. Institucionalmente, visa a

harmonização dos “serviços“ e “usos“ do meio natural através da atuação de

instrumentos preventivos, diretivos, de controle, punitivos, repristinatórios ou

compensatórios. Apresenta-se como “omnicompreensiva“ ou de interferência global e

fundamenta-se no "ecodesenvolvimento", recepcionando, em sede constitucional, as

principais teses da sustentabilidade social, econômica, geográfica, ecológica e cultural.


O EIA, compreendido como um conjunto de procedimentos técnicos que

visam, previamente à implementação de obras, projetos e atividades potencialmente

causadoras de significativa degradação ambiental, identificar, analisar, avaliar, valorar,

projetar para o futuro e permitir a monitoração permanente das alterações físicas,

químicas, biológicas, sociais e econômicas causadas no respectivo entomo ambiental,

substitui e supera o projeto de investimento como instrumento de análise e

racionalização da aplicação de recursos.

Sendo, no âmbito empresarial, o mais importante dos instrumentos da

política ambiental brasileira, o EIA, através do desenvolvimento de seu conteúdo mínimo

e mercê da relação dinâmica entre seus atores, apresenta como virtuosidades os

atributos de s e r : (i) instrumento de tutela do direito difuso ao gozo do meio ambiente

sustentado, (ii) instrumento de determinação do conceito de meio ambiente, (iii)

instrumento de determinação do conceito de dano ambiental, (iv) instrumento de

determinação e atuação da responsabilidade objetiva pelos danos causados ao meio

ambiente e, (v) instrumento de defesa da concorrência.


9.3 NO PLANO DO DIREITO DIFUSO À PRESERVAÇÃO E GOZO DE UM MEIO

AMBIENTE SUSTENTADO

O direito difuso à preservação e gozo de um meio ambiente sustentado não

altera o regime de titularidade (propriedade) do recurso ambiental, mas a sua função.

Revela-se como um direito que tutela um interesse imaterial, uma justa e legítima

pretensão agasalhada pela lei e reconhecida em favor de todos os cidadãos,

indiscriminadamente, e até em favor das futuras gerações (art. 225, da Constituição

Federal). Esse interesse consiste no gozar de um entomo, de uma atmosfera, de um

ambiente equilibrado, sustentado e, em conseqüência, salubre.

O núcleo de tal direito caracteriza-se pela generalidade, dinamicidade e

funcionalidade do interesse tutelado. Segundo a generalidade, não se tutela, senão

extraordinariamente e em caráter especial, este ou aquele recurso natural,

individualmente considerado, mas cada ecossistema, cada bioma digno de preservação,

em seu todo. O indivíduo, seja animal, mineral ou vegetal, é tutelado na exata medida

em que é relevante para a manutenção da sustentabilidade de cada sistema. Segundo a

dinamicidade. tutela-se o ambiente, o bioma, o ecossistema, em seu aspecto dinâmico,

considerado o homem e o estado da tecnologia como elementos que podem (e devem)

se harmonizar com o meio natural. Por isso, o *estado do meio ambiente* e os ajustes

necessários para o seu equilíbrio ideal só podem ser alcançados mediante verificações
técnicas e em consideração da situação concreta e presente do uso efetivo dos recursos

ambientais. Não há, em outras palavras, meio ambiente "ideal" a ser tutelado. Segundo

a funcionalidade, o ordenamento visa permitir, através da consagração desse direito

difuso, a co-existência do desenvolvimento econômico, como resultado do exercício das

prerrogativas da livre iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção (art.

170 da Constituição Federal), e a preservação ambiental.

É somente através do EIA e de seus procedimentos técnicos de identificação

do entorno a ser preservado e do *estado* ideal de sustentação, que se fixa o conteúdo

do direito difuso de gozo e preservação que assiste à coletividade. Antes disso, há

somente um conceito legal em branco, imprestável à aplicação prática.

9.4 NO PLANO DA DETERMINAÇÃO DO CONCEITO JURÍDICO DE MEIO AMBIENTE

O conceito jurídico de meio ambiente, face à ambigüidade, vagueza e

indeterminação da lei, só é alcançável, no real concreto, a partir dos procedimentos

técnicos do EIA, notadamente de seu *diagnóstico ambiental*. O EIA é, assim, o

instrumento hermenêutico pelo qual o intérprete retira da realidade as *condições, leis e

influências* que caracterizam o meio ambiente.


9.5 NO PLANO DA DETERMINAÇÃO DO CONCEITO JURÍDICO DE DANO

AMBIENTAL

O conceito de dano ambiental só é apurável mediante a *depuração* do

conceito de impacto ambiental, conforme a previsão do art. 3o. da Lei 6.938/81 e do art.

1o. da Resolução 001/1986 - CONAMA.

Uma vez fixado o seu conceito, o dano ambiental pode ser classificado

segundo os seguintes critérios : (i) a previsibilidade; (ii) a “previstabilidade"; (iii) a

probabilidade e certeza (caráter imediato e mediato, local ou regional); (iv) a

tolerabilidade e o estado de tecnologia disponível contemporaneamente à

implementação do projeto, obra ou atividade; (v) a evitabilidade; (vi) a reversibilidade e

temporalidade; (vii) a natureza da reparação.

Somente o EIA propicia a aplicação desses critérios à realidade do projeto,

obra ou atividade analisada, em caráter prévio e institucional.


9.6 NO PLANO DA DETERMINAÇÃO E ATUAÇÃO DA RESPONSABILIDADE

OBJETIVA

A responsabilidade objetiva no campo ambiental, fundamentada na "Teoria

do Risco Ambiental" e oriunda de uma opção de política legislativa, é apontada,

preventiva ou reparatoriamente, pelo EIA, na medida em que identifica e analisa os

impactos e danos ambientais de uma dada obra, atividade ou projeto. O mesmo ocorre

com as soluções de indenização e com a discriminação perfeita dos agentes diretos e

solidários.

Também ao nível da ação civil pública, caracterizada por sua

obrigatoriedade, indisponibilidade e imprescritibilidade, o EIA oferece importantes

subsídios para o acertamento das indenizações.

9.7 NO PLANO DA DEFESA DA CONCORRÊNCIA

Seja como instrumento de controle prévio e vedação de condutas tidas por

intoleráveis (ligado ao sistema da "per se condenmation") ou de monitoração e

repressão ao abuso (ligado ao sistema da "rule of reason"), o EIA tem função de defesa

das condições leais, equitativas e paritárias de concorrência, sobretudo porque, ao


propiciar a intemalização do custo social da apropriação dos recursos ambientais, obriga

o mercado a corrigir distorções oriundas da não observância desse processo de "trade-

in".

9.8 NO PLANO DA IDENTIFICAÇÃO DO PASSIVO AMBIENTAL E DETERMINAÇÃO

DAS OBRIGAÇÕES AMBIENTAIS DA EMPRESA COMERCIAL

A realização do EIA permite a identificação do passivo ambiental da

empresa, considerado o passivo como o conjunto das obrigações negativas ou ônus

que recaem sobre esse agente econômico em razão do caráter potencial ou

efetivamente lesivo do projeto, obra ou atividade que explore.

Tal passivo, no âmbito da empresa mercantil decorre da aplicação da

legislação comercial e societária em vigor (notadamente a Lei das Sociedades

Anônimas), envolvendo duas diferentes "contas" - a do “passivo não-financeiro" e a do

"passivo financeiro", a saber: (i) passivo não-financeiro - (a) dever de monitorar o estado

do meio ambiente; (b) contabilizar em rubrica própria e segundo valores reais de

mercado as contingências e passivos ambientais financeiros; e (c) informar a

coletividade de investidores e prestadores de capital sobre o cumprimento de tais

deveres, sob pena, nas três hipóteses, de responsabilização civil da empresa e seus
administradores, (ii) passivo financeiro - dever de indenizar os danos ambientais

efetivamente contabilizados segundo o que já se enumerou.

Além de um instrumento de contabilização compulsória e identificação do

passivo ambiental e dado a já comentada aproximação com o projeto de investimento, o

EIA pode e deve ser encarado, no âmbito da empresa, como um instrumento de

antecipação de decisões sobre curso de ações administrativas, através da implantação

de um Sistema Integrado de Gestão de Problemas e Riscos Ambientais (SIGRA). Tal

sistema, com funções identificativas, preventivas, comunicativas, reparatórias e,

administrativas de problemas, riscos e crises ambientais, caracteriza-se pela estrita

observância da lei (a partir da monitoração e controle permanente de práticas de risco),

a eficiência no planejamento estratégico e a integração das funções corporativas vitais

(administrativa, financeira, contábil, legal, de desenvolvimento de produtos, de marketing

e relações públicas, de planejamento estratégico, de relações institucionais e

corporativas etc), com amplos benefícios para o agente econômico e a comunidade em

que sua atividade se insere e repercute.


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