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AR QU IV O D A C AT EG O R IA : PE D R O MA LTA – RE P EN TES , M O TES E GL OSA S

PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MESTRES DO REPENTE


Publicado em 29 de setembro de 2023

Lourival Batista, o Louro do Pajeú (1915-1992)

Lourival Batista:

Que beleza, se vê de manhãzinha,


Quando o sol vem surgindo no horizonte,
Espalhando seus raios sobre o monte,
E o sino a tocar na igrejinha!
Borboleta, canário e andorinha
Festejando o nascer duma alvorada!…
Quem não gosta de ouvir a passarada,
Desconhece o sertão dos cantadores,
Onde a brisa cochila com as flores,
Anunciando o começo da invernada!
José Monte:

É bonito se olhar numa represa


A marreca puxando uma ninhada
Com um gesto de mãe tão dedicada
No encontro das águas da represa
Quanto é lindo o arrolho da burguesa
Num conserto de notas musicais
A lagarta com letras naturais
Numa folha escrever fazendo um cheque
E palmeira selvagem abrindo o leque
Espantando o calor que a tarde faz .

Otacílio Batista Patriota:

O cantador violeiro
longe da terra querida,
sente um vazio na vida,
tornando prisioneiro,
olha o pinho companheiro,
aí começa a tocar,
tem vontade de cantar,
mas lhe falta inspiração.
Que a saudade do sertão
faz o poeta chorar.

Louro Branco:

Acho bonito o inverno


Quando o rio está de nado
Que um sapo faz oi aqui
Outro,oi do outro lado
Parece dois cantadores
Cantando mourão voltado.

Eliseu Ventania:

Pelo inverno, quando é de madrugada


A passarada dá sinal que o dia vem
Rio correndo, mato verde, açude cheio,
Naquele meio, todo mundo vive bem.
O sertanejo trabalhando em seu roçado
Muito animado com o ronco do trovão.
A meninada toma banho na lagoa,
Oh! Quanto é boa nossa vida no sertão.

João Paraibano:

Faço da minha esperança


Arma pra sobreviver
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.
*

Coruja dá gargalhada
Na casa que não tem dono
A borboleta azulada
Da cor de um papel carbono
Faz ventilador das asas
Pra rosa pegar no sono.

A juventude não dá
Direito a segunda via
Jesus pintou meus cabelos
No final da boemia
Mas na hora de pintar
Esqueceu de perguntar
Qual era a cor que eu queria.

Dimas Batista:

João de Barro bem alto faz seu ninho


Preparando de argila uma argamassa
Com as asas e os pés o barro amassa
E a colher de pedreiro é seu biquinho
Quem teria ensinado ao passarinho
Construção de tão sólida firmeza?
Que lhe serve de abrigo e de defesa
Contra o sol, contra a chuva e contra tudo
Pequenino arquiteto sem estudo
Quanto é grande e formosa a natureza!

Beija-Flor:

O homem fez um motor


Um rádio e televisão
Fabricou um avião
Obra de tanto valor
O homem fez um motor
Pra correr nas profundezas
Fez uma cama e um mesa
Um revólver e um faca
Morre e não faz uma jaca
Que é fruto da natureza.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UM CORDEL DE PELEJA
Publicado em 22 de setembro de 2023

Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, Assaré-CE (1909-2002)

***

Patativa do Assaré:

Sou poeta afamado


das bandas do Assaré
respeito home casado,
moça, menina e muié,
pra acabar com essa peleja
pode ser que sua mãe seja
pueta tirando o é.

***

Manoel Xudu:

Voei célere aos campos da certeza


E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor onipotente
Criador da suprema natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que Ele impera no trono divinal.

***

Antonio Marinho do Nascimento:

Eu sou de uma terra de heróis e vilões


Valentes, covardes, fortes e fracos
De pretos, de brancos, brilhantes e opacos
De homens- farrapos, de homens-brasões
Todos personagens de destruições
Que ousam, que teimam a história manchar
O índio morrendo e o negro a clamar
Que seu cativeiro chegasse ao final
Sentindo o chicote frio de Portugal
Fazer jorrar sangue na beira do mar .

***

Otacílio Batista Patriota:

Ao romper da madrugada,
um vento manso desliza,
mais tarde ao sopro da brisa,
sai voando a passarada.
Uma tocha avermelhada
aparece lentamente,
na janela do nascente,
saudando o romper da aurora,
no sertão que a gente mora,
mora o coração da gente.

O cantador violeiro
longe da terra querida,
sente um vazio na vida,
tornando prisioneiro,
olha o pinho companheiro,
aí começa a tocar,
tem vontade de cantar,
mas lhe falta inspiração.
Que a saudade do sertão
faz o poeta chorar.

***

João Viana dos Santos:

Há entre o homem e o tempo


Contradições bem fatais,
O homem não faz, mas diz,
O tempo não diz , mas faz,
O homem não traz nem leva,
Mas o tempo leva e trás.

***

Lira Flores:

Quando as tripas da terra mal se agitam


E os metais derretidos se confundem
E os escuros diamantes que se fundem
Das crateras ao ar se precipitam,
As vulcânicas ondas que vomitam
Grossas bagas de ferro incendiado
Em redor deixam tudo sepultado!
Só com o som da viola que me ajuda,
Treme o sol, treme a terra, o tempo muda,
Eu cantando martelo agalopado!

***

A PELEJA DE BERNARDO NOGUEIRA E O PRETO LIMÃO – João Martins de


Athayde

Em Natal já teve um negro


Chamado Preto Limão
Representador de talento
Poeta de profissão
Em toda parte cantava
Chamando o povo atenção

Esse tal Preto Limão


Era um negro inteligente
Em toda parte que chega
Já dizia abertamente
Que nunca achou cantador
Que lhe desse no repente
Nogueira sabendo disto
Prestava pouca atenção
Dizendo: – eu nunca pensei
Brigar com Preto Limão
Sendo assim da raça dele
Eu não deixo nem pagão

O encontro destes homens


Causou admiração
Que abalou o povo em roda
Daquela povoação
Pra ver Bernardo Nogueira
Brigar com Preto Limão

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UNS VERSOS BEM ATUAIS


Publicado em 15 de setembro de 2023

Mote e glosas do poeta paraibano José de Anchieta Batista.

Passa o tempo pregando honestidade,


Todo mundo sabendo que é ladrão.

Diz que é servo de Deus, mas o demônio


Deve ser o seu guia e companheiro.
Do Tesouro, roubou muito dinheiro,
Pra formar este enorme patrimônio…
Debaixo da camada de ozônio,
Não existe um sujeito mais vilão,
Procurar outro igual será em vão,
No grande lamaçal da improbidade:
– Passa o tempo pregando honestidade,
Todo mundo sabendo que é ladrão.
No domingo o safado está na Missa
Como um anjo aos pés do Criador,
Faz ofertas também a algum pastor,
Diz que a Deus sua alma é submissa,
Prega paz, prega amor, prega justiça,
Prega tudo o que traz a salvação,
Diz que Cristo foi sua redenção
E que vive na luz e na verdade:
– Passa o tempo pregando honestidade,
Todo mundo sabendo que é ladrão.

É comprando seus votos que é eleito,


E assim, nunca perde o seu mandato.
O safado é ligeiro igual a um rato,
E na arte do roubo ele é perfeito,
Pois aí ele encontra sempre um jeito
De burlar os caminhos da prisão.
Não vai longe uma só acusação…
“É coisa de inimigo, é só maldade!”
– Passa o tempo pregando honestidade,
Todo mundo sabendo que é ladrão.

É por isso que nossa humilde gente,


Sem remédio, sem médico, sem leito…
Nos hospitais mendiga seu direito,
Mas nada importa a dor que o povo sente.
E este bandido zomba impunemente
Da indigência da população…
Que sem comida, emprego e habitação
É por ele assaltada sem piedade…
– Passa o tempo pregando honestidade,
Todo mundo sabendo que é ladrão.

Porém Deus que não tem olhos fechados


E não deixa um pecado sem cobrança…
Vai fazê-lo subir numa balança,
Pra medir quanto pesam seus pecados…
Os tostões, um por um, serão cobrados…
Eu não sei de que jeito, mas serão!
Roubar do povo é crime sem perdão,
Pois só os pobres sofrem de verdade…
– Passa o tempo pregando honestidade,
Todo mundo sabendo que é ladrão.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS
Publicado em 8 de setembro de 2023

O Poeta pernambucano de Caruaru Ivanildo Vilanova, um dos maiores nomes da


cantoria nordestina na atualidade

***

Ivanildo Vilanova glosando o mote:

No sertão falta água para o gado


Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

No sertão quando o solo está enxuto


Sofrem dois elementos de uma vez
Falta líquido pra língua de uma rês
Chovem gotas dos olhos do matuto
Ser humano padece, sofre o bruto
O segundo bem mais que o primeiro
Se dos olhos caísse um aguaceiro
O problema estaria saneado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Dá um nó emotivo na garganta
Quando a época da chuva vai embora
Sobra lágrima nos olhos de quem chora
Falta água na cova de quem planta
Se dos olhos cair não adianta
Que não enche cacimba e nem barreiro
Cresce mais a angustia e o desespero
Vendo o bicho sofrer sem ser culpado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Se repete esse drama no sertão


Fortaleza abissal dos aperreios
Os olhares humanos estão cheios
Mas os rios e poços não estão
Uma gota do céu não cai no chão
Ressecando inda mais o tabuleiro
Muge o boi mas da água nem o cheiro
Chora o homem com pena do coitado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Um vaqueiro soluça de manhã


Sem ter água no poço ou na cascata
Anda até seis quilômetros com uma lata
Perde as forças na aventura vã
Vê tombando de sede uma marrã
Uma vaca uma cabra ou um carneiro
E um garrote pertinho de um facheiro
À espera do líquido esverdeado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

***

Marcilio Pá Seca Siqueira glosando o mote:

O caderno do tempo é testemunha


Dos bilhetes que fiz pensando nela .

No caderno do tempo eu anotei


Cada frase de amor que fora dita
Rascunhei no papel deixei escrita
E num cofre fechado eu arquivei
Outro dia lembrando eu acordei
Vi nos velhos papéis o rosto dela
Reabriu a ferida da sequela
Como garras de fera que azunha
O caderno do tempo é testemunha
Dos bilhetes que fiz pensando nela.

***

Maurício Menezes glosando o mote:

Não há verso no mundo que retrate


A grandeza do povo sertanejo.
Procurei encontrar inspiração
Num recanto de terra pequenina
Pra fazer um poema em descrição
Das histórias da vida nordestina
Mas olhando para a força dessa gente
Vi que um verso não é suficiente
Pra mostrar a beleza do que vejo
Um poema seria um disparate
Não há verso no mundo que retrate
A grandeza do povo sertanejo.

***

Manoel Bentevi glosando o mote:

O mundo só está prestando


Depois que eu não presto mais.

Quem é novo e tem dinheiro


Faz na vida o que bem quer:
Nunca lhe falta mulher
Neste país brasileiro.
Se eu fosse moço e solteiro
Vivia nos lupanais
Nos cabarés, nos fuás
Com as meninas brincando
O mundo só está prestando
Depois que eu não presto mais.

***

Lenelson Piancó glosando o mote:

Ninguém põe tornozeleira


No pé do meu coração.

A mulher, de vez em quando


Fica brava e cria asa
Me põe da rua pra casa
Fica na praça dançando.
Essa mulher tá pensando
Que eu nessa situação
Não vou atrás de um colchão
De uma doida que me queira
Ninguém põe tornozeleira
No pé do meu coração!

***

Dalinha Catunda glosando o mote:

Duvido ter um vivente


Pra mentir mais do que eu…
Um dia me montei nua
E no cavalo do cão
Sobrevoei o Japão
Mas meu destino era a lua
No bicho sentei a pua
Ele logo obedeceu
O dragão me recebeu
Mas capei ele no dente
Duvido ter um vivente
Pra mentir mais do que eu…

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

POEMAS DE PATATIVA DO ASSARÉ


Publicado em 1 de setembro de 2023

Antônio Gonçalves da Silva, Assaré-CE (1909-2002)

***
MINHA VIOLA

Minha viola querida,


Certa vez, na minha vida,
De alma triste e dolorida
Resolvi te abandonar.
Porém, sem as notas belas
De tuas cordas singelas,
Vi meu fardo de mazelas
Cada vez mais aumentar.

Vaguei sem achar encosto,


Correu-me o pranto no rosto,
O pesadelo, o desgosto,
E outros martírios sem fim
Me faziam, com surpresa,
Ingratidão, aspereza,
E o fantasma da tristeza
Chorava junto de mim.

Voltei desapercebido,
Sem ilusão, sem sentido,
Humilhado e arrependido,
Para te pedir perdão,
Pois tu és a joia santa
Que me prende, que me encanta
E aplaca a dor que quebranta
O trovador do sertão.

Sei que, com tua harmonia,


Não componho a fantasia
Da profunda poesia
Do poeta literato,
Porém, o verso na mente
Me brota constantemente,
Como as águas da nascente
Do pé da serra do Crato.

Viola, minha viola,


Minha verdadeira escola,
Que me ensina e me consola,
Neste mundo de meu Deus.
Se és a estrela do meu norte,
E o prazer da minha sorte,
Na hora da minha morte,
Como será nosso adeus?

Meu predileto instrumento,


Será grande o sofrimento,
Quando chegar o momento
De tudo se esvaecer,
Inspiração, verso e rima.
Irei viver lá em cima,
Tu ficas com tua prima,
Cá na terra, a padecer.

Porém, se na eternidade,
A gente tem liberdade
De também sentir saudade,
Será grande a minha dor,
Por saber que, nesta vida,
Minha viola querida
Há de passar constrangida
Às mãos de outro cantor.

***

MINHA SERRA

Quando o sol nascente se levanta


Espalhando os seus raios sobre a terra,
Entre a mata gentil da minha serra
Em cada galho um passarinho canta.

Que bela festa! Que alegria tanta!


E que poesia o verde campo encerra!
O novilho gaiteia a cabra berra
Tudo saudando a natureza santa.

Ante o concerto desta orquestra infinda


Que o Deus dos pobres ao serrano brinda,
Acompanhada da suave aragem.

Beijando a choça do feliz caipira,


Sinto brotar da minha rude lira
O tosco verso do cantor selvagem.

***

ARTE MATUTA

Eu nasci ouvindo os cantos


das aves de minha serra
e vendo os belos encantos
que a mata bonita encerra
foi ali que eu fui crescendo
fui vendo e fui aprendendo
no livro da natureza
onde Deus é mais visível
o coração mais sensível
e a vida tem mais pureza.

Sem poder fazer escolhas


de livro artificial
estudei nas lindas folhas
do meu livro natural
e, assim, longe da cidade
lendo nessa faculdade
que tem todos os sinais
com esses estudos meus
aprendi amar a Deus
na vida dos animais.

Quando canta o sabiá


Sem nunca ter tido estudo
eu vejo que Deus está
por dentro daquilo tudo
aquele pássaro amado
no seu gorjeio sagrado
nunca uma nota falhou
na sua canção amena
só canta o que Deus ordena
só diz o que Deus mandou.

***

O POETA DA ROÇA

Sou fio das mata, cantô da mão grossa,


Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chôpana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de páia de mío.

Sou poeta das brenha, não faço o papé


De argum menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.

Não tenho sabença, pois nunca estudei,


Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastêro, singelo e sem graça,


Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

Só canto o buliço da vida apertada,


Da lida pesada, das roça e dos eito.
E às vez, recordando a feliz mocidade,
Canto uma sodade que mora em meu peito.

Eu canto o cabôco com sua caçada,


Nas noite assombrada que tudo apavora,
Por dentro da mata, com tanta corage
Topando as visage chamada caipora.

Eu canto o vaquêro vestido de côro,


Brigando com o tôro no mato fechado
Que pega na ponta do brabo novio,
Ganhando lugio do dono do gado.
Eu canto o mendigo de sujo farrapo,
Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão.

E assim, sem cobiça dos cofre luzente,


Eu vivo contente e feliz com a sorte,
Morando no campo, sem vê a cidade,
Cantando as verdade das coisa do Norte.

***

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM POEMA GASOSO DE OTACÍLIO BATISTA


Publicado em 25 de agosto de 2023
Poeta cantador pernambucano Otacílio Batista Patriota (1923-2003)

***

O VALOR QUE O PEIDO TEM – Otacílio Batista Patriota

O peido é bom toda hora


Sem peido não há quem passe
A criança quando nasce
Tanto peida como chora
Um peido ao romper da aurora
Eu não troco por ninguém
Há noites que eu solto cem
Peidos grandes e pequenos
Já conheço mais ou menos
O valor que o peido tem.

Um velho já moribundo
Nas agonias da morte
Soltou um peido tão forte
Que se ouviu no outro mundo
O peido gritou no fundo
Que só apito de trem
O velho sentiu-se bem
Levantou-se no outro dia
Dizendo a quem não sabia
O valor que o peido tem.

Pela porta do bufante


Para não morrer de volvo
Diariamente eu devolvo
Peido grande a todo instante
O sujeito ignorante
Não me compreende bem
Fecha a porta do sedem
Deixa o peido apodrecer
Esse morre sem saber
O valor que o peido tem.

Um peido silencioso
Por baixo de um cobertor
É tão grande o seu valor
Que descrevê-lo é custoso
Cheira mais que o mais cheiroso
Vale de Jerusalém
As roseiras de Siquém
As savanas do Saara
Nada disso se compara
O valor que o peido tem.

Ofende muito a pressão


Peido grande encarcerado
Deixa o corpo aliviado
Depois que sai da prisão
As veias do coração
Controlam-se muito bem
Sente o coração também
Uma alegria sem par
Ninguém sabe calcular
O valor que o peido tem.

Uma dor que faz mudar


A cadencia dos ouvidos
São os peidos recolhidos
Que você não quis soltar
Não vá se… prejudicar
Em respeito a seu ninguém
O velho Matusalém
Quase mil anos viveu
Porque toda vida deu
O valor que o peido tem.

Um negro foi se casar


Ou se casava ou morria
Peidou tanto neste dia
Quase derruba o altar
A noiva foi reclamar
Findou peidando também
O padre disse meu bem
Ninguém dar mais do que eu
O valor que o peido tem.

Peido azedo de água soda


Fede a casca de limão
E de jabá com feijão
Passa folgado na roda
Peido nenhum se incomoda
Com censuras de ninguém
Presta um favor quando vem
Aliviar quem padece
É quando a gente conhece
O valor que o peido tem.

Peido fedendo a chulé


Num samba de madrugada
Sai com tanta misturada
Que ninguém sabe o que é
Mais um peido de Pelé
Jogador que vive bem
Passa veloz no vintém
Não há goleiro que pegue
Nenhum bom juiz que negue
O valor que o peido tem.

Que prazer eu não teria


Se um peido se apresentasse
Bem fedorento e peidasse
Deixando a fotografia
Mas o peido não confia
Nos olhos de seu ninguém
São mistérios do além
Não posso compreender
Mas vale a pena saber
O valor que o peido tem.

Um peido em pleno verão


Cheirando a cu de veado
Tava sendo arrematado
Numa festa de leilão
Quando chegou num milhão
Não quis mais gritar ninguém
Naquilo o prefeito vem
Dizendo a honra me cabe
Minha prefeitura sabe
O valor que o peido tem.

Dizia o velho Abrahão


Para seu neto Esaú
O peido agradece ao cu
Depois que sai da prisão,
Peidava um tal de Sansão
Pelado e cego de guia
Temendo a onda bravia
Moisés peidou no oceano
E o papa no Vaticano
Só peida uma vez por dia.

Alguém disse que Jacó


Quando casou com Raquel
Passou a lua de mel
Peidando de fazer dó
Esse parente de Ló
Era genro de Labão,
Davi, pai de Salomão
Poeta, Rei e pastor
Peidava fazendo amor
Na cama fria do chão.

O homem velho esmorece


Assim que a noite aparece
Se deita e faz uma prece
Lá num canto da parede,
Meia noite se levanta
Com secura na garganta
Pega um caneco de flandre
Vai ao pote mata a sede
Solta quatro peido grande
Volta cagado pra rede.

Peido fino é safadeza


Peido alto é cretinice
Peido suave é meiguice
Peido baixo é sutileza
Silencioso é firmeza
Peido brando indica paz
O grosso é dos anormais
Sempre indica frouxidão
Mas chegando a perfeição
O homem não peida mais.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

ARIANO SUASSUNA – VISITAS CHATAS


Publicado em 18 de agosto de 2023
***

A HISTÓRIA DE UM PRESIDENTE BURRO

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


GRANDES MESTRES DO REPENTE
Publicado em 11 de agosto de 2023

Poeta cantador pernambucano Otacílio Batista Patriota (1923-2003)

***

Otacílio Batista

Certa vez fui convidado


Para dançar numa festa
Perto de Nova Floresta
Na Vila do Pau Inchado
Eita forró animado:
Chega a poeira cobria
Mas a mulher que eu queria
Do Pau não se aproximava
Quando eu ia ela voltava
Quando eu voltava ela ia.

***
O poeta e o passarinho
são ricos de inteligência
simples como a natureza
eternos como a ciência
estrelas da liberdade
peregrinos da inocência.

Herdeiros da providência,
um no chão, outro voando,
um pena com tanta pena
outro sem pena penando,
um canta cheio de pena,
outro sem pena cantando.

***

Arnaldo Cipriano de Souza

A mulher do meu encanto


saiu comigo em passeio,
eu guiando um veraneio,
de uísque bebi um tanto,
chegando no Bel-recanto,
fomos dar ar no pneu,
a câmara de ar encheu,
no nono mês estourou:
eu pequei, ela pecou,
mas o culpado fui eu.

***

João Paraibano

Faço da minha esperança


Arma pra sobreviver,
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.

Há três coisas nesta vida


Que Deus me deu e eu aceito:
A terra para os meus pés,
A viola junto ao peito
E um castelo de sonhos
Pra ruir depois de feito.

***

Braulio Tavares

Superei com o valor da minha prosa


o meu mestre imortal Graciliano,
os romances de Hermilo e de Ariano
e as novelas de João Guimarães Rosa;
sou maior que Camões em verso e glosa,
com Pessoa também fui comparado,
tenho a verve do estilo de Machado
e a melódica lira de Bandeira:
sou o Gênio da Raça Brasileira
quando canto martelo agalopado!

***

Zé Vicente da Paraíba

O reflexo de estrelas luminosas


São lanternas de Deus no firmamento
Fica muito suave a voz do vento
Evitando qualquer destruição
Os rebanhos deitados pelo chão
E cada pássaro no galho se aquieta
Enriquece o juízo do poeta
O cair de uma noite no sertão.

***

Manuel Lira Flores

Quando as tripas da terra mal se agitam


e os metais derretidos se confundem,
os escuros diamantes que se fundem
das crateras ao ar se precipitam.
As vulcânicas ondas que vomitam
grossas bagas de ferro incendiado
ao redor deixam tudo sepultado
só com o som da viola que me ajuda:
treme o sol, treme a terra, o vento muda
quando eu canto o martelo agalopado!

***

Joaquim Vitorino

Tenho enorme inteligência


Poeta não me dá vaia
Sou vento rumorejando
Nos coqueiros de uma praia
Sou mesmo, que Rui Barbosa
Na conferência de Haia.

***

Diniz Vitorino cantando com Manoel Xudu

Manoel Xudu

Voei célere aos campos da certeza


E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

Diniz Vitorino

Vemos a lua, princesa sideral


Nos deixar encantados e perplexos
Inundando os céus brancos de reflexos
Como um disco dourado de cristal
Face cálida, altiva, lirial
Inspirando canções tenras de amor
Jovem virgem de corpo sedutor
Bem vestida num “robe” embranquecido
De mãos postas num templo colorido
Escutando os sermões do Criador.

Manoel Xudu

Os astros louros do céu encantador


Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

Diniz Vitorino

Olho os mares, os vejo revoltados


Quando o vento fugaz transtorna as brumas
E as ondas raivosas lançam espumas
Construindo castelos encantados
As sereias se ausentam dos pecados
Que nodoam as almas dos humanos
E tiram notas das cordas dos pianos
Que o bom Deus ocultou nos verdes mares
E gorjeiam gravando seus cantares
Na paisagem abismal dos oceanos.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MESTRES DO IMPROVISO E UM CORDEL DE ABC


Publicado em 4 de agosto de 2023

João Pereira da Luz, o João Paraibano (1952 / 2014)

João Paraibano

Branca, preta, pobre e rica,


toda mãe pra Deus é bela;
acho que a mãe merecia
dois corações dentro dela:
um pra sofrer pelos filhos;
outro pra bater por ela.

Faço da minha esperança


Arma pra sobreviver
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.
Toda a noite quando deito
Um pesadelo me abraça
Meu cabelo que era preto
Está da cor de fumaça
Ficou branco após os trinta
Eu não quis gastar com tinta
O tempo pintou de graça.

***

João Santana

Eu cantando contemplo as maravilhas


Dos oásis, vulcões e nebulosas
Me acalento em repouso entre as rosas
Cruzo o mar desvendando as virgens ilhas
Nos mistérios das matas rompo as trilhas
Rasgo o céu de ocidente a oriente
Intimido o leão, domo a serpente
Saboreio as maçãs do paraíso
Mas se for pra brigar de improviso
Eu arranco seu couro no Repente.

***

Manoel Bentevi

Naquele tempo odiento e obscuro


Em que a ciência era tragada em um vaso
Todo o mundo imerso no atraso
Eu olhei na janela do futuro:
O panorama da vida é muito duro
E o destino do homem vem traçado.
Eu, pra ver se obtinha resultado,
Do além e de coisas mais incríveis,
Penetrei no setor dos invisíveis,
Vi o mundo sorrir do outro lado.

***

Lourival Batista Patriota

Entre o gosto e o desgosto,


O quadro é bem diferente,
Ser moço é ser um sol nascente,
Ser velho é ser um sol posto,
Pelas rugas do meu rosto,
O que fui hoje não sou,
Ontem estive, hoje não estou,
Que o sol ao nascer fulgura,
Mas ao se pôr deixa escura
A parte que iluminou.

***
Manoel Filomeno de Menezes (Manoel Filó)

Nas residências do mato


Depois que o sol vai embora
Num recanto do quintal
A galinha se acocora
Fazendo rancho das penas
Pra não dormir pinto fora.

***

ABC PARA LEMBRAR RAULZITO E GONZAGÃO – Rouxinol do Rinaré

Amigos que apreciam


Meus cordéis, peço atenção
Pois vou falar de dois mitos
Saudosos dessa nação
No ABC pra lembrar
Raulzito e Gonzagão.

Baião é ritmo dançante


Do nordeste brasileiro
Se originou da toada
Do popular violeiro
E imortalizou Luiz
Nosso maior sanfoneiro.

Cantando, Luiz Gonzaga,


Resgatou nosso nordeste
Tocou baião, polca e xote,
Com o baião passou no teste
Engrandeceu nosso chão
Como um bom “cabra da peste”.

Declarou Luiz Gonzaga:


– Após a minha partida
Eu quero enfim ser lembrado
Como quem cantou a lida
Do sertanejo e amou
Toda essa gente sofrida.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

POEMAS DE MANOEL BENTEVI


Publicado em 28 de julho de 2023

Manoel Bentevi, Palmares-PE (1911-1999)

Se eu chegar no Recife aperreado


Eu acabo com todas as fortalezas
Vou no Palácio do Campo das Princesas
Paro todo movimento do Estado
Na Assembleia não deixo um deputado
Na zona não fica uma mulher
Acabo as forças armadas que houver
Tranco banco, instituto, inspetoria
Fecho hospitais, detenções, secretarias
Só funciona o Recife se eu quiser.

Prendo guarda civil, cabo, soldado,


Comandante, Chefe do Estado-Maior
Prendo tenente, capitão, prendo major
Paro todo movimento do Estado.
Prendo telégrafo, imprensa, consulado
Emissora não deixo uma sequer,
Prendo a Lloyd, a Costeira e a Panair
Paro o trânsito, não passa mais ninguém
Da estação central não sai um trem
Só funciona o Recife se eu quiser.

Mas isso foi um sonho muito pesado


Que eu sonhei certa vez quando dormia
Um povo no ouvido me dizia
Paro todo movimento do Estado.
Acordei tristemente atribulado
Vi que era uma coisa sem mister
Não encontrei uma pessoa sequer
Que me dissesse o que tinha acontecido
E uma voz me dizendo no ouvido
Só funciona o Recife se eu quiser!

***

Da bobina para o distribuidor


Há um cabo que passa uma centelha clara.
Meto o pé no arranco, ele dispara.
Toda vez que acelero meu motor,
O combustível entra no carburador,
A entrada de ar transforma o gás,
Com a compressão que ele faz,
Forma o jato, o êmbolo vai subindo
Vai queimar na cabeça do cilindo,
A fumaça da gasolina sai por trás.

***

Na vida ninguém confia


Em nada sem ter certeza
São obras da natureza
Tudo que a terra cria:
Gente, ave, bicharia,
Tudo começou assim.
O homem é quem é ruim
Nada bom ele planeja
Por muito forte que ele seja
A morte pega e dá fim.

***
Naquele tempo odiento e obscuro
Em que a ciência era tragada em um vaso
Todo o mundo imerso no atraso
Eu olhei na janela do futuro:
O panorama da vida é muito duro
E o destino do homem vem traçado.
Eu, pra ver se obtinha resultado,
Do além e de coisas mais incríveis,
Penetrei no setor dos invisíveis,
Vi o mundo sorrir do outro lado.

***

Minha carne só é nervo e cabelouro


O espinho de juá bate e não fura
Minha saliva salva qualquer mordidura
Se a jibóia morder por desaforo
Tiro o veneno da bicha faço soro
E dou vida a qualquer um ser vivente.
Seja qual for a qualidade da serpente
Estando mesmo quieta ou assanhada
Por acaso ela me dando uma picada
É capaz de ficar sem nenhum dente…

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


OITO MESTRES DO IMPROVISO E O CORDEL DO SABIDO
Publicado em 21 de julho de 2023

UM GALOPE PARA O UMBUZEIRO – Júnior Guedes

Frondoso e bonito, o velho umbuzeiro


Que brotou das fendas abertas da terra.
Cresceu num aceiro do pé de uma serra
Passando agruras o tempo inteiro.
Foi ficando forte a cada janeiro,
Mudando a paisagem que tem no lugar.
Felizes daqueles que vem contemplar,
Seu verde, a sombra e sua doçura
O doce da fruta na forma mais pura
Que o puro da brisa que sobra do mar.

***

Manoel Xudu

Voei célere aos campos da certeza


E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor onipotente
Criador da suprema natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que Ele impera no trono divinal.

***

João Paraibano

A minha mulher pediu


Pra eu deixar de beber,
Mas eu já disse pra ela
Que não vou lhe obedecer,
Se eu fizer os gostos dela,
Eu deixo os meus sem fazer.

***

Arnaldo Pessoa

As flores do Pajeú
Eram os improvisadores
Muitos desapareceram
Mas deixaram sucessores
Eu sou o fruto mais novo
Da árvore dos cantadores.

***

Miro Pereira

O meu pai não tem estudo


Mamãe é analfabeta
Eu pouco fui à escola
Somente Deus me completa
Com esse sublime dom
De repentista e poeta.

***

Zé Fernandes

A seca seca primeiro


Os depósitos cristalinos
Depois seca as esperanças
De milhões de peregrinos
Mas bota enchente de lágrimas
Nos olhos dos nordestinos.

***
Adauto Ferreira Lima

Quando o sujeito envelhece


Quase tudo lhe embaraça
Convida a mulher pra cama
Agarra, beija e abraça
Porém só faz duas coisas:
Solta peido e acha graça.

***

Pedro Tenório de Lima


(Poeta analfabeto do sertão do Pajeú)

Me criei abraçando a agricultura


Já tô véi, a cabeça tá cinzenta
Pra onde vou é levando a ferramenta
E uma faca de doze na cintura
Minha boca lambendo rapadura
E meu almoço, um punhado de farinha
A merenda é um ovo de galinha
Namorei abraçando as raparigas
Me deitando por cima das formigas
Que uma cama bonita eu não tinha.

***

O SABIDO SEM ESTUDO – Manoel Camilo dos Santos

Deus escreve em linhas tortas


Tão certo chega faz gosto
E fez tudo abaixo dele
Nada lhe será oposto
Um do outro desigual
Por isto o mundo é composto

Vejamos que diferença


Nos seres do Criador
A águia um pássaro tão grande
Tão pequeno um beija-flor
A ema tão corredeira
E o urubu tão voador

Vê-se a lua tão formosa


E o sol tão carrancudo
Vê-se um lajedo tão grande
E um seixinho tão miúdo
O muçu tão mole e liso
O jacaré tão cascudo

Vê-se um homem tão calado


Já outro tão divertido
Um mole, fraco e mofino
Outro valente e atrevido
Às vezes um rico tão tolo
E um pobre tão sabido

É o caso que me refiro


De quem pretendo contar
A vida d’um homem pobre
Que mesmo sem estudar
Ganhou o nome de sábio
E por fim veio a enricar

Esse homem nunca achou


Nada que o enrascasse
Problema por mais difícil
Nem cilada que o pegasse
Quenguista que o iludisse
Questão qu’ele não ganhasse

Era um tipo baixo e grosso


Musculoso e carrancudo
Não conhecia uma letra
Porém sabia de tudo
O povo o denominou
O Sabido Sem Estudo…

Um dia chegou-lhe um moço


Já em tempo de chorar
Dizendo que tinha dado
Cem contos para guardar
Num hotel e o hoteleiro
Não quis mais o entregar

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


UMA DUPLA EM CANTORIA E UM CORDEL DE LAMPIÃO
Publicado em 14 de julho de 2023

Geraldo Amâncio

Dei na mulher com a flor


E a flor ficou amassada
Depois que a flor amassou
Veja que coisa engraçada
A flor perdeu o perfume
Ela ficou perfumada!

Moacir Laurentino

Mulher é coisa sagrada


Tem um sentido tão fundo
Que Deus nosso pai eterno
Criador do amor profundo
Das entranhas da mulher
Trouxe o salvador do mundo!

Geraldo Amâncio

Mulher espírito profundo


Que todo corpo não tem
A santa mãe soberana
Teve seu filho em Belém
As outras são pecadoras
Mas, viram santas também!

Moacir Laurentino

Pela beleza que tem


A mulher que a gente ama
É pra ter o tratamento
De deusa rainha e dama
Não é para ser escrava
Da cozinha e nem da cama!

Geraldo Amâncio

Mas tem homem que reclama


Tem ciúme e lhe aperreia
Pega a mulher inocente
Chega em casa e mete a peia
Esse merece um processo
De dez anos de cadeia!

Moacir Laurentino

Não existe mulher feia


Mulher é um paraíso
Quem não gostar da mulher
Do sexo nem do sorriso
Está faltando uma telha
Na construção do juízo!

Geraldo Amâncio

Eu de uma mulher preciso


Pra sempre estar me servindo
Além do corpo um desenho
Seu semblante e riso lindo
É santa estando acordada
Um anjo estando dormindo!

Moacir Laurentino

Mulher é um quadro lindo


E o homem machista quer
Que a mulher seja uma escrava
E faça o que ele quiser
Quando ele é quem devia
Ser escravo da mulher!

Geraldo Amâncio

Eu admiro a mulher
Por ser carinhosa e bela
São dois corpos em um só
Dois filmes na passarela
No trabalho até na dor
Deve auxiliar a ela!

Moacir Laurentino

Mulher é a peça bela


Tenho cinco em minha meta
Minha mãe e minha filha
Minha esposa e minha neta
E a mãe do Nazareno
Que é quem protege o poeta!

Geraldo Amâncio

A esposa de um poeta
É dama da paciência
E a virgem nossa senhora
É a mãe da providência
Todo mulher é a rosa
Que o mundo botou essência!

Moacir Laurentino

É da minha preferência
Pelos os cálculos que já fiz
Se tivesse uma mulher
Governando esse país
Não havia desemprego
E todo mundo era feliz!

Geraldo Amâncio

Tenho a minha imperatriz


E o meu império é perfeito
Eu chego em casa enfadado
Eu me levanto e me deito
Já acho meu café pronto
E encontro o almoço feito.

***

A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO – José Pacheco


Um cabra de Lampião
Por nome Pilão Deitado
Que morreu numa trincheira
Em certo tempo passado
Agora pelo sertão
Anda correndo visão
Fazendo mal-assombrado.

E foi quem trouxe a notícia


Que viu Lampião chegar
O inferno nesse dia
Faltou pouco pra virar
Incendiou-se o mercado
Morreu tanto cão queimado
Que faz pena até contar.

Morreu a mãe de Canguinha


O pai de Forrobodó
Três netos de Parafuso
Um cão chamado Cotó
Escapuliu Boca Ensossa
E uma moleca moça
Quase queimava o “totó”.

Morreram 100 negros velhos


Que não trabalhavam mais
Um cão chamado Trás-cá
Vira-volta e Capataz
Tromba Suja e Bigodeira
Um cão chamado Goteira
Cunhado de Satanás.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

POEMAS DE PATATIVA DO ASSARÉ


Publicado em 7 de julho de 2023

Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, Assaré-CE (1909-2002)

***

FLORES MURCHAS

Depois do nosso desejado enlace


Ela dizia, cheia de carinho,
Toda ternura a segredar baixinho:
– Deixa, querido, que eu te beije a face!

Ah! se esta vida nunca mais passasse!


Só vejo rosas, sem um só espinho;
Que bela aurora surge em nosso ninho!
Que lindo sonho no meu peito nasce!

E hoje, a coitada, sem falar de amor,


Em vez daquele natural vigor,
Sofre do tempo o mais cruel carimbo.
E assim vivendo, de mazelas cheia,
Em vez de beijo, sempre me aperreia
Pedindo fumo para o seu cachimbo.

***

AMANHÃ

Amanhã, ilusão doce e fagueira,


Linda rosa molhada pelo orvalho:
Amanhã, findarei o meu trabalho,
Amanhã, muito cedo, irei à feira.

Desta forma, na vida passageira,


Como aquele que vive do baralho,
Um espera a melhora no agasalho
E outro, a cura feliz de uma cegueira.

Com o belo amanhã que ilude a gente,


Cada qual anda alegre e sorridente,
Como quem vai atrás de um talismã.

Com o peito repleto de esperança,


Porém, nunca nós temos a lembrança
De que a morte também chega amanhã.

***

AUTOBIOGRAFIA

Mas porém como a leitura


É a maió diciprina
E veve na treva iscura
Quem seu nome não assina,
Mesmo na lida pesada,
Para uma escola atrasada
Tinha uma parte do dia,
Onde estudei argum mês
Com um veio camponês
Que quase nada sabia.

Meu professô era fogo


Na base do português,
Catálogo, era catalôgo,
Mas grande favô me fez.
O mesmo nunca esqueci,
Foi com ele que aprendi
Minhas premêra lição,
Muito a ele tô devendo,
Saí escrevendo e lendo
Mesmo sem pontuação.

Depois só fiz meus estudo,


Mas não nos livro escola
Eu gostava de lê tudo,
Revista, livro e jorná.
Com mais uns tempo pra frente,
Mesmo vagarosamente, ; –
Não errava nenhum nome.
Lia no claro da luz
As pregação de Jesus
E as injustiça dos home.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM MOTE BEM GLOSADO E UM FOLHETO DE CORNO


Publicado em 30 de junho de 2023

O grande poeta cantador João Pereira da Luz, o João Paraibano (1952-2014)

***

João Paraibano glosando o mote

Obrigado meu Deus por ter me feito


Nordestino, poeta e cantador.
Já nasci inspirado no ponteio
Dos bordões da viola nordestina
Vendo as serras banhadas de neblina
Com uma lua imprensada pelo meio
Mãe fazendo oração de mão no seio
E uma rede ferindo um armador
Minha boca pagã cheirando a flor
Deslizando no bico do seu peito
Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador.

Me criei com cuscuz e leite quente


Jerimum de fazenda e melancia
Com seis anos de idade eu já sabia
Quantas rimas se usava num repente
Fui nascido nas mãos da assistente
Na ausência dos olhos do doutor
Mamãe nunca fez sexo sem amor
Papai nunca abriu mão do seu direito
Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador.

Fiz farofa de pão de mucunã


Me inspirei com o velhinho do roçado
O sertão é o palco esverdeado
Que eu ensaio as canções do amanhã
Minha artista da seca é acauã
No inverno o carão é meu cantor
Um imbu espremido é meu licor
Um juá eu não dou por um confeito
Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador.

Minha vida do campo foi liberto


Merendando café com milho assado
Vendo a lua nas brechas do telhado
E o vento empurrando a porta aberta
Um jumento me dando a hora certa
Já o galo era meu despertador
Meu mingau foi pirão de corredor
Eu cresci forte e gordo desse jeito
Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador.

***

A.B.C. DOS CORNOS – Luiz Alves da Silva


A cornura está na moda
O corno hoje é moderno
Até o diabo tem chifres
E reina lá no inferno
O que ninguém ignora
Os do diabo é pra fora
E os do homem são interno

Besta é o corno que acha


Que a mulher dele é honesta
Se chega no outro dia
Depois que findou-se a festa
E ele bem sossegado
Não vê que de cada lado
Tem um calombo na testa

Corno só é quem tem sorte


Tem quem não é e deseja
Bota um detetive e diz: –
Siga a mulher, olhe e veja
Depois venha mim chamar
Que vou a ela encontrar
Em qualquer lugar que esteja

Depois que o chifre nasce


Não morre mais nem mocheia
Se o corno inconformado
Matar um vai pra cadeia
De lá demora a sair
Não pode se divertir
E a mulher com a casa cheia

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

JOÃO PARAIBANO, UM MESTRE DO REPENTE


Publicado em 23 de junho de 2023

Poeta cantador João Pereira da Luz (1952-2014), o João Paraibano

***

HABEAS POETA

Doutor, eu sei que eu errei,


Por dois fatos: dama e porre
Por amor se mata e morre
Eu não morri, nem matei
Apenas prejudiquei
Um ambiente de classe
Depois de apanhar na face,
Bati na flor do meu ramo
Me prenderam porque amo,
Quanto mais se odiasse.

Poeta mesmo ofendido


Ainda oferece afeto
Faz pena dormir no teto
Da morada do bandido
Se humilha, faz pedido
Ninguém escuta a voz sua
Sem ver o sol, nem a lua,
Deixando um espaço aceso,
Pra que um poeta preso
Com tanto ladrão na rua?

Sei que não sou marginal,


Mas por ciúmes de alguém
Bebi pra fazer o bem,
Acabei fazendo o mal
Eu tendo casa, quintal,
Portão, cortina e janela
Deixei pra dormir na cela
Com minha cabeça lesa
Só sabe a cruz quanto pesa
Quem tá carregando ela.

Poeta é como passarinho


Que quando está na cadeia
Sua pena fica feia,
Sente saudades do ninho,
Do calor do filhotinho,
Do fruto da imensidade
Se come, deixa a metade
Da ração que o dono bota
Se canta esquece uma nota
Da canção da liberdade.

Doutor, se eu perder meu nome


Não vejo mais quem me empreste,
A minha mulher não veste,
A minha filha não come,
A minha fama se some
Para nunca mais voltar
Não querendo lhe comprar,
Pois humildemente lhe peço
Por favor, rasgue o processo
Deixe o poeta cantar!

***

Eu nasci no Sertão e me criei


Escutando o xexéu de manhãzinha
O Nordeste me deu quando eu não tinha
E Jesus me atendeu quando chamei
Poesia foi quadro que plantei
Nas paredes do meu interior
O espelho da mente é refletor
Onde eu vejo Jesus quando me deito
Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino poeta e cantador.
*

Vi o fantasma da seca
Ser transportado numa rede
Vi o açude secando
Com três rachões na parede
E as abelhas no velório
Da flor que morreu de sede.

Terreno ruim não dá fruto,


Por mais que a gente cultive,
No seu céu eu nunca fui,
Sua estrela eu nunca tive,
Que o espinho não se hospeda,
Na mansão que a rosa vive.

A juventude não dá
Direito a segunda via
Jesus pintou meus cabelos
No final da boemia
Mas na hora de pintar
Esqueceu de perguntar
Qual era a cor que eu queria.

Toda a noite quando deito


Um pesadelo me abraça
Meu cabelo que era preto
Está da cor de fumaça
Ficou branco após os trinta
Eu não quis gastar com tinta
O tempo pintou de graça.

Coruja dá gargalhada
Na casa que não tem dono
A borboleta azulada
Da cor de um papel carbono
Faz ventilador das asas
Pra rosa pegar no sono.

Faço da minha esperança


Arma pra sobreviver
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.
*

A cantoria transcende
Um panorama mais lindo
Poeta é a voz do povo
Que está lhe assistindo
Que quer dizer, mas não pode
Tudo o que está sentindo.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GERALDO AMÂNCIO E SEBASTIÃO DA SILVA: UMA GRANDE


DUPLA DE POETAS REPENTISTAS
Publicado em 16 de junho de 2023

Geraldo Amâncio e Sebastião da Silva glosando o mote:

Se eu pudesse comprava a mocidade


Nem que fosse pagando a prestação
***

Geraldo Amâncio e Sebastião da Silva glosando o mote:

Quem passar no sertão corre com medo


das caveiras dos bois que a seca mata.

Geraldo Amâncio:

No sertão do Nordeste do Brasil,


vive a seca ao povo castigar
pouca água até pra se banhar.
Daqui pobre povo sempre fugiu
para trás deixou tudo quando partiu.
Quando parte nosso cabeça-chata
busca a vida ganhar sem bravata.
Sofrimento deste povo foi enredo.
Quem passa no sertão corre com medo
das caveiras dos bois que a seca mata.

Sebastião da Silva:

Sertanejo, foi sempre muito bravo,


mas correndo da seca que atormenta,
larga a terra que pouco lhe alimenta.
Deixa sua terra para ser escravo,
mundo afora não ganha um centavo.
Mas voltar à sua terra a fé lhe ata,
mesmo que nunca tenha uma data,
até quem partiu daqui muito cedo.
Quem passar no sertão corre com medo
das caveiras dos bois que a seca mata.

***

ALGUNS IMPROVISOS DE GERALDO AMÂNCIO E SEBASTIÃO DA SILVA

Geraldo Amâncio:

Eu bem novo pensei em me casar


Com uma moça do meu conhecimento
Disse ela: eu aceito o casamento
Se você deixar a arte de cantar
Ela estava esperando no altar
E eu voltei da calçada da matriz
Quebrei todas as juras que lhe fiz
E comecei a cantar dali por diante
Sou feliz porque sou representante
Da cultura mais bela do país.

Sebastião da Silva:

O Nordeste tem sido a grande escola


Dos maiores poetas cantadores
Sustentáculos e eternos defensores
Da origem maior que nos consola
Inspirados no ritmo da viola
Nos acordes de arame na madeira
Cantam de improviso a vida inteira
E o que cantam somente Deus ensina
Venham ver a viola nordestina
Defendendo a cultura brasileira.

Geraldo Amâncio:

Tire da bíblia sagrada


Sua perfeita lição,
Seja humilde, ajude ao próximo
Ao faminto estenda a mão;
Console quem está aflito
Se quiser seu nome escrito
No livro da salvação!

Sebastião da Silva:

A casa que morei nela,


que fui feliz com meus pais,
só restam teias de aranha,
cupim roendo os frechais,
é um poema de angústias,
de saudades, nada mais.

Geraldo Amâncio:

Quem nasce onde eu nasci


E se cria sem escola,
Andando com pés descalços
Ou corrulepe de sola,
Ou cresce pra ser vaqueiro
Ou cantador de viola.

Sebastião da Silva:

Gosto de ouvir a seresta


Da patativa-de-gola
E também do canarinho
Nas traves de uma gaiola:
Só não canta como a gente
Porque não possui viola.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


GRANDES MESTRES DO REPENTE
Publicado em 9 de junho de 2023

José Antônio do Nascimento Filho, o Zeto do Pajeú, Canhotinho-PE (1956-2002)

A vileza do destino
Espedaçou meu futuro,
O meu viver é obscuro
Desde o tempo de menino.
Hoje sou um peregrino,
Não sei o que é riqueza,
Bruxuleia a luz acesa,
Perdi a perseverança …
E o retrato de minha infância
Está na minha pobreza.

Na terra dos marechais,


Sem ter quem me queira bem,
Ó morte, por que não vens
Tirar meus dias finais?
Vivo gemendo meus ais,
Só sei o que é aspereza,
Não apresento nobreza,
Sou igual a uma balança …
E o retrato da minha infância
Está na minha pobreza.

Zeto do Pajeú

Nas gotas fracas da chuva


Que a terra vai borrifando
E faz levantar o cheiro
De chuva que vou cheirando
Eu sonho dias melhores
E levo a vida cantando.

Nildo Cordel

ANDARILHO

Vou cantar com total atrevimento


Imitar os ciganos andarilhos
Percorrer os caminhos dos trocadilhos
Vendo Louro inventar um novo invento
Misturar poesia e andamento
Construir uma estradeira
Ter um sonho normal numa esteira
Numa noite no lindo Moxotó
Caminhar nas estrelas vendo o pó
Das passadas da glosa derradeira

Imitar o pavão com suas cores


Vou vestir colorido em minha vida
Tratarei como sábio esta ferida
P’ra lembrar a loucura dos amores
Pois os loucos os grandes sabedores
Dão ao lúcido a loucura do real
Pra mostrar que o bem intencional
Faz morada em lugar bem diferente
Qualquer cor, qualquer dor é sempre gente
Sugerindo a paixão o seu aval

A tarefa é não ter nenhum caminho


P’ra encontrar o caminho do não ter
Ser irmão do bonito amanhecer
Ser agulha seguindo o seu alinho
Encontrar multidões quando sozinho
Colocar tom menor no violão
Ser maior entoando uma canção
Perceber quanto tempo falta ainda
Colocar no cabelo a fita linda
Como fosse uma estrofe de canção.

Francisco Nunes de Oliveira

Ser poeta não é pensar de ser


Que quem pensa que é finda não sendo
Diz que sabe de tudo não sabendo
Que quem sabe não gosta de dizer
Pois que diz o costume é não saber
Que o sabido sabendo se aquieta
Mas o erro maldito do pateta
É querer um lugar que não lhe cabe
Diz ao povo que sabe, mas não sabe
O dever ideal de ser poeta.

Zé Maria

O que mais me admira


É vêr-se um sapo inocente
Que gosta de lama fria
Mas detesta a terra quente
Vendo da cobra o pescoço
Pinota dentro do poço
Pra se livrar da serpente.

João Paraibano

Eu acho que esse louro


Dos outros é diferente
Não tem asa mas tem boca
Não tem bico mas tem dente
Não tem pena mas tem pena
De vir dar dinheiro a gente.

Zé de Almeida

Alagoas tem Quilombo


Belas praias, tem coqueiro
Berço de Apolônio Belo
E de Vicente Granjeiro
Famosa nas duas coisas
Marechais e violeiro.

Noel Calixto

Admiro o Zé Ferreira
Um cantador estupendo
Se a roupa se suja, lava
Se rasga, bota remendo
Gasta menos do que ganha
Que é pra não ficar devendo.

Roberto Queiroz

O meu pai não tem estudo


Mamãe é analfabeta
Eu pouco fui à escola
Somente Deus me completa
Com esse sublime dom
De repentista e poeta.

Miro Pereira
A patativa de gola
Nos campos da providência
Uma pequena figura
Uma larga inteligência
Canta com tanta certeza
Sem precisar de ciência.

João Abel

Meu sonho de alpinismo


No precipício caiu
Quando eu caí todos viram
Quando escalei ninguém viu
Os monstro feitos de mármore
Que a mão de Deus esculpiu.

Biu Dionísio

No varal do infinito
Uma nuvem pendurada
Parece com uma roupa
Bem confeccionada
Que Deus coseu com maestria
Para o corpo da madrugada.

Raimundo Borges

Eu já passei tanta coisa


Que na vida nem pensava
Pra minha felicidade
A mulher que eu procurava
Deus teve pena de mim
Mostrou aonde ela estava.

João Lourenço

O mínimo precisaria
Aumentar uns cem por cento
Quem recebe no salário
Quinze reais de aumento
É mesmo que receber
Nota de falecimento.

Ismael Pereira

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


IMPROVISOS DE SEBASTIAO DIAS
Publicado em 2 de junho de 2023

Grande cantador repentista Sebastião Dias

O cemitério é a casa
dos nossos restos mortais;
ambição, ódio e vingança
ficam do portão pra trás,
porque, do portão pra frente,
todos nós somos iguais.

***

Na madrugada altaneira,
geme o vento atrás do monte;
um cururu toma banho
na água fresca da fonte
e a lua dorme emborcada
no colchão do horizonte.

***

Depois que a chuva caiu,


ficou verde o arrebol,
a babugem cobre o chão;
parece um verde lençol,
cicatrizando as feridas
das queimaduras do sol.

***

Deixei uma seca grande


no Nordeste brasileiro:
de verde, só aveloz,
papagaio e juazeiro,
que o Nordeste, pra sorrir,
tem que Deus chorar primeiro!

***

É um dia de tristeza
quando a mãe para o céu vai.
Os filhos se cobrem em prantos;
O caçula diz: ô pai,
Não vê, mamãe ta dormindo!
Abra o caixão que ela sai!

***

Vou me tornar vagabundo,


cantar pra o meu público fã,
que Deus, em forma de nuvem,
está por detrás da chã
pra ver o rosto do dia
nos espelhos da manhã.

***

Das quatro e meia em diante,


sinto de Deus o poder,
um sopro espatifa as nuvens
para o dia amanhecer,
Deus enfeita o firmamento
E a vassoura do vento
Varre o céu pra o sol nascer.

***

Vamos parar a cantiga


que a garganta está cansada!
Já vejo nos horizontes
Os reflexos da alvorada
E a noite sentindo dores
Pra ser mãe da madrugada!

***

Quando o chão está molhado


aparecem coisas boas:
se levantam cogumelos
que as capas parecem broas;
os sapos chocam de ruma;
bordam com cachos de espuma
o cenário das lagoas.

***

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

MANOEL XUDU, UM GÊNIO DO REPENTE


Publicado em 26 de maio de 2023
O grande poeta paraibano Manoel Lourenço da Silva, o Manoel Xudu (1932-1985)

O meu verso é como a foice


De um brejeiro cortar cana.
Sendo de cima pra baixo,
Tanto corta, como abana,
Sendo de baixo pra cima,
Voa do cabo e se dana.

***

O homem que bem pensar


Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranquilo
E a lua chora com pena
Por não poder mais ouvi-lo

***

Eu admiro um caixão
Comprido como um navio
Em cima uma cruz de prata
No meio um defunto frio
E um cordão de São Francisco
Torcido como um pavio.

***

Nessa vida de amargura


O camponês se flagela
Chega em casa à meia-noite
Tira a tampa da panela
Vê o poema da fome
Escrito no fundo dela.

***

Uma novilha amojada


Ao se apartar do rebanho,
Quando volta, é com uma cria
Que é quase do seu tamanho;
Ela é quem lambe o bezerro,
Por não saber lhe dar banho.

***

Carneiro do meu sertão,


Na hora em que a orelha esquenta,
Dá marrada em baraúna
Que a casca fica cinzenta
E sente um gosto de sangue
Chegar à ponta da venta.

***

Uma galinha pequena


Faz coisa que eu me comovo:
Fica na ponta das asas,
Para beliscar o ovo,
Quando vê que vem, sem força,
O bico do pinto novo.

***

Tem coisa na natureza


Que olho e fico surpreso:
Uma nuvem carregada,
Se sustentar com o peso,
De dentro de um bolo d’água,
Saltar um corisco aceso.

***

O ligeiro mangangá
Passa, nos ares, zumbindo;
As abelhas do cortiço
Estão entrando e saindo,
Que, de perto, a gente pensa
Que o pau está se bulindo.

***

A raposa arrepiada
Se aproxima do poleiro,
Espera que as galinhas
Pulem no meio do terreiro;
A que primeiro descer,
É a que morre primeiro.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDE MOTES, GRANDES GLOSAS


Publicado em 19 de maio de 2023

O saudoso cantador Valdir Teles (1956-2020) um dos maiores nomes da poesia


nordestina

***

Valdir Teles glosando o mote:


Quando chega o inverno Deus coloca
Mais fartura na mesa do roceiro.

A matuta faz fogo de graveto


Ferve o leite que tem no caldeirão
Bota sal na panela do feijão
E assa um taco de bode num espeto
Onde a música do sapo é um soneto
Mais bonito da beira de um barreiro
Não precisa zabumba nem pandeiro
Que o compasso da música é Deus que toca.
Quando chega o inverno Deus coloca
Mais fartura na mesa do roceiro.

***

Dedé de Dedeca glosando o mote:

Não existe nada eterno


Nesta vida de ilusão.

Mesmo o pior sofrimento


Um dia vai se acabar
Não vá se desesperar
Pois tudo tem seu momento
Um dia esse tormento
Acaba de supetão
O rico e o pobretão
O antiquado e o moderno
Não existe nada eterno
Nesta vida de ilusão.

“Não há mal que sempre dure,”


“Nem bem que nunca se acabe”
Todo mundo hoje sabe
Não há mal que Deus não cure
Esse vírus não procure
Pois mata qualquer cristão
O juiz e o ladrão,
O patrão e o subalterno
Não existe nada eterno
Nesta vida de ilusão.

Chico Xavier dizia


Eu bem sei que “tudo passa”
Orando, o bem ultrapassa
Não vá pensar heresia
A oração é poesia
Que salva qualquer nação
Deus quer nossa salvação
Para nós Ele é fraterno
Não existe nada eterno
Nesta vida de ilusão.
***

Antônio de Catarina glosando o mote:

O carão que cantava em meu baixio,


teve medo da seca e foi embora.

O carão, esta ave tão profeta,


habitante das matas do sertão,
sentiu falta da chuva no rincão,
ficou triste a sofrer como um poeta,
sem cantar sua vida é incompleta,
o fantasma da seca lhe apavora,
pesaroso partiu fora de hora,
antevendo um futuro tão sombrio;
O carão que cantava em meu baixio,
teve medo da seca e foi embora.

***

Mariana Teles glosando o mote:

Um café com pão quente às cinco e meia


Deixa a casa cheirando a poesia.

Quando o sol se despede da campina


E a textura da nuvem muda a cor
O alpendre recebe o morador
Regressando da luta campesina
Entre os ecos da casa sem cortina
Corre um grito chamando por Maria…
E da cozinha pra sala a boca esfria
O mormaço da xícara quase cheia
Um café com pão quente às cinco e meia
Deixa a casa cheirando a poesia.

Meia hora antecede a hora santa


Às seis horas da virgem concebida
E o cálice que serve de bebida
Desce quente nas veias da garganta
Já o trigo depois que sai da planta
Faz o pão quando a massa fica fria
E o tempero da cor do fim do dia
Tem mistura de terço, fé e ceia
Um café com pão quente às cinco e meia
Deixa a casa cheirando a poesia.

***

Zezo Patriota glosando o mote:

Paguei mais do que devia,


devo mais do que paguei.
Meu espírito não sossega,
com dívidas eu me espanto,
pago conta em todo canto
e devo em toda bodega,
quem deve conta e não nega
topa com que me topei,
tudo que tinha gastei,
com bodega e padaria.
Paguei mais do que devia,
devo mais do que paguei.

***

Júnior Adelino glosando o mote:

Sobre os trabalhos da obra


Tudo eu sei ninguém me ensina.

No ramo da construção
Faço ponte, creche e praça
Com tijolo, cal e massa
Eu ergo qualquer mansão
Levanto em cima do chão
Parede bem grossa ou fina
Torre que não se inclina
Que não se quebra nem dobra
Sobre os trabalhos da obra
Tudo eu sei ninguém me ensina.

Com o prumo e a colher


Lápis, régua, espátula e rolo
Cimento, areia e tijolo
Faço o que o dono quiser
Sobrado, muro ou chalé
Do tamanho de uma colina
Ser pedreiro é minha sina
Tenho talento de sobra
Sobre os trabalhos da obra
Tudo eu sei ninguém me ensina.

Nasci com a vocação


E aprendi de longa data
Que o alicerce e a sapata
São partes da fundação
Numa grande construção
As ferragens predomina
Que a faculdade divina
Me dá aula e nada cobra
Sobre os trabalhos da obra
Tudo eu sei ninguém me ensina.

Eu sei dizer que o concreto


É quem garante o sustento
Com pedra, areia e cimento
Começo qualquer projeto
Nunca fui um arquiteto
Nada disso me domina
Construo com disciplina
Qualquer coisa com manobra
Sobre os trabalhos da obra
Tudo eu sei ninguém me ensina.

***

Pedro Ernesto Filho glosando o mote:

Cada um tem seu valor,


Precisa é ser descoberto.

O pequeno sanfoneiro
Com arte desafinada
Que de calçada em calçada
Vive a ganhar seu dinheiro,
Não é Alcimar Monteiro
Nem Gonzagão, nem Roberto,
Porém deixou boquiaberto
O povo do interior.
Cada um tem seu valor,
Precisa é ser descoberto.

O sertanejo frustrado
Vítima da sociedade,
Somente vai à cidade
Quando se vê obrigado,
Falando pouco e errado
Porque vive no deserto,
Mas se houvesse escola perto
Talvez que fosse um doutor.
Cada um tem seu valor,
Precisa é ser descoberto.

A prostituta de bar
Tem na consciência um farne,
Negocia a própria carne
A fim de se alimentar,
O bom conceito de um lar
Foi pela sorte encoberto,
Talvez que até desse certo
Se tivesse havido amor.
Cada um tem seu valor,
Precisa é ser descoberto.

O bom vaqueiro voraz


No mato faz reboliço,
Desenvolvendo um serviço
Que acadêmico não faz;
Coveiro é útil demais
Quando um túmulo está aberto
Rico não se torna esperto
Para fazer o favor.
Cada um tem seu valor,
Precisa é ser descoberto.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS


Publicado em 12 de maio de 2023

Sebastião da Silva e Moacir Laurentino glosando o mote:

Quem quiser ter saudade do meu tanto


Sofra e ame do tanto que eu amei.

Moacir Laurentino:

Numa noite de insônia e de saudade


a angustia invadiu meu coração.
Eu senti a maior recordação
dos amores da minha mocidade
lamentei suspirei senti vontade
de beijar a mulher com quem sonhei
mas sem esse direito eu já fiquei
e nem ela possui o mesmo encanto
quem quiser ter saudade do meu tanto
sofra e ame do tanto que eu amei.

Sebastião da Silva:

Quem me fez padecer tanta ilusão


deixou todos meus sonhos destruídos
o murmúrio do adeus nos meus ouvidos
e a tristeza rasgando o coração.
Já tentei esquecer mais foi em vão
só eu sei quantas vezes já chorei
já gastei todos lenços que comprei
ensopados das gotas dos meus prantos
quem quiser ter saudade do meu tanto
sofra e ame do tanto que eu amei.

***

Ivanildo Vilanova e Severino Ferreira glosando o mote:

Vamos ver quem possui capacidade


Pra ganhar o Nobel da Cantoria.

Ivanildo Vilanova:

Nobel foi o inventor da dinamite


Criador de um prêmio especifico
Deu progresso ao projeto cientifico
Onde a nossa ciência tem limite
Hoje em dia se atende o seu convite
Sem os louros da sua academia
Mas se o Deus que inspirou barra do dia
Não conhece liceu nem faculdade
Vamos ver quem possui capacidade
Pra ganhar o Nobel da Cantoria.

Severino Ferreira:

Vamos ver quem conhece aonde é


O país dos Assírios e Caldeus
Jafetanis, Fenícios, Cananeus
Descendentes da raça de Noé
E qual foi o motivo que José
Se tornou o esposo de Maria
Ela teve Jesus na estrebaria
E não perdeu o valor da virgindade
Vamos ver quem possui capacidade
Pra ganhar o Nobel da Cantoria.

Ivanildo Vilanova:
Pra ganhar o Nobel só é preciso
Conhecer de sentido e odalinfa
Ser parente da paz, irmão da ninfa
Ser parente do amor, irmão do riso
É tirar oito e meio em improviso
Tirar nove em métrica e harmonia
Nove e meio em repente e teoria
Tirar dez na escola da saudade
Vamos ver quem possui capacidade
Pra ganhar o Nobel da Cantoria.

Severino Ferreira:

Vamos ver quem possui inteligência


Pra lembrar Tiradentes, o mineiro
Que foi preso no Rio de Janeiro
Por um povo de pouca consciência
Que D. Pedro gritou: “Independência”
Que o mundo esperava e pretendia
Qual o mês, a semana, hora e o dia
Que a princesa assinou a liberdade
Vamos ver quem possui capacidade
Pra ganhar o Nobel da Cantoria.

Ivanildo Vilanova:

Vamos ver quem possui perspectiva


Pra falar sobre monte, terra e gleba
Pra falar sobre a vida de algum peba
Arrancando as raízes da maniva
E a gata que está receptiva
Quer um gato pra sua companhia
Quanto mais ela arranha, morde e mia
Mas o gato ansioso tem vontade
Vamos ver quem possui capacidade
Pra ganhar o Nobel da Cantoria.

***

Pinto do Monteiro glosando o mote

O cavalo do vaqueiro
Nas quebradas do sertão.

Quebra galho de aroeira,


De jurema e jiquiri,
Rasga beiço e calumbí,
Mororó e quixabeira.
Quebra-faca e catingueira,
Urtiga braba e pinhão;
Pau-serrote e pau-caixão,
Baraúna e marmeleiro,
O cavalo do vaqueiro
Nas quebradas do sertão.
***

Dedé Monteiro glosando o mote:

É ruim plantar esperança


Pra colher desilusão.

São Severino dos Ramos


Enriqueceu com promessa.
Dilma promete e tropeça,
Nós, sem tropeçar, penamos.
E a seca, enquanto esperamos,
Vai minando a região
Que inda aguarda a plantação
Da semente da bonança.
É ruim plantar esperança
Pra colher desilusão.

***

Antonio Piancó Sobrinho glosando o mote:

Só partindo é que se sabe


Como era bom ter ficado.

Parte gente todo dia


Para as capitais do sul
Pensando num mundo azul
Repleto de fantasia
Porém a sua alegria
Termina mal tem chegado
Só o serviço pesado
No mundo inteiro lhe cabe
Só partindo é que se sabe
Como era bom ter ficado.

Passa os dias ressentido


Lamentando o seu pesar
Pensando um dia voltar
Para o seu torrão querido
Com o coração partido
E o peito dilacerado
Chorando, desesperado
Pede a Deus que a dor se acabe
Só partindo é que se sabe
Como era bom ter ficado.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


O TEMA É JUMENTO
Publicado em 5 de maio de 2023

LUIZ GONZAGA – APOLOGIA AO JUMENTO

***

DISCUSSÃO DE UM JUMENTO COM UMA MOTO – Edson Francisco


Nas quebradas do sertão
Já vi tudo acontecer
Vi homem virar mulher
Gente morta envivecer
Já vi alma frente a frente
Vi matuto presidente
Cabra valente morrer

Quero contar pra você


Um raro acontecimento:
Eu vi uma motocicleta
Discutir com um jumento
Você pode duvidar
Mas queira me escutar
Pra ver se tem cabimento

Vinha naquele momento


A caminho da cidade
Em cima de minha moto
A toda velocidade
Quando, me sentindo mal,
Parei em um matagal
Pra fazer necessidade

Realizada a vontade
Eu ouvi um burburinho
Eram vozes na estrada
Bem no meio do caminho
Pensando que era ladrão
Me deitei ali no chão
E fui ouvindo tudinho:

“Você é um coitadinho”
Ouvi a moto falar.
“Já está ultrapassado
Coloque-se em seu lugar
É bicho sem importância
Símbolo da ignorância
Não serve mais pra montar”.

“Não queira me humilhar”


– Lhe respondeu o jumento –
“Se você é novidade
A atração do momento
Eu também já fiz sucesso
Já carreguei o progresso
E qual foi meu pagamento?

Jogado no esquecimento
Na maior ingratidão
Abandonado de tudo
Nas estradas do sertão
Só me restam as lembranças
De um tempo de bonança
Sem tristeza e humilhação”

“Já cheguei à conclusão


Que seu tempo é o passado
Fase sem tecnologia
Período muito atrasado
Meu sucesso hoje é tanto
Que estou em todo canto
É moto pra todo lado

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES REPENTISTAS
Publicado em 28 de abril de 2023
Elísio Felix da Costa, o Canhotinho, Taperoá – PB (1913-1965)

***

Elísio Félix da Costa (Canhotinho)

Sei que hei de morrer um dia


isto é que queira quer não,
mas sei que quando partir
os meus versos ficarão,
passando de boca em boca,
meu nome de mão em mão.

Manoel Galdino Bandeira

Manoel Galdino Bandeira


de São José de Piranha,
dá grito no pé da serra,
chega estremece a montanha,
cantador nas minhas unhas
ou corre ou morre ou apanha.

Pinto do Monteiro

Eu como ando em campanha,


no solo paraibano,
se eu pegar sua bandeira,
queimo a haste e rasgo o pano,
que o remendo menor,
pra costurar leva um ano.

João Furiba
Pinto velho do Monteiro,
de anos tem quase cem,
viveu sem juntar dinheiro,
não vai deixar um vintém,
que o povo da terra dele
não dá a mão a ninguém.

Pinto do Monteiro

Eu conheço muito bem


a sua Taquaritinga:
em cima só tem lajedo
e embaixo é só caatinga,
em cima nunca choveu,
no pé da serra não pinga.

Biu Gomes

O sabiá do sertão
faz coisa que me comove:
passa três meses cantando
e sem cantar passa nove,
como que se preparando,
pra só cantar quando chove.

Job Patriota

No jogo do improviso,
sou artista competente,
traço o baralho dos versos
e sei jogar meu repente,
no pife-pafe das rimas,
ninguém bate em minha frente.

Manoel Soares

Eu sou mais experiente


e você se desapruma,
trace o baralho das rimas,
que eu corto em cima, na ruma,
jogo com dois melés,
você não te nenhuma.

Olívio José de Oliveira

Sou o maior repentista


que pisa neste terreno,
pode chegar qualquer um,
rico, alvo ou moreno,
quando chega aqui é grande,
mas quando sai é pequeno.

Pedro Amorim
Todo cantador pequeno,
pensa que é grande e sabido:
sempre conta que venceu,
nunca diz que foi vencido,
acho que com meu colega,
isto tem acontecido.

Odilon Nunes de Sá

Admiro a mocidade
não querer envelhecer,
velho ninguém quer ficar,
moço ninguém quer morrer,
quem morre moço não vive,
bom e ser velho e viver.

Sebastião da Silva

A casa que morei nela,


que fui feliz com meus pais,
só restam teias de aranha,
cupim roendo os frechais,
é um poema de angústias,
de saudades, nada mais…

Valdir Teles

Só restam mesmo os frechais


e a cumeeira pendida,
um fogão velho de lenha,
a mesa velha encardida,
mas pra mim foi a morada
melhor que eu tive na vida.

Arnaldo Cipriano de Souza

Esta viola bonita,


que eu conduzo em minha frente,
do jeito que ela tem boca,
se tivesse língua e dente,
talvez contasse a metade
da dor que meu peito sente.

José Bernardino de Oliveira

O que diz o cidadão,


nem mesmo um professor sabe,
mesmo este assunto não cabe
na minha compreensão,
não sei se antes de Adão,
esse negócio já vinha,
nem sei se antes já tinha,
ovo, galinha e poleiro,
não sei quem nasceu primeiro,
se ovo, galo ou galinha.
Belarmino de França

Andei a primeira vez,


de quatro pés e depois
comecei a andar de dois,
e hoje ando de três,
mas assim Deus não me fez,
não nasci desta maneira.
Uso este pé de madeira,
por uma necessidade;
oitenta e cinco de idade
não é boa brincadeira.

José Vila Nova (Pai de Ivanildo Vila Nova)

O vício da embriaguez
em meu feitio não mora,
por isso fico de fora,
deste sarau de vocês,
beber a primeira vez,
pra mim é coisa custosa,
vou tomar uma gasosa,
que nada de mal concebe,
aqui só glosa quem bebe,
quem não beber nada glosa.

Otacílio Batista Patriota

Fazer o bem é perdido,


fazer o mal não convém,
entre a maldade e o bem,
quem faz o bem é traído.
Eu não fui compreendido,
quando tive compaixão
de quem me estendia a mão,
desejando ser feliz:
A quem mais favor eu fiz
Só me fez ingratidão.

Manoel Belarmino

No meu tempo de criança,


ou em casa ou no caminho,
quando encontrava um velhinho,
estranho ou da vizinhança,
com a voz humilde e mansa,
dizia “bênção seu Zé”,
e ele na boa fé
dizia: “Deus te abençoe”,
veja o passado o que foi,
veja o presente o que é.

Job Patriota
Estes teus seios pulados,
que estão me desafiando,
são dois carvões faiscando,
no fogão dos meus pecados,
são dois punhais afiados,
que já ferem dois cristãos,
para o meus lábios pagãos,
são dois sapotis maduros,
Quero ver teus seios puros
nas conchas de minhas mãos.

Severino Pinto

Vaqueiro é pra tirar couro,


espichar, fazer correia,
azeitar cabresto e peia,
tirar leite e beber soro,
visitar o logradouro,
curtir couro, fazer sola,
pra rabicho e rabichola,
ferrar gado e capar bode,
Quem é vaqueiro não pode
ser cantador de viola.

José Vicente

Só o presente me diz
tudo que fiz no passado,
caminho certo ou errado,
nas caminhadas que fiz,
só mesmo o destino quis
modificar minha mente,
o corpo velho e doente
mantém as rugas da cara.
A saudade não separa
o passado do presente.

José Alves de Mira-Flor

Disse assim o tentador


Com Jesus na solidão:
Converte pedras em pão,
Tentando a Nosso Senhor,
O Divino Salvador,
Com frases que não se somem,
Mostrou que os justos não comem,
Repelindo o anjo audaz;
Retira-te satanás,
Nem só de pão vive o homem!

Manoel Dodô

Na profissão de carreiro,
eu faço tudo e não deixo,
compro sebo ensebo o eixo,
a canga e o tamoeiro,
sete palmos de fueiro
medidos na minha mão,
uma vara de ferrão,
dois canzis de mororó:
carro de boi e forró
faz eu gostar do sertão.

Arnaldo Cipriano

A mulher do meu encanto


saiu comigo em passeio,
eu guiando um veraneio,
de uísque bebi um tanto,
chegando no bel-recanto,
fomos dar ar no pneu,
a câmara de ar encheu,
no nono mês estourou:
Eu pequei, ela pecou,
mas o culpado fui eu.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

PRAGAS DE PATATIVA DO ASSARÉ E UMA DUPLA EM CANTORIA


Publicado em 21 de abril de 2023
Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, Assaré-CE (1909-2002)

ROGANDO PRAGAS – Patativa do Assaré

Dizia o velho Agostinho


que este mundo é cheio de arte
e se encontra em toda parte
pedaços de mau caminho
um pessoal meu vizinho,
sem amor e sem moral,
atrás de fazer o mal,
para feijão cozinhar,
começaram a roubar
as varas do meu quintal.

Toda noite e todo dia


iam as varas roubando
e eu já não suportando
aquela grande anarquia
pois quem era eu não sabia
pra poder denunciar,
com aquele grande azar
vivia de saco cheio,
até que inventei um meio
pra do roubo me livrar.

Eu dei a cada freguês,


com humildade o perdão
e lancei a maldição
em quem roubasse outra vez
e com muita atividez
na minha pena peguei,
umas estrofes rimei
sobre as linhas de uns papéis
rogando pragas cruéis
e lá na cerca botei.
Deus permita que o safado,
sem vergonha ignorante,
que roubar de agora em diante
madeira do meu cercado,
se veja um dia atacado
com um cancro no toitiço,
toda espécie de feitiço
e em cima do mesmo caia
e em cada dedo lhe saia
um olho de panariço.

O santo Deus de Moisés


lhe mande bexiga roxa
saia carbúnculo na coxa,
cravo na sola dos pés,
sofra os incômodos cruéis
da doença hidropisia
icterícia e anemia
tuberculose e diarreia
e a lepra da morfeia
seja a sua companhia.

Deus lhe dê reumatismo


com a sinusite crônica
a sezão, o impaludismo
e os ataques da bubônica,
além de quatro picadas
de quatro cobras danadas
cada qual a mais cruel
de veneno fatal
a urutu, a coral
jararaca e cascavel.

Eu já perdoei bastante
o que puderam roubar,
para ninguém censurar
que sou muito extravagante
mas de agora por diante,
ninguém será perdoado,
Deus queira que cão danado
um dia morda na cara
de quem roubar uma vara
na cerca do meu cercado.

E o que não ouvir o rogo


que faço neste momento
tomara que tenha aumento
como correia ao fogo,
dinheiro em mesa de jogo
e cana no tabuleiro
e no dia derradeiro,
a vela pra sua mão,
seja um pequeno tição
de vara de marmeleiro.
***

A grande dupla de poetas repentistas Geraldo Amâncio e Ivanildo Vilanova

***

O SERTÃO EM CARNE E ALMA

Ivanildo Vilanova

Uma tarde de inverno no sertão


É um grande espetáculo pra quem passa
Serra envolta nos tufos de fumaça
Água forte rolando pelo chão
O estrondo da máquina do trovão
Entre as nuvens do céu arroxeado
O raio caindo assombra o gado
Atolado por entre as lamas pretas
Rosna o vento fazendo pirueta
Nas espigas de milho do roçado.

Geraldo Amâncio

No sertão quando o chão está molhado


Corre água nas veias de um regato
Pula a onça da furna corre o gato
Um cavalo galopa estropiado
Um garrote atravessa o rio de nado
Uma cobra se acua com um cancão
A cantiga saudosa do carão
Faz lembrar o lugar que fui nascido
Entre as telas do filme colorido
Que Deus fez pra o cinema do sertão.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UMA GRANDE CANTORIA


Publicado em 14 de abril de 2023

Diniz Vitorino

Qualquer dia do ano se eu puder


para o céu eu farei uma jornada
como a lua já está desvirginada
até posso tomá-la por mulher;
e se acaso São Jorge não quiser
eu tomo-lhe o cavalo que ele tem
e se a lua quiser me amar também
dou-lhe um beijo nas tranças do cabelo
deixo o santo com dor de cotovelo
sem cavalo, sem lua e sem ninguém.

***

Expedito de Mocinha

Eu nasci e me criei
Aqui nesse pé de serra
Sou filho nato da terra
Daqui nunca me ausentei
Estudei não me formei
Porque meu pai não podia
Jesus filho de Maria
De mim se compadeceu
E como presente me deu
Um crânio com poesia.

***

Firmo Batista

Um dia eu estava olhando


a serra Jabitacá
conheci que nela está
a natureza sonhando
o vento passa embalando
o corpo robusto dela
a nuvem cobrindo ela
pingos de orvalho descendo
e o Paraíba dizendo
a minha mãe é aquela.

***

Zé Limeira

Eu briguei com um cabra macho


Mas não sei o que se deu:
Eu entrei por dentro dele,
Ele entrou por dentro deu,
E num zuadão daquele
Não sei se eu era ele
Nem sei se ele era eu.

***

Marcos Passos

Aos primeiros sinais da invernada,


Logo após longo tempo de estiagem,
Lá da serra, do vale e da barragem
Escutamos os sons da trovoada.
Vislumbrando a campina esverdeada,
Sertanejo se anima igual criança.
Logo mais, quando o mato se balança
E um corisco atravessa o céu nublado,
Cai a chuva no colo do roçado,
Germinando o pendão da esperança.

***

Jó Patriota

Na madrugada esquisita
O pescador se aproveita
Vendo a praia como se enfeita
Vendo o mar como se agita
Hora calmo, hora se irrita
Como panteras ou pumas
Depois se desfaz em brumas
Por sobre as duras quebranças
Frágeis, fragílimas danças
De leves flocos de espumas.

***

A ARTE DA CANTORIA

Dois ícones da poesia nordestina, os cantadores Otacílio Batista e Oliveira de


Panelas improvisam em vários estilos.
Sextilhas, Gemedeira, Mourão-de-sete-pés (trocado), Mourão-de-você-cai, Oito-pés-
a-quadrão, Dez-pés-a-quadrão, Martelo-alagoano e Galope-à-beira-mar.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

A GENIALIDADE DE DEDÉ MONTEIRO


Publicado em 7 de abril de 2023
José Rufino da Costa Neto, o Dedé Monteiro, “O Papa da Poesia”, Tabira-PE, 1949

***

Dedé Monteiro declamando o poema “As Quatro Velas“, de sua autoria

***

A VOZ DO ESPELHO – Dedé Monteiro

Triste e espantado, sem sorriso algum,


Diz, frente ao espelho (velho amigo seu):
– Não, não me diga, de jeito nenhum,
Que tudo passa e que esse aí sou eu…

Quem foi que disse que esse vulto é meu?


Que eu virei “isso”… e que nós somos um?
Por que meu riso, que era tão comum,
Do seu semblante desapareceu?

Será um sonho, um pesadelo, enfim…


Ou foi a idade que passou por mim?…
Responde o espelho: – Disse muito bem!

Por que o tempo, esse carrasco mudo,


Que a todos muda e que transforma tudo,
Não passaria por você também?

***

SOU DO PAJEÚ DAS FLORES – Dedé Monteiro

Se eu morasse muito além,


Onde nada me faltasse,
Talvez que nem precisasse
Cantar pra me sentir bem.
Sofro, mas canto também
Pra tristeza se mandar.
Se ela insistir em ficar,
Eu canto a canção das dores…
Sou do Pajeú das flores,
Tenho razão de cantar!

Tive a sorte de nascer


Num chão que tanto me inspira,
Minha querida Tabira
Que me dá tanto prazer.
Se a seca me faz sofrer,
O verso me faz gozar,
Pois trago n’alma um pomar
Com frutos de mil sabores!
Sou do Pajeú das flores,
Tenho razão de cantar!

***

FIM DE FEIRA – Dedé Monteiro

O lixo atapeta o chão


Um caminhão se balança
Quem vem de fora se lança
Em cima do caminhão
Um ébrio esmurra o balcão
No botequim da esquina
O gari faz a faxina
Um cego ensaca a sanfona
E um vendedor dobra a lona
Depois que a feira termina.

Miçanga, fruta, verdura,


Milho feijão e farinha,
Bode, suíno, galinha,
Miudeza, rapadura.
É esta a imagem pura
De uma feira nordestina
Que começa pequenina,
Dez horas não cabe o povo
E só diminui de novo
Depois que a feira termina.

Na matriz que nunca fecha


Muito apressado entra alguém
Mas sai vexado também
Se não o carro lhe deixa
O padre gordo se queixa
Do calor que lhe domina
E agita tanto a batina
Quem que vê fica com pena
Toca o sino pra novena
Depois que a feira termina.

A filhinha do mendigo
Sentada a seus pés, num beco,
Comendo um pão doce seco
Diz: papai, coma comigo.
E o velho pensa consigo
Meu Deus, mudai sua sina
Pra que minha pequenina
Não sofra o que eu sofro agora
Ria a filha, o velho chora
Depois que a feira termina.

Um pedinte se levanta
Da beira de uma calçada
Chupando uma manga espada
Pra servir de almoço e janta
Um boi de carro se espanta
Se o motorista buzina
Um velho fecha a cantina
Um cachorro arrasta um osso
E o pobre “azavessa” o bolso
Depois que a feira termina.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


POEMAS DE PATATIVA DO ASSARÉ
Publicado em 31 de março de 2023

O POETA DA ROÇA

Sou fio das mata, cantô da mão grossa,


Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de páia de mío.

Sou poeta das brenha, não faço o papé


De argum menestré, ou errante cantô
Que véve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.

Não tenho sabença, pois nunca estudei,


Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastéro, singelo e sem graça,


Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso so entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

Só canto o buliço da vida apertada,


Da lida pesada, das roça e dos eito.
E às vez, recordando a feliz mocidade,
Canto uma sodade que mora em meu peito.

Eu canto o cabôco com suas caçada,


Nas noite assombrada que tudo apavora,
Por dentro da mata, com tanta corage
Topando as visage chamada caipora.

Eu canto o vaquêro vestido de côro,


Brigando com o tôro no mato fechado,
Que pega na ponta do brabo novio,
Ganhando lugio do dono do gado.

Eu canto o mendigo de sujo farrapo,


Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão.
E assim, sem cobiça dos cofre luzente,
Eu vivo contente e feliz com a sorte,
Morando no campo, sem vê a cidade,
Cantando as verdade das coisa do Norte.

***

ARTE MATUTA

Eu nasci ouvindo os cantos


das aves de minha serra
e vendo os belos encantos
que a mata bonita encerra
foi ali que eu fui crescendo
fui vendo e fui aprendendo
no livro da natureza
onde Deus é mais visível
o coração mais sensível
e a vida tem mais pureza.

Sem poder fazer escolhas


de livro artificial
estudei nas lindas folhas
do meu livro natural
e, assim, longe da cidade
lendo nessa faculdade
que tem todos os sinais
com esses estudos meus
aprendi amar a Deus
na vida dos animais.

Quando canta o sabiá


Sem nunca ter tido estudo
eu vejo que Deus está
por dentro daquilo tudo
aquele pássaro amado
no seu gorjeio sagrado
nunca uma nota falhou
na sua canção amena
só canta o que Deus ordena
só diz o que Deus mandou.

***

CANTE LÁ QUE EU CANTO CÁ


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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES GLOSAS E UM CLÁSSICO DO CORDEL


Publicado em 24 de março de 2023
Poeta cantador cearense Geraldo Amâncio

***

Geraldo Amâncio glosando o mote:

O nordeste se enche de alegria


Na chegada da chuva no sertão.

Numa tarde de inverno o céu se agita


Uma nuvem pesada esconde o sol
Aparece relâmpago, caracol
A cascata do rio enche e vomita
Desce raio de fogo o trovão grita
Na cabeça de um grande torreão
Passa o vento entoando uma canção
Que o porão do açude se arrepia
O nordeste se enche de alegria
Na chegada da chuva no sertão.

Na esperança o campônio se agarra


Do fantasma da seca sente medo
Quando chega o natal, acorda cedo
Para ver se aurora trás a barra
Inimiga da seca é a cigarra
Que só canta no tempo do verão
O profeta do inverno é o carão
Quando está pra chover ele anuncia
O nordeste se enche de alegria
Na chegada da chuva no sertão.

Quando chove na entrada de janeiro


O riacho transborda e soltam roncos
Lambe os galhos do mato, arrastra troncos
De raízes que encontra em todo aceiro
Passam sapos montado no balseiro
Parecendo um chofer de caminhão
Não dirige, mas dá a impressão
Onde tem um perigo ele desvia
O nordeste se enche de alegria
Na chegada da chuva no sertão.

No inverno os vaqueiros tangem bois


O roceiro na luta mete a cara
Queima a broca o que sobra faz coivara
Deixa arranca de touco pra depois
Corta a terra na baixa de arroz
Faz remonte de cerca aduba o chão
Abre cova semeia e enterra o grão
Tudo quanto plantar a terra cria
O nordeste se enche de alegria
Na chegada da chuva no sertão.

***

Otacilio Pires glosando o mote:

A saudade maltrata mas não mata ,


Só pra ter o prazer de torturar.

A saudade é esta falta sentida,


Quando a distancia se faz presente.
E o tempo passou, foi inclemente,
E esta ausência maior é tão doída.
Saudade é esta dor mais incontida,
Que em nada se pode superar ,
A esperança se faz em esperar
E esta espera parece tão ingrata…
A saudade maltrata, mas não mata,
Só pra ter o prazer de torturar.

***

Louro do Pajeú glosando o mote:

Quem casa faz uma cruz


pra morrer cravado nela.

Jesus não morreu tão moço


mas nunca quis companheira,
quis uma cruz de madeira,
porém, não de carne e osso.
Não lhe seduziu o esboço
do perfil da mulher bela,
não deu tais honras a ela,
sabido só foi Jesus.
Quem casa faz uma cruz
pra morrer cravado nela.
***

Otacílio Pires glosando o mote:

Tudo o que há de beleza


Deus colocou no Sertão .

Uma flor de açucena,


Uma noite enluarada,
Orvalho da madrugada,
Um som duma cantilena.
A beleza da pele morena
Queimada de insolação.
Leito de rio em rachão
Sertão de muita dureza
Mas no fim a certeza:
Tudo o que há de beleza
Deus colocou no Sertão.

***

UMA VIAGEM AO CÉU – Leandro Gomes de Barros

Uma vez eu era pobre


Vivia sempre atrasado
Botei um negócio bom
Porém vendi-o fiado
Um dia até emprestei
O livro do apurado.

Dei a balança de esmola


E fiz lenha do balcão
Desmanchei as prateleiras
Fiz delas um marquezão
Porém roubaram-me a cama
Fiquei dormindo no chão.
Estava pensando na vida
Como havia de passar
Não tinha mais um vintém
Nem jeito de trabalhar
O marinheiro da venda
Não queria mais fiar.

Pus a mão sobre a cabeça


Fiquei pensando na vida
Quando do lado do céu
Chegou uma alma perdida
Perguntou : – Era o senhor
Que aí vendia bebida?

Eu disse que era eu mesmo


E a venda estava quebrada
Mas se queria um pouquinho
Ainda tinha guardada
Obra de uns dois garrafões
De aguardente imaculada.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

A GENIALIDADE DE MANOEL XUDU


Publicado em 17 de março de 2023
O paraibano Manoel Lourenço da Silva, o Manoel Xudu (1932-1985)

***

Dia 13 de março terça-feira


Ano mil novecentos trinta e dois
Pouco tempo depois que o sol se pôs
Mamãe dava gemidos na esteira
Numa casa de barro e de madeira
Muito humilde coberta de capim
Eu nasci pra viver sofrendo assim
Minha dor vem dos tempos de menino
Vivo triste por causa do destino
E a saudade correndo atrás de mim.

***

O mar se orgulha por ser vigoroso,


Forte, gigantesco que nada lhe imita
Se ergue, se abaixa, se move, se agita,
Parece um dragão feroz e raivoso.
É verde, azulado, sereno, espumoso;
Se espalha na terra, quer subir pro ar,
Se sacode todo, querendo voar,
Retumba, ribomba, peneira, balança,
Nem sangra, nem seca, nem para, nem cansa,
São esses fenômenos da beira do mar.

***
Analise o caju e a castanha,
São os dois pendurados num só cacho,
Bem unidos, um em cima, outro embaixo,
Porém tendo um do outro a forma estranha,
Dela, extrai o azeite, o sumo, a banha,
Dele, o suco pro vinho e o licor,
Quando ambos maduros mudam a cor
Ele fica amarelo e ela escura,
Mas o gosto dos dois não se mistura,
Quanto é grande o poder do Criador.

***

Não há tempestades e nem furacões,


Chuvada de pedra no bosque esquisito
Quedas de coriscos e meteorito
Tiros de granadas, obuses, canhões,
Juntando os ribombos de muitos trovões
Que tem pipocado na massa do ar
Cascata rugindo, serra a desabar,
Estrondo, ribombos, rumores de guerra,
Nuvens mareantes, tremores de terra
Que imitem a zoada na beira do mar.

***

Voei célere aos campos da certeza


E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

***
Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

***

Quando eu segurei a tua mão


Foi achando que ela estava fria
Ela tava tão quente e tão macia
Igualmente um capucho de algodão
Vou mandar repartir meu coração
Pra fazer-te presente da metade
Pra gente ficar de igualdade
Tu me dá teu retrato eu dou o meu
O retrato me serve de museu
Pra eu guardar meu romance de saudade.

***

O nome da minha amada


Escrevi com emoção
Na palma da minha mão,
No cabo da minha enxada
No batente da calçada
E no fundo da bacia
Na casca de melancia
Mais grossa do meu roçado
Pode ir lá que tá gravado
O nome Ana Maria.

***

Eu admiro um caixão
Comprido como um navio
Em cima uma cruz de prata
No meio um defunto frio
E um cordão de São Francisco
Torcido como um pavio.

***

O homem que bem pensar


Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranquilo
A lua fica chorosa
Por não poder mais ouvi-lo.
***

Sou igualmente a pião


saindo de uma ponteira
que quando bate no chão
chega levanta a poeira
com tanta velocidade
que muda a cor da madeira.

***

Tristeza é a do peruzinho
Beliscando essa maniva
Correndo atrás da galinha
A sua mãe adotiva
Como quem está dizendo
Ah se mamãe fosse viva !

***

A mulher que eu casei


Além de linda é brejeira
Daquelas que vai à missa
No domingo e terça-feira
Das que faz uma sombrinha
Com um pé de carrapateira.

***

Estou como um penitente


Que não possui um barraco,
Dorme à-toa pela rua,
Um guabiru fura o saco,
Quando recebe uma esmola
Ela cai pelo buraco.

***

Judas pegou uma corda,


Morreu com ela enforcado,
Não estava arrependido,
Estava desesperado,
E o desespero da culpa
Nunca redime o pecado.

***

Com você canto apertado


Que só cobra de cipó.
Que, com três dias de fome,
Tenta engolir um mocó,
De tanto forçar a boca,
Finda estourando o gogó.
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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MESTRES DO IMPROVISO


Publicado em 10 de março de 2023

João Furiba

Se você quiser ter sorte


na sua mercearia,
coloque uma etiqueta
em cada mercadoria
e ponha meu nome nela
que conquista a freguesia.

Pinto do Monteiro
Triste da mercadoria
que nela tiver seu nome!
Pode vir um guabiru
Com oito dias de fome,
Caga o pão, mija no queijo,
Passa por cima e não come.

***

João Paraibano

Os vegetais estremecem
Na hora que o vento espoca,
Um bezerra se alimenta
Na vaca da ponta oca,
Com o leite morno descendo
Pelos dois cantos da boca.

Sebastião Dias

A serra usa uma touca,


De noite, de um modo estranho,
O capim pangola roça
Na barriga do rebanho
E a noite espreme uma nuvem
Pra o morro tomar um banho.

João Paraibano

É aqui que o cabeçalho


machuca um boi preguiçoso;
neste arvoredo canta
um pássaro melodioso
e o arroto de uma vaca
deixa o curral mais cheiroso.

Sebastião Dias

É quando o boi preguiçoso


Vem marchando pros currais,
Lambe o queixo pela frente,
Balança a cauda por trás,
Pra ver se alcança no canto
Dos calos que a canga faz.

***

Diniz Vitorino

Eu vou defender a morte


Mas tô conformado ainda
A ida pro túmulo é certa
E é quase impossível a vinda
O que começa termina
Tudo que nasce se finda.
Ivanildo Vilanova

A vida é praia de Olinda


É vagalhão que se agita
A morte é caixão quebrado
É trava e cova esquisita
Bocado que o mundo enjeita
Osso que o mundo vomita.

Diniz Vitorino

Eu sei que a vida é bonita


Mas à morte eu dou cartaz
Que a vida quer ir pra frente
A morte puxa pra trás
A vida quer mais não foge
Dos cercos que a morte faz.

Ivanildo Vilanova

Mesmo a vida ruim demais


De sobressalto e sobrosso
Todos querem morrer velho
Que ninguém quer morrer moço
Com uma bala no crânio
E uma corda no pescoço.

Diniz Vitorino

Pertinho de um calabouço
A vida faz seu império
A morte chega e transforma
Ouro fino em pó funéreo
Roupa rasgada em mortalha
E palacete em cemitério.

Ivanildo Vilanova

Mas a vida tem mistério


Todo mundo quer viver
Um velho de oitenta anos
Tendo riqueza e poder
Contrata os médicos do mundo
Faz força pra não morrer.

Diniz Vitorino

A morte me dá prazer
Que eu a morte já conheço
Tira a fatura dos débitos
Mostra a nota, cobra o preço
No fim o cliente paga
O tributo do começo.

Ivanildo Vilanova
A vida tem tanto apreço
Que quem adoece pende
Vai pra médico e hospital
Gasta, mas não se arrepende
Que só não se compra a morte
Porque ela não se vende.

Diniz Vitorino

Dela ninguém se defende


Que a morte não faz tolice
Se ela não viesse logo
Talvez que o povo sentisse
A morte é muito melhor
Do que a dor da velhice.

Ivanildo Vilanova

A morte tem mais sentidos


Que é perversa demais
Se não existisse morte
Barco não perdia o cais
Não tinha viúva só
Nem filho longe dos pais.

Diniz Vitorino

Neste mundo sem cartaz


Se as raças são pervertidas
Se as gerações futuras
Serão mais desenvolvidas
É justo que haja mortes
Pra que surjam novas vidas.

Ivanildo Vilanova

Vida tem riso e bebida


Embora tenha pecado
Porque se não fosse a morte
Caixão não era comprado
Coveiro não tinha emprego
E cemitério era fechado.

Diniz Vitorino

Pra quem vive sem pecado


A morte não é cruel
Se não morresse Izaias
Balaão, nem Daniel
Não nasceria Jesus
Pra salvação de Israel.

Ivanildo Vilanova
A vida é taça de mel
Que todo mundo aprecia
Porque se não fosse a morte
Não tinha casa vazia
Caneta não tinha preço
Mortalha, a traça comia.

Diniz Vitorino

A morte é mulher liberta


Pra mim tem boas condutas
Se Cleópatra não morresse
Nas presas das cobras brutas
Hoje o Egito seria
Um reino de prostitutas.

Ivanildo Vilanova

A vida tem boas frutas


Baladas, canto e procela
Mesmo se não fosse a morte
Não tinha tristeza nela
Padre não ganhava nota
Cêra não queimava vela.

Diniz Vitorino

A morte não tem preguiça


Nem trava lutas perdidas
Se Helena rainha falsa
Tivesse um milhão de vidas
Quantas cidades troianas
Não seriam destruídas.

Ivanildo Vilanova

Porém faz coisas erradas


Aviso com alegria
Se Lampião fosse vivo
Com a sua pontaria
Muito cabra sem-vergonha
Pagava o que me devia.

Diniz Vitorino

Muito prazer eu teria


Se a morte desse fim
Ao velho Anuar Sadat
Fidel Castro, Idi Amin
Ivanildo Vilanova
Mas esquecesse de mim.
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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES POETAS POPULARES E UM CORDEL SOBRE JESUS


CRISTO
Publicado em 3 de março de 2023

Lourival Batista Patriota (Louro do Pajeú)

Um cientista profundo
perguntou-me certa vez,
se eu conhecia os três
desmantelos deste mundo.
Eu respondi num segundo:
Doido, mulher e ladrão.
E disse mais a razão:
doido não tem paciência,
ladrão não tem consciência,
mulher não tem coração.

Serra Branca

Limeira meu negro velho,


você está em perigo:
um homem de sua idade,
quando vem cantar comigo,
só corta por onde eu risco,
só engole o que eu mastigo.

Zé Limeira

Você cantando comigo,


o sacrifício é maior:
porque não canta improviso
nem sabe nada de cor,
quanto mais você se apura,
mais eu lhe acho pior.

Otávio Pinheiro Filho

Teus olhos acastanhados,


tua boca angelical,
teu sorriso sensual
e teus lábios carminados,
teus cabelos ondulados,
tudo em perfeita harmonia,
tudo teu tem poesia
e me provoca o desejo
profundo de dar-te um beijo.
Deixa beijar-te Maria.

José Alves Sobrinho

Brasil de caracaxá,
do quengo, do cacareco,
do fole, do reco-reco,
do pandeiro, do ganzá,
do chibé, do aluá,
baião de dois, rubacão,
da farofa, do pirão,
da tapioca de coco,…
Este é Brasil de cabôco,
de mãe preta e pai João.

Cantando sempre vivi,


o cantar me dá prazer,
cantando hei de morrer,
porque chorando nasci,
chorando sempre perdi,
quero cantar até quando
Deus quiser, sempre sonhando,
sem gemer e sem chorar,
Cantando hei de encontrar
tudo que perdi chorando.

Dois aniversariantes,
em idades diferentes:
o pai está entre os adultos,
o filho entre os inocentes,
o pai mudando os cabelos,
o filho mudando os dentes.

***

OS SOFRIMENTOS DE JESUS CRISTO – José Pacheco


Oh Jesus meu Redentor
dos altos Céus infinitos
abençoai meus escritos
por vosso divino amor
leciona um trovador
com divina inspiração
para que vossa paixão
seja descrita em clamores
desde o princípio das dores
até a ressurreição.

Dentro do Livro Sagrado


São Marcos com perfeição
nos faz a revelação
de Jesus crucificado
foi preso e foi arrastado
cuspido pelos judeus
por um apóstolo dos seus
covardemente vendido
viu-se amarrado e ferido
nas cordas dos fariseus.

Dantes predisse o Senhor


meus discípulos me rodeiam
e todos comigo ceiam
mas um me é traidor
só a mão do pecador
meu corpo ao suplício vai
porém vos digo que vai
do homem que por dinheiro
transforma-se traiçoeiro
contra o Filho de Deus Pai.

Todos na mesa consigo


clamavam em alta voz
Senhor, Senhor qual de nós
vos trai dos que estão contigo
disse Cristo: é quem comigo
juntamente molha o pão
e todos me deixarão
mas São Pedro respondeu
mestre garanto que eu
não vos deixarei de mão.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

MOTES BEM GLOSADOS


Publicado em 25 de fevereiro de 2023

Dedé Monteiro, o Papa da Poesia, nascido em setembro de 1949, no sitio Barro


Branco, município de Tabira, Pernambuco

***

Dedé Monteiro glosando o mote


Saltei mas de mil cancelas
Na estrada dos desenganos.

Na estrada dos desenganos


Contei mais de mil palhoças,
Pequenas, pobres, singelas,
Passei por mais de mil roças,
Saltei mais de mil cancelas,
Dormi em mais de mil redes,
Saciei mais de mil sedes,
Desmanchei mais de mil planos,
Fiz mais de mil amizades,
Deixei mais de mil saudades,
Na estrada dos desenganos.

Passei por mais de mil cruzes,


Acendi mais de mil velas,
Divisei mais de mil luzes,
Saltei mais de mil cancelas,
Mais de mil vezes chorei,
E o pranto que derramei
Valeu por mais de mil anos…
Desfiz mil sonhos queridos,
Soltei mais de mil gemidos
Na estrada dos desenganos.

Ganhei mil cabelos brancos,


Fiz mais de mil sentinelas,
Venci mais de mil barrancos,
Saltei mais de mil cancelas,
Escutei mil passarinhos,
Pisei mais de mil espinhos,
Padeci por mil ciganos,
Ganhei mais não do que sim,
Deixei mil partes de mim
Na estrada dos desenganos.

***

Zé Mariano glosando o mote:

Vejo um quadro pintado de saudade.


Na parede da minha solidão.

Relembrando meus tempos de criança,


Os momentos alegres que passei
Na casinha de barro onde morei,
Muito simples, mas farta de esperança,
O orgulho que tinha a vizinhança
Já me vendo um futuro cidadão,
Quando lembro a ponteira do pião
Enrolando na minha mocidade,
Vejo um quadro pintado de saudade
Na parede da minha solidão.
Se fingir que dos anos me esqueci,
Se por ser vaidoso ou por desgosto,
Sem ter traumas, as rugas do meu rosto
Vão mostrar que de fato envelheci.
Na escola da vida eu consegui
Receber o diploma de ancião,
E na hora da minha conclusão,
No canudo manchado da idade
Vi um quadro pintado de saudade
Na parede da minha solidão.

Ela foi me dizendo que voltava


Eu fiquei aguardando seu regresso
Foi-se um ano, dois anos, sem sucesso
Nem recado, nem carta ela mandava
Quando alguém por capricho perguntava
A esquecesse poeta, sim ou não?
Respondia com a voz do coração
Implorando por sua liberdade
Tenho um quadro pintado de saudade
Na parede da minha solidão.

Pra poder esquecer quem certo dia


Fez morada na sombra do meu peito
Resolvi por em prática meu direito
De viver como um pássaro em harmonia
Dei um laço abraçando a poesia
E depois de tomada a decisão
Coloquei toda a minha inspiração
No lugar de quem era outra metade
E nunca mais vi um quadro de saudade
Na parede da minha solidão.

***

A TAMPA DO TABAQUEIRO – Dedé Monteiro

Vovô morreu muito pobre


Sem nada deixar de herança
Mas me deixou por lembrança
Um tabaqueiro de cobre.
Nunca vi coisa tão nobre,
Era um troféu verdadeiro!
Na tampa tinha um letreiro
Que o velho escreveu pra mim
Pedindo pra não dar fim
A tampa do tabaqueiro.

Por isso eu nunca emprestava


O tabaqueiro a ninguém,
Mas quando chegava alguém
Pedindo tabaco, eu dava
O bicho nunca secava,
Pois quando estava maneiro
Eu machucava o tempero,
Torrava o fumo e fazia.
Tinha vez que nem cabia
A tampa do tabaqueiro…

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MESTRE DO REPENTE E UM CORDEL DE PARAIBÊS


Publicado em 17 de fevereiro de 2023

João Paraibano:

Faço da minha esperança


Arma pra sobreviver
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.

Onildo Barbosa:

Quando o dia vai embora


A tarde é quem sente a queixa
O portão da noite abre
A porta do dia fecha
A boca da noite engole
Os restos que o dia deixa.

Zé Saldanha:

Fiz versos bonitos e com estilo


Olhando as belezas do vergel;
Na promissão da terra leite e mel
Vi de perto a estátua de Berilo,
Medi as águas que tem no rio Nilo
Estudei muito tempo o hemisfério,
Dei certinho as lições do isotérmico
Estudei tudo do livro herogramático,
Trabalhei muito tempo de astronáutico
Conhecendo o segredo planisférico.

Sebastião Dias:

Quando o chão está molhado


aparecem coisas boas:
se levantam cogumelos
que as capas parecem broas;
os sapos chocam de ruma;
bordam com cachos de espuma
o cenário das lagoas.

Diniz Vitorino:

Na terra paraibana
foi onde eu pus os meus pés.
Caminhei pintando os lírios
dos majestosos painéis,
que formam telas sedosas
nos aromáticos vergéis.

Vi os dias infantis,
cheguei na adolescência,
cantei olhando pra o céu,
bebendo divina essência
dos frutos que Deus espreme
na taça do inocência.

No tempo da mocidade
fui ídolo dos cantadores;
dos cantadores que foram
meus fãs, admiradores,
e hoje me negam bom-dia
pra magoar minhas dores!

Eu sei que não estou seguro


nesta profissão que estou:
sou ferido sem ferir,
chorando pra festa vou,
sofro, mas só deixo o palco
depois que termina o show.

Siqueira de Amorim:

O chifre pra muita gente


Seja linheiro ou com dobra
Serve para corrimboque
E guarda rapé com sobra
E ainda sendo queimado
Serve para espantar cobra
Se numa casa qualquer
O chifre é dependurado
Serve para trazer fortuna
E pra tirar mau-olhado
Cura também dor de dente
Se for chifre de veado

O chifre sendo linheiro


Lá pras bandas do sertão
Bota-se na prateleira
Da bodega ou no balcão
Para tirar a coragem
Do caboclo valentão

Mas o chifre na cidade


É coisa mais diferente
Serve para fazer palheta
Botões de ceroula e pente
E só não dá muito certo
Sendo na cabeça de gente.

***

DICIONÁRIO PARAIBÊS – Vicente de Campos Filho

Todos sabem no Brasil


Que o idioma é português
Assim como lá na França
Todos falam o francês
Por isso, na Paraíba
Falamos PARAIBÊS.

Quem não tem dinheiro é LISO


Quem é rico é ESTRIBADO
NÃO TER COMO CAIR MORTO
É ser LISO E LASCADO
Quem não dá sorte é PÉ FRIO
Quem tem sorte é CAGADO.

Axila é SUVACO
Cisco no olho é ARGUEIRO
Longe é LÁ NA CAIXA PREGO
Matuto é BERADEIRO
O alcoólatra é PINGUÇO
Mas também é CACHACEIRO.

Um mal cheiro é uma CATINGA


Também pode ser INHACA
Na axila é SUVAQUEIRA
Quem fecha um botão ATACA
Quem se vai PEGA O BECO
Quem entra em casa EMBURACA.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM MOTE BEM GLOSADO E UM CORDEL DE DISCUSSÃO


Publicado em 10 de fevereiro de 2023
A grande dupla de poetas repentistas Ivanildo Vilanova e Valdir Teles (1956-2020)

***

Valdir Teles e Ivanildo Vilanova glosando o mote:

Não conheço esquerdista que não mude,


quando pega nas rédeas do poder.

Valdir Teles

Logo após ser eleito está mudado,


cada um tem direito a secretária,
segurança, assessor, estagiária,
gabinete com ar condicionado,
vai lembrar-se do proletariado,
com favela e cortiço pra viver,
ou será que não vai se aborrecer,
com esgoto, favela, lodo e grude.
Não conheço esquerdista que não mude,
quando pega nas rédeas do poder.

Ivanildo Vilanova

Pode ser um sujeito agitador,


boia-fria, sem terra, piqueteiro,
camarada, comuna, companheiro,
se um dia tornar-se senador,
vindo até se eleger governador,
qual será o seu novo proceder,
vai mudar, vai mentir ou vai manter
as promessas que fez de forma rude.
Não conheço esquerdista que não mude,
quando pega nas rédeas do poder.
Valdir Teles

No período que um adolescente,


quer mudar o planeta e o país,
através dos arroubos juvenis,
vira líder, orador e dirigente,
mas se um dia ele sair presidente,
o que foi nunca mais poderá ser,
aí diz que o remédio é esquecer
as loucuras que fez na juventude.
Não conheço esquerdista que não mude,
quando pega nas rédeas do poder.

Ivanildo Vilanova

Todo jovem, a princípio é sectário,


atuante, grevista, condutor,
antagônico, exaltado, pregador,
um perfeito revolucionário,
cresce, casa e se torna secretário,
veja aí o que trata de fazer,
leva logo a família a conhecer
Disneylândia, Washington e Hollywood.
Não conheço esquerdista que não mude,
quando pega nas rédeas do poder.

Valdir Teles

Quem vivia de luta e de vigília,


invasão, pichamento e barricada,
através disso aí fez a escada,
pra chegar aos tapetes de Brasília,
vai pensar no progresso da família,
no que faz pra do posto não descer,
nunca falta quem queira se vender,
sempre acha covarde que lhe ajude.
Não conheço esquerdista que não mude,
quando pega nas rédeas do poder.

***

DISCUSSÃO DE JOÃO FORMIGA COM FRANCISCO PARAFUSO – Severino Borges


da Silva
Estava João Formiga
Versejando alegremente
Nas terras do Ceará
Quando chegou de repente
Um cantor do Mato Grosso
Quase tonto de aguardente

Chegou na sala e saudou


A todo o povo primeiro
E disse a João Formiga:
– Vá sabendo cavalheiro
Sou Francisco Parafuso
Dou certo em todo tempero

O dono da casa disse:


– Pois então, meu camarada
Você canta com Formiga
Uma discussão pesada
Se ganhar leva o dinheiro
Se perder não leva nada

– Porém eu vou dar um tema


Com estilos naturais
Para Formiga dizer
Com bases fundamentais
Sem errar nem dar um tombo
Nem bebo, nem fumo mais

E Parafuso responde
Para se ouvir e ver
Defendendo a aguardente
Durante enquanto viver
E dizer no fim do verso
Bebo e fumo até morrer

Formiga
Meu amigo Parafuso
Agora vou lhe dizer
Deus me livre de beber
Fumar eu também não uso
Do fumo eu tomei abuso
Porque nada bom não traz
Pois quando eu era rapaz
Quase o fumo me liquida
Enquanto Deus der-me vida
Nem bebo, nem fumo mais

Parafuso

Você é um inocente
Fumar é uma beleza
O fumo tira a tristeza
Fica a pessoa contente
O suco da aguardente
Ao homem dá bom prazer
Portanto posso dizer
Com pensamento profundo
Enquanto eu viver no mundo
Bebo e fumo até morrer

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

HOMENAGEM AO REI PELÉ


Publicado em 3 de fevereiro de 2023
Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, Três Corações-MG (1940-2022)

***

PELÉ – O REI DO FUTEBOL – Joabnascimento

Ele foi o Rei da bola,


Nos gramados deu olé,
Foi um gênio incomparável,
Levando a bola no pé,
Edson Arantes do Nascimento,
Foi morar no firmamento,
Nosso amado “Rei Pelé”.

Nos gramados desfilava,


A sua arte refinada,
Com o pensamento rápido,
Toda zaga era driblada,
Dribles extraordinários,
Massacraram adversários,
Sem poderem fazer nada.

Nasceu em Minas Gerais,


Aquele menino arteiro,
Sempre ele foi bom de bola,
Muito hábil e ligeiro,
Nos campos improvisados,
Com seus dribles e gingados,
Fazia gol, o tempo inteiro.

Ganhou 3 copas do mundo,


Todo mundo ele encantou,
Recebeu título de Rei,
No globo se eternizou,
Um ser muito conhecido,
Na terra é reconhecido,
Por tudo que ele jogou.

Depois qu’ele apareceu,


O futebol foi mudado,
Depois de 58,
No trono foi coroado,
Brilhante que nem o sol,
Como Rei do futebol,
Pelé foi eternizado.

O seu nome virou lenda,


É símbolo de qualidade,
Quando você vira craque,
Em uma especialidade,
De Pelé, nós o chamamos,
Até o glorificamos,
Como grande autoridade.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MOTES, GRANDE GLOSAS E UM CORDEL DE


DALINHA CATUNDA
Publicado em 27 de janeiro de 2023
O cearense Geraldo Amâncio e o paraibano Severino Feitosa, dois dos maiores
nomes da cantoria nordestina na atualidade

***

Geraldo Amâncio e Severino Feitosa glosando o mote:

Se eu fosse Jesus, o Nazareno,


não matava o poeta cantador.

Geraldo Amâncio

Vem Geraldo que eu tenho muita fé,


me pediu que eu fizesse esses arranjos,
conterrâneo de Augusto dos Anjos,
que é nascido na terra de Sapé,
vem dizer o poeta como é,
é pra ele um eterno sonhador,
um artista de invejável valor,
comunica seu dom nesse terreno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

Severino Feitosa

Se eu tivesse o poder do soberano,


não tirava da terra um Oliveira,
um Geraldo, um Valdir e um Bandeira,
Moacir, nem Raimundo Caetano,
Sebastião nem João Paraibano,
e muitos outros que têm tanto valor,
não tirava a garganta de tenor
de quem tem esse seu direito pleno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

Geraldo Amâncio

Sei que um carro virou numa ladeira,


já passei para o mundo essa mensagem,
pois eu ia também nessa viagem
que a morte levou nosso Ferreira,
eu me vi na viagem derradeira,
eu gritei por sentir a grande dor,
foi a morte que fez esse terror,
de levar nosso astro, esse moreno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

Severino Feitosa

Se Xudu decantou o santo hino,


da maneira que foi Zezé Lulu,
não esqueço Louro do Pajeú,
Rio Grande, recorda Severino,
Pernambuco, também, José Faustino,
que foi um repentista de valor,
Paraíba não esquece Serrador
e Santa Cruz não esquece de Heleno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

Geraldo Amâncio

Quem já foi Juvenal Evangelista,


um encanto pra o nosso Ceará,
mas morreu encostado ao Amapá
e se encontra com os irmãos Batista,
desse povo que tem na minha lista,
Pinto velho pra mim foi um terror,
eu não posso esquecer um Beija-Flor,
e Pajeú inda lembra Zé Pequeno.
Se eu fosse Jesus, o Nazareno,
não matava o poeta cantador.

***

Roberto Macena e Zé Vicente glosando o mote:

Velhice, um prêmio divino


Que Deus oferece à gente

Roberto Macena

Eu perdi minha beleza,


Mas não vou fugir da ética.
Que eu mudei a minha estética
Por conta da natureza.
Mesmo assim, não há tristeza,
Que eu não fico decadente:
Tô mais é experiente
Que com isso, não amofino.
Velhice, um prêmio divino
Que Deus oferece à gente.

Zé Vicente

Vovô muito me encanta,


É meu verdadeiro mestre.
Morando em área silvestre,
Mas sempre me acalanta.
Se eu sofrer da garganta,
Ainda canto repente.
Meu avô estando presente,
Ele é meu otorrino.
Velhice, um prêmio divino
Que Deus oferece à gente.

Roberto Macena

Não adianta fazer prece


Nem usar agilidade,
Que, quando passa a idade,
Tudo de ruim acontece
O que é de nervo amolece,
Fica tudo diferente:
Dói a perna, dói o dente
E o cabra fica mofino.
Velhice é um prêmio divino
Que Deus oferece à gente.

***

Sebastião Dias e Zé Viola glosando o mote:

Existe um dicionário
Na mente do cantador

Sebastião Dias

Existe um Deus que controla


A mente de um repentista
Que nasceu pra ser artista
Do oitão da fazendola
É o homem da viola
Nascido no interior
Nem precisa professor
Pra ser extraordinário
Existe um dicionário
Na mente do cantador

Zé Viola
Acumulo cada ano
Cantando mares e terra
Paz, conflito, briga e guerra
Peixe, céu e oceano
A viola é o piano
O povo é meu instrutor
O palco me traz calor
E o cachê é meu salário
Existe um dicionário
Na mente do cantador

***

AS HERDEIRAS DE MARIA – Dalinha Catunda

Começa assim a história


Do folheto feminino:
A mulher com sua manha,
Território o nordestino,
Com patriarcado vil,
Montou-se então um ardil,
Pra traçar nosso destino.

Lá pra mil e novecentos,


E trinta e oito asseguro,
Foi que a mulher editou,
E plantou para o futuro,
O folheto feminino,
Com o nome masculino,
Que hoje aqui emolduro.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM GRANDE POETA E UM CORDEL DA COLUNISTA DALINHA


CATUNDA
Publicado em 20 de janeiro de 2023

O poeta cearense Geraldo Amâncio, um dos maiores nomes da cantoria de


improviso da atualidade

***

Alguns improvisos de Geraldo Amâncio:

Quem nasce onde eu nasci


E se cria sem escola,
Andando com pés descalços
Ou corrulepe de sola,
Ou cresce pra ser vaqueiro
Ou cantador de viola.

***
Eu sei que Jesus do Céu me conhece,
Gosta do meu verso, dessa propaganda.
Se eu peço um repente, o Cristo me manda,
Me manda ligeiro, pois lá do céu desce.
Depois, na cabeça, o verso aparece,
Me desce pra boca preu pronunciar.
Inda tem um anjo para me ajudar.
E tem uma máquina nesse meu juízo:
Não faz outra coisa, só faz improviso
Nos dez de galope da beira do mar.

***

Eu bem novo pensei em me casar


Com uma moça do meu conhecimento
Disse ela: eu aceito o casamento
Se você deixar a arte de cantar
Ela estava esperando no altar
E eu voltei da calçada da matriz
Quebrei todas as juras que lhe fiz
E comecei a cantar dali por diante
Sou feliz porque sou representante
Da cultura mais bela do país.

***

O mundo se encontra bastante avançado


A ciência alcança progresso sem soma
Na grande pesquisa que fez do genoma
Todo o corpo humano já foi mapeado
No mapeamento foi tudo contado
Oitenta mil genes se podem contar
A ciência faz chover e molhar
Faz clone de ovelha, faz cópia completa
Duvido a ciência fazer um poeta
Cantando galope na beira do mar.

***

Olho a tela do tempo e me torturo


Vejo o filme do meu inconsciente,
Meu passado maior que o meu presente
Meu presente menor que o meu futuro;
Se a velhice é doença eu não me curo,
Que os três males que atacam um ancião:
São carência, desprezo e solidão,
E é difícil escapar dessa trindade;
Se eu pudesse comprava a mocidade
Nem que fosse pagando a prestação.

***

A MORENA QUE CALOU O MALANDRO – Dalinha Catunda


Vou contar uma história
Preste atenção, por favor,
Sobre um sujeito malandro
E muito paquerador
Era Don Juan famoso
Elegante bem charmoso
Metido a conquistador.

Toda mulher que ele via,


Corria para cantar,
Dizia paro os amigos:
Mais uma vou conquistar!
E tinha mesmo razão
Pois provocava paixão
Era cantar e ganhar.

Seu reinado durou muito


Ate que se apaixonou
Por uma linda morena
Que o malandro enfeitiçou
Ele fez o que podia
Fez até feitiçaria
Mas a gata não ganhou.

E dizem que fez promessa


Pra pagar no Juazeiro,
Porém a de São Francisco
Ele foi pagar primeiro.
Fez o percurso a pé
Pra pedir em Canindé
Esta graça ao padroeiro.

Foi na igreja de crente,


Foi na macumba também,
Porém nada da morena
Para ele dizer amém.
Aquele que só sorria,
Agora se maldizia
Por não conquistar seu bem.

Foi então que resolveu


A tal morena encarar,
Só faltou uma viola
Para o cabra acompanhar.
E feito o dono do mundo
Ele respirou bem fundo,
Querendo desafiar.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

DOIS MOTES BEM GLOSADOS E UMA CANTORIA


Publicado em 13 de janeiro de 2023

João Pereira da Luz, o grande Poeta João Paraibano, Princesa Isabel-PB (1952-
2014)
***

Severino Feitosa e João Paraibano glosando o mote:

Escutar cantoria sem beber


é dormir uma noite e não sonhar.

João Paraibano

O poeta nasceu com tanto brilho,


que um verso que faz, de nada ensaia,
no momento que está levando vaia,
pensa ser nenhum tipo de elogio,
eu na noite que estou cantando frio,
quando um copo tiver para esquentar,
que é mais fácil o poeta se inspirar
no momento do álcool lhe aquecer.
Escutar cantoria sem beber
é dormir uma noite e não sonhar.

Severino Feitosa

Sem tomar uma dose de cinzano,


licor, dreher, whisky, rum, cachaça,
é ser músico, cantar em qualquer praça
e não ter um teclado e nem piano,
é fazer uma troca com cigano,
e um canudo do curso não levar,
dar um voto a um parlamentar
que não tem liderança no poder.
Escutar cantoria sem beber
é dormir uma noite e não sonhar.

João Paraibano

Eu não bebo só água de cabaça,


que do álcool também sou dependente,
se faltar uma dose de aguardente,
eu começo a tremer no meio da praça
se faltar uma dose de cachaça,
peço duas de whisky lá no bar,
quem está frio, só pensa em se esquentar
e a borracha não vai se encolher
Escutar cantoria sem beber
é dormir uma noite e não sonhar.

Severino Feitosa

O repente na noite divertida,


pra o poeta que pega no instrumento
para mim só terá contentamento,
com direito a um copo de bebida,
mas não tendo eu comparo a sua vida
com um minuto tristonho de azar,
a mulher toda noite se zangar
não querer no seu corpo se aquecer.
Escutar cantoria sem beber
é dormir uma noite e não sonhar.

João Paraibano

Para um repentista de talento,


fazer verso sem ter uma bicada
é partir pra voltar no meio da estrada
é ver cobra esquecendo de São Bento
ou sair pra fazer o casamento,
levar chifre na porta do altar,
pegar sua semente pra plantar
ver o mesma no chão apodrecer.
Escutar cantoria sem beber
é dormir uma noite e não sonhar.

***

João Paraibano e Severino Feitosa glosando o mote:

O poeta é um ser iluminado


que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Cada verso que o repentista faz,


para mim tá presente em toda hora,
no tinido do ferro da espora,
na passada que vem dos animais,
na cor verde que tem nos vegetais
nas estrelas que têm no firmamento,
tá na cruz do espinhaço do jumento,
e no vaqueiro correndo atrás do gado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é um gênio que crepita


no espaço azul esmeraldino,
percorrendo as estradas do destino,
sem saber o planeta aonde habita,
sua mente pra o canto é infinita,
cada verso que faz é seu sustento,
é quem sabe cantar o parlamento,
sem ter voto pra ser um deputado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Uma vida vivida no sertão,


uma fruta madura já caindo,
um relâmpago na nuvem se abrindo,
um gemido do tiro do trovão,
meia dúzia de amigos no salão,
nem precisa de um piso de cimento,
minha voz, as três cordas do instrumento,
o meu quadro de louco está pintado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é um simples mensageiro,


que acaba uma guerra e um conflito,
ele sabe cantar o infinito,
todas pedras que têm no tabuleiro,
a passagem do fim do nevoeiro,
que ultrapassa o azul do firmamento,
que conhece o impulso desse vento,
todas as rosas que enfeitam o nosso prado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Foi mamãe que me deu a luz da vida


e me ensinou a viver da humildade,
eu nasci para ter felicidade,
porque toco na lira adquirida,
poesia me serve de bebida,
um concerto me serve de alimento,
uma pedra me serve de assento
e todo rancho de palha é meu reinado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é uma criatura


que procura mostrar, no seu caminho,
toda uva do fabrico de vinho,
e toda planta que faz nossa fartura,
é quem sabe cantar a amargura
da pessoa, que está num sofrimento,
é quem sabe cantar o regimento
do quartel, que Jesus é delegado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

***

UMA CANTORIA

Moacir Laurentino cantando O VELHINHO DO ROÇADO, de autoria do poeta


Expedito Sobrinho
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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MESTRES DO REPENTE


Publicado em 6 de janeiro de 2023
Dois ícones da cantoria nordestina de improviso: Lourival Batista, o Louro do Pajeú
(1915-1992) e Severino Pinto, o Pinto de Monteiro (1895-1990)

***

Uma cantoria de Pinto do Monteiro e Lourival Batista

Pinto do Monteiro

É certo, meu camarada


O que você tá dizendo
Eu costumo andar assim
Sujo e cheio de remendo
Mas ninguém diz onde eu passo:
“Pinto ficou me devendo.”

Lourival Batista

De ninguém ando correndo


Pois não faço maus papéis
Não devo, o que compro pago
Desde o perfume aos anéis
Seja chapéu pra cabeça
Ou sapato para os pés.

Pinto do Monteiro

E os duzentos e dez
Que tu tomaste a Armando?
Por uns quatro ou cinco dias
O tempo foi se passando
Já faz quatro ou cinco meses
Ó ele ali esperando!

***
Uma cantoria de Sebastião da Silva e Moacir Laurentino:

Moacir Laurentino

No inverno estou feliz,


trabalhando o meu dia,
olhando o saguim na mata,
que saltita, canta e pia,
e o passa-sebo furando
a casca da melancia.

Sebastião da Silva

No calor do meio dia,


escutar uma peitica,
deitado em colchão de folha
debaixo da oiticica,
quanto mais o sol esquenta
mais bonito o sertão fica.

Moacir Laurentino

A água desce na bica


quando chove em fevereiro,
no terreiro o peru roda,
fuça um porco no aceiro,
e a água desce do corgo
com basculho pra o barreiro.

***

Uma cantoria de Silveira e Diniz Vitorino

Silveira

Tu não faz a metade do que faço


Quando eu pego um cantor se acaba o nome
Nesse dia os cães não passam fome
E urubus festejam no espaço
Deixo o corpo do pobre num bagaço
Exposto ao monturo seu despojo
Cantor fraco eu só mato de arrojo
E a folia se arrancha na ossada
Sai a alma gritando abandonada
E o diabo não quer porque tem nojo.

Diniz Vitorino

No momento que eu me aperreio


Com o peso esquisito do meu braço
Não existe prisão feita de aço
Que com o murro eu não parta pelo meio
No momento que acabo com o esteio
Que alguém pra fazer gasta um ano
Tiro telha, quebro ripa, envergo cano
De metal ou de aço bem maciço
Você morre e não faz este serviço
Só faz eu porque sou paraibano.

Silveira

Dei um murro na venta de um poeta


Que a cabeça rodou fez piruetas
E passando por todos os planetas
Foi parar no reinado de um profeta
Nisto um santo que viu ficou pateta
A cabeça do vate estava um facho
Uma alma gritou ô velho macho
E são pedro gritou o que é isso?
Disso um anjo que estava junto a cristo
É silveira zangado lá embaixo.

Diniz Vitorino

Eu ja fui no inferno urgentemente


E entrei numa poeta lá por trás
E peguei um irmão de satanás
E um primo, um irmão e um parente.
Pra mostrar que eu sou cabra valente
Dei um tapa no diabo carrancudo
E peguei outro diabo cabeludo
Dei-lhe tanto que o cabra ficou calvo
Se você morrer hoje já ta salvo
Que o que tinha de diabo eu matei tudo.

***

CANTORIAS E FOLGUEDOS NORDESTINOS


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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM CORDEL DE CHIFRES
Publicado em 30 de dezembro de 2022

O HOMEM QUE FOI CORNO CINCO VEZES – João Peron de Lima

Essa estória foi verdadeira


Não existe brincadeira
Vou contar todo o caso
Sem um pingo de zoeira
O paraíba que foi corno
Cinco vezes em Cajazeira

Zé Mulato é o seu nome


Não tinha muito dinheiro
Aos vinte anos de idade
Era ainda rapaz solteiro
Mas ganhava seus trocados
Na vida de borracheiro

Mas com o passar do tempo


Veja só o que aconteceu
Pois uma linda morena
Em sua vida apareceu
Zé Mulato perguntou
Tu queres namorar com eu?

A moça disse quero


Me chamo Expedita
Zé Mulato assim disse
Em mim você acredita?
Sobre a terra não existe
Uma mulher mais bonita

E a partir daquele dia


Começaram a namorar
Zé Mulato um dia disse
Vou logo me desgraçar
Perguntei a Expedita
Se comigo quer casar

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

NATAL
Publicado em 23 de dezembro de 2022

Vi no úmido chão de um curral


Uma simples cabocla dando a luz,
Uma estrela no céu fazendo jus
N’uma mágica cena de natal.
Um menino, um vaqueiro e um serviçal
De joelhos fazendo uma oração.
A parteira, por dom da profissão
Dando sangue e suor, conforme escrito ,
Dá um tapa na bunda… e escuta um grito
Mais um “Cristo “ que nasce no sertão.

Lima Júnior

No Natal da criança abandonada


Não tem ceia na mesa ou panetone
Nem um copo de suco ou de danone
Pra tirar-lhes da boca uma risada.
Sua cama constrói numa calçada
Seu lençol é a folha de um papel
Sem conforto na rua dorme ao leu
E a chibata da vida dando açoite
Vejo a farsa sorrindo a meia noite
Pendurada no gorro de Noel.

Hélio Crisanto

***

João Bosco dos Santos glosando o mote:

Papai Noel tá devendo


Meu presente de natal.

Ele ainda não chegou


Tá vindo devagarinho
Acho que errou o caminho
Ou outra vez não lembrou
O natal que se passou
Ele agiu muito mal,
Não deixou nem sinal
Do presente estupendo
Papai Noel tá devendo
Meu presente de Natal.

São trinta e quatro natais


Que ele não aparece
Acho que de mim esquece
Pois sou pequeno demais,
Só vejo pelos jornais
Ele um velhinho legal,
Mas esse belo ideal
Ficou longe estou dizendo
Papai Noel tá devendo
Meu presente de Natal.

Cadê Noel o presente


Do filho do agricultor,
Do homem que é lavrador,
Que tem um filho inocente.
Pra o filho do penitente
Você trouxe algo legal?
Não iluda o ser mortal
A criança fica sofrendo
Papai Noel tá devendo
Meu presente de Natal.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

QUATRO MESTRES DO IMPROVISO E UM DOCUMENTÁRIO


Publicado em 16 de dezembro de 2022

Sebastião Dias:

Das quatro e meia em diante,


Sinto de Deus o poder,
Um sopro espatifa as nuvens
Para o dia amanhecer,
Deus enfeita o firmamento
E a vassoura do vento
Varre o céu pra o sol nascer.

Otacílio Batista:

Nas brancas areias formosas da praia


Um homem com trinta e seis anos de idade
Chorava com pena dessa humanidade
Que tomba, desmaia, delira e fracassa
Usava um túnica da cor de cambraia
Seus olhos brilhavam sem pestanejar
Nenhuma sereia podia imitar
Sua voz de veludo a Deus dirigida
Eu sou o caminho, a verdade e a vida
Palavras de Cristo na beira do mar.

José Monte:
É bonito se olhar numa represa
A marreca puxando uma ninhada
Com um gesto de mãe tão dedicada
No encontro das águas da represa
Quanto é lindo o arrolho da burguesa
Num conserto de notas musicais
A lagarta com letras naturais
Numa folha escrever fazendo um cheque
E palmeira selvagem abrindo o leque
Espantando o calor que a tarde faz.

Manoel Xudu:

O mar se orgulha por ser vigoroso


Forte e gigantesco que nada lhe imita
Se ergue, se abaixa, se move se agita
Parece um dragão feroz e raivoso
É verde, azulado, sereno, espumoso
Se espalha na terra, quer subir pra o ar
Se sacode todo querendo voar
Retumba, ribomba, peneira e balança
Não sangra, não seca, não para e nem cansa
São esses os fenômenos da beira do mar.

O próprio coqueiro se sente orgulhoso


Porque nasce e cresce na beira da praia
No tronco a areia da cor de cambraia
Seu caule enrugado, nervudo e fibroso
Se o vento não sopra é silencioso
Nem sequer a fronde se vê balançar
Porém se o vento com força soprar
A fronde estremece perde toda calma
As folhas se agitam, tremem e batem palma
Pedindo silêncio na beira do mar

Não há tempestades e nem furacões


Chuvadas de pedras num bosque esquisito
Quedas coriscos ou aerólito
Tiros de granadas de obuses canhões
Juntando os ribombos de muitos trovões
Que tem pipocado na massa do ar
Cascata rugindo serra a desabar
Nuvens mareantes, tremores de terra
Estrondo de bombas, rumores de guerra
Que imite a zoada das águas do mar.

***

DESAFIOS – UM DOCUMENTÁRIO DA TV SENADO

O universo em torno dos cantadores e dos repentistas e a riqueza contida em suas


memórias. O documentário reúne uma coletânea de histórias sobre os cantadores
de viola nordestinos, homens de raciocínio rápido e língua afiada, que deixaram um
rastro de poesia mundo afora.
Cantorias - Documentário completo

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS


Publicado em 9 de dezembro de 2022

João Paraibano e Severino Feitosa glosando o mote:

O poeta é um ser iluminado


que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Cada verso que o repentista faz,


para mim tá presente em toda hora,
no tinido do ferro da espora,
na passada que vem dos animais,
na cor verde que tem nos vegetais
nas estrelas que têm no firmamento,
tá na cruz do espinhaço do jumento,
e no vaqueiro correndo atrás do gado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é um gênio que crepita


no espaço azul esmeraldino,
percorrendo as estradas do destino,
sem saber o planeta aonde habita,
sua mente pra o canto é infinita,
cada verso que faz é seu sustento,
é quem sabe cantar o parlamento,
sem ter voto pra ser um deputado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Uma vida vivida no sertão,


uma fruta madura já caindo,
um relâmpago na nuvem se abrindo,
um gemido do tiro do trovão,
meia dúzia de amigos no salão,
nem precisa de um piso de cimento,
minha voz, as três cordas do instrumento,
o meu quadro de louco está pintado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é um simples mensageiro,


que acaba uma guerra e um conflito,
ele sabe cantar o infinito,
todas pedras que têm no tabuleiro,
a passagem do fim do nevoeiro,
que ultrapassa o azul do firmamento,
que conhece o impulso desse vento,
todas as rosas que enfeitam o nosso prado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Foi mamãe que me deu a luz da vida


e me ensinou a viver da humildade,
eu nasci para ter felicidade,
porque toco na lira adquirida,
poesia me serve de bebida,
um concerto me serve de alimento,
uma pedra me serve de assento
e todo rancho de palha é meu reinado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.
Severino Feitosa

O poeta é uma criatura


que procura mostrar, no seu caminho,
toda uva do fabrico de vinho,
e toda planta que faz nossa fartura,
é quem sabe cantar a amargura
da pessoa, que está num sofrimento,
é quem sabe cantar o regimento
do quartel, que Jesus é delegado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

***

Adalberto Claudino Pereira glosando o mote:

As lembranças que guardo do passado


Me confortam para viver o presente.

Fui criança e vivi muito feliz


Recebendo carinhos dos meus pais,
Os brinquedos ficaram para trás,
E também outras coisas que eu fiz,
Sempre tive tudo aquilo que eu quis,
Nunca tive momentos descontentes,
Estudei, sempre fui inteligente,
Também fui por meus pais bem educado,
As lembranças que guardo do passado
Me confortam para viver o presente.

Sempre fui um exemplo na escola,


Estudando história e português,
Dava show em desenho e francês,
Pra passar nunca precisei de cola,
No esporte também fui bom de bola,
Mas agora não dou um passo à frente,
A velhice atrapalha muita gente
É por isso que sempre estou lembrado,
As lembranças que guardo do passado
Me confortam para viver o presente.

Quando eu era pequeno eu vivia


Mais feliz, com amor por todo o lado,
Pelas moças eu era bajulado,
Em seus braços babava de alegria,
Dava pulos, dançava e sorria,
Pois ali eu ficava mais contente,
Mas agora, já velho e descontente,
Na bengala eu vivo escorado,
As lembranças que guardo do passado
Me confortam para viver o presente.
Na infância a vida é mais gostosa,
Apesar dos momentos de castigos,
Não esqueço também os meus amigos
E mamãe cada vez mais carinhosa,
A vizinha andando bem charmosa,
Meu cachorro, pequeno mas valente
E meu pai, que falava duramente,
Parecendo estar mal humorado,
As lembranças que guardo do passado
Me confortam para viver o presente.

Era bom namorar a menininha


E brincar de peteca nas calçadas,
Beliscar as meninas assanhadas
E sonhar com a filha da vizinha,
A tristeza era coisa que eu não tinha,
Apesar de ser pouco inocente,
A certeza de ser velho é patente,
Mas ninguém se declara conformado,
As lembranças que guardo do passado
Me confortam para viver o presente.

Se nós somos crianças inseguras,


Nosso sonho é ganhar a liberdade,
E lutar para ter felicidade
E viver uma vida de fartura.
Não sabia que havia a amargura
De ser velho, caduco e impotente,
É melhor ser criança novamente,
Para ser outra vez paparicado,
As lembranças que guardo do passado
Me confortam para viver o presente.

Vi meu pai comentando certa vez:


“Sinto falta da minha mocidade,
Ai, meu Deus, como eu tenho saudade
Quando eu tinha apenas vinte e três,
Eu invejo esta vida de vocês,
Mas espero encontrá-los lá na frente,
Como eu, velho, fraco e impotente
E dizendo assim desesperados:
As lembranças que guardo do passado
Me confortam para viver o presente.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


UM MOTE BEM GLOSADO E UM CORDEL FEMININO
Publicado em 2 de dezembro de 2022

Poeta João Paraibano, um dos gênios da cantoria nordestina (1952/ 2014)

***

João Paraibano glosando o mote:

Jesus salva a pobreza nordestina,


Com três dias de chuva no Sertão.

O bezerro mamando a cauda abana;


A espuma do leite cobre o peito;
Cada estaca de cerca tem direito
A um rosário de flor da jitirana.
No impulso do vento a chuva espana
A poeira do palco do verão;
A semente engravida e racha o chão,
Descansando dos frutos que germina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três dias de chuva no Sertão.

Quando Deus leva em conta a nossa prece


O relâmpago clareia, o trovão geme,
Uma nuvem se forma, o vento espreme,
Pelos furos do véu, a água desce;
A campina se enfeita, a rama tece
Um tapete de folhas sobre o chão;
Cada flor tem formato de um botão
No tecido da roupa da campina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

No véu negro da barra, o sol se esconde;


Um caniço amolece e cai no rio;
Nos tapetes de grana do baixio,
Um tetéu dá um grito, outro responde;
A frieza da terra faz por onde
Pé de milho dar nó no esporão
E a boneca, na sombra do pendão,
Lava as tranças com gotas de neblina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

A presença do Sol é por enquanto.


Onde vinga uma fruta, a flor desprende;
Cada nuvem que a mão de Deus estende
Cobre os ombros do céu, de canto a canto.
Camponês não precisa roubar santo,
Nem lavar mucunã pra fazer pão;
Faz cacimba na areia com a mão
Onde o pé deixa um rastro, a água mina.
Jesus salva a pobreza nordestina,

Com três meses de chuva no Sertão.


A cabocla mulher do camponês
Caça ninho nas moitas quando chove
Quando acha dez ovos, tira nove,
Deixa o outro servindo de indez;
As formigas de roça fazem vez
De beatas seguindo procissão;
As que vêm se desviam das que vão,
Sem mão dupla, farol e nem buzina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

Sertanejo apelida dois garrotes,


Bota a canga nos dois e desce a serra;
Passa o dia no campo arando terra,
Espantando mocó pelos serrotes;
Sabiá, pra o conforto dos filhotes,
Forra o ninho com pasto de algodão;
Bebe o suco da polpa do melão,
Limpa o bico nas varas da faxina
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

Treme o gado na lama do curral,


Sopra o vento, cheirando a chão molhado;
Cada pingo de chuva, congelado,
Brilha mais do que pedra de cristal.
Uma velha, durante o temporal,
Se ajoelha, rezando uma oração,
Fecha os lhos com medo do trovão
E abre a porta, depois que a chuva afina
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

Cresce a planta, viçosa, e frutifica


Com um cacho de flor em cada galha;
Vê-se o milho mudando a cor da palha
E o telhado chorando pela bica;
A cigarra emudece, a acauã fica
Sem direito a fazer lamentação;
Deus afina a corneta do carão,
Só depois de três meses, desafina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

***

MULHER TAMBÉM FAZ CORDEL – Salete Maria da Silva

O folheto de cordel
Que o povo tanto aprecia
Do singelo menestrel
À mais nobre academia
Do macho foi monopólio
Do europeu foi espólio
Do nordestino alforria

Desde que chegou da França


Espanha e Portugal
(Recebido como herança)
De caravela ou nau
O homem o escrevia
Fazia a venda e lia
Em feira, porto e quintal

Só agora a gente vê
Mulher costurando rima
É necessário dizer
Que de limão se faz lima
Hoje o que é limonada
Foi águas podre, parada
Salobra com lama em cima

A mulher não se atrevia


Nesse campo transitar
Por isso não produzia
Vivia para seu lar
Era o homem maioral
Vivia ele, afinal
Para o mundo desbravar

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MESTRES DO REPENTE


Publicado em 25 de novembro de 2022
O grande cantador pernambucano Oliveira de Panelas, um dos maiores nomes da
poesia popular nordestina da atualidade

***

Oliveira de Panelas

No silente teclado universal


Deus pôs som nas sutis constelações,
e na batida dos nossos corações
colocou a pancada musical,
quando a harpa da brisa matinal
vai fazendo concerto pra aurora,
nessas lindas paisagens que Deus mora
em tecidos de nuvens está escrito:
é a música o poema mais bonito
que se fez do princípio até agora.

Quando as pétalas viçosas das roseiras


dançam juntas com o sol se levantando,
vem a brisa suave carregando
pólen vivo das grávidas cerejeiras,
verdejantes, frondosas laranjeiras,
soltam hálito cheiroso à atmosfera,
toda mãe natureza se aglomera:
de perfume, verdume, que beleza!…
É o canto da própria natureza,
festejando o nascer da primavera!

***

Valdir Teles

Eu não posso negar que sou feliz


Carregando a viola em minha mão
A viola levou-me até Milão,
Antuérpia, Bruxelas e Paris.
Fiz primeiro uma base em meu País
Pra depois pelo mundo viajar
Meu estoque de glórias não tem par
Meu sucesso rompeu Brasil a fora
“Do começo da arte até agora
Tenho muitas estórias pra contar”.

***

Odilon Nunes de França

Acho bom a mocidade


Não querer envelhecer
Velho ninguém quer ficar
Moço ninguém quer morrer
Sem ser velho não se vive
Bom é ser velho e viver

***

Dimas Batista

Alguém já me perguntou:
o que são mesmo os poetas?
Eu respondi: são crianças
dessas rebeldes, inquietas,
que juntam as dores do mundo
às suas dores secretas.

Nossa vida é como um rio


no declive da descida,
as águas são a saudade
duma esperança perdida,
e a vaidade é a espuma
que fica à margem da vida.

***

Diniz Vitorino Ferreira

Qualquer dia do ano se eu puder


para o céu eu farei uma jornada
como a lua já está desvirginada
até posso tomá-la por mulher;
e se acaso São Jorge não quiser
eu tomo-lhe o cavalo que ele tem
e se a lua quiser me amar também
dou-lhe um beijo nas tranças do cabelo
deixo o santo com dor de cotovelo
sem cavalo, sem lua e sem ninguém.

***

Canhotinho
Acho tarde demais para voltar
estou cansado demais para seguir,
os meus lábios se ocultam de sorrir,
sinto lágrimas, não posso mais chorar;
eu não posso partir e nem ficar
e assim nem pra frente nem pra trás,
pra ficar sacrifico a própria paz,
pra seguir a viagem é perigosa,
a vereda da vida é tão penosa
que me assombro com as curvas que ela faz.

Te prepara, ladrão da consciência,


Que tuas dívidas de monstro já estão prontas,
Quando o Justo cobrar as tuas contas,
Quantas vezes pagarás à inocência?
Teu período banal de existência
Se compõe de miséria, dor e pragas;
Em teu corpo, se abrem vivas chagas,
Que tu’alma de monstro não suporta…
Se o remorso bater à tua porta,
Como pagas? Com que? E quanto pagas?

***

Antonio Marinho

Quem quiser plantar saudade


Escalde bem a semente
Plante num lugar bem seco
Quando o sol tiver bem quente
Pois se plantar no molhado
Ela cresce e mata a gente.

***

Toinho da Mulatinha

Em Sodoma tão falada


Passei uma hora só
Lá vi a mulher de Ló
Numa pedra transformada
Dei uma talagada
Com caldo de mocotó
E saí batendo o pó
Adiante vi Simeão
Tomando café com pão
Na barraca de Jacó.

***

Pinto do Monteiro

Admiro um formigão
Que é danado de feio
Andando ao redor da praça
Como quem dá um passeio
Grosso atrás, grosso na frente
E quase torado no meio.

***

Odilon Nunes de Sá

Admiro a mocidade
Não querer envelhecer
Velho ninguém quer ficar
Moço ninguém quer morrer
Quem morre moço não vive
Bom é ser velho e viver.

***

Léo Medeiros

Ensinei Ronaldinho a jogar bola


Fui o mestre de Zico e Maradona
Seu Luiz aprendeu tocar sanfona
Bem depois que saiu da minha escola
Caboré no pescoço eu botei mola
Também fiz beija-flor voar pra trás
Conquistei cinco copas mundiais
Defendendo a nossa seleção
Inventei em Paris o avião
O que é que me falta fazer mais?

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UMA HOMENAGEM DE ORLANDO TEJO A PINTO DE


MONTEIRO E LOURO DO PAJEÚ
Publicado em 18 de novembro de 2022
Dois ícones da cantoria nordestina de improviso: Lourival Batista, o Louro do Pajeú
(1915-1992) e Severino Pinto, o Pinto de Monteiro (1895-1990)

***

PINTO E LOURO – Orlando Tejo

Grande saudade hoje sinto


Das cantorias-tesouro
Do gigante que foi Pinto,
Do uirapuru que foi Louro.

Era uma graça, um estouro


Ouvir em qualquer recinto
Os trocadilhos de Louro
Os desconcertos de Pinto.

Tal qual no Bar do Faminto,


Do Pátio do Matadouro,
Quando Louro aceitou Pinto
E Pinto abençoou Louro.

Mas no Bar Rosa de Ouro


Houve um encontro distinto
Pinto elogiando Louro,
Louro chaleirando Pinto.

Jamais ficará extinto


O meu prazer de ouvir Louro
Querendo derrubar Pinto,
Pinto brigando com Louro.

No Bar Casaca-de-Couro
Vi o maior labirinto:
Pinto depenando Louro
E Louro esganando Pinto.

No Mercado, em Rio Tinto,


Um momento imorredouro
com as emboscadas de Pinto
E as escapadas de Louro.

No Beco do Bebedouro
Um desafio ao instinto:
Pinto superava Louro,
Louro desmontava Pinto.

No bar de Moisés Aminto


(À Curva do Varadouro)
Louro acompanhava Pinto,
Pinto fugia de Louro.

Assisti, no Bar Jacinto,


Luta de cristão e mouro
Quando Louro açoitou Pinto,
E Pinto escanteou Louro.

O sol no nascedouro
E haja mel e haja absinto
Nas divagações de Louro,
Nos ultimatos de Pinto.

Num diálogo sucinto


Reverberavam em coro
Iluminuras de Pinto,
Clarividências de Louro.

Essa dupla, sem desdouro,


Reinou do primeiro ao quinto:
Pinto maior do que Louro,
Louro maior do que Pinto.

Duas fivelas num cinto,


Batéis sem ancoradouro,
Assim foram Louro e Pinto,
Assim serão Pinto e Louro.

Penso, reflito, pressinto


Que em todo o tempo vindouro
Ninguém vai superar Pinto,
Nenhum fará sombra a Louro.

Pois não há praga ou agouro


Que manche a paz do recinto
Das glórias que envolvem Louro,
Dos louros que adornam Pinto.

Aqui faço paradouro


(Ir além me não consinto),
Rendido ao gênio que é Louro,
Curvado ao estro de Pinto.

***

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS


Publicado em 11 de novembro de 2022
Aluisio Lopes glosando o mote:

Toda vez que se prende um passarinho


Diminui na floresta um seresteiro.

Um pequeno vivente exilado


Canta o solo agrural da orfandade
No pequeno calabouço da saudade
Uma lágrima, no canto afinado
Lembra o laço que o tornou destronado
Do seu reino, velho angico altaneiro
Dos filhotes, não sabe o paradeiro
Um covarde caçador desfez seu ninho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

Vá na mata , sinta o cheiro da ramagem


O olor das flores, seu verdume
As abelhas doidivanas, no costume
Um regato cristalino, bela imagem
Borboletas multicores em passagem
Pergunte lá; se está tudo prazenteiro
Se, sem musica, sem cantor, isto é certeiro
Fauna e flora lhe responde: é só espinho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

Sob o visgo da covarde armadilha


De um covarde que não teve coração
Mente má que semeia escuridão
Mão cruel que apaga a luz que brilha
Que descarta a liberdade da cartilha
Que despreza o que disse o conselheiro
Ainda há tempo se arrependa companheiro
Deixe o menestrel voltar pro seu cantinho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

Quem não fez nenhum crime, o que merece?


Sem juízo, viver posto na prisão?
Pegar pena perpétua, sem razão?
Então, o que quer que ele confesse?
Se o homem é o rei, por que se esquece?
Que liberdade, só presta por inteiro
Que esse bicho pequenino é o curandeiro
Dos que sofrem na mata sem carinho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

O pentagrama natural da mãe natura


Sente a falta das notas do cantor
Quando em solo delirante, o torpor
Invadia tudo em sua tablatura
O compasso da pequena criatura
Fez-se pausa no tempo, em tempo inteiro
Em exílio eternal do seu terreiro
Melancólico, canta então pobre bichinho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

Um corista está faltando no coral


A sinfônica sente a falta do cantor
Sente a flora, o gorjeio que faltou
A cantata de então não é igual
Sua falta faz falta no festival
Se perturbe, se comova carcereiro
Quebre as talas, abra a porta do viveiro
Deixe a mata ter de volta o cantorzinho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

***

Jó Patriota de Lima glosando o mote:

Passa tudo na vida, tudo passa,


Mas nem tudo que passa a gente esquece.

Passa dia por mês e mês por ano


Passa ano por era, era por fase
Nessa base tão triste eu vejo a base
Do destino passar de plano em plano
Com a mão da saudade o desengano
Passa dando um adeus fazendo um S
Vem a mágoa o prazer desaparece
Quando chega a velhice, foge a graça,
Passa tudo na vida, tudo passa,
Mas nem tudo que passa a gente esquece.
***

Gregório Filó glosando o mote:

Meu engenho de saudade


Quebra cana todo dia.

O meu engenho de aço


Não moeu mais uma cana
Já faz mais de uma semana
Que um alfenim eu não faço
Não vendi mais um cabaço
De garapa a freguesia
A máquina da nostalgia
É que trabalha à vontade
Meu engenho de saudade
Quebra cana todo dia.

Nunca mais fiz uma farra


Por causa da falta dela
Vou como um boi de barbela
Atrelado à almanjarra
A moenda só esbarra
De encontro à melancolia
E a fornalha não esfria
Queimando a felicidade
Meu engenho de saudade
Quebra cana todo dia.

***

Manoel Xudu glosando o mote:

A viola é a única companheira


Do poeta nas horas de amargura.

Se eu morrer num sábado de aleluia


E for levado ao campo mortuário,
Se alguém visitar o meu calvário,
Jogue água em cima com uma cuia.
Leve junto a viola de imbuia,
Deixe em cima da minha sepultura.
Muito embora que fique uma mistura
De arame, de pus, terra e madeira,
A viola é a única companheira
Do poeta nas horas de amargura.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


GRANDES MESTRES DO REPENTE
Publicado em 4 de novembro de 2022

João Pereira da Luz, o João Paraibano (1952-2014)

João Paraibano

A noite parindo o dia


Não tem filme mais bonito
Parece que as mãos de Deus
Sem provocar dor nem grito
Arranca o dourar do sol
Do ventre do infinito.

Me lembro da minha mãe


Dentro do quarto inquieta
Passando o dedo com papa
Nessa boca analfabeta
Sem saber que um dedo rude
Tava criando um poeta.

Faço da minha esperança


Arma pra sobreviver
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.

Branca, preta, pobre e rica,


toda mãe pra Deus é bela;
acho que a mãe merecia
dois corações dentro dela:
um pra sofrer pelos filhos;
outro pra bater por ela.

Já nasci inspirado no ponteio


Dos bordões da viola nordestina
Vendo as serras banhadas de neblina
Com uma lua imprensada pelo meio
Mãe fazendo oração de mão no seio
E uma rede ferindo um armador
Minha boca pagã cheirando a flor
Deslizando no bico do seu peito
Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador…

***

Louro Branco

Cantador como eu ninguém num fez


Deus deixou pra mandar muito depois
Que se cabra for grande eu dou em dois
E se o cabra for médio eu dou em três
E se for bem pequeno eu dou em seis
Que a minha riqueza é bem total
Cantador como eu não nasce igual
Que ou nasçe mais baixo sou mais estreito
Repentista só canta do meu jeito
Se for fora de série ou genial.

***

Expedito de Mocinha

Eu nasci e me criei
Aqui nesse pé de serra
Sou filho nato da terra
Daqui nunca me ausentei
Estudei, não me formei
Por que meu pai não podia
Jesus, filho de Maria
De mim se compadeceu
Como presente me deu
Um crânio com poesia!

***

Diniz Vitorino
Vemos a lua, princesa sideral
Nos deixar encantados e perplexos
Inundando os céus brancos de reflexos
Como um disco dourado de cristal
Face cálida, altiva, lirial
Inspirando canções tenras de amor
Jovem virgem de corpo sedutor
Bem vestida num “robe” embranquecido
De mãos postas num templo colorido
Escutando os sermões do Criador.

***

Chico de Assis

Quem nasceu com pouca sorte


Com nada se acostuma
Uns têm castelos de areia
Outros castelos de espuma
As dádivas já são contadas
Feliz de quem ganha uma.

***

Pinto do Monteiro

Adeus, “Monteiro’ de merda,


Eu nunca mais volto em tu…
Cheguei gordo, volto magro,
Bem vestido e volto nu…
Criei ferrugem nos dentes
E teia de aranha no cu.

***

Elísio Felix da Costa (Canhotinho)

Eu canto pra todo mundo


Com minha vocação santa
Cantando também se chora
Chorando também se canta
A minha mágoa secreta
Confessar não adianta.

***

Luiz Ferreira Lima (Liminha)

Quando eu quis ela quis e nós juntamos


Nossas vidas para sempre num abraço
E até hoje não há briga e nem cansaço
Que nos faça esquecer que nos amamos
Onde estou ela está e nós estamos
Mais ardentes do que fogo abrasador
Com seu corpo curvilíneo e sedutor
Ela tira meu estresse e desengano
Não há seca que resseque o oceano
Nem feitiço que acabe o nosso amor…

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GLOSAS DO POETA LIMINHA


Publicado em 28 de outubro de 2022

Glosas do poeta Luiz Ferreira Lima, Liminha

Mote:

Duvido ter um vivente


Pra mentir mais do que eu…

Fui a Marte num segundo


Dei uma volta na terra
Parei a segunda guerra
Deletei Hitler do mundo
Dei uns tapas no Edmundo
Quando o pênalti ele perdeu
Encontrei o “Caduceu”
Dei para “Hermes” de presente
Duvido ter um vivente
Pra mentir mais do que eu…

Me aliei com Lampião


Larguei balas na Volante
Castiguei no mesmo instante
José Serra e Requião
Ganhei na sena o bolão
Comprei Roma e o Coliseu
Mergulhei no mar Egeu
Vi uma mulher-serpente
Duvido ter um vivente
Pra mentir mais do que eu…
O Aécio é um herói
Nunca roubou um real
Politico nunca fez mal
Uma dentada não dói
Fernando Collor dodói
Pois levaram o que era “seu”
Não existe fariseu
Fudendo a vida da gente
Duvido ter um vivente
Pra mentir mais do que eu…

Vim descobrir o Brasil


Com Cabral nas caravelas
Namorei as Manuelas
Na porta de um mercantil
Sônia Braga quando viu
O mundo todo tremeu
Liminha logo correu
Quase fica sem um dente
Duvido ter um vivente…
Pra mentir mais do que eu…

Viajei numa carona


Num cangote de um urubu
Cheguei em Caruaru
Dancei forró com Madonna
Fiz um clássico co’a sanfona
Fui gravar no Coliseu
Bebi vinho com “Morfeu”
Tirei gosto com serpente
Duvido ter um vivente.
Pra mentir mais do que eu.

Subi as muralhas da China


De carona num dragão
Fiz num dia um caminhão
Pra transportar gasolina
Vi uma onça felina
Mastigar um fariseu
Vi escriba e filisteu
Perder pra um Sansão somente
Duvido ter um vivente
Pra mentir mais do que eu…

Um dia eu dei um grito


Ficou negro o Ocidente
O rio deu uma enchente
Houve chuva de granito
Fiz de um bezerro um cabrito
Toda terra estremeceu
Toda fauna se escondeu
E eu gritei novamente
Duvido ter um vivente
Pra mentir mais do que eu…
Fiz de uma hora um segundo
De uma porta um portão
Da uma milha um milhão
De um poeta um vagabundo
De um rei um sapo imundo
De Julieta o Romeu
Do crente eu fiz um ateu
De um charlatão um vidente
Duvido ter um vivente
Pra mentir mais do que eu…

Me encontrei com Lampião


No “Raso da Catarina”
Apliquei nele a vacina
Contra covid e “sesão”
Eu vi o pássaro cancão
Cantando, “prenda o Tadeu”
Ensinei “solos” ao Pepeu
Tudo num dia somente
Duvido ter um vivente
Pra mentir mais do que eu…

Venci Pinto de Monteiro


E Louro do Pajeú
Na praça em Caruaru
Mostrei que sou o primeiro
Visitei o estrangeiro
Me encontrei com “Galileu”
Lhe ensinei e ele aprendeu
Fazer a “lupa” sem lente
Duvido ter um vivente
Pra mentir mais do que eu…

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM MOTE BEM GLOSADO E UM CLÁSSICO DO CORDEL


Publicado em 21 de outubro de 2022
Antônio Carneiro glosando o mote:

Encontrei um pedaço de saudade


No terreiro da casa que morei.

Regressei ao lugar que fui criado


Como quem vai cumprir um juramento
Avistei os arreios do jumento
Pendurados na cerca do cercado.
No curral que papai trancava o gado
O chocalho da vaca eu procurei
Bem ao lado da casa encontrei
Os resquícios da minha mocidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Avistei o meu cabo de enxada


Encabando uma velha Tramontina
A ferrugem comendo a lamparina
E uma cela de couro empoeirada.
Mas chorei quando vi uma latada
E o cavalo de pau que eu montei
No cavalo da História disparei
Retornei aos quarenta de idade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Encontrei bem no “pé” do casarão


O meu carro de flandre na poeira
Adentrando avistei uma roqueira
Dos folguedos de noite de São João.
Vi meu rádio de pilha campeão
Meu cachorro de caça não achei
Mas a cama velhinha que deitei
Inda mora comigo na cidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Vi pedaços de bola canarinho


Enganchados em cima do telhado
Vi um saco de estopa amarelado
Que a galinha de mãe fazia ninho.
A “camisa” bonita do meu pinho
Que nas noites de lua dedilhei
O balanço que um dia despenquei
Lembrarei para toda eternidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Na “sapata” da casa eu vi salina


Vi “bezerros” de osso no oitão
Vi pegadas de gado pelo chão
Num aceiro a carcaça da turina.
Recordei de uma tarde de neblina
Da arapuca no mato que armei
Quando vi a chinela que calcei
Relembrei toda minha castidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

No oitão também vi uma balança


Onde a pedra de quilo era o peso
Um arame farpado que era teso
Uma estaca apontada como lança.
O sapato que eu ia numa dança
O sabugo de milho que usei
Pra fazer o chiqueiro que criei
Pra prender toda aquela liberdade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

A gamela que pai tomou um banho


O cacete assassino de uma rês
Algaroba, um angico, dois ipês
Que serviam de sombra pro rebanho.
Vi um prato branquinho de estanho
A rural de madeira que ganhei
Vi o cinto de pai que apanhei
Com requinte de pura crueldade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

A cumbuca de mãe guardar azeite


Enxerguei pendurada no pereiro
Avistei lá em cima do chiqueiro
A caneca que pai tirava leite.
A cabeça de vaca como enfeite
Que um dia na cerca enganchei
Vi um banco velhinho que sentei
E o cupim só deixou uma metade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Encontrei um pedaço de cocão


Uma mesa de carro sem fueiro
Uma roda, tarugo e um tamueiro
Do transporte mais belo do Sertão.
Uma tira de pano e um botão
Uma agulha de saco que comprei
E a Monark que tanto pedalei
Eu garanto de vê-la ter vontade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Uma tampa de vinho indiano


Com o rótulo do índio Jurubeba
O cotoco do rabo de um peba
A moldura do nosso Soberano.
Uma quarta da peça de um pano
Que num ano de safra eu comprei
E uma braça de terra que enterrei
As agruras da minha enfermidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

A cangalha surrada do jerico


Pendurada no torno da parede
Candeeiro, pavio e uma rede
Um machado, uma foice, um maçarico.
Um martelo, uma mala e um pinico
Um gibão que um dia campeei
No cavalo rudado que esporei
Cavalgando a procura da verdade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Caco velho que mãe torrava massa


Caldeirão pra botar milho de molho
Uma lasca de lenha e um ferrolho
Chaminé, um isqueiro, uma cabaça.
A garrafa verdinha de cachaça
Que papai dava trago, não traguei
Eu pensando em voltar inda pisei
Numa foto da minha identidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

***

UMA VIAGEM AO CÉU – Leandro Gomes de Barros

Uma vez eu era pobre


Vivia sempre atrasado
Botei um negócio bom
Porém vendi-o fiado
Um dia até emprestei
O livro do apurado.

Dei a balança de esmola


E fiz lenha do balcão
Desmanchei as prateleiras
Fiz delas um marquezão
Porém roubaram-me a cama
Fiquei dormindo no chão.

Estava pensando na vida


Como havia de passar
Não tinha mais um vintém
Nem jeito de trabalhar
O marinheiro da venda
Não queria mais fiar.

Pus a mão sobre a cabeça


Fiquei pensando na vida
Quando do lado do céu
Chegou uma alma perdida
Perguntou : – Era o senhor
Que aí vendia bebida?

Eu disse que era eu mesmo


E a venda estava quebrada
Mas se queria um pouquinho
Ainda tinha guardada
Obra de uns dois garrafões
De aguardente imaculada.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MESTRES DA POESIA POPULAR


Publicado em 14 de outubro de 2022
Manoel Filomeno de Menezes, o Manoel Filó, Afogados da Ingazeira-PE (1930-2005)

***

Manoel Filó

Eu acho que não convêm


Falar de quem bebe porre
Porque se quem bebe morre
Sem beber morre também
Apenas quem bebe tem
Suas artérias normais
Trata das fossas nasais
Controla o metabolismo
Cachaça no organismo
É necessário demais.

O meu pai, que era Manoel


Filomeno de Menezes
Foi também Mané Filó
Criado entre os camponeses
Um repentista inerente
Nunca viveu do repente
Mas cantou diversas vezes

Quando eu partir deste abrigo


Seguir à mansão sagrada,
A morte está perdoada
Do que quis fazer comigo,
Quis que eu fosse igual ao trigo
Que ao vendaval se esfarela,
Mas eu vou passar por ela
De cabeça levantada
“A morte está enganada,
Eu vou viver depois dela”.

***

Antônio Pereira (O poeta da saudade)

Saudade é um parafuso
Que na rosca quando cai,
Só entra se for torcendo,
Porque batendo num vai
E enferrujando dentro
Nem distorcendo num sai.

Saudade tem cinco fios


Puxados à eletricidade,
Um na alma, outro no peito,
Um amor, outro amizade,
O derradeiro, a lembrança
Dos dias da mocidade.

Saudade é como a resina,


No amor de quem padece,
O pau que resina muito
Quando não morre adoece.
É como quem tem saudade
Não morre, mas adoece.

Adão me deu dez saudades


Eu lhe disse: muito bem!
Dê nove, fique com uma
Que todas não lhe convêm.
Mas eu caí na besteira,
Não reparti com ninguém.

Saudade é a borboleta,
Que não conhece a idade.
Voando, vai lá, vem cá,
Misteriosa, à vontade.
Soltando pêlo das asas,
Cegando a humanidade.

Quem quiser plantar saudade


Primeiro escalde a semente.
Depois plante em lugar seco,
Onde bata o sol mais quente.
Pois, se plantar no molhado,
Quando nascer mata gente.

***

João Paraibano

Como é triste se ver um nordestino,


Apurar mil reais em quatro reses,
A esposa gestante de seis meses,
Sem poder com o peso do menino,
Muitas vezes caminha sem destino,
Com um pedaço de pau riscando o chão,
Como quem tá caçando uma ilusão,
Que perdeu na poeira da estrada,
A cigarra só canta sufocada,
Na terrível quentura do verão.

***

José Alves Sobrinho

Eu também fui cantador


Repentista e violeiro,
Todo o norte brasileiro
Inda lembra, sim senhor,
O meu nome, o meu valor,
A minha voz estridente,
Porém, repentinamente,
A mão do destino atroz
Arrebatou minha voz.
Deixei de cantar repente.

Eu era um uirapuru
Na voz e na melodia
Mas sem esperar, um dia
Fiquei qual urubu:
Sem voz, sem som, nu e cru,
Fui forçado a abandonar
A profissão popular
De cantar para viver!
Como é triste não poder
Cantar, sabendo cantar.

***

Onildo Barbosa

Quando o dia vai embora


A tarde é quem sente a queixa
O portão da noite abre
A porta do dia fecha
A boca da noite engole
Os restos que o dia deixa.

***

Oliveira de Panelas

Vejo muita diferença


Do presente para o passado
Salomão com mil mulheres
Foi um homem abençoado
E hoje se eu tenho duas
o padre diz que é pecado.

***

Manoel Xudu

A arte do passarinho
Nos causa admiração:
Prepara o ninho no feno,
No meio, bota algodão
Para os filhotes implumes
Não levarem um arranhão.

***

Dimas Batista

Dos discípulos do Senhor


Houve um falso somente
Aquele foi a serpente
Que traiu o Salvador!
Traiu num beijo de amor
Levou-O ao cadafalso!
Por isso é que eu realço
Ser o maior dos pecados:
“Eu quero trinta intrigados
Não quero um amigo falso!

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

A GENIALIDADE DE GERALDO AMÂNCIO


Publicado em 7 de outubro de 2022
O poeta cearense Geraldo Amâncio, um dos maiores nomes da cantoria de
improviso da atualidade

***

O mundo se encontra bastante avançado


A ciência alcança progresso sem soma
Na grande pesquisa que fez do genoma
Todo o corpo humano já foi mapeado
No mapeamento foi tudo contado
Oitenta mil genes se podem contar
A ciência faz chover e molhar
Faz clone de ovelha, faz cópia completa
Duvido a ciência fazer um poeta
Cantando galope na beira do mar.

***

Olho a tela do tempo e me torturo


Vejo o filme do meu inconsciente,
Meu passado maior que o meu presente
Meu presente menor que o meu futuro;
Se a velhice é doença eu não me curo,
Que os três males que atacam um ancião:
São carência, desprezo e solidão,
E é difícil escapar dessa trindade;
Se eu pudesse comprava a mocidade
Nem que fosse pagando a prestação.

***

Registrando o passado e o presente,


Para tudo o cordel tem sempre espaço:
Pra amor, pra política, pra cangaço,
Romaria, promessa e penitente,
Retirante, romeiro, presidente,
Seca, fome, fartura, inundação.
Qualquer um que quiser informação,
Nele encontra o melhor documentário,
O cordel completou um centenário
Viajando nas asas do pavão.

***

Entre os Dez Mandamentos dos sermões,


Respeitar pai e mãe é o primeiro,
O defeito de um filho é ser grosseiro;
A virtude dos pais é serem bons.
Todo filho tem três obrigações:
Escutar, respeitar e obedecer;
Respeitar pai e mãe é um dever;
Esquecer mãe e pai é grosseria,
Se não fossem meus pais, eu não teria
O direito sagrado de viver.

***

Com pintura e poesia


Nossa festa está completa;
Não tem quase diferença
Do pintor para o poeta:
Eu trago a imagem abstrata,
E ele a imagem concreta.

***

Itapetim és a pista
De Louro, Otacílio e Dimas
Aonde o carro das rimas
Obedece ao motorista
Que cada página é revista
Escrita em diversas cores
És do Pajeú das Flores
A mais poética cidade
Itapetim, faculdade
Que diploma cantadores.

***

Monteiro berço divino


De povo alegre e feliz,
De Pinto, de Jansen Filho,
De Heleno e de Diniz;
O chão que deu quatro estrelas
Não foi céu porque não quis.

***

Quem não cantar do meu tanto


Não acompanha o meu passo,
Não tem a força que eu tenho,
Quando manejo o meu braço,
Não planta a roça que eu planto
Nem faz verso que eu faço.

***

Na vida de Michael Jackson


Eu digo o que aconteceu
Não tinha fama arranjou
Era pobre enriqueceu
Era preto ficou branco
Mudou de cor e morreu.

***

Eu sei que Jesus do céu me conhece,


Gosta do meu verso, dessa propaganda.
Se eu peço um repente, o Cristo me manda,
Me manda ligeiro, pois lá do céu desce.
Depois, na cabeça, o verso aparece,
Me desce pra boca pr’eu pronunciar.
Inda tem um anjo para me ajudar.
E tem uma máquina nesse meu juízo:
Não faz outra coisa, só faz improviso
Nos dez de galope na beira do mar.

***

GERALDO AMÂNCIO CANTANDO COM VALDIR TELES

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

EM TEMPO DE ELEIÇÃO
Publicado em 30 de setembro de 2022

QUANDO ACABA A ELEIÇÃO – Merlânio Maia

No período eleitoral
Candidato vira santo
Bota a cara em todo canto
Favela, sítio, hospital,
Tapera, escola, curral,
Velório, igreja, pensão,
Promete o céu e o chão
Jura descaradamente
Mas muda radicalmente
Quando acaba a eleição!

A teta é bem saborosa


Por isso, quem quer deixar?
O salário é um manjar
E a função é poderosa
A mala preta formosa
Enche os cofres e o colchão
Pois é na corrupção
Que o ganho se multiplica
E a politicalha enrica
Quando acaba a eleição!

O pobre eleitor coitado


Detém o real poder
De banir, cobrar, deter,
E excluir o candidato
Mas o político de fato
Encanta e ilude o povão
Como um piolho malsão
Retorna ao poder de novo
Pra sugar o nosso povo
Quando acaba a eleição!

Mau político tem prazer


De enganar quando promete
Setecentas vezes sete
Promete sem se conter
Sabe que vão esquecer
Nunca houve punição
Não há lei que diga não
Quem paga a promessa é o povo
E o peste vai rir de novo
Quando acaba a eleição!

Pobre do povo enganado


Trucidado em sua calma
Vende o voto e perde a alma
Paga caro ter votado
Não verá do combinado
Nem saúde, educação,
Nem infra-estruturação
Nem água, esgoto ou transporte,
Segurança só na sorte
Quando acaba a eleição!

O que se vê todo o dia


É briga pelo poder
Quem já tem mais faz pra ter
E haja dinheiro e folia
A bandidagem alicia
No caos da corrupção
A ética perde a razão
Ser honesto é coisa rara
Falta vergonha na cara,
Quando acaba a eleição!

E a gente sente vergonha


De ver chafurdando em lama
Símbolos que a gente ama
De forma torpe e bisonha
Mas a nação ainda sonha
Botar na grade o ladrão
E sanear a nação
Pra ter sua honra de novo
E o governo ser do povo
Quando acaba a eleição!

***

CORDEL CONTRA OS POLÍTICOS CORRUPTOS – Cleber Sardinha


Tava eu aqui pensando
Como pode acontecer
O pobre trabalhador
Que não merece sofrer
Paga imposto todo dia
Dia e noite, noite e dia
Até quando vai morrer.

O país a cada hora


Segue sim sua missão
Os políticos de Brasília
Só vivem metendo a mão
No bolso dos que não tem
Um centavo, um vintém
Nem o dinheiro do pão.

Brasil lindo pátria amada


Povo forte e gente nobre
A corda só arrebenta
Pro lado de quem é pobre
Mas enquanto a gente desce
A roubalheira só cresce
E a máfia política sobe.

Presidente e Deputado
Governo e Senador
Comem o nosso dinheiro
Sem saber qual o valor
De um dia de trabalho
Da coberta de retalhos
Do pobre trabalhador.

O povo já não aguenta


Ser roubado e iludido
Por políticos e corruptos
Que não passam de bandidos
Gente da pior espécie
Que nesse país só cresce
Nem deviam ter nascido.

A TV mostra o retrato
De um Brasil despedaçado
Sem rumo e sem igualdade
E todo desgovernado
Nosso povo todo dia
Vive essa agonia
Vai sendo atropelado.

A promessa de um político
Nem precisamos ouvir
Porque a cada eleição
Volta a se repetir
Prometem melhorar tudo
Na vida de todo mundo
Melhoras que eu nunca vi.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

MESTRES DO IMPROVISO
Publicado em 23 de setembro de 2022
JOSÉ MELQUÍADES E ASSIS ROSENDO: UM DUPLA INDO E VOLTANDO

José Melquíades

Eu namorei uma moça


Que era muito engraçadinha,
Eu da porta da cozinha
Gritava: – filha me ouça!
Mas eu só beijava à força.
Quando ela percebia,
Numa porta ela fugia,
Pela outra eu entrava.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.

Assis Rosendo

Arranjei um casamento
Com uma moça já idosa,
Que não gostava de prosa,
Mas tinha consentimento,
Aí, naquele momento
Sempre ela me dizia
Que a mim não me queria
E nem também me amava.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.

José Melquíades

Eu fui dar com Gabriela


Um passeio de avião,
No campo de aviação
Foi peleja minha e dela,
Para entrar eu e ela
O avião não cabia,
Eu ficava e não subia,
Depois ela embarcava.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.

Assis Rosendo

Arranjei um casamento
Com uma bela menina,
Na cidade de Campina
Ela fez um juramento
Porém naquele momento
Todo mundo já dizia
Que ela não me queria,
Pois a outro ela amava.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.

José Melquíades

Namorei Aparecida,
Mas mãe não gostava dela,
Eu só namorava ela
Na casa da Margarida,
Minha mãe, muito sabida,
Ia lá pra ver se via,
Por uma porta eu saia,
Por outra mamãe entrava.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.

Assis Rosendo

Namorei uma menina,


Filha de um pai valente,
O seu nome era Vicente
E morava em Petrolina,
Porém em Araripina
Ela chegou certo dia,
Quando a mãe dela sabia,
O amor ela negava.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.

José Melquíades

Viajei num trem de feira


Com minha noiva Raimunda,
Quando eu ia de segunda
Ela ia de primeira,
Eu pulava pra terceira,
Pra segunda ela corria,
Quando eu pra primeira ia,
Pra segunda ela voltava.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.

***

José Virgolino de Alencar

Navegando nas águas da poesia


não é eito pra todo canoeiro,
há que ser um exímio timoneiro
pra guiar o seu barco em maestria
seja no mar revolto ou calmaria,
enfrentar indomável tempestade
com coragem e rara habilidade
de manter o seu barco navegando
entre as ondas seguras velejando,
são os poetas, poetas de verdade.

***

Dimas Batista Patriota

Pois tudo que existe no mar aproveito,


Na ilha, no cabo, península, estreito,
Estreito, península, no cabo, na ilha,
No barco, na proa, em bússola e milha!
Medindo a distância eu vou viajar,
Não quero, da rota, jamais me afastar,
Porque me afastando o destino saí torto;
Confio em Deus pra avistar o meu porto,
Cantando Galope na beira do mar!

***

Minervina Ferreira

O espaço da mulher
se amplia a cada momento
Desde a comerciaria
a que faz medicamento
em relação ao passado,
Ai!, ai!, ui!, ui!…
mudou noventa por cento.

Tem mulher sendo manchete,


corpo lindo e sensual
Tem mulher trabalhadora
dentro da zona rural
Que nem sabe aonde fica,
Ai!, ai!, ui!, ui!…
O Distrito Federal.

No campo policial,
tem delegada e bombeira
A promotora, juíza,
advogada, pedreira
Nosso espaço está abrindo,
Ai!, ai!, ui!, ui!…
Mesmo que o homem não queira.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS E UM CORDEL DA BRIGA


DOS VELHOS
Publicado em 16 de setembro de 2022
Valdir Teles (1956-2020)

Waldir Teles glosando o mote:

Quando morre um alguém que a gente adora


Nasce um broto de dor no coração.

Quando morre um parente ou um amigo


Resta só lamentar, ninguém dá jeito
A tristeza se aloja em nosso peito
A angústia se apossa do abrigo
O seu corpo levado pra o jazigo
É seguido por uma multidão
Nem compensa apertar na sua mão
É inútil dizer não vá agora
Quando morre um alguém que a gente adora
Nasce um broto de dor no coração.

***

Chico Nunes glosando o mote:

A saudade é companheira
De quem não tem companhia.

Vivo em eterna agonia


Sem saber o resultado
Deus já me deu o atestado
Pra eu baixar à terra fria.
Em volta só vejo o mal
Deste meio social,
E espero sozinho o dia
De minha hora derradeira…
A saudade é companheira
De quem não tem companhia.
***

José Lucas de Barros glosando o mote:

A viola, em silêncio, está chorando,


Com saudade da voz do violeiro.

Chico Motta viveu de cantoria,


Imitando as graúnas sertanejas,
Nos ardores de inúmeras pelejas
Que aprendeu a enfrentar com galhardia;
Seu programa, nem bem raiava o dia,
Acordava o sertão alvissareiro,
Mas, depois do seu verso derradeiro,
Que inda está, nas quebradas, ecoando,
A viola, em silêncio, está chorando,
Com saudade da voz do violeiro.

***

Pinto do Monteiro glosando o mote:

Aquela chuvinha fina


Me faz chorar de saudade.

Me lembro perfeitamente,
Quando em minha idade nova,
O meu pai cavava a cova
E eu plantava a semente.
Eu atrás, ele na frente,
Por ter força e mais idade,
Olhando a fertilidade
Da vastidão da campina,
Aquela chuvinha fina
Me faz chorar de saudade.

***

Severino Ferreira glosando o mote:

O Nordeste poético ainda chora


Com saudade de Pinto do Monteiro.

Sei que Pinto deixou como recinto


A Monteiro que é sua cidade
O Nordeste até hoje tem saudade
De um poeta pacato e tão distinto
Outro galo não faz mais outro pinto
Que seja poeta e verdadeiro
Se pegar a galinha no terreiro
E tentar fabricar o ovo “gora”
O Nordeste poético ainda chora
Com saudade de Pinto do Monteiro.

***
Jó Patriota glosando o mote:

A casa que tem criança


Deus visita todo dia.

Quando a criança adormece


A mãe já fraca do parto
Nos quatro cantos do quarto
Deus em pessoa aparece.
O Santo Espírito desce
Distribuindo alegria
Aquela rede sombria
Tem uma mão que balança
A casa que tem criança
Deus visita todo dia.

***

A GRANDE BRIGA DE UM VELHO COM UMA VELHA EM MOSSORÓ – José Costa


Leite

Quem ler este folhetinho


vai sorrir de fazer dó
é duma briga que houve
na cidade Mossoró
da velha Zefa Tingole
com o velho Chico Gogó.

A velha Zefa Tingole


reclamava todo dia
porque vivia amigada
e a Chico ela dizia:
– Chico! vamos casar!
mas o velho não queria.

O velho Chico Gogó


dizia a Zefa Tingole;
– O que vale é a união
e comigo ninguém bole
vamos viver assim mesmo
é melhor que se console.

O velho Chico Gogó


lhe disse todo enraivado
– Ouviste dizer algum dia
que um pescador afamado
continuou a dar isca
depois do peixe pescado?

A velha Zefa Tingole


chorava e se maldizia
dizendo: Tu não me amas
mas já me disseste um dia
que te casavas comigo
e muito bem me queria.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

ESQUENTANDO A ELEIÇÃO – Benildo Nery


Publicado em 9 de setembro de 2022

Eu sempre fui um sujeito


Bem centrado no que faz
Por isso que fui capaz
De hoje viver satisfeito
Sei também tenho defeito
Afinal quem que não tem
Mas nunca pisei ninguém
Pra chegar onde cheguei
Onde pude respeitei
Trato todos muito bem.
Mas isso não faz de mim
Nenhum saco de pancada
Viver levando paulada
De traíra e gente ruim
Quem me tratar mal assim
Cedo ou tarde tem o troco
Sendo “santo do pau oco”
Todos sabem como é
Com os pés dou ponta pé
E com as mãos encho de soco.

Outro dia eu conversava


Sobre o tema eleição
Sem dar muita atenção
Pra quem por perto estava
Afinal só importava
Pra mim naquele momento
Era só o argumento
De quem estava comigo
De certo um grande amigo
De grande conhecimento.

Falamos sobre as campanhas


Passadas e atuais
Não só daqui outras mais
Além de nossa Montanhas
Pontuamos artimanhas
Arranjos articulados
Dos votantes e dos votados
Dos vencedores, dos pleitos
Governadores, prefeitos
Senadores, deputados.

Até eleição do tal


De conselho tutelar
Nós tratamos de tratar
Dando um valor igual
De um pleito qualquer normal
Com candidato e votante
Apoiado e apoiante
Disputa de voto a voto
Onde cinco entram na foto
E o perdedor bem distante.

Sempre com muita destreza


Da parte dele e da minha
Vez em quando uma latinha
De cerveja sobre a mesa
Afinal nossa fineza
Política prevalecia
Cada gole que descia
Descia suavemente
Aguçava a nossa mente
Tudo simples parecia.
Comentamos suas obras
Suas realizações
As várias ocasiões
Suas faltas, suas sobras
Todas as suas manobras
Para as contas baterem
E opositores não terem
Motivos pra reclamar
Eleitores os amar
Com bons olhos sempre os verem.

Mas a coisa esquentou


Quando alguém que estava ao lado
Ouvindo tudo, ligado
Do seu canto levantou
Perto da gente encostou
E foi dizendo assim:
“Saibam que os dois pra mim
De política tão por fora
Dois puxa sacos caipora
Politiqueiros chinfrim.

Vocês ficam ai falando


Umas coisas sem futuro
Um fica em cima do muro
E outro fica chamando
Já já um está pulando
Para o lado de lá
E o outro vem pra cá
Com essa cara lavada
Que não vale uma porrada
Mesmo assim tá aqui quem dá!”

Aí eu me levantei
E falei: ó meu irmão
Aqui não te cabe não
Na conversa não chamei
Queres confusão eu sei
Mas isso tu não vai ter
Se afasta e vai ver
Se deixa a gente em paz!
Te orienta rapaz!
Veja onde vai se meter!

E ele continuou
Com aquele papo chato
Cheio de espalhafato
Que a gente se irritou
Meu amigo se armou
E mandou-lhe um direto
Que o cabra bateu no teto
Caiu quase se apagando
Levantou cambaleando
E sentou num canto quieto.
Ainda quis esboçar
Uma certa reação
Meu amigo encheu a mão
Para o intimidar
E para não apanhar
De novo deu um frecheiro
Encontrando bem ligeiro
A saída da taberna
Com o rabinho entre as perna
Feito um cachorro fuleiro.

Eu não sou de violência


Não gosto de agressão
Mas aquele bobalhão
Tirou nossa paciência
E com toda competência
Recebeu um corretivo
Certo foi muito agressivo
Mas sei foi bem merecido
Espero ter aprendido
Pra isso que ficou vivo.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

HINO NACIONAL BRASILEIRO EM CORDEL – Thiago Alves


Publicado em 7 de setembro de 2022
Ouviram do Ipiranga
Nas margens plácidas se dar
De um povo heroico o brado
Retumbante a ecoar
E o sol da liberdade
Em raios fúlgidos que arde
No céu da pátria a brilhar.

Se conseguiu conquistar
O penhor dessa igualdade
Com o nosso braço forte
Em teu seio ó liberdade
Desafia o nosso peito
Enfrentando esse pleito
A morte em fidelidade.

Ó pátria amada em verdade


Seja sempre Idolatrada
Salve! Salve! Os teus recantos
Ó eterna pátria amada
Salve! Salve teus encantos
Salve os teus valores tantos
Pra sempre serás honrada.

Brasil terra sublimada


Sonho intenso um raio vívido
De amor e de esperança
À terra desce em adívido
Se em teu formoso céu
Risonho em límpido véu
O cruzeiro brilha dívido.

Tu és um gigante ávido
Pela própria natureza
És belo, és forte, impávido
Colosso em tua beleza
E o teu futuro espelha
Nem um outro se assemelha
A ti por essa grandeza.

Terra adorada és alteza


Entre outras tantas mil
Ó pátria amada e querida
És tu o nosso Brasil
E dos filhos deste solo
És sublime mãe gentil
Ó formosa Pátria amada
Terra querida, Brasil!

Sempre deitado e sutil


Em berço esplêndido e fecundo
Ao som do mar espumante
E à luz do céu profundo
Fulguras ó florão da América
Sobre as nações periféricas
Como o sol do novo mundo!

Do que a terra num segundo


A mais garrida em valores
Teus risonhos, lindos campos
Têm sempre mais belas flores
Nossos bosques têm mais vida”
Assim sendo “Nossa vida”
Em teu seio “mais amores”

Ó pátria amada em cores


Seja sempre Idolatrada
Salve! Salve! Os teus valores
Ó eterna pátria amada
Salve! Salve teus encantos
Salve os teus valores tantos
Pra sempre serás honrada.

Brasil terra encantada


Eterno símbolo de amor
O lábaro que tu ostentas
Estrela o teu valor
Diga este verde-louro
Dessa flâmula que é tesouro
Que glória e paz conquistou.

Mas, se ergues pra compor


Da justiça a clava forte
Verás que um filho teu
Não foge à luta de porte
Coragem e força ancora
Nem teme, quem te adora
Indo até a própria morte.

Terra adorada e forte


Tu és entre outras mil
Ó eterna pátria amada
A mais bela e varonil
E dos filhos deste solo
És mãe gentil e sem dolo
Ó Pátria amada Brasil!

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

POEMAS DE PATATIVA DO ASSARÉ


Publicado em 26 de agosto de 2022

Antônio Gonçalves da Silva, Assaré-CE (1909-2002)

***

AMANHÃ

Amanhã, ilusão doce e fagueira,


Linda rosa molhada pelo orvalho:
Amanhã, findarei o meu trabalho,
Amanhã, muito cedo, irei à feira.
Desta forma, na vida passageira,
Como aquele que vive do baralho,
Um espera a melhora no agasalho
E outro, a cura feliz de uma cegueira.

Com o belo amanhã que ilude a gente,


Cada qual anda alegre e sorridente,
Como quem vai atrás de um talismã.

Com o peito repleto de esperança,


Porém, nunca nós temos a lembrança
De que a morte também chega amanhã.

***

HERANÇA

Querida esposa que ouvindo está


Roubou-lhe o tempo a jovial beleza,
Mas tem o dote da maior nobreza
Sua bondade não se acabará.

Morrerei breve, porém Deus lhe dá


Força e coragem com a natureza
De no semblante não mostrar tristeza
Quando sozinha for viver por cá.

Não tenho terra, gado, nem dinheiro,


Só tenho o galo dono do terreiro
Que a madrugada nunca ele perdeu.

Conserva esposa, minha pobre herança,


Seja bem calma, paciente e mansa,
Você não chore, que este galo é seu.

***

A FESTA DA NATUREZA

Chegando o tempo do inverno,


Tudo é amoroso e terno,
Sentindo o Pai Eterno
Sua bondade sem fim.
O nosso sertão amado,
Estrumicado e pelado,
Fica logo transformado
No mais bonito jardim.

Neste quadro de beleza


A gente vê com certeza
Que a musga da natureza
Tem riqueza de incantá.
Do campo até na floresta
As ave se manifesta
Compondo a sagrada orquesta
Desta festa naturá.

Tudo é paz, tudo é carinho,


Na construção de seus ninho,
Canta alegre os passarinho
As mais sonora canção.
E o camponês prazentero
Vai prantá fejão ligero,
Pois é o que vinga premero
Nas terras do meu sertão.

***

MEDO DA MORTE

Cachingando, cego e surdo


Sem ver e sem estar ouvindo
Pra mim não é absurdo
Vou meu caminho seguindo
Nunca pensei em morrer
Quem morre cumpre um dever
Quando chegar o meu fim
Eu sei que a terra me come
Mas fica vivo o meu nome
Para os que gostam de mim.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

TRÊS MOTES BEM GLOSADOS E UM CORDEL DE BICHOS


Publicado em 19 de agosto de 2022
O grande poeta cantador paraibano Nonato Costa

***

Nonato Costa glosando o mote:

Sepultura é a única residência


Que não cobra aluguel do morador.

Pra quem vai prestar contas a Jesus


Tem pra sempre gratuita uma morada
E como símbolo na porta de entrada
Tem o nome do dono numa cruz
Não tem conta de água nem de luz
Não precisa avalista ou corretor
E Deus perdoa seu saldo devedor
Quando o banco da vida abre falência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Não existe desvio no caminho


Quando o cerco da morte está armado
Pelos súditos o rei vive cercado
Mas no dia que morre vai sozinho
Dos dois lados do túmulo tem vizinho
Mas não há um diálogo a se propor
E a caveira jamais vai recompor
A beleza que tinha a aparência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

O local é salgado pelo pranto


Dos que perdem seus entes mais queridos
Os irmãos, as esposas, os maridos
E os amigos que vão praquele canto
Condomínio fechado, campo santo
É pra lá que vai todo pecador
E ao entrar a balança do Senhor
Tira um peso da nossa consciência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Empresário, princesa, vagabundo


Evangélico e ateu, homem ou mulher
Apesar de ser grátis ninguém quer
Nesta casa morar nenhum segundo
O portal que nos leva a outro mundo
Não exige função superior
E nem precisa RG que o emissor
Quando chama já sabe a referência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Com chibanca ou enxada o homem faz


Esta casa sem planta e sem dinâmica
Onde o piso é sem pedra de cerâmica
E o seu teto sem lustres de cristais
Sem textura as paredes laterais
Sem contato com o mundo exterior
E uma hora qualquer seu construtor
Vai pra lá encerrar sua existência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

***

Dedé Monteiro glosando o mote:

São os sons que ninguém pode esquecer


Se já foi residente no sertão.

O latido amistoso de um “jupi”,


Vira-lata raçudo sem ter raça,
Uma banda de pífanos na praça,
O penoso cartar da juriti,
Um boaito saindo do jequi
E um vaqueiro a pegá-lo pela mão,
O estrondo redondo do trovão
Avisando que em breve vai chover,
São os sons que ninguém pode esquecer
Se já foi residente no sertão.

***

Zé Silva glosando o mote

Mocidade é um vento passageiro


Beija a face da gente e vai embora.
Como é bom ser menino, ser criança,
Ter um mundo de sonhos, de ilusões,
Caminhar num caminho de emoções,
Aquecido no sol da esperança.
No entanto, esse tempo de bonança,
Como tudo que é bom, pouco demora.
Como a marcha dos anos me apavora
E a tudo transforma tão ligeiro!
Mocidade é um vento passageiro
Beija a face da gente e vai embora.

***

Um cordel da autoria de Arievaldo Viana e Gonzaga Vieira

UM DIA DE ELEIÇÃO NO PAÍS DA BICHARADA

O comendador Cachorro
Era um amigo dileto
Da velha Rita Mingonga
De quem sou tataraneto
Quando os bichos escreviam
Os dois se correspondiam
Com ternura e com afeto

Depois que a velha morreu


Ficou a correspondência
Com sua neta Raimunda
Que deixou pra tia Vicência
Titia deixou pra mim
E foi justamente assim
Que aprendi cantar ciência

Morava o comendador
Na Vila da Cachorrada
Município da Rabugem
Distrito Tábua Lascada
Na corte do Rei Leão
Era um grande figurão
Porém não fazia nada

O elefante e o urso
Eram grandes generais
Tramaram uma revolta
No reino dos animais
E depois em praça pública
Proclamaram a República
Tornando-se os maiorais

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

JONAS BEZERRA E ACRÍZIO DE FRANÇA: DOIS REPENTISTAS


TALENTOSOS
Publicado em 12 de agosto de 2022

Acrízio de França

Hoje aqui nesse festim


A viola emociona
Quem chegar aqui na zona
Pra poder nos escutar
Essa arte popular
Vai voar pro exterior
Então vamos cantador
Vamos viajar
Vamos cantador
Pegue a viola e se arrume
Porque já virou costume
Fazer mala e viajar.

Jonas Bezerra
Agora peguei o ritmo
Que manda Acrízio de França
Porque a minha esperança
Aqui não vai apagar
Estilo pode criar
Você é meu professor
Então vamos cantador
Vamos viajar
Vamos cantador
Pegue a viola e se arrume
Porque já virou costume
Fazer mala e viajar.

Acrízio de França

O estilo da cantoria
Vem da minha criação
Se esse estilo é bom ou não
Você é quem vai julgar
Tem você pra me ajudar
E o povo pra dar valor
Então vamos cantador
Vamos viajar
Vamos cantador
Pegue a viola e se arrume
Porque já virou costume
Fazer mala e viajar.

Jonas Bezerra

Respondo a sua pergunta


Eu gostei do seu estilo
Mais parece o rio Nilo
Indo pra dentro do mar
Depois que na terra entrar
Eu rasgo como um trator
Então vamos cantador
Vamos viajar
Vamos cantador
Pegue a viola e se arrume
Porque já virou costume
Fazer mala e viajar .

Acrízio de França

Hoje aqui na grande festa


Dos poetas violeiros
Nós trouxemos os redeiros
Pra poder nos apoiar
Mesmo em cantiga de bar
Esses jovens dão valor
Então vamos cantador
Vamos viajar
Vamos cantador
Pega a viola e se arrume
Porque já virou costume
Fazer mala e viajar.

Jonas Bezerra

Cantando o rio
Chamado rio Piranhas
Eu sou filho das entranhas
Da Paraíba exemplar
Minha homenagem
É pra todos do setor
Então vamos cantador
Vamos viajar
Vamos cantador
Pegue a viola e se arrume
Porque já virou costume
Fazer mala e viajar.

Jonas Bezerra

Voa sabiá
Veja outros horizontes
Passe por cima dos montes
Enxergue cada pomar
Viva feliz
Com os filhotes no seu ninho
Do jeito de um passarinho
Eu também quero voar
“Voa sabiá”.
Do galho da laranjeira
Que a pedra da baladeira
Vem zoando pelo ar “.
“Voa sabiá”.
Do galho da laranjeira
Que a pedra da baladeira
Vem zoando pelo ar”.

Acrízio de França

Ao caçador
Eu peço a partir de agora
Não bote o fogo na flora
Pra ver onde ele pode estar
Também já fui
Caçador de espingarda
Mais hoje em dia eu sou guarda
Pra deter quem for matar
“Voa sabiá”.
Do galho da laranjeira
Que a pedra da baladeira
Vem zoando pelo ar”.
“Voa sabiá”.
Do galho da laranjeira
Que a pedra da baladeira
Vem zoando pelo ar”.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

OITO MESTRES DO IMPROVISO E UM CORDEL DE JOSÉ SOARES


Publicado em 5 de agosto de 2022

Otacílio Batista Patriota (1923-2003)

***

Otacílio Batista

Minha mãe me criou dentro do mar


Com o leite do peito de baleia
Me casei no oceano com a sereia
Que me fez repentista popular
Canto as noites famosas de luar
E linguagem das brisas tropicais
Entre abraços e beijos sensuais
Nos embalos das ondas seculares
Conquistei a rainha mãe dos mares
E o que é que me falta fazer mais?

***

Francisco Ferreira

O amor é força bruta


O estrondo do trovão,
Quando ele chega domina
As forças do coração,
É a claridez do relâmpago
Clareando a escuridão.

***

Luís Campos

Esse negócio de chifre


É coisa muito comum
Já levei chifre de noite
De manhã e em jejum
O remédio é paciência
Pitu e cinquenta e um.

***

Sebastião da Silva

No outono, verão e no inverno


Eu vivi trabalhando no roçado
Aboiando feliz atrás do gado
E vendo mato mudar seu próprio terno
Mas, com ordem do Santo Pai Eterno
Eu comprei a viola, o meu piano,
Nela ganho meu pão cotidiano,
É amiga, divina e predileta,
Obrigado meu Deus por ser poeta
Nos dez pés de martelo alagoano.

***

Dimas Batista

Ali na cabana de alguns pescadores


Fitando a beleza do mar, do arrebol,
Bonitas morenas queimadas de sol,
Alegres ouviram cantar meus amores.
O vento soprava com leves rumores,
O pinho a gemer, depois a chorar.
Aquelas morenas à luz do luar
Me davam impressão que fossem sereias,
Alegres, risonhas, sentadas nas areias,
Ouvindo meus versos na beira do mar.
***

João Paraibano

Cai a chuva no telhado,


a dona pega e coloca
uma lata na goteira,
onde a água faz barroca:
cada pingo é um baião
que o fundo da lata toca.

***

Poeta Anízio

A saudade é sentimento
Que amarga e dá prazer
Mas faz parte do viver
Do amor é o fermento
Se é parte do tormento
Ver as lágrimas derramando
Mesmo triste vou cantando
Não posso ficar fingindo
Saudade é chorar sorrindo
Com o coração chorando.

***

Onésimo Maia

Eu sou tão analfabeto,


Que nem sei dizer o tanto;
Vendo um lápis, tenho medo;
Vendo um caderno, me espanto,
Mas, quando um jumento rincha,
Eu penso um poema e canto.

***

O CEGO NO CINEMA – José Soares


Um mudo disse a um mouco
Que lembra quando nasceu.
O mouco disse também
Que um aleijado correu.
O cego disse que viu
Quando um defunto morreu.

O mudo, cego e o mouco,


Cada um com seu problema.
Os três então se uniram
Pra resolver o dilema.
E depois se encaminharam
A uma sessão de cinema.

Foram ao cinema Glória


Que não fica muito além,
E quando chegou a vez
Do cego pagar também,
Ele disse: – Eu vou pagar
Com uma nota de cem!

Quando a moça demorou


Para trocar o dinheiro
O cego abriu o bocão
E disse pro companheiro:
– Uma velha parideira
Pare muito mais ligeiro!

Pareciam três babacas


Cego, o mudo e o mouco,
Três figuras impolutas
Dois otários e um baiôco.
Ouvindo a conversa deles
Eu me ri que fiquei rouco.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM POEMA DE PATATIVA DO ASSARÉ


Publicado em 29 de julho de 2022

Antônio Gonçalves da Silva, Assaré-CE (1909-2002)

***

O RETRATO DO SERTÃO

Se o poeta marinheiro
Canta as belezas do mar,
Como poeta roceiro
Quero o meu sertão cantar
Com respeito e com carinho.
Meu abrigo, meu cantinho,
Onde viveram meus pais.
O mais puro amor dedico
Ao meu sertão caro e rico
De belezas naturais.
Meu sertão das vaquejadas,
Das festas de apartação,
Das alegres luaradas,
Das debulhas de feijão,
Das danças de São Gonçalo,
Das corridas de cavalo
Das caçadas de tatu,
Onde o caboclo desperta
Conhecendo a hora certa
Pelo canto do nambu.

É diferente da praça
A vida no meu sertão;
Tem graça, tem muita graça
Uma noite de São João.
No clarão de uma fogueira,
Tudo dança a noite inteira
No mais alegre pagode ,
E um caboclo bronzeado
Num tamborete sentado
Tocando no pé de bode.

Os que não querem dançar


Divertem com adivinha,
Outros brincam a soltar
Foguete traque e chuvinha.
A mulher quer ser comadre
E o homem quer ser compadre,
Um ao outro dando a mão.
Assim, o festejo cresce
E o sertão todo estremece
Dando viva a São João.

Se por capricho da sorte,


Eu sertanejo nasci,
Até chegar minha sorte
Eu hei de viver aqui,
Sempre humilde e paciente
Vendo, do meu sol ardente
E da lua prateada,
Os belos encantos seus
E escutando a voz de Deus
No canto da passarada.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


SEIS MESTRES DO IMPROVISO
Publicado em 22 de julho de 2022

João Pereira da Luz, o João Paraibano (1952-2014)

João Paraibano

Quando esbalda o nevoeiro,


rasga-se a nuvem, a água rola,
um sapo vomita espuma;
onde o boi passa se atola,
e a fartura esconde o saco
que a fome pedia esmola.

O menino e o rapaz,
estando juntos na sala,
um fala porém não ri,
o outro ri mas não fala;
um tem na mão um brinquedo,
tem o outro uma bengala.

*
Linda é a baixa de arroz
quando está amarelando;
uma vara em pé no meio
com um molambo balançando,
pros passarinhos pensarem
que tem gente tocaiando.

A cabra abana as orelhas


para espantar o mosquito,
e se acocora lambendo
os cabelos do cabrito,
depois vai olhar de longe
pra ver se ficou bonito!

Não fale mal de Zefinha,


Que nunca foi amor seu,
A mulher que fez da sua
Honra um presente e me deu.
Sonhou beijando um poeta,
Quando acordou era eu.

***

Otacílio Batista

Um caboclo na cabana
Deitado em sua palhoça
Olhando o verde da roça
Diz sorrindo prá serrana:
Bote um traguinho de cana
Bebe, tempera a garganta
Almoça , pensa na janta
Faz um cigarro de fumo
Abre a porta e sai no rumo
Da sombra de qualquer planta.

O poeta e o passarinho
São ricos de inteligência
Simples como a natureza
Eternos como a ciência
Estrelas da liberdade
Peregrinos da inocência.

***

Diniz Vitorino

Nós temos por certa a morte,


mas ninguém deseja tê-la…
Quando morre uma criança,
o pai lamenta em perdê-la,
mas Jesus, todo de branco,
abre o céu pra recebê-la.

Meu colega, você vive


da fama que teve outrora,
e esses versos bem bolados
que o povo escuta e decora,
você faz de ano em ano
e eu faço de hora em hora!

***

Joaquim Vitorino

Tenho enorme inteligência


Poeta não me dá vaia
Sou vento rumorejando
Nos coqueiros de uma praia
Sou mesmo, que Rui Barbosa
Na conferência de Haia.

***

Zé de Vidal

O coveiro é um vivente
De pequena autoridade;
De baixo nível e salário,
Porém na realidade,
Preso que coveiro prende
Nunca mais tem liberdade!

***

José Lucas de Barros

Quando menino, eu queria


Ser homem com rapidez,
Depois, contabilizando
Tudo que o tempo me fez,
Hoje morro de vontade
De ser menino outra vez.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


GRANDES MESTRES DO REPENTE
Publicado em 15 de julho de 2022

Aderaldo Ferreira de Araújo, o “Cego Aderaldo”, Crato-CE (1878-1967)

***

Aderaldo Ferreira de Araujo (Cego Aderaldo)

Quis casar-me, oh, que loucura,


Quando pensei em casar,
Deixei e fui meditar,
Fui pensar na vida escura,
Nesse cálice de amargura,
Que recebo dia a dia,
Ouço apenas melodia,
Acostei-me à flor de um goivo,
De repente fiquei noivo,
Me casei com a poesia.

***

Dimas Batista

Na vida material
cumpriu sagrado destino
o Filho de Deus, divino,
nos deu gloria espiritual.
Deu o bem, tirou o mal,
livrando-nos da má sorte.
Padeceu suplicio forte,
como o maior dos heróis.
Morreu pra dar vida a nós:
A vida venceu a morte.

***

Diomedes Mariano

Na escola da vida todos vão,


Procurando aprender devagarinho,
É preciso saber com atenção,
Separar a roseira do espinho,
Quem semeia o que é bom, só colhe o bem,
Ninguém pode tentar pisar ninguém,
Que se julga mais fraco ou que se esconde,
Pra galgarmos sucesso nessa vida,
Humildade é o ponto de partida,
Só consegue o que quer, quem faz por onde.

***

João Paraibano

Dorme uma galinha choca


Sentindo as sombras das telhas
Um cão balança as orelhas
Mordidas de muriçoca
Se deita numa barroca
Sem conforto na dormida
Passa a língua na ferida
Enquanto chega o xerém
Todo mundo canta bem
Nas madrugadas da vida.

***

Pedro Bandeira

Pra quem tem educação


A fama se estabelece,
Toda pessoa merece
Que você dê atenção,
Cada história é uma instrução
Pra quem souber reparar,
E quem quiser aceitar
Aceite como cultura,
Cada uma criatura
Tem história pra contar.

***

Vinícius Gregório
E se eu nascesse de novo
E Deus me desse um menu
Onde eu visse o mundo inteiro,
Cada canto a olho nu.
E mandasse eu escolher
Onde eu queria nascer,
Com certeza ia dizer:
De novo no Pajeú!

***

Manoel Xudu

Voei célere aos campos da certeza


E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

Diniz Vitorino

Vemos a lua, princesa sideral


Nos deixar encantados e perplexos
Inundando os céus brancos de reflexos
Como um disco dourado de cristal
Face cálida, altiva, lirial
Inspirando canções tenras de amor
Jovem virgem de corpo sedutor
Bem vestida num “robe” embranquecido
De mãos postas num templo colorido
Escutando os sermões do Criador.

***

Bráulio Tavares

A baleia é talvez o maior bicho


existente na terra ou no mar
e que o homem insiste em atacar
por maldade, por ódio ou por capricho.
Para o alto ela lança um grande esguicho
quando emerge de lá da profundeza;
mesmo sendo animal de tal grandeza
a ninguém ela ataca nem ofende;
tanta gente vê isso e não aprende
quanto é grande o poder da Natureza.

***

Genival Pereira (Gato Novo)


Dei na loba que Rômulo mamou nela
Agitei as água do rio Nilo
Fiz o mar acalmar, ficar tranquilo
E ajudei fazer Eva da costela .
Fui na arca quebrei uma janela
E ali soltei todos animais
Implorei a meu Deus, o Pai dos pais
E o dilúvio cessou em um minuto
Fiz Noé gargalhar num chão enxuto
E que é que me falta fazer mais …

***

Manoel Xudu

Os astros louros do céu encantador


Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

Diniz Vitorino

Olho os mares, os vejo revoltados


Quando o vento fugaz transtorna as brumas
E as ondas raivosas lançam espumas
Construindo castelos encantados
As sereias se ausentam dos pecados
Que nodoam as almas dos humanos
E tiram notas das cordas dos pianos
Que o bom Deus ocultou nos verdes mares
E gorjeiam gravando seus cantares
Na paisagem abismal dos oceanos.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


O TEMA É SAUDADE
Publicado em 8 de julho de 2022

Francisco Maia de Queiroz, o Louro Branco (1943-2018)

***

Louro Branco

No dia que eu morrer


Deixo a mulher sem conforto
Roupas em malas guardadas
E o chapéu em torno torto
E a viola com saudades
Dos dedos do dono morto.

***

Lindomar Paiva

Uma vez eu amei muito e sofri,


A ela eu dediquei o meu carinho,
Mesmo assim, ela me deixou sozinho,
Sem pensar no quanto eu padeci,
Ela nem imagina o que eu perdi,
Nem o quanto sozinho eu chorei,
Tudo que ela me fez, eu perdoei,
Derramei toda lágrima no meu pranto,
Quem quiser ter saudades do meu tanto,
Sofra e ame do tanto que amei.

***

Manoel Filó

Quem numa separação


Sofrer contrariedade
Reconquiste o que perdeu
Pra viver mais à vontade
Porque não é de espingarda
Que a gente mata a saudade.

***

Biu de Crisanto

Não esqueço um só segundo


Dos dias da mocidade
Mas o tempo me roubou
Da vida mais da metade
Restando só amargura
Tristeza, dor e saudade.

***

Antonio Pereira de Moraes

Saudade é um parafuso
Que na rosca quando cai,
Só entra se for torcendo,
Porque batendo num vai
E enferrujando dentro
Nem distorcendo num sai.

Saudade tem cinco fios


Puxados à eletricidade,
Um na alma, outro no peito,
Um amor, outro amizade,
O derradeiro, a lembrança
Dos dias da mocidade.

Saudade é como a resina,


No amor de quem padece,
O pau que resina muito
Quando não morre adoece.
É como quem tem saudade
Não morre, mas adoece.

Adão me deu dez saudades


Eu lhe disse: muito bem!
Dê nove, fique com uma
Que todas não lhe convêm.
Mas eu caí na besteira,
Não reparti com ninguém.

No Silêncio da Saudade
Quem ama sofre calado,
Ausente de seu amor!
Tornando-se um sofredor…
Porque não ver ao seu lado,
Seu coração é magoado!

Pra viver não tem ação…


Seu mundo vira ilusão…
A tristeza a mente invade…
No silêncio da saudade!
Só quem fala é o coração.

*
Se a saudade matasse
No túmulo eu já vivia
Há muito eu já residia
Mas continuo no impasse
Se o meu amor voltasse
Essa saudade morria
A mim não perturbaria
A vida era um mar de rosa
Cantando e falando prosa
Na vida eu tinha alegria…

*
Quem ama sofre calado
Seu peito é tristeza e dor
Tornando-se um sofredor…
Porque não tem ao seu lado,
Seu amor mais desejado
Pra viver não tem ação…
Seu mundo vira ilusão…
A tristeza a mente invade…
No silêncio da saudade!
Só quem fala é o coração.
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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS E UM FOLHETO DE


PELEJA
Publicado em 1 de julho de 2022

A genial poeta cearense Dalinha Catunda, colunista do Jornal da Besta Fubana

***

Dalinha Catunda glosando o mote

Paixão cega e tosse braba


Só vêm pra lascar o peito.

Não sou mulher de chorar


Por quem não liga pra mim
Eu mando é comer capim
Jamais vou me acabrunhar
Paixão que vem pra lascar
Não acolho e nem respeito
Despacho logo o sujeito
Pois meu encanto se acaba:
Paixão cega e tosse braba
Só vêm pra lascar o peito.

***

Chico Nunes glosando o mote:

A saudade é companheira
De quem não tem companhia.

Vivo em eterna agonia


Sem saber o resultado
Deus já me deu o atestado
Pra eu baixar à terra fria.
Em volta só vejo o mal
Deste meio social,
E espero sozinho o dia
De minha hora derradeira…
A saudade é companheira
De quem não tem companhia.

***

José Lucas de Barros glosando o mote:

A viola, em silêncio, está chorando,


Com saudade da voz do violeiro.

Chico Motta viveu de cantoria,


Imitando as graúnas sertanejas,
Nos ardores de inúmeras pelejas
Que aprendeu a enfrentar com galhardia;
Seu programa, nem bem raiava o dia,
Acordava o sertão alvissareiro,
Mas, depois do seu verso derradeiro,
Que inda está, nas quebradas, ecoando,
A viola, em silêncio, está chorando,
Com saudade da voz do violeiro.

***

Pinto do Monteiro glosando o mote:

Aquela chuvinha fina


Me faz chorar de saudade.

Me lembro perfeitamente,
Quando em minha idade nova,
O meu pai cavava a cova
E eu plantava a semente.
Eu atrás, ele na frente,
Por ter força e mais idade,
Olhando a fertilidade
Da vastidão da campina,
Aquela chuvinha fina
Me faz chorar de saudade.

***

Severino Ferreira glosando o mote:

O Nordeste poético ainda chora


Com saudade de Pinto do Monteiro.

Sei que Pinto deixou como recinto


A Monteiro que é sua cidade
O Nordeste até hoje tem saudade
De um poeta pacato e tão distinto
Outro galo não faz mais outro pinto
Que seja poeta e verdadeiro
Se pegar a galinha no terreiro
E tentar fabricar o ovo “gora”
O Nordeste poético ainda chora
Com saudade de Pinto do Monteiro.

***

Waldir Teles glosando o mote:

Quando morre um alguém que a gente adora


Nasce um broto de dor no coração.

Quando morre um parente ou um amigo


Resta só lamentar, ninguém dá jeito
A tristeza se aloja em nosso peito
A angústia se apossa do abrigo
O seu corpo levado pra o jazigo
É seguido por uma multidão
Nem compensa apertar na sua mão
É inútil dizer não vá agora
Quando morre um alguém que a gente adora
Nasce um broto de dor no coração.

***

Jó Patriota glosando o mote:

A casa que tem criança


Deus visita todo dia.

Quando a criança adormece


A mãe já fraca do parto
Nos quatro cantos do quarto
Deus em pessoa aparece.
O Santo Espírito desce
Distribuindo alegria
Aquela rede sombria
Tem uma mão que balança
A casa que tem criança
Deus visita todo dia.

***

PELEJA DE MANOEL RIACHÃO COM O DIABO – Leandro Gomes de Barros

Riachão estava cantando


Na cidade de Açu
Quando apareceu um negro
Da espécie de urubu,
Tinha a camisa de sola
E as calças de couro cru.

Beiços grossos e virados


Como a sola de um chinelo,
Um olho muito encarnado,
O outro muito amarelo,
Este chamou Riachão
Para cantar um duelo.

Riachão disse: – Eu não canto


Com negro desconhecido
Porque pode ser escravo
E andar por aqui fugido
Isso é dar cauda a nambu
E entrada a negro enxerido.

Negro

Eu sou livre como o vento


E minha linhagem é nobre
Sou um dos mais ilustrados
Que o sol neste mundo cobre.
Nasci dentro da grandeza
Não sai de raça pobre.
Riachão

Você nega porque quer


Está conhecido demais
Você anda aqui fugido
Me diga que tempo faz?
Se você não for cativo
Obras desmentem sinais.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO (III)


Publicado em 3 de junho de 2022

Orlando Tejo (1935- 2018), e o seu livro, que já vai na 11ª edição, e foi tema de vários
documentários, teses, artigos e estudos
***

Frei Henrique de Coimbra


Sacerdote sem preguiça
Rezou a Primeira Missa
Na beira duma cacimba
Um índio passou-lhe a bimba
Ele não quis aceitá
E agora veve a berrá
Detrás dum pau de jureme
O bom pescador não teme
As profundezas do mar.

***

No tempo do Padre Eterno


Getúlio já governava
Prantava feijão e fava
Quando tinha bom inverno
Naquele tempo moderno
São João viajou pra cá
Dom Pedro correu pra lá
Escanchado num tratô
Canta, canta, cantadô
Que teu destino é cantá.

***

Eu cantei lá no Recife
Dentro do pronto socorro
Ganhei 500 mil réis
Comprei 500 cachorros
Morri no ano passado
Mas neste ano, não morro.

***

Frei Henrique descansou


Nas encosta da Bahia
Depois fez a travessia
Pra chegá onde chegou
Pegou a índia, champrou
Ela não pôde falá
Assou carne de jabá
Misturou com querosene
O bom pescador não teme
As profundezas do mar.

***

Um General de Brigada
Com quarenta grau de febre
Matou um casal de lebre
Prá comê uma buchada…
Quando fez a panelada
Morreu e não logrou dela
Porco que come em gamela
Prova que não tem fastio
Peixe só presta de rio
Piau de tromba amarela.

***

Na corrida de mourão
Quem corre mais é quem ganha
São Thomé vendia banha
Na fogueira de São João
Foi na guerra do Japão
Que se deu essa ingrizia
Camonge quage morria
Da granguena berra-berra
Quem se morre é quem se enterra
Adeus, até outro dia.

***

Às tantas da madrugada
O vaqueiro do Prefeito
Corre alegre e satisfeito
Atrás da vaca deitada
Deitada e bem apojada
Com a rabada pelo chão
A desgraça de Sansão
Foi trair Pedro Primeiro
O aboio do vaqueiro
Nas quebradas do Sertão.

***

Jesus foi home de fama


Dentro de Cafarnaum
Feliz da mesa que tem
Costela de guaiamum
No sertão do cariri
Vi um casal de siri
Sem compromisso nenhum.

***

Jesus ia rezar missa


Na capela de Belém
Chegou Judas Carioca
Que viajava de trem
Trazia trinta macaco
Botou tudo num buraco
Não tinham nenhum vintém.

***
Jesus saiu de Belém
Viajando pra o Egito
No seu jumento bonito
Com uma carga de xerém
Mais tarde pegou um trem
Nossa Senhora castiça
De noite Ele rezou Missa
Na casa dum fogueteiro
Gritava um pai-de-chiqueiro:
Viva o Chefe de Puliça!

***

São Pedro, na sacristia


Batizou Agamenon
Jesus entrou em Belém
Proibindo o califom
Montado na sua idéia
Nas ruas da Galiléia
Tocou viola e pistom.

***

Um professor de francês
Honestamente dizia:
Tempo bom era o moderno
Judas só foi pro inferno
Promode a virgem Maria.

***

Minha muié chama Bela


Quando eu vou chegando em casa
O galo canta na brasa,
Cai o texto da panela
Eu fico olhando pra ela
Cheio de contentamento
O satanás num jumento
Pra mordê a Mãe de Deus
Não mordeu ela nem eus
Diz o novo testamento.

***

Eu vi numa gavetinha
Da casa de João Moisés
Mais de cem contos de réis
Só de ovo de galinha
Ela comeu uma tinha
Da carcaça de um jumento
Que bicho mais peçonhento
É lacrau e piôi de cobra
Não pode mais fazer obra,
Diz o novo testamento.
***

Eu me chamo Zé Limeira
Cantadô qui num é tolo
Sei tirá couro de bode
Sei impaiolá tijolo
Sô o cantado milhó
Qui a Paraiba criou-lo.

***

POETA MERLÂNIO MELO FALA SOBRE ZÉ LIMEIRA

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

MANOEL XUDU, UM GÊNIO DA POESIA POPULAR NORDESTINA


Publicado em 27 de maio de 2022
O grande poeta paraibano Manoel Lourenço da Silva, o Manoel Xudu (1932-1985)

***

Os astros louros do céu encantador


Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

***

Voei célere aos campos da certeza


E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

***

O homem que bem pensar


Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranquilo
A lua fica chorosa
Por não poder mais ouvi-lo.
***

Uma novilha amojada


Ao se apartar do rebanho,
Quando volta, é com uma cria
Que é quase do seu tamanho;
Ela é quem lambe o bezerro,
Por não saber lhe dar banho.

***

Carneiro do meu sertão,


Na hora em que a orelha esquenta,
Dá marrada em baraúna
Que a casca fica cinzenta
E sente um gosto de sangue
Chegar à ponta da venta.

***

Vê-se o sertanejo moço


Com três meses de casado;
Antes de ir pro roçado,
Da mulher, beija o pescoço.
Ela lhe traz, no almoço,
Uma bandeja de angu,
A titela de um nhambu,
Depois lhe abraça e suspira.
O sertanejo admira
As manhãs do Pajeú.

***

É, bonito, é saudoso, é natural


O cenário do campo sertanejo.
No sertão, todo dia, bem cedinho
Vê-se um galo descendo do poleiro,
Um cabrito berrando no chiqueiro,
No terreiro, fuçando, um bacorinho.
Um preá sai torcendo o seu focinho,
Como um cego tocando realejo;
Na cozinha, uma velha espreme o queijo,
Um bezerro pulando no curral.
O retrato do corpo natural
É a veste do homem sertanejo.

***

O meu verso é como a foice


De um brejeiro cortar cana.
Sendo de cima pra baixo,
Tanto corta, como abana,
Sendo de baixo pra cima,
Voa do cabo e se dana.
***

E o boi tristonho a puxar


O carro pela rodagem,
De tanta fome e de sede,
Chega a lhe faltar coragem,
Se vendo a listra de lágrimas
Correr na cara selvagem.

***

Botei espora nos pés,


Pulei em cima do bicho,
Entrei na mata fechada
Coberta de carrapicho,
Dando manobra na sela,
Chega rangia o rabicho.

***

São quatro peitos roliços


Que, unidos, fazem cama.
Todos quatro são furados
E o leite não se derrama,
Mas sai com facilidade
Depois que o bezerro mama.

***

O ligeiro mangangá
Passa, nos ares, zumbindo;
As abelhas do cortiço
Estão entrando e saindo,
Que, de perto, a gente pensa
Que o pau está se bulindo.

***

A raposa arrepiada
Se aproxima do poleiro,
Espera que as galinhas
Pulem no meio do terreiro;
A que primeiro descer,
É a que morre primeiro.

***

Feliz está o vaqueiro


Ordenhando a vacaria;
Já bebeu o leite quente,
Comeu da coalhada fria
E quando sai para o campo,
Canta, aboia e assovia.
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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO (II)


Publicado em 20 de maio de 2022

Capa da 5ª edição de Zé Limeira, O Poeta do Absurdo, da autoria de Orlando Tejo

***

No sereno sertão da Palestina


Eu cantava num Dia de Finado
Uma vaca pastava no cercado
Um macaco comia uma menina
Um sargento chegava numa usina
Um moleque zarôi vendia pente
Um cavalo chinês trincava o dente
Uma zebra corria atrás dum frade
Quer saber quanto custa uma saudade
Tenha amor, queira bem e viva ausente.
Minha muié chama Bela
Quando eu vou chegando em casa
O galo canta na brasa,
Cai o texto da panela
Eu fico olhando para ela
Cheio de contentamento
O satanaz num jumento
Pra mordê a Mãe de Deus
Não mordeu ela nem eus
Diz o novo testamento

Eu vi uma gavetinha
Da casa de João Moisés
Mais de cem contos de réis
Só de ovo de galinha
Ela comeu uma tinha
Da carcassa de um jumento
Que bicho má, peçonhento
Lacrau e piôi de cobra
Não pode mais fazer obra,
Diz o novo testamento

Jesus nasceu em Belém,


Conseguiu sair dalí
Passou por Tamataí
Por Guarabira também
Nessa viagem de trem
Foi pará no Entroncamento
Não encontrando aposento
Dormiu na casa do cabo
Jantou cuscus com quiabo
Diz o novo testamento.

Já namorei uma Rosa


Que era nega cangaceira,
Gostava de fazê feira,
Tinha uma boca mimosa
Mas, por modo dessa prosa,
Escrevi pra Santa Rita…
Ronca o pombo na guarita,
Passa um poico no chiqueiro,
Diz o bode do terreiro:
Viva a moça mais bonita

Ainda não tinha visto


Beleza que nem a sua,
De cipó se faz balaio
A beleza continua
Sete-Estrelo, três Maria
Mãe do mato pai da lua

A beleza continua
De cipó se faz balaio
Padre-Nosso, Ave-Maria,
Me pegue senão eu caio
Tá desgraçado o vivente
Que não reza o mês de maio

No samba que nego dança


Tem cheiro de muçambê
Quem nunca viu venha vê
Limeira fazendo trança
Foi lá perto de Esperança
Que eu ví a truba passá
Cai aqui cai acolá
Sargento, cabo e dotô
Canta , canta, cantador
Que teu destino é cantar.

Eu não sei fazer o doce


Mas sei quando ele tá bom,
Moça que bota batom
Pra mim ela já danou-se
Lampião se atrapalhou-se
Ficou pra lá e pra cá,
Foi quando no Ceará
A guerra se arrebentou
Canta, canta, cantador
Que teu destino é cantar.

No tempo do Padre Eterno


Getúlio já governava ,
Prantava feijão e fava
Quando tinha bom inverno…
Naquele tempo moderno
São João viajou pra cá
Dom Pedro correu pra lá
Escanchado num trator
Canta, canta, cantador
Que teu destino é cantar.

A minha póica maluca


Brigou com setenta burro
Deu cento e noventa murro
Na cara de Zé de Duca
Dei-lhe um bofete na nuca
Que derrubei seu chapéu
Vai chegando São Miguel
Montando numa cadela
Escrevi o nome dela
Com o leve do azul do céu.

Eu me chamo Zé Limeira
Cantador do meu sertão
O sino de Salomão
Tocando na laranjeira
Crepusco de fim-de-feira
Museu de São Rafael
O juiz prendeu o réu
Depois fechou a cancela
Escrevi o nome dela
Com o leve do azul do céu.

Quando Abel matou Caim


No Rio Grande do Sul
Deu-lhe um quilo de beiju
Com as beradas de capim
Nisso chegou São Joaquim
Que já vinha do quartel
Cumode prender Abel
Dois pedaços de costela
Escrevi o nome dela
Com o leve do azul do céu.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO (I)


Publicado em 13 de maio de 2022
Capa da 5ª edição de Zé Limeira, O Poeta do Absurdo, da autoria de Orlando Tejo

***

Quando Dom Pedro Segundo


Governava a Palestina
E Dona Leopoldina
Devia a Deus e o mundo
O poeta Zé Raimundo
Começou castrar jumento
Teve um dia um pensamento:
“Tudo aquilo era boato”
Oito noves fora quatro
Diz o Novo Testamento!

Um dia Nossa Senhora


Se encontrou com Rui Barbosa
Tiraram um dedo de prosa
Viraram e foram se embora
Judas se enforcou na hora
Com uma corda de cimento
Botaram os filhos pra dentro
Foi pra arca de Noé,
Viva a princesa Isabé,
Diz o Novo Testamento.

Pedro Álvares Cabral


Inventou o telefone
Começou tocar trombone
Na porta de Zé Leal
Mas como tocava mal
Arranjou dois instrumento
Daí chegou um sargento
Querendo enrabar os três
Quem tem razão é o freguês
Diz o Novo Testamento.

Um sujeito chegou no cais do porto


E pediu emprego de alfaiate
Misturou cinturão com abacate
E depois descobriu que estava morto
Ligou seu rádio no focinho de um porco
E afogou-se num chá de erva cidreira
Requereu um diploma de parteira
E tocou numa ópera de sinos…
Eram mãos de dezoito mil meninos
E não sei quantos pés de bananeira.

Eu já cantei no Recife
Na porta do Pronto Socorro
Ganhei duzentos mil réis
Comprei duzentos cachorro
Morri no ano passado
Mas este ano eu não morro…

Sou casado e bem casado


Com quem não digo com quem
A mulher ainda é viva
Mas morreu mora no além
Se voltar um dia à Terra
Vai morar no pé-da-serra
Não casa com mais ninguém.

Lá na serra do Teixeira
Zé Limeira é o meu nome,
Eurico Dutra é um grande
Mas vive passando fome
Ainda antonte eu peguei
Na perna dum lubisome.

Minha mãe era católica


E meu pai era católico
Ele romano apostólico
Ela romana apostólica
Tivero um dia uma cólica
Que chamam dor de barriga
Vomitaro uma lumbriga
Do tamanho dum farol
Tomaro Capivarol
Diz a tradição antiga.

Minha avó, mãe de meu pai


Veia feme sertaneja
Cantou no coro da Igreja
O Major Dutra não cai
Na beira do Paraguai
Vovó pegou uma briga
Trouve mamãe na barriga
Eu vim dentro da laringe
Quage me dava uma impinge
Diz a tradição antiga.

Zé Limeira quando canta


Estremece o Cariri
As estrêla trinca os dente
Leão chupa abacaxi
Com trinta dias depois
Estoura a guerra civí

Aonde Limeira canta


O povo não aborrece
Marrã de onça donzela
Suspira que bucho cresce
Velha de setenta ano
Cochila que a baba desce!

Quem vem lá é Zé Limeira


Cantor de força vulcânica
Prodologicadamente
Cantor sem nenhuma pânica
Só não pode apreciá-lo
Pessoa senvergônhanica.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM MOTE BEM GLOSADO E UM FOLHETO DE ABC


Publicado em 6 de maio de 2022
Adalberto Pereira glosando o mote:

Acordei para ver a madrugada


Abraçar com carinho o novo dia.

Fui dormir com meu coração contente


Por um dia cheio de felicidade;
Sem rancor, sem angústia e sem maldade,
Consegui ter um sono diferente,
Esquecendo as tristezas que na gente
Faz morada pra tirar nossa alegria.
Tive um sonho parecendo fantasia.
Pra fugir dessa noite agitada,
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

No jardim, vi os belos beija-flores


Misturados com ousados bem-te-vis;
Bons exemplos de uma vida mais feliz.
Passarinhos misturando suas cores;
Para eles não existem dissabores.
Seus cantares nos transmitem alegria
Em perfeitas e sonoras melodias.
Num sussurro sutil da minha amada,
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

A cidade trabalhava normalmente,


Pra buscar o progresso desejado.
Na floresta, o barulho do machado,
Maltratava nossa mata inocente.
Quem espera um futuro mais decente,
Com certeza não terá tanta alegria.
Maltratar inocente é covardia
Dessa gente de moral atrofiada.
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

As estrelas enfeitavam o infinito


E a lua se escondia no horizonte;
A manhã com seu jeito elegante
Alegrava cada coração aflito.
Tudo isso vem de Deus e é bonito
Mais parece uma orquestra em harmonia,
Deleitando com sonora melodia
Os ouvidos da plateia apaixonada.
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

Anoitece e um sonoro violão


Acompanha o cantar do seresteiro,
A donzela abandona o travesseiro
Pra fugir da terrível solidão.
Da janela sob a luz do lampião
Ela sente o sabor da melodia;
E naquele sentimento de alegria
Não esconde que está apaixonada.
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

Contemplando a beleza do oceano


Vi as ondas com seu barulho feroz.
Eu achei que aquela era a voz
Vinda de um animal serrano.
Descobri como Deus é soberano
E perfeita a sua sabedoria.
A beleza do infinito eu sentia,
Quando a face pelo vento era tocada.
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

Sorridente deixei meu leito quente


Pra sentir o sabor da natureza.
No jardim descobri toda beleza
Pra mudar o vazio que há na gente.
É aí que o nosso corpo sente
O valor de estar em alegria.
Mas é bom ter em nossa companhia
A presença de uma pessoa amada.
Acordei para ver a madrugada
Receber com carinho o novo dia.

***

ABC DO CASAMENTO – Antonio Sena Alencar


A – Amor é um sentimento
Que nasce no coração
E quando um casal o tem
Com firmeza e devoção
Não existe falsidade
Que fira a fidelidade
De sua doce união.

B – Bela e bacana é a vida


De um casal que se ama,
Porque em qualquer evento
Nenhum do outro reclama;
E de maneira geral
Na vivência conjugal
Não há lugar para trama.

C – Casamento eclesiástico
Ou civil é cerimônia
Que deve ser respeitada
Por qualquer pessoa idônea,
Mas no foro conjugal
O que mais pesa afinal
É um casal de vergonha.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UMA DUPLA TALENTOSA DE CANTADORES


Publicado em 29 de abril de 2022
Sebastião da Silva e Moacir Laurentino glosando o mote:

Sem a minha viola eu não sou nada,


mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

Essa minha viola é companheira,


que dá tudo o que quero em minha vida,
é a deusa total e tão sentida,
que me serve de amiga a vida inteira,
essa minha viola é padroeira,
é a deusa que dorme no meu leito,
é a força que causa grande efeito,
é a deusa divina idolatrada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Eu sem esse pedaço de madeira,


já não tinha alegria em minha vida,
minha face seria entristecida,
porque falta a legítima companheira,
ela toca comigo a noite inteira,
eu com ela decanto satisfeito,
da maneira dum caboco do eito,
arrastando no cabo da enxada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

Com a minha viola em minha mão,


penso, toco, divirto, bebo e canto,
vou com ela feliz pra todo canto,
pra exercer muito bem a profissão,
é com ela que eu tenho inspiração,
o meu verso no ato sai direito,
no repente que faço eu aproveito
caminhando feliz na minha estrada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Essa minha viola é ganha pão,


misturada com minha cantoria,
sacrifício, talento e melodia,
e um pouquinho da minha inspiração,
a palheta pegada em minha mão,
e o baião tão saudoso sai perfeito,
que eu com ela pelejo e me ajeito,
e num instante fazer bela toada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

É a viola que espanta as minhas dores,


é quem mata as mágoas que eu sinto,
com a minha viola em meu recinto
canto modas em músicas e tenores,
gosto muito de ouvir dois cantadores,
para o povo ficar mais satisfeito,
um poeta canhoto, outro direito,
e a cantiga bastante fermentada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Sem a minha viola eu vou sofrer,


mas com ela inda gozo em meu destino,
que ela segue o poeta Laurentino,
e acompanha o que eu posso dizer,
que me dá de comer e de beber,
e com ela eu não tenho preconceito,
ao contrário aumentou o meu conceito,
ela é minha eterna namorada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

***

Sebastião da Silva e Moacir Laurentino glosando o mote:

Se não fosse você eu não teria


aprendido as lições de amor da vida.

Sebastião da Silva:
Se não fosse você na existência,
não seria o que sou nesse momento,
não teria o menor conhecimento
do trabalho, da vida e da sequência,
não teria também a doce essência
de uma vida tão boa e divertida,
se não fosse você minha querida
a alegria da vida eu não sentia.
Se não fosse você eu não teria
aprendido as lições de amor da vida.

Moacir Laurentino:

Se não fosse você na minha estrada,


eu teria cansado pelo meio,
e devido ao fracasso e aperreio,
eu achei minha vida fracassada,
você veio de mão tão levantada,
com a imagem divina e esculpida,
hoje tenho a lição bem aprendida,
que me serve de riso e alegria.
Se não fosse você eu não teria
aprendido as lições de amor da vida.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MESTRES DO REPENTE


Publicado em 22 de abril de 2022
O grande poeta paraibano Manoel Xudu (1932-1985)

Manoel Xudu

A arte do passarinho
Nos causa admiração:
Prepara o ninho no feno,
No meio, bota algodão
Para os filhotes implumes
Não levarem um arranhão.

***

Otacílio Batista

O poeta e o passarinho
são ricos de inteligência
simples como a natureza
eternos como a ciência
estrelas da liberdade
peregrinos da inocência.

Herdeiros da providência,
um no chão, outro voando,
um pena com tanta pena
outro sem pena penando,
um canta cheio de pena,
outro sem pena cantando.

***

João Paraibano

Faço da minha esperança


Arma pra sobreviver,
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.

Há três coisas nesta vida


Que Deus me deu e eu aceito:
A terra para os meus pés,
A viola junto ao peito
E um castelo de sonhos
Pra ruir depois de feito.

***

Braulio Tavares

Superei com o valor da minha prosa


o meu mestre imortal Graciliano,
os romances de Hermilo e de Ariano
e as novelas de João Guimarães Rosa;
sou maior que Camões em verso e glosa,
com Pessoa também fui comparado,
tenho a verve do estilo de Machado
e a melódica lira de Bandeira:
sou o Gênio da Raça Brasileira
quando canto martelo agalopado!

***

Zé Vicente da Paraíba

O reflexo de estrelas luminosas


São lanternas de Deus no firmamento
Fica muito suave a voz do vento
Evitando qualquer destruição
Os rebanhos deitados pelo chão
E cada pássaro no galho se aquieta
Enriquece o juízo do poeta
O cair de uma noite no sertão.

***

Manuel Lira Flores

Quando as tripas da terra mal se agitam


e os metais derretidos se confundem,
os escuros diamantes que se fundem
das crateras ao ar se precipitam.
As vulcânicas ondas que vomitam
grossas bagas de ferro incendiado
ao redor deixam tudo sepultado
só com o som da viola que me ajuda:
treme o sol, treme a terra, o vento muda
quando eu canto o martelo agalopado!
***

Joaquim Vitorino

Tenho enorme inteligência


Poeta não me dá vaia
Sou vento rumorejando
Nos coqueiros de uma praia
Sou mesmo, que Rui Barbosa
Na conferência de Haia.

***

Diniz Vitorino cantando com Manoel Xudu

Manoel Xudu

Voei célere aos campos da certeza


E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

Diniz Vitorino

Vemos a lua, princesa sideral


Nos deixar encantados e perplexos
Inundando os céus brancos de reflexos
Como um disco dourado de cristal
Face cálida, altiva, lirial
Inspirando canções tenras de amor
Jovem virgem de corpo sedutor
Bem vestida num “robe” embranquecido
De mãos postas num templo colorido
Escutando os sermões do Criador.

Manoel Xudu

Os astros louros do céu encantador


Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

Diniz Vitorino
Olho os mares, os vejo revoltados
Quando o vento fugaz transtorna as brumas
E as ondas raivosas lançam espumas
Construindo castelos encantados
As sereias se ausentam dos pecados
Que nodoam as almas dos humanos
E tiram notas das cordas dos pianos
Que o bom Deus ocultou nos verdes mares
E gorjeiam gravando seus cantares
Na paisagem abismal dos oceanos.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO EM CORDEL


Publicado em 15 de abril de 2022

OS SOFRIMENTOS DE JESUS CRISTO – José Pacheco

Oh Jesus meu Redentor


dos altos Céus infinitos
abençoai meus escritos
por vosso divino amor
leciona um trovador
com divina inspiração
para que vossa paixão
seja descrita em clamores
desde o princípio das dores
até a ressurreição.

Dentro do Livro Sagrado


São Marco com perfeição
nos faz a revelação
de Jesus crucificado
foi preso e foi arrastado
cuspido pelos judeus
por um apóstolo dos seus
covardemente vendido
viu-se amarrado e ferido
nas cordas dos fariseus.

Dantes predisse o Senhor


meus discípulos me rodeiam
e todos comigo ceiam
mas um me é traidor
só a mão do pecador
meu corpo ao suplicio vai
porém vos digo que vai
do homem que por dinheiro
transforma-se traiçoeiro
contra o Filho de Deus Pai.

Todos na mesa consigo


clamavam em alta voz
Senhor, Senhor qual de nós
vos trai dos que estão contigo
disse Cristo: é quem comigo
juntamente molha o pão
e todos me deixarão
mas São Pedro respondeu
mestre garanto que eu
não vos deixarei de mão.

Em verdade deixarás
nesta noite sem tardar
antes do galo cantar
três vezes me negarás
Pedro com gestos leais
disse em voz compadecida
eis-me a morte preferida
mas não serei teu contrário
ainda que necessário
me seja perder a vida.
Estava tudo benquisto
com Pedro dizendo igual
até na hora fatal
da prisão de Jesus Cristo
então quando se deu isto
Pedro a espada puxou
num fariseu despejou
um golpe tão destemido
que destampou-lhe o ouvido
quando a orelha voou.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO DE LEANDRO


GOMES DE BARROS
Publicado em 8 de abril de 2022

Valdir Teles

No momento em que Pinto faleceu


As violas pararam de tocar
Deus mandou o Nordeste se enlutar
Respeitando o valor do nome seu
Pernambuco ao saber entristeceu
Paraíba até hoje está doente
Só tem galo cantando atualmente
Porque Pinto mudou-se do poleiro
Com a morte de Pinto do Monteiro
Abalou-se o império do repente.
Severino Lourenço da Silva Pinto, o Pinto do Monteiro (1895-1990)

***

Domingos Martins da Fonseca

Falar de nobreza e cor


É um grande orgulho seu
Morra eu e morra um nobre,
Enterre-se o nobre e eu,
Que amanhã ninguém separa
O pó do nobre do meu.

***

Manoel Macedo

Fui cantador violeiro


Nas terras do meu sertão
Mas deixei a profissão
Em Goiás fui açougueiro
Eu trabalho o dia inteiro
Com minha faca amolada
Mas da profissão passada
Uma coisa me consola
Ainda tenho a viola
Como relíquia sagrada.

***

Dudu Morais

A lei do retorno é dona


De uma justiça tamanha
Porque quem bate se esquece
Da cara do que apanha
Mas quem apanhou se lembra
Da cicatriz que arranha.

***

Oliveira de Panelas

No saco de cego tem:


Arroz, feijão e farinha
fubá de milho e sardinha,
tem pão, café, tem xerém
algum dinheiro também,
sal, bolacha, amendoim,
tem pé de porco e pudim,
tem tripa e carne de bode.
Só outro cego é quem pode
ter tanta salada assim.

***

Otacílio Batista Patriota

Certa vez fui convidado


Para dançar numa festa
Perto de Nova Floresta
Na Vila do Pau Inchado
Eita forró animado:
Chega a poeira cobria
Mas a mulher que eu queria
Do Pau não se aproximava
Quando eu ia ela voltava
Quando eu voltava ela ia.

A garota Manuela
Quis viver só de um negócio
Entrava sócio e mais sócio
Dentro do negócio dela
Eu fui lá falar com ela
Mostrando o que possuía:
Ela somava e media
Meu negócio não entrava
Quando eu ia ela voltava
Quando eu voltava ela ia.

***

O IMPOSTO DE HONRA – Leandro Gomes de Barros


O velho mundo vai mal
E o governo danado
Cobrando imposto de honra
Sem haver ninguém honrado
E como se paga imposto
Do que não tem no mercado?

Procurar honra hoje em dia


É escolher sal na areia
Granito de pólvora em brasa
Inocência na cadeia
Agua doce na maré
Escuro na lua cheia.

Agora se querem ver


O cofre público estufado
E ver no Rio de Janeiro
O dinheiro armazenado
Mande que o governo cobre
Imposto de desonrado.

Porém imposto de honra


É falar sem ver alguém
Dar remédio a quem morreu
Tirar de onde não tem
Eu sou capaz de jurar
Que esse não rende um vintém.

Com os incêndios da alfândega


Como sempre tem se dado
Dinheiro que sai do cofre
Sem alguém ter o tirado
Mas o empregado é rico
Faz isso e diz: — Sou honrado.
Dizia Venceslau Brás
Com cara bastante feia
Diabo leve a pessoa
Que compra na venda alheia
O resultado daí
É o freguês na cadeia.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO DE PELEJA


Publicado em 1 de abril de 2022

UM GALOPE PARA O UMBUZEIRO – Júnior Guedes

Frondoso e bonito, o velho umbuzeiro


Que brotou das fendas abertas da terra.
Cresceu num aceiro do pé de uma serra
Passando agruras o tempo inteiro.
Foi ficando forte a cada janeiro,
Mudando a paisagem que tem no lugar.
Felizes daqueles que vem contemplar,
Seu verde, a sombra e sua doçura
O doce da fruta na forma mais pura
Que o puro da brisa que sobra do mar.

***

Diniz Vitorino

Qualquer dia do ano se eu puder


para o céu eu farei uma jornada
como a lua já está desvirginada
até posso tomá-la por mulher;
e se acaso São Jorge não quiser
eu tomo-lhe o cavalo que ele tem
e se a lua quiser me amar também
dou-lhe um beijo nas tranças do cabelo
deixo o santo com dor de cotovelo
sem cavalo, sem lua e sem ninguém.

***

Expedito de Mocinha

Eu nasci e me criei
Aqui nesse pé de serra
Sou filho nato da terra
Daqui nunca me ausentei
Estudei não me formei
Porque meu pai não podia
Jesus filho de Maria
De mim se compadeceu
E como presente me deu
Um crânio com poesia.

***

Firmo Batista

Um dia eu estava olhando


a serra Jabitacá
conheci que nela está
a natureza sonhando
o vento passa embalando
o corpo robusto dela
a nuvem cobrindo ela
pingos de orvalho descendo
e o Paraíba dizendo
a minha mãe é aquela.

***

Marcos Passos
Aos primeiros sinais da invernada,
Logo após longo tempo de estiagem,
Lá da serra, do vale e da barragem
Escutamos os sons da trovoada.
Vislumbrando a campina esverdeada,
Sertanejo se anima igual criança.
Logo mais, quando o mato se balança
E um corisco atravessa o céu nublado,
Cai a chuva no colo do roçado,
Germinando o pendão da esperança.

***

Jó Patriota

Na madrugada esquisita
O pescador se aproveita
Vendo a praia como se enfeita
Vendo o mar como se agita
Hora calmo, hora se irrita
Como panteras ou pumas
Depois se desfaz em brumas
Por sobre as duras quebranças
Frágeis, fragílimas danças
De leves flocos de espumas.

***

PELEJA DE SEVERINO PINTO COM SEVERINO MILANÊS

Um folheto da autoria de Severino Milanês da Silva

Milanês estava cantando


em Vitória de Santo Antão
chegou Severino Pinto
nessa mesma ocasião
em casa de um marchante
travaram uma discussão.

Milanês

– Pinto, você veio aqui


se acabar no desespero
eu quero cortar-lhe a crista
desmantelar seu poleiro
aonde tem galo velho
pinto não canta em terreiro

Pinto

– Mas comigo é diferente


eu sou um pinto graúdo
arranco esporão de galo
ele corre e fica mudo
deixa as galinhas sem dono
eu tomo conta de tudo

Milanês

– Para um pinto é bastante


um banho de água quente
um gavião na cabeça
uma raposa na frente
um maracajá atrás
não há pinto que aguente

Pinto

– Da raposa eu tiro o couro


de mim não se aproxima
o maracajá se esconde
o gavião desanima
do dono faço poleiro
durmo, canto e choco em cima.

Milanês

– Pinto, cantador de fora


aqui não terá partido
tem que ser obediente
cortês e bem resumido
ou rende-me obediência
ou então é destruído

Pinto

– Meu passeio nesta terra


foi acabar sua fama
derribar a sua casa
quebrar-lhe as varas da cama
deixar os cacos na rua
você dormindo na lama

Milanês

– Quando vier se confessar


deixe em casa uma quantia
encomende o ataúde
e avise a freguesia
que é para ouvir a sua
missa do sétimo dia

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

DOIS MOTES BEM GLOSADOS


Publicado em 25 de março de 2022

João de Lima de Alagoas glosando o mote:

Só um pingo da minha poesia


Enverdece a paisagem nordestina.

Minha nuvem de verso é tão pesada


Se eu for nos Estados mais enxutos,
Basta eu derramar vinte minutos
Toda terra de lá fica brejada
Todo mundo se atola na estrada
O mundo se enche de neblina
O arco-íris por cima da campina
Faz o sol esconder-se ao meio dia,
Só um pingo da minha poesia
Enverdece a paisagem nordestina.

Meu martelo de aço é tão potente


Onde bate não fica nem o cisco
Tem a velocidade dum corisco
Não existe pedreira que aguente
Resplandece no chão, passa corrente
Tem o brilho do sol que ilumina
Mas, depois se transforma em vitamina
Fertiliza a terra quando esfria,
Só um pingo da minha poesia
Enverdece a paisagem nordestina.

Com as ordens do Pai Celestial


Minha nuvem de versos é imensa
Se jorrar meia hora o povo pensa
Que é outro dilúvio universal
Derramando uma chuva de cristal
Enche toda barragem: chega mina
Toda água barrenta se refina
Fica doce igualmente melancia,
Só um pingo da minha poesia
Enverdece a paisagem nordestina.

Me inspiro somente em coisas boas


Nas estrelas, na lua, na floresta,
Onde as aves cantando fazem festa
Onde a voz do meu Deus do céu ecoa
No riacho, na fonte, na lagoa,
No açude, no rio, na piscina,
No lodo, no óleo, na rizina,
Na flor perfumada e bem macia,
Só um pingo da minha poesia
Enverdece a paisagem nordestina.

Me inspiro nos lindos colibris


E nas penas dos lindos sanhaçus
No batom dos bicos dos nambus
e na pronúncia dos lindos bem-te-vis
No brilho, na tinta e no verniz
Que Deus derramou da mão divina
Dando cor e beleza cristalina
Ensinando cantar com melodia,
Só um pingo da minha poesia
Enverdece a paisagem nordestina.

Me inspiro nas florestas bem cheirosas


Admiro de mais sua beleza
Vejo a mão divinal da natureza
Colocando perfume em suas rosas
Me inspiro nas pedras preciosas
Esmeralda, rubi e turmalina
Diamante, safira e oliveira
Na ciência da mineralogia,
Só um pingo da minha poesia
Enverdece a paisagem nordestina.

***
Marcílio Pá Seca Siqueira glosando o mote:

O nó da saudade aperta
Na amortecência do dia.

De tardezinha a saudade
De forma forte e pujante
Se torna viva e vibrante
No peito da humanidade
Bate com intensidade
Na porta da moradia
Acordando a nostalgia
Pelo vão da porta aberta
O nó da saudade aperta
Na amortecência do dia.

Depois de trancar o gado


Na calçada eu me sentava
Na sala um radio tocava
Bem baixinho e com chiado
No radio mesmo enfadado
Ouvindo a Ave Maria
O meu coração sentia
A porta da noite aberta
O nó da saudade aperta
Na amortecência do dia.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

A GENIALIDADE DE IVANILDO VILANOVA


Publicado em 18 de março de 2022
O Poeta pernambucano de Caruaru Ivanildo Vilanova, um dos maiores nomes da
cantoria nordestina na atualidade

É o céu uma abóbada aureolada,


Rodeada de gases venenosos,
Radiantes planetas luminosos
Gravidade na cósmica camada!
Galáxia também hidrogenada,
Como é lindo o espaço azul-turquesa
E o sol, fulgurante tocha acesa,
Flamejando sem pausa e sem escala!
Quem de nós pensaria em apagá-la?
Só o Santo Autor da Natureza!

De tais obras, o homem e a mulher


São antigos e ricos patrimônios.
Geram corpos em forma de hormônios,
E criam seres sem dúvida sequer.
O homem, após esse mister,
Perpetua a espécie, com certeza.
A mulher carinhosa e indefesa
Dá à luz uma vida, novo brilho,
Nove meses, no ventre, aloja o filho,
Pelo Santo Poder da Natureza!

O peixe é bastante diferente:


Ninguém pode entender como é seu gênio!
Ele reserva porções de oxigênio
E mutações para o meio ambiente!
Tem mais cartilagem resistente
Habitando na orla ou profundeza,
Devora outros peixes pra despesa
Tem a época do acasalamento
Revestido de escamas, esse elemento,
Com a força da Santa Natureza!

O poraquê ou o peixe elétrico, é um tipo genuíno,


Habitante dos rios e águas pretas,
E com ele possui certas plaquetas
Que o dotam de um mecanismo fino!
E com tal cartilagem, esse ladino
Faz contato com muita ligeireza,
E quem tocá-lo padece de surpresa
Descarga mortífera, absoluta,
Sua alta voltagem eletrocuta,
Com os fios… da Santa Natureza!

A tartaruga é gostosa, feia e mansa,


Habitante dos rios e oceanos!
Chegar aos quatrocentos anos
Pra ela é rotina… é confiança!
Guarda ovos na areia e nem se cansa
De por eles zelar como defesa.
Nascido os filhotes, com presteza,
Nas águas revoltas já se jogam,
Por instinto da raça não se afogam
E também pelo Poder da Natureza!

O canário é pássaro cantor,


Diferente de garça e pelicano.
Papagaio, arara e tucano,
Todos eles com majestosa cor!
O gavião é um tipo caçador
E columbiforme é a burguesa,
O aquático flamingo é, da represa,
A ave, a rapace agigantada,
Eis o mundo das aves, a passarada
Quanto é grande, poderosa e bela, a Natureza!

A gazela, o antílope e o impala


A zebra e o alce, felizardo,
Não habitam em comum com o leopardo,
O leão e o tigre-de-bengala!
O macaco faz tudo mas não fala,
Por atraso da espécie,ou por franqueza,
Tem o búfalo aspecto de grandeza,
O boi manso e o puma tão valente,
Cada um de uma espécie diferente
Isso é coisa também da Natureza!

E acho também interessante


O réptil de aspecto esquisito
O pequeno tamanho de um mosquito,
A tromba preênsil do elefante
A saliva incolor do ruminante
A mosca nociva e indefesa
A cobra que ataca de surpresa
Aplicar o veneno é seu mister:
De uma vez mata trinta, se puder
Mas é coisa também da Santa Natureza!

No Nordeste há quem diga que o carão


Possui certos poderes encantados
E, que, através de fenômenos variados,
Prevê a mudança de estação.
De fato, no auge do verão,
Ele entoa seu cântico de tristeza
E, de repente, um milagre, uma surpresa:
Cai a chuva benéfica e divina!
Quem lhe diz, quem lhe mostra, e quem lhe ensina?
É somente o Autor da Natureza!

Quem é que não sabe que o morcego


Com o rato bastante se parece?
Nas cavernas escuras sobe e desce
Sugar sangue dos outros é seu emprego!
Às noites escuras tem apego,
Asqueroso ele é, tenho certeza.
Tem na vista sintoma de fraqueza
Porém, o seu ouvido é muito fino:
Também tem um sonar, aparelho pequenino,
Que lhe deu o Autor da Natureza!

Admiro a formiga pequenina,


Fica tal inimiga da lavoura.
No trabalho, aplicada professora,
Um exemplo de pura disciplina!
Através das antenas se combina
Nos celeiros alheios faz limpeza.
Formigueiro é a sua fortaleza
Onde cada uma delas tem emprego,
Uma entra, outra sai, não tem sossego
Quanto é grande e bonita a Natureza!

E a aranha pequena, tão arguta,


De finíssimos fios faz a teia
Nesse mundo almoça, janta e ceia
É ali que passeia, vive e luta!
Labirinto intrincado ela executa
Seu trabalho é bordado em qualquer mesa.
Quem pensar destruir-lhe a fortaleza
Perderá de uma vez toda a esperança,
Sua rede é autêntica segurança
Operária das Mãos da Natureza!

A planta firmada no junquilho:


Begônia, tulipa, margarida,
As pedras riquíssimas da jazida
Com a cor, o valor, a luz, o brilho.
A prata e o ouro cor de milho,
O brilhante, a opala e a turquesa
A pérola das joias da princesa
É difícil, valiosíssima e até
Alguém pensa ser vidro, mas não é:
É um milagre da Santa Natureza!

O inseto do sono tsé-tsé


As flores gentis, com seus narcóticos,
As ervas que dão antibióticos,
A mudança constante da maré!
A feiura real do caburé,
No pavão é enorme a boniteza,
Tem o lince visão e a agudeza
E o cachorro, finíssima audição!
Vigilante mal pago do patrão,
Isso é coisa da Natureza!

A cigarra cantante dialoga


Através do seu canto intermitente.
De inverno a verão canta contente
E a sua canção não sai de voga!
Qualquer árvore é a sua sinagoga
Não procura comida pra despesa
Sua música é sinônimo de tristeza
“Patativa da Seca” é o seu nome
Se deixar de cantar morre de fome
Mas a gente sabe que é da Natureza!

***

Ivanildo Vilanova pelejando com Severino Feitosa sobre o tema:

Canta quem souber cantar

Ivanildo Vilanova

Antes que apareça mote,


Poema, rojão e glosa,
Eu quero ver se Feitosa
Aguenta também meu trote,
Saber se seu holofote
Tem claridade estrelar
E dá água no seu mar
E cabe meu barco potente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Não gosto de exageros,


Não tenho sangue de persa,
Muito menos de conversa
De qualquer um bagunceiro,
Não quero que o companheiro
Venha me desafiar,
Eu aqui neste lugar
Só tenho amigo e parente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

Ivanildo Vilanova

Sua voz é de tenor


E sua presença é de artista,
Você como repentista
Pode até ter um valor,
E com outro cantador
Você pode até triunfar,
Mas é bom se incomodar
Quando me vê pela frente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Se você possui cuidado


No papel de cantador,
E se acaso o colega for
Hoje decepcionado,
Regresse pra seu estado,
Pode até se preparar,
E quando um pouco decorar,
Venha que estou novamente,
Comigo o rojão é quente
Canta quem souber cantar.

Ivanildo Vilanova

Eu devia cobrar taxa


E além de taxa o juro,
Pra cantador sem futuro
Que comigo se esborracha
Pois hoje aqui você acha
Um santo pra seu altar,
Água pra seu alguidar
E vinho pra sua corrente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Você teve algum cartaz


Naquele tempo passado,
Mas foi desclassificado
Em diversos festivais,
Hoje em dia está pra trás
Que nem sabe mais falar,
Antes era titular
E hoje é reserva somente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

Ivanildo Vilanova

Mas eu achei que seu dito


Foi muito mal empregado,
Só fui desclassificado
Em São José do Egito,
Mas não me deixou aflito
Nem me tomaram o lugar,
Não digo que foi azar
Pois foi marcação somente,
Comigo o rojão é quente
Canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Eu que tenho poesia


Pra cantar a vida inteira,
Porque a minha bandeira
Desfraldada é mais sadia,
E tenho em minha companhia
Jesus pra me ajudar
E você para escapar
Não vai dizer que é gente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

QUATRO MESTRES DO IMPROVISO E UM CORDEL DE ABC


Publicado em 11 de março de 2022
Diniz Vitorino Ferreira, Monteiro-PB (1940-2010)

Diniz Vitorino:

Na terra paraibana
foi onde eu pus os meus pés.
Caminhei pintando os lírios
dos majestosos painéis,
que formam telas sedosas
nos aromáticos vergéis.

Vi os dias infantis,
cheguei na adolescência,
cantei olhando pra o céu,
bebendo divina essência
dos frutos que Deus espreme
na taça do inocência.

No tempo da mocidade
fui ídolo dos cantadores;
dos cantadores que foram
meus fãs, admiradores,
e hoje me negam bom-dia
pra magoar minhas dores!

Eu sei que não estou seguro


nesta profissão que estou:
sou ferido sem ferir,
chorando pra festa vou,
sofro, mas só deixo o palco
depois que termina o show.

***
Dimas Batista Patriota:

Velha viola de pinho, companheira


De minh’alma, constante e enternecida,
Foste tu a intérprete primeira
Da primeira ilusão da minha vida.
Eu, contigo, cantando a noite inteira,
Tu, comigo, tocando divertida.
Sorrias, se eu louvava a brincadeira,
Choravas se eu cantava a despedida.
Nas festas de São João, nas farinhadas,
Casamentos, novenas, vaquejadas,
Divertimos das serras aos baixios.
Perlustrando contigo pelo Norte,
Foste firme, fiel, feroz e forte,
No rojão dos ferrenhos desafios.

***

Biu de Crisanto

Da visão desta janela


Eu vi os sonhos perdidos
A vida passou por mim
Causando dor e gemidos
E a esperança morreu
No vale dos esquecidos.

O mundo esqueceu de mim


Neste cubículo imundo
Onde mergulhei nos livros
Hora minuto e segundo
E fiz diversas viagens
Pela vastidão do mundo

***

Antônio Pereira de Morais

Quem ama sofre calado,


Ausente de seu amor!
Tornando-se um sofredor…
Porque não vê ao seu lado,
Seu coração é magoado!
Pra viver não tem ação…
Seu mundo vira ilusão…
A tristeza a mente invade…
No silêncio da saudade!
Só quem fala é o coração.

Se a saudade matasse
No túmulo eu já vivia
Há muito eu já residia
Mas continuo no impasse
Se o meu amor voltasse
Essa saudade morria
A mim não perturbaria
A vida era um mar de rosa
Cantando e falando prosa
Na vida eu tinha alegria…

Quem ama sofre calado


Seu peito é tristeza e dor
Tornando-se um sofredor…
Porque não tem ao seu lado,
Seu amor mais desejado
Pra viver não tem ação…
Seu mundo vira ilusão…
A tristeza a mente invade…
No silêncio da saudade!
Só quem fala é o coração.

***

A CRISE E A CORRUÇÃO – João Inácio de Lima


(Escrito em 1933)

Ao Leitor chamo atenção


Caso não ficar massado
Vou fazer um ABC
Me referindo ao passado
Quando o mundo era um jardim
Não havia gente ruim
Não se via um flagelado

Basta a gente se lembrar


Como era tudo contente
Volta a mente ao presente
Da vontade de chorar
Vendo tudo se acabar
À falta de remissão
Até mesmo o próprio pão
É difícil se arranjar
Por esta causa está
Sacrificada a nação

Confesso meu pensamento


Não sei se estarei errado
Vivo tão contrariado
De ver tanto sofrimento
Se Deus lá no Firmamento
Não socorrer a nação
Vai morrer sem remissão
Sem ninguém poder dar jeito
Porque tudo tá sujeito
A trabalhar só pelo pão

Deus como Pai Criador


Tenha dó dos desgraçados
Olhai tantos flagelados
Pelo mundo a sofrer dor
Lutando sem ter valor
Lamentando a triste sorte
Pelo Sul e pelo Norte
Levando o tempo em pedir
Se Deus não os acudir
Vão terminar com a morte

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

DOIS MOTES BEM GLOSADOS


Publicado em 4 de março de 2022

Enoque Ferreira Leite glosando o mote:

Cancela velha se abrindo


Faz meia lua no chão.
A cancela se desgasta
Arreia a parte da frente
Abrindo diariamente
Toda cancela se gasta
Devido a terra que arrasta
Não encosta no mourão
Se não botarem um cambão
Termina o gado saindo
Cancela velha se abrindo
Faz meia lua no chão.

Cancela é só uma grade


Na posição vertical
Gira na horizontal
De um círculo faz a metade
E a força da gravidade
Não diminui a pressão
Até que as cunhas da mão
Vão afrouxando e caindo
Cancela velha se abrindo
Faz meia lua no chão.

Fica ruim de abrir


Muito pior de fechar
Que é preciso levantar
Vendo a hora ela cair
Uma trave escapulir
Arriscado um machucão
Somente por precisão
Ela ainda está servindo
Cancela velha se abrindo
Faz meia lua no chão.

Pra quem precisa passar


Pra entrar ou pra sair
Tem que puxar para abrir
Tem que empurrar pra fechar
Cada volta que ela dá
Vai de terra uma porção
Uns lhe fecham e outros não
Ainda o dono pedindo
Cancela velha se abrindo
Faz meia lua no chão.

Quando começa a afrouxar


Cada trave em cada mecha
Se fecha, fica uma brecha
Que dá pra o bicho passar
Para abrir é devagar
Diminui a rotação
Só fecha no empurrão
Pesada mole e rangindo
Cancela velha se abrindo
Faz meia lua no chão.
***

Antônio Carneiro glosando o mote:

Encontrei um pedaço de saudade


No terreno da casa que morei.

Regressei ao lugar que fui criado


Como quem vai cumprir um juramento
Avistei os arreios do jumento
Pendurados na cerca do cercado.
No curral que papai trancava o gado
O chocalho da vaca eu procurei
Bem ao lado da casa encontrei
Os resquícios da minha mocidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Avistei o meu cabo de enxada


Encabando uma velha Tramontina
A ferrugem comendo a lamparina
E uma cela de couro empoeirada.
Mas chorei quando vi uma latada
E o cavalo de pau que eu montei
No cavalo da História disparei
Retornei aos quarenta de idade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Encontrei bem no “pé” do casarão


O meu carro de flandre na poeira
Adentrando avistei uma roqueira
Dos folguedos de noite de São João.
Vi meu rádio de pilha campeão
Meu cachorro de caça não achei
Mas a cama velhinha que deitei
Inda mora comigo na cidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Vi pedaços de bola canarinho


Enganchados em cima do telhado
Vi um saco de estopa amarelado
Que a galinha de mãe fazia ninho.
A “camisa” bonita do meu pinho
Que nas noites de lua dedilhei
O balanço que um dia despenquei
Lembrarei para toda eternidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Na “sapata” da casa eu vi salina


Vi “bezerros” de osso no oitão
Vi pegadas de gado pelo chão
Num aceiro a carcaça da turina.
Recordei de uma tarde de neblina
Da arapuca no mato que armei
Quando vi a chinela que calcei
Relembrei toda minha castidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

No oitão também vi uma balança


Onde a pedra de quilo era o peso
Um arame farpado que era teso
Uma estaca apontada como lança.
O sapato que eu ia numa dança
O sabugo de milho que usei
Pra fazer o chiqueiro que criei
Pra prender toda aquela liberdade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

A gamela que pai tomou um banho


O cacete assassino de uma rês
Algaroba, um angico, dois ipês
Que serviam de sombra pro rebanho.
Vi um prato branquinho de estanho
A rural de madeira que ganhei
Vi o cinto de pai que apanhei
Com requinte de pura crueldade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

A cumbuca de mãe guardar azeite


Enxerguei pendurada no pereiro
Avistei lá em cima do chiqueiro
A caneca que pai tirava leite.
A cabeça de vaca como enfeite
Que um dia na cerca enganchei
Vi um banco velhinho que sentei
E o cupim só deixou uma metade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Encontrei um pedaço de cocão


Uma mesa de carro sem fueiro
Uma roda, tarugo e um tamueiro
Do transporte mais belo do Sertão.
Uma tira de pano e um botão
Uma agulha de saco que comprei
E a Monark que tanto pedalei
Eu garanto de vê-la ter vontade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Uma tampa de vinho indiano


Com o rótulo do índio Jurubeba
O cotoco do rabo de um peba
A moldura do nosso Soberano.
Uma quarta da peça de um pano
Que num ano de safra eu comprei
E uma braça de terra que enterrei
As agruras da minha enfermidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

A cangalha surrada do jerico


Pendurada no torno da parede
Candeeiro, pavio e uma rede
Um machado, uma foice, um maçarico.
Um martelo, uma mala e um pinico
Um gibão que um dia campeei
No cavalo rudado que esporei
Cavalgando a procura da verdade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Caco velho que mãe torrava massa


Caldeirão pra botar milho de molho
Uma lasca de lenha e um ferrolho
Chaminé, um isqueiro, uma cabaça.
A garrafa verdinha de cachaça
Que papai dava trago, não traguei
Eu pensando em voltar inda pisei
Numa foto da minha identidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

A GENIALIDADE DE JOÃO PARAIBANO


Publicado em 25 de fevereiro de 2022
O grande poeta cantador João Pereira da Luz, o João Paraibano (1952-2014)

***

Muitas cenas são revistas


Na hora crepuscular
O bico de um peito cheio
Proíbe um pagão chorar
A casca do fruto racha
A voz do silêncio é baixa
Mas dá pra Deus escutar.

***

É bonito o matuto se firmar


Num galão carregando duas latas
Um cachorro sentar nas duas patas
Convidando o seu dono pra caçar
Uma gata na boca carregar
Um filhote que nasceu sem a visão
Quando a boca se cansa põe no chão
Mas o dente não fere a sua cria
Deus pintou o sertão de poesia
Meu orgulho é ser filho do sertão.

***

Branca, preta, pobre e rica,


toda mãe pra Deus é bela;
acho que a mãe merecia
dois corações dentro dela:
um pra sofrer pelos filhos;
outro pra bater por ela.

***
Ao passar em Afogados
diga a minha esposa bela
que derramei duas lágrimas
sentindo saudades dela
tive sede, bebi uma
e a outra guardei pra ela.

***

O sol diminui os raios


Depois que a tarde se fecha
O vento carrega a folha
Da galha de um pé de ameixa
Sai dando tabefe nela
Depois se aborrece e deixa.

***

Toda noite quando deito


um pesadelo me abraça
meu cabelo que era preto
está da cor da fumaça
ficou branco após os trinta
eu não quis gastar com tinta
o tempo pintou de graça.

***

Fiz capitão na bacia


de feijão verde e farinha
quando o angu tava feito
mãe saía da cozinha
subia em cima da cerca
dava um grito e papai vinha.

***

Ainda lembro do cheiro


que minha mãe dava n’eu
da cor da primeira nota
que meu padrinho me deu
eu não peguei com vergonha
papai foi quem recebeu.

***

Quem vive numa prisão


leva a vida no desprezo
pede uma esmola a quem passa
nas mãos um cigarro aceso
pernas do lado de fora
e o resto do corpo preso.

***
Meu passado foi assim
comendo juá banido
o vento dando empurrão
no lençol velho estendido
com tanta velocidade
que mudava a qualidade
que a tinta dava ao tecido.

***

Vou pro meu sertão antigo


pra ver tapera sem centro
ver minha mãe na cozinha
cortando cebola e coentro
botando um prato no pote
pra não cair mosca dentro.

***

MINHA INFÂNCIA

Minha infância foi na casa


De três janelas da frente
A cruz de palha na porta
Lata de flor no batente
Um jumento dando as horas
E um galo acordando a gente

Catei algodão de ganho


Matei preá na coivara
Levei queda de jumento
Derrubei enxu de vara
De vez enquanto uma abelha
Deixava um ferrão na cara

Rodei mais de um cata-vento


Feito de lata amassada
Pegava mosca na mão
Depois matava afogada
Presa num lençol de nata
De um caldeirão de coalhada

Até rolinha eu criava


Em gaiola de palito
Piei mocotó de cabra
Quebrei perna de cabrito
O meu passado na roça
Foi pobre mais foi bonito

Fiz capitão na bacia


De feijão verde e farinha
Quando o angu estava feito
Mãe saía da cozinha
Subia em cima da cerca
Dava um grito papai vinha
Vi em oco de cortiço
Abelha entrando e saindo
Me escondi por trás de cerca
Para ver vaca parindo
E roubei açúcar da lata
Quando mãe estava dormindo

Um cinto de couro cru


Pai nunca deixou de ter
Mais educou cinco filhos
Sem precisar de bater
Bastava um rabo de olho
Para a gente lhe obedecer.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MESTRES DO REPENTE


Publicado em 18 de fevereiro de 2022
Aderaldo Ferreira de Araújo, mais conhecido como “Cego Aderaldo” um dos
maiores cantadores da poesia popular nordestina (1878-1967)

***

Cego Aderaldo

(atendendo a um pedido do Padre Cícero)

À ordem do meu padrinho


Vou colher algumas flores…
Fazer minhas poesias
Cheias de grandes louvores
Saudando, primeiramente,
A Santa Virgem das Dores.

O nome do santo Padre


Anda pelo mundo inteiro,
A cidade está crescendo
Com este povo romeiro,
Devido às grandes virtudes
Do santo de Juazeiro.

Nossa Senhora das Dores


É que nos dá proteção,
Ordena ao nosso bom Padre,
E ele cumpre a Missão,
Ensinando a todo mundo
O ponto da salvação.

Deixo aqui no Juazeiro


Todos os sentidos meus
Juntamente ao meu Padrinho
Que me limpou com os seus,
Vou correr por este mundo
Levando a bênção de Deus.

***

Louro Branco

Cantador como eu ninguém num fez


Deus deixou pra mandar muito depois
Que se cabra for grande eu dou em dois
E se o cabra for médio eu dou em três
E se for bem pequeno eu dou em seis
Que a minha riqueza é bem total
Cantador como eu não nasce igual
Que ou nasçe mais baixo sou mais estreito
Repentista só canta do meu jeito
Se for fora de série ou genial.

***

Otacílio Batista Patriota


Ao romper da madrugada,
um vento manso desliza,
mais tarde ao sopro da brisa,
sai voando a passarada.
Uma tocha avermelhada
aparece lentamente,
na janela do nascente,
saudando o romper da aurora,
no sertão que a gente mora,
mora o coração da gente.

O cantador violeiro
longe da terra querida,
sente um vazio na vida,
tornando prisioneiro,
olha o pinho companheiro,
aí começa a tocar,
tem vontade de cantar,
mas lhe falta inspiração.
Que a saudade do sertão
faz o poeta chorar.

***

João Paraibano

Vê-se a serra cachimbando…


Na teia, a aranha borda;
O xexéu canta um poema;
Depois que o dia se acorda,
Deus coloca um batom roxo
Na flor do feijão de corda.

Do nevoeiro pra o chão


a nuvem faz passarela;
o sapo pinota n’água,
entra na lama e se mela;
faz uma cama de espuma
pra cantar em cima dela.

Sempre vejo a mão divina


no botão de flor se abrindo,
no berço em que uma criança
sonha com Jesus sorrindo;
a mão caçando a chupeta
que a boca perdeu dormindo.

***
Roberto Queiroz

Admiro o Zé Ferreira
Um cantador estupendo
Se a roupa se suja, lava
Se rasga, bota remendo
Gasta menos do que ganha
Que é pra não ficar devendo.

***

Luciano Carneiro

Eu não tive vocação


Pra diácono nem vigário
Tornei-me então um poeta
Não muito extraordinário
Mas sou com muita alegria
No campo da poesia
Um verdadeiro operário.

***

Leonardo Bastião

Ontem vi uma coruja,


Sentada numa cancela,
Demorei trinta segundos,
Olhando a feiura dela,
Quando me vi no espelho,
Tava mais feio do que ela.

Admiro o juazeiro,
Nascido na terra enxuta,
A fruta é pequena e ruim,
A madeira é torta e bruta,
Mas a bondade da sombra,
Cobra a ruindade da fruta.

Eu não vou plantar saudade,


Que não estou mais precisando,
A caçamba da saudade,
Toda vez que vai passando,
Ao invés de levar a minha,
Derrama a que vai levando.

***

Josué Romano
Eu já suspendi um raio
E já fiz o tempo parar.
Já fiz estrela correr,
Já fiz sol quente esfriar.
Já segurei uma onça
Para um moleque mamar!

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

DOIS DESAFIOS MALCRIADOS


Publicado em 11 de fevereiro de 2022

TEREZINHA E LINDALVA

***

LINDALVA E LAVANDEIRA DO NORTE NUM DESAFIO MALCRIADO


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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS


Publicado em 4 de fevereiro de 2022

Sebastião da Silva e Geraldo Amâncio glosando o mote:

Se eu pudesse comprava a mocidade


Nem que fosse pagando a prestação
***

Pinto do Monteiro glosando o mote:

O cavalo do vaqueiro
Nas quebradas do sertão.

Quebra galho de aroeira,


De jurema e jiquiri,
Rasga beiço e calumbí,
Mororó e quixabeira.
Quebra-faca e catingueira,
Urtiga braba e pinhão;
Pau-serrote e pau-caixão,
Baraúna e marmeleiro,
O cavalo do vaqueiro
Nas quebradas do sertão.

***

José Vicente da Paraíba glosando o mote

São frios, são glaciais,


Os ventos da solidão.

Quando se sente saudade


Duma pessoa querida,
Dá-se um vazio na vida
E dói esta soledade…
Ninguém suporta a metade
Da dor do meu coração,
Lembrando o aceno de mão
Do amor que não voltou mais…
São frios, são glaciais.
Os ventos da solidão.

***
Zé Adalberto glosando o mote:

Pra que tanta riqueza se a pessoa


Nada leva daqui pra sepultura.

Pra que casa cercada por muralha


Se a cova é cercada pelo pranto
Se pra Deus todos têm do mesmo tanto
Tanto faz a fortuna ou a migalha
Pra que roupa de marca se mortalha
Não requer estilista na costura
E o cadáver que a veste não procura
Nem saber se a costura ficou boa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura.

***

Chico Nunes glosando o mote

A saudade é companheira
De quem não tem companhia.

Vivo em eterna agonia


Sem saber o resultado
Deus já me deu o atestado
Pra eu baixar à terra fria.
Em volta só vejo o mal
Deste meio social,
E espero sozinho o dia
De minha hora derradeira.
A saudade é companheira
De quem não tem companhia.

***

Léo Medeiros glosando o mote:

O sertão se acorda mais bonito


Com o aboio saudoso do vaqueiro.

De manhã no sertão que eu fui criado


De três horas pras quatro, papai ia
Caminhando com rumo a vacaria
Pra tirar o leitinho do seu gado;
O bezerro ficava enchiqueirado
Esperando a saída do leiteiro
Quando solto corria bem ligeiro
Pra mamar eu um úbere tão bendito
O sertão se acorda mais bonito
Com o aboio saudoso do vaqueiro.

O vaqueiro sujeito encarregado


Dos trabalhos diários da fazenda
Sai pra lida pensando em sua prenda
Vai soltando aboio apaixonado;
De gibão e perneira bem montado
No cavalo cortando o tabuleiro
Enfrentando terreno traiçoeiro
Seu valor, ninguém soma tenho dito:
O sertão se acorda mais bonito
Com o aboio saudoso do vaqueiro.

***

Jó Patriota glosando o mote:

Na frieza da gruta o Deus Menino


Teve o bafo de um boi por cobertor.

Num recanto afastado de Belém


Fora onde uma Virgem Imaculada
Deu a luz à pessoa mais sagrada
Que se chamou de Cristo, O Sumo Bem…
Nessa noite Maria um prazer tem
De rezar o rosário com fervor
Contemplando seu fruto, O Redentor
Santo Corpo Sacrário Pequenino
Na frieza da gruta o Deus Menino
Teve o bafo de um boi por cobertor.

Foi assim que o rebento de Maria


No silêncio da simples manjedoura
Teve a mãe como santa defensora
E seu pai adotivo como guia
Nessa pobre e humilde hospedaria
Estalagem pequena sem valor
Entre pedra, capim, garrancho e flor,
Diferente de um prédio bizantino
Na frieza da gruta o Deus Menino
Teve o bafo de um boi por cobertor.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


A GENIALIDADE DE PINTO DE MONTEIRO
Publicado em 28 de janeiro de 2022

O paraibano Severino Lourenço da Silva Pinto, o Pinto do Monteiro (1895-1990)

***

A resposta de Pinto de Monteiro numa cantoria com João Furiba

João Furiba:

Cruzei o velho Saara


montado numa bicicleta.
Matei leão de tabefe,
Crivei serpente de seta.
Fiz das penas d’uma hiena
Um blusão pra minha neta.

Pinto do Monteiro:

João até que é bom poeta


Mas sabe ler bem pouquinho.
Vou fazer-lhe uma pergunta,
responda meu amiguinho :
– Quem diabo foi que te disse
que hiena é passarinho ?

***

Improvisos de Pinto de Monteiro:

O meu cavalo é dum jeito


Que nem o diabo aguenta,
Entra no mato fechado,
Toda madeira arrebenta,
Dá tapa em bunda de boi
Que a merda sai pela venta.

***
Lá no meio da caatinga,
Sem moradia vizinha
Bem na beira de um riacho
Um pé de palmeira tinha.
Meu avô, nesse lugar,
Começou a trabalhar
E chamar de Carnaubinha.
Parece que estou vendo
Um homem cortando cana;
Uma engenhoca moendo
Os três dias da semana.
Fazer cerca, queimar broca,
Raspar milho e mandioca,
Da massa, fazer farinha;
Comer com mel de engenho,
Ai, que saudades que eu tenho
Da minha Carnaubinha.

***

Ovo de pato e marreca


Quebrar na beira do poço,
Abrir milho, na boneca,
Pra ver se tinha caroço;
Ir pra beira da estrada
Jogar pedra e dar pancada
Em cabra, bode e suíno;
Em cachorro, pontapé,
Que isso tudo foi e é
Brincadeira de menino.

***

Mas essa estória de dente,


Para mim, nada adianta;
Eu não preciso de dente;
Eu quero é peito e garganta:
Pois sabiá não tem dente,
É quem mais bonito canta!

***

Eu sou Severino Pinto


Da Paraíba do Norte
Sou feio, porém sou bom
Sou magro, mas muito forte
Depois d’eu tomar destino
Temo a Deus não temo à morte.

***

Há vários dias que ando,


Com o satanás na corcunda:
Pois, hoje, almocei na casa
Duma negra tão imunda,
Que a prensa de espremer queijo
Era as bochechas da bunda!

***

Eu admiro o tatu
Com desenho no espinhaço
Que a natureza fez
Sem ter régua nem compasso
E eu com compasso e régua
Tenho planejado e não faço.

***

Esta palavra saudade


conheço desde criança
saudade de amor ausente
não é saudade, é lembrança
saudade só é saudade
quando morre a esperança.

***

Gostei muito de mulher


No meu tempo de rapaz
Mas depois que fiquei velho
A trouxa envergou pra trás
Sentou-se em cima dos ovos
Que a ponta encostou no ás.

***

Admiro o vagalume
Enxergando de mato a dentro
Com sua lanterna acesa
Sem se importar com o vento
Apaga de vez em quando
Poupando seus elementos.

(“elemento” no linguajar nordestino é pilha)

***

No tempo da mocidade
Eu também já fui vaqueiro.
Não tinha jurema grossa,
Mororó nem marmeleiro.
Fui cabra de vista boa,
Negro de corpo maneiro.

***

SEVERINO PINTO E LOURIVAL BATISTA


Uma cantoria improvisada de Meia-Quadra nos anos 70

Constante da coleção Música Popular do Nordeste, organizada por Marcus Pereira

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UMA DUPLA EM CANTORIA


Publicado em 14 de janeiro de 2022
A grande dupla de cantadores Sebastião Silva e Moacir Laurentino glosando o
mote:

Sem a minha viola eu não sou nada,


mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

Essa minha viola é companheira,


que dá tudo o que quero em minha vida,
é a deusa total e tão sentida,
que me serve de amiga a vida inteira,
essa minha viola é padroeira,
é a deusa que dorme no meu leito,
é a força que causa grande efeito,
é a deusa divina idolatrada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Eu sem esse pedaço de madeira,


já não tinha alegria em minha vida,
minha face seria entristecida,
porque falta a legítima companheira,
ela toca comigo a noite inteira,
eu com ela decanto satisfeito,
da maneira dum caboco do eito,
arrastando no cabo da enxada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.
Sebastião da Silva:

Com a minha viola em minha mão,


penso, toco, divirto, bebo e canto,
vou com ela feliz pra todo canto,
pra exercer muito bem a profissão,
é com ela que eu tenho inspiração,
o meu verso no ato sai direito,
no repente que faço eu aproveito
caminhando feliz na minha estrada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Essa minha viola é ganha pão,


misturada com minha cantoria,
sacrifício, talento e melodia,
e um pouquinho da minha inspiração,
a palheta pegada em minha mão,
e o baião tão saudoso sai perfeito,
que eu com ela pelejo e me ajeito,
e num instante fazer bela toada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

É a viola que espanta as minhas dores,


é quem mata as mágoas que eu sinto,
com a minha viola em meu recinto
canto modas em músicas e tenores,
gosto muito de ouvir dois cantadores,
para o povo ficar mais satisfeito,
um poeta canhoto, outro direito,
e a cantiga bastante fermentada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Sem a minha viola eu vou sofrer,


mas com ela inda gozo em meu destino,
que ela segue o poeta Laurentino,
e acompanha o que eu posso dizer,
que me dá de comer e de beber,
e com ela eu não tenho preconceito,
ao contrário aumentou o meu conceito,
ela é minha eterna namorada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

***

A DUPLA IMPROVISANDO NUM QUADRÃO PERGUNTADO


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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO DE PELEJA


Publicado em 7 de janeiro de 2022

UM GALOPE PARA O UMBUZEIRO – Júnior Guedes


Frondoso e bonito, o velho umbuzeiro
Que brotou das fendas abertas da terra.
Cresceu num aceiro do pé de uma serra
Passando agruras o tempo inteiro.
Foi ficando forte a cada janeiro,
Mudando a paisagem que tem no lugar.
Felizes daqueles que vem contemplar,
Seu verde, a sombra e sua doçura
O doce da fruta na forma mais pura
Que o puro da brisa que sobra do mar.

***

Biliu de Campina

Versejar é minha sina


No mundo transcendental
Passo do ponto final
Fazendo o que me fascina
Vou pelo mapa da mina
Navegando em barco a vela
Sem ter medo da procela
Numa letal disparada
A morte está enganada
Eu vou viver depois dela.

***

Miro Pereira

O meu pai não tem estudo


Mamãe é analfabeta
Eu pouco fui à escola
Somente Deus me completa
Com esse sublime dom
De repentista e poeta.

***

Zé Fernandes

A seca seca primeiro


Os depósitos cristalinos
Depois seca as esperanças
De milhões de peregrinos
Mas bota enchente de lágrimas
Nos olhos dos nordestinos.

***

Adauto Ferreira Lima

Quando o sujeito envelhece


Quase tudo lhe embaraça
Convida a mulher pra cama
Agarra, beija e abraça
Porém só faz duas coisas:
Solta peido e acha graça.

***

Pedro Tenório de Lima


(Poeta analfabeto do sertão do Pajeú)

Me criei abraçando a agricultura


Já tô véi, a cabeça tá cinzenta
Pra onde vou é levando a ferramenta
E uma faca de doze na cintura
Minha boca lambendo rapadura
E meu almoço, um punhado de farinha
A merenda é um ovo de galinha
Namorei abraçando as raparigas
Me deitando por cima das formigas
Que uma cama bonita eu não tinha.

***

PELEJA DE MANOEL CAMILO COM MANOEL MONTEIRO – Manoel Monteiro


Peço inspiração aos magos
Luz, força, brilho, fulgor
Para em poesia alegre
Contar ao caro leitor
Uma discussão que tive
Com um grande cantador.

Pernambuco é o torrão
Em que nasci e andei
Após uso da razão
A poesia abracei
E saí vendendo versos
Na Paraíba aportei.

Chegado em Campina Grande


Novato e desconhecido
Na quarta fui para feira
“Cantar versos” carecido
De ganhar dinheiro pois
Estava “desprevenido.”

Notei um senhor de óculos


Quando eu estava cantando
Que pôs-se à parte e ficou
Somente me observando,
Quando terminei o “show”
Ele foi se aproximando.

E perguntou-me; Poeta,
Estás só ou com amigo?
Respondi-lhe, na viagem
Só trago o pinho comigo,
Ele convidou, eu quero
Fazer um “baião” contigo.
Sem conhece-lo falei:
– O convite está aceito
Que pra cantar desafio
Fiz, faço e farei bem feito,
Poesia é minha água,
Meu pão, meu sal e meu leito.

Disse ele, o Dr. Limeira


Convidou-me pra cantar
Estando sem parceria
Pra fazer-me acompanhar
Ouvindo e vendo seus versos
Resolvi lhe convidar.

Ele fechou o contrato


Pra noite do outro dia
Recolhi-me ao dormitório
E de quando em quando ouvia
Na rua o autofalante
Divulgando a cantoria.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

MANOEL XUDU, UM GÊNIO DA POESIA NORDESTINA DE


IMPROVISO
Publicado em 31 de dezembro de 2021
O grande poeta paraibano Manoel Lourenço da Silva, o Manoel Xudu (1932-1985)

***

Dia 13 de março terça-feira


Ano mil novecentos trinta e dois
Pouco tempo depois que o sol se pôs
Mamãe dava gemidos na esteira
Numa casa de barro e de madeira
Muito humilde coberta de capim
Eu nasci pra viver sofrendo assim
Minha dor vem dos tempos de menino
Vivo triste por causa do destino
E a saudade correndo atrás de mim.

***

O mar se orgulha por ser vigoroso,


Forte, gigantesco que nada lhe imita
Se ergue, se abaixa, se move, se agita,
Parece um dragão feroz e raivoso.
É verde, azulado, sereno, espumoso;
Se espalha na terra, quer subir pro ar,
Se sacode todo, querendo voar,
Retumba, ribomba, peneira, balança,
Nem sangra, nem seca, nem para, nem cansa,
São esses fenômenos da beira do mar.

***
Analise o caju e a castanha,
São os dois pendurados num só cacho,
Bem unidos, um em cima, outro embaixo,
Porém tendo um do outro a forma estranha,
Dela, extrai o azeite, o sumo, a banha,
Dele, o suco pro vinho e o licor,
Quando ambos maduros mudam a cor
Ele fica amarelo e ela escura,
Mas o gosto dos dois não se mistura,
Quanto é grande o poder do Criador.

***

Não há tempestades e nem furacões,


Chuvada de pedra no bosque esquisito
Quedas de coriscos e meteorito
Tiros de granadas, obuses, canhões,
Juntando os ribombos de muitos trovões
Que tem pipocado na massa do ar
Cascata rugindo, serra a desabar,
Estrondo, ribombos, rumores de guerra,
Nuvens mareantes, tremores de terra
Que imitem a zoada na beira do mar.

***

Voei célere aos campos da certeza


E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

***
Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

***

Quando eu segurei a tua mão


Foi achando que ela estava fria
Ela tava tão quente e tão macia
Igualmente um capucho de algodão
Vou mandar repartir meu coração
Pra fazer-te presente da metade
Pra gente ficar de igualdade
Tu me dá teu retrato eu dou o meu
O retrato me serve de museu
Pra eu guardar meu romance de saudade.

***

O nome da minha amada


Escrevi com emoção
Na palma da minha mão,
No cabo da minha enxada
No batente da calçada
E no fundo da bacia
Na casca de melancia
Mais grossa do meu roçado
Pode ir lá que tá gravado
O nome Ana Maria.

***

Eu admiro um caixão
Comprido como um navio
Em cima uma cruz de prata
No meio um defunto frio
E um cordão de São Francisco
Torcido como um pavio.

***

O homem que bem pensar


Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranquilo
A lua fica chorosa
Por não poder mais ouvi-lo.
***

Sou igualmente a pião


saindo de uma ponteira
que quando bate no chão
chega levanta a poeira
com tanta velocidade
que muda a cor da madeira.

***

Tristeza é a do peruzinho
Beliscando essa maniva
Correndo atrás da galinha
A sua mãe adotiva
Como quem está dizendo
Ah se mamãe fosse viva !

***

A mulher que eu casei


Além de linda é brejeira
Daquelas que vai à missa
No domingo e terça-feira
Das que faz uma sombrinha
Com um pé de carrapateira.

***

Estou como um penitente


Que não possui um barraco,
Dorme à-toa pela rua,
Um guabiru fura o saco,
Quando recebe uma esmola
Ela cai pelo buraco.

***

Judas pegou uma corda,


Morreu com ela enforcado,
Não estava arrependido,
Estava desesperado,
E o desespero da culpa
Nunca redime o pecado.

***

Com você canto apertado


Que só cobra de cipó.
Que, com três dias de fome,
Tenta engolir um mocó,
De tanto forçar a boca,
Finda estourando o gogó.
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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

DOIS POEMAS NATALINOS


Publicado em 24 de dezembro de 2021

NATAL – Bráulio Bessa

Que você, nesse Natal,


entenda o real sentido
da data em que veio ao mundo
um homem bom, destemido
e que o dono da festa
não possa ser esquecido.

Vindo lá do Polo Norte


num trenó cheio de luz
Papai Noel é lembrado
muito mais do que Jesus.
Ô balança incoerente
onde um saco de presente
pesa mais que uma cruz.
Sei que dar presente é bom
mas bom mesmo é ser presente
ser amigo, ser parceiro
ser o abraço mais quente
permitir que nossos olhos
não enxerguem só a gente.

Que você, nesse momento,


faça uma reflexão
independente de crença,
de fé, de religião
pratique o bem sem parar
pois não adianta orar
se não existe ação.

Alimente um faminto
que vive no meio da rua,
agasalhe um indigente
coberto só pela lua,
sua parte é ajudar
e o mundo pode mudar
cada um fazendo a sua.

Abrace um desconhecido,
perdoe quem lhe feriu,
se esforce pra reerguer
um amigo que caiu
e tente dar esperança
pra alguém que desistiu.

Convença quem está triste


que vale a pena sorrir,
aconselhe quem parou
que ainda dá pra seguir,
e pr’aquele que errou
dá tempo de corrigir.

Faça o bem por qualquer um


sem perguntar o porquê,
parece fora de moda
soa meio que clichê,
mas quando se ajuda alguém
o ajudado é você.

Que você possa ser bom


começando de janeiro
e que esse sentimento
seja firme e verdadeiro.
Que você viva o Natal
todo ano, o ano inteiro.

***

Uma declamação de Euriano Sales:


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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MESTRES DO IMPROVISO E UM CORDEL EM


HOMENAGEM A CARUARU
Publicado em 17 de dezembro de 2021
Lourival Batista Patriota, também conhecido por Louro do Pajeú (1915-1992)

***

Lourival Batista Patriota

Que beleza, se vê de manhãzinha,


Quando o sol vem surgindo no horizonte,
Espalhando seus raios sobre o monte,
E o sino a tocar na igrejinha!
Borboleta, canário e andorinha
Festejando o nascer duma alvorada!…
Quem não gosta de ouvir a passarada,
Desconhece o sertão dos cantadores,
Onde a brisa cochila com as flores,
Anunciando o começo da invernada!

***

Oliveira de Panelas

No silente teclado universal


Deus pôs som nas sutis constelações,
e na batida dos nossos corações
colocou a pancada musical,
quando a harpa da brisa matinal
vai fazendo concerto pra aurora,
nessas lindas paisagens que Deus mora
em tecidos de nuvens está escrito:
é a música o poema mais bonito
que se fez do princípio até agora.

Quando as pétalas viçosas das roseiras


dançam juntas com o sol se levantando,
vem a brisa suave carregando
pólen vivo das grávidas cerejeiras,
verdejantes, frondosas laranjeiras,
soltam hálito cheiroso à atmosfera,
toda mãe natureza se aglomera:
de perfume, verdume, que beleza!…
É o canto da própria natureza,
festejando o nascer da primavera!

***

Dimas Batista

Alguém já me perguntou:
o que são mesmo os poetas?
Eu respondi: são crianças
dessas rebeldes, inquietas,
que juntam as dores do mundo
às suas dores secretas.

Nossa vida é como um rio


no declive da descida,
as águas são a saudade
duma esperança perdida,
e a vaidade é a espuma
que fica à margem da vida.

***

Diniz Vitorino Ferreira

Qualquer dia do ano se eu puder


para o céu eu farei uma jornada
como a lua já está desvirginada
até posso tomá-la por mulher;
e se acaso São Jorge não quiser
eu tomo-lhe o cavalo que ele tem
e se a lua quiser me amar também
dou-lhe um beijo nas tranças do cabelo
deixo o santo com dor de cotovelo
sem cavalo, sem lua e sem ninguém.

***

Canhotinho

Acho tarde demais para voltar


estou cansado demais para seguir,
os meus lábios se ocultam de sorrir,
sinto lágrimas, não posso mais chorar;
eu não posso partir e nem ficar
e assim nem pra frente nem pra trás,
pra ficar sacrifico a própria paz,
pra seguir a viagem é perigosa,
a vereda da vida é tão penosa
que me assombro com as curvas que ela faz.

Te prepara, ladrão da consciência,


Que tuas dívidas de monstro já estão prontas,
Quando o Justo cobrar as tuas contas,
Quantas vezes pagarás à inocência?
Teu período banal de existência
Se compõe de miséria, dor e pragas;
Em teu corpo, se abrem vivas chagas,
Que tu’alma de monstro não suporta…
Se o remorso bater à tua porta,
Como pagas? Com que? E quanto pagas?

***

Antonio Marinho

Quem quiser plantar saudade


Escalde bem a semente
Plante num lugar bem seco
Quando o sol tiver bem quente
Pois se plantar no molhado
Ela cresce a mata a gente.

***

Toinho da Mulatinha

Em Sodoma tão falada


Passei uma hora só
Lá vi a mulher de Ló
Numa pedra transformada
Dei uma talagada
Com caldo de mocotó
E saí batendo o pó
Adiante vi Simeão
Tomando café com pão
Na barraca de Jacó.

***

Pinto do Monteiro

Admiro um formigão
Que é danado de feio
Andando ao redor da praça
Como quem dá um passeio
Grosso atrás, grosso na frente
E quase torado no meio.

***

Odilon Nunes de Sá

Admiro a mocidade
Não querer envelhecer
Velho ninguém quer ficar
Moço ninguém quer morrer
Quem morre moço não vive
Bom é ser velho e viver.

***

Léo Medeiros

Ensinei Ronaldinho a jogar bola


Fui o mestre de Zico e Maradona
Seu Luiz aprendeu tocar sanfona
Bem depois que saiu da minha escola
Caboré no pescoço eu botei mola
Também fiz beija-flor voar pra trás
Conquistei cinco copas mundiais
Defendendo a nossa seleção
Inventei em Paris o avião
O que é que me falta fazer mais?

***

CARUARU A PRINCESA DO AGRESTE, A CAPITAL DO FORRÓ – Ivaldo Batista

Chegando a Caruaru
De longe logo adiante
Uma paisagem tão linda
Vejo ainda distante
Olha lá aquele morro
Do meu Bom Jesus do Monte.

Uma visão deslumbrante


Que eu gosto de apreciar
E depressa vou correndo
Desejo ali chegar
A paisagem é riqueza
Que adoro desfrutar.

No alto quando eu chegar


Vou fazer minha oração
Dentro daquela igrejinha
Onde reina a tradição
Lá de cima eu avisto
Como se fosse Azulão.

Que doce recordação


Do seu tempo de criança
Ao lembrar a terra boa
Uma gostosa lembrança
Caruaru do passado
De cantar nunca se cansa.

Aqui faço uma aliança


Com você vou celebrar
As coisas que se referem
As terras de caroá
Que hoje é Caruaru
No cordel vou relatar.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MESTRE DO REPENTE


Publicado em 3 de dezembro de 2021

O paraibano Severino Lourenço da Silva Pinto, o Pinto do Monteiro (1895-1990)


***

Pinto do Monteiro:

Quando é de manhãzinha,
Se apagam os pirilampos,
O homem vai para os campos,
A mulher vai pra cozinha;
Sacode milho à galinha,
Se, por acaso, ela cria!
Canta o galo, o pinto pia,
Salta o bode no terreiro,
Se despede o violeiro,
Dando adeus, até um dia.

Recordo perfeitamente,
Quando em minha idade nova,
O meu pai abria a cova,
E eu plantava a semente.
Eu atrás, ele na frente,
Por ter força e mais idade…
Olhando a fertilidade
Da vastidão da campina,
Aquela chuvinha fina
Me faz chorar de saudade.

Em dezembro, começa a trovoada,


Em janeiro, o inverno principia,
Dão início a pegar a vacaria:
Haja leite, haja queijo, haja coalhada!
Em setembro, começa a vaquejada:
É aboio, é carreira, é queda, é grito!
Berra o bode, a cabra e o cabrito;
A galinha ciscando no quintal,
O vaqueiro aboiando no curral;
Nunca vi um cinema tão bonito!

***

Antônio Francisco:

Quem já passou no sertão


E viu o solo rachado,
A caatinga cor de cinza,
Duvido não ter parado
Pra ficar olhando o verde
Do juazeiro copado.

E sair dali pensando:


Como pode a natureza
Num clima tão quente e seco,
Numa terra indefesa
Com tanta adversidade
Criar tamanha beleza.
***

Lourival Batista Patriota:

Nem tudo que é triste, chora,


Nem tudo que é alegre, canta,
Nem toda comida é janta,
Nem todo velho se escora,
Nem toda moça namora,
Nem todo amor é paixão,
Nem toda prática é sermão,
Nem tudo que amarga é lima,
Nem todo poeta rima,
Nem toda terra é sertão!

***

Manoel Xudu:

Neste mundo não há maior ciência


Do que ver uma aranha se bulindo
Com perícia maestra construindo
Alicerces da sua residência .
É pequena , tem pouca resistência
Mas trabalha vencendo os empecilhos
Superando carrascos e caudilhos
Que assassinam , devoram , fazem guerra
Mas não cavam sequer barro na terra
Pra fazer um casebre pra seus filhos.

***

José Monte:

É bonito se olhar numa represa


A marreca puxando uma ninhada
Com um gesto de mãe tão dedicada
No encontro das águas da represa
Quanto é lindo o arrolho da burguesa
Num conserto de notas musicais
A lagarta com letras naturais
Numa folha escrever fazendo um cheque
E palmeira selvagem abrindo o leque
Espantando o calor que a tarde faz.

***

Catarine Aragão:

Eu vim trazendo o desgosto


Da morte de um sonho lindo
Com o pranto banhando o rosto
Que outrora viveu sorrindo
Vim arrastando os meus passos
Pra ver se junto os pedaços
De um peito sem alegria
Vim com a alma abatida
Querendo encontrar guarida
Nos braços da poesia.

Eu vim procurar motivo


Pra querer seguir em frente
E vim tentar manter vivo
O amor que meu peito sente
Vim cercada de tristeza
Querendo ter a certeza
Que nem tudo está perdido
Vim com todo sacrifício
Pra despejar meu suplício
Dentro de um verso sofrido.

Eu vim fazer o meu pranto


Achar consolo na rima
E vim pra ver se levanto
Um pouco minha autoestima
Com a alma pedindo tréguas
Eu vim cansada de léguas
Buscando paz e abrigo
Dentro de um mundo perverso
Fazendo o meu próprio verso
Me servir de ombro amigo.

Eu vim procurar meu eu


Entre os escombros do peito
E achar o que se perdeu
Pra ver se ainda tem jeito
Vim pelas desilusões
Tristezas e frustrações
Que me mantém inquieta
Buscar a minha poesia
Porque só ela alivia
Meu coração de poeta!

***

Poeta José Luiz:

Estou igual um bacurinho


Preso dentro de um chiqueiro
O comer que a dona bota
É folha de marmeleiro
Esperando que ele engorde
Pra lhe passar no dinheiro.

Estou igual um jumento


Debaixo de uma cangalha
Quando o seu dono é malvado
O dia todo trabalha
E quando chega de noite
Lhe nega um feixe de palha.

Estou igual uma gata


Na frente de um cachorro
Ela correndo e miando
Como quem pede socorro
Se ela falasse dizia
Me acuda senão eu morro!

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

A OITAVA MARAVILHA
Publicado em 26 de novembro de 2021

Poeta Antonio Francisco, um talentoso potiguar de Mossoró, é também xilógrafo e


compositor

***
A OITAVA MARAVILHA – UM CORDEL DE ANTONIO FRANCISCO

Como na antiga Grécia,


O Nordeste também tinha
Os seus deuses mitológicos –
Deus da chuva, deus da vinha,
Do verão, da primavera,
Mas, o mais famoso era
Cafuné – deus da morrinha.

Filho de uma caipora


Com uma alma de gato.
Ombros largos, braços longos,
Perna curta, do pé chato.
Vivia pela caatinga
Mascando e bebendo pinga
E caçando peba no mato.

Mas, quando um dia, ele soube


Que Hércules tinha apartado
Toda a África da Europa,
Disse meio enciumado:
– “Eu vou mostrar a Teseu,
A Hércules e a prometeu
O gás que eu tenho guardado.”

Botou três quilos de fumo


No bolso do seu calção,
Lavou os pés num barreiro
E disse olhando o verão:
– “Eu vou pra Minas Gerais
Mostrar o que um deus faz
Com uma enxada na mão.”

Andou em Minas Gerais –


Norte, Sul, Leste e Oeste.
Furou aqui e ali
E disse depois do teste:
– “Aqui tem água pra dar,
Para destruir e matar
A sede do meu Nordeste.

Se eu conseguir levar
Daqui para o Maranhão
Um rio de água doce,
Rasgando a cara do chão
Sem deixar nenhuma ilha
Vai ser uma maravilha
Para o povo do sertão.”

Foi na serra da Canastra,


Se abaixou, deu um risco,
Depois fez uma enxada
Da pedra de um corisco,
Tomou uma pra esquentar
E começou a cavar
O leito do São Francisco.

Na primeira enxadada
A terra toda tremeu,
A lua mudou de canto,
O Sol com medo desceu,
O nhambu perdeu um dedo,
O tetéu depois do medo
Nunca mais adormeceu.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

19 DE NOVEMBRO – DIA DO CORDELISTA


Publicado em 19 de novembro de 2021
Leandro Gomes de Barros (1865-1918)

No dia de hoje, 19 de Novembro, é comemorado o Dia do Cordelista.

Uma homenagem ao grande poeta Leandro Gomes de Barros, nascido no dia de


hoje, em Pombal-PB, no ano de 1865.

É o maior nome da poesia popular e do cordel nordestino.,

***

A ALMA DE UMA SOGRA – Um cordel de Leandro Gomes de Barros

Em dias do mez passado


Vi n´uma reunião,
Um trocador de cavallos,
Um velho tabellião,
Um criado de um vigário
E a avó de um sachristão.

Veio uma dessas ciganas


Que lê a mão da pessoa,
Leu a mão de um velho e disse:
Vossa mercê anda atôa,
De cinco sogras que teve
Não obteve uma boa.

É muito exacto cigana


Disse o velho a suspirar,
A melhor de todas cinco,
Essa obrigou-me a chorar,
Depois de morta tres mezes,
Quase me faz expirar.

Disse o velho, minha vida,


Dá muito bem uma scena,
Dá um romance e um drama,
E a obra não é pequena,
O velho tabelião
Quase que chora com pena.

O velho ali descreveu


Todas scenas que deram
Alguns daquelles ali,
Foram escutar não puderam
Foi um serviço de gancho
O que essas sogras fizeram.

Então a primeira sogra,


Foi uma tal Marianna,
Tinha os dentes arqueados
Como a cobra caninana
Elle casou-se na quarta
Brigou no fim da semana.

A segunda era uma typa


Alta, magra e corcovada,
Damnada para passeios,
Enredadeira exaltada
Cavilosa e feiticeira,
Intrigante e depravada.

Por felicidade dele


Chegou-lhe a fortuna um dia,
Deu a munganga na velha
Chegou-lhe a hydrophobia,
Foi morta a tiro no campo
Graças ao povo que havia.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


UM GRANDE MOTE E UM CLÁSSICO DE LEANDRO GOMES DE
BARROS
Publicado em 5 de novembro de 2021

Davi Calisto Neto glosando o mote

Pra que tanta ganância e correria


Se ninguém veio aqui para ficar?

Se o final é normal pra que correr


E se morrer é ruim mais é comum
Se o caixão vai levar de um em um
Se o dinheiro não pode socorrer…
Eu só quero o bastante para comer
Para viver para vestir e pra calçar
Mesmo sendo pouquim se não faltar
Eu só quero esse tanto todo dia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Todo homem podendo tem que ter


Moradia, saúde e alimento
Um pouquinho também de investimento
Que um dia ele pode adoecer
Necessita também de algum lazer
Para o corpo cansado descansar
Mas tem gente que pensa em enricar
Não descansa de noite nem de dia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Pra que tanta ganância por poder


Exibir a fortuna adquirida
Se o que a gente ganhar durante a vida
É preciso deixar quando morrer
Se na cova não tem como caber
E no caixão ninguém tem como levar
Lá no céu não tem banco para guardar
O que o morto juntou quando vivia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?
Sei que a vida da gente se encerra
E muita gente se esquece com certeza
E é por isso pensando na riqueza
Que alguns loucos estão fazendo guerra
O pior é que brigam pela terra
Para depois nela mesma se enterrar
Toda essa riqueza vai ficar
E só o corpo é que vai para a terra fria
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Pra que tanta ganância e ambição


Se essa vida é bastante passageira
Tudo finda num monte de poeira
Na mortalha, na cova e no caixão
Ninguém pode pedir prorrogação
Quando o jogo da vida terminar
A não ser uma vela pra queimar
O destino é partir de mãos vazia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

A ganância infeliz desenfreada


Deixa o mundo sem paz e sem sossego
Pois tem gente com mais de um emprego
E muita gente morrendo sem ter nada
Mas a vida da gente é emprestada
E qualquer dia o seu dono vem buscar
Qualquer vida que a morte carregar
Ninguém pode tirar segunda via
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

***

UMA VIAGEM AO CÉU – Leandro Gomes de Barros


Uma vez eu era pobre
vivia sempre atrasado
botei um negócio bom
porém vendi-o fiado
um dia até emprestei
o livro do apurado.

Dei a balança de esmola


e fiz lenha do balcão
desmanchei as prateleiras
fiz delas um marquezão
porém roubaram-me a cama
fiquei dormindo no chão.

Estava pensando na vida


como havia de passar
não tinha mais um vintém
nem jeito pra trabalhar
o marinheiro da venda
não queria mais fiar.

Pus a mão sobre a cabeça


fiquei pensando na vida
quando do lado do céu
chegou uma alma perdida
perguntou era o senhor
que aí vendia bebida?

Eu disse que era eu mesmo


e a venda estava quebrada
mas se queria um pouquinho
ainda tinha guardada
obra de uns 2 garrafões
de aguardente imaculada.

Me disse a alma: eu aceito


e lhe agradeço eternamente
porque moro no céu, mas lá
inda não entra aguardente
São Pedro inda plantou cana
porém perdeu a semente.

Bebeu obra de 3 contas


ficou muito satisfeita
disse: aguardente correta
imaculada direita
isso é o que chamo bebida
essa aqui ninguém enjeita.

Perguntei-lhe alma quem és?


disse ela: tua amiga
vim te dizer que te mude
aqui não dá nem intriga
quer ir para o céu comigo?
lá é que se bota barriga.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

CEGO ADERALDO, UM GÊNIO DA POESIA POPULAR


NORDESTINA
Publicado em 29 de outubro de 2021

Aderaldo Ferreira de Araújo, o “Cego Aderaldo”, Crato-CE (1878-1967)

***

A prisão deve ter sido


Invenção de Lúcifer
Eu só aceito a prisão
Nos braços duma mulher
Aguentando o que ela faz
E fazendo o que ela quer.

Jesus a mim quis fazê


Neste caso que se deu:
Eu perdê a minha vista
Meus olhos escureceu
Mas estou cantando as virtudes
Que a natureza me deu

Deus a mim deu a bola


Para levar a cantoria
Tirou a luz dos meus olhos
Eu não vejo a luz do dia
Porém eu levo a palavra
Transcrita em poesia

Oh! Santo de Canindé!


Que Deus te deu cinco chagas,
Fazei com que este povo
Para mim faça as pagas;
Uma sucedendo as outras
Como o mar soltando vagas!

Só nos falta ver agora


Dar carrapato em farinha,
Cobra com bicho-de-pé,
Foice metida em bainha,
Caçote criar bigode,
Tarrafa feita sem linha.

Muito breve há de se ver


Pisar-se vento em pilão,
Botar freio em caranguejo,
Fazer de gelo carvão,
Carregar água em balaio,
Burro subir em balão.

Ah! Se o passado voltasse,


Todo cheio de ternura.
Eu ainda tinha vista,
Saía da vida escura…
Como o passado não volta
Aumenta minha tristeza:
Só conheço o abandono
Necessidade e pobreza.

A lagarta tem forma de serpente


Quando vai viajando numa estrada,
Mas, depois de metamorfoseada,
Ela toma uma vida diferente:
Cria asas de cor bem transparente,
Verdadeiro vislumbre de beleza.
Nem ciência, nem arte, nem riqueza
Poderia pintar beleza igual.
Isto é lei do Juiz Universal
E é impulso da mão da natureza.

Quis casar-me, que loucura !


Quando pensei em casar,
Deixei e fui meditar,
Fui pensar na vida escura,
Nesse cálice de amargura,
Que recordo dia a dia,
Mas ouvindo a melodia
Fui sentindo a flor do goivo,
De repente fiquei noivo
Me casei com a poesia.

***
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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

PINTO DE MONTEIRO, UM GÊNIO DA CANTORIA


Publicado em 22 de outubro de 2021

O paraibano Severino Lourenço da Silva Pinto, o Pinto do Monteiro (1895-1990)

***

A resposta de Pinto de Monteiro numa cantoria com João Furiba:

João Furiba:

Cruzei o velho Saara


montado numa bicicleta.
Matei leão de tabefe,
Crivei serpente de seta.
Fiz das penas d’uma hiena
Um blusão pra minha neta.

Pinto do Monteiro:

João até que é bom poeta


Mas sabe ler bem pouquinho.
Vou fazer-lhe uma pergunta,
responda meu amiguinho :
– Quem diabo foi que te disse
que hiena é passarinho ?

***

Alguns improvisos de Pinto de Monteiro:

O meu cavalo é dum jeito


Que nem o diabo aguenta,
Entra no mato fechado,
Toda madeira arrebenta,
Dá tapa em bunda de boi
Que a merda sai pela venta.

***

Lá no meio da caatinga,
Sem moradia vizinha
Bem na beira de um riacho
Um pé de palmeira tinha.
Meu avô, nesse lugar,
Começou a trabalhar
E chamar de Carnaubinha.
Parece que estou vendo
Um homem cortando cana;
Uma engenhoca moendo
Os três dias da semana.
Fazer cerca, queimar broca,
Raspar milho e mandioca,
Da massa, fazer farinha;
Comer com mel de engenho,
Ai, que saudades que eu tenho
Da minha Carnaubinha.

***

Ovo de pato e marreca


Quebrar na beira do poço,
Abrir milho, na boneca,
Pra ver se tinha caroço;
Ir pra beira da estrada
Jogar pedra e dar pancada
Em cabra, bode e suíno;
Em cachorro, pontapé,
Que isso tudo foi e é
Brincadeira de menino.

***

Mas essa estória de dente,


Para mim, nada adianta;
Eu não preciso de dente;
Eu quero é peito e garganta:
Pois sabiá não tem dente,
É quem mais bonito canta!
***

Eu sou Severino Pinto


Da Paraíba do Norte
Sou feio, porém sou bom
Sou magro, mas muito forte
Depois d’eu tomar destino
Temo a Deus não temo à morte.

***

Há vários dias que ando,


Com o satanás na corcunda:
Pois, hoje, almocei na casa
Duma negra tão imunda,
Que a prensa de espremer queijo
Era as bochechas da bunda!

***

Eu admiro o tatu
Com desenho no espinhaço
Que a natureza fez
Sem ter régua nem compasso
E eu com compasso e régua
Tenho planejado e não faço.

***

Esta palavra saudade


conheço desde criança
saudade de amor ausente
não é saudade, é lembrança
saudade só é saudade
quando morre a esperança.

***

Gostei muito de mulher


No meu tempo de rapaz
Mas depois que fiquei velho
A trouxa envergou pra trás
Sentou-se em cima dos ovos
Que a ponta encostou no ás.

***

Admiro o vagalume
Enxergando de mato a dentro
Com sua lanterna acesa
Sem se importar com o vento
Apaga de vez em quando
Poupando seus elementos.

(“elemento” no linguajar nordestino é pilha)


***

No tempo da mocidade
Eu também já fui vaqueiro.
Não tinha jurema grossa,
Mororó nem marmeleiro.
Fui cabra de vista boa,
Negro de corpo maneiro.

***

SEVERINO PINTO E LOURIVAL BATISTA

Uma cantoria improvisada de Meia-Quadra nos anos 70

Constante da coleção Música Popular do Nordeste, organizada por Marcus Pereira

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

NO DIA DO NORDESTINO, DOIS GRANDES REPENTISTAS DA


TERRA
Publicado em 8 de outubro de 2021

Valdir Teles e João Paraibano glosando o mote:

Deus pintou o sertão de poesia


Meu orgulho é ser filho do sertão

***

Valdir Teles (1956-2020) e João Paraibano (1953-2014)

***

IMPROVISOS DE JOÃO PARAIBANO E VALDIR TELES

João Paraibano

Eu fiz meu verso da grota


Que secava no verão,
Da cera que eu colocava
Na ponteira do pião,
No baião da lata seca
Nas pedras do cacimbão.
Valdir Teles

Minha mulher já brigou


Com minha própria cunhada,
Chamou a irmã safada
Porque me cumprimentou.
Inda ontem perguntou
Por que é que essa cadela,
Só vem na minha janela
Quando você se apresenta?
Eita mulher ciumenta
Essa que casei com ela!…

João Paraibano

A cabra abana as orelhas


para espantar o mosquito,
e se acocora lambendo
os cabelos do cabrito,
depois vai olhar de longe
pra ver se ficou bonito!

Valdir Teles

Pra quem vive encarcerado


Uma hora vale três
Um dia vale a semana
A semana dura um mês
Trinta dias dura um ano
E um século de desengano
Pra quem vive no xadrez

João Paraibano

Vê-se a serra cachimbando…


Na teia, a aranha borda;
O xexéu canta um poema;
Depois que o dia se acorda,
Deus coloca um batom roxo
Na flor do feijão de corda.

Valdir Teles

Meio-dia o sol é quente


Mas de maneira adversa
A luz que encandecia
A tarde raia dispersa
O sol vira mar de ouro
E o céu um tapete persa.

João Paraibano

Do nevoeiro pra o chão


a nuvem faz passarela;
o sapo pinota n’água,
entra na lama e se mela;
faz uma cama de espuma
pra cantar em cima dela.

Valdir Teles
(Quando da morte de Pinto do Monteiro)

No momento em que Pinto faleceu


As violas pararam de tocar
Deus mandou o Nordeste se enlutar
Respeitando o valor do nome seu
Pernambuco ao saber entristeceu
Paraíba até hoje está doente
Só tem galo cantando atualmente
Porque Pinto mudou-se do poleiro
Com a morte de Pinto do Monteiro
Abalou-se o império do repente.

João Paraibano

Sempre vejo a mão divina


no botão de flor se abrindo,
no berço em que uma criança
sonha com Jesus sorrindo;
a mão caçando a chupeta
que a boca perdeu dormindo.

Valdir Teles

Pai vinha de São José


Com uma bolsa na mão
Minha mãe abria a bolsa
Me dava a banda de um pão
Porque se desse o pão todo
Faltava pro meu irmão

João Paraibano

Cai a chuva no telhado,


a dona pega e coloca
uma lata na goteira,
onde a água faz barroca:
cada pingo é um baião
que o fundo da lata toca.

Valdir Teles

Aprendi a cantar vendo um chiqueiro


Entupido de bode e de marrã,
Um vaqueiro ordenhando de manhã,
Um suíno fuçando no terreiro,
Vinte ou trinta galinhas no poleiro,
Um bichano dormindo num fogão,
Um jumento espojando no oitão
E um cachorro debaixo de uma mesa
Aprendi a cantar a natureza
Pesquisando a história do sertão.

João Paraibano

Quando esbalda o nevoeiro,


rasga-se a nuvem, a água rola,
um sapo vomita espuma;
onde o boi passa se atola,
e a fartura esconde o saco
que a fome pedia esmola.

Valdir Teles

No sertão a fartura as vezes dobra


Quando a máquina da chuva funciona,
Milho verde, jerimum, feijão, mamona,
Toda casa do sítio tem de sobra.
Quando o tejo é mordido pela cobra,
Mete o dente no tronco de um pinhão,
Recebe o leite que serve de injeção
Contra o líquido que a cobra tem na presa
Aprendi a cantar a natureza
Pesquisando a história do sertão.

João Paraibano

O que mais me admira


É ver o sapo inocente
Que gosta de lama fria
Mas detesta a terra quente
Vendo da cobra o pescoço
Pinota dentro do poço
Pra se livrar da serpente.

Valdir Teles

Em lagoa, riacho, rio e poço


A traíra constrói sua morada
Se a quentura do sol não lhe agrada
O porão do açude é um colosso
É o peba um trator de carne e osso
Faz alavanca da unha e cava o chão
Pra fazer sua própria construção
Sem gastar um centavo de despesa
Aprendi a cantar a natureza
Pesquisando a história do sertão.

João Paraibano

Faço da minha esperança


Arma pra sobreviver
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.

Valdir Teles

Sem ter nível, colher, prumo e escada


João de barro tornou-se um arquiteto
Aprendeu com Jesus fazer projeto
Pra depois construir sua morada.
Na beleza da pena desenhada
Outra ave não ganha do pavão
Foi pintada com tanta perfeição
Pra não ser superado na beleza
Aprendi a cantar a natureza
Pesquisando a história do sertão.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

A VIDA DE CANCÃO DE FOGO (2ª PARTE) – LEANDRO GOMES


DE BARROS
Publicado em 1 de outubro de 2021
O autor Leandro Gomes de Barros, Pombal-PB (1865-1918) e seu cordel

***

SEGUNDA PARTE

Eis o final formidável


Da história de Cancão,
O ente mais trapaceiro
Que houve nesta nação,
Pra ele tudo era fácil
Sem precisar ser ladrão.

Ficou no outro volume


O Alfredo e o Cancão,
Pedindo esmola ao povo
Para São Sebastião,
Mas o santo nem sequer
Viu a sombra dum tostão.

Ao cabo de quatro meses


O vigário já cismado,
Foi aonde Alfredo disse
Que tinha sido criado,
Lhe disseram que ali
Tempo algum tinha morado.

O padre ficou sem fala


Ao saber daquele horror,
Torceu-se como serpente
No mais tremendo furor,
Subiu o sangue a cabeça
Quase dar-lhe um estupor.

Enquanto isso Cancão


Junto com seu secretário,
Sorria bem satisfeito
Dizendo: que pare otário,
Desta vez nós ensinamos
O padre nosso ao vigário.

Um dia Cancão de Fogo


Consultou o companheiro,
Dizendo: somos felizes
Temos bastante dinheiro,
Já temos mais de três contos
Vamos ao Rio de Janeiro?

– Pode ser que aquele padre


Venha nos incomodar,
E nós estando distante
É fácil de se escapar,
Lá comeremos do bom
Pois temos para gastar.

Alfredo achou muito boa


A ideia de Cancão,
E disse vamos amigo
Sou ave de arribação,
Aonde não me servir
Mudemos de posição.

E seguiram para o Rio


Como Cancão calculou,
Depois de oito ou dez dias
A precatória chegou,
Nem notícia de Cancão
A autoridade achou.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


A VIDA DE CANCÃO DE FOGO (1ª PARTE) – LEANDRO GOMES
DE BARROS
Publicado em 24 de setembro de 2021

O autor Leandro Gomes de Barros, Pombal-PB (1865-1918) e seu cordel

***

PRIMEIRA PARTE

Leitor se não se enfadar


Desta minha narração,
Leia a vida deste ente
E preste toda atenção,
Que foi o quengo mais fino
Desta nossa geração.

Pois ele desde criança


Sabia a tudo iludir,
Estradeiro muito velho
Não pode a ele competir,
O Cancão nunca armou laço
Que alguém pudesse sair.
Cigano que no Egito
O temiam como lobo,
Entre todos os ladrões
Era professor de roubo,
Chegou aqui no Brasil
O Cancão fez dele um bobo.

Até na hora da morte


O Cancão caloteou,
Com o Testamento dele
Inda o juiz se enrascou,
O escrivão recebeu
Um processo que tomou.

Na vida dele houve caso


De chamar a atenção,
Muita gente talvez pense
Que seja exageração,
Ia um ladrão roubar ele
Ele roubava o ladrão.

Agora vamos saber


Quem era esse tal Cancão,
Descrever os sinais dele
Costumes e propensão,
Para podermos entrar
Em sua apreciação.

Cancão era um apelido


Que os irmãos lhe puseram,
Pelas as travessuras dele
Esse apelido lhe deram,
Por ele nunca querer
O que os parentes quiseram.

Ele era um branco moreno


De olhos agateados,
O rosto largo pequeno
Os cabelos estirados,
Não eram preto nem louro
Eram quase acastanhados.

O corpo muito franzino


E muito pouco comia,
Vivia sempre pensando
De noite pouco dormia,
Não confiava em ninguém
E nem contava o que via.

No quengo é que não se pode


Dar dele uma descrição,
Só posso classificá-lo
Como grande aberração,
Um caso extraordinário
Enfeites da criação.

Porque admira a todos


Este ente se criar,
E enganar a todo mundo
E ninguém o enganar,
Nunca achou um estradeiro
Que pudesse o enrascar.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

DOIS POEMAS DE CANCÃO


Publicado em 17 de setembro de 2021

João Batista de Siqueira, Cancão, São José do Egito-PE (1912-1982), foi poeta
***

MEU LUGAREJO

Meu recanto pequenino


De planalto e de baixio
Onde eu brincava em menino
Pelos barrancos do rio
Gigantescos braunais,
Meus soberbos taquarais
Cheios de viço e vigor
Belas roseiras nevadas
Diariamente abanadas
Das asas do beija-flor

A terra da catingueira
Criada na penedia
Onde a ave prazenteira
Canta a chegada do dia
Planalto, ribeiro, prado
Onde até o próprio gado
Parece ter mais prazer
Terreno das andorinhas
Onde arrulham mil rolinhas
Quando começa a chover

A borboleta ligeira
Que desce do verde monte
Passa voando maneira
Roçando as águas da fonte
As aragens dos campestres
Pelas florzinhas silvestres
Atravessam sem alarde
Quando o sol se debruça
A Natureza soluça
Nas sombras do véu da tarde

Terreno em que os sabiás


Cantam com mais queixumes
Belas noites de cristais
Cravadas de vaga-lumes
Meus mangueirais magníficos
Por onde os ventos pacíficos
Atravessam mansamente
Verdes matas perfumadas
Nas lindas tardes toldadas
Das cinzas do sol poente

Esvoaçam, preguiçosas,
As abelhas pequeninas
Tirando néctar das rosas
Das regiões campesinas
Os colibris multicores
Pelos serenos verdores
Perpassam com sutileza
O orvalho cristalino
Lembra o pranto divino
Dos olhos da Natureza

Palmeiras que o rouxinol


Canta ainda horas inteiras
As auras do pôr-do-sol
Soluçam nas laranjeiras
A pelúcia aveludada
De muitas flores bordada
Desde o vale até o outeiro
Lugar em que cada planta
Soluça, sorri e canta
Pelos trovões de janeiro

Deslumbra a gente o encanto


Das borboletas douradas
Pousarem no róscio santo
Das manhãs cristalizadas
Fingem variadas fitas
De fato que são bonitas
Porém se fingem mais belas
Que a divina Natureza,
Por ter-lhes posto a beleza,
Deu mais vaidade a elas

Oh, noite de Lua cheia


De minha terra querida!
Lindas baixadas de areia
Princípios da minha vida
Lugares de despenhado
Onde gozei, descansado
Sombra, frescura e carinho
Bosque, vale, serrania
Lugares onde eu vivia
Em busca de passarinho

Os colibris delicados
Pelas manhãs de neblina
Passam voando vexados
Na vastidão da campina
Nos frondosos jiquiris
Dezenas de bem-te-vis
Elevam seus madrigais
Lugar que grita o carão
Olhando o santo clarão
Primeiro que o dia traz

As pequeninas ovelhas
Descem buscando o aprisco
Colhendo ainda as centelhas
Do sol ocultando o disco
Seguem pelas mesmas trilhas
Como que sejam as filhas
Dum pastor que lhes quer bem
Recebendo ainda as cores
Dos derradeiros rubores
Que o céu do oeste tem

Vivia sempre brincando


Fosse de noite ou de dia
Na alma se apresentando
Um mundo de poesia
Minhas queridas delícias
Aquelas santas primícias
Se passaram como um hino
Hoje só resta a lembrança
Do tempo em que fui criança
No meu torrão pequenino.

***

MINHA MENINICE

Foi-se meu tempo de flores


A data da inocência
Dos primeiros resplendores
Do sol da minha existência
Meu palacete dourado
Puramente bafejado
Das brisas celestiais
Felizes dias risonhos
Foram ilusões, foram sonhos
Que ao despertar não vi mais.

Estórias de belas vindas


De príncipes, reinos e fadas
Atrás de princesas lindas
Que ainda estão encantadas
Depois da hora da ceia
Ia saltar sobre a areia
Logo que a lua surgia
Sentia a má impressão
Olhando a sombra no chão
Fazendo o que eu fazia.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS E UM FOLHETO DE ABC
Publicado em 27 de agosto de 2021

Moacir Laurentino e Sebastião da Silva glosando o mote:

A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

Sebastião da Silva

Eu passeei com meu bem


Pelo cantinho da sorte,
Já cruzei de Sul a Norte,
De Leste a Oeste também
E o destino ingrato vem
Nos deixa dores, sequela,
E hoje da minha bela
Tenho lembrança e mais nada.
A poeira da estrada
Apagou o nome dela.
Moacir Laurentino

O antigo casarão
Do meu amor verdadeiro,
Que eu abracei no terreiro,
Lhe dei aperto de mão,
Hoje só tem solidão,
A tristeza e a sequela,
Está velhinha a cancela,
Pendida e escancarada.
A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

Sebastião da Silva

Naquele belo recanto,


Que foi nossa moradia,
Onde havia Cantoria,
Muita festa em todo canto,
Houve novena de santo,
No altar e na capela,
Só tem o santo e a vela,
Onde a missa era rezada.
A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

Moacir Laurentino

A mulher que me amou,


Que me queimou como brasa,
Eu fui visitar a casa
E tudo se divisou,
A saudade ela deixou,
A sua saia amarela,
O resto de uma chinela
E uma blusa remendada.
A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

Sebastião da Silva

Naquela nossa casinha,


Que tinha na encruzilhada,
Bem na beira da estrada,
A casa era dela e minha,
Lá o nome dela tinha,
Desenhado na janela,
Mas hoje não estou com ela
E a casa já está fechada.
A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

***

Geraldo Amâncio glosando o mote:


Pra que tanto tesouro acumulado
Se ninguém leva nada no caixão.

Não adianta um pecador enganar


E nessa vida viver da fase crítica
Entre luta, entre roubo, entre política
Pra depois nesse mundo ele enricar
Que se a gente também for comparar
Desde um rico para um pobre cristão
Para Deus vale mais quem pede um pão
Do que um presidente ou deputado
Pra que tanto tesouro acumulado
Se ninguém leva nada no caixão.

***

Bob Motta glosando o mote:

Quer ver cachaça o que faz?


Não beba e preste atenção…

Chama cachorro de cacho,


chama mestre de aprendiz,
militar de militriz,
e nunca sossega o facho.
Bêbado de cima abaixo,
anda nu na multidão,
caga em cima do balcão,
não deixa ninguém em paz,
Quer ver cachaça o que faz?
Não beba e preste atenção…

***

Rafael Neto glosando o mote:

Me afoguei na maré da sedução


Quando o barco do amor perdeu o rumo.

Já cruzei muitos mares caudalosos,


Porém nesse eu quase perco a vida.
Nesse barco a passagem é só de ida
Nos prazeres dos mares ondulosos,
Meus desejos carnais são poderosos
Pra tirar minha vida do seu prumo,
E pra viver ou morrer eu mesmo assumo,
Que o culpado de tudo é a paixão.
Me afoguei na maré da sedução
Quando o barco do amor perdeu o rumo.

***

ABC PARA LEMBRAR RAULZITO E GONZAGÃO – Rouxinol do Rinaré


Amigos que apreciam
Meus cordéis, peço atenção
Pois vou falar de dois mitos
Saudosos dessa nação
No ABC pra lembrar
Raulzito e Gonzagão.

Baião é ritmo dançante


Do nordeste brasileiro
Se originou da toada
Do popular violeiro
E imortalizou Luiz
Nosso maior sanfoneiro.

Cantando, Luiz Gonzaga,


Resgatou nosso nordeste
Tocou baião, polca e xote,
Com o baião passou no teste
Engrandeceu nosso chão
Como um bom “cabra da peste”.

Declarou Luiz Gonzaga:


– Após a minha partida
Eu quero enfim ser lembrado
Como quem cantou a lida
Do sertanejo e amou
Toda essa gente sofrida.

Eu quero que não esqueçam


Que cantei sempre o sertão
Os padres, os cangaceiros,
O covarde, o valentão,
As secas, os animais,
E as aves de arribação…
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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UMA DUPLA EM CANTORIA E UM CORDEL DE PARAIBÊS


Publicado em 30 de julho de 2021

A talentosa dupla de cantadores Rogério Menezes e Chico Alves em duas cantorias:

O açude Tá cheio, o chão molhado

***

Desafio em Galope a Beira-Mar


***

DICIONÁRIO DE PARAIBÊS – Vicente de Campos Filho

Todos sabem no Brasil


Que o idioma é português
Assim como lá na França
Todos falam o francês
Por isso, na Paraíba
Falamos PARAIBÊS.

Quem não tem dinheiro é LISO


Quem é rico é ESTRIBADO
Não ter como cair morto
É ser LISO E LASCADO
Quem não dá sorte é PÉ FRIO
Quem tem sorte é CAGADO.
Axila é SUVACO
Cisco no olho é ARGUEIRO
Longe é LÁ NA CAIXA PREGO
Matuto é BERADEIRO
O alcoólatra é PINGUÇO
Mas também é CACHACEIRO.

Um mal cheiro é uma CATINGA


Também pode ser INHACA
Na axila é SUVAQUEIRA
Quem fecha um botão ATACA
Quem se vai PEGA O BECO
Quem entra em casa EMBURACA.

Longe é a BAIXA DA ÉGUA


O ali é ACULÁ
Devagar é SÓ NA MANHA
Correr é DESIMBESTAR
O de cima é o de RIBA
Botar no chão é ARRIAR.

Mulher bonita é VISTOSA


Mulher feia é CANHÃO
Quem se zanga DÁ A GOTA
Quem dá bronca DÁ CARÃO
Menino que anda lento
OH… MENINO REMANCHÃO!

O otário é MANÉ
O malandro é MALAQUIA
Estar com pressa é AVEXADO
Dizer: “Vem logo” é “AVIA”
E quem se espanta com algo
Diz assim: “AFF MARIA!”.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


UMA DUPLA EM CANTORIA E OS VERSOS DE UM POETA
Publicado em 18 de junho de 2021

A dupla Valdir Teles e João Paraibano improvisando com o mote:

Deus pintou o sertão de poesia


Meu orgulho é ser filho do sertão

***

Fabio Gomes

Quem diz que esse corona


É praga do fim do mundo
Não sabe o que está dizendo
Nem seu pensar é profundo
Desconhece o próprio nome
Não sabe o que é passar fome
Ou não ter o que comer
Lhe aconselho, esse menino
Pergunte a um nordestino
E ele vai lhe dizer.

A fome é doença braba


Não quero nem no meu mote
É difícil amanhecer
Tendo só água no pote
É algo triste na vida
Ver filho pedir comida
E você sem ter pra dar
Diga sim ou não, senhor
Existe acaso, uma dor
Maior pra se suportar?

Quando esse vírus surgiu


Mesmo sem ser tão letal
Fizeram em poucos dias
Um enorme hospital
Se do dinheiro investido
Fosse um por cento investido
Em alimento ou comida
Eu sou um dos tais que diz
Seria um mundo feliz
Com muito mais luz e vida.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM COMOVENTE POEMA DE PINTO DE MONTEIRO


Publicado em 11 de junho de 2021

Severino Lourenço da Silva Pinto, Monteiro-PB (1895-1990). Um gênio da cantoria


improvisada nordestina. Saiba mais sobre ele no Wikipédia

Eu comparo esta vida


à curva da letra S:
tem uma ponta que sobe
tem outra ponta que desce
e a volta que dá no meio
nem todo mundo conhece

***

POR QUE DEIXEI DE CANTAR

Recebi mais de um poema


Fazendo interrogação
Por que eu da profissão
Mudei de rumo e sistema
Resolverei um problema
De não poder tolerar
Muita gente a perguntar
Ansiosa pra saber
Em verso vou responder
Por que deixei de cantar.

Deixei porque a idade


já está muito avançada
A lembrança está cansada
O som menos da metade
Perdi a facilidade
Que em moço possuía
Acabou-se a energia
Da máquina de fazer verso
Hoje eu vivo submerso
Num mar de melancolia.

Minha amiga e companheira


Eu embrulhei de molambo
Pego nela por um bambo
Para tirar-lhe a poeira
Hoje não tem mais quem queira
Ir num canto me escutar
Fazer verso e gaguejar
Topar no meio e no fim
Canto feio, pouco e ruim
Será melhor não cantar.

Não foi por uma pensão


Que o governo me deu
Por que o eu do meu eu
Não me dá mais produção
Cantor sem inspiração
Tem vontade e nada faz
Eu hoje sou um dos tais
Que ninguém quer assistir
Nem o povo quer ouvir
Nem eu também posso mais.

Ando gemendo e chorando


E vendo a hora cair
O povo de mim fugir
E a canalha mangando
E eu tremendo e tombando
Sem maleta e sem sacola
Hoje estou nesta bitola
Por não ter outro recurso
Carrego a bengala a pulso
Não posso andar com a viola.

Com a matéria abatida


Eu de muito longe venho
Com este espinhoso lenho
Tombando na minha vida
Tenho a lembrança esquecida
Uma rouquice ruim
A vida quase no fim
A cabeça meio torta
Quem for moço tome conta
Cantar não é mais pra mim.

Já pelo peso de oitenta


E uma das primaveras
Dezesseis lustros, oito eras,
E a carga me atormenta
O corpo não se sustenta
Quando anda cambaleia
Cantador de cara feia
Se eu for lhe assistir
Por isso deixei de ir
Para cantoria alheia.

Estes oitenta e um degraus


Que acabei de subir
Foi só para distinguir
Quais são os bons e os maus
Por cima de pedra e paus
Tive atos de bravura
Hoje só tenho amargura
Tormento dor e cansaço
Passando de passo a passo
Por cima da sepultura.

Existe uma corriola


De sujeito vagabundo
Que anda solta no mundo
Pelintra e muito gabola
Compra logo uma viola
Da frente toda enfeitada
Só canta coisa emprestada
Mentir, fazer propaganda
Dizendo por onde anda
Que topa toda parada.

E ver em certos meios


Gente cantando iê-iê-iê
Arranjar dois LP
Tudo com versos alheios
Eu estou de saco cheio
De não poder tolerar
A muita gente escutar
Dizer viva e bater palma
Isso me doeu na alma
Fez eu deixar de cantar.

Fiz viagem de avião


A pé, a burro, a cavalo
De navio, outras que falo
De automóvel e caminhão
Cantando em rico salão
Muito moço, gordo e forte
Passei rampa, curva e corte
Para findar num retiro
E dar o último suspiro
Na emboscada da morte.

Corrente, fivela, argola,


Picinez, óculos, anel,
Livro, revista, papel,
Arame, bordão, viola,
Mala, maleta, sacola,
Perfume, lenço, troféu,
Roupa, sapato, chapéu,
Eu não posso conduzir
Quando for para eu subir
Na santa escada do céu.

Nunca pensei num tesouro


Que estava pra mim guardado
Quando fui condecorado
Com uma viola de ouro
O riso tornou-se um choro
O armazém em bodega
A cara cheia de prega
Ando tombando e tremendo
E as matutas dizendo:
Menino o velho te pega.

Não posso atender pedido


Que a mim fez muita gente
Porque estou velho e doente
Fraco, cansado, abatido,
De mais a mais esquecido
Sem som, sem mentalidade,
Ficou somente a vontade
Mordendo como formiga
Nunca mais vou em cantiga
Pra não morrer de saudade.
Vaquejada, apartação,
futebol e carnaval,
Véspera de ano e Natal
De São Pedro e São João
Dança, novela e leilão
E farra em botequim
Passear em um jardim
De braço com a querida
Neste restinho de vida
Não chega mais para mim.

Por não poder mais beber


Com meus colegas de arte
Das festas não fazer parte
Perdi da vida o prazer
Estou vivendo sem viver
Na maior fragilidade
Pelo peso da idade
Prazer pra mim não existe
Vou viver num canto triste
Até a finalidade.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

PINTO DO MONTEIRO, UM GÊNIO DO REPENTE


Publicado em 28 de maio de 2021
Severino Lourenço da Silva Pinto, o Pinto do Monteiro (1895-1990)

Improvisos de Pinto do Monteiro, denominado de A Cascavel do Repente, em


cantorias diversas

Lá no meio da caatinga,
Sem moradia vizinha
Bem na beira de um riacho
Um pé de palmeira tinha.
Meu avô, nesse lugar,
Começou a trabalhar
E chamar de Carnaubinha.
Parece que estou vendo
Um homem cortando cana;
Uma engenhoca moendo
Os três dias da semana.
Fazer cerca, queimar broca,
Raspar milho e mandioca,
Da massa, fazer farinha;
Comer com mel de engenho,
Ai, que saudades que eu tenho
Da minha Carnaubinha.

Ninguém deve ignorar


Porque Pinto do Monteiro
Largou de mão a viola
E passou a usar pandeiro
O volume é mais menor
E o pacote mais maneiro.

Eu admiro o tatu
Com desenho no espinhaço,
Que a natureza fez
Sem ter régua, nem compasso
Eu tenho compasso e régua,
Pelejo, porém, não faço.

Sua terra é muito ruim


Só dá quipá e urtiga
Planta milho, o milho nasce
Não cresce nem bota espiga
De legume de caroço
Só dá sarampo e bexiga.

Homem deixe de história


Que se eu for ao Pajeú,
Dou em Jó e dou em Louro,
Em Zé Catota e em tu,
E fico no meio da rua,
Cantando e dançando nu.

Em dezembro, começa a trovoada,


Em janeiro, o inverno principia,
Dão início a pegar a vacaria:
Haja leite, haja queijo, haja coalhada!
Em setembro, começa a vaquejada:
É aboio, é carreira, é queda, é grito!
Berra o bode, a cabra e o cabrito;
A galinha ciscando no quintal,
O vaqueiro aboiando no curral;
Nunca vi um cinema tão bonito!

Esta palavra saudade


Conheço desde criança
Saudade de amor ausente
Não é saudade, é lembrança
Saudade só é saudade
Quando morre a esperança.

Saudade é tudo e é nada


Saudade é como o perfume
Eu só comparo a saudade
Com o peso do ciúme
Que a gente carrega o fardo
Mas não conhece o volume.

Se você fosse uma franga


Eu ia pegar-lhe agora
Botar os dois pés em cima
As asas servir de escora
Dar-lhe um beliscão na crista
E o resto eu digo outra hora…

***

Pinto de Monteiro cantando com João Furiba:

João Furiba
Se você quiser ter sorte
na sua mercearia,
coloque uma etiqueta
em cada mercadoria
e ponha meu nome nela
que conquista a freguesia.

Pinto do Monteiro

Triste da mercadoria
que nela tiver seu nome!
Pode vir um guabiru
Com oito dias de fome,
Caga o pão, mija no queijo,
Passa por cima e não come.

***

No vídeo abaixo, Severino Pinto e Lourival Batista cantando de improviso o gênero


Meia Quadra.

Constante da Coleção Música Popular do Nordeste, com 4 discos, lançada em 1972.

A abertura da cantoria é feita por Lourival.


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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

JÓ PATRIOTA E UM DOCUMENTÁRIO SOBRE ROGACIANO LEITE


Publicado em 7 de maio de 2021

A GENIALIDADE DE JÓ PATRIOTA:

Eu comparo a nossa vida


Com o mar irritado e forte
Alguma bússola indicando
Leste, oeste, sul e norte
Dum lado a praia da vida
Do outro o porto da morte.

***

A gaivota sai da praia


Vai voando de mansinho
As estrelas são faróis
Que iluminam seu caminho
Se encanta tanto com os astros
Que finda esquecendo o ninho.

***

O meu prazer foi extinto


Hoje no meu pensamento
Passam como passa o vento
As alegrias que eu sinto
Fiz do mundo um labirinto
E saí em busca do amor
Encontrei um dissabor
Me oferecendo agonias
Porque minhas alegrias
São intervalos da dor.

***

A dor de mim se aproxima


E pra não perder a calma,
Passo uma esponja de rima
Nos ferimentos da alma.

***

Sinto que estou delirando


Tal qual o cisne vagando
Na superfície de um lago
Se não recebo um afago
Vai embora a alegria
A minha monotonia
Não há no mundo quem cante
Sou poeta delirante
Vivo a beber poesia!

***

Mote:

Na frieza da gruta o Deus Menino


Teve o bafo de um boi por cobertor.

Num recanto afastado de Belém


Fora onde uma Virgem Imaculada
Deu a luz à pessoa mais sagrada
Que se chamou de Cristo, o Sumo Bem…
Nessa noite Maria um prazer tem
De rezar o rosário com fervor
Contemplando seu fruto, o Redentor
Santo Corpo Sacrário Pequenino
Na frieza da gruta o Deus Menino
Teve o bafo de um boi por cobertor.

Foi assim que o rebento de Maria


No silêncio da simples manjedoura
Teve a mãe como santa defensora
E seu pai adotivo como guia
Nessa pobre e humilde hospedaria
Estalagem pequena sem valor
Entre pedra, capim, garrancho e flor,
Diferente de um prédio bizantino
Na frieza da gruta o Deus Menino
Teve o bafo de um boi por cobertor.

***

Mote:

Eu quero os teus seios puros


Nas conchas das minhas mãos!

Estes teus seios pulados


Nossos olhos insultando
São dois carvões faiscando
No fogão dos meus pecados…
São dois punhais aguçados
Ameaçando os cristãos
Para meus lábios pagãos
São dois sapotis maduros
Eu quero os teus seios puros
Nas conchas das minhas mãos!

***

Mote:

Frágeis, fragílimas danças


De leves flocos de espumas.

Na madrugada esquisita
O pescador se aproveita
Vendo a praia como se enfeita
Vendo o mar como se agita
Hora calmo hora se irrita
Como panteras ou pumas
Depois se desfaz em brumas
Por sobre as duras quebranças
Frágeis, fragílimas danças
De leves flocos de espumas.

***

Mote:

Tudo quanto eu sofrer na minha vida


Só me queixo da tua ingratidão.

Eu pensei que tu eras inocente


Como a Virgem quando foi anunciada
Por mim mesmo tu foste comparada
Com a estrela Dalva refulgente
Que guiou os três reis do Oriente
A visita do Pai da Criação
Mas agora provaste a revelação
Que tiveste comigo foi perdido
Tudo quanto eu sofrer na minha vida
Só me queixo da tua ingratidão.

Tu de falsa roubaste o meu amor


Tu não tens coração mulher ingrata
Teu fingir cada vez mais me maltrata
Mais eu sofro, mais gemo, tenho dor
Se ao menos não fosse um cantador
Não conhecesse saudade nem paixão
Pois quem é desprezado sem razão
Perde até o direito da dormida
Tudo quanto eu sofrer na minha vida
Só me queixo da tua ingratidão.

***

O documentário “Reminiscência em prosa e versos” foi produzido em 2007 pela


jornalista itapetinense Tarcianna Lopes, contando uma história de Rogaciano Leite,
saudoso poeta pernambucano, artista sensível, notável orador, jornalista, exímio
declamador de poesia.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


GRANDES MESTRES DO REPENTE E UM FOLHETO DE CANCÃO
Publicado em 16 de abril de 2021

Lenelson Piancó

Quando a chuva passava aparecia


Muita água descendo o tabuleiro
E um açude na curva do terreiro
Com uma quenga de coco eu construía
Como eu nunca entendi de engenharia
Meu diploma foi só de agricultor
O açude não tinha sangrador
Toda vez que enchia, ele arrombava
No passado era assim que se criava
Um menino feliz e sonhador!

***

Cicinho Gomes

Eu admiro o canção
Na cabeça de uma estaca;
Olha pra baixo e pra cima
Acuando a jararaca
Como quem diz : “Ó meu Deus!
Ah se eu tivesse uma faca!”

Eu admiro demais
É uma gata parir,
Pegar o filho na boca,
Levar pra onde quer ir.
Nem fere o filho no dente,
Nem deixa o gato cair.

***

Bráulio Bessa

Sou o gibão do vaqueiro,


Sou cuscuz sou rapadura
Sou vida difícil e dura
Sou nordeste brasileiro
Sou cantador violeiro,
Sou alegria ao chover
Sou doutor sem saber ler,
Sou rico sem ser grã-fino
Quanto mais sou nordestino,
Mais tenho orgulho de ser.

Da minha cabeça chata,


Do meu sotaque arrastado
Do nosso solo rachado,
Dessa gente maltratada
Quase sempre injustiçada,
Acostumada a sofrer
Mais mesmo nesse padecer
Eu sou feliz desde menino
Quanto mais sou nordestino,
Mais orgulho tenho de ser.

Terra de cultura viva,


Chico Anísio, Gonzagão
De Renato Aragão
Ariano e Patativa.
Gente boa, criativa
Isso só me dá prazer
E hoje eu quero dizer
Muito obrigado ao destino,
Quanto mais sou nordestino
Mais tenho orgulho de ser.

***

Zé Saldanha

Sou poeta sertanejo,


Sei o caminho onde passo
Tem muito poeta grande
Que nunca fez o que faço
Nem sabe tudo que sei
Nem traça o traço que traço.

Baralho tem 4 ases,


Quatro Duques, 4 Três,
Quatro 4, quatro 5,
Quatro 8, quatro 6,
Quatro 9, quatro 7,
Quatro 10, quatro valetes,
Quatro Damas, quatro Reis.

***

Generino Batista

Nós somos dois caborés


cantando aqui neste escuro
é um em cima de um toco
o outro em cima de um muro
e quem tá de fora dizendo:
– Ô caborés sem futuro!.

Eu moro num pé de serra


que não sabe ler ninguém
o meu pai chama “promode”
minha mãe chama “quiném”
e o filho de um casal deste
que português é que tem?

***

Manoel Dodô

Na profissão de carreiro,
eu faço tudo e não deixo,
compro sebo ensebo o eixo,
a canga e o tamoeiro,
sete palmos de fueiro
medidos na minha mão,
uma vara de ferrão,
dois canzis de mororó:
carro de boi e forró
faz eu gostar do sertão.

***

UM FOLHETO DE JOÃO BATISTA DE SIQUEIRA, O CANCÃO


A CASA DO ÉBRIO

Era um casebre tristonho


De cujas paredes tortas
Vinha um rangido enfadonho
Dos gonzos de duas portas
As telhas já nodoadas
Duas roletas deitadas
Numa camarinha escura
O vento, quando passava
Parecia que falava
Nas frinchas das fechaduras.

Na parede do nascente
Um banco desmantelado
Um garrafão de aguardente
Que ainda havia sobrado
Junto ao quarto de dormida
Cera que foi derretida
Do resto de algumas velas
No chão, marcas de escarros
Cacos de vidros, cigarros
Rolavam por cima delas.

Uma rede remendada,


Outra parte descosida
Em um torno pendurada
Pela fumaça tingida
De um lado havia um cambito
Onde um couro de um cabrito
Sobre um arame pendia
Mais adiante, um jirau
Junto à travessa de um pau
Onde um morcego vivia.

Uma corda, uma rodilha


Bem acima de um caixão
Um pote, numa forquilha
Vazava junto ao fogão
Um gato cego e doente
Deitado sobre um batente
Por certo sentia sono
De fora, um jumento olhava
O seu olhar revelava
A malvadez do seu dono.

Uma vara de ferrão


A banda de uma tigela
Meio quilo de sabão
Embrulhado dentro dela
A banda de um cobertor
Atada em um armador
Onde havia um candeeiro
Uma camisa de saco
Mostrava por um buraco
A tampa dum tabaqueiro.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

DUAS DUPLAS EM CANTORIA E UM FOLHETO DE PELEJA


Publicado em 12 de fevereiro de 2021

Valdir Telles e João Paraibano glosando o mote:

Minha alma matuta foi gerada,


nas entranhas do ventre do sertão
***

Moacir Laurentino e Sebastião da Silva cantando em sextilhas:

***

PELEJA DE BERNARDO NOGUEIRA COM O PRETO LIMÃO – João Martins de


Athayde
Em Natal já teve um negro
Chamado Preto Limão
Representador de talento
Poeta de profissão
Em toda parte cantava
Chamando o povo atenção

Esse tal Preto Limão


Era um negro inteligente
Em toda parte que chega
Já dizia abertamente
Que nunca achou cantador
Que lhe desse no repente

Nogueira sabendo disto


Prestava pouca atenção
Dizendo: – eu nunca pensei
Brigar com Preto Limão
Sendo assim da raça dele
Eu não deixo nem pagão

O encontro destes homens


Causou admiração
Que abalou o povo em roda
Daquela povoação
Pra ver Bernardo Nogueira
Brigar com Preto Limão

Eu sou Bernardo Nogueira


Santificado batismo
Força de água corrente
Do tempo do Sacratíssimo
Quando eu queimo as alpercatas
Pareço um magnetismo
Me chamam Preto Limão
Sou turuna no reconco
Quebro jucá pelo meio
Baraúna pelo tronco
Cantador como Nogueira
Tudo obedece meu ronco

Seu ronco não obedeço


Você pra mim não falou
Até o diabo tem pena
Das lapadas qu’eu lhe dou
Depois não saia dizendo:
– Santo Antônio me enganou!

Bernardo eu não me enganei


Agora é que eu pinto a manta
Cantor pra cantar comigo
Teme, gagueja, se espanta
Dou murro em braúna velha
Que o entrecasco alevanta!

Você pra cantar comigo


Precisa fazer estudo
Pisar no chão devagar
Fazer o passo miúdo
Dormir tarde, acordar cedo
Dar definição de tudo…

Você pra cantar comigo


Tem de cumprir um degredo
Pisar no chão devagar
Bem na pontinha do dedo
Dar definição de tudo
Dormir tarde, acordar cedo…

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS
Publicado em 22 de janeiro de 2021

Pedro Nunes e Rômulo Nunes glosando o mote

No terreiro da casa do meu peito


Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

Vi riachos descendo apressados


De chapadas, de vales e baixios
Carregando nas águas para os rios
O adubo das terras do Sertão
Uma rosa infeliz que foi ao chão
No tumulto das águas fenecia
Cada pétala vermelha que caía
Me deixava inda mais insatisfeito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Se a cauã agorenta não mais canta,


Sertanejo já fica preparado,
Tira logo os bichos do roçado
E aguarda ansioso a chuva santa.
Seu depósito só tem milho de planta,
Resultado de sua economia
Tem feijão, jerimum e melancia
E um semblante alegre e satisfeito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

Os enfeites na casa de um vaqueiro


São as botas, perneiras e gibão,
Um chocalho com o ferro do patrão,
Uma peia, uma corda, um peitoral,
Nos dois loros estribos de metal
Passadores, fivelas, prataria,
Uma sela com boa montaria
Para homem nenhum botar defeito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Reviver o lugar que fui criado,


É para mim o desejo principal,
Esquipar em cavalo de pau,
Ossos velhos que eu tinha como gado,
Um pião com ponteira bem pesado,
Que eu jogava com muita maestria,
São brinquedos que eu tinha alegria,
Nem queria saber por quem foi feito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

No alpendre da casa onde eu morava,


Ouvi muitas histórias de vaqueiros,
De cruéis e terríveis cangaceiros
Que infestavam as estradas do Sertão
Foi Silvino, depois foi Lampião,
Atacando na hora que queria
E apesar do perigo que havia
Para idoso, mulher e homem feito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Bem sentado na calçada ou na cadeira,


Lá ouvia as estórias de trancoso
Sem dormir eu ficara bem medroso,
Mesmo assim não parava a brincadeira,
Quebra-pau, futebol, barra-bandeira,
Esconder, pular corda e academia,
Era assim que a vida me fazia,
Um garoto alegre e satisfeito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

Os vaqueiros famosos foram tantos


Nas caatingas fechadas do Sertão
Vi Cazuza, Ribinga e Militão,
Vi Charuto, Zé Mago e Oliveira,
Severino, Eugênio e Quixabeira,
Otaviano, Ricardo e Ventania
Eram homens de muita valentia
Para as lutas do campo e do eito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Eu queria viver na natureza,


Pra sentir o cheiro da neblina,
Vendo o açoite do galo de campina,
Bem alegre a voar com sutileza.
O xexéu e o concriz, quanta beleza,
O tatú, o preá, peba e cutia
Caçador que atira, é covardia,
Sem amor, insensível e sem respeito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

***

João Paraibano e Severino Feitosa glosando o mote:

O poeta é um ser iluminado


que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Cada verso que o repentista faz,


para mim tá presente em toda hora,
no tinido do ferro da espora,
na passada que vem dos animais,
na cor verde que tem nos vegetais
nas estrelas que têm no firmamento,
tá na cruz do espinhaço do jumento,
e no vaqueiro correndo atrás do gado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é um gênio que crepita


no espaço azul esmeraldino,
percorrendo as estradas do destino,
sem saber o planeta aonde habita,
sua mente pra o canto é infinita,
cada verso que faz é seu sustento,
é quem sabe cantar o parlamento,
sem ter voto pra ser um deputado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Uma vida vivida no sertão,


uma fruta madura já caindo,
um relâmpago na nuvem se abrindo,
um gemido do tiro do trovão,
meia dúzia de amigos no salão,
nem precisa de um piso de cimento,
minha voz, as três cordas do instrumento,
o meu quadro de louco está pintado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é um simples mensageiro,


que acaba uma guerra e um conflito,
ele sabe cantar o infinito,
todas pedras que têm no tabuleiro,
a passagem do fim do nevoeiro,
que ultrapassa o azul do firmamento,
que conhece o impulso desse vento,
todas as rosas que enfeitam o nosso prado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Foi mamãe que me deu a luz da vida


e me ensinou a viver da humildade,
eu nasci para ter felicidade,
porque toco na lira adquirida,
poesia me serve de bebida,
um concerto me serve de alimento,
uma pedra me serve de assento
e todo rancho de palha é meu reinado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é uma criatura


que procura mostrar, no seu caminho,
toda uva do fabrico de vinho,
e toda planta que faz nossa fartura,
é quem sabe cantar a amargura
da pessoa, que está num sofrimento,
é quem sabe cantar o regimento
do quartel, que Jesus é delegado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM POEMA DE MARIANE BIGIO (2)


Publicado em 8 de janeiro de 2021
A cordelista recifense Mariane Bigio, graduada em Comunicação Social e
especialista em Literatura de Cordel

***

UM VOO SOBRE O MAR

Te convido a escutar
A beleza da poesia
Do encontro entre as palavras
Com encanto e a magia
Feche os olhos e desfrute
Qual fosse uma melodia…

Sente ou deite, confortável


Respire profundamente
Inspire puxando o ar
Solte vagarosamente
Deixe que o ar penetre
E acalme a sua mente
Inspire como quem sente
O cheiro de uma florzinha
Expire como quem sopra
A chama de uma velinha
Sinta a calma se instalar
E sigamos nessa linha

Imagine uma prainha


Com longa faixa de areia
Ao longe se ouve o canto
De uma mamãe baleia
Que no fundo do oceano
Com seu filhote passeia

As ondas batem nas pedras


Nos recifes de corais
E se espraiam nos seus pés
Lhes trazendo água e sais
Na ciranda das marés
Cheias de “vens” e “vais”

Na areia, muitas conchas


E barcos a descansar
O Sol já se despediu
A leve brisa a soprar
E o som de alguns passarinhos
Vai cessando devagar

Os grãos de areia nos pés


Fazem massagem gostosa
Ouça o barulho do mar
É uma voz melodiosa
Como a sereia que canta
Com sua cauda escamosa

A Lua chega, brilhosa


Demonstrando realeza
Seu reflexo nas águas
É de extrema singeleza
É Deus mostrando pra gente
Como é bela a Natureza

Os coqueiros se balançam
As folhas dançam no ar
Como fossem guardiões
Guardando a beira-do-mar
Os siris saem das tocas
E seu balé vêm mostrar

O Céu é azul escuro


Negro céu com seus encantos
As nuvens, muito macias
O recobrem com seu manto
As estrelas vêm surgindo
Cada uma no seu canto

As constelações se mostram
Diante do seu olhar
Continue respirando
Pro seu corpo relaxar
Imagine que no céu
Você começa a voar

Flutuando lá em cima
Tão leve como uma pena
As nuvens tocam seu rosto
A brisa sopra serena
Imagine este passeio
Com a sua mente plena

Veja o jardim celeste


Com estrelas cintilantes
Seus dedos tocam nos astros
Que desgastam pó brilhante
Deixe que a paz enfim
Seja a sua tripulante

Volte aos poucos, respirando


Como um barco que regressa
Aterrize de seu voo
Tranquilamente, sem pressa
Foi uma breve viagem
E que com o pouso cessa

De volta à praia outra vez


Vá nas areias pisando
Sinta os grãos por entre os dedos
Aos seus pés, massageando
O canto da mãe baleia
Já vai se distanciando

A sereia que nadava


Já se vai, submergir
E aos pouquinhos você pode
Os seus olhinhos abrir
Ou quem sabe até prefira
Sonhar mais, até dormir

Que a poesia embale o sonho


E o verso possa ecoar
Preenchendo o coração
De quem deixou-se levar
Pelas ondas das palavras
Do Cordel pra Meditar….
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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM POEMA DE MARIANE BIGIO


Publicado em 1 de janeiro de 2021

A cordelista recifense Mariane Bigio, graduada em Comunicação Social e


especialista em Literatura de Cordel

***

A roupa que a gente veste


A roupa que veste a gente
A gente andava pelado
Isso foi antigamente
O Índio ‘inda anda assim
Se porta naturalmente
A gente é que se reveste
A roupa que a gente veste
A roupa que veste a gente

Tanta roupa diferente


Cada qual do seu jeitinho
Camisa, calça, vestido
Bem comprido ou bem curtinho
Tem roupa de ir à praia
Tem sunga, biquíni, saia
Tem maiô e tem shortinho

Se fizer um friozinho
A roupa faz ficar quente
Tem casaco, meia e gorro
Pra que o calor se sustente
No tecido é que se investe
A roupa que a gente veste
A roupa que veste a gente

Pode ser que o clima esquente


E o suor pingue da testa
Tem tecido leve e fino
Estampas fazem a festa
As mangas cortadas fora
Chapéus vêm em boa hora
Fazendo sombra modesta.

Às vezes a gente empresta


Pega emprestado também
Às vezes a gente ganha
A roupa que foi de alguém
Roupa usada do brechó
Roupa antiga da vovó
Bem miúda pro neném.

A roupa vai muito além


De uma casca exterior
Não precisa ser de marca
Nem ser cara, não senhor
Ser confortável convém,
Se ela nos faz sentir bem
Já é de grande valor.

Em uma história de amor


Caso haja um casamento
O traje de quem se casa
De acordo com o sacramento
Traduz significados
Nas roupas representados
Neste especial momento.

Pra nos proteger do vento


Um cachecol bem felpudo
As luvas vestem as mãos
Sendo de lã ou veludo
A roupa preta é pro luto
Padrão pro atleta astuto
Tem mesmo roupa pra tudo.

Até merecem estudo


As famosas vestimentas
De alguns ícones da história
Cuja a roupa salienta
Sua singularidade
Faraós na Antiguidade
Madona aos Anos Oitenta.

A lista aqui só aumenta


Elvis Presley com seu brilho
As moças de antigamente
As que usavam o espartilho
A Gueixa com seu Quimono
Pijama é pra quem tem sono
E os versos seguem seu trilho.

Às vezes de pai pra filho


A roupa é feio uma herança
Tem a batina do padre
Que batiza uma criança
Tem roupa que é fantasia
Se o carnaval principia
Pra poder entrar na dança.

Cor verde traz esperança


Para quem acreditar
Que a roupa muda o astral
E pode nos transformar
Tem roupa que comunica
Como bandeira que indica
À que viemos lutar.

A roupa pode falar


Simbolizar a Cultura
Através da indumentária
Um Povo se configura
Beleza que não se poupa
Uma ciranda de roupa
Que no mundo se costura.

São as cores, a textura


Fios a se entrelaçar
Tem as máquinas e as tinturas
Agulha, linha e tear
Norte ou sul, leste, oeste
A roupa que a gente veste
Tem histórias pra contar.

Roupa sempre vai mudar


A moda é sua regente
O estilo é particular
Da vitrine é independente
Do Nordeste ao sudeste
A roupa que a gente veste
A roupa que veste a gente!

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

A GENIALIDADE DE RONALDO CUNHA LIMA


Publicado em 13 de novembro de 2020
Ronaldo José da Cunha Lima, Guarabira-PB, (1936-2012). Foi advogado, promotor
de justiça, professor, poeta e político

***

CONVERSANDO COM MEU PAI

Na quietude d’aquela noite densa,


reclamei numa saudade a presença
do meu Pai, que há muito já morreu!…
Sorumbático e só, fiquei na sala,
sem ouvir de ninguém uma só fala:
todos dormiam entregues a Morfeu.

Continuei sozinho na vigília,


Contemplando a placidez da mobília,
num silêncio quase que perfeito;
quebrando apenas com o gemer da rede,
as pancadas do relógio na parede
e o pulsar do coração dentro do peito.

De repente, coberta com um véu,


uma nuvem nascia lá do céu,
na sala onde eu estava, caí…
era algo de espanto realmente
dissipa-se a nuvem lentamente
e vai surgindo a imagem do meu pai.

Boa noite, meu filho! E se assusta?


Tenha mais um pouco de calma, porque custa
novamente voltar por este trilho:
Eu rompi os umbrais da eternidade
para, em braços de amor e de saudade,
conversar com você, filho querido!…
Tenho assistido todos os seus passos,
suas lutas, vitórias e fracassos,
em ânsias que não posso mais contê-las:
eu lhe assisto, meu filho, todo dia,
em suas vitórias choro de alegria
e as lágrimas transformam-se em estrelas.

Tenho visto também seus sofrimentos


suas angústias, dores e tormentos
e esperanças que foram já frustradas;
tenho visto, meu filho, da eternidade,
o desencanto de sua mocidade
e o pranto de suas madrugadas.

Compreendo, também, sua tristeza


ante a ânsia que traz na alma presa
de adejar cortando monte e serra;
sua ânsia de voar, cantando notas,
misturar seu voo ao das gaivotas,
que beijam os céus sem deixar a terra.

Mas, ao lado dos atos de grandeza,


você me causa, filho, também tristeza,
em desgosto minh’alma já flutua:
Ontem, porque não estava pronta a ceia,
pra sua mãe você fez cara feia,
bateu a porta e foi jantar na rua.

Você não soube, meu filho, e no entanto,


Ela caiu prostrada em um pranto
soluçando seu íntimo desgosto.
Nunca mais, meu filho, isto faça,
pois para o filho não há maior desgraça
que em sua mãe deixar rugas no rosto.

Nunca mais a ofenda, nem de leve!…


O seu amor a ela aos céus eleve
e escute sempre, sempre o que ela diz.
Peça a Deus para durar sua existência
e, se assim fizer de consciência,
você, na vida, tem que ser feliz.

Conduza-se na vida com altivez,


fazendo da probidade, da honradez,
para você o seu forte brasão;
aprofunde-se, meu filho, no estudo,
fazendo da justiça o seu escudo,
amando o povo como ao seu irmão.

Continue no trabalho a que se entregas


sem temer obstáculo nem refrega,
pois com a vitória sempre você vai,
e se assim fizer, querido filho,
sua vida há de ser toda de brilho,
e honrará o nome de seu pai.

E nisso a nuvem comoventemente,


aos poucos se junta novamente,
envolvendo meu pai num denso véu;
e num olhar meigo e bem sereno,
dirige para mim um triste aceno
e vai de novo subindo para o céu!

E eu fiquei chorando de saudade,


alimentando aquela ansiedade,
sem poder abrandá-la. Que castigo!
Por isso nunca mais dormi. Vivo na ânsia,
esperando que meu Pai rompa a distância,
pra vir de novo conversar comigo!

***

HABEAS PINHUS

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


OTACÍLIO BATISTA, UM GÊNIO DA CANTORIA NORDESTINA
Publicado em 2 de outubro de 2020

***

Alguns repentes de Otacílio Batista:

Nas brancas sereias formosas da praia


Um homem com trinta e seis anos de idade
Chorava com pena dessa humanidade
Que tomba, desmaia, delira e fracassa
Usava um túnica da cor de cambraia
Seus olhos brilhavam sem pestanejar
Nenhuma sereia podia imitar
Sua voz de veludo a Deus dirigida
Eu sou o caminho, a verdade e a vida
Palavras de Cristo na beira do mar.

***

Um caboclo na cabana
Deitado em sua palhoça
Olhando o verde da roça
Diz sorrindo pra serrana:
Bote um traguinho de cana.
Bebe, tempera a garganta
Almoça, pensa na janta
Faz um cigarro de fumo
Abre a porta e sai no rumo
Da sombra de qualquer planta.

***

Essa terra prendeu meu coração


Sua brisa daqui é mais suave,
O seu som para mim, pois é mais grave
O oceano possui mais perfeição,
Esse povo tem mais educação
E essa gente daqui é muito boa,
Quando olho a paisagem da lagoa
Para mim, pois imita um jardim,
É por isso que eu digo sempre assim
Deus me livre sair de João Pessoa.

***

Ao romper da madrugada,
um vento manso desliza,
mais tarde ao sopro da brisa,
sai voando a passarada.
Uma tocha avermelhada
aparece lentamente,
na janela do nascente,
saudando o romper da aurora,
no sertão que a gente mora
mora o coração da gente.

***

O cantador violeiro
longe da terra querida,
sente um vazio na vida,
tornando prisioneiro,
olha o pinho companheiro,
aí começa a tocar,
tem vontade de cantar,
mas lhe falta inspiração.
Que a saudade do sertão
faz o poeta chorar.

***

Seis Poetas geniais


honram da poesia o manto,
seis estrelas divinais,
que o mundo admira tanto:
Dante, Camões e Virgílio,
Louro, Dimas e Otacílio,
Não morrem, mudam de canto.
***

Há beijo que vale o beijo


Porém meu avô dizia:
Atrás dos lábios que beijam
Vive oculta a covardia,
Com os dentes que dilaceram
E a língua que calunia.

***

Fiz da santa poesia a mensageira


Da pobreza mais pobre do país,
É pequeno o poeta que não diz
Quanto sofre a criança brasileira
Ninguém pode viver dessa maneira
Sem um teto, sem lar, sem pão, sem nome
Quem é filho de rico bebe e come,
Quem é filho de pobre não escapa,
As crianças sem papa pedem ao PAPA
Santo Papa dê papa a quem tem fome.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

DOIS MOTES BEM GLOSADOS E UM FOLHETO BUNDEIRO


Publicado em 25 de setembro de 2020

Lenildo Ferreira glosando o mote

Fez de mim objeto descartável


Que usou, abusou e jogou fora

Todo mundo sonha com um grande amor


Com alguém que o ame de verdade
Hoje lembro sem um pingo de saudade
E até com um tanto de torpor
Como fui inocente e credor
Enganando-me com o teu olhar outrora
Pois a alma apaixonada ignora
E ignorei o quanto eras miserável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Eu pensei reconhecer em um olhar


O haver verdade em alguém
E em ti acreditei ver tanto bem
Que desejei mais ainda te amar
Hoje sei, depois de todo o penar
Que ao semblante o fingimento se incorpora
E fingida é o que fostes cada hora
Me tornando um idiota memorável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Ainda assim, depois do que me aprontou


Sei que agora faz carinha de inocente
E com esse jeito engana a muita gente
Assim como igualmente me enganou
Se faz vítima daquele a quem vitimou
Mas quem te apoia ainda terá a sua hora
Pois uma cobra sempre morde sem demora
E tu és cobra, venenosa, incurável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Quando mais precisastes de alguém


Lá estive para poder te apoiar
Te dizendo o que sonhavas escutar
E jamais te foi dito por ninguém
Eu te fiz muito mais que muito bem
E me pagaste como declaro agora
Com ingratidão e mentira por penhora
Numa atitude totalmente inexplicável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Eu me culpo, me arrependo, me castigo


Por ter sido o que para ti me fiz ser
O homem que toda mulher deseja ter
Carinhoso, indulgente, grande amigo
Pois em troca, tu fostes para comigo
Traiçoeira e maldosa, indo embora
Tão logo tua dor teve melhora
E meu amor então tornou-se dispensável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Mas bem sei que a Justiça não falhará


E do mal que me fizestes terás troco
Teu coração também será feito de louco
Por alguém que, sorrindo, te enganará
E, nesse dia, você se lembrará
Que este é o saldo de tua troca de outrora
Mal por mal, também levarás um fora
E chorarás, dizendo em pranto lastimável:
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora.

***

Carlos Severiano Cavalcanti glosando o mote:

Revelei o meu filme preto-e-branco,


O retrato exibiu sertanidade.

No Nordeste, saí a cavalgar,


percorri o sobejo das restingas,
contornei as arestas das caatingas
sob o sol, procurei fotografar
a paisagem sem vida do lugar,
na intenção de mostrar a fealdade
do sertão quando traz a soledade
e borrifa de suor o meu potranco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Xiquexique sem flor junto a facheiros,


galhos secos torcidos nos arbustos,
vegetais tortuosos e combustos
espetando as encostas dos outeiros.
Carrascais entorroam tabuleiros
das coroas furentas, as de-frade
que vicejam naquela imensidade
quando o sol cobre a rocha em cada flanco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Legiões de famintos retirantes


fugitivos do fogo da coivara,
passageiros de muitos paus-de-arara,
buscam vidas em terras mais distantes.
Os que ficam são trôpegos errantes,
filhos órfãos da mãe calamidade,
empurrados à marginalidade
na vivência cruel desse atravanco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Já cansado de ver triste paisagem,


desisti de esporar o meu cavalo,
preferi buscar água pra lavá-lo,
procurando abrandar nossa viagem.
Entretanto, faltou-nos a coragem,
o cansaço tirou-me a agilidade,
o potranco a mostrar debilidade,
percebi que o cavalo estava manco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Meu cavalo cansou. Faltou ração.


Acabaram-se os filmes que comprei,
todos eles eu mesmo revelei,
registrei a crueza do sertão.
No meu álbum deixei a coleção
tradutora da dor e da orfandade,
com perfis exibindo obesidade,
nessa vida de rude solavanco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

E naquele ambiente de mormaço,


encerrei na metade o meu roteiro,
procurei descansar num juazeiro,
coloquei a cabeça sobre o braço,
relaxei e dormi, pois o cansaço
reduziu-me o vigor pela metade.
Despertei temeroso da cidade
e sentei-me a pensar, sobre um barranco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

***

O PODER QUE A BUNDA TEM – José João dos Santos (Mestre Azulão)

Nesse troço de bunda e banda


O leitor não se confunda
Tanto a bunda como a banda
Tem uma atração profunda
Chico Buarque de Holanda
Ficou rico com a banda
Carla Perez com a bunda.
Nestes versos de humorismo
Não quero atingir ninguém
E sim, arrancar do povo
Risos que nos fazem bem
Dizer detalhadamente
O poder que a bunda tem.

A bunda que me refiro


É da mulher, com razão
Com o seu poder oculto
De magia e sedução
Que faz a visão direta
Deixando a mulher completa
De beleza e perfeição.

Com bunda grande e bem feita


A mulher se sente bem
Onde passa todos olham
Mas a mulher que não tem
Faz um gesto e sai olhando
Quem sabe até desejando
Ter bunda grande também.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

POETA PEDRO BANDEIRA, UM GÊNIO DA CANTORIA


Publicado em 28 de agosto de 2020

Encantou-se na última segunda-feira (24), o poeta paraibano Pedro Bandeira de


Caldas, aos 82 anos, vítima de uma parada cardíaca.

Pedro Badeira era natural de São José de Piranhas e faleceu em Juazeiro do Norte,
onde morava.

Na Nação Nordestina, Pedro Bandeira ostentava o título de “Príncipe dos Poetas


Populares”
Pedro Bandeira de Caldas (1938-2020)

***

Pedro Bandeira

O sopapo do meu braço


Todo cantador respeita
Do lado esquerdo espatifo
Lasco da banda direita
Aonde eu baixo a munheca
A bagaceira está feita.

***

***

Pedro Bandeira – Jesus – Meu galope na beira do mar


Jesus – esperança da voz do perdão
Divino cordeiro, poeta e pastor
Juiz infalível do código do amor
Estrela cadente da constelação
Nascente perene do ventre do chão
Painel que reflete na luz do luar
O mundo é pequeno pra te comparar
Perpétuo socorro dos desiludidos
Farol que ilumina os barcos perdidos
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – padroeiro do homem de fé


Cometa visível do largo horizonte
Pedaços de pétalas que descem da fonte
Deixando perfume no igarapé
Estátua sagrada que tem como sé
Um adro, uma igreja, um santo, um altar
Piso envergonhado no teu patamar
Gemendo, vergado no peso das culpas
Orando, chorando, pedindo desculpas
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – o refúgio de nós pecadores


Autor da orquestra do som dos arcanjos
Poema evangélico do coro dos anjos
Maestro do palco dos bons cantadores
Canário que trina no leque das flores
Artista das almas, que vive a cantar
Lanterna profética do topo do altar
Libélula que pousa no dorso da malva
O homem é quem peca, Você é quem salva
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – oceano completo de encantos


Angico frondoso coberto de ninhos
Preserva a vivenda de seus passarinhos
Com sopros de vida por todos recantos
Lençol perfumado, consolo dos prantos
Da alma penada que vive a chorar
Nos teus lindos olhos quem bem reparar
Vê duas lanternas nas noites de inverno
Criança sorrindo no colo materno
Cantando galope na beira do mar.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


O PADRE QUE MATOU O BISPO: UM DOCUMENTÁRIO E UM
FOLHETO
Publicado em 10 de julho de 2020

***

Um folheto de José Soares – A MORTE DO BISPO DE GARANHUNS

Garanhuns está de luto:


numa bisonha manhã
foi morto dom Expedito,
um bispo de alma sã,
pelo revólver dum padre
partidário de Satã.

Um padre matar um bispo


quase não tem fundamento;
maculou com sua fúria
dos dez, este mandamento:
‘Não Matarás’, disse Deus
no sagrado sacramento.

Quantas vezes esse padre


lá no púlpito a pregar
repetiu nos seus sermões
que Deus não manda matar,
quando ele próprio faz
su’alma se condenar.

É lamentável leitores
mas tudo se comprovou
e desse drama de ontem
que a todo o mundo abalou
vou contar em poucas linhas
como tudo se passou.

O padre Hozana Siqueira,


vigário de Quipapá
não cumpria pela regra
a lei de Deus Geová,
ligando pouco os deveres
de ministro de Alá.

Porque ele, sendo padre


estava no seu critério
defender e pugnar
pelo santo presbitério,
combater e condenar
qualquer ato deletério.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UMA DECLAMAÇÃO E UM FOLHETO RARO E PRECIOSO


Publicado em 3 de julho de 2020

O poeta baiano Chapéu de Couro declamando um poema de sua autoria.

O tema é bem atual:


***

UMA PRECIOSIDADE

Cordel escrito pelo saudoso Patativa do Assaré. Foi em 1946, quando então ela
tinha 37 anos de idade.

Patativa usou o pseudônimo de Alberto Cipaúba.

O CRIME DE CARIÚS

Eu sou um poeta nato,


Versejar é o meu ofício,
Gosto da sinceridade,
Versejo sem sacrifício,
Sou filho de Pernambuco,
Desta terra de Maurício.

Mas como nunca estudei


E moro na Soledade
Sem nunca dar os meus versos
À luz da publicidade
Ninguém conhece o meu nome
Dentro da sociedade.

Porém a história de um crime


Vou narrar, publicamente,
Passou-se em 42
Da nossa era presente
Na vila de Cariús
Ao Ceará pretendente.

Portanto peço licença


Aos leitores mais sensatos
Que quero contar a todos
Em meus versinhos exatos
Como se deu a morte
De Carlos Gomes de Matos.

Esse ilustre farmacêutico


Que hoje na glória está
Teve como berço o Crato,
Nasceu e criou-se lá,
Descendendo das melhores
Famílias do Ceará.

De Pedro Gomes de Matos


E a senhora Josefina
Nasceu esse bom senhor,
O qual teve a triste sina
De morrer barbaramente
Por uma fera assassina.

No rol da sociedade
Vivia alegre e ditoso
Branco, preto, rico e pobre,
O chamavam de bondoso,
Pois, além de competente
Era muito caridoso.

Dentro de sua farmácia


Trabalhava o dia inteiro,
O seu negócio gozava
De um conceito verdadeiro
Na praça do Ceará,
Recife e Rio de Janeiro.

Era casado; e a esposa,


Dona Emília Mussalem
O amava com o fervor
Que uma santa esposa tem
Porém o diabo não folga
Quando um casal vive bem.
Diz-nos um velho rifão:
Quem é bom não vive em paz,
Quando a fortuna nos chega
A miséria vem atrás,
E não há quem esteja livre
Dos laços de Satanás.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

TRÊS POEMAS NA SEXTA-FEIRA SANTA


Publicado em 10 de abril de 2020

É SEXTA-FEIRA! – Josemar Bessa

Tradução livre e adaptação de um poema de M. Lockbridge

É sexta-feira
Jesus está orando
Pedro está dormindo
Judas está traindo
Mas o domingo está chegando!
É sexta-feira
Pilatos julgando
O conselho está conspirando
A multidão está difamando
Mas eles não sabem
Que o domingo está chegando!
É sexta-feira,
Os discípulos estão fugindo
Como ovelhas sem pastor
Maria está chorando
Pedro está negando
Mas eles não sabem
Que o domingo está chegando!
É sexta-feira
Os romanos batem em meu Jesus
Eles o vestem de escarlate
Eles o coroam com espinhos
Mas eles não sabem
Que o domingo está chegando!
É sexta-feira
Veja Jesus caminhando para o Calvário
Seu sangue pingando
Seus pés tropeçando
Sobrecarregado está em seu espírito
Mas você vê, é só sexta-feira
Mas o domingo está chegando!
É sexta-feira
O mundo está vencendo
As pessoas estão pecando
E o mal está sorrindo
É sexta-feira
Os soldados pregam as mãos do meu Salvador
Na cruz
Pregam os pés do meu Salvador
na cruz
E então eles o crucificam
Ao lado de criminosos
É sexta-feira
Mas deixe-me dizer-lhe uma coisa
O domingo está chegando!
É sexta-feira,
Os discípulos estão questionando
O que aconteceu com o seu Rei
E os fariseus estão celebrando
Que seu plano astuto
Foi alcançado com sucesso
Mas eles não sabem
É apenas sexta-feira,
Mas o domingo está chegando!
É sexta-feira
Ele está pendurado na cruz
Sentindo-se abandonado por seu Pai
Deixado sozinho e morrendo…
Pode alguém salvá-lo?
Ooooh
É sexta-feira
Mas o domingo está chegando!
É sexta-feira
A terra treme
O céu escurece
Meu rei entrega seu espírito
É sexta-feira
A esperança está perdida
A Morte ganhou
O pecado conquistou
E Satanás apenas ri.
É sexta-feira
Jesus é enterrado
Soldados montam guarda
E uma pedra é rolada no sepulcro
Mas é sexta-feira
Só é sexta-feira
Mas o domingo está chegando.

***

GALOPE A BEIRA MAR – NOVO TESTAMENTO – Fernando Paixão

Eu lembro que o povo lá da Galileia


No tempo passado esperava o Messias
Até que cessou a contagem dos dias
Surgindo do meio da classe plebeia
Um jovem pregando pra sua plateia
Dizendo que as coisas precisam mudar
E chama discípulos pra lhe ajudar
Convidando gente do campo e da praça
Chamou pescadores que viu na barcaça
Cantando galope na beira do mar.

Tudo começou quando na Palestina


O povo amargava uma forte opressão
Sofrendo sonhava por libertação
E de Nazaré uma jovem menina
Tão doce, inocente, pura e pequenina
Um anjo aparece pra lhe avisar
Que seu ventre puro iria gerar
Um filho que ia ser grande poeta
Salvador e santo, pastor e profeta
Cantando galope na beira do mar.

A jovem assustada prostrou-se no chão


Dizendo que aquilo não era possível
Mas a pulsação do seu peito sensível
Qual jovem criança quase sem razão
Dizendo pro anjo: não tenho varão
Por isso não posso esse filho gerar
Mas, faça-se em mim o que Deus desejar
Pra Deus quero ser uma serva fiel
Cantando louvores ao Deus de Israel
Nos dez de galope na beira do mar.

O tempo passou e o povo escutava


A voz que clamava no alto deserto
Pra cima, pra baixo, pra longe e pra perto
Soava essa voz que o profeta pregava
Nas águas do rio também batizava
Pedindo ao povo pra se preparar:
Que nosso Messias não tarda a chegar
– Batizo com água começando o jogo
Mas ele batiza com Espírito e com fogo
Cantando galope na beira do mar.

Jesus aparece para João Batista


Mergulha nas águas do Rio Jordão
Quando se batiza tem uma visão
Narrada no livro do Evangelista
O céu se abrindo diante da vista
Palavra serena ele ouve no ar
O Espírito Santo vem sobrevoar
Jesus nessa hora se faz consciente
Que ele é o Filho do Onipotente
Cantando galope na beira do mar.

E para o deserto ele foi conduzido


A soma dos dias contava quarenta
Jesus persevera, se esforça e enfrenta
Todo pesadelo por ele sofrido
Escuta uma voz lhe falando no ouvido
Eu tenho poderes pra lhe ofertar
Porém Jesus Cristo se fez superar
Não foi seduzido por seu inimigo
Com a força de Deus se livrou do perigo
Cantando galope na beira do mar.

E assim começou para o pobre e pequeno


Feliz despontar de uma nova bonança
Porque nessa hora a finada esperança
Já ressuscitava em Jesus Nazareno
Aquele rapaz com aspecto sereno
Com plenos poderes se pôs a pregar
Chamando os pequenos para celebrar
Seu Reino de paz, de justiça e igualdade
Um Reino onde impera somente a verdade
Nos dez de galope na beira do mar.

A sua mensagem não foi escutada


Por gente importante da sua nação
Porém encantando toda multidão
A boa semente da paz foi plantada
Mas foi o Sinédrio que armou a cilada
Dizendo: esse homem nós vamos calar
Prenderam, julgaram para o condenar
A morte cruel duma cruz amargou
No terceiro dia ele ressuscitou
Cantando galope na beira do mar.

***

O VÍRUS E O VELHO – Mané Beradeiro

Meu doutor eu sou do mato.


Lá não tem televisão,
Meu rádio tá quebrado,
Telefone tem também não!
Eu senti o mundo parado
O povo todo trancado
Numa grande aflição!
Quando procurei a feira,
Na cidade do meu chão,
Nem bancas estavam lá.
Surgiu minha indagação:
– O que é que se assucede?
– Será guerra mundial?
Mas não ouço um estrondo, nenhum um tiro de canhão.
Doutor me arresponda:
– Que está acontecendo?
E o doutor foi explicando
Coisa que eu não sabia.
Um tal de coronavírus vindo lá do estrangeiro,
Tá matando muita gente, muito mais que Lampião,
Que os peidos de Jandira, que o bafo de Tonhão,
Que inhaca de Raimundo,
Que a fome no meu sertão.
Eu fiquei agoniado e disse para o doutor:
– Será possível que não tenha
Um homem que mate esse sujeito?
Que fure os olhos dele, quebre as pernas por inteiro,
Destrua as suas armas, lasque logo este estrangeiro?
Doutor, só mais uma pergunta. Pode ser?
– Esse tal de coronavírus come mesmo o quê?
Menino! Quando o doutor falou fiquei todo arrepiado.
Minha alma deu um pulo, meu corpo ficou gelado.
Vou voltar pra minha casa e ficar todo trancado.
O tal do coronavírus come velho pra todo lado!

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UMA AULA DE ORTOGRAFIA
Publicado em 3 de abril de 2020

São Francisco do Oeste-RN

Isso aqui é Salamandra,


São Francisco do Oeste,
Já faz uns 40 anos
Que eu conheço esta peste,
Tirando o nome do santo,
Não tem mais ninguém que preste!

Chico Monteiro

***
Na sala de chão batido
nos rincões do meu sertão,
violas se lamentando
no repicar do baião
em popular cantoria
que faz voltar o mourão.

Dois tamboretes de pau,


dois repentistas sentados,
uma bandeja de flandre,
violas em seus trinados,
cantoria verdadeira,
martelos agalopados.

Manoel Dantas

***

Nesse troco bunda e banda


o leitor não se confunda
tanto a bunda como a banda
tem uma atração profunda
Chico Buarque de Holanda
ficou rico com a banda
Carla Perez com a bunda.

Flavia Maroja

***

Pra sair ou chegar não marco a hora


No meu canto me deito saio e entro
A tristeza queimando peito a dentro
A saudade matando mundo afora
Não faltou-me saúde até agora
Mas saúde sem paz não é vantagem
Pra os sem rumo sou só um personagem
Pra BR sou só um inquilino
Sou mais um retirante sem destino
Que só leva saudade na bagagem.

Saudosista,carente,andarilho
Me levanto pensando a lágrima cai
Sinto tanto a ausência do meu pai
Mas não sei se ele sente a do seu filho
Cabisbaixo,abatido,maltrapilho
Visto ao longe pareço uma visagem
Precisando usar nova roupagem
Pra voltar a sonhar como menino
Sou mais um retirante sem destino
Que só leva saudade na bagagem.

Raimundo Nonato

***

Nosso sertão tem sossego


Que eu quero sol e luz
Tem carne assada na brasa
Pra gente comer com cuscuz
Quem vai ao sertão e volta
Vê a cara de Jesus

Francisco Nunes

***

Eu puxei antigamente
Jumento pelo estovo
Vendo pai fazendo cerca
E minha mãe juntando ovo
Daria tudo que tenho
Pra ser criança de novo

A paisagem nordestina
Primeiro a chuva caindo
Segundo a terra molhada
Terceiro a flor se abrindo
Quarto um açude sangrando
Quinto a pastagem surgindo

Eu comparo a mocidade
Com a aurora prateada
Velhice cadeia triste
Com sua porta fechada
Que o delegado dos anos
Vê tudo mas não faz nada

A enchente empurra as varas


Pra desmanchar o caniço
As abelhas fazem mel
Se enganchar no cortiço
Quem se criou no sertão
Sabe o que é tudo isso

Aldo Neves

***

O ACORDO ORTOGRÁFICO E AS MUDANÇAS NO PORTUGUÊS DO BRASIL

De autoria do colunista fubânico Marcos Mairton. Publicado no seu blog


Mundo Cordel em fevereiro de 2009

Com licença, meus amigos,


Quero falar com vocês
Sobre o que estão fazendo
Com o nosso português.
Eu não sei se é bom ou mau
Mas, Brasil e Portugal
Assinaram um tratado
Pra que em nossa ortografia,
Que é diferente hoje em dia,
Seja tudo unificado.

Moçambique, Cabo Verde,


Angola e Guiné-Bissau
Assinaram o acordo
Com Brasil e Portugal.
O Timor Leste também
Embarcou no mesmo trem
E andaram me dizendo
Que entrou até São Tomé,
Mas este, sendo quem é,
Eu só acredito vendo.

Eu sei é que para nós,


Do português-brasileiro,
O acordo entrou em vigor
A primeiro de janeiro.
E agora não tem jeito,
Reclamando ou satisfeito,
O que é preciso fazer
É estudar a reforma
Para conhecer a forma
Que nós temos que escrever.

Eu já soube, por exemplo,


Que acabaram com o trema
E, aliás, quanto a isso,
Não vejo o menor problema.
Pois pronunciar “frequência”,
“tranquilidade”, “sequência”
e até “ambiguidade”,
A gente foi aprendendo
Ouvindo e depois dizendo
Através da oralidade.

O “k”, o “y” e “w”


Entraram no alfabeto.
E quanto a isso eu achei
Que o acordo foi correto
Pois já tinha muita gente
Com nome bem diferente
No sertão do Ceará:
O Yuri e o Sidney,
Franklyn, Kelly e Helvesley,
Já usam essas letras lá.

Mais complicado é o hífen


Que ora tem, ora não.
Parece que há uma regra
Pra cada situação.
Em muitas ele caiu
Mas em algumas surgiu.
E, como a coisa complica,
Já falam em reunir
Mais gente pra discutir
Quando sai e quando fica.

Mas, parece que os problemas


Que vão incomodar mais
Vêm com a queda dos acentos
Ditos diferenciais.
Pólo, pêra, pêlo e pára
Ficam com a mesma cara
Pra sentidos diferentes.
Mas, de acordo com reforma,
“pôde”, “pôr”, “dêmos” e “forma”
São exceções existentes.

Tem muitas outras mudanças


Que ainda temos que estudar.
Permitam-me um conselho
Que agora quero lhes dar:
É bom ficar bem atentos
Para essa queda de acentos
Na escrita brasileira.
E quando for se sentar
Cuide pra ninguém tirar
O assento da cadeira.

Já chega de falar tanto


Sobre a língua portuguesa.
Vou pegar um avião
E voar pra Fortaleza.
Mas, antes desse percurso
Devo dizer que esse curso
Valeu mais que ouro em pó.
Tomara que o tratado
Seja também adotado
No país de Mossoró.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

VALDIR TELES ENCANTOU-SE


Publicado em 27 de março de 2020
Valdir Teles (1956-2020)

Valdir Teles, poeta maior do repente, morre aos 64 anos

Ele fazia parte de um pequeno grupo que rreunia a elite da cantoria nordestina

O repentista Valdir Teles, um dos maiores nomes da poesia oral brasileira, teve sua
morte anunciadanesse domingo, dia 22, pela filha, a advogada Mariana Teles, em
seu perfil no Facebook. A provável causa da morte foi um infarto. O poeta estava
com 64 anos, e faleceu no Sítio Serrinha, onde morava, na Zona Rural de São José
do Egito (PE), no Sertão pernambucano, sua cidade natal.

Leia matéria completa clicando aqui

***

Mote de Mariana Teles, filha de Valdir, glosado por Santanna:

Na solidão da latada
Lembrando meu cantador.

Precisei me recluir
Pois as postagens que via
Eram sempre poesia
Em homenagem a Valdir
Eu não pude prosseguir
Pois no meu peito uma dor
Mitigava com furor
A poesia celebrada
Na solidão da latada
Lembrando meu Cantador.

Santanna O Cantador

***
No painel onde Deus escreve a lista
dos poetas maiores deste mundo
tem Homero, Virgílio, e mais no fundo,
a brilhar, vem o nome do Salmista!
No letreiro de Deus um repentista…
É mais um, nesta lista de imortais!
Entre todos os vates geniais,
Valdir Teles figura no caderno
deste livro sagrado e sempre eterno
da mais pura poesia que Deus faz!

Nonato Freitas

***

Partiu uma grande garganta


Para o céu onde Deus mora
E por lá fará agora
Uma cantoria santa.
Quando um artista se encanta
O céu ganha nova luz
Um anjo a introduz
Nas miríades do universo
Waldir hoje fez seu verso
Na presença de Jesus.

Jesus de Ritinha de Miúdo, colunista do JBF

***

Todo mundo parava pra lhe ouvir


De repente um infarto lhe parou
O Nordeste tremeu quando escutou
A notícia da morte de Valdir
Adorava cantar pra divertir
Foi um homem de luz, um ser de paz
Transferiu-se pra o lar dos imortais
E só deixou pra os mortais exemplos plenos
Na calçada da fama um ídolo a menos
No exército de Deus um anjo a mais

Nonato Neto

***

Não se pode escrever em poesia


Como foi importante repentista,
Valdir Teles esteve em nossa lista
Dos melhores nos shows da cantoria.
Só brilhou nas pelejas que fazia
Por veloz ser a sua inteligência.
Bom na métrica, na rima e na cadência
Não deixava ninguém na sua frente
Valdir deixa a chorar nosso repente
E a viola a cantar a sua ausência.
Ismael Gaião

***

***

Valdir Teles, semana passada, improvisando sobre a crise do coronavírus


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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

CORONAVÍRUS EM CORDEL
Publicado em 20 de março de 2020
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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

DUAS CANTORIAS COM GERALDO AMÂNCIO


Publicado em 28 de fevereiro de 2020
O poeta cantador cearense Geraldo Amâncio, nascido no Sítio Malhada de Areia,
município do Cedro, Ceará, em Cedro 29/Abr/1946, é verbete no Dicionário Cravo
Albim da MPB. Lá consta o seguinte:

Cantor. Violeiro. Poeta. Escritor. Nascido em um sítio, em Cedro, no Ceará, até


os 17 anos de idade trabalhou na roça. Cursou faculdade de História em
Fortaleza (CE).

Começou com acompanhamento de viola em 1966. Participou de centenas de


festivais em todo o país, e classificou-se mais de 150 vezes em primeiro lugar.
Organizou festivais internacionais de repentistas e trovadores, além do
festival Patativa do Assaré. É autor de três antologias sobre cantoria em
parceria com o poeta Vanderley Pareira. Gravou 15 CDs ao longo da carreira,
além de ter publicado cordéis em livros. Apresentou o programa dominical
“Ao som da viola”, na TV Diário, em Fortaleza (CE).

***

Poetas repentistas Geraldo Amâncio e Valdir Teles


Poetas repentistas Geraldo Amâncio e Antônio Jocélio

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UM FOLHETO DE CANGAÇO
Publicado em 24 de janeiro de 2020

ANTONIO SILVINO, O REI DOS CANGACEIROS – Leandro Gomes de Barros

Antonio Silvino (1875 – 1944)

O povo me chama grande


E como de fato eu sou
Nunca governo venceu-me
Nunca civil me ganhou
Atrás de minha existência
Não foi um só que cansou.

Já fazem 18 anos
Que não posso descansar
Tenho por profissão o crime
Lucro aquilo que tomar,
O governo às vezes dana-se
Porém que jeito há de dar?!

O governo diz que paga


Ao homem que me der fim,
Porém por todo dinheiro
Quem se atreve a vir a mim?
Não há um só que se atreva
A ganhar dinheiro assim.

Há homens na nossa terra


Mais ligeiros do que gato,
Porém conhece meu rifle
E sabe como eu me bato,
Puxa uma onça da furna,
Mas não me tira do mato.

Telegrafei ao governo
E ele lá recebeu,
Mandei-lhe dizer: doutor,
Cuide lá no que for seu,
A capital lhe pertence
Porém o estado é meu.

O padre José Paulino


Sabe o que ele agora fez?
Prendeu-me dois cangaceiros,
Tinha outro preso fez três,
O governo precisou
Matou tudo de uma vez.

Porém deixe estar o padre,


Eu hei de lhe perguntar
Ele nunca cortou cana
Onde aprendeu a amarrar?
Os cangaceiros morreram
Mas ele tem que os pagar.

Depois ele não se queixe,


Dizendo que eu lhe fiz mal,
Eu chego na casa dele,
Levo-lhe até o missal,
Faço da batina dele
Três mochilas para sal.

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UMA GRANDE PELEJA: PEDRO BANDEIRA E MANOEL XUDU


Publicado em 22 de novembro de 2019
Pedro Bandeira e Manoel Xudu: dois grandes cantadores nordestinos

Pedro Bandeira

Colega Manoel Xudu


Abra o palco da cortina,
Se firme bem na cadeira
Erga o peito e se previna,
E diga como deixou
A cidade de Carpina.

Manoel Xudu

Vai bem minha Planaltina


De poetas um viveiro,
Situada entre Paudalho
Nazaré e Limoeiro,
E agora mandou seu vate
Vir visitar Juazeiro.

Pedro Bandeira

Mas você não é romeiro


Nem comprador de pequi,
Nem carola nem turista
Ninguém lhe esperava aqui,
Sem eu lhe dar carta branca
Pra entrar no Cariri.

Manoel Xudu

Eu vim porque conheci


Que havia necessidade,
De conhecer os colegas
Que moram nessa cidade,
E saber se o novo príncipe
Tem ou não autoridade.

Pedro Bandeira

Saiba que sou majestade


No reinado poesia,
Você pra cantar comigo
Precisa ter fidalguia,
Nobreza, brio e respeito
Honra e aristocracia.

Manoel Xudu

Há tempo que conhecia


A fama do meu amigo,
Porém eu sou dos poetas
Que nunca teme perigo,
Só digo que um cabra canta
Depois que cantar comigo.

Pedro Bandeira

Você está no meu abrigo


Se não quiser passar fome,
Respeite meu auditório
Meu cetro e meu cognome,
Minha esposa e minha filha
Minha plateia e meu nome.

Manoel Xudu

Acho bom que você tome


O conselho que lhe dou,
Estou no seu auditório
Mas seu escravo não sou,
Penetre em qualquer terreno
Que se eu puder também vou.

Pedro Bandeira

O sangue do meu avô


No meu sangue inda evapora,
Me dando ideia e talento
Entusiasmo e sonora,
Pra rebater desaforo
De repentista de fora.

Manoel Xudu

Com sua proposta agora,


Sei que o jeito que tem,
É eu lhe dar um acocho
Dos ossos virar xerém,
Que canto a vinte e dois anos
E nunca perdi pra ninguém.

Pedro Bandeira

Eu nunca perdi também


E agora vou lhe provar,
Que daqui a meia hora
Você começa a chorar,
Troca a viola em cachaça
E nunca mais fala em cantar.

Manoel Xudu

É mais fácil se esgotar


O mar com uma peneira,
Bala de aço esmagar-se
Em tronco de bananeira,
Do que Manoel Xudu
Temer a Pedro Bandeira.

Pedro Bandeira

É mais fácil uma caveira


Ter nojo dum urubu,
Uma cobra de veado
Se assombrar com um cururu,
Do que o príncipe dos versos
Respeitar Manoel Xudu.

Manoel Xudu

É mais fácil um canguçu


Correr com medo dum bode,
Menino enjeitar bolacha
Moleque enjeitar pagode
Do que eu correr com medo
Dum cantador sem bigode.

Pedro Bandeira

Nós sabemos que Deus pode


Manobrar tudo que é seu,
Transformar o gelo em fogo
Ressuscitar quem morreu,
Não pode é criar poeta
Pra cantar mais do que eu.

Manoel Xudu

Mas agora apareceu


Miguel Alencar Furtado,
Que é Juiz e deu um tema
Muito bem metrificado,
E vamos saber do tema
Quem canta mais inspirado.

***

Mote:

Vi a noite enlutando o horizonte,


Com saudade do dia que morreu.

Pedro Bandeira

Cinco e meio da tarde mais ou menos


Resolvi vê de Deus os espetáculos,
Transportei-me das baixas aos pináculos
Pra poder me inspirar olhando Vênus,
Comecei vislumbrar astros pequenos
O Cruzeiro do Sul resplandeceu,
Quando o rosto da lua apareceu
Eu estava na crista de um monte,
Vi à noite enlutando o horizonte
Com saudade do dia que morreu.

Manoel Xudu

Quando o sino tocava Ave–Maria


E o sol se escondia no ocaso,
De um voo transportei-me ao Parnaso
Num balão que eu fiz de poesia,
Uma estrela brilhava o sol morria
E a natura chegava ao apogeu,
Tive sede e um querubim me deu
Água pura tirada duma fonte,
Vi à noite enlutando o horizonte
Com saudade do dia que morreu.

Pedro Bandeira

Contemplei azul além do mar


Vi a treva envolvendo as ondas pardas,
As libélulas pousaram nas mostardas
E agripinas saíram do pomar,
Escutei uma musa solfejar
Uma musica crida por Orfeu,
Estendi-me nos braços de Morfeu
Reclinei no seu busto a minha fronte,
Vi à noite enlutando o horizonte
Com saudade do dia que morreu.

Manoel Xudu

Eu também me achava esmorecido


Numa tarde perdido no deserto,
Sem achar um amigo ali por perto
Que indicasse por onde eu tinha ido,
Quando o bravo leão deu um rugido
Que o bosque da serra estremeceu,
Mas o manto de Deus se estendeu
Parecendo a varanda de uma ponte,
Vi à noite enlutando o horizonte
Com saudade do dia que morreu.

***

Pedro Bandeira

Atendi ao pedido do Juiz


Mas a nossa polêmica continua,
Pra você minha volta vai ser crua
Encomende-se a Deus pra ser feliz,
Se é mesmo um poeta como diz
Mostre aqui sua personalidade,
Se vier com mentira e vaidade
Entra grande na luta e sai pequeno,
Nunca mais quer entrar no meu terreno
Sem primeiro pedir-me a liberdade.

Manoel Xudu

Eu não vim procurar inimizade


Com você seus irmãos e outros mais,
Mas se quer destruir o meu cartaz
É perdida de vez sua vontade,
Com poeta de toda qualidade
No Nordeste eu tenho combatido,
No Brasil o meu nome é conhecido
Desde o Norte ao Sul Leste e Oeste,
Quem meter-se comigo a fazer teste
Leva pau perde o jeito e sai vencido.

Pedro Bandeira

Vou coser sua boca e um ouvido


Dou-lhe um murro na cara estoura os pés,
Cantador do seu jeito eu dou em dez
Só enquanto mamãe troca um vestido,
Fuxiqueiro insultante e desconhecido
Atrasado sem luz e sem valor,
Decoreba perverso e traidor
Beberrão de latada e pé de serra,
Volte e digas chorando em sua terra
Que agora encontrou superior.

Manoel Xudu

Repentista se enche de pavor


Quando ouve meu verso e meu baião,
Sente logo tremer o coração
Gela o sangue, o rosto muda a cor,
Em martelo eu sou raio abrasador
Cantador sendo fraco eu dou em cem,
A pancada que dou é como o trem
Um gigante pra mim inda é pequeno,
Cascavel que eu pegar perde o veneno
Só me curvo a Deus e a mais ninguém.

Pedro Bandeira

Otacílio Batista canta bem


Lourival é o rei do trocadilho,
Zé Faustino morreu deixou seu filho
Clodomiro não perde pra ninguém,
Dr. Dimas um título também tem
Pinto velho é o rei do Pajeú,
Louro Branco e Moacir no Iguatu
Os Irmãos Bernardino se deleitam,
Todos esses poetas me respeitam
Quanto mais uma égua como tu.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM MOTE BEM ATUAL E UM POEMA DE PATATIVA DO ASSARÉ


Publicado em 20 de setembro de 2019

Poetas repentistas Sebastião da Silva e Valdir Teles glosando o mote:

Comparado aos bandidos de hoje em dia,


Lampião foi honesto até demais.
***

Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré (1909-2002)

***

A MULHER QUE MAIS AMEI – Patativa do Assaré

Era um modelo perfeito


A mulher que mais amei,
Linda e simpática de um jeito
Que eu mesmo dizer não sei.
Era bela, muito bela;
Para comparar com ela,
Outra coisa eu não arranjo
E por isso tenho dito
Que se anjo é mesmo bonito,
Era o retrato dum anjo.

Sei que alguém não me acredita,


Mas eu digo com razão,
Foi a mulher mais bonita
De cima de nosso chão;
Era mesmo de encomenda
E do amor daquela prenda
Eu fui o merecedor,
Eu era mesmo sozinho
Dono de todo carinho
Daquele anjo encantador.

Era bem firme a donzela,


Só em mim vivia pensando.
Quando eu olhava ela,
Ela já estava me olhando.
Para a gente conversar
Quando eu não ia, ela vinha,
Um do outro sempre bem perto
Nosso amor dava tão certo
Quem nem faca na bainha.

E por sorte ou por capricho,


Eu tinha prata, ouro e cobre.
Dinheiro em mim era lixo
Em casa de gente pobre.
Nós nunca perdíamos ato
De cinema e de teatro
De drama e mais diversão,
Não faltava coisa alguma,
As notas eu tinha de ruma
Para nós andar de avião.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


GRANDES MOTES, GRANDE GLOSAS
Publicado em 13 de setembro de 2019

Anastácio e Zé Limeira, O Poeta do Absurdo, glosando dois motes.

Primeiro mote:

É lindo queimar-se as flores


No santo mês de Maria.

Anastácio

No mês de maio a novena


Tem grande veneração,
No Brejo, Agreste e Sertão
É muito honrada esta cena,
Rosedal, rosa e verbena
Se vê brotar todo dia…
O aroma que a rosa cria
Nos faz esquecer as dores…
É lindo queimar-se as flores
No santo mês de Maria.

Zé Limeira

Você pra mim é menino,


Queimo flor uma porção,
Boto fogo em barbatão
Cercado de arame fino.
No pagode do suíno,
Quando a poica grita e chia,
Corre Mané e Sufia
E até os agricultores…
É lindo queimar-se as flores
No santo mês de Maria.

***
Segundo mote:

Você hoje me paga o que tem feito


Com os poetas mais fracos do que eu.

Anastácio

Zé Limeira, você cuide em rezar


Que é preciso hoje aqui dar-lhe um surrote
Apresento as virtudes do meu dote
Para você aprender a me honrar:
Se você resolver me acompanhar,
Diga logo a esse povo que perdeu,
Um fantasma chegou, lhe interrompeu,
Atraiu sua voz, o verso e o peito…
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.

Zé Limeira

Sou um nêgo um bocado esbagaçado ,


Sou o vatis das glória desta terra,
Sou a febre que chama berra-berra,
Mastigando eu sou cobra de veado,
Sou jumento pru fora do cercado,
Sou tabefe que dero em seu Lameu…
Se tivé bom guardado bote neu,
Seu caminho de bonde ruim, estreito…
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.

Anastácio

Cantador sem origem, sem ciência,


Miserável, lebrento , pé de peia,
És miséria da guerra da Coréia,
Seu corrupto, ladrão da consciência.
Castigado da santa Providência,
Que não honra o que Cristo santo deu,
Foste tu, imbecil, o fariseu,
Quem é bom dizes tu que tem defeito…
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.

Zé Limeira

Zé Limeira onde canta, todo mundo


Vai olhá bem de perto a sua orige,
Já cantei no sertão, no Céu da Virge
Sou doutô de meisinha , furibundo.
Viva o Reis, o Juiz, Pedro Segundo.
Sou a cobra que o boi nunca lambeu,
Sou tijolo da casa de Pompeu,
Peripécia da filha do Prefeito..
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.

***

Zé Limeira e José Alves Sobrinho glosando o mote

Canta, canta, cantador,


Que teu destino é cantar.

Zé Limeira

Quando o carão tá cantando


É sinal que vem inverno,
Eu sou um nego moderno,
Foi não foi eu tô pensando.
Amanhã tô viajando
Pru sertão de Bogotá
Tico-tico no fubá,
Padre, juiz e doutor,
Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.

José Alves Sobrinho

Minha vida é esta cantiga,


Meu amor é esta viola…
Deus me botou nesta escola
Egrégia, sublime e antiga.
Se minha viola amiga,
Quiser um dia parar,
A dor não vou suportar
Porque ordena Nestor:
Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.

Zé Limeira

Numa berada de serra


Dom Pedro ficou de coca,
Começou tirá taboca
Do cabeceira da terra,
Veio a febre berra-berra
Pru dentro dum caçuá,
Comendo o tamanduá
Da filha do Promotor,
Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.

José Alves Sobrinho

Este tema deslumbrante


Que nos deu Nestor Rolim,
Despertou dentro de mim
Um sentimento gigante!
Por isso eu canto perante
O povo deste lugar,
Já fazendo despertar
A musa do sonhador..
Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.

Zé Limeira

Se apagou-se a lamparina
Prumode o vento assoprou,
Me adiscurpe, seu Nestor,
Caboco da Palestina.
Joguei minha lazarina
No tronco do jatobá,
Fiz Lampião avuá
Na baixa do corredor,
Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM MOTE BEM GLOSADO E UMA CANTORIA


Publicado em 19 de julho de 2019
O cearense Geraldo Amâncio e o paraibano Severino Feitosa, dois dos maiores
nomes da cantoria nordestina na atualidade

***

Geraldo Amâncio e Severino Feitosa glosando o mote:

Comigo o rojão é quente,


canta quem souber cantar.

Geraldo Amâncio

Eu sei que você reclama,


que é um repentista antigo,
porém pra cantar comigo,
acho pouco a sua fama,
é muito bom pra o programa,
pra todo mundo acordar,
pra falar, pra conversar,
mas é fraco pra o repente.
Comigo o rojão é quente,
canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Seus erros ninguém perdoa,


porque você é pequeno,
sua dose de veneno
está pronta em João Pessoa,
lhe afogo na lagoa,
lhe jogo dentro do mar,
e você morre sem voltar
pra o Ceará novamente.
Comigo o rojão é quente,
canta quem souber cantar.

Geraldo Amâncio

No gramado eu sou atleta,


hoje aqui em João Pessoa,
não faço cantiga à toa,
a minha idéia é completa,
eu prefiro outro poeta,
com quem possa me ocupar,
é perdido eu trabalhar
com certo tipo de gente.
Comigo o rojão é quente,
canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Geraldo, você recita


para a platéia achar graça,
em todo canto que passa,
tem a cantiga bonita,
mas aqui onde visita,
é meu reino, é meu lugar,
você tem que respeitar,
para ser independente.
Comigo o rojão é quente,
canta quem souber cantar.

Geraldo Amâncio

Muita coisa eu estou vendo


e a platéia está notando,
é Severino apanhando,
pensando que está batendo,
é um coitado sofrendo,
eu sem querer judiar,
quem se acostuma apanhar,
morre na peia e não sente.
Comigo o rojão é quente,
canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Lhe falta a inspiração


para seguir os meus passos,
estou vendo os seus fracassos,
se afracou nesse rojão,
se eu lhe der um empurrão,
a cabeça vai rodar,
esse nariz vai parar
da caixa prego pra frente.
Comigo o rojão é quente,
canta quem souber cantar.
Geraldo Amâncio

Não tem vez esse rapaz,


quando está no meu caminho,
ele é bem devagarinho,
já não sabe o que é que faz,
cinqüenta léguas pra trás,
doido pra me acompanhar,
se acaso você cansar,
procure um toco e se sente.
Comigo o rojão é quente,
canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Sei nadar em qualquer rio,


me criei nessa escola,
no braço dessa viola,
não aprendo cantar frio,
me pediram o desafio,
e eu quero lhe açoitar,
já ouvi alguém gritar,
Feitosa a cantiga esquente !
Comigo o rojão é quente,
canta quem souber cantar.

Geraldo Amâncio

Nossa cantiga é assim,


faz tempo que eu lhe conheço,
eu sou manso no começo,
que é para bater no fim,
você diz que dá em mim,
eu começo a duvidar,
sabe o povo do lugar,
tanto apanha como mente.
Comigo o rojão é quente,
canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Conheço o interior,
que o colega foi nascido,
se mete a ser atrevido,
não passa de agitador,
é pequeno cantador,
a sua fama é vulgar
quem de você apanhar,
não sabe o que é repente.
Comigo o rojão é quente,
canta quem souber cantar.

Geraldo Amâncio
Eu uso a matéria prima,
que nunca saiu à toa,
agrada a qualquer pessoa,
que de mim se aproxima,
Sou a cascavel da rima,
quem vier me acompanhar,
vou morder seu calcanhar
e arranchar em seu batente.
Comigo o rojão é quente,
canta quem souber cantar.

***

A dupla Edmilson Ferreira e Antonio Lisboa improvisando com o mote:

Sou vaqueiro criado no sertão,


meu perfume é de casca de madeira

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

DUAS DUPLAS EM CANTORIA


Publicado em 28 de junho de 2019

Poetas cantadores Zé Luiz e Zé Ferreira num Mourão de Pé Quebrado

***

Poetas cantadores Zé Ferreira e Januário cantando um Oito a Quadrão.

Tema:

Vamos ver quem sabe mais?

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM CLÁSSICO DE LITERATURA DE CORDEL


Publicado em 21 de junho de 2019

Esta coluna oferece hoje aos seus leitores o folheto O Romance do Pavão
Misterioso, um clássico da literatura de cordel nordestina.

O Pavão Misterioso está no noticiário dos últimos dias, por conta da ação de
piratas, corruptos e canalhas que querem acabar com a Lava Jato, a maior
operação contra a bandidagem de colarinho branco que já foi feita no Brasil.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


POESIA NORDESTINA
Publicado em 7 de junho de 2019

CORDEL DO FOGO ENCANTADO – CORDEL ESTRADEIRO

***

UMA DUPLA EM CANTORIA

Hipolito Moura e Jonas Bezerra glosando o mote:

“Sepultei as lembranças do passado


Não vou mais padecer por causa dela”
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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MOTES, GRANDE GLOSAS


Publicado em 31 de maio de 2019
Cantador Valdir Teles, um dos maiores nomes da poesia nordestina na atualidade

***

Valdir Teles glosando o mote:

Quando chega o inverno Deus coloca


Mais fartura na mesa do roceiro.

A matuta faz fogo de graveto


Ferve o leite que tem no caldeirão
Bota sal na panela do feijão
E assa um taco de bode num espeto
Onde a música do sapo é um soneto
Mais bonito da beira de um barreiro
Não precisa zabumba nem pandeiro
Que o compasso da música é Deus que toca.
Quando chega o inverno Deus coloca
Mais fartura na mesa do roceiro.

***

Júnior Adelino glosando o mote:

Sobre os trabalhos da obra


Tudo eu sei ninguém me ensina.

No ramo da construção
Faço ponte, creche e praça
Com tijolo, cal e massa
Eu ergo qualquer mansão
Levanto em cima do chão
Parede bem grossa ou fina
Torre que não se inclina
Que não se quebra nem dobra
Sobre os trabalhos da obra
Tudo eu sei ninguém me ensina.

Com o prumo e a colher


Lápis ,régua, espátula e rolo
Cimento, areia e tijolo
Faço o que o dono quiser
Sobrado, muro ou chalé
Do tamanho de uma colina
Ser pedreiro é minha sina
Tenho talento de sobra
Sobre os trabalhos da obra
Tudo eu sei ninguém me ensina.

Nasci com a vocação


E aprendi de longa data
Que o alicerce e a sapata
São partes da fundação
Numa grande construção
As ferragens predomina
Que a faculdade divina
Me dá aula e nada cobra
Sobre os trabalhos da obra
Tudo eu sei ninguém me ensina.

Eu sei dizer que o concreto


É quem garante o sustento
Com pedra, areia e cimento
Começo qualquer projeto
Nunca fui um arquiteto
Nada disso me domina
Construo com disciplina
Qualquer coisa com manobra
Sobre os trabalhos da obra
Tudo eu sei ninguém me ensina.

***

Pedro Ernesto Filho glosando o mote:

Cada um tem seu valor,


Precisa é ser descoberto.

O pequeno sanfoneiro
Com arte desafinada
Que de calçada em calçada
Vive a ganhar seu dinheiro,
Não é Alcimar Monteiro
Nem Gonzagão, nem Roberto,
Porém deixou boquiaberto
O povo do interior.
Cada um tem seu valor,
Precisa é ser descoberto.

O sertanejo frustrado
Vítima da sociedade,
Somente vai à cidade
Quando se vê obrigado,
Falando pouco e errado
Porque vive no deserto,
Mas se houvesse escola perto
Talvez que fosse um doutor.
Cada um tem seu valor,
Precisa é ser descoberto.

A prostituta de bar
Tem na consciência um farne,
Negocia a própria carne
A fim de se alimentar,
O bom conceito de um lar
Foi pela sorte encoberto,
Talvez que até desse certo
Se tivesse havido amor.
Cada um tem seu valor,
Precisa é ser descoberto.

O bom vaqueiro voraz


No mato faz reboliço,
Desenvolvendo um serviço
Que acadêmico não faz;
Coveiro é útil demais
Quando um túmulo está aberto
Rico não se torna esperto
Para fazer o favor.
Cada um tem seu valor,
Precisa é ser descoberto.

***

Louro Branco e Zé Cardoso glosando o mote

Não existe mais respeito


Nos namoros de hoje em dia.

Louro Branco

Rapaz que tem companheira


Não leva Salve Rainha
Mas leva uma camisinha
Escondida na carteira
Tira a roupa da parceira
Mama chega o peito esfria
Chupa na língua macia
Como quem chupa confeito
Não existe mais respeito
Nos namoros de hoje em dia.

Zé Cardoso

Vi um casal na calçada
Ela com ele abraçado
Ele na boca colado
Ela na língua enganchada
Uma velha admirada
Dizia: “Vixe Maria!”
E com tristeza dizia:
“Eu nunca fiz desse jeito”
Não existe mais respeito
Nos namoros de hoje em dia.

***

Mariana Teles glosando o mote:

Um café com pão quente às cinco e meia


Deixa a casa cheirando a poesia.
Quando o sol se despede da campina
E a textura da nuvem muda a cor
O alpendre recebe o morador
Regressando da luta campesina
Entre os ecos da casa sem cortina
Corre um grito chamando por Maria…
E da cozinha pra sala a boca esfria
O mormaço da xícara quase cheia
Um café com pão quente às cinco e meia
Deixa a casa cheirando a poesia.

Meia hora antecede a hora santa


Às seis horas da virgem concebida
E o cálice que serve de bebida
Desce quente nas veias da garganta
Já o trigo depois que sai da planta
Faz o pão quando a massa fica fria
E o tempero da cor do fim do dia
Tem mistura de terço, fé e ceia
Um café com pão quente às cinco e meia
Deixa a casa cheirando a poesia.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS


Publicado em 3 de maio de 2019

Ocione Poeta glosando o mote:

Satanás quando não vem


Ele manda o secretário.

Gás sarin na estação


Atentado às torres gêmeas
Casamento entre fêmeas
De Dalila a traição
Caim que matou o irmão
Hitler vil e sanguinário
Propina em judiciário
Fuzilamento de alguém
Satanás quando não vem
Ele manda o secretário.

***

Zé Limeira glosando o mote

Escrevi o nome dela


Com o leve do azul do céu.

A minha poica maluca


Brigou com setenta burro,
Deu cento e noventa murro
Na cara de Zé de Duca.
Dei-lhe um bufete na nuca
Que derrubei seu chapéu…
Vai chegando São Miguel
Montado numa cadela…
Escrevi o nome dela
Com o leve do azul do céu.

Me chamo José Limeira,


Cantador do meu sertão,
O Sino de Salamão
Tocando na laranjeira,
Crepusco de fim-de-feira,
Museu de São Rafael,
O Juiz prendeu o réu,
Dispois fechou a cancela…
Escrevi o nome dela
Com o leve do azul do céu.

Quando Abel matou Caim


No Rio Grande do Sul,
Deu-lhe um quilo de beiju
Com as berada de capim.
Nisso chegou São Joaquim
Que já vinha do quartel
Cumode prendê Abel,
Dois pedaço de costela…
Escrevi o nome dela
Com o leve do azul do céu.

***

Severino Feitosa glosando o mote:

Eu querendo também faço


Igualzinho a Zé Limeira

Confúcio foi na Bahia


Pai-de-Santo e curandeiro
Anchieta era pedreiro
No farol de Alexandria
Hitler nasceu na Turquia
Vendia manga na feira
A Revolução Praieira
Degolou Torquato Tasso
Eu querendo também faço
Igualzinho a Zé Limeira.

***

Carlos Severiano Cavalcanti glosando o mote:

Devagar, como fogo de monturo,


a saudade invadiu meu coração.

Na fazenda, nasci e me criei,


peraltava e fazia escaramuça,
morcegava, no campo, a besta ruça,
jararaca até mesmo já matei.
Não me lembro da vez em que acordei
assombrado com tiros de trovão,
pinotava da rede para o chão
e saía correndo pelo escuro.
Devagar, como fogo de monturo,
a saudade invadiu meu coração.

***

Louro Branco e Zé Cardoso glosando o mote:

Não existe mais respeito


Nos namoros de hoje em dia.

Louro Branco:

Não existe mais respeito


Nos namoros de hoje em dia
Rapaz que tem companheira
Não leva Salve Rainha
Mas leva uma camisinha
Escondida na carteira
Tira a roupa da parceira
Mama chega o peito esfria
Chupa na língua macia
Como quem chupa confeito
Não existe mais respeito
Nos namoros de hoje em dia.

Zé Cardoso:

Vi um casal na calçada
Ela com ele abraçado
Ele na boca colado
Ela na língua enganchada
Uma velha admirada
Dizia: “Vixe Maria!”
E com tristeza dizia:
“Eu nunca fiz desse jeito”
Não existe mais respeito
Nos namoros de hoje em dia.

***

Davi Calisto Neto glosando o mote

Pra que tanta ganância e correria


Se ninguém veio aqui para ficar?

Se o final é normal pra que correr


E se morrer é ruim mais é comum
Se o caixão vai leva de um em um
Se o dinheiro não pode socorrer…
Eu só quero o bastante para comer
Para viver para vesti e pra calçar
Mesmo sendo pouquim se não faltar
Eu só quero esse tanto todo dia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Todo homem podendo tem que ter


Moradia, saúde e alimento
Um pouquinho também de investimento
Que um dia ele pode adoecer
Necessita também de algum lazer
Para o corpo cansado descansar
Mais tem gente que pensa em enricar
Não descansa de noite nem de dia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Pra que tanta ganância por poder


Exibir a fortuna adquirida
Se o que a gente ganhar durante a vida
É preciso deixa quando morrer
Se na cova não tem como caber
E no caixão ninguém tem como levar
Lá no céu não tem banco para guardar
O que o morto juntou quando vivia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Sei que a vida da gente se encerra


E muita gente se esquece com certeza
E é por isso pensando na riqueza
Que alguns loucos estão fazendo guerra
O pior é que brigam pela terra
Para depois nela mesma se enterrar
Toda essa riqueza vai ficar
E só o corpo que vai para a terra fria
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Pra que tanta ganância e ambição


Se essa vida é bastante passageira
Tudo finda num monte de poeira
Na mortalha, na cova e no caixão
Ninguém pode pedir prorrogação
Quando o jogo da vida terminar
A não ser uma vela pra queimar
O destino é partir de mãos vazia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

A ganância infeliz desenfreada


Deixa o mundo sem paz e sem sossego
Pois tem gente com mais de um emprego
E muita gente morrendo sem ter nada
Mais a vida da gente é emprestada
E qualquer dia o seu dono vem buscar
Qualquer vida que a morte carregar
Ninguém pode tirar segunda via
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UMA CANTORIA E UM POEMA


Publicado em 12 de abril de 2019

Cantoria de improviso com os poetas repentistas Moacir Laurentino e Sebastião da


Silva
***

O CASAMENTO DOS VELHOS – Louro Branco

Tem certas coisas no mundo


Que eu morro e num acredito
Mas essa eu conto de certo
Dum casamento bonito
De um viúvo e uma viúva
Bodoquinha Papaúva
E Tributino Sibito.

O véio de oitenta ano


Virado num estopô
A véia setenta e nove
Maluca por um amor
Os dois atrás de esquentar
Começaram a namorar
Porque um doido ajeitou.

Um dia o véio comprou


Um corpete pra Bodoquinha
Quando a véia foi vestir
Nem deu certo, coitadinha
De raiva quase se lasca
Que o corpete tinha as casca
Mas os miolo num tinha.

No dia três de abril


Vêi o tocador Zé Bento
Mataram trinta preá
Selaram oitenta jumento
Tributino e Bodoquinha
Sairam de manhazinha
Pra cuidar do casamento.
O veião saiu vexado
Foi se arranchar na cidade
Mandaram chamar depressa
Naquela oportunidade
O veião chegou de choto
Inda deu catorze arroto
Que quase embebeda o padre.

O padre ai perguntô:
Seu Tributino, o que pensa,
Quer receber Bodoquinha
Sua esposa, pela crença?
O veião dixe: eu aceito
Tô tão vexado dum jeito
Chega tô sem paciência.

E perguntô a Bodoquinha:
Se aceitar esclareça
A véia lhe arrespondeu
Dando um jeitim na cabeça
Aceito de coração
Tô cum tanta precisão
Tô doida que já anoiteça.

Casaram, foram pra casa


Comeram de fazer medo
Conversaram duas horas
Uns assuntos duns segredo
E Bodoquinha dixe: agora,
Meu pessoá, vão embora
Que eu quero drumi mais cedo.

O véi vestiu um pijama


Ficou vê uma raposa
A véia de camisola
Dixe: óia aqui sua esposa
Cuma é, vai ou num vai?
O veião dixe: ai, ai, ai
Já tá me dando umas coisa.

A véia dixe me arroche


Cuma se novo nóis fosse
O véio dixe: ê minha véia
Acabou-se o que era doce
A véia dixe: é assim?
Então se vai dar certim
Que aqui também apagou-se.

Inda tomaram uns remédio


Mas num deu jeito ao enguiço
De noite a véia dizia:
Mas meu véi, que diabo é isso?
Vamo vendê essa cama
Nóis sempre demo na lama
Ninguém precisa mais disso.

A véia dixe: isso é triste


Mas esse assunto eu esbarro
Eu já bati o motor
Meu véi estrompou o carro
Ê, meu veião Tributino
Nóis dois só tem um menino
Se a gente fizer de barro.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS


Publicado em 5 de abril de 2019

Oliveira de Panelas, grande poeta cantador pernambucano da atualidade

***

Oliveira de Panelas glosando o mote:


Na porta do cu do dono

Essa rôla antigamente


Vivia caçando briga
Furando pé de barriga
Doidinha pra fazer gente
Mas hoje tá diferente
No mais profundo abandono
Dormindo um eterno sono
Não quer mais saber de nada
Com a cabeça encostada
Na porta do cu do dono.

Já fez muita estripulia


Firme que só bambu
Mais parecia um tatu
Fuçava depois cuspia
Reinava na putaria
O priquito era seu trono
Trepava sem sentir sono
E sem precisar de escada
Mas hoje vive enfadada
Na porta do cu do dono.

Nunca mais desvirginou


Uma mata vaginosa
Há muito tempo não goza
A noite de gala passou
Vive cheia de pudor
Sonolenta e sem abono
Faz da ceroula um quimono
E da cueca uma estufa
Vive hoje à cheirar bufa
Na porta do cu do dono.

***

Carlos Severiano Cavalcanti glosando o mote:

Eu plantei em janeiro o meu roçado,


mas a chuva faltou, fiquei sem nada.

Fui ao silo e tirei toda a semente


que restava guardada há mais de um ano
e saí a plantar em solo plano
na esperança de inverno consistente.
O trovão ribombou e de repente
envolvi-me no som da trovoada.
O riacho rosnando na enxurrada,
o meu milho pouquinho semeado.
Eu plantei em janeiro o meu roçado,
mas a chuva faltou, fiquei sem nada.
Trinta dias depois da plantação
eu gostava de ver meu milharal
verdejante, brilhando, colossal,
alegrando meu frágil coração.
Fiz a limpa primeira na intenção
de arrancar todo o mato usando a enxada,
começava a limpar de madrugada
sem contudo sentir-me mais cansado.
Eu plantei em janeiro o meu roçado,
mas a chuva faltou, fiquei sem nada.

O pendão começou a tremular,


quando o sol assumiu a dianteira,
a trocar chão molhado por poeira,
a neblina deixou de borrifar,
a lavoura teimava em não murchar,
mas a haste do milho, já envergada
pendurava a boneca atrofiada
enquanto eu contemplava amargurado.
Eu plantei em janeiro o meu roçado,
mas a chuva faltou, fiquei sem nada.

Perdi tudo o que tinha de semente,


não deixei transformá-la no cuscuz,
carreguei cabisbaixo a minha cruz,
enfrentei a dureza do sol quente,
vejo agora o sofrer da minha gente
sem destino na terra desolada,
transeunte nas margens de uma estrada
indo à toa, sem rumo, em qualquer lado.
Eu plantei em janeiro o meu roçado,
mas a chuva faltou, fiquei sem nada.

Vejo a barra ao quebrar e fico atento,


para ver se a invernada inda retorna,
entretanto, a manhã já nasce morna,
o que traz para mim um desalento,
desespero ante a dor desse momento,
minha casa sem luz, vive apagada,
o sertão vendo a flora incinerada,
o seu povo sem rumo e flagelado.
Eu plantei em janeiro o meu roçado,
mas a chuva faltou, fiquei sem nada.

Já não ouço o cantar dos rouxinóis,


não escuto o arrulhar das juritis,
raramente ouço poucos bem-te-vis,
saltitantes nos galhos do cipós.
No horizonte tem mais pores de sóis
inundando de luz toda a chapada,
a paisagem cinérea iluminada
quando a lua esparrama o seu dourado.
Eu plantei em janeiro o meu roçado,
mas a chuva faltou, fiquei sem nada.
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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM MOTE BEM GLOSADO E UM DOCUMENTÁRIO


Publicado em 22 de março de 2019

João Paraibano e Severino Feitosa glosando o mote:

Não conheço político que não mude,


quando pega nas rédeas do poder.

João Paraibano:

Vem um tema do nosso José Costa,


seu pedido está mais do que bem feito,
disse a mim que o político quando eleito,
vai fazer só as coisas que ele gosta,
quem escreve pra ele, é sem resposta,
que ao invés de ajudar, faz esquecer,
no começo foi tanto prometer,
mas depois vai faltando a virtude.
Não conheço político que não mude,
quando pega nas rédeas do poder.

Severino Feitosa:

O político que ganha a preferência,


se elege com o voto do povão,
o transporte que usa é avião,
e o espaço é a sua residência,
esquecendo até da presidência,
nem ligando se o povo vai sofrer,
inda manda um ministro esconder
todas as verbas pra área de saúde.
Não conheço político que não mude,
quando pega nas rédeas do poder.

João Paraibano:
Se viu Lula pregando pelas ruas,
prometendo enricar trabalhador,
falou tanto do seu antecessor,
garantindo impedir as falcatruas,
para 20 viagens, faltam duas,
e a pobreza é quem paga sem querer,
tanta gente sem ter o que comer,
precisando que o mesmo lhe ajude.
Não conheço político que não mude,
quando pega nas rédeas do poder.

Severino Feitosa:

No início ele é muito valente,


não tolera receita e desacato,
vai na frente demais do sindicato,
pra poder defender a nossa gente,
veja aí esse nosso presidente,
que lutou muitas vezes pra vencer,
mas agora só pensa em esquecer
que já foi um torneiro “chei” de grude.
Não conheço político que não mude,
quando pega nas rédeas do poder.

João Paraibano:

Quem não lembra de Lula em Caetés,


um torneiro mecânico em São Bernardo,
convidava a ajudar levar o fardo
desse povo que está andando a pés,
Lula fez de viagem mais de dez,
num jatinho a subir e a descer
e a pobreza deixando a padecer,
sem poder residir na terra rude.
Não conheço político que não mude,
quando pega nas rédeas do poder.

***

DOCUMENTÁRIO: LITERATURA DE CORDEL


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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM MESTRE DA CANTORIA
Publicado em 8 de março de 2019

João Paraibano (1952-2014)

A noite parindo o dia


Não tem parto mais bonito
Parece que a mão de Deus
Sem provocar dor nem grito
Arranca o sol todo dia
Do ventre do infinito

Quando o sol aquece a terra


Pendura o seu agasalho
O pranto da noite seca
A última gota de orvalho
Parece um pingo de prata
Preso na ponta de um galho

A música maravilhosa
Se ouve da passarada
A lua tão meiga e pura
Se esconde encabulada
Com beijo ardente do sol
Ruborizando a alvorada

A noite negra recua


Sabendo que o dia veio
O pagão chora no berço
A mãe coloca no seio
Jesus pinta o céu de azul
Pra o sol passar pelo meio

A abelha traz mais flores


Néctar na ponta da asa
A cabôca acende o fogo
E bota a chaleira na brasa
E a fumaça espalha o cheiro
De café torrado em casa.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS


QUATRO MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO
Publicado em 15 de fevereiro de 2019

Pedro Malta, pesquisador da cultura popular nordestina

De um lado a dor e a fome


Percorrendo na artéria.
Um guri sem sobrenome,
No apogeu da miséria.
Do outro lado, os verdugos,
Tratando como refugos
Quem vive na letargia…
É triste ver meu pais
Gratificando juiz
Com auxilio moradia.

Hélio Crisanto

O Nordeste tem sido a grande escola


Dos maiores poetas cantadores
Sustentáculos e eternos defensores
Da origem maior que nos consola
Inspirados no ritmo da viola
Nos acordes de arame na madeira
Cantam de improviso a vida inteira
E o que cantam somente Deus ensina
Venham ver a viola nordestina
Defendendo a cultura brasileira.

Sebastião da Silva

Eu não estava dormindo


Apenas dei um cochilo
Sonhei que estava pescando
Nas águas do rio Nilo
Pescando cada traíra
Que a cabeça dava um quilo.

Zé Bernardino do Pajeú

Doutor de cara fechada


Sem conhecer o caminho
Pergunta pra um garotinho
Descalço, roupa rasgada
Me responda se esta estrada
É a que vai pra Orós?
Raciocínio veloz
Diz a criança ao doutor
Num sei não, mas se ela for
Vai fazer falta pra nós.

Geraldo Amâncio

***

UM FOLHETO DE MANOEL MONTEIRO

LEANDRO GOMES O REI DO CORDEL

Leandro Gomes de Barros


Nosso amado menestrel
Que em vez de alaúde
Usou caneta e papel,
Tipo, tinta, impressora
Na construção precursora
Do folheto, ou do cordel.

– O cordel, este livrinho,


Escrito em versos rimados
Obedecendo um “tamanho”
Porque são metrificados
Conforme o que se comenta,
Da forma que se apresenta,
Teve aqui os seus primados.

– Trinta e cinco anos antes


De chegar mil novecentos,
Em Pombal, nasceu Leandro
Um dos maiores talentos
Que a poesia já deu,
Diz-se que ele escreveu
De cordéis, mais de quinhentos.

Leandro é da velha cepa,


De Inácio da Catingueira
De Romano da Mãe D’Água
Dos poetas do Teixeira,
De cangaceiro e polícia
Dos quais se deu a notícia
Pelos folhetos de feira.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM MOTE BEM GLOSADO


Publicado em 8 de fevereiro de 2019

Mote:

Pra quê tanta ganância e correria


Se ninguém veio aqui pra ficar
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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM MOTE BEM GLOSADO


Publicado em 1 de fevereiro de 2019

José de Souza Dantas glosando o mote:

Todo dia me sento meia hora


No batente da casa da saudade.

No lugar que nasci e fui criado,


Todo dia a saudade me aperta,
Bate forte em meu peito e me alerta
Pra lembrar bons momentos do passado,
Tiro um tempo para ficar sentado
Meditando com mais profundidade,
Confiante sentindo-me à vontade
Vendo o mundo, a paisagem, fauna e flora.
Todo dia me sento meia hora
No batente da casa da saudade.
Toda vez que visito o meu sertão,
Passo uns dias na casa dos meus pais,
A saudade que sinto dói demais
Que não cabe dentro do coração,
Tenho viva toda recordação
De papai na nossa propriedade,
Que partiu para outra eternidade,
Não está entre nós e foi-se embora.
Todo dia me sento meia hora
No batente da casa da saudade.

***

Um folheto de Franklin Maxado

A BELA HISTÓRIA DE JACI – A PROSTITUTA VIRGEM E SANTA

Nossa vida, minha gente


É cheia de contradições
As vezes, o que se vê
Em muitas situações
Não é a realidade
São apenas ilusões

Aqui conto um caso desses


Como enganam as aparências
Uma moça que ninguém diz
Olhando suas vivencias
Seja virgem e muito santa
Apesar de experiências

Jaci era uma dessas


Mulheres fáceis da vida
Adotou a profissão
Passando-se por perdida
Para poder sobreviver
Sem depender de acolhida

Feita esta explicação


Vamos contar sua estória
Feita com muito amor
Da derrota fez vitória
E nisso está seu louvor
Na conduta meritória

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UM MOTE BEM GLOSADO


Publicado em 25 de janeiro de 2019

Zé Adalberto glosando o mote:

Pra que tanta riqueza se a pessoa


Nada leva daqui pra sepultura?

Muitas vezes, sozinho, eu pergunto:


Pra que tanta riqueza, se depois
Que o caixão encostar e couber dois
O amigo melhor não quer ir junto?
Pra que cara fragrância se o defunto
Não exige perfume da “natura”?
Mesmo a alma é cheirosa quando é pura
Mas o cheiro do corpo ainda enjoa.
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que casa cercada por muralha?


Se a cova é cercada pelo pranto.
Se pra Deus, todos têm do mesmo tanto
Tanto faz a fortuna ou a migalha.
Pra que roupa de marca, se a mortalha
Não requer estilista na costura?
Se o cadáver que a veste não procura
Nem saber se a costura ficou boa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que eu me esconder detrás de um pão


Se a miséria não bate em minha porta?
Pra que eu me cansar regando horta
Se amanhã ou depois já é verão
Pra que eu confiar no coração
Sem saber quanto tempo à vida dura
Se a ferida da alma não tem cura
Quando é a ganância que a magoa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Não sou dono de ônibus nem de trem


Mas enquanto eu puder me locomovo
Pra que eu invejar um carro novo
Se o transporte final nem rodas tem?
Nem me avisa dizendo quando vem
Mas só anda na minha captura
Bem abaixo da sua cobertura
Ele tem quatro asas, mas não voa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que eu inventar de ser afoito


Se eu não tenho coragem pra vencer?
Pra que eu comprar queijo sem poder
Se na mesa tem pão, ovo e biscoito?
Pra que eu colocar um trinta e oito
Entupido de bala na cintura
Se a razão é a arma mais segura?
Ter sossego é melhor que ter coroa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que eu toda hora dar balanço


No que tenho ou andar atrás de bingo?
Pra que tanta hora extra no domingo
Se Deus fez esse dia pro descanso?
Pra que eu trabalhar igual boi manso
Se a chibata do dono me tortura?
Pra que eu reclamar da minha altura
Se o que a mão não alcança, Deus me doa?
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que eu com dois olhos na barriga


Se os da cara já são suficientes?
Pra que eu invejar os meus parentes
Se já sei que o retorno é uma intriga?
A formiga que evita ser formiga
Cria asas, se torna tanajura
Cresce a bunda demais, cria gordura
Fica muito pesada e cai à toa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Deus me dando o arroz e o pilão


È preciso que eu saiba despolpá-lo
Pra depois de cozido eu mastigá-lo
Sem roubar o suor do meu irmão.
Eu confesso que vivo na fartura
Se tiver feijão preto e rapadura
Encho tanto a barriga, chega zoa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

Pra que eu ter mansão no litoral


Se um rancho está bom num pé de serra
Se eu fizer prédio alto aqui na Terra
Lá no Céu, vai faltar material
Meu ensino maior foi o Mobral
Os meus livros têm sido a Escritura.
Pra que eu aprender literatura
Se a palavra de Deus me aperfeiçoa?
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura?

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

UMA GLOSA
Publicado em 22 de janeiro de 2019

Mote:

João Doido, cacete e rola


Tudo é nome do caralho
Glosa:

Peia, cipó, mandioca


Carabina, prego e talo
Estaca, pica, badalo
Sarrafo, pomba, biloca
Pinto, manjuba, piroca
Vergalhão, também mangalho
Linguiça, cajado, malho
Nervo, trabuco, bilola
João Doido, cacete e rola
Tudo é nome do caralho.

Glosa do poeta pernambucano José Honório, publicada no álbum


Indecências, editado em julho de 1990.

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PEDRO MALTA - REPENTES, MOTES E GLOSAS

MOTE E GLOSA DE JOSÉ HONÓRIO


Publicado em 16 de janeiro de 2019

Pedro Malta

Mote:

Xiri, perereca, aranha


Quanto nome a brecha tem.

Glosa:

Vagina, papuda, greta


Xanha, lasca, racha e fruta
Tabaco, chibiu e gruta
Fenda, bainha e buceta
Desejada, cara-preta
E bacurinha também
É vizinha do sedém
Talho, pipiu e xiranha
Xiri, perereca, aranha
Quanto nome a brecha tem.

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