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Hinduísmo Venera mais de 330

Milhões de deuses
Hinduísmo Venera mais de 330 Milhões de deuses

Os hindus acreditam numa força divina única, mas que assume


incontáveis formas. O número de deuses pode ser até maior:
talvez um para cada devoto

Texto Álvaro Oppermann

No sul da Índia, próximo à cidade sagrada de Tiruvannamalai,


fica o templo de Bhuvaneshwari. Lá, os monges residentes têm
uma única ocupação – bem insólita, por sinal: desde o século
16, ou talvez até há mais tempo, eles fazem um minucioso
recenseamento de todos os deuses hindus. Em pergaminho,
registram a origem, a função e as relações de parentesco. É
uma tarefa gigantesca. O número oficial de deuses na Índia
chega a 330 milhões. Extraoficialmente, porém, essa conta
bate na casa do bilhão.

Bem-vindo à enigmática Índia. Para entendê-la, é preciso


livrar-se de alguns preconceitos que se tornaram moeda
corrente no mundo ocidental, como o de “religião única”. Sob
o guarda-chuva do que chamamos de hinduísmo, abrigam-se
centenas – ou milhares – de crenças distintas. Como dizia
Sri Ramakrishna, um santo hindu do século 19, “na Índia,
existem tantos deuses quanto o número de devotos”. Mas isso
é colocar o carro adiante dos bois. Vamos começar pelo
início da história: o povo ário (ou ariano), fundador da
civilização indiana.
Os arianos (guerreiros de pele clara que viviam na Ásia
Central, mais ou menos na região da atual Mongólia)
invadiram o subcontinente indiano por volta de 1500 a.C.
Sobrepujaram os habitantes originais – dravidianos, ou povo
do rio Indo. E impuseram suas crenças. Segundo o
orientalista Heinrich Zimmer, autor do clássico Filosofias
da Índia, o fator inicial que moldou o hinduísmo foi
diferente, por exemplo, daquele que forjou as religiões
semitas – cristianismo, judaísmo e islamismo. Na tradição
semítica, a pergunta inaugural do ser humano sempre foi
sobre a natureza de Deus: o que e como Ele é? “O
questionamento hindu foi outro”, diz Zimmer. “A pergunta
ariana era: o que é um homem, uma planta, um animal ou um
objeto celeste?

Darma e carma

Segundo a tradição védica (dos Vedas, escrituras sagradas),


os sábios hindus – chamados rishis – descobriram que todo
ser individual (fosse um homem, fosse uma pedra) estaria
ordenado a um fim que lhe seria próprio. Um fim que, caso
cumprido, traria a felicidade plena daquele sujeito. Ou
seja: existiria uma lei da existência. E isso foi chamado de
darma, enquanto a ação de fazer cumprir essa lei recebeu o
nome de carma. A sintonia perfeita entre darma e carma leva
à suprema iluminação, ou libertação. Já os seres que se
afastam em vida da lei da existência se mantêm aprisionados
no ciclo de nascimento, morte e transmigração – chamado em
sânscrito de samsara.
Os rishis concluíram também que o darma não aparece pronto e
do nada para os homens. Essa “lei perene” (segundo a
tradução mais correta do termo) jaz latente no Universo.
Originária de um “princípio absoluto” – se você quiser
chamá-lo de Deus, sinta-se à vontade -, ela assumiu no
início duas formas essenciais. A primeira é bondosa; a
segunda, terrível (mais ou menos como a misericórdia e a
justiça divinas nas tradições semitas). Essa visão do Cosmos
ganhou tempero indiano. “Na tipologia humana, o hindu é
essencialmente um imaginativo, e sua religião adquiriu
plasticidade”, diz Carl Ernst, professor de religiões
comparadas da Universidade da Califórnia, nos EUA. A bondade
ganhou a forma e a personalidade de um deus da manutenção do
Universo, chamado Vishnu. O lado terrível ficou com Shiva, o
deus da destruição. Por trás deles, impávido e silencioso,
estaria o princípio de tudo – Brahma.
Fazendo uma comparação grosseira: se o hinduísmo fosse uma
grande empresa, Brahma certamente seria o seu presidente.
Logo abaixo, na vice-presidência, as cadeiras seriam
ocupadas por Vishnu e Shiva. Porém, essa tríade (trimurti,
em sânscrito) não “dá as ordens” diretamente aos milhões de
fiéis. No sistema religioso hindu, existe um complexo
organograma de “diretores”, “gerentes” e “subgerentes” –
cujos cargos são ocupados pelos milhões de outros deuses. Na
hierarquia sagrada, alguns estão ligados ao braço
“corporativo” de Vishnu. Outros, ao de Shiva.

Entender esse jogo é essencial. Em um artigo no Jornal das


Sociedades Reais Asiáticas, Ernst demostra que os detalhes
assustadores ou picantes da vida no panteão hindu são até
bem compreensíveis, desde que se adote o ponto de vista
correto. O canibalismo de Garuda (que engole um braço de
Vishnu), por exemplo, deve-se a sua filiação ao deus da
criação – ele é um braço de Vishnu. Por aí também é possível
entender as puladas de cerca e as relações incestuosas dos
deuses hindus, ou o nascimento de animais de pais humanos,
como o do deus-elefante Ganesha. Essa trama celeste tem,
como finalidade última, o cumprimento do darma e a plenitude
dos seres. Uma coisa é certa: na Índia, os caminhos do darma
aparentemente são infinitos – assim como seus deuses.

Para saber mais

• Filosofias da Índia
Heinrich Zimmer, Palas Athena, 2003.

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Fonte:
https://super.abril.com.br/historia/hinduismo-330-milhoes-de-d
ivindades/

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