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ELEIÇÕES 2022 PETROBRAS

PT mistura fatos com distorções


para tentar se desvincular de
petrolão e mensalão
Entre omissões e mentira, livro superdimensiona
vitórias judiciais de Lula e diz não ter havido
corrupção sistêmica na Petrobras nem desvio no
mensalão

16.out.2021 às 4h10
Atualizado: 16.out.2021 às 13h38

Ranier Bragon

BRASÍLIA O PT lançou um livro e uma ofensiva de


comunicação que visam rechaçar a associação de
casos de corrupção ao partido e ao seu principal
líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em consonância com as declarações da


presidente do partido, Gleisi Hoffmann, segundo
quem não houve corrupção sistêmica na
Petrobras, o "Memorial da Verdade: Por Que Lula
é Inocente e Por Que Tentaram Destruir o Maior
Líder do País" tem o objetivo de ser um manual
de campanha para a militância.

O ex-presidente Lula e a presidente nacional do PT, Gleisi


Hoffmann, durante lançamento do livro "Memorial da
Verdade", em São Paulo - Nelson Almeida - 12.ago.2021/AFP

Em suas 70 páginas, o livro mescla fatos, como a


sequência de vitórias judiciais obtidas por Lula e
abusos da Operação Lava Jato, com distorções,
omissões e mentira.

Afirma, por exemplo, que decisões favoráveis a


Lula se deram porque a sua defesa, coordenada
pelo casal de advogados Cristiano Zanin e
Valeska Martins, provou que eram falsas as
denúncias feitas pela Lava Jato e que resultaram
em duas condenações, nos casos do tríplex de
Guarujá e do sítio de Atibaia.

Na verdade, as duas condenações e outras ações


foram anuladas devido a decisões do STF
(Supremo Tribunal Federal) relativas a questões
processuais. A primeira, de que a Vara Federal de
Curitiba não tinha competência para julgar os
casos. A segunda, de que o então juiz Sergio Moro
agiu de forma parcial nas ações relativas a Lula.

Com isso, o petista retomou sua elegibilidade e a


condição de inocente, aplicável a todo cidadão
sem condenação penal definitiva.

O livro assegura ainda não ter havido corrupção


sistêmica na Petrobras nem superfaturamento
em contratos —contrariando não só a
investigação da Lava Jato, mas processos do TCU
(Tribunal de Contas da União) e a própria estatal
— e traz a falsa informação de que o ex-
procurador-geral da República Rodrigo Janot
confessou um crime, o de ter forjado uma
denúncia contra o partido.

O memorial não se restringe ao petrolão,


afirmando ainda que "uma recente perícia" na
Justiça de Brasília provou que não houve desvio
de dinheiro público no mensalão —em 2012 o
STF condenou dirigentes do partido sob o
argumento de que eles lideraram esquema que
desviou dinheiro público para compra de apoio
político no Congresso.

Lula participou do lançamento do memorial, em


agosto.

"O PT está se preparando para que nas próximas


campanhas, nos próximos anos, ninguém tenha
coragem de achar que vai falar de corrupção e vai
inibir o PT. (...) Com esse livro aqui, temos que
ter a obrigação de não ter medo de discutir a
questão da corrupção", disse, na ocasião.

Lula lidera as pesquisas de intenção de voto para


2022. Ele ficou 580 dias preso devido ao caso do
tríplex. Deixou a prisão em novembro de 2019,
um dia após o STF ter mudado seu entendimento
e decidir que um condenado só pode ser preso
após o trânsito em julgado.

FORTALEZA, CEARA, 22-8-2021 - Em visita à Fortaleza, Lula …

A tese geral defendida no livro é a de que tanto


Lula quanto o PT foram vítimas de um conluio
entre setores poderosos, Moro, a força-tarefa da
Lava Jato e os principais órgãos de comunicação
do país.

Apesar disso, o memorial lembra que o ponto de


inflexão da opinião pública sobre a Lava Jato se
dá a partir das revelações da relação alinhada de
Moro com os acusadores, o que veio à tona por
meio de reportagens do site The Intercept Brasil,
"em parceria com outros veículos (Veja, Folha de
S.Paulo, UOL, El País, entre outros)".

O memorial registra também decisões judiciais


que analisaram e refutaram o mérito de
acusações contra Lula, uma delas a do juiz
Marcus Vinicius Reis Bastos, da 12ª Vara do
Distrito Federal, que em 2019 absolveu Lula, a ex-
presidente Dilma Rousseff e ex-ministros no caso
do "quadrilhão do PT" afirmando que a denúncia
apresentada por Janot era, na verdade, uma
tentativa de criminalização da política.

É nesse ponto que o livro afirma que Janot


confessou em seu livro —"Nada Menos que
Tudo"— que "só fez aquilo para atender um
pedido de Deltan Dallagnol [chefe da força-
tarefa] e dos procuradores que haviam acusado
Lula sem provas em Curitiba".

Janot relata no livro ter recebido em 2016 pressão


de Deltan para que a denúncia da PGR de
formação de quadrilha contra o partido fosse
feita imediatamente, para dar lastro à acusação
de Curitiba contra Lula por lavagem de dinheiro.

Ele diz no livro, porém, que rechaçou esse pedido


e que apresentou a denúncia um ano depois,
"obedecendo tão somente ao andamento natural
das investigações".

O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, participa …

Apesar de apontar as cifras pagas a executivos da


Petrobras como "escandalosas", o memorial
argumenta que as investigações da Lava Jato é
que causaram os maiores prejuízos à estatal. Se
havia um cartel de grandes empresas com o
intuito de dividir os contratos entre si, questiona,
"por que, então, os ex-diretores recebiam
suborno?"

Como resposta, diz que poderia haver motivos


como evitar atrasos nos pagamentos ou na
assinatura de contratos, "mas não para
superfaturar contratos". E critica o fato de
aqueles pagamentos terem sido carimbados pela
Lava Jato como "propina".

Além de uma série de indícios e delações de


executivos da estatal, empresários e políticos, o
TCU, que criou uma unidade específica para
acompanhar esses casos, calcula ter havido R$
12,3 bilhões em superfaturamento em contratos
da estatal, o que não inclui valores de processos
ainda em apuração ou em que a citação dos
responsáveis ainda não foi autorizada pelo
relator.

Em 2015, e sob pressão, a Petrobras lançou em


seu balanço do ano anterior perdas de R$ 6,2
bilhões relacionadas a corrupção. No início deste
mês, a estatal divulgou ter concluído as
obrigações previstas no acordo com autoridades
norte-americanas, com pagamento de US$ 853,2
milhões (R$ 4,64 bilhões), sendo 80% para as
autoridades brasileiras.

Em nota enviada à Folha, a estatal afirmou já ter


recebido mais de R$ 6 bilhões em decorrência de
acordos de colaboração premiada, leniência e
repatriações. Diversas empresas firmaram
acordo de leniência, entre elas Andrade
Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht.

"A Petrobras foi vítima de uma série de ilícitos


investigados pela Operação Lava Jato. A
companhia, inclusive, já foi reconhecida nessa
condição pelo Supremo Tribunal Federal e pelo
Ministério Público Federal", disse.

O ex-juiz Sergio Moro disse que a tese do livro


lançado pelo PT "não confere com provas
colhidas nos processos, incluindo documentos e
depoimentos", ressaltando que "a própria
Petrobras reconheceu perdas com pagamentos
de subornos".

"Como se não bastasse, há estudos


independentes que mostram o superfaturamento
de obras como a RENEST [Refinaria Abreu e
Lima] e Comperj [Complexo Petroquímico do Rio
de Janeiro], sem falar na disparidade dos valores
de aquisição da refinaria de Pasadena e posterior
venda", acrescentou.

Deltan e procuradores da extinta força-tarefa de


Curitiba não quiseram se manifestar.

OUTRO LADO

A assessoria de imprensa do PT afirmou que


Moro desconsiderou as provas de inocência do
petista, entre elas a de que 100% do valor do
tríplex havia sido cedido pela OAS à Caixa
Econômica Federal e que o imóvel havia sido
contabilizado na recuperação judicial como ativo
da empreiteira.

No caso de Atibaia, o PT diz que os advogados de


Lula provaram que o valor atribuído à reforma do
sítio foi sacado em favor de um dirigente da
empresa.

O PT ressalta não terem sido provados atos de


ofício de Lula em troca da suposta propina e diz
considerar que nas decisões judiciais que anulam
sentenças por suspeição, "assim como nas
sentenças de absolvição, atesta-se a inocência do
acusado."

O partido afirma ainda que a referência a


formação de um cartel de empresas na Petrobras
remonta a período anterior ao do PT, conforme
depoimento de executivos da Setal Óleo e Gás.

E destaca tese de doutorado da professora Maria


Virgínia Mesquita Nasser (USP), "que examinou
as delações e depoimentos de 14 dos principais
réus e investigados da operação", não
encontrando enquadramento dos pagamentos na
modalidade de superfaturamento.

"A Lava Jato e a mídia em geral citam os delatores


na narrativa da 'corrupção sistêmica', mas
ignoraram depoimentos como estes, por
exemplo, que supostamente teriam o mesmo
valor", diz o PT.

Sobre a afirmação falsa sobre Janot, a assessoria


não respondeu diretamente. Disse apenas que a
prova de que a denúncia do "quadrilhão do PT"
foi forjada está na sentença da Justiça do Distrito
Federal que absolveu sumariamente Lula, Dilma
e os ministros.

A assessoria diz ainda que a perícia que provaria


a ausência de dinheiro público no mensalão, na
visão do PT, consta de laudo "de agravo
apresentado pela defesa" de Henrique Pizzolato,
ex-diretor do Banco do Brasil, em ação movida
pelo banco contra ele.

​VEJA PONTOS DO LIVRO LANÇADO PELO PT,


"MEMORIAL DA VERDADE", E O SEU CONTEXTO

Lula e os tribunais

LIVRO: Lula provou sua inocência em todas


as ações e inquéritos que já foram julgados e
concluídos​
CONTEXTO: Boa parte das vitórias de Lula
na Justiça decorrem não por sua defesa ter
provado sua inocência no mérito, mas em
decorrência das decisões do Supremo
Tribunal Federal que 1) consideraram o ex-
juiz federal Sergio Moro parcial e 2) a 13ª
Vara Federal de Curitiba incompetente para
julgar os casos

Tríplex de Guarujá

LIVRO: A defesa provou que Lula nunca foi


dono, nunca recebeu nem foi beneficiado
pelo apartamento em Guarujá. Sergio Moro
o condenou por "atos indeterminados", em
uma trama em que sempre tratou Lula
como inimigo a ser derrotado, não como réu
a ser julgado​
CONTEXTO: As condenações nesse caso
foram derrubadas não porque a defesa
provou que as acusações, no mérito, eram
improcedentes, mas porque o STF
considerou que o foro de Curitiba era
incompetente para jugar o caso e, depois,
também considerou parcial a atuação de
Moro. Os "atos indeterminados" se referem
a uma das condenações do caso, por
corrupção passiva, em que o Ministério
Público não provou qual ato de ofício Lula
teria praticado em troca da suposta propina.
No entendimento de Moro e de parte do
mundo jurídico, não é preciso haver essa
caracterização para a configuração da
corrupção passiva pois em muitos casos os
atos podem ser praticados "assim que as
oportunidades apareçam"

Sítio de Atibaia

LIVRO: A defesa provou que Lula nunca


recebeu dinheiro da Odebrecht para pagar
reformas no sítio, que também nunca foi
dele​
​CONTEXTO: As condenações nesse caso
foram derrubadas não porque a defesa
provou que as acusações, no mérito, eram
improcedentes, mas porque o STF
considerou que o foro de Curitiba era
incompetente para jugar o caso e, depois,
também considerou parcial a atuação de
Moro

Quadrilhão do PT

LIVRO: A Justiça arquivou a denúncia por


verificar que o Ministério Público Federal
não apontou nenhum crime de Lula, da ex-
presidente Dilma Rousseff, de seus ex-
ministros ou dirigentes do PT. Responsável
pela denúncia, o então procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, confessou
posteriormente, em livro, que só fez a falsa
acusação para atender um pedido de Deltan
Dallagnol e da força-tarefa da Lava Jato em
Curitiba
CONTEXTO: ​A Justiça absolveu
sumariamente Lula e Dilma e os outros
acusados. Segundo o juiz, a denúncia tinha a
tentativa de criminalizar a atividade
política. Não é verdade que em seu livro
Janot tenha confessado ter forjado a
denúncia do quadrilhão do PT. Ele relata ter
sofrido pressão de Dallagnol e outros
procuradores para mudar a ordem das
denúncias e apresentar rapidamente a
relativa ao PT para que não ficasse sem
lastro a denúncia feita por eles de lavagem
de dinheiro (e não de corrupção), que, pela
lei, exige a existência de crime precedente.
Janot, porém, diz que não atendeu a esse
pedido e apresentou a acusação em seu
devido tempo

Contestação das eleições

LIVRO: A oposição pediu a anulação das


eleições, o que foi rejeitado pelo Tribunal
Superior Eleitoral​
CONTEXTO: O PSDB pediu uma auditoria
dos resultados da eleição de 2014 pelo TSE,
não a anulação das eleições. O tribunal não
encontrou nenhum indício de fraude.

Mensalão

LIVRO: Está provado que não houve desvio


de dinheiro público no mensalão, com base
em uma recente perícia oficial na Justiça de
Brasília (não especifica qual é)​
CONTEXTO: dirigentes do PT foram
condenados em 2012 pelo Supremo
Tribunal Federal, a instância máxima da
Justiça no país. O Supremo definiu que
houve a formação de uma quadrilha que
desviou dinheiro público na casa das
dezenas de milhões de reais, o que,
misturados a empréstimos fictícios, foi
usado na compra de apoio político no
Congresso.

Petrolão

LIVRO: Embora reconheça que ex-diretores


da Petrobras receberam suborno de grandes
empresas, afirma que a Lava Jato nunca
provou que havia a chamada “corrupção
sistêmica” nem superfaturamento nas obras
da estatal. Diz que a acusação grave de que
um sistema político saqueava a empresa
trouxe consequências graves para a estatal e
para o Brasil
CONTEXTO: Além de uma série de delações
e outros indícios colhidos pela Lava Jato, o
TCU aprovou em junho de 2020 estudo
econométrico em que apurou R$ 18 bilhões,
em valores atualizados para aquela época, a
título de prejuízo causado à Petrobras por
superfaturamento em contratos.
Atualmente a área técnica do tribunal
calcula ter havido R$ 12,3 bilhões em
superfaturamento, excluídos processos
ainda em andamento. A Petrobras lançou
em seu balanço de 2014 prejuízo de R$ 6,2
bilhões a título de valores desviados. Várias
empresas fizeram colaboração premiada e
acordo de leniência, entre elas Andrade
Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht,
Samsung, SBM e Technip. O valor devolvido
aos cofres da empresa devido a esses
acordos já ultrapassa R$ 6 bilhões.​

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