Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
9)
Já faz um t Já faz um tempo que esta empo que esta história aconteceu, história aconteceu,
alguns anos, pa alguns anos, para dizer a ve ra dizer a verdade, ma rdade, ma
s só agora resolvi contá-la. Escrever é uma coisa que gosto de fazer; é uma forma gosto de
fazer; é uma forma de pre
servar a nossa memória e, até mesmo, de servar a nossa memória e, até mesmo, de entender
as entender as coisas. Quando a gente põe no pape coisas. Quando a gente põe no pape
l aquilo que nos aconteceu, é como se l aquilo que nos aconteceu, é como se estivéssemos
estivéssemos vivenciando de novo os acontecime vivenciando de novo os acontecime
ntos, descobrindo coisas que antes não nos haviam ocorrido. O que, no corrido. O que, no caso
da pres caso da pres
ente história, é um prazer e uma ente história, é um prazer e uma fonte de emoções. fonte de
emoções. Aqui vai, pois. Aqui vai, pois.
Moro numa cidad Moro numa cidade chamada Sertãoz e chamada Sertãozinho de Baixo. inho
de Baixo. Estranha, a d Estranha, a denominação? Pois enominação? Pois é. Muita é. Muita
gente achava isso, inclusive, e principalmente, na própria cidade. Gente que não gos
tava do "Sertãozinho" e não gostava do "de Baixo". Políticos e Políticos e empresários até
promoveram empresários até promoveram
uma campanha para mudar o nome. Por que uma campanha para mudar o nome. Por que "de
Baixo", "de Baixo", indagavam, se não há um Sertãozinh indagavam, se não há um Sertãozinh
o de Cima? Mas houve, sim, uma o de Cima? Mas houve, sim, uma vila com esse nome - vila
com esse nome -- só que desapareceu quando a á - só que desapareceu quando a áre
a em que ficava foi inundada para a a em que ficava foi inundada para a construção da g
construção da grande represa de Mar-de-Dentro. Q rande represa de Mar-de-Dentro. Q
ando lugar pequeno; depois, e mais importante: de maneira geral, sertão alude a aneira geral,
sertão alude a um
lugar agreste, distante, de gente pobre e inculta. E a nossa cidade, diziam, já t a nossa cidade,
diziam, já t
(p. 10)
Ainda não éramo Ainda não éramos uma metrópole, s uma metrópole, mas estávamos cr mas
estávamos crescendo, progredindo. escendo, progredindo. Propunham para Propunham para
e
la o nome de Fernando Nogueira, o fundador do la o nome de Fernando Nogueira, o fundador
do shopping, que havia falecido pouco ing, que havia falecido pouco
s anos antes. Um plebiscito foi feito e s anos antes. Um plebiscito foi feito e a maioria d a
maioria dos votantes optou por manter os votantes optou por manter
al: "Novo Sertão", expressão criada por uma agência de publicidade contratada pelo pre
esentação da campanha, que incluía prospectos, cartazes coloridos e até filmetes para a
do atraso, hoje pode ser o do atraso, hoje pode ser o começo de uma riqueza. começo de
uma riqueza. Sertão, sim. Geograficamente Sertão, sim. Geograficamente fala
ndo, sertão. Mas é um outro sertão, o ndo, sertão. Mas é um outro sertão, o sertão que va
sertão que vai em frente, o sertão gerador de rique i em frente, o sertão gerador de riquez
O que provocou O que provocou mais uma discussã mais uma discussão. Muita gente o.
Muita gente achou aquela achou aquela história de "O história de "O Novo Se Novo Se rtão"
frescura, coisa para impressionar ingênuos. No jornal às vezes aparece a expressão
, às vezes não. O nome , às vezes não. O nome da cidade é que ficou. da cidade é que ficou.
eu pai, por exemplo, sempre gostou daqui. Agora aposentado por doença (tem uma sentado
por doença (tem uma art
um homem sábio. Para ele, manter a ordem um homem sábio. Para ele, manter a ordem não
queria não queria dizer meter medo às pessoas. Acred dizer meter medo às pessoas. Acred
itava muito mais no diálogo -- mesmo com itava muito mais no diálogo -- mesmo com
delinqüent delinqüentes. Uma vez uma assaltante entrou es. Uma vez uma assaltante entrou
(p. 11)
Cercado, e muit Cercado, e muito nervoso, disse o nervoso, disse que só sairia que só sairia
de lá morto. de lá morto. Meu pai, sozin Meu pai, sozinho e desa ho e desa
rmado, entrou no lugar. Conversou por mais de uma hora com o assaltante e por fi com o
assaltante e por fi
m saiu trazendo-o pelo braço. O homem chorava como uma criança e declarou ao jornal
criança e declarou ao jornal
Meu pai tem Meu pai tem razão: a cidade razão: a cidade é agradável, pac é agradável,
pacífica. E antiga: ífica. E antiga: tem mais de tem mais de trezentos ano trezentos ano
s, como se constata pela bela igreja e s, como se constata pela bela igreja e pelo casario pelo
casario colonial. Antiga, mas não atra colonial. Antiga, mas não atra
sada: nos últimos anos, surgiram também fábricas -- uma delas muito grande, a uma delas
muito grande, a Indústria Indústria
Têxtil Coroado --, novas lojas, o shopping Nogueira... E também prédios de apartamento
Mas há muita Mas há muita pobreza. Sempre pobreza. Sempre houve. No lugar houve. No
lugar chamado Buraco chamado Buraco -- uma enorme -- uma enorme vila p
opular que tem mais de trinta anos --, opular que tem mais de trinta anos --, as casinhas as
casinhas até hoje são humildes, as condições d até hoje são humildes, as condições d
e vida, muito duras. Em outras cidades, bairros assim são o im são o reduto de traficantes,
reduto de traficantes,
mais associada à resignação do que à violência. "O que se vai fazer, é a se vai fazer, é a
vontade de Deus" er vontade de Deus" er
a uma frase que se ouvia a uma frase que se ouvia comumente. comumente.
Esse tipo de Esse tipo de atitude deixava atitude deixava meu amigo Geral meu amigo
Geraldo Camargo, o do Camargo, o Gê, muito irrit Gê, muito irritado. Pa ado. Pa
ra ele, os pobres deveriam se voltar, mostrar sua inconformidade, lutar por seus
direitos. Escreveu até um poema intitulado "A resignação é o gnação é o ópio do povo". Ge
era o ópio do povo". Ge era o pres
idente do grêmio estudantil -- e um líder muito idente do grêmio estudantil -- e um líder muito
combativo. Volta e meia brigava com bativo. Volta e meia brigava com
a direção do colégio, para grande consternação do pai, Henrique Camargo, dono de ai,
Henrique Camargo, dono de uma loja uma loja
de roupas no shopping. "Não entendo meu filho", queixava-se a meu pai, ixava-se a meu pai,
que era seu que era seu
confidente -- aliás, confidente de muitas outras pessoas também.
O colégio Horiz O colégio Horizonte, a escola onte, a escola particular em particular em que
estudávamos, que estudávamos, era melhor da era melhor da cidade. cidade.
Na época, não tinha muitos alunos, cerca de Na época, não tinha muitos alunos, cerca de
quinhentos, de modo que quase todo o mu ntos, de modo que quase todo o mu
ndo se conhecia. Gê - que hoje ndo se conhecia. Gê - que hoje é vereador, o veread é
vereador, o vereador mais jovem da cidade - começ or mais jovem da cidade - começou a
(p. 12)
Quando criamos Quando criamos nosso time nosso time de futebol, de futebol,
imediatamente imediatamente assumiu a assumiu a liderança, aind liderança, ainda q
ue não fosse o melhor jogador - ue não fosse o melhor jogador - o melhor jogador, m o melhor
jogador, modéstia à parte, era este que vo odéstia à parte, era este que vos f
ala. Nos trabalhos em grupo tomava a iniciativa e distribuía as istribuía as tarefas. Nunca hes
tarefas. Nunca hes
tipo de literatura não interessava muito. O que deixava o Gê xava o Gê muito irritado: muito
irritado:
-- A ge -- A gente precisava nte precisava ter idéias! ter idéias! A gente A gente precisa mudar
precisa mudar o mundo, o mundo, Gui!
Gui - Guilherme Gui - Guilherme Galvão - sou Galvão - sou eu. Até hoje eu. Até hoje o pessoal
me o pessoal me trata por esse trata por esse apelido. Dou apelido. Dou
tor Gui - formei-me em medicina no ano tor Gui - formei-me em medicina no ano passado -, m
passado -, mas Gui, de qualquer jeito. Gê e as Gui, de qualquer jeito. Gê
Gui: os apelidos eram parecidos, mas fisicamente éramos bem diferentes. Eu era ramos bem
diferentes. Eu era al
to; ele, baixinho. Eu era um garoto calmo, coisa to; ele, baixinho. Eu era um garoto calmo,
coisa que deixava minha mãe intrigada: e deixava minha mãe intrigada:
-- No campo -- No campo de futebol você de futebol você corre de um corre de um lado para
o lado para o outro -- observav outro -- observava --, em ca a --, em ca
sa você é um molenga.
-- Pelo -- Pelo menos na menos na hora de hora de arrumar o arrumar o seu quart seu quarto.
Gê, elétrico, n Gê, elétrico, não parava quieto. ão parava quieto. Gostava de fala Gostava de
falar - e falar r - e falar bem; discurso era bem; discurso era com el
e mesmo. Queria ser advogado e chegou a e mesmo. Queria ser advogado e chegou a entrar
numa entrar numa faculdade em juazeiro, que f faculdade em juazeiro, que f
-- O Gê -- O Gê ainda vai ainda vai ser um líder político líder político nesta cidade. nesta
cidade.
O Armando era O Armando era o nosso profes o nosso professor de história. sor de história.
Excelente professor Excelente professor. Para ele, h . Para ele, histór
ia não era só decorar datas de ia não era só decorar datas de batalhas ou nomes de batalhas
ou nomes de generais e de presidentes. "Hi generais e de presidentes. "Histór
(p. 13)
Como professor, Como professor, era extremamente era extremamente criativo. Por criativo.
Por exemplo, quan exemplo, quando estudamos do estudamos escra
vatura, organizou uma encanação que serviu de ponto de partida para um de partida para um
debate: de um debate: de um
lado, um fazendeiro argumentado que, sem a mão-de-obra escrava, não tinha condições de
Atualmente, Armando Atualmente, Armando não apenas lecio não apenas lecionava como
também nava como também apresenta um pro apresenta um programa de rádio, grama de
rádio,
chamado "A história hoje", em que se chamado "A história hoje", em que se fala de acont fala
de acontecimentos do passado - a Guerra ecimentos do passado - a Guerra
do Paraguai, por exemplo - como do Paraguai, por exemplo - como estivessem acontec
estivessem acontecendo no presente: "Na minha f endo no presente: "Na minha f rente, os
navios imperiais...". É bom nisso. Enfim, um cara animado, divertido, além
de inteligente, culto, ponderado. Não acredito muito em gurus, mas, se to em gurus, mas, se
acreditass acreditass
e, diria que ele foi, para nós, e, diria que ele foi, para nós, um guru. um guru.
Contudo, não er Contudo, não era uma unanimidade a uma unanimidade, em Sertãozinho ,
em Sertãozinho de Baixo. Havia de Baixo. Havia quem não gostass quem não gostasse d
Comércio da cidade. Para ele, o Comércio da cidade. Para ele, o Armando não passav
Armando não passava de um esquerdista cujo objetivo a de um esquerdista cujo objetivo
era "confundir as mentes dos nossos jovens". Na era "confundir as mentes dos nossos
jovens". Na Associação de Pais e Mestres, da qu sociação de Pais e Mestres, da qu
al era também presidente, Fernando chegou a pedir que os professores fosse desliga
professores fosse desliga
do da escola. Mais uma vez meu do da escola. Mais uma vez meu pai, que estava na r pai, que
estava na reunião, salvou a pátria. Mostro eunião, salvou a pátria. Mostrou
que o Armando não estava doutrinando ninguém, estava ensinando os alunos a dialogar:
-- E diálogo -- E diálogo nunca fez mal nunca fez mal a ninguém. Ao a ninguém. Ao contrário: o
di contrário: o diálogo é a gin álogo é a ginástica da inteli ástica da inteligência
Se ginástica para o corpo é Se ginástica para o corpo é importante, por que nã importante,
por que não fazer ginástica para a ment o fazer ginástica para a mente?
Todo o mundo Todo o mundo riu, e até riu, e até o próprio Fernan o próprio Fernando
reconheceu qu do reconheceu que havia exagerado e havia exagerado. "Sou me . "Sou me
io preconceituoso", disse.
Não era o ú Não era o único. Preconceito, nico. Preconceito, infelizmente, exis infelizmente,
existia no chamado tia no chamado Novo Sertão. H Novo Sertão. Havia qu avia qu
(p. 14)
A cidade fica A cidade fica na entrada do na entrada do sertão da Bahia, sertão da Bahia, mas
muita gente mas muita gente achava que estáv achava que estávamos
ana no cargo, não se cansava de ana no cargo, não se cansava de enfatizar: enfatizar:
-- Aqui somos -- Aqui somos todos iguais, todos iguais, não importa a não importa a cor da
pele, cor da pele, não importa a não importa a procedência, não procedência, não
importa a religião.
Nunca tivemos p Nunca tivemos problemas a esse roblemas a esse respeito. Até respeito. Até
que ocorreu um que ocorreu um incidente. E esse incidente. E esse in
cidente - assim como seus desdobramentos - foi como que um desígnio para que tentáss um
desígnio para que tentáss
emos nossa capacidade de tolerância. E com ele começou também a çou também a minha
história. minha história.
(p. 15)
2. Alguém 2. Alguém chega para chega para nos lembrar nos lembrar que o v que o velho
sertão elho sertão ainda existe ainda existe
Um dia, a d Um dia, a diretora entrou na iretora entrou na nossa sala de nossa sala de aula
acompanhada aula acompanhada de um garoto de um garoto magri
-- Gente, este -- Gente, este aqui é o novo aqui é o novo colega de vocês colega de vocês, o
José Gon , o José Gonçalves. Ele acaba çalves. Ele acaba d se mudar d se mudar p
ara a cidade. Peço que vocês o ara a cidade. Peço que vocês o recebam bem, e que o recebam
bem, e que o ajudem no que for necessário. ajudem no que for necessário.
Normalmente um Normalmente um pedido como aquel pedido como aquele teria sido e teria
sido até desnecessário. até desnecessário. Em geral, acolhía Em geral, acolhíamos
com prazer o pessoal que vinha com prazer o pessoal que vinha de fora, o que não de fora, o
que não era muito freqüente; foi, por ex era muito freqüente; foi, por exe
mplo, o caso do Peter, filho de mplo, o caso do Peter, filho de um engenheiro inglê um
engenheiro inglês que veio para cá contratado pe s que veio para cá contratado pel
a usina hidrelétrica e decidiu ficar na cidade com a esposa e os filhos, Peter e E esposa e os
filhos, Peter e E
rnest. O Peter aprendeu a falar português e logo rnest. O Peter aprendeu a falar português e
logo se integrou na turma da escola. F integrou na turma da escola. F
ormou-se em economia. Hoje é um brasileiro cem por cento - sabe até preparar vatapá e -
sabe até preparar vatapá e
acarajé. Quem prova os seus pratos diz que é acarajé. Quem prova os seus pratos diz que é
autêntica cozinha baiana. ica cozinha baiana.
Mas havia qualq Mas havia qualquer coisa no uer coisa no Zé Gonçalves, ou Zé Gonçalves, ou
Zé, como logo Zé, como logo veio a ser veio a ser chamado, que n chamado, que n os
perturbava. Ele era feio, o coitadinho, e a os perturbava. Ele era feio, o coitadinho, e a voz
dele, fanhosa, trêmula, parecia dele, fanhosa, trêmula, parecia
eria um problema - afinal, ninguém precisa ser galã, ninguém precisa ter , ninguém precisa ter
voz de tenor. voz de tenor.
(p. 16)
O problema real O problema real era outro: Zé era outro: Zé representava, para representava,
para nós, um mistéri nós, um mistério. Um mistério o. Um mistério complet complet
o. Para começar, era, como logo constatamos, um garoto reservado, caladão. Nunca fal
tava às aulas, nunca chegava atrasado, nunca deixava de entregar os trabalhos. E a de entregar
os trabalhos. E q
uase sempre permanecia em silêncio. Falava só quando tinha de falar -- o tinha de falar --
respondendo ás respondendo ás
perguntas dos professores. Nessas ocasiões saía-se bem, mostrava um conhecimento que
mostrava um conhecimento que
No recreio, fic No recreio, ficava sozinho em ava sozinho em um canto, come um canto,
comendo a merenda ndo a merenda - um sanduíche - um sanduíche que tra que tra
zia de casa - e zia de casa - e lendo um livro. Era um grande leito lendo um livro. Era um grande
leitor. Logo se torno r. Logo se tornou o maior fre u o maior fre
qüentador da biblioteca, para grande alegria de dona Alcívia, a bibliotecária, que ado
Da vida dele, Da vida dele, sabíamos muito sabíamos muito pouco. A irrequ pouco. A
irrequieta Martinha, n ieta Martinha, nossa colega, que ossa colega, que tin
ha, como dizia o Armando, "uma grande vocação para o jornalismo investigativo", anda
jornalismo investigativo", anda
ra fazendo perguntas por conta própria. Descobria que o Zé era ue o Zé era da região de
Sertãozinho da região de Sertãozinho
de Cima, aquela que fora inundada. Na ausência da mãe - ausência inexplicada -, o pai -
ausência inexplicada -, o pai
criara, mas, a certa altura, e por razões não criara, mas, a certa altura, e por razões não bem
esclarecidas, sumira também. Depois sclarecidas, sumira também. Depois
de algumas andanças, viera morar com uma velha tia em nossa cidade. nossa cidade.
-- Pelo que -- Pelo que me informam, é me informam, é uma mulher ve uma mulher velha e
esquisita, lha e esquisita, que não fala que não fala com estranho com estranho
s. A ela não dá s. A ela não dá para perguntar nada. para perguntar nada.
Essas coisas eu Essas coisas eu comentava com me comentava com meu pai, na me u pai, na
mesa do almoço. sa do almoço. Em geral ele Em geral ele ouvia sem ouvia sem
dizer nada: meu pai também não dizer nada: meu pai também não era de falar muito. era de
falar muito. Uma vez, porém, sugeriu: Uma vez, porém, sugeriu:
(p. 17)
-- Por que você que você não traz não traz esse garoto esse garoto para almoçar para almoçar
aqui em aqui em casa?
Olhei-o, surpre Olhei-o, surpreso. Tanto so. Tanto papai como papai como mamãe sempre
mamãe sempre foram pessoas foram pessoas colhedoras. Ma colhedoras. Mamãe,
a propósito, até hoje enfermeira-chefe de nosso pequeno hospital, tem uma vocação natura
l para cuidar de gente. Volta e l para cuidar de gente. Volta e meia tínhamos convi meia
tínhamos convidados para o almoço ou para a ja dados para o almoço ou para a jan
ta. Mas confesso que a sugestão do papai ta. Mas confesso que a sugestão do papai me soou
um me soou um tanto estranha. Eu não conseguia tanto estranha. Eu não conseguia
imaginar o Zé sentado ali, junto conosco, batendo papo. Notando minha indecisão, pa
Notando minha indecisão, pa
pai insistiu:
-- Meu palpite -- Meu palpite é que esse ga é que esse garoto precisa de roto precisa de
companhia, de am companhia, de amigos. Só isso. igos. Só isso.
Assim, no dia Assim, no dia seguinte, na e seguinte, na escola, procurei scola, procurei o Zé.
Era a o Zé. Era a hora do recreio hora do recreio e lá estav e lá estav
a ele, sob uma árvore, comendo seu sanduíche, o a ele, sob uma árvore, comendo seu
sanduíche, o livro sobre os joelhos - mas o olhar ro sobre os joelhos - mas o olhar
longe, perdido. Aproximei-me, toquei-lhe o braço. Sua reação foi inusitada. Levou um
susto tão grande que deixou cair o sanduíche. Chate ada", murmurou, "essas coisas
acontecem". Achando qado, pedi-lhe desculpas. "Não foi n ue iria me reabilitar, convid
-- Almoçar? -- Almoçar? - repetiu. - repetiu. -- Almoça -- Almoçar em sua casa? sua casa?
-- É. A -- É. Almoçar. A lmoçar. A gente ia gente ia gostar muito, gostar muito, eu, meu eu,
meu pai e mi pai e minha mãe. nha mãe.
Ele baixou os Ele baixou os olhos e ficou olhos e ficou uns instantes se uns instantes sem dizer
nada. m dizer nada. Depois me olhou Depois me olhou com
-- Desculpe, Gui. Eu agradeço muito o convite de -- Desculpe, Gui. Eu agradeço muito o convite
de vocês, mas não posso aceitar. cês, mas não posso aceitar.
Insisti:
-- Escute: se -- Escute: se tem algum alim tem algum alimento que você ento que você não
pode comer não pode comer, é só dizer, , é só dizer, não há problema não há problema.
(p. 18)
-- Não. -- Não. Não tem Não tem nada a ver com ver com comida. comida.
Àquela altura, Àquela altura, eu estava eu estava francamente int francamente intrigado.
Queria rigado. Queria continuar a continuar a conversa, des conversa, des
cobrir o que estava havendo. Mas a campainha já cobrir o que estava havendo. Mas a
campainha já soava: era o fim do intervalo. Sem va: era o fim do intervalo. Sem
uma palavra, ele se levantou e uma palavra, ele se levantou e voltou para a sala voltou para a
sala de aula. de aula.
No fim da à No fim da à tarde fui até tarde fui até a lanchonete d a lanchonete do Alfredo,
onde o Alfredo, onde a nossa turma a nossa turma costumava se costumava se
reunir. Ali já estavam, como de reunir. Ali já estavam, como de hábito, o Gê, a Ma hábito, o
Gê, a Martinha, mais o gordinho Queco. Fi rtinha, mais o gordinho Queco. Filh
ra bom de conversa, o que não ra bom de conversa, o que não quer dizer que tivess quer dizer
que tivesse muitos amigos: não raro era e muitos amigos: não raro era mei
o irônico, agressivo até, coisa de que muita gente não gostava. Mas Martinha, Gê e eu co
gostava. Mas Martinha, Gê e eu co
sua agressividade, ele continuava ligado ao grupo, ao menos naqueles papos de ao menos
naqueles papos de f
im de tarde.
Vendo-me Vendo-me chegar, chegar, Martinha Martinha foi logo perguntando: perguntando:
-- O qu -- O que é que e é que você estava você estava conversando c conversando com o Zé
om o Zé no intervalo? no intervalo?
Hesitei um Hesitei um instante, mas instante, mas acabei contando acabei contando o que t o
que tinha acontecido. inha acontecido. Quando termin Quando termin
ei, todo o mundo fiou em ei, todo o mundo fiou em silêncio, num surpreso sil silêncio, num
surpreso silêncio.
-- Sei não -- Sei não - disse Martinha, - disse Martinha, por fim, sacudi por fim, sacudindo a
cabeça. ndo a cabeça. -- Para mim -- Para mim o cara parec o cara parec
-- Misterioso c -- Misterioso coisa nenhuma - oisa nenhuma - disse o Queco, disse o Queco,
com aquele seu com aquele seu sorrisinho debocha sorrisinho debocha
-- Que gente? -- gente? -- perguntou o perguntou o Gê, testa Gê, testa franzida. franzida.
-- Essa gente -- Essa gente que vem lá que vem lá das gotas, lá das gotas, lá do sertão. Tu do
sertão. Tudo ignorante, tud do ignorante, tudo grosso. o grosso.
-- Espere um -- Espere um pouco - protest pouco - protestei. -- Você ei. -- Você não vai dizer
não vai dizer que o cara que o cara recusou o meu recusou o meu con
-- Não? E p -- Não? E por que foi, e or que foi, então? Porque voc ntão? Porque vocês não têm
m ês não têm mordomo, é por ordomo, é por isso? Não. O isso? Não. O Zé Cabrito é Zé Cabrito
é
rosso. Aposto que o pai dele era rosso. Aposto que o pai dele era cangaceiro. cangaceiro.
(p. 19)
-- Acho -- Acho que você que você está sendo está sendo injusto - injusto - eu disse. eu disse.
E Gê acr E Gê acrescentou: escentou:
-- Meu Deus, -- Meu Deus, que palavra com que palavra complicada -- ironi plicada -- ironizou
o Queco. zou o Queco. -- E poderia -- E poderia o caro c o caro c
olega dizer-me como descobriu que olega dizer-me como descobriu que sou preconceituos sou
preconceituoso?
-- Por sua linguagem. sua linguagem. "Essa gente"! "Essa gente"! Quem é " Quem é "essa
gente"? essa gente"? - perguntou - perguntou Gê.
-- Você sabe. -- Você sabe. Essa gente do Essa gente do interiorzão. Das interiorzão. Das
grotas. Do sert grotas. Do sertão -- respondeu ão -- respondeu Queco.
-- Ah! A ge -- Ah! A gente do sertão. nte do sertão. E em que e E em que eles são diferent les
são diferentes de nós? - es de nós? - desafiou Gê. desafiou Gê.
-- Em muita -- Em muita coisa, cara. Voc coisa, cara. Você tem um exe ê tem um exemplo
nessa histó mplo nessa história do Gui: v ria do Gui: você acha que ocê acha que al
gum de nós recusaria um convite para almoçar? - gum de nós recusaria um convite para
almoçar? - E, rindo, acrescentou: -- Na casa do rindo, acrescentou: -- Na casa do
delegado?
-- Mas espere -- Mas espere um pouco - um pouco - ponderou Martinha. ponderou Martinha.
-- Quem sabe -- Quem sabe o rapaz tem o rapaz tem algum mot algum mot
ivo...
Queco.
A essa altura, A essa altura, o ambiente já o ambiente já estava ficando estava ficando tenso.
É que, tenso. É que, embora colegas, embora colegas, e amigos e amigos
, Gê e Queco eram também , Gê e Queco eram também rivais. Os dois haviam dis ntil. Queco,
derrotado (e por larga margem de votos rivais. Os dois haviam disputado a presidência do g ,
como era , como era de esperar), não se putado a presidência do grêmio estuda de esperar),
não se rêmio estuda
era muito grande. De modo que a era muito grande. De modo que a discussão poderia a
discussão poderia até acabar em briga, o que infeli té acabar em briga, o que infeliz
mente não aconteceu: nesse momento chegaram o Armando e sua mulher, Cíntia, também
pro
bom.
(p. 20)
Contei o que Contei o que tinha acontecido tinha acontecido com o Zé e com o Zé e sobre a
discuss sobre a discussão que havíamos ão que havíamos tido. Armand tido. Armand
o e Cíntia escutavam, comendo o sanduíche que, nesse meio tempo, e meio tempo, o Alfredo
tinha tra o Alfredo tinha tra
zido.
-- Qual -- Qual sua opinião? sua opinião? - perguntei, - perguntei, quando Armando quando
Armando acabou de acabou de comer.
i longe. Acontece que temos de voltar para casa, i longe. Acontece que temos de voltar para
casa, estou esperando um telefonema d tou esperando um telefonema d
e minha mãe, que vai ligar de e minha mãe, que vai ligar de São Paulo. Por que vo São Paulo.
Por que vocês não continuam essa convers cês não continuam essa conversa lá em c a lá em c
asa?
-- Boa idéia - disse Armando. -- -- Boa idéia - disse Armando. -- Mesmo porque há um Mesmo
porque há uma coisa que quero mostrar a vocês a coisa que quero mostrar a vocês
(p. 21)
Armando morava Armando morava a uns três qu a uns três quarteirões dali, arteirões dali,
numa casa modest numa casa modesta, mas muito a, mas muito bonita, c bonita, c
om um jardim na frente - om um jardim na frente - jardim que era o orgulho d jardim que era o
orgulho de Cíntia. e Cíntia.
Entramos, sentamos Entramos, sentamos na sala de na sala de visitas, que n visitas, que não
era muito ão era muito grande. Nas quat grande. Nas quatro pare ro pare
des, prateleiras com livros. Livro, aliás, era coisa que não faltava naquela casa. A
Claro que conhe Claro que conhecíamos: Os sertõe cíamos: Os sertões, de Euclides s, de
Euclides da Cunha. Par da Cunha. Para começar, o a começar, o próprio nome próprio nome
do autor nos era familiar: Euclides da Cunha é do autor nos era familiar: Euclides da Cunha é o
nome de uma cidade próxima à nossa, e me de uma cidade próxima à nossa, e
e poucos quilômetros de Sertãozinho de Baixo; tanto que meu bisavô, já que meu bisavô, já
falecido, lembrav falecido, lembrav
rio Armando nos falará várias vezes daquela obra - essencial, segundo ele, para essencial,
segundo ele, para ente
nder o Brasil. Agora: isso não significava que muitos alunos tivessem lido Os os alunos tivessem
lido Os sertõe
s. A maioria achava-o um livro difícil, principalmente por causa da linguagem. O nte por causa
da linguagem. O q
-- Você -- Você não vai não vai ler esse ler esse livro para livro para nós agora, nós agora, vai?
(p. 22)
-- Não se a -- Não se assuste - disse ssuste - disse Armando, com u Armando, com um sorriso.
-- m sorriso. -- É um trecho É um trecho pequeno. pequeno.
Folheto o Folheto o livro, enc livro, encontrou a ontrou a página que página que procurava e
procurava e leu:
-- "O sertanejo -- "O sertanejo é, antes de é, antes de tudo, um forte. tudo, um forte. Não tem
o ra Não tem o raquitismo exaustivo quitismo exaustivo dos mes dos mes
"A sua aparênci "A sua aparência, entretanto, ao a, entretanto, ao primeiro lance primeiro
lance de vista, revela de vista, revela o contrário. Fal o contrário. Falt
a-lhe a plástica impecável, o a-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutur desempeno, a
estrutura corretíssima das organizaçõe a corretíssima das organizações atléticas s atléticas
".
típica dos fracos. O andar sem típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo firmeza,
sem aprumo, quase gigantes e sinuoso apar , quase gigantes e sinuoso apar
num manifestar de displicência que lhe dá um num manifestar de displicência que lhe dá um
caráter de humildade deprimente." er de humildade deprimente."
-- Para o m -- Para o meu gosto, é c eu gosto, é complicado - diss omplicado - disse Martinha.
-- e Martinha. -- Estilo meio re Estilo meio rebuscado.. O buscado.. O
-- É. Euclides uvi dizer que esse livro nasceu de uma uvi dizer que esse livro nasceu de uma
reportagem, -- É. Euclides da Cunha foi da Cunha foi enviado para Can enviado para Canudos
pelo jornal reportagem, não é isso? udos pelo jornal O Estado de não é isso? O Estado de S.
Paul S. Paul
-- Então? Se -- Então? Se o cara foi o cara foi lá como jornalis lá como jornalista, eu esperava
ta, eu esperava que ele escrevess que ele escrevesse uma coi e uma coi
-- Desculpem, m -- Desculpem, mas quero dar as quero dar a minha contribu a minha
contribuição. Jornalístico, ição. Jornalístico, como você diz, como você diz, o texto o texto
não é. Na verdade o não é. Na verdade o livro foi escrito depois que E livro foi escrito depois
que Euclides retornou de C uclides retornou de Canudos. Ele anudos. Ele
passou os anos de 1898 a passou os anos de 1898 a 1901 no interior de São Pa 1901 no
interior de São Paulo, em São José do Rio C ulo, em São José do Rio Cardo - est ardo - est
ava lá como engenheiro, supervisionando a reconstrução de uma ponte. Foi nesses três ano
s que lê escreveu o livro, que s que lê escreveu o livro, que foi publicado em 190 foi publicado
em 1902, aliás com grande sucesso. Nã 2, aliás com grande sucesso. Não é só r
elato da campanha; Euclides contou o que viu - elato da campanha; Euclides contou o que viu -
e contou muitíssimo bem -, mas acre ntou muitíssimo bem -, mas acre
-- Que são -- Que são importantes - acr importantes - acrescentou Armando. escentou
Armando. -- Euclides er -- Euclides era um homem mu a um homem muito cul ito cul
to, familiarizado com as coisas da ciência; não esqueçam que era ueçam que era engenheiro
de formação, e engenheiro de formação, e
que ciência, sobretudo naquela época, era sinônimo de progresso, o antídoto da de progresso,
o antídoto da crendice crendice
tes de tudo, um forte". Quer dizer: ser tes de tudo, um forte". Quer dizer: ser forte é a p forte
é a primeira e grande qualidade do s rimeira e grande qualidade do
ertanejo. Do sertanejo só, não: do brasileiro. O que o nosso povo agüenta não é mole, gent
nosso povo agüenta não é mole, gent
-- Para você -- Para você é comício - é comício - respondeu Gê, d respondeu Gê, desabrido. --
Par esabrido. -- Para os pobres n a os pobres não é. Pergunta ão é. Pergunta para a
quela gente do Buraco se isso que eu quela gente do Buraco se isso que eu falei é comíci falei é
comício.
-- Calma, pesso -- Calma, pessoal - era a al - era a Martinha. -- V Martinha. -- Vamos deixar a
amos deixar a briga de lado briga de lado e voltar a e voltar a
Armando deu Armando deu-lhe o livro. Ela livro. Ela procurou o procurou o trecho lido:
trecho lido:
-- Não entendo -- Não entendo muita coisa do muita coisa do que está escri que está escrito
aqui. O q to aqui. O que é "desempeno"? ue é "desempeno"? -- É ser ágil, elega il, elegante -
disse Cíntia. Cíntia.
-- Ah... E -- Ah... E que história é que história é essa de "Hércu essa de "Hércules-Quasímodo"?
- les-Quasímodo"? - quis saber Mart quis saber Martinha.
-- Hércules era -- Hércules era aquele herói da aquele herói da mitologia grega, mitologia
grega, fortíssimo, corajoso fortíssimo, corajoso. Já Quasímodo . Já Quasímodo é um p
ersonagem feio e disforme que aparece em O corcunda de Notre Dame, do escritor f Notre
Dame, do escritor f
rancês Victor Hugo. Quer dizer, o sertanejo é a rancês Victor Hugo. Quer dizer, o sertanejo é a
combinação dessas duas figuras. binação dessas duas figuras.
-- Mas afinal -- Mas afinal - perguntei -- - perguntei -- o Euclides da o Euclides da Cunha está
ou Cunha está ou não elogiando o não elogiando o sertanejo sertanejo
(p. 24)
-- Está. Mas -- Está. Mas está generalizando está generalizando também. A gente também. A
gente vê isso quando vê isso quando ele diz que ele diz que o mestiço -- o mestiço --
filho de branco com índio, de branco com filho de branco com índio, de branco com negro - é
negro - é raquítico. O raquitismo na verdade é raquítico. O raquitismo na verdade é
uma doença dos ossos, causada pela falta de cálcio. Mas usa-se a palavra raquítico com usa-se
a palavra raquítico com
o sinônimo de magro, miúdo, fraco. Ah, sim, e o sinônimo de magro, miúdo, fraco. Ah, sim, e
dizia que o mestiço era neurastênico. Neur que o mestiço era neurastênico. Neur
astenia era um termo da moda, muito usado por astenia era um termo da moda, muito usado
por médicos e também pelas pessoas em gera os e também pelas pessoas em gera
l. Neurastenia quer dizer "fraqueza dos nervos". Achava-se, naquela época, que a m
estiçagem resulta em seres humanos inferiores, tanto do ponto de vista físico como p
sicológico; eram, para usar o termo de então, "degenerados". O próprio Euclides diz qu
-- Ele diz -- Ele diz isso? -- Gê, isso? -- Gê, testa franzida. testa franzida. -- Mas que c -- Mas
que coisa mais atrasad oisa mais atrasada! Eu estav a! Eu estav
-- Vamos com calma - disse -- Vamos com calma - disse Armando. -- O Euclides d Armando. -- O
Euclides da Cunha era um homem de seu a Cunha era um homem de seu
tempo, refletia as idéias de sua época. tempo, refletia as idéias de sua época. E, de fato E, de
fato, raça era um conceito muito usado , raça era um conceito muito usado
então. O que eles achavam ruim era a então. O que eles achavam ruim era a mistura das ra
mistura das raças. Agora, lendo o livro, vocês ob ças. Agora, lendo o livro, vocês ob
servam que o autor vai mudando de idéia. servam que o autor vai mudando de idéia. Vocês
sabe Vocês sabem que se trata de uma campanha mi m que se trata de uma campanha mi
litar contra os seguidores de Antônio conselheiro. Muita gente, naquela época, achav
a que aqueles "fanáticos", como eram chamados, deveriam ser exterminados. Euclides
, como eu disse, era um , como eu disse, era um homem de ciência e também s homem de
ciência e também se posicionava contra ess e posicionava contra essas seitas as seitas
. Mas a frase que termina o . Mas a frase que termina o livro é muito revelador livro é muito
reveladora: "É que ainda não existe u a: "É que ainda não existe um Mauds m Mauds
ley a que se refere Euclides é ley a que se refere Euclides é Henry Maudsley, um p Henry
Maudsley, um psiquiatra inglês da época que f siquiatra inglês da época que ficou famoso por
ter sustentado que doentes mentais deveriam ser tratados como riam ser tratados como seres
-de-força, essas coisas. Mas, voltando ao sertanejo: vocês viram que pela descrição do E
uclides, não se tratava de nenhum tipo físico maravilhoso, nenhum galã de ilhoso, nenhum
galã de cinema. Isso cinema. Isso
apenas na aparência, como ele mostra a apenas na aparência, como ele mostra a seguir".
seguir".
(p. 25)
Leu:
os, novas linhas na estatura e no gesto; os, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça e a
cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os o firma-se-lhe, alta, sobre os o
mbros possantes, aclarada pelo olhar mbros possantes, aclarada pelo olhar desassombrando
desassombrando e forte; e corrigem-se-lhe, e forte; e corrigem-se-lhe,
al dos órgãos; e da figura vulgar do al dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhes tabaréu
canhestro, reponta, inesperadamente, o as tro, reponta, inesperadamente, o as pecto
dominador surpreendente de força e pecto dominador surpreendente de força e agilidade
agilidade extraordinárias." extraordinárias."
-- Você -- Você não quer não quer traduzir para traduzir para nós, Cíntia? nós, Cíntia? -
perguntou - perguntou Martinha. Martinha.
-- Com prazer -- Com prazer - disse a - disse a professora, rindo. professora, rindo. -- Euclides
e -- Euclides está dizendo que, stá dizendo que, havendo havendo
um incidente - um boi um incidente - um boi foge, alguém o provoca para foge, alguém o
provoca para uma briga -, o sertanej uma briga -, o sertanejo transf o transf
orma-se por completo. A aparência dele muda, Lee já não parece um "tabaréu canhestro", q
parece um "tabaréu canhestro", q
uer dizer, um sujeito incompetente, que não sabe fazer as coisas; agora zer as coisas; agora ele
é um titã. ele é um titã.
..
- respondeu Cíntia.
-- Ou seja: -- Ou seja: o sertanejo apar o sertanejo aparenta uma coisa, enta uma coisa, mas é
outra mas é outra - concluiu Martin - concluiu Martinha.
-- Só se fo -- Só se for para o Eucl r para o Euclides - disse ides - disse Queco. -- Eu Queco. -- Eu
não mudei de não mudei de opinião. Acho opinião. Acho essa ge essa ge
nte do nosso interior um atraso. E acho nte do nosso interior um atraso. E acho que esse Zé
que esse Zé Cabrito é um exemplo disso. Ele é Cabrito é um exemplo disso. Ele é
igual àquela descrição que o Armando leu primeiro. Com uma diferença: para mim, Com uma
diferença: para mim, não tem ne não tem ne
nhuma energia escondida nele. Aliás, acho que não tem nada escondido nele. O em nada
escondido nele. O cara é oc cara é oc
o. Bota aquela pinta de bom aluno, mas o. Bota aquela pinta de bom aluno, mas a mim não en
a mim não engana.
(p. 26)
-- Pois eu -- Pois eu penso diferente - penso diferente - retrucou Gê. -- retrucou Gê. -- Acho
que o Acho que o Zé é um ser Zé é um ser humano como a humano como a ge
nte, e acho que ele tem nte, e acho que ele tem um problema. Um problema qu um problema.
Um problema que nós não saberemos qual e nós não saberemos qual é. Mas tem Mas tem
-- E como é -- E como é que você vai que você vai ajudar um cara ajudar um cara que recusa
um que recusa um convite para al convite para almoçar na casa moçar na casa d
o filho do delegado? -- Queco, debochado. -- Esse cara não quer ser ajudado, Gê. E não não
quer ser ajudado, Gê. E não
-- Ou quem -- Ou quem sabe ele é es sabe ele é esquisito porque n quisito porque não é
ajustado? ão é ajustado? -- Gê, irônico -- Gê, irônico. -- Quem sa . -- Quem sabe você p be você
p
recisa de umas aulas com esse Maud... Maud o recisa de umas aulas com esse Maud... Maud o
quê, Armando? rmando?
era tarde.
-- Vamos deixar -- Vamos deixar os nossos profes os nossos professores descansarem sores
descansarem - sugeri. -- - sugeri. -- Outro dia a Outro dia a gen
te continua esse papo.
- felizmente, para mim, ele tinha outro - felizmente, para mim, ele tinha outro exemplar.
exemplar. Sempre gostei de ler - minha Sempre gostei de ler - minha
mãe conta que, se eu gostava de mãe conta que, se eu gostava de um livro a mais. Nã um livro
a mais. Não imaginava o papel que, nas sem o imaginava o papel que, nas sema
nas seguintes, a obra de Euclides desempenharia em minha vida. Na vida minha vida. Na vida
de todos de todos
nós.
(p. 27)
Nos dias que Nos dias que seguiram, dediquei- seguiram, dediquei-me a ler Os me a ler Os
sertões. Não era sertões. Não era, como já tín , como já tínhamos constat hamos constat
ado, uma leitura fácil. Euclides da Cunha foi um ado, uma leitura fácil. Euclides da Cunha foi
um homem de grande cultura e escrevi mem de grande cultura e escrevi
a para leitores cultos como ele, num vocabulário erudito, sem fazer muitas concessõe s. Mas a
verdade é que s. Mas a verdade é que se trata de um grande narrad se trata de um grande
narrador. Mesmo querendo desc or. Mesmo querendo descreve uma reve uma
paisagem, por exemplo, está contando uma história: a história de como a história de como
surgiram os rio surgiram os rio
s, os montes. E ele conhece muita coisa. s, os montes. E ele conhece muita coisa. Até mapas
Até mapas fez, para ilustrar o seu texto. fez, para ilustrar o seu texto.
Pelo índice, co Pelo índice, constatamos que o nstatamos que o livro está di livro está dividido
em três vidido em três partes: "A ter partes: "A terra", "O hom ra", "O hom
em", "A luta". Assim, eu já sabia na em", "A luta". Assim, eu já sabia na primeira parte primeira
parte Euclides descrevia o cenário em Euclides descrevia o cenário em
que ocorreu a campanha de Canudos; na segunda, falaria do tipo ria do tipo humano que
habita humano que habita
essa região, o sertanejo - ali essa região, o sertanejo - ali estava o trecho que estava o trecho
que Armando nos lera; na terceira Armando nos lera; na terceira
Com esse plano Com esse plano em mente, fui em mente, fui lendo e, à lendo e, à medida
que lia, medida que lia, meu interesse aum meu interesse aumentava. entava.
Decidi copiar no meu diário os Decidi copiar no meu diário os trechos que achei m trechos
que achei mais interessantes. Vocês talvez ais interessantes. Vocês talvez e
stranhem o fato de eu ter um stranhem o fato de eu ter um diário, mas isso vem d diário, mas
isso vem desde a infância. Para não me esde a infância. Para não me deixar
sozinho em casa (sou filho único), mamãe levava-me consigo às consigo às rondas que fazia no
hos rondas que fazia no hos
pital. Eu ficava no
(p. 28)
posto de posto de enfermagem, enq enfermagem, enquanto ela uanto ela visitava os visitava
os doentes. Quand doentes. Quando ela vol o ela voltava,escr tava,escr
evia num grande caderno de capa azul as evia num grande caderno de capa azul as suas observ
suas observações. "Estes caderno conta boa p ações. "Estes caderno conta boa p
arte da minha vida", costumava dizer. Quando aprendi a ler, mostrou-me algumas d
e suas observações: "Este paciente precisa ser mudado de posição de hora do de posição de
hora em hora", ou "E em hora", ou "E
sta paciente precisa receber mais líquidos, senão vai ficar desidratada". Tempos dep
te e, imitando mamãe, comecei a fazer anotações: coisas que estavam acontecendo, probl
emas que enfrentava, comentários sobre livros, filmes, programas de tevê. Era uma es
pécie de diálogo que mantinha comigo próprio. E o hábito ficou. Com a leitura de Os sertõe
ficou. Com a leitura de Os sertõe
s, enchi várias páginas de meu diário com trechos do Euclides da Cunha, colocando entr
Euclides da Cunha, colocando entr
e parênteses o significado das palavras que achava difícil (na presente narrativa, t
ranscrevo esses trechos). Anotava também comentários e dúvidas, para depois discuti-lo
dúvidas, para depois discuti-lo
O que me fa O que me fascinava em Euclid scinava em Euclides era a man es era a maneira
como ele eira como ele correlacionava a correlacionava a geograf geograf
ia com a história, o lugar em ia com a história, o lugar em que as pessoas viviam que as pessoas
viviam com o modo de vida que levava com o modo de vida que levavam
nesse lugar. Claro, olhando para uma casa, a nesse lugar. Claro, olhando para uma casa, a
gente pode deduzir o tipo de pesso pode deduzir o tipo de pesso
a que mora ali; mas fazer isso a que mora ali; mas fazer isso em relação a um pai, em relação a
um pai, que é bem maior e bem que é bem maior e bem mais complic mais complic
pe-se das grandes matas; abdica o fastígio [a elevação] das montanhas; erma-se [fica d
s, onde correm rios efêmeros [que desaparecem na seca], e desatam-se chapadas nuas
(p. 29)
Já no sertão Já no sertão o que vemos o que vemos é "o martírio é "o martírio da terra, bru da
terra, brutalmente golpeada talmente golpeada pelos elementos pelos elementos
ura dos ares, no estio, [facilitando pela irradiação noturna a perda instantânea do ca
s segundo os planos de menor resistência. De outros, as chuvas que fecham, de impr chuvas
que fecham, de impr
oviso, os ciclos adurentes [abrasadores] das oviso, os ciclos adurentes [abrasadores] das secas,
precipitam estas reações demolid precipitam estas reações demolid
oras".
Ou seja: o Ou seja: o sertão é seco sertão é seco e, durante o e, durante o dia, muito que dia,
muito quente. O calor nte. O calor faz com que faz com que as ro
mpem. Depois vem a chuva torrencial e completa a mpem. Depois vem a chuva torrencial e
completa a "demolição" da qual fala o Euclides emolição" da qual fala o Euclides
. Ele até compara a paisagem ao . Ele até compara a paisagem ao deserto do Saara, p deserto
do Saara, por seus estranhos, fantásticos e or seus estranhos, fantásticos ef
eitos. Como o que provocou no cadáver de eitos. Como o que provocou no cadáver de um
soldado um soldado:
"Estava intacto "Estava intacto. Murchara . Murchara apenas. Mumifi apenas. Mumificara
conservando cara conservando os traços os traços fisionômicos, fisionômicos, d
e modo a incutir a ilusão exata e modo a incutir a ilusão exata de um lutador cansa de um
lutador cansado, retemperando-se [refazendo- do, retemperando-se [refazendose] em
tranqüilo sono." Quer dizer: o Quer dizer: o calor e a calor e a secura haviam tr secura haviam
transformando o ca ansformando o cadáver do pobre dáver do pobre soldado e soldado e
m uma múmia, como aquelas músicas egípcias que a m uma múmia, como aquelas músicas
egípcias que a gente vê em museus. Fiquei imaginando o nte vê em museus. Fiquei imaginando
o
susto do cara que passasse por susto do cara que passasse por ali e desse de repe ali e desse
de repente com aquele corpo seco, ai nte com aquele corpo seco, ai
"Nesta, ao meno "Nesta, ao menos, o viajante s, o viajante tem o desafogo tem o desafogo de
um horizonte de um horizonte largo e a per largo e a perspect
"Ao passo que "Ao passo que a caatinga o a caatinga o afoga; abrevia-lh afoga; abrevia-lhe o
olhar; a e o olhar; agride-o e estonte gride-o e estonteia-o;
enlaça-o na trama espinescente [com espinhos] e não o atrai; repulsa-o com as folha atrai;
repulsa-o com as folha
e na frente léguas, imutável no aspecto desolado: árvores sem folhas, de rvores sem folhas, de
galhos estorc galhos estorc
(p. 30)
Eu conhecia a Eu conhecia a caatinga: ela caatinga: ela começava a algun começava a alguns
quilômetros de s quilômetros de nossa cidade. Às nossa cidade. Às vezes
meu pai tinha de viajar por ali, meu pai tinha de viajar por ali, e me levava. Eu fi e me levava.
Eu ficava impressionado olhando aq cava impressionado olhando aq
ueles arbustos com espinhos, aquelas árvores subdesenvolvidas. Mas para mim aquilo
era só uma paisagem, nada mais. era só uma paisagem, nada mais. Quando li o Euclid Quando
li o Euclides, tive a visão da caatinga como es, tive a visão da caatinga como
uma armadilha -- não para os uma armadilha -- não para os sertanejos, que são d sertanejos,
que são do lugar, mas para os soldados o lugar, mas para os soldados que
viriam combatê-los. A caatinga limita a visão da pessoa, dificulta o essoa, dificulta o seu
deslocamen seu deslocamen
to; fere-o com os espinhos e com to; fere-o com os espinhos e com as "folhas urtican as
"folhas urticantes", isto é, folhas que, como tes", isto é, folhas que, como
a urtiga, produzem um líquido que queima a pele a urtiga, produzem um líquido que queima a
pele (isso eu sei agora; na ocasião, tive so eu sei agora; na ocasião, tive
Euclides compara Euclides compara a caatinga com a caatinga com a floresta. Na a floresta.
Na floresta, diz floresta, diz Euclides, "há um Euclides, "há uma t
endência irreprimível para a luz" - os cipós sobem pelos troncos das árvores porque estão,
troncos das árvores porque estão,
por assim dizer, em busca dos por assim dizer, em busca dos raios do sol. Na caa raios do sol.
Na caatinga, ao contrário, o sol "é o tinga, ao contrário, o sol "é o i
nimigo que é forçoso evitar, iludir". As plantas procuram, como ele diz, ocuram, como ele diz,
enterrar-se enterrar-se
no solo; só que o no solo; só que o solo não deixa, é seco, é solo não deixa, é seco, é duro.
Resultado: os veget duro. Resultado: os vegetais ali não se desen ais ali não se desen
volvem como na floresta. Plantas que são "altaneiras noutros lugares, ali se torna
m anãs".
rtírio para os seres humanos que ali vivem. É rtírio para os seres humanos que ali vivem. É esse
ser humano que ele descreve na se ser humano que ele descreve na
gunda parte do livro. Que começa tentando responder a uma pergunta: quem a uma pergunta:
quem é, afinal, é, afinal,
o brasileiro? Como ele se caracteriza fisicamente? Questão difícil, por causa da mes
tiçagem entre os três principais grupos que formaram a nossa gente, os m a nossa gente, os
índios, os negr índios, os negr
os os brancos. O brasileiro surge assim de "um os os brancos. O brasileiro surge assim de "um
entrelaçamento consideravelmente co elaçamento consideravelmente co
(p. 31)
Conta-nos então Conta-nos então como surgiu o como surgiu o sertanejo. O s sertanejo. O
sertão foi o ertão foi o ponto de encontro ponto de encontro de vários de vários
grupos: dos paulistas que vinham do sul, seguindo o rio São Francisco, e dos "baia São
Francisco, e dos "baia
nos" que vinham do norte. Dessa "mistura" provém o sertanejo. E sertanejo. E de que vivem os
se de que vivem os se
rtanejos? A agricultura só é possível nas margens de uns poucos rios; eles, então, criam poucos
rios; eles, então, criam
gado. Não para si próprios, não gado. Não para si próprios, não para suas famílias para suas
famílias, mas para os donos das fazendas, , mas para os donos das fazendas, que
moram longe, "no litoral, longe dos dilatados domínios... Herdaram velho vício histór
usufruem, parasitariamente, as rendas das suas terras, sem divisa fixas. Os vaq
Quando come Quando comentei esse ntei esse trecho com trecho com Armando, ele
Armando, ele disse:
-- Aí você vê como -- Aí você vê como Euclides tinha o senso da histór Euclides tinha o senso da
história. Para explicar o ia. Para explicar o latifúndio em nos latifúndio em nos
so país, ele volta aos tempos do so país, ele volta aos tempos do Brasil colônia, qu Brasil
colônia, quando as terras forma divididas em ando as terras forma divididas em
coisa acontece com os fazendeiros: eles dão para os vaqueiros um vaqueiros um quarto das
reses, quarto das reses,
e estamos conversando. Isso, meu caro, é a e estamos conversando. Isso, meu caro, é a
origem do problema agrário no país: a terr do problema agrário no país: a terr
a não pertence a quem trabalha. E aí a não pertence a quem trabalha. E aí você entende t você
entende também por que a tanta gente foi embor ambém por que a tanta gente foi embor
a do Nordeste: simplesmente não tinham como sobreviver. E com a ver. E com a seca, então, a
desgr seca, então, a desgr
aça é muito maior. Euclides Euclides mostra o sertan o sertanejo dian ejo diante a seca:
"A princípio es "A princípio este reza, olhos te reza, olhos postos na altu postos na altura. O
seu pr ra. O seu primeiro amparo é imeiro amparo é fé religiosa fé religiosa
ermos claudicantes [de passo vacilante], carregando aos ombros e à cabeça as pedras
do caminho , mudando os santos de uns do caminho , mudando os santos de uns para outros l
para outros lugares. ugares.
(p. 32)
"O sertanejo re "O sertanejo resiste o quanto siste o quanto pode, cavando pode, cavando a
terra em b a terra em busca de água, usca de água, tenta busc tenta busc
ar nas folhas e raízes das plantas um ar nas folhas e raízes das plantas um pouco de líqu pouco
de líquido. A seca continua, inclemente. ido. A seca continua, inclemente.
Não há outro jeito, senão ir Não há outro jeito, senão ir embora. Como outros. embora. Como
outros.
"Passa certo di "Passa certo dia, à sua port a, à sua porta, a primeira a, a primeira turma de
'reti turma de 'retirantes'. Vê-a, as rantes'. Vê-a, assombrando sombrando
"Não resiste ma "Não resiste mais. Amatula-se [j is. Amatula-se [junta-se] num daq unta-se]
num daqueles bandos, qu ueles bandos, que lá se vão e lá se vão caminho caminho
o para a costa, para as o para a costa, para as serras distantes, para quai serras distantes, para
quaisquer lugares." squer lugares."
Mas volta, diz Mas volta, diz Euclides. Passada Euclides. Passada a seca, o s a seca, o sertanejo
volta, ertanejo volta, para a mesma para a mesma vida,
para as mesmas privações -- até para as mesmas privações -- até que oura seca o ex que oura
seca o expulse de novo. Ou então até que a pulse de novo. Ou então até que alguma
coisa aconteça.
(p. 33)
-- Alguma -- Alguma coisa está coisa está acontecendo lá acontecendo lá no Buraco no Buraco
- disse - disse meu pai. meu pai.
Estávamos à mes Estávamos à mesa do almoço, a do almoço, e até então e até então eu
estivera fala eu estivera falando sobre o l ndo sobre o livro de Euclides ivro de Euclides. E
-- Você -- Você está meio está meio distante, distante, Jorge - Jorge - observou mam observou
mamãe.
Ele nos olhou Ele nos olhou e foi aí q e foi aí que disse a f ue disse a frase, "alguma co rase,
"alguma coisa está acontece isa está acontecendo lá no Bu ndo lá no Burac
o". Uma frase que depois recordaríamos como o começo de um episódio que mexeu com a ci
um episódio que mexeu com a ci
dade inteira.
-- E o que está acon está acontecendo? tecendo? - pergu - perguntei.
-- Não sei -- Não sei exatamente - diss exatamente - disse meu pai. - e meu pai. -- Parece que -
Parece que tem um cara tem um cara estranho por lá. estranho por lá.
-- Não. -- Não. Traficante, não. Traficante, não. Você sabe Você sabe que traficant que
traficante é cois e é coisa rara p a rara por aqui. or aqui.
Bateu na Bateu na mesa com mesa com os nós dos dedos, dos dedos, como para como para
afastar o afastar o azar:
-- E esperamos -- E esperamos que continue assi que continue assim. Não, não m. Não, não é
um traficante. é um traficante. E também não E também não é um bandido. é um bandido. É u
pregador.
(p. 34)
-- Não sei. -- Não sei. Mas parece que Mas parece que ele não perte ele não pertence a
nenhuma nce a nenhuma religião organizada religião organizada. Pelo jeit . Pelo jeit
-- Talvez queir -- Talvez queira fundar sua a fundar sua própria Igreja - própria Igreja - sugeriu
mamãe. sugeriu mamãe. -- Talvez queira -- Talvez queira ganha
-- Não sei - su sei - suspirou meu spirou meu pai. -- pai. -- Francamente nã Francamente não
sei.
ue é que tem a ue é que tem a ver um delegado com pregadores? Preg ver um delegado com
pregadores? Pregar não é crime, ar não é crime, é?
-- Não. Mas...
-- Deixa pra -- Deixa pra lá - disse lá - disse meu pai, com meu pai, com um suspiro. -- um
suspiro. -- É que a cois É que a coisa me parece u a me parece um pou
co estranha, só isso. E você sabe que co estranha, só isso. E você sabe que os meus press os
meus pressentimentos funcionam. entimentos funcionam.
Disso sabíamos. Disso sabíamos. Foi o caso c Foi o caso com a mansão om a mansão do Diogo
Siqueir do Diogo Siqueira, por exemplo, a, por exemplo, um empreit um empreit
eiro que tinha enriquecido com a construção da usina e que morava numa casa enorme, que
morava numa casa enorme,
espalhafatosa. "O Siqueira está pedindo um assalto", dizia papai. E não deu outra. M eses
depois, um bando de assaltantes que passava pela cidade, vindo do la cidade, vindo do norte,
as norte, as
saltou uma casa - qual? A do saltou uma casa - qual? A do Siqueira, claro. Foi u Siqueira, claro.
Foi uma coisa tão fulminante que p ma coisa tão fulminante que pap
ai não pôde fazer nada. Mas se ai não pôde fazer nada. Mas se recriminava: "Eu dev
recriminava: "Eu deveria ter prevenido o Siqueira.. eria ter prevenido o Siqueira..."
O caso agora, O caso agora, porém, era dif porém, era diferente: "Um preg erente: "Um
pregador não é u ador não é um assaltante", di m assaltante", dissera mamãe. ssera mamãe.
No momento, ao menos, não havia perigo. Mudamos de assunto e assunto e logo esqueci
aquela h logo esqueci aquela h
istória. Mesmo porque tinha outra preocupação: a Semana de Cultura do colégio, um mana de
Cultura do colégio, um evento
no qual alunos apresentavam sua própria produção artística e cultural (peças de rtística e
cultural (peças de teatro, c teatro, c
promover alguma coisa sobre Os sertões. Mas que coisa? Uma mesa-redonda? Não, a sa? Uma
mesa-redonda? Não, a idéia
não me agradava, eu queria algo mais vivo, mais não me agradava, eu queria algo mais vivo,
mais animado. Resolvi consultar o Arman mado. Resolvi consultar o Arman
do.
(p. 35)
-- Por que -- Por que você não promove você não promove uma, digamos, "a uma, digamos,
"avaliação histórica" valiação histórica" sobre Canudos? - sobre Canudos? - sugeriu sugeriu
ele.
-- É, mas u -- É, mas um debate incremen m debate incrementado, uma espéci tado, uma
espécie de julgamento, e de julgamento, ou um confronto ou um confronto de po
Achei boa idéia Achei boa idéia e naquela tarde, e naquela tarde, no Alfredo, sub no Alfredo,
submetia-a à turma. metia-a à turma. Todo o mundo Todo o mundo gost
ou, inclusive Queco. Que se ofereceu para fazer o papel de acusador: de acusador:
-- Não gosto -- Não gosto desse tal de desse tal de Antônio Conselheir Antônio Conselheiro.
Esse cara o. Esse cara foi um desastre foi um desastre para a no para a no
ssa região. Por causa dele, até hoje sertão é ssa região. Por causa dele, até hoje sertão é
sinônimo de fanatismo. Essa imagem deve ter imo de fanatismo. Essa imagem deve ter
afastado muito investidor. É o que diz o afastado muito investidor. É o que diz o meu pai, e
meu pai, e estou com ele. estou com ele.
-- Bom, se -- Bom, se você vai atacar você vai atacar o Antônio Con o Antônio Conselheiro -
disse selheiro - disse Gê, meio na Gê, meio na gozação -, eu gozação -, eu vou t
ido com o Antônio conselheiro. Só que a ido com o Antônio conselheiro. Só que a barba dele
barba dele era comprida e a sua é curta, ralin era comprida e a sua é curta, ralin
ha. Barba de aprendiz de fanático. É isso que ha. Barba de aprendiz de fanático. É isso que você
é: um aprendiz de fanático é: um aprendiz de fanático
Gê, irritado, j Gê, irritado, já ia se levan á ia se levantar e partir tar e partir para a agressão
para a agressão, mas Martinha , mas Martinha e eu consegui e eu consegui
mos acalmá-lo.
-- Vamos voltar -- Vamos voltar ao assunto - ao assunto - propôs Martinha. propôs Martinha.
-- Esse debate -- Esse debate é uma boa id é uma boa idéia. Mas ex éia. Mas ex
ige algumas providências. Como é que a gente vai ige algumas providências. Como é que a
gente vai proceder, na prática? oceder, na prática?
Discutimos longament Discutimos longamente e por fim e e por fim chegamos a algum
chegamos a algumas conclusões. A as conclusões. Além do "promotor" lém do "promotor"
Queco e do "advogado de defesa" Gê, precisaríamos de um juiz, a quem caberia sobretu juiz, a
quem caberia sobretu
-- Falta um -- Falta um detalhe - disse detalhe - disse Martinha. -- Que Martinha. -- Quem vai
apresentar m vai apresentar o "caso" Antônio o "caso" Antônio Co
nselheiro?
(p. 36)
-- Só pode -- Só pode ser o Gui - ser o Gui - disse Queco. disse Queco. -- Esse cara -- Esse cara
agora passa o agora passa o tempo todo Os tempo todo Os ser
tões. Garanto que ele sabe mais do assunto do tões. Garanto que ele sabe mais do assunto do
que o próprio Euclides sabia. próprio Euclides sabia.
-- Mas o Gu -- Mas o Gui não pode fa i não pode fazer isso sozinho zer isso sozinho - disse
Martinh - disse Martinha. -- Precisa a. -- Precisa de ajuda. de ajuda.
Porque temos de botar a coisa no Porque temos de botar a coisa no papel, não é? Niss papel,
não é? Nisso você pode contar comigo, Gui. Q o você pode contar comigo, Gui. Qua
ndo se trata de escrever, sempre topo. Mas acho ndo se trata de escrever, sempre topo. Mas
acho que a gente ainda vai precisar d a gente ainda vai precisar d
e mais alguém.
Ou seja: a coisa toda daria trabalho. Mas Ou seja: a coisa toda daria trabalho. Mas eu estava eu
estava entusiasmado: tinha a espe entusiasmado: tinha a espe
rança de ganhar o prêmio de Melhor Realização Cultural - uma coleção de clássicos brasileiros
uma coleção de clássicos brasileiros
de CDs.
Mas quem poderi Mas quem poderia nos ajudar a nos ajudar com o resumo com o resumo do
texto Chegue do texto Cheguei a comentar i a comentar o assunto o assunto
com meus pais, no jantar. Papai com meus pais, no jantar. Papai tinha uma proposta tinha
uma proposta:
-- Talvez... Talvez...
Talvez: eu não Talvez: eu não sabia como Zé sabia como Zé receberia o con receberia o
convite. E não vite. E não tinha idéia de tinha idéia de como ele senti como ele sentir
ia num grupo do qual fazia parte ia num grupo do qual fazia parte o Queco - o Queco o Queco -
o Queco que, eu tinha certeza, não poup que, eu tinha certeza, não poup aria o garoto de uma
outra fase aria o garoto de uma outra fase irônica. Mas valia irônica. Mas valia a pena tentar. a
pena tentar.
endo o seu sanduíche e lendo seu endo o seu sanduíche e lendo seu livro. Aproximei-m livro.
Aproximei-me:
-- Ah, é você, é você, Gui. Você Gui. Você me deu um susto, um susto, cara.
-- Desculpe, -- Desculpe, não foi não foi minha intenção. minha intenção. Seguinte: tenho
Seguinte: tenho um convite um convite para você para você
(p. 37)
-- Um convite? -- Um convite? -- A expressão -- A expressão dele era mais dele era mais de
temor do de temor do que de surpresa. que de surpresa. -- Conv -- Conv
Expliquei-lhe o Expliquei-lhe o nosso projeto, nosso projeto, disse que disse que queria sua
queria sua ajuda. Relutou: ajuda. Relutou:
-- Não sei, Gui... sei, Gui... Acho que Acho que não funciono não funciono muito bem muito
bem em grupo... em grupo...
-- Mas é po -- Mas é por isso que es r isso que estou convidando v tou convidando você, cara.
Você ocê, cara. Você não acha que não acha que está na hora está na hora de sai r desse
isolamento? E tenho certeza de que sua r desse isolamento? E tenho certeza de que sua
contribuição será importante. ribuição será importante.
-- Mas não -- Mas não pense muito, cara pense muito, cara. Temos de c . Temos de começar a
trabalh omeçar a trabalhar logo. E qu ar logo. E queremos você, não eremos você, não
esqueça.
Mais tarde, qua Mais tarde, quando já estávamos ndo já estávamos saído do colégio saído do
colégio, ele se apr , ele se aproximou de mim. oximou de mim. Olhou-me: Olhou-me:
Aquilo era uma Aquilo era uma grande notícia - grande notícia - e provava que e provava que
meu pai realme meu pai realmente sabia das nte sabia das coisas
. Resolvi aproveitar a deixa e convidar o Zé . Resolvi aproveitar a deixa e convidar o Zé para sair
comigo até o Alfredo: air comigo até o Alfredo:
-- A gente -- A gente se reúne lá t se reúne lá todos os fins odos os fins de tarde. Vamos de
tarde. Vamos aproveitar e con aproveitar e conversar sobre versar sobre
o trabalho.
Fomos. Meu únic Fomos. Meu único temor era q o temor era que o Queco r ue o Queco
resolvesse fazer esolvesse fazer graça à custa graça à custa do rapaz. Mas do rapaz. Mas
Queco não tinha vindo. Naquela tarde, seu pai estava dando um a dando um coquetel para
empresár coquetel para empresár
Gê e Martinha, Gê e Martinha, mal certamente te mal certamente teria mil pergunta ria mil
perguntas a fazer ao s a fazer ao Zé, sobre sua Zé, sobre sua vida, s vida, s
obre o lugar de onde ele obre o lugar de onde ele vinha, sobre seus pais... vinha, sobre seus
pais... Mas se contiveram, os doi Mas se contiveram, os dois. C
ontei, então, que o Zé iria participar do nosso ontei, então, que o Zé iria participar do nosso
trabalho, ajudando a fazer o resumo balho, ajudando a fazer o resumo
(p. 38)
-- Isto -- Isto merece um merece um brinde. Ao brinde. Ao novo membro novo membro do
nosso do nosso grupo!
Zé sorriu, aind Zé sorriu, ainda meio contrafeit a meio contrafeito, e eu tive o, e eu tive medo
de que medo de que ele se chateasse ele se chateasse com aq
uelas efusões todas. De modo que optei por mudar uelas efusões todas. De modo que optei
por mudar de assunto: assunto:
-- Temos de -- Temos de discutir como va discutir como vamos fazer esse mos fazer esse
resumo. Proponho resumo. Proponho que a gente l que a gente leia o
livro, seguindo um roteiro de perguntas sobre Antônio Conselheiro. Quem era? Por
que se rebelou? Qual o seu papel que se rebelou? Qual o seu papel na rebelião? Coisa na
rebelião? Coisas assim. Que tal? s assim. Que tal?
-- Acho muito -- Acho muito bom - disse bom - disse Martinha. -- M Martinha. -- Mas vai exigir
as vai exigir tempo e trabalh tempo e trabalho. Para c o. Para c
omeçar, a gente tem de ler Os omeçar, a gente tem de ler Os sertões. Que aliás eu sertões.
Que aliás eu nem tenho. Mas já sei que pos nem tenho. Mas já sei que posso enco so enco
-- Bem... Eu já li o livro.
-- Você sabe, eu sou -- Você sabe, eu sou daquela região que Euclides d daquela região que
Euclides da Cunha descreve no li a Cunha descreve no livro. Então, s vro. Então, s
-- Ah, é ve -- Ah, é verdade - disse rdade - disse Gê. -- Você Gê. -- Você é de lá... é de lá... Do
sertão. Fale Do sertão. Fale um pouco para um pouco para a gente: com a gente: com
-- Desculpem. I -- Desculpem. Isso vai ter d sso vai ter de ficar para e ficar para outro dia. Agor
outro dia. Agora tenho de ir a tenho de ir. Estou a . Estou a
-- Quem sabe -- Quem sabe nós vamos na nós vamos na mesma direção mesma direção -
disse Gê. - disse Gê. -- Onde é qu -- Onde é que você mora? e você mora?
Uma pergunta in Uma pergunta inocente, mas que ocente, mas que fez Zé baixar fez Zé
baixar a cabeça. E a cabeça. E respondeu, depois respondeu, depois de uma
longa pausa:
(p. 39)
Aquilo era Aquilo era surpresa. Uma surpresa. Uma constrangedora constrangedora surpresa,
para surpresa, para dizer a dizer a verdade. Todos verdade. Todos
nós ali, Gê inclusive, éramos garotos de classe média. Nenhum de ia. Nenhum de nós morava
no Buraco. Nen nós morava no Buraco. Nen
hum aluno de nossa escola morava no Buraco. Zé, hum aluno de nossa escola morava no
Buraco. Zé, pelo visto, era exceção. Mas tivemos t o visto, era exceção. Mas tivemos t
odos o bom senso de não odos o bom senso de não demonstrarmos nossa estranh
demonstrarmos nossa estranheza.
-- Tudo bem -- Tudo bem - eu disse. - eu disse. -- Amanhã a -- Amanhã a gente se vê gente se
vê na escola. E na escola. E eu gostaria de eu gostaria de marcar
a nossa primeira reunião. Vamos fazer isso na a nossa primeira reunião. Vamos fazer isso na
semana que vem, assim a Martinha te na que vem, assim a Martinha te
rá tempo de ler Os sertões. A rá tempo de ler Os sertões. A gente poderia se enco gente
poderia se encontrar na terça-feira de manhã, ntrar na terça-feira de manhã, ba min ha casa.
Trabalhamos um pouco, depois almoçamos e vamos para a amos para a escola. escola.
Temi que Zé fizesse alguma objeção - afinal já Temi que Zé fizesse alguma objeção - afinal já
tinha recusado um convite para almoçar -- a recusado um convite para almoçar --
Voltei para Voltei para casa muito casa muito contente. Par contente. Parecia que ecia que
estava tudo estava tudo bem.
(p. 40)
ou a ficar silencioso.
O que me de O que me deixou preocupado. ixou preocupado. Eu sabia muito Eu sabia muito
bem que o bem que o trabalho de um trabalho de um delegado d delegado d
e polícia não é fácil. Embora a e polícia não é fácil. Embora a cidade fosse pacata cidade fosse
pacata e meu pai gozasse de muito pres e meu pai gozasse de muito prestígio,
tinha alguns inimigos: gente que ele prendera e que jurara vingança, por jurara vingança, por
exemplo. exemplo.
Mamãe temia particularmente um sujeito conhecido com Manuel Tranca-Pés, que ficara vár
ios anos na cadeia por homicídio. Todos os anos, ios anos na cadeia por homicídio. Todos os
anos, no Natal, esse Manuel Tranca-Pés ma Natal, esse Manuel Tranca-Pés ma
ndava uma carta para meu pai: "Este é ndava uma carta para meu pai: "Este é o seu último o
seu último Natal". Mamãe entrava em pânico, papa Natal". Mamãe entrava em pânico, papa
i gracejava:
Uma ou duas Uma ou duas vezes tivera tam vezes tivera também problemas po bém
problemas políticos. Uma oca líticos. Uma ocasião, prendera um sião, prendera um recept
papai foram muito grandes, mas ele não se intimidou e levou o cara a julgamento. levou o cara
a julgamento.
(p. 41)
Estaria papai e Estaria papai enfrentando alguma nfrentando alguma situação desse situação
desse tipo, alguma ame tipo, alguma ameaça? Foi o qu aça? Foi o que pergu e pergu
-- Não. Ameaça, -- Não. Ameaça, não. Mas seu não. Mas seu pai está preocu pai está
preocupado com a s pado com a situação no Buraco ituação no Buraco.
-- Que situação -- Que situação? -- Àquela a ? -- Àquela altura eu já ltura eu já tinha até
esquec tinha até esquecido a conversa ido a conversa de dias atrás. de dias atrás.
-- O pregador -- O pregador - disse meu - disse meu pai. -- Ele pai. -- Ele está atraindo está
atraindo cada vez mais cada vez mais gente para cá. gente para cá. H
oje mesmo chegou um caminhão cheio de gente. E oje mesmo chegou um caminhão cheio de
gente. E todas essas pessoas estão se instalan s essas pessoas estão se instalan
-- Mas escute -- Mas escute - eu disse - eu disse - este é um - este é um país livre. As país livre.
As pessoas podem mor pessoas podem morar onde quise ar onde quise
-- Podem - -- Podem - disse meu pai. disse meu pai. -- A questão -- A questão é saber por é
saber por que escolheram que escolheram um lugar tão um lugar tão precári precári
o como o Buraco. E a o como o Buraco. E a questão também é saber o que p questão também
é saber o que pretende o Jesuíno Pre retende o Jesuíno Pregador - esse é o a gador - esse é o a
-- E não dá para pergunt para perguntar o que ele que ele pretende? pretende?
-- Já perguntar -- Já perguntaram. O pessoal am. O pessoal da rádio. Ele da rádio. Ele não
responde. não responde. Diz que sua Diz que sua missão é secreta missão é secreta, e
sagrada, e que só fala sagrada, e que só fala com seus discípulos de conf com seus discípulos
de confiança. Ou com Deus. iança. Ou com Deus.
Sorriu: -- O que não que não é o meu caso, meu caso, evidentemente. evidentemente.
Mudou de assunt Mudou de assunto, começou a o, começou a falar do jogo falar do jogo
daquela noite: daquela noite: o time da ci o time da cidade, o Ser dade, o Ser
tãozinho, enfrentaria o seu grande rival, o Guaxupé. Era o grande clássico da . Era o grande
clássico da região. região.
Claro que eu Claro que eu queria. Em prim queria. Em primeiro lugar, eu eiro lugar, eu era -
sou era - sou - louco por - louco por futebol. Mais futebol. Mais
importante, senti que papai precisava de minha companhia, da companhia de seu panhia, da
companhia de seu f
ilho. De modo que, naquela noite, resolvi deixar Euclides da Cunha de clides da Cunha de lado.
Fomo lado. Fomo
bramos com a vitória do nosso time, e bramos com a vitória do nosso time, e eu fiquei con eu
fiquei contente de ver papai alegre, desc tente de ver papai alegre, desc
ontraído, conversando com amigos, recebendo cumprimentos e entos e abraços. Voltou para
casa abraços. Voltou para casa
feliz. Eu também.
(p. 42)
No fim de s No fim de semana fomos, o emana fomos, o Gê, o Queco, Gê, o Queco, a
Martinha, s a Martinha, sua irmã Rafaela ua irmã Rafaela e eu, acampar e eu, acampar nas
margens do Mar-de-Dentro, a grande represa. Aquela era um programa habitual
para os moradores da região. Afinal, estamos na boca do sertão, muito longe do litor sertão,
muito longe do litor
al: oceano Atlântico, para nós, só de vez em al: oceano Atlântico, para nós, só de vez em
quando. Mas, nas margens da represa, havi . Mas, nas margens da represa, havi
a uma espécie de praia, um lugar a uma espécie de praia, um lugar de areia fina e on de areia
fina e onde a companhia construtora da r de a companhia construtora da r
epresa tinha plantado coqueiros, numa tentativa de imitar o litoral. Tinha até nom
e o lugar - Praia do e o lugar - Praia do Sertão -, o que pode parecer m Sertão -, o que pode
parecer meio contraditório, ma eio contraditório, mas acabou peg s acabou peg
ando. Havia ali hotéis, restaurantes e um ancoradouro onde se podia alugar barcos
e pedalinhos.
- mas a Martinha não deixou de - mas a Martinha não deixou de ler o livro do Eucli ler o livro
do Euclides, que tinha trazido. Voltamo des, que tinha trazido. Voltamo
s domingo à noite.
Para meu Para meu desgosto, encon desgosto, encontrei papai trei papai de novo de novo
preocupado: n preocupado: naquela tarde, aquela tarde, Jesuíno Pr Jesuíno Pr
egador tinha organizado um enorme encontro de crentes. Falava-se, disse meu pai,
de mil pessoas, de duas de mil pessoas, de duas mil pessoas, de cinco mil mil pessoas, de
cinco mil até. Enfim, a coisa estav até. Enfim, a coisa estava cres
cendo.
Eu queria saber Eu queria saber mais sobre o mais sobre o assunto, mas es assunto, mas
estava cansado dem tava cansado demais para pergunta ais para perguntar
. Fui dormir e, naquela noite, tive um . Fui dormir e, naquela noite, tive um sonho muito sonho
muito estranho. Sonhei que estava à b estranho. Sonhei que estava à b
eira da represa, como estivera durante o dia, mas completamente sozinho. De repe
nte, das águas começavam a emergir estátuas, milhares de estátuas de cangaceiros, todos
com aquelas vestimentas características, todos de facão na mão. Acordei suando frio e
não consegui mais dormir. Lembro-me que cheguei até a maldiçoar o livro a maldiçoar o livro
do Euclides: e do Euclides: e
ssa coisa está me dando pesadelos.
A verdade, poré A verdade, porém, é que esta m, é que estava fascinado pel va fascinado pela
leitura - a leitura - entusiasmado com entusiasmado com o evento o evento
mbinado, Martinha apareceu lê em casa entusiasmada, já tinha lido boa parte do já tinha lido
boa parte do livro
(p. 43)
-- Fiquei acord -- Fiquei acordada até de ma ada até de madrugada. Só espe drugada. Só
espero não adormecer ro não adormecer em cima da m em cima da mesa.
Ah, sim, Ah, sim, e tinha e tinha preparado as preparado as anotações, que anotações, que
me mostrou me mostrou com orgulho: com orgulho:
-- Fiz o me -- Fiz o meu dever de ca u dever de casa direitinho. V sa direitinho. Você viu como
ocê viu como sou boa aluna? sou boa aluna?
Faltava o Faltava o Zé, que Zé, que já estava já estava atrasado uma atrasado uma boa meia
boa meia hora.
-- Será -- Será que o c que o cara esqueceu? ara esqueceu? - perguntou - perguntou Martinha,
intri Martinha, intrigada.
Uma coisa me Uma coisa me ocorreu: fui at ocorreu: fui até a janela d é a janela da frente,
espiei a frente, espiei por ali. Não por ali. Não deu outra: lá deu outra: lá
estava o cara, parado, evidentemente indeciso se deveria ou não entrar. Que sujeit
-- Entra -- Entra logo, Zé. logo, Zé. Estamos s Estamos só esperando ó esperando por você. por
você.
Olhou para os Olhou para os lados - como lados - como se esperasse se esperasse socorro de
algué socorro de alguém - e finalme m - e finalmente entrou, nte entrou,
meio intimidado. "Muito bonita, a sua casa", disse, com sincera admiração. O que me sincera
admiração. O que me
deu o que pensar. Nossa deu o que pensar. Nossa casa é absolutamente comum casa é
absolutamente comum, modesta, mesmo. Mas mui , modesta, mesmo. Mas muito mai
s modesto deveria ser o lugar em s modesto deveria ser o lugar em que ele morava. que ele
morava.
-- Agora que -- Agora que já sei alguma já sei alguma coisa do livr coisa do livro, cheguei à o,
cheguei à conclusão de que conclusão de que temos de nos temos de nos d eter em três
pontos - disse Martinha. -- eter em três pontos - disse Martinha. -- Primeiro, Primeiro, quem
foi Antônio Conselheiro; seg quem foi Antônio Conselheiro; seg
undo, o que era Canudos; terceiro, qual foi a undo, o que era Canudos; terceiro, qual foi a
reação das autoridades. Que tal? o das autoridades. Que tal?
A idéia era A idéia era boa. Agora tínha boa. Agora tínhamos de colocar mos de colocar aquilo
no pap aquilo no papel, sob a for el, sob a forma de um res ma de um resu
mo.
-- Isso signifi -- Isso significa - continuou ca - continuou Martinha - que Martinha - que
teremos de ser teremos de ser neutros, isentos. neutros, isentos.
A pergunta segu A pergunta seguinte era: por inte era: por onde começar? Z onde começar?
Zé já tinha l é já tinha lido o livro. ido o livro. Martinha e eu Martinha e eu c
(p. 44)
guinte trata das crenças do sertanejo, que ele descreve como "misticismo extravaga nte, em
que se debate o nte, em que se debate o fetichismo do índio e do af fetichismo do índio e do
africano. E o homem primit ricano. E o homem primitivo, au ivo, au
dacioso e forte, mas ao mesmo tempo crédulo, deixando-se facilmente arrebatar pela
s superstições mais absurdas. Uma análise destas revelaria a fusão de estados emocionais
distintos. A sua religião é, como ele, distintos. A sua religião é, como ele, mestiça". E mestiça".
Em seguida, Euclides cita personagen m seguida, Euclides cita personagen
-- Euclides diz -- Euclides diz que o misticismo que o misticismo do sertanejo é do sertanejo é
extravagante. Mas extravagante. Mas isso, eu acho, isso, eu acho,
é opinião dele. O que é opinião dele. O que é extravagante para uma pess é extravagante
para uma pessoa não é extravagante p oa não é extravagante para outra. Eu ara outra. Eu ac
comida brasileira. Além disso, como ele mesmo diz, existe a existe a questão da seca, da pob
questão da seca, da pob
reza, da fome. Eu, se vivesse numa situação assim, acreditaria em qualquer coisa. acreditaria
em qualquer coisa. Vo
cês não?
ontinuava calado. Fizemos algumas anotações e ontinuava calado. Fizemos algumas anotações
e fomos adiante. adiante.
Depois de falar Depois de falar das crenças do das crenças do sertanejo, Euclid sertanejo,
Euclides aborda um es aborda um tema importante: tema importante: o
Sebastianismo? Banda Sebastianismo? Bandarra? O que e rra? O que era aquilo? Nem ra
aquilo? Nem eu, nem Marti eu, nem Martinha sabíamos. Ela nha sabíamos. Ela su
Não foi preciso Não foi preciso. Zé sabia do . Zé sabia do que se tratava. que se tratava. Com
seu jeito Com seu jeito modesto, foi e modesto, foi explicando xplicando
: sebastianismo referia-se à esperança de que Dom Sebastião, o jovem rei ebastião, o jovem rei
de Portugal d de Portugal d
esaparecido numa batalha contra os mouros no século XVI, reaparecesse para trazer
de volta ao país sua antiga glória. Já de volta ao país sua antiga glória. Já Bandarra era
Bandarra era um sapateiro de Trancoso, Portugal um sapateiro de Trancoso, Portugal
(p. 45)
adeiro professor. Martinha e eu Martinha e eu nos olhamos, s nos olhamos, surpresos. O quie
urpresos. O quietinho Zé estava tinho Zé estava se revelando um se revelando um verd
-- De o -- De onde é qu nde é que você sa e você sabe essas be essas coisas? - coisas? -
perguntei. perguntei.
Ele meio que Ele meio que desconversou: tinha desconversou: tinha lido a respeito lido a
respeito num velho livro num velho livro que pertencia que pertencia
à sua família.
1837. Dizia-se que, quando essa pedra (que fica 1837. Dizia-se que, quando essa pedra (que
fica na Serra Talhada, em Pernambuco Serra Talhada, em Pernambuco
) se quebrasse, dela emergiria o rei Dom ) se quebrasse, dela emergiria o rei Dom Sebastião.
Sebastião. Originou-se, no lugar, um gran Originou-se, no lugar, um gran
de movimento místico no qual se faziam até sacrifícios humanos, para que ios humanos, para
que a pedra se qu a pedra se qu
ebrasse. Em 1850, no sertão do Cariri, surgiu um ebrasse. Em 1850, no sertão do Cariri, surgiu
um outro movimento messiânico, o dos S tro movimento messiânico, o dos S
erenos. Acreditando que o fim do mundo estava próximo, "foram pelos sertões em mo, "foram
pelos sertões em fora,
esmolando, chorando, rezando... e como a caridade pública não os podia pública não os podia
satisfazer a satisfazer a
Por que Euclide Por que Euclides fala dessas s fala dessas coisas? Ele com coisas? Ele compara
o trabalho para o trabalho do historiador ao do historiador ao
tem nenhuma dúvida: para ele, Antônio Conselheiro era maluco. Dúvida tínhamos nós, porém:
-- Se o car -- Se o cara era maluco, a era maluco, como tinha tant como tinha tantos
seguidores? - os seguidores? - perguntou Martinha. perguntou Martinha. -
Sobre isso Eucl Sobre isso Euclides não fala. ides não fala. Mas ele nos Mas ele nos conta a
histór conta a história do Conselheiro ia do Conselheiro, cujo no , cujo no
me completo era Antônio Vicente Mendes Maciel. Era do Ceará. Sua do Ceará. Sua origem: "Os
Maciéis, origem: "Os Maciéis,
que formavam, nos sertões entre Quixeramobim e Tamboril, uma família numerosa de hom
Maciéis eram rivais dos Araújos, "que formavam uma família rica, filiada a outras família rica,
filiada a outras das
mais antigas do norte da província. Esta rivalidade não raro se não raro se transformava em
luta transformava em luta
sangrenta". Euclides descreve como um tio de Antônio, Miguel Carlos, mesmo cercad
o por membros da família rival, consegue escapar, matando vários inimigos.
(p. 46)
Não parece que Não parece que o pai de Antô o pai de Antônio Conselheiro, nio Conselheiro,
Vicente Mendes Vicente Mendes Maciel, tenha par Maciel, tenha particip
ado dessas lutas. Era dono de uma casa ado dessas lutas. Era dono de uma casa de comércio
de comércio em Quixeramobim. Ali trabalhava em Quixeramobim. Ali trabalhava
Antônio, como caixeiro. Euclides se vale de testemunhos para retratá-lo como um unhos para
retratá-lo como um "ad
olescente tranqüilo e tímido, retraído, avesso à troça". Tinha três irmãs, das quais cuidava
uito. Tanto que só depois do casamento delas procurou urna esposa para ou urna esposa para
si próprio. " si próprio. "
Um enlace que lhe foi nefasto", diz Euclides: "A Um enlace que lhe foi nefasto", diz Euclides: "A
mulher foi a sobrecarga adicion lher foi a sobrecarga adicion
ada à tremenda tara hereditária que desequilibraria uma vida iniciada sob os melhore
s auspícios [expectativas]".
Tropeçamos naquela Tropeçamos naquela "tara hereditária "tara hereditária". O que que ". O
que queria aquilo dizer ria aquilo dizer? De novo o ? De novo o Zé tinha Zé tinha
uma resposta:
-- Tara era -- Tara era como eles chamav como eles chamavam certos tipo am certos tipo de
doença men de doença mental, que deixavam tal, que deixavam a pess
ara os filhos.
Continuamos a l Continuamos a leitura. Euclides eitura. Euclides diz que, depois diz que,
depois de casado, Antôn de casado, Antônio Maciel começou io Maciel começou
a trocar de cidade e de a trocar de cidade e de emprego: foi para Sobral, c emprego: foi para
Sobral, como caixeiro; depois par omo caixeiro; depois para Cam
(p. 47)
Mas Euclides nã Mas Euclides não tem grande o tem grande consideração para consideração
para com esse tipo com esse tipo de trabalho. Diz de trabalho. Diz ele: "N ele: "N
ota-se em tudo isto um crescendo para profissões menos trabalhosas, exigindo cada
vez menos a constância do esforço". Segundo ele, An Segundo ele, Antônio estava desc tônio
estava descambando para a ambando para a vadiagem franca". vadiagem franca". O que
deixou O que deixou Ma
rtinha indignada:
-- Espera aí, -- Espera aí, gente! Trabalhar gente! Trabalhar no fórum é no fórum é vadiagem?
Meu vadiagem? Meu tio trabalha lá tio trabalha lá e não é n e não é nenhum vad enhum vad
io! E o Gê, que io! E o Gê, que quer ser advogado? Ele é vadio, tam quer ser advogado? Ele é
vadio, também?
-- Talvez fosse -- Talvez fosse esse o conceito esse o conceito naquela época - naquela época -
ponderei. -- Ou ponderei. -- Ou talvez fosse o talvez fosse o p
cidade e de emprego, sem fazer nenhuma observação sobre isso. E obre isso. E ai, novo
incidente, ai, novo incidente,
"Foge-lhe a mul "Foge-lhe a mulher, em Ipu, her, em Ipu, raptada por um raptada por um
policial. Foi policial. Foi o desfecho. Fulm o desfecho. Fulminado
de vergonha, o infeliz procura o recesso dos de vergonha, o infeliz procura o recesso dos
sertões, paragens desconhecidas, ond es, paragens desconhecidas, ond
e não lhe saibam o nome; e não lhe saibam o nome; o abrigo da absoluta obscu o abrigo da
absoluta obscuridade. ridade.
"Ao passar em "Ao passar em Paus Brancos, Paus Brancos, na estrada do na estrada do Crato,
fere, c Crato, fere, com ímpeto de om ímpeto de alucinado, à alucinado, à
noite, um parente, que noite, um parente, que o hospedara. Fazem-se breves o hospedara.
Fazem-se breves inquirições policiais, inquirições policiais, tolhidas tolhidas
logo pela própria vítima, reconhecendo a não culpabilidade do agressor. Salva-se da pr isão.
Prossegue depois para o sul, à toa. na isão. Prossegue depois para o sul, à toa. na direção do
Crato. E desaparece... o do Crato. E desaparece...
"Passaram-se dez "Passaram-se dez anos. O moço anos. O moço infeliz de Qui infeliz de
Quixeramobim ficou xeramobim ficou de todo esquecido de todo esquecido (.
..) Morrera, por assim dizer.
"... E surgia na surgia na Bahia o Bahia o anacoreta [reli anacoreta [religioso solitário] gioso
solitário] sombrio, cabelos sombrio, cabelos cresci
dos até aos ombros, barba inculta e longa; face dos até aos ombros, barba inculta e longa; face
escaveirada; olhar fulgurante; mon aveirada; olhar fulgurante; mon
bastão, em que se apóia bastão, em que se apóia o passo tardo dos peregrin o passo tardo
dos peregrinos..."
E peregrino Antônio Conselheiro era: dos sertões de Pernambuco, passou aos de Serg
ipe e de lá chegou à ipe e de lá chegou à Bahia. "Vivia de esmolas, das Bahia. "Vivia de
esmolas, das quais recusava qualqu quais recusava qualquer excesso, er excesso,
pedindo apenas o sustento de cada dia. Procurava os pousos solitários. Não aceitava
leito algum além de uma tábua nua, e, leito algum além de uma tábua nua, e, na falta dest na
falta desta, o chão duro a, o chão duro
(p. 48)
Sua fama foi Sua fama foi se espalhando. se espalhando. Surgiram os prim Surgiram os
primeiros fiéis, pel eiros fiéis, pelos quais Euclides os quais Euclides não tem muita admiração:
trata-se de "gente intima [muito inferior] e suspeita, avessa a
o trabalho... vencidos da vida". Mas reconhece que os fiéis o os fiéis o seguiam, felizes por
seguiam, felizes por
atravessarem com ele os mesmos dias de atravessarem com ele os mesmos dias de
provações e provações e misérias". misérias".
terior misterioso e costumes ascéticos, com que se impõe à ignorância e impõe à ignorância e
simplicidade... simplicidade...
vive a rezar terços e ladainhas e a vive a rezar terços e ladainhas e a pregar e a dar pregar e a
dar conselhos às multidões que reúne ond conselhos às multidões que reúne onde
certa vez, numa capela de Monte certa vez, numa capela de Monte Santo, duas lágrim Santo,
duas lágrimas sangrentas correram dos olho as sangrentas correram dos olho
s da imagem da Virgem assim que s da imagem da Virgem assim que ele entrou. E havia ele
entrou. E havia também suas numerosas profecia também suas numerosas profecia
s - que eram cuidadosamente anotadas pelos discípulos. Eram frases misteriosas com
o esta:
"Em 1896 hão "Em 1896 hão de rebanhos mil de rebanhos mil correr da praia correr da praia
para o sertão; para o sertão; então o sertão então o sertão virará praia virará praia
-- Mas essa -- Mas essa eu conheço - eu conheço - disse Martinha. disse Martinha. -- Só que c
-- Só que com palavras um om palavras um pouco diferente pouco diferente
s: "o sertão vai virar mar e s: "o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão o mar vai virar
sertão". É até a letra de uma músic ". É até a letra de uma música...
"Há de chover "Há de chover uma grande chu uma grande chuva de estrelas va de estrelas e
aí será e aí será o fim do mu o fim do mundo."
(p. 49)
"Em verdade vos "Em verdade vos digo, quando as digo, quando as nações brigam co nações
brigam com as nações, m as nações, o Brasil com o Brasil com o Brasil, a o Brasil, a
Inglaterra com a Inglaterra, a Prússia com a Prússia, das ondas a, das ondas do mar Dom
Sebastião s do mar Dom Sebastião s
airá com todo o seu exército." -- E aí est -- E aí está Dom Sebastião á Dom Sebastião de novo -
de novo - disse Martinha. disse Martinha. -Mas não entendi -Mas não entendi essa história d
essa história de o
Brasil brigar com o Brasil. Que Brasil brigar com o Brasil. Que briga era essa? briga era essa?
-- Acho - d -- Acho - disse Zé - que isse Zé - que ele se referia ele se referia à luta entre à luta
entre monarquistas e r monarquistas e republicanos. epublicanos.
O Antônio Conselheiro era contra a república, proclamada poucos anos antes. Por uma
série de razões: a Igreja e o série de razões: a Igreja e o governo estavam agora governo
estavam agora separados; o casamento reconh separados; o casamento reconheci
do passava a ser o civil, casar do passava a ser o civil, casar só no religioso não só no religioso
não chegava; e o governo federal co chegava; e o governo federal cob
rava impostos, coisa que o deixava revoltado.
-- Isso mesmo -- Isso mesmo - acrescentei. - acrescentei. -- Euclides até -- Euclides até conta
que o conta que o Conselheiro fez Conselheiro fez uns ato uns ato
e queimou os editais da cobrança numa fogueira. E aí, pela primeira vez, a polícia foi pela
primeira vez, a polícia foi
atrás dele. Queriam prendê-lo. Mas os jagunços dele botaram os e botaram os soldados pra
correr. F soldados pra correr. F
-- O que é que vocês que vocês estão fazen estão fazendo aí?
Era meu pai, Era meu pai, que acabara de que acabara de chegar. Tão abso chegar. Tão
absortos estávamos, rtos estávamos, eu lendo, Martinh eu lendo, Martinha e Zé
-- Que é isso, é isso, papai? Vo papai? Você nos assustou! assustou! -- Não foi -- Não foi
minha intenção - minha intenção - disse ele. E disse ele. E continuou: -- V continuou: -- Você
não vai m ocê não vai me apresentar aos e apresentar aos se
us amigos?
-- Esta é a -- Esta é a Martinha, que vo Martinha, que você já deve c cê já deve conhecer...
Este onhecer... Este é o Zé, coleg é o Zé, colega novo... a novo...
Ele fitou o Ele fitou o rapaz com atençã rapaz com atenção, mas nada o, mas nada disse, não
fez disse, não fez perguntas: tato perguntas: tato era coisa que era coisa que
não faltava a papai. Perguntou sobre o não faltava a papai. Perguntou sobre o nosso traba
nosso trabalho, comentou que havia lido Os lho, comentou que havia lido Os
(p. 50)
-- Já faz t -- Já faz tempo, mas lembro empo, mas lembro ainda que fiquei ainda que fiquei
muito impressionado muito impressionado com esse livro. com esse livro.
Mais: ajudou-me bastante no meu trabalho como delegado. O Euclides me gado. O Euclides
me ensinou a ensinou a
-- Deixa -- Deixa pra lá. pra lá. Leiam e Leiam e tirem conclusõe tirem conclusões, vocês s,
vocês próprios. próprios. Esperamos mamãe Esperamos mamãe chegar e fomos chegar e
fomos almoçar. À me almoçar. À mesa, continuei a sa, continuei a falar, animado, s falar,
animado, sobre o
nosso trabalho:
-- Mal consigo -- Mal consigo ler os livros ler os livros da minha profis da minha profissão -
suspirou são - suspirou ela. -- Mas, ela. -- Mas, se tives se tives
Ainda que disfa Ainda que disfarçadamente, papai rçadamente, papai continuava olhando
continuava olhando o Zé. A cert o Zé. A certa altura pergunto a altura perguntou
Por um instante Por um instante, receei que , receei que papai começasse papai começasse a
lhe fazer a lhe fazer perguntas sobre o perguntas sobre o que es
tava acontecendo no lugar, aquela história do Jesuíno Pregador. Mas papai revelou-se
hábil, mais uma vez. Rapidamente mudou de assunto: para o futebol, um tema sobre o
futebol, um tema sobre
o qual gostava de falar e no o qual gostava de falar e no qual sabia envolver o qual sabia
envolver o interlocutor. Mesmo assim eu interlocutor. Mesmo assim eu
estava preocupado: eu sabia que o Zé era estava preocupado: eu sabia que o Zé era um jeito s
um jeito sensível, complicado mesmo. Não esta ensível, complicado mesmo. Não esta
Com muita surpr Com muita surpresa, constatei qu esa, constatei que minha preocupa e
minha preocupação não tinha ção não tinha razão de ser. razão de ser. Papai e ma Papai e ma
mãe talvez intimidassem o Zé, mas ele não estava mãe talvez intimidassem o Zé, mas ele não
estava prestando atenção neles: não tirava os olho estando atenção neles: não tirava os olho
s de Martinha. Não tirava os olhos é s de Martinha. Não tirava os olhos é modo de dizer, modo
de dizer, por que ele em geral ficava de c por que ele em geral ficava de c
abeça baixa, fitando o prato. Mas quando erguia os olhos era para mirar Martinha. era para
mirar Martinha.
E mirar E mirar com enlevo: o enlevo: o cara estava cara estava apaixonado, foi apaixonado, foi
o que l o que logo deduzi. ogo deduzi.
m uns olhos muito arregalados e uma boca, para m uns olhos muito arregalados e uma boca,
para meu gosto, um tanto grande -, Mar gosto, um tanto grande -, Mar
tinha era simpática, exuberante. Fazia amigos com facilidade mas há tempos estava se
m namorado.
(p. 51)
Agora: será que Agora: será que ela se dava ela se dava conta da atração conta da atração
que exercia sob que exercia sobre o Zé? E re o Zé? E como receberia como receberia
uma tentativa de aproximação dele, se tal tentativa viesse a ocorrer, o viesse a ocorrer, o que
eu, aliás, que eu, aliás,
achava difícil? Pensei em falar com ela, alertá-la erta. Provavelmente se dera conta dos
sentimentos d a respeito. Mas Martinha era esp e Zé muito tempo antes e Zé muito tempo
antes de mim. respeito. Mas Martinha era esp de mim.
E, se não quisesse nada com ele, E, se não quisesse nada com ele, saberia como dizer saberia
como dizer-lhe. Sem ferir o rapaz muito, -lhe. Sem ferir o rapaz muito,
em todo o caso.
Terminamos de a Terminamos de almoçar, papai deu lmoçar, papai deu-nos uma carona -nos
uma carona de carro até de carro até o colégio. Na o colégio. Na entrada, entrada,
encontrei o Gê. Quis saber como havia sido a encontrei o Gê. Quis saber como havia sido a
reunião da manhã. o da manhã.
-- Ótima - eu disse.
Estava ansioso Estava ansioso para lhe contar para lhe contar sobre a supos sobre a suposta
paixão do ta paixão do Zé, mas me c Zé, mas me contive. Afina ontive. Afina
-- Quero star -- Quero star bem preparado bem preparado para esse debate para esse debate
- disse. O - disse. O Queco vai levar Queco vai levar a lição qu a lição qu
Queco, que enco Queco, que encontrei logo depois ntrei logo depois, também me , também
me perguntou sobre perguntou sobre a reunião. Ficou a reunião. Ficou surpr
eso ao saber que o Zé eso ao saber que o Zé Tinha aparecido: Tinha aparecido:
-- Eu jurava -- Eu jurava que o Zé Ca que o Zé Cabrito não iria brito não iria à sua casa. à sua
casa. Aquilo é bich Aquilo é bicho do mato, ca o do mato, cara. Sabe ra. Sabe
o que me disseram? Que ele mora o que me disseram? Que ele mora no Buraco. Você acr no
Buraco. Você acredita nisso? No Buraco, cara. A edita nisso? No Buraco, cara. A
propósito: você viu no jornal de hoje propósito: você viu no jornal de hoje a reportagem a
reportagem sobre esse sujeito que está fundan sobre esse sujeito que está fundan do uma
nova religião lá no Buraco? Um do uma nova religião lá no Buraco? Um tal de Jesuín tal de
Jesuíno Pregador? Tome nota do que estou o Pregador? Tome nota do que estou
lhe dizendo, Gui: esse homem ainda vai ar trabalho para seu pai. seu pai.
A primeira aula A primeira aula era com o Ar era com o Armando, e, quando mando, e,
quando terminou, fui f terminou, fui falar com ele. alar com ele. Cont
ei que já tínhamos nos reunido e ei que já tínhamos nos reunido e que estávamos prep que
estávamos preparando o resumo para apresentar o arando o resumo para apresentar o p
essoal que iria debater Antônio Conselheiro. Ficou muito satisfeito ao saber que o
Zé tinha participado. Pensou um pouco e Zé tinha participado. Pensou um pouco e depois dis
depois disse:
(p. 52)
-- Tem uma -- Tem uma coisa que pouca coisa que pouca gente sabe e gente sabe e que, no
meu que, no meu modo de ver, modo de ver, não deve ser não deve ser co
mentada. Vou lhe contar, por que vejo que você mentada. Vou lhe contar, por que vejo que
você está ajudando Zé. ajudando Zé.
-- Ele é bo -- Ele é bolsista do colégio lsista do colégio. E foi acei . E foi aceito como bolsista to
como bolsista por várias razõe por várias razões. Em primeir s. Em primeir
o lugar, real o lugar, realmente precisa de mente precisa de bolsa de estudos bolsa de estudos:
é muito po : é muito pobre. Merece a bolsa: Merece a bolsa: tr
ata-se de um garoto inteligente e estudioso, como você já deve ocê já deve ter constatado.
Mas t ter constatado. Mas t ambém ganhou o auxílio porque o padre Lucas, que ambém
ganhou o auxílio porque o padre Lucas, que conhece um pouco da vida dele, veio nhece um
pouco da vida dele, veio
falar com a direção e falar com a direção e pediu que fosse aceito no co pediu que fosse
aceito no colégio: o garoto tem pro légio: o garoto tem problemas pesso blemas pesso
ais bastante sérios. Mais do que isso não posso ais bastante sérios. Mais do que isso não posso
lhe dizer, mas lhe peço: continue dand dizer, mas lhe peço: continue dand
o uma força para o garoto. Ele o uma força para o garoto. Ele precisa dessa força. precisa dessa
força. E a você fará bem ajudando-o. E a você fará bem ajudando-o.
Eu disse que Eu disse que alguma coisa já alguma coisa já sabia do Zé; sabia do Zé; por
exemplo, q por exemplo, que ele era es ue ele era esforçado, que li forçado, que li
a muito e sabia de muita a muito e sabia de muita coisa. E que certamente er coisa. E que
certamente era muito pobre, pis morava a muito pobre, pis morava no
Buraco. Aí me lembrei:
-- Falando em -- Falando em Buraco, o que Buraco, o que você me diz você me diz desse cara
que desse cara que apareceu por l apareceu por lá?
-- O Jesuíno -- O Jesuíno Pregador? - ele Pregador? - ele suspirou. -- Nã suspirou. -- Não sei.
Para o sei. Para dizer a verdade, dizer a verdade, ainda não s ainda não s
ei muito sobre isso. Mas acho que logo ei muito sobre isso. Mas acho que logo vamos ficar
vamos ficar sabendo. E acho que logo esta sabendo. E acho que logo esta
Sorriu:
-- Espero -- Espero que a gente não gente não tenha um tenha um Canudos aqui Canudos
aqui em Sertãozinho. em Sertãozinho.
(p. 53)
Na manhã seguin Na manhã seguinte, fizemos nova te, fizemos nova reunião, desta v reunião,
desta vez no apartament ez no apartamento em que Mani o em que Maninha m
orava com a mãe e a orava com a mãe e a irmã -o pai deixara a família h irmã -o pai deixara a
família há tempos, indo para á tempos, indo para Salvador. Sentamo Salvador. Sentamo
s na sala de visitas. Meio sem s na sala de visitas. Meio sem jeito, Maninha disse jeito, Maninha
disse que não pudera continuar a lei que não pudera continuar a lei
tura:
-- Não tive tempo, tive tempo, acreditem. De acreditem. Desculpem, mas sculpem, mas hoje
é tudo com tudo com vocês.
-- Com você, -- Com você, Gui - corrigiu Gui - corrigiu Zé. Sorriu, tími Zé. Sorriu, tímido: --
Gosto do: -- Gosto mais de ouvir mais de ouvir que de falar que de falar
Mas de vez em quando dou Mas de vez em quando dou meus palpites... meus palpites...
Peguei o livro Peguei o livro e o diário on e o diário onde, como de de, como de costume,
tinha f costume, tinha feito as anotações eito as anotações:
-- Espera -- Espera aí. Onde aí. Onde é que a gente a gente estava mesmo? estava mesmo? -
perguntou - perguntou Martinha. Martinha.
-- O Euclides -- O Euclides explica. Era u explica. Era uma antiga fazend ma antiga fazenda à
margem d a à margem do rio Vaza-Barris o rio Vaza-Barris. Antes . Antes
de Conselheiro e seus discípulos, outras pessoas haviam ocupado o lugar. aviam ocupado o
lugar. E esse p E esse p
essoal fumava uns cachimbos feitos com o caule oco de urna planta da beira do ri urna planta
da beira do ri
Canudos tinha u Canudos tinha uma localização es ma localização estratégica: o lug tratégica:
o lugar era cercado ar era cercado de serras e de serras e morros, C morros, C
Mas essa Localizado não impediu a chegada de Mas essa Localizado não impediu a chegada
de peregrinos, que vinham cada vez em m rinos, que vinham cada vez em m
aior número. Ali surgiu então um arraial, o arraial de Canudos, onde as pessoas vivi Canudos,
onde as pessoas vivi
-- O ca -- O cara era i ra era invocado com nvocado com esse negócio esse negócio de raça de
raça - observou - observou Martinha. Martinha.
-- Era mesmo. -- Era mesmo. Nesse arraial, Nesse arraial, havia de tudo, havia de tudo, desde
o crente desde o crente até o bandido. até o bandido. Ao che gar, entregavam ao Conselheiro
praticamente tudo o que possuíam. Ele dominava o ar
raial, ele era a lei, ele era raial, ele era a lei, ele era o líder moral. E o o líder moral. E o que ele
pregava era a renúncia a que ele pregava era a renúncia a to
dos os bens, todos os confortos. Ensinava que o dos os bens, todos os confortos. Ensinava que
o sofrimento era benéfico para a mor rimento era benéfico para a mor
al. Beber não era permitido. Mas o amor al. Beber não era permitido. Mas o amor livre era..
livre era...
-- Quer dizer: -- Quer dizer: o cara tirava o cara tirava de um lado, de um lado, mas dava de
mas dava de outro. - comento outro. - comentou Martinh u Martinh
a.
-- Parece, né? -- Parece, né? Outra coisa: em Outra coisa: em Canudos, o Co Canudos, o
Conselheiro mantinha nselheiro mantinha a ordem, mas, a ordem, mas, diz
Euclides, volta e meia os caras Euclides, volta e meia os caras saíam dali para as saíam dali
para assaltar localidades ao redor. saltar localidades ao redor.
-- Mas espera -- Mas espera um pouco - um pouco - Martinha, intrigada Martinha, intrigada.
-- E a . -- E a religião? Aquilo religião? Aquilo não era um não era um g
rupo religioso?
-- Era. E e -- Era. E eles tinham suas les tinham suas cerimônias. Todas cerimônias. Todas as
tardes se as tardes se reuniam para re reuniam para rezas hom zas hom
-- Pois é. -- Pois é. E também havia E também havia uma cerimônia uma cerimônia em que
todos em que todos tinham de beijar tinham de beijar a mesma imagem a mesma imagem
de Cristo ou de um santo.
(p. 55)
-- Pois é. -- Pois é. E foi a const E foi a construção desse temp rução desse templo que
precipito lo que precipitou a luta. Con u a luta. Conselheiro tinha selheiro tinha
adeira, que não foi entregue. Segundo Euclides, de propósito: quem impediu a entrega
foi um juiz, Arlindo Leone, que foi um juiz, Arlindo Leone, que os homens do Conse os
homens do Conselheiro tinham expulsado do mu lheiro tinham expulsado do mu
nicípio de Bom Conselho e que assim estava se nicípio de Bom Conselho e que assim estava se
vingando. Antônio Conselheiro então ameaço ndo. Antônio Conselheiro então ameaço
governador da Bahia mandou reforçar a força policial com cem soldados. Eles recebera
m a ordem de atacar Canudos - m a ordem de atacar Canudos - e foi o que fizeram. e foi o que
fizeram.
Surpresa foi a Surpresa foi a nossa: já era nossa: já era a segunda vez a segunda vez que o Zé
que o Zé falava! Estava pa falava! Estava participando ma rticipando ma
is do que esperávamos. O que era is do que esperávamos. O que era ótimo. Só que depo
ótimo. Só que depois de ter dito a frase, ele ficou is de ter dito a frase, ele ficou e
m silêncio, como que arrependido de ter falado. De modo que resolvi estimulá-lo: que resolvi
estimulá-lo:
Mais um Mais uma pequen a pequena vacilaç a vacilação e ele con ele contou:
-- A tropa se deslocou até -- A tropa se deslocou até Uauá, onde também morava Uauá, onde
também moravam adeptos do Conselheiro. E m adeptos do Conselheiro. E, quan
i uma multidão que avançava ao som de i uma multidão que avançava ao som de cânticos reli
cânticos religiosos. Começou a luta. Os soldados e giosos. Começou a luta. Os soldados e
ram em número muito menor, mas tinham armas automáticas, enquanto os sertanejos só dis
punham de facões, foices e armas de fogo punham de facões, foices e armas de fogo simples.
M simples. Muitos morreram, mas mesmo assim uitos morreram, mas mesmo assim
(p. 56)
Nesse momento Nesse momento fomos interrom fomos interrompidos: chegava pidos:
chegava a Rafaela. a Rafaela. Vinha aborrecid Vinha aborrecida, furios a, furios
a mesmo:
-- Levei uma -- Levei uma hora para chega hora para chegar até aqui, r até aqui, gente. Vocês
acr gente. Vocês acreditam? Numa cida editam? Numa cidade deste de deste
e Baixo só em caso de e Baixo só em caso de temporais que inundavam a rua temporais que
inundavam a rua, ou quando a prefeitu , ou quando a prefeitura realiz ra realiz
ava alguma obra muito grande. Mas o céu ava alguma obra muito grande. Mas o céu estava
azul estava azul e obra nenhuma estava sendo fe e obra nenhuma estava sendo fe
-- Foi aquele -- Foi aquele pessoal do Jes pessoal do Jesuíno Pregador - uíno Pregador -
explicou Rafaela. explicou Rafaela. -- Estão fazend -- Estão fazendo uma
procissão pela cidade. Enorme procissão, com cruzes, imagens de santos e s, imagens de
santos e tudo. A to tudo. A to
da hora repetem que o fim está da hora repetem que o fim está próximo, que o senão
próximo, que o senão vai virar praia... vai virar praia...
O sertão O sertão vai virar vai virar praia? Ma praia? Mas aquilo s aquilo nós conhecí nós
conhecíamos!
-- Eu não l -- Eu não leio nada - re eio nada - respondeu Rafaela, spondeu Rafaela, irônica. -- E
irônica. -- E você não arran você não arranja namorado algu ja namorado algum
-- Está pior -- Está pior - retrucou Mart - retrucou Martinha - quem inha - quem não sabe que
não sabe que uma coisa não uma coisa não tem nada a tem nada a ver co
m a outra. Você -
-- Parem de -- Parem de bater boca e bater boca e venham ver uma venham ver uma coisa
aqui na coisa aqui na tevê - era tevê - era a mãe de Mar a mãe de Martinha
, do quarto ao lado.
Fomos. Era uma Fomos. Era uma transmissão, ao v transmissão, ao vivo, da procissã ivo, da
procissão de que Raf o de que Rafaela nos falara. aela nos falara. A pri
meira coisa que me chamou a atenção foi meira coisa que me chamou a atenção foi a
quantidad a quantidade de pessoas: eu não lembrava de um e de pessoas: eu não lembrava de
um
cortejo tão grande na cidade. Nem no cortejo tão grande na cidade. Nem no Carnaval, qua
Carnaval, quando as ruas ficam cheias, há tant ndo as ruas ficam cheias, há tant
a gente. Gente humilde, alguns usando uma espécie de túnica escura. Como e túnica escura.
Como dissera Raf dissera Raf
aela, carregavam cruzes, imagens e uma faixa: "Arrependei-vos agora, amanhã será tar
de".
(p. 57)
O repórter, da O repórter, da rua, explicava qu rua, explicava que o líder da e o líder da seita,
Jesuíno seita, Jesuíno Pregador, não se Pregador, não se encontrav encontrav
a ali:
Virei-me para c Virei-me para comentar alguma co omentar alguma coisa, mas me isa, mas
me detive. E me detive. E me detive por causa detive por causa da e
xpressão de Zé. O sofrimento, a angústia que transpareciam em seu rosto areciam em seu
rosto eram impressio eram impressio
nantes, comovedores. Por quê? Teria ele reconhecido nos devotos alguns de seus viz
inhos do Buraco? Era uma coisa que eu inhos do Buraco? Era uma coisa que eu não poderia p
não poderia perguntar sem correr o risco de erguntar sem correr o risco de
-- Escuta aqui, -- Escuta aqui, gente, está quas gente, está quase na hora de e na hora de ir
para o c ir para o colégio. Quem sabe olégio. Quem sabe deixamos deixamos
O encontro comb O encontro combinado, passei em inado, passei em casa para comer casa
para comer alguma coisa e alguma coisa e pegar o meu pegar o meu mat
erial para o colégio. Mamãe não estava, só papai erial para o colégio. Mamãe não estava, só
papai - sentado, olhando a tevê. Com ar visivel sentado, olhando a tevê. Com ar visivel
são.
-- O que vo -- O que você quer dizer cê quer dizer com "ainda não" com "ainda não"? Você
acha ? Você acha que pode haver que pode haver violência? - p violência? - pergun
tei, assustado.
-- Não sei. -- Não sei. O que eu sei O que eu sei é que tem c é que tem cada vez mais ada vez
mais gente no Buraco gente no Buraco. Olhe ali. . Olhe ali.
as realmente o lugar tinha mudado. Além das casinholas, havia tendas de las, havia tendas de
lona preta lona preta
por toda parte, inclusive subindo pela encosta do morro ao pé do qual ficava o ao pé do qual
ficava o Bu
raco. E gente, muita gente, um enxame de raco. E gente, muita gente, um enxame de gente, ali
gente, ali.
(p. 58)
Dava para enten Dava para entender a apreensão der a apreensão de papai. Mas de papai.
Mas tentei minimizá-la: tentei minimizá-la: aquilo era uma aquilo era uma co
isa passageira, amanhã ou depois o Jesuíno Pregador iria embora e eles iria embora e eles
iriam junto. iriam junto.
-- O cara é -- O cara é meio nômade, não meio nômade, não é? Certamente e é? Certamente
ele vai continuar le vai continuar a peregrinação. a peregrinação. Como o Antônio Como o
Antônio
Conselheiro...
Se esse pregador seguir o exemplo e se Se esse pregador seguir o exemplo e se fixar aqui, fixar
aqui, seguramente teremos problemas seguramente teremos problemas
-- Vou indo, filho. indo, filho. Tenho de Tenho de voltar para voltar para a delegacia a
delegacia.
legacia -- ele falando pouco, o que mostrava a legacia -- ele falando pouco, o que mostrava a
sua apreensão -- e depois segui par apreensão -- e depois segui par
a o colégio. Lá, claro, o assunto era a o colégio. Lá, claro, o assunto era um só: a proc um só: a
procissão dos Pregadores, como os seguido issão dos Pregadores, como os seguido
res de Jesuíno já estavam sendo chamados. No meio do pátio, Queco fazia um comício: pátio,
Queco fazia um comício:
-- Então, Gui? -- Então, Gui? O seu pai não O seu pai não vai fazer nada? vai fazer nada?
Afinal, ele é Afinal, ele é o delegado de o delegado de polícia, né? É polícia, né? É el
O tom era d O tom era de gozação, mas e gozação, mas olhei bem e olhei bem e percebi: o
Que percebi: o Queco estava assusta co estava assustado. Como muit do. Como muit
os outros ali. Evidentemente queriam que eu dissesse alguma coisa, mas, como mamãe
sempre repetia, eu não deveria falar sobre o sempre repetia, eu não deveria falar sobre o
trabalho do meu pai; não era apropriad lho do meu pai; não era apropriad
o e poderia até criar problemas. De modo o e poderia até criar problemas. De modo que
respon que respondi qualquer coisa, no mesmo tom di qualquer coisa, no mesmo tom
gozador de Queco, e segui para gozador de Queco, e segui para a aula. No corredor a aula. No
corredor, encontrei o professor Arman , encontrei o professor Arman
-- Então? Não -- Então? Não sei - sorriu, sei - sorriu, melancólico. -- melancólico. --
Historiadores estuda Historiadores estudam o passado, m o passado, não prevêem não
prevêem
o futuro. Importante é entender o que o futuro. Importante é entender o que está acontec
está acontecendo. Esse debate que vocês vão fazer endo. Esse debate que vocês vão fazer
-- Espere um -- Espere um pouco: você est pouco: você está me dizendo á me dizendo que
estamos ven que estamos vendo uma situação do uma situação igual à do igual à do Antônio
Antônio
Conselheiro?
-- Exatamente i -- Exatamente igual, não, porque gual, não, porque a história nunc a história
nunca se repete. a se repete. Mas acho que Mas acho que há coisas há coisas
em comum nos dois movimentos. Agora, voltando ao debate. No meu bate. No meu entender,
a perg entender, a perg
unta para a qual vocês precisam encontrar uma resposta é: por sta é: por que as pessoas
aderem que as pessoas aderem
Boa questão. Fi Boa questão. Fiquei pensando nel quei pensando nela o resto do a o resto do
dia. À tarde, dia. À tarde, depois da esco depois da escola, fui j la, fui j
ogar futebol. Quando cheguei, às oito horas, encontrei mamãe preocupada: papai ainda
-- Você -- Você sabe que sabe que ele não ele não tem hora tem hora para chegar para chegar
- ponderei. - ponderei.
-- Sei. Mas -- Sei. Mas liguei para a liguei para a delegacia e me delegacia e me disseram que
el disseram que ele tinha ido a e tinha ido até o Buraco té o Buraco
. Só ele e o Pedro.
-- Ora, -- Ora, mamãe. Não vai Não vai acontecer acontecer nada.
Mas a verdade Mas a verdade é que eu t é que eu também estava pre ambém estava
preocupado. Foi com ocupado. Foi com um suspiro de um suspiro de alívio que vi alívio que vi
-- Então, o quê?
-- E daí?
Ele não respond Ele não respondeu. Tirou o c eu. Tirou o casaco, jogou-o n asaco, jogou-o
numa cadeira, dei uma cadeira, deixou-se cair na xou-se cair na poltr
ona. Pelo jeito, estava cansado. E talvez deprimido. Mas cansado, certamente.
-- Você falou -- Você falou com o homem? com o homem? - insistiu ma - insistiu mamãe. --
Com mãe. -- Com o Jesuíno Pregado o Jesuíno Pregador?
(p. 60)
-- Não. Não -- Não. Não falei com ele. falei com ele. Cheguei até o Cheguei até onde ele mora,
nde ele mora, mas não falei mas não falei com ele. Ou com ele. Ou melhor
: ele não quis falar comigo. Disse que : ele não quis falar comigo. Disse que não tinha qu não
tinha qualquer assunto a tratar com o del alquer assunto a tratar com o del
egado.
-- Que ousadia! -- Que ousadia! - mamãe, irritad - mamãe, irritada. -- Onde é a. -- Onde é que
se viu que se viu um homem que um homem que nem é daqui, nem é daqui, qu
e ninguém sabe quem é, recusar-se a falar com e ninguém sabe quem é, recusar-se a falar com
o delegado da cidade? egado da cidade?
-- Estava no -- Estava no direito dele, T direito dele, Teresa. Eu não eresa. Eu não tinha
mandado tinha mandado judicial que o judicial que o obrigasse obrigasse
a me receber. De modo a me receber. De modo que optei por não forçar a b que optei por
não forçar a barra.
-- É diferente -- É diferente das outras. Lá das outras. Lá todo o mundo todo o mundo mora
em barra mora em barracos de taipa cos de taipa ou então naquel ou então naquel
as barracas de lona plástica. A casa dele é as barracas de lona plástica. A casa dele é de tijo de
tijolo. Foi construída há pouco, vê-se logo lo. Foi construída há pouco, vê-se logo
, nem está bem terminada. Mas é , nem está bem terminada. Mas é rodeada por um muro
rodeada por um muro alto. Há um portão, guardado po alto. Há um portão, guardado por doi
-- Não falei -- Não falei com o Pregador, com o Pregador, mas descobri mu mas descobri
muita coisa a ita coisa a seu respeito. Com seu respeito. Como não pod o não pod
ia entrar na casa, caminhei pelo Buraco, conversando com um, conversando com out
ro. Inclusive com gente que veio de outros municípios. E fiquei espantado. Aquilo fiquei
espantado. Aquilo mudou. Antigamente o Buraco era um lugar de gente humilde, gente
umilde, gente sem muita esper sem muita esper
ança, sem recursos. Agora, não. Por exemplo: o Pregador criou uma escola. ador criou uma
escola. É uma escola É uma escola
religiosa, ensina as profecias deles e outras coisas, mas também ensina as, mas também
ensina as crianças as crianças
a ler, a escrever. E a ler, a escrever. E criou também um tribunal. criou também um tribunal.
s vizinhos têm uma disputa qualquer, eles levam o caso ao Pregador; se há briga entr ao
Pregador; se há briga entr
e marido e mulher, é o e marido e mulher, é o Pregador quem resolve. E uma Pregador quem
resolve. E uma mulher me contou que o mulher me contou que os jovens s jovens
que querem casar pedem-lhe aprovação. Existe uma espécie de templo, um spécie de templo,
um grande barracão grande barracão
de madeira, onde madeira, onde o pessoal o pessoal se reúne se reúne para rezas para rezas
junto com junto com o Pregador. o Pregador.
(p. 61)
ato de papai coincidia com o que ato de papai coincidia com o que tínhamos lido a re tínhamos
lido a respeito do Antônio Conselheiro. E speito do Antônio Conselheiro. E
-- Papai, isso -- Papai, isso parece a história parece a história que o Euclides que o Euclides da
Cunha conta da Cunha conta em Os sertões. em Os sertões...
-- Sei disso. -- Sei disso. Como não haver Como não haveria de saber? ia de saber? Quem
nasceu nes Quem nasceu nesta região, como ta região, como eu, ouviu eu, ouviu
falar do Antônio Conselheiro. E a pergunta que eu me faço, que você se faz, que todos faço,
que você se faz, que todos
se fazem é: será que esta história vai se fazem é: será que esta história vai terminar com
terminar como a do Conselheiro? o a do Conselheiro?
ar qualquer violência.
Mamãe insistiu Mamãe insistiu para que comesse para que comesse alguma coisa, ma
alguma coisa, mas ele recusou, s ele recusou, e entrou no e entrou no quart
o. Ela sacudiu a cabeça, com um o. Ela sacudiu a cabeça, com um suspiro: suspiro:
-- Seu pai -- Seu pai é um bom garf é um bom garfo. E a prime o. E a primeira vez, nestes ira
vez, nestes dezoito anos de dezoito anos de casados, que casados, que
eu o vejo ir eu o vejo ir para a cama sem jantar. Ele deve para a cama sem jantar. Ele deve
estar preocupado m estar preocupado mesmo.
(p. 62)
Na manhã seguin Na manhã seguinte, quando nos te, quando nos encontramos -
encontramos - de novo no a de novo no apartamento da Mar partamento da Martinha,
a pedido dela -, tivemos de resolver uma a pedido dela -, tivemos de resolver uma questão: d
questão: deveríamos ou não incluir as campanh everíamos ou não incluir as campanh
as contra o Conselheiro no resumo que faríamos sobre ele? Martinha achava e ele? Martinha
achava que não: que não:
-- Uma coisa -- Uma coisa é o homem, é o homem, outra coisa é outra coisa é a guerra que a
guerra que moveram contra moveram contra ele. Não me ele. Não me parece
necessário falar das necessário falar das expedições militares. expedições militares.
Eu, ao contrári Eu, ao contrário, achava que o, achava que só poderíamos c só poderíamos
compreender bem a ompreender bem a figura que estáv figura que estávamos estu amos estu
dando se descrevêssemos a maneira pela qual ele se portara na portara na luta. O voto decisiv
luta. O voto decisiv
o se estivesse olhando para uma deusa -, o se estivesse olhando para uma deusa -, mas não, e
o foi de Zé. Achei que o foi de Zé. Achei que iria apoiar Martinha - cada iria apoiar Martinha -
cada vez que olhava para ela mas não, estava de acordo comigo. Maninha vez que olhava para
stava de acordo comigo. Maninha ela era com era com
-- Você -- Você me surpreendeu, me surpreendeu, cara. Pensei cara. Pensei que podia que
podia contar com contar com você... você...
Ele riu, Ele riu, meio sem meio sem graça, e graça, e ela acariciou ela acariciou-lhe o r -lhe o
rosto com osto com a mão.
Um gesto casual Um gesto casual, comum entre , comum entre amigos -- mas amigos -- mas
era de ver era de ver o brilho de o brilho de felicidade q felicidade q
ue surgiu nos olhos do Zé. Ele ue surgiu nos olhos do Zé. Ele estava derretido mes estava
derretido mesmo. Eu só esperava que Martinha mo. Eu só esperava que Martinha não
estivesse brincando com os sentimentos dele. Mas logo voltamos ao nosso ogo voltamos ao
nosso assunto assunto
(p. 63)
-- Muito bem -- Muito bem - disse ela. - disse ela. -- Então, quem -- Então, quem é que fala? é
que fala? Confesso que par Confesso que parei de ler o ei de ler o l
-- Você não -- Você não sabe o que e sabe o que está perdendo - stá perdendo - repliquei. --
repliquei. -- O Euclides não O Euclides não está descrevendo está descrevendo uma
briga entre mocinho e bandido. Não é briga entre mocinho e bandido. Não é faroeste. O q
faroeste. O que ele faz é tentar entender os par ue ele faz é tentar entender os par
ticipantes da campanha através da maneira como eles lutaram. -- Bem, se -- Bem, se você
está por você está por dentro, vamos l dentro, vamos lá -- comandou á -- comandou Martinha.
Ela e Martinha. Ela era a minha i ra a minha inte
-- Nós tínhamos -- Nós tínhamos parado naquela b parado naquela batalha de Uauá, atalha de
Uauá, que terminou com que terminou com a derrota dos a derrota dos solda
dos. Aí foi preparada uma segunda expedição pelo governo da Bahia, comandada pelo verno
da Bahia, comandada pelo majo
r Febrônio de Pinto. Mais soldados, agora, cerca de quinhentos, e mais quinhentos, e mais
armamento, armamento,
sertanejos que viram bandidos - eram em sertanejos que viram bandidos - eram em maior
núme maior número, mas as armas que tinham era ro, mas as armas que tinham era
m simples, armas de carregar pela boca do cano: m simples, armas de carregar pela boca do
cano: primeiro tinham de colocar a pólvo meiro tinham de colocar a pólvo
ra, socar bem, colocar a bala... Levava tempo. Agora: tinham a a: tinham a seu favor um elem
seu favor um elem
ento muito importante, que é o terreno. Diz aqui ento muito importante, que é o terreno. Diz
aqui o Euclides: "As caatingas são um al Euclides: "As caatingas são um al
ilheiro: ataca e some no meio da ilheiro: ataca e some no meio da vegetação, que, po
vegetação, que, por sua vez, dificulta o movimento r sua vez, dificulta o movimento
-- Eu também nã também não sabia. o sabia. Tive de Tive de olhar na olhar na enciclopédia.
enciclopédia. É um episódio É um episódio da Revolução F da Revolução Francesa de 1789,
rancesa de 1789, que derrubou a que derrubou a realeza. A avenid realeza. A avenida era uma
a era uma
(p. 64)
-- De jeito -- De jeito nenhum. Euclides nenhum. Euclides escreve que ele escreve que eles
pensavam que s pensavam que "os rebeldes s "os rebeldes seriam
eixar, num lugar chamado Queimadas, parte das munições, para que assim os ões, para que
assim os soldados a soldados a
ndassem mais depressa. A batalha ocorreu na serra do Cambaio. Por ali o Cambaio. Por ali
passava a passava a
estrada para Canudos. Por essa estrada iam subindo os soldados, vagarosamente -
e aí, de repente, saindo dos seus esconderijos, apareceram os jagunços. Alguns se receram os
jagunços. Alguns se in
filtravam entre a tropa do governo; outros, do alto da serra, atiravam. Cada ati serra, atiravam.
Cada ati
rador tinha a ajuda de três ou rador tinha a ajuda de três ou quatro companheiros, quatro
companheiros, que se encarregavam de colocar que se encarregavam de colocar
a munição nas armas, de a munição nas armas, de modo que eles podiam dispa modo que
eles podiam disparar sem cessar. Se por ac rar sem cessar. Se por acaso o at aso o at
irador era atingido, aparecia outro para substituí-lo. Conta Euclides: "Os soldado
s viam tombar, mas ressurgir imediatamente, indistinto pelo fumo, o mesmo busto,
ruços, baleado. Mas viam ruços, baleado. Mas viam outra vez erguer-se, invul outra vez
erguer-se, invulnerável, assombroso, terr nerável, assombroso, terrível". Ape ível". Ape
sar de tudo isso, os soldados levaram a sar de tudo isso, os soldados levaram a melhor e os
melhor e os sertanejos fugiram na direção de sertanejos fugiram na direção de
Canudos.
-- E a tropa a tropa foi atrás.. foi atrás... - supôs Martin supôs Martinha.
-- Isso mesmo. -- Isso mesmo. Mas foram atacado Mas foram atacados de novo, e s de novo, e
já estavam com já estavam com pouca munição. De pouca munição. Decidiram cidiram
-se então pela retirada. Agora, um detalhe interessante: nesse meio tempo havia ch
egado a Canudos a notícia de que egado a Canudos a notícia de que as tropas do gover as
tropas do governo vinham vindo. Os fiéis entrara no vinham vindo. Os fiéis entrara
(p. 65)
-- Os c -- Os caras acharam aras acharam que era que era milagre do milagre do Conselheiro...
Conselheiro... - disse - disse Martinha. Martinha.
-- Isso mesmo. -- Isso mesmo. Já a tropa em Já a tropa em retirada estava retirada estava em
más condiçõe em más condições. Os soldados s. Os soldados não comiam há não comiam há d
ois dias, estavam esgotados, tinham de carregar os feridos. Então os jagunços, coman
dados por Pajeú -- "mestiço de bravura inexcedível [insuperável] e ferocidade rara", seg
undo Euclides --, atacaram os soldados naquela mesma serra do Cambaio. Provocara
soldados conseguiram escapar e chegar a Monte Santo. Conta Euclides: Não havia um
homem válido. Aqueles mesmos que homem válido. Aqueles mesmos que carregavam os
comp carregavam os companheiros sucumbidos claudicavam anheiros sucumbidos
claudicavam
, a cada passo, com os , a cada passo, com os pés sangrando, varados de es pés sangrando,
varados de espinhos e cortados pelas pinhos e cortados pelas pedras. pedras.
idículos, mal velando [cobrindo] a nudez com os capotes em pedaços, mal otes em pedaços,
mal alinhando-se alinhando-se
em simulacro [imitação grotesca] de formatura, entraram pelo arraial lembrando uma turma
de retirantes".
-- Mas isso -- Mas isso é incrível - é incrível - disse Martinha. disse Martinha. -- Como é q --
Como é que pode uma ue pode uma tropa, bem equipa tropa, bem equipada,
-- Pelo jeito, -- Pelo jeito, em matéria de em matéria de disciplina, ele disciplina, ele era linha-
dura... era linha-dura... - comentou Mar - comentou Martin
ha.
-- Ah, é. S -- Ah, é. Se você lê a e você lê a biografia dele, biografia dele, aqui no livro aqui no
livro, você tem u , você tem uma explicação: o ma explicação: o Euclides Euclides
estudou numa escola militar, fez carreira, chegou ao posto de tenente - o posto de tenente -
ou seja, ou seja,
estava habituado com disciplina, com ordem. E isso, naquele ano , naquele ano de 1897, era
um de 1897, era um
a coisa que ele não via a coisa que ele não via no país. A República já hav no país. A República
já havia sido proclamada há oi ia sido proclamada há oito anos e os br to anos e os br
asileiros, segundo ele, ainda viviam asileiros, segundo ele, ainda viviam no "marasmo mo no
"marasmo monárquico". nárquico".
(p. 66)
-- Atraso. O -- Atraso. O fato é que fato é que aquela história aquela história de Canudos já de
Canudos já estava chamando estava chamando a atenção do a atenção do país in país in
teiro. O governo federal resolveu tomar providências. Uma nova expedição foi formada,
sob o comando do coronel de infantaria Antônio Moreira César, que tinha ira César, que tinha
a fama de "g a fama de "g
rande debelador de revoltas'. Ele estava chegando do Rio Grande do Sul, o Rio Grande do Sul,
onde enf onde enf
rentara com êxito a rebelião comandada por Gumercindo Saraiva, conhecida como Revolução
Federalista. Mas Euclides não tem muita admiração pelo homem: "era um desequilibrado",
diz. um doente mental -- na diz. um doente mental -- na verdade, o coronel sof verdade, o
coronel sofria de convulsões. Mas já tin ria de convulsões. Mas já tinha p
assado uma temporada na prisão, acusado, com outros militares, de tentar assassina
-- Sem dúvida. -- Sem dúvida. Moreira César con Moreira César contava com um tava com um
batalhão inteiro, batalhão inteiro, peças de artilh peças de artilharia e um aria e um
esquadrão de cavalaria: no total, quase 1 300 esquadrão de cavalaria: no total, quase 1 300
soldados. Mas Canudos também tinha cr ados. Mas Canudos também tinha cr
escido. A vitória de Antônio Conselheiro atraíra muita gente. E eles agora começavam a ita
gente. E eles agora começavam a c
-- Quer -- Quer dizer: era guerr era guerra! -- exclamou exclamou Martinha. Martinha.
-- Guerra mesmo -- Guerra mesmo. Uma campanha . Uma campanha militar em gra militar
em grande escala. As nde escala. As tropas saíram tropas saíram de Quei de Quei
madas para uma marcha de vários dias até madas para uma marcha de vários dias até
Canudos. T Canudos. Tinham de vencer a vegetação da caatin inham de vencer a vegetação da
caatin
ga; havia areais onde as carretas atolavam; e pior, faltava água. E faltava água. E quando não
falta quando não falta
va água, eram aquelas chuvaradas do senão. Durante uma dessas tempestades tomaram um
susto: avistaram umas carretas e acharam que iam ser atacados, o que gerou a ma atacados, o
que gerou a ma
ior confusão. Mas não era nada disso, era uma ior confusão. Mas não era nada disso, era uma
ajuda, alimentos que haviam sido envia , alimentos que haviam sido envia
dos por um fazendeiro da região. Mais tarde, porém, foram realmente atacados, numa e
(p. 67)
icamente desarmados, não poderiam resistir. Esse ot Quando viu aquelas armas, Moreira
César vibrou: parimismo exagerado foi um erro, s a ele, os jagunços estavam prat
egundo Euclides. Diz ele: "Porque, num exército que persegue, há o mesmo persegue, há o
mesmo automatismo automatismo
impulsivo dos exércitos que fogem". A audácia extrema funciona como o ema funciona como
o extremo pavor extremo pavor
: "um exército é antes de tudo : "um exército é antes de tudo uma multidão". uma multidão".
-- É. Para -- É. Para isso, seria essen isso, seria essencial um comandan cial um comandante
muito equilib te muito equilibrado, coisa que, rado, coisa que, par
a o Euclides, o Moreira César não era. a o Euclides, o Moreira César não era. Chegaram dia
Chegaram diante de Canudos: um "montão de caseb nte de Canudos: um "montão de caseb
res", descreve Euclides, "à margem do rio Vaza-Barris, e cercada por monos, o is, e cercada por
monos, o morr
o da Favela...".
io de Janeiro...
-- Mas é da -- Mas é daí que vem o í que vem o nome. Os sold nome. Os soldados que regress
ados que regressaram da campanha aram da campanha de Canudos pa de Canudos pa
ra o Rio de Janeiro foram morar ra o Rio de Janeiro foram morar num morro, em casas num
morro, em casas muito precárias. Esse lugar fi muito precárias. Esse lugar fi
cou sendo conhecido como Favela. Daí em diante, todo lugar de o lugar de casas precárias
passou casas precárias passou
a ser chamado de favela. Mas, a ser chamado de favela. Mas, voltando ao Moreira voltando
ao Moreira César: estava tão entusiasmado César: estava tão entusiasmado qu
-- Aposto -- Aposto que foi que foi um almoço um almoço indigesto - indigesto - comentou
Martinh comentou Martinha.
--Bota indigest --Bota indigesto nisso. o nisso. Primeiro os Primeiro os canhões disparar
canhões dispararam sobre am sobre o arraial. o arraial. As balas As balas
acertaram as casas, "atirando pelos ares tetos de argila e argila e vigamentos, em estil
vigamentos, em estil
então um incidente até meio engraçado, mas que alertava sobre o tava sobre o que iria
acontecer: "T que iria acontecer: "T
oda uma companhia do 7º, naquele momento, fez fogo, por alguns minutos, sobre um j alguns
minutos, sobre um j
agunço, que vinha pela estrada de Uauá. E o agunço, que vinha pela estrada de Uauá. E o
sertane sertanejo não apressava o andar. Parava às v jo não apressava o andar. Parava às v
ezes. Via-se o vulto impassível" aprumar-se ao longe (...) e prosseguir depois tra
mente sobre o ser excepcional, que parecia comprazer-se em ser o r-se em ser o alvo de um
exérci alvo de um exérci
to".
(p. 68)
-- Os c -- Os caras não aras não tinham medo tinham medo - comentou - comentou Martinha,
imp Martinha, impressionada. ressionada.
-- Nenhum medo, -- Nenhum medo, pelo jeito. O pelo jeito. O coronel Moreira coronel
Moreira César mandou q César mandou que os soldados ue os soldados entra
ssem e tomassem o arraial "sem disparar mais um ssem e tomassem o arraial "sem disparar
mais um tiro - à baioneta". E ai foi o des o - à baioneta". E ai foi o des
astre. Canudos não era uma cidade, era um arraial, com umas ruazinhas estreitas, a umas
ruazinhas estreitas, a
gora obstruídas pelos destroços das casas destruídas, o que dificultava os movimentos.
Quando, finalmente, os homens conseguiam entrar nos casebres que ainda estavam
de pé, eram atacados lá dentro, a tiros, de pé, eram atacados lá dentro, a tiros, a facadas, a
facadas, a golpes de foice. Pior: os sold a golpes de foice. Pior: os sold
ados estavam tão famintos que de vez em ados estavam tão famintos que de vez em quando
para quando paravam para comer o que encontrava vam para comer o que encontrava
m nas casas - e m nas casas - e aí recebiam como sobremesa, diz Euc aí recebiam como
sobremesa, diz Euclides, "uma carg lides, "uma carga de chumbo". E a de chumbo". E
ssa luta toda ocorria numa metade de Canudos; a ssa luta toda ocorria numa metade de
Canudos; a outra ainda estava inteira - e p ra ainda estava inteira - e p
ronta a resistir. O coronel Moreira César cometeu então mais um ntão mais um erro: ordenou
um ata erro: ordenou um ata
que de cavalaria.
-- É exatamente -- É exatamente o que diz Eu o que diz Euclides: "uma exc clides: "uma
excentricidade", uma entricidade", uma coisa estranha. coisa estranha. Mo
reira César acabou sendo ferido gravemente. Assumiu o comando o velho coronel Tama
rindo, boa pessoa, mas incapaz, diz Euclides, para aquela difícil tarefa. "O que aquela difícil
tarefa. "O que v
amos fazer?", teria perguntado um oficial. O coronel respondeu com um dito popul
ar do Norte: "E tempo de ar do Norte: "E tempo de murici, cada um cuide de s murici, cada um
cuide de si". Não deu outra: a trop i". Não deu outra: a tropa fugi
u na maior confusão, os soldados tratando de salvar a própria pele. Conseguiram atra própria
pele. Conseguiram atra
vessar o rio Vaza-Barris e foram se agrupar num vessar o rio Vaza-Barris e foram se agrupar
num lugar seguro, junto à artilharia. ar seguro, junto à artilharia.
(p. 69)
Os oficiais, re Os oficiais, reunidos, decidiram-se unidos, decidiram-se pela retirada, a pela
retirada, apesar da oposição pesar da oposição de Moreira Cés de Moreira Cés
os únicos que se mantiveram agrupados foram os soldados da artilharia que ados da artilharia
que ali esta ali esta
vam, junto aos quatro canhões. Os sertanejos atacar o coronel Tamarindo. Conta Euclides: o
coronel Tamarindo. Conta Euclides: "A terceira ex "A terceira expedição, anulada, dispersa,
desap pedição, anulada, dispersa, desap am-nos e acabaram matando também
haram, depois, nas duas bordas da estrada, as cabeças [casaco militar] (...) Por as [casaco
militar] (...) Por c
ima, nos arbustos marginais mais altos, dependuraram os restos de fardas, calças e
dólmãs [casaco militar] (...) Um pormenor doloroso completou esta encenação: a uma band
a avultava, empalado, erguido num galho seco, de angico, o corpo gico, o corpo do coronel
Tama do coronel Tama
rindo".
-- Meu Deus -- Meu Deus do céu - sus do céu - suspirou, por fim, pirou, por fim, Martinha. --
Foi Martinha. -- Foi mesmo uma coisa mesmo uma coisa medonha medonha
Ele não Ele não respondeu. Como respondeu. Como ocorrera durante ocorrera durante todo
o encontro, perman encontro, permaneceu calado. eceu calado. Um
silêncio que me intrigava. Por que não falava? O silêncio que me intrigava. Por que não falava?
O que estaria se passando em sua cabeça e estaria se passando em sua cabeça
? Alguma coisa, contudo, me dizia que eu ? Alguma coisa, contudo, me dizia que eu não deveri
não deveria lhe perguntar a respeito. Qua a lhe perguntar a respeito. Qua
do colégio. Martinha nos preparou uns sanduíches, que devoramos rapidamente. e segui
mos às pressas para o colégio. Lá nos mos às pressas para o colégio. Lá nos esperava uma
esperava uma má notícia. má notícia.
(p. 70)
Àquela hora, já Àquela hora, já era para estar era para estar todo o mundo todo o mundo nas
salas de nas salas de aula, ou dirigin aula, ou dirigindo-se par do-se par
a elas. Mas não, havia muita gente no a elas. Mas não, havia muita gente no pátio - e o Q pátio
- e o Queco, no meio, fazendo um discurs ueco, no meio, fazendo um discurs
-- E a gent -- E a gente desse cara e desse cara aí. Tomem nota aí. Tomem nota do que estou
do que estou dizendo, aquela g dizendo, aquela gente vai ac ente vai ac
abar com a nossa cidade. Isso aqui vai abar com a nossa cidade. Isso aqui vai se transform se
transformar num reduto de fanáticos, de ar num reduto de fanáticos, de
loucos, de bandidos.
Nesse momento e Nesse momento entrava o Gê. ntrava o Gê. Ouviu o que Ouviu o que o
Queco acabara o Queco acabara de dizer e fi de dizer e ficou possess cou possess
o:
-- Cala -- Cala a boca, a boca, reacionário! Fas reacionário! Fascista de cista de meia tigela!
meia tigela! Filhinho de Filhinho de papai!
Queco partiu p partiu para cima ara cima dele. A dele. A custo, c custo, conseguimos
onseguimos separá-los. separá-los. Levei o Gê para um para um
canto, ele ainda resmungando, "aquele nojento, eu quebro a cara daquele cretino"
-- Mas afinal - afinal - perguntei - perguntei - o que está acont está acontecendo? ecendo?
-- Mas você não sabe? Em que planeta você vive, cara? Está todo o mundo falando nis
-- Lá, onde?
(p. 71)
Tinha sumido. M Tinha sumido. Martinha voltava n artinha voltava nesse momento da esse
momento da sala de aula. sala de aula. Também ela esta Também ela estava
procurando o rapaz:
-- Eu acho -- Eu acho que o Zé foi que o Zé foi embora, gente - embora, gente - disse, e sua
disse, e sua preocupação era preocupação era visível. -- Ele visível. -- Ele f
icou muito incomodado com o que o Queco icou muito incomodado com o que o Queco falou.
Esta falou. Estava até chorando. va até chorando.
-- É um gro -- É um grosso, o Queco sso, o Queco - rugiu o Gê - rugiu o Gê. -- Ah, se . -- Ah, se
eu pego esse eu pego esse cara... A gente cara... A gente preci
Mas naquele mom Mas naquele momento eu não e ento eu não estava pensando n stava
pensando no Zé. Estava o Zé. Estava pensando no assa pensando no assalto ao su lto ao su
ne, liguei para casa, rezando para que um dos ne, liguei para casa, rezando para que um dos
dois tava lã: dois atendesse. Felizmente, mamãe es atendesse. Felizmente, mamãe es
-- Tudo bem, -- Tudo bem, Gui. Não se Gui. Não se assuste. Nada a assuste. Nada aconteceu
com pap conteceu com papai. Ele telefonou ai. Ele telefonou, dizen , dizen
Tranqüilo eu nã Tranqüilo eu não podia ficar. o podia ficar. E nem consegui E nem consegui
prestar atenção prestar atenção às aulas. Só às aulas. Só permaneci no co permaneci no colé
io porque papai mais de uma vez io porque papai mais de uma vez tinha me advertido: tinha
me advertido: não falte às aulas por minha ca não falte às aulas por minha cau
Mal soou a Mal soou a campainha, no fim campainha, no fim da tarde, corri da tarde, corri
para casa. Mamã para casa. Mamãe estava lá, e estava lá, à minha esp à minha esp
era; de novo me acalmou, de novo era; de novo me acalmou, de novo garantiu que papai
garantiu que papai estava bem. estava bem.
Voei para a Voei para a televisão. Havia televisão. Havia um noticiário l um noticiário local, as
seis ocal, as seis horas, e eu horas, e eu sabia que el sabia que el
Não deu outra. Não deu outra. Foi a primeira Foi a primeira notícia. Cara notícia. Cara séria, o
apresen séria, o apresentador leu a n tador leu a notícia: otícia:
(p. 72)
as, segundo testemunhas, dirigiu-se ao supermercado Sol-do-Sertão e pediram para f alar com
o gerente. Disseram-se crentes dedicados a divulgar a palavra divina e,
eriormente. Como o gerente se recusasse a atendê-los, houve discussão. Por fim, o s, houve
discussão. Por fim, o ba
r, e depois na direção do grupo. r, e depois na direção do grupo. Uma menina foi fer Uma
menina foi ferida, sem gravidade. Carregando o ida, sem gravidade. Carregando o
produto do saque, o bando regressou para o local produto do saque, o bando regressou para o
local de onde tinha vindo, o bairro c onde tinha vindo, o bairro c
idências tomaria em relação ao assalto. Papai disse que os responsáveis seriam identific
-- Aqueles -- Aqueles que forem que forem culpados respon culpados responderão, perante
derão, perante a lei, por seus por seus atos.
rante demais, segundo alguns políticos e lideres empresariais. O senhor não acha que
chegou o momento de dar chegou o momento de dar um basta a esta situação? um basta a
esta situação? Veja: o Buraco está cheio Veja: o Buraco está cheio de forast de forast
eiros, de desconhecidos, gente que pode até ter antecedentes criminais. Não seria o
caso de dar uma batida naquele lugar? Vou mais caso de dar uma batida naquele lugar? Vou
mais longe: não seria o caso de expulsar e: não seria o caso de expulsar
Sempre tive adm Sempre tive admiração por papai, iração por papai, mas naquele mom mas
naquele momento admirei-o m ento admirei-o mais do que nu ais do que nunca.
Ele foi simplesmente fora de série. Disse que não se podia fazer generalizações perigosa podia
fazer generalizações perigosa
s, que as pessoas devem ser consideradas inocentes até que sua até que sua culpa seja
provada. culpa seja provada.
A investigação seria feita, mas respeitando os direitos das pessoas, entre os eitos das pessoas,
entre os quais
o direito de ir e vir:
(p 73)
-- Qualquer bra -- Qualquer brasileiro tem o sileiro tem o direito de mora direito de morar
onde quiser, r onde quiser, no território no território naciona naciona
l - declarou papai.
dono do supermercado, que estava furioso e chegou a dizer que dizer que "com essa gente, só
à "com essa gente, só à
bala". Também ouviu Fernando Nogueira, dono do shopping e pai do ping e pai do Queco, que
pediu Queco, que pediu
-- Esse homem -- Esse homem é louco, e é louco, e enquanto ele es enquanto ele estiver em
nossa tiver em nossa cidade não ter cidade não teremos sossego. emos sossego.
Pouco depois, p Pouco depois, papai chegou em apai chegou em casa. O cansaç casa. O
cansaço e a tensão o e a tensão eram visíveis ne eram visíveis nele. Tentei le. Tentei
animá-lo, dizendo que ele havia se saído muito bem na entrevista. Abanou a cabeça:
entrevista. Abanou a cabeça:
-- Não tenho ilusões, tenho ilusões, Gui. Essa Gui. Essa coisa não coisa não vai terminar vai
terminar bem.
Sabia do que Sabia do que estava falando. estava falando. Cinco minutos d Cinco minutos
depois tocou o epois tocou o telefone. Atendi, telefone. Atendi, e
-- Quero falar -- Quero falar com seu pai - com seu pai - disse, no vozei disse, no vozeirão que
era rão que era sua marca registr sua marca registrada.
Durante dez min Durante dez minutos papai ficou utos papai ficou ao telefone. Sem ao
telefone. Sem falar, só escut falar, só escutando. Por fim, ando. Por fim, c
to pode lhe custar muito caro. Pediu-me para prende -- Quer dar -- Quer dar logo uma
respost logo uma resposta para a míd a para a mídia e para os ia e para os políticos. Diz q r
Jesuíno Pregador por r Jesuíno Pregador por instigar políticos. Diz que esse assal ue esse assal
instigar
os saques.
-- E foi ele foi ele quem instig quem instigou os saques? - saques? - perguntei. perguntei.
-- Não. -- Não. Que se saiba, não. saiba, não. Mas ele Mas ele é o chefe da hefe da seita. E
seita. E
tem muita gente na cidade que o tem muita gente na cidade que o odeia - o Fernando odeia -
o Fernando Nogueira é um exemplo. Foi ele Nogueira é um exemplo. Foi ele
quem sugeriu ao prefeito que eu prendesse o Jesuíno. E o prefeito, claro, diz amém: o prefeito,
claro, diz amém:
-- E o que você vai você vai fazer? - fazer? - perguntou m perguntou mamãe.
(p. 74)
-- Vou fazer -- Vou fazer o que deve o que deve ser feito: vou ser feito: vou investigar o
investigar o caso. O Pedro caso. O Pedro está lá no está lá no Burac
o, interrogando moradores. E vou seguir a lei. Prendo quem tiver do quem tiver de ser preso -
de ser preso -
dentro da lei.
Minha mãe queri Minha mãe queria conversar mais a conversar mais sobre o assunto, sobre
o assunto, mas papai disse mas papai disse que não podia, que não podia, não
tinha tempo: precisava voltar à delegacia. Comeu rapidamente e saiu. Mamãe estava fr
ancamente apreensiva:
-- Seu pai -- Seu pai é um homem de é um homem decente, correto. cente, correto. Só espero
que Só espero que esses caras não esses caras não o transformem o transformem
-- Você -- Você quer que quer que eu vá a eu vá até a del té a delegacia? - egacia? - perguntei.
perguntei.
-- Para quê?
-- Sei lá. Para lá. Para o caso d o caso de ele pr e ele precisar de ecisar de ajuda... ajuda...
-- Não sei -- Não sei se você poderia se você poderia ajudar muito. ajudar muito. Não, não
quero Não, não quero que você vá à que você vá à delegacia. Fique delegacia. Fique comi
o. Durante dezesseis anos eu cuidei de você. Hoje preciso que reciso que você cuide de mim.
você cuide de mim.
Ficamos ali sen Ficamos ali sentados, conversando, tados, conversando, até que ela, até que
ela, cansada, adormeceu cansada, adormeceu sobre o sofá. sobre o sofá. T
irei-lhe os sapatos, fui buscar um lençol para cobri-la. Deitei-me, li um i-la. Deitei-me, li um
pouco de pouco de
Os sertões. E adormeci, rezando para que não Os sertões. E adormeci, rezando para que não
precisássemos de um Euclides em nossa ci sássemos de um Euclides em nossa ci
dade.
(p. 75)
10. Em busca do Zé
Não tínhamos ma Não tínhamos marcado reunião par rcado reunião para a manhã se a a
manhã seguinte, e foi guinte, e foi bom. Eu havia bom. Eu havia dormido muito dormido muito
mal à noite; só de madrugada consegui conciliar o sono. Quando acordei já era bem tard
Quando acordei já era bem tard
e. Mamãe já tinha saído e papai e. Mamãe já tinha saído e papai também - ou passara também
- ou passara a noite na delegacia. Liguei pa a noite na delegacia. Liguei para lá - ra lá -
mas, como era de esperar, o mas, como era de esperar, o telefone estava consta telefone
estava constantemente ocupado. Quando fina ntemente ocupado. Quando fina
lmente consegui a ligação, o delegado auxiliar disse que papai estava interrogando u
-- Mas vou dizer vou dizer que você que você ligou, fique ligou, fique tranqüilo - tranqüilo -
acrescentou. acrescentou.
Comi alguma coi Comi alguma coisa e saí. Min sa e saí. Minha idéia era ha idéia era dar uma
volta dar uma volta antes de ir antes de ir para o colégio para o colégio, p
ara arejar as idéias. Mas aí passei na ara arejar as idéias. Mas aí passei na banca de jor banca
de jornais - e lá estava o Diário de Sertãozi nais - e lá estava o Diário de Sertãozi
nho com uma manchete em letras garrafais: "Um novo Antônio Conselheiro?". Havia um
a foto de fiéis rezando, outra do saque a foto de fiéis rezando, outra do saque ao supermer ao
supermercado, mas nenhuma do Jesuíno Preg cado, mas nenhuma do Jesuíno Preg
-- Seu pai -- Seu pai está com o ma está com o maior pepino, hein ior pepino, hein, garoto? - ,
garoto? - disse seu Antônio disse seu Antônio, dono da ba , dono da ban
ca. E, meio arrependido, tratou de me consolar: -- Mas pode deixar que ele tira pode deixar
que ele tira
de letra. Todo o mundo sabe que de letra. Todo o mundo sabe que ele é ótimo delegad ele é
ótimo delegado. Um dos melhores da Bahia, se o. Um dos melhores da Bahia, se não
for o melhor.
(p. 76)
Comprei o jorna Comprei o jornal e fui até l e fui até o Parque da o Parque da Alegria, o ma
Alegria, o maior e mais t ior e mais tranqüilo da cidad ranqüilo da cidade
. Sentei num banco, abri o jornal para . Sentei num banco, abri o jornal para ler a report ler a
reportagem sobre o saque ao superme agem sobre o saque ao superme
rcado. Era uma matéria assinada por Bento Assis, um jornalista ainda jovem e jornalista ainda
jovem e talen
toso. Eu já tinha lido uma série toso. Eu já tinha lido uma série de reportagens cha de
reportagens chamada "Lembranças de Canudos", em mada "Lembranças de Canudos", em qu
e ele entrevistava antigos moradores da região que falavam sobre a campanha contra
tes que chegam à nossa cidade são levados para tes que chegam à nossa cidade são levados
para ver "A Vila Buraco "A Vila Buraco está longe de está longe de ser o cartão-po ser o
cartão-postal de Sertãozi stal de Sertãozinho de Baixo. ver o shopping, o novo prédio da Prefei
o shopping, o novo prédio da nho de Baixo. Os visitan Os visitan Prefei
tura, o Parque da Alegria. No Buraco, como o tura, o Parque da Alegria. No Buraco, como o
lugar é chamado, nada existe para se é chamado, nada existe para se
"Mas alguma coi "Mas alguma coisa mudou no B sa mudou no Buraco. De uns uraco. De uns
tempos para cá tempos para cá, a Vila tem , a Vila tem estado em c estado em c
onstante ebulição. Cuja origem é um homem chamado Jesuíno Pregador. Quem é Jesuíno
Pregador?
"Ninguém sabe d "Ninguém sabe dizer ao certo, izer ao certo, e ele se r e ele se recusa a dar
ecusa a dar entrevistas. Que entrevistas. Que é de nossa r é de nossa re
gião, nota-se pelo sotaque. Parece um homem culto, articulado; fala bem, é um articulado; fala
bem, é um orador
nato e tem a nato e tem a figura de um pregador - barba e figura de um pregador - barba e
cabelos pretos, olh cabelos pretos, olhos negros, bril os negros, bril
hantes. Usa sempre uma túnica escura, o que contribui para reforçar a ui para reforçar a
imagem de asce imagem de asce
ta.
são poucos os que choram, não são poucos os que choram, não são poucos os que se são
poucos os que se prostram no chão. E o que preg prostram no chão. E o que prega Jesuín a
Jesuín
o? Como outros pregadores desse tipo, anuncia que o fim está próximo. Mas não se limit está
próximo. Mas não se limit
a a previsões apocalípticas: diz que as pessoas devem se ajudar umas às outras, que de ajudar
umas às outras, que de
vem se unir. E isso, sem vem se unir. E isso, sem dúvida, contribui para ref dúvida, contribui
para reforçar a sua autoridade. orçar a sua autoridade.
"A miséria no "A miséria no Buraco continua Buraco continua a mesma, mas a mesma, mas
Jesuíno já cr Jesuíno já criou uma pequena iou uma pequena escola, uma escola, uma creche,
um ateliê onde trabalham várias bordadeiras e um ambulatório, atendido por um
ica injeções.
(p. 77)
"Jesuíno tem fi "Jesuíno tem fiéis e tem 'di éis e tem 'discípulos. Estes, scípulos. Estes, não por
coincid não por coincidência em número ência em número de doze, conv de doze, convi
vem com ele mais estreitamente. São os 'discípulos' que organizam as pregações, são eles que
organizam as pregações, são eles t
ambém que recolhem as doações. Diz-se que Jesuíno pretende construir, aqui no Buraco, um
grande templo.
"A esta altura, "A esta altura, a história já a história já deve estar par deve estar parecendo
familiar ecendo familiar aos leitores. Uma aos leitores. Uma perg
unta se impõe: estamos diante de um novo unta se impõe: estamos diante de um novo
António Co António Conselheiro? E esta pergunta ganha nselheiro? E esta pergunta ganha
melhanças:
a madeira que ele comprou e a madeira que ele comprou e não recebeu; ameaçou e não
recebeu; ameaçou então invadir a cidade de juaz ntão invadir a cidade de juazeiro.
E possível que o ataque ao supermercado seja o E possível que o ataque ao supermercado seja
o equivalente dessa ameaça?" valente dessa ameaça?"
E concluía E concluía com uma com uma advertência advertência sombria, sombria, ainda
que ainda que sensacionalista: sensacionalista:
"Se for assim, "Se for assim, a cidade pode a cidade pode se preparar par se preparar para um
conflito a um conflito de grandes prop de grandes proporções." orções."
Preocupado, fui Preocupado, fui para o colégio. para o colégio. Passei pela sala Passei pela
sala de professores de professores e lá estava o e lá estava o Arma
-- Pode ficar -- Pode ficar nisso - respon nisso - respondeu. -- Ou p deu. -- Ou pode ser o es
ode ser o estopim para uma topim para uma coisa maior coisa maior
Perguntou por m Perguntou por meu pai. Contei eu pai. Contei o que tinha o que tinha
sucedido, ele sucedido, ele balançou a cabeça balançou a cabeça:
-- Diga a s -- Diga a seu pai que, s eu pai que, se for necessário e for necessário, ele pode c ,
ele pode contar comigo. Org ontar comigo. Organizaremos anizaremos
-- Eu também -- Eu também tenho uma notíc tenho uma notícia para você. ia para você. E não
é um E não é uma notícia boa. a notícia boa.
(p. 78)
Abriu a Abriu a pasta, tirou pasta, tirou dali uma dali uma folha de folha de papel:
-- Foi colocado deba colocado debaixo da minha por minha porta, hoje ta, hoje cedo.
Era uma Era uma carta d carta do Zé, escrita escrita à mão.
Dizia que não Dizia que não tinha mais con tinha mais condições de freqüe dições de
freqüentar a escola, ntar a escola, por isso não por isso não viria mais. P viria mais. Pedi
a desculpas à direção, que tinha confiado nele, agradecia aos professores e solicitava
Gê e eu.
-- Mas -- Você -- Mas você não -- Você tem idéia você não sabe? - tem idéia do que sabe? -
eu, surp do que aconteceu? - eu, surpreso. aconteceu? - perguntou o reso. perguntou o
Armando. Armando.
-- Não. Não -- Não. Não viemos ao colégi viemos ao colégio ontem, nem o ontem, nem eu
nem a Cí eu nem a Cíntia. A coitada ntia. A coitada estava bem do estava bem doente,
tive de ficar cuidando dela. O tive de ficar cuidando dela. O que houve? que houve?
Contei o Contei o incidente e incidente entre Queco ntre Queco e Zé e concluí: e concluí:
-- O Zé dev -- O Zé deve ter achado e ter achado que não pode que não pode vir mais ao vir
mais ao colégio ou vai colégio ou vai se transformar nu se transformar num b
ode expiatório. Que vai pagar o pato por ode expiatório. Que vai pagar o pato por tudo.
-- Mas isso -- Mas isso está errado, Gui está errado, Gui. Não podemos . Não podemos
permitir que o permitir que o Zé deixe o c Zé deixe o colégio assim. Se olégio assim. Será
um fracasso - não para ele, para um fracasso - não para ele, para todos nós. E uma v todos nós.
E uma vergonha. ergonha.
Eu estava de Eu estava de acordo, mas o acordo, mas o que poderia s que poderia ser feito?
Foi er feito? Foi o que perguntei o que perguntei a Armand a Armand
o, Ele pensou um pouco e o, Ele pensou um pouco e ia responder, quando Marti ia responder,
quando Martinha entrou na sala. Arman nha entrou na sala. Armando m
ostrou-lhe a carta, ela leu. Terminada a leitura, olhou-me - e lhou-me - e havia lágrimas em s
havia lágrimas em s
eus olhos.
-- Nós vamos -- Nós vamos atrás dele, Gui atrás dele, Gui - disse ela. - disse ela. -- Atrás do --
Atrás do Zé. Vamos falar Zé. Vamos falar com ele, vamos com ele, vamos c
onvencê-lo a mudar de idéia. -- Tudo -- Tudo bem - e bem - eu disse. u disse. -- Mas, -- Mas,
onde? Onde onde? Onde vamos encontr vamos encontrá-lo?
em polvorosa. Pelo que o Gui contou, é em polvorosa. Pelo que o Gui contou, é possível que
possível que a polícia esteja lá. Será que é uma bo a polícia esteja lá. Será que é uma boa
(p. 79)
-- Se você -- Se você não me acompanha, não me acompanha, Gui - disse, Gui - disse, numa
voz firme numa voz firme, decidida -, , decidida -, eu vou sozin eu vou sozin
ha.
Claro que Claro que eu a acompanharia. Afi acompanharia. Afinal, eu nal, eu também queria
também queria o Zé de volta. e volta.
Fomos atrás del Fomos atrás dele, na sala de e, na sala de aula. Gê não aula. Gê não só topou
como só topou como resolveu levar ju resolveu levar junto a direção nto a direção do
grêmio estudantil, composta por quatro colegas:
-- O Zé vai -- O Zé vai ver que tem ver que tem o apoio de t o apoio de todos nós. Que odos
nós. Que o Queco é o Queco é a exceção, não a exceção, não a regra. a regra.
Não poderíamos Não poderíamos faltar às aulas, faltar às aulas, inclusive porque inclusive
porque tínhamos provas tínhamos provas naquela tarde, m naquela tarde, mas tão
logo soou a campainha, reunimo-nos na porta do colégio e seguimos, juntos, para o seguimos,
juntos, para o
Eu nunca tinha Eu nunca tinha ido lá. Claro, ido lá. Claro, muitas vezes h muitas vezes havia
passado pel avia passado pelo local, mas o local, mas só de car só de car
ro. Agora, não. Agora nós estávamos entrando no reduto da miséria em uto da miséria em
nossa cidade, De im nossa cidade, De im
e Euclides não conhecera -- as barracas de lona e Euclides não conhecera -- as barracas de lona
plástica preta. E gente, muita gente stica preta. E gente, muita gente
nos olhavam, desconfiadas, o que não era de admirar: afinal, éramos forasteiros. Nós,
para dizer o mínimo, não nos sentíamos à para dizer o mínimo, não nos sentíamos à vontade al
vontade ali. Nada à vontade. i. Nada à vontade.
são de casebres?
Na ficha do Na ficha do colégio, que tiv colégio, que tivéramos o cuidado éramos o cuidado de
consultar an de consultar antes de sair, tes de sair, constava constava
a dele era Maria Gonçalves, mas quantas donas Marias haveria ali?
De qualquer mod De qualquer modo, fomos pergunta o, fomos perguntando a um, a ndo a
um, a outro, a pessoas outro, a pessoas que nos olhavam que nos olhavam d
as janelas, das portas. Ninguém sabia de Maria Gonçalves. Ninguém sabia de Zé. alves.
Ninguém sabia de Zé. Já estava e Já estava e
scurecendo quando um dos rapazes do grêmio, o Silvinho, ponderou que talvez fosse
melhor deixar a busca para a manhã seguinte. Martinha, porém, não queria ha, porém, não
queria desistir, e l desistir, e l
ogo se criou um impasse.
(p. 80)
Nesse momento, Nesse momento, uma mulher, que uma mulher, que vinha pelo be vinha
pelo beco, parou para co, parou para nos observar. nos observar. Já de i Já de i
dade, era pequena, magrinha. Tinha a cabeça coberta por um xale por um xale escuro.
Mostrou as escuro. Mostrou as
Respondi que Respondi que não, que -- Vocês não são daqui do -- Vocês não são daqui do
Buraco, são? não, que estávamos ali estávamos ali procurando o Buraco, são?procurando o
José Gonçalves, José Gonçalves, Zé.
-- Não conheço. -- Não conheço. Eu também não Eu também não sou daqui. Mor sou daqui.
Morava perto de ava perto de Juazeiro... Vim Juazeiro... Vim para cá por para cá por cau
sa do Pregador, do Jesuíno.
Nesse momento o Nesse momento outro de nossos utro de nossos colegas, o Tel colegas, o
Telmo - conhecido mo - conhecido pela língua so pela língua solta - c lta - c
-- Quer -- Quer dizer que dizer que a senhora a senhora anda com anda com esses fanát esses
fanáticos... icos...
Quis se desculpar, mas já era tarde: a Quis se desculpar, mas já era tarde: a palavra já l palavra
já lhe tinha escapado da boca. A mu he tinha escapado da boca. A
lher olhou-o para nossa surpresa, não mostrava qualquer irritação. Ao contrário, sorriu:
-- Fanático? É, -- Fanático? É, assim que o assim que o pessoal da cidad pessoal da cidade nos
chama. e nos chama. Nós dizemos que Nós dizemos que somos crent somos crent
es. Porque a gente acredita, sabe? A gente acredita nas coisas que o Jesuíno nos d coisas que o
Jesuíno nos d
iz. O Jesuíno nos dá esperança, sabe, moço? Ele iz. O Jesuíno nos dá esperança, sabe, moço?
Ele -
Interrompeu-se:
-- Mas por -- Mas por que estou contand que estou contando isso? Vocês o isso? Vocês
podem ver com podem ver com os próprios olhos os próprios olhos. Venham . Venham
comigo.
na hora.
O que de imediato ge ediato gerou uma rou uma discussão. discussão.
-- Nós viemos -- Nós viemos aqui procurar aqui procurar o Zé - prote o Zé - protestava
Martinha - stava Martinha -, não para ve , não para ver o Pregador. r o Pregador.
Mas o Gê, q Mas o Gê, que no fundo e ue no fundo estava ansioso po stava ansioso por
conhecer o r conhecer o tal Templo, pond tal Templo, ponderou que lá erou que lá p
oderíamos perguntar pelo Zé - e para mais gente. oderíamos perguntar pelo Zé - e para mais
gente. Relutante ainda, Martinha se deixou lutante ainda, Martinha se deixou
convencer.
(p. 81)
Fomos. O Templo Fomos. O Templo ficava a uma ficava a uma pequena distância pequena
distância dali. Era, co dali. Era, como eu já tinh mo eu já tinha imagina a imagina
do, um enorme barracão de madeira, fracamente iluminado por umas poucas lâmpadas. Es
tava cheio: homens, mulheres, crianças sentados em fileiras de bancos rústicos, à fren
-- Daqui a -- Daqui a pouco vai começar pouco vai começar - disse a m - disse a mulher. -
Ouçam ulher. - Ouçam com atenção as com atenção as palavras do nos palavras do noss
Foi sentar junt Foi sentar junto a uns conhe o a uns conhecidos. Nós ficam cidos. Nós ficamos
por ali, os por ali, de pé, aguardando de pé, aguardando. Alguns . Alguns
jovens, rapazes e moças, subiram ao tablado. Como os discípulos, usavam túnicas, mas não
eram discípulos: eram o coro. Logo começaram a eram discípulos: eram o coro. Logo
começaram a entoar cânticos religiosos, que a platéi oar cânticos religiosos, que a platéi
Não vou Não vou negar: era negar: era emocionante v emocionante ver aquela er aquela
gente sofrida gente sofrida manifestando uma manifestando uma alegria alegria
que deveria ser rara em que deveria ser rara em suas vidas. suas vidas.
rinho de uma criança, no meio da rinho de uma criança, no meio da multidão. multidão.
A reação das A reação das pessoas foi ind pessoas foi indescritível. Puseram- escritível.
Puseram-se de pé, ap se de pé, aplaudindo, rindo, laudindo, rindo, chorando, chorando,
ira negra rev ira negra revolta, a barba, olta, a barba, também escura, também escura,
chegando ao pei chegando ao peito, e a to, e a túnica preta... túnica preta... E
Jesuíno ergueu Jesuíno ergueu os braços - e os braços - e, de novo, f , de novo, fez-se silêncio.
ez-se silêncio. E aí ele come E aí ele começou a pregar. çou a pregar. A voz
e um orador.
(p. 82)
O que dizia O que dizia não era muito não era muito diferente de p diferente de pregações
semelhantes regações semelhantes que eu ouvira, que eu ouvira, até pelo rád até pelo rád
io: "o fim está próximo", "o pecado invade o io: "o fim está próximo", "o pecado invade o
mundo", "arrependei-vos"... Havia, cont , "arrependei-vos"... Havia, cont
issem, que se ajudassem umas às outras, que formassem uma comunidade. E em uma
comunidade. E suas palav suas palav
ras eram escutadas com enlevo e até com ras eram escutadas com enlevo e até com adoração
po adoração por aquela gente humilde. r aquela gente humilde.
-- Não admira -- Não admira que o cara que o cara tenha tanta pop tenha tanta popularidade
-- com ularidade -- comentou baixinho o entou baixinho o Gê. -- El Gê. -- El
atamente formou-se uma fila, muito bem organizada. As pessoas chegavam junto ao
Pregador, ajoelhavam-se, beijavam o crucifixo, recebiam uma biam uma benção cio homem,
deposi benção cio homem, deposi
tavam uma contribuição num cesto de vime e saíam. Chegou a vez da velhinha com quem tính
a vez da velhinha com quem tính
amos falado; e aí ela falou ao amos falado; e aí ela falou ao ouvido de Jesuíno, a ouvido de
Jesuíno, apontando para nos. O homem olho pontando para nos. O homem olhounos, disse
qualquer coisa a um dos discípulos. Que de imediato veio em nossa direção. imediato veio em
nossa direção.
-- Deus do -- Deus do céu - disse M céu - disse Martinha, assustada artinha, assustada -, acho
que -, acho que estamos metidos estamos metidos em confusão em confusão
-- Mestre Jesuí -- Mestre Jesuíno pede que v no pede que vocês não vão ocês não vão embora
- disse embora - disse o homem, educadam o homem, educadamente. - Ele ente. - Ele g
Esperamos mais Esperamos mais um pouco. Finalme um pouco. Finalmente, o Templo nte, o
Templo se esvaziou e se esvaziou e o Pregador veio o Pregador veio em
nossa direção, todos nós muito tensos. De perto, contudo, o ontudo, o homem já não parecia
tão impone homem já não parecia tão impone
nte; na verdade era até magrinho, frágil. E foi nte; na verdade era até magrinho, frágil. E foi
amável:
-- Bem-vindos a esta casa de oração - -- Bem-vindos a esta casa de oração - disse, sorrid disse,
sorridente.
Fez com Fez com que sentásse que sentássemos num mos num banco; olhou banco; olhou-
nos, atenta -nos, atentamente. -- É a prim -- É a primeira vez que eira vez que vejo vocês por
vejo vocês por aqui. Devo im aqui. Devo imaginar que se aginar que se tornaram crentes
tornaram crentes
(p. 83)
-- Sei, -- Sei, sei. Não sei. Não precisa explica precisa explicar. Posso r. Posso imaginar a
imaginar a razão de razão de vossa vinda. vossa vinda.
s de escola...
-- Colégio Hori -- Colégio Horizonte? Conheço. - zonte? Conheço. -- E então al - E então algo
lhe ocorreu go lhe ocorreu e ele nos e ele nos olhou, e em olhou, e em seu
olhar havia uma estranha mistura de esperança e olhar havia uma estranha mistura de
esperança e ansiedade. -- Tem um rapaz que es siedade. -- Tem um rapaz que es
tuda no Horizonte -
Interrompeu-se:
-- Não tem -- Não tem importância. Esqueçam importância. Esqueçam. - Mudou de . - Mudou
de assunto: -- Dig assunto: -- Digam, então: qual am, então: qual o objetivo o objetivo
de vossa visita?
Pigarreando, Gê Pigarreando, Gê tomou a palavra. tomou a palavra. Não falou no Não falou
no Zé; em vez Zé; em vez disso, começou a disso, começou a dar sua opin dar sua opin
ião sobre o que tinha visto ali ião sobre o que tinha visto ali no lugar. E aí se e no lugar. E aí se
entusiasmou e lá pelas tantas era ntusiasmou e lá pelas tantas era um
discurso - que poderia até ofender o discurso - que poderia até ofender o homem, Gê fal
homem, Gê falando o tempo todo em crendices e ando o tempo todo em crendices e
superstições. Meio apreensivo, eu estava vendo a hora que os discípulos, alguns deles
bem reforçados, iam nos tocar para fora a tapas; bem reforçados, iam nos tocar para fora a
tapas; mas Jesuíno o ouvia com atenção, impassív s Jesuíno o ouvia com atenção, impassív
el.
-- Você -- Você fala como fala como um jovem um jovem descrente - descrente - disse, por
disse, por fim.
-- E, como -- E, como todos os descrent todos os descrentes, você é e es, você é egoísta. Você,
pr goísta. Você, provavelmente, tem ovavelmente, tem o que comer o que comer e
o que vestir, você deve o que vestir, você deve morar numa casa confortáve morar numa casa
confortável; mas os moradores da Vi l; mas os moradores da Vila Burac la Burac
o não têm nada. O que o não têm nada. O que eu lhes ofereço é o infinito eu lhes ofereço é o
infinito conforto da palavra di conforto da palavra divina. O que eu vina. O que eu
lhes ofereço é um caminho para que escapem à lhes ofereço é um caminho para que escapem
à tentação do pecado. O que eu ofereço é a esperan ão do pecado. O que eu ofereço é a
esperan
da redenção - a redenção que virá no da redenção - a redenção que virá no Juízo Final! Juízo
Final!
entos atrás. Agora, havia um brilho alucinado em seu olhar. Agora gritava u olhar. Agora
gritava e esbrav e esbrav
(p. 84)
-- Mas você - prosseguiu prosseguiu Jesuíno Jesuíno -, você está falando falando como quem
renunciou renunciou à virtude. virtude. É a
voz do demônio que eu voz do demônio que eu ouço. Mas não vos enganeis: ouço. Mas não
vos enganeis: ardereis nas chamas do ardereis nas chamas do inferno! E a
gora, ide!
Não é preciso Não é preciso dizer que imed dizer que imediatamente batemos iatamente
batemos em retirada - em retirada - seguidos pelos di seguidos pelos discípulo scípulo
s, que seguramente queriam estar certos de que deixaríamos o Templo. Precaução que não
aríamos o Templo. Precaução que não e
ra nem um pouco necessária: ali não ficaríamos nem mais um segundo. um segundo.
Andamos uns duz Andamos uns duzentos metros e entos metros e chegamos ao lu chegamos
ao lugar onde tínhamo gar onde tínhamos encontrado a s encontrado a velhi
nha. Ali nos detivemos, ofegantes. Eu estava furios -- Só você -- Só você mesmo para provoc
mesmo para provocar o cara da ar o cara daquele jeito. Voc quele jeito. Você não viu que o
com o Gê: ê não viu que o sujeito é o sujeito é pertur
bado?
-- Perturbado o -- Perturbado ou não, isso é u não, isso é problema dele, problema dele, Gui.
Agora, enga Gui. Agora, enganar esse povo nar esse povo com aque com aque
la conversa de virtude e pecado - essa la conversa de virtude e pecado - essa não! Essa eu não!
Essa eu não engulo de jeito nenhum! O Co não engulo de jeito nenhum! O Co
nselheiro era um líder - esse cara é nselheiro era um líder - esse cara é um enganador! um
enganador!
-- Enganador pa -- Enganador para você. Para ra você. Para o pessoal daqui o pessoal daqui do
Buraco, o do Buraco, o Jesuíno é impor Jesuíno é importante.
A discussão pro A discussão prosseguiu por uns sseguiu por uns bons cinco mi bons cinco
minutos, até que nutos, até que Martinha deu u Martinha deu um berro: m berro:
-- Caso -- Caso vocês t vocês tenham esq enham esquecido, uecido, deixem-me deixem-me
lembrá-los: lembrá-los:
nós não viemos aqui para discutir o que nós não viemos aqui para discutir o que faz o Jesuí faz
o Jesuíno, nós viemos aqui para achar o Zé! O no, nós viemos aqui para achar o Zé! O
Olhamo-nos, atônitos Olhamo-nos, atônitos: verdade, tínha : verdade, tínhamos até esquecid
mos até esquecido o Zé. E o o Zé. E precisávamos encont precisávamos encontrá-lo. Ma rá-lo.
Ma
s como?
, talvez indo para casa. Ia, como de , talvez indo para casa. Ia, como de costume, de ca
costume, de cabeça baixa, mergulhado em seus beça baixa, mergulhado em seus
(p. 85)
A primeira reaç A primeira reação dele foi d ão dele foi de susto. Imobili e susto. Imobilizou-
se, como um zou-se, como um bicho acuado. Mas bicho acuado. Mas então
avistou Martinha. Hesitou um instante, e aí, como que impulsionado por uma mola, ue
impulsionado por uma mola, v
eio correndo em direção a ela, e eio correndo em direção a ela, e os dois se abraçar os dois se
abraçaram, ela em prantos. Nós observáva am, ela em prantos. Nós observávamos a
cena e eu confesso que estava bastante emocionado. O Gê também, aliás. Mas ele não deixa
também, aliás. Mas ele não deixa
va de ser o líder. Dirigindo-se ao Zé, va de ser o líder. Dirigindo-se ao Zé, intimou-o, a intimou-
o, ainda que afetuosamente: inda que afetuosamente:
-- Você não -- Você não pode abandonar o pode abandonar o colégio. Ainda colégio. Ainda
mais por causa mais por causa de uma besteir de uma besteira, de uma b a, de uma b
obagem que aquele Queco disse a você. O obagem que aquele Queco disse a você. O cara fala
p cara fala por falar, é um idiota. Você tem de or falar, é um idiota. Você tem de
dar a volta por cima! Mesmo porque, sem dar a volta por cima! Mesmo porque, sem você, o
col você, o colégio não é a mesma coisa. égio não é a mesma coisa.
Zé, cabeça baix Zé, cabeça baixa, não dizia a, não dizia nada, só escutav nada, só escutava.
Martinha colo a. Martinha colocou a mão no cou a mão no ombro dele: ombro dele:
-- E não es -- E não esqueça que nós queça que nós temos uma taref temos uma tarefa para
terminar: a para terminar: apresentar aos n apresentar aos nossos coleg ossos coleg
as a figura de Antônio Conselheiro. Estamos quase no fim, lembra? Eu o fim, lembra? Eu agora
quero d agora quero d
ar a redação final ao texto. Mas ar a redação final ao texto. Mas não vou fazer isso não vou
fazer isso sem você. Você é importante, Zé. sem você. Você é importante, Zé.
Ela riu:
-- Claro que -- Claro que é, seu bobo. é, seu bobo. Você é importa Você é importante para os
nte para os seus colegas, par seus colegas, para os seus pr a os seus profe
ssores.
Emocionado, ele Emocionado, ele baixou os olhos. baixou os olhos. Quando levantou Quando
levantou a cabeça, tinha a cabeça, tinha tomado a resoluç tomado a resolução:
(p. 86)
-- Grande, Zé, -- Grande, Zé, eu sabia que eu sabia que podia confiar em podia confiar em
você, você é você, você é um grande cara, um grande cara, eu adoro você. eu adoro você.
-- E tem ma -- E tem mais - disse el is - disse ele. -- Até ag e. -- Até agora, o trabalho ora, o
trabalho foi todo de foi todo de vocês, eu pratica vocês, eu praticam
ente não fiz nada. Mas agora quem vai ente não fiz nada. Mas agora quem vai falar sobre C
falar sobre Canudos sou eu. De acordo? anudos sou eu. De acordo?
-- E ta -- E tarde - di rde - disse ele. sse ele. -- Acho -- Acho melhor vocês melhor vocês
voltarem para voltarem para casa.
Mas Gê ainda Mas Gê ainda queria conversar, queria conversar, queria contar queria contar
ao Zé sobre ao Zé sobre o encontro que o encontro que tivéramos co tivéramos co
-- Desculpe - -- Desculpe - ele disse, sec ele disse, seco -, mas não o -, mas não quero falar sob
quero falar sobre esse assunto. re esse assunto.
-- Porque -- -- Porque não. Por -- Por que não? não. Por favor, nã não? - Gê, su favor, não
perguntem. , surpreso. rpreso. o perguntem. E agora, E agora, vão.
Virou as costas Virou as costas e sumiu num e sumiu num beco. Nós ficamo beco. Nós ficamos
ali parados, s ali parados, surpresos - e surpresos - e conster conster
nados.
Confesso que nã Confesso que não entendi - d o entendi - disse Gê. -- isse Gê. -- Você sabe
por Você sabe por que ele ficou que ele ficou contrariado, Mar contrariado, Mar
tinha?
Ela não Ela não respondeu. "Acho respondeu. "Acho melhor irmos melhor irmos embora",
disse embora", disse, e fomo , e fomos embora. s embora.
Cheguei em casa Cheguei em casa tarde. O que tarde. O que me valeu uma me valeu uma
repreensão de repreensão de mamãe, que me mamãe, que me esperava aco esperava aco
rdada. Repreensão que aceitei feliz: é bom ter mãe que espera por nós. Mesmo repreendend
espera por nós. Mesmo repreendend
o.
(p. 87)
Quando acordei, Quando acordei, na manhã seguint na manhã seguinte, encontrei pap e,
encontrei papai na cozinha, ai na cozinha, tomando café. tomando café. Pergu
ntei por mamãe. -- Saiu cedo. -- Saiu cedo. Foi ver um Foi ver um paciente que nã paciente
que não está bem. o está bem. --Tomou um gole --Tomou um gole de café. -- de café. -- E vo
cê? Onde é que você estava ontem cê? Onde é que você estava ontem à noite? Você não à
noite? Você não veio jantar, nem telefonou. Ficam veio jantar, nem telefonou. Ficamos preoc
os preoc
upados.
Contei que Contei que tínhamos ido tínhamos ido ao Buraco, ao Buraco, atrás do atrás do Zé.
-- Um belo -- Um belo gesto - disse gesto - disse ele. -- Mas ele. -- Mas convenhamos que
convenhamos que aquele não é aquele não é exatamente um b exatamente um bo
-- Bom, a M -- Bom, a Martinha achou que artinha achou que não havia outra não havia outra
alternativa. Faland alternativa. Falando em situação, o em situação, como é
das grades. Diz que, se eu não das grades. Diz que, se eu não tomar essa iniciativ tomar essa
iniciativa, vai chamar a polícia militar a, vai chamar a polícia militar p
ara fazê-lo.
(p. 88)
-- Como você -- Como você é intrometido, é intrometido, Gui. Cuide do Gui. Cuide do seu
trabalho s seu trabalho sobre Antônio Cons obre Antônio Conselheiro e d elheiro e d
eixe que eu faço o meu.
Levantou-se:
ra um grande pai, ele, mas talvez por ra um grande pai, ele, mas talvez por causa de sua causa
de sua atividade aprendera a não exter atividade aprendera a não exter
nar emoções. Se o fizera naquele momento, devia ser por alguma razão muito especial. Q
alguma razão muito especial. Q
ue certamente tinha a ver com a ue certamente tinha a ver com a angustiante situaçã
angustiante situação que estava vivendo. o que estava vivendo.
Terminei de tom Terminei de tomar o café, la ar o café, lavei a louça vei a louça - era uma re -
era uma regra lá em ca gra lá em casa: o último sa: o último a sair ti a sair ti
nha de deixar tudo em ordem - nha de deixar tudo em ordem - e fui para o apartame e fui para
o apartamento da Martinha. nto da Martinha.
-- Ainda é -- Ainda é cedo. Daqui a cedo. Daqui a pouco ele chega pouco ele chega. -- E acres .
-- E acrescentei, em tom centei, em tom de brincadeir de brincadeir
a: -- Você está ansiosa, mesmo. Tudo isso é a: -- Você está ansiosa, mesmo. Tudo isso é paixão?
paixão?
Ela ficou verme Ela ficou vermelha, o que nã lha, o que não deixou de o deixou de me
surpreender: me surpreender: Martinha podia se Martinha podia ser qualq r qualq
uer coisa, menos tímida. Era a primeira vez que uer coisa, menos tímida. Era a primeira vez que
eu a via enrubescer, o que me conv a via enrubescer, o que me conv
enceu - eu acertara no alvo. Coisa que enceu - eu acertara no alvo. Coisa que ela tratou d ela
tratou de negar: e negar:
-- Deixe de -- Deixe de bancar o casamen bancar o casamenteiro, Gui. Só teiro, Gui. Só estou
preocupada estou preocupada porque nos compro porque nos compromet
emos a apresentar este trabalho na Semana de Cultura e já não nos resta muito tempo. já não
nos resta muito tempo.
Por isso espero que o Por isso espero que o Zé não falte. Zé não falte.
Justamente ness Justamente nesse momento e momento soou a campainha. Era campainha.
Era ele, pedindo ele, pedindo desculpas pelo desculpas pelo atr
aso:
-- A gente que gente que mora longe mora longe às vezes às vezes demora... demora...
(p. 89)
-- Vamos lá -- Vamos lá - comandou Marti - comandou Martinha, para disfar nha, para
disfarçar o embaraço, çar o embaraço, um embaraço que um embaraço que era raro n era raro
n
ela, e que era uma evidência de ela, e que era uma evidência de sua afeição pelo Zé sua
afeição pelo Zé.
Sentamo-nos.
-- Hoje é t -- Hoje é tudo com você udo com você - eu disse a - eu disse ao Zé. -- Esp o Zé. --
Espero que você ero que você tenha feito o tenha feito o dever de ca dever de ca
sa.
-- Claro que -- Claro que fiz - foi a fiz - foi a pronta resposta. pronta resposta. -- Fiquei até --
Fiquei até tarde trabalhando. tarde trabalhando.
o, velhíssimo.
-- Isto - r -- Isto - respondeu, com evi espondeu, com evidente satisfação dente satisfação e
até orgulho e até orgulho - é uma pr - é uma preciosidade, uma eciosidade, uma jói
a. Uma das primeiras edições de Os sertões. Ganhei de presente de um parente que vendi
presente de um parente que vendi
-- Deve valer muito dinheiro... dinheiro... -- Não tenha -- Não tenha dúvida. -- Hesi dúvida. --
Hesitou e fez um tou e fez uma pequena confis a pequena confissão: -- Mais são: -- Mais de
uma vez m de uma vez minh
a tia sugeriu que eu o a tia sugeriu que eu o vendesse. Poderia ganhar uma vendesse. Poderia
ganhar uma boa grana - para compr boa grana - para comprar rou
pas, por exemplo. Mas não quero. Este livro é pas, por exemplo. Mas não quero. Este livro é
mais importante para mim do que roupa importante para mim do que roupa
nova.
Colocou o livro Colocou o livro sobre a mesa, sobre a mesa, com o maior com o maior
cuidado, sentou-se cuidado, sentou-se, abriu o cad , abriu o caderno
e começou, num tom professoral que até me fez e começou, num tom professoral que até me
fez sorrir:
(p. 89)
-- Vamos ao -- Vamos ao nosso assunto, e nosso assunto, então. A gente ntão. A gente tinha
visto a tinha visto a terceira campanha terceira campanha contra
Canudos, aquela do coronel Moreira César, que terminou com a inou com a vitória dos
sertanejos vitória dos sertanejos
. Essa vitória teve uma repercussão muito grande... Se vocês me Se vocês me dão licença, vou
consultar dão licença, vou consultar
minhas anotações.
-- Bem, então -- Bem, então a expedição do a expedição do Moreira César c Moreira César
contra Canudos fo ontra Canudos foi derrotada. Essa i derrotada. Essa notícia re notícia re
percutiu em todo o país. Como escreve Euclides, "era preciso uma a preciso uma explicação
qualquer p explicação qualquer p
ara sucessos de tanta monta". E a explicação apareceu: Canudos era só eu: Canudos era só
uma parte de uma uma parte de uma
grande conspiração contra a República. Dizia um jornal da época: "O rnal da época: "O
monarquismo revoluc monarquismo revoluc
(p. 90)
-- Monarqui -- Monarquismo revolucio smo revolucionário? Essa nário? Essa é boa! - comento
- comentou Martinha. u Martinha.
anáticos de Canudos trabalha a política. Mas nós estamos preparados, tendo todos os me
ios para vencer". Houve até manifestações de rua: no Rio de janeiro, uma multidão atacou de
janeiro, uma multidão atacou
as sedes de jornais monarquistas, fazendo uma grande fogueira com móveis, livros,
papéis. Mas Euclides não concorda com essa idéia da conspiração monarquista. Diz ele: "Ca
conspiração monarquista. Diz ele: "Ca
nudos era uma tapera miserável, fora dos nossos map heiro era contra a República, mas os
sertanejos nãoas, perdida no deserto". Consel eram monarquistas nem republican
monarquistas nem republican
os; tinham ficado fora da evolução do país como os; tinham ficado fora da evolução do país
como um todo. Seu movimento era um protesto todo. Seu movimento era um protesto
, reprimido pela força, cujo objetivo era mostrar "o brilho da o brilho da civilização através do
cl civilização através do cl
arão de descargas".
evoltam? Se apegam às coisas do passado, à religião, aos costumes, às crenças. Porque não ad
costumes, às crenças. Porque não ad
ianta nada eu dizer para um cara ianta nada eu dizer para um cara lá dos cafundós qu lá dos
cafundós que computador é ótimo, se o cara n e computador é ótimo, se o cara não tem
nem eletricidade. O resultado é que ele nem eletricidade. O resultado é que ele fica frust fica
frustrado. E começa a dizer que comput rado. E começa a dizer que comput
a muita gente... deixe-me procurar no livro... ah, sim, aqui está: para sim, aqui está: para muita
gent muita gent
e, "os sertanejos não eram um bando de e, "os sertanejos não eram um bando de carolas faná
carolas fanáticos, eram um ticos, eram um
exército instruído, disciplinado. Talvez até comandado por ado por estrangeiros. Garantia-se:
estrangeiros. Garantia-se: um dos chefes do reduto era um um dos chefes do reduto era um
engenheiro italiano engenheiro italiano habilíssimo". Governadores, pol habilíssimo".
Governadores, polít
icos, lideres em geral exigiam uma grande ação armada. Que ficaria a da. Que ficaria a cargo do
próprio cargo do próprio
(p. 91)
-- Quase -- Quase uma guerra uma guerra civil... - civil... - observou observou Martinha.
Martinha.
eimadas. Foram organizados em várias brigadas, cada uma com seu comandante. E, de
várias localidades, convergiriam sobre Canudos. Isso tardou, o tardou, porque foi necessário o
porque foi necessário o
-- Isso mesmo, -- Isso mesmo, O objetivo dos O objetivo dos jagunços era d jagunços era
desmoralizar as t esmoralizar as tropas do governo. ropas do governo. Qu
ainda com luvas pretas sobre os ossos das mãos. ainda com luvas pretas sobre os ossos das
mãos. Prosseguiram e chegaram ao morro d sseguiram e chegaram ao morro d
a Favela, onde foram instalados os canhões. Que logo começaram a o começaram a disparar
sobre Canu disparar sobre Canu
dos. No morro estava também a tenda do dos. No morro estava também a tenda do
comandante d comandante da expedição, general Artur Oscar El a expedição, general Artur
Oscar El
e tinha dois problemas: primeiro, estava longe das outras brigadas. Segundo, e p
ior, caíra numa armadilha: o morro da Favela estava cheio de cheio de trincheiras de sertan
trincheiras de sertan
ejos.
(p. 92)
Dali eles ataca Dali eles atacaram à noite, ram à noite, e de novo pe e de novo pela manha,
matand la manha, matando dezenas de o dezenas de soldados e soldados e
a metade dos oficiais. Outras brigadas vieram atacar os sertanejos e foram igual
mente liquidadas. Parte da tropa estava cercada, como que prisioneira. E começava
a faltar munição aos soldados, Vieram reforços, e a tropa, por tropa, por fim, conseguiu
avançar. M fim, conseguiu avançar. M
as, quanto mais perto chegavam do arraial, mais feroz era a oz era a resistência, maior o núm
resistência, maior o núm
ero de baixas. Além disso, o alimento começava a ero de baixas. Além disso, o alimento
começava a escassear. Os chefes militares deci cassear. Os chefes militares deci
diram: o ataque a Canudos era urgente. Quase um diram: o ataque a Canudos era urgente.
Quase um mês havia se passado desde o início havia se passado desde o início
A ordem do dia daquele 17 de A ordem do dia daquele 17 de julho de 1897, que o E julho de
1897, que o Euclides transcreve no livro, uclides transcreve no livro,
o da Bahia! Desde Cocorobó até aqui o o da Bahia! Desde Cocorobó até aqui o inimigo não t
inimigo não tem podido resistir à vossa bravura (. em podido resistir à vossa bravura (.
-- Pelo -- Pelo jeito - jeito - disse Martin disse Martinha --, esperavam esperavam um passeio.
um passeio.
com um grande assalto: 3400 soldados "despencaram p -- Mas não -- Mas não foi um passeio
foi um passeio - disse Zé. - disse Zé. -- De jeito -- De jeito nenhum. Não fo elos cerros abaixo",
nas pala nenhum. Não foi um passeio. i um passeio. Começou Começou
iras invisíveis ou mesmo resistindo dentro das casas, onde os soldados, famintos e
fúrias". Os soldados avançaram o que puderam, e por fim se detiveram. A tropa, diz E se
detiveram. A tropa, diz E
ara ultimar a ação". As baixas haviam sido enormes, cerca de cerca de mil, entre mofos e feri
mil, entre mofos e feri
dos. A posição conquistada era precária. Como disse um dos chefes militares: "Um um dos
chefes militares: "Um inimi
go habituado à luta regular, que soubesse tirar partido de nossas desvantagens tátic
as, não teria certamente deixado passar esse momento" - isto é, o" - isto é, não teriam deixado
de não teriam deixado de
(p. 93)
-- E por qu -- E por que os homens d e os homens de Conselheiro nã e Conselheiro não
fizeram isso? o fizeram isso? - perguntou Marti - perguntou Martinha.
-- Porque, como -- Porque, como diz Euclides, nã diz Euclides, não eram tropas o eram tropas
regulares, um regulares, um exército: "o sert exército: "o sertanejo
defendia o lar invadido, nada mais", E defendia o lar invadido, nada mais", E estava disp
estava disposto a resistir: "Canudos só se osto a resistir: "Canudos só se
-- Incrível mes -- Incrível mesmo. Euclides fala mo. Euclides fala de um jovem de um jovem
prisioneiro que prisioneiro que foi interrogado foi interrogado e q
ro', foi a resposta. Os sertanejos acreditavam que a alma de a alma de quem era executado à
quem era executado à
faca não subia ao céu. Mas à faca não subia ao céu. Mas à faca foi morto: cortar faca foi morto:
cortaram a garganta dele. Antes de am a garganta dele. Antes de morrer
, ainda gritou: "Viva o Bom Jesus!". Entre os , ainda gritou: "Viva o Bom Jesus!". Entre os
soldados, o ânimo não era nada bom. Ve dos, o ânimo não era nada bom.
io uma tropa de reforço, mais de io uma tropa de reforço, mais de mil homens, mas mu mil
homens, mas muitos ficaram pelo caminho. Aleg itos ficaram pelo caminho. Aleg
-- Pelo jeito -- Pelo jeito - observou Mar - observou Martinha -, as tinha -, as tropas do govern
tropas do governo iriam ser d o iriam ser derrotadas errotadas
de novo.
ova, a Igreja de Bom Jesus, que ova, a Igreja de Bom Jesus, que estava sendo constr estava
sendo construída sob as ordens de Antônio Co uída sob as ordens de Antônio Con
selheiro. Caiu inclusive o sino, que todas as tardes tocava a s tocava a Ave-Maria para os Ave-
Maria para os
fiéis do arraial. Foi uma perda simbólica: essa igreja representava muito para os eja
representava muito para os fiéi
s. E foi uma perda estratégica, porque, do alto s. E foi uma perda estratégica, porque, do alto
das torres, os sertanejos alvejava torres, os sertanejos alvejava
(p. 94)
..
-- Diz Euclides -- Diz Euclides que a causa que a causa da morte não da morte não foi bem
esclare foi bem esclarecida. Para uns cida. Para uns resultou resultou
de complicações de um ferimento que ele tinha, causado por estilhaços de ado por estilhaços
de metralha. Par metralha. Par
-- Mas bota iro bota ironia nisso nia nisso - comentei. -- ntei. -- O cara resiste resiste a tudo e
acaba morren a morrend
o de diarréia...
-- Irônico mesm -- Irônico mesmo. Mas os fié o. Mas os fiéis pensavam dife is pensavam
diferente. Para eles rente. Para eles, diz Euclides, , diz Euclides, "Conse
lheiro seguira em viagem para o céu", onde pediria a ajuda divina, e retornaria co ajuda divina,
e retornaria co
mais uma vez os sertanejos resistiram. As casas mais uma vez os sertanejos resistiram. As
casas começavam agora a ser dinamitadas meçavam agora a ser dinamitadas
e queimadas com querosene. Mas delas saíam, muitas vezes feridos, queimados, os vezes
feridos, queimados, os d
', conta Euclides. No dia 2 de ', conta Euclides. No dia 2 de outubro, agitando um outubro,
agitando uma bandeira branca, dois homen a bandeira branca, dois homen
s se aproximaram das linhas atacantes. Um deles era Antônio, conhecido como o Antônio,
conhecido como o Beat
(p. 95)
Contou aos coma Contou aos comandantes militares ndantes militares que o seu c que o seu
chefe havia morri hefe havia morrido e negociou do e negociou uma
rendição parcial. Foi até o que restava de Canudos e, diz Euclides, voltou uma hora de diz
Euclides, voltou uma hora de
pois, conduzindo "trezentas mulheres e crianças e meia dúzia de velhos imprestáveis". Até os
soldados se comoveram: "Repugnava, aquele triunfo. Envergonhava". Mas, para
s, das crianças, dos velhos, que atrapalhavam a luta. O que ele não diz é que ele não diz é que
os prisi que os prisi
oneiros foram, no dia seguinte, degolados. A imprensa toda calou a respeito. A sa toda calou a
respeito. A v
erdade, porém, é que no dia 3 erdade, porém, é que no dia 3 de outubro Euclides d de outubro
Euclides da Cunha já não estava em Canud a Cunha já não estava em Canudos.
-- Não. -- Não. Ficou doente Ficou doente e foi embora. N embora. Não voltou ão voltou mais.
-- E o livro?
-- O livro -- O livro ele escreveu mais ele escreveu mais tarde, em São tarde, em São Paulo. A
verd Paulo. A verdade é que a ade é que a vivência de C vivência de Canu
dos foi, para Euclides, uma experiência importante - como se ele - como se ele estivesse
descobr estivesse descobr
indo um Brasil que não conhecia. Aliás, depois disso ele viajou de novo, mas pela Am viajou de
novo, mas pela Am
azônia.
-- Sim. De -- Sim. De novo, falou dos novo, falou dos sertanejos, dessa sertanejos, dessa vez
daqueles qu vez daqueles que tinham ido e tinham ido do No
rdeste em busca de trabalho nos seringais do Acre, onde eram tratados quase como eram
tratados quase como
escravos. Àquela altura Euclides já era famoso, já tinha entrado na tinha entrado na Academia
Brasilei Academia Brasilei ra de Letras. Mas morreu em 1909, num ra de Letras. Mas morreu
em 1909, num tiroteio com tiroteio com o cadete Dilermando de Assis, o cadete Dilermando
de Assis,
amante da mulher dele. Aliás, sete anos amante da mulher dele. Aliás, sete anos depois, Di
depois, Dilermando matou também Euclides da lermando matou também Euclides da
Cunha Filho, o filho predileto do escritor, que Cunha Filho, o filho predileto do escritor, que
tinha jurado vingar a morte do nha jurado vingar a morte do
pai...
..
(p. 96)
-- Claro que -- Claro que não. Mas, volta não. Mas, voltando ao final ndo ao final da
campanha, vo da campanha, vou ler o que u ler o que Euclides esc Euclides esc
reve: "Não há relatar o que houve a reve: "Não há relatar o que houve a 3 e a 4. 3 e a 4. A luta,
que viera perdendo dia a A luta, que viera perdendo dia a dia o
caráter militar, degenerou (...) Sabia-se de uma coisa única: os jagunços não poderiam r
esistir por muitas horas". Mas resistiram: de dentro de uma trincheira, em meio
a um monte de cadáveres, vinte jagunços atiravam ainda. É por nda. É por isso que, ao
terminar o isso que, ao terminar o
seu livro, diz Euclides: "Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda emplo único em toda a
História, res a História, res
do dia 5: um do dia 5: um velho, dois homens, uma criança. No d velho, dois homens, uma
criança. No dia 6 terminou ia 6 terminou a destruição do arrai a destruição do arrai
al. Não sobrou nenhuma das 5200 casas. Nesse mesmo dia foi encontrado o cadáver de A foi
encontrado o cadáver de A
ntônio Conselheiro, ainda vestindo o ntônio Conselheiro, ainda vestindo o hábito azul. F hábito
azul. Foi fotografado. Escreve Euclides: oi fotografado. Escreve Euclides:
Lavrou-se uma ata rigorosa firmando sua identidade: importava que o país : importava que o
país se conve se conve
ncesse bem de que ncesse bem de que afinal estava extinto aquele terr afinal estava extinto
aquele terribilíssimo antagon ibilíssimo antagonista. Restituír ista. Restituír
am-no à cova. Pensaram, depois, em guardar a sua am-no à cova. Pensaram, depois, em
guardar a sua cabeça tantas vezes maldita", Foi c beça tantas vezes maldita", Foi c
ortada e levada para Salvador, onde ficou uns tempos em exibição - depois foi entreg exibição
- depois foi entreg
Durante uns min Durante uns minutos ficamos ali, utos ficamos ali, sem conseguir f sem
conseguir falar, pensando n alar, pensando na história que a história que tín
hamos ouvido. E quando Martinha falou, disse exatamente o que eu ente o que eu estava
pensando estava pensando
-- Eu só es -- Eu só espero que esse pero que esse Jesuíno Pregador Jesuíno Pregador não
termine co não termine como o Antônio mo o Antônio Conselheiro. Conselheiro.
equer enxugar as lágrimas que lhe lavavam o rosto, Fez-se silêncio. Fez-se silêncio. E, de
repente, E, de repente, Zé caiu em p Zé caiu em prantos. Chorava rantos. Chorava
convulsivamente, sem enquanto nós enquanto nós o olhávamos sem entend convulsivamente,
sem s o olhávamos sem entend
-- Desculpe -- Desculpe, Zé, se eu disse alg disse alguma coisa uma coisa inconveniente...
inconveniente...
-- Você não -- Você não disse nada incon disse nada inconveniente - soluç veniente - soluçou
ele. -- N ou ele. -- Nada, nada inconve ada, nada inconveniente. É que niente. É que
você não podia saber, compreende? Você não tem você não podia saber, compreende? Você
não tem culpa. Você não podia saber. pa. Você não podia saber.
(p. 97)
-- Não podia -- Não podia saber o quê? saber o quê? - ela, cada - ela, cada vez mais intri vez
mais intrigada, e angustiad gada, e angustiada.
Ele parou Ele parou de chorar, de chorar, ficou um ficou um instante em instante em silêncio.
Depo silêncio. Depois nos o is nos olhou:
De novo De novo o silên o silêncio, tens cio, tenso, espan o, espantado, si tado, silêncio.
lêncio.
-- Seu pai? -- Seu pai? - perguntei. -- - perguntei. -- Como é possível? Como é possível? Você já
estava Você já estava aqui quando ele aqui quando ele chegou... chegou...
Ainda soluçando, soluçando, contou sua história: história: -- O nome d -- O nome dele é
Jesuíno ele é Jesuíno Gonçalves. Nasceu Gonçalves. Nasceu e viveu no e viveu no sertão; era
don sertão; era dono de uma peq o de uma pequena
fazenda, que, em sua família, passara de pai para filho. Um homem simples, meu pai Um
homem simples, meu pai
. Conheceu minha mãe numa viagem que fez . Conheceu minha mãe numa viagem que fez a
Salvador a Salvador. Era uma moça linda, ela, uma mu . Era uma moça linda, ela, uma
lata alta. Todo o mundo achava aquele casamento meio estranho, mas o o estranho, mas o
fato é que mi fato é que mi
nha mãe deixou a cidade e veio nha mãe deixou a cidade e veio com ele para o sertã com ele
para o sertão, onde nasci. Quando eu tinha o, onde nasci. Quando eu tinha un
s sete anos, ela disse que estava cansada daquela vida; queria que meu pai vende queria que
meu pai vende
sse a fazenda e que nos sse a fazenda e que nos mudássemos para a cidade. E mudássemos
para a cidade. Ele não quis, ela acabou le não quis, ela acabou nos deixa
ndo e voltou para Salvador, onde morreu, um ano ndo e voltou para Salvador, onde morreu,
um ano depois. Assassinada. ois. Assassinada.
Calou-se um Calou-se um instante, como instante, como que para que para recobrar forças,
recobrar forças, e depois e depois continuou: continuou:
-- Meu pai, -- Meu pai, como vocês podem como vocês podem imaginar, ficou imaginar, ficou
arrasado. E foi arrasado. E foi se tornando esqu se tornando esquisi
to. Nisso, ele não era o to. Nisso, ele não era o único da família; um irmão único da família; um
irmão dele, meu tio, tinha sid dele, meu tio, tinha sido internado o internado
várias vezes por doença mental. De qualquer jeito, porém, papai continuou trabalhando
na fazenda e cuidando de mim, o na fazenda e cuidando de mim, o que fazia com a aju que
fazia com a ajuda de uma velha empregada. Eu da de uma velha empregada. Eu
freqüentava a escola numa vila próxima, e ele freqüentava a escola numa vila próxima, e ele
me estimulava muito a ler: "Aqui na n stimulava muito a ler: "Aqui na n
ossa casa", dizia, "pode faltar qualquer coisa, menos livro, porque o livro é os livro, porque o
livro é a ch
ave para o mundo da cultura". Ele próprio lia ave para o mundo da cultura". Ele próprio lia
muito. No começo, literatura em geral, . No começo, literatura em geral,
depois depois coisas religiosas coisas religiosas, místicas. , místicas. Profecias, como Profecias,
como as do An as do Antônio Conselheiro tônio Conselheiro. Cuj
a vida conhecia a fundo.
(p. 98)
Nova interrupção; interrupção; era-lhe era-lhe difícil difícil falar, via-se: via-se:
-- Bem ou m -- Bem ou mal, a gente i al, a gente ia vivendo, quand a vivendo, quando
sofremos novo o sofremos novo golpe. Um dia golpe. Um dia aparecer aparecer
am uns caras lá na fazenda. Disseram que am uns caras lá na fazenda. Disseram que uma
grande uma grande represa ia ser construída na reg represa ia ser construída na reg
ião, a represa de Mar-de-Dentro, e que nossas terras seriam inundadas - s seriam inundadas -
teríamos de teríamos de
sair dali. Meu pai ficou furioso; correu com os sair dali. Meu pai ficou furioso; correu com os
caras a facão. Todos os vizinhos s as a facão. Todos os vizinhos s
e mudaram, nós ficamos. Até a polícia apareceu por lá; o delegado tentou convencê-lo a dei o
delegado tentou convencê-lo a dei
xar a propriedade. Meu pai não quis saber. E xar a propriedade. Meu pai não quis saber. E um
dia acordamos com água dentro de cas acordamos com água dentro de cas
a: era a represa que começava a a: era a represa que começava a encher. Tivemos de encher.
Tivemos de sair às pressas, fomos para a ca sair às pressas, fomos para a cas
a de um parente. Uma noite, meu a de um parente. Uma noite, meu pai acordou, gritan pai
acordou, gritando: "O sertão vai virar mar! O do: "O sertão vai virar mar! O
sertão vai virar mar!". Estava tão agitado que tiveram de amarrá-lo na ram de amarrá-lo na
cama. De madrug cama. De madrug
ada eu cortei as cordas. Não me ada eu cortei as cordas. Não me reconhecia, talvez
reconhecia, talvez por causa de um remédio que tinh por causa de um remédio que tinha
m lhe dado. Gritava: "Sai daqui, demônio, sai daqui". Bateu-me com tanta ". Bateu-me com
tanta violência q violência q
ue me quebrou um braço. Acabaram levando-o para o hospício. Eu ospício. Eu tinha dez anos,
e nun tinha dez anos, e nun
ca mais o vi. Depois de ca mais o vi. Depois de uns anos, esse meu parente uns anos, esse meu
parente morreu, e eu vim morar c morreu, e eu vim morar com mi
Tirou do Tirou do bolso um bolso um lenço, ass lenço, assoou o nariz, e nariz, e continuou:
continuou:
-- Aí ele a -- Aí ele apareceu aqui. Ago pareceu aqui. Agora já era o ra já era o Jesuíno
Pregador. Jesuíno Pregador. Depois de sair Depois de sair do hospital do hospital
, vagou pelo sertão da Bahia, pregando e , vagou pelo sertão da Bahia, pregando e rezando, M
rezando, Mas então descobriu onde eu estava as então descobriu onde eu estava
-- Eu não q -- Eu não quis saber dele. uis saber dele. Não podia, né Não podia, né, Martinha?
Para , Martinha? Para mim, ele ainda mim, ele ainda era aquele d era aquele d
emônio louco. Ele então disse que não iria embora enquanto eu nquanto eu não o aceitasse
como pai. não o aceitasse como pai.
Ficou lá no Buraco, criou uma seita... O Ficou lá no Buraco, criou uma seita... O resto você resto
vocês sabem. s sabem.
(p. 99)
Martinha ia diz Martinha ia dizer qualquer coisa er qualquer coisa, mas não ch , mas não
chegou a falar. egou a falar. A porta se A porta se abriu e Raf abriu e Raf
-- Graças a -- Graças a Deus você está Deus você está aqui! Ai, Gui aqui! Ai, Gui --
Interrompeu-se, -- Interrompeu-se, e era impressiona e era impressionante a s nte a s
ua palidez.
-- Mas o que fo o que foi que aco i que aconteceu? - nteceu? - perguntei, ass perguntei,
assustado de ustado de verdade. verdade.
-- Ai, Gui, lamento Gui, lamento dizer isto. dizer isto. Seu pai Seu pai foi seqüestrado, foi
seqüestrado, cara.
-- Que homem?
Martinha trouxe Martinha trouxe um copo d'água um copo d'água para a irmã. para a irmã.
Rafaela bebeu de Rafaela bebeu de um sorvo só um sorvo só e contou: e contou:
-- Seguinte. On -- Seguinte. Ontem de noite tem de noite o prefeito resol o prefeito resolveu
chamar a veu chamar a polícia militar polícia militar para pr para pr
ender o tal Jesuíno. Disse na rádio que ender o tal Jesuíno. Disse na rádio que teria de fa teria
de fazer isso, que se tratava de um pe zer isso, que se tratava de um pe
dido do Fernando Nogueira e de outras pessoas importantes. Aparentemente, seu pa
i nada tinha a ver com i nada tinha a ver com o assunto. Aí as guarnições o assunto. Aí as
guarnições - três - foram até o Bu - três - foram até o Buraco, mas não enco raco, mas não
enco
ntraram o Jesuíno. Ele tinha saído com uns homens dele, os tais discípulos. Foram para os tais
discípulos. Foram para
a casa do Fernando Nogueira, conseguiram entrar - e fizeram toda a família refém, i fizeram
toda a família refém, i
nclusive o Queco. Seu pai, Gui, soube do nclusive o Queco. Seu pai, Gui, soube do que tinha
que tinha acontecido, foi à casa do Ferna acontecido, foi à casa do Ferna
ndo e tentou negociar como seqúestrador. O Jesuíno disse que soltaria a disse que soltaria a
família se seu família se seu
pai ficasse como refém. Ele aceitou. A pai ficasse como refém. Ele aceitou. A polícia mil polícia
militar cercou o lugar, ameaça invadir itar cercou o lugar, ameaça invadir
(p. 100)
Corri para a Corri para a porta, seguido porta, seguido do Zé e da do Zé e da Martinha, que
Martinha, que gritava "Esperem gritava "Esperem por mim, e por mim, e
A casa dos A casa dos Nogueiras ficava Nogueiras ficava a três quarteirõ a três quarteirões
dali. Quando es dali. Quando cheguei, senti me cheguei, senti meu cor
ação parar.
Diante da casa Diante da casa -- aquela enorme -- aquela enorme mansão, com um mansão,
com um jardim na fre jardim na frente -- já hav nte -- já havia uma mu ia uma mu
ltidão, contida por um cordão de isolamento colocado pela polícia. Várias viaturas ali,
a ele passar". Consegui chegar até o cordão de a ele passar". Consegui chegar até o cordão de
isolamento, e ali estava minha mãe, amp amento, e ali estava minha mãe, amp
-- Ai, meu filh meu filho, que desgraça, desgraça, que desg que desgraça... raça...
A custo contend A custo contendo-me - naquele o-me - naquele momento, e mai momento, e
mais do que nun s do que nunca, eu precisava ca, eu precisava de me
u equilíbrio -, perguntei a Pedro como estava a u equilíbrio -, perguntei a Pedro como estava a
situação.
-- Difícil dize -- Difícil dizer - foi a r - foi a resposta. -- Em resposta. -- Em geral seqüestradore
geral seqüestradores pedem dinheiro, s pedem dinheiro, tran
sporte. Esse aí não pediu nada. E ainda sporte. Esse aí não pediu nada. E ainda não falou c não
falou com a gente. Tem um cara aí, da polícia om a gente. Tem um cara aí, da polícia
militar, que é especialista em seqüestros, e fez uma ligação pelo telefone, mas, a ligação pelo
telefone, mas, pelo je pelo je
i. Agora: está armado, e muito bem armado. Pelo i. Agora: está armado, e muito bem armado.
Pelo menos duas pistolas, segundo os ca os duas pistolas, segundo os ca
ras que saíram. Ou seja: é um ras que saíram. Ou seja: é um perigo, mesmo. perigo, mesmo.
-- Por favor, Pedro, favor, Pedro, faça alguma faça alguma coisa -- coisa -- implorou mamãe
implorou mamãe.
Pedro olhav Pedro olhava-nos, e a-nos, e mostrava des mostrava desespero em espero em
seu olhar: seu olhar:
(p. 101)
-- Eu p -- Eu posso ajudar osso ajudar - disse - disse uma voz, uma voz, atrás de atrás de mim.
Era o Zé. P Era o Zé. Por incrível que or incrível que pareça, naquela pareça, naquela aflição,
eu h aflição, eu havia esquecido co avia esquecido completamente del mpletamente del
e. Mas a sua presença deu-me uma e. Mas a sua presença deu-me uma nova, talvez absur
nova, talvez absurda, esperança: da, esperança:
-- Eu conheço. conheço.
-- Eu sei q -- Eu sei que você conhece. ue você conhece. Mas o que vo Mas o que você não
sabe cê não sabe é que ele é é que ele é filho do Jesuíno filho do Jesuíno Pregador. Pregador.
-- O qu -- O quê!? Você ê!? Você é filho é filho do Jesuíno? do Jesuíno? E como é E como é
que ninguém que ninguém sabia?
-- Isso não -- Isso não vem ao caso, vem ao caso, Pedro - eu, Pedro - eu, nervosíssimo. --
nervosíssimo. -- O importante é O importante é que ele é fi que ele é filho,
e pode ajudar.
-- Claro, claro -- Claro, claro - apressou-se Pe - apressou-se Pedro a dizer. dro a dizer. -- Vamos
ver -- Vamos ver como podemos fa como podemos fazer i
sso...
Mal tinha Mal tinha terminado de terminado de dizer a dizer a frase, a frase, a porta se porta
se abriu.
Meu pai aparece Meu pai apareceu. Atrás dele, u. Atrás dele, o Jesuíno, uma o Jesuíno, uma
pistola em cada pistola em cada mão. Os dois mão. Os dois ficaram na ficaram na entrada da
casa, uma imponente entrada, guarnecida de altas colunas.
Por uns Por uns momentos ficou momentos ficou parado. Agora parado. Agora, mantinha ,
mantinha uma das uma das pistolas apont pistolas apontada para ada para
papai, que estava imóvel, fisionomia impassível -- apesar de tudo, sabia se controla
r.
Jesuíno olhava Jesuíno olhava para a multidão, para a multidão, mas era como mas era como
se não visse se não visse ninguém. De rep ninguém. De repente começou a ente começou a
falar:
-- "O sertão -- "O sertão vai virar praia vai virar praia", eles disseram ", eles disseram. Os
cínicos, . Os cínicos, os hipócritas. os hipócritas. Eles roubar Eles roubar
ra que, irmãos? Para seu próprio proveito. Para ganhar dinheiro. Para construir casa
s como esta em frente a s como esta em frente a qual me encontro, casas de qual me
encontro, casas de luxo e de luxúria, casas luxo e de luxúria, casas onde r
eina o pecado. Mas eles não prevalecerão, irmãos. Porque o sertão vai orque o sertão vai virar
praia, sim. virar praia, sim.
Não a praia deles. A praia de Não a praia deles. A praia de Deus. O mar vai cobri Deus. O mar
vai cobrir tudo e, como diz o Livro, o r tudo e, como diz o Livro, o e
spírito de Deus caminhará sobre as águas. O sertão vai virar mar! Arrependei-vos, irmãos! virar
mar! Arrependei-vos, irmãos!
O fim está próximo! Vamos todos morrer, a começar por mim próprio! mim próprio!
(p. 102)
Com meu Com meu pai ainda pai ainda na mira, na mira, apontou uma apontou uma pistola
para pistola para a própria a própria cabeça. cabeça.
Era o Zé.
Antes que algué Antes que alguém pudesse detê-lo m pudesse detê-lo, passou pelo , passou
pelo cordão de isol cordão de isolamento, passou pe amento, passou pelos pol los pol
iciais - que ficaram paralisados de espanto - e iciais - que ficaram paralisados de espanto - e
correu para a entrada da casa: reu para a entrada da casa:
Por um momento, Por um momento, Jesuíno fitou o Jesuíno fitou o rapaz, sem compr rapaz,
sem compreender. E então eender. E então os dois se ab os dois se abraçaram raçaram
. Nós podíamos ver os corpos de . Nós podíamos ver os corpos de ambos, sacudidos pe ambos,
sacudidos pelos soluços. Mansamente, sem enc los soluços. Mansamente, sem encont
rar resistência, papai tirou as armas de Jesuíno. E depois disse depois disse aos dois: aos dois:
-- Vamos, gente -- Vamos, gente. Vamos sair . Vamos sair daqui. Vamos par daqui. Vamos
para um lugar o a um lugar onde vocês possam nde vocês possam convers convers
ar.
E foram. Aos E foram. Aos poucos o pessoa poucos o pessoal da cidade l da cidade - todo o
mun - todo o mundo ainda comentan do ainda comentando o ocor do o ocor
Fernando Nogueira Fernando Nogueira levou-nos de c levou-nos de carro, a mim arro, a mim
e a mamãe, p e a mamãe, para casa. Queco ara casa. Queco foi cono foi cono
sco. Comovido:
-- Seu pai -- Seu pai foi um herói, foi um herói, Gui. Um verdade Gui. Um verdadeiro herói. Ele
iro herói. Ele nos salvou. Nó nos salvou. Nós estávamos muit s estávamos muito
nervosos, e se tivéssemos feito alguma bobagem, a coisa teria terminado muito mal teria
terminado muito mal
-- E o Zé.. -- E o Zé... Cara, que g . Cara, que grande sujeito, e rande sujeito, ele. E como e le. E
como eu estava enganado u estava enganado, cara, Com , cara, Com
o eu estava enganado.
(p. 103)
12. Ain 12. Ainda exist da existem histór em histórias que ias que terminam terminam bem?
Parece que sim, Parece que sim, não é? Parece não é? Parece que sim. Pelo que sim. Pelo
menos esta histó menos esta história terminou bem. ria terminou bem.
ador. Ajudado pelo Zé - que mudara completamente; a Naquele dia, e Naquele dia, e nos dias
seguinte nos dias seguintes, meu pai c s, meu pai conversou longamente onversou longamente
com Jesuíno Preg gora, decidido a cuidar do gora, decidido a cuidar do pai, com Jesuíno Preg
pai,
siquiátrico. Um tratamento que durou tempo e deu bons resultados: depois de cumpri
r pena pelo seu ato, foi r pena pelo seu ato, foi posto em liberdade. Ele e posto em liberdade.
Ele e Zé moram hoje num sítio - Zé moram hoje num sítio - doação de a doação de a
migos de meu pai - e migos de meu pai - e lá eles cultivam cactos exótic lá eles cultivam cactos
exóticos. Com êxito: export os. Com êxito: exportam para vários l am para vários l
ugares do país e até para o ugares do país e até para o exterior. exterior.
O pessoal da O pessoal da Vila Buraco fic Vila Buraco ficou surpreso com ou surpreso com o
que havia o que havia acontecido. Alguns acontecido. Alguns se
mostraram francamente revoltados, achando que tinham sido traídos pelo Jesuíno. Fize
traídos pelo Jesuíno. Fize
ram protestos, ameaçaram até com um quebra-quebra na cidade. Mas ai o a cidade. Mas ai o
padre Lucas en padre Lucas en
trou em ação. Esse jovem sacerdote havia se tornado conhecido em conhecido em Sertãozinho
por seu t Sertãozinho por seu t
ob a forma de uma cooperativa, que agora ob a forma de uma cooperativa, que agora prestava
s prestava serviços para a Prefeitura. O Pa erviços para a Prefeitura. O Pa
dre Lucas, porém, nunca havia trabalhado com a comunidade do Buraco. A nidade do Buraco.
A pedido de vár pedido de vár
ias pessoas do lugar, decidiu fazê-lo. E deu muito certo; as certo; as pessoas sentiam-se gr
pessoas sentiam-se gr
atas pelo fato de ter alguém junto a atas pelo fato de ter alguém junto a elas e colabor elas e
colaboravam com a maior boa vontade. P avam com a maior boa vontade. P adre Lucas evitava
falar sobre o Jesuíno; contentava-se em dizer que o a-se em dizer que o homem tinha homem
tinha
feito coisas boas, e que essas feito coisas boas, e que essas coisas precisavam t coisas
precisavam ter continuidade. er continuidade.
(p. 105)
rtões, que foi distribuído uns dias antes. Ficou muito bom - ito bom - até fotos tinha - e termi
até fotos tinha - e termi
nava, a pedido da Cíntia, com um nava, a pedido da Cíntia, com um conselho: "Você le
conselho: "Você leu o resumo, agora leia o original u o resumo, agora leia o original
".
O debate começo O debate começou às quatro d u às quatro da tarde de u a tarde de um
sábado, O m sábado, O auditório do colé auditório do colégio estava lotad gio estava lotado;
alunos e professores vieram em peso, e também muita gente da gente da comunidade. Até o
prefe comunidade. Até o prefe
ito estava presente. Papai e mamãe não faltaram, claro. Aliás, quando papai entrou, fo
No palco havia No palco havia uma mesa e du uma mesa e duas tribunas. Na as tribunas. Na
mesa, a diretora mesa, a diretora do colégio, prof do colégio, profess
ora Aríete, e o Armando, coordenador do debate. A diretora disse iretora disse que aquele era
um que aquele era um
ssível extrair lições do passado. Armando explicou as regras do debate: das tribunas,
Queco e Gê defenderiam pontos de vista diferentes. No final, a No final, a palavra estaria à dis
palavra estaria à dis
Queco falou pri Queco falou primeiro. Para ele, meiro. Para ele, Antônio Conselheiro Antônio
Conselheiro era o Brasil era o Brasil velho, o Brasil velho, o Brasil
retrógrado, o Brasil das crendices - oposto ao retrógrado, o Brasil das crendices - oposto ao
Brasil moderno. E, para comparação, ci sil moderno. E, para comparação, ci
-- Uma grande -- Uma grande represa foi co represa foi construída lá. Mui nstruída lá. Muita
gente achou ta gente achou um absurdo, mu um absurdo, muita gente ita gente
protestou. Mas a represa diminui os problemas da seca. Além disso, faz funcionar Além disso,
faz funcionar
uma usina elétrica, que fornece energia, que permite o funcionamento de fábricas, qu
Gê, por sua Gê, por sua vez, disse que vez, disse que ninguém era c ninguém era contra o
progress ontra o progresso. Mas uma co o. Mas uma coisa é o prog isa é o progres
so e outra é respeitar os direitos das so e outra é respeitar os direitos das pessoas: pessoas:
-- Os que m -- Os que me conhecem sabem e conhecem sabem que eu nunca que eu nunca
apoiaria um líd apoiaria um líder tipo Antônio er tipo Antônio Conselheir Conselheir
o. Agora: temos de reconhecer que Canudos preenchia uma necessidade na vida dos
sertanejos pobres, desamparados. Não era só uma questão de religião. Em Canudos, havia t
rabalho, inclusive para os negros e para os índios. Em Canudos havia uma escola. E Canudos
havia uma escola. E
m Canudos eram proibidos o álcool e a m Canudos eram proibidos o álcool e a prostituição.
prostituição. Não é de admirar que o pessoal fosse Não é de admirar que o pessoal fosse p
ara lá em massa. Canudos chegou a ter ara lá em massa. Canudos chegou a ter 25 mil habita 25
mil habitantes -- era a segunda maior cid ntes -- era a segunda maior cid
ade da Bahia, perdendo só para Salvador. Agora: qual foi a atitude das autoridades a atitude
das autoridades
diante desse movimento? Repressão violenta. Uma guerra que durou um ano erra que durou
um ano e mobiliz e mobiliz
ou dez mil soldados e terminou em massacre: não ou dez mil soldados e terminou em
massacre: não sobrou ninguém vivo em Canudos. rou ninguém vivo em Canudos.
Depois que fala Depois que falaram, a palavra ram, a palavra foi colocada à foi colocada à
disposição do p disposição do público. Muita gen úblico. Muita gente queria te queria
falar, e o Armando até falar, e o Armando até teve certo trabalho para co teve certo trabalho
para controlar o tempo, mas tod ntrolar o tempo, mas todos se m
Voltamo-nos. Era Voltamo-nos. Era o Jesuíno. Não o Jesuíno. Não o tínhamos visto o
tínhamos visto entrar, e se entrar, e se tivéssemos visto, tivéssemos visto, não o te não o te
ríamos reconhecido: cortara o cabelo, aparara a barba, usava uma camiseta branca,
co: um enfermeiro cio hospital psiquiátrico onde el jeans e um par de tênis. jeans e um par de
tênis. Acompanhava-o, mas dicreta Acompanhava-o, mas dicretamente, um homem de aventa
e estava sendo tratado. mente, um homem de avental bran
-- Ouvi o q -- Ouvi o que vocês falaram ue vocês falaram - disse Jesuíno, - disse Jesuíno, numa
voz grave, numa voz grave, profunda - e profunda - e gostei m gostei m
uito.
(p. 106)
-- Quero dar o depoimento de alguém que -- Quero dar o depoimento de alguém que viveu
uma s viveu uma situação angustiante. O Queco menc ituação angustiante. O Queco menc
Nova pausa.
-- Bem, eu -- Bem, eu fui contra. Não fui contra. Não contra a repr contra a represa. Não
contra esa. Não contra a usina. O qu a usina. O que me deixou e me deixou i
ndignado foi a maneira com que os responsáveis pela obra nos trataram, a mim e aos nos
trataram, a mim e aos
outros. Nós éramos simplesmente obstáculos que tinham de ser removidos. Mas aquelas t
erras, gente, eram a minha vida, a nossa erras, gente, eram a minha vida, a nossa vida. Não
vida. Não eram só uma fonte de sustento, er eram só uma fonte de sustento, er am a minha
história, a história da minha am a minha história, a história da minha família, u família, uma
herança que eu tinha de preservar. ma herança que eu tinha de preservar.
Calou-se, ofegante: Calou-se, ofegante: era visível o era visível o esforço que ti esforço que
tinha feito para nha feito para dizer aquelas dizer aquelas coisa
s.
-- Mas os h -- Mas os homens - prossegui omens - prosseguiu - não esta u - não estavam
interessados vam interessados nisso. Limitaram-se nisso. Limitaram-se a m
e oferecer uma indenização - ridícula, aliás. A outras pessoas eles enganaram, dizendo q
Até distribuíram uns prospectos coloridos, mostrando uma praia com coqueiros e tudo
e os dizeres: "O sertão vai virar praia e os dizeres: "O sertão vai virar praia -- uma prai -- uma
praia elegante, uma praia da moda". a elegante, uma praia da moda".
A gente ali lutando pela sobrevivência e aqueles homens falando em praia da moda. falando
em praia da moda.
Respirou fundo, Respirou fundo, murmurou alguma murmurou alguma coisa, como coisa,
como se estivesse se estivesse falando sozinho: falando sozinho: era
-- A minha -- A minha reação, reconheço, reação, reconheço, foi violenta: foi violenta: vocês
mesmos são vocês mesmos são testemunhas disso. testemunhas disso. Eu estav Eu estav
a doente, muito doente, e peço desculpas a todas a doente, muito doente, e peço desculpas a
todas as pessoas a quem, na minha loucu pessoas a quem, na minha loucu
ra, agredi, a começar por meu filho, de ra, agredi, a começar por meu filho, de quem tanto
quem tanto me orgulho e de quem este colégio me orgulho e de quem este colégio
tão bem cuidou: obrigado, gente. Obrigado à direção, obrigado aos professores - o, obrigado
aos professores - o Arman o Arman
do, que aqui está, e que do, que aqui está, e que é um verdadeiro mestre, a é um verdadeiro
mestre, a Cíntia -, obrigado aos co Cíntia -, obrigado aos colegas do Zé, legas do Zé,
(p. 107)
Eles foram mais Eles foram mais do que amigos, do que amigos, foram irmãos, foram irmãos,
estavam do lado estavam do lado do meu filho do meu filho no mom
ento em que ele mais precisou, no momento em ento em que ele mais precisou, no momento
em que cometi um erro terrível. Sei que meti um erro terrível. Sei que
vou responder na justiça pelo que fiz. E vou responder na justiça pelo que fiz. E se tiver d se
tiver de pagar, pagarei. Eu só quero evi e pagar, pagarei. Eu só quero evi
tar que, no futuro, outros casos iguais ao meu tar que, no futuro, outros casos iguais ao meu
aconteçam. Eu só quero evitar que sur teçam. Eu só quero evitar que sur
ja um novo Antônio Conselheiro, um novo Jesuíno Pregador. Para isso, é gador. Para isso, é
preciso que a g preciso que a g
ente compreenda as pessoas, que a gente aceite as diferenças. É iferenças. É preciso que
sejamos preciso que sejamos
instante de silêncio - e aí, como se instante de silêncio - e aí, como se fosse uma cois fosse uma
coisa combinada, todos aplaudiram. Ap a combinada, todos aplaudiram. Ap
E por fim v E por fim veio a votação eio a votação final. A pergun final. A pergunta era: "Se ta
era: "Se Canudos acontecesse Canudos acontecesse hoje, você s hoje, você s
eria a favor de uma intervenção armada?" Recolhidos os votos e os votos e feita a apuração,
Armando feita a apuração, Armando
leu os resultados: 126 apoiariam uma intervenção armada, 584, não. De rmada, 584, não. De
novo, uma chuva novo, uma chuva
Encerramos a Se Encerramos a Semana de Cultura mana de Cultura com o Baile com o Baile
de Canudos. B de Canudos. Baile à fantasia: aile à fantasia: uns vie uns vie
tinha.
as coisas.
(p. 110)
(p. 111)
tempo
Os sertões Os sertões conquistou enorme conquistou enorme sucesso desde sucesso desde
seu lançament seu lançamento, em 19 o, em 1902, proporcionand 02, proporcionando
o e Geográfico Brasileiro, em 1903. A obra máxima de Euclides da Cunha nasceu de tin Euclides
da Cunha nasceu de tin
elato jornalístico, mas uma obra única, repleta de informações, comentários e reflexões que
denunciam as condições de vida das camadas mais pobres do sertão res do sertão nordestino.
nordestino.
(p. 112)
vermelho-sangue o árido
maiores cineastas
cinema, O tema do
messianismo, a religiosidade
do sertanejo, a inclemência
do sol, da miséria e da
coronéis e o descaso do
receberam um tratamento
singular, aclamado
mundialmente, em Deus e o
e em O santo guerreiro
mpacto visual, recria a fundação e destruição do arraial de Canudos a raial de Canudos a partir
da história d partir da história d
e uma família sertaneja que se une aos e uma família sertaneja que se une aos fiéis de Ant fiéis
de Antônio Conselheiro e juntos tentam re ônio Conselheiro e juntos tentam re
or ai. São inúmeras as produções que, de or ai. São inúmeras as produções que, de forma dire
forma direta ou indireta, abordam o tema: ta ou indireta, abordam o tema:
udo, a guerra de Canudos, quando filmava Deus e udo, a guerra de Canudos, quando filmava
Deus e o Diabo na terra do sol. iabo na terra do sol.
(p. 113)
Globo Repórter, Repórter, aborda aspectos aspectos históricos históricos e traz depoimentos
depoimentos de moradores moradores da região
de Canudos.
Canudos (1978) Canudos (1978) - Dirigido por - Dirigido por Ipojuca Pontes Ipojuca Pontes e
narrado por e narrado por Walmor Chagas, Walmor Chagas, esse
egião do conflito.
Memórias de Deu Memórias de Deus e o Diabo s e o Diabo em Monte Sant em Monte Santo e
Cocorobó o e Cocorobó (1984) - Dirigid (1984) - Dirigido por Agnaldo o por Agnaldo
Siri Azevedo, evoca os caminhos percorridos por Glauber Rocha, na região auber Rocha, na
região de Canud de Canud
os, quando filmava Deus e o Diabo na os, quando filmava Deus e o Diabo na terra do sol. terra
do sol.
ge Felippi, traz à tona a memória de ge Felippi, traz à tona a memória de Antônio Consel
Antônio Conselheiro, que resiste no cotidiano, na heiro, que resiste no cotidiano, na
fantasia e até na forte fantasia e até na forte religiosidade das comunida religiosidade das
comunidades sertanejas. des sertanejas.
Desejo (1990) - Minissérie Minissérie produzida produzida que Rede Globo, acentua acentua
o aspecto aspecto trágico trágico qu
e envolveu a vida de Euclides da e envolveu a vida de Euclides da Cunha, quando sua Cunha,
quando sua esposa, Ana de Assis, passa a esposa, Ana de Assis, passa a
a família.
público e crítica, dirigido por Antônio Olavo e público e crítica, dirigido por Antônio Olavo e
narrado por José Wilker, conta de forma rrado por José Wilker, conta de forma
"A Matadeira".
Fonseca, faz uma reconstituição histórica da campanha de Canudos, com imagens do nha de
Canudos, com imagens do loca
(p. 114)
Canudos, uma hi Canudos, uma história sem fim stória sem fim (1996) - Produ (1996) -
Produzido pelo Instit zido pelo Instituto de Radiodifus uto de Radiodifusão Ed
ucativa da Bahia e TV Educativa, traz imagens do ucativa da Bahia e TV Educativa, traz imagens
do Arraial de Canudos, cenas do fi raial de Canudos, cenas do fi
Das telas Das telas do cinema do cinema e da Tv e da Tv para as para as telas das telas das
artes plástica artes plásticas
ores e artistas plásticos. Há uma série de obras ores e artistas plásticos. Há uma série de obras
de arte que resultam de leituras de a arte que resultam de leituras de a
ado, em 1956, para ilustrar uma edição especial de Os sertões. Destacou-se como um gra
sertões. Destacou-se como um gra
nde ilustrador não apenas do clássico de Euclides da Cunha, mas a Cunha, mas de primorosas
edições do de primorosas edições do
s a respeito de seu trabalho: "nunca a s a respeito de seu trabalho: "nunca a fusão verbo- fusão
verbo-ícone atingiu tão intrínseca adequação" ícone atingiu tão intrínseca adequação" q
tista brasileiro que voltou seu olhar para Os sertões. "Com suas es. "Com suas figuras ossudas,
figuras ossudas,
de cones rasos e secos e de cones rasos e secos e nuances de cor, como disfa nuances de cor,
como disfarces contra a realidade a rces contra a realidade agres
te dos sertões (...) obra sempre casada com seu te dos sertões (...) obra sempre casada com
seu chão, sua terra e suas origens", com o, sua terra e suas origens", com
o observava Hélio Alves Neves, Aldemir trouxe toda a sua criatividade para as ilus criatividade
para as ilus
trações da 27º edição da obra de trações da 27º edição da obra de Euclides da Cunha. Euclides
da Cunha.
(p. 115)
Retratista fiel Retratista fiel dos costumes, cr dos costumes, crenças e tradiçõe enças e
tradições do povo ba s do povo baiano, considerado iano, considerado por mu
itos o mais característico pintor das cores e da itos o mais característico pintor das cores e da
alma da Bahia, o argentino Carybé t ma da Bahia, o argentino Carybé t
ambém emprestou sua criatividade para ilustrar Os sertões. Com poucos e certeiros go
Canudos vol Canudos volta a levantar mul levantar multidões: Os tidões: Os sertões p sertões
pede passagem ede passagem
Não há dúvidas Não há dúvidas de que a hist de que a história de Canudos ória de Canudos já
é uma pai já é uma paixão nacional. Em xão nacional. Em 1976, essa paixã 1976, essa paixão
tiniria a outra: o Carnaval. Os apaixonados pelo assunto sempre se lembrarão de sunto sempre
se lembrarão de um
natureza
A terra é seca
Os jagunços lutaram
Até o final
Mas essa não Mas essa não seria a única seria a única vez que a vez que a epopéia narrada
epopéia narrada por Euclides da por Euclides da Cunha se tornar Cunha se tornar
ou multidões das arquibancadas com o samba "Imperador da Velha República", tendo com
(p. 116)
Os versos do Os versos do samba ressaltam samba ressaltam a história dos a história dos
primeiros anos d primeiros anos da República e a República e lembram lembram
os motivos que trouxeram à cena brasileira líderes como Padre Cícero, Lampião e como Padre
Cícero, Lampião e Antônio Co Antônio Co
nselheiro.
E o sen E o senão vai v ão vai virar mar, irar mar, na profecia na profecia e na ca e na canção
Quem já não Quem já não ouviu a profecia ouviu a profecia de Antônio Cons de Antônio
Conselheiro, de que elheiro, de que o sertão viraria o sertão viraria praia, po praia, po
"(...)
E passo a passo vai cumprindo cumprindo a
[profecia
[alagar
[coração
uma bela canção, de sua uma bela canção, de sua autoria em parceria com Ca dos passos do
beato Conselheiro, o retrato das dos passos do beato Conselheiro, o retrato das cre autoria
em parceria com Cacaso, intitulada "Canudos crenças e descrenças do sertanejo: caso,
intitulada "Canudos". Através nças e descrenças do sertanejo: ". Através
errante
descrente
presente
nascente
pedra
(p. 117)
Nesse disco, cada música é uma Nesse disco, cada música é uma cena, retratando a cena,
retratando a geografia, a cultura, as tradiçõ geografia, a cultura, as tradições e
da Cunha faria, se fosse músico", foi da Cunha faria, se fosse músico", foi o que mais s o que
mais se ouviu na mídia, na época do lançame e ouviu na mídia, na época do lançame
nto do CD.
Eis algumas out Eis algumas outras composições d ras composições de músicos ilustr e
músicos ilustres, disponíveis es, disponíveis em CD, que tê em CD, que têm como tema m
como tema
a epopéia de Canudos:
"Monte Santo", "Monte Santo", de Hermeto Pascho de Hermeto Paschoal e João Bá al e João
Bá. Disco Lagoa . Disco Lagoa da Canoa Municí da Canoa Município de Arap pio de Arap
"Ladainha pra C "Ladainha pra Canudos", de João anudos", de João Bá e Gereba. Bá e Gereba.
Disco Carrancas Disco Carrancas 1- II (João 1- II (João Bá. 1994). Gr Bá. 1994). Gr
avadora Independente.
Para belo (Tom Para belo (Tom Zé. Zé Miguel Zé. Zé Miguel Wisnik e Grupo Wisnik e Grupo
Como. 1997). Pro Como. 1997). Produtora Grupo Corp dutora Grupo Corpo Músic o Músic
a Instrumental.
"Hora de Zumbi "Hora de Zumbi zanzar" e "Cercan zanzar" e "Cercanias de Canudos", ias de
Canudos", de João Bá de João Bá e Hermeto Paschoa e Hermeto Paschoal. Di
sco Ação dos Bacurau.s Cantantes (João Bá, 1997). Gravadora independente.
leituras
Messias ou fals Messias ou falso profeta, revolu o profeta, revolucionário ou louc cionário ou
louco, até hoje o, até hoje a figura de A a figura de Antônio Cons ntônio Cons
(p. 118)
Mas não é a Mas não é apenas no imaginár penas no imaginário dos sertanejo io dos
sertanejos e nas linh s e nas linhas de cordel as de cordel que Conselheiro que Conselheiro
e Canudos permanecem eternos. São inúmeras as publicações, literárias ou não, que resultam
de releituras que seus autores fizeram de Os sertões. Entre elas, três s. Entre elas, três
merecem desta merecem desta
que:
A guerra do A guerra do fim do mundo, fim do mundo, de Mano Vargas de Mano Vargas
Llosa, publicado Llosa, publicado pela editora Fr pela editora Francis
tões referente à luta. Por esse trabalho, o autor recebeu o ecebeu o primeiro prêmio em
concurs primeiro prêmio em concurs
Canudos, o povo Canudos, o povo da terra, de da terra, de Marco Antonio V Marco Antonio
Villa. Publicado illa. Publicado pela Ática. Estud pela Ática. Estudo h
istórico que reconstrói a vida dos conselheiristas, os atritos com o Estado republic
Pelo olhar Pelo olhar dos fotógrafo dos fotógrafos, imagens s, imagens tão ricas tão ricas
quanto pala quanto palavras
A única fotogra A única fotografia de Antonio fia de Antonio Conselheiro, tirad Conselheiro,
tirada por Flávio a por Flávio de Barros em de Barros em Canudos, Canudos,
em 6 de outubro de em 6 de outubro de 1897, foi feita 14 dias após su 1897, foi feita 14 dias
após sua morte. Depois do l a morte. Depois do laudo médico, audo médico,
o corpo foi decapitado e a cabeça enviada para o corpo foi decapitado e a cabeça enviada para
Salvador.
(p. 119)
bre o roteiro de Euclides da Cunha, a bre o roteiro de Euclides da Cunha, a ser publicada ser
publicada na revista 9 Cruzeiro. Poste na revista 9 Cruzeiro. Poste
mado no livro Bahia, imagens da terra e mado no livro Bahia, imagens da terra e do povo, ed
do povo, edição em 1951. ição em 1951.
Existem vários Existem vários outros trabalhos outros trabalhos fotográficos que fotográficos
que dialogam com Os dialogam com Os sertões. Dentre sertões. Dentre ele
s, merecem destaque:
Sertões: luz e trevas, de Mauren Bisilliat (com textos de Euclides da Cunha). A Euclides da
Cunha). A
(....) neste ensaio estão serras, vales, brejos, areias, lajeados, caatingas, mor
adas, vaqueiros, plantações, cabras, chuvas, estios, floradas, céus, , floradas, céus, nuvens,
manhãs, mei nuvens, manhãs, mei
Euclides e Suassuna?.
Como podemos no Como podemos notar a história tar a história de Antônio Con de Antônio
Conselheiro e seus selheiro e seus seguidores continua seguidores continua a
clássico como Os sertões, homenageamos seu clássico como Os sertões, homenageamos seu
autor. R autor. Reconhecendo seu talento, educamos econhecendo seu talento, educamos