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1. Bem-vindos 1. Bem-vindos a Sertãozinho a Sertãozinho de Baixo, de Baixo, o lugar o lugar


onde tudo onde tudo começou começou

Já faz um t Já faz um tempo que esta empo que esta história aconteceu, história aconteceu,
alguns anos, pa alguns anos, para dizer a ve ra dizer a verdade, ma rdade, ma

s só agora resolvi contá-la. Escrever é uma coisa que gosto de fazer; é uma forma gosto de
fazer; é uma forma de pre

servar a nossa memória e, até mesmo, de servar a nossa memória e, até mesmo, de entender
as entender as coisas. Quando a gente põe no pape coisas. Quando a gente põe no pape

l aquilo que nos aconteceu, é como se l aquilo que nos aconteceu, é como se estivéssemos
estivéssemos vivenciando de novo os acontecime vivenciando de novo os acontecime

ntos, descobrindo coisas que antes não nos haviam ocorrido. O que, no corrido. O que, no caso
da pres caso da pres

ente história, é um prazer e uma ente história, é um prazer e uma fonte de emoções. fonte de
emoções. Aqui vai, pois. Aqui vai, pois.

Moro numa cidad Moro numa cidade chamada Sertãoz e chamada Sertãozinho de Baixo. inho
de Baixo. Estranha, a d Estranha, a denominação? Pois enominação? Pois é. Muita é. Muita

gente achava isso, inclusive, e principalmente, na própria cidade. Gente que não gos

tava do "Sertãozinho" e não gostava do "de Baixo". Políticos e Políticos e empresários até
promoveram empresários até promoveram

uma campanha para mudar o nome. Por que uma campanha para mudar o nome. Por que "de
Baixo", "de Baixo", indagavam, se não há um Sertãozinh indagavam, se não há um Sertãozinh

o de Cima? Mas houve, sim, uma o de Cima? Mas houve, sim, uma vila com esse nome - vila
com esse nome -- só que desapareceu quando a á - só que desapareceu quando a áre

a em que ficava foi inundada para a a em que ficava foi inundada para a construção da g
construção da grande represa de Mar-de-Dentro. Q rande represa de Mar-de-Dentro. Q

uanto a "Sertãozinho", a razão da implicância era dupla: primeiro, o diminutivo, lembr

ando lugar pequeno; depois, e mais importante: de maneira geral, sertão alude a aneira geral,
sertão alude a um

lugar agreste, distante, de gente pobre e inculta. E a nossa cidade, diziam, já t a nossa cidade,
diziam, já t

inha deixado essa situação para trás.

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Ainda não éramo Ainda não éramos uma metrópole, s uma metrópole, mas estávamos cr mas
estávamos crescendo, progredindo. escendo, progredindo. Propunham para Propunham para
e
la o nome de Fernando Nogueira, o fundador do la o nome de Fernando Nogueira, o fundador
do shopping, que havia falecido pouco ing, que havia falecido pouco

s anos antes. Um plebiscito foi feito e s anos antes. Um plebiscito foi feito e a maioria d a
maioria dos votantes optou por manter os votantes optou por manter

a denominação tradicional. Continuamos o Sertãozinho de Baixo. Mas com um título adicion

al: "Novo Sertão", expressão criada por uma agência de publicidade contratada pelo pre

feito de então, Felisberto de Assis, um político veterano e de terano e de não poucas


ambições. Na apr não poucas ambições. Na apr

esentação da campanha, que incluía prospectos, cartazes coloridos e até filmetes para a

tevê, explicou o publicitário encarregado, um tevê, explicou o publicitário encarregado, um


carioca chamado Josino Albuquerque ("d ca chamado Josino Albuquerque ("d

escendente de baianos, e com muito orgulho"):

-- O objetivo -- O objetivo desta campanha desta campanha é transformar o é transformar o


limão em limona limão em limonada: o que era da: o que era a imagem a imagem

do atraso, hoje pode ser o do atraso, hoje pode ser o começo de uma riqueza. começo de
uma riqueza. Sertão, sim. Geograficamente Sertão, sim. Geograficamente fala

ndo, sertão. Mas é um outro sertão, o ndo, sertão. Mas é um outro sertão, o sertão que va
sertão que vai em frente, o sertão gerador de rique i em frente, o sertão gerador de riquez

as. Enfim: o Novo Sertão!

O que provocou O que provocou mais uma discussã mais uma discussão. Muita gente o.
Muita gente achou aquela achou aquela história de "O história de "O Novo Se Novo Se rtão"
frescura, coisa para impressionar ingênuos. No jornal às vezes aparece a expressão

, às vezes não. O nome , às vezes não. O nome da cidade é que ficou. da cidade é que ficou.

Polêmicas e cam Polêmicas e campanhas à parte, panhas à parte, Sertãozinho de Sertãozinho


de Baixo era, e Baixo era, e é, um lugar é, um lugar bom de morar. bom de morar. M

eu pai, por exemplo, sempre gostou daqui. Agora aposentado por doença (tem uma sentado
por doença (tem uma art

rite rebelde e incapacitante), foi, durante muitos anos, o delegado de polícia. Er

a respeitado, mas não temido; ao contrário, as pessoas o admiravam, consideravam-no


admiravam, consideravam-no

um homem sábio. Para ele, manter a ordem um homem sábio. Para ele, manter a ordem não
queria não queria dizer meter medo às pessoas. Acred dizer meter medo às pessoas. Acred

itava muito mais no diálogo -- mesmo com itava muito mais no diálogo -- mesmo com
delinqüent delinqüentes. Uma vez uma assaltante entrou es. Uma vez uma assaltante entrou

numa agência bancária.

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Cercado, e muit Cercado, e muito nervoso, disse o nervoso, disse que só sairia que só sairia
de lá morto. de lá morto. Meu pai, sozin Meu pai, sozinho e desa ho e desa

rmado, entrou no lugar. Conversou por mais de uma hora com o assaltante e por fi com o
assaltante e por fi

m saiu trazendo-o pelo braço. O homem chorava como uma criança e declarou ao jornal
criança e declarou ao jornal

que fora convencido pelo delegado, "homem de coração de ouro".

Meu pai tem Meu pai tem razão: a cidade razão: a cidade é agradável, pac é agradável,
pacífica. E antiga: ífica. E antiga: tem mais de tem mais de trezentos ano trezentos ano

s, como se constata pela bela igreja e s, como se constata pela bela igreja e pelo casario pelo
casario colonial. Antiga, mas não atra colonial. Antiga, mas não atra

sada: nos últimos anos, surgiram também fábricas -- uma delas muito grande, a uma delas
muito grande, a Indústria Indústria

Têxtil Coroado --, novas lojas, o shopping Nogueira... E também prédios de apartamento

s e até algumas mansões.

Mas há muita Mas há muita pobreza. Sempre pobreza. Sempre houve. No lugar houve. No
lugar chamado Buraco chamado Buraco -- uma enorme -- uma enorme vila p

opular que tem mais de trinta anos --, opular que tem mais de trinta anos --, as casinhas as
casinhas até hoje são humildes, as condições d até hoje são humildes, as condições d

e vida, muito duras. Em outras cidades, bairros assim são o im são o reduto de traficantes,
reduto de traficantes,

de criminosos. Não em Sertãozinho de Baixo. Na de criminosos. Não em Sertãozinho de Baixo.


Na nossa cidade, pobreza sempre esteve sa cidade, pobreza sempre esteve

mais associada à resignação do que à violência. "O que se vai fazer, é a se vai fazer, é a
vontade de Deus" er vontade de Deus" er

a uma frase que se ouvia a uma frase que se ouvia comumente. comumente.

Esse tipo de Esse tipo de atitude deixava atitude deixava meu amigo Geral meu amigo
Geraldo Camargo, o do Camargo, o Gê, muito irrit Gê, muito irritado. Pa ado. Pa

ra ele, os pobres deveriam se voltar, mostrar sua inconformidade, lutar por seus

direitos. Escreveu até um poema intitulado "A resignação é o gnação é o ópio do povo". Ge
era o ópio do povo". Ge era o pres

idente do grêmio estudantil -- e um líder muito idente do grêmio estudantil -- e um líder muito
combativo. Volta e meia brigava com bativo. Volta e meia brigava com

a direção do colégio, para grande consternação do pai, Henrique Camargo, dono de ai,
Henrique Camargo, dono de uma loja uma loja

de roupas no shopping. "Não entendo meu filho", queixava-se a meu pai, ixava-se a meu pai,
que era seu que era seu
confidente -- aliás, confidente de muitas outras pessoas também.

O colégio Horiz O colégio Horizonte, a escola onte, a escola particular em particular em que
estudávamos, que estudávamos, era melhor da era melhor da cidade. cidade.

Na época, não tinha muitos alunos, cerca de Na época, não tinha muitos alunos, cerca de
quinhentos, de modo que quase todo o mu ntos, de modo que quase todo o mu

ndo se conhecia. Gê - que hoje ndo se conhecia. Gê - que hoje é vereador, o veread é
vereador, o vereador mais jovem da cidade - começ or mais jovem da cidade - começou a

mostrar sua vocação política.

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Quando criamos Quando criamos nosso time nosso time de futebol, de futebol,
imediatamente imediatamente assumiu a assumiu a liderança, aind liderança, ainda q

ue não fosse o melhor jogador - ue não fosse o melhor jogador - o melhor jogador, m o melhor
jogador, modéstia à parte, era este que vo odéstia à parte, era este que vos f

ala. Nos trabalhos em grupo tomava a iniciativa e distribuía as istribuía as tarefas. Nunca hes
tarefas. Nunca hes

em política. Tentava motivar-me, emprestando-me li itou em brigar por aquilo que


considerava certo. E nunca desistiu de me envolver vros e folhetos, mas a mim tal desistiu de
me envolver

tipo de literatura não interessava muito. O que deixava o Gê xava o Gê muito irritado: muito
irritado:

-- A ge -- A gente precisava nte precisava ter idéias! ter idéias! A gente A gente precisa mudar
precisa mudar o mundo, o mundo, Gui!

Gui - Guilherme Gui - Guilherme Galvão - sou Galvão - sou eu. Até hoje eu. Até hoje o pessoal
me o pessoal me trata por esse trata por esse apelido. Dou apelido. Dou

tor Gui - formei-me em medicina no ano tor Gui - formei-me em medicina no ano passado -, m
passado -, mas Gui, de qualquer jeito. Gê e as Gui, de qualquer jeito. Gê

Gui: os apelidos eram parecidos, mas fisicamente éramos bem diferentes. Eu era ramos bem
diferentes. Eu era al

to; ele, baixinho. Eu era um garoto calmo, coisa to; ele, baixinho. Eu era um garoto calmo,
coisa que deixava minha mãe intrigada: e deixava minha mãe intrigada:

-- No campo -- No campo de futebol você de futebol você corre de um corre de um lado para
o lado para o outro -- observav outro -- observava --, em ca a --, em ca

sa você é um molenga.

E acrescentava, acrescentava, irônica: irônica:

-- Pelo -- Pelo menos na menos na hora de hora de arrumar o arrumar o seu quart seu quarto.

Gê, elétrico, n Gê, elétrico, não parava quieto. ão parava quieto. Gostava de fala Gostava de
falar - e falar r - e falar bem; discurso era bem; discurso era com el
e mesmo. Queria ser advogado e chegou a e mesmo. Queria ser advogado e chegou a entrar
numa entrar numa faculdade em juazeiro, que f faculdade em juazeiro, que f

ica a algumas dezenas de quilômetros de Sertãozinho. Mas interrompeu os estudos para

se candidatar à Câmara de Vereadores. Exatamente como o professor Armando tinha pre


professor Armando tinha pre visto:

-- O Gê -- O Gê ainda vai ainda vai ser um líder político líder político nesta cidade. nesta
cidade.

O Armando era O Armando era o nosso profes o nosso professor de história. sor de história.
Excelente professor Excelente professor. Para ele, h . Para ele, histór

ia não era só decorar datas de ia não era só decorar datas de batalhas ou nomes de batalhas
ou nomes de generais e de presidentes. "Hi generais e de presidentes. "Histór

ia", dizia, "é extrair do passado e aplicá-las ao presente".

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Como professor, Como professor, era extremamente era extremamente criativo. Por criativo.
Por exemplo, quan exemplo, quando estudamos do estudamos escra

vatura, organizou uma encanação que serviu de ponto de partida para um de partida para um
debate: de um debate: de um

lado, um fazendeiro argumentado que, sem a mão-de-obra escrava, não tinha condições de

produzir; de outro lado, um industrial da cidade defendendo idéias abolicionistas.

Atualmente, Armando Atualmente, Armando não apenas lecio não apenas lecionava como
também nava como também apresenta um pro apresenta um programa de rádio, grama de
rádio,

chamado "A história hoje", em que se chamado "A história hoje", em que se fala de acont fala
de acontecimentos do passado - a Guerra ecimentos do passado - a Guerra

do Paraguai, por exemplo - como do Paraguai, por exemplo - como estivessem acontec
estivessem acontecendo no presente: "Na minha f endo no presente: "Na minha f rente, os
navios imperiais...". É bom nisso. Enfim, um cara animado, divertido, além

de inteligente, culto, ponderado. Não acredito muito em gurus, mas, se to em gurus, mas, se
acreditass acreditass

e, diria que ele foi, para nós, e, diria que ele foi, para nós, um guru. um guru.

Contudo, não er Contudo, não era uma unanimidade a uma unanimidade, em Sertãozinho ,
em Sertãozinho de Baixo. Havia de Baixo. Havia quem não gostass quem não gostasse d

ele, como o Fernando Nogueira, dono do shopping e, na época, presidente da Câmara de


época, presidente da Câmara de

Comércio da cidade. Para ele, o Comércio da cidade. Para ele, o Armando não passav
Armando não passava de um esquerdista cujo objetivo a de um esquerdista cujo objetivo
era "confundir as mentes dos nossos jovens". Na era "confundir as mentes dos nossos
jovens". Na Associação de Pais e Mestres, da qu sociação de Pais e Mestres, da qu

al era também presidente, Fernando chegou a pedir que os professores fosse desliga
professores fosse desliga

do da escola. Mais uma vez meu do da escola. Mais uma vez meu pai, que estava na r pai, que
estava na reunião, salvou a pátria. Mostro eunião, salvou a pátria. Mostrou

que o Armando não estava doutrinando ninguém, estava ensinando os alunos a dialogar:

-- E diálogo -- E diálogo nunca fez mal nunca fez mal a ninguém. Ao a ninguém. Ao contrário: o
di contrário: o diálogo é a gin álogo é a ginástica da inteli ástica da inteligência

Se ginástica para o corpo é Se ginástica para o corpo é importante, por que nã importante,
por que não fazer ginástica para a ment o fazer ginástica para a mente?

Todo o mundo Todo o mundo riu, e até riu, e até o próprio Fernan o próprio Fernando
reconheceu qu do reconheceu que havia exagerado e havia exagerado. "Sou me . "Sou me

io preconceituoso", disse.

Não era o ú Não era o único. Preconceito, nico. Preconceito, infelizmente, exis infelizmente,
existia no chamado tia no chamado Novo Sertão. H Novo Sertão. Havia qu avia qu

em não gostasse de sertanejo, de nordestino em geral.

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A cidade fica A cidade fica na entrada do na entrada do sertão da Bahia, sertão da Bahia, mas
muita gente mas muita gente achava que estáv achava que estávamos

mais para Sudeste do que para Nordeste.

O horizonte era O horizonte era, porém, um c , porém, um colégio democrático. olégio


democrático. A diretora, prof A diretora, professora Arlete, ve essora Arlete, veter

ana no cargo, não se cansava de ana no cargo, não se cansava de enfatizar: enfatizar:

-- Aqui somos -- Aqui somos todos iguais, todos iguais, não importa a não importa a cor da
pele, cor da pele, não importa a não importa a procedência, não procedência, não

importa a religião.

Nunca tivemos p Nunca tivemos problemas a esse roblemas a esse respeito. Até respeito. Até
que ocorreu um que ocorreu um incidente. E esse incidente. E esse in

cidente - assim como seus desdobramentos - foi como que um desígnio para que tentáss um
desígnio para que tentáss

emos nossa capacidade de tolerância. E com ele começou também a çou também a minha
história. minha história.

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2. Alguém 2. Alguém chega para chega para nos lembrar nos lembrar que o v que o velho
sertão elho sertão ainda existe ainda existe
Um dia, a d Um dia, a diretora entrou na iretora entrou na nossa sala de nossa sala de aula
acompanhada aula acompanhada de um garoto de um garoto magri

nho, franzino, meio desengonçado. Apresentou-o:

-- Gente, este -- Gente, este aqui é o novo aqui é o novo colega de vocês colega de vocês, o
José Gon , o José Gonçalves. Ele acaba çalves. Ele acaba d se mudar d se mudar p

ara a cidade. Peço que vocês o ara a cidade. Peço que vocês o recebam bem, e que o recebam
bem, e que o ajudem no que for necessário. ajudem no que for necessário.

Normalmente um Normalmente um pedido como aquel pedido como aquele teria sido e teria
sido até desnecessário. até desnecessário. Em geral, acolhía Em geral, acolhíamos

com prazer o pessoal que vinha com prazer o pessoal que vinha de fora, o que não de fora, o
que não era muito freqüente; foi, por ex era muito freqüente; foi, por exe

mplo, o caso do Peter, filho de mplo, o caso do Peter, filho de um engenheiro inglê um
engenheiro inglês que veio para cá contratado pe s que veio para cá contratado pel

a usina hidrelétrica e decidiu ficar na cidade com a esposa e os filhos, Peter e E esposa e os
filhos, Peter e E

rnest. O Peter aprendeu a falar português e logo rnest. O Peter aprendeu a falar português e
logo se integrou na turma da escola. F integrou na turma da escola. F

ormou-se em economia. Hoje é um brasileiro cem por cento - sabe até preparar vatapá e -
sabe até preparar vatapá e

acarajé. Quem prova os seus pratos diz que é acarajé. Quem prova os seus pratos diz que é
autêntica cozinha baiana. ica cozinha baiana.

Mas havia qualq Mas havia qualquer coisa no uer coisa no Zé Gonçalves, ou Zé Gonçalves, ou
Zé, como logo Zé, como logo veio a ser veio a ser chamado, que n chamado, que n os
perturbava. Ele era feio, o coitadinho, e a os perturbava. Ele era feio, o coitadinho, e a voz
dele, fanhosa, trêmula, parecia dele, fanhosa, trêmula, parecia

um balido de cabrito - um balido de cabrito - aliás, alguns o chamavam de aliás, alguns o


chamavam de Zé Cabrito. Mas isso, c Zé Cabrito. Mas isso, claro, não s laro, não s

eria um problema - afinal, ninguém precisa ser galã, ninguém precisa ter , ninguém precisa ter
voz de tenor. voz de tenor.

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O problema real O problema real era outro: Zé era outro: Zé representava, para representava,
para nós, um mistéri nós, um mistério. Um mistério o. Um mistério complet complet

o. Para começar, era, como logo constatamos, um garoto reservado, caladão. Nunca fal

tava às aulas, nunca chegava atrasado, nunca deixava de entregar os trabalhos. E a de entregar
os trabalhos. E q

uase sempre permanecia em silêncio. Falava só quando tinha de falar -- o tinha de falar --
respondendo ás respondendo ás
perguntas dos professores. Nessas ocasiões saía-se bem, mostrava um conhecimento que
mostrava um conhecimento que

nos impressionava; sem dúvida, era inteligente e estudioso.

No recreio, fic No recreio, ficava sozinho em ava sozinho em um canto, come um canto,
comendo a merenda ndo a merenda - um sanduíche - um sanduíche que tra que tra

zia de casa - e zia de casa - e lendo um livro. Era um grande leito lendo um livro. Era um grande
leitor. Logo se torno r. Logo se tornou o maior fre u o maior fre

qüentador da biblioteca, para grande alegria de dona Alcívia, a bibliotecária, que ado

rava leitores dedicados. Como o Zé.

Da vida dele, Da vida dele, sabíamos muito sabíamos muito pouco. A irrequ pouco. A
irrequieta Martinha, n ieta Martinha, nossa colega, que ossa colega, que tin

ha, como dizia o Armando, "uma grande vocação para o jornalismo investigativo", anda
jornalismo investigativo", anda

ra fazendo perguntas por conta própria. Descobria que o Zé era ue o Zé era da região de
Sertãozinho da região de Sertãozinho

de Cima, aquela que fora inundada. Na ausência da mãe - ausência inexplicada -, o pai -
ausência inexplicada -, o pai

criara, mas, a certa altura, e por razões não criara, mas, a certa altura, e por razões não bem
esclarecidas, sumira também. Depois sclarecidas, sumira também. Depois

de algumas andanças, viera morar com uma velha tia em nossa cidade. nossa cidade.

-- E a tia? - indaguei. -- O que diz a tia?

-- Pelo que -- Pelo que me informam, é me informam, é uma mulher ve uma mulher velha e
esquisita, lha e esquisita, que não fala que não fala com estranho com estranho

s. A ela não dá s. A ela não dá para perguntar nada. para perguntar nada.

Os professores Os professores notavam o isolame notavam o isolamento de Zé e nto de Zé e


sugeriam que o sugeriam que o procurássemos, mas procurássemos, mas era

inútil. Enfim, parecia um caso para psicólogo.

Essas coisas eu Essas coisas eu comentava com me comentava com meu pai, na me u pai, na
mesa do almoço. sa do almoço. Em geral ele Em geral ele ouvia sem ouvia sem

dizer nada: meu pai também não dizer nada: meu pai também não era de falar muito. era de
falar muito. Uma vez, porém, sugeriu: Uma vez, porém, sugeriu:

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-- Por que você que você não traz não traz esse garoto esse garoto para almoçar para almoçar
aqui em aqui em casa?

Olhei-o, surpre Olhei-o, surpreso. Tanto so. Tanto papai como papai como mamãe sempre
mamãe sempre foram pessoas foram pessoas colhedoras. Ma colhedoras. Mamãe,
a propósito, até hoje enfermeira-chefe de nosso pequeno hospital, tem uma vocação natura

l para cuidar de gente. Volta e l para cuidar de gente. Volta e meia tínhamos convi meia
tínhamos convidados para o almoço ou para a ja dados para o almoço ou para a jan

ta. Mas confesso que a sugestão do papai ta. Mas confesso que a sugestão do papai me soou
um me soou um tanto estranha. Eu não conseguia tanto estranha. Eu não conseguia

imaginar o Zé sentado ali, junto conosco, batendo papo. Notando minha indecisão, pa
Notando minha indecisão, pa

pai insistiu:

-- Meu palpite -- Meu palpite é que esse ga é que esse garoto precisa de roto precisa de
companhia, de am companhia, de amigos. Só isso. igos. Só isso.

Assim, no dia Assim, no dia seguinte, na e seguinte, na escola, procurei scola, procurei o Zé.
Era a o Zé. Era a hora do recreio hora do recreio e lá estav e lá estav

a ele, sob uma árvore, comendo seu sanduíche, o a ele, sob uma árvore, comendo seu
sanduíche, o livro sobre os joelhos - mas o olhar ro sobre os joelhos - mas o olhar

longe, perdido. Aproximei-me, toquei-lhe o braço. Sua reação foi inusitada. Levou um

susto tão grande que deixou cair o sanduíche. Chate ada", murmurou, "essas coisas
acontecem". Achando qado, pedi-lhe desculpas. "Não foi n ue iria me reabilitar, convid

ei-o para almoçar em nossa casa.

Olhou-me Olhou-me com ar de dolorosa olorosa surpresa: surpresa:

-- Almoçar? -- Almoçar? - repetiu. - repetiu. -- Almoça -- Almoçar em sua casa? sua casa?

-- É. A -- É. Almoçar. A lmoçar. A gente ia gente ia gostar muito, gostar muito, eu, meu eu,
meu pai e mi pai e minha mãe. nha mãe.

Ele baixou os Ele baixou os olhos e ficou olhos e ficou uns instantes se uns instantes sem dizer
nada. m dizer nada. Depois me olhou Depois me olhou com

uma expressão de tristeza que me surpreendeu - e uma expressão de tristeza que me


surpreendeu - e impressionou: pressionou:

-- Desculpe, Gui. Eu agradeço muito o convite de -- Desculpe, Gui. Eu agradeço muito o convite
de vocês, mas não posso aceitar. cês, mas não posso aceitar.

-- Não pode aceitar? aceitar? Por que não?

-- Por que não. Desculpe. Desculpe.

Insisti:

-- Escute: se -- Escute: se tem algum alim tem algum alimento que você ento que você não
pode comer não pode comer, é só dizer, , é só dizer, não há problema não há problema.

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-- Não. -- Não. Não tem Não tem nada a ver com ver com comida. comida.
Àquela altura, Àquela altura, eu estava eu estava francamente int francamente intrigado.
Queria rigado. Queria continuar a continuar a conversa, des conversa, des

cobrir o que estava havendo. Mas a campainha já cobrir o que estava havendo. Mas a
campainha já soava: era o fim do intervalo. Sem va: era o fim do intervalo. Sem

uma palavra, ele se levantou e uma palavra, ele se levantou e voltou para a sala voltou para a
sala de aula. de aula.

No fim da à No fim da à tarde fui até tarde fui até a lanchonete d a lanchonete do Alfredo,
onde o Alfredo, onde a nossa turma a nossa turma costumava se costumava se

reunir. Ali já estavam, como de reunir. Ali já estavam, como de hábito, o Gê, a Ma hábito, o
Gê, a Martinha, mais o gordinho Queco. Fi rtinha, mais o gordinho Queco. Filh

o do dono do shopping - o do dono do shopping - de uma família endinheirada de uma família


endinheirada, portanto -, vestia-se , portanto -, vestia-se bem e e bem e e

ra bom de conversa, o que não ra bom de conversa, o que não quer dizer que tivess quer dizer
que tivesse muitos amigos: não raro era e muitos amigos: não raro era mei

o irônico, agressivo até, coisa de que muita gente não gostava. Mas Martinha, Gê e eu co
gostava. Mas Martinha, Gê e eu co

nvivíamos com ele desde o jardim-de-infância. Acabamos nos acostumando, e, apesar de

sua agressividade, ele continuava ligado ao grupo, ao menos naqueles papos de ao menos
naqueles papos de f

im de tarde.

Vendo-me Vendo-me chegar, chegar, Martinha Martinha foi logo perguntando: perguntando:

-- O qu -- O que é que e é que você estava você estava conversando c conversando com o Zé
om o Zé no intervalo? no intervalo?

Hesitei um Hesitei um instante, mas instante, mas acabei contando acabei contando o que t o
que tinha acontecido. inha acontecido. Quando termin Quando termin

ei, todo o mundo fiou em ei, todo o mundo fiou em silêncio, num surpreso sil silêncio, num
surpreso silêncio.

-- Sei não -- Sei não - disse Martinha, - disse Martinha, por fim, sacudi por fim, sacudindo a
cabeça. ndo a cabeça. -- Para mim -- Para mim o cara parec o cara parec

e meio esquisito, meio misterioso.

-- Misterioso c -- Misterioso coisa nenhuma - oisa nenhuma - disse o Queco, disse o Queco,
com aquele seu com aquele seu sorrisinho debocha sorrisinho debocha

do. -- Essa gente é assim mesmo.

-- Que gente? -- gente? -- perguntou o perguntou o Gê, testa Gê, testa franzida. franzida.

-- Essa gente -- Essa gente que vem lá que vem lá das gotas, lá das gotas, lá do sertão. Tu do
sertão. Tudo ignorante, tud do ignorante, tudo grosso. o grosso.
-- Espere um -- Espere um pouco - protest pouco - protestei. -- Você ei. -- Você não vai dizer
não vai dizer que o cara que o cara recusou o meu recusou o meu con

vite porque é grosso.

-- Não? E p -- Não? E por que foi, e or que foi, então? Porque voc ntão? Porque vocês não têm
m ês não têm mordomo, é por ordomo, é por isso? Não. O isso? Não. O Zé Cabrito é Zé Cabrito
é

rosso. Aposto que o pai dele era rosso. Aposto que o pai dele era cangaceiro. cangaceiro.

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-- Acho -- Acho que você que você está sendo está sendo injusto - injusto - eu disse. eu disse.
E Gê acr E Gê acrescentou: escentou:

-- Não só injusto: injusto: preconceituoso. preconceituoso.

-- Meu Deus, -- Meu Deus, que palavra com que palavra complicada -- ironi plicada -- ironizou
o Queco. zou o Queco. -- E poderia -- E poderia o caro c o caro c

olega dizer-me como descobriu que olega dizer-me como descobriu que sou preconceituos sou
preconceituoso?

-- Por sua linguagem. sua linguagem. "Essa gente"! "Essa gente"! Quem é " Quem é "essa
gente"? essa gente"? - perguntou - perguntou Gê.

-- Você sabe. -- Você sabe. Essa gente do Essa gente do interiorzão. Das interiorzão. Das
grotas. Do sert grotas. Do sertão -- respondeu ão -- respondeu Queco.

-- Ah! A ge -- Ah! A gente do sertão. nte do sertão. E em que e E em que eles são diferent les
são diferentes de nós? - es de nós? - desafiou Gê. desafiou Gê.

-- Em muita -- Em muita coisa, cara. Voc coisa, cara. Você tem um exe ê tem um exemplo
nessa histó mplo nessa história do Gui: v ria do Gui: você acha que ocê acha que al

gum de nós recusaria um convite para almoçar? - gum de nós recusaria um convite para
almoçar? - E, rindo, acrescentou: -- Na casa do rindo, acrescentou: -- Na casa do

delegado?

-- Mas espere -- Mas espere um pouco - um pouco - ponderou Martinha. ponderou Martinha.
-- Quem sabe -- Quem sabe o rapaz tem o rapaz tem algum mot algum mot

ivo...

-- Motivo nenhu -- Motivo nenhum, Martinha. O m, Martinha. O motivo eu já motivo eu já


disse qual é: disse qual é: grossura, só iss grossura, só isso -concluiu o -concluiu

Queco.

A essa altura, A essa altura, o ambiente já o ambiente já estava ficando estava ficando tenso.
É que, tenso. É que, embora colegas, embora colegas, e amigos e amigos

, Gê e Queco eram também , Gê e Queco eram também rivais. Os dois haviam dis ntil. Queco,
derrotado (e por larga margem de votos rivais. Os dois haviam disputado a presidência do g ,
como era , como era de esperar), não se putado a presidência do grêmio estuda de esperar),
não se rêmio estuda

conformara, e de vez em quando alfinetava o Gê, conformara, e de vez em quando alfinetava o


Gê, cuja tolerância para essas coisas não a tolerância para essas coisas não

era muito grande. De modo que a era muito grande. De modo que a discussão poderia a
discussão poderia até acabar em briga, o que infeli té acabar em briga, o que infeliz

mente não aconteceu: nesse momento chegaram o Armando e sua mulher, Cíntia, também
pro

fessora, de literatura. Os dois eram freqüentadores do Alfredo, cujo sanduíche é muito

bom.

-- Ouvi os gritos lá da -- Ouvi os gritos lá da esquina - disse Armando. -- esquina - disse


Armando. -- O que vocês estão discu O que vocês estão discutindo?

(p. 20)

Contei o que Contei o que tinha acontecido tinha acontecido com o Zé e com o Zé e sobre a
discuss sobre a discussão que havíamos ão que havíamos tido. Armand tido. Armand

o e Cíntia escutavam, comendo o sanduíche que, nesse meio tempo, e meio tempo, o Alfredo
tinha tra o Alfredo tinha tra

zido.

-- Qual -- Qual sua opinião? sua opinião? - perguntei, - perguntei, quando Armando quando
Armando acabou de acabou de comer.

Ele ia responder, responder, mas Cíntia o interrompeu: interrompeu: -- Desculpe, Ar --


Desculpe, Armando, mas eu mando, mas eu conheço você e conheço você e sei que se c sei
que se começar a falar omeçar a falar a conversa va a conversa va

i longe. Acontece que temos de voltar para casa, i longe. Acontece que temos de voltar para
casa, estou esperando um telefonema d tou esperando um telefonema d

e minha mãe, que vai ligar de e minha mãe, que vai ligar de São Paulo. Por que vo São Paulo.
Por que vocês não continuam essa convers cês não continuam essa conversa lá em c a lá em c

asa?

-- Boa idéia - disse Armando. -- -- Boa idéia - disse Armando. -- Mesmo porque há um Mesmo
porque há uma coisa que quero mostrar a vocês a coisa que quero mostrar a vocês

(p. 21)

3. Tentando Tentando entender entender o sertão

Armando morava Armando morava a uns três qu a uns três quarteirões dali, arteirões dali,
numa casa modest numa casa modesta, mas muito a, mas muito bonita, c bonita, c
om um jardim na frente - om um jardim na frente - jardim que era o orgulho d jardim que era o
orgulho de Cíntia. e Cíntia.

Entramos, sentamos Entramos, sentamos na sala de na sala de visitas, que n visitas, que não
era muito ão era muito grande. Nas quat grande. Nas quatro pare ro pare

des, prateleiras com livros. Livro, aliás, era coisa que não faltava naquela casa. A

rmando extraiu um livro de um das prateleiras:

-- Acho que vocês conhecem, conhecem, não é?

Claro que conhe Claro que conhecíamos: Os sertõe cíamos: Os sertões, de Euclides s, de
Euclides da Cunha. Par da Cunha. Para começar, o a começar, o próprio nome próprio nome

do autor nos era familiar: Euclides da Cunha é do autor nos era familiar: Euclides da Cunha é o
nome de uma cidade próxima à nossa, e me de uma cidade próxima à nossa, e

m homenagem ao grande escritor. Além disso, a campanha de Canudos ocorreu nha de


Canudos ocorreu a cento a cento

e poucos quilômetros de Sertãozinho de Baixo; tanto que meu bisavô, já que meu bisavô, já
falecido, lembrav falecido, lembrav

a de ter ouvido relatos a respeito, de a de ter ouvido relatos a respeito, de testemunhas


testemunhas oculares. Sem contar que o próp oculares. Sem contar que o próp

rio Armando nos falará várias vezes daquela obra - essencial, segundo ele, para essencial,
segundo ele, para ente

nder o Brasil. Agora: isso não significava que muitos alunos tivessem lido Os os alunos tivessem
lido Os sertõe

s. A maioria achava-o um livro difícil, principalmente por causa da linguagem. O nte por causa
da linguagem. O q

ue explica a apreensão do Queco:

-- Você -- Você não vai não vai ler esse ler esse livro para livro para nós agora, nós agora, vai?

(p. 22)

-- Não se a -- Não se assuste - disse ssuste - disse Armando, com u Armando, com um sorriso.
-- m sorriso. -- É um trecho É um trecho pequeno. pequeno.

Folheto o Folheto o livro, enc livro, encontrou a ontrou a página que página que procurava e
procurava e leu:

-- "O sertanejo -- "O sertanejo é, antes de é, antes de tudo, um forte. tudo, um forte. Não tem
o ra Não tem o raquitismo exaustivo quitismo exaustivo dos mes dos mes

tiços, neurastênicos, do litoral".

"A sua aparênci "A sua aparência, entretanto, ao a, entretanto, ao primeiro lance primeiro
lance de vista, revela de vista, revela o contrário. Fal o contrário. Falt
a-lhe a plástica impecável, o a-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutur desempeno, a
estrutura corretíssima das organizaçõe a corretíssima das organizações atléticas s atléticas

".

"É desgracioso, "É desgracioso, desengonçado, to desengonçado, torto. Hércules-Qu rto.


Hércules-Quasímodo, reflete asímodo, reflete no aspecto no aspecto a fealdade a fealdade

típica dos fracos. O andar sem típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo firmeza,
sem aprumo, quase gigantes e sinuoso apar , quase gigantes e sinuoso apar

enta a translação de enta a translação de membros desarticulados. Agrava membros


desarticulados. Agrava-o a postura normalme -o a postura normalmente abatida, nte abatida,

num manifestar de displicência que lhe dá um num manifestar de displicência que lhe dá um
caráter de humildade deprimente." er de humildade deprimente."

Fez uma pausa e perguntou: perguntou:

-- O que é que vocês acham?

-- Para o m -- Para o meu gosto, é c eu gosto, é complicado - diss omplicado - disse Martinha.
-- e Martinha. -- Estilo meio re Estilo meio rebuscado.. O buscado.. O

-- É. Euclides uvi dizer que esse livro nasceu de uma uvi dizer que esse livro nasceu de uma
reportagem, -- É. Euclides da Cunha foi da Cunha foi enviado para Can enviado para Canudos
pelo jornal reportagem, não é isso? udos pelo jornal O Estado de não é isso? O Estado de S.
Paul S. Paul

o para fazer a cobertura da campanha militar contra Antônio Conselheiro.

-- Então? Se -- Então? Se o cara foi o cara foi lá como jornalis lá como jornalista, eu esperava
ta, eu esperava que ele escrevess que ele escrevesse uma coi e uma coi

sa mais direta, mais... objetiva - comentou Martinha.

Cíntia, Cíntia, que escutava escutava a conversa, onversa, observou: observou:

-- Desculpem, m -- Desculpem, mas quero dar as quero dar a minha contribu a minha
contribuição. Jornalístico, ição. Jornalístico, como você diz, como você diz, o texto o texto

não é. Na verdade o não é. Na verdade o livro foi escrito depois que E livro foi escrito depois
que Euclides retornou de C uclides retornou de Canudos. Ele anudos. Ele

passou os anos de 1898 a passou os anos de 1898 a 1901 no interior de São Pa 1901 no
interior de São Paulo, em São José do Rio C ulo, em São José do Rio Cardo - est ardo - est

ava lá como engenheiro, supervisionando a reconstrução de uma ponte. Foi nesses três ano

s que lê escreveu o livro, que s que lê escreveu o livro, que foi publicado em 190 foi publicado
em 1902, aliás com grande sucesso. Nã 2, aliás com grande sucesso. Não é só r

elato da campanha; Euclides contou o que viu - elato da campanha; Euclides contou o que viu -
e contou muitíssimo bem -, mas acre ntou muitíssimo bem -, mas acre

scentou, ao que viu, seus próprios comentários, suas próprias reflexões.


(p. 23)

-- Que são -- Que são importantes - acr importantes - acrescentou Armando. escentou
Armando. -- Euclides er -- Euclides era um homem mu a um homem muito cul ito cul

to, familiarizado com as coisas da ciência; não esqueçam que era ueçam que era engenheiro
de formação, e engenheiro de formação, e

que ciência, sobretudo naquela época, era sinônimo de progresso, o antídoto da de progresso,
o antídoto da crendice crendice

-- Eu acho - observou Gê -- Eu acho - observou Gê - que a primeira frase é - que a primeira


frase é genial. Olhem só: "O serta genial. Olhem só: "O sertanejo é, an nejo é, an

tes de tudo, um forte". Quer dizer: ser tes de tudo, um forte". Quer dizer: ser forte é a p forte
é a primeira e grande qualidade do s rimeira e grande qualidade do

ertanejo. Do sertanejo só, não: do brasileiro. O que o nosso povo agüenta não é mole, gent
nosso povo agüenta não é mole, gent

e. É pobreza, é doença, é desemprego, é e. É pobreza, é doença, é desemprego, é desigualdad


desigualdade social... Tem de ser forte mesmo. e social... Tem de ser forte mesmo.

-- Qual -- Qual é, cara? é, cara? Vê se n Vê se nos popa os popa do comício! do comício! -


disse - disse Queco.

-- Para você -- Para você é comício - é comício - respondeu Gê, d respondeu Gê, desabrido. --
Par esabrido. -- Para os pobres n a os pobres não é. Pergunta ão é. Pergunta para a

quela gente do Buraco se isso que eu quela gente do Buraco se isso que eu falei é comíci falei é
comício.

-- Calma, pesso -- Calma, pessoal - era a al - era a Martinha. -- V Martinha. -- Vamos deixar a
amos deixar a briga de lado briga de lado e voltar a e voltar a

o nosso assunto. Posso ver o livro, Armando?

Armando deu Armando deu-lhe o livro. Ela livro. Ela procurou o procurou o trecho lido:
trecho lido:

-- Não entendo -- Não entendo muita coisa do muita coisa do que está escri que está escrito
aqui. O q to aqui. O que é "desempeno"? ue é "desempeno"? -- É ser ágil, elega il, elegante -
disse Cíntia. Cíntia.

-- Ah... E -- Ah... E que história é que história é essa de "Hércu essa de "Hércules-Quasímodo"?
- les-Quasímodo"? - quis saber Mart quis saber Martinha.

-- Hércules era -- Hércules era aquele herói da aquele herói da mitologia grega, mitologia
grega, fortíssimo, corajoso fortíssimo, corajoso. Já Quasímodo . Já Quasímodo é um p

ersonagem feio e disforme que aparece em O corcunda de Notre Dame, do escritor f Notre
Dame, do escritor f
rancês Victor Hugo. Quer dizer, o sertanejo é a rancês Victor Hugo. Quer dizer, o sertanejo é a
combinação dessas duas figuras. binação dessas duas figuras.

-- Mas afinal -- Mas afinal - perguntei -- - perguntei -- o Euclides da o Euclides da Cunha está
ou Cunha está ou não elogiando o não elogiando o sertanejo sertanejo

(p. 24)

-- Está. Mas -- Está. Mas está generalizando está generalizando também. A gente também. A
gente vê isso quando vê isso quando ele diz que ele diz que o mestiço -- o mestiço --

filho de branco com índio, de branco com filho de branco com índio, de branco com negro - é
negro - é raquítico. O raquitismo na verdade é raquítico. O raquitismo na verdade é

uma doença dos ossos, causada pela falta de cálcio. Mas usa-se a palavra raquítico com usa-se
a palavra raquítico com

o sinônimo de magro, miúdo, fraco. Ah, sim, e o sinônimo de magro, miúdo, fraco. Ah, sim, e
dizia que o mestiço era neurastênico. Neur que o mestiço era neurastênico. Neur

astenia era um termo da moda, muito usado por astenia era um termo da moda, muito usado
por médicos e também pelas pessoas em gera os e também pelas pessoas em gera

l. Neurastenia quer dizer "fraqueza dos nervos". Achava-se, naquela época, que a m

estiçagem resulta em seres humanos inferiores, tanto do ponto de vista físico como p

sicológico; eram, para usar o termo de então, "degenerados". O próprio Euclides diz qu

e a mistura de raças muito diferentes é e a mistura de raças muito diferentes é prejudicial


prejudicial, que a mestiçagem é um retrocesso. , que a mestiçagem é um retrocesso.

-- Ele diz -- Ele diz isso? -- Gê, isso? -- Gê, testa franzida. testa franzida. -- Mas que c -- Mas
que coisa mais atrasad oisa mais atrasada! Eu estav a! Eu estav

a achando o cara um gênio...

-- Vamos com calma - disse -- Vamos com calma - disse Armando. -- O Euclides d Armando. -- O
Euclides da Cunha era um homem de seu a Cunha era um homem de seu

tempo, refletia as idéias de sua época. tempo, refletia as idéias de sua época. E, de fato E, de
fato, raça era um conceito muito usado , raça era um conceito muito usado

então. O que eles achavam ruim era a então. O que eles achavam ruim era a mistura das ra
mistura das raças. Agora, lendo o livro, vocês ob ças. Agora, lendo o livro, vocês ob

servam que o autor vai mudando de idéia. servam que o autor vai mudando de idéia. Vocês
sabe Vocês sabem que se trata de uma campanha mi m que se trata de uma campanha mi

litar contra os seguidores de Antônio conselheiro. Muita gente, naquela época, achav

a que aqueles "fanáticos", como eram chamados, deveriam ser exterminados. Euclides

, como eu disse, era um , como eu disse, era um homem de ciência e também s homem de
ciência e também se posicionava contra ess e posicionava contra essas seitas as seitas
. Mas a frase que termina o . Mas a frase que termina o livro é muito revelador livro é muito
reveladora: "É que ainda não existe u a: "É que ainda não existe um Mauds m Mauds

ley a que se refere Euclides é ley a que se refere Euclides é Henry Maudsley, um p Henry
Maudsley, um psiquiatra inglês da época que f siquiatra inglês da época que ficou famoso por
ter sustentado que doentes mentais deveriam ser tratados como riam ser tratados como seres

humanos, o que raramente acontecia: para a loucura, usava-se a violência, a camisa

-de-força, essas coisas. Mas, voltando ao sertanejo: vocês viram que pela descrição do E

uclides, não se tratava de nenhum tipo físico maravilhoso, nenhum galã de ilhoso, nenhum
galã de cinema. Isso cinema. Isso

apenas na aparência, como ele mostra a apenas na aparência, como ele mostra a seguir".
seguir".

(p. 25)

Leu:

-- "Basta -- "Basta o aparecimento o aparecimento de qualquer de qualquer incidente exigi


incidente exigindo-lhe o ndo-lhe o desencadear das desencadear das

energias adormidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relev

os, novas linhas na estatura e no gesto; os, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça e a
cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os o firma-se-lhe, alta, sobre os o

mbros possantes, aclarada pelo olhar mbros possantes, aclarada pelo olhar desassombrando
desassombrando e forte; e corrigem-se-lhe, e forte; e corrigem-se-lhe,

prestes, numa descarga nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitu

al dos órgãos; e da figura vulgar do al dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhes tabaréu
canhestro, reponta, inesperadamente, o as tro, reponta, inesperadamente, o as pecto
dominador surpreendente de força e pecto dominador surpreendente de força e agilidade
agilidade extraordinárias." extraordinárias."

-- Você -- Você não quer não quer traduzir para traduzir para nós, Cíntia? nós, Cíntia? -
perguntou - perguntou Martinha. Martinha.

-- Com prazer -- Com prazer - disse a - disse a professora, rindo. professora, rindo. -- Euclides
e -- Euclides está dizendo que, stá dizendo que, havendo havendo

um incidente - um boi um incidente - um boi foge, alguém o provoca para foge, alguém o
provoca para uma briga -, o sertanej uma briga -, o sertanejo transf o transf

orma-se por completo. A aparência dele muda, Lee já não parece um "tabaréu canhestro", q
parece um "tabaréu canhestro", q

uer dizer, um sujeito incompetente, que não sabe fazer as coisas; agora zer as coisas; agora ele
é um titã. ele é um titã.

..

-- O que é isso? - quis saber Gê.


-- Titã? Era -- Titã? Era um gigante da um gigante da mitologia grega, mitologia grega, um ser
muito um ser muito grande e muito grande e muito poderoso poderoso

- respondeu Cíntia.

-- Ou seja: -- Ou seja: o sertanejo apar o sertanejo aparenta uma coisa, enta uma coisa, mas é
outra mas é outra - concluiu Martin - concluiu Martinha.

-- Só se fo -- Só se for para o Eucl r para o Euclides - disse ides - disse Queco. -- Eu Queco. -- Eu
não mudei de não mudei de opinião. Acho opinião. Acho essa ge essa ge

nte do nosso interior um atraso. E acho nte do nosso interior um atraso. E acho que esse Zé
que esse Zé Cabrito é um exemplo disso. Ele é Cabrito é um exemplo disso. Ele é

igual àquela descrição que o Armando leu primeiro. Com uma diferença: para mim, Com uma
diferença: para mim, não tem ne não tem ne

nhuma energia escondida nele. Aliás, acho que não tem nada escondido nele. O em nada
escondido nele. O cara é oc cara é oc

o. Bota aquela pinta de bom aluno, mas o. Bota aquela pinta de bom aluno, mas a mim não en
a mim não engana.

(p. 26)

-- Pois eu -- Pois eu penso diferente - penso diferente - retrucou Gê. -- retrucou Gê. -- Acho
que o Acho que o Zé é um ser Zé é um ser humano como a humano como a ge

nte, e acho que ele tem nte, e acho que ele tem um problema. Um problema qu um problema.
Um problema que nós não saberemos qual e nós não saberemos qual é. Mas tem Mas tem

os de descobrir, para poder ajudar o cara.

-- E como é -- E como é que você vai que você vai ajudar um cara ajudar um cara que recusa
um que recusa um convite para al convite para almoçar na casa moçar na casa d

o filho do delegado? -- Queco, debochado. -- Esse cara não quer ser ajudado, Gê. E não não
quer ser ajudado, Gê. E não

quer ser ajudado porque é esquisito.

-- Ou quem -- Ou quem sabe ele é es sabe ele é esquisito porque n quisito porque não é
ajustado? ão é ajustado? -- Gê, irônico -- Gê, irônico. -- Quem sa . -- Quem sabe você p be você
p

recisa de umas aulas com esse Maud... Maud o recisa de umas aulas com esse Maud... Maud o
quê, Armando? rmando?

-- Maudsley Maudsley - completou ompletou Armando, Armando, rindo.

A discussão pod A discussão poderia se prolongar eria se prolongar indefinidamente, ma


indefinidamente, mas, olhando o s, olhando o relógio, vi que relógio, vi que já

era tarde.

-- Vamos deixar -- Vamos deixar os nossos profes os nossos professores descansarem sores
descansarem - sugeri. -- - sugeri. -- Outro dia a Outro dia a gen
te continua esse papo.

E fomos embora. E fomos embora. Eu ia levando Eu ia levando comigo Os sert comigo Os


sertões, que Armando ões, que Armando tinha me emprest tinha me emprestado

- felizmente, para mim, ele tinha outro - felizmente, para mim, ele tinha outro exemplar.
exemplar. Sempre gostei de ler - minha Sempre gostei de ler - minha

mãe conta que, se eu gostava de mãe conta que, se eu gostava de um livro a mais. Nã um livro
a mais. Não imaginava o papel que, nas sem o imaginava o papel que, nas sema

nas seguintes, a obra de Euclides desempenharia em minha vida. Na vida minha vida. Na vida
de todos de todos

nós.

(p. 27)

4. Descobrindo Descobrindo Euclides Euclides

Nos dias que Nos dias que seguiram, dediquei- seguiram, dediquei-me a ler Os me a ler Os
sertões. Não era sertões. Não era, como já tín , como já tínhamos constat hamos constat

ado, uma leitura fácil. Euclides da Cunha foi um ado, uma leitura fácil. Euclides da Cunha foi
um homem de grande cultura e escrevi mem de grande cultura e escrevi

a para leitores cultos como ele, num vocabulário erudito, sem fazer muitas concessõe s. Mas a
verdade é que s. Mas a verdade é que se trata de um grande narrad se trata de um grande
narrador. Mesmo querendo desc or. Mesmo querendo descreve uma reve uma

paisagem, por exemplo, está contando uma história: a história de como a história de como
surgiram os rio surgiram os rio

s, os montes. E ele conhece muita coisa. s, os montes. E ele conhece muita coisa. Até mapas
Até mapas fez, para ilustrar o seu texto. fez, para ilustrar o seu texto.

Pelo índice, co Pelo índice, constatamos que o nstatamos que o livro está di livro está dividido
em três vidido em três partes: "A ter partes: "A terra", "O hom ra", "O hom

em", "A luta". Assim, eu já sabia na em", "A luta". Assim, eu já sabia na primeira parte primeira
parte Euclides descrevia o cenário em Euclides descrevia o cenário em

que ocorreu a campanha de Canudos; na segunda, falaria do tipo ria do tipo humano que
habita humano que habita

essa região, o sertanejo - ali essa região, o sertanejo - ali estava o trecho que estava o trecho
que Armando nos lera; na terceira Armando nos lera; na terceira

parte, abordaria a campanha contra Antônio Conselheiro e seus seguidores.

Com esse plano Com esse plano em mente, fui em mente, fui lendo e, à lendo e, à medida
que lia, medida que lia, meu interesse aum meu interesse aumentava. entava.

Decidi copiar no meu diário os Decidi copiar no meu diário os trechos que achei m trechos
que achei mais interessantes. Vocês talvez ais interessantes. Vocês talvez e
stranhem o fato de eu ter um stranhem o fato de eu ter um diário, mas isso vem d diário, mas
isso vem desde a infância. Para não me esde a infância. Para não me deixar

sozinho em casa (sou filho único), mamãe levava-me consigo às consigo às rondas que fazia no
hos rondas que fazia no hos

pital. Eu ficava no

(p. 28)

posto de posto de enfermagem, enq enfermagem, enquanto ela uanto ela visitava os visitava
os doentes. Quand doentes. Quando ela vol o ela voltava,escr tava,escr

evia num grande caderno de capa azul as evia num grande caderno de capa azul as suas observ
suas observações. "Estes caderno conta boa p ações. "Estes caderno conta boa p

arte da minha vida", costumava dizer. Quando aprendi a ler, mostrou-me algumas d

e suas observações: "Este paciente precisa ser mudado de posição de hora do de posição de
hora em hora", ou "E em hora", ou "E

sta paciente precisa receber mais líquidos, senão vai ficar desidratada". Tempos dep

ois, já no colégio, encontrei numa livraria um caderno idêntico. Comprei-o imediatamen

te e, imitando mamãe, comecei a fazer anotações: coisas que estavam acontecendo, probl

emas que enfrentava, comentários sobre livros, filmes, programas de tevê. Era uma es

pécie de diálogo que mantinha comigo próprio. E o hábito ficou. Com a leitura de Os sertõe
ficou. Com a leitura de Os sertõe

s, enchi várias páginas de meu diário com trechos do Euclides da Cunha, colocando entr
Euclides da Cunha, colocando entr

e parênteses o significado das palavras que achava difícil (na presente narrativa, t

ranscrevo esses trechos). Anotava também comentários e dúvidas, para depois discuti-lo
dúvidas, para depois discuti-lo

s com o Armando, a Cíntia e s com o Armando, a Cíntia e outros professores. outros


professores.

O que me fa O que me fascinava em Euclid scinava em Euclides era a man es era a maneira
como ele eira como ele correlacionava a correlacionava a geograf geograf

ia com a história, o lugar em ia com a história, o lugar em que as pessoas viviam que as pessoas
viviam com o modo de vida que levava com o modo de vida que levavam

nesse lugar. Claro, olhando para uma casa, a nesse lugar. Claro, olhando para uma casa, a
gente pode deduzir o tipo de pesso pode deduzir o tipo de pesso

a que mora ali; mas fazer isso a que mora ali; mas fazer isso em relação a um pai, em relação a
um pai, que é bem maior e bem que é bem maior e bem mais complic mais complic

ado do que uma casa...


Quando saímos d Quando saímos do litoral e a o litoral e avançamos pelo in vançamos pelo
interior brasileiro, terior brasileiro, o que a ge o que a gente vê não é nte vê não é mu

ito animador: "Quebra-se o encanto de ilusão belíssima. A natureza empobrece-se, des

pe-se das grandes matas; abdica o fastígio [a elevação] das montanhas; erma-se [fica d

eserta] e deprime-se - eserta] e deprime-se - transmudando-se nos sertões, transmudando-se


nos sertões, exsicados [ressecados] exsicados [ressecados] e bárbaro e bárbaro

s, onde correm rios efêmeros [que desaparecem na seca], e desatam-se chapadas nuas

, sucedendo-se, indefinidas, formando o palco desmedido [grande demais] para os

quadros dolorosos das secas".

(p. 29)

Já no sertão Já no sertão o que vemos o que vemos é "o martírio é "o martírio da terra, bru da
terra, brutalmente golpeada talmente golpeada pelos elementos pelos elementos

variáveis, distribuídos por todas as modalidades climáticas. De um lado, a extrema sec

ura dos ares, no estio, [facilitando pela irradiação noturna a perda instantânea do ca

lor mais intenso do sol], impõe-lhes a alternativa de alturas e de alturas e quedas


termométricas quedas termométricas

repentinas; e daí um jogar de repentinas; e daí um jogar de dilatações e contraç dilatações e


contrações que as disjunje [separa], a ões que as disjunje [separa], abrindo-a brindo-a

s segundo os planos de menor resistência. De outros, as chuvas que fecham, de impr chuvas
que fecham, de impr

oviso, os ciclos adurentes [abrasadores] das oviso, os ciclos adurentes [abrasadores] das secas,
precipitam estas reações demolid precipitam estas reações demolid

oras".

Ou seja: o Ou seja: o sertão é seco sertão é seco e, durante o e, durante o dia, muito que dia,
muito quente. O calor nte. O calor faz com que faz com que as ro

chas se dilatem. De noite, a temperatura baixa, as pedras se pedras se contraem - e aí se ro


contraem - e aí se ro

mpem. Depois vem a chuva torrencial e completa a mpem. Depois vem a chuva torrencial e
completa a "demolição" da qual fala o Euclides emolição" da qual fala o Euclides

. Ele até compara a paisagem ao . Ele até compara a paisagem ao deserto do Saara, p deserto
do Saara, por seus estranhos, fantásticos e or seus estranhos, fantásticos ef

eitos. Como o que provocou no cadáver de eitos. Como o que provocou no cadáver de um
soldado um soldado:

"Estava intacto "Estava intacto. Murchara . Murchara apenas. Mumifi apenas. Mumificara
conservando cara conservando os traços os traços fisionômicos, fisionômicos, d
e modo a incutir a ilusão exata e modo a incutir a ilusão exata de um lutador cansa de um
lutador cansado, retemperando-se [refazendo- do, retemperando-se [refazendose] em
tranqüilo sono." Quer dizer: o Quer dizer: o calor e a calor e a secura haviam tr secura haviam
transformando o ca ansformando o cadáver do pobre dáver do pobre soldado e soldado e

m uma múmia, como aquelas músicas egípcias que a m uma múmia, como aquelas músicas
egípcias que a gente vê em museus. Fiquei imaginando o nte vê em museus. Fiquei imaginando
o

susto do cara que passasse por susto do cara que passasse por ali e desse de repe ali e desse
de repente com aquele corpo seco, ai nte com aquele corpo seco, ai

nda vestindo a farda rasgada...

Atravessas a ca Atravessas a caatinga do sertão, atinga do sertão, garante Euclides, garante


Euclides, é ainda mais é ainda mais difícil do que difícil do que atrav

essar o deserto ou uma estepe:

"Nesta, ao meno "Nesta, ao menos, o viajante s, o viajante tem o desafogo tem o desafogo de
um horizonte de um horizonte largo e a per largo e a perspect

iva das planuras francas.

"Ao passo que "Ao passo que a caatinga o a caatinga o afoga; abrevia-lh afoga; abrevia-lhe o
olhar; a e o olhar; agride-o e estonte gride-o e estonteia-o;

enlaça-o na trama espinescente [com espinhos] e não o atrai; repulsa-o com as folha atrai;
repulsa-o com as folha

s urticantes, com o espinho, com os gravetos estalados em lanças; e dos em lanças; e


desdobra-se lh desdobra-se lh

e na frente léguas, imutável no aspecto desolado: árvores sem folhas, de rvores sem folhas, de
galhos estorc galhos estorc

idos e secos, revoltos, idos e secos, revoltos, entrecruzados, apontando ri entrecruzados,


apontando rijamente no espaço..." jamente no espaço..."

(p. 30)

Eu conhecia a Eu conhecia a caatinga: ela caatinga: ela começava a algun começava a alguns
quilômetros de s quilômetros de nossa cidade. Às nossa cidade. Às vezes

meu pai tinha de viajar por ali, meu pai tinha de viajar por ali, e me levava. Eu fi e me levava.
Eu ficava impressionado olhando aq cava impressionado olhando aq

ueles arbustos com espinhos, aquelas árvores subdesenvolvidas. Mas para mim aquilo

era só uma paisagem, nada mais. era só uma paisagem, nada mais. Quando li o Euclid Quando
li o Euclides, tive a visão da caatinga como es, tive a visão da caatinga como

uma armadilha -- não para os uma armadilha -- não para os sertanejos, que são d sertanejos,
que são do lugar, mas para os soldados o lugar, mas para os soldados que
viriam combatê-los. A caatinga limita a visão da pessoa, dificulta o essoa, dificulta o seu
deslocamen seu deslocamen

to; fere-o com os espinhos e com to; fere-o com os espinhos e com as "folhas urtican as
"folhas urticantes", isto é, folhas que, como tes", isto é, folhas que, como

a urtiga, produzem um líquido que queima a pele a urtiga, produzem um líquido que queima a
pele (isso eu sei agora; na ocasião, tive so eu sei agora; na ocasião, tive

de perguntar ao professor de ciências).

Euclides compara Euclides compara a caatinga com a caatinga com a floresta. Na a floresta.
Na floresta, diz floresta, diz Euclides, "há um Euclides, "há uma t

endência irreprimível para a luz" - os cipós sobem pelos troncos das árvores porque estão,
troncos das árvores porque estão,

por assim dizer, em busca dos por assim dizer, em busca dos raios do sol. Na caa raios do sol.
Na caatinga, ao contrário, o sol "é o tinga, ao contrário, o sol "é o i

nimigo que é forçoso evitar, iludir". As plantas procuram, como ele diz, ocuram, como ele diz,
enterrar-se enterrar-se

no solo; só que o no solo; só que o solo não deixa, é seco, é solo não deixa, é seco, é duro.
Resultado: os veget duro. Resultado: os vegetais ali não se desen ais ali não se desen

volvem como na floresta. Plantas que são "altaneiras noutros lugares, ali se torna

m anãs".

Euclides fala d Euclides fala de um "martírio e um "martírio secular" da te secular" da terra,


que, por rra, que, por sua vez, result sua vez, resulta em ma a em ma

rtírio para os seres humanos que ali vivem. É rtírio para os seres humanos que ali vivem. É esse
ser humano que ele descreve na se ser humano que ele descreve na

gunda parte do livro. Que começa tentando responder a uma pergunta: quem a uma pergunta:
quem é, afinal, é, afinal,

o brasileiro? Como ele se caracteriza fisicamente? Questão difícil, por causa da mes

tiçagem entre os três principais grupos que formaram a nossa gente, os m a nossa gente, os
índios, os negr índios, os negr

os os brancos. O brasileiro surge assim de "um os os brancos. O brasileiro surge assim de "um
entrelaçamento consideravelmente co elaçamento consideravelmente co

mplexo", diz Euclides.

(p. 31)

Conta-nos então Conta-nos então como surgiu o como surgiu o sertanejo. O s sertanejo. O
sertão foi o ertão foi o ponto de encontro ponto de encontro de vários de vários

grupos: dos paulistas que vinham do sul, seguindo o rio São Francisco, e dos "baia São
Francisco, e dos "baia
nos" que vinham do norte. Dessa "mistura" provém o sertanejo. E sertanejo. E de que vivem os
se de que vivem os se

rtanejos? A agricultura só é possível nas margens de uns poucos rios; eles, então, criam poucos
rios; eles, então, criam

gado. Não para si próprios, não gado. Não para si próprios, não para suas famílias para suas
famílias, mas para os donos das fazendas, , mas para os donos das fazendas, que

moram longe, "no litoral, longe dos dilatados domínios... Herdaram velho vício histór

ico. Como os opulentos sesmeiros [proprietários de sesmerias, de terras] da colônia,

usufruem, parasitariamente, as rendas das suas terras, sem divisa fixas. Os vaq

ueiros são-lhes servos submissos".

Quando come Quando comentei esse ntei esse trecho com trecho com Armando, ele
Armando, ele disse:

-- Aí você vê como -- Aí você vê como Euclides tinha o senso da histór Euclides tinha o senso da
história. Para explicar o ia. Para explicar o latifúndio em nos latifúndio em nos

so país, ele volta aos tempos do so país, ele volta aos tempos do Brasil colônia, qu Brasil
colônia, quando as terras forma divididas em ando as terras forma divididas em

sesmarias não trabalhavam, simplesmente viviam do arrendamento da terra. A mesma

coisa acontece com os fazendeiros: eles dão para os vaqueiros um vaqueiros um quarto das
reses, quarto das reses,

e estamos conversando. Isso, meu caro, é a e estamos conversando. Isso, meu caro, é a
origem do problema agrário no país: a terr do problema agrário no país: a terr

a não pertence a quem trabalha. E aí a não pertence a quem trabalha. E aí você entende t você
entende também por que a tanta gente foi embor ambém por que a tanta gente foi embor

a do Nordeste: simplesmente não tinham como sobreviver. E com a ver. E com a seca, então, a
desgr seca, então, a desgr

aça é muito maior. Euclides Euclides mostra o sertan o sertanejo dian ejo diante a seca:

"A princípio es "A princípio este reza, olhos te reza, olhos postos na altu postos na altura. O
seu pr ra. O seu primeiro amparo é imeiro amparo é fé religiosa fé religiosa

. Sobraçando os santos . Sobraçando os santos milagreiros, cruzes alçadas milagreiros, cruzes


alçadas [levantadas], andores e [levantadas], andores erguidos, b rguidos, b

andeiras do Divino ruflando [agitando], lá se vão, descampados em fora, família inteir

as - não já os as - não já os fortes e sadios senão os próprios ve fortes e sadios senão os


próprios velhos combalidos lhos combalidos [enfraquecidos] e enf [enfraquecidos] e enf

ermos claudicantes [de passo vacilante], carregando aos ombros e à cabeça as pedras

do caminho , mudando os santos de uns do caminho , mudando os santos de uns para outros l
para outros lugares. ugares.
(p. 32)

"O sertanejo re "O sertanejo resiste o quanto siste o quanto pode, cavando pode, cavando a
terra em b a terra em busca de água, usca de água, tenta busc tenta busc

ar nas folhas e raízes das plantas um ar nas folhas e raízes das plantas um pouco de líqu pouco
de líquido. A seca continua, inclemente. ido. A seca continua, inclemente.

Não há outro jeito, senão ir Não há outro jeito, senão ir embora. Como outros. embora. Como
outros.

"Passa certo di "Passa certo dia, à sua port a, à sua porta, a primeira a, a primeira turma de
'reti turma de 'retirantes'. Vê-a, as rantes'. Vê-a, assombrando sombrando

, atravessar o terreiro, miseranda, desaparecendo adiante, numa nuvem de poeira, na curva


do caminho... No outro na curva do caminho... No outro dia, outra. E outr dia, outra. E outras.
É o sertão que se esvazia. as. É o sertão que se esvazia.

"Não resiste ma "Não resiste mais. Amatula-se [j is. Amatula-se [junta-se] num daq unta-se]
num daqueles bandos, qu ueles bandos, que lá se vão e lá se vão caminho caminho

em fora, debruando de ossadas as veredas e lá em fora, debruando de ossadas as veredas e lá


se vai ele no êxodo [na fuga] penosíssim i ele no êxodo [na fuga] penosíssim

o para a costa, para as o para a costa, para as serras distantes, para quai serras distantes, para
quaisquer lugares." squer lugares."

Mas volta, diz Mas volta, diz Euclides. Passada Euclides. Passada a seca, o s a seca, o sertanejo
volta, ertanejo volta, para a mesma para a mesma vida,

para as mesmas privações -- até para as mesmas privações -- até que oura seca o ex que oura
seca o expulse de novo. Ou então até que a pulse de novo. Ou então até que alguma

coisa aconteça.

(p. 33)

5. Alguma coisa acontece acontece

-- Alguma -- Alguma coisa está coisa está acontecendo lá acontecendo lá no Buraco no Buraco
- disse - disse meu pai. meu pai.

Estávamos à mes Estávamos à mesa do almoço, a do almoço, e até então e até então eu
estivera fala eu estivera falando sobre o l ndo sobre o livro de Euclides ivro de Euclides. E

le escutava, mas distraído, como se estivesse absorto em seus pensamentos.

-- Você -- Você está meio está meio distante, distante, Jorge - Jorge - observou mam observou
mamãe.

Ele nos olhou Ele nos olhou e foi aí q e foi aí que disse a f ue disse a frase, "alguma co rase,
"alguma coisa está acontece isa está acontecendo lá no Bu ndo lá no Burac

o". Uma frase que depois recordaríamos como o começo de um episódio que mexeu com a ci
um episódio que mexeu com a ci

dade inteira.
-- E o que está acon está acontecendo? tecendo? - pergu - perguntei.

-- Não sei -- Não sei exatamente - diss exatamente - disse meu pai. - e meu pai. -- Parece que -
Parece que tem um cara tem um cara estranho por lá. estranho por lá.

-- Um bandido? bandido? Um traficante? traficante?

Ele sorriu: sorriu:

-- Não. -- Não. Traficante, não. Traficante, não. Você sabe Você sabe que traficant que
traficante é cois e é coisa rara p a rara por aqui. or aqui.

Bateu na Bateu na mesa com mesa com os nós dos dedos, dos dedos, como para como para
afastar o afastar o azar:

-- E esperamos -- E esperamos que continue assi que continue assim. Não, não m. Não, não é
um traficante. é um traficante. E também não E também não é um bandido. é um bandido. É u

pregador.

-- Um pregador? regador? E de que religião? religião?

(p. 34)

-- Não sei. -- Não sei. Mas parece que Mas parece que ele não perte ele não pertence a
nenhuma nce a nenhuma religião organizada religião organizada. Pelo jeit . Pelo jeit

o está agindo por conta própria.

-- Talvez queir -- Talvez queira fundar sua a fundar sua própria Igreja - própria Igreja - sugeriu
mamãe. sugeriu mamãe. -- Talvez queira -- Talvez queira ganha

r dinheiro à custa da credulidade dos outros.

-- Não sei - su sei - suspirou meu spirou meu pai. -- pai. -- Francamente nã Francamente não
sei.

-- Mas eu n -- Mas eu não entendo sua ão entendo sua preocupação - preocupação -


continuou mamãe, continuou mamãe, servindo-lhe a s servindo-lhe a salada. -- O alada. -- O q

ue é que tem a ue é que tem a ver um delegado com pregadores? Preg ver um delegado com
pregadores? Pregar não é crime, ar não é crime, é?

-- Não. Mas...

-- Mas, o quê? Fale, homem!

-- Deixa pra -- Deixa pra lá - disse lá - disse meu pai, com meu pai, com um suspiro. -- um
suspiro. -- É que a cois É que a coisa me parece u a me parece um pou

co estranha, só isso. E você sabe que co estranha, só isso. E você sabe que os meus press os
meus pressentimentos funcionam. entimentos funcionam.

Disso sabíamos. Disso sabíamos. Foi o caso c Foi o caso com a mansão om a mansão do Diogo
Siqueir do Diogo Siqueira, por exemplo, a, por exemplo, um empreit um empreit

eiro que tinha enriquecido com a construção da usina e que morava numa casa enorme, que
morava numa casa enorme,
espalhafatosa. "O Siqueira está pedindo um assalto", dizia papai. E não deu outra. M eses
depois, um bando de assaltantes que passava pela cidade, vindo do la cidade, vindo do norte,
as norte, as

saltou uma casa - qual? A do saltou uma casa - qual? A do Siqueira, claro. Foi u Siqueira, claro.
Foi uma coisa tão fulminante que p ma coisa tão fulminante que pap

ai não pôde fazer nada. Mas se ai não pôde fazer nada. Mas se recriminava: "Eu dev
recriminava: "Eu deveria ter prevenido o Siqueira.. eria ter prevenido o Siqueira..."

O caso agora, O caso agora, porém, era dif porém, era diferente: "Um preg erente: "Um
pregador não é u ador não é um assaltante", di m assaltante", dissera mamãe. ssera mamãe.

No momento, ao menos, não havia perigo. Mudamos de assunto e assunto e logo esqueci
aquela h logo esqueci aquela h

istória. Mesmo porque tinha outra preocupação: a Semana de Cultura do colégio, um mana de
Cultura do colégio, um evento

no qual alunos apresentavam sua própria produção artística e cultural (peças de rtística e
cultural (peças de teatro, c teatro, c

onjuntos musicais, pinturas, esculturas...), estava se aproximando, e se aproximando, e eu


queria eu queria

promover alguma coisa sobre Os sertões. Mas que coisa? Uma mesa-redonda? Não, a sa? Uma
mesa-redonda? Não, a idéia

não me agradava, eu queria algo mais vivo, mais não me agradava, eu queria algo mais vivo,
mais animado. Resolvi consultar o Arman mado. Resolvi consultar o Arman

do.

(p. 35)

-- Por que -- Por que você não promove você não promove uma, digamos, "a uma, digamos,
"avaliação histórica" valiação histórica" sobre Canudos? - sobre Canudos? - sugeriu sugeriu

ele.

-- Como -- Como assim? Um debate Um debate? - perguntei. perguntei.

-- É, mas u -- É, mas um debate incremen m debate incrementado, uma espéci tado, uma
espécie de julgamento, e de julgamento, ou um confronto ou um confronto de po

ntos de vista diferentes.

Achei boa idéia Achei boa idéia e naquela tarde, e naquela tarde, no Alfredo, sub no Alfredo,
submetia-a à turma. metia-a à turma. Todo o mundo Todo o mundo gost

ou, inclusive Queco. Que se ofereceu para fazer o papel de acusador: de acusador:

-- Não gosto -- Não gosto desse tal de desse tal de Antônio Conselheir Antônio Conselheiro.
Esse cara o. Esse cara foi um desastre foi um desastre para a no para a no
ssa região. Por causa dele, até hoje sertão é ssa região. Por causa dele, até hoje sertão é
sinônimo de fanatismo. Essa imagem deve ter imo de fanatismo. Essa imagem deve ter

afastado muito investidor. É o que diz o afastado muito investidor. É o que diz o meu pai, e
meu pai, e estou com ele. estou com ele.

-- Bom, se -- Bom, se você vai atacar você vai atacar o Antônio Con o Antônio Conselheiro -
disse selheiro - disse Gê, meio na Gê, meio na gozação -, eu gozação -, eu vou t

er de me encarregar da defesa dele.

-- Era o qu -- Era o que eu esperava e eu esperava - retrucou o - retrucou o Queco, desafiador.


Queco, desafiador. -- Aliás, você -- Aliás, você é meio parec é meio parec

ido com o Antônio conselheiro. Só que a ido com o Antônio conselheiro. Só que a barba dele
barba dele era comprida e a sua é curta, ralin era comprida e a sua é curta, ralin

ha. Barba de aprendiz de fanático. É isso que ha. Barba de aprendiz de fanático. É isso que você
é: um aprendiz de fanático é: um aprendiz de fanático

Gê, irritado, j Gê, irritado, já ia se levan á ia se levantar e partir tar e partir para a agressão
para a agressão, mas Martinha , mas Martinha e eu consegui e eu consegui

mos acalmá-lo.

-- Vamos voltar -- Vamos voltar ao assunto - ao assunto - propôs Martinha. propôs Martinha.
-- Esse debate -- Esse debate é uma boa id é uma boa idéia. Mas ex éia. Mas ex

ige algumas providências. Como é que a gente vai ige algumas providências. Como é que a
gente vai proceder, na prática? oceder, na prática?

Discutimos longament Discutimos longamente e por fim e e por fim chegamos a algum
chegamos a algumas conclusões. A as conclusões. Além do "promotor" lém do "promotor"

Queco e do "advogado de defesa" Gê, precisaríamos de um juiz, a quem caberia sobretu juiz, a
quem caberia sobretu

do manter a ordem no debate: Armando, claro. E, do manter a ordem no debate: Armando,


claro. E, em vez de jurados, o "veredito" vez de jurados, o "veredito"

seria decidido por votação do pessoal que assistisse à atividade.

-- Falta um -- Falta um detalhe - disse detalhe - disse Martinha. -- Que Martinha. -- Quem vai
apresentar m vai apresentar o "caso" Antônio o "caso" Antônio Co

nselheiro?

(p. 36)

-- Só pode -- Só pode ser o Gui - ser o Gui - disse Queco. disse Queco. -- Esse cara -- Esse cara
agora passa o agora passa o tempo todo Os tempo todo Os ser

tões. Garanto que ele sabe mais do assunto do tões. Garanto que ele sabe mais do assunto do
que o próprio Euclides sabia. próprio Euclides sabia.

-- Mas o Gu -- Mas o Gui não pode fa i não pode fazer isso sozinho zer isso sozinho - disse
Martinh - disse Martinha. -- Precisa a. -- Precisa de ajuda. de ajuda.
Porque temos de botar a coisa no Porque temos de botar a coisa no papel, não é? Niss papel,
não é? Nisso você pode contar comigo, Gui. Q o você pode contar comigo, Gui. Qua

ndo se trata de escrever, sempre topo. Mas acho ndo se trata de escrever, sempre topo. Mas
acho que a gente ainda vai precisar d a gente ainda vai precisar d

e mais alguém.

Ou seja: a coisa toda daria trabalho. Mas Ou seja: a coisa toda daria trabalho. Mas eu estava eu
estava entusiasmado: tinha a espe entusiasmado: tinha a espe

rança de ganhar o prêmio de Melhor Realização Cultural - uma coleção de clássicos brasileiros
uma coleção de clássicos brasileiros

de CDs.

Mas quem poderi Mas quem poderia nos ajudar a nos ajudar com o resumo com o resumo do
texto Chegue do texto Cheguei a comentar i a comentar o assunto o assunto

com meus pais, no jantar. Papai com meus pais, no jantar. Papai tinha uma proposta tinha
uma proposta:

-- Convide Convide o garoto novo.

-- O Zé? - perguntei, perguntei, espantado. espantado.

-- Ele mesmo. É mesmo. É a oportunidade a oportunidade de vocês de vocês se aproximarem


se aproximarem dele. Não dele. Não é?

-- Talvez... Talvez...

Talvez: eu não Talvez: eu não sabia como Zé sabia como Zé receberia o con receberia o
convite. E não vite. E não tinha idéia de tinha idéia de como ele senti como ele sentir

ia num grupo do qual fazia parte ia num grupo do qual fazia parte o Queco - o Queco o Queco -
o Queco que, eu tinha certeza, não poup que, eu tinha certeza, não poup aria o garoto de uma
outra fase aria o garoto de uma outra fase irônica. Mas valia irônica. Mas valia a pena tentar. a
pena tentar.

No dia seguinte, procurei o Zé no No dia seguinte, procurei o Zé no intervalo. Ali es intervalo.


Ali estava ele, sob a sua árvore, com tava ele, sob a sua árvore, com

endo o seu sanduíche e lendo seu endo o seu sanduíche e lendo seu livro. Aproximei-m livro.
Aproximei-me:

-- Tudo bem, Zé?

Estremeceu, Estremeceu, como se como se estivesse si estivesse sido atacado. do atacado.


Depois sorri Depois sorriu:

-- Ah, é você, é você, Gui. Você Gui. Você me deu um susto, um susto, cara.

-- Desculpe, -- Desculpe, não foi não foi minha intenção. minha intenção. Seguinte: tenho
Seguinte: tenho um convite um convite para você para você

(p. 37)
-- Um convite? -- Um convite? -- A expressão -- A expressão dele era mais dele era mais de
temor do de temor do que de surpresa. que de surpresa. -- Conv -- Conv

ite para quê?

Expliquei-lhe o Expliquei-lhe o nosso projeto, nosso projeto, disse que disse que queria sua
queria sua ajuda. Relutou: ajuda. Relutou:

-- Não sei, Gui... sei, Gui... Acho que Acho que não funciono não funciono muito bem muito
bem em grupo... em grupo...

-- Mas é po -- Mas é por isso que es r isso que estou convidando v tou convidando você, cara.
Você ocê, cara. Você não acha que não acha que está na hora está na hora de sai r desse
isolamento? E tenho certeza de que sua r desse isolamento? E tenho certeza de que sua
contribuição será importante. ribuição será importante.

Pediu um tempo para pensar. pensar. Concordei: Concordei:

-- Mas não -- Mas não pense muito, cara pense muito, cara. Temos de c . Temos de começar a
trabalh omeçar a trabalhar logo. E qu ar logo. E queremos você, não eremos você, não

esqueça.

Mais tarde, qua Mais tarde, quando já estávamos ndo já estávamos saído do colégio saído do
colégio, ele se apr , ele se aproximou de mim. oximou de mim. Olhou-me: Olhou-me:

-- Topo. Pode contar comigo. comigo.

Aquilo era uma Aquilo era uma grande notícia - grande notícia - e provava que e provava que
meu pai realme meu pai realmente sabia das nte sabia das coisas

. Resolvi aproveitar a deixa e convidar o Zé . Resolvi aproveitar a deixa e convidar o Zé para sair
comigo até o Alfredo: air comigo até o Alfredo:

-- A gente -- A gente se reúne lá t se reúne lá todos os fins odos os fins de tarde. Vamos de
tarde. Vamos aproveitar e con aproveitar e conversar sobre versar sobre

o trabalho.

De novo, ele hesitou: hesitou:

-- Não sei... É que moro longe... longe...

-- Deixa disso, cara. Vamos até lá.

Fomos. Meu únic Fomos. Meu único temor era q o temor era que o Queco r ue o Queco
resolvesse fazer esolvesse fazer graça à custa graça à custa do rapaz. Mas do rapaz. Mas

Queco não tinha vindo. Naquela tarde, seu pai estava dando um a dando um coquetel para
empresár coquetel para empresár

ios e exigira a presença dele.

Gê e Martinha, Gê e Martinha, mal certamente te mal certamente teria mil pergunta ria mil
perguntas a fazer ao s a fazer ao Zé, sobre sua Zé, sobre sua vida, s vida, s
obre o lugar de onde ele obre o lugar de onde ele vinha, sobre seus pais... vinha, sobre seus
pais... Mas se contiveram, os doi Mas se contiveram, os dois. C

ontei, então, que o Zé iria participar do nosso ontei, então, que o Zé iria participar do nosso
trabalho, ajudando a fazer o resumo balho, ajudando a fazer o resumo

da obra de Euclides. Gê ergueu o da obra de Euclides. Gê ergueu o copo:

(p. 38)

-- Isto -- Isto merece um merece um brinde. Ao brinde. Ao novo membro novo membro do
nosso do nosso grupo!

Zé sorriu, aind Zé sorriu, ainda meio contrafeit a meio contrafeito, e eu tive o, e eu tive medo
de que medo de que ele se chateasse ele se chateasse com aq

uelas efusões todas. De modo que optei por mudar uelas efusões todas. De modo que optei
por mudar de assunto: assunto:

-- Temos de -- Temos de discutir como va discutir como vamos fazer esse mos fazer esse
resumo. Proponho resumo. Proponho que a gente l que a gente leia o

livro, seguindo um roteiro de perguntas sobre Antônio Conselheiro. Quem era? Por

que se rebelou? Qual o seu papel que se rebelou? Qual o seu papel na rebelião? Coisa na
rebelião? Coisas assim. Que tal? s assim. Que tal?

-- Acho muito -- Acho muito bom - disse bom - disse Martinha. -- M Martinha. -- Mas vai exigir
as vai exigir tempo e trabalh tempo e trabalho. Para c o. Para c

omeçar, a gente tem de ler Os omeçar, a gente tem de ler Os sertões. Que aliás eu sertões.
Que aliás eu nem tenho. Mas já sei que pos nem tenho. Mas já sei que posso enco so enco

ntrá-lo na livraria. Amanhã mesmo vou lá.

-- E você, Zé? -- perguntei. perguntei.

Ele vacilou: vacilou:

-- Bem... Eu já li o livro.

Aquela era incrível. incrível.

-- Você -- Você lá leu Os sertões? Os sertões? -- Gê, boquiaberto. boquiaberto.

-- É. -- Me -- É. -- Mexeu-se na cadeira xeu-se na cadeira, contrafeito, e , contrafeito, e


continuou, como continuou, como que se desculpan que se desculpando.

-- Você sabe, eu sou -- Você sabe, eu sou daquela região que Euclides d daquela região que
Euclides da Cunha descreve no li a Cunha descreve no livro. Então, s vro. Então, s

empre tive curiosidade pela obra...

-- Ah, é ve -- Ah, é verdade - disse rdade - disse Gê. -- Você Gê. -- Você é de lá... é de lá... Do
sertão. Fale Do sertão. Fale um pouco para um pouco para a gente: com a gente: com

o era a sua vida lá?


Zé come Zé começava a ficar inquieto. inquieto. Olhou o relógi o relógio:

-- Desculpem. I -- Desculpem. Isso vai ter d sso vai ter de ficar para e ficar para outro dia. Agor
outro dia. Agora tenho de ir a tenho de ir. Estou a . Estou a

trasado, acreditem. Levantou-se, Levantou-se, apanhou apanhou a mochila. mochila.

-- Quem sabe -- Quem sabe nós vamos na nós vamos na mesma direção mesma direção -
disse Gê. - disse Gê. -- Onde é qu -- Onde é que você mora? e você mora?

Uma pergunta in Uma pergunta inocente, mas que ocente, mas que fez Zé baixar fez Zé
baixar a cabeça. E a cabeça. E respondeu, depois respondeu, depois de uma

longa pausa:

-- No Buraco - disse, por fim.

(p. 39)

Aquilo era Aquilo era surpresa. Uma surpresa. Uma constrangedora constrangedora surpresa,
para surpresa, para dizer a dizer a verdade. Todos verdade. Todos

nós ali, Gê inclusive, éramos garotos de classe média. Nenhum de ia. Nenhum de nós morava
no Buraco. Nen nós morava no Buraco. Nen

hum aluno de nossa escola morava no Buraco. Zé, hum aluno de nossa escola morava no
Buraco. Zé, pelo visto, era exceção. Mas tivemos t o visto, era exceção. Mas tivemos t

odos o bom senso de não odos o bom senso de não demonstrarmos nossa estranh
demonstrarmos nossa estranheza.

-- Tudo bem -- Tudo bem - eu disse. - eu disse. -- Amanhã a -- Amanhã a gente se vê gente se
vê na escola. E na escola. E eu gostaria de eu gostaria de marcar

a nossa primeira reunião. Vamos fazer isso na a nossa primeira reunião. Vamos fazer isso na
semana que vem, assim a Martinha te na que vem, assim a Martinha te

rá tempo de ler Os sertões. A rá tempo de ler Os sertões. A gente poderia se enco gente
poderia se encontrar na terça-feira de manhã, ntrar na terça-feira de manhã, ba min ha casa.
Trabalhamos um pouco, depois almoçamos e vamos para a amos para a escola. escola.

Temi que Zé fizesse alguma objeção - afinal já Temi que Zé fizesse alguma objeção - afinal já
tinha recusado um convite para almoçar -- a recusado um convite para almoçar --

, mas não, ele aceitou.

Voltei para Voltei para casa muito casa muito contente. Par contente. Parecia que ecia que
estava tudo estava tudo bem.

(p. 40)

6. Mas não, não estava tudo bem

Durante o janta Durante o jantar, contei a n r, contei a novidade: o Zé ovidade: o Zé tinha se


reuni tinha se reunido coma gente. do coma gente. Pensei qu Pensei qu
e meu pai iria ficar muito contente - e meu pai iria ficar muito contente - afinal, ele t afinal, ele
tinha insistido tanto para que inha insistido tanto para que

o convidássemos - e, de o convidássemos - e, de fato, ele manifestou sua s fato, ele


manifestou sua satisfação, mas logo em se atisfação, mas logo em seguida volt guida volt

ou a ficar silencioso.

O que me de O que me deixou preocupado. ixou preocupado. Eu sabia muito Eu sabia muito
bem que o bem que o trabalho de um trabalho de um delegado d delegado d

e polícia não é fácil. Embora a e polícia não é fácil. Embora a cidade fosse pacata cidade fosse
pacata e meu pai gozasse de muito pres e meu pai gozasse de muito prestígio,

tinha alguns inimigos: gente que ele prendera e que jurara vingança, por jurara vingança, por
exemplo. exemplo.

Mamãe temia particularmente um sujeito conhecido com Manuel Tranca-Pés, que ficara vár

ios anos na cadeia por homicídio. Todos os anos, ios anos na cadeia por homicídio. Todos os
anos, no Natal, esse Manuel Tranca-Pés ma Natal, esse Manuel Tranca-Pés ma

ndava uma carta para meu pai: "Este é ndava uma carta para meu pai: "Este é o seu último o
seu último Natal". Mamãe entrava em pânico, papa Natal". Mamãe entrava em pânico, papa

i gracejava:

-- Não se p -- Não se preocupe, eu conhe reocupe, eu conheço o Manuel, ço o Manuel, essa é


a fo essa é a forma que ele rma que ele encontrou de me encontrou de me dese

jar Boas Festas.

Uma ou duas Uma ou duas vezes tivera tam vezes tivera também problemas po bém
problemas políticos. Uma oca líticos. Uma ocasião, prendera um sião, prendera um recept

or de coisas roubadas. Acontece que esse receptador trabalhava de comum acordo c

om um conhecido comerciante da cidade - um cunhado do prefeito. As pressões sobre


prefeito. As pressões sobre

papai foram muito grandes, mas ele não se intimidou e levou o cara a julgamento. levou o cara
a julgamento.

(p. 41)

Estaria papai e Estaria papai enfrentando alguma nfrentando alguma situação desse situação
desse tipo, alguma ame tipo, alguma ameaça? Foi o qu aça? Foi o que pergu e pergu

ntei, um tanto receoso. Mamãe encarregou-se de responder:

-- Não. Ameaça, -- Não. Ameaça, não. Mas seu não. Mas seu pai está preocu pai está
preocupado com a s pado com a situação no Buraco ituação no Buraco.

-- Que situação -- Que situação? -- Àquela a ? -- Àquela altura eu já ltura eu já tinha até
esquec tinha até esquecido a conversa ido a conversa de dias atrás. de dias atrás.
-- O pregador -- O pregador - disse meu - disse meu pai. -- Ele pai. -- Ele está atraindo está
atraindo cada vez mais cada vez mais gente para cá. gente para cá. H

oje mesmo chegou um caminhão cheio de gente. E oje mesmo chegou um caminhão cheio de
gente. E todas essas pessoas estão se instalan s essas pessoas estão se instalan

do no Buraco. Montam barracas com lona plástica e lá ficam.

-- Mas escute -- Mas escute - eu disse - eu disse - este é um - este é um país livre. As país livre.
As pessoas podem mor pessoas podem morar onde quise ar onde quise

rem, não podem?

-- Podem - -- Podem - disse meu pai. disse meu pai. -- A questão -- A questão é saber por é
saber por que escolheram que escolheram um lugar tão um lugar tão precári precári

o como o Buraco. E a o como o Buraco. E a questão também é saber o que p questão também
é saber o que pretende o Jesuíno Pre retende o Jesuíno Pregador - esse é o a gador - esse é o a

pelido que lhe deram.

-- E não dá para pergunt para perguntar o que ele que ele pretende? pretende?

-- Já perguntar -- Já perguntaram. O pessoal am. O pessoal da rádio. Ele da rádio. Ele não
responde. não responde. Diz que sua Diz que sua missão é secreta missão é secreta, e

sagrada, e que só fala sagrada, e que só fala com seus discípulos de conf com seus discípulos
de confiança. Ou com Deus. iança. Ou com Deus.

Sorriu: -- O que não que não é o meu caso, meu caso, evidentemente. evidentemente.

Mudou de assunt Mudou de assunto, começou a o, começou a falar do jogo falar do jogo
daquela noite: daquela noite: o time da ci o time da cidade, o Ser dade, o Ser

tãozinho, enfrentaria o seu grande rival, o Guaxupé. Era o grande clássico da . Era o grande
clássico da região. região.

-- Você quer ir comigo? comigo?

Claro que eu Claro que eu queria. Em prim queria. Em primeiro lugar, eu eiro lugar, eu era -
sou era - sou - louco por - louco por futebol. Mais futebol. Mais

importante, senti que papai precisava de minha companhia, da companhia de seu panhia, da
companhia de seu f

ilho. De modo que, naquela noite, resolvi deixar Euclides da Cunha de clides da Cunha de lado.
Fomo lado. Fomo

s ao jogo, no estádio do s ao jogo, no estádio do Sertãozinho - cheio, naque Sertãozinho -


cheio, naquela noite -, torcemos bast la noite -, torcemos bastante, vi ante, vi

bramos com a vitória do nosso time, e bramos com a vitória do nosso time, e eu fiquei con eu
fiquei contente de ver papai alegre, desc tente de ver papai alegre, desc

ontraído, conversando com amigos, recebendo cumprimentos e entos e abraços. Voltou para
casa abraços. Voltou para casa
feliz. Eu também.

(p. 42)

No fim de s No fim de semana fomos, o emana fomos, o Gê, o Queco, Gê, o Queco, a
Martinha, s a Martinha, sua irmã Rafaela ua irmã Rafaela e eu, acampar e eu, acampar nas
margens do Mar-de-Dentro, a grande represa. Aquela era um programa habitual

para os moradores da região. Afinal, estamos na boca do sertão, muito longe do litor sertão,
muito longe do litor

al: oceano Atlântico, para nós, só de vez em al: oceano Atlântico, para nós, só de vez em
quando. Mas, nas margens da represa, havi . Mas, nas margens da represa, havi

a uma espécie de praia, um lugar a uma espécie de praia, um lugar de areia fina e on de areia
fina e onde a companhia construtora da r de a companhia construtora da r

epresa tinha plantado coqueiros, numa tentativa de imitar o litoral. Tinha até nom

e o lugar - Praia do e o lugar - Praia do Sertão -, o que pode parecer m Sertão -, o que pode
parecer meio contraditório, ma eio contraditório, mas acabou peg s acabou peg

ando. Havia ali hotéis, restaurantes e um ancoradouro onde se podia alugar barcos

e pedalinhos.

Para lá seguimo Para lá seguimos de ônibus. s de ônibus. Acampamos, jogamos Acampamos,


jogamos futebol, nadamos, futebol, nadamos, andamos de barco andamos de barco

- mas a Martinha não deixou de - mas a Martinha não deixou de ler o livro do Eucli ler o livro
do Euclides, que tinha trazido. Voltamo des, que tinha trazido. Voltamo

s domingo à noite.

Para meu Para meu desgosto, encon desgosto, encontrei papai trei papai de novo de novo
preocupado: n preocupado: naquela tarde, aquela tarde, Jesuíno Pr Jesuíno Pr

egador tinha organizado um enorme encontro de crentes. Falava-se, disse meu pai,

de mil pessoas, de duas de mil pessoas, de duas mil pessoas, de cinco mil mil pessoas, de
cinco mil até. Enfim, a coisa estav até. Enfim, a coisa estava cres

cendo.

Eu queria saber Eu queria saber mais sobre o mais sobre o assunto, mas es assunto, mas
estava cansado dem tava cansado demais para pergunta ais para perguntar

. Fui dormir e, naquela noite, tive um . Fui dormir e, naquela noite, tive um sonho muito sonho
muito estranho. Sonhei que estava à b estranho. Sonhei que estava à b

eira da represa, como estivera durante o dia, mas completamente sozinho. De repe

nte, das águas começavam a emergir estátuas, milhares de estátuas de cangaceiros, todos

com aquelas vestimentas características, todos de facão na mão. Acordei suando frio e

não consegui mais dormir. Lembro-me que cheguei até a maldiçoar o livro a maldiçoar o livro
do Euclides: e do Euclides: e
ssa coisa está me dando pesadelos.

A verdade, poré A verdade, porém, é que esta m, é que estava fascinado pel va fascinado pela
leitura - a leitura - entusiasmado com entusiasmado com o evento o evento

que estávamos organizando, o debate sobre Antônio Conselheiro. Na terça-feira, como co

mbinado, Martinha apareceu lê em casa entusiasmada, já tinha lido boa parte do já tinha lido
boa parte do livro

(p. 43)

-- Fiquei acord -- Fiquei acordada até de ma ada até de madrugada. Só espe drugada. Só
espero não adormecer ro não adormecer em cima da m em cima da mesa.

Ah, sim, Ah, sim, e tinha e tinha preparado as preparado as anotações, que anotações, que
me mostrou me mostrou com orgulho: com orgulho:

-- Fiz o me -- Fiz o meu dever de ca u dever de casa direitinho. V sa direitinho. Você viu como
ocê viu como sou boa aluna? sou boa aluna?

Faltava o Faltava o Zé, que Zé, que já estava já estava atrasado uma atrasado uma boa meia
boa meia hora.

-- Será -- Será que o c que o cara esqueceu? ara esqueceu? - perguntou - perguntou Martinha,
intri Martinha, intrigada.

Uma coisa me Uma coisa me ocorreu: fui at ocorreu: fui até a janela d é a janela da frente,
espiei a frente, espiei por ali. Não por ali. Não deu outra: lá deu outra: lá

estava o cara, parado, evidentemente indeciso se deveria ou não entrar. Que sujeit

o complicado, pensei. E, abrindo a porta, chamei-o:

-- Entra -- Entra logo, Zé. logo, Zé. Estamos s Estamos só esperando ó esperando por você. por
você.

Olhou para os Olhou para os lados - como lados - como se esperasse se esperasse socorro de
algué socorro de alguém - e finalme m - e finalmente entrou, nte entrou,

meio intimidado. "Muito bonita, a sua casa", disse, com sincera admiração. O que me sincera
admiração. O que me

deu o que pensar. Nossa deu o que pensar. Nossa casa é absolutamente comum casa é
absolutamente comum, modesta, mesmo. Mas mui , modesta, mesmo. Mas muito mai

s modesto deveria ser o lugar em s modesto deveria ser o lugar em que ele morava. que ele
morava.

Sentamo-nos Sentamo-nos à mesa.

-- Como -- Como é que vamos fazer? - fazer? - perguntei. perguntei.

-- Agora que -- Agora que já sei alguma já sei alguma coisa do livr coisa do livro, cheguei à o,
cheguei à conclusão de que conclusão de que temos de nos temos de nos d eter em três
pontos - disse Martinha. -- eter em três pontos - disse Martinha. -- Primeiro, Primeiro, quem
foi Antônio Conselheiro; seg quem foi Antônio Conselheiro; seg

undo, o que era Canudos; terceiro, qual foi a undo, o que era Canudos; terceiro, qual foi a
reação das autoridades. Que tal? o das autoridades. Que tal?

A idéia era A idéia era boa. Agora tínha boa. Agora tínhamos de colocar mos de colocar aquilo
no pap aquilo no papel, sob a for el, sob a forma de um res ma de um resu

mo.

-- Isso signifi -- Isso significa - continuou ca - continuou Martinha - que Martinha - que
teremos de ser teremos de ser neutros, isentos. neutros, isentos.

Mais isento que o Euclides, até.

A pergunta segu A pergunta seguinte era: por inte era: por onde começar? Z onde começar?
Zé já tinha l é já tinha lido o livro. ido o livro. Martinha e eu Martinha e eu c

onhecíamos a primeira e a segunda partes; decidimos ir direto ao ir direto ao trecho em que


Antôn trecho em que Antôn

io Conselheiro aparece pela primeira vez no livro.

E ele aparece num momento momento crucial. crucial.

(p. 44)

Euclides acabava Euclides acabava de comentar os de comentar os horrores da seca horrores


da seca. Não por co . Não por coincidência, a par incidência, a parte se

guinte trata das crenças do sertanejo, que ele descreve como "misticismo extravaga nte, em
que se debate o nte, em que se debate o fetichismo do índio e do af fetichismo do índio e do
africano. E o homem primit ricano. E o homem primitivo, au ivo, au

dacioso e forte, mas ao mesmo tempo crédulo, deixando-se facilmente arrebatar pela

s superstições mais absurdas. Uma análise destas revelaria a fusão de estados emocionais

distintos. A sua religião é, como ele, distintos. A sua religião é, como ele, mestiça". E mestiça".
Em seguida, Euclides cita personagen m seguida, Euclides cita personagen

s de lendas brasileiras: o Caapora, o Saci, o s de lendas brasileiras: o Caapora, o Saci, o


Lobisomem, a Mula-sem-cabeça... omem, a Mula-sem-cabeça...

Mantinha Mantinha fez urna observação: observação:

-- Euclides diz -- Euclides diz que o misticismo que o misticismo do sertanejo é do sertanejo é
extravagante. Mas extravagante. Mas isso, eu acho, isso, eu acho,

é opinião dele. O que é opinião dele. O que é extravagante para uma pess é extravagante
para uma pessoa não é extravagante p oa não é extravagante para outra. Eu ara outra. Eu ac

ho comida chinesa extravagante, mas os chineses devem achar extravagante a nossa

comida brasileira. Além disso, como ele mesmo diz, existe a existe a questão da seca, da pob
questão da seca, da pob
reza, da fome. Eu, se vivesse numa situação assim, acreditaria em qualquer coisa. acreditaria
em qualquer coisa. Vo

cês não?

Discutimos um p Discutimos um pouco o assunto ouco o assunto - na verdade - na verdade


Martinha e eu Martinha e eu discutimos, porque discutimos, porque Zé c

ontinuava calado. Fizemos algumas anotações e ontinuava calado. Fizemos algumas anotações
e fomos adiante. adiante.

Depois de falar Depois de falar das crenças do das crenças do sertanejo, Euclid sertanejo,
Euclides aborda um es aborda um tema importante: tema importante: o

messianismo. Ele mostra como, em meio ao sofrimento, surge a esperança de , surge a


esperança de um Messi um Messi

as capaz de salvar as pessoas da as capaz de salvar as pessoas da catástrofe. Isso j catástrofe.


Isso já existia em Portugal; Euclides f á existia em Portugal; Euclides f

ala no sebastianismo e nas profecias de Bandarra.

Sebastianismo? Banda Sebastianismo? Bandarra? O que e rra? O que era aquilo? Nem ra
aquilo? Nem eu, nem Marti eu, nem Martinha sabíamos. Ela nha sabíamos. Ela su

geriu que olhássemos na geriu que olhássemos na enciclopédia. enciclopédia.

Não foi preciso Não foi preciso. Zé sabia do . Zé sabia do que se tratava. que se tratava. Com
seu jeito Com seu jeito modesto, foi e modesto, foi explicando xplicando

: sebastianismo referia-se à esperança de que Dom Sebastião, o jovem rei ebastião, o jovem rei
de Portugal d de Portugal d

esaparecido numa batalha contra os mouros no século XVI, reaparecesse para trazer

de volta ao país sua antiga glória. Já de volta ao país sua antiga glória. Já Bandarra era
Bandarra era um sapateiro de Trancoso, Portugal um sapateiro de Trancoso, Portugal

, cujas trovas proféticas mantinham viva a esperança desse futuro glorioso.

(p. 45)

adeiro professor. Martinha e eu Martinha e eu nos olhamos, s nos olhamos, surpresos. O quie
urpresos. O quietinho Zé estava tinho Zé estava se revelando um se revelando um verd

-- De o -- De onde é qu nde é que você sa e você sabe essas be essas coisas? - coisas? -
perguntei. perguntei.

Ele meio que Ele meio que desconversou: tinha desconversou: tinha lido a respeito lido a
respeito num velho livro num velho livro que pertencia que pertencia

à sua família.

Passado o Passado o assombro, cont assombro, continuamos. Euclide inuamos. Euclides


conta s conta como a e como a esperança messiâni sperança messiânica chegou ca chegou

ao Brasil: "Trouxeram-na as gentes impressionáveis que afluíram para a nossa terra"


. E, no Brasil, ocorreram mesmo movimentos messiânicos, como o da Pedra cos, como o da
Pedra Bonita, em Bonita, em

1837. Dizia-se que, quando essa pedra (que fica 1837. Dizia-se que, quando essa pedra (que
fica na Serra Talhada, em Pernambuco Serra Talhada, em Pernambuco

) se quebrasse, dela emergiria o rei Dom ) se quebrasse, dela emergiria o rei Dom Sebastião.
Sebastião. Originou-se, no lugar, um gran Originou-se, no lugar, um gran

de movimento místico no qual se faziam até sacrifícios humanos, para que ios humanos, para
que a pedra se qu a pedra se qu

ebrasse. Em 1850, no sertão do Cariri, surgiu um ebrasse. Em 1850, no sertão do Cariri, surgiu
um outro movimento messiânico, o dos S tro movimento messiânico, o dos S

erenos. Acreditando que o fim do mundo estava próximo, "foram pelos sertões em mo, "foram
pelos sertões em fora,

esmolando, chorando, rezando... e como a caridade pública não os podia pública não os podia
satisfazer a satisfazer a

todos, acabaram roubando".

Por que Euclide Por que Euclides fala dessas s fala dessas coisas? Ele com coisas? Ele compara
o trabalho para o trabalho do historiador ao do historiador ao

de um geólogo. Da mesma forma que o de um geólogo. Da mesma forma que o geólogo,


estuda geólogo, estudando as rochas, pode dizer o que a ndo as rochas, pode dizer o que a
conteceu no passado, o historiador só pode avaliar uma figura histórica "considerand

o a psicologia da sociedade que o criou". E, o a psicologia da sociedade que o criou". E, em


matéria de psicologia, Euclides não éria de psicologia, Euclides não

tem nenhuma dúvida: para ele, Antônio Conselheiro era maluco. Dúvida tínhamos nós, porém:

-- Se o car -- Se o cara era maluco, a era maluco, como tinha tant como tinha tantos
seguidores? - os seguidores? - perguntou Martinha. perguntou Martinha. -

- Será que eram todos malucos também?

Sobre isso Eucl Sobre isso Euclides não fala. ides não fala. Mas ele nos Mas ele nos conta a
histór conta a história do Conselheiro ia do Conselheiro, cujo no , cujo no

me completo era Antônio Vicente Mendes Maciel. Era do Ceará. Sua do Ceará. Sua origem: "Os
Maciéis, origem: "Os Maciéis,

que formavam, nos sertões entre Quixeramobim e Tamboril, uma família numerosa de hom

ens válidos, ágeis, inteligentes e bravos, vivendo de vaqueirice e pequena criação". Os

Maciéis eram rivais dos Araújos, "que formavam uma família rica, filiada a outras família rica,
filiada a outras das

mais antigas do norte da província. Esta rivalidade não raro se não raro se transformava em
luta transformava em luta

sangrenta". Euclides descreve como um tio de Antônio, Miguel Carlos, mesmo cercad
o por membros da família rival, consegue escapar, matando vários inimigos.

(p. 46)

Não parece que Não parece que o pai de Antô o pai de Antônio Conselheiro, nio Conselheiro,
Vicente Mendes Vicente Mendes Maciel, tenha par Maciel, tenha particip

ado dessas lutas. Era dono de uma casa ado dessas lutas. Era dono de uma casa de comércio
de comércio em Quixeramobim. Ali trabalhava em Quixeramobim. Ali trabalhava

Antônio, como caixeiro. Euclides se vale de testemunhos para retratá-lo como um unhos para
retratá-lo como um "ad

olescente tranqüilo e tímido, retraído, avesso à troça". Tinha três irmãs, das quais cuidava

uito. Tanto que só depois do casamento delas procurou urna esposa para ou urna esposa para
si próprio. " si próprio. "

Um enlace que lhe foi nefasto", diz Euclides: "A Um enlace que lhe foi nefasto", diz Euclides: "A
mulher foi a sobrecarga adicion lher foi a sobrecarga adicion

ada à tremenda tara hereditária que desequilibraria uma vida iniciada sob os melhore

s auspícios [expectativas]".

Tropeçamos naquela Tropeçamos naquela "tara hereditária "tara hereditária". O que que ". O
que queria aquilo dizer ria aquilo dizer? De novo o ? De novo o Zé tinha Zé tinha

uma resposta:

-- Tara era -- Tara era como eles chamav como eles chamavam certos tipo am certos tipo de
doença men de doença mental, que deixavam tal, que deixavam a pess

oa retardada. Ou então pessoas com problemas sexuais...

-- Os tarados... tarados... - comentei. comentei.

-- E. O pes -- E. O pessoal acreditava q soal acreditava que as taras ue as taras fossem


hereditárias: fossem hereditárias: passavam dos pai passavam dos pais p

ara os filhos.

-- Você -- Você sabe um sabe um bocado - bocado - comentei, s comentei, sinceramente


inceramente admirado. admirado.

-- Nem tanto, G tanto, Gosto de osto de ler, só isso. só isso...

Continuamos a l Continuamos a leitura. Euclides eitura. Euclides diz que, depois diz que,
depois de casado, Antôn de casado, Antônio Maciel começou io Maciel começou

a trocar de cidade e de a trocar de cidade e de emprego: foi para Sobral, c emprego: foi para
Sobral, como caixeiro; depois par omo caixeiro; depois para Cam

po Grande, como escrivão no juizado; depois Ipu, onde trabalhou no fórum.

-- No fórum? -- No fórum? - admirou-se Ma - admirou-se Martinha. -- Mas rtinha. -- Mas


então o cara então o cara não era tão i não era tão inculto assim. nculto assim.
-- Até latim ele latim ele sabia - sabia - informou o informou o Zé.

(p. 47)

Mas Euclides nã Mas Euclides não tem grande o tem grande consideração para consideração
para com esse tipo com esse tipo de trabalho. Diz de trabalho. Diz ele: "N ele: "N

ota-se em tudo isto um crescendo para profissões menos trabalhosas, exigindo cada

vez menos a constância do esforço". Segundo ele, An Segundo ele, Antônio estava desc tônio
estava descambando para a ambando para a vadiagem franca". vadiagem franca". O que
deixou O que deixou Ma

rtinha indignada:

-- Espera aí, -- Espera aí, gente! Trabalhar gente! Trabalhar no fórum é no fórum é vadiagem?
Meu vadiagem? Meu tio trabalha lá tio trabalha lá e não é n e não é nenhum vad enhum vad

io! E o Gê, que io! E o Gê, que quer ser advogado? Ele é vadio, tam quer ser advogado? Ele é
vadio, também?

-- Talvez fosse -- Talvez fosse esse o conceito esse o conceito naquela época - naquela época -
ponderei. -- Ou ponderei. -- Ou talvez fosse o talvez fosse o p

onto de vista pessoal do Euclides.

Resolvemos: no Resolvemos: no nosso resumo nosso resumo simplesmente col simplesmente


colocaríamos que ocaríamos que Antônio havia Antônio havia mudado de mudado de

cidade e de emprego, sem fazer nenhuma observação sobre isso. E obre isso. E ai, novo
incidente, ai, novo incidente,

que, para Euclides, foi decisivo:

"Foge-lhe a mul "Foge-lhe a mulher, em Ipu, her, em Ipu, raptada por um raptada por um
policial. Foi policial. Foi o desfecho. Fulm o desfecho. Fulminado

de vergonha, o infeliz procura o recesso dos de vergonha, o infeliz procura o recesso dos
sertões, paragens desconhecidas, ond es, paragens desconhecidas, ond

e não lhe saibam o nome; e não lhe saibam o nome; o abrigo da absoluta obscu o abrigo da
absoluta obscuridade. ridade.

"Desce para o sul do Ceará.

"Ao passar em "Ao passar em Paus Brancos, Paus Brancos, na estrada do na estrada do Crato,
fere, c Crato, fere, com ímpeto de om ímpeto de alucinado, à alucinado, à

noite, um parente, que noite, um parente, que o hospedara. Fazem-se breves o hospedara.
Fazem-se breves inquirições policiais, inquirições policiais, tolhidas tolhidas

logo pela própria vítima, reconhecendo a não culpabilidade do agressor. Salva-se da pr isão.
Prossegue depois para o sul, à toa. na isão. Prossegue depois para o sul, à toa. na direção do
Crato. E desaparece... o do Crato. E desaparece...

"Passaram-se dez "Passaram-se dez anos. O moço anos. O moço infeliz de Qui infeliz de
Quixeramobim ficou xeramobim ficou de todo esquecido de todo esquecido (.
..) Morrera, por assim dizer.

"... E surgia na surgia na Bahia o Bahia o anacoreta [reli anacoreta [religioso solitário] gioso
solitário] sombrio, cabelos sombrio, cabelos cresci

dos até aos ombros, barba inculta e longa; face dos até aos ombros, barba inculta e longa; face
escaveirada; olhar fulgurante; mon aveirada; olhar fulgurante; mon

struoso, dentro de um hábito azul de brim americano; abordoado [apoiado] ao clássico

bastão, em que se apóia bastão, em que se apóia o passo tardo dos peregrin o passo tardo
dos peregrinos..."

E peregrino Antônio Conselheiro era: dos sertões de Pernambuco, passou aos de Serg

ipe e de lá chegou à ipe e de lá chegou à Bahia. "Vivia de esmolas, das Bahia. "Vivia de
esmolas, das quais recusava qualqu quais recusava qualquer excesso, er excesso,

pedindo apenas o sustento de cada dia. Procurava os pousos solitários. Não aceitava

leito algum além de uma tábua nua, e, leito algum além de uma tábua nua, e, na falta dest na
falta desta, o chão duro a, o chão duro

(p. 48)

Sua fama foi Sua fama foi se espalhando. se espalhando. Surgiram os prim Surgiram os
primeiros fiéis, pel eiros fiéis, pelos quais Euclides os quais Euclides não tem muita admiração:
trata-se de "gente intima [muito inferior] e suspeita, avessa a

o trabalho... vencidos da vida". Mas reconhece que os fiéis o os fiéis o seguiam, felizes por
seguiam, felizes por

atravessarem com ele os mesmos dias de atravessarem com ele os mesmos dias de
provações e provações e misérias". misérias".

Em breve o Em breve o movimento começava movimento começava a chamar a a chamar a


atenção em outr atenção em outros lugares do os lugares do Brasil, como m Brasil, como m

ostra um documento publicado em 1876 no Rio de ostra um documento publicado em 1876 no


Rio de Janeiro (na época a capital do país) iro (na época a capital do país)

e transcrito por Euclides:

"Apareceu no se "Apareceu no sertão do Norte rtão do Norte um indivíduo qu um indivíduo


que se diz cha e se diz chamar Antônio Conse mar Antônio Conselheiro, e q lheiro, e q

ue exerce grande influência no espírito das classes populares, servindo-se de seu ex

terior misterioso e costumes ascéticos, com que se impõe à ignorância e impõe à ignorância e
simplicidade... simplicidade...

vive a rezar terços e ladainhas e a vive a rezar terços e ladainhas e a pregar e a dar pregar e a
dar conselhos às multidões que reúne ond conselhos às multidões que reúne onde

lhe permitem os párocos; e, movendo sentimentos religiosos, vai arrebanhando o po


vo e guiando-o a seu gosto. Revela ser vo e guiando-o a seu gosto. Revela ser homem inteli
homem inteligente, mas sem cultura." gente, mas sem cultura."

Começavam a Começavam a surgir as surgir as primeiras lend primeiras lendas a res as a


respeito do peito do Conselheiro. Con Conselheiro. Contava-se que tava-se que

certa vez, numa capela de Monte certa vez, numa capela de Monte Santo, duas lágrim Santo,
duas lágrimas sangrentas correram dos olho as sangrentas correram dos olho

s da imagem da Virgem assim que s da imagem da Virgem assim que ele entrou. E havia ele
entrou. E havia também suas numerosas profecia também suas numerosas profecia

s - que eram cuidadosamente anotadas pelos discípulos. Eram frases misteriosas com

o esta:

"Em 1896 hão "Em 1896 hão de rebanhos mil de rebanhos mil correr da praia correr da praia
para o sertão; para o sertão; então o sertão então o sertão virará praia virará praia

e a praia virará sertão."

-- Mas essa -- Mas essa eu conheço - eu conheço - disse Martinha. disse Martinha. -- Só que c
-- Só que com palavras um om palavras um pouco diferente pouco diferente

s: "o sertão vai virar mar e s: "o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão o mar vai virar
sertão". É até a letra de uma músic ". É até a letra de uma música...

Continuei Continuei a ler outras profecias: profecias:

"Há de chover "Há de chover uma grande chu uma grande chuva de estrelas va de estrelas e
aí será e aí será o fim do mu o fim do mundo."

(p. 49)

"Em verdade vos "Em verdade vos digo, quando as digo, quando as nações brigam co nações
brigam com as nações, m as nações, o Brasil com o Brasil com o Brasil, a o Brasil, a

Inglaterra com a Inglaterra, a Prússia com a Prússia, das ondas a, das ondas do mar Dom
Sebastião s do mar Dom Sebastião s

airá com todo o seu exército." -- E aí est -- E aí está Dom Sebastião á Dom Sebastião de novo -
de novo - disse Martinha. disse Martinha. -Mas não entendi -Mas não entendi essa história d
essa história de o

Brasil brigar com o Brasil. Que Brasil brigar com o Brasil. Que briga era essa? briga era essa?

-- Acho - d -- Acho - disse Zé - que isse Zé - que ele se referia ele se referia à luta entre à luta
entre monarquistas e r monarquistas e republicanos. epublicanos.

O Antônio Conselheiro era contra a república, proclamada poucos anos antes. Por uma

série de razões: a Igreja e o série de razões: a Igreja e o governo estavam agora governo
estavam agora separados; o casamento reconh separados; o casamento reconheci

do passava a ser o civil, casar do passava a ser o civil, casar só no religioso não só no religioso
não chegava; e o governo federal co chegava; e o governo federal cob
rava impostos, coisa que o deixava revoltado.

-- Isso mesmo -- Isso mesmo - acrescentei. - acrescentei. -- Euclides até -- Euclides até conta
que o conta que o Conselheiro fez Conselheiro fez uns ato uns ato

s de protesto político. Em 1893, quando os municípios passaram a os passaram a cobrar


impostos, el cobrar impostos, el

e queimou os editais da cobrança numa fogueira. E aí, pela primeira vez, a polícia foi pela
primeira vez, a polícia foi

atrás dele. Queriam prendê-lo. Mas os jagunços dele botaram os e botaram os soldados pra
correr. F soldados pra correr. F

oi então que o Conselheiro decidiu ir para Canudos.

-- O que é que vocês que vocês estão fazen estão fazendo aí?

Era meu pai, Era meu pai, que acabara de que acabara de chegar. Tão abso chegar. Tão
absortos estávamos, rtos estávamos, eu lendo, Martinh eu lendo, Martinha e Zé

escutando, que nem tínhamos dado pela presença dele. Reclamei:

-- Que é isso, é isso, papai? Vo papai? Você nos assustou! assustou! -- Não foi -- Não foi
minha intenção - minha intenção - disse ele. E disse ele. E continuou: -- V continuou: -- Você
não vai m ocê não vai me apresentar aos e apresentar aos se

us amigos?

Fiz as apresentações: apresentações:

-- Esta é a -- Esta é a Martinha, que vo Martinha, que você já deve c cê já deve conhecer...
Este onhecer... Este é o Zé, coleg é o Zé, colega novo... a novo...

Ele fitou o Ele fitou o rapaz com atençã rapaz com atenção, mas nada o, mas nada disse, não
fez disse, não fez perguntas: tato perguntas: tato era coisa que era coisa que

não faltava a papai. Perguntou sobre o não faltava a papai. Perguntou sobre o nosso traba
nosso trabalho, comentou que havia lido Os lho, comentou que havia lido Os

sertões na Faculdade de Direito:

(p. 50)

-- Já faz t -- Já faz tempo, mas lembro empo, mas lembro ainda que fiquei ainda que fiquei
muito impressionado muito impressionado com esse livro. com esse livro.

Mais: ajudou-me bastante no meu trabalho como delegado. O Euclides me gado. O Euclides
me ensinou a ensinou a

ver transgressão de outra maneira. Porque ele --

Interrompeu-se Interrompeu-se com um gesto:

-- Deixa -- Deixa pra lá. pra lá. Leiam e Leiam e tirem conclusõe tirem conclusões, vocês s,
vocês próprios. próprios. Esperamos mamãe Esperamos mamãe chegar e fomos chegar e
fomos almoçar. À me almoçar. À mesa, continuei a sa, continuei a falar, animado, s falar,
animado, sobre o

nosso trabalho:

-- Essa -- Essa história do história do Antônio conselhe Antônio conselheiro é fa iro é


fantástica, mamãe. ntástica, mamãe. Você deveria Você deveria ler.

-- Mal consigo -- Mal consigo ler os livros ler os livros da minha profis da minha profissão -
suspirou são - suspirou ela. -- Mas, ela. -- Mas, se tives se tives

se tempo, é claro que eu se tempo, é claro que eu leria.

Ainda que disfa Ainda que disfarçadamente, papai rçadamente, papai continuava olhando
continuava olhando o Zé. A cert o Zé. A certa altura pergunto a altura perguntou

-lhe, em tom casual, onde morava. Zé hesitou.

-- No buraco - respondeu, respondeu, por fim.

Por um instante Por um instante, receei que , receei que papai começasse papai começasse a
lhe fazer a lhe fazer perguntas sobre o perguntas sobre o que es

tava acontecendo no lugar, aquela história do Jesuíno Pregador. Mas papai revelou-se

hábil, mais uma vez. Rapidamente mudou de assunto: para o futebol, um tema sobre o
futebol, um tema sobre

o qual gostava de falar e no o qual gostava de falar e no qual sabia envolver o qual sabia
envolver o interlocutor. Mesmo assim eu interlocutor. Mesmo assim eu

estava preocupado: eu sabia que o Zé era estava preocupado: eu sabia que o Zé era um jeito s
um jeito sensível, complicado mesmo. Não esta ensível, complicado mesmo. Não esta

ria ele se sentindo pouco à vontade, ali?

Com muita surpr Com muita surpresa, constatei qu esa, constatei que minha preocupa e
minha preocupação não tinha ção não tinha razão de ser. razão de ser. Papai e ma Papai e ma

mãe talvez intimidassem o Zé, mas ele não estava mãe talvez intimidassem o Zé, mas ele não
estava prestando atenção neles: não tirava os olho estando atenção neles: não tirava os olho

s de Martinha. Não tirava os olhos é s de Martinha. Não tirava os olhos é modo de dizer, modo
de dizer, por que ele em geral ficava de c por que ele em geral ficava de c

abeça baixa, fitando o prato. Mas quando erguia os olhos era para mirar Martinha. era para
mirar Martinha.

E mirar E mirar com enlevo: o enlevo: o cara estava cara estava apaixonado, foi apaixonado, foi
o que l o que logo deduzi. ogo deduzi.

E eu o comp E eu o compreendia. Embora n reendia. Embora não chegasse a ão chegasse a


ser bonita - ser bonita - era uma moreni era uma moreninha miúda, co nha miúda, co

m uns olhos muito arregalados e uma boca, para m uns olhos muito arregalados e uma boca,
para meu gosto, um tanto grande -, Mar gosto, um tanto grande -, Mar
tinha era simpática, exuberante. Fazia amigos com facilidade mas há tempos estava se

m namorado.

(p. 51)

Agora: será que Agora: será que ela se dava ela se dava conta da atração conta da atração
que exercia sob que exercia sobre o Zé? E re o Zé? E como receberia como receberia

uma tentativa de aproximação dele, se tal tentativa viesse a ocorrer, o viesse a ocorrer, o que
eu, aliás, que eu, aliás,

achava difícil? Pensei em falar com ela, alertá-la erta. Provavelmente se dera conta dos
sentimentos d a respeito. Mas Martinha era esp e Zé muito tempo antes e Zé muito tempo
antes de mim. respeito. Mas Martinha era esp de mim.

E, se não quisesse nada com ele, E, se não quisesse nada com ele, saberia como dizer saberia
como dizer-lhe. Sem ferir o rapaz muito, -lhe. Sem ferir o rapaz muito,

em todo o caso.

Terminamos de a Terminamos de almoçar, papai deu lmoçar, papai deu-nos uma carona -nos
uma carona de carro até de carro até o colégio. Na o colégio. Na entrada, entrada,

encontrei o Gê. Quis saber como havia sido a encontrei o Gê. Quis saber como havia sido a
reunião da manhã. o da manhã.

-- Ótima - eu disse.

Estava ansioso Estava ansioso para lhe contar para lhe contar sobre a supos sobre a suposta
paixão do ta paixão do Zé, mas me c Zé, mas me contive. Afina ontive. Afina

l, eu tinha direito de fazer especulações sobre a vida alheia. alheia.

Gê me disse que esta que estava lendo va lendo Os sert Os sertões.

-- Quero star -- Quero star bem preparado bem preparado para esse debate para esse debate
- disse. O - disse. O Queco vai levar Queco vai levar a lição qu a lição qu

e ele há tempo está merecendo.

Queco, que enco Queco, que encontrei logo depois ntrei logo depois, também me , também
me perguntou sobre perguntou sobre a reunião. Ficou a reunião. Ficou surpr

eso ao saber que o Zé eso ao saber que o Zé Tinha aparecido: Tinha aparecido:

-- Eu jurava -- Eu jurava que o Zé Ca que o Zé Cabrito não iria brito não iria à sua casa. à sua
casa. Aquilo é bich Aquilo é bicho do mato, ca o do mato, cara. Sabe ra. Sabe

o que me disseram? Que ele mora o que me disseram? Que ele mora no Buraco. Você acr no
Buraco. Você acredita nisso? No Buraco, cara. A edita nisso? No Buraco, cara. A

propósito: você viu no jornal de hoje propósito: você viu no jornal de hoje a reportagem a
reportagem sobre esse sujeito que está fundan sobre esse sujeito que está fundan do uma
nova religião lá no Buraco? Um do uma nova religião lá no Buraco? Um tal de Jesuín tal de
Jesuíno Pregador? Tome nota do que estou o Pregador? Tome nota do que estou
lhe dizendo, Gui: esse homem ainda vai ar trabalho para seu pai. seu pai.

A primeira aula A primeira aula era com o Ar era com o Armando, e, quando mando, e,
quando terminou, fui f terminou, fui falar com ele. alar com ele. Cont

ei que já tínhamos nos reunido e ei que já tínhamos nos reunido e que estávamos prep que
estávamos preparando o resumo para apresentar o arando o resumo para apresentar o p

essoal que iria debater Antônio Conselheiro. Ficou muito satisfeito ao saber que o

Zé tinha participado. Pensou um pouco e Zé tinha participado. Pensou um pouco e depois dis
depois disse:

(p. 52)

-- Tem uma -- Tem uma coisa que pouca coisa que pouca gente sabe e gente sabe e que, no
meu que, no meu modo de ver, modo de ver, não deve ser não deve ser co

mentada. Vou lhe contar, por que vejo que você mentada. Vou lhe contar, por que vejo que
você está ajudando Zé. ajudando Zé.

-- Fez uma pausa e continuou: continuou:

-- Ele é bo -- Ele é bolsista do colégio lsista do colégio. E foi acei . E foi aceito como bolsista to
como bolsista por várias razõe por várias razões. Em primeir s. Em primeir

o lugar, real o lugar, realmente precisa de mente precisa de bolsa de estudos bolsa de estudos:
é muito po : é muito pobre. Merece a bolsa: Merece a bolsa: tr

ata-se de um garoto inteligente e estudioso, como você já deve ocê já deve ter constatado.
Mas t ter constatado. Mas t ambém ganhou o auxílio porque o padre Lucas, que ambém
ganhou o auxílio porque o padre Lucas, que conhece um pouco da vida dele, veio nhece um
pouco da vida dele, veio

falar com a direção e falar com a direção e pediu que fosse aceito no co pediu que fosse
aceito no colégio: o garoto tem pro légio: o garoto tem problemas pesso blemas pesso

ais bastante sérios. Mais do que isso não posso ais bastante sérios. Mais do que isso não posso
lhe dizer, mas lhe peço: continue dand dizer, mas lhe peço: continue dand

o uma força para o garoto. Ele o uma força para o garoto. Ele precisa dessa força. precisa dessa
força. E a você fará bem ajudando-o. E a você fará bem ajudando-o.

Eu disse que Eu disse que alguma coisa já alguma coisa já sabia do Zé; sabia do Zé; por
exemplo, q por exemplo, que ele era es ue ele era esforçado, que li forçado, que li

a muito e sabia de muita a muito e sabia de muita coisa. E que certamente er coisa. E que
certamente era muito pobre, pis morava a muito pobre, pis morava no

Buraco. Aí me lembrei:

-- Falando em -- Falando em Buraco, o que Buraco, o que você me diz você me diz desse cara
que desse cara que apareceu por l apareceu por lá?

-- O Jesuíno -- O Jesuíno Pregador? - ele Pregador? - ele suspirou. -- Nã suspirou. -- Não sei.
Para o sei. Para dizer a verdade, dizer a verdade, ainda não s ainda não s
ei muito sobre isso. Mas acho que logo ei muito sobre isso. Mas acho que logo vamos ficar
vamos ficar sabendo. E acho que logo esta sabendo. E acho que logo esta

remos falando sobre esse assunto.

Sorriu:

-- Espero -- Espero que a gente não gente não tenha um tenha um Canudos aqui Canudos
aqui em Sertãozinho. em Sertãozinho.

(p. 53)

7. Entramos Entramos em canudos canudos

Na manhã seguin Na manhã seguinte, fizemos nova te, fizemos nova reunião, desta v reunião,
desta vez no apartament ez no apartamento em que Mani o em que Maninha m

orava com a mãe e a orava com a mãe e a irmã -o pai deixara a família h irmã -o pai deixara a
família há tempos, indo para á tempos, indo para Salvador. Sentamo Salvador. Sentamo

s na sala de visitas. Meio sem s na sala de visitas. Meio sem jeito, Maninha disse jeito, Maninha
disse que não pudera continuar a lei que não pudera continuar a lei

tura:

-- Não tive tempo, tive tempo, acreditem. De acreditem. Desculpem, mas sculpem, mas hoje
é tudo com tudo com vocês.

-- Com você, -- Com você, Gui - corrigiu Gui - corrigiu Zé. Sorriu, tími Zé. Sorriu, tímido: --
Gosto do: -- Gosto mais de ouvir mais de ouvir que de falar que de falar

Mas de vez em quando dou Mas de vez em quando dou meus palpites... meus palpites...

Peguei o livro Peguei o livro e o diário on e o diário onde, como de de, como de costume,
tinha f costume, tinha feito as anotações eito as anotações:

-- Bem, então vamos lá.

-- Espera -- Espera aí. Onde aí. Onde é que a gente a gente estava mesmo? estava mesmo? -
perguntou - perguntou Martinha. Martinha.

-- Ah, é ve -- O An -- Ah, é verdade. Aliás, que -- O Antônio Conselheiro tônio Conselheiro


estava chegando rdade. Aliás, que nome esquisito, estava chegando em Canudos nome
esquisito, o desse lugar! em Canudos - respondi. o desse lugar! De onde é que - respondi. De
onde é que saiu?

-- O Euclides -- O Euclides explica. Era u explica. Era uma antiga fazend ma antiga fazenda à
margem d a à margem do rio Vaza-Barris o rio Vaza-Barris. Antes . Antes

de Conselheiro e seus discípulos, outras pessoas haviam ocupado o lugar. aviam ocupado o
lugar. E esse p E esse p

essoal fumava uns cachimbos feitos com o caule oco de urna planta da beira do ri urna planta
da beira do ri

o chamada canudo-de-pito - daí o nome.


(p. 54)

Canudos tinha u Canudos tinha uma localização es ma localização estratégica: o lug tratégica:
o lugar era cercado ar era cercado de serras e de serras e morros, C morros, C

ambaio, Cocorobó, Angico e outros, o que dificultava o acesso de a o acesso de possíveis


inimigos. possíveis inimigos.

Mas essa Localizado não impediu a chegada de Mas essa Localizado não impediu a chegada
de peregrinos, que vinham cada vez em m rinos, que vinham cada vez em m

aior número. Ali surgiu então um arraial, o arraial de Canudos, onde as pessoas vivi Canudos,
onde as pessoas vivi

am numa "pobreza repugnante", nas palavras de Euclides, 'traduzindo, mais do que

a miséria do homem, a a miséria do homem, a decrepitude [decadência] da decrepitude


[decadência] da raça".

-- O ca -- O cara era i ra era invocado com nvocado com esse negócio esse negócio de raça de
raça - observou - observou Martinha. Martinha.

-- Era mesmo. -- Era mesmo. Nesse arraial, Nesse arraial, havia de tudo, havia de tudo, desde
o crente desde o crente até o bandido. até o bandido. Ao che gar, entregavam ao Conselheiro
praticamente tudo o que possuíam. Ele dominava o ar

raial, ele era a lei, ele era raial, ele era a lei, ele era o líder moral. E o o líder moral. E o que ele
pregava era a renúncia a que ele pregava era a renúncia a to

dos os bens, todos os confortos. Ensinava que o dos os bens, todos os confortos. Ensinava que
o sofrimento era benéfico para a mor rimento era benéfico para a mor

al. Beber não era permitido. Mas o amor al. Beber não era permitido. Mas o amor livre era..
livre era...

-- Quer dizer: -- Quer dizer: o cara tirava o cara tirava de um lado, de um lado, mas dava de
mas dava de outro. - comento outro. - comentou Martinh u Martinh

a.

-- Parece, né? -- Parece, né? Outra coisa: em Outra coisa: em Canudos, o Co Canudos, o
Conselheiro mantinha nselheiro mantinha a ordem, mas, a ordem, mas, diz

Euclides, volta e meia os caras Euclides, volta e meia os caras saíam dali para as saíam dali
para assaltar localidades ao redor. saltar localidades ao redor.

-- Mas espera -- Mas espera um pouco - um pouco - Martinha, intrigada Martinha, intrigada.
-- E a . -- E a religião? Aquilo religião? Aquilo não era um não era um g

rupo religioso?

-- Era. E e -- Era. E eles tinham suas les tinham suas cerimônias. Todas cerimônias. Todas as
tardes se as tardes se reuniam para re reuniam para rezas hom zas hom

ens de um lado, mulheres de outro.


-- Aí os se -- Aí os sexos ficavam separ xos ficavam separados... - riu ados... - riu Martinha. -- P
Martinha. -- Primeiro amor livr rimeiro amor livre; depo e; depo

is mulher para um lado, homem para outro.

-- Pois é. -- Pois é. E também havia E também havia uma cerimônia uma cerimônia em que
todos em que todos tinham de beijar tinham de beijar a mesma imagem a mesma imagem

de Cristo ou de um santo.

(p. 55)

Lá pelas tantas Lá pelas tantas o Conselheiro re o Conselheiro resolveu construir solveu


construir uma grande igre uma grande igreja em Canudos, ja em Canudos, "

uma catedral", nas palavras de Euclides.

-- O Conselheir -- O Conselheiro era um cons o era um construtor de igreja trutor de igrejas


acrescentou Zé s acrescentou Zé. -- Ele tinh . -- Ele tinha prome a prome

tido construir 25 delas na sua vida...

-- Pois é. -- Pois é. E foi a const E foi a construção desse temp rução desse templo que
precipito lo que precipitou a luta. Con u a luta. Conselheiro tinha selheiro tinha

encomendado em Juazeiro, mediante pagamento adiantado, uma certa quantidade de m

adeira, que não foi entregue. Segundo Euclides, de propósito: quem impediu a entrega

foi um juiz, Arlindo Leone, que foi um juiz, Arlindo Leone, que os homens do Conse os
homens do Conselheiro tinham expulsado do mu lheiro tinham expulsado do mu

nicípio de Bom Conselho e que assim estava se nicípio de Bom Conselho e que assim estava se
vingando. Antônio Conselheiro então ameaço ndo. Antônio Conselheiro então ameaço

u: ou entregavam a madeira ou ele invadiria Juazeiro. Houve pânico na o. Houve pânico na


cidade, e o cidade, e o

governador da Bahia mandou reforçar a força policial com cem soldados. Eles recebera

m a ordem de atacar Canudos - m a ordem de atacar Canudos - e foi o que fizeram. e foi o que
fizeram.

-- Mas tiveram tiveram uma surpr uma surpresa - disse Zé.

Surpresa foi a Surpresa foi a nossa: já era nossa: já era a segunda vez a segunda vez que o Zé
que o Zé falava! Estava pa falava! Estava participando ma rticipando ma

is do que esperávamos. O que era is do que esperávamos. O que era ótimo. Só que depo
ótimo. Só que depois de ter dito a frase, ele ficou is de ter dito a frase, ele ficou e

m silêncio, como que arrependido de ter falado. De modo que resolvi estimulá-lo: que resolvi
estimulá-lo:

Vamos lá, Zé, conte.

Mais um Mais uma pequen a pequena vacilaç a vacilação e ele con ele contou:
-- A tropa se deslocou até -- A tropa se deslocou até Uauá, onde também morava Uauá, onde
também moravam adeptos do Conselheiro. E m adeptos do Conselheiro. E, quan

do os soldados chegaram, a população fugiu em massa para Canudos. Naquela noite, os


Canudos. Naquela noite, os

soldados dormiram no local. No dia seguinte, quando acordaram, viram diante de s

i uma multidão que avançava ao som de i uma multidão que avançava ao som de cânticos reli
cânticos religiosos. Começou a luta. Os soldados e giosos. Começou a luta. Os soldados e

ram em número muito menor, mas tinham armas automáticas, enquanto os sertanejos só dis

punham de facões, foices e armas de fogo punham de facões, foices e armas de fogo simples.
M simples. Muitos morreram, mas mesmo assim uitos morreram, mas mesmo assim

os soldados acabaram batendo em retirada.

(p. 56)

Nesse momento Nesse momento fomos interrom fomos interrompidos: chegava pidos:
chegava a Rafaela. a Rafaela. Vinha aborrecid Vinha aborrecida, furios a, furios

a mesmo:

-- Levei uma -- Levei uma hora para chega hora para chegar até aqui, r até aqui, gente. Vocês
acr gente. Vocês acreditam? Numa cida editam? Numa cidade deste de deste

tamanhinho, o trânsito de repente fica congestionado, e pronto, ninguém se mexe.

Congestionamento? Congestionamento? Aquilo era Aquilo era novidade. Conge novidade.


Congestionamento ocor stionamento ocorria em Se ria em Sertãozinho d rtãozinho d

e Baixo só em caso de e Baixo só em caso de temporais que inundavam a rua temporais que
inundavam a rua, ou quando a prefeitu , ou quando a prefeitura realiz ra realiz

ava alguma obra muito grande. Mas o céu ava alguma obra muito grande. Mas o céu estava
azul estava azul e obra nenhuma estava sendo fe e obra nenhuma estava sendo fe

ita naquele momento.

-- Foi aquele -- Foi aquele pessoal do Jes pessoal do Jesuíno Pregador - uíno Pregador -
explicou Rafaela. explicou Rafaela. -- Estão fazend -- Estão fazendo uma

procissão pela cidade. Enorme procissão, com cruzes, imagens de santos e s, imagens de
santos e tudo. A to tudo. A to

da hora repetem que o fim está da hora repetem que o fim está próximo, que o senão
próximo, que o senão vai virar praia... vai virar praia...

O sertão O sertão vai virar vai virar praia? Ma praia? Mas aquilo s aquilo nós conhecí nós
conhecíamos!

-- E a mesma frase mesma frase do Antônio do Antônio Conselheiro! - Conselheiro! - disse


Martinha. disse Martinha. -- Antônio, -- Antônio, quem? - quem? - perguntou Ra perguntou
Rafaela, sem faela, sem entender. entender.
-- Se você -- Se você tivesse lido Os tivesse lido Os sertões, você sertões, você saberia. Mas co
saberia. Mas como você não l mo você não lê nada... -- ê nada... -- Martinha Martinha

não perdia uma oportunidade para espicaçar a irmã.

-- Eu não l -- Eu não leio nada - re eio nada - respondeu Rafaela, spondeu Rafaela, irônica. -- E
irônica. -- E você não arran você não arranja namorado algu ja namorado algum

. Quem está pior?

-- Está pior -- Está pior - retrucou Mart - retrucou Martinha - quem inha - quem não sabe que
não sabe que uma coisa não uma coisa não tem nada a tem nada a ver co

m a outra. Você -

-- Parem de -- Parem de bater boca e bater boca e venham ver uma venham ver uma coisa
aqui na coisa aqui na tevê - era tevê - era a mãe de Mar a mãe de Martinha

, do quarto ao lado.

Fomos. Era uma Fomos. Era uma transmissão, ao v transmissão, ao vivo, da procissã ivo, da
procissão de que Raf o de que Rafaela nos falara. aela nos falara. A pri

meira coisa que me chamou a atenção foi meira coisa que me chamou a atenção foi a
quantidad a quantidade de pessoas: eu não lembrava de um e de pessoas: eu não lembrava de
um

cortejo tão grande na cidade. Nem no cortejo tão grande na cidade. Nem no Carnaval, qua
Carnaval, quando as ruas ficam cheias, há tant ndo as ruas ficam cheias, há tant

a gente. Gente humilde, alguns usando uma espécie de túnica escura. Como e túnica escura.
Como dissera Raf dissera Raf

aela, carregavam cruzes, imagens e uma faixa: "Arrependei-vos agora, amanhã será tar

de".

(p. 57)

O repórter, da O repórter, da rua, explicava qu rua, explicava que o líder da e o líder da seita,
Jesuíno seita, Jesuíno Pregador, não se Pregador, não se encontrav encontrav

a ali:

-- Ele comandou -- Ele comandou a saída da p a saída da procissão, no Bur rocissão, no


Buraco, mas ficou aco, mas ficou lá. Procurado lá. Procurado por nossa r por nossa r

eportagem, recusou-se a dar entrevista, dizendo que televisão é coisa do diabo.

Virei-me para c Virei-me para comentar alguma co omentar alguma coisa, mas me isa, mas
me detive. E me detive. E me detive por causa detive por causa da e

xpressão de Zé. O sofrimento, a angústia que transpareciam em seu rosto areciam em seu
rosto eram impressio eram impressio

nantes, comovedores. Por quê? Teria ele reconhecido nos devotos alguns de seus viz
inhos do Buraco? Era uma coisa que eu inhos do Buraco? Era uma coisa que eu não poderia p
não poderia perguntar sem correr o risco de erguntar sem correr o risco de

magoá-lo. Maninha também se deu conta disso:

-- Escuta aqui, -- Escuta aqui, gente, está quas gente, está quase na hora de e na hora de ir
para o c ir para o colégio. Quem sabe olégio. Quem sabe deixamos deixamos

o trabalho para amanhã?

O encontro comb O encontro combinado, passei em inado, passei em casa para comer casa
para comer alguma coisa e alguma coisa e pegar o meu pegar o meu mat

erial para o colégio. Mamãe não estava, só papai erial para o colégio. Mamãe não estava, só
papai - sentado, olhando a tevê. Com ar visivel sentado, olhando a tevê. Com ar visivel

mente preocupado. Perguntei-lhe se tinha havido alguma desordem durante a procis

são.

-- Não. Ainda não.

-- O que vo -- O que você quer dizer cê quer dizer com "ainda não" com "ainda não"? Você
acha ? Você acha que pode haver que pode haver violência? - p violência? - pergun

tei, assustado.

-- Não sei. -- Não sei. O que eu sei O que eu sei é que tem c é que tem cada vez mais ada vez
mais gente no Buraco gente no Buraco. Olhe ali. . Olhe ali.

Nesse momento a Nesse momento a câmera, do alto câmera, do alto de um prédio, de um


prédio, mostrava em zo mostrava em zoom a procissão om a procissão voltando voltando

ao Buraco. E aí fiquei de queixo ao Buraco. E aí fiquei de queixo caído. Eu conhecia caído. Eu


conhecia pouco o Buraco, raramente ia lá, pouco o Buraco, raramente ia lá, m

as realmente o lugar tinha mudado. Além das casinholas, havia tendas de las, havia tendas de
lona preta lona preta

por toda parte, inclusive subindo pela encosta do morro ao pé do qual ficava o ao pé do qual
ficava o Bu

raco. E gente, muita gente, um enxame de raco. E gente, muita gente, um enxame de gente, ali
gente, ali.

(p. 58)

Dava para enten Dava para entender a apreensão der a apreensão de papai. Mas de papai.
Mas tentei minimizá-la: tentei minimizá-la: aquilo era uma aquilo era uma co

isa passageira, amanhã ou depois o Jesuíno Pregador iria embora e eles iria embora e eles
iriam junto. iriam junto.

-- O cara é -- O cara é meio nômade, não meio nômade, não é? Certamente e é? Certamente
ele vai continuar le vai continuar a peregrinação. a peregrinação. Como o Antônio Como o
Antônio
Conselheiro...

-- Só que o -- Só que o Antônio Conselheiro Antônio Conselheiro acabou se fixand acabou se


fixando em Canudos o em Canudos - suspirou papai - suspirou papai. --

Se esse pregador seguir o exemplo e se Se esse pregador seguir o exemplo e se fixar aqui, fixar
aqui, seguramente teremos problemas seguramente teremos problemas

Olhou o relógio, relógio, levantou-se: levantou-se:

-- Vou indo, filho. indo, filho. Tenho de Tenho de voltar para voltar para a delegacia a
delegacia.

-- Vou com você.

Saímos, a pé Saímos, a pé - em Sertãozinh - em Sertãozinho tudo era, o tudo era, e continua


sendo e continua sendo, perto. Acompanh , perto. Acompanhei-o até a d ei-o até a de

legacia -- ele falando pouco, o que mostrava a legacia -- ele falando pouco, o que mostrava a
sua apreensão -- e depois segui par apreensão -- e depois segui par

a o colégio. Lá, claro, o assunto era a o colégio. Lá, claro, o assunto era um só: a proc um só: a
procissão dos Pregadores, como os seguido issão dos Pregadores, como os seguido

res de Jesuíno já estavam sendo chamados. No meio do pátio, Queco fazia um comício: pátio,
Queco fazia um comício:

-- E uma ca -- E uma cambada de vagabund mbada de vagabundos, de fanáticos os, de


fanáticos. Se a gente . Se a gente deixar, esses ca deixar, esses caras vão t ras vão t omar conta
da cidade.

Viu-me chegar: chegar:

-- Então, Gui? -- Então, Gui? O seu pai não O seu pai não vai fazer nada? vai fazer nada?
Afinal, ele é Afinal, ele é o delegado de o delegado de polícia, né? É polícia, né? É el

e o encarregado de manter a ordem...

O tom era d O tom era de gozação, mas e gozação, mas olhei bem e olhei bem e percebi: o
Que percebi: o Queco estava assusta co estava assustado. Como muit do. Como muit

os outros ali. Evidentemente queriam que eu dissesse alguma coisa, mas, como mamãe

sempre repetia, eu não deveria falar sobre o sempre repetia, eu não deveria falar sobre o
trabalho do meu pai; não era apropriad lho do meu pai; não era apropriad

o e poderia até criar problemas. De modo o e poderia até criar problemas. De modo que
respon que respondi qualquer coisa, no mesmo tom di qualquer coisa, no mesmo tom

gozador de Queco, e segui para gozador de Queco, e segui para a aula. No corredor a aula. No
corredor, encontrei o professor Arman , encontrei o professor Arman

do. Perguntei-lhe se tinha visto a televisão. Sim, tinha visto.

-- E então? - insisti. insisti.


(p. 59)

-- Então? Não -- Então? Não sei - sorriu, sei - sorriu, melancólico. -- melancólico. --
Historiadores estuda Historiadores estudam o passado, m o passado, não prevêem não
prevêem

o futuro. Importante é entender o que o futuro. Importante é entender o que está acontec
está acontecendo. Esse debate que vocês vão fazer endo. Esse debate que vocês vão fazer

ajudará bastante nesse sentido.

-- Espere um -- Espere um pouco: você est pouco: você está me dizendo á me dizendo que
estamos ven que estamos vendo uma situação do uma situação igual à do igual à do Antônio
Antônio

Conselheiro?

-- Exatamente i -- Exatamente igual, não, porque gual, não, porque a história nunc a história
nunca se repete. a se repete. Mas acho que Mas acho que há coisas há coisas

em comum nos dois movimentos. Agora, voltando ao debate. No meu bate. No meu entender,
a perg entender, a perg

unta para a qual vocês precisam encontrar uma resposta é: por sta é: por que as pessoas
aderem que as pessoas aderem

a movimentos desse tipo? O que oferecem tais movimentos às pessoas?

Boa questão. Fi Boa questão. Fiquei pensando nel quei pensando nela o resto do a o resto do
dia. À tarde, dia. À tarde, depois da esco depois da escola, fui j la, fui j

ogar futebol. Quando cheguei, às oito horas, encontrei mamãe preocupada: papai ainda

não tinha voltado.

-- Você -- Você sabe que sabe que ele não ele não tem hora tem hora para chegar para chegar
- ponderei. - ponderei.

-- Sei. Mas -- Sei. Mas liguei para a liguei para a delegacia e me delegacia e me disseram que
el disseram que ele tinha ido a e tinha ido até o Buraco té o Buraco

. Só ele e o Pedro.

Pedro era o delegado delegado auxiliar. auxiliar.

-- Ora, -- Ora, mamãe. Não vai Não vai acontecer acontecer nada.

Mas a verdade Mas a verdade é que eu t é que eu também estava pre ambém estava
preocupado. Foi com ocupado. Foi com um suspiro de um suspiro de alívio que vi alívio que vi

papai chegar, quase uma hora depois.

-- Então? - perguntei. perguntei.

-- Então, o quê?

-- Você não foi lá -- Você não foi lá no Buraco? no Buraco?


-- Fui.

-- E daí?

Ele não respond Ele não respondeu. Tirou o c eu. Tirou o casaco, jogou-o n asaco, jogou-o
numa cadeira, dei uma cadeira, deixou-se cair na xou-se cair na poltr

ona. Pelo jeito, estava cansado. E talvez deprimido. Mas cansado, certamente.

-- Você falou -- Você falou com o homem? com o homem? - insistiu ma - insistiu mamãe. --
Com mãe. -- Com o Jesuíno Pregado o Jesuíno Pregador?

(p. 60)

-- Não. Não -- Não. Não falei com ele. falei com ele. Cheguei até o Cheguei até onde ele mora,
nde ele mora, mas não falei mas não falei com ele. Ou com ele. Ou melhor

: ele não quis falar comigo. Disse que : ele não quis falar comigo. Disse que não tinha qu não
tinha qualquer assunto a tratar com o del alquer assunto a tratar com o del

egado.

-- Que ousadia! -- Que ousadia! - mamãe, irritad - mamãe, irritada. -- Onde é a. -- Onde é que
se viu que se viu um homem que um homem que nem é daqui, nem é daqui, qu

e ninguém sabe quem é, recusar-se a falar com e ninguém sabe quem é, recusar-se a falar com
o delegado da cidade? egado da cidade?

-- Estava no -- Estava no direito dele, T direito dele, Teresa. Eu não eresa. Eu não tinha
mandado tinha mandado judicial que o judicial que o obrigasse obrigasse

a me receber. De modo a me receber. De modo que optei por não forçar a b que optei por
não forçar a barra.

-- E como é a casa? a casa? - pergun - perguntei.

-- É diferente -- É diferente das outras. Lá das outras. Lá todo o mundo todo o mundo mora
em barra mora em barracos de taipa cos de taipa ou então naquel ou então naquel

as barracas de lona plástica. A casa dele é as barracas de lona plástica. A casa dele é de tijo de
tijolo. Foi construída há pouco, vê-se logo lo. Foi construída há pouco, vê-se logo

, nem está bem terminada. Mas é , nem está bem terminada. Mas é rodeada por um muro
rodeada por um muro alto. Há um portão, guardado po alto. Há um portão, guardado por doi

s homens, acho que armados.

Ficou um instante instante calado, calado, e continuou: continuou:

-- Não falei -- Não falei com o Pregador, com o Pregador, mas descobri mu mas descobri
muita coisa a ita coisa a seu respeito. Com seu respeito. Como não pod o não pod

ia entrar na casa, caminhei pelo Buraco, conversando com um, conversando com out

ro. Inclusive com gente que veio de outros municípios. E fiquei espantado. Aquilo fiquei
espantado. Aquilo mudou. Antigamente o Buraco era um lugar de gente humilde, gente
umilde, gente sem muita esper sem muita esper
ança, sem recursos. Agora, não. Por exemplo: o Pregador criou uma escola. ador criou uma
escola. É uma escola É uma escola

religiosa, ensina as profecias deles e outras coisas, mas também ensina as, mas também
ensina as crianças as crianças

a ler, a escrever. E a ler, a escrever. E criou também um tribunal. criou também um tribunal.

-- Tribunal? Tribunal? - estranhei. estranhei.

-- E. Uma e -- E. Uma espécie de tribuna spécie de tribunal, organizado e l, organizado e


dirigido pelo pr dirigido pelo próprio Pregador. S óprio Pregador. Se doi

s vizinhos têm uma disputa qualquer, eles levam o caso ao Pregador; se há briga entr ao
Pregador; se há briga entr

e marido e mulher, é o e marido e mulher, é o Pregador quem resolve. E uma Pregador quem
resolve. E uma mulher me contou que o mulher me contou que os jovens s jovens

que querem casar pedem-lhe aprovação. Existe uma espécie de templo, um spécie de templo,
um grande barracão grande barracão

de madeira, onde madeira, onde o pessoal o pessoal se reúne se reúne para rezas para rezas
junto com junto com o Pregador. o Pregador.

(p. 61)

Eu estava Eu estava absolutamente absolutamente assombrado com assombrado com aquilo.


Entre aquilo. Entre outras razões, outras razões, porque o porque o rel

ato de papai coincidia com o que ato de papai coincidia com o que tínhamos lido a re tínhamos
lido a respeito do Antônio Conselheiro. E speito do Antônio Conselheiro. E

foi o que eu lhe disse:

-- Papai, isso -- Papai, isso parece a história parece a história que o Euclides que o Euclides da
Cunha conta da Cunha conta em Os sertões. em Os sertões...

Ele me olhou, sério:

-- Sei disso. -- Sei disso. Como não haver Como não haveria de saber? ia de saber? Quem
nasceu nes Quem nasceu nesta região, como ta região, como eu, ouviu eu, ouviu

falar do Antônio Conselheiro. E a pergunta que eu me faço, que você se faz, que todos faço,
que você se faz, que todos

se fazem é: será que esta história vai se fazem é: será que esta história vai terminar com
terminar como a do Conselheiro? o a do Conselheiro?

-- O que é que você acha?

-- Se depender -- Se depender de mim, não - de mim, não - respondeu, taxativo respondeu,


taxativo. --Vou fazer . --Vou fazer o possível para o possível para evit

ar qualquer violência.

Olhou o relógio: relógio:


-- Bem, -- Bem, acho que acho que vou dormir. vou dormir. Estou um Estou um bocado can
bocado cansado.

Mamãe insistiu Mamãe insistiu para que comesse para que comesse alguma coisa, ma
alguma coisa, mas ele recusou, s ele recusou, e entrou no e entrou no quart

o. Ela sacudiu a cabeça, com um o. Ela sacudiu a cabeça, com um suspiro: suspiro:

-- Seu pai -- Seu pai é um bom garf é um bom garfo. E a prime o. E a primeira vez, nestes ira
vez, nestes dezoito anos de dezoito anos de casados, que casados, que

eu o vejo ir eu o vejo ir para a cama sem jantar. Ele deve para a cama sem jantar. Ele deve
estar preocupado m estar preocupado mesmo.

Eu agora começa Eu agora começava a ficar pr va a ficar preocupado também. eocupado


também. E mais motivado E mais motivado a ler o livr a ler o livro.

(p. 62)

8. Ampl 8. Amplia-se a ia-se a guerra co guerra contra o Conselheiro... Conselheiro...

Na manhã seguin Na manhã seguinte, quando nos te, quando nos encontramos -
encontramos - de novo no a de novo no apartamento da Mar partamento da Martinha,

a pedido dela -, tivemos de resolver uma a pedido dela -, tivemos de resolver uma questão: d
questão: deveríamos ou não incluir as campanh everíamos ou não incluir as campanh

as contra o Conselheiro no resumo que faríamos sobre ele? Martinha achava e ele? Martinha
achava que não: que não:

-- Uma coisa -- Uma coisa é o homem, é o homem, outra coisa é outra coisa é a guerra que a
guerra que moveram contra moveram contra ele. Não me ele. Não me parece

necessário falar das necessário falar das expedições militares. expedições militares.

Eu, ao contrári Eu, ao contrário, achava que o, achava que só poderíamos c só poderíamos
compreender bem a ompreender bem a figura que estáv figura que estávamos estu amos estu

dando se descrevêssemos a maneira pela qual ele se portara na portara na luta. O voto decisiv
luta. O voto decisiv

o se estivesse olhando para uma deusa -, o se estivesse olhando para uma deusa -, mas não, e
o foi de Zé. Achei que o foi de Zé. Achei que iria apoiar Martinha - cada iria apoiar Martinha -
cada vez que olhava para ela mas não, estava de acordo comigo. Maninha vez que olhava para
stava de acordo comigo. Maninha ela era com era com

até estranhou. Mas não se deixou perturbar. Gracejou:

-- Você -- Você me surpreendeu, me surpreendeu, cara. Pensei cara. Pensei que podia que
podia contar com contar com você... você...

Ele riu, Ele riu, meio sem meio sem graça, e graça, e ela acariciou ela acariciou-lhe o r -lhe o
rosto com osto com a mão.

Um gesto casual Um gesto casual, comum entre , comum entre amigos -- mas amigos -- mas
era de ver era de ver o brilho de o brilho de felicidade q felicidade q
ue surgiu nos olhos do Zé. Ele ue surgiu nos olhos do Zé. Ele estava derretido mes estava
derretido mesmo. Eu só esperava que Martinha mo. Eu só esperava que Martinha não

estivesse brincando com os sentimentos dele. Mas logo voltamos ao nosso ogo voltamos ao
nosso assunto assunto

(p. 63)

-- Muito bem -- Muito bem - disse ela. - disse ela. -- Então, quem -- Então, quem é que fala? é
que fala? Confesso que par Confesso que parei de ler o ei de ler o l

ivro: essa coisa de combates não me interessa.

-- Você não -- Você não sabe o que e sabe o que está perdendo - stá perdendo - repliquei. --
repliquei. -- O Euclides não O Euclides não está descrevendo está descrevendo uma

briga entre mocinho e bandido. Não é briga entre mocinho e bandido. Não é faroeste. O q
faroeste. O que ele faz é tentar entender os par ue ele faz é tentar entender os par

ticipantes da campanha através da maneira como eles lutaram. -- Bem, se -- Bem, se você
está por você está por dentro, vamos l dentro, vamos lá -- comandou á -- comandou Martinha.
Ela e Martinha. Ela era a minha i ra a minha inte

rlocutora, porque o Zé, naturalmente, não falava.

-- Nós tínhamos -- Nós tínhamos parado naquela b parado naquela batalha de Uauá, atalha de
Uauá, que terminou com que terminou com a derrota dos a derrota dos solda

dos. Aí foi preparada uma segunda expedição pelo governo da Bahia, comandada pelo verno
da Bahia, comandada pelo majo

r Febrônio de Pinto. Mais soldados, agora, cerca de quinhentos, e mais quinhentos, e mais
armamento, armamento,

incluindo quatro metralhadoras e dois canhões. Os sertanejos - ou jagunços, que são os

sertanejos que viram bandidos - eram em sertanejos que viram bandidos - eram em maior
núme maior número, mas as armas que tinham era ro, mas as armas que tinham era

m simples, armas de carregar pela boca do cano: m simples, armas de carregar pela boca do
cano: primeiro tinham de colocar a pólvo meiro tinham de colocar a pólvo

ra, socar bem, colocar a bala... Levava tempo. Agora: tinham a a: tinham a seu favor um elem
seu favor um elem

ento muito importante, que é o terreno. Diz aqui ento muito importante, que é o terreno. Diz
aqui o Euclides: "As caatingas são um al Euclides: "As caatingas são um al

iado incorruptível do sertanejo em revolta". Nelas, o jagunço transforma-se em guerr

ilheiro: ataca e some no meio da ilheiro: ataca e some no meio da vegetação, que, po
vegetação, que, por sua vez, dificulta o movimento r sua vez, dificulta o movimento

dos soldados. Para Euclides, "Canudos era a nossa Vendéia".


-- Vendéia? -- Vendéia? O que é isso? é isso? - quis saber Marti saber Martinha.

-- Eu também nã também não sabia. o sabia. Tive de Tive de olhar na olhar na enciclopédia.
enciclopédia. É um episódio É um episódio da Revolução F da Revolução Francesa de 1789,
rancesa de 1789, que derrubou a que derrubou a realeza. A avenid realeza. A avenida era uma
a era uma

região da França onde os camponeses, defendendo a monarquia, enfrentaram as tropas

do governo, numa guerra de guerrilhas, atacando e fugindo, atacando e fugindo. E

nfim, Euclides quer dizer que os sertanejos deram muito trabalho.

(p. 64)

-- Mas os c -- Mas os comandantes decerto omandantes decerto nem pensavam n nem


pensavam na possibilidade a possibilidade de uma resistênci de uma resistência d

esse tipo... - sugeriu Martinha.

-- De jeito -- De jeito nenhum. Euclides nenhum. Euclides escreve que ele escreve que eles
pensavam que s pensavam que "os rebeldes s "os rebeldes seriam

destruídos a ferro e fogo". O destruídos a ferro e fogo". O comandante da expedi


comandante da expedição estava tão confiante que ma ção estava tão confiante que mandou
d

eixar, num lugar chamado Queimadas, parte das munições, para que assim os ões, para que
assim os soldados a soldados a

ndassem mais depressa. A batalha ocorreu na serra do Cambaio. Por ali o Cambaio. Por ali
passava a passava a

estrada para Canudos. Por essa estrada iam subindo os soldados, vagarosamente -

e aí, de repente, saindo dos seus esconderijos, apareceram os jagunços. Alguns se receram os
jagunços. Alguns se in

filtravam entre a tropa do governo; outros, do alto da serra, atiravam. Cada ati serra, atiravam.
Cada ati

rador tinha a ajuda de três ou rador tinha a ajuda de três ou quatro companheiros, quatro
companheiros, que se encarregavam de colocar que se encarregavam de colocar

a munição nas armas, de a munição nas armas, de modo que eles podiam dispa modo que
eles podiam disparar sem cessar. Se por ac rar sem cessar. Se por acaso o at aso o at

irador era atingido, aparecia outro para substituí-lo. Conta Euclides: "Os soldado

s viam tombar, mas ressurgir imediatamente, indistinto pelo fumo, o mesmo busto,

apontando-lhes a espingarda. Alvejavam-no de novo. Viam-no outra vez cair, de b

ruços, baleado. Mas viam ruços, baleado. Mas viam outra vez erguer-se, invul outra vez
erguer-se, invulnerável, assombroso, terr nerável, assombroso, terrível". Ape ível". Ape
sar de tudo isso, os soldados levaram a sar de tudo isso, os soldados levaram a melhor e os
melhor e os sertanejos fugiram na direção de sertanejos fugiram na direção de

Canudos.

-- E a tropa a tropa foi atrás.. foi atrás... - supôs Martin supôs Martinha.

-- Isso mesmo. -- Isso mesmo. Mas foram atacado Mas foram atacados de novo, e s de novo, e
já estavam com já estavam com pouca munição. De pouca munição. Decidiram cidiram

-se então pela retirada. Agora, um detalhe interessante: nesse meio tempo havia ch

egado a Canudos a notícia de que egado a Canudos a notícia de que as tropas do gover as
tropas do governo vinham vindo. Os fiéis entrara no vinham vindo. Os fiéis entrara

rando o fim. E aí os rando o fim. E aí os atacantes bateram em retirada. m em pânico. Antônio


Conselheiro subiu aos andaimes atacantes bateram em retirada. da igreja em da igreja em
construção, talvez espe construção, talvez espe

(p. 65)

-- Os c -- Os caras acharam aras acharam que era que era milagre do milagre do Conselheiro...
Conselheiro... - disse - disse Martinha. Martinha.

-- Isso mesmo. -- Isso mesmo. Já a tropa em Já a tropa em retirada estava retirada estava em
más condiçõe em más condições. Os soldados s. Os soldados não comiam há não comiam há d

ois dias, estavam esgotados, tinham de carregar os feridos. Então os jagunços, coman

dados por Pajeú -- "mestiço de bravura inexcedível [insuperável] e ferocidade rara", seg

undo Euclides --, atacaram os soldados naquela mesma serra do Cambaio. Provocara

m inclusive avalanches que deixaram os pobres homens apavorados. Finalmente, os

soldados conseguiram escapar e chegar a Monte Santo. Conta Euclides: Não havia um

homem válido. Aqueles mesmos que homem válido. Aqueles mesmos que carregavam os
comp carregavam os companheiros sucumbidos claudicavam anheiros sucumbidos
claudicavam

, a cada passo, com os , a cada passo, com os pés sangrando, varados de es pés sangrando,
varados de espinhos e cortados pelas pinhos e cortados pelas pedras. pedras.

Cobertos de chapéus de palha grosseiros, fardas em trapos, alguns, tragicamente r

idículos, mal velando [cobrindo] a nudez com os capotes em pedaços, mal otes em pedaços,
mal alinhando-se alinhando-se

em simulacro [imitação grotesca] de formatura, entraram pelo arraial lembrando uma turma
de retirantes".

-- Mas isso -- Mas isso é incrível - é incrível - disse Martinha. disse Martinha. -- Como é q --
Como é que pode uma ue pode uma tropa, bem equipa tropa, bem equipada,

como você falou, ser derrotada por sertanejos mal armados?


-- Euclides bot -- Euclides bota a culpa na a a culpa na sociedade brasileira sociedade
brasileira como um todo, como um todo, que estava che que estava chei

a de "elementos revolucionários e dispersivos", segundo ele diz.

-- Pelo jeito, -- Pelo jeito, em matéria de em matéria de disciplina, ele disciplina, ele era linha-
dura... era linha-dura... - comentou Mar - comentou Martin

ha.

-- Ah, é. S -- Ah, é. Se você lê a e você lê a biografia dele, biografia dele, aqui no livro aqui no
livro, você tem u , você tem uma explicação: o ma explicação: o Euclides Euclides

estudou numa escola militar, fez carreira, chegou ao posto de tenente - o posto de tenente -
ou seja, ou seja,

estava habituado com disciplina, com ordem. E isso, naquele ano , naquele ano de 1897, era
um de 1897, era um

a coisa que ele não via a coisa que ele não via no país. A República já hav no país. A República
já havia sido proclamada há oi ia sido proclamada há oito anos e os br to anos e os br

asileiros, segundo ele, ainda viviam asileiros, segundo ele, ainda viviam no "marasmo mo no
"marasmo monárquico". nárquico".

(p. 66)

-- O que é marasmo? - marasmo? - quis saber quis saber Martinha. Martinha.

-- Atraso. O -- Atraso. O fato é que fato é que aquela história aquela história de Canudos já de
Canudos já estava chamando estava chamando a atenção do a atenção do país in país in

teiro. O governo federal resolveu tomar providências. Uma nova expedição foi formada,

sob o comando do coronel de infantaria Antônio Moreira César, que tinha ira César, que tinha
a fama de "g a fama de "g

rande debelador de revoltas'. Ele estava chegando do Rio Grande do Sul, o Rio Grande do Sul,
onde enf onde enf

rentara com êxito a rebelião comandada por Gumercindo Saraiva, conhecida como Revolução

Federalista. Mas Euclides não tem muita admiração pelo homem: "era um desequilibrado",

diz. um doente mental -- na diz. um doente mental -- na verdade, o coronel sof verdade, o
coronel sofria de convulsões. Mas já tin ria de convulsões. Mas já tinha p

assado uma temporada na prisão, acusado, com outros militares, de tentar assassina

r um jornalista que falara mal do Exército.

-- Violento, Violento, ele... - comentou Martinha. Martinha.

-- Sem dúvida. -- Sem dúvida. Moreira César con Moreira César contava com um tava com um
batalhão inteiro, batalhão inteiro, peças de artilh peças de artilharia e um aria e um

esquadrão de cavalaria: no total, quase 1 300 esquadrão de cavalaria: no total, quase 1 300
soldados. Mas Canudos também tinha cr ados. Mas Canudos também tinha cr
escido. A vitória de Antônio Conselheiro atraíra muita gente. E eles agora começavam a ita
gente. E eles agora começavam a c

avar trincheiras, a fabricar suas próprias armas - até pólvora preparavam.

-- Quer -- Quer dizer: era guerr era guerra! -- exclamou exclamou Martinha. Martinha.

-- Guerra mesmo -- Guerra mesmo. Uma campanha . Uma campanha militar em gra militar
em grande escala. As nde escala. As tropas saíram tropas saíram de Quei de Quei

madas para uma marcha de vários dias até madas para uma marcha de vários dias até
Canudos. T Canudos. Tinham de vencer a vegetação da caatin inham de vencer a vegetação da
caatin

ga; havia areais onde as carretas atolavam; e pior, faltava água. E faltava água. E quando não
falta quando não falta

va água, eram aquelas chuvaradas do senão. Durante uma dessas tempestades tomaram um

susto: avistaram umas carretas e acharam que iam ser atacados, o que gerou a ma atacados, o
que gerou a ma

ior confusão. Mas não era nada disso, era uma ior confusão. Mas não era nada disso, era uma
ajuda, alimentos que haviam sido envia , alimentos que haviam sido envia

dos por um fazendeiro da região. Mais tarde, porém, foram realmente atacados, numa e

mboscada. Os sertanejos dispararam alguns tiros e fugiram, deixando as armas, um

as espingardas conhecidas como pica-paus, muito as espingardas conhecidas como pica-paus,


muito precárias. cárias.

(p. 67)

icamente desarmados, não poderiam resistir. Esse ot Quando viu aquelas armas, Moreira
César vibrou: parimismo exagerado foi um erro, s a ele, os jagunços estavam prat

egundo Euclides. Diz ele: "Porque, num exército que persegue, há o mesmo persegue, há o
mesmo automatismo automatismo

impulsivo dos exércitos que fogem". A audácia extrema funciona como o ema funciona como
o extremo pavor extremo pavor

: "um exército é antes de tudo : "um exército é antes de tudo uma multidão". uma multidão".

-- Portanto -- Portanto, difícil , difícil de controla de controlar... - comentou comentou


Martinha. Martinha.

-- É. Para -- É. Para isso, seria essen isso, seria essencial um comandan cial um comandante
muito equilib te muito equilibrado, coisa que, rado, coisa que, par

a o Euclides, o Moreira César não era. a o Euclides, o Moreira César não era. Chegaram dia
Chegaram diante de Canudos: um "montão de caseb nte de Canudos: um "montão de caseb

res", descreve Euclides, "à margem do rio Vaza-Barris, e cercada por monos, o is, e cercada por
monos, o morr
o da Favela...".

-- Favela? - -- Favela? - interrompeu Martinh interrompeu Martinha, admirada. -- a, admirada.


-- Eu pensei que Eu pensei que Favela era só Favela era só no R

io de Janeiro...

-- Mas é da -- Mas é daí que vem o í que vem o nome. Os sold nome. Os soldados que regress
ados que regressaram da campanha aram da campanha de Canudos pa de Canudos pa

ra o Rio de Janeiro foram morar ra o Rio de Janeiro foram morar num morro, em casas num
morro, em casas muito precárias. Esse lugar fi muito precárias. Esse lugar fi

cou sendo conhecido como Favela. Daí em diante, todo lugar de o lugar de casas precárias
passou casas precárias passou

a ser chamado de favela. Mas, a ser chamado de favela. Mas, voltando ao Moreira voltando
ao Moreira César: estava tão entusiasmado César: estava tão entusiasmado qu

e, apesar de os soldados estarem esfomeados, quis atacar imediatamente: "Vamos almoçar


almoçar em Canudo em Canudos", era s", era o que dizia.

-- Aposto -- Aposto que foi que foi um almoço um almoço indigesto - indigesto - comentou
Martinh comentou Martinha.

--Bota indigest --Bota indigesto nisso. o nisso. Primeiro os Primeiro os canhões disparar
canhões dispararam sobre am sobre o arraial. o arraial. As balas As balas

acertaram as casas, "atirando pelos ares tetos de argila e argila e vigamentos, em estil
vigamentos, em estil

has; pulverizando as paredes de adobe; ateando os primeiros incêndios". Aconteceu

então um incidente até meio engraçado, mas que alertava sobre o tava sobre o que iria
acontecer: "T que iria acontecer: "T

oda uma companhia do 7º, naquele momento, fez fogo, por alguns minutos, sobre um j alguns
minutos, sobre um j

agunço, que vinha pela estrada de Uauá. E o agunço, que vinha pela estrada de Uauá. E o
sertane sertanejo não apressava o andar. Parava às v jo não apressava o andar. Parava às v

ezes. Via-se o vulto impassível" aprumar-se ao longe (...) e prosseguir depois tra

nqüilamente. Era um desafio irritante. Surpreendidos, os soldados atiravam nervosa soldados


atiravam nervosa

mente sobre o ser excepcional, que parecia comprazer-se em ser o r-se em ser o alvo de um
exérci alvo de um exérci

to".

(p. 68)

-- Os c -- Os caras não aras não tinham medo tinham medo - comentou - comentou Martinha,
imp Martinha, impressionada. ressionada.
-- Nenhum medo, -- Nenhum medo, pelo jeito. O pelo jeito. O coronel Moreira coronel
Moreira César mandou q César mandou que os soldados ue os soldados entra

ssem e tomassem o arraial "sem disparar mais um ssem e tomassem o arraial "sem disparar
mais um tiro - à baioneta". E ai foi o des o - à baioneta". E ai foi o des

astre. Canudos não era uma cidade, era um arraial, com umas ruazinhas estreitas, a umas
ruazinhas estreitas, a

gora obstruídas pelos destroços das casas destruídas, o que dificultava os movimentos.

Quando, finalmente, os homens conseguiam entrar nos casebres que ainda estavam

de pé, eram atacados lá dentro, a tiros, de pé, eram atacados lá dentro, a tiros, a facadas, a
facadas, a golpes de foice. Pior: os sold a golpes de foice. Pior: os sold

ados estavam tão famintos que de vez em ados estavam tão famintos que de vez em quando
para quando paravam para comer o que encontrava vam para comer o que encontrava

m nas casas - e m nas casas - e aí recebiam como sobremesa, diz Euc aí recebiam como
sobremesa, diz Euclides, "uma carg lides, "uma carga de chumbo". E a de chumbo". E

ssa luta toda ocorria numa metade de Canudos; a ssa luta toda ocorria numa metade de
Canudos; a outra ainda estava inteira - e p ra ainda estava inteira - e p

ronta a resistir. O coronel Moreira César cometeu então mais um ntão mais um erro: ordenou
um ata erro: ordenou um ata

que de cavalaria.

Martinha Martinha arregalou arregalou os olhos:

-- O quê? U -- O quê? Um ataque de c m ataque de cavalaria? Mas se avalaria? Mas se nem os


soldados nem os soldados conseguiam andar, conseguiam andar, como é

que os cavalos poderiam galopar por ali?

-- É exatamente -- É exatamente o que diz Eu o que diz Euclides: "uma exc clides: "uma
excentricidade", uma entricidade", uma coisa estranha. coisa estranha. Mo

reira César acabou sendo ferido gravemente. Assumiu o comando o velho coronel Tama

rindo, boa pessoa, mas incapaz, diz Euclides, para aquela difícil tarefa. "O que aquela difícil
tarefa. "O que v

amos fazer?", teria perguntado um oficial. O coronel respondeu com um dito popul

ar do Norte: "E tempo de ar do Norte: "E tempo de murici, cada um cuide de s murici, cada um
cuide de si". Não deu outra: a trop i". Não deu outra: a tropa fugi

u na maior confusão, os soldados tratando de salvar a própria pele. Conseguiram atra própria
pele. Conseguiram atra

vessar o rio Vaza-Barris e foram se agrupar num vessar o rio Vaza-Barris e foram se agrupar
num lugar seguro, junto à artilharia. ar seguro, junto à artilharia.

(p. 69)
Os oficiais, re Os oficiais, reunidos, decidiram-se unidos, decidiram-se pela retirada, a pela
retirada, apesar da oposição pesar da oposição de Moreira Cés de Moreira Cés

ar - que, algumas horas depois, morreu. A retirada transformou-se em debandada;

os únicos que se mantiveram agrupados foram os soldados da artilharia que ados da artilharia
que ali esta ali esta

vam, junto aos quatro canhões. Os sertanejos atacar o coronel Tamarindo. Conta Euclides: o
coronel Tamarindo. Conta Euclides: "A terceira ex "A terceira expedição, anulada, dispersa,
desap pedição, anulada, dispersa, desap am-nos e acabaram matando também

arecera (...) Recolhidas as armas e munições de guerra, os jagunços reuniram os rra, os


jagunços reuniram os cadávere cadávere

s que jaziam esparsos em vários pontos. Decapitaram-nos. Queimaram os corpos. Alin

haram, depois, nas duas bordas da estrada, as cabeças [casaco militar] (...) Por as [casaco
militar] (...) Por c

ima, nos arbustos marginais mais altos, dependuraram os restos de fardas, calças e

dólmãs [casaco militar] (...) Um pormenor doloroso completou esta encenação: a uma band

a avultava, empalado, erguido num galho seco, de angico, o corpo gico, o corpo do coronel
Tama do coronel Tama

rindo".

Terminei de Terminei de ler e, por um instante, instante, ficamos em ficamos em silencio.


silencio.

-- Meu Deus -- Meu Deus do céu - sus do céu - suspirou, por fim, pirou, por fim, Martinha. --
Foi Martinha. -- Foi mesmo uma coisa mesmo uma coisa medonha medonha

. Você não acha, Zé?

Ele não Ele não respondeu. Como respondeu. Como ocorrera durante ocorrera durante todo
o encontro, perman encontro, permaneceu calado. eceu calado. Um

silêncio que me intrigava. Por que não falava? O silêncio que me intrigava. Por que não falava?
O que estaria se passando em sua cabeça e estaria se passando em sua cabeça

? Alguma coisa, contudo, me dizia que eu ? Alguma coisa, contudo, me dizia que eu não deveri
não deveria lhe perguntar a respeito. Qua a lhe perguntar a respeito. Qua

ndo chegasse o momento, ele mesmo nos diria.

Chegava Chegava a Rafaela: Rafaela:

-- Uai! Não tem aula hoje?

Aí nos demos Aí nos demos conta: simplesmente conta: simplesmente perdêramos a no


perdêramos a noção do tempo, ção do tempo, e já estava e já estava quase na hora quase na
hora

do colégio. Martinha nos preparou uns sanduíches, que devoramos rapidamente. e segui
mos às pressas para o colégio. Lá nos mos às pressas para o colégio. Lá nos esperava uma
esperava uma má notícia. má notícia.

(p. 70)

9. E começa o começa o conflito e conflito em Sertãozinh m Sertãozinho de Baixo

Àquela hora, já Àquela hora, já era para estar era para estar todo o mundo todo o mundo nas
salas de nas salas de aula, ou dirigin aula, ou dirigindo-se par do-se par

a elas. Mas não, havia muita gente no a elas. Mas não, havia muita gente no pátio - e o Q pátio
- e o Queco, no meio, fazendo um discurs ueco, no meio, fazendo um discurs

o. Quando nos viu, apontou o Zé:

-- E a gent -- E a gente desse cara e desse cara aí. Tomem nota aí. Tomem nota do que estou
do que estou dizendo, aquela g dizendo, aquela gente vai ac ente vai ac

abar com a nossa cidade. Isso aqui vai abar com a nossa cidade. Isso aqui vai se transform se
transformar num reduto de fanáticos, de ar num reduto de fanáticos, de

loucos, de bandidos.

Nesse momento e Nesse momento entrava o Gê. ntrava o Gê. Ouviu o que Ouviu o que o
Queco acabara o Queco acabara de dizer e fi de dizer e ficou possess cou possess

o:

-- Cala -- Cala a boca, a boca, reacionário! Fas reacionário! Fascista de cista de meia tigela!
meia tigela! Filhinho de Filhinho de papai!

Queco partiu p partiu para cima ara cima dele. A dele. A custo, c custo, conseguimos
onseguimos separá-los. separá-los. Levei o Gê para um para um

canto, ele ainda resmungando, "aquele nojento, eu quebro a cara daquele cretino"

-- Mas afinal - afinal - perguntei - perguntei - o que está acont está acontecendo? ecendo?

Ele me olhou, assombrado: assombrado:

-- Mas você não sabe? Em que planeta você vive, cara? Está todo o mundo falando nis

so. Seu pai, inclusive, deve estar lá.

-- Lá, onde?

(p. 71)

-- No supermercado supermercado Sol-do-Sertão. Sol-do-Sertão.

-- O que houve no supermercado? supermercado? Foi assa Foi assaltado?

-- Assa -- Assaltado, n ltado, não. O supermercado supermercado foi saqueado. queado.

-- Por quem? Qu quem? Quem saqueo em saqueou o supermercado? supermercado?


-- Gente do -- Gente do Buraco. Por isso Buraco. Por isso é que o Que é que o Queco estava
aponta co estava apontando para o Zé ndo para o Zé... A propósito ... A propósito

, onde está o Zé?

Tinha sumido. M Tinha sumido. Martinha voltava n artinha voltava nesse momento da esse
momento da sala de aula. sala de aula. Também ela esta Também ela estava

procurando o rapaz:

-- Eu acho -- Eu acho que o Zé foi que o Zé foi embora, gente - embora, gente - disse, e sua
disse, e sua preocupação era preocupação era visível. -- Ele visível. -- Ele f

icou muito incomodado com o que o Queco icou muito incomodado com o que o Queco falou.
Esta falou. Estava até chorando. va até chorando.

-- É um gro -- É um grosso, o Queco sso, o Queco - rugiu o Gê - rugiu o Gê. -- Ah, se . -- Ah, se
eu pego esse eu pego esse cara... A gente cara... A gente preci

sa falar urgente com o Zé.

Mas naquele mom Mas naquele momento eu não e ento eu não estava pensando n stava
pensando no Zé. Estava o Zé. Estava pensando no assa pensando no assalto ao su lto ao su

permercado - e em papai. Corri até a permercado - e em papai. Corri até a secretaria da


secretaria da escola, pedi para usar o telefo escola, pedi para usar o telefo

ne, liguei para casa, rezando para que um dos ne, liguei para casa, rezando para que um dos
dois tava lã: dois atendesse. Felizmente, mamãe es atendesse. Felizmente, mamãe es

-- Tudo bem, -- Tudo bem, Gui. Não se Gui. Não se assuste. Nada a assuste. Nada aconteceu
com pap conteceu com papai. Ele telefonou ai. Ele telefonou, dizen , dizen

do que está tudo bem. Fique tranqüilo.

Tranqüilo eu nã Tranqüilo eu não podia ficar. o podia ficar. E nem consegui E nem consegui
prestar atenção prestar atenção às aulas. Só às aulas. Só permaneci no co permaneci no colé

io porque papai mais de uma vez io porque papai mais de uma vez tinha me advertido: tinha
me advertido: não falte às aulas por minha ca não falte às aulas por minha cau

sa -- se eu precisar de sa -- se eu precisar de você, mando lhe chamar". você, mando lhe


chamar".

Mal soou a Mal soou a campainha, no fim campainha, no fim da tarde, corri da tarde, corri
para casa. Mamã para casa. Mamãe estava lá, e estava lá, à minha esp à minha esp

era; de novo me acalmou, de novo era; de novo me acalmou, de novo garantiu que papai
garantiu que papai estava bem. estava bem.

Voei para a Voei para a televisão. Havia televisão. Havia um noticiário l um noticiário local, as
seis ocal, as seis horas, e eu horas, e eu sabia que el sabia que el

es iriam falar no saque ao supermercado, talvez entrevistando meu pai.

Não deu outra. Não deu outra. Foi a primeira Foi a primeira notícia. Cara notícia. Cara séria, o
apresen séria, o apresentador leu a n tador leu a notícia: otícia:
(p. 72)

-- Pouco depois -- Pouco depois do meio-dia de do meio-dia de hoje um grand hoje um


grande grupo de p e grupo de pessoas, mais de essoas, mais de duzent

as, segundo testemunhas, dirigiu-se ao supermercado Sol-do-Sertão e pediram para f alar com
o gerente. Disseram-se crentes dedicados a divulgar a palavra divina e,

alegando falta de recursos, solicitaram alimentos, com a promessa de pagar post

eriormente. Como o gerente se recusasse a atendê-los, houve discussão. Por fim, o s, houve
discussão. Por fim, o ba

ndo pôs-se a saquear e depredar o estabelecimento. Os seguranças dispararam para o a

r, e depois na direção do grupo. r, e depois na direção do grupo. Uma menina foi fer Uma
menina foi ferida, sem gravidade. Carregando o ida, sem gravidade. Carregando o

produto do saque, o bando regressou para o local produto do saque, o bando regressou para o
local de onde tinha vindo, o bairro c onde tinha vindo, o bairro c

onhecido como Buraco.

A câmera mostro A câmera mostrou cenas do su u cenas do supermercado: pratelei


permercado: prateleiras vazias, cois ras vazias, coisas jogadas no as jogadas no chão

. Logo em seguida apareceu papai, entrevistado ao vivo. Perguntaram-lhe que prov

idências tomaria em relação ao assalto. Papai disse que os responsáveis seriam identific

ados e intimados a prestar depoimento:

-- Aqueles -- Aqueles que forem que forem culpados respon culpados responderão, perante
derão, perante a lei, por seus por seus atos.

O entre O entrevistador, vistador, porém, estava d estava disposto isposto a provoc a


provocá-lo:

-- Delegado, o -- Delegado, o senhor é conhecid senhor é conhecido em nossa c o em nossa


cidade como um idade como um homem tolerante homem tolerante - tole

rante demais, segundo alguns políticos e lideres empresariais. O senhor não acha que

chegou o momento de dar chegou o momento de dar um basta a esta situação? um basta a
esta situação? Veja: o Buraco está cheio Veja: o Buraco está cheio de forast de forast

eiros, de desconhecidos, gente que pode até ter antecedentes criminais. Não seria o

caso de dar uma batida naquele lugar? Vou mais caso de dar uma batida naquele lugar? Vou
mais longe: não seria o caso de expulsar e: não seria o caso de expulsar

os vagabundos que vieram de fora?

Sempre tive adm Sempre tive admiração por papai, iração por papai, mas naquele mom mas
naquele momento admirei-o m ento admirei-o mais do que nu ais do que nunca.

Ele foi simplesmente fora de série. Disse que não se podia fazer generalizações perigosa podia
fazer generalizações perigosa
s, que as pessoas devem ser consideradas inocentes até que sua até que sua culpa seja
provada. culpa seja provada.

A investigação seria feita, mas respeitando os direitos das pessoas, entre os eitos das pessoas,
entre os quais

o direito de ir e vir:

(p 73)

-- Qualquer bra -- Qualquer brasileiro tem o sileiro tem o direito de mora direito de morar
onde quiser, r onde quiser, no território no território naciona naciona

l - declarou papai.

O repórter evidentemente não estava satisfeito. Logo em seguida entrevistou o

dono do supermercado, que estava furioso e chegou a dizer que dizer que "com essa gente, só
à "com essa gente, só à

bala". Também ouviu Fernando Nogueira, dono do shopping e pai do ping e pai do Queco, que
pediu Queco, que pediu

cadeia para os assaltantes e sobretudo para Jesuíno Pregador:

-- Esse homem -- Esse homem é louco, e é louco, e enquanto ele es enquanto ele estiver em
nossa tiver em nossa cidade não ter cidade não teremos sossego. emos sossego.

Pouco depois, p Pouco depois, papai chegou em apai chegou em casa. O cansaç casa. O
cansaço e a tensão o e a tensão eram visíveis ne eram visíveis nele. Tentei le. Tentei

animá-lo, dizendo que ele havia se saído muito bem na entrevista. Abanou a cabeça:
entrevista. Abanou a cabeça:

-- Não tenho ilusões, tenho ilusões, Gui. Essa Gui. Essa coisa não coisa não vai terminar vai
terminar bem.

Sabia do que Sabia do que estava falando. estava falando. Cinco minutos d Cinco minutos
depois tocou o epois tocou o telefone. Atendi, telefone. Atendi, e

era o prefeito Felisberto:

-- Quero falar -- Quero falar com seu pai - com seu pai - disse, no vozei disse, no vozeirão que
era rão que era sua marca registr sua marca registrada.

Durante dez min Durante dez minutos papai ficou utos papai ficou ao telefone. Sem ao
telefone. Sem falar, só escut falar, só escutando. Por fim, ando. Por fim, c

om um seco "está bem", desligou.

-- O que ele queria? e queria? - pergu - perguntou mam ntou mamãe.

to pode lhe custar muito caro. Pediu-me para prende -- Quer dar -- Quer dar logo uma
respost logo uma resposta para a míd a para a mídia e para os ia e para os políticos. Diz q r
Jesuíno Pregador por r Jesuíno Pregador por instigar políticos. Diz que esse assal ue esse assal
instigar
os saques.

-- E foi ele foi ele quem instig quem instigou os saques? - saques? - perguntei. perguntei.

-- Não. -- Não. Que se saiba, não. saiba, não. Mas ele Mas ele é o chefe da hefe da seita. E
seita. E

tem muita gente na cidade que o tem muita gente na cidade que o odeia - o Fernando odeia -
o Fernando Nogueira é um exemplo. Foi ele Nogueira é um exemplo. Foi ele

quem sugeriu ao prefeito que eu prendesse o Jesuíno. E o prefeito, claro, diz amém: o prefeito,
claro, diz amém:

o Fernando financiou a campanha dele.

-- E o que você vai você vai fazer? - fazer? - perguntou m perguntou mamãe.

(p. 74)

-- Vou fazer -- Vou fazer o que deve o que deve ser feito: vou ser feito: vou investigar o
investigar o caso. O Pedro caso. O Pedro está lá no está lá no Burac

o, interrogando moradores. E vou seguir a lei. Prendo quem tiver do quem tiver de ser preso -
de ser preso -

dentro da lei.

Minha mãe queri Minha mãe queria conversar mais a conversar mais sobre o assunto, sobre
o assunto, mas papai disse mas papai disse que não podia, que não podia, não

tinha tempo: precisava voltar à delegacia. Comeu rapidamente e saiu. Mamãe estava fr
ancamente apreensiva:

-- Seu pai -- Seu pai é um homem de é um homem decente, correto. cente, correto. Só espero
que Só espero que esses caras não esses caras não o transformem o transformem

num bode expiatório.

-- Você -- Você quer que quer que eu vá a eu vá até a del té a delegacia? - egacia? - perguntei.
perguntei.

-- Para quê?

-- Sei lá. Para lá. Para o caso d o caso de ele pr e ele precisar de ecisar de ajuda... ajuda...

Apesar da aflição, flição, ela teve de rir:

-- Não sei -- Não sei se você poderia se você poderia ajudar muito. ajudar muito. Não, não
quero Não, não quero que você vá à que você vá à delegacia. Fique delegacia. Fique comi

o. Durante dezesseis anos eu cuidei de você. Hoje preciso que reciso que você cuide de mim.
você cuide de mim.

Ficamos ali sen Ficamos ali sentados, conversando, tados, conversando, até que ela, até que
ela, cansada, adormeceu cansada, adormeceu sobre o sofá. sobre o sofá. T

irei-lhe os sapatos, fui buscar um lençol para cobri-la. Deitei-me, li um i-la. Deitei-me, li um
pouco de pouco de
Os sertões. E adormeci, rezando para que não Os sertões. E adormeci, rezando para que não
precisássemos de um Euclides em nossa ci sássemos de um Euclides em nossa ci

dade.

(p. 75)

10. Em busca do Zé

Não tínhamos ma Não tínhamos marcado reunião par rcado reunião para a manhã se a a
manhã seguinte, e foi guinte, e foi bom. Eu havia bom. Eu havia dormido muito dormido muito

mal à noite; só de madrugada consegui conciliar o sono. Quando acordei já era bem tard
Quando acordei já era bem tard

e. Mamãe já tinha saído e papai e. Mamãe já tinha saído e papai também - ou passara também
- ou passara a noite na delegacia. Liguei pa a noite na delegacia. Liguei para lá - ra lá -

mas, como era de esperar, o mas, como era de esperar, o telefone estava consta telefone
estava constantemente ocupado. Quando fina ntemente ocupado. Quando fina

lmente consegui a ligação, o delegado auxiliar disse que papai estava interrogando u

mas pessoas e não poderia ser interrompido:

-- Mas vou dizer vou dizer que você que você ligou, fique ligou, fique tranqüilo - tranqüilo -
acrescentou. acrescentou.

Comi alguma coi Comi alguma coisa e saí. Min sa e saí. Minha idéia era ha idéia era dar uma
volta dar uma volta antes de ir antes de ir para o colégio para o colégio, p

ara arejar as idéias. Mas aí passei na ara arejar as idéias. Mas aí passei na banca de jor banca
de jornais - e lá estava o Diário de Sertãozi nais - e lá estava o Diário de Sertãozi

nho com uma manchete em letras garrafais: "Um novo Antônio Conselheiro?". Havia um

a foto de fiéis rezando, outra do saque a foto de fiéis rezando, outra do saque ao supermer ao
supermercado, mas nenhuma do Jesuíno Preg cado, mas nenhuma do Jesuíno Preg

ador, que não se deixara fotografar.

-- Seu pai -- Seu pai está com o ma está com o maior pepino, hein ior pepino, hein, garoto? - ,
garoto? - disse seu Antônio disse seu Antônio, dono da ba , dono da ban

ca. E, meio arrependido, tratou de me consolar: -- Mas pode deixar que ele tira pode deixar
que ele tira

de letra. Todo o mundo sabe que de letra. Todo o mundo sabe que ele é ótimo delegad ele é
ótimo delegado. Um dos melhores da Bahia, se o. Um dos melhores da Bahia, se não

for o melhor.

(p. 76)

Comprei o jorna Comprei o jornal e fui até l e fui até o Parque da o Parque da Alegria, o ma
Alegria, o maior e mais t ior e mais tranqüilo da cidad ranqüilo da cidade
. Sentei num banco, abri o jornal para . Sentei num banco, abri o jornal para ler a report ler a
reportagem sobre o saque ao superme agem sobre o saque ao superme

rcado. Era uma matéria assinada por Bento Assis, um jornalista ainda jovem e jornalista ainda
jovem e talen

toso. Eu já tinha lido uma série toso. Eu já tinha lido uma série de reportagens cha de
reportagens chamada "Lembranças de Canudos", em mada "Lembranças de Canudos", em qu

e ele entrevistava antigos moradores da região que falavam sobre a campanha contra

Conselheiro. Dizia Bento:

tes que chegam à nossa cidade são levados para tes que chegam à nossa cidade são levados
para ver "A Vila Buraco "A Vila Buraco está longe de está longe de ser o cartão-po ser o
cartão-postal de Sertãozi stal de Sertãozinho de Baixo. ver o shopping, o novo prédio da Prefei
o shopping, o novo prédio da nho de Baixo. Os visitan Os visitan Prefei

tura, o Parque da Alegria. No Buraco, como o tura, o Parque da Alegria. No Buraco, como o
lugar é chamado, nada existe para se é chamado, nada existe para se

ver, a não ser a tradicional miséria brasileira.

"Mas alguma coi "Mas alguma coisa mudou no B sa mudou no Buraco. De uns uraco. De uns
tempos para cá tempos para cá, a Vila tem , a Vila tem estado em c estado em c

onstante ebulição. Cuja origem é um homem chamado Jesuíno Pregador. Quem é Jesuíno
Pregador?

"Ninguém sabe d "Ninguém sabe dizer ao certo, izer ao certo, e ele se r e ele se recusa a dar
ecusa a dar entrevistas. Que entrevistas. Que é de nossa r é de nossa re

gião, nota-se pelo sotaque. Parece um homem culto, articulado; fala bem, é um articulado; fala
bem, é um orador

nato e tem a nato e tem a figura de um pregador - barba e figura de um pregador - barba e
cabelos pretos, olh cabelos pretos, olhos negros, bril os negros, bril

hantes. Usa sempre uma túnica escura, o que contribui para reforçar a ui para reforçar a
imagem de asce imagem de asce

ta.

"Quando prega, "Quando prega, arrebata multidões. arrebata multidões. As pessoas o As


pessoas o escutam com uma escutam com uma comovente devoção. comovente devoção. Não

são poucos os que choram, não são poucos os que choram, não são poucos os que se são
poucos os que se prostram no chão. E o que preg prostram no chão. E o que prega Jesuín a
Jesuín

o? Como outros pregadores desse tipo, anuncia que o fim está próximo. Mas não se limit está
próximo. Mas não se limit

a a previsões apocalípticas: diz que as pessoas devem se ajudar umas às outras, que de ajudar
umas às outras, que de
vem se unir. E isso, sem vem se unir. E isso, sem dúvida, contribui para ref dúvida, contribui
para reforçar a sua autoridade. orçar a sua autoridade.

"A miséria no "A miséria no Buraco continua Buraco continua a mesma, mas a mesma, mas
Jesuíno já cr Jesuíno já criou uma pequena iou uma pequena escola, uma escola, uma creche,
um ateliê onde trabalham várias bordadeiras e um ambulatório, atendido por um

auxiliar de enfermagem aposentado, o 'doutor' Secundino, que faz curativos e apl

ica injeções.

(p. 77)

"Jesuíno tem fi "Jesuíno tem fiéis e tem 'di éis e tem 'discípulos. Estes, scípulos. Estes, não por
coincid não por coincidência em número ência em número de doze, conv de doze, convi

vem com ele mais estreitamente. São os 'discípulos' que organizam as pregações, são eles que
organizam as pregações, são eles t

ambém que recolhem as doações. Diz-se que Jesuíno pretende construir, aqui no Buraco, um

grande templo.

"A esta altura, "A esta altura, a história já a história já deve estar par deve estar parecendo
familiar ecendo familiar aos leitores. Uma aos leitores. Uma perg

unta se impõe: estamos diante de um novo unta se impõe: estamos diante de um novo
António Co António Conselheiro? E esta pergunta ganha nselheiro? E esta pergunta ganha

importância dramática depois dos acontecimentos de ontem."

A seguir, a A seguir, a matéria comentava matéria comentava o ocorrido no o ocorrido no


supermercado, de supermercado, de novo assinalando novo assinalando se

melhanças:

"Como se sabe, "Como se sabe, no caso de An no caso de Antônio Conselheiro, tônio


Conselheiro, o que desenca o que desencadeou um conflito deou um conflito foi

a madeira que ele comprou e a madeira que ele comprou e não recebeu; ameaçou e não
recebeu; ameaçou então invadir a cidade de juaz ntão invadir a cidade de juazeiro.

E possível que o ataque ao supermercado seja o E possível que o ataque ao supermercado seja
o equivalente dessa ameaça?" valente dessa ameaça?"

E concluía E concluía com uma com uma advertência advertência sombria, sombria, ainda
que ainda que sensacionalista: sensacionalista:

"Se for assim, "Se for assim, a cidade pode a cidade pode se preparar par se preparar para um
conflito a um conflito de grandes prop de grandes proporções." orções."

Preocupado, fui Preocupado, fui para o colégio. para o colégio. Passei pela sala Passei pela
sala de professores de professores e lá estava o e lá estava o Arma

ndo. Fui direto ao assunto:


-- O qu -- O que é que e é que você acha você acha dessa história dessa história do
supermercado? do supermercado?

Ele pensou um pouco.

-- Pode ficar -- Pode ficar nisso - respon nisso - respondeu. -- Ou p deu. -- Ou pode ser o es
ode ser o estopim para uma topim para uma coisa maior coisa maior

. Vamos ter de aguardar para ver.

Perguntou por m Perguntou por meu pai. Contei eu pai. Contei o que tinha o que tinha
sucedido, ele sucedido, ele balançou a cabeça balançou a cabeça:

-- É típico desse prefeito. prefeito.

Refletiu Refletiu um instante instante e acrescentou: acrescentou:

-- Diga a s -- Diga a seu pai que, s eu pai que, se for necessário e for necessário, ele pode c ,
ele pode contar comigo. Org ontar comigo. Organizaremos anizaremos

um movimento de cidadãos para apoiar as medidas legais - e evitar os fanatismos. e evitar os


fanatismos.

Fez uma pausa e acrescentou: acrescentou:

-- Eu também -- Eu também tenho uma notíc tenho uma notícia para você. ia para você. E não
é um E não é uma notícia boa. a notícia boa.

(p. 78)

Abriu a Abriu a pasta, tirou pasta, tirou dali uma dali uma folha de folha de papel:

-- Foi colocado deba colocado debaixo da minha por minha porta, hoje ta, hoje cedo.

Era uma Era uma carta d carta do Zé, escrita escrita à mão.

Dizia que não Dizia que não tinha mais con tinha mais condições de freqüe dições de
freqüentar a escola, ntar a escola, por isso não por isso não viria mais. P viria mais. Pedi

a desculpas à direção, que tinha confiado nele, agradecia aos professores e solicitava

que transmitisse o seu abraço aos colegas, mencionando especificamente Martinha,

Gê e eu.

-- Mas -- Você -- Mas você não -- Você tem idéia você não sabe? - tem idéia do que sabe? -
eu, surp do que aconteceu? - eu, surpreso. aconteceu? - perguntou o reso. perguntou o
Armando. Armando.

-- Não. Não -- Não. Não viemos ao colégi viemos ao colégio ontem, nem o ontem, nem eu
nem a Cí eu nem a Cíntia. A coitada ntia. A coitada estava bem do estava bem doente,

tive de ficar cuidando dela. O tive de ficar cuidando dela. O que houve? que houve?

Contei o Contei o incidente e incidente entre Queco ntre Queco e Zé e concluí: e concluí:

-- O Zé dev -- O Zé deve ter achado e ter achado que não pode que não pode vir mais ao vir
mais ao colégio ou vai colégio ou vai se transformar nu se transformar num b
ode expiatório. Que vai pagar o pato por ode expiatório. Que vai pagar o pato por tudo.

Armando Armando me olhou:

-- Mas isso -- Mas isso está errado, Gui está errado, Gui. Não podemos . Não podemos
permitir que o permitir que o Zé deixe o c Zé deixe o colégio assim. Se olégio assim. Será

um fracasso - não para ele, para um fracasso - não para ele, para todos nós. E uma v todos nós.
E uma vergonha. ergonha.

Eu estava de Eu estava de acordo, mas o acordo, mas o que poderia s que poderia ser feito?
Foi er feito? Foi o que perguntei o que perguntei a Armand a Armand

o, Ele pensou um pouco e o, Ele pensou um pouco e ia responder, quando Marti ia responder,
quando Martinha entrou na sala. Arman nha entrou na sala. Armando m

ostrou-lhe a carta, ela leu. Terminada a leitura, olhou-me - e lhou-me - e havia lágrimas em s
havia lágrimas em s

eus olhos.

(O que me f (O que me fez pensar se ez pensar se a paixão do a paixão do Zé não estava, Zé


não estava, afinal, sendo afinal, sendo correspondida.) correspondida.)

-- Nós vamos -- Nós vamos atrás dele, Gui atrás dele, Gui - disse ela. - disse ela. -- Atrás do --
Atrás do Zé. Vamos falar Zé. Vamos falar com ele, vamos com ele, vamos c

onvencê-lo a mudar de idéia. -- Tudo -- Tudo bem - e bem - eu disse. u disse. -- Mas, -- Mas,
onde? Onde onde? Onde vamos encontr vamos encontrá-lo?

-- Onde ele mora. No Buraco. Buraco.

-- Esperem um -- Esperem um pouco - disse pouco - disse Armando. -- Você Armando. --


Vocês sabem que s sabem que aquele lugar deve aquele lugar deve estar

em polvorosa. Pelo que o Gui contou, é em polvorosa. Pelo que o Gui contou, é possível que
possível que a polícia esteja lá. Será que é uma bo a polícia esteja lá. Será que é uma boa

idéia vocês irem até o Buraco?

(p. 79)

Martinha, Martinha, porém, não queria saber:

-- Se você -- Se você não me acompanha, não me acompanha, Gui - disse, Gui - disse, numa
voz firme numa voz firme, decidida -, , decidida -, eu vou sozin eu vou sozin

ha.

Claro que Claro que eu a acompanharia. Afi acompanharia. Afinal, eu nal, eu também queria
também queria o Zé de volta. e volta.

-- Vamos convidar convidar o Gê - lembrei. lembrei.

-- Boa idéia - concordou concordou Martinha. Martinha.

Fomos atrás del Fomos atrás dele, na sala de e, na sala de aula. Gê não aula. Gê não só topou
como só topou como resolveu levar ju resolveu levar junto a direção nto a direção do
grêmio estudantil, composta por quatro colegas:

-- O Zé vai -- O Zé vai ver que tem ver que tem o apoio de t o apoio de todos nós. Que odos
nós. Que o Queco é o Queco é a exceção, não a exceção, não a regra. a regra.

Não poderíamos Não poderíamos faltar às aulas, faltar às aulas, inclusive porque inclusive
porque tínhamos provas tínhamos provas naquela tarde, m naquela tarde, mas tão

logo soou a campainha, reunimo-nos na porta do colégio e seguimos, juntos, para o seguimos,
juntos, para o

Buraco, que ficava a uns dois quilômetros.

Eu nunca tinha Eu nunca tinha ido lá. Claro, ido lá. Claro, muitas vezes h muitas vezes havia
passado pel avia passado pelo local, mas o local, mas só de car só de car

ro. Agora, não. Agora nós estávamos entrando no reduto da miséria em uto da miséria em
nossa cidade, De im nossa cidade, De im

ediato, a descrição de Canudos me veio à ediato, a descrição de Canudos me veio à lembrança:


lembrança: os casebres, as ruelas, e - coisa qu os casebres, as ruelas, e - coisa qu

e Euclides não conhecera -- as barracas de lona e Euclides não conhecera -- as barracas de lona
plástica preta. E gente, muita gente stica preta. E gente, muita gente

, um formigueiro. Gente , um formigueiro. Gente humilde, malvestida, alguns humilde,


malvestida, alguns esfarrapados. Essas pes esfarrapados. Essas pessoas

nos olhavam, desconfiadas, o que não era de admirar: afinal, éramos forasteiros. Nós,

para dizer o mínimo, não nos sentíamos à para dizer o mínimo, não nos sentíamos à vontade al
vontade ali. Nada à vontade. i. Nada à vontade.

E tínhamos um E tínhamos um problema: como problema: como achar o Zé achar o Zé


naquele labirinto naquele labirinto de ruelas, naqu de ruelas, naquela confu ela confu

são de casebres?

Na ficha do Na ficha do colégio, que tiv colégio, que tivéramos o cuidado éramos o cuidado de
consultar an de consultar antes de sair, tes de sair, constava constava

apenas "Vila Buraco" no espaço reservado ao endereço. Segundo Martinha, o nome da o.


Segundo Martinha, o nome da ti

a dele era Maria Gonçalves, mas quantas donas Marias haveria ali?

De qualquer mod De qualquer modo, fomos pergunta o, fomos perguntando a um, a ndo a
um, a outro, a pessoas outro, a pessoas que nos olhavam que nos olhavam d

as janelas, das portas. Ninguém sabia de Maria Gonçalves. Ninguém sabia de Zé. alves.
Ninguém sabia de Zé. Já estava e Já estava e

scurecendo quando um dos rapazes do grêmio, o Silvinho, ponderou que talvez fosse

melhor deixar a busca para a manhã seguinte. Martinha, porém, não queria ha, porém, não
queria desistir, e l desistir, e l
ogo se criou um impasse.

(p. 80)

Nesse momento, Nesse momento, uma mulher, que uma mulher, que vinha pelo be vinha
pelo beco, parou para co, parou para nos observar. nos observar. Já de i Já de i

dade, era pequena, magrinha. Tinha a cabeça coberta por um xale por um xale escuro.
Mostrou as escuro. Mostrou as

gengivas desdentadas num sorriso:

Respondi que Respondi que não, que -- Vocês não são daqui do -- Vocês não são daqui do
Buraco, são? não, que estávamos ali estávamos ali procurando o Buraco, são?procurando o
José Gonçalves, José Gonçalves, Zé.

Abanou a cabeça: cabeça:

-- Não conheço. -- Não conheço. Eu também não Eu também não sou daqui. Mor sou daqui.
Morava perto de ava perto de Juazeiro... Vim Juazeiro... Vim para cá por para cá por cau

sa do Pregador, do Jesuíno.

Nesse momento o Nesse momento outro de nossos utro de nossos colegas, o Tel colegas, o
Telmo - conhecido mo - conhecido pela língua so pela língua solta - c lta - c

ometeu uma imprudência:

-- Quer -- Quer dizer que dizer que a senhora a senhora anda com anda com esses fanát esses
fanáticos... icos...

Quis se desculpar, mas já era tarde: a Quis se desculpar, mas já era tarde: a palavra já l palavra
já lhe tinha escapado da boca. A mu he tinha escapado da boca. A

lher olhou-o para nossa surpresa, não mostrava qualquer irritação. Ao contrário, sorriu:

-- Fanático? É, -- Fanático? É, assim que o assim que o pessoal da cidad pessoal da cidade nos
chama. e nos chama. Nós dizemos que Nós dizemos que somos crent somos crent

es. Porque a gente acredita, sabe? A gente acredita nas coisas que o Jesuíno nos d coisas que o
Jesuíno nos d

iz. O Jesuíno nos dá esperança, sabe, moço? Ele iz. O Jesuíno nos dá esperança, sabe, moço?
Ele -

Interrompeu-se:

-- Mas por -- Mas por que estou contand que estou contando isso? Vocês o isso? Vocês
podem ver com podem ver com os próprios olhos os próprios olhos. Venham . Venham

comigo.

-- Aonde? - perguntei, perguntei, suspeitoso. suspeitoso. -- Ao Templo -- Ao Templo - disse


ela. - disse ela. -- O Telmo -- O Telmo onde o Jesuíno onde o Jesuíno vai pregar. Venha vai
pregar. Venham, está quase m, está quase

na hora.
O que de imediato ge ediato gerou uma rou uma discussão. discussão.

-- Nós viemos -- Nós viemos aqui procurar aqui procurar o Zé - prote o Zé - protestava
Martinha - stava Martinha -, não para ve , não para ver o Pregador. r o Pregador.

Mas o Gê, q Mas o Gê, que no fundo e ue no fundo estava ansioso po stava ansioso por
conhecer o r conhecer o tal Templo, pond tal Templo, ponderou que lá erou que lá p

oderíamos perguntar pelo Zé - e para mais gente. oderíamos perguntar pelo Zé - e para mais
gente. Relutante ainda, Martinha se deixou lutante ainda, Martinha se deixou

convencer.

(p. 81)

Fomos. O Templo Fomos. O Templo ficava a uma ficava a uma pequena distância pequena
distância dali. Era, co dali. Era, como eu já tinh mo eu já tinha imagina a imagina

do, um enorme barracão de madeira, fracamente iluminado por umas poucas lâmpadas. Es

tava cheio: homens, mulheres, crianças sentados em fileiras de bancos rústicos, à fren

te de um tablado estavam alguns homens vestindo túnicas escuras: os discípulos.

-- Daqui a -- Daqui a pouco vai começar pouco vai começar - disse a m - disse a mulher. -
Ouçam ulher. - Ouçam com atenção as com atenção as palavras do nos palavras do noss

o Pregador. E vocês mudarão de idéia, tenho certeza.

Foi sentar junt Foi sentar junto a uns conhe o a uns conhecidos. Nós ficam cidos. Nós ficamos
por ali, os por ali, de pé, aguardando de pé, aguardando. Alguns . Alguns

jovens, rapazes e moças, subiram ao tablado. Como os discípulos, usavam túnicas, mas não

eram discípulos: eram o coro. Logo começaram a eram discípulos: eram o coro. Logo
começaram a entoar cânticos religiosos, que a platéi oar cânticos religiosos, que a platéi

a acompanhava, batendo palmas e cantando também.

Não vou Não vou negar: era negar: era emocionante v emocionante ver aquela er aquela
gente sofrida gente sofrida manifestando uma manifestando uma alegria alegria

que deveria ser rara em que deveria ser rara em suas vidas. suas vidas.

Terminaram de c Terminaram de cantar e aí fe antar e aí fez-se silêncio. S z-se silêncio.


Silêncio completo, ilêncio completo, só interrompido só interrompido pelo cho pelo cho

rinho de uma criança, no meio da rinho de uma criança, no meio da multidão. multidão.

Entrou Jesuíno Jesuíno Pregador. Pregador.

A reação das A reação das pessoas foi ind pessoas foi indescritível. Puseram- escritível.
Puseram-se de pé, ap se de pé, aplaudindo, rindo, laudindo, rindo, chorando, chorando,

gritando -- "Aleluia! Aleluia!" - enquanto ele, de pé no meio do tablado, cercado no meio do


tablado, cercado
pelos discípulos e pelo coro, aguardava. Era uma figura impressionante, muito mai
impressionante, muito mai

s impressionante do que a descrição do jornal faria pensar: um pensar: um homem magro, a


cabele homem magro, a cabele

ira negra rev ira negra revolta, a barba, olta, a barba, também escura, também escura,
chegando ao pei chegando ao peito, e a to, e a túnica preta... túnica preta... E

ra como se eu tivesse voltado no ra como se eu tivesse voltado no tempo e estivesse tempo e


estivesse diante do Antônio Conselheiro. diante do Antônio Conselheiro.

Jesuíno ergueu Jesuíno ergueu os braços - e os braços - e, de novo, f , de novo, fez-se silêncio.
ez-se silêncio. E aí ele come E aí ele começou a pregar. çou a pregar. A voz

impressionava: voz grave, de barítono, um tanto rouca - e a gesticulação também era a d e a


gesticulação também era a d

e um orador.

(p. 82)

O que dizia O que dizia não era muito não era muito diferente de p diferente de pregações
semelhantes regações semelhantes que eu ouvira, que eu ouvira, até pelo rád até pelo rád

io: "o fim está próximo", "o pecado invade o io: "o fim está próximo", "o pecado invade o
mundo", "arrependei-vos"... Havia, cont , "arrependei-vos"... Havia, cont

udo, um componente original nessa mensagem. Ele recomendava que as pessoas se un

issem, que se ajudassem umas às outras, que formassem uma comunidade. E em uma
comunidade. E suas palav suas palav

ras eram escutadas com enlevo e até com ras eram escutadas com enlevo e até com adoração
po adoração por aquela gente humilde. r aquela gente humilde.

-- Não admira -- Não admira que o cara que o cara tenha tanta pop tenha tanta popularidade
-- com ularidade -- comentou baixinho o entou baixinho o Gê. -- El Gê. -- El

e dá esperança a essas pessoas. Quando terminou Quando terminou, Jesuíno , Jesuíno


empunhou um empunhou um grande crucifix grande crucifixo e desc o e desceu do tab eu do
tablado. Imedi lado. Imedi

atamente formou-se uma fila, muito bem organizada. As pessoas chegavam junto ao

Pregador, ajoelhavam-se, beijavam o crucifixo, recebiam uma biam uma benção cio homem,
deposi benção cio homem, deposi

tavam uma contribuição num cesto de vime e saíam. Chegou a vez da velhinha com quem tính
a vez da velhinha com quem tính

amos falado; e aí ela falou ao amos falado; e aí ela falou ao ouvido de Jesuíno, a ouvido de
Jesuíno, apontando para nos. O homem olho pontando para nos. O homem olhounos, disse
qualquer coisa a um dos discípulos. Que de imediato veio em nossa direção. imediato veio em
nossa direção.
-- Deus do -- Deus do céu - disse M céu - disse Martinha, assustada artinha, assustada -, acho
que -, acho que estamos metidos estamos metidos em confusão em confusão

Mas não era isso:

-- Mestre Jesuí -- Mestre Jesuíno pede que v no pede que vocês não vão ocês não vão embora
- disse embora - disse o homem, educadam o homem, educadamente. - Ele ente. - Ele g

ostaria de falar com vocês.

Esperamos mais Esperamos mais um pouco. Finalme um pouco. Finalmente, o Templo nte, o
Templo se esvaziou e se esvaziou e o Pregador veio o Pregador veio em

nossa direção, todos nós muito tensos. De perto, contudo, o ontudo, o homem já não parecia
tão impone homem já não parecia tão impone

nte; na verdade era até magrinho, frágil. E foi nte; na verdade era até magrinho, frágil. E foi
amável:

-- Bem-vindos a esta casa de oração - -- Bem-vindos a esta casa de oração - disse, sorrid disse,
sorridente.

Fez com Fez com que sentásse que sentássemos num mos num banco; olhou banco; olhou-
nos, atenta -nos, atentamente. -- É a prim -- É a primeira vez que eira vez que vejo vocês por
vejo vocês por aqui. Devo im aqui. Devo imaginar que se aginar que se tornaram crentes
tornaram crentes

(p. 83)

-- Não é bem is é bem isso - diss so - disse Martinha, e Martinha, precipitadamente


precipitadamente -, é qu -, é que -

Ele a interrompeu, interrompeu, com um gesto m gesto bem-humorado: bem-humorado:

-- Sei, -- Sei, sei. Não sei. Não precisa explica precisa explicar. Posso r. Posso imaginar a
imaginar a razão de razão de vossa vinda. vossa vinda.

(Aquele (Aquele "vossa" "vossa" soou imponente.) imponente.)

-- Talvez a -- Talvez a curiosidade. Talvez curiosidade. Talvez um trabalho para um trabalho


para o colégio. Você o colégio. Vocês devem ser c s devem ser colega

s de escola...

-- Somos -- Somos - eu disse. -- disse. -- Do Colégio Do Colégio Horizonte... Horizonte...

-- Colégio Hori -- Colégio Horizonte? Conheço. - zonte? Conheço. -- E então al - E então algo
lhe ocorreu go lhe ocorreu e ele nos e ele nos olhou, e em olhou, e em seu

olhar havia uma estranha mistura de esperança e olhar havia uma estranha mistura de
esperança e ansiedade. -- Tem um rapaz que es siedade. -- Tem um rapaz que es

tuda no Horizonte -
Interrompeu-se:

-- Não tem -- Não tem importância. Esqueçam importância. Esqueçam. - Mudou de . - Mudou
de assunto: -- Dig assunto: -- Digam, então: qual am, então: qual o objetivo o objetivo

de vossa visita?

Pigarreando, Gê Pigarreando, Gê tomou a palavra. tomou a palavra. Não falou no Não falou
no Zé; em vez Zé; em vez disso, começou a disso, começou a dar sua opin dar sua opin

ião sobre o que tinha visto ali ião sobre o que tinha visto ali no lugar. E aí se e no lugar. E aí se
entusiasmou e lá pelas tantas era ntusiasmou e lá pelas tantas era um

discurso - que poderia até ofender o discurso - que poderia até ofender o homem, Gê fal
homem, Gê falando o tempo todo em crendices e ando o tempo todo em crendices e

superstições. Meio apreensivo, eu estava vendo a hora que os discípulos, alguns deles

bem reforçados, iam nos tocar para fora a tapas; bem reforçados, iam nos tocar para fora a
tapas; mas Jesuíno o ouvia com atenção, impassív s Jesuíno o ouvia com atenção, impassív

el.

-- Você -- Você fala como fala como um jovem um jovem descrente - descrente - disse, por
disse, por fim.

-- E, como -- E, como todos os descrent todos os descrentes, você é e es, você é egoísta. Você,
pr goísta. Você, provavelmente, tem ovavelmente, tem o que comer o que comer e

o que vestir, você deve o que vestir, você deve morar numa casa confortáve morar numa casa
confortável; mas os moradores da Vi l; mas os moradores da Vila Burac la Burac

o não têm nada. O que o não têm nada. O que eu lhes ofereço é o infinito eu lhes ofereço é o
infinito conforto da palavra di conforto da palavra divina. O que eu vina. O que eu

lhes ofereço é um caminho para que escapem à lhes ofereço é um caminho para que escapem
à tentação do pecado. O que eu ofereço é a esperan ão do pecado. O que eu ofereço é a
esperan

da redenção - a redenção que virá no da redenção - a redenção que virá no Juízo Final! Juízo
Final!

De repente, tin De repente, tinha se transformad ha se transformado por completo. o por


completo. Já não o hom Já não o homem calmo e af em calmo e afável de mom ável de mom

entos atrás. Agora, havia um brilho alucinado em seu olhar. Agora gritava u olhar. Agora
gritava e esbrav e esbrav

ejava - com tanta veemência que, sem querer, recuamos.

(p. 84)

-- Mas você - prosseguiu prosseguiu Jesuíno Jesuíno -, você está falando falando como quem
renunciou renunciou à virtude. virtude. É a

voz do demônio que eu voz do demônio que eu ouço. Mas não vos enganeis: ouço. Mas não
vos enganeis: ardereis nas chamas do ardereis nas chamas do inferno! E a
gora, ide!

Não é preciso Não é preciso dizer que imed dizer que imediatamente batemos iatamente
batemos em retirada - em retirada - seguidos pelos di seguidos pelos discípulo scípulo

s, que seguramente queriam estar certos de que deixaríamos o Templo. Precaução que não
aríamos o Templo. Precaução que não e

ra nem um pouco necessária: ali não ficaríamos nem mais um segundo. um segundo.

Andamos uns duz Andamos uns duzentos metros e entos metros e chegamos ao lu chegamos
ao lugar onde tínhamo gar onde tínhamos encontrado a s encontrado a velhi

nha. Ali nos detivemos, ofegantes. Eu estava furios -- Só você -- Só você mesmo para provoc
mesmo para provocar o cara da ar o cara daquele jeito. Voc quele jeito. Você não viu que o
com o Gê: ê não viu que o sujeito é o sujeito é pertur

bado?

Ele também estava indignado: indignado:

-- Perturbado o -- Perturbado ou não, isso é u não, isso é problema dele, problema dele, Gui.
Agora, enga Gui. Agora, enganar esse povo nar esse povo com aque com aque

la conversa de virtude e pecado - essa la conversa de virtude e pecado - essa não! Essa eu não!
Essa eu não engulo de jeito nenhum! O Co não engulo de jeito nenhum! O Co

nselheiro era um líder - esse cara é nselheiro era um líder - esse cara é um enganador! um
enganador!

-- Enganador pa -- Enganador para você. Para ra você. Para o pessoal daqui o pessoal daqui do
Buraco, o do Buraco, o Jesuíno é impor Jesuíno é importante.

A discussão pro A discussão prosseguiu por uns sseguiu por uns bons cinco mi bons cinco
minutos, até que nutos, até que Martinha deu u Martinha deu um berro: m berro:

-- Chega! Chega desse bate-boca! bate-boca!

Olhou-nos, Olhou-nos, furiosa: furiosa:

-- Caso -- Caso vocês t vocês tenham esq enham esquecido, uecido, deixem-me deixem-me
lembrá-los: lembrá-los:

nós não viemos aqui para discutir o que nós não viemos aqui para discutir o que faz o Jesuí faz
o Jesuíno, nós viemos aqui para achar o Zé! O no, nós viemos aqui para achar o Zé! O

nosso amigo Zé, que está numa pior!

Olhamo-nos, atônitos Olhamo-nos, atônitos: verdade, tínha : verdade, tínhamos até esquecid
mos até esquecido o Zé. E o o Zé. E precisávamos encont precisávamos encontrá-lo. Ma rá-lo.
Ma

s como?

De novo começam De novo começamos a trocar p os a trocar palpites, e ningu alpites, e


ninguém se entendia. ém se entendia. E aí Martinha E aí Martinha o viu. Viu o viu. Viu o Zé.
Por acaso, Por acaso, inteiramente por inteiramente por acaso. Ele acaso. Ele estava passan
estava passando por u do por uma daquelas ma daquelas ruelas

, talvez indo para casa. Ia, como de , talvez indo para casa. Ia, como de costume, de ca
costume, de cabeça baixa, mergulhado em seus beça baixa, mergulhado em seus

pensamentos. Martinha não se conteve, gritou:

(p. 85)

-- Zé! Zé! Estamos Estamos aqui!

A primeira reaç A primeira reação dele foi d ão dele foi de susto. Imobili e susto. Imobilizou-
se, como um zou-se, como um bicho acuado. Mas bicho acuado. Mas então

avistou Martinha. Hesitou um instante, e aí, como que impulsionado por uma mola, ue
impulsionado por uma mola, v

eio correndo em direção a ela, e eio correndo em direção a ela, e os dois se abraçar os dois se
abraçaram, ela em prantos. Nós observáva am, ela em prantos. Nós observávamos a

cena e eu confesso que estava bastante emocionado. O Gê também, aliás. Mas ele não deixa
também, aliás. Mas ele não deixa

va de ser o líder. Dirigindo-se ao Zé, va de ser o líder. Dirigindo-se ao Zé, intimou-o, a intimou-
o, ainda que afetuosamente: inda que afetuosamente:

-- Você não -- Você não pode abandonar o pode abandonar o colégio. Ainda colégio. Ainda
mais por causa mais por causa de uma besteir de uma besteira, de uma b a, de uma b

obagem que aquele Queco disse a você. O obagem que aquele Queco disse a você. O cara fala
p cara fala por falar, é um idiota. Você tem de or falar, é um idiota. Você tem de

dar a volta por cima! Mesmo porque, sem dar a volta por cima! Mesmo porque, sem você, o
col você, o colégio não é a mesma coisa. égio não é a mesma coisa.

Zé, cabeça baix Zé, cabeça baixa, não dizia a, não dizia nada, só escutav nada, só escutava.
Martinha colo a. Martinha colocou a mão no cou a mão no ombro dele: ombro dele:

-- E não es -- E não esqueça que nós queça que nós temos uma taref temos uma tarefa para
terminar: a para terminar: apresentar aos n apresentar aos nossos coleg ossos coleg

as a figura de Antônio Conselheiro. Estamos quase no fim, lembra? Eu o fim, lembra? Eu agora
quero d agora quero d

ar a redação final ao texto. Mas ar a redação final ao texto. Mas não vou fazer isso não vou
fazer isso sem você. Você é importante, Zé. sem você. Você é importante, Zé.

Ele olhou-a, olhou-a, e seu rosto resplandecia: resplandecia:

-- Mesmo? Eu sou importante, importante, Martinha? Martinha?

Ela riu:

-- Claro que -- Claro que é, seu bobo. é, seu bobo. Você é importa Você é importante para os
nte para os seus colegas, par seus colegas, para os seus pr a os seus profe
ssores.

Uma pausa, e acrescentou: acrescentou:

-- E para mim, claro.

Emocionado, ele Emocionado, ele baixou os olhos. baixou os olhos. Quando levantou Quando
levantou a cabeça, tinha a cabeça, tinha tomado a resoluç tomado a resolução:

Martinha -- Amanhã de Martinha exultou: -- Amanhã de manhã estarei n exultou: manhã


estarei na sua casa, a sua casa, na hora de c na hora de costume, para a ostume, para a nossa
reunião. nossa reunião.

(p. 86)

-- Grande, Zé, -- Grande, Zé, eu sabia que eu sabia que podia confiar em podia confiar em
você, você é você, você é um grande cara, um grande cara, eu adoro você. eu adoro você.

-- E tem ma -- E tem mais - disse el is - disse ele. -- Até ag e. -- Até agora, o trabalho ora, o
trabalho foi todo de foi todo de vocês, eu pratica vocês, eu praticam

ente não fiz nada. Mas agora quem vai ente não fiz nada. Mas agora quem vai falar sobre C
falar sobre Canudos sou eu. De acordo? anudos sou eu. De acordo?

Claro que estávamos estávamos de acordo. acordo.

-- E ta -- E tarde - di rde - disse ele. sse ele. -- Acho -- Acho melhor vocês melhor vocês
voltarem para voltarem para casa.

Mas Gê ainda Mas Gê ainda queria conversar, queria conversar, queria contar queria contar
ao Zé sobre ao Zé sobre o encontro que o encontro que tivéramos co tivéramos co

m o Jesuíno Pregador, queria saber a opinião dele acerca do homem: do homem:

-- O que é que você que você acha do acha do cara?

O rosto do rapaz toldou-se toldou-se instantaneamente. instantaneamente.

-- Desculpe - -- Desculpe - ele disse, sec ele disse, seco -, mas não o -, mas não quero falar sob
quero falar sobre esse assunto. re esse assunto.

-- Porque -- -- Porque não. Por -- Por que não? não. Por favor, nã não? - Gê, su favor, não
perguntem. , surpreso. rpreso. o perguntem. E agora, E agora, vão.

Virou as costas Virou as costas e sumiu num e sumiu num beco. Nós ficamo beco. Nós ficamos
ali parados, s ali parados, surpresos - e surpresos - e conster conster

nados.

Confesso que nã Confesso que não entendi - d o entendi - disse Gê. -- isse Gê. -- Você sabe
por Você sabe por que ele ficou que ele ficou contrariado, Mar contrariado, Mar

tinha?

Ela não Ela não respondeu. "Acho respondeu. "Acho melhor irmos melhor irmos embora",
disse embora", disse, e fomo , e fomos embora. s embora.
Cheguei em casa Cheguei em casa tarde. O que tarde. O que me valeu uma me valeu uma
repreensão de repreensão de mamãe, que me mamãe, que me esperava aco esperava aco

rdada. Repreensão que aceitei feliz: é bom ter mãe que espera por nós. Mesmo repreendend
espera por nós. Mesmo repreendend

o.

(p. 87)

11. O fim de Canudos Canudos

Quando acordei, Quando acordei, na manhã seguint na manhã seguinte, encontrei pap e,
encontrei papai na cozinha, ai na cozinha, tomando café. tomando café. Pergu

ntei por mamãe. -- Saiu cedo. -- Saiu cedo. Foi ver um Foi ver um paciente que nã paciente
que não está bem. o está bem. --Tomou um gole --Tomou um gole de café. -- de café. -- E vo

cê? Onde é que você estava ontem cê? Onde é que você estava ontem à noite? Você não à
noite? Você não veio jantar, nem telefonou. Ficam veio jantar, nem telefonou. Ficamos preoc
os preoc

upados.

Contei que Contei que tínhamos ido tínhamos ido ao Buraco, ao Buraco, atrás do atrás do Zé.

-- Um belo -- Um belo gesto - disse gesto - disse ele. -- Mas ele. -- Mas convenhamos que
convenhamos que aquele não é aquele não é exatamente um b exatamente um bo

m lugar para vocês irem. Especialmente nesta situação.

-- Bom, a M -- Bom, a Martinha achou que artinha achou que não havia outra não havia outra
alternativa. Faland alternativa. Falando em situação, o em situação, como é

que estão as coisas?

Balançou Balançou a cabeça, cabeça, amargo: amargo:

-- Difíceis, O -- Difíceis, O prefeito continua prefeito continua pressionando. Quer


pressionando. Quer que eu bote que eu bote o tal Jesuíno o tal Jesuíno atrás

das grades. Diz que, se eu não das grades. Diz que, se eu não tomar essa iniciativ tomar essa
iniciativa, vai chamar a polícia militar a, vai chamar a polícia militar p

ara fazê-lo.

O que, no m O que, no meu entender, é eu entender, é capaz de aumen capaz de aumentar o


conflito.. tar o conflito... Estamos nesse . Estamos nesse impasse. impasse.

Mas interroguei pessoas e já descobri algumas coisas.

-- Que coisas? coisas? Ele sorriu: sorriu:

(p. 88)

-- Como você -- Como você é intrometido, é intrometido, Gui. Cuide do Gui. Cuide do seu
trabalho s seu trabalho sobre Antônio Cons obre Antônio Conselheiro e d elheiro e d
eixe que eu faço o meu.

Levantou-se:

-- Desculpe, Desculpe, mas eu tenho de ir.

Olhou-me demora Olhou-me demoradamente e, damente e, num impulso, num impulso,


beijou-me. Co beijou-me. Coisa que isa que raramente fazia: raramente fazia: e

ra um grande pai, ele, mas talvez por ra um grande pai, ele, mas talvez por causa de sua causa
de sua atividade aprendera a não exter atividade aprendera a não exter

nar emoções. Se o fizera naquele momento, devia ser por alguma razão muito especial. Q
alguma razão muito especial. Q

ue certamente tinha a ver com a ue certamente tinha a ver com a angustiante situaçã
angustiante situação que estava vivendo. o que estava vivendo.

Terminei de tom Terminei de tomar o café, la ar o café, lavei a louça vei a louça - era uma re -
era uma regra lá em ca gra lá em casa: o último sa: o último a sair ti a sair ti

nha de deixar tudo em ordem - nha de deixar tudo em ordem - e fui para o apartame e fui para
o apartamento da Martinha. nto da Martinha.

-- O Encontrei-a -- O Zé ainda Encontrei-a ansiosa: Zé ainda não aparec ansiosa: nã pareceu.


Será eu. Será que ele que ele vem?

Olhei o relógio: relógio:

-- Ainda é -- Ainda é cedo. Daqui a cedo. Daqui a pouco ele chega pouco ele chega. -- E acres .
-- E acrescentei, em tom centei, em tom de brincadeir de brincadeir

a: -- Você está ansiosa, mesmo. Tudo isso é a: -- Você está ansiosa, mesmo. Tudo isso é paixão?
paixão?

Ela ficou verme Ela ficou vermelha, o que nã lha, o que não deixou de o deixou de me
surpreender: me surpreender: Martinha podia se Martinha podia ser qualq r qualq

uer coisa, menos tímida. Era a primeira vez que uer coisa, menos tímida. Era a primeira vez que
eu a via enrubescer, o que me conv a via enrubescer, o que me conv

enceu - eu acertara no alvo. Coisa que enceu - eu acertara no alvo. Coisa que ela tratou d ela
tratou de negar: e negar:

-- Deixe de -- Deixe de bancar o casamen bancar o casamenteiro, Gui. Só teiro, Gui. Só estou
preocupada estou preocupada porque nos compro porque nos compromet

emos a apresentar este trabalho na Semana de Cultura e já não nos resta muito tempo. já não
nos resta muito tempo.

Por isso espero que o Por isso espero que o Zé não falte. Zé não falte.

Justamente ness Justamente nesse momento e momento soou a campainha. Era campainha.
Era ele, pedindo ele, pedindo desculpas pelo desculpas pelo atr

aso:
-- A gente que gente que mora longe mora longe às vezes às vezes demora... demora...

Cumprimentaram-se Cumprimentaram-se afetuosamente, afetuosamente, os dois, os dois,


mas -- talvez por talvez por eu estar eu estar perto, ce perto, ce

rtamente por eu estar perto -- evitaram grandes arroubos de emoção.

(p. 89)

-- Vamos lá -- Vamos lá - comandou Marti - comandou Martinha, para disfar nha, para
disfarçar o embaraço, çar o embaraço, um embaraço que um embaraço que era raro n era raro
n

ela, e que era uma evidência de ela, e que era uma evidência de sua afeição pelo Zé sua
afeição pelo Zé.

Sentamo-nos.

-- Hoje é t -- Hoje é tudo com você udo com você - eu disse a - eu disse ao Zé. -- Esp o Zé. --
Espero que você ero que você tenha feito o tenha feito o dever de ca dever de ca

sa.

-- Claro que -- Claro que fiz - foi a fiz - foi a pronta resposta. pronta resposta. -- Fiquei até --
Fiquei até tarde trabalhando. tarde trabalhando.

Abriu a mochila Abriu a mochila, tirou de lá , tirou de lá um caderno - um caderno - e um livro,


e um livro, encadernado e, encadernado e, pelo aspect pelo aspect

o, velhíssimo.

-- O que é isso? - isso? - perguntei, perguntei, intrigado. intrigado.

-- Isto - r -- Isto - respondeu, com evi espondeu, com evidente satisfação dente satisfação e
até orgulho e até orgulho - é uma pr - é uma preciosidade, uma eciosidade, uma jói

a. Uma das primeiras edições de Os sertões. Ganhei de presente de um parente que vendi
presente de um parente que vendi

a livros usados, de porta em porta.

-- Deve valer muito dinheiro... dinheiro... -- Não tenha -- Não tenha dúvida. -- Hesi dúvida. --
Hesitou e fez um tou e fez uma pequena confis a pequena confissão: -- Mais são: -- Mais de
uma vez m de uma vez minh

a tia sugeriu que eu o a tia sugeriu que eu o vendesse. Poderia ganhar uma vendesse. Poderia
ganhar uma boa grana - para compr boa grana - para comprar rou

pas, por exemplo. Mas não quero. Este livro é pas, por exemplo. Mas não quero. Este livro é
mais importante para mim do que roupa importante para mim do que roupa

nova.

Colocou o livro Colocou o livro sobre a mesa, sobre a mesa, com o maior com o maior
cuidado, sentou-se cuidado, sentou-se, abriu o cad , abriu o caderno
e começou, num tom professoral que até me fez e começou, num tom professoral que até me
fez sorrir:

(p. 89)

-- Vamos ao -- Vamos ao nosso assunto, e nosso assunto, então. A gente ntão. A gente tinha
visto a tinha visto a terceira campanha terceira campanha contra

Canudos, aquela do coronel Moreira César, que terminou com a inou com a vitória dos
sertanejos vitória dos sertanejos

. Essa vitória teve uma repercussão muito grande... Se vocês me Se vocês me dão licença, vou
consultar dão licença, vou consultar

minhas anotações.

Martinha e eu Martinha e eu concordamos. Ele concordamos. Ele abriu o cader abriu o


caderno - um cade no - um caderno brochura, bar rno brochura, barato.

-- Bem, então -- Bem, então a expedição do a expedição do Moreira César c Moreira César
contra Canudos fo ontra Canudos foi derrotada. Essa i derrotada. Essa notícia re notícia re

percutiu em todo o país. Como escreve Euclides, "era preciso uma a preciso uma explicação
qualquer p explicação qualquer p

ara sucessos de tanta monta". E a explicação apareceu: Canudos era só eu: Canudos era só
uma parte de uma uma parte de uma

grande conspiração contra a República. Dizia um jornal da época: "O rnal da época: "O
monarquismo revoluc monarquismo revoluc

ionário quer destruir, com a República, a unidade do Brasil'.

(p. 90)

-- Monarqui -- Monarquismo revolucio smo revolucionário? Essa nário? Essa é boa! - comento
- comentou Martinha. u Martinha.

-- O presidente -- O presidente, Prudente de , Prudente de Moraes, se mani Moraes, se


manifestou: Sabemos festou: Sabemos que por detrás que por detrás dos f

anáticos de Canudos trabalha a política. Mas nós estamos preparados, tendo todos os me

ios para vencer". Houve até manifestações de rua: no Rio de janeiro, uma multidão atacou de
janeiro, uma multidão atacou

as sedes de jornais monarquistas, fazendo uma grande fogueira com móveis, livros,

papéis. Mas Euclides não concorda com essa idéia da conspiração monarquista. Diz ele: "Ca
conspiração monarquista. Diz ele: "Ca

nudos era uma tapera miserável, fora dos nossos map heiro era contra a República, mas os
sertanejos nãoas, perdida no deserto". Consel eram monarquistas nem republican
monarquistas nem republican

os; tinham ficado fora da evolução do país como os; tinham ficado fora da evolução do país
como um todo. Seu movimento era um protesto todo. Seu movimento era um protesto
, reprimido pela força, cujo objetivo era mostrar "o brilho da o brilho da civilização através do
cl civilização através do cl

arão de descargas".

-- Bela frase - eu disse.

-- E atual -- E atual - completou Marti - completou Martinha. -- Em m nha. -- Em muitos


lugares do uitos lugares do mundo você vê mundo você vê gente se re gente se re

voltando contra aquilo que se chama de progresso ou modernidade. E como modernidade. E


como é que se r é que se r

evoltam? Se apegam às coisas do passado, à religião, aos costumes, às crenças. Porque não ad
costumes, às crenças. Porque não ad

ianta nada eu dizer para um cara ianta nada eu dizer para um cara lá dos cafundós qu lá dos
cafundós que computador é ótimo, se o cara n e computador é ótimo, se o cara não tem

nem eletricidade. O resultado é que ele nem eletricidade. O resultado é que ele fica frust fica
frustrado. E começa a dizer que comput rado. E começa a dizer que comput

ador, televisão, vídeo, tudo isso é coisa do demônio.

-- Mas - em -- Mas - emendou Zé - ne endou Zé - nem todos pensavam m todos pensavam


assim, no Brasi assim, no Brasil. Diz Euclides l. Diz Euclides que, par que, par

a muita gente... deixe-me procurar no livro... ah, sim, aqui está: para sim, aqui está: para muita
gent muita gent

e, "os sertanejos não eram um bando de e, "os sertanejos não eram um bando de carolas faná
carolas fanáticos, eram um ticos, eram um

exército instruído, disciplinado. Talvez até comandado por ado por estrangeiros. Garantia-se:
estrangeiros. Garantia-se: um dos chefes do reduto era um um dos chefes do reduto era um
engenheiro italiano engenheiro italiano habilíssimo". Governadores, pol habilíssimo".
Governadores, polít

icos, lideres em geral exigiam uma grande ação armada. Que ficaria a da. Que ficaria a cargo do
próprio cargo do próprio

Ministro da Guerra, marechal Machado Ministro da Guerra, marechal Machado de Bittencourt


de Bittencourt.

(p. 91)

-- Quase -- Quase uma guerra uma guerra civil... - civil... - observou observou Martinha.
Martinha.

-- E. Trouxeram -- E. Trouxeram batalhões de tod batalhões de todos os Estados: os os


Estados: Rio Grande do Rio Grande do Sul, Paraíba, Ce Sul, Paraíba, Ceará, Ba ará, Ba

hia, Pernambuco... As tropas vinham para a Bahia e seguiam imediatamente para Qu

eimadas. Foram organizados em várias brigadas, cada uma com seu comandante. E, de
várias localidades, convergiriam sobre Canudos. Isso tardou, o tardou, porque foi necessário o
porque foi necessário o

rganizar os serviços de apoio: transporte, alimentação. E muitos soldados eram recruta

s, tinham de ser treinados. Por fim, terminados os preparativos, as várias colunas

avançaram sobre o reduto de Antônio Conselheiro. Encontraram os mesmos problemas da

s campanhas anteriores para locomoção: tendo de abrir caminho em meio à ir caminho em


meio à caatinga, prog caatinga, prog

rediam lentamente. E aí apareceram os primeiros sertanejos, comandados por Pajeú, de quem


já falamos. Atacavam e sumiam, atacavam e quem já falamos. Atacavam e sumiam, atacavam
e sumiam...

-- Como -- Como se foss se fosse uma guerrilha guerrilha - observei.

-- Isso mesmo, -- Isso mesmo, O objetivo dos O objetivo dos jagunços era d jagunços era
desmoralizar as t esmoralizar as tropas do governo. ropas do governo. Qu

e continuaram a marcha, chegando ao lugar onde os homens de Moreira César haviam s de


Moreira César haviam s

ido massacrados. Ali estavam, conta Euclides, os esqueletos "vestidos de fardas

poentas e rotas". Um desses esqueletos, decapitado, era o do coronel Tamarindo,

ainda com luvas pretas sobre os ossos das mãos. ainda com luvas pretas sobre os ossos das
mãos. Prosseguiram e chegaram ao morro d sseguiram e chegaram ao morro d

a Favela, onde foram instalados os canhões. Que logo começaram a o começaram a disparar
sobre Canu disparar sobre Canu

dos. No morro estava também a tenda do dos. No morro estava também a tenda do
comandante d comandante da expedição, general Artur Oscar El a expedição, general Artur
Oscar El

e tinha dois problemas: primeiro, estava longe das outras brigadas. Segundo, e p

ior, caíra numa armadilha: o morro da Favela estava cheio de cheio de trincheiras de sertan
trincheiras de sertan

ejos.

(p. 92)

Dali eles ataca Dali eles atacaram à noite, ram à noite, e de novo pe e de novo pela manha,
matand la manha, matando dezenas de o dezenas de soldados e soldados e

a metade dos oficiais. Outras brigadas vieram atacar os sertanejos e foram igual

mente liquidadas. Parte da tropa estava cercada, como que prisioneira. E começava

a faltar munição aos soldados, Vieram reforços, e a tropa, por tropa, por fim, conseguiu
avançar. M fim, conseguiu avançar. M
as, quanto mais perto chegavam do arraial, mais feroz era a oz era a resistência, maior o núm
resistência, maior o núm

ero de baixas. Além disso, o alimento começava a ero de baixas. Além disso, o alimento
começava a escassear. Os chefes militares deci cassear. Os chefes militares deci

diram: o ataque a Canudos era urgente. Quase um diram: o ataque a Canudos era urgente.
Quase um mês havia se passado desde o início havia se passado desde o início

da campanha, e os sertanejos pareciam, na expressão de Euclides, até "revigorados".

A ordem do dia daquele 17 de A ordem do dia daquele 17 de julho de 1897, que o E julho de
1897, que o Euclides transcreve no livro, uclides transcreve no livro,

dizia: "Valentes oficiais e soldados das forças expedicionárias no interior do Estad

o da Bahia! Desde Cocorobó até aqui o o da Bahia! Desde Cocorobó até aqui o inimigo não t
inimigo não tem podido resistir à vossa bravura (. em podido resistir à vossa bravura (.

..) Amanha vamos abatê-lo na sua cidadela de Canudos".

-- Pelo -- Pelo jeito - jeito - disse Martin disse Martinha --, esperavam esperavam um passeio.
um passeio.

com um grande assalto: 3400 soldados "despencaram p -- Mas não -- Mas não foi um passeio
foi um passeio - disse Zé. - disse Zé. -- De jeito -- De jeito nenhum. Não fo elos cerros abaixo",
nas pala nenhum. Não foi um passeio. i um passeio. Começou Começou

vras de Euclides. Os sertanejos, como antes, resistiram atirando de suas trinche

iras invisíveis ou mesmo resistindo dentro das casas, onde os soldados, famintos e

sedentos, entravam em busca de comida e sedentos, entravam em busca de comida e água.


Às v água. Às vezes, eram mortos até por mulheres: ezes, eram mortos até por mulheres:

"velhas megeras", conta Euclides, "arremetiam contra os invasores num delírio de

fúrias". Os soldados avançaram o que puderam, e por fim se detiveram. A tropa, diz E se
detiveram. A tropa, diz E

uclides, "conquistara um subúrbio diminuto da cidade bárbara e sentia-se impotente p

ara ultimar a ação". As baixas haviam sido enormes, cerca de cerca de mil, entre mofos e feri
mil, entre mofos e feri

dos. A posição conquistada era precária. Como disse um dos chefes militares: "Um um dos
chefes militares: "Um inimi

go habituado à luta regular, que soubesse tirar partido de nossas desvantagens tátic

as, não teria certamente deixado passar esse momento" - isto é, o" - isto é, não teriam deixado
de não teriam deixado de

liquidar as tropas do governo.

(p. 93)
-- E por qu -- E por que os homens d e os homens de Conselheiro nã e Conselheiro não
fizeram isso? o fizeram isso? - perguntou Marti - perguntou Martinha.

-- Porque, como -- Porque, como diz Euclides, nã diz Euclides, não eram tropas o eram tropas
regulares, um regulares, um exército: "o sert exército: "o sertanejo

defendia o lar invadido, nada mais", E defendia o lar invadido, nada mais", E estava disp
estava disposto a resistir: "Canudos só se osto a resistir: "Canudos só se

ria conquistado casa por casa".

-- Incrível -- Incrível essa capacid essa capacidade de resistência... resistência... - comentei -


comentei.

-- Incrível mes -- Incrível mesmo. Euclides fala mo. Euclides fala de um jovem de um jovem
prisioneiro que prisioneiro que foi interrogado foi interrogado e q

ue "a todas as perguntas respondia, automaticamente, com indiferença altiva: 'Sei

não!". Os soldados decidiram executá-lo e perguntaram-lhe como queria morrer. "De ti

ro', foi a resposta. Os sertanejos acreditavam que a alma de a alma de quem era executado à
quem era executado à

faca não subia ao céu. Mas à faca não subia ao céu. Mas à faca foi morto: cortar faca foi morto:
cortaram a garganta dele. Antes de am a garganta dele. Antes de morrer

, ainda gritou: "Viva o Bom Jesus!". Entre os , ainda gritou: "Viva o Bom Jesus!". Entre os
soldados, o ânimo não era nada bom. Ve dos, o ânimo não era nada bom.

io uma tropa de reforço, mais de io uma tropa de reforço, mais de mil homens, mas mu mil
homens, mas muitos ficaram pelo caminho. Aleg itos ficaram pelo caminho. Aleg

avam doença, mas Euclides fala no medo que sentiam...

-- Pelo jeito -- Pelo jeito - observou Mar - observou Martinha -, as tinha -, as tropas do govern
tropas do governo iriam ser d o iriam ser derrotadas errotadas

de novo.

-- Foi o qu -- Foi o que as autoridades e as autoridades perceberam. Mesmo perceberam.


Mesmo porque os sert porque os sertanejos tinham pas anejos tinham pass ado para a
ofensiva, atacando outras cidades. O Ministro da Guerra decidiu então istro da Guerra decidiu
então a

ssumir, pessoalmente, o comando das operações. Recomeçou o ataque, com os canhões


bombar

deando Canudos. No dia 6 de setembro, conseguiram derrubar as torres da errubar as torres


da igreja n igreja n

ova, a Igreja de Bom Jesus, que ova, a Igreja de Bom Jesus, que estava sendo constr estava
sendo construída sob as ordens de Antônio Co uída sob as ordens de Antônio Con

selheiro. Caiu inclusive o sino, que todas as tardes tocava a s tocava a Ave-Maria para os Ave-
Maria para os
fiéis do arraial. Foi uma perda simbólica: essa igreja representava muito para os eja
representava muito para os fiéi

s. E foi uma perda estratégica, porque, do alto s. E foi uma perda estratégica, porque, do alto
das torres, os sertanejos alvejava torres, os sertanejos alvejava

m os soldados. Ao mesmo tempo, as tropas m os soldados. Ao mesmo tempo, as tropas


tinham for tinham formado um grande semicírculo ao r mado um grande semicírculo ao r

edor de Canudos. A sorte tinha mudado.

(p. 94)

-- E o Conselheiro? elheiro? - quis saber Martinha. Martinha.

-- Morreu - respondeu respondeu Zé.

-- Morreu? - -- Morreu? - Martinha, surpresa. Martinha, surpresa. -- Eu pensei -- Eu pensei


que ele tinha que ele tinha resistido até o resistido até o fim.

..

-- Não. -- Não. Morreu. Morreu Morreu. Morreu no dia 22 de setembro - setembro -


completou Zé. completou Zé.

-- E morreu de quê? de quê? - contin - continuou Mart uou Martinha.

-- Diz Euclides -- Diz Euclides que a causa que a causa da morte não da morte não foi bem
esclare foi bem esclarecida. Para uns cida. Para uns resultou resultou

de complicações de um ferimento que ele tinha, causado por estilhaços de ado por estilhaços
de metralha. Par metralha. Par

a outros, foi uma "caminheira".

-- O que é isso? - indaguei, indaguei, intrigado. intrigado.

-- Diarréia. Diarréia. "Caminheira" "Caminheira" é diarréia. diarréia.

Aquilo era surpreendente. surpreendente.

-- Mas bota iro bota ironia nisso nia nisso - comentei. -- ntei. -- O cara resiste resiste a tudo e
acaba morren a morrend

o de diarréia...

-- Irônico mesm -- Irônico mesmo. Mas os fié o. Mas os fiéis pensavam dife is pensavam
diferente. Para eles rente. Para eles, diz Euclides, , diz Euclides, "Conse

lheiro seguira em viagem para o céu", onde pediria a ajuda divina, e retornaria co ajuda divina,
e retornaria co

e, porém, é que o número e, porém, é que o número de defensores de Canudos e m 'milhões


de arcanjos", cujas espadas de fogo acab de defensores de Canudos era cada vez menor,
alguma ariam com os ariam com os soldados. A verdad ra cada vez menor, algumas centenas
soldados. A verdad s centenas
, talvez; e as tropas do , talvez; e as tropas do governo contavam agora com governo contavam
agora com 6000 homens. No dia 1º d 6000 homens. No dia 1º de outu

bro começou o ataque final. Primeiro, o canhoneio. Depois, os soldados avançaram - e

mais uma vez os sertanejos resistiram. As casas mais uma vez os sertanejos resistiram. As
casas começavam agora a ser dinamitadas meçavam agora a ser dinamitadas

e queimadas com querosene. Mas delas saíam, muitas vezes feridos, queimados, os vezes
feridos, queimados, os d

efensores do arraial, que "vinham matar os adversários sobre as próprias trincheiras

', conta Euclides. No dia 2 de ', conta Euclides. No dia 2 de outubro, agitando um outubro,
agitando uma bandeira branca, dois homen a bandeira branca, dois homen

s se aproximaram das linhas atacantes. Um deles era Antônio, conhecido como o Antônio,
conhecido como o Beat

inho, auxiliar do Conselheiro.

(p. 95)

Contou aos coma Contou aos comandantes militares ndantes militares que o seu c que o seu
chefe havia morri hefe havia morrido e negociou do e negociou uma

rendição parcial. Foi até o que restava de Canudos e, diz Euclides, voltou uma hora de diz
Euclides, voltou uma hora de

pois, conduzindo "trezentas mulheres e crianças e meia dúzia de velhos imprestáveis". Até os
soldados se comoveram: "Repugnava, aquele triunfo. Envergonhava". Mas, para

Euclides, a rendição não passou de um Euclides, a rendição não passou de um truque: os j


truque: os jagunços livravam-se assim das mulhere agunços livravam-se assim das mulhere

s, das crianças, dos velhos, que atrapalhavam a luta. O que ele não diz é que ele não diz é que
os prisi que os prisi

oneiros foram, no dia seguinte, degolados. A imprensa toda calou a respeito. A sa toda calou a
respeito. A v

erdade, porém, é que no dia 3 erdade, porém, é que no dia 3 de outubro Euclides d de outubro
Euclides da Cunha já não estava em Canud a Cunha já não estava em Canudos.

-- Não estava? estava? - estranhou Martinha. Martinha.

-- Não. -- Não. Ficou doente Ficou doente e foi embora. N embora. Não voltou ão voltou mais.

-- E o livro?

-- O livro -- O livro ele escreveu mais ele escreveu mais tarde, em São tarde, em São Paulo. A
verd Paulo. A verdade é que a ade é que a vivência de C vivência de Canu

dos foi, para Euclides, uma experiência importante - como se ele - como se ele estivesse
descobr estivesse descobr
indo um Brasil que não conhecia. Aliás, depois disso ele viajou de novo, mas pela Am viajou de
novo, mas pela Am

azônia.

-- E escreveu escreveu sobre a viagem a viagem, decert , decerto...

-- Sim. De -- Sim. De novo, falou dos novo, falou dos sertanejos, dessa sertanejos, dessa vez
daqueles qu vez daqueles que tinham ido e tinham ido do No

rdeste em busca de trabalho nos seringais do Acre, onde eram tratados quase como eram
tratados quase como

escravos. Àquela altura Euclides já era famoso, já tinha entrado na tinha entrado na Academia
Brasilei Academia Brasilei ra de Letras. Mas morreu em 1909, num ra de Letras. Mas morreu
em 1909, num tiroteio com tiroteio com o cadete Dilermando de Assis, o cadete Dilermando
de Assis,

amante da mulher dele. Aliás, sete anos amante da mulher dele. Aliás, sete anos depois, Di
depois, Dilermando matou também Euclides da lermando matou também Euclides da

Cunha Filho, o filho predileto do escritor, que Cunha Filho, o filho predileto do escritor, que
tinha jurado vingar a morte do nha jurado vingar a morte do

pai...

-- Ou seja -- Ou seja - disse Martinha, - disse Martinha, impressionada - impressionada - não


era só não era só no sertão que no sertão que havia violência. havia violência.

..

(p. 96)

-- Claro que -- Claro que não. Mas, volta não. Mas, voltando ao final ndo ao final da
campanha, vo da campanha, vou ler o que u ler o que Euclides esc Euclides esc

reve: "Não há relatar o que houve a reve: "Não há relatar o que houve a 3 e a 4. 3 e a 4. A luta,
que viera perdendo dia a A luta, que viera perdendo dia a dia o

caráter militar, degenerou (...) Sabia-se de uma coisa única: os jagunços não poderiam r

esistir por muitas horas". Mas resistiram: de dentro de uma trincheira, em meio

a um monte de cadáveres, vinte jagunços atiravam ainda. É por nda. É por isso que, ao
terminar o isso que, ao terminar o

seu livro, diz Euclides: "Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda emplo único em toda a
História, res a História, res

istiu até ao esgotamento completo". Os últimos defensores foram mortos no entardecer

do dia 5: um do dia 5: um velho, dois homens, uma criança. No d velho, dois homens, uma
criança. No dia 6 terminou ia 6 terminou a destruição do arrai a destruição do arrai

al. Não sobrou nenhuma das 5200 casas. Nesse mesmo dia foi encontrado o cadáver de A foi
encontrado o cadáver de A
ntônio Conselheiro, ainda vestindo o ntônio Conselheiro, ainda vestindo o hábito azul. F hábito
azul. Foi fotografado. Escreve Euclides: oi fotografado. Escreve Euclides:

Lavrou-se uma ata rigorosa firmando sua identidade: importava que o país : importava que o
país se conve se conve

ncesse bem de que ncesse bem de que afinal estava extinto aquele terr afinal estava extinto
aquele terribilíssimo antagon ibilíssimo antagonista. Restituír ista. Restituír

am-no à cova. Pensaram, depois, em guardar a sua am-no à cova. Pensaram, depois, em
guardar a sua cabeça tantas vezes maldita", Foi c beça tantas vezes maldita", Foi c

ortada e levada para Salvador, onde ficou uns tempos em exibição - depois foi entreg exibição
- depois foi entreg

ue a médicos para ser estudada.

Durante uns min Durante uns minutos ficamos ali, utos ficamos ali, sem conseguir f sem
conseguir falar, pensando n alar, pensando na história que a história que tín

hamos ouvido. E quando Martinha falou, disse exatamente o que eu ente o que eu estava
pensando estava pensando

-- Eu só es -- Eu só espero que esse pero que esse Jesuíno Pregador Jesuíno Pregador não
termine co não termine como o Antônio mo o Antônio Conselheiro. Conselheiro.

equer enxugar as lágrimas que lhe lavavam o rosto, Fez-se silêncio. Fez-se silêncio. E, de
repente, E, de repente, Zé caiu em p Zé caiu em prantos. Chorava rantos. Chorava
convulsivamente, sem enquanto nós enquanto nós o olhávamos sem entend convulsivamente,
sem s o olhávamos sem entend

er. Martinha, consternada, abraçou-o:

-- Desculpe -- Desculpe, Zé, se eu disse alg disse alguma coisa uma coisa inconveniente...
inconveniente...

-- Você não -- Você não disse nada incon disse nada inconveniente - soluç veniente - soluçou
ele. -- N ou ele. -- Nada, nada inconve ada, nada inconveniente. É que niente. É que

você não podia saber, compreende? Você não tem você não podia saber, compreende? Você
não tem culpa. Você não podia saber. pa. Você não podia saber.

(p. 97)

-- Não podia -- Não podia saber o quê? saber o quê? - ela, cada - ela, cada vez mais intri vez
mais intrigada, e angustiad gada, e angustiada.

Ele parou Ele parou de chorar, de chorar, ficou um ficou um instante em instante em silêncio.
Depo silêncio. Depois nos o is nos olhou:

-- Jesuíno Jesuíno Pregador Pregador é meu pai.

De novo De novo o silên o silêncio, tens cio, tenso, espan o, espantado, si tado, silêncio.
lêncio.
-- Seu pai? -- Seu pai? - perguntei. -- - perguntei. -- Como é possível? Como é possível? Você já
estava Você já estava aqui quando ele aqui quando ele chegou... chegou...

-- Pois -- Pois é. Ele veio atrá veio atrás de mim.

Ainda soluçando, soluçando, contou sua história: história: -- O nome d -- O nome dele é
Jesuíno ele é Jesuíno Gonçalves. Nasceu Gonçalves. Nasceu e viveu no e viveu no sertão; era
don sertão; era dono de uma peq o de uma pequena

fazenda, que, em sua família, passara de pai para filho. Um homem simples, meu pai Um
homem simples, meu pai

. Conheceu minha mãe numa viagem que fez . Conheceu minha mãe numa viagem que fez a
Salvador a Salvador. Era uma moça linda, ela, uma mu . Era uma moça linda, ela, uma

lata alta. Todo o mundo achava aquele casamento meio estranho, mas o o estranho, mas o
fato é que mi fato é que mi

nha mãe deixou a cidade e veio nha mãe deixou a cidade e veio com ele para o sertã com ele
para o sertão, onde nasci. Quando eu tinha o, onde nasci. Quando eu tinha un

s sete anos, ela disse que estava cansada daquela vida; queria que meu pai vende queria que
meu pai vende

sse a fazenda e que nos sse a fazenda e que nos mudássemos para a cidade. E mudássemos
para a cidade. Ele não quis, ela acabou le não quis, ela acabou nos deixa

ndo e voltou para Salvador, onde morreu, um ano ndo e voltou para Salvador, onde morreu,
um ano depois. Assassinada. ois. Assassinada.

Calou-se um Calou-se um instante, como instante, como que para que para recobrar forças,
recobrar forças, e depois e depois continuou: continuou:

-- Meu pai, -- Meu pai, como vocês podem como vocês podem imaginar, ficou imaginar, ficou
arrasado. E foi arrasado. E foi se tornando esqu se tornando esquisi

to. Nisso, ele não era o to. Nisso, ele não era o único da família; um irmão único da família; um
irmão dele, meu tio, tinha sid dele, meu tio, tinha sido internado o internado

várias vezes por doença mental. De qualquer jeito, porém, papai continuou trabalhando

na fazenda e cuidando de mim, o na fazenda e cuidando de mim, o que fazia com a aju que
fazia com a ajuda de uma velha empregada. Eu da de uma velha empregada. Eu

freqüentava a escola numa vila próxima, e ele freqüentava a escola numa vila próxima, e ele
me estimulava muito a ler: "Aqui na n stimulava muito a ler: "Aqui na n

ossa casa", dizia, "pode faltar qualquer coisa, menos livro, porque o livro é os livro, porque o
livro é a ch

ave para o mundo da cultura". Ele próprio lia ave para o mundo da cultura". Ele próprio lia
muito. No começo, literatura em geral, . No começo, literatura em geral,

depois depois coisas religiosas coisas religiosas, místicas. , místicas. Profecias, como Profecias,
como as do An as do Antônio Conselheiro tônio Conselheiro. Cuj
a vida conhecia a fundo.

(p. 98)

Nova interrupção; interrupção; era-lhe era-lhe difícil difícil falar, via-se: via-se:

-- Bem ou m -- Bem ou mal, a gente i al, a gente ia vivendo, quand a vivendo, quando
sofremos novo o sofremos novo golpe. Um dia golpe. Um dia aparecer aparecer

am uns caras lá na fazenda. Disseram que am uns caras lá na fazenda. Disseram que uma
grande uma grande represa ia ser construída na reg represa ia ser construída na reg

ião, a represa de Mar-de-Dentro, e que nossas terras seriam inundadas - s seriam inundadas -
teríamos de teríamos de

sair dali. Meu pai ficou furioso; correu com os sair dali. Meu pai ficou furioso; correu com os
caras a facão. Todos os vizinhos s as a facão. Todos os vizinhos s

e mudaram, nós ficamos. Até a polícia apareceu por lá; o delegado tentou convencê-lo a dei o
delegado tentou convencê-lo a dei

xar a propriedade. Meu pai não quis saber. E xar a propriedade. Meu pai não quis saber. E um
dia acordamos com água dentro de cas acordamos com água dentro de cas

a: era a represa que começava a a: era a represa que começava a encher. Tivemos de encher.
Tivemos de sair às pressas, fomos para a ca sair às pressas, fomos para a cas

a de um parente. Uma noite, meu a de um parente. Uma noite, meu pai acordou, gritan pai
acordou, gritando: "O sertão vai virar mar! O do: "O sertão vai virar mar! O

sertão vai virar mar!". Estava tão agitado que tiveram de amarrá-lo na ram de amarrá-lo na
cama. De madrug cama. De madrug

ada eu cortei as cordas. Não me ada eu cortei as cordas. Não me reconhecia, talvez
reconhecia, talvez por causa de um remédio que tinh por causa de um remédio que tinha

m lhe dado. Gritava: "Sai daqui, demônio, sai daqui". Bateu-me com tanta ". Bateu-me com
tanta violência q violência q

ue me quebrou um braço. Acabaram levando-o para o hospício. Eu ospício. Eu tinha dez anos,
e nun tinha dez anos, e nun

ca mais o vi. Depois de ca mais o vi. Depois de uns anos, esse meu parente uns anos, esse meu
parente morreu, e eu vim morar c morreu, e eu vim morar com mi

nha tia, aqui no Buraco.

Tirou do Tirou do bolso um bolso um lenço, ass lenço, assoou o nariz, e nariz, e continuou:
continuou:

-- Aí ele a -- Aí ele apareceu aqui. Ago pareceu aqui. Agora já era o ra já era o Jesuíno
Pregador. Jesuíno Pregador. Depois de sair Depois de sair do hospital do hospital

, vagou pelo sertão da Bahia, pregando e , vagou pelo sertão da Bahia, pregando e rezando, M
rezando, Mas então descobriu onde eu estava as então descobriu onde eu estava

e veio atrás de mim.


-- E você? -- Martinha, Martinha, ansiosa. ansiosa.

-- Eu não q -- Eu não quis saber dele. uis saber dele. Não podia, né Não podia, né, Martinha?
Para , Martinha? Para mim, ele ainda mim, ele ainda era aquele d era aquele d

emônio louco. Ele então disse que não iria embora enquanto eu nquanto eu não o aceitasse
como pai. não o aceitasse como pai.

Ficou lá no Buraco, criou uma seita... O Ficou lá no Buraco, criou uma seita... O resto você resto
vocês sabem. s sabem.

Ficamos Ficamos em silêncio, silêncio, em profundo profundo silêncio. silêncio.

(p. 99)

Martinha ia diz Martinha ia dizer qualquer coisa er qualquer coisa, mas não ch , mas não
chegou a falar. egou a falar. A porta se A porta se abriu e Raf abriu e Raf

aela entrou como um pé-de-vento. Ao me ver, abriu os braços: braços:

-- Graças a -- Graças a Deus você está Deus você está aqui! Ai, Gui aqui! Ai, Gui --
Interrompeu-se, -- Interrompeu-se, e era impressiona e era impressionante a s nte a s

ua palidez.

-- Mas o que fo o que foi que aco i que aconteceu? - nteceu? - perguntei, ass perguntei,
assustado de ustado de verdade. verdade.

Ela me olhou, consternada. consternada.

-- Ai, Gui, lamento Gui, lamento dizer isto. dizer isto. Seu pai Seu pai foi seqüestrado, foi
seqüestrado, cara.

-- Seqüestrado? -- Seqüestrado? -- Saltei da -- Saltei da cadeira, apavorado. cadeira,


apavorado. -- Onde, Rafael -- Onde, Rafaela? Por quem? a? Por quem? Fal

a, pelo amor de Deus!

-- Foi aquele homem... homem...

-- Que homem?

-- O tal que faz rezas... rezas... Quase caí para trás:

-- O Jesuíno Jesuíno Pregador? Pregador?

-- Esse mesmo. O Pregador. Pregador.

-- Mas como? Por quê?

Martinha trouxe Martinha trouxe um copo d'água um copo d'água para a irmã. para a irmã.
Rafaela bebeu de Rafaela bebeu de um sorvo só um sorvo só e contou: e contou:

-- Seguinte. On -- Seguinte. Ontem de noite tem de noite o prefeito resol o prefeito resolveu
chamar a veu chamar a polícia militar polícia militar para pr para pr

ender o tal Jesuíno. Disse na rádio que ender o tal Jesuíno. Disse na rádio que teria de fa teria
de fazer isso, que se tratava de um pe zer isso, que se tratava de um pe
dido do Fernando Nogueira e de outras pessoas importantes. Aparentemente, seu pa

i nada tinha a ver com i nada tinha a ver com o assunto. Aí as guarnições o assunto. Aí as
guarnições - três - foram até o Bu - três - foram até o Buraco, mas não enco raco, mas não
enco

ntraram o Jesuíno. Ele tinha saído com uns homens dele, os tais discípulos. Foram para os tais
discípulos. Foram para

a casa do Fernando Nogueira, conseguiram entrar - e fizeram toda a família refém, i fizeram
toda a família refém, i

nclusive o Queco. Seu pai, Gui, soube do nclusive o Queco. Seu pai, Gui, soube do que tinha
que tinha acontecido, foi à casa do Ferna acontecido, foi à casa do Ferna

ndo e tentou negociar como seqúestrador. O Jesuíno disse que soltaria a disse que soltaria a
família se seu família se seu

pai ficasse como refém. Ele aceitou. A pai ficasse como refém. Ele aceitou. A polícia mil polícia
militar cercou o lugar, ameaça invadir itar cercou o lugar, ameaça invadir

a qualquer momento... Um horror, um horror.

(p. 100)

Corri para a Corri para a porta, seguido porta, seguido do Zé e da do Zé e da Martinha, que
Martinha, que gritava "Esperem gritava "Esperem por mim, e por mim, e

sperem por mim

A casa dos A casa dos Nogueiras ficava Nogueiras ficava a três quarteirõ a três quarteirões
dali. Quando es dali. Quando cheguei, senti me cheguei, senti meu cor

ação parar.

Diante da casa Diante da casa -- aquela enorme -- aquela enorme mansão, com um mansão,
com um jardim na fre jardim na frente -- já hav nte -- já havia uma mu ia uma mu

ltidão, contida por um cordão de isolamento colocado pela polícia. Várias viaturas ali,

inclusive da polícia militar, e dezenas de soldados armados. A custo, infiltrei-me

entre as pessoas, que afinal me entre as pessoas, que afinal me reconheceram - É o


reconheceram - É o Gui, o filho do delegado, deix Gui, o filho do delegado, deix

a ele passar". Consegui chegar até o cordão de a ele passar". Consegui chegar até o cordão de
isolamento, e ali estava minha mãe, amp amento, e ali estava minha mãe, amp

arada pelo Pedro, o delegado auxiliar. Quando me viu, abraçou-me, soluçando:

-- Ai, meu filh meu filho, que desgraça, desgraça, que desg que desgraça... raça...

A custo contend A custo contendo-me - naquele o-me - naquele momento, e mai momento, e
mais do que nun s do que nunca, eu precisava ca, eu precisava de me

u equilíbrio -, perguntei a Pedro como estava a u equilíbrio -, perguntei a Pedro como estava a
situação.
-- Difícil dize -- Difícil dizer - foi a r - foi a resposta. -- Em resposta. -- Em geral seqüestradore
geral seqüestradores pedem dinheiro, s pedem dinheiro, tran

sporte. Esse aí não pediu nada. E ainda sporte. Esse aí não pediu nada. E ainda não falou c não
falou com a gente. Tem um cara aí, da polícia om a gente. Tem um cara aí, da polícia

militar, que é especialista em seqüestros, e fez uma ligação pelo telefone, mas, a ligação pelo
telefone, mas, pelo je pelo je

ito, o tal Jesuíno cortou alinha. Ninguém responde.

-- E quantos são os seqüestradores? seqüestradores?

-- E só ele -- E só ele. Mandou que . Mandou que os outros se os outros se entregassem, e


entregassem, e ficou sozinho lá, ficou sozinho lá, com o seu p com o seu pa

i. Agora: está armado, e muito bem armado. Pelo i. Agora: está armado, e muito bem armado.
Pelo menos duas pistolas, segundo os ca os duas pistolas, segundo os ca

ras que saíram. Ou seja: é um ras que saíram. Ou seja: é um perigo, mesmo. perigo, mesmo.

-- Por favor, Pedro, favor, Pedro, faça alguma faça alguma coisa -- coisa -- implorou mamãe
implorou mamãe.

Pedro olhav Pedro olhava-nos, e a-nos, e mostrava des mostrava desespero em espero em
seu olhar: seu olhar:

não havia nada a fazer.

(p. 101)

-- Eu p -- Eu posso ajudar osso ajudar - disse - disse uma voz, uma voz, atrás de atrás de mim.

Era o Zé. P Era o Zé. Por incrível que or incrível que pareça, naquela pareça, naquela aflição,
eu h aflição, eu havia esquecido co avia esquecido completamente del mpletamente del

e. Mas a sua presença deu-me uma e. Mas a sua presença deu-me uma nova, talvez absur
nova, talvez absurda, esperança: da, esperança:

-- Este aqui, Pedro, é o Zé...

-- Eu conheço. conheço.

-- Eu sei q -- Eu sei que você conhece. ue você conhece. Mas o que vo Mas o que você não
sabe cê não sabe é que ele é é que ele é filho do Jesuíno filho do Jesuíno Pregador. Pregador.

A boca de Pedro de Pedro se abriu se abriu, de espanto: espanto:

-- O qu -- O quê!? Você ê!? Você é filho é filho do Jesuíno? do Jesuíno? E como é E como é
que ninguém que ninguém sabia?

-- Isso não -- Isso não vem ao caso, vem ao caso, Pedro - eu, Pedro - eu, nervosíssimo. --
nervosíssimo. -- O importante é O importante é que ele é fi que ele é filho,

e pode ajudar.

-- Claro, claro -- Claro, claro - apressou-se Pe - apressou-se Pedro a dizer. dro a dizer. -- Vamos
ver -- Vamos ver como podemos fa como podemos fazer i
sso...

Mal tinha Mal tinha terminado de terminado de dizer a dizer a frase, a frase, a porta se porta
se abriu.

Fez-se silêncio. silêncio. Um enorme, enorme, tenso silêncio. silêncio.

Meu pai aparece Meu pai apareceu. Atrás dele, u. Atrás dele, o Jesuíno, uma o Jesuíno, uma
pistola em cada pistola em cada mão. Os dois mão. Os dois ficaram na ficaram na entrada da
casa, uma imponente entrada, guarnecida de altas colunas.

Por uns Por uns momentos ficou momentos ficou parado. Agora parado. Agora, mantinha ,
mantinha uma das uma das pistolas apont pistolas apontada para ada para

papai, que estava imóvel, fisionomia impassível -- apesar de tudo, sabia se controla

r.

Jesuíno olhava Jesuíno olhava para a multidão, para a multidão, mas era como mas era como
se não visse se não visse ninguém. De rep ninguém. De repente começou a ente começou a

falar:

-- "O sertão -- "O sertão vai virar praia vai virar praia", eles disseram ", eles disseram. Os
cínicos, . Os cínicos, os hipócritas. os hipócritas. Eles roubar Eles roubar

am a profecia, irmãos. Roubaram a profecia de nosso mestre Antônio Conselheiro. E mestre


Antônio Conselheiro. E pa

ra que, irmãos? Para seu próprio proveito. Para ganhar dinheiro. Para construir casa

s como esta em frente a s como esta em frente a qual me encontro, casas de qual me
encontro, casas de luxo e de luxúria, casas luxo e de luxúria, casas onde r

eina o pecado. Mas eles não prevalecerão, irmãos. Porque o sertão vai orque o sertão vai virar
praia, sim. virar praia, sim.

Não a praia deles. A praia de Não a praia deles. A praia de Deus. O mar vai cobri Deus. O mar
vai cobrir tudo e, como diz o Livro, o r tudo e, como diz o Livro, o e

spírito de Deus caminhará sobre as águas. O sertão vai virar mar! Arrependei-vos, irmãos! virar
mar! Arrependei-vos, irmãos!

O fim está próximo! Vamos todos morrer, a começar por mim próprio! mim próprio!

(p. 102)

Com meu Com meu pai ainda pai ainda na mira, na mira, apontou uma apontou uma pistola
para pistola para a própria a própria cabeça. cabeça.

-- Não! Não faça isso!

Era o Zé.

Antes que algué Antes que alguém pudesse detê-lo m pudesse detê-lo, passou pelo , passou
pelo cordão de isol cordão de isolamento, passou pe amento, passou pelos pol los pol
iciais - que ficaram paralisados de espanto - e iciais - que ficaram paralisados de espanto - e
correu para a entrada da casa: reu para a entrada da casa:

-- Sou eu, papai! O seu filho!

Por um momento, Por um momento, Jesuíno fitou o Jesuíno fitou o rapaz, sem compr rapaz,
sem compreender. E então eender. E então os dois se ab os dois se abraçaram raçaram

. Nós podíamos ver os corpos de . Nós podíamos ver os corpos de ambos, sacudidos pe ambos,
sacudidos pelos soluços. Mansamente, sem enc los soluços. Mansamente, sem encont

rar resistência, papai tirou as armas de Jesuíno. E depois disse depois disse aos dois: aos dois:

-- Vamos, gente -- Vamos, gente. Vamos sair . Vamos sair daqui. Vamos par daqui. Vamos
para um lugar o a um lugar onde vocês possam nde vocês possam convers convers

ar.

E foram. Aos E foram. Aos poucos o pessoa poucos o pessoal da cidade l da cidade - todo o
mun - todo o mundo ainda comentan do ainda comentando o ocor do o ocor

rido -- foi se dispersando também.

Fernando Nogueira Fernando Nogueira levou-nos de c levou-nos de carro, a mim arro, a mim
e a mamãe, p e a mamãe, para casa. Queco ara casa. Queco foi cono foi cono

sco. Comovido:

-- Seu pai -- Seu pai foi um herói, foi um herói, Gui. Um verdade Gui. Um verdadeiro herói. Ele
iro herói. Ele nos salvou. Nó nos salvou. Nós estávamos muit s estávamos muito

nervosos, e se tivéssemos feito alguma bobagem, a coisa teria terminado muito mal teria
terminado muito mal

Pensou um pouco e acrescentou: acrescentou:

-- E o Zé.. -- E o Zé... Cara, que g . Cara, que grande sujeito, e rande sujeito, ele. E como e le. E
como eu estava enganado u estava enganado, cara, Com , cara, Com

o eu estava enganado.

(p. 103)

12. Ain 12. Ainda exist da existem histór em histórias que ias que terminam terminam bem?

Parece que sim, Parece que sim, não é? Parece não é? Parece que sim. Pelo que sim. Pelo
menos esta histó menos esta história terminou bem. ria terminou bem.

ador. Ajudado pelo Zé - que mudara completamente; a Naquele dia, e Naquele dia, e nos dias
seguinte nos dias seguintes, meu pai c s, meu pai conversou longamente onversou longamente
com Jesuíno Preg gora, decidido a cuidar do gora, decidido a cuidar do pai, com Jesuíno Preg
pai,

parecia enérgico, resoluto --, conseguiu convencer o homem a aceitar tratamento p

siquiátrico. Um tratamento que durou tempo e deu bons resultados: depois de cumpri
r pena pelo seu ato, foi r pena pelo seu ato, foi posto em liberdade. Ele e posto em liberdade.
Ele e Zé moram hoje num sítio - Zé moram hoje num sítio - doação de a doação de a

migos de meu pai - e migos de meu pai - e lá eles cultivam cactos exótic lá eles cultivam cactos
exóticos. Com êxito: export os. Com êxito: exportam para vários l am para vários l

ugares do país e até para o ugares do país e até para o exterior. exterior.

O pessoal da O pessoal da Vila Buraco fic Vila Buraco ficou surpreso com ou surpreso com o
que havia o que havia acontecido. Alguns acontecido. Alguns se

mostraram francamente revoltados, achando que tinham sido traídos pelo Jesuíno. Fize
traídos pelo Jesuíno. Fize

ram protestos, ameaçaram até com um quebra-quebra na cidade. Mas ai o a cidade. Mas ai o
padre Lucas en padre Lucas en

trou em ação. Esse jovem sacerdote havia se tornado conhecido em conhecido em Sertãozinho
por seu t Sertãozinho por seu t

rabalho social: por exemplo, organizara os recolhedores de materiais recicláveis s

ob a forma de uma cooperativa, que agora ob a forma de uma cooperativa, que agora prestava
s prestava serviços para a Prefeitura. O Pa erviços para a Prefeitura. O Pa

dre Lucas, porém, nunca havia trabalhado com a comunidade do Buraco. A nidade do Buraco.
A pedido de vár pedido de vár

ias pessoas do lugar, decidiu fazê-lo. E deu muito certo; as certo; as pessoas sentiam-se gr
pessoas sentiam-se gr

atas pelo fato de ter alguém junto a atas pelo fato de ter alguém junto a elas e colabor elas e
colaboravam com a maior boa vontade. P avam com a maior boa vontade. P adre Lucas evitava
falar sobre o Jesuíno; contentava-se em dizer que o a-se em dizer que o homem tinha homem
tinha

feito coisas boas, e que essas feito coisas boas, e que essas coisas precisavam t coisas
precisavam ter continuidade. er continuidade.

(p. 105)

Duas semanas de Duas semanas depois do episódio pois do episódio do seqüestro, re do


seqüestro, realizou-se a Sema alizou-se a Semana de Cultura na de Cultura e, n

ela, o debate sobre Antônio Conselheiro. Martinha, Zé e eu fizemos o Zé e eu fizemos o


resumo de Os se resumo de Os se

rtões, que foi distribuído uns dias antes. Ficou muito bom - ito bom - até fotos tinha - e termi
até fotos tinha - e termi

nava, a pedido da Cíntia, com um nava, a pedido da Cíntia, com um conselho: "Você le
conselho: "Você leu o resumo, agora leia o original u o resumo, agora leia o original

".
O debate começo O debate começou às quatro d u às quatro da tarde de u a tarde de um
sábado, O m sábado, O auditório do colé auditório do colégio estava lotad gio estava lotado;

alunos e professores vieram em peso, e também muita gente da gente da comunidade. Até o
prefe comunidade. Até o prefe

ito estava presente. Papai e mamãe não faltaram, claro. Aliás, quando papai entrou, fo

i saudado com uma salva de palmas.

No palco havia No palco havia uma mesa e du uma mesa e duas tribunas. Na as tribunas. Na
mesa, a diretora mesa, a diretora do colégio, prof do colégio, profess

ora Aríete, e o Armando, coordenador do debate. A diretora disse iretora disse que aquele era
um que aquele era um

grande momento para o Horizonte, um momento em grande momento para o Horizonte, um


momento em que os alunos mostrariam como é po os alunos mostrariam como é po

ssível extrair lições do passado. Armando explicou as regras do debate: das tribunas,

Queco e Gê defenderiam pontos de vista diferentes. No final, a No final, a palavra estaria à dis
palavra estaria à dis

posição. E chegaríamos a uma conclusão através de voto.

Queco falou pri Queco falou primeiro. Para ele, meiro. Para ele, Antônio Conselheiro Antônio
Conselheiro era o Brasil era o Brasil velho, o Brasil velho, o Brasil

retrógrado, o Brasil das crendices - oposto ao retrógrado, o Brasil das crendices - oposto ao
Brasil moderno. E, para comparação, ci sil moderno. E, para comparação, ci

tou o acontecido em Mar-de-Dentro:

-- Uma grande -- Uma grande represa foi co represa foi construída lá. Mui nstruída lá. Muita
gente achou ta gente achou um absurdo, mu um absurdo, muita gente ita gente

protestou. Mas a represa diminui os problemas da seca. Além disso, faz funcionar Além disso,
faz funcionar

uma usina elétrica, que fornece energia, que permite o funcionamento de fábricas, qu

e dá emprego a muita gente...

Gê, por sua Gê, por sua vez, disse que vez, disse que ninguém era c ninguém era contra o
progress ontra o progresso. Mas uma co o. Mas uma coisa é o prog isa é o progres

so e outra é respeitar os direitos das so e outra é respeitar os direitos das pessoas: pessoas:

-- Os que m -- Os que me conhecem sabem e conhecem sabem que eu nunca que eu nunca
apoiaria um líd apoiaria um líder tipo Antônio er tipo Antônio Conselheir Conselheir

o. Agora: temos de reconhecer que Canudos preenchia uma necessidade na vida dos

sertanejos pobres, desamparados. Não era só uma questão de religião. Em Canudos, havia t

rabalho, inclusive para os negros e para os índios. Em Canudos havia uma escola. E Canudos
havia uma escola. E
m Canudos eram proibidos o álcool e a m Canudos eram proibidos o álcool e a prostituição.
prostituição. Não é de admirar que o pessoal fosse Não é de admirar que o pessoal fosse p

ara lá em massa. Canudos chegou a ter ara lá em massa. Canudos chegou a ter 25 mil habita 25
mil habitantes -- era a segunda maior cid ntes -- era a segunda maior cid

ade da Bahia, perdendo só para Salvador. Agora: qual foi a atitude das autoridades a atitude
das autoridades

diante desse movimento? Repressão violenta. Uma guerra que durou um ano erra que durou
um ano e mobiliz e mobiliz

ou dez mil soldados e terminou em massacre: não ou dez mil soldados e terminou em
massacre: não sobrou ninguém vivo em Canudos. rou ninguém vivo em Canudos.

Depois que fala Depois que falaram, a palavra ram, a palavra foi colocada à foi colocada à
disposição do p disposição do público. Muita gen úblico. Muita gente queria te queria

falar, e o Armando até falar, e o Armando até teve certo trabalho para co teve certo trabalho
para controlar o tempo, mas tod ntrolar o tempo, mas todos se m

anifestaram. Já íamos passar à votação quando, lá do fundo, alguém falou:

-- Eu queria dizer algumas algumas palavras. palavras.

Voltamo-nos. Era Voltamo-nos. Era o Jesuíno. Não o Jesuíno. Não o tínhamos visto o
tínhamos visto entrar, e se entrar, e se tivéssemos visto, tivéssemos visto, não o te não o te

ríamos reconhecido: cortara o cabelo, aparara a barba, usava uma camiseta branca,

co: um enfermeiro cio hospital psiquiátrico onde el jeans e um par de tênis. jeans e um par de
tênis. Acompanhava-o, mas dicreta Acompanhava-o, mas dicretamente, um homem de aventa
e estava sendo tratado. mente, um homem de avental bran

-- Vá em frente em frente - disse - disse Armando, um Armando, um tanto surpre tanto


surpreso.

-- Ouvi o q -- Ouvi o que vocês falaram ue vocês falaram - disse Jesuíno, - disse Jesuíno, numa
voz grave, numa voz grave, profunda - e profunda - e gostei m gostei m

uito.

Hesitou. Hesitou. Evidentemente, Evidentemente, era-lhe era-lhe difícil difícil falar:

(p. 106)

-- Quero dar o depoimento de alguém que -- Quero dar o depoimento de alguém que viveu
uma s viveu uma situação angustiante. O Queco menc ituação angustiante. O Queco menc

ionou a represa de Mar-de-Dentro e disse que algumas pessoas foram contra.

Nova pausa.

-- Bem, eu -- Bem, eu fui contra. Não fui contra. Não contra a repr contra a represa. Não
contra esa. Não contra a usina. O qu a usina. O que me deixou e me deixou i
ndignado foi a maneira com que os responsáveis pela obra nos trataram, a mim e aos nos
trataram, a mim e aos

outros. Nós éramos simplesmente obstáculos que tinham de ser removidos. Mas aquelas t

erras, gente, eram a minha vida, a nossa erras, gente, eram a minha vida, a nossa vida. Não
vida. Não eram só uma fonte de sustento, er eram só uma fonte de sustento, er am a minha
história, a história da minha am a minha história, a história da minha família, u família, uma
herança que eu tinha de preservar. ma herança que eu tinha de preservar.

Calou-se, ofegante: Calou-se, ofegante: era visível o era visível o esforço que ti esforço que
tinha feito para nha feito para dizer aquelas dizer aquelas coisa

s.

-- Mas os h -- Mas os homens - prossegui omens - prosseguiu - não esta u - não estavam
interessados vam interessados nisso. Limitaram-se nisso. Limitaram-se a m

e oferecer uma indenização - ridícula, aliás. A outras pessoas eles enganaram, dizendo q

ue a represa seria um pólo de ue a represa seria um pólo de atração turística, qu atração


turística, que traria muito dinheiro para a e traria muito dinheiro para a região. região.

Até distribuíram uns prospectos coloridos, mostrando uma praia com coqueiros e tudo

e os dizeres: "O sertão vai virar praia e os dizeres: "O sertão vai virar praia -- uma prai -- uma
praia elegante, uma praia da moda". a elegante, uma praia da moda".

A gente ali lutando pela sobrevivência e aqueles homens falando em praia da moda. falando
em praia da moda.

Vocês podem imaginar algo mais desrespeitoso?

Respirou fundo, Respirou fundo, murmurou alguma murmurou alguma coisa, como coisa,
como se estivesse se estivesse falando sozinho: falando sozinho: era

evidente a sua perturbação. Mesmo assim, e fazendo um visível esforço, continuou:

-- A minha -- A minha reação, reconheço, reação, reconheço, foi violenta: foi violenta: vocês
mesmos são vocês mesmos são testemunhas disso. testemunhas disso. Eu estav Eu estav

a doente, muito doente, e peço desculpas a todas a doente, muito doente, e peço desculpas a
todas as pessoas a quem, na minha loucu pessoas a quem, na minha loucu

ra, agredi, a começar por meu filho, de ra, agredi, a começar por meu filho, de quem tanto
quem tanto me orgulho e de quem este colégio me orgulho e de quem este colégio

tão bem cuidou: obrigado, gente. Obrigado à direção, obrigado aos professores - o, obrigado
aos professores - o Arman o Arman

do, que aqui está, e que do, que aqui está, e que é um verdadeiro mestre, a é um verdadeiro
mestre, a Cíntia -, obrigado aos co Cíntia -, obrigado aos colegas do Zé, legas do Zé,

o Gê, o Gui, a Martinha.

(p. 107)
Eles foram mais Eles foram mais do que amigos, do que amigos, foram irmãos, foram irmãos,
estavam do lado estavam do lado do meu filho do meu filho no mom

ento em que ele mais precisou, no momento em ento em que ele mais precisou, no momento
em que cometi um erro terrível. Sei que meti um erro terrível. Sei que

vou responder na justiça pelo que fiz. E vou responder na justiça pelo que fiz. E se tiver d se
tiver de pagar, pagarei. Eu só quero evi e pagar, pagarei. Eu só quero evi

tar que, no futuro, outros casos iguais ao meu tar que, no futuro, outros casos iguais ao meu
aconteçam. Eu só quero evitar que sur teçam. Eu só quero evitar que sur

ja um novo Antônio Conselheiro, um novo Jesuíno Pregador. Para isso, é gador. Para isso, é
preciso que a g preciso que a g

ente compreenda as pessoas, que a gente aceite as diferenças. É iferenças. É preciso que
sejamos preciso que sejamos

mais solidários. É preciso que sejamos irmãos. É preciso -- Interrompeu-se, soluçando. Um

instante de silêncio - e aí, como se instante de silêncio - e aí, como se fosse uma cois fosse uma
coisa combinada, todos aplaudiram. Ap a combinada, todos aplaudiram. Ap

oiado no enfermeiro, e no Zé, Jesuíno retirou-se, sempre sob aplausos.

E por fim v E por fim veio a votação eio a votação final. A pergun final. A pergunta era: "Se ta
era: "Se Canudos acontecesse Canudos acontecesse hoje, você s hoje, você s

eria a favor de uma intervenção armada?" Recolhidos os votos e os votos e feita a apuração,
Armando feita a apuração, Armando

leu os resultados: 126 apoiariam uma intervenção armada, 584, não. De rmada, 584, não. De
novo, uma chuva novo, uma chuva

de palmas. E algumas vaias, claro.

Encerramos a Se Encerramos a Semana de Cultura mana de Cultura com o Baile com o Baile
de Canudos. B de Canudos. Baile à fantasia: aile à fantasia: uns vie uns vie

ram de sertanejos, outros de soldados, vários de Antônio Conselheiro. Foi um baile a

nimadíssimo, começando com um forró como aqueles de antigamente - até o antigamente -


até o Zé dançou, com a Mar Zé dançou, com a Mar

tinha.

E a festa t E a festa terminou, claro, c erminou, claro, com um Carnaval. om um Carnaval.


Dizem que no Dizem que no Brasil as coisas Brasil as coisas semp

re terminam em Carnaval. Mas - no sertão re terminam em Carnaval. Mas - no sertão ou na


prai ou na praia - é um grande jeito de terminar a - é um grande jeito de terminar

as coisas.

(p. 110)

Outros olhares olhares sobre Os sertões sertões


Depois de ler Depois de ler a história de a história de Gui e seus a Gui e seus amigos, escrita p
migos, escrita por Moacyr Scliar, or Moacyr Scliar, saiba

como outros artistas se inspiraram no clássico de Euclides da Cunha.

(p. 111)

Das páginas páginas para as tetas,

uma obra que não se rende ao

tempo

Os sertões Os sertões conquistou enorme conquistou enorme sucesso desde sucesso desde
seu lançament seu lançamento, em 19 o, em 1902, proporcionand 02, proporcionando

ao autor a indicação para a ao autor a indicação para a Academia Brasileira de Academia


Brasileira de Letras e para o Instituto Hi Letras e para o Instituto Históric

o e Geográfico Brasileiro, em 1903. A obra máxima de Euclides da Cunha nasceu de tin Euclides
da Cunha nasceu de tin

ia reportagem para o jornal O Estado de ia reportagem para o jornal O Estado de S. Paulo, q S.


Paulo, que em 1897 o enviou a Canudos ue em 1897 o enviou a Canudos

, na Bahia, para a cobertura da , na Bahia, para a cobertura da campanha militar co campanha


militar contra Antônio Conselheiro e seus ntra Antônio Conselheiro e seus seguidores. Após
três anos de escrita (de 1898 seguidores. Após três anos de escrita (de 1898 a 1901). Os
sertões já não era apenas um r 901). Os sertões já não era apenas um r

elato jornalístico, mas uma obra única, repleta de informações, comentários e reflexões que

denunciam as condições de vida das camadas mais pobres do sertão res do sertão nordestino.
nordestino.

(p. 112)

Há mais de cem anos a

Guerra de Canudos coloriu de

vermelho-sangue o árido

sertão baiano. Mas foi nas

explosões de branco e nas

famosas imagens contra a luz

de Glauber Rocha, um dos

maiores cineastas

brasileiros, que a carga

dramática que envolveu o

fato chegou com toda a sua


intensidade às telas de

cinema, O tema do

messianismo, a religiosidade

do sertanejo, a inclemência

do sol, da miséria e da

seca, a hegemonia dos

coronéis e o descaso do

governo e das autoridades

receberam um tratamento

singular, aclamado

mundialmente, em Deus e o

Diabo na terra do sol (1964)

e em O santo guerreiro

contra o dragão da maldade -

Antônio das Mortes (1969).

Em comemoração Em comemoração ao centenário de ao centenário de Canudos, em 1997


Canudos, em 1997, outra superpro , outra superprodução do cinema dução do cinema brasilei
brasilei

ro chegaria às telas: Guerra de Canudos, do cineasta Sérgio Rezende. Épico de a Sérgio


Rezende. Épico de grande i grande i

mpacto visual, recria a fundação e destruição do arraial de Canudos a raial de Canudos a partir
da história d partir da história d

e uma família sertaneja que se une aos e uma família sertaneja que se une aos fiéis de Ant fiéis
de Antônio Conselheiro e juntos tentam re ônio Conselheiro e juntos tentam re

sistir aos vários ataques dos soldados.

A transposição A transposição do clássico de do clássico de Euclides da Cu Euclides da Cunha,


da estante nha, da estante para as telas, para as telas, não parou p não parou p

or ai. São inúmeras as produções que, de or ai. São inúmeras as produções que, de forma dire
forma direta ou indireta, abordam o tema: ta ou indireta, abordam o tema:

Euclides da Euclides da Cunha (1944) Cunha (1944) - Documentário - Documentário dirigido e


dirigido e apresentado p apresentado por Carlos or Carlos Gaspar

retrata a biografia do autor de retrata a biografia do autor de Os sertões, evocan Os sertões,


evocando a época em que viveu e, sobret do a época em que viveu e, sobret

udo, a guerra de Canudos, quando filmava Deus e udo, a guerra de Canudos, quando filmava
Deus e o Diabo na terra do sol. iabo na terra do sol.
(p. 113)

Antônio Conselheiro Antônio Conselheiro e Canudos (1977) e Canudos (1977) - Trabalho da -


Trabalho da Rede Globo, p Rede Globo, produzido para o roduzido para o

Globo Repórter, Repórter, aborda aspectos aspectos históricos históricos e traz depoimentos
depoimentos de moradores moradores da região

de Canudos.

Canudos (1978) Canudos (1978) - Dirigido por - Dirigido por Ipojuca Pontes Ipojuca Pontes e
narrado por e narrado por Walmor Chagas, Walmor Chagas, esse

documentário apresenta depoimentos de remanescentes da guerra e de moradores da r

egião do conflito.

Memórias de Deu Memórias de Deus e o Diabo s e o Diabo em Monte Sant em Monte Santo e
Cocorobó o e Cocorobó (1984) - Dirigid (1984) - Dirigido por Agnaldo o por Agnaldo

Siri Azevedo, evoca os caminhos percorridos por Glauber Rocha, na região auber Rocha, na
região de Canud de Canud

os, quando filmava Deus e o Diabo na os, quando filmava Deus e o Diabo na terra do sol. terra
do sol.

República de Ca República de Canudos (1989) - nudos (1989) - Premiado trabalho Premiado


trabalho dos diretores Po dos diretores Pola Ribeiro e la Ribeiro e Jor

ge Felippi, traz à tona a memória de ge Felippi, traz à tona a memória de Antônio Consel
Antônio Conselheiro, que resiste no cotidiano, na heiro, que resiste no cotidiano, na

fantasia e até na forte fantasia e até na forte religiosidade das comunida religiosidade das
comunidades sertanejas. des sertanejas.

Desejo (1990) - Minissérie Minissérie produzida produzida que Rede Globo, acentua acentua
o aspecto aspecto trágico trágico qu

e envolveu a vida de Euclides da e envolveu a vida de Euclides da Cunha, quando sua Cunha,
quando sua esposa, Ana de Assis, passa a esposa, Ana de Assis, passa a

se relacionar amorosamente com um jovem oficial do Exército. O Exército. O adultério


culminaria adultério culminaria no assassinato do escritor e, após, também de no assassinato
do escritor e, após, também de seu filho, que tenta vingar a honra d filho, que tenta vingar a
honra d

a família.

Paixão e guerra Paixão e guerra no sertão de no sertão de Canudos(1993) - Canudos(1993) -


Documentário de Documentário de extraordinário suces extraordinário sucesso de

público e crítica, dirigido por Antônio Olavo e público e crítica, dirigido por Antônio Olavo e
narrado por José Wilker, conta de forma rrado por José Wilker, conta de forma

aprofundada a epopéia sertaneja de Canudos.


A Matadeira A Matadeira (1994) - (1994) - Curta-metragem Curta-metragem premiado, dirigi
premiado, dirigido por J do por Jorge Furtado, orge Furtado, narr

a o massacre de Canudos a partir a o massacre de Canudos a partir de um canhão inglê de um


canhão inglês, apelidado pelos sertanejos de s, apelidado pelos sertanejos de

"A Matadeira".

Os sertões (199 Os sertões (1995) - Documentário 5) - Documentário produzido pela


produzido pela TV Cultura e TV Cultura e dirigido por Cri dirigido por Cristina

Fonseca, faz uma reconstituição histórica da campanha de Canudos, com imagens do nha de
Canudos, com imagens do loca

l e depoimentos de descendentes dos revoltosos, além da opinião de especialistas.

(p. 114)

Canudos, uma hi Canudos, uma história sem fim stória sem fim (1996) - Produ (1996) -
Produzido pelo Instit zido pelo Instituto de Radiodifus uto de Radiodifusão Ed

ucativa da Bahia e TV Educativa, traz imagens do ucativa da Bahia e TV Educativa, traz imagens
do Arraial de Canudos, cenas do fi raial de Canudos, cenas do fi

lme Guerra de Canudos, de Sérgio Rezende, e depoimentos de pessoas da ntos de pessoas da


região. região.

Das telas Das telas do cinema do cinema e da Tv e da Tv para as para as telas das telas das
artes plástica artes plásticas

Se a epopéia Se a epopéia de Canudos semp de Canudos sempre apaixonou a re apaixonou a


opinião pública, opinião pública, não encantou meno não encantou menos os pint s os pint

ores e artistas plásticos. Há uma série de obras ores e artistas plásticos. Há uma série de obras
de arte que resultam de leituras de a arte que resultam de leituras de a

rtistas consagrados. Muitas vezes, ao ilustrar o clássico, eles oferecem um novo o

lhar sobre Os sertões. Destacamos alguns deles:

O escritor O escritor Napoleon Potyguar Napoleon Potyguara Lazzarotto, a Lazzarotto, mais


conhecido mais conhecido como Poty, como Poty, foi convid foi convid

ado, em 1956, para ilustrar uma edição especial de Os sertões. Destacou-se como um gra
sertões. Destacou-se como um gra

nde ilustrador não apenas do clássico de Euclides da Cunha, mas a Cunha, mas de primorosas
edições do de primorosas edições do

s principais expoentes da nossa literatura. Disse, um dia, o filólogo Antônio Houais

s a respeito de seu trabalho: "nunca a s a respeito de seu trabalho: "nunca a fusão verbo- fusão
verbo-ícone atingiu tão intrínseca adequação" ícone atingiu tão intrínseca adequação" q

uanto na obra de Poty.


Aldemir Martins, Aldemir Martins, cearense nascido cearense nascido e crescido na e crescido
na região do cangaç região do cangaço, é outro gr o, é outro grande ar ande ar

tista brasileiro que voltou seu olhar para Os sertões. "Com suas es. "Com suas figuras ossudas,
figuras ossudas,

de cones rasos e secos e de cones rasos e secos e nuances de cor, como disfa nuances de cor,
como disfarces contra a realidade a rces contra a realidade agres

te dos sertões (...) obra sempre casada com seu te dos sertões (...) obra sempre casada com
seu chão, sua terra e suas origens", com o, sua terra e suas origens", com

o observava Hélio Alves Neves, Aldemir trouxe toda a sua criatividade para as ilus criatividade
para as ilus

trações da 27º edição da obra de trações da 27º edição da obra de Euclides da Cunha. Euclides
da Cunha.

(p. 115)

Retratista fiel Retratista fiel dos costumes, cr dos costumes, crenças e tradiçõe enças e
tradições do povo ba s do povo baiano, considerado iano, considerado por mu

itos o mais característico pintor das cores e da itos o mais característico pintor das cores e da
alma da Bahia, o argentino Carybé t ma da Bahia, o argentino Carybé t

ambém emprestou sua criatividade para ilustrar Os sertões. Com poucos e certeiros go

lpes de pincel, conseguiu resumir a messiânica figura de Antônio Conselheiro.

Canudos vol Canudos volta a levantar mul levantar multidões: Os tidões: Os sertões p sertões
pede passagem ede passagem

Não há dúvidas Não há dúvidas de que a hist de que a história de Canudos ória de Canudos já
é uma pai já é uma paixão nacional. Em xão nacional. Em 1976, essa paixã 1976, essa paixão

tiniria a outra: o Carnaval. Os apaixonados pelo assunto sempre se lembrarão de sunto sempre
se lembrarão de um

Os sertões": inesquecível samba nota 10 da escola de inesquecível samba nota 10 da escola


de samba cari samba carioca Em Cima da Hora, intitulado oca Em Cima da Hora, intitulado

Marcados Marcados pela própria própria

natureza

O Nordeste Nordeste do meu Brasil

Oh! solitário solitário sertão

De sofrimento sofrimento e solidão solidão

A terra é seca

Mal se pode cultivar cultivar

Morrem as plantas e foge o ar


A vida é triste nesse lugar

Sertanejo Sertanejo é forte

Supera miséria miséria sem fim Sertanejo Sertanejo homem forte

Dizia o poeta assim

Foi no século passado passado

No interior interior da Bahia

Um homem revoltado revoltado com a sorte

Do mundo era que vivia

Ocultou-se Ocultou-se no sertão

Espalhando Espalhando a rebeldia rebeldia

Se revoltando revoltando contra a lei

Que a sociedade sociedade oferecia oferecia

Os jagunços lutaram

Até o final

Defendendo Defendendo Canudos Canudos

Naquela Naquela guerra fatal.

Mas essa não Mas essa não seria a única seria a única vez que a vez que a epopéia narrada
epopéia narrada por Euclides da por Euclides da Cunha se tornar Cunha se tornar

ia samba-enredo, Em 2001, uma escola de São Paulo, a Imperador do Ipiranga, levant


Imperador do Ipiranga, levant

ou multidões das arquibancadas com o samba "Imperador da Velha República", tendo com

o destaque o carro alegórico da Revolta de Canudos.

(p. 116)

Os versos do Os versos do samba ressaltam samba ressaltam a história dos a história dos
primeiros anos d primeiros anos da República e a República e lembram lembram

os motivos que trouxeram à cena brasileira líderes como Padre Cícero, Lampião e como Padre
Cícero, Lampião e Antônio Co Antônio Co

nselheiro.

E o sen E o senão vai v ão vai virar mar, irar mar, na profecia na profecia e na ca e na canção

Quem já não Quem já não ouviu a profecia ouviu a profecia de Antônio Cons de Antônio
Conselheiro, de que elheiro, de que o sertão viraria o sertão viraria praia, po praia, po

pularizada na canção "Sobradinho", de Sá e Guarabyra?

"(...)
E passo a passo vai cumprindo cumprindo a

[profecia

Do beat Do beato que dizia q dizia que o sertão ia

[alagar

E o sertão vai tirar vai tirar mar lá no

[coração

Com medo que algum dia o mar

[também [também vire sertão" sertão"

Outros grandes Outros grandes compositores e in compositores e intérpretes de nos


térpretes de nossa MPB também sa MPB também se inspiraram n se inspiraram na cam

panha de Canudos para suas canções.

Em 1978, Em 1978, no disco no disco Camaleão/Edu L Camaleão/Edu Lobo da g obo da


gravadora Philips ravadora Philips, Edu Lo , Edu Lobo interpretaria bo interpretaria

uma bela canção, de sua uma bela canção, de sua autoria em parceria com Ca dos passos do
beato Conselheiro, o retrato das dos passos do beato Conselheiro, o retrato das cre autoria
em parceria com Cacaso, intitulada "Canudos crenças e descrenças do sertanejo: caso,
intitulada "Canudos". Através nças e descrenças do sertanejo: ". Através

Inhambupe Inhambupe Bom conselho conselho

Jacobina. Jacobina. Chorrocbó Chorrocbó

Monte Santo, Mundo Novo

Lagoinha, Lagoinha, Quixadá Quixadá

Entre Rios, Belos Montes

Quem é esse que vaguem

Conselheiro Conselheiro que tonteia tonteia

Que apela sem chegar

Que horizonte horizonte mais

errante

Que crendice crendice mais

descrente

Que descrença descrença mais distante

Que distância distância mais

presente

Desgoverno Desgoverno governante governante


Quanta gente confiante confiante

Em Antônio Antônio Penitente Penitente

Quando o céu virasse virasse a terra

Como um rio sem

nascente

Quando a espada entrá na

pedra

Quando o mar virá afluente afluente

Que paixão insatisfeita insatisfeita

Que vingança vingança mais demente demente

Virgem santa decaída decaída

Satanás Satanás onipotente onipotente

Baioneta Baioneta faca cega

Parabelo Parabelo bacamarte bacamarte

Sofrimento Sofrimento que renega

Desavença Desavença que reparte reparte

Entre Rios, Belos Montes

Que distancia distancia mais presente presente

Quanta gente confiante confiante

Em Antônio Antônio Penitente Penitente

(p. 117)

Em 1997 é l Em 1997 é lançado o CD c ançado o CD canudos, produzido anudos, produzido


pela CPCUmes e pela CPCUmes e distribuído pela distribuído pela Eldorado. Eldorado.

Seu autor é o cantor, compositor e violonista Gereba, nascido na a, nascido na região do


conflito. região do conflito.

Nesse disco, cada música é uma Nesse disco, cada música é uma cena, retratando a cena,
retratando a geografia, a cultura, as tradiçõ geografia, a cultura, as tradições e

a sensível caracterização dos personagens do épico de Euclides da Cunha. "É o de Euclides da


Cunha. "É o que Euclides que Euclides

da Cunha faria, se fosse músico", foi da Cunha faria, se fosse músico", foi o que mais s o que
mais se ouviu na mídia, na época do lançame e ouviu na mídia, na época do lançame

nto do CD.
Eis algumas out Eis algumas outras composições d ras composições de músicos ilustr e
músicos ilustres, disponíveis es, disponíveis em CD, que tê em CD, que têm como tema m
como tema

a epopéia de Canudos:

"Monte Santo", "Monte Santo", de Hermeto Pascho de Hermeto Paschoal e João Bá al e João
Bá. Disco Lagoa . Disco Lagoa da Canoa Municí da Canoa Município de Arap pio de Arap

iraca (Hermeto Paschoal, 1984). Gravadora Som da Gente.

"Ladainha pra C "Ladainha pra Canudos", de João anudos", de João Bá e Gereba. Bá e Gereba.
Disco Carrancas Disco Carrancas 1- II (João 1- II (João Bá. 1994). Gr Bá. 1994). Gr

avadora Independente.

"Uauá" e "Uauá" e "Canudos", de "Canudos", de Tom Zé e Zé Miguel Wisnik. iguel Wisnik.


Disco

Para belo (Tom Para belo (Tom Zé. Zé Miguel Zé. Zé Miguel Wisnik e Grupo Wisnik e Grupo
Como. 1997). Pro Como. 1997). Produtora Grupo Corp dutora Grupo Corpo Músic o Músic

a Instrumental.

"Hora de Zumbi "Hora de Zumbi zanzar" e "Cercan zanzar" e "Cercanias de Canudos", ias de
Canudos", de João Bá de João Bá e Hermeto Paschoa e Hermeto Paschoal. Di

sco Ação dos Bacurau.s Cantantes (João Bá, 1997). Gravadora independente.

Outros olhares, olhares, outras

leituras

Messias ou fals Messias ou falso profeta, revolu o profeta, revolucionário ou louc cionário ou
louco, até hoje o, até hoje a figura de A a figura de Antônio Cons ntônio Cons

elheiro continua alimentando o imaginário e a religiosidade dos sertanejos, como a

testam diversas publicações de literatura de testam diversas publicações de literatura de


cordel.

(p. 118)

Mas não é a Mas não é apenas no imaginár penas no imaginário dos sertanejo io dos
sertanejos e nas linh s e nas linhas de cordel as de cordel que Conselheiro que Conselheiro

e Canudos permanecem eternos. São inúmeras as publicações, literárias ou não, que resultam

de releituras que seus autores fizeram de Os sertões. Entre elas, três s. Entre elas, três
merecem desta merecem desta

que:

A guerra do A guerra do fim do mundo, fim do mundo, de Mano Vargas de Mano Vargas
Llosa, publicado Llosa, publicado pela editora Fr pela editora Francis

co Alves. Ficção em que o consagrado escritor peruano recria o no recria o universo de


Canudos. universo de Canudos.
Canudos: a luta Canudos: a luta de José Guilherm de José Guilherme da Cunha. e da Cunha.
Recriação, em ve Recriação, em versos, da parte rsos, da parte de Os ser de Os ser

tões referente à luta. Por esse trabalho, o autor recebeu o ecebeu o primeiro prêmio em
concurs primeiro prêmio em concurs

o promovido, em 1989, pela Academia de Letras da o promovido, em 1989, pela Academia de


Letras da Bahia.

Canudos, o povo Canudos, o povo da terra, de da terra, de Marco Antonio V Marco Antonio
Villa. Publicado illa. Publicado pela Ática. Estud pela Ática. Estudo h

istórico que reconstrói a vida dos conselheiristas, os atritos com o Estado republic

ano e a destruição do Arraial de ano e a destruição do Arraial de Canudos, através d Canudos,


através de uma criteriosa analise das font e uma criteriosa analise das fontes

e com o auxilio de e com o auxilio de documentos inéditos. documentos inéditos.

Pelo olhar Pelo olhar dos fotógrafo dos fotógrafos, imagens s, imagens tão ricas tão ricas
quanto pala quanto palavras

A única fotogra A única fotografia de Antonio fia de Antonio Conselheiro, tirad Conselheiro,
tirada por Flávio a por Flávio de Barros em de Barros em Canudos, Canudos,

em 6 de outubro de em 6 de outubro de 1897, foi feita 14 dias após su 1897, foi feita 14 dias
após sua morte. Depois do l a morte. Depois do laudo médico, audo médico,

o corpo foi decapitado e a cabeça enviada para o corpo foi decapitado e a cabeça enviada para
Salvador.

(p. 119)

Em 1947, ano Em 1947, ano do cinqüentenário do cinqüentenário da Guerra de da Guerra de


Canudos, fotógrafo Canudos, fotógrafo e etnólogo fra e etnólogo francês Pierre ncês Pierre

Verger acompanhou o jornalista Odorico Tavares a Canudos para uma reportagem so

bre o roteiro de Euclides da Cunha, a bre o roteiro de Euclides da Cunha, a ser publicada ser
publicada na revista 9 Cruzeiro. Poste na revista 9 Cruzeiro. Poste

riormente, o trabalho, que contém imagens de sobreviventes da guerra, foi transfor

mado no livro Bahia, imagens da terra e mado no livro Bahia, imagens da terra e do povo, ed
do povo, edição em 1951. ição em 1951.

Existem vários Existem vários outros trabalhos outros trabalhos fotográficos que fotográficos
que dialogam com Os dialogam com Os sertões. Dentre sertões. Dentre ele

s, merecem destaque:

Sertões: luz e trevas, de Mauren Bisilliat (com textos de Euclides da Cunha). A Euclides da
Cunha). A

fotógrafa visitou o sertão nordestino em 1980, em busca da paisagem e usca da paisagem e


dos tipos huma dos tipos huma
nos que povoam o texto de Euclides da nos que povoam o texto de Euclides da Cunha.

Paisagem, impressões Paisagem, impressões. O semi-árido . O semi-árido brasileiro, de


brasileiro, de Anna Mariani. Anna Mariani. Na voz da fot Na voz da fotógrafa: ógrafa:

(....) neste ensaio estão serras, vales, brejos, areias, lajeados, caatingas, mor

adas, vaqueiros, plantações, cabras, chuvas, estios, floradas, céus, , floradas, céus, nuvens,
manhãs, mei nuvens, manhãs, mei

os-do-dia e os extraordinários crepúsculos do sertão. Como pano de fundo, as pulsações de

Euclides e Suassuna?.

Como podemos no Como podemos notar a história tar a história de Antônio Con de Antônio
Conselheiro e seus selheiro e seus seguidores continua seguidores continua a

ganhar mais e mais admiradores e influenciar tantas outras criações. Descobrindo um

clássico como Os sertões, homenageamos seu clássico como Os sertões, homenageamos seu
autor. R autor. Reconhecendo seu talento, educamos econhecendo seu talento, educamos

nosso olhar para uma literatura de qualidade.

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