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INSTRUÇÕES PARA LER A SUA ALGOMAIS

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sumário
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Impelitatust, iour iodynestep

da página que você


Cone aut es rescitae coneNeque inverch
illabo. Excepe corit, vent,Im fugit, coris
nest anto eic teceproUptusant asitatu
repudam, conec

deseja ler e, assim, será


7.
Impelitatust, iour iodynestep
Cone scid es reperrorum ex eic temo ma nos Abore

automaticamente levado
quam nonsequissit utam, que niendam venia dolendae
nusam sim dolorera coratustis eat alia ea se am velitam
nos rempos di rae. Nam qui con reprepe llestia ne sum

à página de leitura de sua 12.


22. Impelitatust, iour
iodynestep
Cone aut es rescitae coneNeque
inverch illabo. Excepe corit, vent,Im

preferência. Impelitatust, iour


iodynestep
Cone aut es rescitae
coneNeque inverch illabo.
fugit, coris nest anto eic
33. Impelitatust, iour
iodynestep
Excepe corit, vent,Im fugit, Cone aut es rescitae coneNeque
coris nest anto eic tece- inverch illabo. Excepe corit, vent,Im
proUptusant asitatu fugit, coris nest anto ei

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Ed. 240 | Outubro 23

Boa Leitura!

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Ed. 240 | Outubro 23
editorial
Cláudia Santos - Editora Geral Nº 240 - Outubro/2023

Vários estudos sobre as mudanças climáticas revelam que as populações de baixa


renda são muito mais afetadas pelos eventos extremos do clima do que as classes mais
favorecidas. Trata-se de uma realidade mundial à qual o Recife não escapa. É o que mos-
tra a segunda reportagem da série 3 Rios, 3 Comunidades 3 Destinos, que nesta edição
aborda a dramática situação das pessoas que moram próximas ao Rio Tepijió.
A boa notícia é que as soluções já começam a surgir. Um exemplo é o Promorar Recife,
iniciativa da prefeitura. Além de fazer o monitoramento dos riscos e organizar medidas de
emergência de socorro à população, o programa prevê ações criativas como a compra
assistida. Nela o morador demonstra interesse por uma outra casa, num local que não
alaga, que foi posta à venda e é adquirida pelo poder municipal. Outra alternativa é o reas-
sentamento por permuta, no qual os moradores que precisam ser reassentados, mas não
querem sair da região, podem trocar de imóvel com outra família que deseja se mudar.
Na entrevista da edição conversamos com Evandro Carvalho, professor da FGV Di-
reito Rio, que defende uma maior aproximação do Brasil, em especial de Pernambuco,
com a China. O Gigante Asiático, segundo ele, pode contribuir para o desenvolvimento
da infraestrutura local, principalmente a digital.
Confira os eventos sobre o meio ambiente no Recife na coluna Algomais Sustentabili-
dade e a crônica de Bruno Moury sobre a sua incursão na escrita criativa.
Boa leitura!

expediente Nossa Missão


Prover, com pautas ousadas, inovadoras e imparciais, informações
Diretoria Executiva Editoria Geral Redes Sociais de qualidade para os leitores, sempre priorizando os interesses,
Ricardo de Almeida Cláudia Santos Rafael Dantas fatos e personagens relevantes de Pernambuco, sem louvações
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Dionízio Alves Cláudia Santos Henrique Pereira dos conteúdos editorial e comercial publicados.
dionizio@tgi.com.br Rafael Dantas
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Os artigos publicados são de inteira e única responsabilidade de seus


| Setembro

Diretoria de Inovação Editoria de Arte respectivos autores, não refletindo obrigatoriamente a opinião da revista.
Mariana de Melo Rivaldo Neto
| Outubro

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Beatriz Braga, Carla Miranda, Cláudia Santos, Dionízio Alves, Fábio Menezes, Fátima Endereço: Rua Barão de Itamaracá, 293 Espinheiro
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Dantas, Ricardo de Almeida, Rivaldo Neto, Teresa Ribeiro e Tiago Siqueira www.algomais.com

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www.assiespe.org.br @assiespe.oficial contato@assiespe.org.br


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sumário

30.
MORADIA VULNERÁVEL
Segunda reportagem da série 3 Rios, 3 Comunidades, 3
Desafios mostra a dramática situação das pessoas que residem
perto do Tejipió. Ano passado foi o período mais crítico, em
razão das chuvas que elevaram o rio a um nível nunca visto.
A esperança vem do programa Promorar Recife, iniciativa da
prefeitura.

Mais Perto da China

10.
Evandro Carvalho, professor da FGV Direito Rio,
afirma que o Brasil e, em especial Pernambuco,
ainda não atentaram para as vantagens de estreitar
as relações com a China. Ele destaca que o país
asiático pode contribuir para ampliar a infraestrutura,
principalmente no campo das novas tecnologias.

49. Ninho de Palavras


Bruno Moury conta sua experiência
como aluno de curso de escrita criativa.
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25. Algomais Sustentabilidade


Seminário vai discutir o Recife e as
mudança climáticas.
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Foto: Rafaela Quintino
entrevista
EVANDRO CARVALHO
Professor da FGV Direito Rio lamenta que o Brasil não explore o potencial de
parcerias com os chineses, em especial em áreas como as novas tecnologias.
Ele ressalta que do total de investimento do Gigante Asiático no País, menos
de 1% foi destinado à economia pernambucana.

Pernambuco poderia ter


uma relação melhor
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com a China.
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E vandro Carvalho, professor da FGV Direito Rio, é um conhece-
dor da economia da China e da forma singular e prática como
os chineses realizam os negócios. Ele morou em Xangai de
2013 a 2015, quando atuou como senior scholar da Escola de Fi-
nanças e Economia da Universidade de Xangai. Em seguida, aju-
dou a fundar o Centro para Estudos do BRICS da Universidade de
Fudan, também em Xangai. Atualmente, está em Pequim, onde é
senior visiting da universidade local. Diante de toda essa vivência
na China, ele observa que o Brasil e, em especial, Pernambuco,
estão muito aquém do potencial que poderiam usufruir com as
relações econômicas com o Gigante Asiático.
Nesta entrevista a Cláudia Santos, Evandro Carvalho, que é per-
nambucano e também professor da Faculdade de Direito da Uni-
versidade Federal Fluminense, analisa os motivos que levam bra-
sileiros a não vislumbrarem as oportunidades com investimentos
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chineses. Ele destaca principalmente a área das novas tecnologias,


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que tiveram um grande desenvolvimento nas últimas décadas na


China e que podem favorecer a criação de uma infraestrutura ne-
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cessária para aumentar a competitividade e a eficiência do Brasil.

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Como o Brasil pode se beneficiar das relações econômicas
com a China, que tem investido na infraestrutura dos países?
Os investimentos da China no setor de infraestrutura são volta-
dos para portos, aeroportos ou ferrovias que contribuem para a
importação de produtos chineses. É normal que os bancos chine-
ses invistam onde identifiquem algo que vai favorecer empresas
chinesas naquele país. Muito embora uma boa parte dos investi-
mentos da China tenha sido em eletricidade e, mais recentemen-
te no Brasil, em energia eólica e solar. A China é uma produtora
de equipamentos, como geradores de energia solar. Os investi-
mentos beneficiam o Brasil, mas também a China.
O Brasil precisa identificar a sua prioridade, não só dentro dos
setores em que o País já tem uma presença, como o agronegócio,
exportação de soja, minério, petróleo. Quando se fala dos inves-
timentos chineses em infraestrutura, penso na infraestrutura do
digital, das novas tecnologias, que é um setor que está muito
aquém do potencial que pode ter. O Brasil poderia aproveitar o
superávit que tem com a China de US$ 28 bilhões para fortalecer
outros setores, outras infraestruturas importantes.

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Como o Brasil poderia desenvolver a relação econômica
nessas áreas?
No governo passado houve o problema em relação ao 5G da
Huawei, que criou um obstáculo desnecessário ao avanço de uma
agenda que é importante para o Brasil. A Huawei estava aqui des-
de o 2G, 3G, 4G e nunca houve nenhum tipo de suspeita de uso
dessa tecnologia que ela vende para as empresas de telecomuni-
cações do País. Ocorreu o contrário, o governo de Dilma Rousseff
foi espionado pelo Governo Obama. Não existe um fundamento
para o tipo de problema que foi levantado no governo passado
Isso criou um clima de quebra de confiança que atrasou parce-
rias que poderiam ser desenvolvidas não só no 5G, mas na com-
putação em nuvem, na inteligência artificial, no desenvolvimen-
to da economia digital, no uso dessas tecnologias para favorecer

No governo passado houve o problema em relação ao 5G


da Huawei. Isso criou um clima de quebra de confiança que
atrasou parcerias que poderiam ser desenvolvidas não só no
5G, mas na computação em nuvem, na inteligência artificial, no
desenvolvimento da economia digital.

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A China é muito habituada com a gestão de grandes volumes
de pessoas e de problemas. Consegue gerir grandes volumes de
dados, inclusive com a big data e a computação quântica que
ela desenvolveu de maneira extraordinária.

a infraestrutura necessária para aumentar a competitividade e a


eficiência do País. A China utiliza essa tecnologia para incremen-
tar toda a sua cadeia de valor, desde o processo de produção até
a entrega e toda a informação que circula nisso.
Nos inúmeros encontros focados na inovação que aconte-
cem nos hubs de tecnologia no Brasil, você mal vê a presença
de empresas chinesas ou parcerias com empresas chinesas. Na
China vemos a importância dos superaplicativos. Por trás de-
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les, há uma rede de logística poderosa que o Estado fornece.


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Então, há uma ausência muito grande de parcerias que pode-


riam ser feitas usando as novas tecnologias para, por exemplo,
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o setor de saúde.

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A China é muito habituada com a gestão de grandes volumes
de pessoas e de problemas. Consegue gerir grandes volumes de
dados, inclusive com a big data e a computação quântica que ela
desenvolveu de maneira extraordinária. Isso tudo ela usa na ges-
tão e na governança do país. Como aproveitar essas experiências
que a China tem e que o Brasil também tenta fazer da melhor for-
ma possível? Isso envolve o setor espacial, aéreo, de segurança.
Vez ou outra a gente vê notícia de alguns prefeitos de grandes
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cidades do Brasil que visitam a China para verificar como fazem a


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gestão da cidade, utilizando essa tecnologia. Mas ainda está mui-


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to aquém do potencial, considerando a realidade hoje da China


na área de tecnologia.
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Qual a razão dessa falta de interesse do Brasil em relação
a toda essa expertise da China?
Tem havido investimentos de empresas chinesas ou empresas
chinesas vindo para o Brasil na área de TI. Mas é muito aquém do po-
tencial. O problema tem diversas causas. Primeiro, há uma ausência
de clareza por parte do governo de uma política digital e de incre-
mento dessa nova infraestrutura que pudesse dialogar com a China.
O Brasil precisa intensificar mais essa discussão e ver quais são as
parcerias que poderiam ser feitas entre as instituições de pesquisas
sérias de ambos os lados, conectadas com os principais atores eco-
nômicos que atuam nos mercados estratégicos. A China tem inves-
tido em muitos setores e é preciso identificar quais seriam aqueles
que o Brasil tem interesse para poder estimular.
Falta também uma visão estratégica mais ampla. Darei um
exemplo: os trens bala. O que mais se escuta é que isso caro e é
mais complexo no Brasil por causa da topografia. Um trem bala
Rio/São Paulo vai passar por diversas cidades, o que pode provo-
car diversos problemas jurídicos em cada uma delas. Porém qual-
quer processo de mudança significativo da estrutura econômica
de um país não é feito de maneira simples e vai sempre requerer
custos e grandes obstáculos.
Trem bala na Estação Ferroviária de Tianjin.

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No passado quando se falava em
petróleo no Brasil, a quantida-
de de gente que dizia que
o País não tinha petróleo
era alta, depois, falava-
-se dos custos e, no
entanto, hoje o País
está autossuficien-
te. Na China, a es-
trutura de ferrovias
foi um componen-
te essencial para o
desenvolvimento do
país. Tudo isso per-
mite ter esses supera-
plicativos de entrega e
impulsionar toda uma área
tecnológica por trás, reduzir
custos, integrar o país. No Brasil, a
distribuição da população não tem uma
política pública por detrás que pense num processo indutor de
crescimento de determinadas regiões ou cidades, em função de
uma estratégia de desenvolvimento que passa, por exemplo, por
trens. E o Brasil é um país de território imenso como a China.
A China teria todo o interesse em discutir com o Brasil projetos
nessa área. Claro que isso envolve uma série de atores, interesses
múltiplos que não avançam nessa agenda. Por exemplo, ficou de
fora da visita de Lula à China uma parceria substantiva na área digi-
tal. A infraestrutura é chave para tudo. Quando se pensa em cons-
truir uma escola na China, o "x" da questão não é só a escola, é a
infraestrutura ao redor dela que vai permitir que os pais levem a
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criança de uma maneira rápida, que dali possam ir para o trabalho


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também de maneira rápida, tem que ter um hospital no raio de


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tantos quilômetros. Então se faz uma transformação na cidade, no


bairro. A China tem um jeito de pensar sistêmico.

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O senhor não acha que uma diferença crucial é o fato de
a China ser conhecida por priorizar o planejamento, algo
que tem sido ausente no Brasil?
Sim, a estrutura do sistema favorece e não apenas porque eles
são autoritários. Essa explicação escuto muito, mas acho-a muito
rasa. Muitos países têm características autocráticas e, no entanto,
não funcionam. Como há democracias que funcionam e outras,
não. Aqui os projetos nunca são de longo prazo porque os polí-
ticos estão a cada dois anos preocupados com a eleição, por isso
querem resultados rápidos e visíveis para a população.
A gente é ruim de planejamento. Já participei de alguns gover-
nos estaduais ou municipais, em que o governante vai apresentar
um projeto para investidor chinês e, no fundo, ele apresenta um
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PowerPoint. Isso não é projeto. Projeto tem análise, muita estatís-


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tica, estudos profundos. E, para agravar ainda mais, a gente é ruim


de execução. Disso resulta que o Brasil se torna difícil para parcerias
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de longo prazo, para um país estrangeiro investir, o que acaba au-


mentando o custo do dinheiro.
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Alguns Estados estão se dando melhor nessa busca por inves-
timentos chineses. Segundo o último relatório do Conselho Em-
presarial Brasil China, do total de recursos investidos pelo país no
Brasil em 2022, o Sudeste é o que recebe mais: 60%. Em 2019, o
Nordeste até que teve um número alto de investimentos, mas
agora está em 13%, dos quais Pernambuco não chega a 1%. É um
percentual baixíssimo considerando que o Consulado da China
no Nordeste está no Recife.

Como Pernambuco poderia incrementar seus negócios


com a China? O senhor falou em infraestrutura, existe um es-
forço no Estado para a construção da linha Salgueiro-Suape
da Transnordestina.
Pernambuco é um Estado que tem uma estrutura, tem capa-
cidade, tem universidades, tem empresas. Poderia ter uma rela-
ção melhor com a China. Os estados mais atuantes são Bahia, Rio
Grande do Norte e Ceará. Pernambuco está muito aquém. Não
sei qual seria a razão disso. Mas me parece que falta uma visão
em que o Governo do Estado ou a Prefeitura pudessem estabele-
cer um grupo de trabalho bem orientado para abrir um canal de

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diálogo com a China, de maneira frequente para identificar aque-
las oportunidades que atendam os interesses dos dois lados. Por
exemplo, eu até ajudei numa aproximação do Porto Digital com
a então cônsul de Recife (ela já voltou para a China). Houve uma
reunião. Mas, depois, que eu saiba, não houve desdobramentos.
No Brasil há grande desconhecimento da realidade chinesa e
uma visão estereotipada do país. Ainda escuto de pessoas, que
até fazem parte da elite econômica brasileira, dizendo que a Chi-
na é um país sujo. Mas você vai nas grandes cidades chinesas e
vê que são muito mais limpas e ordenadas que as nossas, muito
mais seguras inclusive. Tem aquela história de que a China só co-
pia, não é criativa. Pelo amor de Deus, isso é passado! Hoje a Chi-
na já é tendência em vários assuntos, a gente vê a força do TikTok,
dos superaplicativos.
E para piorar, passamos por um certo resgate de uma menta-
lidade da Guerra Fria. Vimos Trump com aquela história do vírus
chinês, achei aquilo de uma covardia brutal porque estigmati-
za uma população. O próprio ex-presidente Jair Bolsonaro criou
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problemas com o Huawei de maneira desnecessária. E ainda mais


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essa guerra tecnológica entre os EUA e China que gera conse-


quências. Não sei se isso afeta — eu acho que ainda não — o
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fato de Pernambuco não ser muito atuante nessa relação com a


China de maneira estratégica.
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Quando se fala dos investimentos chineses, penso na
infraestrutura das novas tecnologias, [cuja parceria com o
Brasil] está muito aquém do potencial que pode ter. Em 2019,
o Nordeste até que teve um número alto de investimentos, mas
agora está em 13%, dos quais Pernambuco não chega a 1%.

O que Pernambuco poderia fazer para se aproximar mais


da China?
Primeiro, aumentar os diálogos formais nos canais oficiais e
dentro desses, estabelecer prioridades nessa relação, ou seja, sa-
ber o que se quer e identificar o interesse comum, visando ao
desenvolvimento do Estado e à geração de emprego. É preciso
saber qual é o projeto que se tem para o Estado de Pernambuco
e abrir um canal oficial. Também intensificar as relações entre o
setor empresarial local e o chinês. Agora, enfatizo, mais uma vez:
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é preciso saber o que se quer, tem que ser um projeto de parceria


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que envolva, como os chineses gostam de dizer, ganhos mútuos.


Não é uma questão de pedir ajuda, o chinês não entende essa
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lógica, ele entende a lógica de que todos têm que ganhar.

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Voltando para a realidade nacional. China e Brasil já rea-
lizaram transações em yuan e em real. Quais as consequên-
cias disso?
Isso é uma tendência, não vou dizer global, mas está se espa-
lhando muito, de se utilizar a moeda nacional para essas trocas
comerciais entre países que têm uma relação comercial intensa,
que é o caso do Brasil e da China. A China é o maior parceiro co-
mercial do Brasil desde 2009, então faz sentido. Naturalmente,
isso se insere dentro da política externa chinesa de internaciona-
lização do yuan. Ela tem interesse no fortalecimento da moeda
chinesa, que inclusive — isso foi uma conquista do atual presi-
dente chinês — já integra o cesto de moedas do FMI. Mas está
longe de ser uma ameaça à dominância do dólar.

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O mundo vive vários conflitos. Como o senhor analisa a
postura do Brasil diante deles?
Nesse contexto atual de acirramento das relações EUA e China
e, ao mesmo tempo, do ocidente com alguns países não ociden-
tais, é muito importante que o Brasil se mantenha numa posição
de país confiável para estabelecer diálogos com todos os lados.
Não que seja indiferente aos problemas que esses países enfren-
tam nas relações difíceis entre eles, mas numa posição de estar
disposto a contribuir para reatar as relações ou fortalecer as pon-
tes entre eles.
Quando o Brasil assume um lado, ele queima a possibilidade
de manter o diálogo com o outro lado. Uma coisa que apren-
di estudando a China: o ocidente tem uma lógica alternativa de
mundo ou você é isso ou é aquilo, é o bem contra o mal. Eu es-
tava vendo a entrevista com o embaixador palestino e o repórter
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da CNN perguntava: “você condena ou não o ataque do Hamas?”


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E o embaixador dizia: “olha, o meu ponto não é esse, isso é um


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problema mais complexo, que remete ao fato de a comunidade


internacional não ter validado o Estado Palestino”.

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Porque essa visão atomiza a discussão e a
pauta do dia é condenar o Hamas que, por
mais que tenha feito uma atitude con-
denável, isso não resolve o problema
da complexidade. É como a ques-
tão da invasão da Rússia à Ucrânia,
não se justifica a invasão, mas se
explica. Vamos debater o porquê
disso, que está relacionado com
os acordos que foram feitos lá
atrás? A OTAN deixou de fazer ou
não esses acordos? Temos que ter
uma discussão mais complexa.
A China tem uma lógica aditiva, vemos
isso até na filosofia do yin e yang, a pessoa não
é totalmente boa, nem totalmente má, as coisas não são totalmente
ruins ou totalmente boas, nem tudo está perdido, sempre pode haver
uma saída. O Brasil na relação internacional com esses países tem que
caminhar com a sabedoria de rejeitar a lógica alternativa que o ociden-
te sempre tenta impor. É democracia versus autocracia. Essa discussão
tem um grande ponto de hipocrisia. Numa linha entre uma democracia
plena e uma ditadura radical, EUA e China não estão nas extremidades
opostas e, às vezes, dependendo do assunto, até se tocam.
Não estamos em guerra. Rússia e Ucrânia estão, há o envolvimen-
to da Europa, dos EUA e pode até se agravar agora com o conflito
entre Israel e palestinos. Poderá haver alguma reação de alguns
países árabes, o cenário não é bom. O Brasil tem que ter muita cau-
tela, ser um vetor de paz e diálogo, mas sem parecer que quer ser
o bom moço. Não é isso. Temos que condenar o que é condenável,
mas também não fazer isso de maneira hipócrita e colocar seus
interesses à frente. A China é um país de uma complexidade extraor-
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dinária, com uma cultura muito rica. O chinês é muito prático para as
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coisas da vida. Acho que muita coisa se poderia aprender com eles.
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É uma questão de disposição. Eu espero que os Estados do Nordeste


avancem cada vez mais nessa relação.
voltar
24
Algomais
Sustentabilidade
Da redação da Algomais

SEMINÁRIO DEBATE O RECIFE DIANTE


DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
O impacto das mudanças climáticas no
Recife, considerada a capital mais ameaça-
da do Brasil pelas transformações do cli-
ma, e as soluções para adaptá-la aos fenô-
menos ambientais que serão debatidos
no Seminário Recife Cidade Parque — Carta
do Recife do Futuro para o Recife do Presente.
Organizado pelo Recife Cidade Parque – Plano
de Qualidade da Paisagem, projeto de pesqui-
sa, fruto de convênio entre a UFPE e a Prefeitura do Recife, o
evento faz parte do RXN 2023 — Sociedade (Fórum Internacio-
nal Recife Exchange Netherlands). Desde 2011 o fórum discute
saídas para a elevação dos níveis dos oceanos em cidades ho-
landesas e na capital pernambucana.
Durante o evento, será divulgada a Carta do Recife do futuro para
o Recife do Presente, elaborada no RXN de 2021. Em tom poético e
colocando o próprio Recife como narrador em primeira pessoa, o
documento exalta as características “anfíbias” da cidade, banhada
por rios e pelo mar, e conclama a sociedade a se mobilizar pelo
seu futuro frente às ameaças ambientais.
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O Seminário será composto por dois encontros. O primeiro acon-


tece dia 25 de outubro, terá como tema O Drama das Mudanças Cli-
máticas e a Urgência da Reinvenção do Recife e integra o Circuito Ur-
bano, iniciativa da ONU-Habitat para estimular e apoiar eventos que
debatam como melhorar a qualidade de vida nas áreas urbanas.
25
As palestras poderão ser assistidas pelo link: bit.ly/seminariorcp e
terão mediação do consultor da TGI e urbanista Francisco Cunha.
Moacyr Araújo, vice-reitor da UFPE e coordenador da Rede Clima,
vai abordar Recife e os Desafios das Mudanças Climáticas. Em segui-
da Milla Avellar, que realiza pesquisas no Instituto para Educação
das Águas (Unesco/Governo Holandês), vai discorrer sobre o tema:
Intercâmbio Internacional Holanda-China-Recife: Lições para Enfren-
tar o Aumento do Nível do Mar. Alfredo Pena-Veja, professor pesqui-
sador em Socioecologia do IAP (Instituto de Antropologia Política
– Centro Edgar Morin) vai falar sobre Uma Nova Ética Educadora
para o Enfrentamento da Luta Climática. Roberto Montezuma e Luiz
Vieira, ambos professores da UFPE, vão apresentar a palestra Recife
Cidade Parque: Um Projeto de Redenção Urbana.
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O segundo encontro vai abordar O Recife e as Mudanças Climá-


ticas e será realizado no dia 9 de novembro, no Compaz Escritor
Ariano Suassuna, no Bairro do Cordeiro, das 9h às 12h. É destinado
a estudantes da rede municipal da capital pernambucana.

26
SHOWS E DEBATES SOBRE MEIO
AMBIENTE NO CAPIBARIBE
FESTIVAL
A segunda edição do Ca-
pibaribe Festival terá
noite de abertura no
dia 28, no Polo Cul-
tural da Avenida Rio
Branco (Bairro do
Recife), e traz na pro-
gramação Flaira Fer-
ro e as Bandas Laba-
redas, Forró na Caixa e
Barro e Bule. O evento
segue até 4 de novem-
bro, com programação de
shows que começa às 15h,
alternando com bandas e DJs.
Com a temática Vida na Água da
Nascente à Foz, o evento une cultura e meio ambiente para pro-
mover o debate e ações que reabilitem, protejam e ocupem as
águas do Capibaribe. Este ano, o evento tem a expectativa de ge-
rar 150 empregos diretos, realizar o plantio de 200 mudas, além
de recolher uma tonelada de lixo das margens do Capibaribe cir-
cundante à sua foz.
Nos dias 30 e 31 de outubro, o Capibaribe Festival irá reunir
sociedade civil, profissionais, pesquisadores e ativistas ambien-
tais de várias partes do Brasil para debater a gestão e preserva-
ção da água na Conferência Água+. Serão discutidos os Obje-
Ed. 240 | Outubro 23

tivos de Desenvolvimento Sustentáveis da ONU relacionados à


conservação e uso sustentável dos oceanos, mares e recursos
marinhos; à água e resiliência; à água potável e saneamento; às
cidades e comunidades sustentáveis; e à ação contra a mudan-
ça global do clima.
27
SAIBA PORQUE NÃO É ACONSELHÁVEL
ALIMENTAR SAGUIS
Os saguis-do-nordeste (Callithrix jacchus)
vivem em bandos na Mata Atlântica e na
Caatinga. Mas, a diminuição do seu habi-
tat natural, como consequência da expan-
são das áreas urbanas, fez com que esses
mamíferos se adaptassem às cidades, levan-
do-os a interações com seres humanos.
Devido à sua aparência dócil, os saguis despertam o
interesse das pessoas, que chegam a lhes oferecer alimento, o que não
é recomendável. Segundo o técnico do Parque Estadual Dois Irmãos,
Leonardo Melo, o ato de alimentar saguis desencadeia uma série de
desajustes em seus hábitos naturais. A dieta dessa espécie é compos-
ta por pequenos vertebrados, ovos e frutas. Contudo, ao deixarem de
comer frutas, a dispersão de sementes na natureza diminui e, se não
comem insetos, podem desregular a população de outras espécies.
Além disso, muitos alimentos oferecidos a esses animais são in-
dustrializados, cheios de açúcares, que podem levar ao sobrepeso,
surgimento de cáries e até a diabetes. Os problemas gerados pela
alimentação se somam aos perigos do meio urbano, como os riscos
de atropelamento ou choques elétricos.
Ainda há doenças que para os humanos são inofensivas, mas para
essa espécie podem ser fatais. Um exemplo é a herpes. Ao contrair
essa doença, o sagui pode infectar todo o bando e o grupo pode
ser rapidamente dizimado. De igual forma, os saguis também po-
dem transmitir doenças e causar acidentes em seres humanos. Esses
animais são territorialistas e existe a possibilidade de todo o grupo
reagir se uma pessoa tentar contato com algum dos integrantes.
O contato entre humanos e saguis, aparentemente inofensivos, é
capaz de gerar uma sequência de prejuízos. Por essa razão, o Parque
Ed. 240 | Outubro 23

Estadual de Dois Irmãos proíbe que seus visitantes ofereçam lanches


aos animais e orienta que observem os saguis à distância. Assim,
possibilita que esses indivíduos expressem seus comportamentos
naturais e o público aprenda sobre eles.
voltar
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Ed. 237 | Setembro 23

29
ESPECIAL

Rafael Dantas
23
Outubro23
Ed. 240 ||Outubro

Por Rafael Dantas


Fotos: Thally Santos / Instituto Solidare
30
P oluído e com suas margens densamente povoadas, o Teji-
pió repete a história dos muitos rios urbanos que cortam as
grandes cidades brasileiras. As populações vizinhas às suas
águas têm uma vida quase anfíbia, adaptadas às enchentes que
há décadas assolam durante o inverno esse território que um
dia se tornou lar. Nos últimos anos, no entanto, a agressividade
das cheias assustou. Intensidade e frequências maiores são sin-
tomas de uma dura sintonia com as mudanças climáticas. Um
cenário de muita tensão que terá nos próximos anos a chance
de ser enfrentado com muitos investimentos que foram cap-
tados pelo poder público. Enquanto ainda não enxergam os
projetos e as obras, a ansiedade permanece nas comunidades
ribeirinhas e além delas.
Carla Suzart, 46 anos, mora exatamente ao lado do Rio Tejipió
há quase 29 anos. Ela vivia com quatro irmãos e um filho no bair-
ro de Areias, quando sua mãe faleceu. Com os poucos recursos
que conseguiu com o pai, comprou o espaço, no bairro de Co-
queiral, onde vive desde então. “Quando minha mãe faleceu, eu
Ed. 240 | Outubro 23

fiquei desesperada. Disse ao meu pai que precisava de uma casa.


Ele mandou uma quantia de dinheiro que não dava para comprar
lá. Aqui era o canto mais barato que encontrei. Ou eu comprava
ou ficava sem casa. Precisava de uma base para recomeçar a vida”.
31
Ela já sabia que o lugar era vulnerá- Mesmo elevando
vel à subida do rio. Mas, mesmo assim, o piso da casa e
surpreendeu-se no primeiro inverno. ter sofá, cama,
“Foi desesperador. Sabia que enchia, guarda-roupas e
mas não tinha noção na altura. Perdi raque, construí-
tudo. Só deu tempo de enrolar meu dos de alvena-
filho e correr. Quando voltei para bus- ria e cerâmica,
car as outras pessoas, a água já estava Carla Suzart e a
na metade da casa”. família tiveram
Com os anos de convívio com as en- que deixar o lar
chentes, Carla aprendeu com a expe- em razão das
riência. Ela conta que eram seis meses intensas chuvas
de casa arrumada e seis meses com os de 2022.
móveis todos suspensos em cavaletes,
bancos ou no que pudesse prender nas
Ed. 240 | Outubro 23

paredes. Todos os cômodos da sua casa têm janela voltada para obser-
var o nível das águas que, por muitos anos, invadiram sua residência.
Com muita luta, ela conseguiu com aterramento subir em um metro
o primeiro piso da moradia. “Pensei que iria ter sossego. Amenizou um
bocado. Foi muito sacrifício. Refiz a casa umas duas vezes”
32
Mesmo tendo uma casa muito elevada e adaptada, com sofá,
cama, guarda-roupas, raque, construídos de alvenaria e cerâmi-
ca, a força das águas levou Carla e sua família a deixarem o lar às
pressas mais uma vez. As intensas tempestades do ano passado
foram as piores dos seus quase 30 anos em Coqueiral, a comuni-
dade mais afetada.
“Tem um nível da ponte que quando a água atinge eu já saio.
Deixo todas as coisas aí e vou para casa da minha cunhada. Fica
uma agonia porque ficam os animais e a vida da gente aqui. Mas
a minha vida e a da minha família estão em primeiro lugar. Pra
gente vale mais isso. Aqui está a história e a vida da gente”, conta
a moradora. Ao atravessar a ponte e seguir a sua rota de fuga, a
Ed. 240 | Outubro 23

água estava na cintura. Para ter esse monitoramento, ela afirma


que se reveza com o marido: durante a noite nos períodos chu-
vosos, enquanto um dorme, o outro observa a subida da altura
das águas.
33
Mesmo morando a uns 300 metros do Rio Tejipió, Fabiana Cha-
gas, 40 anos, correu risco de vida nas cheias do ano passado. Sem
estar tão acostumada com a chegada das águas com tanta força,
como ocorre nas residências dos moradores ribeirinhos, ela per-
deu praticamente tudo no ano passado. Fabiana mora há 40 anos
no mesmo local, também em Coqueiral. A família está nessa ha-
bitação há quase um século. Ela guarda uma lembrança saudosa
da sua infância, de um convívio agradável com o rio.
“Minha lembrança do rio começa com 12 ou 13 anos. Lembro
das lavadeiras do Rio Tejipió. Elas ganhavam dinheiro lavando
roupa, era um rio muito limpo. São aí 25 anos ou 27 anos para, de
repente, ele ser destruído tão rapidamente e virar uma ameaça
pra gente. É um período muito curto. Não tem a ver só com a
questão climática, mas com a postura humana, de jogar lixo, de
invadir a margem, mas também de saneamento básico. Tem a ver
com moradia”, analisa Fabiana.

Quando a água
chegou aqui, foi
muito rápido. Todo
mundo se apavo-
rou e quis somen-
te sair de casa. O
bombeiro disse que
não poderia entrar
nessa rua por cau-
sa das ondas for-
madas pelo rio que
eram perigosas.
23
Outubro23
Ed. 240 ||Outubro

Fabiana Chagas

34
A primeira enchente que ela lem-
bra no bairro faz pouco mais de 20
anos, mas não passou perto da sua Apesar do descar-
casa. Porém, os problemas das cheias te irregular de lixo
começaram a se aproximar cada vez no Tejipió perma-
mais, até se tornarem recorrentes. Ela necer como um
conta que se não tivesse casa própria, problema, há um
já teria deixado o local pelo trauma processo de transi-
da enchente de 2022. ção para um com-
“Ano passado, quando a água portamento dos
chegou aqui, sabíamos que ao re- moradores mais
dor estava uma situação de guerra. responsável sobre
Ed. 240 | Outubro 23

Foi algo sobrenatural, muito rápido. o destino dos resí-


Houve uma elevação de 50 centí- duos sólidos.
metros em uma hora. Todo mundo
se apavorou e quis somente sair de
casa. Ficamos sem energia, sem 4G,
35
o bombeiro disse que não pode-
ria entrar nessa rua por causa
das ondas formadas pelo
rio que eram perigosas”,
conta a moradora, que
saiu de casa amarrada
em cordas para não ser
levada pelas águas.
As águas se foram,
mas o medo de novos
episódios permaneceu.
O filho de Fabiana, John
Chagas, de 12 anos, não
quer ir para a escola quando
começa a chover mais forte. A
mãe conta que o adolescente foi
diagnosticado com Síndrome do Pâni-
co, estresse pós-traumático e ansiedade. Ele, que chega a vomitar
com o nível de estresse elevado, foi uma das crianças que quase
morreu no resgate, atingido por uma manilha que rolou na força
das águas.
Se os danos materiais são visíveis e contáveis, os danos psicoló-
gicos não são. Os traumas do filho de Fabiana e a dificuldade de
dormir no inverno da família de Carla são heranças dessas tragédias
sociais e familiares. Carla diz que até os seus animais de estimação
ficam agitados quando veem as águas chegando nos degraus.
Se antigamente os moradores sabiam os meses em que as
chuvas chegavam de forma mais violenta, agora não há um pe-
ríodo previsto. Mesmo na primavera há episódios de enchentes,
segundo Fabiana. “Está tudo muito irregular. O calor excessivo.
Ed. 240 | Outubro 23

Deve ter outras questões climáticas interferindo na temperatura.


Já tivemos mínimas também muito baixas em fevereiro. Onde
não é costume também. É muito diferente de tudo o que esta-
mos acostumados”.

36
A Bacia do Tejipió
é muito complexa.
Nós temos ali ocu-
pações irregulares e
distritos industriais
nas margens desse
rio. São dois tipos de
ocupações distintas
que ocasionam uma
série de consequên-
cias ambientais.

Deyglis Fragoso

FATORES MÚLTIPLOS NA ORIGEM


A realidade e as vivências traumáticas das famílias de Carla, Fa-
biana e de tantos moradores de Coqueiral e de outras comuni-
dades ribeirinhas do Rio Tejipió são fruto de um longo processo
de desequilíbrios socioambientais, mas também de fenômenos
recentes. As variações da temperatura e do comportamento das
chuvas e das correntes de água, percebidas pelas moradoras, têm
conexão com as mudanças climáticas que assombram o mundo,
na análise do geógrafo, engenheiro civil e doutorando em De-
senvolvimento Urbano, Deyglis Fragoso.
“A Bacia do Tejipió é muito complexa. Nós temos ali ocupações
que foram formadas ao longo do tempo e a fixação de distritos
industriais que estão também nas margens desse rio. São dois
Ed. 240 | Outubro 23

tipos de ocupações completamente distintas que ocasionam, na


verdade, uma série de consequências ambientais de impactos de
naturezas completamente divergentes: o processo fabril e o con-
sequente adensamento das populações que foram desassistidas
durante muito tempo”, explica o geógrafo.
37
Além do desenvolvimento industrial, ocorrido a partir da déca-
da de 1970, o pesquisador aponta que a região recebeu, nos anos
80, também o Metrô do Recife, outro fator que estimula a chega-
da de mais residências no seu entorno. "Ocorreu uma diminuição
da margem do rio, seja por assoreamento, pela pavimentação ou
pelos seus diversos usos, residenciais, industriais ou de serviços. É
uma densidade construtiva muito elevada”
A ocupação intensa também dos morros vizinhos à bacia, as-
sociado ao recente fenômeno de maior intensidade das chuvas,
contribui para as calamidades que são repetidas nessa região da
cidade. “O aumento do índice pluviométrico e da densidade da
população nessas áreas vizinhas de morro faz com que se dificul-
te o processo de infiltração da água. O contrário da infiltração é o
escoamento. Então, ele arrasta a água com velocidade e não tem
para onde escoar. Ela termina fixando-se naquele local mais baixo
e vai ocupando o que originalmente seria a sua calha. Essa vazão
forte acaba afetando diretamente as casas ribeirinhas, que sofrem
esse impacto, do médio rio e do baixo rio, onde se concentra a
maior densidade de volume de água”, explica Deyglis.

Ed. 240 | Outubro 23

38
RIO LIMPO, CIDADE SAUDÁVEL
Apesar do descarte irregular de lixo no Tejipió permanecer como
um problema, tanto os moradores como o especialista já identifi-
cam que há uma mudança do comportamento da população. O
processo de conscientização começou com os vizinhos imediatos
ao rio (que sempre sofreram na pele com as cheias) e com as orga-
nizações comunitárias que atuam na região. Porém, como as en-
chentes hoje atingem um contingente muito maior de moradores,
seja pelas campanhas educacionais ou pela dor da perda de seus
bens, há um processo de transição para um comportamento mais
responsável sobre o destino dos resíduos sólidos.
Diante das inundações de Coqueiral e dos bairros vizinhos, um
dos locais de recepção para as famílias desabrigadas é o Instituto
Ed. 240 | Outubro 23

Solidare, que atua em parceria com a Igreja Batista em Coqueiral.


Além de ser um local de acolhimento temporário e de doações
para as famílias afetadas, foi criado em 2016 o projeto Rio Lim-
po, Cidade Saudável para atuar de forma institucional, tanto com
educação socioambiental, como de forma política também.
39
“Realizamos uma série de atividades, como gincanas e oficinas
com escolas locais e igrejas, entendendo que esses são os sujei-
tos mais capilarizados nos territórios, pois têm grande alcance
junto às famílias. Também promovemos conferências de escuta
comunitária em cinco bairros da região, onde coletamos as do-
res, os amores e as propostas que as pessoas tinham em relação
ao Rio Tejipió. Tudo o que ouvimos foi compilado e realizamos
uma conferência para eleger as propostas que a gente iria sub-
meter aos agentes públicos de Jaboatão e do Recife. Anexamos
um abaixo-assinado com quase 14 mil assinaturas e protocola-
mos nas duas prefeituras em 2017. Isso para abrir um processo de
diálogo e para mostrar que estava se construindo uma força co-
letiva local”, explica Géssica Dias, que é coordenadora do projeto.
Desse esforço de ouvir e conectar diversos atores no território
afetado pelas inundações, nasceu o Fórum Popular do Rio Teji-
pió em 2020. A sociedade civil organizada nessa estrutura passou
a formular requerimentos ao poder público e participar das au-
diências públicas para discutir os recursos destinados à bacia. “Es-

Coletamos as pro-
postas que as pes-
soas tinham em
relação ao Tejipió.
Tudo foi compila-
do. Anexamos um
abaixo-assinado
com quase 14 mil
assinaturas e proto-
colamos nas prefei-
Ed. 240 | Outubro 23

turas do Recife
e Jaboatão.

Géssica Dias
40
tamos pleiteando investimentos em saneamento ambiental e o
alargamento do rio para ter a vazão que necessita. Mas, esse alar-
gamento vai ser provocativo de algumas remoções, mas a gente
solicita também que não tire esse sujeito do seu território, para
que eles mantenham a sociabilidade. Além disso, estamos plei-
teando a implantação de equipamentos de lazer nas margens do
rio para evitar ocupações dessas margens e proporcionar lazer à
população local. Queremos que as comunidades afetadas parti-
cipem ativamente do processo e que o uso desses recursos seja
transparente e eficaz”, afirma Géssica.
Além dessa atuação, o Instituto Solidare tem uma atuação reco-
nhecida na região com o acolhimento de famílias desabrigadas nos
Ed. 240 | Outubro 23

períodos de enchentes e até de resgate. Em 2022, quando nem os


bombeiros conseguiram acessar alguns lugares que ainda tinham
moradores, uma brigada de voluntários da instituição, com botes
próprios, resgatou várias pessoas em situação de risco (foto acima).

41
O ProMorar tem
o objetivo de ofe-
OPORTUNIDADE PARA MUDANÇA recer soluções
DO CENÁRIO de moradia para
Junto com a catástrofe do ano a população e
passado, nasceu dentro do poder tem atuação na
público o ProMorar Recife (Pro- região do Rio Te-
grama de Requalificação e Resi- jipió. Na primeira
liência Urbana em Áreas de Vul- etapa foram rea-
nerabilidade Socioambiental). A lizadas reuniões
iniciativa da Prefeitura do Recife, para apresenta-
onde está o maior percurso do ção do programa
Rio Tejipió, não é exclusiva para a às comunidades.
região, mas deve destinar a maior
Ed. 240 | Outubro 23

parte dos seus esforços para a


bacia do rio. O poder municipal
anunciou um investimento na ordem de R$ 2 bilhões, sendo a
maioria captados via BID (Banco Interamericano de Desenvolvi-
mento), com o objetivo de beneficiar 40 comunidades na capital.
42
Precisamos con-
cluir o estudo [que
vai indicar as solu-
ções para a Bacia
do Tejipió]. É im-
Os investimentos preveem a
portante explicar
construção de contenção de en-
o que está acon-
costas, a macrodrenagem da Ba-
tecendo, o proble-
cia do Rio Tejipió, além de obras
ma que gera os
de urbanização de comunidades
alagamentos e o
de interesse social, entre outras
que faremos para
ações. Diante da gravidade dos
resolver. problemas sociais, do montante
de recursos levantados e das in-
Beatriz Menezes tervenções no território que es-
tão no horizonte, há uma imensa
ansiedade das populações locais para conhecer mais do projeto,
fazer sugestões e vê-lo sair do papel.
Ed. 240 | Outubro 23

“Sabemos da ansiedade, inclusive entendemos. As perguntas são


muito sobre reassentamentos. Afinal de contas, falamos da moradia,
que são os bens mais preciosos dessas famílias. Mas precisamos con-
cluir o estudo [que vai indicar as soluções para a Bacia do Tejipió]. É
importante explicar o que está acontecendo, o problema que gera
43
os alagamentos e o que faremos para resolver”, afirma Beatriz
Menezes, secretária do Promorar Recife. Ela prevê que a pesqui-
sa, que está mobilizando técnicos holandeses e brasileiros, seja
apresentada em janeiro para a população recifense. Na primeira
etapa foram realizadas reuniões para apresentação do programa
às comunidades, dentro da metodologia participativa proposta
pelo Promorar.
A percepção da secretária está na comunidade. Embora o
medo das águas faça algumas famílias desejarem uma mudança,
muitos moradores não gostariam de deixar os lares onde cons-
truíram suas vidas, como é o caso de Carla Suzart. “Para mim está
sendo agoniante. A história da gente está aqui. Apesar dos altos
e baixos, é uma comunidade próxima de tudo. O desespero nos-
so é: vai tirar a gente daqui e vai colocar onde? Longe de tudo?
Nós sofremos com a chuva, mas é naquele dia. Parou de chover,
a gente volta e tem o lar da gente”.

Ed. 240 | Outubro 23

44
Mesmo sem o estudo concluído, a
secretária indicou algumas dire-
trizes. Uma delas é atuar no ter-
ritório de forma a promover a
menor quantidade possível
de reassentamentos das
famílias. “É um problema
complexo e a comuni-
dade sabe. A população
está consciente de que
haverá reassentamentos,
mas estamos pensando
em novas soluções, não
apenas a construção de no-
vas unidades habitacionais ou
de indenização”, disse Beatriz.
Uma solução mencionada pela se-
cretária é a compra assistida, em que o mora-
dor poderá identificar uma outra casa sendo vendida na comunidade,
em um local onde não alaga. O poder municipal avalia, adquire a casa
e inscreve no nome do morador que precisa ser reassentado. A outra
alternativa sendo construída é o reassentamento por permuta. Nesse
modelo, os moradores que precisam ser reassentados, mas não preten-
dem sair, poderiam trocar de imóvel com outra família que deseja se
mudar do bairro. Dessa forma seriam atendidos os dois interesses.
Um estudo antigo da região, por exemplo, indicava a necessida-
de de reassentamento de seis mil famílias. Mas a previsão é de des-
locar um quantitativo bem menor de pessoas. “Reassentar seis mil
pessoas não é viável socialmente. O objetivo foi reduzir ao máximo
a quantidade de reassentamentos. No momento que a prefeitura
apresentar o projeto, as pessoas precisam ter a certeza e a com-
Ed. 240 | Outubro 23

provação de que elas realmente precisam sair. Mas conseguimos


reduzir muito. Não é possível garantir que nenhuma gota de água
vai entrar mais nas casas. Mas os resultados são muito otimistas
para melhorar a qualidade de vida da população”, afirma Beatriz.

45
Uma das reclamações dos mo- Especialistas aler-
radores, a ausência de sirenes de tam que a quan-
emergência, por exemplo, que in- tidade de chuvas
dicassem o momento de deixar as que caiu no Recife
casas em situações de elevação do em 2022, nenhu-
rio, está previsto no projeto, dentro ma cidade no
do componente de fortalecimen- mundo estaria
to institucional. O ProMorar deve apta a conseguir
ter como um dos seus resultados escoar. Daí, a ne-
a construção de um sistema de cessidade de ter
monitoramento de riscos da cida- sistema de moni-
de. “Alagamentos não vão parar de toramento de ris-
ocorrer, mas em menor quantida- cos e traçar rotas
de. Os especialistas falaram que a de fuga.
quantidade de chuvas que tive-
Ed. 240 | Outubro 23

mos no ano passado, nenhuma


cidade no mundo estaria apta a conseguir escoar. Daí, a necessida-
de de inserir sistema de monitoramento de riscos, traçar rotas de
fuga e o mapeamento dos abrigos”, conta a gestora municipal.
46
Deyglis Fragoso considera que da mesma forma que as causas
das históricas enchentes são múltiplas, as soluções também são
complexas. Vão desde o clássico, que é aumentar a drenagem,
com a retirada de resíduos do leito do rio e promover a desapro-
priação de moradias para aumentar a vazão das águas, até o uso
de um conjunto de tecnologias sociais, que poderiam armazenar
o volume das chuvas, evitando descerem as partes mais baixas.
Ed. 240 | Outubro 23

“É preciso ter sensibilidade social. Algumas alternativas não são


fáceis, pois têm grande impacto social, devido à relação que as
pessoas têm com o território. Em alguns casos, quando apenas se
realocam pessoas, depois elas voltam novamente”.

47
Sobre as tecnologias sociais, ele elenca técnicas de coleta e ar-
mazenamento de águas das chuvas, como com cisternas, que
poderiam ser instaladas nas residências dos morros e ser, inclusi-
ve, usadas pelas famílias. Um conjunto de milhares de residências
equipadas teriam um impacto relevante, na análise do especialista.
Além disso, Deyglis destaca a necessidade de refletir sobre a
macroestrutura da cidade. “Não adianta cuidar do Beberibe e não
cuidar do Tejipió ou do Capibaribe. As bacias que compõem a re-
gião metropolitana precisam ser vistas da mesma forma e com o
mesmo grau de urgência para que as intervenções possam surtir
efeito para o estuário, que seria o deslocamento de todo esse vo-
lume de água para o oceano”.
Muitas outras propostas e preocupações estão nas falas de
quem conhece o cotidiano do rio. Além da escuta dos especialis-
tas, o acompanhamento e a participação intensiva da sociedade,
que é a protagonista do território, são ingredientes fundamentais
para não se repetirem frustrações de outros grandes investimen-
tos do passado. Todos os lados estão cientes disso. Enquanto as
Ed. 240 | Outubro 23

obras não começam, vão passando por essas águas sentimento


do medo ao otimismo. De desconfiança à esperança. Mas existe
uma oportunidade de reescrever essa história.
voltar
48
Ninho de Palavras
Bruno Moury Fernandes

CHUPA, HAVARD!
A
vida, minha cara Maria Ribeiro, é como uma trama bem urdi-
da por um escritor habilidoso, cheia de reviravoltas inespe-
radas e coincidências que desafiam a lógica. Após matricu-
lar-me no curso de escrita criativa da Cesar School, aqui no nosso
país Pernambuco, terra onde seu amigo Xico Sá gostaria de ter
nascido, o universo decidiu brincar comigo. Se não é brincadeira
do cosmos, deve ser alguma promoção do tipo “pague um e leve
dois”, ou “comece a pagar somente no ano que vem”. Só que no
caso do Cesar, parece que a promo está mais para “matricule-se e
ganhe encontros inusitados com escritores famosos”. Pernambu-
co não brinca em serviço, minha querida. E o Cesar é Pernambu-
co, só que com wi-fi na classe executiva, entende?
Poucos dias depois de efetuar minha matrícula, em um aero-
porto qualquer de Portugal, no último domingo, enquanto eu
aguardava meu voo, vi-me diante de um encontro com outro ami-
go seu, o baixinho gigante, Gregório Duvivier. Ostentava aquela
barba que praticamente escondia o sorriso do biquinho amarelo
Ed. 240 | Outubro 23

que não queria ser incomodado. Mas eu tinha uma arma infalí-
vel nas mãos que fez desaparecer instantaneamente o efeito da
Ritalina que claramente tentava acalmar aquele TDH ambulante:
o livro de crônicas escrito por vocês três, que li durante toda mi-
nha viagem. Coincidência que nada, Maria! É a experiência que
49
o Cesar proporciona aos seus alunos, minha linda! Sapequei o
livro desmilinguido da minha bolsa tiracolo e joguei na caixa dos
peitos do safado: me dá um autógrafo aí, misera! Foi aí que Greg
se sentiu no direito de puxar assunto comigo, esforçando-se para
ser íntimo. Fui compreensivo e paciente com a emoção do seu
amigo, Maria. Deve ser foda estar diante de um estudante de es-
crita criativa da Cesar School.
Olha Maria, vou te dizer uma coisa, no ritmo que o Cesar vai,
devo me encontrar nos próximos dias com Hemingway nas ruas
de Paris da década de 20 ou talvez com Jorge Amado no Rio Ver-
melho. Chupa, Harvard!
Mas o que eu desejaria mesmo, Maria, era que o Cesar propor-
cionasse meu encontro com você, minha deusa cronista. Nada
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contra o Gregório, o Xico, o Ernest ou o Jorge, mas eles não fazem


o meu tipo, sabe? Além de tudo, andam bebendo demais. A pro-
fessora Clarice Freire me disse, Maria, que no mundo da escrita
criativa nós que definimos como – e com quem – serão os nos-
sos encontros. E o nosso, querida, já clama por acontecer.
voltar
50
Ed. 240 | Outubro 23

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