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Maria Yeddã Linhares

ORIENTE MÉDIO
E O MUNDO DOS ÄRABES

centenário de monteiro lobato

8SCSH / UFRGS
Copyright © Maria Yedda Linhares

Capa:
123 (antigo 27)
Artistas Gráficos

Revisão:
José W. S. Moraes

Aquisição: ‘ Owtíírv

Preço: Rft jQO Data: J ] / J?> /

editora brasiliense s.a.


01223 — r. general jardim, 160
s3o paulo — brasil
Indice

Apresentação .................................. 7
O Oriente Médio e o mundo árabe................... 10
A formação dos Estados árabes contemporâneos 27
O mundo árabe sob o signo da mudança (1945-
1980)......................................................... 74
Conclusão: ontem e hoje ................................... 108
Indicações para leitura........................................ 114

«'•*...

&
APRESENTAÇÃO

Oriente Médio e Mundo Árabe são expressões


cujos conteúdos tendem a. se confundir na mente do
leitor comum da crônica internacional. Para ele, as
manchetes dos jornais que tratam de crise do petró­
leo e de magnatas árabes, de atos terroristas israe­
lenses e palestinos, de uma guerra confusa entre o Irã
e o Iraque, de assassinatos de chefes de Estado,
sendo que um deles chegou a ser televisionado, de
seqüestros e insanas violências, aparecem de forma
difusa e quase sempre transmitem uma mensagem a
que não estão alheios estereótipos sobre o atraso e a
pobreza bem como preconceitos de ordem cultural.
Tais imagens difundidas pela imprensa, pela tele­
visão e pelo cinema contribuem para completar o
quadro do exotismo que por tanto tempo — décadas
e séculos — coroou a imaginação no tocante a povos
e civilizações orientais, estimulou a curiosidade de
estudiosos do Ocidente e aguçou a ambição de exér-
8 Maria Yedda Linhares

citos de conquistadores de várias procedências, de


comerciantes e financistas, cruzados medievais e
capitalistas, em busca de poder, glória e riquezas.
Ao escrever este pequeno livro, tive em mente
dirigi-lo a esse leitor comum que tenta ir um pouco
além das manchetes dos jornais escritos ou televisio­
nados, na esperança de ajudá-lo a perceber melhor
as malhas de uma questão internacional que envolve
centenas de milhões de seres humanos espalhados
por uma superfície terrestre superior a dez milhões
de quilômetros quadrados. Mas, na impossibilidade
de tudo abranger, já que o espaço é reduzido e as
questões são múltiplas, limito a temática do Oriente
Médio ao mundo árabe, ao mesmo tempo em que a
amplio de modo a incorporar os países do norte da
África (Marrocos, Argélia, Tunísia e Líbia), geogra­
ficamente situados fora do quadro do Oriente Médio.
Dessa forma, estão excluídos, do raio de análise,
países, e respectivos problemas internacionais, como
o Irã, o Afeganistão e a Turquia (Ásia Menor), sendo
que a questão palestina que emergiu em conseqüên-
cia do surgimento do Estado de Israel receberá uma
atenção lateral por ser alvo de tratamento específico
em outro livro desta Coleção.
Vários problemas envolvem a grafia dos nomes
árabes. Tendo em vista ajudar o leitor e não intro­
duzir um elemento de complicação, optei pela trans-
literação corrente, influência francesa e inglesa, sem
entrar em maiores discussões de caráter lingüístico.
Por não se tratar de um livro de erudição e, sim, de
introdução ao leitor não especialista, procurou-se
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 9

simplificar o texto e selecionar enfoques, sobretudo


aqueles de ordem política, sacrificando outros possi­
velmente mais relevantes como os relativos à cultura
árabe e ao Islã, cujo tratamento deverá competir a
um especialista mais adequado, em momento opor­
tuno. Espera-se, pois, que o caráter introdutório
deste pequeno livro seja compreendido e perdoado,
nas suas imperfeições e omissões, pelo leitor.

&
O ORIENTE MÉDIO
E O MUNDO ÃRABE

A expressão Oriente Médio tornou-se corrente a


partir dos anos 40 deste século e introduziu-se, de
súbito, no vocabulário político internacional para
designar uma área do globo terrestre de cerca de uma
dezena de milhões de quilômetros quadrados e uma
população em crescimento explosivo cujas cifras
ultrapassam a marca dos 200 milhões de habitantes.
(Englobando os países que se situam entre o Mediter­
râneo Oriental, o Mar Negro meridional e o Oceano
Indico, na faixa compreendida entre o golfo de Aden
e as cercanias do Golfo Pérsico, engloba o Vale do
Nilo, o Crescente Fértil, a península da Arábia, o
planalto do Irã, a Àsia Menor e o Afeganistão. Na
Antiguidade, caracterizou-se por ter sido o berço de
grandes civilizações: o Egito dos faraós, a Assíria, a
Babilônia, a Pérsia, a Fenícia. Ao longo dos milê­
nios, foi terra de passagem, encruzilhada das rotas
Oriente Médio e o Mundo dos Arabes 11

que ligavam o Ocidente e o Oriente, sempre percor­


rida por invasores provenientes da Ásia Central ou do
continente que se passaria a chamar de Europa.
Terra de imperios, hoje desaparecidos, e de conquis­
tadores, da Antiguidade aos Tempos Modernos, foi
também sede das religiões monoteístas, o Judaismo,
o Cristianismo e o Islã. Terra sobre a qual se suce­
deram, através dos milenios, povos, culturas e civili­
zações as mais diversas, influências étnicas e cultu­
rais as mais variadas, bem como sistemas de organi­
zação social e política diferenciados. Terra e povos
que, aos poucos, perderam o comando da historia
que construíram e foram submergidos por outras cor­
rentes históricas, da Ásia Central ou da Europa. Daí
a marca da decadência, do marasmo e do atraso que,
sobretudo, nos últimos séculos, carrega consigo a
imagem do Oriente Médio na mentalidade do homem
do Ocidente capitalista, cristão e tecnicista dos nos-
sos dias.
Mas se a expressão Oriente Médio é recente, a
de Oriente Próximo predominou até principios deste
século, distinguindo-o, assim, daquele Oriente mais
longínquo, e ainda mais misterioso, o Extremo Orien­
te, a Ásia do Pacífico, do velho Império Chinês e do
Japão. Aplicava-se às terras e aos povos sob domínio
do Império Otomano que se instalou em Constanti-
nopla no século XV, e por mais de um século amea­
çou a Europa. Contra os turcos que vinham da Ásia,
muçulmanos convertidos, valentes na sua agressivi­
dade guerreira e, nesse sentido, uma ameaça para a
Europa cristã, uniram-se reis e papas. A partir do
12 Maria Yedda Linhares

século XVII, parecia debelado o perigo. No entanto,


eles se instalaram no sudeste do continente, domi­
nando a Península Balcânica e o Mediterrâneo Orien­
tal, os Estreitos de Dardanelos e Bósforo, a Àsia
Menor, os vales do Tigre e do Eufrates, a Síria e a
Palestina, a península da Arábia, cruzaram o estreito
de Suez e apoderaram-se do Nilo, estendendo-se so­
bre o Norte da África — o Maghreb — e exercendo o
seu protetorado até o Marrocos.
Ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, a pre­
sença dos turcos, organizados sob a denominação de
Império Otomano, e como Califado — ou seja, como
organização religiosa suprema dos muçulmanos —
tornou-se cada vez mais incômoda aos Estados que se
fortaleciam e desenvolviam no continente europeu e,
sobretudo, nas suas vizinhanças, como o Império
austríaco Habsburgo e o Império Russo moscovita.
O controle que exerciam sobre os povos balcânicos
estendia-se do Mar Adriático (a Iugoslávia de hoje)
ao Mar Negro (Rumânia e Bulgária), abrangendo a
Grécia e a Tessália, Creta e Chipre. Dessa forma,
dominavam as rotas do Mediterrâneo Oriental e
aquelas que conduziam ao Índico e à Àsia Central,
bem como o Norte da África, ou seja, o Mediterrâneo
Meridional.) A presença do Império Otomano na Eu­
ropa constituiu-se, pois, um problema a preocupar,
de forma crescente, os governos europeus e transfor-
mou-se, ao longo do século XIX, a partir de 1815,
numa das questões fundamentais da política interna­
cional, entrando na linguagem diplomática daquele
século como a Questão do Oriente.
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 13

O ponto crucial da chamada Questão do Oriente


consistia para as chancelarias européias em expulsar
os turcos da Europa. Sob sua dominação encontra-1
vam-se além dos gregos, albaneses, búlgaros e rume- •
nos (os principados da Moldavia e da Valáquia),
várias comunidades eslavas, como os bosníacos, os
sérvios, os herzegovinos, o que provocava atritos per­
manentes com a Áustria, de um lado, e com o Impé­
rio tzarista, de outro. Na Ásia, tinham sob sua
guarda os árabes, como expressão mais genérica, e a ,
pequena multidão de minorias que habitavam os .
diferentes territórios sob administração civil e reli­
giosa otomana. Além do mais, a guarda dos Estreitos
Bósforo e Dardanelos dava-lhes o controle sobre a
entrada do Mar Negro da mesma forma como a do
estreito de Suez era fundamental como acesso ao
Mar Vermelho, ao golfo de Aden e ao Oceano In- •<
dico^ No século da expansão do capitalismo, das
lutas nacionalistas européias, do militarismo e da
diplomacia do prestígio, por parte dos Estados da
Europa, não é difícil compreender que em tomo dos
problemas otomanos se desenvolveram disputas di­
plomáticas e conflitos armados. Foi no bojo dessas
competições que surgiram as questões balcânicas
(formação das nacionalidades e dos Estados que se
libertaram da dominação turca), a questão do Egito
e da construção do Canal de Suez (na segunda me­
tade do século XIX) e a ocupação do Norte da África
(Tripolitânia, Tunísia, Argélia e Marrocos), como
parte da política imperialista européia do período.
Da mesma forma, elas traduziam a decadência do
14 María Yedda Linhares

Império turco, a ponto de ser este denominado na


época de “O Homem Doente da Europa”, cujo fim
estaria próximo, tratando-se apenas de saber como
apressar sua morte.
Nesse momento, ou seja, ao longo do século XIX
e até a Primeira Guerra Mundial de 1914-1918,
cabia, primeiramente, à Grã-Bretanha maior soma
de interesse nas terras asiáticas do Império Oto­
mano, na medida em que elas comandavam as rotas
de acesso à índia. Interesse estratégico, portanto.
Mas cabia também ao Império tzarista defender a
sua política de acesso direto ao Mediterrâneo oriental
(um mar quente), fazendo-o sair de sua famosa “pri­
são continental”, já denunciada desde os tempos de
Pedro o Grande. E, para tanto, era-lhe necessário
enfrentar o otomano e favorecer, o seu enfraqueci­
mento através do fortalecimento das aspirações na­
cionalistas dos povos subjugados pelos turcos (rume-
nos, búlgaros, gregos, eslavos do sul). Por outro lado,
a expansão territorial do Império russo em direção ao
sul colocava a questão estratégica, para os russos, de
controle sobre a Pérsia (o Irã de hoje) e sobre o Afe­
ganistão, originando os sucessivos atritos com o go­
verno britânico que caracterizaram os episódios di­
plomáticos e armados da rivalidade anglo-russa ao
longo do século XIX. Quanto à França, a sua en­
trada no cenário do Oriente Próximo, além das ve­
lhas heranças das Cruzadas e do Reino Latino de
Jerusalém do século XII, parece menos transparente
à luz das estratégias imperiais. Coube-lhe o papel
preponderante de, mais uma vez, se colocar como
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 1!

pretensa guardiã da Cruz (pleiteando resguardar o


Santo Sepulcro em Jerusalém), em oposição aos rus-
sos ortodoxos que também se julgavam herdeiros da
fé cristã em terras otomanas, e, ainda, em se instituir
ao longo do século XIX como potencia modemiza-
dora e protetora do Egito, vestígios da passagem de
Napoleão pelo Nilo. Da mesma forma, a sua política
militarista, a partir de 1830, levou-a progressiva­
mente a ocupar a Argélia e, daí por diante, como
medida de “proteção” da Argélia, já no final do sé-
culo, a estender-se sobre a Tunísia e o Marrocos,
incorporando essas províncias turcas ao Império
Francês como Protetorados.
Mas é lícito ao leitor indagar se é só de interesses
estratégicos que se alimentam os Impérios. Onde es­
tariam, pois, os outros interesses, aqueles de cunho
econômico que movem banqueiros, comerciantes,
industriais e os desempregados em busca de lucros,
posições sociais, empregos e aventuras? No petróleo,
dirão logo alguns. No entanto, o petróleo é fato rela­
tivamente recente na região e sua importância só se
tornou primordial nos últimos quarenta ou cinquenta
anos. No século XIX e nos anos da Primeira Guerra
Mundial, quando emergiu para as chancelarias euro­
péias outro problema — a questão árabe — a tecno­
logia capitalista era pouco dependente do petróleo e
este ainda não tinha um papel importante nas deci­
sões políticas das Potências. Poucos pareciam ser os
atrativos econômicos oferecidos pelas terras do Orien­
te Próximo.
16 Maria Yedda Linhares

A geografia
Embora não seja um dado permanente pois sobre
ela é constante a ação dos homens, caracteriza-se a
geografia da região, nos seus aspectos mais gerais,
pelo clima árido, o que torna seus solos sujeitos a um
processo impiedoso de erosão e difíceis as condições
de desenvolvimento de uma agricultura intensiva. Na
sua paisagem é comum a visão do deserto, com suas
populações nômades e suas caravanas que demandam
os centros de comércio. Hoje em dia, porém, estradas
começam a cortar os desertos e, pouco a pouco, o
caminhão, o trem e o automóvel vão se substituindo ao
camelo e ao cavalo. Apesar do baixo índice pluvio-
métrico característico da maior parte dessas terras,
os solos não deixam de ser férteis, constituindo-se no
fator preponderante para fixação das populações em
núcleos de povoamento. Assim, esses se concentram
ao longo das costas do Mediterrâneo, do Mar Egeu,
do Mar Negro, do Mar Cáspio, do Mar Vermelho, do
Golfo Pérsico e do Oceano Índico, regadas pelas
precipitações que as altas cadeias de montanha favo­
recem; aproximadamente um terço da população to­
tal vive nos vales dos cursos d’água que nascem nas
montanhas, como o Nilo, o Tigre e o Eufrates. Uma
boa parte da população não-árabe, como a do Afega­
nistão, do Azerbaidjã (província iraniana) e da Tur­
quia oriental vive, sobretudo, nos altos planaltos do
interior, bem munidos de chuvas. Quanto à vege­
tação, as zonas mais protegidas por cobertura vegetal
apresentam-se mais ou menos isoladas e separadas
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 17

entre si por grandes extensões de desertos ou de


estepe, que parecem predispor o homem à vida nô­
made.

O Mundo Árabe
Os árabes, povo, etnia ou “nação”, desempe­
nharam a partir do VII século da era crista um
papel de grande importancia na historia da humani­
dade. Tendo a Arábia como berço, estenderam-se,
como conquistadores da fé de Maomé, como comer­
ciantes e propagadores da cultura islámica, da Meso-
potamia (Tigre e Eufrates) ao Marrocos. Etnica- ~
mente pertencem ao grupo semita da raça cauca­
siana. A península de onde, ao que se saiba, sãoA
originários, aparece isolada do resto do continente,
como uma projeção sobre o Oceano índico, entre o
Mar Vermelho e o Golfo Pérsico, como se os grandes
movimentos de povos que caracterizaram por mile­
nios a história da Ãsia anterior lhe tivessem perma­
necido estranhos. Mas é ainda no seu próprio interior
que ela mais se isola. A sua região central, o Nedj,
é separada do litoral por urna extensa cadeia de
montanhas e as regiões limítrofes mais facilmente se
comunicam umas com as outras do que propria­
mente com o seu interior. No centro, dominam os
desertos, com escassa população. Na periferia, zonas
mais densamente povoadas e alimentadas por chuvas
— o Crescente Fértil — permitem a concentração de
agrupamentos humanos sedentários e favorecem o
surgimento de centros urbanos, entre os quais se dis-
18 Maria Yedda Linhares

tinguiram Bagdá e Damasco como autênticas capi­


tais políticas e culturais. A localização geográfica da
Arábia e do Crescente Fértil entre o Oriente e o Oci­
dente, entre a Ãsia, a África e a Europa, justifica sua
considerável importância estratégica no cenário in­
ternacional, importância essa que se tornou ainda
mais acentuada a partir da abertura do Canal de
Suez(1869), do desenvolvimento da navegação marí­
tima e, nos últimos decênios, com o descobrimento e
a exploração de suas ricas jazidas de petróleo. Da
mesma forma, o desenvolvimento da aviação em
nosso século tornou importante essa região como es­
cala nas comunicações com o Sudeste Asiático e o
Extremo Oriente. /
/Pela sua própria etimologia, a palavra árabe
significa “nômade que vive sob a sua tenda no de­
serto”. Conseqüentemente, ela diz mais respeito a
um gênero de vida e de organização social do que a
•! uma língua e, menos ainda, a uma raça. Na própria
península arábica, variada é a origem dos grupos
humanos que a povoam. A própria língua árabe, que
se difundiu, arabizou populações e gerou mais arabi-
zados do que árabes propriamente ditos, povos que
passaram a se identificar pela língua, pela religião e
pelos hábitos sociais. Assim como os povos, a língua
sofreu transformações e apresenta hoje variações
acentuadas segundo o país e o grau maior ou menor
de assimilação com populações e culturas preexis­
tentes. Na Antiguidade, por alguns milênios, os nô­
mades do centro da península emigraram para as
terras mais férteis do norte, em direção à Mesopo-
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 19

tâmia e à Anatólia, mas foram detidos por hordas


diferentes de hititas, huris, mitanis. Da mesma for­
ma, vagas de migrantes indo-europeus lançaram-
se em direção ao Mediterráneo e fundiram-se aos
árabes e outras populações ja sedentarizadas. Assim,
a história antiga dos árabes dificilmente podería ser
dissociada de seus contactos com os hititas, egipcios,
babilónicos, persas, gregos, romanos, hebreus, e
assim sucessivamente. Logo, os povos aos quais cha­
mamos de árabes representam um conjunto hetero­
géneo do ponto de vista étnico. Sua expansão, a /
partir do VIII século em direção ao Ocidente e atra­
vés do norte da África, contribuiu, ainda mais, para
essa diversidade, distinguindo-se, à parte, o mundo
árabe do Oriente — Machrek — em oposição ao
mundo árabe do Ocidente — o Maghreb, norte-afri­
cano, pelas diferenças no falar e nos costumes. Hoje
representam um conjunto em torno de 150 milhões
de habitantes sobre um total de mais de meio bilhão
de muçulmanos espalhados sobre dois continentes,
a África e a Ásia, e abrangem os seguintes países ou
Estados: Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia (ponto de
encontro entre o Oriente e o Ocidente árabes), Egito, /
1 Sudão (parcialmente muçulmano arabizado e par­
cialmente africano, negroides nilóticos e animistas),
Arábia Saudita, República Árabe do Iêmen, Repú­
blica Democrática Popular do Iêmen, Mascate e
Omã (ex-sultanato), os Emirados Árabes Unidos,
Iraque, Síria, Líbano, Jordânia, Koweit, e, como um
caso à parte, em litígio, a Palestina representada pelo
movimento contestatário anti-sionista dos palestinos.
20 Maria Yedda Linhares

O Islã
O Islã não é apenas o conjunto de dogmas teo­
lógicos e normas sociais que compõem a religião
monoteísta pregada por Maomé, na Arábia do século
XII. Ê, antes de tudo, um tipo de comunidade civil
guiada pelas leis do Corão e por uma herança cul­
tural comum, no sentido antropológico, ou seja,
como o “conjunto de todos os comportamentos so­
cialmente adquiridos e transmitidos que se manifes­
tam através de todas as suas obras; comportamentos
técnicos (inclusive as técnicas do corpo), práticas
econômicas, cognitivas, artísticas (inclusive as mani­
festações mais humildes e mais momentâneas da pul­
sação estética), jurídicas no sentido amplo (modos de
agrupamento, relações de parentesco, etc.), ideoló­
gicas (nas sociedades pré-modernas, a religião), etc.”
(Máxime Rodinson, Les Arabes, Paris, PUF, 1979,
p. 20.) Islã, ou islame, na sua etimologia árabe,
significa resignação à vontade de Deus, e muçul­
mano (do árabe muslim, ou seja, “submetido ao is­
lame”) refere-se ao adepto de Maomé (ou Muham-
mad) e, portanto, aos ensinamentos do Profeta con­
tidos no Corão (Qurãn) o livro sagrado, o livro das
revelações feitas por Deus, segundo a tradição. Sua
doutrina repousa na fé de um Deus transcendente,
Alá, próximo do Jeová dos judeus e dos cristãos,
e cuja pedra de toque é o dogma da predestinação e
cujas práticas incluem a oração cotidiana, com o
crente voltado para a direção de Meca — a cidade
santa — o jejum ritual, a caridade, a peregrinação
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 21

aos lugares sagrados (à Kaaba de Meca e ao túmulo


do Profeta em Medina, pelo menos uma vez na vida
do fiel), a interdição de bebidas alcoólicas e de certos
alimentos, a jihad ou “guerra santa” que assegura a
salvação das almas daqueles mortos em combate pela
fé.
Minucioso e extremamente poético na forma, o
Corão condena a idolatria, o luxo e a ostentação,
reconhece a escravidão como uma instituição assim
como a poligamia, e sobre a posição da mulher prega
o seguinte: “O homem tem autoridade sobre a mu­
lher porque Deus fez um superior à outra e porque
ele gasta sua fortuna mantendo-a; assim, a boa mu­
lher é obediente, protegendo as partes invisíveis por­
que Deus as protegeu”. (Sura 4:31.) E, ainda, a
desobediência pela mulher ao marido deve ser pu­
nida com o banimento e castigos corporais, pontos
esses hoje contestados pelos muçulmanos cujo com­
portamento face à mulher tem se tornado mais li­
beral. Em todo o caso, é no tocante à posição da
mulher na sociedade islâmica que mais se alarga a
diferença entre o mundo criado por Maomé e aquele
do Cristianismo e da chamada civilização ocidental,
pelo menos nos seus textos legais.
A história do império islâmico, com suas seitas e
dissidências internas, teve início, segundo a tradição,
com a hégira, a era muçulmana, em 16 de julho de
622, dia em que o Profeta Maomé partiu de Meca
para Medina. Dessa data em diante, até a morte do
Profeta, a guerra se estendeu pela Arábia com o
objetivo de submeter as tribos árabes à sua religião.
22 Maria Yedda Linhares

Meca e Medina estão localizadas no Hedjaz, na parte


ocidental da península. O primeiro desses centros,
situado no fundo de um vale dominado pelo Abu-
Kubaís, berço de Maomé e da revelação do Islã, já se
distinguia como núcleo religioso e comercial, ponto
de convergência de tribos politeístas da Arábia pré-
islâmica que lá se reuniam com o objetivo de adorar a
Pedra Negra na velha Kaaba. Distinguia-se também
como lugar de passagem das caravanas que faziam o
comércio entre a Síria e o Iêmen através do deserto.
A destruição da “pedra negra” marcou o ponto de
partida de Maomé para a conversão de seus árabes,
tendo como instrumento a guerra santa. Seus suces­
sores foram os califas (Khalifâ) — lugares-tenentes e
herdeiros — que conjugavam o poder civil e religioso
e o impunham pela conquista. A história dos dife­
rentes Califados é, por conseguinte, a longa e bri­
lhante história da expansão do Islã sobre o Crescente
Fértil, a Pérsia, o Egito, a índia, o Norte da África,
a Ibéria e a tentativa de penetrar na França.j No sé­
culo XI, os turcos originários do Turquestão oci­
dental (Kazaquistão de hoje) foram convertidos ao
Islã, fizeram sua primeira investida em direção ao
Crescente Fértil e à Ásia Menor (o império Seldjú-
cida) e impuseram uma longa dominação que se es­
tendeu até o século XIV, quando emergiram os oto-
manos, do noroeste da antiga Frigia, nos confins da
província bizantina de Bitínia. Daí por diante, a
História registra o avanço dos turcos otomanos sobre
Bizâncio, até a queda de Constantinopla (1453), ou o
que restava do velho Império Romano do Oriente./
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 23

O inicio dos chamados Tempos Modernos signi­


fica para os árabes urna fase de decadencia e de
perda de poder no conjunto do mundo islámico. O
herdeiro de Maomé, o seu novo lugar-tenente, o Ca­
lifa, chefe religioso supremo dos muçulmanos, seria
desde então o Sultão otomano sediado em Constan-
tinopla.; Aliás, os árabes haviam perdido o seu im­
peto conquistador embora tendo deixado por toda a
parte a marca civilizadora de sua passagem. O centro
da península originária, no entanto, parecia perma­
necer fiel às suas tradições mais puras: o árabe,
beduino do deserto, isolado das invasões, preser­
vando a língua e seus costumes, infenso aos contactos
mais intensos e às influências de um outro árabe que
se sedentarizou, que se localizou nos centros urbanos
e administrativos, tornando-se artesão, comerciante,
homem de letras, burocrata, aberto a novas formas
de manifestação cultural e ao intercâmbio com ou­
tros povos.
/Por outro lado, a expansão dos navegantes do
Atlântico e do Mediterrâneo europeu, com a aber­
tura das rotas oceânicas em direção ao Oriente, foi,
até certo ponto, fatal para a prosperidade do comér­
cio árabe que fazia o tráfico de mercadorias para as
cidades européias. Os Tempos Modernos abriam a
nova era da Europa, modificando, com rapidez cada
vez maior, o mapa econômico do mundo. Numa
visão retrospectiva romântica, poder-se-ia dizer que
o mundo muçulmano e, dentro dele, o mundo árabe,
passou a ter contactos não apenas esporádicos mas,
também, em situação de inferioridade face a uma
24 Maria Yedda Linhares

Europa que emergia como o centro de poder e de


decisão da História. Enquanto aqueles pareciam
permanecer imutáveis, presos ao passado e à tradi­
ção, a Europa passava a representar a explosão de
um mundo em mudança: idéias, sistemas de orga­
nização política e social, estruturas econômicas que
faziam revolver as sociedades humanas nos seus
próprios fundamentos. O capitalismo emergente e a
revolução industrial a partir do final do século XVIII,
aliados às concepções políticas, sociais, filosóficas,
científicas e estéticas da burguesia européia em as­
censão, irão marcar o mundo contemporâneo e pene­
trar também no velho edifício do islamismo.

A Civilização Árabe
Existe um longo passado árabe anterior ao Islã.
Se nos dias de hoje a população muçulmana do globo
terrestre é superior a meio bilhão de pessoas, cal-
cula-se em tomo de 150 milhões o número de árabes,
os quais antes de serem adeptos do islamismo conhe­
ceram o paganismo, o masdeísmo (religião dos persas
e medas), o judaísmo, o cristianismo. Nas guerras de
conquista pós-Maomé, sofreram eles influências cul­
turais diversas, desenvolveram outras atividades,
fundiram-se a outras etnias. Ao longo dos séculos,
sobretudo no Oriente Próximo, comunidades cristãs
e judaicas de língua árabe permaneceram vinculadas
ao arabismo, embora não-muçulmano, e exerceram
um papel importante, sobretudo os cristãos, na evo­
lução dos movimentos anticoloniais, a partir do sé-
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes

culo XIX.
Por civilização árabe, entretanto, entende-se
como sendo o conjunto de fenômenos culturais e
artísticos referentes ao bloco político-ideológico do
Dar al-Islame (morada do Islã) em que os árabes
'tiveram uma importância mais do que significativa.
Como se poderia definir essa unidade? Se a língua
religiosa era o árabe (a língua do Corão), no entanto
as grandes realizações estéticas e intelectuais foram
realizadas por pessoas cuja língua materna podía
tanto ser o árabe quanto o persa, o turco, o berbere
ou qualquer outra, Mas será o árabe a língua lite­
rária por excelência, aquela que serviu de base à ex­
pansão do Islã. Inúmeros e brilhantes foram seus
poetas e prosadores, como nos primeiros tempos o
grande poeta lírico e satírico Imrul Kais (originário
do Nedj), ou Abu Nowas (de origem persa, do X sé­
culo), citando-se, ainda, os contos das Mil e Uma
Noites (também de origem persa) e a grande obra de
um historiador norte-africano, Ibn Khaldum, que
viveu e morreu no Maghreb no século XIV. Através
dos árabes, o Ocidente pôde conhecer os filósofos
gregos cujas obras foram encontradas na biblioteca
dos Ptolomeus, no Egito, as quais foram por eles
comentadas. No tocante à ciência, foram notáveis
vulgarizadores, desenvolvendo as matemáticas (so­
bretudo a álgebra e a geometria), a partir de Euclides
e Arquimedes, a medicina, a geografia, a astronomia,
ministrando o ensino (universidades do Cairo, de
Damasco e de Bagdá) e promovendo o saber. Nas
artes, distinguiram-se na arquitetura e no desenho

SSCSHiUFKG8
26 Maria Yedda Linhares

geométrico, de delicada e rara beleza. Segundo eles,


a sua decadência começou com a dominação turca,
a partir do XI e, sobretudo, do XV séculos. No
entanto, é forçoso lembrar que tanto o Império Oto­
mano quanto o Império Iraniano e o Mongol da
índia, no mesmo período, viveram momentos de es­
plendor intelectual e artístico.
• Em suma, para avaliar o fenômeno da expansão
árabe no mundo, devem ser levados em consideração
os seguintes fatores: em primeiro lugar, os laços cul­
turais, linguísticos e institucionais que uniram as tri­
bos do norte e do centro da Arábia no período pré-
islâmico; em segundo lugar, o papel político unifi-
cador e ideológico desempenhado pelo Islã depois da
Hégira do século VII, e, finalmente, segundo Má­
xime Rodinson (op. cit., p. 51), “as condições sociais
e políticas que permitiram a manutenção e a difusão
da língua árabe, que mantiveram em algumas tribos
seus modos de vida antigos e difundiram em outras
uma consciência de arabidade também presente en­
tre aqueles que mudaram seu modo de vida”. Os que
passaram a adotar a língua árabe, adquiriram, em
maior ou menor grau, essa consciência de pertencer a
um mundo comum. Nos últimos tempos, principal­
mente a partir do século XIX, outras correntes histó­
ricas, provenientes da Europa ocidental e capitalista,
na fase da expansão imperialista, trouxeram novos
elementos de complexidade para o mundo árabe;
entre esses, os mais explosivos foram, sem dúvida,
o nacionalismo, num primeiro momento, e o socia­
lismo, na fase atual.
------------------------------------------------------------------------- ------------------------------------------------------------------
A FORMAÇÃO DOS ESTADOS
ÁRABES CONTEMPORÁNEOS

A crise do Império Otomano


(o século XIX)

As divisões de ordem teológica e política que


puseram em perigo a sobrevivência da obra de Mao-
mé, ainda no seu berço, com as primeiras divergên­
cias sobre a sua sucessão, explicam a existência das
numerosas seitas em que se fracionou o mundo árabe
ainda na fase áurea de conquista em nome da fé^
/Daí serem os persas chiitas, as populações arabí-
zadas do Norte da África, wahabitas, para não falar­
mos nos sunitas, zeidistas, nosairis, drusos, metualis
e outros mais que traduzem dissidências quanto à
interpretação do Corão, as quais, em alguns casos,
chegam a ter pouco em comum com o próprio Islã.
Mas, apesar das rivalidades internas e das cisões
28 María Yedda Linhares

subseqüentes, foi inegável o sucesso alcançado pelo


avanço árabe na propagação do Islã pela Àsia Me­
nor, pelo Norte da África, levando-o, via Marrocos,
até a Espanha no século VIII. Ao fulgor dos suces­
sivos califados, seguiram-se, porém, períodos de des­
censo e lutas intestinas até o momento em que a
conquista levada a cabo pelos turcos otomanos, já
islamizados, abriu uma nova era não apenas para os
árabes como para o conjunto dos povos muçulmanos.
Curto, porém, foi o esplendor do Império Oto­
mano. Sediado em Constantinopla, comandava, com
suas famosas tropas de elite, os janízaros, as rotas
que ligam o Mediterrâneo Oriental ao Oceano In­
dico. Nos séculos XVII e XVIII, como se mencionou
acima, sua história se caracterizou pela ferrenha
oposição da Áustria e da Rússia, como Estados limí­
trofes, e todo ao longo do século XIX, após a Revo­
lução Francesa e as guerras napoleónicas, as conjun­
turas internacionais aliadas às condições da evolução
interna dos povos subjugados contribuíram para o
maior enfraquecimento do Império Otomano e suas
transformações. Fazia parte do jogo das potências
européias, no apogeu da política nacionalista e de
expansão político-militar, acirrar os nacionalismos
dos povos eslavos, jogando com suas contradições in­
ternas, e assegurar, através de um intrincado manejo
da diplomacia, o domínio sobre o Mediterrâneo
oriental. Na medida em que o século avança e, com
ele, tornam-se mais espetaculares os progressos da
Revolução Industrial e do capitalismo, como sistema
econômico em expansão, a diplomacia deixa de ser
1

Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 29

um jogo enredado de palavras e artifícios entre inte­


resses dinásticos para se tomar a arma pela qual se
exerce a disputa de mercados, rotas estratégicas,
bases de abastecimento. Disraeli, ministro inglés da
era da rainha Vitoria, definiu como um dos obje­
tivos supremos da política da Grã-Bretanha a defesa
“das fronteiras científicas”, o que, em última aná­
lise, significa proteger, por quaisquer meios, o acesso
à índia.
Os turcos dificilmente poderíam fazer face às
pressões das grandes potências que se rivalizavam
pela preponderância naquelas regiões sob seu domí­
nio. De um lado, a Inglaterra, desejosa de salva­
guardar a integridade e, paradoxalmente, a fraqueza
do arcaico edifício turco, como a melhor maneira de
manter, sem interferência de outra potência, os ca­
minhos que levavam à índia em terras e águas oto­
manas. Por outro lado, a Rússia dos tzares, procu­
rando forçar o esfacelamento do Império Otomano a
fim de obter o controle dos estreitos de Bosforo e dos
Dardanelos. A França, por sua vez, em parte pre­
mida por problemas de ordem interna, lança-se, num
primeiro momento (primeira parte do século) sobre o
Egito e a Argélia e, após 1880, sobre a Tunísia e o
Marrocos. Enquanto a Áustria, também arcando
com o peso de uma monarquia tradicional e estru­
turas sociais e econômicas mais cristalizadas e resis­
tentes às transformações que se operavam nos países
da Europa de oeste, mal se limitava a vigiar os nacio­
nalismos balcânicos em plena efervescência, defron­
tando-se, então, com os interesses russos de um vago
30 Maria Yedda Linhares

e hipotético pan-eslavismo.
/Pouco a pouco, vai-se decompondo o Império
Otomano apesar das tentativas de rejuvenescimento
que se fizeram através das reformas dos sultões Selim
III e Mahmud II (1808-1830), de caráter militar e
administrativo, ou seja, no sentido de modernizar
seus instrumentos de governo, e, ainda, em 1876,
a adoção de uma Constituição, de inspiração ociden­
tal, a modernização da burocracia e da educação sob
Abd ul-Hamid II pós-1878, a ascensão dos “Jovens
Turcos” que, finalmente, se apoderaram do poder
em 1908 e nele permaneceram até 1918. Sob o movi­
mento dos “Jovens Turcos” e seus diferentes seg­
mentos políticos, a Turquia deu mais um passo para
a modernização de suas instituições, enfatizando o
nacionalismo turco e a laicização do Estado, com a
introdução do Direito Civil, a abolição da poligamia,
a emancipação da mulher e a adoção de programas
de desenvolvimento econômico e social. Tais esfor­
ços, no entanto, não chegaram a atingir plenamente
os seus objetivos e, ao ter início a Guerra de 1914-
1918, o Império Otomano, aliado dos Impérios Cen­
trais (Alemanha e Àustria-Hungria), tentou arregi­
mentar os muçulmanos, sob sua jurisdição, inclusive
os árabes, mais uma vez em nome do Islã, decla­
rando a “Guerra Santa” contra os exércitos da En­
tente Cordiale franco-britânica e da aliança franco-
russa. A guerra mundial que se iniciava iria dar o
golpe de misericórdia no último Califado, o de Cons-
tantinopla.
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 31

Os primordios do nacionalismo árabe

A noção de despotismo associada à de jugo insu­


portável e feroz de sultões e paxás, indolentes e las­
civos, sobre populações pobres e indefesas do Oriente
parece arraigada na mentalide do “homem comum”
do Ocidente, sobretudo através das imagens difun­
didas pelo cinema. Não há dúvida de que à base da
conquista por hordas nômades está implícita a vio­
lência com a escravização dos vencidos que se tor­
nam, em alguns casos, uma casta militar, a extração
de tributos e a instauração de uma autoridade civil e
judicial em que imperam os mecanismos de coerção.
Mas, na medida em que se organizam os Estados,
com base territorial, os nômades se seden tarizam,
desaparecendo como tais da cena histórica, assim
como os escravos, estrangeiros, base de recrutamento
militar, perdem sua força política, embora no con­
junto persista a tradição de submeter as minorias
étnicas. De fato, a sociedade islâmica caracterizou-
se, na sua expansão territorial, pelas tradições plura­
listas e pelo estabelecimento de normas jurídicas de
tipo personalista, permitindo a convivência entre
muçulmanos e não-muçulmanos, numa tentativa,
bem sucedida, de manter suas respectivas normas
sociais .y
No caso da dominação turca, foi evidente a su­
perposição de uma casta otomana às populações pre­
existentes, árabes e outras, por sua vez, já anterior­
mente hierarquizadas com seus sistemas próprios de
32 Maria Yedda Linhares

estratificaçào. Ê evidente também que a participação


dos “súditos” na vida política de um Estado que tem
na sua base a escravidão e uma classe dirigente es­
trangeira, embora associada à “aristocracia” local,
não pode deixar de ser insignificante. Os segmentos
inferiores das estruturas sociais tendiam a demons­
trar um comportamento indiferente às manifestações
do poder (soberano e camadas dirigentes), salvo
“quando entram em jogo a religião, a corrupção e a
opressão excessiva” (G. E. Von Grunebaun, El Is­
lam, Siglo XXI, 1975, p. 8). De uma maneira geral,
as “províncias” eram governadas com certa frouxi­
dão, preservando-se um acentuado grau de auto­
nomia local,» pelo menos como uma tendência gene­
ralizada. Mas se o mundo islâmico - o Dar al-Islã —
é heterogêneo quanto às estruturas econômicas e so­
ciais, assim como do ponto de vista administrativo e,
até mesmo, espiritual, não se deve desconsiderar o
poder da ortodoxia quanto à religião, daí a sua divi­
são interna entre fiéis e infiéis, a tendência à exal­
tação religiosa exacerbada e a explosões súbitas de
protesto econômico e social, sob a capa da religião e
da sua pureza.
No século XIX, as convulsões que assolavam o
Império Otomano refletiram-se, como é natural, no
mundo árabe. A Mesopotâmia, a Síria, a Palestina
eram províncias nas quais a dominação turca se exer­
cia mais efetivamente nas cidades. A Arábia persistia
no seu isolamento, dominada por xeques, emires e
sultões. O xerife de Meca era um representante di­
reto do Califa (sultão otomano) e sua autoridade se
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 33

estendia pelo conjunto dos lugares santos, inclusive


sobre parte do Hedjaz. Em 1839, a Inglaterra se esta­
beleceu em Aden e daí começou, lentamente, a alar­
gar a sua esfera de influencia.
No Egito, a curta ocupação pelas tropas de Na-
poleão (que também se apoderaram do sul da Siria)
deu início a acontecimentos que iriam modificar no
decurso do século a historia dos povos árabes. Um
segundo acontecimento verificou-se no coração da
Arabia, com a tentativa de formação de um reino
árabe, o Wahabita. Tais fatos foram decisivos para o
“renascimento” árabe que se dará daí por diante.
Coube a Mohamed Ali idealizar, pela primeira
ve¿, a criação de um Estado árabe unificado. Era ele
um albanês rude e analfabeto, certamente ambicioso
e inteligente. Soldado otomano na época de Mahmud
II, seguiu para o Egito ocupado por Napoleão, nos
fins do século XVIII, organizou um poderoso exército,
destruiu os mamelucos (casta militar dirigente) e no-
meado paxá daquela província do Império realizou
uma imensa obra administrativa. A tal ponto forta­
leceu seu poderio, auxiliado pelas qualidades mili­
tares de seu filho Ibrahim, que cedo passou a cons­
tituir uma ameaça à segurança e à integridade do
próprio Império Otomano. As guerras empreendidas
por Mohamed Ali e por seu filho levaram os exércitos
egípcios a todos os recantos da Asia onde era o árabe
falado. Além do Sudão (Dar el-Sudã, país dos ne-’
gros, ao sul), conquistou a Grande Síria e pacificou
os wahabitas na Arábia insurrecta, fato este que
merece ser destacado.
34 Maria Yedda Linhares

Pelo final do século XVII, nascia no Nedj, Mo-


hamed Ibn Abdal-wahhab, da tribo de Tamim, o
qual após estudar teologia e jurisprudência nas esco­
las do Oriente, tratou de angariar discípulos com o
objetivo “de restaurar a pureza original da doutrina e
da vida islâmicas” (D. Brockelmann, Histoire des
Peuples et des États Islamiques, p. 296). O movi­
mento por ele pregado tinha semelhança com o da
Reforma de Lutero no século XVI. Repudiava a
veneração do Profeta e dos outros santos, o luxo,
as ornamentações suntuosas nos túmulos e mesqui­
tas, o uso do tabaco, pregando, enfim, o retorno à
frugalidade e à fé tradicional. Imprimiu grande entu­
siasmo às suas pregações e despertou em seus adep­
tos a chama do ardor belicoso há tanto tempo desa­
parecido. Assim, foi convertido à nova seita refor­
mada — o wahabismo — Mohamed Ibn Saud, emir
do Nedj, que encetou a “guerra santa” com o fito de
organizar um império árabe purificado. Após sua
morte, ocorrida em 1757, seus descendentes prosse­
guiram a obra iniciada. Decorrido meio século, não
apenas era forte o domínio do wahabismo entre as
tribos beduínas do deserto, como em todo o Hedjaz,
de onde foram os otomanos expulsos, daí advindo a
ocupação de Meca e Medina. Na marcha para o
norte, os wahabitas apoderaram-se da Palestina e
cercaram Damasco.
A Mohamed Ali coube enfrentar o wahabismo,
através de várias campanhas militares, no que foi
bem sucedido. Apesar da repressão que se seguiu à
vitória (1811-1812), o wahabismo permaneceu la-
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 35

tente para ressurgir um século depois na própria


Arabia, ainda sob a chefia de um membro da família
saudita.
Quanto a Mohamed Ali, o Grande, viu-se for­
çado a abrir mão de seus desígnios, ou seja, ode criar
um Reino Árabe. A intervenção da Europa foi deci­
siva no caso. A campanha do Sudão, com a fundação
de Cartum em 1822, tinha por objetivo controlar o
curso superior do Nilo e suas caravanas, bem como o
tráfico de escravos, o que certamente desagradou à
política inglesa. Na campanha da Síria (1831-32),
ficou patente a sua superioridade sobre os otomanos.
Tanto russos quanto ingleses temiam a constituição
de um Estado forte naquelas paragens. Por uma
segunda vez, as tropas egípcias ameaçaram Constan-
tinopla( 1839-40), provocando então uma crise inter­
nacional na qual a França tomou posição pelo Egito.
Ao final, Mohamed Ali retira suas tropas de ocu­
pação da Arábia, abre mão de suas pretensões sobre
Constantinopla, obtendo em troca o direito de here­
ditariedade sobre o Egito que continuará dentro do
Império, mas com um estatuto especial.
Enfraquecido mas assegurando o poder à sua
dinastia, deu continuidade à obra de modernização
do país, no que foi apoiado pela França. As reformas
que introduziu, como as de um “déspota ilustrado”,
abrangem a administração financeira, altamente
centralizada e dirigida, as atividades econômicas,
contrariamente ao regime das Capitulações vigorante
(privilégios assegurados aos estrangeiros) e os novos
acordos assinados entre o Império e as Potências
36 Maria Yedda Linhares

(livre comércio nos territórios otomanos), instituindo


o monopólio da sua dinastia sobre a terra, criando as
fazendas do Estado cuja exploração é confiada a
camponeses, introduzindo a cultura intensiva do al­
godão de fibra longa, promovendo o desenvolvimento
das manufaturas. Suas reformas levaram ao desapa­
recimento das antigas fortunas agrárias e da aristo­
cracia dos mamelucos. Favoreceu de maneira extra­
ordinária. o desenvolvimento do ensino, a expansão
de escolas técnicas, a ida de bolsistas para a Europa,
permitindo, assim, a formação de uma intelectuali­
dade moderna e instruída. Mas do ponto de vista
social, pouco mudaram as condições de vida dos seus
então cerca de três milhões de habitantes. No topo
da pirâmide social encontravam-se os ulemás, elite
religiosa e intelectual, distanciada do governo, a
seguir os proprietários, os comerciantes, os artesãos
e, abaixo de todos, os camponeses (os felás) que
compreendiam cerca de 9/10 da nação, miseráveis,
sujeitos ao trabalho forçado, quando recrutados, sem
direitos. Outra de suas medidas foi a sedentarização
dos beduinos que formavam, até então, um grupo
isolado e aguerrido no deserto. Muitas das institui­
ções tradicionais, como a família, não foram toca­
das. No entanto, o primeiro passo estava dado no
sentido de abalar o velho edifício muçulmano. Se,
por um lado, a destruição de antigos grupos diri­
gentes não encontrou resposta no surgimento ime­
diato de uma burguesia local urbana, industrial ou
comerciante, por outro, é forçoso reconhecer que as
reformas encetadas, mesmo precárias e demasiada-
Oriente Médio e o Mundo dos Arabes 37

mente tuteladas pelo Estado personificado na dinas­


tia que se criava, contribuíram para o despertar de
urna consciencia nacional.
Ressalte-se, ainda, o fato de que por onde passa­
vam os exércitos de Ibrahim, escolas eram criadas,
surgiam jornais, propagava-se o ensino do árabe,
dando origem a um verdadeiro renascimento literá­
rio, sementes de um nacionalismo que frutificaria. A
partir da segunda metade do século, organizam-se
sociedades na Síria que provocam levantes contra a
dominação otomana e, no Egito, foi importante a
revolta de Orabi Paxá de Alexandria (1882) contra a
intervenção anglo-francesa nos negócios internos do
país, principalmente na organização do exército e
contra a fraqueza de Tewfik Paxá posto no trono
pelos ingleses. Nas raízes do nacionalismo egípcio
expresso na revolta de Orabi Paxá encontra-se a
humilhação com a bancarrota egípcia em face de
seu endividamente externo, com o controle inglês
sobre sua alfândega, bem como a perda do controle
financeiro sobre o Canal de Suez, com a compra das
ações do governo egípcio pelo governo inglês, e, final­
mente, a própria ocupação do Egito pela Inglaterra
em 1882. A sucessão de Mohamed Ali (1847-1882)
fora marcada pela continuação da política de moder­
nização do país: obras públicas, estradas de ferro,
serviços postais, irrigação, abertura do Suez, reforma
agrária com a instauração da propriedade privada
sobre a terra, originando o surgimento de uma nova
classe de grandes proprietários de terra vinculada ao
setor financeiro e industrial, nacionalização dos pos-
38 Maria Yedda Linhares

tos superiores do exército, etc. Tal modernização


mudou a face do país e colocou o Egito como o pri­
meiro dos países árabes, aquele que aspiraria uma
liderança nos movimentos contra a dominação es­
trangeira.
Outro fato também contribuiu para acirrar a
hostilidade latente da população contra o ocupante e
a perda da independência. Foi a perda da província
meridional, o Sudão, em decorrência de uma revolta
local de cunho religioso e que não pôde ser debelada
de início pelos egípcios (1881). A reconquista foi
empreendida em 1898 sob o comando inglês de
Kitchener, com o auxílio de tropas egípcias, e, em
1899, assinou-se uma convenção que estabeleceu o
condomínio anglo-egípcio sobre o Sudão. De fato,
a ocupação do país caberia à Inglaterra, sendo que o
governador geral do Sudão seria, daí por diante, o
Sirdar (comandante-em-chefe) do exército egípcio,
sendo apenas nominal a parte que cabia ao Egito na
administração do condomínio. A extinção desse re­
gime continuou sendo nas décadas seguintes uma das
principais reivindicações do nacionalismo egípcio.
Do ponto de vista econômico, acentua-sc a ten­
dência monocultora da economia egípcia, desta­
cando-se o algodão como seu principal produto.
Crescem os investimentos estrangeiros no país (servi­
ços públicos, bancos, indústrias de consumo). Em
1890, são extintas as corporações e se libera a mão-
de-obra para o mercado de trabalho. A concorrência
estrangeira acelera a morte do artesanato local. Ao
ter início o século XX, o Egito, sem perspectivas de
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 39

desenvolver seus próprios recursos, nada mais é do


que urna reserva do capitalismo britânico. Sua popu­
lação crescia em ritmo acelerado e eram nulas as suas
possibilidades de vencer as condições de miséria,
cada vez mais acentuadas.
Na Siria e no Líbano (do hebraico Leban, bran­
co, província turca criada em 1861) foi particular­
mente notável o movimento intelectual durante a
administração de Ibrahim Paxá que favoreceu a
abertura de escolas americanas e francesas. Tipogra­
fías foram instaladas em Beirute. Em 1866, já se
inaugurava o Colégio Protestante Sirio que se trans­
formaría na Universidade Americana de Beirute.
Também os jesuítas aí fundaram a Universidade de
São José. Em breve, alemães, russos, ingleses e fran­
ceses abriam escolas e acolhiam entre seus alunos
tanto muçulmanos quanto cristãos, distinguindo-se
as francesas pela qualidade do ensino ministrado e
pela extraordinaria difusão da língua e da cultura
francesas. No entanto, coube à Universidade Ameri­
cana de Beirute um papel mais importante no renas­
cimento da língua árabe, ao acolher alunos de todo o
Oriente Próximo, favorecendo a redescoberta do seu
passado e das suas tradições clássicas, o que foi fun­
damental no despertar de uma consciência nacional.
Nesse final do século XIX, o nacionalismo árabe
apresenta duas perspectivas: 1) o renascimento pro­
movido pelos cristãos libaneses manifesta-se como
um movimento cultural; em 1880, organizava-se em
Beirute uma sociedade nacionalista, antiotomana,
que reunia cristãos, muçulmanos e drusos exigindo o
40 Maria Yedda Linhares

árabe como língua oficial, a liberdade de expressão e


a autonomia para a Siria e o Líbano; perseguições
movidas pela polícia otomana levaram à dissolução
da sociedade e à fuga de seus líderes para o Egito;
2) o nacionalismo que emergiu no Egito, na mesma
época, tinha um cunho religioso acentuado e assumia
o caráter de um movimento pan-islâmico, sob a dire­
ção de Jamalud-Din al-Afghani, sem a inclusão de
cristãos e com características chauvinistas.
No renascimento da língua e da cultura árabes,
foi, em todos os sentidos, incomensurável a contri­
buição da intelectualidade libanesa, sui generis na
sua composição étnica e diversificada do ponto de
vista religioso (maronitas, gregos orientais e católi­
cos, muçulmanos, drusos, metualis). Urna vez no
Egito, coube-lhe editaros primeiros jornais e revistas
do país e exercer uma influencia intelectual consi­
derável no restante do mundo árabe, favorecendo
a preservação da língua clássica e, ao mesmo tempo,
modernizando-a segundo as exigencias de novos con­
ceitos e de novas idéias trazidas pela ciencia e pela
tecnologia do Ocidente. Por outro lado, foi também
notável a contribuição dos libaneses que emigraram
para o continente americano, provocando o que
Edward Atiyah (The Arabs, Penguin Books, Edin-
burgo, 1955) classificou de “terceira corrente de pen­
samento árabe, revitalizado por influencias ociden­
tais”.
Âs vésperas da Primeira Guerra Mundial, multi-
plicavam-se as organizações nacionalistas árabes. No
Egito, líderes como Mustafá Kemal, jornalista de
Oriente Médio e o Mundo dos Arabes 41

formação francesa, representava uma ala de es­


querda liberal e ocidentalizante e, no sentido conser­
vador, destacava-se a atuação do Partido da Nação
(hizb al-Umma), antiotomano, por excelência, favo­
rável a uma colaboração com os ingleses, tendo à
frente grupos sírios e a figura de Saad Zaghlul que,
mais tarde, constituirá o Wafd. Associando-se aos
grupos herdeiros da organização nacionalista radical
que restaram após a morte de Mustafá Kemal(1908),
tornaram-se militantes eficientes a partir de 1913
numa espécie de frente nacionalista. Por outro lado,
no Império Otomano, o movimento Jovem Turco
(1908) restaurava a constituição (suspensa em 1876)
e decretava a igualdade de todos os povos dentro do
Império, sendo oferecida aos árabes participação no
governo e no parlamento. Um desses deputados em
Constantinopla foi Abdala, da família hachemita do
Hedjaz e que se tornaria depois rei da Jordânia. Mas
foi de curta duração o idílio turco-árabe e não tar­
daram a surgir sociedades secretas árabes de cunho
antiotomano, inclusive entre a oficialidade árabe do
exército turco. Também nelas foi decisiva a parti­
cipação dos grupos sírios e sua influência tendia a
espalhar-se pela Mesopotâmia (Bagdá) e pelo Hedjaz,
que acolhia anualmente centenas de milhares de
peregrinos, apesar das dificuldades de comunicação.
O projeto de construção de uma estrada de ferro
ligando Damasco a Medina, com objetivos militares
(melhor assegurar o controle otomano da região) ser­
viu, contraditoriamente, para unir os contestatários e
facilitar a luta contra o otomano quando, finalmente,
42 Maria Yedda Linhares

estourou a Revolta Ãrabe, em 1916. Nessa conjun­


tura de pré-guerra, coube a Hussein, xerife de Meca,
descendente da família do Profeta (os hachemitas),
antiotomano (fora exilado “forçado” em Constanti-
nopla durante dezesseis anos, libertado em 1908)
a tarefa de desenvolver uma política de unificação do
Hedjaz, beneficiando-se, inclusive, do fato de ser o
guardião dos lugares santos. Os acontecimentos liga­
dos à Primeira Guerra estarão estreitamente relacio­
nados com os fatos acima resumidos, bem como com
a rivalidade latente entre as duas “casas” reinantes:
os sauditas no Nedj e os hachemitas no Hedjaz. Per­
meando toda essa complexa rede de relações, a polí­
tica imperialista das potências européias represen­
tava um fator fundamental de discórdias e desaven­
ças internas, alianças, corrupção e perpetuação dos
mecanismos de dominação social, econômica e reli­
giosa, em detrimento dos segmentos mais pobres da
população.

A Primeira Guerra Mundial

A guerra de 1914-1918, resultante do aguça-


mento exacerbado da rivalidade interimperialista das
grandes potências capitalistas, por suas repercussões
nas áreas de dominação ou de influência européia,
assumiu proporções de conflito mundial. Em pri­
meiro lugar, ela teve uma duração muito superior à
prevista pelos estadistas e chefes militares da época.
Em segundo lugar, pela extensão dos campos de ba­
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 43

talha e pela destruição que acarretou, ela exigiu um


considerável aumento do poder do Estado em todas
as esferas de atividade, tanto econômica quanto so­
cial. Em terceiro lugar, a entrada em cena dos Es­
tados Unidos no conflito e a eclosão da Revolução
Russa, ao longo de 1917, foram fatores decisivos na
alteração fundamental do panorama internacional e
na configuração do mundo de pós-guerra. No Oriente
Próximo, suas conseqüências foram particularmente
notáveis. O complexo sistema de alianças militares
que caracterizara a política dos Estados europeus no
período imediatamente anterior a 1914, fizera com
que a Turquia, envolvida pela diplomacia alemã do
Kaiser Guilherme II, se alinhasse com os Impérios
Centrais (Alemanha e Àustria-Hungria) e entrasse
em guerra (29 de outubro) contra os países aliados,
Grã-Bretanha, França e Rússia. Ao terminar o con­
flito, em 1918, emergiam os Estados Unidos como
grande potência, credora da Europa, e desapareciam
as grandes monarquias européias, os Romanovs, da'
Rússia, com o surgimento do primeiro país socialista
da História, os Hohenzolern, da Alemanha, com a
proclamação da República de Weimar e os Habs-
burgos da Âustria-Hungria, com a formação de Es­
tados distintos resultantes do desmoronamento: Áus­
tria, Hungria, Tchecoslováquia, Iugoslávia. Com re­
lação ao Império Otomano, a derrocada de 1918
deu-lhe o golpe de misericórdia: de um lado, o movi­
mento nacional turco, surgido como uma reação aos
fracassos políticos e militares do Sultanato, organi­
zou-se em torno de Mustafá Kemal, denominado o
44 Maria Yedda Linhares

Ataturk (o pai dos turcos), e após conflitos e nego­


ciações diplomáticas foi, finalmente, proclamada a
República turca (1923) e abolido o Califado (1924);
de outro lado, nas regiões árabes, a situação evoluiu
de forma bastante complexa em virtude da inter­
venção inglesa e dos choques de interesses imperia­
listas na área.

A Revolta Árabe e a Política Inglesa


Como principais fatores da “questão árabe” que
emergirá nesse período destacam-se os seguintes: 1) a
política britânica de defesa das rotas do Oceano Ín­
dico; 2) a política russa de avanço para o sul em di­
reção à Pérsia (Irã), Afeganistão e ao Mediterrâneo
oriental, incluindo o litoral do Mar Negro; 3) a polí­
tica francesa em defesa de seus “tradicionais interes­
ses” na região; 4) o nacionalismo árabe com suas
contradições internas, ou seja, a rivalidade entre sau­
ditas e hachemitas, a pretensão egípcia de liderança,
a multiplicidade de reivindicações das minorias na
Síria, no Líbano e no Iraque; 5) o movimento sionista
que aspirava fundar um “lar nacional” na Palestina.
Ao ter início a guerra na Europa, a Síria e a
Palestina foram ocupadas pelos exércitos turco-ale-
mães. Em seguida ao fracassado ataque turco contra
o canal de Suez, as campanhas militares se desen­
rolaram em duas frentes: a) os ingleses dirigem suas
operações em direção à Palestina (El Arish, Gaza e
Jerusalém) e em setembro de 1918 (batalha de Sa-
rona) é liberado o caminho para a ocupação da Síria;
_____________________________________________________________________________________________________
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 45

b) na Mesopotamia, as tropas inglesas sofrem revezes


importantes (fevereiro de 1916) mas, logo em se­
guida, apoderam-se de Bagdá (1917) e de Mossul
(1918), região petrolífera.
Nessa conjuntura de guerra, coube à diplomacia
inglesa procurar angariar a adesão das populações
submetidas à ocupação otomana (Síria e Líbano),
duramente subjugadas, e também neutralizar o apelo
à “guerra santa” na região, obtendo a colaboração
dos muçulmanos do Egito e da Arábia. Por outro
lado, minorias como os drusos e os alauítas perma­
neciam recalcitrantes aos turcos e aos ingleses, gra­
ças à posição de isolamento e refúgio que lhes era
assegurada pelas montanhas (sul do Líbano). De­
frontava-se, assim, a diplomacia inglesa com o im­
passe: como obter o apoio daquelas populações, de­
fendendo ao mesmo tempo os interesses estratégicos
britânicos e compatibilizando-os com as aspirações
árabes de independência, aspirações essas que apre­
sentavam divergências internas graves? Por outro
lado, interesses políticos e financeiros (como se verá
adiante) levaram o governo britânico, após longas
controvérsias, a apoiar a reivindicação do movimento
sionista de criar um lar judeu na Palestina, através
da Declaração Balfour (novembro de 1917). E como
que introduzindo mais um elemento de complexi­
dade no tabuleiro de xadrez do Oriente Próximo,
ingleses e franceses assinaram um acordo secreto
(Acordo Sykes-Picot) — abril/maio de 1916 — se­
gundo o qual a parte árabe do Império Otomano
seria partilhada entre a França e a Grã-Bretanha,
46 Maria Yedda Linhares

devendo caber à primeira a Síria e o Líbano e à


segunda a Mesopotâmia (o Iraque) e a Palestina.
Enquanto isso, a diplomacia inglesa no Cairo (o Alto
Comissário Sir Henry Mac-Mahon) comprometia-se
com o xerife de Meca, Hussein, chefe da família
hachemita, em troca de seu apoio militar, a reconhe­
cer o futuro Reino Arabe que iria da Síria ao Hedjaz.
O desenrolar dos acontecimentos comprovou que tais
engajamentos, múltiplos e conflitantes, teriam con-
seqüências desastrosas para a região e as populações
há séculos aí radicadas. Ao terminar a guerra, os
compromissos não foram honrados e o nacionalismo
árabe assumiu novas proporções, já agora face ao
problema da Palestina e da expansão do movimento
sionista de “regresso” dos judeus à terra de Israel.
Vejamos, resumidamente, alguns aspectos es­
senciais do problema árabe no decorrer da guerra
mundial. A partir do momento em que a Turquia
concitou os muçulmanos à guerra santa, a revolta
dos árabes, em desobediência ao Califa, seria um
trunfo para a Inglaterra. O prestígio de Hussein e
seus filhos Abdala e Fayçal era considerável, não
apenas como família dominante do Hedjaz como
pelos contactos já existentes entre eles e os naciona­
listas da Síria e do Iraque (Bagdá). Estavam conven­
cidos de que a independência árabe só se faria fora
dos quadros do Império Otomano. Dessa forma, a sua
participação militar na guerra era fundamental a
essa estratégia nacionalista. Pensavam na constitui­
ção de um Estado árabe, a Grande Síria, a leste do
Suez de modo a abranger a península arábica, a
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 47

Siria, o Líbano, a Palestina e o Iraque, uma espécie


de ressurgimento do antigo imperio abássida. Em­
bora o nacionalismo sírio fosse mais avançado, ele
sofria o mal do intelectualismo, daí a superioridade
de Hussein na medida em que podia aliciar um
grande número de tribos. Mas para o sucesso militar
dos hachemitas, era fundamental naquele momento
o suporte inglês já que se tratava de aparelhar sol­
dados para uma guerra moderna.
As negociações entre Hussein e Mac-Mahon no
Egito (julho/1915-março/1916) desembocaram na
concordância tácita por parte dos britânicos quanto
às pretensões hachemitas. Hussein logo se intitulou
rei dos árabes e, a seguir, califa. Ã revolta árabe se
associa na memória inglesa, altamente romantizada,
a figura de T. E. Lawrence. Tal revolta foi impor­
tante militarmente, ao proteger o flanco das tropas
britânicas na Palestina e ao permitir movimentos
diversionistas do exército turco. Por outro lado, a
adesão hachemita serviu para contrabalançar a pro­
paganda germânica nos países islâmicos. No entanto,
essa atuação militar foi minimizada pela Inglaterra
e, em muitos casos, escamoteada pelas autoridades
indianas, assim como pela imposição política no que
franceses e sionistas concordavam, de negacear a
concessão de independência pleiteada pelos nacio­
nalistas árabes, em 1918. Quanto ao que se podería
chamar de “oportunismo diabólico” da política in­
glesa e de suas manobras imperialistas, houve, sem
dúvida, e em alta dose, uma absurda e irresponsável
autonomia de decisões, sem coordenação, entre os
48 Maria Yedda Linhares

três órgãos oficiais do governo imperial britânico no


tocante ao Oriente Médio, durante a guerra: o pró­
prio Foreign Office (Ministério das Relações Exterio­
res), o Arab Bureau do Cairo (Departamento Árabe)
e o Governo Imperial da índia, cada qual com dire­
trizes particulares e algumas vezes rivais.
O que importa assinalar é que Fayçal fez sua
entrada triunfal em Damasco, em 1? de outubro de
1918, ao lado das tropas inglesas. De lá, enviou um
representante a Beirute onde fez hastear a bandeira
hachemita. Parecia o início do Reino Árabe. No en­
tanto, vários foram os obstáculos com os quais Fayçal
se defrontou. Primeiramente, as pretensões francesas
cujos “direitos” históricos teriam sido confirmados
pelo já mencionado acordo Sykes-Picot, e cujos inte­
resses econômicos, além de culturais, estavam bem
plantados desde os tempos da política de Mohamed
Ali (investimentos em transportes, portos, obras pú­
blicas, escolas, bancos). Pelo acordo anglo-francês,
caberiam à França, como administração direta, o
Líbano, a região alauíta, Alexandreta, a Cilícia, Ma-
rache, Diarbekir e Mardine. À Inglaterra competiría
administrar a baixa Mesopotâmia, inclusive Bagdá.
Seriam reservados à constituição de estados árabes,
a Síria, a região de Mossul, a média Mesopotâmia e a
região compreendida entre o Eufrates, a Palestina e o
Sinai. Mas a maior parte da Palestina, em virtude
dos lugares santos, deveria ficar sob uma adminis­
tração internacional e com a participação do xerife
de Meca. O segundo obstáculo concreto à constitui­
ção do sonho árabe hachemita foi a presença maciça
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 49

do exército inglês, com destacamentos franceses,


sobre toda a região. O terceiro obstáculo foi a “inter­
nacionalização” da questão, ou seja, a sorte do
mundo árabe, assim como o contorno do seu mapa
político ficaram entregues à parlamentação nas chan­
celarias européias (dos países interessados) e em
torno das mesas que decidiríam sobre os acordos de
paz. Em vão, Fayçal tentou obter junto aos gabinetes
de Londres e Paris o reconhecimento de suas pre­
tensões (ou de seus “direitos”). No Hedjaz, Hussein,
após render a guarnição turca de Medina, não aban­
donou o seu título de rei e, em Damasco, Fayçal se
fez proclamar rei da Síria pelo congresso geral sírio.
Mas, apenas decorrido um mês, a Conferência de
San Remo (1920) decidiu: 1) partir geograficamente
a Síria em três: uma Síria reduzida (Damasco,
Homs, Hama, Alepo e seu hinterland), a Palestina e
o Líbano, ficando o Líbano sob a administração di­
reta da França, a Síria sob mandato francês, consti­
tuindo um Estado árabe (capital Damasco); 2) a
Inglaterra ficaria com o mandato sobre a Palestina,
com a obrigação de aí estabelecer o lar nacional
judeu prometido na Declaração Balfour e teria um
mandato sobre o Iraque, inclusive a região de Mos-
sul. Lembre-se, ainda, que um dos princípios que
deveríam reger a reorganização da paz era o da auto­
determinação dos povos.
Não é difícil compreender a frustração dos na­
cionalistas árabes, sobretudo dos membros hache-
mitas. Fayçal foi expulso de Damasco pelas tropas
francesas e, como Jaco, em vez da tão sonhada Síria,
50 María Yedda Linhares

recebería o Iraque em recompensa, sob mandato


britânico da Sociedade das Nações. Desse momento
em diante, continuará ora latente, ora aberto, o con­
flito entre ingleses, franceses, sionistas e árabes da
Síria, do Líbano, do Iraque e da Palestina. Quanto à
Jordânia, que foi destacada da Palestina pelo Colo­
nial Office sob a direção de Winston Churchill, em
1922, para constituir a Transjordânia (a leste do rio
Jordão), na qualidade de mandato britânico, foi ela
entregue a Abdala, irmão de Fayçal. Quanto a Hus-
sein, abandonado pelos ingleses, sua sorte será deci­
dida na própria Arábia.

A Revolta dos Beduinos


A Arábia se achava dividida pela rivalidade de
xeques e emires. Coube, porém, a um chefe waha-
bita, Abdul-Aziz III Ibn Saud fundar uma dinastia e
criar um Estado teocrático unificado, através de uma
série de campanhas vitoriosas contra seus inimigos e
da submissão das tribos beduínas. Seu longo reinado
se estendeu de 1902 a 1953 e fortaleceu-se extraor­
dinariamente a partir da Segunda Guerra Mundial,
graças ao petróleo encontrado no seu subsolo. Na sua
política de unificação da península, combateu o xe­
rife de Meca e Medina, e terminou por expulsar do
Hedjaz o chefe da família hachemita, Hussein, de
forma definitiva em 1925. Em 1926, proclamou-se rei
do Nedj, do Hedjaz e dependências. Quanto a Hus­
sein, nada mais lhe restou do que abdicar, em nome
de seu filho Ali, e fugir para Chipre. Autocrata, de-
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes
52 Maria Yedda Linhares

fensor da pureza da fé islamita, Ibn Saud governou


com mão de ferro os seus beduinos, de forma obscu­
rantista e retrógrada. A rivalidade que persistira
entre sauditas e hachemitas do Iraque e da Jordânia
será mais um fator de desunião do mundo árabe. Na
península, pouco mais restava, a partir da unificação
saudita: o Iêmen, também governado teocrática­
mente, isolado do Ocidente, a colônia britânica de
Aden, Koweit, Bahrein, Qatar, pequenos sultanatos
que mal se apercebiam das mudanças que se opera­
vam no outro lado do mundo árabe. Acontecimentos
posteriores iriam também influir sobre os seus des­
tinos, nos quais a ideologia nacionalista, acionada
contra a constituição do Estado de Israel, o petróleo,
com seu imenso poder corruptor e a política ame­
ricana viriam a ser fatores decisivos de mudança da
Arábia dos beduinos.

Os movimentos nacionais

Os países árabes que emergiram da déhacle oto­


mana defrontavam-se, sem exceção, com problemas
graves; entre eles situavam-se as relações com os i
países mandatarios, a Inglaterra e a França, e, ain­
da, a questão das minorias “nacionais” no interior
dos novos Estados. Gomo corolario, o problema da
Palestina aparecia como o pivô dos desentendimen­
tos, dividindo em campos opostos e irreconciliáveis o
nacionalismo árabe e o nacionalismo judeu.
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 53

A Sociedade das Nações criada pelo tratado de


Versalhes estabelecera um estatuto jurídico especial
(os mandatos), com a duração de vinte e cinco anos,
aos diversos nacionalismos emergentes no Oriente
Próximo. Caberia aos mandatarios, como tutores,
“preparar” esses países para a independencia. O
panorama internacional que antecede a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) será conturbado pelas
reivindicações nacionais desses povos, cabendo à In­
glaterra desempenhar um papel importante na re­
gião num complexo jogo de poder do qual ela saiu
como grande perdedora.

O problema das minorias nacionais I>


À guisa de ilustração, vejamos dois desses nacio­
nalismos: o druzo e o curdojO povo druzo representa
uma minoria sui generis. De língua árabe, muçul­
mano heterodoxo (remanescente do ismaelismo),
constitui, hoje, uma população superior a 200000
pessoas que vivem entre o sul do Líbano, a região
montanhosa Hauran, ao sul da Síria e a Galiléia,
no norte do Estado de Israel atual. Sua seita religiosa
data do século X e é considerada herética pelos mu­
çulmanos. Até por volta de 1860, viveram pacifica­
mente com os maronitas (católicos do Líbano), quan­
do se voltaram com violência contra as aldeias cris­
tãs. Os franceses, defensores por tradição do cristia­
nismo na região, pediram a intervenção otomana e,
a partir desse momento, foram os druzos alvo da
severa repressão turca. Daí a sua hostilidade aos oto-
54 María Yedda Linhares

manos e a sua simpatia para com a insurreição árabe


de 1916-1918. Em 1925, promoveram um levante
contra a ocupação francesa que queria forçar a sepa­
ração do Djebel Druzo (região montanhosa do Hau-
ran) da Síria, e ganharam notoriedade como imba-
tíveis na resistência civil. Com o fim do mandato
francês, os druzos obtiveram direito de representação
autônoma tanto no Líbano quanto na Síria. Quanto
ao Estado de Israel, foram os druzos da Palestina os
únicos árabes a ter reconhecidos os seus direitos de
plena cidadania, o que, certamente, não lhes facilita
o trânsito entre os outros palestinos.
Quanto aos curdos, o problema é mais com­
plexo. Geograficamente, estão localizados, desde
tempos remotos, na região montanhosa entre a Ar­
mênia e a Mesopotâmia, penetrando no Irã através
dos montes Zagros. Pela língua, são indo-europeus e,
pela religião, são majoritariamente muçulmanos su-
nitas, incluindo minorias cristãs (os assírios). Prati­
cam a agricultura e o pastoreio e sempre se distin­
guirán! como valentes guerreiros, ciosos de sua inde­
pendência. Existem, hoje, em torno de dez milhões
de curdos, espalhados pela Turquia, o Iraque, o Irã,
a Síria e a URSS. Sua história, sobretudo, a partir da
guerra de 1914-1918, foi marcada por revoltas e in­
surreições sangrentas contra seus diferentes domina­
dores, principalmente os turcos e os iranianos. Quan­
to aos curdos do Iraque, uniram-se ingleses e hache-
mitas no sentido de impedir a constituição de um
Curdistão iraquiano. A sua história mais recente não
tem sido mais tranqüila e, após guerras sucessivas,
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 55

avanços, tréguas e recuos, num estado permanente


de guerra civil, em que o petróleo de Kirkuk se
introduziu como mais um fator de agravamento da
situação, os curdos obtiveram (1970) o reconheci­
mento de um estatuto autónomo nos quadros da
República do Iraque. No entanto, a nação curda
permanece “irredenta” numa região extremamente
conturbada por urna conjuntura internacional instá­
vel, destacando-se aí a atuação do Irã (de instiga­
dora) e a política dos grupos vinculados aos interes­
ses petrolíferos do Iraque.

O problema dos mandatos


O mandato inglés sobre o Iraque terminou for­
malmente em 1930. Dois anos depois, o Iraque in­
gressava na Sociedade das Nações, não sem antes
assinar um tratado de aliança permanente com a
Inglaterra, prova de sua fidelidade à causa britânica
e de infidelidade à causa do povo árabe. Sua posição
no conjunto dos interesses ingleses continuava funda­
mental na região, sendo apenas sobrepujada pela do
Egito. Além do mais, foi ele o primeiro país do
Oriente Médio a se apresentar como produtor de
petróleo. A presença britânica e sua ascendência
sobre os hachemitas conseguiu paralisar o naciona­
lismo iraquiano, na medida em que jogava, como
peças de xadrez, com a minoria curda (que constituía
um quinto da população total) contra a maioria nô­
made e esta contra as burguesias que emergiam nos
centros urbanos. (A. Razak Abdel-Kader, Le monde
56 María Yedda Linhares

arabe à ¡a veille d’un toumant, Paris, Maspero,


1966, pp. 44-46.) A insurreição que estourou em
1922 contra a presença inglesa resultou, de fato, na
instauração de uma monarquia árabe fantoche, ten­
do à frente o hachemita Fayçal, frustrado no seu
sonho de uma Grande Síria. Foi ele não apenas im­
posto pela Inglaterra, tendo como seu chefe militar
um herdeiro de Lawrence, antigo oficial turco deser­
tor, Nuri El Said, como levou o país sobre o qual se
instalava a ser um mero joguete da política inglesa.
Do ponto de vista étnico e religioso, não é um país
homogêneo: ao norte, os curdos sunitas, no centro e
ao sul, árabes mesclados de iranianos chiitas. A agri­
cultura nas suas planíceis de aluvião permitira na
Antiguidade alimentar possivelmente dez milhões
de pessoas. Em 1920, era insuficiente para suprir as
necessidades elementares de seus, aproximadamente,
dois ou três milhões. Suas estruturas sociais se carac­
terizavam pelos extremos desníveis entre as grandes
famílias de chefes teocráticos, senhores da terra e
detentores do poder, e a grande massa dos deser­
dados. No entanto, o petróleo de Mossul-Kirkuk
começava a alterar a face do país. Da mesma forma,
o desenvolvimento de serviços públicos, a abertura de
estradas, q. aumento de intercâmbio comercial favo­
receram um certo florescimento urbano e o desenvol­
vimento de uma intelectualidade nacionalista, mas
sem penetração popular. A diplomacia anglo-hache-
mita foi complexa: com os sauditas da Arábia, rivais
de tradição, tratava-se também de regulamentar os
direitos de passagem das caravanas, até chegar a um
Oriente Médio e‘o Mundo dos Árabes 57

modus vivendi em 1930 (pacto entre Fayçal e Ibn


Saud); contra a Turquia, tratava-se de assegurar a
anexação de Mossul ao Iraque; contra a França,
tratava-se de apoiar os druzos e suas pretensões na
Síria; e, ainda, como que revivendo o projeto da
Grande Siria, recriar a unidade árabe do Crescente
Fértil (Iraque, Siria, Líbano, Palestina e Transjor-
dánia). O tratado anglo-iraquiano de 1930 reconhe­
cia à Inglaterra o direito de participar “em todas as
questões de política exterior” do país, cabendo ao
Iraque fornecer “todas as facilidades para a utili­
zação das estradas de ferro, dos rios, portos, campos
de aviação e meios de transportes”, e, como garan­
tía, era a Inglaterra autorizada a ocupar militar­
mente alguns aeroportos. Por essa época, a revolta
dos assírios de Mossul (minoria cristã) foi cruelmente
reprimida, daí a fuga de seus líderes, em grande nú­
mero, para a Síria, engrossando as fUeiras das mino­
rías religiosas em luta pelo respeito à autonomia.
A morte de Fayçal (1933) abriu um período de
convulsões internas no país, entre nacionalistas e
pró-britânicos. No momento em que se iniciou a
guerra na Europa, era majoritária no governo a ten­
dência britânica e o Iraque, proclamando neutrali­
dade face ao conflito, rompeu relações diplomáticas
com a Alemanha nazista.
Com relação à Transjordânia, permaneceu sem­
pre o mais fiel dos aliados britânicos. “Nada a dis­
tingue dos países vizinhos”, a mesma estepe, as mes­
mas tribos, afirma um autor. (Pierre Keller, La
Question Arabe, Paris, PUF, 1948, pp. 63 e ss.)
58 Maria Yedda Linhares

Os limites de seu território de 65000 km2 e menos de


300000 habitantes, no seu nascedouro e na sua maio­
ria nômades, sem indústria e sem agricultura, eram
meramente arbitrários. Sua única “riqueza” era a
pequena pecuária e algum potássio na regiào do Mar
Morto. Sua criação só encontra justificativa nos inte­
resses imperiais britânicos do pós-guerra. Sem finan­
ças e sem exército, sua receita foi um dom inglês e
sua defesa cabería à Legião Ãrabe também de cria­
ção-e direção inglesas. A situação dc seu emir, o
hachemita Abdala, nem sempre foi fácil face aos
chefes das tribos locais e à sua docilidade com rela­
ção à Inglaterra. Por outro lado, suas aperturas fi­
nanceiras levaram-no, em 1933, a alugar aos sionis­
tas parte de suas terras pessoais, o que provocou
violentos protestos tanto dos seus concidadãos quan­
to dos britânicos. A Transjordânia só terá a sua inde­
pendência reconhecida em 1946, com o término do
mandato britânico e a proclamação do Reino Hache­
mita da Jordânia em 1949. Em 1951, acusado de trai­
ção, o rei Abdala foi assassinado em Jerusalém e daí
por diante a sua história muda de rumo, em grande
parte pela substituição do protetorado inglês pelo
americano, quando novas correntes passam a atuar
nos destinos do Oriente Médio.
/ O mais complexo, porém, dos mandatos ingle­
ses foi o da Palestina. O movimento sionista, nascido
em 1880, na Europa central, ganhou vulto em vir­
tude dos terríveis massacres de populações judias
{pogroms) no império tzarista, o que motivou a emi­
gração de centenas de milhares de membros das
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 59

comunidades israelitas da Rússia para várias partes


do mundo e também para a Palestina sob dominio
turco. O anti-semitismo feroz que caracterizou o final
do século XIX, fenômeno esse que não era exclusi­
vamente russo, mas se estendia ao conjunto da Eu­
ropa, motivou o jornalista austríaco Theodor Herzl a
desenvolver a idéia do Estado Judeu (Der Juden-
staat), exprimindo o desejo da Sociedade dos Amigos
de Sion de encontrar um refúgio para os judeus
contra as perseguições que os afligiam de forma inu-
mana.iEm 1897, reuniu-se, então, em Basiléia, o pri­
meiro congresso do sionismo. Tratava-se já ai de
pleitear um “lar nacional” judeu e não apenas um
refúgio; tal lar so poderia ser na terra de seus ances­
trais. A imigração na Palestina, embora proibida
f pelos turcos, foi continua nos anos anteriores a 1914
de modo que, ao ter início o conflito na Europa, já se
encontravam ai instalados 50000 judeus. Com o de­
senrolar da guerra, Londres passou a ser a capital do
sionismo, onde pontificava a personalidade do emi­
nente cientista Chaim Weizmann, com grande pene­
tração nos meios políticos británicos, contando sem­
pre com o apoio eficaz do império financeiro do
barão de Rothschild. Outro fator que explica, na­
quela conjuntura de guerra, a simpatia do governo
inglês à causa sionista, foi o fato de que a grande
maioria dos judeus residentes, não apenas na Pales­
tina como também nos Estados Unidos, era de ori­
gem alemã, daí a necessidade de angariar a sua
adesão à causa da Inglaterra em guerra contra os
impérios alemão e austro-húngaro. Por outro lado,
60 Maria Yedda Linhares

as reticências partiam de judeus integrados a outras


nações, como a inglesa, e que temiam perder os seus
direitos de cidadania naqueles países. Foi o caso, por
exemplo, de Edwin Montague, membro do Gabinete
britânico, judeu e cidadão britânico radicado. E,
ainda, a ansiedade expressa por aqueles, como lord
Curzon, com relação à sorte das populações árabes,
por sua vez radicadas por muitos séculos na própria
Palestina. Nessas condições, as negociações que cul­
minaram com a Declaração Balfour, já anterior­
mente mencionada, foram lentas e complexas. Sua
forma final refletia, na realidade, uma fórmula de
compromisso bastante ambíguo:

“O Governo de Sua Majestade encara com sim­


patia o estabelecimento na Palestina de um lar
nacional judeu e envidará seus melhores esfor­
ços para facilitar a realização desse objetivo, fi­
cando claramente entendido que nada será feito
que possa prejudicar os direitos civis e religiosos
das comunidades não-judaicas na Palestina nem
os direitos e o estatuto político dos judeus em
qualquer outro país”.

A Declaração Balfour, associada aos acordos


Sykes-Picot, foi reconhecida pela Sociedade das Na­
ções, que entregou a Palestina à Inglaterra na forma
de mandato. De início, não houve protestos árabes.
Pelo contrário, salvo Hussein, todos acharam compa­
tível a presença de judeus e árabes na Palestina, até
mesmo Fayçal, que se declarou favorável à criação do
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes

lar nacional nessa região, embora com uma impor­


tante ressalva: a de que tal criação fosse subordinada
à do Reino Árabe (janeiro de 1919). Até aquela data
judeus, árabes, druzos pareciam conviver em paz.
Nada indicava, pelo menos nos primeiros anos da
instalação dos judeus europeus na Palestina, que o
ódio racial iria tomar o lugar da cooperação alme­
jada por muitos. Para alguns analistas, como Abdel-
Kader, a imigração judia numa região pobre e pouco
povoada poderia abrir o caminho para o desenvol­
vimento econômico e social dificilmente atingido com
a continuação do domínio de emires retrógrados e
exploradores de seu próprio povo. Nessa perspectiva,
a imigração judia poderia trazer o progresso e servir
de modelo para a transformação do Oriente Pró­
ximo. De fato, nos primeiros anos, a compra de terra
por judeus (terras incultas e não rentáveis) era favo­
recida pelos próprios árabes, sobretudo pelos mag­
natas locais que viam nisso um “negócio” rendoso,
até a proibição dessas aquisições pela administração
inglesa, “em nome da defesa dos interesses de seus
administrados”, e, assim mesmo, somente nos anos
30, quando se tornou mais intenso o movimento de
imigração de judeus na Palestina, em virtude das
insuportáveis perseguições nazistas às comunidades
israelitas na Europa (150000 refugiados entre 1933
e 1936).
Os anos que se estenderam até o final da Se­
gunda Guerra Mundial foram marcados pela dubie­
dade da política inglesa, esta mesma presa nas teias
de suas próprias contradições. Daí ser ela acusada,
62 Maria Yedda Linhares

por árabes e judeus, de responsável pelos feitos e ¡


malfeitos que marcaram a história da criação do j
Estado de Israel. Trata-se de uma história muito
difícil de ser reconstituída com isenção. Os interesses
envolvidos ainda estão presentes nos conflitos que se
desenrolam até hoje, dos quais é impossível destacar
a paixão e o tom emocional de modo a permitir uma
análise serena dos fatos em questão. Tentaremos
reter alguns pontos que ajudem o leitor a se situar na
primeira fase da questão palestina, entre as duas
guerras mundiais.
A administração inglesa era exercida por um
Alto Comissário; o primeiro a ser designado foi Sir
Herbert Samuel, ele próprio israelita, e que deveria
ser assistido por um Conselho legislativo de vinte e
dois membros, dos quais doze eram eleitos. Cabería
ao Conselho designar uma comissão para tratar da
imigração judia. Por outro lado, existia um órgão
sediado em Londres, que, a partir de 1929, tomou
o nome de “agência judaica“ com atribuições muito
amplas, entre elas a de traçar a política sionista na
área, inclusive a de canalizar os “fundos” nacionais e
internacionais (donativos) que se destinavam à “re­
construção da Palestina”. Boa parte desses recur­
sos serviu para a compra de terras (de árabes) e o
desenvolvimento de planos de colonização. Nessa
fase, é indiscutível a superioridade da organização
dos judeus. Quanto aos árabes, verifica-se que os
sentimentos declaradamente anti-sionistas se desen­
volveram lentamente, de início, através de sociedades
mais ou menos secretas. Em 1923, foi ressuscitada
64 Maria Yedda Linhares

(segundo alguns, por instigação de agentes ingleses)


uma antiga instituição otomana cuja função era a de
interpretar nos tribunais civis os versetos do Corão,
função exercida pelo Mufti. De súbito, foi-lhe acres­
centado um adjetivo, passando a ser Grande Mufti
da Palestina. Assim, surgiu um personagem, o Gran­
de Mufti Hajj Amine El Husseini, investido de “san­
tidade” e com poderes especiais: o de gerir as finan­
ças do movimento anti-sionista que se iniciava, ali­
ciando adeptos em nome da luta religiosa de muçul­
manos contra judeus. Descendente de grandes pro­
prietários fundiários da região que haviam vendido
suas terras aos judeus, Husseini dificilmente podería
merecer credibilidade numa situação política menos
conturbada. No entanto, sua influência foi consi­
derável, sendo de notar-se a sua participação nos
ataques às aldeias judias e no assassinato de árabes
acusados de venderem terras aos sionistas, com exor­
tações supostamente patrióticas. Sobre ele pesam
também acusações diversas e nada indica que sua
“obra” se tenha destinado realmente a defender o
pobre camponês árabe, libertando-o da opressão de
um sistema social discriminatório.
A situação se agrava a partir de 1929, quando
uma centena de judeus foram mortos diante do Muro
das Lamentações. Apesar das tentativas inglesas de
cessar a imigração judia na Palestina, ela assumiu
grandes proporções nos anos 30 em virtude da situa-
ação internacional. Em 1939, sobre cerca de dois
milhões de habitantes, havia 600000 judeus, um mi­
lhão e duzentos mil árabes e cem mil cristãos. Tel
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 65

Aviv ja se constituía na capital do sionismo, com


200000 habitantes naquele momento. Era inegável a
superioridade cultural dos judeus, com suas escolas,
hospitais (trezentos médicos judeus), suas instalações
modernas que asseguravam um padrão de vida bem
superior ao dos árabes em geral. Não há dúvida de
que a presença dos judeus suscita entre as popu­
lações árabes pobres (a maioria) uma aspiração de
melhoria das suas condições de vida. Entre 1936 e
1939, a Palestina foi palco de uma verdadeira insur­
reição armada árabe (calcula-se em cerca de dois mil
o número de ativistas árabes) que reivindicava a limi­
tação da imigração sionista, a interdição da venda de
terras árabes aos judeus e a autodeterminação. Em
conseqüência, o governo britânico convidou repre­
sentantes árabes (da Palestina, do Egito e do Iraque)
e judeus para uma conferência em Londres (1939)
com o objetivo de encontrar uma solução para o pro­
blema. Daí resultou o famoso White Paper de 1939
segundo o qual os ingleses expressavam a decisão de
criar, no prazo de dez anos, um Estado palestino
independente com a participação de árabes e judeus
e de limitar a 150000 o número de imigrantes judeus
na região no prazo mencionado até a independência,
proibindo, em certas zonas, a aquisição de terras
árabes pelos sionistas. A guerra que se iniciava na
Europa viria trazer outros elementos à questão da
Palestina e do sionismo.
No tocante aos mandatos franceses (Síria e Lí­
bano), a situação não foi das mais tranqüilas, sendo
que a questão nacional se apresentava aí com maior
66 María Yedda Linhares

complexidade. Vimos, anteriormente, que o “renas­


cimento” árabe surgiu entre a intelectualidade cristã
do Líbano, impregnada da cultura francesa. Durante
a guerra, suas populações sofreram duramente a
“ocupação” militar otomana e talvez por esse motivo
tenham acolhido, sobretudo as do Líbano, com satis­
fação a chegada dos franceses (general Gouraud).
Na medida em que o nacionalismo árabe tendia a
ser predominantemente muçulmano, os libaneses
(maronitas, uniatas, protestantes, gregos ortodoxos)
temiam o predomínio muçulmano. A ocupação fran­
cesa, inabilmente, procurou incentivar tais sentimen­
tos, reforçando a maioria cristã libanesa, desconsi­
derando os distritos onde os muçulmanos predomi­
navam (no litoral, Sidon, Trípoli), com o objetivo de
construir no Líbano uma barreira contra o nacio­
nalismo árabe da Síria. No caso da Síria, para abafar
o arabismo, dividiu o país em quatro administrações
diferentes e segregadas. Não tardaram os desconten­
tamentos a se manifestar, entre eles a revolta dos
druzos (1925) que infligiu grandes perdas morais e
materiais ao ocupante francês. Pouco a pouco, os
Tranceses procuraram substituir a forma de adminis­
tração por mandato por um sistema mais flexível,
através da assinatura de tratados entre as partes.
As negociações foram concluídas em 1936 (na Fran­
ça, Governo de Frente Popular de Léon Blum) pelas
quais era reconhecida a independência da Síria e do
Líbano, com um apêndice: uma aliança militar que
dava à França a “responsabilidade” de defender
militarmente os dois países, sendo que no caso do
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 67

Líbano era reconhecido o direito de permanencia por


tempo indefinido de tropas francesas no territorio.
Tratava-se, pois, de urna independencia ficticia,
mesmo porque o Parlamento francés (com a queda
de Léon Blum) não ratificou esses tratados.
A intromissão francesa, no entanto, contribuiu
para acirrar as reivindicações nacionalistas e, até
certo ponto, minimizar as rivalidades internas, em
prol da unidade. O desenvolvimento do Partido Po­
pular Sírio, incluindo libaneses (cristãos) tinha por
objetivo unificar a Síria e o Líbano sob um nacio­
nalismo sírio, diverso do nacionalismo árabe como
tal. Por outro lado, no Líbano, as suas características
mais ocidentalizantes (os mais radicais negavam suas
raízes árabes e diziam-se fenicios) são amenizadas no
sentido de uma aproximação mais estreita com as
comunidades muçulmanas locais e em nome de uma
identidade “libanesa”. Na Síria, a questão das mino­
rias não era menos complexa, naquele momento:
cerca de um milhão e meio de muçulmanos sunitas,
alguns milhares de chiitas, de vinte a trinta mil
ismaelitas, uns cem mil beduinos nômades, em torno
de 400000 cristãos, 60000 druzos, 350000 alauítas.
Acrescente-se, ainda, o problema do Sandjak de Ale-
xandreta, habitada majoritariamente por turcos,
além de armênios e sírios, cuja situação geográfica
é economicamente importante para Alep. Assim, no
tocante à França e aos diferentes interesses de sírios e
libaneses, os problemas continuavam pendentes, em
clima de insurreição ora latente, ora aberta. A guerra
da Europa e a derrota francesa (o governo Vichy)
li

68 Maria Yedda Linhares

terão graves repercussões nesses dois países, que fo­


ram disputados (sobretudo a Síria) por Vichy (que
autorizou a ocupação dos aeroportos sírios à aviação
alemã) e o governo francês do exílio (De Gaulle). A
reocupação militar pelas tropas francesas (França
Livre) com auxílio dos ingleses não se fez sem difi­
culdades. O Líbano tomou-se um Estado oficial- 3
mente independente (República) em 1943, o mesmo 1
ocorrendo com a Síria, embora ainda com a presença j
de tropas anglo-francesas. Estas só foram evacuadas >
em dezembro de 1946, quando os dois Estados já
eram membros da Organização das Nações Unidas. 4

A independência do Egito (1922-1945)

“Para nossa infelicidade”, dizia o camponês


egípcio, “Alá criou o Egito no caminho inglês para as
índias”. Mas para o latifundiário e a burguesia dos
grandes negócios, a frase seria: “Para nossa felici­
dade, Deus nos deu o Nilo, a herança da ocupação
francesa, o algodão e a proteção inglesa”. (A. Razak
Abdel-Kader, op. cit., p. 42.) Não há dúvida quanto
à intenção do ditado, a de ver no imperialismo a
chave da explicação dos males egípcios, sobretudo na
sua aliança com os grupos sociais dominantes.
Como já se viu anteriormente, às vésperas da
guerra de 1914-1918, eram ativas as organizações
nacionalistas egípcias, com conteúdo antibritánico,
de um lado, e, de outro, antiotomano, embora uni­
das na causa do arabismo. Com a entrada da Tur-
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 69

quia na guerra, desfez-se o último laço de suserania


otomana, declarando-se o protetorado británico.
Terminada a guerra, Saad Zaglul Paxá, alegando a
eficiente colaboração do país na vitória inglesa, orga­
nizou o Wafd (em árabe, delegação) que, através
de urna vasta campanha nacionalista, encetou a
campanha antiinglesa pela independencia. Após lon­
gas negociações, conseguiu sua primeira vitória com
a assinatura do Tratado de 1922 (declaração unila­
teral britânica) que pôs fim ao Protetorado, reco­
nheceu a independência do Egito, embora mantendo
suas tropas de ocupação em nome da defesa do canal
de Suez, e outorgava uma participação do Egito na
administração do Sudão (o Condomínio Anglo-Egíp-
cio). Não terminam aí as reivindicações egípcias,
principalmente no Sudão, onde crises sucessivas e
atentados culminaram em 1924 com o assassinato do
governador do Sudão e comandante das forças britâ­
nicas no Egito, Sir Lee Stack. Distingue-se ao longo
do período, como líder da oposição, a figura de Za­
glul Paxá. Embora houvesse um soberano constitu­
cional, o rei Fuad (1923), e a monarquia instaurada
tivesse instituições parlamentares, o regime político
se caracterizou pelo autoritarismo, o favoritismo, a
intriga e a corrupção, com sucessivas tentativas, bem
sucedidas, de supressão das garantias constitucionais
e parlamentares.
Além do Wafd, outros partidos militavam na
vida política: o Partido Nacional, o pequeno Partido
Comunista (banido em 1924), o dos “liberais consti­
tucionais” que congregava os grandes proprietários,
70 Maria Yedda Linhare

egressos do Wafd, favoráveis aos ingleses e ao despo­


tismo do rei e sustentáculos dos sempre freqüentes
“períodos de exceção”. Dois outros partidos ultra­
conservadores emergiram nesse período: o da União
e o Saadista (cisão do Wafd, formado em torno dos
novos grupos capitalistas e industriais). Restava como
partido popular o Wafd, apesar de moderado e mo­
desto no seu programa social. Com a morte de Za-
glul, coube a Mustafá Nahas Paxá, antigo juiz e filho
de felás (camponeses), dirigir o movimento nacio­
nalista e inspirar o tratado de aliança e amizade de
1936, um passo a mais no sentido da independência
plena.
Coube a esse Tratado pôr fim, oficialmente,
à ocupação militar e autorizar a entrada do Egito na
Sociedade das Nações. No entanto, pelo artigo 8?,
através de uma redação prolixa e confusa, era reco­
nhecido o direito da Inglaterra de conservar tropas
nas vizinhanças de Suez e, quanto ao Sudão, man­
tinha-se o status quo, isto é, o Condomínio. Não
resta dúvida de que o Tratado foi uma vitória do
Wafd. Lembremo-nos, porém, que naquele mo­
mento a Itália fascista acabara de derrotar o desar­
mado e aturdido povo abissínio. Suas ambições afri­
canas representavam uma advertência, importante
para mover a Inglaterra, apesar de concillante com
as agressões fascistas do período, a fazer concessões.
A desagradável presença italiana no Mar Vermelho e
nas nascentes do Nilo (o Nilo Azul) levava a Grã-
Bretanha, mais uma vez, a não se dar o luxo de
alienar a cooperação egípcia na eventualidade de urr.
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 71

perigo maior. No saldo geral, a Inglaterra fez um


bom negócio, pois daí em diante, e mais ainda, nos
anos de guerra (1940-1945) contou com a dócil e efi­
ciente cooperação de Nahas Paxá e seu partido. Ver­
dade é que a evacuação do país prevista pelo Tratado
de 1936 só se realizou em 1946, limitada daí por
diante a ocupação militar à zona do Canal e ao
Sudão.
Uma vez nas boas graças britânicas e fazendo
juras democráticas, Nahas governou o Egito, com
mão de ferro, usando os mesmos métodos de seus
antecessores, mas prestando relevantes serviços à
causa da guerra contra o nazismo. O rei Faruk,
sucessor de seu pai Fuad (1936), manifestava-se reti­
cente à colaboração com os ingleses em guerra. Sob
pressão dos tanques britânicos e contando com o
apoio popular, Nahas Paxá assumiu o governo, como
primeiro ministro (1942), instaura a lei marcial e a
censura, e toma as medidas necessárias de apoio à
guerra contra o Eixo, no Norte da África. Em 1944,
não sendo mais necessário à Inglaterra, foi deposto
pelo rei e este, logo depois, declarou guerra à Ale­
manha e ao Japão, o que assegurou ao Egito o direito
de entrada na ONU. Politicamente, o Wafd perdeu
com o exercício do poder pelo menos grande parte de
seu prestígio junto às massas. Por outro lado, o agra­
vamento das condições de vida e das desigualdades
sociais é um fator importante da impopularidade
crescente do Wafd. Este, pressionado pelas reivin­
dicações, procurou, entre 1942 e 1944, facilitar a
organização sindical (excluindo funcionários e cam­
72 Maria Yedda Linhares

poneses), aumentou os salários e adotou uma legis­


lação sobre “contrato individual do trabalho”, medi­
das essas que desagradaram os meios industriais e
financeiros.
O grande grupo financeiro do país, núcleo da no­
va burguesia local, estava agregado em torno do Ban­
co Misr, que fora fundado em 1920. Em pouco tempo,
suas atividades foram multiplicadas, com filiais que
se estenderam por outros países árabes, abrangendo
indústrias diversas e companhias de navegação, salvo
o setor da indústria pesada. Nos anos 30, os capitais
estrangeiros começaram a penetrar nas organizações
Misr e, no decorrer da guerra, o Banco tornou-se
uma instituição paraestatal. Além disso, membros
da alta burocracia das empresas Misr penetraram na
administração das sociedades estrangeiras, com con­
cessões recíprocas altamente vantajosas. As socie­
dades mistas anglo-egípcias tendem a se multiplicar
durante a guerra, às quais se associavam, numa
cadeia de interesses, os grandes proprietários de
terra. Tendo em mente tal quadro, não é difícil per­
ceber as ligações desses grupos capitalistas, vincu­
lados aos consórcios imperialistas, com os partidos
políticos, bem como a limitada viabilidade de um
partido popular, com um programa avançado, capaz
de fazer mudar o panorama social do país. O fim da
Segunda Guerra Mundial provocou desempregos em
massa. Inflação de preços, falência de inúmeras in­
dústrias (incapazes de enfrentar a nova concorrência
estrangeira com a reabertura das importações de
bens de consumo) e greves sucessivas deram um con-
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 73

teúdo social e político às manifestações nacionalistas


antibritánicas. Multiplicam-se os grupos políticos de
esquerda e de direita, salientando-se a organização
ultranacionalista, de cunho fascista, dos Irmãos
Muçulmanos (criada em 1929), com grande penetra­
ção nas massas e na oficialidade jovem, através de
suas “células secretas” e serviços assistenciais. Foi
nesse ambiente que ganhou corpo a idéia de uma
união árabe, na qual o Egito deveria desempenhar o
principal papel. Pela influência que a Inglaterra
exercia nos grupos dirigentes do país, julgou que,
através do seu patrocínio, o pan-arabismo entraria no
bom caminho sob a liderança egípcia. No dia 22 de
março de 1945, com o beneplácito da diplomacia
inglesa e de seu chefe, Sir Anthony Edén, era fun­
dada no Cairo a Liga dos Estados Árabes. Mais urna
vez, a Grã-Bretanha iria perder uma jogada.
O MUNDO ÃRABE SOB O SIGNO
DA MUDANÇA (1945-1980)

Segundo G. Barraclough, a História Contempo­


rânea se caracteriza pelo fato de ser história mundial,
ou seja, “as forças que lhe dão forma não podem ser
compreendidas se não estivermos preparados para
adotar perspectivas mundiais’*. Assim, a história não
é contemporânea pelo fato de “estar mais próxima de
nós no tempo” e, sim, pela perspectiva mais ampla
de o historiador situar-se no presente para explicar as
mudanças de estruturas que configuraram esse mes­
mo presente, dentro das quais se enquadra e se
desenvolve a ação política (Introdução à História
Contemporânea, Zahar Editores, 1966, pp. 12-42).
Nessas condições, a escolha de uma data como
ponto de partida de um conjunto de mudanças
não passa de um artifício do expositor e ao elegermos
o final da Segunda Guerra como marco, temos em
mente realçar o caráter revolucionário das alterações
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 75

que se operaram nas relações de poder entre o


mundo capitalista (o imperialismo) e as áreas (Esta­
dos, nações, povos) subordinadas. Elas não ocorre­
ram de súbito nem resultaram da ação de um fator
único. As mudanças sociais resultam de fatores dinâ­
micos, múltiplos e complexos, historicamente deter­
minados, que agem e interagem com intensidade
diversa de ritmos e com direções variáveis.
Ao enfocarmos os Estados árabes no mundo
contemporâneo, estaremos localizando alguns dos
problemas mais importantes com os quais eles se de­
frontam, cujas origens são muito remotas mas cuja
explicação, teoricamente fundamentada, deve incor­
porar ao presente uma perspectiva histórica de longa
duração, ou seja, o conjunto das estruturas social­
mente geradas, bem como suas transformações no
tempo e no espaço. Numa apresentação sumária, tal
abordagem será necessariamente incompleta e par­
cial, já que é fundamental levar em conta os diversos
níveis de análise (o político, o sócio-econômico, o cul­
tural) bem como diferenciações internas nos diferen­
tes países que são muitos anteriores à Guerra Mun­
dial. Por outro lado, é importante, numa visão estru­
tural, enfocar as semelhanças, ou seja, as caracterís­
ticas que são comuns, no seu conjunto — como é o
caso dos “países árabes”, apesar das especificidades
que lhes são próprias.
Se as raízes de tais semelhanças e diferenças são
distantes e múltiplas, foi, no entanto, no pós-guerra
que se patenteou, no nível das consciências coletivas,
o grande fosso que separa ricos e pobres (entre países

SSCSH / UFKQ1
76 Maria Yedda Linhares

e entre classes sociais), tornando obsoleta a persis­


tência de metrópoles coloniais face a países e povos
dominados. A supremacia do capitalismo como sis­
tema social e encarado como único caminho possível
de vencer o “atraso” (e, portanto, de atingir o desen­
volvimento econômico), é posta à prova face ao ideal
(já bem mais antigo) da igualdade entre os homens
que se concretizava com a “opção socialista” (o
exemplo da União Soviética) de vencer as barreiras
da miséria social. Daí, a grande e profunda revolu­
ção do mundo contemporâneo, que ainda hoje se
desenrola, consistir na emergência de massas huma­
nas, centenas de milhões de seres humanos, obsti­
nadas na ação coletiva, consciente e determinada,
de mudar os sistemas de dominação e de tornarem-
se elementos ponderáveis no processo de decisões do
poder. Obviamente, a História resulta da ação conti­
nuada dos homens, dos grupos sociais. Em inúmeros
outros momentos, explosões coletivas alteraram os
rumos dos acontecimentos. Outras vezes, fracassa­
ram. Mas o que se distingue, aqui, é o caráter mun­
dial, num curto espaço de tempo, dessa emergência,
como que provocando efeitos em cadeia extrema­
mente velozes.*
A revolução industrial iniciada no século XVIII,
prosseguindo até os dias de hoje, possibilitou a gran-

(♦) V. o volume 3 desta coleção, A Luta contra a Metrópole, de Maria


Yedda Linhares, para uma exposição mais pormenorizada dos efei­
tos da Segunda Guerra Mundial sobre as economias capitalistas e
a independência dos países da África e da Ásia.
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 77

de rapidez, e conseqüente eficiencia, dos sistemas de


comunicação, bem como da circulação das ideologias
sociais. Nesse sentido, as distancias encurtaram, as
idéias se aproximaram, as tecnologias se refinaram,
os grandes Estados se tornaram mais fortes e, contra-
ditoriamente, mais vulneráveis. A Guerra de 1939-
1945, bem mais do que o século XIX de Marx —
o do capitalismo surgente e do imperialismo em cons­
trução — revelou na sua plenitude a era da historia
mundial. Os acontecimentos do Oriente Médio no
pós-guerra serão, assim, caracterizados pelo impacto
de mudanças em ritmo acelerado, sob a influencia de
fatores múltiplos relacionados com as conjunturas
internacionais da “guerra fría” — conflitos de ordem
ideológica e político-militar entre capitalismo e socia­
lismo —, pelo declínio da Inglaterra como potência
imperial e o ascenso da hegemonia norte-americana,
pelo nacionalismo árabe e suas contradições internas
face ao surgimento do Estado de Israel, pela aspira­
ção de desenvolvimento econômico e social das popu­
lações oprimidas por regimes despóticos e retrógra­
dos, pela extraordinária força que o petróleo adqui­
riu como poder de barganha e, finalmente, pela
dinâmica do crescimento demográfico que acentua
as desigualdades sociais e atua como fator de mu­
dança política e económica. Os países árabes de hoje,
fracionados e divididos, resultam não apenas do
mundo que Maomé criou mas, também, parafra­
seando Pierre George, do mundo que a Europa so­
nhara unificar, reservando para si os beneficios da
industrialização ao longo de um século de imperia-
78 María Yedda Linhares

lismo. (Panorama du Monde Actuel, Paris, PUF,


Magellan, 3? ed., 1978, p. 209.)

A falência da Liga Árabe


ou a vitória do sionismo
Vários são os fatores que apontam para a fragi­
lidade do pacto entre os Estados árabes assinados no
Cairo em março de 1945. A liderança egípcia, por ser
o Egito o mais populoso e “moderno” dos países
árabes, defrontava-se com dois obstáculos insuperá­
veis: a tutela britânica e a desconfiança das dinastias
hachemita e saudita, também rivais entre si, face às
aspirações “faraônicas” do rei Faruk. Para esses ára­
bes, a Liga era um mero instrumento de barganha
política no sentido de obter da Grã-Bretanha a revi­
são do tratado de 1936 nas cláusulas relativas à de­
fesa do Canal de Suez e à unidade do Vale do Nilo
pela união do Sudão à coroa egípcia. Os hachemitas
tiveram o desejo de fundir num único estado o Ira­
que, a Síria, o Líbano e a Transjordânia com o apoio
britânico, mas encontraram pela frente a oposição da
Arábia de Ibn Saud e do Egito que temiam a consti­
tuição de um Estado forte demasiadamente submisso
ao Ocidente. Foi, porém, a questão da Palestina que
pôs à prova de fogo a solidariedade árabe, oficial­
mente apregoada no texto da Liga e nas manifes­
tações de rua. A evolução do problema sionista per­
mitiu desnudar as contradições inerentes ao embrião
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 79

Relações árabe-israelenses apôs 19b7. (T. G. Fraser, The


Middle East, 1914-1979, Londres. 1980, p. XVIII.)
80 Maria Yedda Linhares

de uma confederação de Estados árabes.


A Segunda Guerra Mundial teve conseqüências
especialmente profundas no Oriente Médio. A polí­
tica de Roosevelt revelara-se ao mesmo tempo simpá­
tica ao sionismo e interessada no petróleo da Arábia.
A Ibn Saud, em 1945, prometera não ser hostil aos
árabes na sua luta contra os judeus e, em troca,
fortaleceu o monopólio da companhia americana de
petróleo aí instalada (ARAMCO). Entravam, assim,
os americanos como mais um fator de complicação
no Oriente Médio. No decorrer do conflito mundial,
os líderes sionistas em Londres tentaram obter uma
revisão do White Paper de 1939 e a admissão de
1Q0000 judeus na Palestina, ressaltando-se que,
nesse período, assumiu proporções dramáticas a en­
trada clandestina de judeus foragidos ao nazismo,
apesar do bloqueio britânico. Em 1945, com o Par­
tido Trabalhista no poder, os ingleses viram-se diante
de um dilema: como permitir a imigração maciça de
judeus na Palestina sem afetar os direitos da popu­
lação árabe aí instalada de longa data (os palestinos
representavam, então, dois terços da população to­
tal). No entanto, a política de Harry Truman, suces­
sor de Roosevelt, foi no sentido de favorecer a exi­
gência sionista e o Congresso americano votou uma
resolução de tornar irrestrita a imigração judaica na
Palestina, subordinada à capacidade de absorção pelo
país. Ao mesmo tempo, organizavam-se forças irre­
gulares sionistas, com o emprego de instrumentos
terroristas de luta e garantindo a imigração clandes­
tina. Um dos mais conhecidos episódios desses ban-
. Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 81

dos armados e altamente treinados foi a explosão do


King David Hotel em Jerusalém, que abrigava servi­
ços militares britânicos. Simultaneamente, a Liga
Ãrabe tentava mobilizar recursos e a opinião pública
em apoio à causa dos palestinos árabes. O resultado
foi a criação de uma Comissão especial da ONU para
a Palestina, em 1947, que recomendou no relatório
final a sua partilha entre dois futuros estados, o
árabe e o judeu, ficando Jerusalém e seus arredo­
res sob controle internacional.
O apoio americano foi total ao plano, sendo
igualmente total a recusa árabe ao mesmo. Os ingle­
ses negaram-se a aceitar a tarefa de implementar a
partilha e, em contrapartida, anunciaram o fim do
seu mandato na região para 15 de maio de 1948.
Acirra-se o clima de hostilidade entre árabes e ju­
deus, com a ação de organizações sionistas bem ar­
madas e eficientes e grupos de voluntários provenien­
tes sobretudo da Siria, face às pobres massas de
palestinos aterrorizados que abandonavam suas al­
deias e vilas ou eram massacrados. Antes do tér­
mino do mandato, Haifa e Jaffa caíram nas mãos dos
sionistas, de modo que, no dia em que as últimas
tropas inglesas deixaram o país, os sionistas procla­
maram ojístado de Israel — 14 de maio de 1948.^
Imediatamente os Estados Unidos e a União Sovié- .
tica reconheceram o novo Estado e os exércitos regu­
lares da Síria, Transjordânia, Iraque e Egito entra­
ram desordenadamente na Palestina em apoio aos
árabes ameaçados. Apesar da evidente superioridade
técnica dos israelenses, a guerra estendeu-se até ja-
82 Mario Yedda Linhares

neiro de 1949 e foi concluído um armistício em julho.


Nesse momento, Israel já abrangia 80% do território
do antigo mandato palestino e o número de árabes
fora reduzido de 750000, aproximadamente, para
165000. Começara a diáspora do povo palestino e
seu longo martírio. Dos 20% restantes da Palestina
árabe, a parte semidesértica de Gaza ficou sob a
administração egípcia e uma parte da margem oci­
dental do Jordão, incluindo a velha Jerusalém, foi
anexada à Transjordânia em 1950, apesar da opo­
sição de outros Estados árabes, para constituir o
reino hachemita da Jordânia, com reconhecimento
internacional nessa data.
Na discussão das cláusulas do armistício, os is­
raelenses, contando com integral apoio americano,
mostraram-se implacáveis nas suas reivindicações
territoriais, cumprindo destacar-se o assassinato pelo
grupo terrorista Stern do mediador enviado pela
ONU, conde Bernadotte, que propusera uma solu­
ção conciliatória na questão das novas fronteiras.
A intransigência israelense na defesa do que os sio­
nistas consideram seus direitos — na realidade, di­
reitos de conquista — contribuiu desse momento em
diante para alienar boa parte da opinião pública
mundial da causa de Israel, fazendo-a esquecer a
simpatia que o povo judeu despertara nas mentes
esclarecidas e o justo sentimento de repulsa às atro­
cidades cometidas pelo nazismo.
Na realidade, o grande perdedor foi o povo
palestino, desenraizado e expropriado daí por diante.
No fundo, a Liga Ãrabe mal passava de uma colcha
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes «3

de retalhos e jamais chegou a um acordo quanto à


forma de atuação face a Israel, mesmo desde o plano
de partilha de novembro de 1947. Enquanto o Iraque
propunha medidas econômicas drásticas contra o
Ocidente, Ibn Saud, fiel à companhia americana de
petróleo, exigia uma política de colaboração, o Egito
debatia-se numa agitação nacionalista estéril e de­
fendia a guerra contra o sionismo quer para manter
sua liderança no mundo árabe quer para desviar a
opinião pública de seus angustiantes problemas in­
ternos. Assim se fez a guerra contra Israel, em meio à
desunião, como livres atiradores numa Terra Santa
que era defendida a ferro e fogo por israelenses uni­
dos e coesos, armados (inclusive com armas tchecas)
e bem treinados. A vitória do sionismo foi a primeira
grande derrota do arabismo. A pequena Transjor-
dânia, com seus poucos mais de 500000 habitantes,
sem representação junto à ONU, era mal vista por
seus irmãos árabes. Seu desejo de apossar-se da Pa­
lestina representava a única oportunidade de alcan­
çar não apenas o Mediterrâno, mas o território sírio-
libanês, velha aspiração hachemita. Tal objetivo era
execrável ao Egito e à Arábia Saudita, que prefe­
riram colocar à frente de uma possível Palestina ára­
be aquele notório Mufti de Jerusalém, Hajd Amin
al-Husseini, célebre entre outras coisas por sua cola­
boração com os nazistas durante a guerra. Esse
mesmo Husseini, membro do Conselho da Liga,
como representante palestino, residia no Egito e era
influente na atuação dos Irmãos Muçulmanos. En­
quanto isso, uma parte da oficialidade egípcia tor­
84 María Yedda Linhares

nava-se consciente da corrupção que grassava no país


e no exército, destacando-se desde logo as figuras do
general Mohamed Naguib, do major Abdul Nasser e
do coronel Ahmed Abdul Aziz, este, morto em com­
bate na Palestina como herói. Desiludidas com a
incompetência reinante no seu país, coube a essa ofi­
cialidade um papel de extraordinário relevo nos
acontecimentos que culminaram, em 1952, na queda
da dinastia de Mohamed Ali e seu último e triste
descendente, o rei Faruk. Para eles, os bodes expia­
tórios da miséria do povo egípcio e dos vergonhosos
fracassos militares na Palestina não eram mais exclu­
sivamente o sionismo distante ou o soldado inglês em
Suez ou no Sudão, mas, também, e acima de tudo,
a extrema corrupção de seus dirigentes, com seu
nacionalismo de fachada, tonitroante e incapaz, as
desigualdades sociais, a dependência econômica.
Para eles, antes de qualquer outra tarefa, era preciso
redimir o Egito, torná-lo forte e unido.

A nova revolta árabe

Na Síria
A derrota militar teve aí efeitos imediatos. Um
golpe de Estado presidido pelo Coronel Husni Zaim
aboliu o regime parlamentar de inspiração ocidental
e anunciou profundas reformas com o objetivo de
erradicar a corrupção interna. Era apenas o início de
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 85

uma tendência no sentido de tornar o exército a


personificação do Estado, no qual o pluripartida-
rismo perde a sua razão de ser, acelerando-se a mar­
cha para o autoritarismo associado à prática do
putsch militar. Entre 1949 e 1970, verificaram-se
mais de dez intervenções militares na vida política da
Síria, sempre em nome da unidade árabe, ora defen­
dendo uma aproximação com o Egito por uma impo­
sição de política externa, ora “socialista , sob a di­
reção do Baas (Partido Socialista da Ressurreição
Ãrabe, fundado em 1943), com suas inúmeras fac­
ções e quase sempre distanciado das massas popula­
res. Anticomunista e antimarxista, o socialismo do
Baas teve em Michel Aflak o seu teórico. Fundado
nos princípios da unidade e da igualdade, objetiva
levar a nação árabe a cumprir a sua missão histórica,
libertando-a de toda e qualquer dominação estran­
geira. Suas ramificações se estenderam ao Iraque,
Jordânia, Líbano, Norte da África, Iêmen do Sul e
Aden, e encontraram boa acolhida entre as gerações
jovens. Mas, apesar de planos e programas, nos
quais por momentos transparece o “extremismo ver­
bal”, continua a Síria sendo um país fundamental­
mente agrícola e pobre, com um pequeno setor m
dustrial (petróleo, eletricidade, fertilizantes) em boa
parte estatizado, embora tenham sido positivos os
projetos de desenvolvimento no Eufrates. Mas e,no
plano político e nas suas relações com Israel que o
país se apresenta mais vulnerável.
86 Maria Yedda Linhares

No Egito
A situação evoluiu aqui mais lentamente, en­
quanto se deteriorava o sistema político cujos surtos
de popularidade ficavam ao sabor das agitações
nacionalistas antibritánicas. Foi no auge de uma
dessas crises em torno do Canal de Suez e do Sudão
que um grupo de Oficiais Livres, apoiados nos Ir­
mãos Muçulmanos, depôs Faruk e com eles Nahas
Paxá e seu já decrépito Wafd, assim como o regime
parlamentar de tipo ocidental (23/26 de julho de
1952). A situação econômica e social do país era
particularmente grave. Em torno da monarquia
agrupavam-se os grandes proprietários de terra e
uma burguesia urbana detentora de riquezas e pres­
tígio. No outro pólo da pirâmide social, situavam-se
os camponeses, a imensa maioria dos extremamente
pobres, enquanto nas cidades, como Cairo e Alexan­
dria, aglomeravam-se as massas de desempregados e
subempregados pressionados pela alta dos preços. A
população crescia em ritmo acelerado (2% ao ano):
em 1882 atribuía-se ao Egito perto de 7,5 milhões de
habitantes; em 1937, cerca de 16 milhões (em 1975,
atingiría os 37 milhões, o que corresponde a um
acréscimo médio anual de 700000 habitantes). Im-
punham-se, assim, reformas capazes de mudar as
estruturas sociais, de modo a permitir uma distri­
buição mais eqüitativa dos benefícios do crescimento
econômico através de uma política de investimentos a
longo prazo, subordinada às exigências das pressões
sociais, sem alienação dos recursos nacionais. Em
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 87

suma, tratava-se de encontrar um novo caminho para


o desenvolvimento do Egito.
Em 18 de junho de 1953, foi proclamada a Re­
pública sob a presidencia do general Naguib, cuja
integrida moral e cujas raízes (origem sudanesa) jus­
tificavam o prestígio que desfrutava interna e exter­
namente. Mas coube a um jovem oficial, Gamal
Abdul Nasser, a verdadeira liderança do movimento.
Como Arabi, Zaglul e Naguib, era um auténtico egip­
cio nilótico. Sua família de origem camponesa do
Alto Nilo não gozara de privilegios nem de favores
dos grupos dominantes. Por sua formação e origem
social, Nasser era o prototipo do jovem oficial “classe
média’’ que emergia nos países subdesenvolvidos do
Terceiro Mundo, atribuindo-se a missão de regene­
rar e modernizar o seu país. Físico atraente, modos
reservados e dotes oratorios fizeram dele um verda­
deiro ídolo das massas. Em outubro de 1954, subs­
tituiu Naguib na chefia do Governo e permaneceu
como líder inconteste do país até sua morte, em
1970, aos 52 anos de idade.

A reforma agraria
O ponto fundamental do regime nasserista foi a
iniciativa de modernizar o campo e realizar a reforma
agrária, medida pioneira no Oriente Médio. Em
1952, menos de meio por cento dos proprietários
rurais possuía mais de um terço das áreas cultiváveis
do país, enquanto 72 por cento dos agricultores não
chegavam a dispor de um feddan (cerca de meio hec­
88 Maria Yedda Linhares

tare) de terra; 22 milhões de egípcios se concentra­


vam nos 35 000 km2 do vale do Nilo, o que corres­
pondía a menos de um trigésimo da superficie total
do país. Antes da introdução da cultura algodoeira,
predominava o costume do uso comunitario da terra,
ora pelas coletividades locais ora pelos grandes mag­
natas. “A apropriação do solo se fez sob a forma de
verdadeiras plantations coloniais reservadas às cul­
turas industriais”, originando urna nova classe lati­
fundista, irredutível na defesa de seus privilégios,
que se caracterizaria pelo absenteísmo, o luxo osten­
sivo, o baixo nível dos investimentos agrícolas (Jean
le Coz, Les Réformes Agraires, París, PUF, Magel-
lan, 1974, pp. 184-185). Ao lado de um milhão de
pequenos produtores, 5 milhões de pessoas, com suas
famílias, representavam a massa proletarizada, dos
quais a maioria era excluída do mercado de trabalho.
A reforma de Nasser consistiu nos seguintes pontos
principais: 1) limitar o imóvel rural a 200 feddans;
2) redistribuir as terras confiscadas entre as famílias
camponesas (fellahin) em lotes de dois a cinco fed­
dans (a pequenez dos lotes se justifica pela fertilidade
do vale do Nilo); 3) limitar as rendas cobradas pelo
proprietário ao agricultor (rendeiro). No saldo final,
embora rrrodesta nos seus resultados, a reforma per­
mitiu reduzir drasticamente o poder político dos
grandes proprietários, iniciar um regime fundiário
mais equitativo e aumentar a produção agrícola. Pela
lei de 25 de julho de 1961, o limite da propriedade
individual foi estabelecido em 100 feddans (mais 100
feddans por dois filhos menores) e em 1970 tal limite
Oriente Médio e o Mundo dos Arabes 89

seria aplicável a cada família. A representação grá­


fica abaixo ilustra melhor os resultados desse pro­
cesso em marcha:

Distribuição da propriedade no Egito antes e depois da


reforma agrária. 1 — menos de 5 feddans; 2 — de 5
a 10; 3 — de 10 a 20; 4 — de 20 a 50; 5 — de 50 a 100;
6 — de 100 a 200; 7 — mais de 200. (Jean le Coz, op. cit-,
cf. E. Grienig, Landre form Veràndert Klassenstruktur
in der V. A. R., Deutsche Aussenpolitik, 1907, 9, P-
1113.)

Na retórica nasserista, ressaltava-se a variante


árabe de socialismo que “recusa o coletivismo e
exalta a propriedade privada”, segundo o já citado
Jean Coz, propósitos esses claramente expostos nos
textos oficiais.
90 Maria Yedda Linkare¡

Transformações econômicas e políticas

Tratava-se para o novo regime de aumentar a


produção de alimentos, num país dominado pela
monocultura do algodão, ampliar as áreas irrigadas,
implantar uma indústria de base (ferro e aço), am­
pliar o mercado de trabalho, criando mais empregos',
em suma, adotar medidas que fizessem dobrar o
produto nacional ao final de dez anos. A escassez de
fontes energéticas tomava ainda mais difícil a execu­
ção dessas tarefas. Daí, em parte, o papel do Estado
como planejador e executor, ao qual se atribui sem­
pre o adjetivo socialista (nacionalização de grandes
empresas). Ao mesmo tempo, tratava-se de apare­
lhar o exército para o cumprimento de suas novas
tarefas.
Internamente, o regime procurou, acima de
tudo, realizar a unidade nacional, o que conseguiu
pela destruição sistemática da oposição, inclusive a
dos antigos associados, os Irmãos Muçulmanos. Daí
por diante, ao desenvolver a teoria dos três círculos
(o árabe, o africano e o muçulmano), competiría ao
Egito exercer sua influência nessas direções no sen­
tido de libertar os povos da dominação ocidental.
Em A Filosofia da Revolução (1954), dizia Nasser:
"... somos os guardiães do portão norte-oriental do
continente (africano) e constituímos o' elo entre a
África e o mundo exterior”. Não foi sem razão que
Nasser se transformou no mais temido, e talvez
odiado, líder do Terceiro Mundo por parte das po­
tências imperialistas, sobretudo a Inglaterra conser­
Oriente Médio e o Mundo dos Arabes 91

vadora de Anthony Edén e os Estados Unidos de


Foster Dulles.

As soluções das questões pendentes


O comparecimento de Nasser à Conferência de
Bandung (abril de 1955), na Indonésia, que reuniu
cerca de 30 países do mundo afro-asiático, foi deci­
sivo para urna tomada de posição neutralista (neutra­
lismo positivo) face à “guerra fría”. Ao se pronunciar
contra o imperialismo e o colonialismo e, ao mesmo
tempo, ao preconizar liberdade de ação no plano
internacional, atingia plenamente dois objetivos: 1)
obter o apoio entusiasta de sua opinião pública e a
dos países árabes (mesmo dos recalcitrantes Iraque,
Arábia Saudita e Iernen); 2) encontrar urna alter­
nativa no bloco comunista para aquisição de arma­
mentos e equipamentos. Em contrapartida, os Es­
tados Unidos anunciam a sua decisão de não mais
contribuir para os planos de desenvolvimento de
Nasser (a construção da barragem de Assuã: eletrifi­
cação e irrigação). Nasser respondeu nacionalizando
o canal de Suez (26 de julho de 1956), sob protestos
veementes das potencias (EUA, França, Inglaterra).
Nesse momento, Israel, temendo o poder crescente
do Egito e sempre sob a mira dos “comandos” árabes
(incursões periódicas no territorio israelense), resol­
veu reivindicar o direito de passagem pelo Suez (o
que não deixa de ser o pretexto para urna guerra
preventiva contra o Egito). Os resultados foram
desastrosos para a economia egípcia. Israel teve a
92 Maria Yedda Linhares

iniciativa do ataque e a intervenção armada franco-


inglesa não se fez esperar, causando grandes estragos
materiais ao Egito (bombardeiro do Cairo) e ao
canal, que foi obstruido pelos egipcios em desespero.
A Síria, em apoio a Nasser, destruiu os pipelines
no seu territorio e as estações de bombeamento de
petróleo, enquanto tropas de Israel ocupavam o
Sinai. Mas a vitória moral coube a Nasser que, além
de aumentar o seu prestigio junto à opinião pública
árabe e do Terceiro Mundo, apoderou-se da base de
Suez (e seus equipamentos), nacionalizou proprie­
dades e interesses franceses e ingleses no país, liqui­
dando, para sempre, com um passado de influência e
domínio europeus.
No plano internacional, a alternativa egípcia,
apesar de anticomunista internamente, demonstrou
ser a União Soviética, cuja orientação em política
externa começava a mudar após a morte de Stalin
(1953). Kruschev, como Lenin, acreditava que as
“burguesias nacionais” do Terceiro Mundo, mais do
que os PCs internos, eram fundamentais na estra­
tégia do socialismo.
Com relação aos Estados árabes, Nasser tinha
pela frente governantes enfeudados à estratégia ame­
ricana, então no apogeu da orientação de Foster
Dulles. Procurou este neutralizar a popularidade
crescente do Egito, fortalecendo regimes como o de
Nuri Said do Iraque, que se notabilizara pela sua
adesão ao Pacto do Atlântico e do Sudeste Asiático
(Pacto de Bagdá, 1955, Turquia e Paquistão). A
política de Nuri Said provou ser fatal à sobrevivência
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 93

da monarquia hachemita, cujos últimos descenden­


tes iraquianos(Fayçal Ileo príncipe herdeiro) foram
massacrados, com o próprio primeiro-ministro, em
conseqüência do golpe militar de 1958, que elevou ao
poder o general Abdul Kassem, pro-comunista, e
cujo regime se estendeu até 1963. Nasser teria que
esperar a queda de Kassem, quando sobe ao poder o
partido Baas, para tentar estabelecer, sem grande
sucesso, laços de cooperação com o Iraque. Mas ai,
a situação interna se torna bastante complexa, em
função do grande papel que é exercido pelo petróleo.
Quanto às relações do Egito com a Arábia Sau­
dita, destaque-se o súbito mar de ouro (dólares ainda
conversíveis) que começou a afogar a velha e até
então monarquia wahabita, em função do petróleo e
do seu poder de corrupção. A morte de Ibn Saud e a
sucessão de seu filho não contribuíram para melho­
rar a imagem que já se fazia de magnatas autocratas
e nouveaux riches, extravagantes e pouco obedientes
aos ensinamentos do Corão quanto à modéstia e à
sobriedade. Quanto ao Koweit, com reduzida popu­
lação (cerca de 200000 habitantes), apesar dos exces­
sos de seus dignitários, não resta dúvida de que o
petróleo chegou a melhorar consideravelmente a con­
dição de vida de seus habitantes. De qualquer forma,
o nacionalismo nasserista e a sua política anti-Oci-
dente despertavam relutâncias. Já a Jordania se mos­
trava mais vulnerável à influência egípcia. Em 1953,
Hussein, neto de Abdala (assassinado em Jerusalém)
assumiu o trono no qual se mantém precariamente
graças à ajuda americana e británica. Mas, forçado
94 María Yedda Linhares

pela tendência nacionalista e anti-sionista, mostra-se


ora vacilante, ora submisso. Com o extermínio dos
hachemitas do Iraque (1958), sente-se isolado na luta
aberta contra os chamados regimes árabes progres­
sistas e contra o movimento palestino (OLP, Organi­
zação pela Libertação da Palestina, 1963) e somente
em 1967 tentou uma espetacular reaproximação com
Nasser. Foi a Síria, no entanto, o principal foco de
tensão no Oriente Médio na fase da guerra fria, dis­
putada entre soviéticos e norte-americanos, em vir­
tude de sua excepcional posição estratégica, com sé­
rias repercussões na vida de suas sofridas popula­
ções. Em 1958 (fevereiro) os baasistas no poder e
Nasser firmaram um tratado de união — a República
Árabe Unida (RAU). Dessa forma, comenta um ana­
lista, “os baasistas esperavam governar a Síria en­
quanto o prestígio do guarda-chuva de Nasser prote­
gia o país da dominação de qualquer uma das gran­
des potências” (Peter Mansfield, The Arabs, Lon­
dres, Penguin Books, 1981, p. 308). A RAU foi ex­
tinta em 1961 e, em 1971, a Síria reaproximou-se do
Egito aderindo à União das Repúblicas Árabes (Egi­
to, Sudão, Líbia).
Quanto ao Líbano, sua situação era bastante
complexa. Procurando manter sua identidade face
aos nacionalismos reinantes (Baas e nasserismo) e à
agitação causada pela questão palestina, enfrentou
um período de guerra civil (1958) que opunha facções
“árabes” e facções “ocidentais” (estas representadas
pelo então presidente Chamoun). Pretendia ser uma
espécie de Suíça implantada num Oriente Médio
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 95

convulsionado, julgando poder escolher livremente o


seu próprio caminho de desenvolvimento. Mas suces­
sivas agressões israelenses, a entrada maciça de refu­
giados palestinos, a presença de sua burguesia co­
mercial e financeira, a complexidade de sua forma­
ção étnica são apenas alguns dos elementos que com­
põem o quadro de um pequeno país dividido pela
guerra civil, de forma quase ininterrupta e extrema­
mente destruidora, a partir de 1970.
A influencia do nasserismo estendeu-se até ao
próprio Iêmen (do Norte) que, em 1962, se procla­
mou República Árabe do Iêmen, com 5 milhões de
habitantes e 195000 km2, tendo Sana como capital,
a 2 (XX) m de altitude. Arquiconservador, autoritário
e tradicionalista, procurou, assim mesmo, sob a che­
fia do Imã Ahmed, uma aproximação com o Egito de
Nasser. Também aí chegaram os “coronéis” moder-
nizadores (1962) e transformaram a face do país,
introduzindo uma orientação neutralista e tentando
resistir às pressões conservadoras exercidas pelos
sauditas. Já o Iêmen do Sul, como República Demo­
crática e Popular (1967) emergiu após uma longa
guerra de libertação nacional, mantendo-se inconfor­
mado com a divisão do Norte. Como bastião do
radicalismo nacionalista, apresentou-se desde o iní­
cio com marcadas tendências de esquerda, apoiadas
numa ampla frente popular, o que constitui, sem
dúvida, um fato extraordinário no mundo árabe con­
temporâneo.
96 Maria Yedda Linhares

O saldo do nasserismo

Uma das vitórias de Nasser foi a independência


do Sudão (1? de janeiro, 1956), mas que logo se
revelou ser uma simples vitória de Pirro. Por um
lado, os ingleses obtiveram vantajosos acordos econô­
micos com a nova república e, por outro, os egípcios
perderam a oportunidade de vir a controlar, de uma
vez por todas, o curso superior do Nilo. Na realidade,
o Sudão é a fronteira entre a África negra e o mundo
árabe. No tocante ao Egito, Nasser mudou a face do
país e no tocante ao restante do Norte da África,
como veremos a seguir, sua influência foi decisiva,
também para desespero de um outro imperialismo,
o francês. No entanto, a sua grande derrota ocorreu
em 1967, na chamada “guerra dos seis dias” contra
Israel que, mais uma vez, revelou a falácia do ara­
bismo e comprovou a superioridade militar dos israe­
lenses. O canal de Suez assediado por ambos os lados
foi literalmente obstruído e fechado à navegação
(reaberto em 1975). A derrota árabe foi desmorali­
zante para Nasser, acarretando conseqüências catas­
tróficas (econômicas, sociais e políticas) para o Egito.
O ano de 1968 caracterizou-se por uma brutal repres­
são policial em meio a manifestações populares e
operárias, num clima geral de insatisfação. Ao mes­
mo tempo, foram retomadas as negociações pan-ára-
bes e reafirmadas as juras de ódio a Israel. A morte
repentina de Nasser (setembro de 1970) elevou à
chefia do governo o então vice-presidente Anuar
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 97

al-Sadate. No interior, o regime endurece, mas, em


política, Sadate mostra-se mais prudente e menos
espetacular do que Nasser. Para surpresa geral, ir­
rompeu uma nova guerra contra Israel (Yom Kip-
pur), em 1973, que, pela primeira vez, revelou ex­
trema eficiência das forças árabes em combate e.da
organização dos Estados árabes contra os simpati­
zantes de Israel (suspensão do fornecimento de pe­
tróleo, por exemplo). Para o Egito, estava salva a
honra e daí por diante Sadate reformulou a política
nasserista: reaproximação com os Estados Unidos e
aproximação com Israel. Tratava-se para o Egito de
uma questão vital: a paz, único caminho pelo qual
seu povo poderia tentar reconstruir o país e erguer
uma sociedade mais justa.

O Maghreb: árabes e berberes


buscam sua identidade

A França, como potência imperial, conseguira


manter os três países norte-africanos, Tunísia, Ar­
gélia e Marrocos, pelo menos até a Segunda Guerra
Mundial, bem distantes dos tumultos dos árabes do
Oriente. Mas também nesses seus resguardados do­
mínios sopraram os ventos do nacionalismo e da
revolta contra o Ocidente.
Terra dos árabes do Ocidente — o Maghreb — é
também terra dos berberes, cuja origem parece mis-
98 Maria Yedda Linhares

teriosa, mas cuja presença na História data de mais


de três milênios. Na expressão de Pierre George, a
miséria é o seu fado comum, embora profundas se­
jam as suas diferenciações internas, ditadas pela His­
tória. Estendendo-se entre o golfo de Gabes e o>
Oceano Atlântico, sobre 2 000 km de leste a oeste e
350 km de norte a sul, o Maghreb se caracteriza por
uma geografia acidentada, com suas montanhas re­
cortadas de pequenas planícies e seus planaltos ele­
vados, penetrando do Saara: 20 milhões de campo­
neses, 40 milhões de habitantes sobre 20 milhões de
hectares cultivados (Pierre George, Panorama du
Monde Actuel, op. cit., pp. 146 ss). Acrescentem-
se a um quadro agrícola marcado pela pobreza dos
solos e a aridez do clima, 50 milhões de ha de pasta­
gens que, por sua qualidade inferior, não chegam a
suprir as necessidades de seus rebanhos raquíticos.
São aí freqüentes as migrações de populações, tanto
nos grupos pastoris quanto nas regiões de atividades
sedentárias, impostas tais migrações pela inclemên-
cia da seca e pelo próprio sistema social vigente. Aí
vivem comunidades berberes e árabes desde a inva­
são muçulmana, que levou um século para subjugar
as populações locais (sécs. VII-VIII); os primeiros,
pobres agricultores, diferiam dos segundos cujas ati­
vidades estiveram, historicamente, mais centradas
no pastoreio, no comércio, no artesanato urbano e na
burocracia.
Pouco ou quase nada se conhece das origens dos
berberes entre os quais se encontram tipos físicos
bem diversos dos árabes semitas: muitos são altos,
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 99

esbeltos, louros de olhos azuis. Por aí passaram feni­


cios (a partir de 1200 a.C.) que fundaram Cartago
(Tunísia), depois vieram os romanos, mais tarde vân­
dalos e bizantinos e, por fim, os cristãos latinos, que
cristianizaran! e latinizaram a região do litoral (por
exemplo: Santo Agostinho). Com a chegada dos ára­
bes, iniciou-se um longo processo de islamização e
arabização da Berbéria, que teve entre seus expoentes
intelectuais a figura impar de Ibn Khaldun (séc.
XIV) e cujo feito mais notável foi a conquista e colo­
nização da Espanha visigótica. É interessante obser­
var que nesse remoto VIII século os judeus da Penín­
sula acolheram árabes e berberes como libertadores.
Até o século XI, o Norte da África, com árabes (até
então uma minoria) e berberes (e remanescentes das
fusões étnicas anteriores) parece ter vivido momentos
de esplendor, quando então se deu a segunda invasão
árabe chefiada pelos beduinos de Beni Hilal e Benin
Sulaim do alto Egito. Ao acreditar em Ibn Khaldun,
foi extremamente destruidora essa invasão dos be­
duinos com seus velozes camelos, dando início a um
prolongado período de declínio do qual os berberes
jamais se recuperaram (exemplo: a destruição com­
pleta do existente sistema de irrigação herdado dos
romanos). Apenas na parte oriental da Argélia e na
Tunísia, graças à imigração de muçulmanos da An­
daluzia (Espanha) pôde sobreviver o antigo e prós­
pero sistema de agricultura que prevalecia no Medi­
terrâneo. A partir desse momento, ficaram os berbe­
res, preservando língua e. costumes, concentrados
nas montanhas do interior, densamente povoadas,
100 Maria Yedda

pobres e áridas, enquanto que as férteis planícies do


litoral, como os planaltos interiores, paradoxalmente
subpovoadas, ficaram como domínio de pastores ára­
bes ou arabizados, resultantes da invasão hilaliana.
Com os Tempos Modernos, portugueses e espanhóis
levaram seu novo espírito cruzadista até o Norte da
África, cuja resposta consistiu em atacar sistemati­
camente os navios “cristãos” em águas do Mediter­
râneo, daí a origem dos corsários e a denominação do
litoral africano como “costa bárbara” (de berbere),
ou “dos piratas”. Com o Império Otomano, o Mar­
rocos preservou, na prática, a sua independência e
foram criadas três regências: Argel, Túnis e Trípoli,
essencialmente cidades marítimas, vivendo do co­
mércio e da pirataria. A situação só se alteraria subs­
tancialmente no século XIX, quando os franceses aí se
instalaram (a partir de 1830, em Argel, e mais tarde
na Tunísia e no Marrocos). Como os conquistadores
anteriores, também esses enfrentaram uma feroz
resistência dos berberes.
Do grande grupo lingüístico berbere, três são as
variações dialetais repartidas por regiões: 1) zeneta
(ou zenata), os que mais sofreram a influência dos
hilalianos, fortemente arabizados e historicamente
nômades (Líbia, Tunísia, pequenos grupos marro­
quinos do Rif, médio Atlas setentrional, fronteira da
Argélia); 2) masmuda (maçmoúda) abrangendo al­
gumas comunidades sedentárias do Marrocos (inclu­
sive nos confins saarianos); 3) sanhadja, extrema­
mente importantes na Argélia onde se destacam os
kabilas. Para o colonialista francês, segundo o qual
URSS

O Oriente Médio em 1979. (T. G. Fraser, The Middle East,


1914-1979, Londres, 1980, p. XVI.)
102 Maria Yedda Linhares

todos eram “árabes”, não foi fácil encontrar um


modus vivendi, sobretudo no caso da Argélia, cuja
colonização se fez pela implantação de fortes contin­
gentes de colonos franceses agricultores. A primeira
grande resistência à ocupação pela França partiu do
emir Abd El-Kader (vencida em 1847), seguida de
grandes rebeliões kabilas, uma em 1871 e outra em
1945. A França não apenas introduziu a cultura
francesa como também se apropriou das melhores
terras do país. Daí as dificuldades que enfrentou no
momento em que se viu forçada a ceder a indepen­
dência à Argélia após uma longa guerra (1956-1962).
Diferentemente da Tunísia e do Marrocos, a pre­
sença de franceses argelinos (os pieds noirs) foi um
elemento fundamental na guerra pela libertação.
Não há dúvida de que os franceses transformaram
Argel numa bela cidade e introduziram uma agricul­
tura altamente competitiva. Em suas escolas de exce­
lente qualidade foram formadas gerações de arge­
linos, entre os quais os líderes que deveríam libertar
o país da própria dominação francesa.
O que ocorreu com a Tunísia assemelha-se ao
caso egípcio. A intervenção francesa contra o bey de
Túnis deveu-se, oficialmente, a uma cobrança de dí­
vidas. Mas a presença francesa aí sempre se deparou
com fortes resistências locais. Quanto ao Marrocos,
um império nominal mas, na realidade, uma tênue
associação de cidades árabes e tribos berberes, cobi­
çado por alemães, ingleses, franceses e espanhóis, foi
alvo de intensas rivalidades diplomáticas até que, em
1912, oficializou-se o protetorado francês. Violenta e
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 103

imediata foi a reação em Fez, assim como no Atlas


central, o que impôs à França uma ação militar
“pacificadora” contínua. Um dos mais recalcitrantes
opositores (berbere de origem) da dominação fran­
cesa foi Abdel Krim cuja revolta (no Rif) teve início
em 1923.
Resta o território intermediário (entre o Nilo e a
Berbéria) — a Líbia (Tripolitânia), cobiçada pela
Itália, que também aspirava dominar a Tunísia.
Ê interessante observar que já em 1911 nacionalistas
egípcios e tunisianos lutaram contra a invasão ita­
liana na Líbia. Somente em 1928, as tropas fascistas
de Graziani conseguiram vencer a resistência árabe
na Cirenaica (sempre insurrecta) e ocupar a totali­
dade do país, conquista difícil que resultou no mas­
sacre da metade dessa brava população. Foi, no en­
tanto, a Tunísia que teve a primazia da primeira
organização nacionalista militante — o De tur (Des-
tour, isto é, “constituição”) que ressurgiu em 1934
como Neo-Destour, cujos dirigentes eram intelectuais
graduados nas universidades francesas. Alguns ana­
listas atribuem a essa circunstância e à existência de
uma forte burguesia local o caráter conservador do
nacionalismo tunisiano. Quanto à Argélia, a política
francesa de “assimilação” retardou a formação de
grupos nacionalistas aguerridos. Talvez isso também
explique a adesão tardia do Maghreb à causa do ara­
bismo.
O advento de Nasser e de seus Oficiais Livres,
com a missão regeneradora, foi decisivo na altera­
ção do quadro político do Maghreb. Apesar da resis­
104 Maria Yedda Linhares

tência da poderosa colônia francesa (180000 resi­


dentes) da Tunísia, a ação dos guerrilheiros locais,
associada à diplomacia do Neo-Destour sob Habib
Bourguiba (ala conservadora) assegurou o fim do
protetorado (convenções de junho de 1955). No Mar­
rocos, a situação parecia mais complexa e contou
com o apoio da Liga Ãrabe, tendo no sultão um líder
resoluto em prol da independência. Nos dois casos,
a França tergiversou tentando manter fórmulas de
compromisso tais como a da “independência na in­
terdependência” e, em ambos os casos, acabou ce­
dendo a independência completa. (Marrocos, em
1956; Tunísia, em 1957.) Na Argélia, a longa guerra
de libertação nacional encerrada com os Acordos de
Evian(1962) deixou profundas seqüelas: de um lado,
o terrorismo inconformado de extrema-direita da
OES (Organização do Exército Secreto, com milita­
res franceses), de outro, a fuga súbita da Argélia de
800000 do 1 000000 de europeus (em maioria fran­
ceses), com repercussões imediatas na economia de
um país que começava a enfrentar as duras tarefas de
reconstruir uma nação. Coube a Ben Bella, novo
líder carismático, socialista e belo, o cargo de pri­
meiro-ministro (setembro de 1962) e de presidente da
República, em 1963. Apesar de seu prestígio popu­
lar, acabou sendo deposto pela oposição militar, e foi
substituído por Houari Boumedienne, em 1965.
Tratava-se para a Argélia de erguer um país em
ruínas através de uma política de desenvolvimento
econômico e social, com poderes concentrados no
exército e um regime político que dificilmente poderia
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 105

ser chamado de democrático pelos padrões ociden­


tais. Sua população cresce em torno de 3,4% ao ano,
o que impõe tarefas gigantescas no plano da indus­
trialização, da educação e da produção de alimentos.
O principal trunfo reside nos seus recursos em petró­
leo e carbohidratos. País austero e competente na
condução dos negócios de Estado, tem-se distinguido
por sua diplomacia eficiente, gozando de prestígio
tanto nos países do Terceiro Mundo quanto junto às
grandes potências, quer socialistas, quer capitalistas.
No tocante à questão agrária, surgiram soluções
importantes, face à grave herança colonial. A Argé­
lia, como República democrática e popular (denomi­
nação oficial), escolheu o caminho do “socialismo
revolucionário”, implantando a reforma agrária. A
saída maciça dos estrangeiros facilitou a transfe­
rência do direito de propriedade. Na Tunísia, a lei de
12 de maio de 1964 decretou a nacionalização das
terras estrangeiras; no Marrocos, por etapas suces­
sivas, tratou-se de incentivar a colonização de terras
com loteamentos individuais organizados em comu­
nidades. A experiência argelina, no entanto, parece
mais original, através de duas formas sucessivas de
socialização: a) a autogestão, b) a revolução agrária
pela qual a “desprivatização da produção marcha
par a par com uma reorganização do espaço agrícola
no quadro da comuna” (Jean Le Coz, op. cit,9 P-
220). Apesar de tratar-se de uma experiência re­
cente, os resultados sociais são positivos. Mas sobre
eles pesam também severas críticas, sobretudo no
referente ao crescimetno de uma classe de burocratas

106 María Yedda Linhares

que tende a paralisar as intenções construtivas e


anular os efeitos da “revolução agrária”.

A Líbia
Com cerca de 1800 000 km2 e 2 milhões de habi­
tantes, engloba três províncias (Tripolitânia; Cire-
naica e Fezzan), constituindo, até 1969, o Reino
Unido da Líbia. Noventa por cento de suas terras são
desertas e povoadas por tribos nômades. Após a
Segunda Guerra Mundial (durante a qual se desen­
rolou a chamada campanha da Líbia), o país ficou
sob administração franco-británica até 1949, quando
recebeu da ONU o direito de acesso à independência.
Em 1951, assumiu o governo o ex-emir Mohamed
Idris (herói da resistência nacional) com o título de
rei (Idris Ãl-Senoussi) que foi deposto por um golpe
militar chefiado pelo coronel M’Aammar Kaddafi.
Nessa data (setembro, 1969) instaurava-se a Repú­
blica Árabe da Líbia, também intitulando-se socia­
lista. Dez anos antes, com a espetacular descoberta
do petróleo, o até então mais pobre país da região
tornou-se o mais rico do Maghreb, com reservas de
fácil exploração, superiores a quatro bilhões de tone­
ladas. Em dez anos apenas, a renda per capita anual •
saltou de 40 para 2 800 dólares. O coronel Kaddafi,
muçulmano, convicto da sua ortodoxia religiosa,
impregnado dos ideais pan-árabes, antiocidental, re­
toricamente socialista, representa, sem dúvida, uma
das personalidades mais controvertidas não só do
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes

mundo árabe mas do cenário internacional. Adepto


fervoroso de Nasser, mostrou-se, posteriormente, in-
fenso à política de Sadate. Rica, bem armada e
governada carismaticamente, é inegável que a Libia
de Kaddafi constitui uma ameaça e um desafio à
política das potências do Ocidente.
CONCLUSÃO: ONTEM E HOJE

Uma visão sintética dos problemas com os quais


se defrontam os países do Oriente Médio é tarefa
extremamente difícil. Tratar-se-ia de perceber a ex­
trema diversidade étnica e cultural de povos que se
constituíram ao longo de milênios e forçaram sua
História de pastores, camponeses, artesãos e comer­
ciantes, através de lutas insanas, entrecortadas por
grandes movimentos demográficos, por explosões
místicas que construíram e derrubaram impérios e de
que resultaram modos de vida, mentalidades e civi­
lizações ricas e complexas. Seria enganoso pensar
que fenômenos como o militarismo modernizante dos
atuais Estados árabes ou o “socialismo islâmico” de
um Kaddafi poderíam ser explicados através de um
modelo qualquer tão do gosto da moderna ciência
política. Como nos lembra Marc Bloch (Seigneurie
Française et Manoir Anglais, Paris, Armand Colin,
1960, pp. 11-12), “não há maior erro na história do
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 109

que confundir o importante ou o atuante com o re­


cente”, pois “as sociedades humanas são pessoas
muito velhas que sofrem ainda profundamente a ação
dos hábitos contraídos na sua infância”. Daí a neces­
sidade para o historiador de empreender a longa via­
gem através dos tempos, mas não sem antes “fazer e
refazer em pensamento um simples deslocamento no
espaço e num mundo muito atual”.
Um dos fatores fundamentais que moveram as
sociedades árabes na sua história mais recente, face
às transformações que se operavam no mundo da
revolução industrial, do capitalismo e do socialismo,
foi o desejo, expresso coletivamente, de recuperar a
dignidade e, portanto, a identidade definida no plano
internacional, de modo a superar os séculos de frus­
tração e de dominação estrangeira. O nacionalismo,
mais do que uma ideologia burguesa, importada do
solo europeu pelo capitalismo emergente do século
XIX, foi a grande ideologia mobilizadora. — ora
pan-islâmica, ora pan-árabe, ora “faraônica” como
no caso egípcio — que arregimentou burgueses, inte­
lectuais, beduinos e felás, contra o dominador estran­
geiro, quer turco, quer europeu. Uma das grandes
tragédias do nosso século residiu no fato de ele se ter
desenvolvido paralelamente a outro nacionalismo —
o sionismo —, ao mesmo tempo em que este ganhava
corpo, força e poder de expansão. O nacionalismo
judeu — também legítimo nas suas raízes sociais e
humanitárias — por várias injunções internacio­
nais, apresentava-se como algo imposto de fora, su­
jeito, sobretudo da política de Harry Truman èm
lio Maria Yedda Linhart

diante, às exigências da política americana e de seus


conflitos com a União Soviética. Nessas condições,
o Estado de Israel, visto no confuso quadro político
local e na perspectiva das esquerdas do Terceiro
Mundo como “uma ponta de lança do imperialismo”
no Oriente árabe, tendo de enfrentar uma luta de
vida e de morte por sua própria implantação e sobre­
vivência, entregue cada vez mais a grupos internos
reacionários e militaristas, xenófobo e antiárabe pela
natureza do Estado confessional, perdeu a grande
oportunidade histórica de erguer na região uma so­
ciedade moderna, avançada e livre, social, econô­
mica e politicamente, capaz de abrir o caminho para
um amplo movimento de transformação, não apenas
na Palestina, mas no conjunto do Oriente Médio.
Ê possível também que a presença dos judeus, com
sua extraordinária superioridade técnica e científica,
com sua longa vivência histórica, tenha sido o sinal
de alerta para os poderosos locais, retrógrados e
insensíveis à miséria de seu próprio campesinato,
constituindo-se, assim, num “mau exemplo” e, por­
tanto, numa ameaça a ser descartada. Esse terrível
desencontro histórico — entre árabes e judeus —,
reforçando racismos e desígnios bíblicos, é uma das
características mais sombrias da irracionalidade dos
nacionalismos do mundo atual. O martírio dos pales­
tinos aí está como prova.
Outros aspectos da “questão árabe” mereceríam
destaque nestas páginas de conclusão. Entre eles, o
extraordinário fato representado pelo petróleo. Se há
trinta anos, os árabes se situavam entre os povos
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 111

mais pobres da face da Terra, hoje urna grande parte


pertence a um grupo de países que se distinguem dos
demais por possuírem a renda per capita mais ele­
vada do mundo. Se considerarmos pelos critérios
econômicos que a marca de 1.500 dólares (por habi­
tante e por ano) separa países ricos dos países po­
bres, verifica-se que quatro países, dotados de estru­
turas sociais e econômicas nitidamente pré-indus-
triais, ultrapassaram de muito aquele limite: o Ko­
weit com mais de 11.000 dólares, a Libia com 5.200
dólares, a Arábia Saudita com 3.200 dólares e o Irã
(fora dos países árabes) com 1.500 dólares (a relação
não incluí os emirados do Golfo Pérsico). Às vésperas
da Segunda Guerra Mundial, o Oriente Médio con­
tribuía com 5% da produção mundial de petróleo
que era, então, de 300 milhões de toneladas. Em
1974 (ano recordista de produção), o Oriente Médio
já produzia 38% do total de três bilhões de tone­
ladas. Por outro lado, os estados produtores adqui­
riram um grande poder de barganha no tocante à
fixação dos preços, introduzindo, dessa forma, um
elemento de pressão sobre as economias dos países
ocidentais, com graves efeitos sobre o sistema finan­
ceiro internacional. Várias perguntas se poderíam
fazer: que benefícios advêm para as populações lo­
cais desse fantástico fluxo de riquezas? Que trans­
formações sociais, poderão ocorrer no dia em que os
"nacionalismos” locais se voltarem contra seus líde­
res carismáticos e teocráticos, exigindo a concreti­
zação de reformas que a retórica “socialista” en­
cobre?
112 Maria Yedda Linhares

Uma segunda questão diria respeito à sobrevi­


vência das minorias religiosas e étnicas, no Líbano,
na Síria, no Iraque, no Maghreb. Restaria saber se
na busca de uma identidade nacional, os regiona­
lismos serão superados e o caráter “religioso” das
instituições políticas deixarão de ser o “ópio” das
massas. Os Estados árabes, como os do mundo
muçulmano em geral, viveram a descolonização, re­
jeitaram a dominação direta dos imperialismos mas
se viram entre duas ideologias conflitantes — o capi­
talismo e o socialismo —, na realidade, entre dois
sistemas sócio-econômicos que se identificam pela
concepção tecnicista da sociedade, mas que se dis­
tanciam quanto à gestão dos recursos e à repartição
dos benefícios, ambas, porém, extremamente reno­
vadoras e revolucionárias no Islã tradicional. Nessas
condições, não deixa de ser pueril tentar definir os
sistemas que aí são gerados: capitalista, socialista,
fascista, autoritário, despótico, autocrático e assim
por diante. Na realidade, rótulos e chavões nada
esclarecem. Quaisquer que eles sejam, refletem lutas,
combates, mudanças em curso. Concluindo com as
palavras de um grande orientalista, Máxime Rodin-
son {Islam et Capitalisme, Paris, Ed. du Seuil, 1966,
p. 242): “Como quer que seja, com ou sem Islã, com
ou sem tendência progressista do Islã, o futuro do
mundo islâmico é a longo prazo um futuro de lutas.
Na terra, as lutas se desencadeiam e se desenrolam
por objetivos terrestres, mas sob o estandarte das
idéias. A idéia que se apossou da Europa e, depois,
do mundo nos últimos dois séculos é a de que a feli­
Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 113

cidade terrestre é possível, que está em marcha um


progresso nesse sentido, que vale a pena lutar por
uma humanidade sem exploração e sem opressão”.
INDICAÇÕES PARA LEITURA

Por ser extremamente rica a literatura interna­


cional sobre o Islã, o mundo árabe e o Oriente
Médio, limitamo-nos, aqui, a fornecer algumas indi­
cações de leitura suplementar mais gerais e acessíveis
ao leitor não especialista. Para uma visão mais abran­
gente do mundo contemporâneo, com ênfase nos
problemas do Terceiro Mundo: Pierre George, Pano­
rama du Monde Actuel, Paris, PUF, Col. Magellan,
3? ed., 1978; Jean Mathiez e Gérard Vincent, His-
toire — Aujourd’hui (1945-1970), 2 tomos, Paris,
Masson, 1972; G. Barraclough, Introdução à Histó­
ria Contemporânea, trad. brasileira, Rio de Janeiro,
Zahar, várias edições; Pierre Guillaume, Le Monde
Coloniel {XIXe.XXe. siècle), Paris, Armand Colin,
Col. U, 1974; P. F. Gonidec e Tran Van Minh, Poli-
tique Comparée du Tiers Monde, Paris, Ed. Mont-
chrestien, 1980; Maria Yedda Linhares, A Luta con­
tra a Metrópole, São Paulo, Ed. Brasiliense, Col.
r Oriente Médio e o Mundo dos Árabes 115

Tudo é História, vol. 3, 1981; Jean Le Coz, Les Re­


formes Agraires, Paris, PUF, Col. Magellan, 1974.
Para a documentação relativa ao Oriente Médio, V.
T. G. Fraser, The Middle East (1914-1979), Lon­
dres, E. Arnold, 1980. Sobre o Islã: Dominique
Sourdel, LIslam, Paris, PUF, Col. Que sais-je?,
1949; Alfred Guillaume, Islam, Londres, Penguin
Books, 1979; G. E. Grunebaun, El Islam, Historia
Universal Siglo Veintiuno, vol. 15, 1975; Máxime
Rodinson, Islam et capitalisme, París, Ed. du Seuil,
1966. Sobre os árabes e sua historia moderna: Má­
xime Rodinson, Les Arabes, Paris, PUF, 1979; Jac­
ques Berque, Les Arabes d'hier à de'main, Paris,
Ed. du Seuil, 3? ed., 1969; Edward Atiyah, The
Arabs, Londres, Penguin Books, 1955; C. Brockel-
mann, Histoire des Peuples et des Etats Islamiques,
Paris, Payot, 1949; Pierre Keller, La Question Ara­
be, Paris, PUF, Col. Que sais-je?, 1948; EDMA
(Encyclopedic du Monde Actuel), Les Arabes, diri­
gida por Charles-Henri Favrod, Paris, 1975; Peter
Mansfield, The Arabs, Londres, Penguin Books,
1981; A. Razak Abdel-Kader, Le Monde Arabe à la
Veille dun Tournant, Paris, François Maspero,
1966; Abdallah Laroui, LTdéologie Arabe Corttem-
poraine, Paris, François Maspero, 1967. Para uma
visão do conjunto do Maghreb e do Egito contempo­
râneo; Eugène Guernier, La Berbérie, I'lslam et la
France, Paris, Ed. de l’Union Française, 2 tomos,
1950; G. H. Bousquet, Les Berberes, PUF, Col. Que
sais-je?, 4? ed., 1974; Nada Tomiche, L’Égypte Mo-
derne, Paris, PUF, Col. Que sais-je?, 1976; Hassan
116 Maria Yedda Linhares

Riad, L’Égypte Nassérienne, Paris, Les Editions de


Minuit, 1964; Mahmoud Hussein, La Lutte de Classes
en Égypte {1945-1970), Paris, François Maspero,
2? ed., 1971, Anouar Abdel-Malek, La Pensée Poli­
tique Arabe Contemporaine, Paris, Ed. du Seuil,
3? ed., 1970. Omitimos, aqui, uma indicação biblio­
gráfica específica sobre o Estado de Israel e a questão
palestina por tratarem de assuntos de outro livro
desta coleção. No entanto, como mera sugestão de lei­
tura para principiantes, indicamos: Andre Chou-
raqui, Histoire du Juddisme, Paris, PUF, Col. Que
sais-je?, 5? ed., 1974; Claude Franck Michel Herszli-
kowicz,.¿e Sionisme, Paris, PUF, Col. Que sais-je?,
1980; Olivier Carré, Le Mouvement National Pales-
tinien, Paris, Col. Archives, 1977, além da revista
Revue d'Études Palestiniennes,. publicada pelo Ins­
titut des Êtudes Palestiniennes, Beirute, Líbano.
Sobre a Autora

Nasceu em Fortaleza em 1921. Seu interesse pela História se


revelou quando, em 1938, venceu a Maratona Intelectual promovida
pelo MEC. Iniciou e concluiu sua formação em História na Universidade
do Brasil (Rio de Janeiro) e nos Estados Unidos (Nova Iorque). Fez sua
carreira universitária na Faculdade Nacional de Filosofia (UFRJ) entre
1946 e 1969, ano em que foi aposentada pelo AI-5, após ter conquistado,
sucessivamente, por concursos públicos de provas e defesa de tese, o
título de Livre Docente (1953) e o cargo de Professor Catedrático de
História Moderna e Contemporânea (1957). Além de duas teses sobre
história das relações internacionais (as relações anglo-egípcias e o Sudão
e as relações franco-alemãse o Marrocos), publicou artigos no Brasil, na
Europa e na América, tendo participado em congressos, realizado confe­
rências e lecionado como Professor Visitante tanto na França (Univer­
sidade de Paris) como nos Estados Unidos (Universidade de Columbia,
Nova Iorque). Transferiu-se para a França em 1969 e foi nomeada Pro-
fesseur Associe de História Moderna e do Brasil na Universidade de Tou-
louse. De volta ao Brasil, em 1975, passou a dedicar-se à pesquisa em
história agrária. Durante quatro anos, foi professora da Fundação Ge-
túlio Vargas e desenvolveu o Programa de História da Agricultura Brasi­
leira (Centro de Pós-Graduação em Desenvolvimento Agrícola, EIAP/
FGV) sobre cujo tema publicou numerosos artigos e os livros: História
do Abastecimento, uma Problemática em Questão {1530-1918), História
Política do Abastecimento {1918-1974), A Luta contra a Metrópole {Ásia
e África) e História da Agricultura Brasileira, combates e controvérsias,
este em co-autoria com Francisco Carlos Teixeira da Silva. No momento,
é Professora Visitante do Mestrado em História da Universidade Federal
Fluminense. Anistiada, retornou à UFRJ.

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nossas coleções, por favor nos envie. Novas idéias sao
sempre bem recebidas.

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O Que é:

36. CULTURA POPULAR —- A. Augusto Arantes


37. FILOSOFIA - Caio Prado Jr.
38. MÉTODO PAULO FREIRE - C. R. Brandão
39. PSICOLOGIA SOCIAL - S. T. Maurer Lane I
40. TROTSKISMO r- J. Roberto Campos
'41. ISLAMISMO -r Jamil A. Haddad
42. VIOLÊNCIA URBANA - Régis de Morais
43. POESIA MARGINAL — Glauco Mattoso
44. FEMINISMO — B. M. Alves/J. Pitanguy
45. ASTRONOMIA — Rodolpho Caniato
46. ARTE — Jorge Coli
47. COMISSÕES DE FÁBRICA - R. Antunes/A. Noguei
48. GEOGRAFIA — Ruy Moreira
49. DIREITOS DA PESSOA — Dalmo de Abreu Dallari
50. FAMÍLIA - Danda Prado
51. PATRIMÔNIO HISTÓRICO - Carlos A. C. Lemos
52. PSIQUIATRIA ALTERNATIVA - Alan índio Serrano
53. LITERATURA — Marisa Lajolo
54. POLÍTICA — Wolfgang Leo Maar
55. ESPIRITISMO — Roque Jacintho
56. PODER LEGISLATIVO - Nelson Saldanha
57. SOCIOLOGIA — Carlos B. Martins
58. DIREITO INTERNACIONAL - J. Monserrat Filho
59. TEORIA — Otaviano Pereira
60. FOLCLORE — Carlos Rodrigues Brandão
61. EXISTENCIALISMO - João da Penha
62. DIREITO — Roberto Lyra Filho .
63. POESIA — Fernando Paixão
64. CAPITAL — Ladislau Dowbor
65. MAIS-VALIA — Paulo Sandroni

brasiliense

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