DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA ESTÁGIO BÁSICO EM PSICOLOGIA DA SAÚDE SEMESTRE: 2023.2 DISCENTES: Ana Paula Lopes, Ana Vitória Cardoso, Dandara Barbosa, Heitor Sousa e Matheus Diniz
Resumo: “Saúde Mental e Atuação de Psicólogos Hospitalares Brasileiros na
Pandemia da Covid-19” (Lemos; Wiese, 2023) e “Tradição Clínica da Psiquiatria, Psicanálise e Práticas Atuais em Saúde Mental” (Tenório; Costa-Moura; Lo Bianco, 2017)
Lemos e Wiese (2017) pontuam a importância de reconhecer a subjetividade
do psicólogo como uma ferramenta intrínseca à sua atuação, o que inevitavelmente interfere em sua prática profissional. Ao levantar essa questão, abre-se espaço para refletir sobre como ocorre essa interferência e quais recursos o profissional utiliza para lidar com ela. Dessa forma, o objetivo do estudo proposto pelas autoras é compreender os impactos da pandemia da Covid-19 na atuação e saúde mental do psicólogo hospitalar por meio de um estudo exploratório-descritivo e correlacional que utilizou métodos quantitativos para coleta e análise dos dados, contando com a participação de 131 psicólogos hospitalares.
Os resultados obtidos pelas autoras indicaram que as demandas de trabalho
mudaram significativamente para a maiorias dos psicólogos que responderam a pesquisa, sendo que vários deles afirmaram estar lidando com óbitos durante a pandemia, o que incluiu trabalhar com pacientes em processo de morte e com familiares enlutados, o que se constituiu como algo desafiador. Eles também relataram um aumento considerável em suas cargas de trabalho, pois, além dos pacientes e familiares, os demais profissionais da saúde também procuraram por atenção psicológica. Para mais, esses psicólogos relataram alterações relacionadas com o sofrimento psíquico, tais como ansiedade, estresse, dificuldade na concentração e atenção.
É notável nesse estudo que os profissionais com menor tempo de atuação
profissional, com menos de cinco anos, sentiram os impactos da pandemia de maneira mais acentuada. Isso porque existe uma hipótese de que a experiência aumenta a sensação de controle e segurança na tomada de decisões no trabalho, diminuindo seus impactos emocionais. Da mesma forma, a falta de apoio, de comunicação e de treinamento representam fatores de risco que podem favorecer o adoecimento psíquico em equipes de saúde no contexto pandêmico.
Ademais, diante do isolamento proporcionado pela pandemia, as demandas
na modalidade do atendimento também foram alteradas, sendo mais utilizada a modalidade de atendimento on-line, que solicitou dos profissionais e dos locais de trabalho uma adaptação rápida sob um cenário de urgência. De acordo com o E-Psi, plataforma do Conselho Federal de Psicologia, em 2020 o número de psicólogas subiu 441% em relação a 2019. Entretanto, é de grande importância ressaltar que as possibilidades de disponibilização e moldagem às necessidades para a modalidade on-line não estavam ao alcance de todos os locais de trabalho em que o atendimento psicológico se fazia disponível, vista a desigualdade entre os investimentos destinados às instituições de instâncias públicas e privadas. Segundo dados do Portal da Transparência, em 2020 foram destinados 0,012% do orçamento para formação de profissionais atuantes na média e alta complexidade.
Nesse sentido, depreende-se de Lemos e Wiese (2017) que a pandemia no
contexto hospitalar convocou os profissionais da psicologia a ocuparem um lugar de saber próprio para falar de temas caros à saúde, como dito anteriormente, como a morte, adoecimento e outros sofrimentos psíquicos.. Essa convocação tem um preço a ser pago pelos profissionais da psicologia que muitas vezes têm um lugar não reconhecido, atravessado por resistências de outros saberes e profissionais, como aponta Almeida (2000) em seu artigo o Psicólogo no Hospital Geral. Essas resistências revestidas de barreiras impactam diretamente nas possibilidades de atuação que o psicólogo pode ter em relação ao seu trabalho. A sua inserção neste espaço busca dialogar de maneira horizontal com outros profissionais a fim de construir um espaço de saúde que priorize e tenha como fundamento a escuta do paciente e da família a partir de diferentes saberes advindos da multidisciplinaridade. Sendo assim, é partindo desta convocação que o psicólogo deve se inserir de maneira mais efetiva e irreversível ao proporcionar apoio psicológico ao paciente, à família e à equipe multidisciplinar.
Partindo de como as práticas de cuidado em saúde mental se estabelecem
hodiernamente, Tenório, Costa-Moura e Lo Bianco (2017) abordam a clínica da psicose no campo da saúde mental, propondo uma retomada de categorias da psiquiatria clássica pela psicanálise, especialmente o automatismo mental. O objetivo é demonstrar a utilidade do que pode ser considerado um programa de trabalho para o campo de tratamento da psicose na saúde mental, polarizado hoje entre o reducionismo biológico e a atenção psicossocial. A teorização lacaniana, neste ensejo, é importante para a compreensão do funcionamento complexo da psicose, e a riqueza clínica das descrições psiquiátricas clássicas pode contribuir para a atenção psicossocial no tratamento da psicose, uma vez que possibilita reconhecer o trabalho do sujeito para fazer face às dificuldades impostas por essa condição.
Uma categoria discutida pelas autoras é o automatismo mental, um
fenômeno clínico descrito pelo psiquiatra francês Gaëtan Gatian de Clérambault nas primeiras décadas do século XX. Segundo Clérambault, nas psicoses delirantes e alucinatórias, é possível reconhecer um momento inicial caracterizado unicamente pelo fato de a atividade mental ser experimentada pelo sujeito no registro da estranheza e da xenopatia. Ela se autonomiza do sujeito, torna-se estranha a ele. O automatismo mental tem fundamentalmente uma estrutura de exposição, expondo a condição objetal do sujeito em relação ao significante. É uma espécie de assinatura da psicose que revela a dependência estrutural de todo sujeito em relação à linguagem e ao significante, fato primeiro do qual deriva a subjetividade como efeito.
Desta forma, a riqueza clínica das descrições psiquiátricas clássicas pode
contribuir para a atenção psicossocial no tratamento da psicose ao permitir uma retomada de categorias da psiquiatria clássica pela psicanálise, especialmente o automatismo mental. Essa retomada pode ser útil para a compreensão do funcionamento complexo da psicose e para a identificação dos limites impostos pela estrutura na psicose, buscando-se ir para além das definições atuais colocadas pela psiconosologia descritiva dos manuais diagnósticos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, E. C. O Psicólogo no Hospital Geral. Psicologia: Cięncia e Profissăo, v.
20, n. 3, 2000, pp.24-27
CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Portal da Transparência. Saúde.
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Cadastro e-Psi. Psicólogas (os)
cadastradas (os) para Atendimento On-Line. Disponível em: https://e-psi.cfp.org.br/. Acessado em: 1 out. 2023. LEMOS, Gabriela Xavier de; WIESE, Íria Raquel Borges. Saúde Mental e Atuação de Psicólogos Hospitalares Brasileiros na Pandemia da Covid-19. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 43, p. e250675, 2023. TENÓRIO, F.; COSTA-MOURA, F.; LO BIANCO, A. C.. Tradição clínica da psiquiatria, psicanálise e práticas atuais em saúde mental. Psicologia USP, v. 28, n. 2, p. 206–213, maio 2017.