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QUESTÕES DE LÍNGUA PORTUGUESA

assaltantes. Não da morte. Sim da vida. Tinha três filhos. O mais


Atenção: As questões 01, 02, 03, 04 e 05 devem ser respondidas velho, com onze anos, era filho daquele homem que estava ali na
com base no Texto 01. frente c om uma arma na mão. O de lá de trás v inha rec olhendo
tudo. O motorista seguia a v iagem. Hav ia o silênc io de todos no
ônibus. Apenas a voz do outro se ouvia pedindo aos passageiros
TEXTO 1: Maria que entregassem tudo rapidamente. O medo da v ida em Maria ia
aumentando. Meu Deus, c omo seria a v ida dos seus filhos? Era a
de Conceição Evaristo primeira vez que ela via um assalto no ônibus. Imaginava o terror
das pessoas. O c omparsa de seu ex-homem passou por ela e não
Maria estava parada há mais de meia hora no ponto de pediu nada. Se f ossem outros os assaltantes? Ela teria para dar
ônibus. Estav a cansada de esperar. Se a distância fosse menor, uma sac ola de frutas, um osso de pernil e uma gorjeta de mil
teria ido a pé. Era preciso mesmo ir se acostumando com a cruzeiros. Não tinha relógio algum no braç o. Nas mãos nenhum
caminhada. O s ônibus estav am aumentando tanto! Além do anel ou aliança. Aliás, nas mãos tinha sim! Tinha um profundo corte
cansaço, a sacola estav a pesada. No dia anterior, no domingo, feito com faca-laser que parecia cortar até a vida.
hav ia tido festa na casa da patroa. Ela lev ava para c asa os restos. O s assaltantes desc eram rápido. Maria olhou saudosa e
O osso do pernil e as frutas que tinham enfeitado a mesa. G anhara desesperada para o primeiro. Foi quando uma v oz ac ordou a
as frutas e uma gorjeta. O osso, a patroa ia jogar fora. Estava feliz, coragem dos demais. Alguém gritou que aquela puta safada
apesar do c ansaç o. A gorjeta c hegara numa hora boa. O s dois conhec ia os assaltantes. Maria assustou-se. Ela não conhecia
filhos menores estavam muito gripados. Prec isava comprar xarope assaltante algum. Conhec ia o pai do seu primeiro filho. Conhecia o
e aquele remedinho de desentupir o nariz. Daria para c omprar homem que tinha sido dela e que ela ainda amav a tanto. O uviu
também uma lata de Toddy. As frutas estav am ótimas e hav ia uma v oz: Negra safada, v ai v er que estav a de c oleio c om os dois.
melão. As crianç as nunc a tinham c omido melão. Será que os Outra voz ainda lá do fundo do ônibus acresc entou: Calma, gente!
meninos gostav am de melão? Se ela estiv esse junto c om eles, teria desc ido também. Alguém
A palma de umas de suas mãos doía. Tinha sofrido um argumentou que ela não tinha desc ido só para disf arç ar. Estav a
corte, bem no meio, enquanto c ortav a o pernil para a patroa. Que mesmo c om os ladrões. Foi a únic a a não ser assaltada. Mentira,
coisa! Faca-las er corta até a vida! eu não fui e não sei porquê. Maria olhou na direção de onde v inha
Quando o ônibus apontou lá na esquina, Maria abaixou o a voz e viu um rapazinho negro e magro, c om feições de menino e
corpo, pegando a sacola que estava no chão entre as suas pernas. que relembrava v agamente o seu f ilho. A primeira v oz, a que
O ônibus não estava cheio, havia lugares. Ela poderia descansar ac ordou a c oragem de todos, tornou -se um grito: Aquela puta,
um pouco, cochilar até a hora da descida. Ao entrar, um homem aquela negra saf ada estava c om os ladrões! O dono da v oz
levantou lá de trás, do último banco, fazendo um sinal para o lev antou e se encaminhou em direção a Maria. A mulher teve medo
trocador. Passou em silênc io, pagando a passagem dele e de e raiv a. Q ue merda! Não c onhecia assaltante algum. Não devia
Maria. Ela reconhec eu o homem. Quanto tempo, que saudades! satisf aç ão a ninguém. O lha só, a negra ainda é atrev ida, disse o
Como era difícil continuar a vida sem ele. Maria sentou-se na homem, lasc ando um tapa no rosto da mulher. Alguém gritou:
frente. O homem assentou-se ao lado dela. Ela se lembrou do Linc ha! Linc ha! Linc ha!... Uns passageiros desc eram e outros
passado. Do homem deitado com ela. Da vida dos dois no barraco. voaram em direção a Maria. O motorista tinha parado o ônibus para
Dos primeiros enjôos. Da barriga enorme que todos diziam defender a passageira: Calma, pessoal! Q ue louc ura é esta? Eu
gêmeos, e da alegria dele. Que bom! Nasceu! Era um menino! E conheço esta mulher de v ista. Todos os dias, mais ou menos neste
haveria de se tornar um homem. Maria viu, sem olhar, que era o horário, ela toma o ônibus comigo. Está vindo do trabalho, da luta
pai do seu filho. Ele continuava o mesmo. Bonito, grande, o olhar para sustentar os f ilhos... Linc ha! Linc ha! Linc ha! Maria punha
assustado não se fixando em nada e em ninguém. Sentiu uma sangue pela boc a, pelo nariz e pelos ouv idos. A sacola havia
mágoa imensa. Por que não podia ser de outra forma? Por que não arrebentado e as frutas rolav am pelo c hão. Será que os meninos
podiam ser felizes? E o menino, Maria? Como vai o menino? gostam de melão?
cochichou o homem. Sabe que sinto falta de vocês? Tenho um Tudo foi tão rápido, tão breve. Maria tinha saudades do seu
buraco no peito, tamanha a saudade! Tou sozinho! Não arrumei, ex-homem. Por que estav am fazendo isto c om ela? O homem
não quis mais ninguém. Você já teve outros... outros filhos? A hav ia segredado um abraç o, um beijo, um c arinho no filho. Ela
mulher baixou os olhos como que pedindo perdão. É. Ela teve mais precisava c hegar em c asa para transmitir o recado. Estavam todos
dois filhos, mas não tinha ninguém também! Homens também? armados com facas-laser que c ortam até a v ida. Q uando o ônibus
Eles haveriam de ter outra vida. Com eles tudo haveria de ser esv aziou, quando c hegou a políc ia, o c orpo da mulher já estav a
diferente. Maria, não te esqueci! Tá tudo aqui no buraco do peito... todo dilacerado, todo pisoteado.
O homem falava, mas continuava estático, preso, fixo no Maria queria tanto dizer ao f ilho que o pai hav ia mandado
banco. Cochichav a com Maria as palavras, sem entretanto virar um abraço, um beijo, um carinho.
para o lado dela. Ela sabia o que o homem dizia. Ele estava
dizendo de dor, de prazer, de alegria, de filho, de vida, de morte,
de despedida. Do buraco-saudade no peito dele... Desta vez ele Disponível em: em: http://www.letras.ufmg .br/literafro /24-
textos-das-auto ras/187 -con ceicao-e varisto -textos -
cochichou um pouquinho mais alto. Ela, ainda sem ouvir direito, selecionados. Acesso em: 05/11/21 (Adaptado).
adivinhou a fala dele: um abraço, um beijo, um carinho no filho. E
logo após, levantou rápido sacando a arma. Outro lá atrás gritou
que era um assalto. Maria estava com muito medo. Não dos QUESTÃO 01 – Nos trechos “Tou sozinho” e “Tá tudo aqui no
buraco do peito”, os registos do verbo estar:
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A) Revelam a identidade marginal do pai do filho de Maria. vivenciada no trabalho reaparece durante o relato da cena de
B) Expressam o distanciamento entre os interlocutores. violência do ônibus: “Estavam todos armados com facas-laser
C) São exemplos da diversidade linguística do português. que cortam até a vida”.
D) Exprimem seleção vocabular inadequada para o contexto de
uso. Que enunciado pode não estar associado a esta ideia?
QUESTÃO 02 – “Cochichava com Maria as palavras, sem A) “Lincha! Lincha! Lincha...”
entretanto virar para o lado dela.” B) “Aquela puta, aquela negra safada estava com os ladrões!”
A palavra destacada significa, no contexto: C) “Calma, pessoal! Que loucura é esta?”
D) “Olha só, a negra ainda é atrevida...”
A) Falar devagar.
B) Falar baixo. QUESTÃO 05 – Na estrutura de um tex to, a situacionalidade é
C) Falar apressadamente. produzida num determinado momento para espec íf ic o objetiv o.
D) Falar alto. Assim, no c onto apresentado, existe um objetiv o que enfatiza a
importância de refletir sobre determinada temátic a social. Diante do
QUESTÃO 03 – Considere o período “Precisava comprar xarope e enunciado e, com base no conto, marque a alternativa que
aquele remedinho de desentupir o nariz.” descreve coerentemente a temática abordada.
O encadeamento estabelecido pelo “e” entre as orações é de:
A) Enfatiza a violência cujo objetivo consiste na revelação de vidas
A) Oposição de ideias. do passado;
B) Explicação de ideias. B) Enfatiza a violência contra a mulher negra;
C) Alternância de ideias. C) Enfatiza a violênc ia de bandidos que só desejam roubar e
D) Adição de ideias. matar;
D) Enfatiza a violênc ia existente nos grandes centros urbanos
QUESTÃO 04 – No trabalho, Maria fez “um profundo corte feito diante da criminalidade descontrolada.
com faca-laser que parecia cortar até a vida”. A imagem da dor

A) 8 dias D) 5 dias
B) 6 dias
C) 7 dias

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