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1.

PALEOLÍTICO
Introdução: Factores de distanciamento no estudo do Paleolítico
Paleolítico = (Gr. Palaiós, antigo + líthos, pedra). Definido etimologicamente, o Paleolítico é o
período da «pedra antiga». Mais correntemente, é também conhecido por período da «pedra
lascada».
Tempo
Mas o Paleolítico é também o mais antigo e, de muito longe, o maior período da história humana.
Um período de mais de 2 milhões de anos cujas escalas de perceção espácio-temporais são
muitíssimo diferentes daquelas que hoje temos por referência. No Paleolítico o tempo começa por
ser medido em centenas de milhares de anos e apenas na parte final do 43 período atinge a precisão
do milénio ou de alguns séculos. De facto, no seu estudo, a contemporaneidade afirmada entre dois
factos pode significar que entre ambos não existam mais de 100 mil, 10 mil, mil anos… ou alguns
séculos na melhor das hipóteses!
Espaço
Também a nível espacial, as unidades definidas começam por ser tão amplas que adquirem acaso
contornos continentais. Por exemplo, o mais característico complexo industrial do Paleolítico
Inferior português (o Acheulense) ocorre em toda a Europa ocidental e central, em todo o
continente africano e em grande parte da Ásia, desde o Próximo-oriente até à Península Índica.
Somente no final do Paleolítico se atinge um grau de resolução espacial que permite distinguir
«áreas culturais» dentro de continentes. No caso português, o solutrense surge como um bom
exemplo deste tipo de ocorrência, pela sua limitação à faixa litoral da Península Ibérica e à parte
ocidental do território francês, sendo ainda possível, como veremos, discriminar diferentes zonas
no interior desta já de si circunscrita área geográfica.
Evolução humana
Às dificuldades de carácter instrumental que sentimos na manipulação do tempo e do espaço
paleolíticos, acrescenta-se um outro factor de distanciamento, porventura mais poderoso: o da
própria definição do tipo de sociedades humanas do período. É que o Paleolítico também se define
por ser nele que o Homem evolui das suas formas iniciais (Homo habilis) para formas idênticas às
atuais (Homo sapiens sapiens). Ou seja, a maior parte do Paleolítico é preenchido por
comunidades humanas biologicamente diferentes das atuais, sendo duvidoso que tivessem o
mesmo tipo de comportamento do chamado «Homem moderno».44
Por isso, quando se afirma que o Paleolítico é o período dos caçadores-recolectores, das economias
depredadoras da Natureza (anteriores à prática de produção de alimentos), não se pode concluir
ipso facto que as sociedades paleolíticas têm nos caçadores-recolectores conhecidos pelo registo
etnográfico atual os seus diretos equivalentes, desde logo porque são populações biologicamente
idênticas a nós próprios.
No entanto, existe grande concordância em admitir a imprescindibilidade do chamado paralelismo
etnográfico, pelo menos como fonte de sugestões.45
Ambiente
Na caracterização do Paleolítico, o ambiente físico e biológico, os cenários geográficos e
paisagísticos, enfim os quadros climáticos do período são porventura tão importantes quanto as
escalas de aproximação espácio-temporais e a natureza global das comunidades humanas acima
referidas.48
1
1. Caracterização do quadro ambiental do Paleolítico: referências climáticas e paisagísticas41
O Paleolítico ocupa a primeira época - o Plistocénico - do período QUATERNÁRIO. O
Plistocénico constitui uma fase da história da Terra em que a deterioração do clima se generaliza e
em que surgem a maior parte das famílias e géneros de plantas e animais ainda hoje existentes,
mas com importantes variações ao nível específico e, em certos casos, ao nível genérico.
A segunda época do período Quaternário é o Holocénico, fase em que tanto as coberturas vegetais
como as populações animais são genericamente idênticas às de hoje.
Um elemento discriminante entre ambas as épocas é a existência de glaciações no Plistocénico e a
sua ausência no Holocénico. Por isso, o Plistocénico pode também ser designado por Período
Glaciário (ou «Idade Glaciária») e o Holocénico por Período Pós-glaciário «Recente».48
A sequência das glaciações e inter-glaciações registadas nos Alpes alemães durante o Plistocénico
são utilizadas como elemento de referência cronológico do Paleolítico.49

Würm 85.000 – 10.000 B.P.


Plistocénico
Superior
Riss/Würm 120.000 – 85.000 B.P.

Riss 350.000 – 120.000 B.P.

Mindel/Riss 450.000 – 350.000 B.P.


Plistocénico Médio
Mindel 600.000 – 450.000 B.P.

Gunz/Mindel 700.000 – 600.000 B.P.

Gunz 900.000 – 700.000 B.P.

Danúbio/Gunz 1.100.000 – 900.000 B.P.

Plistocénico Inferior Danúbio 1.750.000 - 1.100.000 B.P

Biber/Danúbio 2.500.000 - 1.750.000 B.P.

Biber (?) x.xxx.xxx - 2.500.000 B.P.

Figura 1 – Divisão do Plistocénico. Períodos glaciários e inter-glaciários

Alternativamente, podemos50 fazer a simples referência a cada uma das três grandes divisões do
Plistocénico:
• Plistocénico Inferior. Do início até há cerca de 700 mil anos, quando se dá o começo da fase
de polaridade magnética positiva em que vivemos;

2
• Plistocénico Médio. Desde há cerca de 700 mil anos até ao início do último ciclo glaciário,
há cerca de 120 mil anos, ou seja, até ao final da penúltima glaciação (Riss alpino);

• Plistocénico Superior. Correspondente ao último ciclo glaciário (período interglaciário do


Riss/Würm e período glaciário de Würm, que termina cerca de 10 mil anos BP).51

Contudo, a evolução do clima Plistocénico não pode reduzir-se à alternância simplista entre
períodos glaciários e períodos interglaciários.
Dentro dos períodos glaciários verifica-se a ocorrência de fases mais frias (estadiais), intercaladas
por outras menos frias (interestadiais), podendo estas serem mais temperadas do que certos
períodos interglaciários.49

Clima frio - Períodos glaciários (fases estadiais)


1. Pouca circulação de água em estado líquido nos continentes.
2. Expansão máxima das calotes geladas nos oceanos.
3. Descida dos níveis dos mares (regressões marinhas).
4. Escavamento do leito dos rios, sobretudo nas suas partes vestibulares.
5. Desnudamento do território por ausência (deserto) ou rarefação (estepe) da cobertura vegetal.
Fenómenos de crioclastia e solifluxão. Deposição de areias muito finas, transportadas a longa
distância pelos ventos («loess»).
6. Fauna de climas frios (rinoceronte lanudo, antílope de saiga, mamute, rena, etc.
7. Abandono de importantes áreas geográficas por parte do Homem ou sua frequência apenas
ocasional.

Clima temperado - Períodos interglaciários (e fases interestadiais dos Períodos glaciários)


1. Maior circulação de água em estado líquido nos continentes.
2. Redução das calotes geladas nos oceanos.
3. Subida dos níveis dos mares (transgressões marinhas), dando origem à formação de praias em
alturas mais elevadas do que o nível do mar atual (praias ditas elevadas, fósseis ou «andares
marinhos»).
4. Aumento de caudal nos rios, dando origem à deposição de importantes quantidades de
sedimentos nos fundos e nas margens (terraços fluviais).
5. Desenvolvimento do coberto vegetal (floresta climácica), com a consequente fixação de terras,
formação de solos (pedogénese) e desenvolvimento de todo o tipo de fenómenos de alteração
química dos sedimentos (diagénese).
6. Fauna de climas temperados (veado, bisonte, auroque, javali, hipopótamo, elefante antigo, etc.).
7. Ocupação humana regular de regiões situadas em latitudes mais setentrionais.51

Os quadros de referência climáticos e paisagísticos do Paleolítico português foram, portanto,


muito diversificados e proporcionaram aos caçadores-recoletores deste período a movimentação
em territórios que entretanto ficaram debaixo de água (em certos pontos, a linha de costa, 100 a

3
110 metros abaixo do nível de mar atual, situava-se durante o «último máximo glaciário» cerca de
30 quilómetros mais afastada do que hoje), assim como o consumo de animais hoje extintos (caso
do auroque). No entanto, jamais se detetou em Portugal a ocorrência de mamutes ou renas,
espécies altamente ligadas aos climas glaciários.
O primeiro momento mais bem conhecido de uma importante extinção da mega-fauna arcaica
plistocénica é o da passagem da primeira para a segunda fase da glaciação de Würm (transição do
Paleolítico Médio para o Paleolítico Superior, há c. de 35 mil anos), quando no nosso território
desapareceram, entre outros, os elefantes; o segundo e definitivo será o do final da “Idade
Glaciária” e passagem para o Holocénico, quando também termina o Paleolítico e se inicia o
Mesolítico.54

2. Antropologia Física do Homem do Paleolítico


Nas décadas de 30 e 40 do século XX, Louis Leakey e sua esposa Mary Leakey efetuaram
pesquisas sistemáticas na zona da Garganta de Olduvai, na Tanzânia. Após anos sucessivos de
trabalho, recolheram naquele local alguns fósseis de criaturas hominídeas (família: Hominidae) de
tipo proto-humano: os Australopithecus (que já em 1925 tinham sido detetados e descritos por
Raymond Dart na África do Sul, contudo sem grande eco na comunidade científica internacional).
Nos anos seguintes, depois de identificados instrumentos de pedra lascada e diversos outros
vestígios de presença do Homem nas mesmas camadas onde os primeiros restos de
Australopithecus tinham sido detectados, os Leakey vêm a descobrir os primeiros fósseis
humanos, que classificam como Homo habilis.
Desde então, as descobertas na África Oriental têm-se sucedido, encontrando-se hoje ali bem
documentado o processo de emergência do Homem. Nada parece indicar que a sua origem possa
também ter ocorrido noutra região, designadamente na Ásia, admitindo-se portanto a existência de
um único foco originário (monofiletismo) africano indicado.
O Homo habilis («Homem hábil», isto é, produtor de instrumentos em pedra lascada e osso –
Homo faber – e detentor de um modo de vida original: bipedismo, família nuclear estável,
alimentação omnívora oportunística, etc.), surge na África oriental há cerca de 2,5 milhões de
anos.
Menos de 1 milhão de anos depois, ou seja, há algo mais de 1,5 milhão de anos já existe nas
mesmas regiões o Homo erectus, resultado do desenvolvimento local do anterior. Será este último
quem iniciará aquilo que muitos autores chamam de «primeira diáspora da história humana»: a
expansão para Este, na direção da Ásia e do Extremo-Asiático, e para Norte, na direção do Norte
de África e da Europa. Em pouco mais de meio milhão de anos todo o Velho Mundo passa a ser
povoado pelo Homo erectus, a latitudes relativamente baixas.55
Será, pois, o Homo erectus, «senhor do fogo» a partir de há cerca de 500 a 600 mil anos, quem
inicia processos de especiação diferenciados, ao fixar-se em cada região. No caso da Europa, a
linha evolutiva seguida pelo Homo erectus conduzirá ao «Homem de Neandertal» (Homo sapiens
neanderthalensis), passando por um longo estádio intermédio a que frequentemente se chama de
«ante-neandertalense» - designação de recurso que afinal apenas quer dizer que se trata de fósseis
que alguns autores consideram ser Homo erectus evoluídos e outros consideram dever ser
classificados já como homo sapiens primitivos.

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Compreende-se a existência de opiniões tão diversas porque a verdade é que se conhecem ainda
muito mal, do ponto de vista físico, os primeiros habitantes da Europa. Basta dizer que o mais
antigo fóssil humano até hoje conhecido no continente – a mandíbula de Mauer (Heidelberga,
Alemanha) – apenas se encontra datado de há cerca de 500 mil anos, apresentando já sinais algo
distantes dos erectus clássicos, africanos e asiáticos, sobretudo ao nível da dentição (o que não
impede que muitos autores o classifiquem taxonomicamente como Homo erectus heidelbergensis).
Todos os fósseis seguintes, até há cerca de 150 a 100 mil anos, também pouco frequentes,
apresentam características claramente prenunciadoras dos néandertais, sobretudo ao nível da
dentição, do volume e forma do crânio (especialmente na zona do osso occipital e da chamada
constrição pós-orbital) e da robustez geral do esqueleto. Estão neste caso exemplares descobertos
no Sul de França, em Arago (Tautavel) (Homo erectus/sapiens tautalensis), na Alemanha, em
Steinheim (Homo erectus/sapiens steinheimensis), assim como em Espanha, sobretudo em
Atapuerca, uma importantíssima estação paleontológica, situada próximo de Burgos, onde no
interior de uma rede cársica se recolheram até hoje (1993) restos de esqueletos pertencentes a um
número mínimo de cerca de duas dezenas de indivíduos, datáveis de há 300 mil anos.56
O Homo sapiens neanderthalensis surge, assim, entre há cerca de 120 e 100 mil anos, na sequência
e como resultado de um processo evolutivo gradual e geograficamente especializado (cladogênese
alopátrica) dos primitivos Homo erectus europeus, passando pelo longo estádio intermédio dos
«ante-neandertalenses».68
Extingue-se por volta de 30 mil anos BP no território português e no Sudoeste espanhol, 5 a 10 mil
anos mais tarde do que no resto da Europa, inclusive em amplas regiões peninsulares.77

*
Atualmente, prevalece a ideia de que as populações de tipo biologicamente idênticas às da
humanidade atual, tiveram origem numa das múltiplas evoluções locais das primitivas populações
de Homo erectus, entre há cerca de 200.000 e 100/80.000 anos, num território mal definido, mas
situado entre o chamado «corno de África» e o Oriente Mediterrânico.
Daqui decorre que o «Homem Moderno» surge fora do continente europeu, tendo nele penetrado,
a partir do Próximo-Oriente, há pouco mais de 40.000 anos. Em poucos milhares de anos a
população europeia é substituída com a extinção do «Homem de Neandertal» e a fixação do
«Homem Moderno».

Este facto suscita alguns comentários adicionais:


• Em primeiro lugar, a questão das relações entre aquelas duas subespécies: tendo havido
continuidade e mesmo sobreposição cronológica entre ambas, não é possível manter hoje a
suposição de que uma tenha dado origem à outra. Mais: a extinção do «Homem de
Neandertal» ocorreu durante alguns milénios, sem que por isso seja necessário imaginar
cenários de confrontação com o «Homem Moderno».
• Em segundo lugar, a natureza e ritmo da «invasão» citada: esta correspondeu ao processo
normal de expansão territorial de caçadores-recoletores, por segmentação, o qual pode ser
relativamente rápido. A título de exemplo, deve notar-se que poucos milhares de anos mais
tarde o mesmo Homo sapiens sapiens viria a povoar muito rapidamente todo o continente
americano78 a partir do Estreito de Bering.

5
• Em terceiro lugar, a variabilidade (polimorfismo) dessa humanidade moderna na Europa:
ela deveria ser grande, incluindo dentro de si os diferentes tipos humanos tradicionalmente
enumerados no Paleolítico Superior europeu (Cro-Magnon, Chancelade, Grimaldi), outrora
considerados erradamente como estando na origem das raças atuais (respetivamente, os
caucasóides, mongolóides e negróides), raças que afinal têm origens geográficas muito
diversas.79

1.1. Paleolítico Inferior


Cronologia
✔ Paleolítico Inferior Arcaico (ou Paleolítico Inferior Antigo)
O Paleolítico Inferior Arcaico (ou Paleolítico Inferior Antigo) iniciou-se com a expansão da
humanidade a partir do seu «berço africano» e terminou há cerca de 700 mil anos com o fim do
Plistocénico Inferior quando surgem na Europa os primeiros bifaces.47 e 57
✔ Paleolítico Inferior Pleno
O Paleolítico Inferior Pleno começou há cerca de 700 mil anos, com o início do Plistocénico
Médio. Terminou há cerca de 85 mil anos (Paleolítico Inferior Final), já no Plistocénico Superior
Pleno (início do Würm Antigo).
No interior do Paleolítico Inferior Pleno pode estabelecer-se uma importante subdivisão situada
entre cerca de 500 e 300 mil anos, como veremos mais adiante.47 e 57

Objetivos
1. Situar a primeira ocupação humana na Europa e em território peninsular.
2. Estabelecer a distinção entre o Paleolítico Inferior Arcaico (ou Paleolítico Inferior Antigo)
e o Paleolítico Inferior Pleno:
2.1. Quanto ao estado dos conhecimentos;
2.2. Quanto aos padrões de ocupação do território;
2.3. Quanto às características das indústrias líticas.
3. Reconhecer as principais linhas evolutivas das indústrias de bifaces.41

*
1. Situar a primeira ocupação humana na Europa e em território peninsular.
Crê-se que a mais antiga ocupação humana da Europa possa datar de há mais de um milhão de
anos (tendo como limite máximo cerca de 1 milhão e 500 mil anos).
No entanto, o mais antigo fóssil humano até hoje conhecido [1993] no continente europeu – a
mandíbula de Mauer (Heidelberga, Alemanha) – apenas se encontra datado de há cerca de 500 mil
anos.56
Tradicionalmente, aponta-se o Próximo-Oriente como única via de penetração do Homem na
Europa. E, de facto, encontram-se aí estações arqueológicas muito antigas, sendo a mais
importante a de Ubeidiya, em Israel, datada de há cerca de 1 milhão e 300 mil anos, assim como
associações faunísticas que sugerem a existência de contactos com a África Oriental. Na Geórgia
6
(em Dmanisi, muito próximo já dos limites geográficos da Europa) foi descoberta uma mandíbula
humana eventualmente datada de há mais de 1 milhão e 500 mil anos.
Entretanto, podem ser apontadas duas vias adicionais: as dos istmos sicilo-tunisino e hispano-
marroquino. Neste último caso, grupos de Homo Erectus primitivos poderiam ter atravessado o
Estreito de Gibraltar durante os períodos de regressão marinha. Esta situação torna verosímil a
possibilidade de ocorrência de uma ocupação humana muito antiga – do Plistocénico Inferior, ou
seja, de há mais de 700 mil ou até de há mais de 1 milhão de anos – no nosso país, em todo o Sul
da Península Ibérica e, de um modo geral, na Europa mediterrânica. Contudo, a quantidade e a
qualidade dos mais antigos sítios arqueológicos portugueses não permitem afirmá-lo com
segurança.57

2. Estabelecer a distinção entre o Paleolítico Inferior Arcaico (ou Paleolítico Inferior Antigo)
e o Paleolítico Inferior Pleno:
2.1. Quanto ao estado dos conhecimentos:
 Paleolítico Inferior Arcaico (ou Paleolítico Inferior Antigo).
Os sítios do Paleolítico Inferior Arcaico (ou Paleolítico Inferior Antigo) são extraordinariamente
escassos, duvidosos mesmo, e situam-se todos na Europa Meridional.56
Para o estudo desta época só possuímos no nosso país sítios arqueológicos e coleções de objetos
líticos. Não se conhecem quaisquer associações faunísticas relacionadas com presenças humanas e
não se possuem quaisquer datações absolutas. Assim, procura-se determinar a antiguidade destas
ocupações através de considerações de ordem geológica, especialmente geomorfológica, e,
acessoriamente, pela própria análise dos materiais arqueológicos.59
A análise geomorfológica permite detetar uma praia «fóssil» ou «elevada». A medição da sua
altura em relação ao nível do mar atual constituirá elemento direto da sua datação, de acordo com
a60 teoria glácio-eustática (segundo a qual existe um impacte direto entre o glaciarismo e o nível
das águas dos oceanos e rios).52 Por exemplo, uma «praia elevada» de 90/100 metros será atribuída
ao Siciliano I e datável de há cerca de 900 mil a 1 milhão de anos (período interglaciário
Danúbio/Günz).
No entanto, a existência de uma importante atividade neotectónica (entre outros fatores, como a
isostasia), torna inutilizável o simples critério altimétrico na datação destas formações. Por isso,
não existe no caso português (e em toda a Península Ibérica) nenhum sítio arqueológico a que,
através de critérios de ordem geológica, se possa atribuir seguramente uma datação do Plistocénico
Inferior, ou seja, anterior a 700 mil anos.
Haverá, no entanto, razões de ordem arqueológica que o permitam afirmar? Julgamos igualmente
que não, como veremos.60

 Paleolítico Inferior Pleno.


A partir do Paleolítico Inferior Pleno, possuímos um número crescentemente maior de evidências
na Europa e em Portugal.57
Não obstante, as estações arqueológicas anteriores a 500 mil anos continuam ainda a ser muito
raras e nelas não se encontra reconhecida a utilização do fogo (elemento cujo domínio seria
essencial em latitudes como a europeia).

7
Entre cerca de 500 e 300 mil anos terá havido uma primeira «explosão» demográfica importante
na Europa, sendo relativamente frequentes os locais habitados e datáveis de há menos de 300 mil
anos, inclusive em regiões relativamente setentrionais (até ao Sul de Inglaterra) e bem no interior
do continente (ao longo de todo o vale do Reno, por exemplo).
Deste modo, só a partir desta última data (menos de 300 mil anos – início da penúltima glaciação,
Riss convencional), podemos afirmar com segurança que a Europa conheceu uma ocupação
humana permanente e continuada ao longo de gerações.58
De um modo geral, a avaliação que se faz deste período baseia-se exclusivamente na análise dos
instrumentos líticos, tal como acontece com o Paleolítico Inferior Arcaico (ou Paleolítico Inferior
Antigo).63

2.2. Quanto aos padrões de ocupação do território:


 Paleolítico Inferior Arcaico (ou Paleolítico Inferior Antigo).
O Paleolítico Inferior Arcaico (ou Paleolítico Inferior Antigo) reporta-nos para a questão da
primeira ocupação humana da Península Ibérica. Admitindo provisoriamente como válidos os
sítios arqueológicos que supostamente a documentam, constatamos que todos se situam
exclusivamente nas partes meridional e litoral do território peninsular.58
Esta primeira ocupação terá sido uma ocupação muito débil, intermitente57 e descontínua58, uma
vez que a Europa desta época constituiria um território adverso no que diz respeito ao clima e aos
meios de subsistência.57

 Paleolítico Inferior Pleno


No Paleolítico Inferior Pleno, assiste-se à ocupação das terras do interior, seguindo
preferencialmente os vales dos grandes rios.
Um dos principais pontos de referência desta expansão territorial é constituído pelos sítios de
Torralba e Ambrona, situados em plena Meseta espanhola, no planalto de Velha Castela, próximo
de Sória, numa zona de passagem entre três importantes bacias fluviais, duas das quais vertendo
para o Atlântico (a do Douro e a do Tejo, a partir do sistema Jarama-Henares) e a terceira, para o
Mediterrâneo (a do Ebro, ao qual se acrescenta o vale do rio Jiloca).
Na estação de Áridos 1, no vale do rio Jarama, próximo de58 Madrid, reconheceu-se a atividade de
descarnamento de um elefante antigo, tendo os frequentadores do sítio fabricado e utilizado in
loco alguns artefactos, que depois abandonaram, e trazido outros já feitos (caso do biface), que
apenas reavivaram e depois voltaram a levar consigo.
Em Portugal, não existem sítios idênticos aos de Áridos 1, mas regista-se uma ocorrência
semelhante (embora muito mais pobre). Trata-se dos achados da Mealhada (Vale do rio Cértima),
onde desde o séc. XIX se têm encontrado restos faunísticos (tigre de dentes de sabre, hipopótamo,
elefante antigo, auroque, cavalo, veado, etc.), em aparente associação com artefactos líticos, num
contexto sedimentar lacustre ou de meandro fluvial abandonado, datável do Plistocénico Médio
Superior.
No caso português, o tipo de expansão territorial para o interior do território encontra-se patente
nas bacias do Tejo e do Guadiana. Aqui – como em grande medida no conjunto da Península
8
Ibérica – o grande problema que subsiste é o da datação segura dos sítios deste período (Paleolítico
Inferior Pleno).
Em rigor, hoje, apenas é possível suspeitar a existência de alguns, raros, locais anteriores a cerca
de 300 mil anos (ou seja, anteriores à penúltima glaciação alpina convencional Riss) e afirmar a
ocorrência de numerosos outros sítios atribuíveis, sem outro detalhe, ao Riss convencional
(Plistocénico Médio Superior).
A escassez dos sítios pré-rissianos e o insuficiente escalonamento cronológico de todos, torna
impossível dizer como se terá processado a ocupação do interior do território nesta época. A
hipótese prevalecente, aliás com conhecidos paralelos em África e noutras regiões europeias, é o
da progressiva subida dos principais rios, a partir das suas zonas vestibulares (estuário do Tejo, foz
do Guadiana, foz do Douro, mas, neste caso, com a maior parte dos sítios conhecidos já em
território espanhol) e ulterior expansão para a rede fluvial subsidiária.59

2.3. Quanto às características das indústrias líticas;


 Paleolítico Inferior Arcaico (ou Paleolítico Inferior Antigo)
As indústrias líticas do Paleolítico Inferior Arcaico (ou Paleolítico Inferior Antigo) são
denominadas «pebble-cultures» ou «conjuntos industriais de seixos talhados» ou designadas
simplesmente por Pré-acheulense, por se situarem antes do Acheulense.61
Os conjuntos líticos são numericamente diminutos60 e constituídos quase na totalidade por peças
cuja intencionalidade humana se pode legitimamente duvidar: seixos que não apresentam mais do
que um, dois ou três lascamentos, atribuídos ao homem, mas que podem ter sido provocados pelo
entrechoque dos calhaus dentro das cascalheiras, ao longo de centenas de milhares de anos. (Ver p.
100)
Há registos da ocorrência de indústrias líticas deste tipo em regiões adjacentes ao território
português: no Sul de Espanha e no Norte de África.61
Em Portugal existem sítios arqueológicos na zona costeira desde o Algarve ocidental até à
Estremadura.
Primeiramente, nos anos de 1940, G. Zbyszewski e H. Breuil detetaram alguns locais na
Estremadura: Magoito; Açafora; Praia de Aguda; Alto de Leião; Belverde; Seixosa.
Mais recentemente, têm sido descobertos novos sítios na mesma região (Alto de Leião, Belverde)
e acrescentaram-se-lhes outros, mais a Sul, até ao Algarve: Mirouço (Vila do Bispo).60
O sítio de Seixosa (concelho de Mafra) apresenta mais de duas centenas de objetos líticos (de
quartzito), constituindo assim uma excepção já que os outros sítios apresentam conjuntos líticos
numericamente diminutos.61

 Paleolítico Inferior Pleno.


No Paleolítico Inferior Pleno passa-se, culturalmente, da fase Pré-acheulense para a fase
Acheulense.
O Acheulense caracteriza-se pela existência de utensilagens mais padronizadas, onde ocorrem, e
abundam muitas vezes, utensílios grandes e cortantes: os bifaces, os triedos, os «machados» e,
acessoriamente, os raspadores.

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Diz-se por isso que o Acheulense é sinónimo de «indústrias de bifaces», o que, na análise de A.
Leroi-Gourhan, corresponde à passagem para um segundo estádio técnico no trabalho da pedra por
lascamento. Para este autor, existem, no conjunto do Paleolítico Inferior, dois «estereótipos»
técnicos sucessivos:
• O estereótipo australantropiano (Homo Habilis e Homo Erectus): Indústrias de seixos
talhados. Talhe por percussão direta, com percutor duro (pedra contra pedra), segundo
ângulos perpendiculares ao objeto percutido, havendo portanto um menor controlo das
pancadas, produzindo-se consequentemente formas pouco estandardizadas.
• O estereótipo arcantropiano (Homo Erectus): Indústrias de bifaces. Talhe por percussão
direta, com percutor duro ou elástico (osso, madeira), combinando ângulos perpendiculares
e ângulos tangenciais relativamente ao objeto percutido, existindo portanto um maior
controlo das pancadas, produzindo-se consequentemente formas mais estandardizadas.62

Atualmente considera-se que todas as diferenças registadas espacialmente, dentro do Acheulense,


se devem ao tipo de matérias-primas disponíveis. Por exemplo, no vale do rio Somme (França) e
noutras regiões setentrionais, as utensilagens acheulenses são feitas principalmente em sílex,
enquanto que na Península Ibérica é utilizado quase exclusivamente o quartzito.
Por outro lado, tem sido defendida a inexistência de qualquer tendência evolutiva cronológica
dentro do Acheulense, tanto em Espanha como em Portugal, “antes das suas etapas finais
[Micoquense].”(M. Santoja).64
Neste estudo, julgamos possível estabelecer uma distinção entre indústrias pré-rissianas (ou pelo
menos, relacionadas com terraços mais antigos, em cada vale fluvial) e rissianas (ou pelo menos
mais recentes, sem serem de tipo e cronologia pós-rissiana, como o referido Micoquense). Temos
portanto:
– Acheulense Antigo
De idade pré-rissiana: anterior a cerca de 350 mil anos, Mindel e Mindel/Riss, convencionais ou
Plistocénico Médio Inicial (c. 700 mil a 350 mil anos).
Patente em:
➢ Espanha em sítios como Piñedo (vale do Tejo, perto de Toledo) ou La Maya III (vale do rio
Tormes, afluente do65 Douro).
➢ Portugal em locais como os terraços mais antigos do rio Lis ou as camadas estratigráficas da
base do Vale do Forno (Alpiarça).

Caracterizado por:
• Ausência de bifaces de formas evoluídas;
• Importante presença de triedros [que tem três faces ou planos];
• Presença de «machados» de tipo primitivo;
• Predomínio de núcleos simples, pouco organizados
• Ausência de talhe Levallois.

– Acheulense Pleno (não equivalente de «Acheulense Médio», porque muito mais amplo).
De idade Rissiana: cerca de 350 mil a 120 mil anos (ou Plistocénico Médio Superior).

10
Patente extensivamente em:
➢ toda a Meseta espanhola (bacias do Douro, do Tejo e do Guadiana) e
➢ em todo o território português, desde Vila Real de Sto. António até ao rio Minho.

Caracteriza-se por:
• Bifaces e «machados» regulares;
• Emprego do método levallois, embora em níveis pouco expressivos;
• Ocorrência de utensílios pequenos e de tipos elaborados;
• Uso esporádico do percutor elástico.

– Acheulense Final
De idade pós-rissiana: menos de 120 mil anos, Riss/Würm ou Plistocénico Superior Inicial e
inícios do Würm Antigo (cerca de 85 mil anos) ou Plistocénico Superior Pleno.
Patente em:
➢ zonas muito circunscritas da Meseta espanhola (especialmente nos vales dos rios Jarama e
Manzanares, próximo de Madrid);
➢ Portugal na região de Alpiarça.

Caracterizado por:
• Bifaces muito evoluídos tipologicamente;
• «Machados» de tipos primitivos, mas de excelente execução técnica;
• Ausência ou pouco uso do método levallois;
• Ocorrência abundante de utensílios sobre lasca, alguns ditos «de tipo Paleolítico
Superior». “Exemplos: Raspadores, denticulados, entalhes, encoches, pontas (de lança), etc., tudo
instrumentos que se tornarão o essencial das utensilagens líticas do Paleolítico Médio”. [Áudio]
*
Na sequência desta enumeração poderá colocar-se uma interrogação: será que as fases indicadas
correspondem a uma evolução linear e global?
A escassez de sítios, assim como a tipologia das indústrias da fase que designámos por Acheulense
Antigo contrasta fortemente com as ocorrências do Acheulense Pleno. Retomamos nisto a
observação clássica de F. Bordes acerca da passagem Abevilense-Acheulense:
"Quando se observam nas vitrinas dos museus, colocadas lado a lado, as séries do Abevilense e do
Acheulense antigo, chama a atenção a falta completa de tipos transicionais… tem-se nitidamente a
impressão de que as formas intermédias faltam.”
A haver rutura efetiva entre o Acheulense Antigo do Plistocénico Médio Inicial e o Acheulense
Pleno do Plistocénico Médio Superior – o que os modelos de povoamento intermitente da Europa
a que já fizemos referência permitem admitir –, então, talvez tenha todo o sentido referir de novo
autonomamente o primeiro (Abevilense) e resumir a designação do segundo ao termo simples de
Acheulense.
*

11
Finalmente, é necessário estabelecer a relação desta divisão tripartida com as chamadas «indústrias
do Paleolítico Médio», o que faremos no capítulo dedicado a este período.66

3. Reconhecer as principais linhas evolutivas das indústrias de bifaces.


O biface é um instrumento de simetria bifacial (dois lados) e bilateral (dois gumes opostos
convergindo para uma ponta), de uso polivalente62 para usar na mão, como era próprio de uma fase
da história humana em que ainda era desconhecida a técnica de encabamento das ferramentas.
Os bifaces conheceram um aperfeiçoamento técnico ao longo do tempo. Inicialmente muito toscos,
pouco simétricos e de gumes sinuosos (bifaces abevilenses), evoluiram ao longo do Acheulense até
atingirem uma forma muito elegante, claramente simétricos, de gumes finamente retocados e
serrilhados (bifaces micoquenses).63
Abevilense Acheulense Micoquense

“No nosso território, os bifaces mais antigos podem ser datados de há cerca de 500 mil anos
enquanto que os bifaces micoquenses datarão de há volta de 100 mil anos. Temos, portanto, uma
evolução de centenas de milhares de anos”.[Áudio]

1.2. Paleolítico Médio


Cronologia
Entre cerca de 100 e 30 mil anos BP, correspondente ao conceito tradicional de «Paleolítico
Médio».

Objetivos
1. Analisar a equação: Paleolítico Médio = Homem de Neandertal + Mustierense + Würm
antigo.
2. Referir elementos adicionais definidores do Paleolítico Médio.
3. Reconhecer formas de ocupação no território português.
4. Reconhecer elementos da evolução tecnológica deste período: o conceito «Levallois».
5. Reconhecer as indústrias do Paleolítico Médio no território português.
6. Indicar estações e coleções atribuídas ao Paleolítico Médio em Portugal.
7. O fim do Paleolítico Médio.
*
1. Analisar a equação: Paleolítico Médio = Homem de Neandertal + Mustierense + Würm
antigo.
Tradicionalmente, o Paleolítico Médio é definido por uma equação relativamente simples:
Paleolítico Médio = Homem de Neandertal + Mustierense + Würm antigo. Trata-se, todavia, de
uma definição demasiado simplista e, na realidade, insustentável. A individualização do Paleolítico
Médio, especialmente em relação ao período precedente (Paleolítico Inferior Pleno), é bastante
difícil e discutível. Este facto leva alguns autores a considerar que ambos os períodos formam um
todo (Paleolítico Inicial), a destacar em bloco do Paleolítico Superior – o que não deixa de ser
excessivo e um tanto europocêntrico.67
12
1.1. Homem de Neandertal
O Paleolítico Médio tem como tipo humano associado o Homem de Neandertal, o que é válido
para a parte mais recente do Paleolítico Médio europeu, mas este período estende-se para trás no
tempo, cobrindo fases preenchidas pelos «ante-neandertalenses» (tal como, por sua vez, o
«Homem de Neandertal» se prolonga ocasionalmente até momentos que, do ponto de vista
cultural, se incluem já no Paleolítico Superior).
Além disso, o Paleolítico Médio abrange regiões onde os neandertais não existiram (África) ou não
foram os únicos autores das indústrias do Paleolítico Médio (no próximo-oriente, alguns dos
conjuntos líticos do Paleolítico Médio foram feitos por populações de tipo moderno, como nas
cavernas de Qafzeh e Skhül - Israel).

1.2. Mustierense
Ao nível das tecnologias líticas, a distinção entre o Paleolítico Inferior Pleno e o Paleolítico Médio
situa-se no aumento das utensilagens sobre lascas e na diminuição do número de bifaces. Ou,
numa velha fórmula: Mustierense = lascas + raspadores + pontas + bifaces (algumas vezes).
O problema é que este tipo de tecnologias não são de modo nenhum específicos do Mustierense,
tanto do ponto de vista espacial como do ponto de vista temporal. O mesmo tipo de indústrias
ocorre quer na Europa, quer no Próximo-oriente, quer no Norte de África e na África sub-
sahariana, sob formas muito diversas do Mustierense, sendo por isso abusivo designá-las dessa
forma. Ou seja, o Mustierense constitui68 apenas uma parte limitada (cronológica e espacial) de
todo o Paleolítico Médio.
Neste domínio, o equívoco da equação que temos vindo a comentar é o de assumir o Mustierense
como «cultura», quando ele na realidade é, para utilizar a expressão de F. Bordes, um «complexo
de culturas».69

1.3. Würm antigo (começou c. 85.000 anos BP).


Cronologicamente é comum associar o Mustierense à primeira fase da última glaciação alpina
«Würm». No entanto, conhecem-se hoje indústrias líticas que obedecem ao padrão genérico acima
indicado, e por isso são do «Paleolítico Médio», em momentos que nalguns casos remontam quase
ao início da penúltima glaciação alpina «Riss».68 [começou c. 350.000 anos BP]

2. Referir elementos adicionais definidores do Paleolítico Médio.


• Discriminação espacial e cronológica de um número muito maior de complexos industriais
do que em períodos anteriores;
• Ocupação permanente de novas áreas geográficas (toda a Europa central, por exemplo);
• Por vezes, a adoção de certos locais como bases residenciais ao longo de milénios, tanto
em grutas (caso da gruta de Combe-Grenal, em França ou de El Castillo na região
cantábrica espanhola), como ao ar livre (caso dos sítios de Molodova, na Ucrânia);

• Maior organização espacial regional das actividades económicas (existência de «territórios


de subsistência», «zonas de aprovisionamento», «zonas de implantação», ao que se
acrescenta a distinção entre sítios de extração, de produção, de transporte, de consumo e de
utilização dos produtos, frequentados todos de forma estável, temporária, esporádica ou
mista);
13
• Ocasionalmente, caça de animais selecionados (como o auroque, o veado ou a cabra).

Em todo o caso, é certo que algumas das características acabadas de indicar se encontram ausentes
em muitas regiões e locais onde se registam ocupações do Paleolítico Médio (até porque os
vestígios que resistiram ao tempo se limitam, frequentemente, à componente lítica), com isso
permitindo a visão segundo a qual o Paleolítico Médio seria essencialmente idêntico ao período
anterior.

3. Reconhecer formas de ocupação no território português.


Vimos já como no decorrer do Paleolítico Inferior Pleno se assiste a uma progressiva penetração
para o interior do País, a baixas altitudes (no caso português, raramente acima dos 100/150 metros)
e sempre em relação com as bacias fluviais – do que resultava uma ocupação quase
exclusivamente de ar livre.69
No Paleolítico Médio, o território é ocupado de forma muito mais extensiva, atingindo-se as zonas
de pene-planície antigas (caso do interior do Alentejo, onde se situa a gruta do Escoural, cuja
primeira ocupação data deste período) e os maciços rochosos periféricos, como o da Estremadura.
Deste facto, resulta uma primeira ocupação significativa das grutas. As áreas percorridas
continuam a situar-se a baixa altitude mas também aqui se regista pela primeira vez a frequência,
certamente esporádica, de zonas situadas acima dos 200 metros.
Um exemplo particularmente sugestivo deste tipo de padrão de povoamento é o dos arredores de
Lisboa, na zona de Loures, onde se registam:
• Na várzea de Loures, estações arqueológicas de ar livre (Santo António do Tojal),
provavelmente ligadas à caça, visto que nelas se recolheram restos de elefantes;
• Nos maciços que orlam os vales, a baixa altitude, outras estações de ar livre (Casal do
Monte), provavelmente ligadas a atividades de fabrico de instrumentos, assim como uma
gruta que tudo indica possa ter funcionado como base residencial (Gruta do Correio-Mór);
• No desenvolvimento desses maciços, a maior altitude, outras grutas (Salemas) frequentadas
apenas ocasionalmente.

4. Reconhecer elementos da evolução tecnológica deste período: o conceito «levallois».


No plano tecnológico – aquele que mais frequentemente dispomos para o estudo deste período e de
todo o Paleolítico – assiste-se a uma evolução proporcionada pela maior utilização das lascas
enquanto base para o fabrico de instrumentos e a uma diminuição ou até mesmo desaparecimento
dos bifaces.
Mas não é apenas a tipologia dos instrumentos que evolui e permite distinguir as indústrias do
Paleolítico Médio: são sobretudo as suas conceções técnicas de fabrico. Neste plano, A. Leroi-
Gourhan distingue um novo estereotipo técnico no trabalho da pedra:

O estereotipo paleantropiano (Homem de Néandertal): talhe por percussão direta, com percutor
duro ou elástico, combinando as técnicas de lascamento anteriormente existentes, mas
acrescentando-lhes a utilização sistemática de um novo modo de fabrico (já existente no
Paleolítico Inferior, mas não explorado de forma intensiva):
As massas iniciais a talhar (seixos, nódulos, etc.) deixam de ser concebidas como instrumentos
potenciais (ditos sobre bloco), para passarem a ser vistas como núcleos a partir dos quais se obtém
14
subprodutos de talhe (lascas em70 sentido lato, subdivididas em: pontas; lâminas; e lascas em
sentido restrito), utilizados depois:
➢ tal como extraídos dos núcleos (sendo neste caso classificados como utensílios a
posteriori, uma vez que à primeira vista nada os permite distinguir dos simples restos de
fabrico);
➢ ou objecto de retoque secundário que lhes defina gumes úteis e formas mais
estandardizadas (sendo neste caso classificados como utensílios a priori, uma vez que o
retoque secundário é em si mesmo prova da intenção em os retomar como instrumentos).

*
Uma aplicação particular do estereotipo paleoantropiano é a chamada «técnica levallois», a qual
se deve mais propriamente definir como um método, expressão de um conceito muito mais vasto
e que a ultrapassa (embora dele tome o nome, por razões históricas).

Conceito levallois:
Concepção de fabrico de instrumentos sobre lascas (em sentido lato), de tal modo que as formas
das lascas pretendidas para utilização ulterior se encontra pré-determinada pelas operações de
formatação efetuadas no próprio núcleo; estas operações levam frequentemente (mas não sempre)
a que a zona onde se dará a pancada que extrai a lasca pretendida seja objeto de lascamentos
anteriores de preparação dessa superfície (o chamado talão), dando origem às lascas «de talão
facetado».

O conceito levallois pode ser executado através de:


vários métodos operativos: método levallois, método trifacial, método centrípeto, etc.;
cada método operativo, pode, por sua vez, ser executado segundo diferentes modalidades de
gestão dos núcleos (levallois de lasca preferencial, levallois recorrente, etc.);
cada modalidade de gestão de núcleos, pode ser orientada por cadeias operatórias diferenciadas
(levallois para pontas, levallois para lâminas, levallois para lascas);
enfim, na execução de cada cadeia operatória aplicam-se diferentes técnicas de talhe e de
retoque (classificadas em função do tipo de percutor, do ângulo de talhe, da velocidade da
pancada, etc.
*
Estas novas concepções tecnológicas do trabalho da pedra por lascamento não surgiram todas,
nem de repente, nem apenas no Paleolítico Médio, nem muito menos no Mustierense. O método
levallois, em especial, ocorre pelo menos desde o Acheulense Médio (senão antes, como o
parecem indicar certos conjuntos líticos pré-acheulenses da África oriental). Todavia, elas apenas
se tornam centrais na definição dos conjuntos líticos durante o período que ora nos ocupa.71
5. Reconhecer as indústrias do Paleolítico Médio em território português.
Para a identificação de indústrias do Paleolítico Médio no nosso país, têm sido utilizados (e
considerados bastantes) um número restrito de atributos técnico-tipológicos: a presença de núcleos
de tipo levallois ou de tipo discóide (método centrípeto), neste caso ditos «mustierenses» ou
«mustieróides», de lascas daí provenientes frequentemente de forma subtriangular desviada
(«lascas mustierenses») e de alguns utensílios sobre lasca (raspadores, denticulados, furadores...).73

15
Caracterização das indústrias líticas:
• De um modo geral, as indústrias líticas do Paleolítico Médio português são maioritária ou
exclusivamente feitas a partir das matérias-primas (quartzito, quartzo e sílex) existentes nas
imediações de cada sítio habitado.74
• Por outro lado, estas indústrias apresentam normalmente índices muito baixos de utensílios
a priori (utensílios retocados), tornando difícil a sua classificação como mustierenses e
menos ainda como mustierenses de um tipo particular. As grutas são os locais onde se
encontram mais utensílios retocados, certamente por se encontrarem mais afastadas das
matérias-primas (os gumes eram retocados sucessivamente). Entre os utensílios, os gumes
denticulados (por vezes convergentes, a ponto de se designarem como «pontas de tayac»)
predominam nitidamente sobre os gumes de raspador.
• Em terceiro lugar, do ponto de vista técnico, é corrente o emprego do método levallois,
frequentemente sob a modalidade de gestão dos núcleos dita centrípeta recorrente (embora
se reconheçam também outras: de lasca preferencial, unipolar recorrente, etc.).75

6. Indicar estações e coleções atribuídas ao Paleolítico Médio em Portugal.


A ocupação das grutas constitui um dos mais interessantes dados novos do Paleolítico Médio, em
geral e em Portugal. No caso português existem cerca de uma vintena de cavidades com vestígios
de ocupação deste período, das quais se destacam: Columbeira (Bombarral); Figueira Brava
(Sesimbra); Furninha (Peniche); Correio-Mór e Salemas (Loures); Escoural (Montemor-o-Novo);
Caldeirão (Tomar); e Almonda (Torres Novas),73 esta última datada de há cerca de 150 mil anos – o
que constitui a mais antiga datação absoluta da nossa Pré-História.76
De todas, cumpre salientar as da Columbeira e Figueira Brava pela ocorrência em ambas de restos
de Homo Sapiens neandertalenses e especialmente a primeira pela importante sequência de níveis
arqueológicos que documenta (mais de uma dezena), alguns dos quais com lareiras, numerosa
indústria lítica (um “Mustierense bastante evoluído mas de tradição levallois”, na classificação de
O. da Veiga Ferreira) e ricas associações faunísticas (contendo, entre outras, as seguintes espécies:
urso, hiena, lince, lobo, rinoceronte, cavalo, auroque e veado).73
Dos sítios dos arredores de Lisboa, salienta-se o do Casal do Monte, em Santo António dos
Cavaleiros, um local descoberto no princípio do século XX, onde ainda hoje se continuam a
recolher milhares de artefactos líticos, na sua maior parte em sílex (assim como em quartzito e
quartzo). Outros locais situados na mesma zona, como o de Santo Antão do Tojal, são suficientes
para afirmar a importância desta região durante o Paleolítico Médio.
Uma última região a destacar é a da bacia do Tejo. Aqui, para além das estações arqueológicas de
há muito conhecidas no estuário e no baixo Tejo aluvial (desde a zona de Alcochete até às
importantes formações sedimentares e níveis arqueológicos de Alpiarça), deve referir-se o achado
de locais do Paleolítico Médio mais a montante, tanto em redes fluviais subsídiárias do Tejo (caso
do sítio da Estrada do Prado, no rio Nabão), como no próprio vale principal (temos neste último
caso dois locais na zona de Vila Velha de Ródão: Vilas Ruivas e Foz do Enxarrique).74

7. O fim do Paleolítico Médio.


O final do Paleolítico Médio português situa-se seguramente cerca de 30.000 anos BP, ou seja, no
início do Würm recente (já Plistocénico Superior Final). Estamos aqui perante datações cerca

16
de 5.000 a 10.000 anos mais tardias do que em toda a Europa, inclusive em amplas regiões
peninsulares. Podemos por isso dizer que o território português e o do sudoeste espanhol assistiu à
permanência dos «últimos néandertais».
Uma sobrevivência tão tardia deste tipo de indústrias permite colocar a questão da evolução
superior do Paleolítico Médio. Neste domínio, nem os modelos globais prevalecentes, nem em
concreto nenhuma estação arqueológica peninsular, permite sequer sugerir a hipótese de qualquer
tipo de passagem do Paleolítico Médio para o Paleolítico Superior.77

1.3. Paleolítico Superior


Cronologia
✔ Paleolítico Superior Inicial
Desde há cerca de 40.000/35.000 anos (passagem do Würm Antigo para o Würm Recente ou
passagem do Plistocénico Superior Pleno para o Plistocénico Superior Final) até há cerca de
20.000 anos (início do «último máximo glaciário»).81
A expansão do «Homem Moderno» para a Europa ocorreu sensivelmente durante o período temperado,
interestadial, que separa o Würm Antigo do Würm Recente (também designado por «interestádio II/III» ou
«oscilação de Hengelo»), de 45.000 a 35.000 anos BP).82

✔ Paleolítico Superior Recente, subdivisível em:


✔ Paleolítico Superior Pleno: Na ocasião do «último máximo glaciário», de 20.000 a 18.000
anos.81
✔ Paleolítico Superior Final: Desde a passagem do «último máximo glaciário» até ao final da
Idade Glaciária, há cerca de 10.000 anos BP (8.000 anos a.C.).
Esta periodização, tendo por base os sítios e as coleções reconhecidas no nosso país, é muito marcada pela evolução
climática do período de tempo considerado.82

Objetivos
1. Analisar a equação: Paleolítico Superior = «Homem Moderno» + arte + produção de
lâminas e entender a natureza da passagem/ruptura entre o Paleolítico Médio e o Paleolítico
Superior.
2. Referir elementos adicionais definidores do Paleolítico Superior (conjunto de fatores
interligados).

3. Reconhecer formas de ocupação no território português.


4. Reconhecer elementos da evolução técnica: a tecnologia laminar.
5. Reconhecer as indústrias líticas no território português: os diferentes complexos
industriais. Mencionar respetivas estações arqueológicas.
6. Indicar as principais características do fenómeno artístico do Paleolítico Superior e
respetivas marcas no território português.

17
1. Analisar a equação: Paleolítico Superior = «Homem Moderno» + arte + produção de
lâminas e entender a natureza da passagem/ruptura entre o Paleolítico Médio e o Paleolítico
Superior.
Tal como o Paleolítico Médio, também o Paleolítico Superior tem sido definido tradicionalmente
através de uma equação muito simples. Apesar de se tratar de uma fórmula que merece maior
aceitação que a do período anterior, não deixa de ser também discutível e demasiado
simplificadora.
De um modo global, a primeira crítica que se poderia fazer a esta definição é a dela assumir como
características gerais de todo o Paleolítico Superior aspetos que em muitas regiões apenas ocorrem
em momentos avançados do período, frequentemente já no seu final.77
Uma segunda crítica é a da definição em apreço resultar principalmente de uma perspetiva
europocêntrica – e ainda assim limitada a certas zonas do continente – já que pelo menos um dos
termos da equação (caso do fenómeno artístico) se encontra ausente ao longo de todo o Paleolítico
Superior em amplas áreas geográficas e outro termo (o «Homem Moderno») surja muito antes
deste período, noutras regiões (como o Próximo-Oriente).

1.1. «Homem Moderno»


O tipo humano associado ao Paleolítico Superior é o «Homem Moderno» ou mais exatamente o
Homo Sapiens Sapiens, o que é válido para a maior parte do território europeu.78
De facto, existe uma ruptura de populações a que, na Europa, se pode assimilar a passagem do
Paleolítico Médio para o Paleolítico Superior. Mas ela não é inteiramente clara, nem absoluta.
Por um lado, conhecem-se alguns exemplos de culturas que documentam a ocorrência de
populações neandertalenses terminais, detentoras de tecnologias que as fazem colocar no
Paleolítico Superior. O exemplo mais conhecido desta situação é o do Castelperronense, situado na
parte ocidental do território francês e na região cantábrica espanhola; outro exemplo poderão ser as
diversas indústrias de pontas foliácias do Norte da Europa.
Por outro lado, a atribuição ao «Homem Moderno» do primeiro complexo industrial
verdadeiramente pan-europeu do Paleolítico Superior (pelo menos a latitudes baixas) – o
Aurinhacense – continua a ser um tanto hipotética, já que não se conhecem efetivamente fósseis
que documentem os autores dos seus estados iniciais.
Assim, o que parece certo é que, mercê de processos de aculturação ou de desenvolvimento
próprio, algumas populações neandertalenses passaram a fronteira convencional definidora do
Paleolítico Médio, tanto no domínio tecnológico como até no domínio simbólico.

1.2. Arte
De facto, existiram populações neandertalenses que produziram alguns objetos artísticos (móveis e
parietais). A arte não é assim exclusiva do «Homem Moderno». Em todo o caso, é inegável que o
fenómeno artístico em toda a sua extensão é uma característica do Paleolítico Superior, pelo menos
a partir do chamado «último máximo glaciário» (c. 20 a 18 mil anos BP).79
1.3. Produção de lâminas
O último elemento da equação é o da produção de lâminas, ou seja, a tecnologia laminar. Neste
aspecto, a ruptura tecnológica aqui subentendida (tecnologia levallois versus tecnologia laminar ou
leptolítica) não assume um carácter universal. Poderá efetivamente existir em certas regiões
(incluindo Portugal), mas não em muitas outras onde desde antes ocorre a produção de lâminas ou
18
onde importantes indústrias do Paleolítico Superior são feitas a partir de lascas, tal como em
épocas precedentes.

2. Referir elementos adicionais definidores do Paleolítico Superior (conjunto de factores


interligados).
No plano tecnológico: fabrico de instrumentos em osso, de transporte (trenó, raqueta de neve,
etc.), de vestuário (o botão, a agulha, indumentárias constituídas por várias peças, calçado, etc.), de
conservação de alimentos (através do frio e da fumagem), de armazenamento (fossas escavadas no
solo), de caça e de pesca (pontas de projétil em pedra, arpões, zagaia, por vezes impulsionados
pelo propulsor - a primeira máquina na história humana).

No plano do habitat: uma complexidade sem precedentes em épocas anteriores (unidades de


habitação de dimensões variadas, divisão interior do espaço habitado que no final do período em
alguns locais parece dar indícios de práticas cultuais - ocorrência de objetos de valor simbólico,
como as «vénus»); e, no plano das sepulturas, ocorrência de formas muito variadas,
correspondentes a rituais funerários igualmente muito diversificados (em Portugal, apenas existe a
referência feita por J. Roche a um hipotético enterramento no nível do Paleolítico Superior Final
na Lapa do Suão, Bombarral, representado por «dois molares humanos numa pequena fossa
arranjada entre blocos» e rodeada por objetos de adorno: conchas de moluscos, ocre vermelho e
dentes de lince).

No plano territorial: multiplicação do número de sítios, assim como o aumento da sua extensão;
e, sobretudo, existência de áreas de exploração de recursos ou até, no final do período, de sistemas
de trocas a grande ou muito grande distância: à volta dos 400 Kms, podendo 80 em certos casos
atingir os 700 Kms (de que são exemplo algumas conchas do litoral, encontradas no interior do
continente Europeu e utilizadas como adornos); ocupação de zonas claramente setentrionais da
Europa, acima dos 54O de latitude e até ao Círculo Polar Ártico, o que vai também permitir a
penetração e rápido povoamento do continente americano, a partir do Estreito de Bering.

No plano da perceção temporal: sinais evidentes de uma certa calendarização do Tempo, visível
tanto em alguns possíveis exemplares de calendários lunares (gravados em peças ósseas móveis e
nas paredes das grutas), como principalmente num planeamento antecipado da vida económica
(possibilitando a adoção regular de estratégias de obtenção do alimento de forma logisticamente
organizada) e social (dando origem à frequência, em certas alturas do ano, de «lugares
agregadores», como poderiam ser algumas grutas decoradas).

No plano económico: utilização de uma gama muito maior de recursos materiais (entre eles, pela
novidade do seu uso extensivo, sobressai o osso e o marfim, mas poderiam incluir também a argila
e outras rochas antes pouco trabalhadas) e energéticos: para além da caça de mamíferos terrestres,
a pesca e a recolha de recursos marinhos variados, a caça de aves, a recoleção de vegetais, etc.; e,
em simultâneo com esta maior diversidade, uma especialização, sobretudo ao nível da caça (o
veado, o cavalo, a rena ou o mamute, por exemplo, segundo as regiões e as fases climáticas); uma
caça, portanto, seletiva tanto no que respeita às espécies, como quanto aos indivíduos dentro das
manadas.

No plano social, enfim: uma maior complexidade e consciência de pertença a grupos definidos
(sentido étnico), dando origem a verdadeiras culturas no sentido antropológico do termo (e de que

19
são exemplo certas associações entre bens utilitários e bens não utilitários em algumas regiões da
Europa Central e Oriental, no final do período) e à própria produção artística.81

3. Reconhecer formas de ocupação no território português.


Ao contrário da tendência registada durante todo o Paleolítico Inferior e Médio, no sentido de uma
ocupação extensiva do território ao longo das bacias fluviais e nos planaltos e maciços rochosos a
baixa altitude, os sítios arqueológicos do Paleolítico Superior parecem estar muito menos
dispersos.
Esta situação poderá resultar de duas circunstâncias:
1. A correspondência entre o Paleolítico Superior e o mais rigoroso período glaciário
plistocénico (Würm Recente, o único documentado em Portugal), que poderia conduzir ao
despovoamento significativo do interior peninsular, transformando os planaltos mesetenhos
em zonas estépicas e mesmo totalmente desérticas;
2. E, por outro lado, uma nova estrutura do povoamento humano, agora claramente aglutinado
em áreas e sítios privilegiados, como é o caso, em Portugal, da Estremadura, possuidora de
uma considerável diversidade regional (faixa costeira, terras baixas do litoral, planaltos e
montanhas de baixa altitude, bacia fluvial do Tejo) e de uma grande variedade de
matérias-primas, tanto materiais (com zonas onde, por exemplo, abunda o sílex de boa
qualidade), como energéticas (pela riqueza de biótopos resultante das características
climáticas, geográficas e geológicas indicadas).

Compreende-se assim que a quase totalidade dos sítios arqueológicos do Paleolítico Superior
português se localizem nesta zona. Excepcionalmente registam-se dois locais importantes no
Alentejo: Gruta do Escoural, em Montemor-o-Novo, e Monte de Faínha, em Évora-Monte.83

4. Reconhecer elementos da evolução técnica: a tecnologia laminar.


As técnicas de fabrico de instrumentos incluem-se, desde o início do período, no padrão geral da
chamada tecnologia laminar ou leptolítica.
Esta evolução tecnológica constitui um dos tradicionais elementos caracterizadores do Paleolítico
Superior e dá lugar à consideração de um quarto e último patamar no trabalho da pedra por
lascamento, que A. Leroi-Gourhan assim define:
Estereotipo neantropiano (Homem anatomicamente moderno / indústrias de lâminas): talhe por
percussão ou por pressão, com percutor duro ou elástico, direto ou indireto (ou seja, com a
intercalação de um punção ou escropo); desenvolvimento da concepção levallois sob a forma do
método prismático, ou seja, a construção volumétrica dos núcleos de tal modo que, a partir de uma
aresta-guia, se extrai uma primeira lâmina (dita «lâmina de crista»), que passa a constituir o
arranque para a obtenção sucessiva de outras, dando ao núcleo o aspeto de um prisma (ou pirâmide
de muitos lados), cuja área vai diminuindo à medida que é explorado até se esgotar.
Trata-se de uma evolução técnica que dá origem a importantes consequências económicas: a
produção em série de lâminas muito idênticas umas às outras, que depois serão retocadas, dando
origem a utensílios muito variados e especializados: buris e raspadeiras de tipos diversos,
furadores, pontas variadíssimas, etc.

20
É esta, em termos gerais, a tecnologia lítica do Paleolítico Superior português, desde o seu início,
num violento contraste com as indústrias do Paleolítico Médio, contraste que se estende às
matérias-primas utilizadas: no Paleolítico Médio, o quartzito, o quartzo e só eventualmente o sílex;
no Paleolítico Superior, a procura sistemática de sílex, reservando as outras rochas para
instrumentos cujo fabrico não supunha a aplicação da técnica laminar (seixos talhados, por
exemplo).84

5. Reconhecer as indústrias líticas no território português: os diferentes complexos


industriais. Mencionar respetivas estações arqueológicas.
Diferentes tradições culturais do Paleolítico Superior português enquadradas nas três fases em
que o período pode ser dividido:
1) Paleolítico Superior Inicial (40/35 a 20 mil anos): Castelperronense; Aurinhacense; e
Gravetense.
Castelperronense: c. 36/35 a 32 mil anos.
Cultura correspondente à adoção (por assimilação através do contacto com o «Homem Moderno»
ou por desenvolvimento próprio) por parte do «Homem de Néandertal» de tecnologias
(tecnologia laminar) e tipos de utensílios líticos (buris, pontas, raspadeiras, etc.) e em osso
integráveis no Paleolítico Superior, que surgem em associação com outros mais antigos
(raspadores sobre lasca, facas de dorso, etc.).
É limitado geograficamente ao Sudoeste e Centro-Oeste de França, assim como a alguns
(raros) locais da região cantábrica espanhola.

Aurinhacense: c. 40/39 a 26/25 mil anos.


Complexo industrial correspondente ao «Homem Moderno», é caracterizado pelo uso da
tecnologia laminar e pela produção de instrumentos “do tipo Paleolítico Superior” bem como por
uma significativa indústria em osso e alguma produção artística.
É reconhecido extensivamente em toda a Europa a baixas latitudes desde a Península Balcânica
(onde se encontram as suas datações mais antigas, na ordem dos 43 mil anos) até à Península
Ibérica.85
O mais importante local do Aurinhacense português é Vale de Porcos (Rio Maior), localizado
numa zona extraordinariamente rica em sílex e por isso muito marcado por uma atividade de talhe,
patente na abundância de núcleos e restos de talhe (entre os quais numerosas lâminas) e na
escassez de utensílios retocados (buris e, em menor percentagem, raspadeiras).86

Gravetense: c. de 27/26 mil a 21 mil anos.


Conjunto de complexos indústriais muito diversos, tendo eventualmente origens também
diferentes (nas indústrias foliácias do Norte da Europa, em continuidade desde o Paleolítico
Médio; no desenvolvimento local das comunidades sapiens sapiens), corresponde basicamente à
adoção de um procedimento técnico (o retoque abrupto das arestas, ditas de dorso abatido ou
rebaixado), dentro do quadro geral da tecnologia laminar, dando origem a diferentes tipos de
pontas (sendo a mais conhecida a dita de La Gravette) que se colocariam ao serviço de uma
invenção/técnica de caça que talvez explique uma «moda tecnológica»: a invenção das pontas de
projétil em pedra inseridas em cabos.

21
Está documentado em toda a Europa.85
Da cerca de meia dúzia de locais atribuídos ao Gravetense em Portugal, salientam-se os de Casal
do Filipe e Terra do Manuel, ambos em Rio Maior. O sítio de Terra do Manuel constitui o melhor
exemplo até hoje conhecido de uma possível fase de transição entre este período (Paleolítico
Superior Inicial) e o seguinte (Paleolítico Superior Pleno).

2) Paleolítico Superior Pleno (20 a 18 mil anos): Solutrense.


Complexo industrial que preenche o período de tempo correspondente ao máximo glaciário
Würmiano, de 20 a 18 mil anos.
Globalmente, as utensilagens líticas solutrenses caracterizam-se pelo emprego corrente da técnica
de retoque plano e invasor, realizada sobre lascas (ou lâminas) num só lado (pontas de face plana)
ou em ambos os lados (retoque bifacial),86 dando, neste caso, origem a instrumentos foliácios, tais
como as «folhas de loureiro» e «de salgueiro», destinadas a serem utilizadas como pontas de lança
(hipoteticamente, algumas delas poderiam ser pontas de flecha, se bem que a técnica do arco e da
flecha apenas se encontra bem documentada a partir do Mesolítico).87

Estende-se desde o Oeste do Vale do Ródano, em França, até à Península Ibérica onde ocupa uma
faixa litoral (raramente a mais de 50 Km da costa atual) e se individualiza através de dois fácies
regionais: o Cantábrico e o Levantino (ou Mediterrânico).86

O Solutrense português é representado por cerca de 20 estações arqueológicas. Regista-se agora


uma ocupação extensiva de quase todo o território da Estremadura, havendo até a frequência
sazonal (durante o Verão, certamente) e regular das zonas montanhosas, para a caça de animais
próprios desses biótopos (como na Gruta do Caldeirão, em Tomar, onde se caçaram a camurça e a
cabra-montês).88

*
Segundo J. Zilhão, o Solutrense português caracteriza-se por uma evolução em 3 fases:
Solutrense Inferior (anterior a 20,5 mil anos BP), caracterizado pela ocorrência de pontas de face
plana e ausência de peças foliácias bifaciais;
Solutrense Médio (entre 20,5 e 20 mil anos BP), caracterizado pela introdução e abundância das
pontas bifaciais foliácias;
Solutrense Superior (até há cerca de 18 mil anos BP) durante o qual surgem peças como a «ponta
de Parpalló».89

3) Paleolítico Superior Final (17 a 10 mil anos): Madalenense


Passado o «último máximo glaciário» entramos no Paleolítico Superior Final.
Na Europa Ocidental registam-se basicamente dois tipos de tradições tecnológicas: a das indústrias
de tradição gravetense, ditas por isso Epi-Gravetenses, que ocorrem em latitudes meridionais, em
regiões onde as tecnologias foliácias do Solutrense não chegaram a ser amplamente desenvolvidas;
e o Madalenense.

22
Cronologia do Madalenense: complexo industrial do final do Paleolítico, datável entre cerca de
17 e 10 mil anos BP.
É caracterizado por um conjunto de instrumentos líticos (utensílios sobre lasca, raspadeiras de
retoque marginal, buris de tipo diverso, diferentes tipos de micrólitos lamelares e geométricos:
triângulos, trapézios e crescentes) e sobretudo por indústrias em osso muito elaboradas (zagaias,
arpões de barbe-luras simples ou duplas, etc.).89
Constituindo para alguns “o apogeu das sociedades de caçadores-recoletores do Paleolítico”,
quando também se atinge o máximo expoente da produção artística, das redes de trocas a longa
distância, etc., o Madalenense irá dar gradualmente lugar a diversas indústrias epipaleolíticas,
entre as quais a mais tradicionalmente referida é o Azilense (gruta do Mas-d’Azil, Ariège) que
afinal, como dizia F. Bordes, não passa de um Madalenense em época pós-glaciária.

*
J. Zilhão definiu dois90 estádios evolutivos do Madalenense português:
• um antigo, caracterizado pelas raspadeiras de retoque marginal e por buris transversais;
• outro recente, caracterizado pela expansão das utensilagens lamelares e microlíticas.91

O Madalenense português é conhecido em grutas (Casa da Moura, Lapa do Suão e Caldeirão,


esta última já referida a propósito do Solutrense) e em estações de ar livre, situadas quer no
interior (Rio Maior) quer no litoral da Estremadura (Magoito, S. Julião).90

6. Indicar as principais características do fenómeno artístico do Paleolítico Superior e suas


respetivas marcas no território português.
O fenómeno artístico constitui um dos elementos mais sugestivos da equação com que
tradicionalmente se define o Paleolítico Superior.
Datam do final do séc. XIX as primeiras descobertas da arte do Paleolítico nas paredes de algumas
grutas (caso da gruta de Altamira), as quais não foram então aceites como verídicas por se duvidar
que o homem pré-histórico pudesse ter capacidades (interioridade, expressividade, tecnologia)
suscetíveis de darem origem a tal tipo de produções.
Desde aí as descobertas sucederam-se e hoje podem alinhar-se as seguintes provas de
autenticidade desta primitiva «arte das cavernas»: entradas por vezes seladas por sedimentos ou,
como aconteceu na recente descoberta de uma gruta próximo de Marselha, pela subida do nível do
mar; sobreposição estratigráfica de camadas arqueológicas da época; cobertura dos motivos por
espessas camadas calcíticas ou de outros elementos químicos (óxidos de ferro, de manganés, etc.);
representação de animais extintos, de biótopos de tipo glaciário; etc.
– A arte parietal (ou «arte das cavernas») é uma arte claramente animalística, porque nela
predominam as representações de animais.
As primeiras análises desta arte procuraram explicá-la quer por motivos puramente lúdicos (uma
espécie de «arte pela arte»), quer por motivos mágicos, designadamente como instrumento
garantidor da renovação das populações faunísticas (magia de fecundidade) e propiciatório da
realização de boas caçadas (magia simpática). A esta última tese encontra-se ligado o nome do
padre H. Breuil.91 Porém, a primeira teoria explicativa parece-nos um tanto anacrónica e a segunda

23
defronta-se com a observação nítida de que as espécies animais mais pintadas ou gravadas estavam
longe de ser as mais consumidas, não parecendo portanto que a sua representação fosse tida como
prenúncio da sua captura.
Modernamente, na sequência dos trabalhos hoje clássicos de autores como A. Leroi-Gourhan,
divide-se a arte parietal num conjunto de estádios ou estilos (desde um momento «pré-
figurativo», passando depois por 4 estádios figurativos, numa evolução estilística que atinge o seu
apogeu no período imediatamente seguinte ao «último máximo glaciário».
Por outro lado, procura-se interpretá-la a partir da constatação de que cada gruta decorada constitui
um universo estruturado, no qual cada motivo ocupa uma determinada posição não aleatória,
dando origem à constituição de verdadeiros mitogramas. A gruta decorada surge assim como um
santuário, um todo organizado. Afirma Leroi-Gourhan:
“Não existe linearidade na arte paleolítica. As imagens apresentam-se como um quadro no qual
há um centro e uma periferia. Elas acumulam-se sem perder o sentido desta repartição em
auréolas. Quando se tem a chave – quer dizer, quando se olha com atenção e com suficiente recuo
– apercebe-se que tudo se constrói em torno de um tema que não pode ter sido senão um mito”.
O tema central aqui referido é, segundo o mesmo autor, o do mistério da vida e da sua
regeneração, detetável em dois princípios vitais complementares (o masculino e o feminino) e
expresso através de simbologias próprias (animais com valor de «princípio masculino» - cavalo,
veado, cabra... - e animais com valor de «princípio feminino» - bisonte, auroque...); atributos
sexuais mais ou menos estilizados; e simples signos geométricos.

Na Europa ocidental, a principal «província» desta «arte das cavernas» é a da região franco-
cantábrica, onde se incluem os exemplos célebres de Altamira, Lascaux, Niaux e tantos outros.
Fora deste espaço geográfico, os limites extremos são, a Sul, a Cueva de La Pileta (em Málaga) e,
a oeste, a Gruta do Escoural (em Montemor-o-Novo).

*
Compreende-se assim a enorme importância da Gruta do Escoural, que aliás se insere num local
frequentado longamente, desde o Paleolítico Médio até ao Calcolítico, e utilizado com um sentido
sagrado em diversas épocas. Para além de ser a mais ocidental gruta decorada do Paleolítico
europeu, ela é também a única conhecida até hoje no nosso país.
As pinturas e gravuras paleolíticas do Escoural, embora não se comparem nem 92 em quantidade
nem em riqueza expressiva com as das grutas mais conhecidas da região franco-cantábrica, são
constituídas igualmente por representações animais (equídeos, bovídeos, caprídeos, etc.), signos
abstratos (geométricos, pontuações, etc.) e outros vagamente sugestivos de objetos reais
(tectiformes, arciformes, etc.).
Na base de pressupostos estilísticos, mais do que de contextos arqueológicos, as pinturas e as
gravuras da Gruta do Escoural foram classificadas e datadas por M. Varela Gomes que apresenta a
seguinte sucessão de períodos:
1.º Solutrense: pinturas animalísticas, sobretudo quadrúpedes (bois e cavalos), de contorno negro
ou vermelho, e gravuras com incisão larga e profunda, utilizando técnicas de representação claras,
situadas em zonas de fácil acesso e boa visibilidade;

24
2.º Madalenense: apenas gravuras, representando pequenas cabeças de equídeos e de caprídeos,
com a característica de o interior ser preenchido por incisões múltiplas, muito finas;
3.º Madalenense Final e primeiros tempos Holocénicos: enorme explosão de signos geométricos
e de figuras abstratas, manchas de traços, escalariformes e reticulados, por vezes sobrepostos a
figuras de períodos precedentes, mas que sobretudo procuram locais dissimulados.93

Em Portugal, regista-se apenas um outro exemplo do mesmo período, mas de arte rupestre ao ar
livre, situado nas margens do rio Douro, em Mazouco (Freixo de Espada à Cinta) que apresenta 3
figuras zoomórficas, entre as quais um cavalo de 60 cm de comprimento).92
*
– No Paleolítico Superior ocorre igualmente a chamada «arte móvel», constituída por um
conjunto muito variado de peças:
1. Objetos simbólicos (de que são exemplo as chamadas «vénus», ou seja, estatuetas femininas
com as formas intencionalmente deformadas, podendo ser interpretadas como símbolos da
fecundidade, mas não ainda como verdadeiras «deusas-mãe»);
2. Utensílios de uso comum decorados (especialmente em osso ou marfim: zagaias, arpões,
propulsores...);
3. Ou simples adornos (conchas ou dentes perfurados, contas de colar, etc.).
Excluindo a ocorrência de duas hipotéticas «vénus», uma descoberta em Sesimbra e a outra nas
proximidades da Gruta do Escoural, os mais significativos objetos de arte móvel do Paleolítico
Superior português serão talvez:
• Uma placa de xisto com gravações zoomórficas, uma antropomórfica e escalariformes,
encontrada na Gruta do Caldeirão.
• Algumas conchas e dentes perfurados registados no mesmo e noutros locais.
• Um pequeno número de zagaias em osso, a mais importante das quais descoberta na Gruta
de Salemas (Loures)93 que apresenta uma sucessão de traços transversais ao longo de todo o
seu comprimento (aquilo que, por sugestão etnográfica, se chamou outrora de «marcas de
caça»).
• E, sobretudo, um conjunto de mais de uma vintena de falanges de veado perfuradas a meio,
detetadas na Gruta do Caldeirão, interpretadas como apitos (uma espécie de negaças de
caça) ou, simplesmente, como pendentes.94

25
2. MESOLÍTICO
1. Caracterização genérica da evolução climática durante o Mesolítico.
Com a passagem do Plistocénico, ou «Idade Glaciária», para o Holocénico ou «Idade Pós-
glaciária», o clima torna-se cada vez mais temperado e menos seco, devido à existência de
quantidades cada vez maiores de água em estado líquido, nos continentes e nos mares, tendo
estabilizado cerca de 5.500/5.000 anos a.C., numa época que se designa frequentemente por
«optimum climático» (algo mais quente e húmido do que na atualidade, quando a transgressão
flandriana atinge o seu máximo) e que se situa no início do período Atlântico (c. 6.000 a 3.000
a.C.).
Períodos
climáticos
Períodos
Épocas Zonação Datações Clima
Históricos
polínica do
Norte Europa

Sub-atlântico 1.000 a.C.– Presente Atual


Idade do Ferro
Idade do Bronze
Idade do Bronze
Sub-boreal 3.000 a.C.– 1.000 a.C. Calcolítico Temperado e seco
Neolítico Final
Holocénico
Neolítico Médio
(Pós-glaciário)
Temperado
Atlântico 6.000 a.C.– 3.000 a.C. Neolítico Antigo e
húmido
Mesolítico Pleno

Temperado/quente
Boreal 7.000 a.C. – 6.000 a.C. Mesolítico Inicial
e seco
ou
Epipaleolítico Transição
Pré-boreal 8.000 a.C. – 7.000 a.C.
frio/temperado

Dryas III 10.800 – 10.000 BP Período frio (estadial)


Plistocénico Paleolítico
Allerod 11.800 – 10.800 BP Período interestadial
(Würm final) Superior
Dryas II 12.400 – 11.800 BP (Madalenense) Período frio (estadial)
(Tardi-
glaciário) Bolling 13.000 – 12.400 BP Período interestadial

Figura 3 – Evolução climática da transição Plistocénico/Holocénico

Em termos genéricos, a evolução climática indicada implicou grandes modificações ao nível


paisagístico e ambiental, especialmente em latitudes como a da Europa:
Modificações geográficas: subida acentuada do nível do mar (transgressão flandriana), desde
cotas entre 100/110 metros abaixo da linha de costa atual até altitudes positivas, isto é, acima do
26
nível médio das águas na atualidade; como consequência, formação de ilhas (caso das ilhas
britânicas), de penínsulas, de amplos estuários, de rios, de lagos e de mares interiores; redução das
calotes e línguas glaciárias nos continentes;120
Modificações das coberturas vegetais: desenvolvimento acentuado das florestas de clima
temperado/quente húmido, com o povoamento extensivo da Europa, ao longo de todas as áreas
anteriormente desérticas ou estépicas; em simultâneo, diversificação acentuada dos ambientes
vegetais, através da colonização da grande variedade de nichos ecológicos emergentes;
Modificações das populações animais: extinção, redução ou deslocação para outras latitudes de
grande parte da mega fauna plistocénica (rena, mamute, etc.); em contrapartida, expansão de
animais mais adaptados aos climas temperados e dos recursos animais aquáticos, entre os quais os
peixes e toda a espécie de moluscos (privilegiados pela ocorrência abundante de águas pouco
profundas, quentes e ricas em nutrientes, nos estuários e rias assim como no litoral).121

O impacte desta evolução climática e paisagística sobre os modos de vida e, por extensão, a
organização sócio-cultural das populações do Mesolítico foi obviamente grande. Estas
“empregavam diferentes sistemas de subsistência, explorando diferentes fontes de recursos, em
diferentes ambientes” (D. Clarke).122

2. A definição do Mesolítico: dados cronológicos e subdivisões.


O Mesolítico constitui uma fase histórica muito complexa, apresentando uma enorme
variabilidade, tanto no plano local, como nos planos regional e inter-regional.118
Compreende duas fases cronológicas evolutivas:
✔ O Mesolítico Antigo ou Epipaleolítico. De 8.000 a 6.000/5.500 anos a.C., quando se
atinge o chamado «optimum climático».
É a fase inicial do Mesolítico, durante a qual as tecnologias e os modos de vida são ainda
fundamentalmente os do Paleolítico, mas já em época pós-glaciária ou holocénica;

✔ O Mesolítico Pleno ou Recente. De 5.500/5.000 a 4.500 ou 3.500 a.C..


Fase na qual se observam, em toda a sua extensão, as características próprias do Mesolítico,
formando-se designadamente os concheiros – o tipo de estação arqueológica mais sugestivo do
período.119

3. Mesolítico Inicial ou Epipaleolítico


Cronologia
O Mesolítico Inicial português ou Epipaleolítico é datado sensivelmente entre 8.000 e
6.000/5.500 anos a.C.122

Objetivos
1. Identificar padrões de povoamento e sazonalidade.
2. Reconhecer e identificar as principais indústrias em território português: indústrias
microlaminares e indústrias macrolíticas.
3. Práticas de subsistência.

27
1. Identificar padrões de povoamento e sazonalidade.
É importante ter presente a continuidade existente entre o Paleolítico Superior Final e o Mesolítico
Inicial, visível no plano da maior ocupação das zonas litorais (detetável já no Madalenense) e nas
práticas de subsistência.
Aquilo que mais vai distinguir ambos os períodos é a ocorrência de sinais de uma sazonalidade
bem marcada no Mesolítico Inicial.
Neste sentido, podemos caracterizar a sequência histórica existente no território português, desde a
última fase pleni-glaciária até ao período Atlântico (6.000 a 3.000 a.C.):
• Paleolítico Superior Final: exploração especializada de recursos alimentares diversificados
(economia de largo espectro), com a circulação de todo o grupo coletor no interior de
espaços amplos e não necessariamente muito organizados quer do ponto de vista logístico,
quer do ponto de vista sazonal;
• Mesolítico Inicial ou Epipaleolítico: exploração de recursos alimentares basicamente
idênticos (com eventual aumento relativo dos recursos marinhos), 123 dentro de territórios de
circulação também amplos, embora algo mais reduzidos e sobretudo mais organizados, tanto
do ponto de vista logístico como principalmente do ponto de vista sazonal;
• Mesolítico Pleno (ou Recente): exploração de recursos alimentares idênticos, mas com
intensificação evidente do esforço de coleta (formação dos concheiros), devido à redução
dos territórios de captação de recursos e consequente aumento da densidade populacional, a
ponto de ser admissível a existência de bases residenciais ocupadas durante largos meses e,
em relação com elas, de locais especializados na obtenção de determinado tipo de recurso
alimentar, eventualmente só por uma parte do grupo coletor;
• Neolítico Antigo: exploração de recursos alimentares basicamente idênticos (com eventual
diminuição da importância relativa de alguns deles e a adição marginal de outros, com
origem em práticas de produção de alimentos), dentro de territórios organizados a partir de
uma base residencial permanente ao longo de todo o ano (a aldeia).

O Mesolítico Inicial constitui portanto uma fase inserida numa evolução cronológico-cultural
longa, mas aparentemente mais relacionada com o Paleolítico Final do que com o Mesolítico Pleno
(ou Recente). Neste sentido, melhor seria designá-la por Epipaleolítico.

2. Reconhecer e identificar as principais indústrias em território português: indústrias


microlaminares e indústrias macrolíticas.
O registo arqueológico do Mesolítico Inicial português é constituído, do ponto de vista das
indústrias líticas, por:
• Indústrias microlaminares, ou seja, conjuntos líticos nos quais predominam os
instrumentos feitos a partir de lâminas de pequenas dimensões chamadas lamelas: pontas
muito diversas,124 lamelas de dorso, lamelas denticuladas, etc.; podem também surgir
micrólitos de formas geométricas, embora sem a predominância ocorrida no Mesolítico
Pleno (ditos, neste caso, indústrias de geométricos); adicionalmente, incluem-se neste tipo

28
de indústrias uma variedade significativa de «utensilagens comuns», com o predomínio das
raspadeiras (circulares, unguiformes, etc.) sobre os buris.
• Indústrias macrolíticas, ou seja, conjuntos líticos onde predominam os chamados
«instrumentos macrolíticos», isto é, utensílios normalmente feitos sobre rochas locais
(quartzito, quartzo, grauvaque, etc.), de dimensões grandes ou muito grandes (na ordem dos
20 ou 30 cm de comprimento máximo), talhados de forma aparentemente sumária (e, por
isso, chamados de «arcaizantes», embora dentro de padrões tipológicos muito definidos: o
pico (muitas vezes dito asturiense); o disco ou o seixo de talhe periférico e remontante
(ditos «languedocenses»); e o «machado de dois flancos esmagados» (dito «mirense»).

Na aparência, existe uma exclusão total entre estes dois tipos de indústrias: as estações onde uma
delas se regista, raramente possuem a outra e vice-versa. Na verdade, ambas as realidades líticas
faziam parte de um todo integrado, na perspetiva da especialização sazonal.125
Os locais de indústrias microlaminares são constituídos por alguns sítios localizados no que, ao
tempo, seria a retaguarda de pequenos estuários, hoje inexistentes por efeito da continuação da
subida do nível do mar. Assim é em S. Julião e Magoito, na Estremadura, ou em castelejo (Vila do
Bispo) na costa ocidental do Algarve.
Quanto aos locais de indústrias macrolíticas eles distribuem-se ao longo de amplas faixas do
litoral (a Norte, o «Ancorense»; a Sul, o Mirense) e de alguns vales fluviais do interior
(«Languedocense»).126

3. Práticas de subsistência.
Durante o Mesolítico Inicial português as populações de caçadores-recoletores dispunham ainda de
territórios de captação de recursos maiores do que os do período Atlântico, sem a existência de
quaisquer ruturas (tecnológicas, económicas, sociais…) com o final da «Idade Glaciária».123
Os locais das indústrias microlaminares são de reduzidas dimensões (cerca de 100 m 2), fazendo
pensar na ocorrência de ocupações durante períodos de tempo relativamente curtos, por parte de
grupos humanos reduzidos. Ainda assim, verifica-se a ocorrência de vestígios alimentares
diversificados, desde moluscos e outros animais marinhos, até mamíferos de pequeno porte (como
o auroque). Ou seja, trata-se de estações arqueológicas que, mesmo dando por vezes origem a
níveis de acumulação de conchas, estão longe de corresponder ao tipo de concheiros do Mesolítico
Pleno e do Neolítico Antigo.126

4. Mesolítico Pleno
Cronologia
• O início do Mesolítico Pleno em Portugal situa-se, nos vales fluviais do Tejo (Moita do
Sebastião) e do Sado (Arapouca), cerca de 5.500/5.000 anos a.C.
• Quanto ao termo deste período, a maior parte dos autores considera os horizontes mais
recentes dos concheiros de Muge (designadamente o nível do Cabeço da Arruda, datado de
5.150 ± 300 BP) como Mesolíticos.
Contudo, outros autores (J. Soares e C. Tavares da Silva) consideram já como neolíticos estes horizontes, datados
da 2 ª metade do V milénio a.C., atribuindo a ausência de fauna doméstica a razões de ordem funcional: estes

29
locais seriam frequentados por grupos já neolitizados, mas que aí teriam desenvolvido somente atividades
especializadas, de carácter depredador (caça e/ou recoleção).130

Objetivos
1. Localizar as principais áreas ocupadas em território português. Identificar e definir os
principais tipos de estações arqueológicas do período.
2. Referir a evolução das principais indústrias líticas e distinguir os principais utensílios.
3. Reconhecer formas de organização espacial do habitat.
4. Práticas de subsistência.
*
1. Localizar as principais áreas ocupadas em território português. Identificar e definir os
principais tipos de estações arqueológicas do período.
As jazidas do Mesolítico Pleno português localizam-se principalmente nas margens de
importantes cursos de água ou no litoral junto das arribas.
No primeiro caso há a considerar os sítios clássicos do Vale do Tejo (ribeiras de Muge e de
Magos) e os sítios do Vale do Sado, a montante de Alcácer do Sal. Em ambas as regiões, os sítios
arqueológicos situavam-se em ambientes de paleoestuários, quando a zona vestibular de ambos os
rios, por efeito da transgressão flandriana, se via preenchida por estuários muito extensos e
profundos.127
Quanto às jazidas litorais, elas encontram-se quer diretamente sobre a arriba (Vale Marim,
entre Sines e S. Torpes; Samouqueira, a Sul de Porto Covo), quer ligeiramente recuadas em
relação à linha de costa e nas margens de ribeiras importantes, mantendo estreitas relações
com o meio oceânico (Montes de Baixo, na margem direita da ribeira de Seixe; Fiais, no vale do
rio Mira, próximo de Odemira).
Abrangem áreas planas, por vezes extensas (15.000 m2 na Samouqueira; 10.000 m2 em Vale
Marim), arenosas e desprovidas de condições naturais de defesa.128

2. Referir a evolução das principais indústrias líticas e distinguir os principais utensílios.


A evolução das indústrias líticas no Vale do Tejo, no Vale do Sado e no Alentejo Litoral é
substancialmente diversa.
Vale do Tejo
• Fase antiga – Patente nos níveis inferiores de Moita do Sebastião, esta fase oferece uma
indústria lítica caracterizada por fraca frequência de raspadores, furadores, raspadeiras e
buris, enquanto os entalhes e denticulados (31%) e os geométricos (29%) se encontram bem
representados. Entre os geométricos, encontram-se ausentes os crescentes, os triângulos são
apenas residuais e os trapézios atingem 28%.130
• Fase média – Esta indústria parece evoluir para a do concheiro de Cabeço da Arruda,
verificando-se uma passagem progressiva das formas trapezóidais para as triangulares, que
se tornam cada vez mais alongadas. Nos níveis médios deste concheiro, datados de há cerca

30
de 5.000 a.C., os geométricos atingem elevada percentagem (42%), sendo dominados pelos
triângulos (29%; para 9% de trapézios e apenas 0,9% de crescentes).
• Fase final – Finalmente, nos níveis superiores dos concheiros de Muge (Cabeço da
Amoreira, cerca de 4.000 anos a.C.), os geométricos aumentaram ainda mais
percentualmente (56%), havendo neles um desenvolvimento relativo dos segmentos (que
atingem 4%).

Vale do Sado
Os trapézios predominam (Arapouco e Vale de Romeiras: cerca de 5.500 a.C.), os triângulos
encontram-se sempre mal representados e os crescentes predominam nos níveis médios e
superiores do Cabeço do Pez (entre 4.500 e 3.500 a.C.), assim como nas Amoreiras (cerca de
4.000 a.C.) e Poças de S. Bento (c. 5.000 a 4.500 a.C.).
Alentejo litoral
• Fase antiga – Nesta região, os trapézios predominam sempre, mesmo em ambientes
francamente tardios. A primeira fase de ocupação da Samoqueira oferece uma indústria
lítica marcada por forte incidência de macro-utensilagens em grauvaque, na tradição do
Mesolítico Inicial ou Epipaleolítico. Entre os utensílios em sílex, os geométricos constituem
o grupo tipológico melhor representado, sendo quase exclusivos os triângulos.
• Fase recente – Na fase mais recente da Samoqueira, a macro-utensilagem torna-se escassa;
os geométricos estão essencialmente representados por trapézios, de tipologia variada,
ocorrendo também truncaturas, denticulados e buris.131

Como se verifica, não obstante a sua diversidade, todas as utensilagens líticas do Mesolítico Pleno
português são marcadas, e frequentemente dominadas pelo grupo dos geométricos: pequenos
elementos líticos – micrólitos – obtidos pela segmentação de lâminas e lamelas através de técnicas
como a do micro-buril (existente em todas as regiões consideradas) e destinados a servirem de
gume activo ou de ponta em utensílios modulados.
Em paralelo com a indústria lítica, deve sublinhar-se a ocorrência de utensílios feitos sobre outras
matérias-primas:
• Ossos longos de grandes mamíferos e hastes de cervídeos: utensílios interpretados como
punções, «punhais», «cinzéis», «machados» e espátulas, conhecidos principalmente no
Cabeço da Arruda (Muge) e objectos de adorno, aliás pouco frequentes, que surgem
associados às sepulturas;
• Cerâmica, impressa ou incisa, estilisticamente integrável no Neolítico Antigo, mas incluída
nos níveis superiores de Moita do Sebastião (Muge), nos níveis médios e superiores de
Cabeço do Pez e em todos os níveis de Amoreira (ambos no Vale do Sado).

3. Reconhecer formas de organização do habitat.


Ao nível da organização do habitat, constata-se a diferenciação funcional dentro de um mesmo
sítio habitado.
Em Vale Marim, sítio do litoral alentejano (sobre a arriba), a área ocupada durante o Mesolítico
Pleno organizou-se através de núcleos habitacionais dispersos pela vasta área da jazida. Ao pôr-se

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a descoberto grande parte de um desses núcleos, foi possível definir um 132 possível fundo de
cabana. Em frente desta presumível cabana desenvolvia-se uma intensa atividade, que deu origem
à construção de estruturas de combustão (com funções culinárias e de preparação de utensílios
líticos ou de outras matérias-primas) e à acumulação abundante de detritos.
No concheiro da Moita do Sebastião, em Muge, foi igualmente detetada uma cabana sobreposta a
uma outra mais antiga. Em seu torno surgiram estruturas de combustão, covas preenchidas por
conchas de moluscos bivalves fechadas e sepulturas de crianças, o que constitui um dos aspectos
mais relevantes da organização espacial de um habitat mesolítico: a localização da necrópole no
interior do habitat, isto é, nas proximidades das unidades habitacionais.133 Este facto, conjugado
com o desenvolvimento dos rituais funerários, confirma a importância social dos antepassados,
noção que será fundamental à necessária coesão das futuras comunidades agrícolas.128
Em Fiais, encontra-se igualmente bem documentada a mesma ideia de diferenciação funcional
dentro de um mesmo sítio habitado, na medida em que foram identificadas uma área de
desmontagem de carcaças de cervídeos, javalis e auroques, uma área de combustão e uma área de
necrópole.133

4. Práticas de subsistência.
Nos territórios escolhidos pelas comunidades mesolíticas cruzavam-se ecossistemas aquáticos e
terrestres que ofereciam um rico e variado espectro de recursos naturais que foi responsável não só
pela fixação humana, mas também pela manutenção127 de um equílibrio demográfico-ecológico
durante cerca de dois milénios (c. 5.500 e 3.500 a.C.) que dispensou as comunidades mesolíticas
de adotarem formas de economia de produção de alimentos.
Segundo Joaquina Soares, as comunidades do Mesolítico Pleno possuíam uma economia de caça-
recolecção-armazenamento. Este tipo de economia implicaria uma redução da mobilidade do
grupo, um prolongamento da vida social em comum, uma quantidade maior de trabalho investido
no habitat e a garantia de uma certa quantidade de mão-de-obra para a pesca e caça nos respetivos
ótimos sazonais.
Como consequência, a organização social torna-se mais estável, baseada talvez na família alargada
(como é sugerido pela dimensão das cabanas de Moita do Sebastião e de Vale Marim).128
As práticas de subsistência são calculadas principalmente a partir dos restos faunísticos
encontrados nos habitats, já que a componente vegetal se perdeu na generalidade dos casos.132
Os sítios deste período, no seu conjunto, integram-se numa mesma estratégia global de exploração
dos recursos de um território. A actividade especializada exercida em alguns deles pressupõe a
existência de outros locais ocupados durante o resto do ano, onde, talvez de forma menos efémera,
o grupo se ocuparia de outras actividades económicas. Estes locais, onde se procedia à exploração
de recursos variados (de largo espectro), comportar-se-iam como estabelecimentos de base
utilizados, pelo menos em alguns casos, durante a maior parte do ano. Deve notar-se que este é um
dos aspetos mais marcantes no processo que conduzirá as comunidades mesolíticas à adoção das
primeiras formas de economia de produção de alimentos.
Estamos, assim, perante um modelo de estratégia de subsistência que se prolonga pelo Neolítico
Antigo e que consistiria na sábia e diversificada exploração dos recursos específicos de cada um
dos diferentes ecossistemas que compõem um determinado território.134

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