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Avaliação Progressiva 2

Produto Digital: Aplicativo FaceApp

Aluno: Joao Paulo Lima

Criado por Yaroslav Goncharov o aplicativo FaceApp foi o escolhido para ser analisado
principalmente por colocar em pauta a questão ética sobre a falta de transparência no
gerenciamento da política de privacidade de dados de usuários, bem como também por
ser possível através de sua análise discorrer sobre questões que levam à reflexão sobre
nosso papel na nova relação com os algoritmos e todas as demais circunstâncias que
derivam dessa relação.

O Aplicativo tem como principal apelo, através do uso da inteligência artificial, a


utilização de filtros que transformam o gênero e são capazes de rejuvenescer ou
envelhecer e “embelezar” fotos de seus usuários.

Para além do aspecto lúdico e do fato de despertar tamanha curiosidade sobre como
podemos ver representada nossa imagem no futuro, ou como poderíamos aparentar se
tivéssemos outro gênero, é necessário refletir que por trás dessa “magia” há importantes
questões éticas sendo ignoradas e passando desapercebidas do grande público
consumidor.

A primeira e mais significativa observação a ser feita em relação aos aspectos éticos não
observados pelo aplicativo diz respeito ao que coloca muito bem Eduardo Magrini
quando aponta a necessidade de assegurar a proteção de informações pessoais
resguardadas pela própria Constituição Federal de 1988 que configura como direito
fundamental a “inviolabilidade da intimidade e da vida privada”. A política de
privacidade do aplicativo, não traduzida ainda para o português, permanece
escorregadia e enviesada.

Segundo o documento, atualizado em 04 de junho de 2020, é possível perceber que o


elemento mais óbvio que o aplicativo tem sob sua tutela, ou seja, fotografias de usuários
é aquilo de que menos se utilizará para fins de monetização, já que um arcabouço muito
mais valioso de dados está a disposição dos patrocinadores para tal finalidade.

Na leitura mais detalhada da sua política de privacidade é facilmente identificado o


potencial invasivo que possui a aplicação quando descreve quais os dados pessoais
coletados, tais como o tipo de sistema operacional do seu computador, tipo de
dispositivo móvel e número da versão, fabricante e modelo, ID do dispositivo, tokens
push, código de publicidade do Google, Apple ID para publicidade, tipo de navegador,
resolução da tela, endereço IP, o site que você visitou antes de visitar o site do
desenvolvedor e outras informações sobre o dispositivo que se está usando para acessar
o Aplicativo. Ou seja, ao concordar com isso no momento de instalação do app o
usuário autoriza que o FaceApp e empresas parceiras possam coletar dados como o
histórico de navegação na internet, por exemplo.

O FaceApp também envolveu-se numa questão racial quando usava em seus filtros de
embelezamento o clareamento da pele mesmo quando a imagem usada era de uma
pessoa da cor preta. Situação essa corrigida em versão posterior em que já foi possível
fazer esse “embelezamento” considerando os tons de pele naturais do usuário.

No sentido da possibilidade do aplicativo sobre a mudança na aparência de uma pessoa,


cabe traçarmos um paralelo sutil entre o processo intencional de produção de uma pós
verdade e a aplicação de um “simples” filtro de embelezamento, resguardando,
logicamente a diferença do objeto de ambas.

O processo da produção de uma pós verdade percorre algumas etapas. A primeira delas
diz respeito a criação de um ambiente de consenso para conquistar a simpatia de todos,
seguido da colocação de uma dúvida sobre se há ou não comprovações ou estudos sobre
aquele consenso. A terceira etapa se dá quando os fatos são desqualificados em
decorrência da valorização de argumentos próprios e como última etapa a normalização
de argumentos através de uma publicização em massa desses argumentos.

No contexto do uso do FaceApp a produção de uma “pós-verdade” aconteceria da


seguinte maneira:

1) O consenso: Usar uma fotografia modificada para exibição em rede social na


tentativa de disfarçar sua real identidade ou dissimular aspectos físicos
indesejados é NÃO colaborar com uma “ética digital” transparente.
2) Dúvida: Há estudos a esse respeito?
3) Desqualificação do fato: O que pode haver de tão grave em modificar a própria
imagem a partir de um aplicativo?
4) Normalização dos argumentos: proibir o uso de fotografia modificadas na rede
fere o direito pessoal das pessoas se “anunciarem” como quiser.
Cabe aqui o reforço de Nietzsche quando diz: “No homem essa arte do disfarce chega a
seu ápice; aqui o engano, o lisonjear, mentir e ludibriar, o falar-por-trás-das-costas, o
representar, o viver em glória de empréstimo, o mascarar-se, a convenção dissimulante,
o jogo teatral diante de outros e diante de si mesmo, em suma, o constante bater de asas
em torno dessa única chama que é a vaidade, é a tal ponto a regra e a lei que quase nada
é mais inconcebível do que como pôde aparecer entre os homens um honesto e puro
impulso à verdade”.

Embora a relação estabelecida entre uma pós-verdade e o FaceApp não esteja ligada a
uma questão de desobediência a preceito ético diretamente praticada pelo aplicativo é
possível entender que a própria existência da ferramenta já torna viável tal
desobediência, uma vez que o usuário é quem fará uso inapropriado de sua imagem para
fins de ludibriar ou fazer-se passar por alguém que não é, causando prejuízos a
terceiros, criando perfis com imagens falsas em redes sociais ou até mesmo realizando
cadastro em sites de relacionamento.

Nesse sentido faz-se necessário apontar a teoria Ator-Rede (TAR) que ressalta em um
de seus aspectos que as ações das coisas na internet afetam as coisas fora dela. Nessa
perspectiva é importante reconhecer o debate em relação a divisão de responsabilidades
sobre o papel ético de cada um dos actantes (seres humanos e aplicativo) no ambiente
de discussão sobre ética digital.

Sendo um artefato técnico o aplicativo por si só poderia trazer toda a carga de


responsabilização sobre possíveis descumprimento de preceitos éticos como o
“racismo” e a falta de clareza sobre o tratamento dos dados dos usuários? Ou todas as
arestas devem ser aparadas pelos responsáveis por seu desenvolvimento? Ou ainda se
estaria sob a inteira responsabilidade dos usuários o destino dos produtos gerados pela
aplicação?

Assim, na análise do FaceApp, no qual se pode observar muitas nuances que vão de
encontro a questões eticamente estabelecidas, no entanto sem arcabouço legal que as
parametrize no mundo digital, é preciso ressaltar que o uso de aplicações polêmicas
como essa deve ser exaustivamente submetido à luz da consciência moral, não
exaurindo nunca o uso das perguntas típicas que norteiam a ética: é bom? É justo? É
correto? E permitido?
REFERÊNICIAS BIBLIOGRÁFICAS:

MAGRANI, Eduardo. Entre dados e robôs: ética e privacidade na era da


hiperconectividade. 2. ed. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2019. E-book.
Disponível em:
http://eduardomagrani.com/wp-content/uploads/2019/07/Entre-dados-e-robo%CC%82s-
Pallotti-13062019.pdf. Acesso em: 24/08/2020.

NIETZSCHE. Friedrich Wilhelm. Sobre Verdade e Mentira no Sentido Extra-Moral.


Tradução Fernando de Moraes Barros. São Paulo: Hedra LTDA, 2007, p 25. E-book.
Disponível em:
https://abdet.com.br/site/wp-content/uploads/2014/11/Sobre-Verdade-e-Mentira-no-Sent
ido-Extra-Moral.pdf. Acesso em: 30/09/2020.

O DILEMA das Redes. Direção: Jeff Orlowski. Produção: Larissa Rhodes. Estados
Unidos: Netflix. Documentary, 2020. TV Streaming.

BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias,


direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Brasília, DF: Presidencia da
República, ano 2014. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em:
02/10/2020.

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