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A Inteligência Artificial veio para revolucionar o modo como vivemos na

atualidade. Essa revolução é tamanha que vemos discussões acaloradas do como


controlar, analisar e como gerenciar essa nova forma de tecnologia. Lemos, assistimos,
observamos a várias referências mundiais de empreendedores, especialistas, autores que
consideram essa nova tecnologia prejudicial a humanidade, em contrapartida, algumas
outras personalidades a consideram benéficas. No entanto, o fato que não podemos
abandonar é que ela está presente em nosso cotidiano, e como podemos fazê-la trabalhar
para nós. Esse é o questionamento que fazemos: Como faremos para melhorar nossa
qualidade de vida com essa tecnologia?!

Um dos fatores que corroboram a uma qualidade de vida muito mais eficaz é a
segurança individual e social de cada indivíduo. O mesmo possui o direito a segurança,
e uma das formas de podermos ampliar a tranquilidade é o reconhecimento facial, o
qual é uma das vertentes da inteligência artificial. Em seu conceito, o reconhecimento
facial é uma maneira de otimizar o cruzamento de feições, linhas de expressões, retina
ocular, assim, sendo capaz de procurar e localizar suspeitos em bases de dados e
identificar vítimas de tráfico de seres humanos ou de exploração sexual, abuso de
menores etc., algo teoricamente fascinante para o tempo que vivemos. Contudo, existem
estudos que apontam falhas no processo do reconhecimento de algumas etnias
específicas, gerando dúvidas sobre a eficácia dos programas. O reconhecimento deve
em sua essência ser assertivo em totalidade, pois o erro pode condenar ou liberar um
indivíduo.

Alguns países têm se preocupado com essa questão e têm tomado abordagens
diferentes, como por exemplo, o Reino Unido, um dos pioneiros no quesito circuito
fechado de TV, utilizando o desde 1953. Considerando esse longo percurso, criou
normas que garantem a privacidade às liberdades de expressão e associação em espaços
públicos, isso em esfera Federal, mesmo não havendo uma regulamentação para o
Reconhecimento Facial, procuram enquadrar na legislação vigente

Outro país que vai totalmente na contramão é os Estados Unidos, que deixa a
cargo dos estados e munícipios a legislação sobre o tema, porém, percebe-se uma
concessão geral na não autorização do uso dessa discutida proteção, sob o argumento de
ser um monitoramento invasivo, onde o titular dos dados não tenha o conhecimento da
coleta de imagens, vídeos e análises e de seu tratamento.
No Brasil houve um avanço, recentemente o Conselho Nacional de Justiça
aprovou a Portaria CNJ nº 209/2021, por unanimidade na 361ª Sessão Ordinária,
realizada no dia 06/12/2022, a qual estabeleceu as diretrizes para a realização do
reconhecimento de pessoas em procedimentos e processos criminais e sua avaliação no
âmbito do Poder Judiciário, o qual buscou tornar a justiça criminal mais eficiente, para
assim reduzir a possibilidade de prisões e condenações injustas de inocentes, garantindo
a penalização aos reais culpados.

No Estado Democrático de Direito, cujo vigora o nosso país, respalda-se da


premissa de que nenhum direito é absoluto, nesse sentido, o uso de tais tecnologias
supracitadas podem ser compatíveis com a proteção de nossos direitos fundamentais,
entretanto, sempre se utilizando de freios e contrapesos, isto é, de forma equilibrada,
para que este “ativismo” da tecnologia não se prepondere de maneira equivocada sobre
direitos constitucionais.

Evidentemente, garantias como a intimidade e privacidade ficam em risco


quando se entra em discussão de tal assunto, isto porque são direitos invioláveis que
estão inerentes a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, elementos
indispensáveis ao funcionamento do reconhecimento facial e afins.

Uma das discussões centrais em países da América Latina e no Brasil e a


maneira como o poder legislativo planeja explorar do recurso, um país como o Brasil,
marcado por um sistema punitivista e que se usa de discursos armamentista, é a
finalidade de “segurança pública”, como ressaltado no artigo Regulação do
Reconhecimento Facial no Setor Público 1, “todos os casos de projetos de lei a nível
estadual, a finalidade da implantação do reconhecimento facial é de identificação, e não
autenticação.”, ou seja, para “prevenção” de crimes ou identificação de pessoas
“suspeitas ou foragidas”, um uso modernizado da teoria do criminoso nato de
Lombroso.

Ademais, outros projetos em criação no legislativo brasileiro preveem o uso de


sistemas de reconhecimento facial em áreas comuns, sem limitação espacial, com

1
FRANCISCO, P. A. P.; HUREL, L. M.; RIELLI, M . M. Regulação do Reconhecimento Facial
no Setor Público: avaliação de experiências internacionais. Instituto Igarapé, 2020.
Disponível em: < https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2020/06/2020-06-09-Regula
%C3%A7%C3%A3o-do-reconhecimento-facial-no-setor-p%C3%BAblico.pdf >. Acesso em:
05/04/2023.
finalidades genéricas de identificação de criminosos e alimentando o discurso midiático
de “segurança para a população”.

O embate central entre segurança versus privacidade é além de complexo, o


inciso LVIII do art. 5º da CF dispõe de uma garantia que notadamente não se vê na
prática, o que busca proibir um possível constrangimento ilegal reflete em uma parcela
da população que já é previamente identificada: pessoas negras, pobres e de bairros
periféricos, as quais migram do antigo álbum de fotografias da polícia às imagens
digitais.

A prevenção, repressão e tratamento das consequências da criminalidade pelo


gerencialismo, que operacional o sistema de justiça criminal através do atuarialismo
com o fim de neutralizar preventivamente indivíduos com perfis de risco é
preponderantemente utilizada nos Estados Unidos desde o final da década de 70.

Através dos recursos tecnológicos os discursos às práticas punitivistas são


alimentados por sua possível eficiência, objetivo principal das políticas criminais
contemporâneas.

A política atuarial baseia-se em números e estatísticas para a partir da pena


atingir objetivos econômicos, a noção de eficiência da política criminal atuarial encontra
em determinadas tecnologias o instrumento ideal para que a execução penal apresente o
máximo de economia, alimentando a ideia da exclusão de determinados grupos de risco
que prejudicam a sociedade, mas quem são essas pessoas? Quais fatores contribuem
para que façam parte desses grupos? Neste contexto da política criminal atuarial,
qualquer discussão com os fatores sociológicos ou políticos desaparecem.

Desse modo, o surgimento dessas tecnologias seja para o uso de identificação,


seja para o uso de autenticação possuem benefícios, quanto malefícios, sendo que seu
uso precisa ser muito bem estudado e aplicado a depender do país, estado ou município
onde pretende-se ser utilizado, caso contrário, somente ocorrerá uma migração de forma
de identificação prejudicial, do “físico” para o “digital”, mas sempre com os mesmos
alvos.

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