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CûLEÇÂO CUETURA E CoNSUMO

ฬเ»
O^Consumo
Nox^s ABORDAGENS AO

CARXTCR SİMBÖLİCO DOS BENS E

DAS ATIVIDADES DE CONSUMO


FdiJF
F
COLE^AO CUITURA E CONSUMO COORDENA^AO: EVERARDO ROCHA

(^Consumo
Grant
McCracken

NOVAS ABORDAGENS AO

CARATER SIMBOLICO DOS BENS E

DAS ATIVIDADES DE CONSUMO

Tradu^ao:
Fernanda Eugenio
CULTURE AND CONSUMPTION:
Neiv Approaches to the Symbolic Character of Consumer Goods and Activities
by Grant McCracken.
Copyright © 1988 by Grant McCracken. Portuguess-language translation rights licensed
from the original English-language publisher, Indiana University Press.

19 Edi^ao no Brasil: 2003


Direitos desta edigao reservados a
MAU AD Editora Ltda.
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CEP: 20031-007 — Rio de Janeiro — RJ
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Projeto Grafico:
Nucleo de Arte/Mauad Editora

Tradu^ao:
Fernanda Eugenio

Revisao Tecnica:
Everardo Rocha

A >nem6ria dos ineus avds.


DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÂO NA PUBLİCAÇÂO (CİP)
Joseph Allan McQuade (1896-
(CÂMARA BRASILEIHA DO LIVRRO, SP, BRASIL) 1983)
e Elsworth Smith McCracken
McCracken, Granl (1889-1973)
Cullura e consumo : novas abordagons ao carrier slmbdlico dos bens e das
aiividadcs de consumo / Granl McCracken : Iradupao Fernanda Eugenio.-
Rio do Janeiro : MAU AD, 2003. •• (Colegao cullura e consumo / coordena^ao
Everardo Rocha) Tllulo original: Culture and consumption.
Bibllogralla.
ISDN B5-7478-108-8
1 .Consumo (Economia) • Hlst6ria 2. Cullura - Hisldria 3. Valores sociais -
Histdria I. Rocha, Everardo. Il.Titulo. III. Tllulo: Novas abordagens ao c;irA(ur
slmbdlico dos bens e das alividades de consumo. IV. S6rie.
03-5164 CDD-339.4701

Indices para catdlogo sIstemAtico:


1. Consumo e cultura: Economia 339.4701
2. Cullura e consumo: Economia 339.4701
SUMARIO

AGRADECIMENTOS — 9
INTRODDCAO — 11

PARTE I - HIS I ORLV — 19


UM. A PRODUQAO DO CONSUMO MODERNO — 21 Dois. "SEMPRE MAIS
QUEIUDO EM NOSSOS PENSAMENTOS”: PATINA E A REI'UESENTA(;AO DE
STATUS ANTES E DEPOIS DO SI-CULO XVIII — 53
TRES. LOIS R.OGET: UMA CONSUMIDORA CUR/UORIAL EM UM MUNDO
MODERNO — 68

PARTE II - TEORIA — 81
QDATRO. VliSTUAlUO COMO LINGUAGEM: UMA IJCAO ODJETIVA NO
ESTUDO DAS PROPRIEDADES EXPRESS1VAS DA CULTURA
MATERIAL — 83 CINCO. MANUF,OTJRA E MOVIMENTO DE SIGNIHCADO
NO MUNDO DOS BENS — 99

PARTE IH - PKATICA — 121


SEIS. BENS DE CONSUMO, CONSTRUQAO DE GGNERO E UMA TEORIA
“TRICKLE-DOWN” REABIUTADA —123
SETE. O PODER EVOCATIVO DAS COISAS: BENS DE CONSUMO E A
PRESERVACAO DE ESPERANQAS E IDEAIS — 135 OITO.
UNIDADES DIDEROT E EFEITO DIDEROT: ASPECTOS CULTURAIS
NEGLIGENC1ADOS DO CONSUMO — 151
NOVE. CONSUMO, MUDANQA E CONTINUIDADE — 164 NOTAS— 173

REFERENCIAS BIBUOGRAFICAS ——182


AGRADECIMENTOS

Quero agradecer î»s seguinles pessoas por suas coniribuiçöes para este livro:
M. Vadasz, L. Michaels, A. Knight, V. Ayoub, N. Lesko, M. Sahlins, A.
Ficnup Riordan, S. McKinnon, J. Curry, M. Verdon, T. e V. Li. K.O.L.
Burridge, R. Pollay, M. Sommers, J. Wardlaw, R. Belk e D. Woolcott. Devo
agradecimentos tamböın ao Killam Trust e ao Conselho de Cienci- as Sociais c
Pesquisa em Humanidades do Canada pelo suporte llıuıncci- ro â pesquisa
apresen lad a aqui.
INTRODU^AO

Esia cole^ao de ensaios lem um unico tcma: a rela^ao enlre cultura c consumo. Por
cultura, enlendo as idSias e atividadcs airaves das quais fabricamos c cons- iruFinos
nosso mundo. Quaiito ao consumo. amplio a defini^ao convcncional para incluir os
processos pelos quais os bens e os servi^os de consumo sao criados. comprados e usados.
Cultura e consumo tern uma rela?ao sem prccedentes no mundo moderno. Nenhuma
outra epoca ou lugar prescnciou a enirada desses clemcnios cm uma rela^ao de
mutualidade de lamanba intensidade. Nunca a rela- i;ao cnire eles foi lao proiundamente
complicada.
As cicncias sociais demoraram a perceber essa relafiio, e demoram ainda mais para
avaliar sua signillca^ao. Em geral, falharam em perceber que o consu- mo e um
lenomeno totalmente cultural. Como os ensaios deste livro procuram demonstrar, o
consumo 6 moldado. dirigido e constrangido em tod os os seus aspectos por
considera^oes culturais. 0 sistema de design c produfao que cria os bens de consumo 6
uma empreitada inteiramente cultural. Os bens de consumo nos quais o consumidor
desperdifa tempo, atetiQao e renda sao carregados de signiilcado cultural. Os
consumidores utilizam esse significado com propdsitos totalmente culturais. Usam o
significado dos bens de consumo para expressar c alegori as c prinefpios culturais,
cultivar ideais, criar e suslentar estilos de vida, construir nofoes de si c criar (e sobreviver
a) mudan^as sociais. O consumo pos- sui um caratcr completamente cultural.
A reciproca 6, obviamente, que nas sociedades desenvolvidas ocidcniais a cultura &
proiundamente ligada ao e dependenle do consumo. Sem os bens de consumo, as
sociedades modern as desenvolvidas perderiam instrumcntos-chave piira a reprodu^So,
representa^ao e manipula^ao de suas culluras. Os mundos do design, do
desenvolvimento do produlo, da publicidade e da moda que criam esses bens sao eles
prOprios importanles autorcs de nosso universo cultural. Eles trabalham conlinuamente
para moldar, transformar e dar vida a esse universo, Sem eles o mundo moderno quase
que certsimente se desmancharia. O significado dos bens de consumo e a cria^ao de
significado levada a efeito pelos processos de consumo sao partes imporiantes da
esirutura^ao de nossa realidade attuil. Sem os bens de consumo, certos alos de defini^ao
do self e de defini^io coletiva seriam impossfveis nessa cultura.
Apes ar de ludo isso, a iddia de que cultura e consumo deveriam ser de lai forma
muluamente dependentes nos surpreende. E, de fato, inteiramente contra- ria a uma
verdade familiar. N6s “sabemos” pela opiniao publica e pelo estudo social cienlffico que
nosso malerialismo 6 uma das coisas mais erradas que hii com nossa sociedade e uma
das causas mais significaLivas de nossas modemas
12 CULTliRA i CONSi 'MO İNTROniJÇÂO 13

dificuldadcs. Essıı ideia familiar e inleiramcnic leinıosa conlribuiu para que nos ir al6m de sua preocupa^ao de longa-data com o “processo de to mad a de decisao” para
manlivcsseınos al’astados da plena percepçâo da significaçâo cullural do consıııııo. O observar o papel de outros proces- sos cognitivos (espccialmente os simb61icos) e o papel
propösito desıes ensaios e conıeçar a superar essa visâo empobrecida. E nıoslrar que bens do afeto. lerceiro, o campo revelou uma nova disposigao em transcender o individualismo
que sâo tâo f'reqiientemenie idenlificados como uma preocııpa- çâo in teliz e deslrutiva de metodologico e o foco microc6smico herdados da area da psicologia e em considerar os
uma sociedadc ınaterialista sâo na verdadc um dos instrumentos principals de sua siste- mas e coutextos cullurais e sociais mais amplos do consumo. Em uma mudain;a
sobrevivcncia, um dos modus atravcs dos quais sua ordem Ğ eri ada e mantida. Cad a um plenamcntc durkheimiaiia, o campo esta desenvolvendo uma perspective! macrocosmica
destes ensaios t'oi eseri to indepcndenıe- mente, mas lodos remetem â nalureza da rclaçâo que leva em conta as caracteristicas supra-individuais do consumo. Quarto, mais
eııtrc cultura e consumo. Todos represenıam o eslorço dc um antropölogo para determinar academicos come^aram a aceitar como legftimos tbpicos para pesquisa elemcfitos que nao
o porque dc sermos tâu prcocupados com ben s ile cuıısumu, assim cumo qual tern imediata relevancia para a comunidadc do marketing, e esta comunidadc comeQOu,
conıribuiçâo esles for- necem A nossa cultura c socicdaclc atuais. por sua vez, a definir a natureza de sua invcstigaijao mah amp 1 amente. Em termos
O livro edividıdoem Lres scçöes. A primcira c histörica ecoııtem ires capıtıı- los. ()s gerais, nesta abertura do campo, o consumo 6 agora menos frequentemente definido como
primeiros ılois capııulos exam i nam as origens da socicdaıle de consume) e iraçam seu uma pequena fatia da rcalidade do indivfduo e mais frequentemente como um conjunto de
desenvolvimenıo, do seculo XVI aos dias de hoje. O lerceiro capıtulo ırala da expcriencia fenomenos diversos. sistemAlicos, abrangentes e plenamente cuiturais.1
de um consumidor moderne cu jo padrâo de consumo tem ciiracıcrısiicas fortcmenLe pre- A iuitropologia tarnbem viu surgir uma serie de desenvolvimentos que lhe permitiu
mı)dernas. A segunda seçâo tem carâler Lcûnco. Re Hele sobre os modelos leöricos empreender o estudo da cultura e do consumo. Em primeiro lugar. cl a come^ou a renovar
disponıveis para a an Alise da relaçâo enire cultura e consumo. Em um dos capııulos, o seus interesses na cultura material, um desenvolvimento es- sencial para o estudo dos bens
modelo dos “bens como linguagem" e recusado e, no seguiııte, 6 consıruıdo um novo de consumo. Em segundo lugar, ela esta comegan- do a se afastar de sua recusa, quase
modelo, aıeıııo ao movimenıo do significado cultural. A lerceira seçSo coıısiste em quairo neur6tica, em contcmplar sua prdpria cullura. Tradicionalmentc ・ a antropologia sempre
capılıuos, cada um dos quais cxamiiia um uso difereııie dos beııs de consumo na cxccuçSo sentiu uma atragao pclo esiranho e pelo marginal. Os antropologos deixaram de lado, com
do ırabalho cullııral e social. Esses capıtulos aııalisam o uso dos bens para expressar novas uma regularidade entorpecedora, oportunidades de esiudiir sua propria cullura, em
noçöes de genero, para proleger i deniş culturais, para manter a consislencia de produtos e especial os aspectos “centrais" dessa cultura. (Significalivamente, isto fez dos romancistas
eslilos de vida e para criar e responder il mudança social. os mais alivos e bem- succdidos etn6grafos da America do Norte de hoje). Em terceiro
Allies de passar em re vista mais detalhadamenıe cada capılulo, deixe-me come ntar lugar. a antropologia desenvolveu teorias da cultura, do significado e do simbolismo
brevemente o embıısamenio academico deste livro. Dııas sâo as discipü- nas quc necessii- rias A compreensao das propriedades culturais e coniunicativas dos bens e do
contribuıram aqui. Uma delas 6 a aııtropologia, o campo no qu:ıl fııı treinado. A segunda comportamento de consumo. Em quarto lugar, ainda mais recentemente os antro- pologos
6 o comporıameıııo <o coıısumidor, area na qual lenho lecio- nado e feiıo pesquisa ııo? come^aram a desenvolver teorias do processo e do contcxto quc lhes permilem capturar o
•.'..L/İYİOS quairo anos. Este livro representa uma cspccie de reabordagem dessas duas carater dinamico do consumo. Em quinto lugar, hd evidencias dc que alguns membros da
perspeetivas inlelecluais lâo dilerentes. Algumas palavras acerca da natureza de tal area estao come?anclo a transcender a suspeita idcolo- gica de que qualquer tratamento
reabordagem parecem-me adequadas. das propriedades cullurais dos bens de consumo c cquivalente a uma participa^ao no
sistema de livre-empresa. Em sexto lugiir, alguns anlropdlogos estSo se preparando para
Aıııropologia e estudo do comporlameııto do consumidor tem sido partici- pantes
desistir de sua pretensao elitisla de que qualquer reflexao acerca da cultura popular
reiutanics n;ı refiexao sobre a rclaçâo eııtrc cultura e consumo. Nenhum dos dois
contemporanea tem de ser uma forma de exerefeio intelectual de baixo nivcl. Por firn, e
evidenciou. ate nıuito recentemcntc. qualquer interesse mı an âl ise dos aspectos culııırais
talvejzojiiais imporiame, clcs comcgaram a superar a nogao peculiar de que o consumo
do consumo ou d;ı imporiância do consumo para a cultura. Felizmente. esta sitııaçâo estâ
podc ser descjirtado como uma combina?ao desagracUvel de auto-indulgencia, ganancia,
comcçando a muılar. Desenvolvimentos dentro de ambas as Areas estâo começaııdo a
futilidade e irracionalidade que nao prccisa ncm merecc um estudo sistemdtico.2
tomar o estudo da cultura e do consumo uma aıividade imaginAvel e praticâvel.
Em sua lentativa de combinar aiitropologia c coinportamento do consumidor, esie
No campo do comportamento do consumidor, tais desenvolvimenıos siio nu-
livro deveria ser lido nniito mais como um “primeiro passo” que como uma “palavra
merosos. Primeiro. os academicos comcçaram a ampliar a definiçâo dc “compor- lanienio
final”. Nitidamente, ele nao € uma inspegao crilcriosa das duas Areas que desemboque em
do consumidor”. Nesta deflni^ao emergenle, esteultrapassa o “compor- lamenio de
diretrizes e pronunci amentos dogmaticos. Ou, para mud LIT du me- lafora, elc nao e um
compra” (ou seja, o que acontece quando o consumidor alcanna a praieleira p«ira escolher
documento da natureza de um relatbrio da Comissao Real on de uma cornunica^ao das
entre a marca “x” ou a marca “y”) para incluir Loda a inicraQao entre o bem e o
Nances Unidas que apresente paries nao-lamiHares ou diffeeis cl mesa de conferencia e
consumidor antes e depois do momento da compra. Segundo, eles comet;aram tambdm a
con tempi a^3o de seus intereSses muluos. Mais exaiamente, este u o irabalho de um
14 CULTURAL CONSUMO INTRODUÇÂO İ5

indivfduo solildrio e muilo frcqucnlumcnie nervoso, que passou os ultimos cinco aiios caractenslicas inteiramenle prö-modemas. Este tratamento de Lois Rogei nos dâ a
conLrabandeando conceitos e dados para tr^s e para frente atravds de uma bem guardada oportunidade de reconstruir em fntimo detalhe etnogrâfico certos aspec- tos do consumo
fronteira, lamentando ver com o que cada campo se assemelhava no contexto do ouLro. como uma “rcalidade viva” antes do seculo XVIII. Em cerlo sentido, esle capftulo
Este-Lraliunento e, portaii- to, parcial, experimental e lentativo. E mais uma demonstra^ao pretende fazer para o consumo prĞ-iııdustrial o que The world we have lost (1971) de
de possibilidades quo de verdades certeiras. P rsiende conie^ar a reabordagem, mas nao Peter Lasletl faz para a vida familiar pr6-industrial. 0 capitulo pretende sugerir algumas
esgola-la. conexocs entre cultura e consumo anteriores ao alvorecer da modernidadc.
Deixc-nos olhiu agora para cadaum dos capitulos em particular 0 pnmciro capi- tulo O quarto capitulo, “Vcsluârio como linguagem", examina um dos modos pe- los quais
invesiiga como a sociedade ocidental entendeu sua apressada e nova experimen- tafao do nös tradjcionalmente viemos a pensar as propriedades simbölicas de nossos bens de
consumo. “A produfao do consumo modern□” recone a explosao de aiivi- dade academica consumo. Tratamentos tanto academicos quanio popu lares nos encora- jiiram a pensar
que se seguiu ao aparecimento do trabalho de Braudel nos anos 60. Tamb6m recorre <L nessas coisas como uma forma de “linguagem". Islo 6 ceriamentc um desafio âs antigas
pesquisa do pr6prio autor acerca da Inglaterra elizabetaiia. O capi- tulo considera ires ideias pelas quais nös considcramos (geralmcnte para conde- nar) os bens de consumo.
episddios nesta produ^So do consumo modemo. Estes tomam lugiir nos s6culos XVI, Mas 6, nâo obstante, ainda insalisfatörio. Este capftulo reticle sobre as tentalivas de
XVIII e XIX, e cada um revcla um novo esiagio e um novo con junto de formas na sugerir que o bem de consumo vestuıirio e uma “linguagem”. Argumenta que o vestuârio e
criaQao de nossa modem a sociedade de consumo. Este estudo nos permite vislumbrar o de fato muito di verso da linguagem e que, na verdade, ele comunica significado cultural
extraordinirio processo a(rav6s do qual comc^amos gradu- almenie a reconhecer e rnelhor quando parte do prin- cıpio sintagmalico sobre o qual opera a linguagem.
explorar as propriedades simb61icas significativas dos bens de consumo e a lorn^-las a O capitulo cinco, “Manufalura e movimento de significado no mundo dos bens”, foi
arma?ao esiruiural de nossa implausivel vida social. cscrito para sugerir uma abordagem diferente â significaçâo cullural dos bens de consumo.
O segundo capftulo, “Sempre mais querido cm nossos pensamentos”, restrin- ge nossa Recorre aos campos da antropologla, sociologia, psicolo- gia, comportamento do
aten^ao a uma institui^ao cultural em particular denlro do amplo ambito das sociedades consumidor, estudos americanos e cultura material para criar um esquema teörico do
ocideniais. Examinamos aqui o papel da “patina” como um meca- nismo simb61ico. Antes significado cultural incrcnte aos bens de consumo. 0 esquema 6 formulado para mostrar
do s6culo XVIII, os ricos eram especialmente aficionados por patina. A fin a camada que como esse significado 6 inserido nos e extrafdo dos bens. A enfase aqui nâo 6 no que as
se acumulava na superficie de suas posses, como resultado da oxidajiio e do uso, era uma pessöas “dizem” com o signifi- catlo dos bens, mas no que clas “fazem" com ele. Este
prova de sua reivindica^ao de longa-data ao allo status. Era uma prova de que clcs cram capitulo pretende mostrar como usamos o significado nos bens para construir conceitos do
“amigos” nobres, c nao novos ricos. Nesie semido, as classes dominames usavam a patina selfc do mundo. O tema orgaııizador deste capftulo 6 o “movimento”. 0 significado dos
de seus bens como uma salvaguarda de seu status ・ um mcio de distinguir os aristocrats hens estâ em consıanıe trâıısito, continuamcnte movendo-se de um lugar para outro no
dos emergen tes e embusteiros. No sdculo XVIII, contudo, o advento do si sterna de moda mundo cultural. Q capftulo moslra como o significado começa no mundo cultural- men te
ajudou a eclipsar a pAtina, e daf em diaiite sua estrat6gia de status tornou-se preocupa^ao constituido e o processo pelo qual ele 6 daf desatrelado e transferido para o bem de
exclusiva apenas de um grupo muito pequeno e muito particular da sociedade. Este consumo por designers de produto, publicitârios, profissionais de marketing5 e jornalistas.
capftulo d uma tentativa de coniar a hist6ria da pAtina do s6culo XVI atd os dias Em seguida, moslra como nös consumidores extraimos este sign ilica- do dos bens para
modernos. No processo, leremos ocasiao de discuiir leorias de status e simbolismo de nossos pröprios propösitos na constnıçâo de nossos pröprios mundos. Quiitro rituais
Goffman. Veblen e Pierce. diferenıes sâo considerados aqui, cada um dos quais 6 im- portante para o processo de
O lercciro capftulo e intitulado “Lois Rogei: Uma consumidora curatorial em um obtençâo de significado a partir dos bens. Em suma, este capftulo examina como
mundo moderno” e relata a experiencia de um indivfduo.moderno cujo con- siimo tem transformamos o consumo em uma fonte de signilkn- do cultural e usamos isso na
construçâo de mundos individuais e coletivos.
A lerceira e illLima se0o do livro busca observar mais atenianienie alguns dos ()capfiulo 6, “Bens de consunw. consirutiio de genero e uma teoria ‘trickle- down'
objciivos culiurais do'coiisijmj. O capfiulo 6 rcllete sobre como os bens c o reabilitada”, aplica novas teorias do simbolismo a uni a teoria da difusiio muito an tig a e
comporlamenlo de consunio sao usados para acomodar e criar novas iio^oes de genero. 0 vuneravcl. A icorin “trickle-down” da difusiio lol por niuiiii leinpn o mais compulsdrio
capfiulo 7 examinaseu uso napreserva^ao de alguns dos nossos ideais. O capfiulo 8 modelo para descrevcr como os liibiios de vestirde urn gru- po podem influenciar os
consitlera seu papel dual u ; i preserva^ao de estilos de vida e em sua reformulacao. habitos de vestir de outro. Nos ullimos vinie anos esse modelo foi posto de kido em
Ocapfiulo 9 examina conio usamos as propricdades significativas dos bens de consunio beneffcio de outros, novos e frageis. O objelivo deste capfiulo 6 reabilitar a teoria “trickle-
como uni instrumento de continuidadc c mudanpi. down”, casando-;i com novas teorias do simbolismo.
14 CULTURAL CONSUMO INTRODUÇÂO İ5

()caso einograllco em exame aqui siio as inova?oes de vesiuario entre borne ns e c siio certamcnte um dos mais podcrosos mecanismos de mudaiiQii em nossa sociedade.
mulhercs profissionais e. em especial, o visual.“vestido para o sucesso”. Vemos aqui urn O c6digo-objeto dos bens permite aos individuos tomar os sig- nificados culiurais
caso classico no qual os bens de consumo sao usados para criar c responder a uma existentes e transpo-los cm novas conligurafoes. Eles sao uma especie de linguagem da
mudan^ii fuiidamemal na definifao de genero. 0 que este capf- iulo mostra d como as inven^ao atravfis da qual grupos radicals podem pensar sobre, re fin ar e. em ultima
mulheres usaram o signilicado de certos bens para cri;ir novas imagens de si pr6pri;is. aniUise. proclam ar suas ideologias. Os bens sao, por- tanto, inslrumentos de inovaciio e
0 setimo capfiulo, “0 podcr evocativo dos bens”, e formulado para mosirar como conserva^iio e em ambas essas capacidades se prestam a nos em nossa moderna busca por
usamos os bens para man ter vivos alguns de nossos ideais e esperan^as. Come^a com ordem em um muiido desordenado. Cultiira e Consunio e uma investiga^ao sistemalica
uma sugcsiao de que as sociedades deliberadnmcnic tomam seus ideais e os resgatam das propricdades culiu- rais e simbolicas dos bens de consumo. Os primeiros Lres
“deslocando-os" a outro lempo e espa?o. Assim. a cidade monlanhosa que experimeniou capfLulos mostram como nos tornamos uma sociedade de consumo. Os dois capitulos
urn allo indice de discordancia domesiica (e possivelmente comeijou a se pergunlar se seguimes sugerem como podemos pensar sobre as propriedades culturais dos bens de
suas aluais delinifoes de “famili;)” e de “genero” eram mal concebidas) pode proleger.seus consunw para melhor enlender suits propricdades simb61icas. Os qualro capitulos finais
presentes ideais de vida familiar argumentando que eles cxisiiam com perfeita clarczu c consi- deram diferentes usos que fazemos do significado dos bens. O objetivo maior
lranc[iiilid;ii.lc “no lempo de nossos av6s”. Agora o ideal asui deslocado, o que e desses capfiulos 6 ajudiir a demonstrar a conlribuifao extraordinaria que o signi- ticado
“provado" por sua “exislencia” em OULTOS espa^o e tempo culiurais. Mas uma vez que nos processos de consumo fornece il estrutura e ao processo da sociedade contemporanea.
algt> foi deslocado, como pode ser recupcrado c reavivado aqui c agora? Os bens de
consumo siio uma das resposias aqui. Eles servem como ponies para o signill- cado
deslocado sem comprometer scu status deslocado. A leoria cxplica por que desejamos lao
frequenlemente objetos alem du nosso nlcaiicc e por que supomos que oblcriamos com
esses objetos uma nova felicidadc. Os bens de consumo hamuilo promeieram arealizafilo
de ideais pessoaisecolciivos (somenic proporcionando-os rarameme). () capitulo 7 lenia
mosirar como isso aconicce. 0 capftiilo S. “Unidades Diderot e o efeito Diderot”, come^t
com uma olhadela de rektnee do grande fildsofo Irances Denis Diderot em seu estudo,
lamentando deixaj- para trAs sua antiga lorma?ao. E sobre as consistencias culturais que
deli- mitam um conjunio de bens de consumo a um agrupamento caractertstico (ex: BMW,
Burberry e Borgonha para os yuppies') c como esses complementos pro- duiivos sao
preservados e algumas vezes transformados pelo efeito Diderot. Este capitulo consider;! as
implicagoes das unidades Diderot e do efeito Diderot para as teorias do estilo de vida. da
publicidade e da demanda do consumidor.
0 objetivo do ultimacapfiulo do livro, "Consumo, mudan^a e coiilinuiiiade". e mosirar
como os bens de consumo nos servem ao raesmo lempo como instru- mentos de
continuidadc e como instrtimenios de mudanfa. O significado deposi- tado nos bens de
consumo e um dos mcios atraves dos quais damos consistencia a nossas vidas face il
esmagadora mudanfa a que estao sujeitas. Os bens ajudam lies la capacidade de
manuten^ao. ao criar um amplo c indciectavel registro de categorias culiurais exisicnciais
c principios culiurais. Rodcados por esses bens, somos encorajados a imaginar quo essas
categorias e principios sao como que inerentes a pr6pri;t natureza das coisas. Novas
deiinigoes de genero nesta socie- dade siio tao dificilmente estabelecidas em parte porque
distin^oes sexistas entre ho mens e mulheres s3o inveslidas em objetos fisicos presenles
em nossa existen- cia colidiana. 0 significiido cultural deposilado nos bens tambcm os
ajuda a dc- snrmar iiiovagoes culiurais. 0 que Sahlins chama de "codigo-objeto” incorpora
inova^Oes lais como os prinefpios e a eslelica “hippie” e os transforma em parte
inofensiva do ina'insireain. Mas os bens tern tambem uma genuina capacidade inovadora,
Parte I

HISTÖRIA
UM

A produçâo do consumo moderno

Um entendiınenlo da moderna relaçâo enire cultura e consunıo demaııda uma aprcciaçüo A comunidade historica, seguindo o precedente de Braudel e o exemplo de McKendrick.
do contexio histörico no qual la) relaçilo foi lahricada. O propösilo desıes capitulos reconheceu que a "grande transformafiio” do Ocidente incluiu niio apenas uma
ihiciais do livro c oferecer tres ıralameııius ınuilo dilcrcntcs deste conlexto. No capı'lulo “revoluflo industrial” mas tambem uma "revolufao do consumo". Esta comunidade
1,tento iniegrar o grande nıımero de livros academicos e de arıigos em uma iinica visâo urgumenla, agora, que tai revoiufiio do consumo represenla ii So somente uma mudan^a
geral da hisıöria do consunıo. Acresceniei a esia visâo geral mcu pröprio entendimcnto d nos gostos, preferencias e hAbitos de compra, co mo uma altera^ao fundamental na
as mudanças no consunıo que lomııranı lugar ııa lııglalcrra clizabetana. No segundo cuhura do mundo da primeira modernidade e da modcrnidadc. A-revolu^ao do consumo
capıtulo, restringimos ııossa ııtençâo a um momenıo parıiculıır na hisıöria do consumo, a 6 encarada agora como tendo modi fie ado os conccitos ocidcntais de tempo, cspago,
iransformaçâo do sislema “pâLina" de consumo. No terceiro capıtulo, descemos ainda sociedadc, individuo, fam ilia e estado. Esie capitulo busca csiabelccer uma visao geral
ınais profundamente fıs particularidades de uma vida individual e ao ıratamenlo unica da literatura disponivel, a firn de considerar como a cullura ocidental tomou-se
elnogrâfico do siste- ma “curatorial’’ de consumo. Juntos, esses ires capîlulos fornecem cada vez mais dependente dos e integrada aos novos bens c prilicas de consumo que
uma base his- törica para os capfııılos sobre a cultura e o consıımo modernos qııe apareceram do siculo XVI em diame. Buses, tambem, explicitar as circunstancias
coııstiıuem o rcstaııte do livro. . histdricas nas quais a cullura e o consumo comegaram a compor sua atual rela?ao de
mutualidade profun- damentc complexa.
0 consumo moderno e, acima de Ludo, um artefato histdrico. 4 Suas caracte- nsticas
attiais sao o resultado de vArios stSculos de profunda mudan^a social, economica c
cultural no Ocidente. Hit controv6rsias quaiito ao que exatamente tais mudan^as silo e a
precisamente como elas deram lugar aos dias de hoje. Mas o que niio pode ser posio em
duvida e que uma investiga^ao das origens e do descnvolvimenio do consumo modenio
encontra-se agora bem a caminho. e que lal tarcla ocupa atualincntc um crescente
segmento da comunidade oicntffica historica c social.
A primeira aparigao do consumo em sua forma moderna foi dramalica. J5 disseram
os elizabetanos que pensaram Ler dclectado algo que “cheirava a a!6m- mar”. Pouco
depois, observadorcs se referiram a isso como uma “epidemia” ou um “aio de loucura”.
Observadorcs modernos usaram uma linguagem dramatica equivalenie, referindo-se ao
consumo como uma “orgia do gasto" (McKendrick ct al. 1982:10) ou como a criaf ao de
um “mundo de sonho” (Williams 1982:66). O consumo moderno foi a causa e a
conseqiiencia de taiitas mudan?as sociais que sua cmergencia marcoti nada menos que a
transformagao do mundo ocidental. Como sugeriu um bistoriador, o aparecimento da
“revolu?ao do consumo” rivali- za apenas com a revoluQao neolftica no que toca &
profundidade com que ambas mudaram a sociedade (McKendrick et al. 1982: 9).
22 CULTURA i CON SI; MO A PRODU^AO DO CONSUMO MODERNO 23

A revolufao do consumo 6 uma pe?a em uma mudan^a social maior a qual foi se baseia este cnsaio.5 Sua caracterfstica mais notfivel 6, talvez, o tom. Nao ha nada
devolada uma grande porfao da pesquisa feila pcla Hist6ria e pel as Ciencias Socials. cauteloso ou experimental nesle estudo. Enquanto alguns historiadores escrevem em uma
Durkheim, Weber, Marx, Simmel, Sombarl e Tonnies - todos eles se referiram ao que escala liliputiana, raramente extraviaiido-se para alem dos, por exemplo, arbiLrios e
Polanyi (1957) chamou de “a grande transfornia^ao”. Nao e exagerado dizer, em verdade, docimientos oficiais de uma unica cidadeda terceira d6cada do s6culo XV, McKendrick e
que o estudo desta transformafao 6 responsiivel, em alguma medidu. pela funda^ao e pelo seus colegas partem para a tomada de uma “grande ques- tao” c apresentam
desenvolvimento das Ciencias Sociais. 0 que 6 surpreendente no que se refere a esta seus ;irgumentos sem qualifica0es reccosas ou reticencias. 0 livro tambem tern uma ligeira
inclina?ao acadenica, coniudo, e que ela dedicou muito pouco de sua aten^ao ao inclina^ao “liberal-conservadora”6, i medida que consir6i opassado como um preludio para
desenvolvimento do consumo. Como sublinhou McKendrick, o que preocupou os o presenle.7 Esta 6 tao mais “historia em beneficio do presente” a medida que 6 “histtSria
estudantes da grande transfor- ma^ao foi a aiialise das rcvolu^Ocs legal, economica, em beneffcio do passado". Alem disso, o livro tern a grande vantagem de ter sido escrito
industrial, entre outras. Apenas recentemcnte os academicos, dernre os quais McKendrick na prosa desembara^ada pela qual os hisioriadores sao merecidamcnte famosos. Sua
sc inclui como talvez o mais conspfcuo e notivel, come^aram a prestar aten^ao ao papel exposicao das comple- xidades do sdculo XVIIT c elegantemente clara. Estas tres
das mudan^as no consumo na transformafSo do Ocidente. qualidades- a direiividade, a relevancia e a clareza - fazem de The Birth of A Consumer
0 trabalho destc novo grupo de academicos c diversilicado. Nao ba consenso nem Society uma pe?a da historiogralla de pertinencia e valor incomuns. E, iranqiiilamcnte, a
mesmo quanto aos lermos mitis fundamentais da revolu^ao do consumo. McKendrick contribui^ao mais forte ao estado atual da drea.
(1982), por exemplo, reivinuica a descoberia do nascimenio da re- volu?ao do consumo na Os termos niais gcrais do projeto de McKendrick sao simples. Ele busca dar conta de
In^dierra do seculo XVIII, enquanto Williams (1982) a localiza na Franca do sdculo XIX e um aspecto ncgligenciado da transforma?ao social que tomou lugar na Inglaterra do seculo
Mukerji (1983) na Inglaterra dos seculos XV e XVI. Esta diversidade de perspecliva c de XVIII. Insiste, neste senlido, que a abordagem tradicional de tai iransfonna^ilo nos fornece
abordagem eutil; permile- nos per- ceber os aspectos dfspares da revolucao do consumo de apenas um quadro pela metade. Argumenta que demos demasiada enfase a revolu?ao
vSrios pontos de vista. E o prop6sito deste capi'tulo revisar tais pontos de vista e mostrar industrial, em deirimento de outros desenvolvi- mentos igualmente importantes. Foi
como eles podem ser organizados e inter-relaciotiados na cria^iio de uma perspcctiva gcral ignorada a revolu^ao do consumo, compa- »heira necessdria da revolu^ao industrial. Uma
das ori- gens c do desenvolvimento do consumo moderno. mudan^a nos meios e fins produti- vos. diz ele, niio pode ter ocorrido sem uma mudan?a
A primeira parte do capilulo revisarA as principals conlribuifoes para o estudo das comcnsurdvel nos gostos e preferencias dos consumidorcs. Nao obstante, os academicos
origens e do desenvolvimenio do consumo moderno. A segunda parte exammarS tres da Hist6riaenfatizaram, nesta transforma^ao, o lado da “oferta”, ignorando o lado da
momentos na histdriado consumo, agrupando um conjunto diver- so de materiais “demanda”. 0 objeti- vo de The Birth ofA Consumer Society 6, portanto, documentar o
hisldricos para criar ires “retratos instanlaneos”do mundo ocidcn- lal con forme ele se desenvolvimento do aspecto dademanda na revolu?So industrial, al6m de iluminar como
moveu do sdculo XVI aos di as atuais. Isto abrangeri diversos t6picos, incluindo novas essa trans- forma^ao de gostos e preferencias conlribuiu para a grande transforma?ao.
categorias de bens; novos tempos, lugares e padroes de compra; novas tficnicas de Um dos cvenlos iniciais desta rcvolu?ao foi o entusiasmo selvagem com o gual(i
marketing; novas idfiias sobre posse e materialismo; altera^oes nos grupos de referenda, consumidor ingles acolheu a chita barata e as mussclinas importadas da India nos anos de
nos estilos de vida, na mobilidade de cktssc, nos padroes de difusao, no simbolismo dos 1690. A subita demands por esta moda foi uma primeira indi- eatiio dos novos gostos de
produtos e nos padrCes de tomada de decisilo. Nossa preocupafao, do prinefpio ao tlm. consumo, mecanismos que iriam dirigir a produ^ao domestica c as importa?oes
ser;i a transformiiQau da cultura que tomou lugar na revolu^ao do consumo. esLrangeiras rumo a uma nova escala de atividade. McKendrick, to man do isso como uma
E preciso enfadzar que este capftulo nao pretende conciliar esses aspectos dfspares da sugestao indireta, examina a “comercializapao da moda” como uma das iireas-chcfe nas
revolufao do consumo em um modo abrangente de qualquer tipo. Tampouco tern quais a demanda do consumidor mudou e foi mudada pel as inova^oes do s6culo XV111.
pretensao de f’ornecer um iratamento histdrico que salisla^a aos sofisticados criterios de Tais inova- Qoes inclucm uma nova e intensificada tirania da moda, uma mais rSpida
evidencia e .irgumento estabelecidos pelos hisioriadores. Se este capftulo se engaja em obsolescencia do estilo, uni.-Jif'usao mis veloz do conhecimenco dos padroes de mod a. o
especulagoes das quais muit’os hisioriadores fastidiosa- menie se abstem, ele o faz porque aparccimento de lecnicas de marketing como a mancquim c os estcreoii- pos de beleza, a
mesmo a especula^ao 6 preferfvcl a conlusao que aiualmenle ronda esta questiio nova e mais ativa participa^ilo de gnipos sociais antcriormente exclufdos e, finalmente,
academica de vital importancia. novas id6ias sobre o consumo e sua conlribui^iio para o bem publico. 0 aul or se voila,
O ESTADO DE UMA ARTE NASCENTE: TRES PIONEIROS entao, para o estudo da comerci al iza?ao da cera- mica e do gen io cmpresarial de Josiali
Wedgwood, que ao mesmo tempo sc se- guiu e levou ao boom de consumo do perfodo.
The Birth of A Consumer Society: The Commercialization ofEighteenth-Century Particularmente interessante aqui d considerar a dcsenvoltura e a babilidade com que
England 6 o mais meticuloso, bem fimdamentado e impressionante dos irabalhos em que Wedgwood manipulava os gostos dos “formadores de opiniao" deste periodo,
2-1 CULTURA & CONS UM 0 A PRORUf-'O OO CONSUMO MODERNO 25

a ;iristocracia. Final meme. McKcndrick examijiaahist6riadacomercializacaoda motlado desta moda no s6culo XVIII nos informa que a novidade tornou-se uma “droga
sectiloXVIII c a contribui^ao de George Pack wood, que tanto I'cz para desenvolver cs irresistfvel" (182:10), ele nos abandona ao questionamento de exatamente como ocorreu
nnuncios publicit^rios em jornais no periodo. esta mudan^a fundamental na “mcntalidade”. Analogamentc, quando ele nos conta que a
A contribuifao de McKendrick para esta questiio e tao imporlante e notSvel que nova mania do gas to era em grande medida pautada pci a competi?ao e pela emula^iio
crfticas soariam grosseiras. Temos com ele urn debi to de gratidiio, e niio uma discordincia (1982:11), ele deixa ao leilor a tarefa de descobrir se os consumidores estavam
queixosa. Devc-se observar, ainda assim, que o trabalho de McKendrick tern serias falhas escravizados a uma imitagao daqueles que consideravam melhores que eles ou se estavam
em dois aspectos. Primciramcnte. quanto a urn fato histdrico. parece que McKendrick desa- fiando-os, se estavam competindo com seus pares cm lima guerra de status ou
interpretou mal os registros empfricos. Ele argumenta que a moda nilo governou o menmiente interpondo uma distancia social entresi mesmos e seus pr6prios imi- tadores
vestuiirio na Inglaterra elizabelana com a rapidez que ela assumiria no s6culo XVIII. Nao inferiores.’ Essas diferengas importantes sao decisivas para nosso enten- dimento do
hA evidencia, diz ele, de moda anual nesta metade do s6culo XVI (1982:40). Isto 6 um contexto social da revolugao do consumo.
equivoco. Fontes tanto primArias quanto secundiirias deixam claro que a moda anual Em um balan^o gcral, todavia, o trabalho de McKendrick faz uma contribui- ^ao
estava muito viva na Inglaterra elizabetana (.cf. Fairholi 1885; Lintliicom 1936; Norris impcrtanle para nossa compreensao das origens hist6ricas e do desenvolvi- mento do
1938).s consumo atual. Sua abordagem da comercializa?ao da moda, das cerJi- micas e do ato de
Isto parece um erro pequeno, mas <5, na verdade, considerivel, uma vez que o estudo fazer a barba, al6m tlo trabalho adicional de Brewer e Plumb sobre a comcrcializa^ao da
de McKendrick baseia-se em dois pressupostos: primeiro, que a rcvolu- <;a()do consumo polilica e da sociedadc, respcctivamente, constiluem umaeontribuifiio significante a esta
foi uma quebra subita. uma rcvolti^iio gentuna, c, segundo. que esta revolti<;ao tomou questao e, mais imporiaiile, eleva este topico a uma nova posi^ao de proeminencia
lugar no sficulo XV111. Alem disso, sua evidencia, como ele admite de bom grado academica e legilimidade.
(1982:12), vem principalmente de uma ealegoria de produto. o vcsttulrio. Para tazer avan? Dream Worlds: Mass Consumption in Late Nineteenth-Century France, de Rosalind
ar seu raciocinio, ele precisa argumeniitr com sucesso, entao, niio apenas que o vcstu;iri(i H. Williams, e oulra conlribui^iio a este eresccnte campo de estudo histdrico. Este livro
tomou-se de repentc escravo de uma moda altamente inovadora, mas que isto ocorreu no tamb6m e mareanle por seu tom, que e, senao oulra cuisa, ainda mais Iraneo e direto que o
s6culo XVIII. Parece que ambas ess as alega^oes sao nao apenas infundadas mas um de McKendrick. O trabalho de Williams e aiiitia mais “Iibcral-conservador” 10, A medida
desvio surpreen- dente dos fatos JA bcm-estabelecidos referentes ao assunto. que 6 descaradamente dedicado <i desco- berta do prescute no passado. Finalmente, 6
A segunda premissa a questionar tern a ver com a abordagem analilica de escrito de modo habil e claro. 0 que distingue este livro do de McKendrick, no que se
McKendrick. A Gm de invesligar o “boom de consumo” do seculo XVIII, ele adotaduas refere ao tom, 6 o cardter moral da hisidria de Williams. A “graiide questao” a qual este
id6ias dasCiencias Sociais: a noijao de eonsumo conspicuodesenvol- vida por Veblen livro se dedica nao se resume apenas a um eniendimenLo mais claro da natureza do
(1912) e a no?ao “trickle-down” refinada por Sinmiel (1904). Examinado luz destas idiias, consumo nos dias modernos. Ele lambfim condena profundamentc a comercializagao da
o boom de consumo do sdculo XVI11 irnnslorma- se cm uma guerra de competifao por sociedade modem a e os cxcessos e ilusQcs do “mundo de sonho do consumo”.
status na quai os bens funcionam principalmente como marcadores de status e como meias
para reivindicar status. Esta 6, certamente, uma caracteriza^ao legftima de um dos modos
como os bens eram usados no perfodo e de por que eles experimentaram tamanha
popularidade. E altamente duvidoso, contudo, se esta explica^ao sociolbgica 6 ou nao
capaz de esgotar o tema. Mas eprecisamente com este intuito que McKendrick tenia fazer
uso de tais id6ias. Ele niio leva em considera^ao nenhuma explica^ao adicional on que
possa competir com a que adota. Ele nao submete tais conceitos a nenhum cscrutinio
cuidadoso. Simmel e Veblen sao postos a servi?o desse argumento. arremessados no solo
nao-familiar do seculo XVIII sem qualquer ajuda do aulor ou de outros seguidores
cientistas sociais.
A adesao acrflica de McKendrick Jis iddias de Simmel e Veblen permite-lhe evitar
tratar de algumas das questoes levantadas por sua pesquisa. Por exemplo: se uma nova
predilcijao pela novidade estava na base da aceitafiio da moda, de onde vinha esta inclina?
ao? Como nota McKendrick (seguindo Braudel 1973), a mudan^a na moda nuo 6 de jeito
nenhum universal (1982:36). Quaiido o estudo de McKendrick sobre a nova intensidade
26 CULTURA & CONSUMO A RRODU^AO DO CONSUMO MODERNO 27

Aqueles que simpatizam com este que 6 agora um ponto de vista familiar a respeito burgueses que desa- brochavam. A autora, entao, transferc sua atencao para a “sociedade
da sociedadc de consumo vao admirar a habilidade e a inieligencia com que ele 6 de sonho do consumo de massa”, tai como esta foi constnnda pelas exposi^oes mundiais e
desenvolvido aqui. Mas mesmo tais simpatizantes da visiio moral que in forma este livro pelas lojas de departamento da Paris do final do s6culo XIX. Williams completa a primeira
devem concordar que el a compromeie Williams de modo irrccuperavel com certas parte de seu livro com um estudo de quatro estilos de vida que emergiram deste mundo de
dificuldades relativamente graves em scu Lralamcnto da Fraii^a do s6culo XIX. HA, por sonho: o burgues, o de massa, o elitista c o democrAtico.
cxemplo, um inequfvoco “presentismo” aqui, Pri- meiro, vemos a Fraiipa de sdculo XIX Uma das virtudes particulares do lrabalho de Williams 6 sua visao abrangenie da
somente como uma antecipa?ao dos dias atuais e nunca como uma conjuntura de rcvolu^ao do consumo e o uso que faz de um rico arsenal de conceitos das Ciencias
possibilidadcs que poderiam ter conduzido a ouiro lugar. Segundo, vemos a Fraii^a c sen Sociais. Ela observa, como o faz McKendrick, as implicates da revo- luijao do consumo
consumismo nascente somente nos lermos mais pessimistas e reprovadores. Por mais que para a compeli^So por status (1982:54). Mas, para alem deste fenomeno sociol6gico
alguem admire essa cscola de propdsitos moralistas. 6 preciso concordar que uma relativamente prosaico, ela tamb6m pcrccbe os modos mais nolAveis pelos quais os novos
compreensao genuina das origens e do desenvolvimento do consumo moderno 6 inibida bens c hiibitos de consumo ingressam na fabrica- ^ao da sociedade ocidenliil como agentes
por uma lai perspec- tiva. Uma hist6ria quedrecitagao de i6picos modern os de cren^a nos decisivos de mudan<;aede socialidade. Ela nota, por exemplo, que nas maos de Louis XIV
in forma mm- to mais sobre o presente que sobre o passado (cl: McKendrick el al. o consumo tornou-se um insirumentopolitico, um “metodo de regulamento” (1982:28).
1982:30). Este ponto 6 vital- mente import ante para a histdria do consumo e eu relomarei a ele
O Lrabalho de Williams e dividido em duas paries. A primeira pretende mos- trar as abaixo. Williams tambem utiliza a nofao de Elias (1978) de processo civilizador para
origens c os desdobramenlos da “rcvolu(;ao do consumo” e a segunda delineia o sugerir a possibilidade de que novos habitos e uma nova cscala de consumo estavam sendo
desenvolvimento de um "pensamento crftico’’ sobre csta revolu^o, Para Williams, as dirigidos pel a mudan?a social massiva sobre a qual Elias escreveu. Esta tambem e uma
origens da rcvolupSo do consumo localizam-se na Franca do final do scculo XIX. Os iddia intrigante, mas e preciso no tar que aparece aqui como uma assergilo e nao como um
esfor^os pioneiros dos Franceses i,o com6rcio varejista c na publicidade transformaram argumento ou uma demonslia^ao. A16m disso, Williams sublinha como a burguesia
Paris em uma esp6cie de “piano piloto do consumo de massa" (1982:11). Williams sugere imitou a aristocracia mesmo i medida que adotava novas estra- t6gias de consumo, tais
que as exposi?oes de Paris de 1889 e 1900 foram os primeiros meios planejados de como uma economia privada para permitir exibi^oes pu- blicas (1982:35). A cmergencia
consumo de massa, e que ileram conlribuifoes decisivas ao desenvolvimento da loja de de novas estrat6gias simbdlicas e evidente em tod a parte na rcvolu?iio do consumo e
departamento e das feiras de neg6cios (1982:12). Na segunda parte do livro, Williams necessita mais aten^ao exatamenic deste lipo. Finalmente, Williams observa a
revisa os criiicos e os cientistas soefais da Fran?a que buscaram chegar a um acordo sobre infiuenciarccfproca de diferenics estilos de vida, um assunto motivador para aqueles que
a revolu- ?3o do consumo que estava iransformando sua sociedade. Os InLclcctuais se interessam por estilos de vida, grupos de referencia e difusao. Estes quatro pontos sao
Franceses provaram ter tan la capacidade inovadora quanlo linham lolcgo coinercial. justamente o tipo de in- vestiga^ao que 6 liio marcadamenle ausente no estudo de
Enquanto comcrcianles e empresirios criavam a revolufao comerci al, pensailo- res McKendrick da Ingla- terra do sSculo XVIII. Sao, portanlo, oporlunidadcs cm potencial
franceses cstavam luiando para formular uma leoria social capaz de compre- ender as para insights reais a respeiio das origens da revolupao do consumo.
mudanfas sociais e economicas massivas que a revolu?ao trouxe. Williams dedica a As fraquezas do trabalho de Williams diminuem um pouco de seus feitos. J ; i foi
segunda parte do livro a um estudo do desenvolvimento deste pensamento e da cria^ao, mencionado que o uso que a autora faz do argumento de Elias e uma especie de Lruquc
por parte dele, de uma “sociologia do consumo”." acadcmico. Williams simplesmente ailrma que medida que o ‘ pro- cesso civilizador”
Williams come^a seu lrabalho com um estudo do “fechado mundo do consumo coloca novos consirangimentos ao comportamenio social, novos bens de consumo
cortes”, no qual examina o consumo da aristocracia francesa do seculo XVII. Ela chama aparecem (1982:24). Uma rela^ao de tai complexidade demanda mais que uma simples
csta elasse nobrede “as primeiras pessoas na sociedade moderna a ter expe- ricncia com o assergilo. Williams comete, tambdm, um erro fundamental cm seus particulares hisl6ricos
consumo caprichoso e arbitrario" (1982:57) e sublinha cm particular sua rela(;ao com quando sugere que uma das primeiras compras do nobre foi “tempo de lazer" (1982:34).
Louis XIV, o “rei consumidor”. Ela sugere que Louis buscava subjugar seus subordinados Esta considera?ao demonsira uma compreensao equivocada da significagao do irabalho
transformando-os em “consumidores insaciaveis” (1982:30). Williams se voila entao para para a dehni- ?ao cultural dos atores sociais no infcio do periodo moderno e em nada
o comportamento de consumo da biirguc- sia, grupo para quern o consumo sem rcstri^oes contribui para fazer avancar o «irgiimcnio maior. 12 Finalmenle, hit uma “ligeireza” nesta
chegou no seculo XVIII; para a guerra ideologica de palavras que foi conduzida entre analise, cujo resullndo d que acaba por levan tar mais questOes do que e, possivcl- mcntc,
Voltaire, que iirgumentava que o consumo ajudava a civiliza^ao, e Rousseau, que capaz de responder, Em bora inteligente e imaginativa, a principal comri- bui^ilo de
apregoava justamente o conlrario; para os efeitos daRevoluijao Francesa e, finalmente, Williams a estc debate, al6m da informafao que fornece sobrc a Franca do sdculo XIX, e
para os trab^lhos de Balzac tornados como uma indica?ao dos Mbilos de consumo sua atengao aos l'atores diversos e por vezes ocultos que ajuda- ram a criar a revolu^ao do
2S CULTURA & CONSUMO 29
A 1‘kODUÇÂO DO CONSUMO MODERNO

consumo e que, por seu turno, foram criados por el a. From Graven Images: Pauerns of poderâo ajudar em nossa comprecnsüo de tai genese somente quando reconhecerem
Modern Materialism (1983), de Chandra Mtikerji, e uma terceira leniaiiva de dcscobrir as totalmente a extensao e a complexidadc do significado cultural que os bens de consumo
origcns da revolu^iio do consumo e de tra^ar seu desenvolvimcnto no periodo moderno, carregam em si, e entâo buscarem determinar exatamente como esLe significado, por
Mukerji localiza o advento de uma “cultura consumista” na Europa dos s6culos XV e XVI. interme- dio dos bens de coıVSumo, comcçaram a ajudar a transformar 0 Ocidente moder-
Ela examina a emergencia da primeira imprensa moderna, do algodao do s6ctilo XVHI, no. 0 primeiro passo deve ser ir al6m do simples câlculo do “significado do status” que e
alem do desenvolvimcnto de tres aspectos do materialismo: consumismo, bens capitals e incrente aos bens e que integra a competiçâo de status. Este e apenas um. e talvez o rriais
pensamenlo materialista. Ela encontra, aqui, evidencias de urn “consumismo hedonista” no öbvio, dos tipos de significado contidos nos bens.
primeiro perfodo moderno, descobrindo estc consumo nao-utilitarista mesmo entre os Mukerji 110s promete urn estudo que investigarâ 0 significado cultural, mas Falha,
protesLantes que, 11a suposi^ao de Weber, 0 teriam renegado. 11 Mukerji usa esta por firn, em cumprir uma tai promessa. 0 uso dos termos “cultura” e “sig- nificado"
descoberta p;tra argumentar que 0 consumismo deu-sc anterior- men te ao advento do permeia todo 0 estudo de Mukerji, embora ela nunca tenha tido sucesso em ııtilizâ-los de
capitalismo e, mais que isso, que 0 consumismo ajudou a criar 0 capimlismo ao qual, uma maneira que satisfaria a definiçâo e os padröes antropolo- gicos. As “propriedades
segundo a suposi? ao convencional, teria sesegaido. De acordo com esta nova abordagem simbdlicas” dos bens sâo examinadas repetidamente. mas 0 estudo n3o consegue nunca
da genese da sociedade ocidental moderna, 0 consumismo estevc presente desde seu mais tratar tais propriedades nos termos propostos por Douglas c Isherwood epor Sahlins. Do
nascente momento. pruicfpio ao firn de seu estudo, Mukerji confunde as implicaçöcssociais com as culturais,
O argu men to geral de Mukerji guarda uma certa semelhanga com 0 de McKendrick. as mudanças institucionais com as significativas, e os 1‘aiores econömicos com os
Ambos alegam que a histdria da grande traiisforma^ao do OcidenLe foi consistentemente simbölicos. Em suma, este estudo nâo tern exito em concretizar a promessa que orienia sua
contada do ponto de vista da revolufSo industrial. A revolu- Qao do consumo, intençâo teörica (McCracken 1984b).
companheira necessAria dos desenvolvimentos industrials, foi solidamente negligenciada. A histöria do consumo e uma aprcciaçSo de seu papel na histöria mais ampla do
Na linguagem de Mukerji, a academia tradicional enfatizou 0 “capitalismo indusirial” em Ocidente moderno estâo começando a air air mais e mais a aleııçSo academica. As
detrimento do “capitalismo comercial" (1983:8). A ideiaprincipal da analisede Mukerji e conıribuiçöes dos tres autores revisitados aqui representam 0 que hâ de me- lhor e de mais
demonstrar exatamentecomo umarevolutSo do consumo nascentecontribuiu para 0 provocativo neste recente irabalho. Mesmo este tratamento sumâ- rio sugerc a diversidade
adventodo capitalismo no Ocidente c para a graiide transformaQap oa sociedade. A autora de abordagens que existe dentro deste campo nascente. Esta, por sua vez, sugere a enorme
empreende esta demonstrafiio atravds do csiudo da ' proliferafao” dos primeiros bens de quantidade de trabalho acadcmico que precisa ser feita tanto empirica quanto teoricamente
consumo, parlicularmcnte escritos impressos, registros pict6ricos c mapas, bcm como antes que este estudo possa “acertar 0 passo" totalmente. 0 que estâ faltaııdo,
tecidos nao-tradicionais como as chitas. principalmente, 6 que se de conta de modo pleno dos aspectos culturais dos bens e do
comportamento de consumo. E aqui que a contribuiçüo do consumo para a ıransformaçâo
De todos os trabalhos examinados aqui, 0 de Mukerji 6 potencialmcntc 0 mais
do Ocidente estâ îı mâo de modo mais imediato para ser descoberta.
recompensador. Isto porque, em sua busca por cxplicar como 0 consumo contribuiu para a
graiide transformagao, Mukerji leva em consideratao 0 “carJiter simb61ico e comunicativo
de todos os objetos” (1983:12). Aproximando-se do irabalho de Douglas e Isherwood
(1978) e de Sahlins (1976), Mukerji estS inte- ressada na aniilise cultural do
comportamento economico e no modo pelo qual os bens de consumo carrcgam significado
cultural. E nestes termos que a autora pretende eslimar 0 impacto do consumo no
crescimento do mundo moderno. Neste esquema, os bens tornam-se urn meio para a
expressao, transformaçilo e mesmo inovaçâo das ideias culturais existenies.
Esta abordagem teörica Loma 0 estudo tla histöria do consumo para alem das
transparcncias socinlögicas de Simmcl e Veblen, ultrapassando mesmo as idĞias mais
sofisticadas que Williams pretende lançar em Dream Worlds. Na verdade, esta abordagem
nos conduz ao que deve ser o coraçâo de qualquer colaboraçao â histöria do consumo. A
contribuiçiio dos bens para o advento do Ocidente mo- demo estâ precisamente em sua
capacidadc expressiva, criativa e invenliva de uma eslera de significado cultural. E
justamente aqui que 0 estudo de nosso as- sim chamado "materialismo" tem um papel vital
em nosso entendimento da genese do mundo moderno. As ciencias histöricas e sociais
30 CULTURA & CONSUMO A PkODUVAO DO CONSUMO MODERNO 31

TRES MOMENTOS NA HISTORIA DO CONSUMO hospitalidadeedo vestuArio converteu-se na oportunidade para a persuasao e a inslni^ao
polfticas.
Esta se^ao iratarii de ires episddios decisivos na hist6ria do consumo. Cada um deles
consisie em um boom consumista atrav6s do qual o consumo tomou um resoluto passo it Mas o uso que Elizabclli fez dos bens como um instrumenlo de governo ia alem da
frente, assumindo uma nova escala e mudaiido de carAter. Tais episddios funcionaram ao explora^ao que empreendeu de suas capacidades simb61icas. Com um que de sagaciilade
mesmo tempo como reflexos e propulsores de novos padroes de produ^ao, iroca e polRica caracterislicamcnte inteligente, Elizabctli tambcm foi bem-succdida em persuadir
demanda. Analisados aqui como um grupo, cstes eventos fonicccm um quadro do a nobreza a pagar uma boa parte da conta por toda essa cerimonia. Ela for?ou a nobreza a
consumo no Ocidenle cm ires momemos de seu desenvolvimento, gastar extravagantemente em seu lugar e a csban jar vastos recursos nestc processo. Como
parte do projeto Thdor mais am- plo de centraliz;tr o'poder e de subjugar o “sudito
excessivamente poderoso”, Elizabeth tomou um novo controle dos recursos sob seu
O BOOM DE CONSUMO NA INGLATERRA DO SECULO XVII Nos til dominio, insistindo que deveria ser n3o somente a fontc original da doa^ao real, mas
limos vinte e cinco anos do sficulo XVI, ocorreu um espetacular boom de consumo. Os tambSrn a fontc imediata de tai generosidade. Aquilo que uma vez se transferiu da corte
homens nobres da Inglatcrra elizabetana comefaram a gastar com um novo entusiasmo e para a nobreza atrav^s de intermediarios, deveria agora passar diretamente por suas maos.
cm uma nova escala. Neste processo, eles Lransformaram dramaticamente seu mundo de Este novo arranjo obrigou os nobres a procurar diretamente Elizabeth, antes que a seus
bens e a natureza do consumo ocidental. Recons- trufram seus sitios no campo de acordo representantes, para receber seu quinhao da generosidade real. Era agora necessdrio
com um novo modelo grandioso c come- faram a assumir a despesa adicional de manter abandonar os sftios no campo e vir i corte para solicitar a aten^ao da rainha. Com uma
uma residcncia em Londres. Do mesmo modo, mudaram • u/i’bdm seus padrSes de nova discriminafao, Elizabctli sorria apenas para aqueles que demonstravam sua lealdade e
hospitalidadc, intlando ampla- mente seu carater cerimonial e os custos af implicados. Os deferencia atrav6s de uma participacao ativa na ordem cerimonial de sua corte. O custo de
nobres elizabetanos entretiam-sc uns aos oulros, bem como a seus subordin ados e uma tai participa^ao era arruinador e aumenlava a necessidade de recursos por parte do
ocasionalmente a sua monarca, 2is expensas de um gasto arruinador. Um dos estratagemas nobre, fazendo-o ainda mais dependentc da rainha. Um aspecto importanle do genio de
preferi- dos era a refeijao servida antes do jantar. Os convidados scntavam-sc diaiitc deste Elizabeth como governante era a babilidade com que ela explorava o poder expressivo de
vasto banquete somente para ve-lo removido, dispensado e subslitufdo por outros pratos seu mundo de bens. Um elemento adicional deste genio era a destreza com que obri- gava
ainda mais extravagantes. O vestu^rio era igualmentc magnificcnte em carater e custo. outros a parlicipar neste mundo em beneficio del a e em detrimento deles.
Fortu.nas eram gastas em guarda-roupas (Stone 1965). Nesta despesa espalhafatosa, os O segundo fator responsAvel pelo boom de consumo do s6culo XVI foi a competi^ao
nobres cram, entretanto, ultrapassados por sua monarca. Com fontes ainda maiores a seu social que tomou lugar enlre a nobreza elizabetana. A posifao dos nobres do sdculo XVI
dispor c com uma demanda cerimonial ainda maior a satisfazer, Elizabeth I engajou-se em era diftcil. Como vimos, eles se descobriam cada vez mais dependentes do favor real para
um nfvel de consumo impensavel por seus prcdecessores Tudors, incluindo seu pai liberal, sua sobrevivencia. O efeito desta dependencia nSo foi apenas um gasto cada vez maior
Henrique VLIi. A des- peito de sua natureza parcimoniosa em outros aspeclos, as despesas empreendido em nome da rainha; levou tambem. indirctamente, a uma despesa adicional
de Elizabeth, como anlitriil, com hospitalidadc e com vestuSrio eram assombrosas (Strong feita em nome de si pr6prios. Quando cada nobre sc dirigia a corte para solicitar a aten^So
1977), Estc surto de gastos podc ser atribufdo a dois importantes desenvolvimentos no da rainha, se afasia- va dalocalidade na quul delinha a posi?5o de cume indispulivel em
perfodo. Primeiro, Elizabeth I utilizou a despesa como um inslrumento de governo. Este uma socieda- de acentuadamente hierirquica. Transportado para a corte ou para Londres,
novo uso do consumo foi observado na Mlia rcnascentista por Braudel (1973), e foi esie nobre tornava-se subitamente um indivfduo a mais nadisputapela proeminencia. Sua
semduvidanas cortes renasccntistas da Italia que Elizabelli sc inspirou. 0 objelivo deste rea^ao a esta nova mullidiio de buscadores-de-status era uma espdeie de ata- que de
novo padrao de despesa era fazer da cortc, nas palavras de Braudel, “uma cspficie de nnsiedade no que se refcrc ii sua honra, i sua posi?ao social c a sua relagao com a
desfile, de espeliculo teatral... [e, com luxuria], um meio de govern ar” (1973:307). monarca. Era, assim, quase inevitâvel que fosse levado a urn excesso esbaiijador de
Confrontada por cxlraordinSrias di- ficuldades dentro e fora do reino, Elizabeth cxplorou o consumo. Wi’liams sugere que o gasto mais ou men os equivalence dos nobres Franceses
poder hegemonico ex- pressivo das coisas que foi usado pelos governantes ingleses desde os cûnvertcu nos primeiros consumidores “arbilrârios ecapri- chosos” (1982:57). Mas as
sempre (cf. Thompson 1974; McCracken 1982b, 1984c). Os objetos, especialmente no pressöes da compeıiçâo por status con terinim a esle consumo ’‘arbitrario c caprichoso"
con- texto de uma cone fortemente cerimonial, podem se prestar a comunicar a legiti- somenteo sen lido mais literal desıes termos. De fato, o nob re elizabetano nao tinha
midade do monarca para governar, aspirafoes para o governo, qualidades de po- dcr e de escolha seniio arriscar sua tortuna e g aslar como um marinheiro ile ücença, que sepöc a
maj estade e, flnalmente, um status divino conforme um indivfduo 6 visto csbanjar tudo o que ganhou.14
progressivamente cm termos miticos, religiosos e lilerdrios (McCracken 1985a; Montrose Os desenvolvimcntos no consumo tem a capacidade de criar circunstâncias que dâo
1980; Strong 1973, 1977). 0 simbolismo supercarregado da corte monirquica, da origem a ainda niais desenvolvimentos no consumo. Causas ıran s for- mam-sc cm ufeitos,
32 CULTURA & CONSGMO
A PRODUÇÂO DO CONSUMO MODERNO 33

que por sua vez convcrtcm-sc cm causas, Como veremos no restante ilesin seçîlo, os dois iodo o restante dos mbveis funcionava iamb6m como um reirato de famflia. Todos eles
desenvolvimentos discutidos aqui deram origem a importantes mudanças sociais na eram represen la^oes de uma riqueza hd muito eslabelecida e de ancesLrais distintos.
Inglaterra clizabctana, as quais, por sua vez, geraram ainda mais mudanças no consumo do Esta imagem do consumo Tudor e de sua rela^ao com a corpora^ao familiar e muiLo
perfodo. Quaiido os nobres comc- çaram a estabelecer novos padröes de consumo, como geral, mas ajudani a sugerir alguns cfeitos do novo consumo no seculo XVI. 0 nobre
resulıarto da insıigaçâo de Elizabeth e de suas pröprias ansiedades por status, começaram elizabetano. levado agora por suas novas ansiedades por status em meio a uma compcli^ao
tambem a mudiir a naturcza fundamental tantc da fam ilia quanto da localidade social excepcionalmentc feroz, come^ou a gastar mais por si mesmo e menos pela
clizabetanas. Tais mudanças tiverapı suas pröprias profundas implicaçoes para o consumo corporagao. Esia mudanf a em seu consumo leve vdrias conseqiien- cias. Primeiro, ajudou
deste perfodo e dos posteriores na historia da Inglaterra. a enfraquecer o conirato recfproco que unia a famflia. Segundo, transformou a nalurczada
A famflia elizabetana enquanto unidade de consumo estava comprometida tomada de decisao. Terceiro, modificou a naiure- za c a dinamica da unidade de consumo.
principalmentc com o cstabelecimento e com a manutençâo do “culto do status familiiir” Quarto, mudou a naiureza dos bens de consumo. Os bens que eram agora comprados em
que tanto preocupou âs famflias inglesas do periodo medieval cm diante (Thrupp fun?ao de demandas imediaias de uma guerra social assumiam qualidades bastante
1948:123). O status familiar originava-sc e era experimentado como resultado dos esforçös diferentes. Nao eram mais constnudos com a mesma preocupa^ao com a longevidade. Nao
de cad a geraçâo para aumentar a posiçâo e a honra da linhagem (Stone 1965; James eram mais valiosos somente sc amigos. Certos bens tornaram-se valiosos nao por sua
1974). Este era um processo recfproco. <ı medida que o sucesso de uma geraçâo era visto pitina mas por serem novos. No quarto final do sdculo XVI, uma mudan^a no consumo da
como cspelhando os esforços das gera- çöes pass ad as e como colocando em dĞbito as nobreza ajudou a por em curso mudan^as significalivas ainda maiores.
Juturas (Marston 1973:23; McCracken 1983a). 0 consumo familiar era um as sun to Oulra institui^iio elizabetana a semir o impacto do novo padrao de consumo tla
coletivo, empreendido por ııma corporaçâo que ultrapassava as gcraçöes. Uma geraçâo nobreza foi a ulbcalidadc”. Esia era a comunidade na qual o nobre. enquanto membro de
comprava bens que representariam e aumentariam a honra das precedentes mesmo se lais posi^io mais elevada da sociedade local, tinha responsabilidadcs poiflicas. sociais e
bens, por ouiro lado, funci onassem tambem como fund adores das bases para os esforços economicils especiais. O nobre local era, tradicionalmente, o “porto” atrav6s do qual
de busca pel a honra da geraçâo seguinte. As compras eram feitas pelos vivos, mas a certos recursos nacionais e reais entravam na localidade. Os membros da comunidade
unidade de consumo inclufa os mortos e os ainda nao nascidos. A fiunflia Tudor, enquanto local, portanto, recorriam ao nobre-e il sua generosi- dade para conseguir importantes
corporaçâo de consumo, prcocupava-se com inumeras partes interessadas que nâo estava recursos, e obtinham-nos na rua, na mesa ou nos campos de seu domfnio feudal. Quando o
m iinediatamcntc presen les a traıısaçâo. e proctirava por bens que pud essem encam ıır e nobre come^ou a gastar seu tempo e seu dinheiro fora da localidade. parte de sua
aumentar as reivindicaçöes por status ao longo de vârias geraçöes. generosidade foi suspensa. O nobre comcfou, com efeito, a rctirar-se da barganha
O cariler do bem de consumo.durâvel no perfodo Tudor foi prolund(miente moldado recfproca que ele e seus ancesirais
por este “culto do status familiar” e pel a responsabilidade da geraçâo presente pel a
passada e pela fııtura. A fim de satisfazer o culto do status familiar e a bcirganha recfproca
que cad a geraçâo linha com as outras mais pr6ximas, cxigia-se que esses bens possufssem
ccrtas qualicladcs especiais. Era necessârio que livessem a habilidade peculiar e, do ponto
de vista moderno, niisteriosa, de tornarem-se mais valiosos <1 medida que se tornassem
mais antigos e decr6pitos. De acordo com a ideologia de status corrente, o novo era a
marca do comum. enquanto a pStina produzida peio uso era o signo e a garantia da
posifao. Este topico sera cxplorado cm profundidade no proximo capftulo e 6 aqui
desenvolvi- do apenas brevemente.
Nenhuma compra contribufa para o culto do status familiar a nao ser que trou- xesse
para o interior da famflia um objeto que fosse capaz de adquirir um aspecto “patina” c de
sobreviver por virias gera?oes de propriedade familiar. 0 sistema ■patina” de consumo
significava que somentc ccrtas casas poderiam ser qualifica- das como bens de consumo
desejAveis. A16m disso, significava que somentedeter- minada mobilia, aquela marcada
pela ajitigiiidade, era um bem de valor para a familia nobre. O mais conspicuo dentre os
acessdrios para a casa era o retraio familiar, prova laiigivel de uma linhagem nobre e
medida exata do numero de gera- ?0es que reivindicava alto status. Mas, por assim dizer,
34 CULTURA& CONSUMO A l’ROÜUÇÂO DO CONSUMO MODERNO 35

haviajn estabelecido com a localidade. Os contemporâneos-chamaram este de- auioridadc que ıcve uma vez. A inveja e 0 tern or foram, em cerias ocasiöes, subsiiluîdas
senvolvimento de “morte da hospiialidade”, c se queixarani amargamente da trai- çâo que pc]a confusâo e pelo desprezo. As novas afeıaçöes consumislas da arislocracia chocaram
as comunidades locais sofrerani quando OS nobres comeram e beberam, con^nıfram e se seus inferiores como inveııçöes exdgenas lie naiurcza suspeila. Os consumidorcs nobres
vestiram gastando fortunas de famflia em Londres (Heal 1984). Eis aqui ouira nâo foram por muilo tempo uma fonie de influencia inconlesiAvcl e irrepreensfvel para
concordância rccîproca que constrangcu c direcionou previamen te 0 consumo do homcm seus subordinados. Nesta sociedade hicnirquica, nâo obsiaiile. OS subordinados
nobre. A obrigaçâo recfproca impingia lima espCcie de penhora a despesa de consumo do coniinuaram a assisiir ao consumo de seus superiores com uma alençâo consıanle e
nobre. Era espcrado que 0 que rccafa sobre 0 nobre enquanlo subordinado recaîsse (de cautelosa e, mesmo quando dcsaprovavam esic comporiamento, nâo cessavam de observâ-
modo reduzido e cvenlualmente) sobre seus pröprios subordinados. A comunidade imeira lo minuciosa- meme. Piisso a passo, a ideia de novos padröes de consumo, senâo ainda sua
estava compromclida 11 a divisâo de algmiş dos recursos domesticos. Com OS gaslos realidade, começoıı a sc insinuur nos gosios c nas preicrencias dos consumidores
referenics â nova socialidade compeliliva do nobre em Londres, comudo, a comunidade subordinados. Esıa .mııdaıîçıı gradual ajudou a preparar 0 cam in ho para explo- söes Jc
local loi corlada em sua parlieipaçiio nesle consumo. Com a morte da hospiialidade, a consumo posleriores c para a cveiilual parlieipaçüo de grupos sociais que eram agora
comunidade local foi exclufda do consumo "trickle-down”. exclufdos.
Mas as conseqiiencias do novo padrâo de consumo do nobre para a comiini- dade Em suma, vcmos na lnglaierra elizabelana uma explosao de consumo de cx-
local foram mais scrias e cabalmenic compleias que a mera exclusao de modestos recursos. iravaganles proporçöes. Esle boom se deve principalmenle ao novo consumo de dois
Mais imporlanle, talvez, foi 0 fato de que 0 nobre consumiii agora em uma nova escala, grupos. Elizabeth, por suas pröprias razöes polfticas. aprendeu a se ulilizar do consumo
cm funçilo de no VOS propösitos sociais c de acordo com novos valorcs, gosios e como urn meio de criar urn amplo leairo dedicado ao engrandeci- menlo de seu poder
preicrencias. 0 observador conıcmpıırânco qnei- xou-se de que OS nobres agora adoiavam enquanto monarca. Ela aprendeu, ainda, a usâ-lo como um mecanismo de empobrecimenlo
produtos e serviços que “cheiravam a alem-mar” (Anon 1579:39). Assim viam OS de seus suditos potencialmente detentores de poder cm demasia. Os nobres, por oulro lado,
membros da comunidade local OS novos mcdelos cic consumo adolados por seus descobriram-se gastando reativamenie, nilo apenas porque Elizabeth demandava que assim
superiores, con forme estes Û11İ- mos começaram a rumar da cone para uma elile 0 fizessem, mas lambĕm em funçao da presença, com a quill nilo eslavam habituados, de
curopeia mais geral. compeiidores sociais que os instigavam a consumir. 0 aumenio progressivo desta despesa
Dois desdobramcnios resuliaram desia mudaııça no gosto dos superiores. 0 primeiro significou que, muilo ccdo, estes nobres lornaram-se escravos do consumo compeuiivo.
foi que OS gosios dos superiores c dos subordinados foram radicalmenle diferenciados. Esics dois lados, 0 da monarca c 0 dos nobres, bem como sua nova cscala radical de
Onde antes havi a exislido diferenças de grau entre 0 consumo de superiores e consumo, deram origem a importanıes mudanças na famflia e na loca- lidade. As
subordinados, agora havia diferenças de tipo. Os superiores e OS subordinados desejavam demandas do I1OVO consumo da nobreza lornaram suas responsabilida- tles cconömicas e
agoni coisas diferentes. Uma espĞcie de diferenciaçâo de estilos de vida estava lomando simbölicas em rclaçâo Ü famflia e â localidade muixo mais diff- ceis de serem cumpridas.
lugar. Diferenças de posiçâo social csiavam se tornando diferençasdeesiilo,
De laio, esles nobres pareciam ler se retirado das biirga- Iilias rcciprocas ท แ ร quais se
depreferenciaesiĞlicaedeaUludc. Osgruposdos superiores e dos subordinados eslavam
bascavuin cssas duas unidadcs sociais. E, com csiil rctirada, 0 culto do sums de famflia e a
começando a construir e a viver em dife- renles mundos de bens.
prâlica da hospiialidade local loram profundamcnic compromelidos, Lendo lai
A esıa distância crescente de alilude entre allo e baixo, somava-sc a traiçâo do
comprometimento destas duas insiiiui- çöes ainda mais conseqiiencias para 0 consumo do
meciUlismo de bargiUlha recfproca por p;irte dos superiores, traduziCa em uma dislân-
periodo.
cia cresccnlc เ ;imbem social enire clcs. No muntlo profundimienie hicr;iri|iiico da
A Lraiçâo do culio do status de famflia originou uma mudança na unidade de
lnglaierra (Jo seculo XVI, 0 gosio dos grupos subordinados era sempre ditado pelo gosio
consumo, converlendo-a de familiar para individual. Isto levou a uma modificaçâo no
do grupo (Jos superiores. 0 Kder dos homcns era. lambĞm, inevitavclmeiiie 0 Kder de
processo de decisâo de consumo, 0 qual agora atentava p;ira as necessida- des imediaias da
seus gostos e preferencias de consumo. A sûbita mudança dos padroes de consumo dos
compcti^ao por status, em deirimcnto das nccessidades de status de longa-daia da
superiores levou a uma modificaçâo radical naquela que era a principal influencia no
coqiorafao familiar. Finalmente, isto ajudou a dar inicio a uma transformafao nas
consumo dos subordinados. Quercndo on nâo, este subordinado estava agora sujeilo
propriedades simb61icas do bcm de consumo, levando a um;i mudaiiga da “pAtina" para a
acslilose modas de uma sociedade de corte maior e era uma testemunha involuıılâria da
“moda". Os bens niio mais precisavam ser capazes de assumir a piitina decorrentc da
rapidez e da exlravagancia com que a sociedade de corte mudava seu comporiamento de
propriedade de longa-daia para salisfazer as ne- cessidades simbolicas de seus donos.
consumo. Na linguagem da sociologia, 0 grupo dcreferencia dos subordinados havia se
iransformado proftindamente. A iraigao da hospitalidade ao grupo local levc suas pr6prias conseqiiencias. uma vez
que com el a a fmima relagao social enire superiorcs e subordinados comefou a se
Era agora verdade que aquele grupo de referencia nâo leria por muilo tempo 0 lipo de
deteriorar. A uniformiilade de esiilos de vida come^ou a diminuir e o espectro de sua nova

'1
.
36 CULTUHA & CONSUMO
A PKODU^AO DO CONSUMO MODEKNO 37

e radical diferencia^ao aparcceu. Finalmente, c da mesma forma, a influencia da classe mudangas.


superior, a qual funcionava como grupo de referen- cia principal para a classe dos “Aquilo que homens e mulheres uma vez esperaram herdar de seus pais, agora tinham
subordinados, tambfim comegou a mudar. Ambas as partes, superiores e inieriores, a expectativa de comprar por si mesmos. Aquilo que uma vez foi com- prado sob os
lornaram-se dislanles, esiraiihas c dcssemelhanics. c(> contexto do consumo mtidou ditames da necessidade, agora era comprado sob os dilames da moda. Aquilo que antes era
dramalicamentc. Os nobres agora atentavam-se para urn pndrao pan-europeti de consumo, comprado uma vez na vida, agora podia ser comprado v.kias e varias vezes. Aquilo que
enquanio seus subordinados obscrva- vam aioniios seus novos gostos e cxcessos. Apcsiir uma vez esteve disponfvel somente em dias solenes e feriados alravds da agenda de
de algumas vezcs mosinirem- se desdenhosos cm rela^ao ao consumo dos superiores, os mercados, feiras e vendedores ambulallies era cada vez mais posto A disposi?ao todos os
subordinados segui- ram este comportamento com esmcro e, assim, se prepararam para o dias, com exceQao de domingo, pela agencia adicional de uma rede sempre crescente de
consumo em excesso em um ambito que comegaria somenie um s6culo mais tarde. lojas e comerci an les. Como resullado, as “luxijrias" passaram a ser vistas como meros
Em resumo, a despesa “arruinadora” da nobreza em Londres fez mais do que apenas “bons cosiu- mes”, e os “bons costumes” passaram a ser vislos como “necessidades”.
esvaziar os co Ires familiares. Mudou, tambdni, a pr6pria nalureza da fa- milia elizabeiana Mesmo as “necessidades” sofreram uma dramatica metamorfose em estilo, variedade e
e da localidade, c a pariir de lais iraiisformaijoes se seguiria uma nova s6rie de disponibilidadc.” (1982:1)
desenvolvimentos na hisioria do consumo. Ji examin amos alguns des les falores an les. A compra para si ao inv6s de para a fam
ilia, que havia come^ado no s6culo XVI, eslii agora estabelecida. 0 mesmo se pode dizer
CONSUMO NO SECULO XVIII da escalada da obsolescencia em dire?ao i mudaiifa na moda. Mas alguns faiores sao
novos. O crescimento explosivo de mercados no tempo e no cspafo e uma inova^ao
0 seculo XVHI assistiu 51 sua pr6pria explosiio de consumo. 0 mundo dos bens se
espccffica do seculo XVIII, assim como a explosao de escollias clc consumo. Tambcm e o
expandiu dramaiicamente para incluir novas oportunidades para a compra de m6veis,
caso, especialmcnte, da laxa de pariicipa^ao. As classes subordinados, que no seculo XVI
ceramicas, pratas, espellios, culelaria, jardins, animais de estimajao c tecidos (McKendrick
podiam apenas observar com uma fascina^ao horrorizada como a nobreza cullivava uma
1982:10). Novos desenvolvimentos tambfim cstavam presen les na freqiiencia com que os
nova escala enovos gostos em seu consumo, agora podiam se tornar participantes neste
bens eram comprados, nas bfluencias a que os consumidores estavam sujeitos, no numero
consumo. A nova prosperidade do periodo conduziu todos esses fatores, antigos e novos, a
de pessoas participando como consu- midores aiivos, e tamb6r" v.ns gostos. prefcrencias,
um tai ponto de culminante intensidade que levou os observadores contemporaneos a
projctos sociais e coordena- das cultiirais de acordo com GS quais o consumo ucontecia.
pensar que uma “loticura epidemica” havia tornado conta da Inglaterra.
McKendrick argu- menta que o seculo XVIII viu o “nascimento” da sociedade de consumo
(1982:3) e os prim6rdios de nossa pr<jpria cullura de consumo moderna. Scguircmos o
brilhanic esiudo de McKendrick neste breve mapeamento do seculo XVITI, apro-
ximando-nos de ouiros estudos quando for possfvel.
Concordando com Simmel e Veblen, McKendrick sugere que a competigao social foi
a forca-moiriz dessa revolufiio.
“Esias caracierislicas - a naturcza rigorosamente estralificada da sociedade inglesa, o
empenho para obier mobilidade social vertical, adespesa emulaiivae o poder compulsivo
da moda engendrados pela competifao social - combinaram- se com a amplamenle
disseminada capacidade de gasiar (proporcionada por novos nfveis de prosperidadc) para
produzir uma propensSo ao consumo sem pre- cedentcs...” (1982:11)
Por tudo isso, a rcvolu^ao do consumo foi conduzida pela nalureza viciosa- mente
hierdrquica da Inglaterra do s6culo XVIII. Os bens haviam subitamente se convertido em
provas no jogo de status e estavam sendo consumidos com eniusias- mo. Conforme forinos
seguindo a histdria do consumo. muito mais causas serao idcntificadas. Mas o argumento
de McKendrick continuani a funcionar como guiapara uma das formas mais coercitivas
que ajudaram a transformar o Ocidcnic em uma sociedade de consumo.
McKendrick tamb6m nos auxilia a ver mais claramente as novas caracterfsti- cas do
consumo elc pr6prio e o quao importantes e minuciosamenie rematadas toram essas
3S CUI.TURA & CONSUMO
A i’RODUQAO DO CONSUMO MODERNO 39

Em ternios gerais, as implicates desta "loucura” sao inequivocas. ◦ consumo eslava endimentos academicos e intcrvcncionistas das Ciencias Sociais, cm certos ca- sos, em
come?ando a se instalar mais freqiieniemeiite, em mais lugares, sob novas intlucncias, centenas de anos. Esta nova atenfao Ss regularidades da sociedade, bem como sua tambfim
desempenhado por novos grupos, em busca de novos bens, e em t'un- ^ao de novas nova manipula^ao, ajudou a impulsionar o Ocidente adiante e a criar novas e mais fntiinas
necessidades culmrais e sociais. Huvia come^ado com lima pequena “ponta” na vida conexoes enlre cultura e consumo.
domestica e crescera de tai forma que agora se consliliiia em uma alividade maior. O O esludo deMcKendrick do sdculo XVIII fornece amplas evidcncias do novo uso e da
Ocidente seengajava em urn grande cxpcrimeino. no qual cultu- ra e consumo estavam se sofisiicaijao de outros mecajiismos de marketing, especialmenie as revistas cle moda, os
tornando inlrinsecamenic- ligados. Para pcrceber a plena signinca?3o desta conjunfiio motielos de beleza, e a manequim inglesa. Considerando estes elementos coiiiuntiimcnte
enlre cultura c consumo, e necessiirio olhar mais de perio alguns dos desenvolvimentos com as colunas de publicidade na imprensa, com os trade cards dos comcrciaiitcs
que McKendrick traz nossa alencao. varejistas c com os perambulantes Homens de Manchester, negociantes de fazendas
Em sua discussao da carreira de Josiah Wedgwood, por exempli), McKendrick escoceses, e Mascates Escoceses que leva- vam os bens eomerciais its provincias, fica
observa um desenvolvimenio maior no campo do marketing, e o que deve ter sido o claro que o consumidor do seculo XVIII tinha acesso a um novo volume de iniluencia e de
primeiro sucesso no controle consciente das ’forgas de marketing.15 Wedgwood calculoii inlorma^ao.16 Estc consumidor era objeto de tentalivas cada vez mais e mais sofisticadas
cuidadosamenie o efeito “trickle-down” ecomc^ou a explora- lo sistematicamentc em de incitar desejos e de dirigir preferencias, e estava come^ando a viver em um clima arti
bencficio pr6prio. II- cialmente estimulado, que retirava seu gostos e preferencias do comaiido da con-
A Europa hienirquica que sempre observava modus no vestmtrio come^ou na cortc c venijao e da Iradi^ao local, transferindo-os de modo crcscente para as maos das
loi se deslocaiido em direfiio A nobreza, A pequena liobreza, iis classes medias e <is emergentes formas do mercado. E dificil precisar em que medida a “epidemia” do gasto do
classes baixas ^onduzid.i inexoravelmente pelo duplo mecanismo de imitajao dos seculo XVI11 era de fa to uma resposui a essas formas, e em que medida deve ser
subordinadds e de Jiierenciafiio dos superiores. A porta de enirada de uma moda eram as atribuida a outros fatores extemos ao mercado. E como se os novos gostos e os novos
classes superiores e, ate Wedgwood, a escolha de uma nova mod a por parte destas era meios de nianipulii-los figurassem entao em uma rela^ao dialetica, um estimulaiido o
aigo relativamente arbitrario, lev ado a efeito de acordo com seu prdprio prazer e seguindo outro, enquanto ambos trabalhavam juntos para ge- rar a revolu?ao do consumo do seculo
a dire^ao da corte. Depois de Wedgwood, as classes superiores sc tornaram alvo da XVIII.
iniluencia do marketing. Wedgwood buscou insinuar scus bens no estilo de vida desie Se por um lado McKendrick taivez esteja errado em argumentar que a moda nao teve
grupo com a esperanfa de que estes bens iriam em seguida descer pel a imita?ao Jis cliisses inicio seriamenie ate o sdculo XVIII, por ouiro e verdade que foi somen- te entiio que el a
inferiores. comcQou a afetar mais grupos sociais e mais produtos e a agir com uma nova rapidez. A
Uma vez que Wedgwood havia dominado o efeito “trickle-down”, estava apto a moda transforma de tai maneira os gostos e as preferencias nos dias modern os que 6
explorar em provcilo prdprio o gasto compclijivo do periodo. Esta “domesticafao” de uma dificil imaginar uma economi a na qual el a nao desfnitasse de total preponderancia. E
forf a natural do mercado deve figtirar como um dos importantes desen- volvimentos na igualmentc dificil apreciar as dimensoes da mudan^a que ela introduziu nas vidas e nas
solisticagao crcscente do marketing na manipula^ao dademanda. A revolu^ao industrial expeclativ;is dos consumidores ocidentais. Com o crcscimento da moda. emergiram um
desie periodo foi conduzida em grande p<irlc pcla cxplora- ?ao bem-sucedida de lor^as da liAbito mental e um pa- drao de coinportamento inleiramente novos. Cada vez mais, as
natureza anieriormentc desalreladas. A paralela revolufao do consumo tambfim foi consideragoes de estilo e de estetica passaram a preceder as utilitarias. Que um objeto nao
conduzida por uma nova compreensao c por um novo domfnio do mundo, neste caso a tenha se cxatirido cm sua utilidade nao e mais motivo suficiente para sua preservafao; se
percep?ao de regularidades nao da natureza, mas da sociedade c de seu mercado. cle e ou nao capaz de satisfazer a condifao mais importante de cstar na moda 6 agora o
faior decisivo.
McKendrick nao tram desie tema, embora cle seja essencial para a plena ava- lia^ao
Estc desenvolvimenio represent;! um triunlo do estilo sobre a utilidade, da estetica
do valor de indivfduos como Wedgwood. Quando Wedgwood entreviu e explorou o efeito
sobre a ruiifao c, mais imporiante, exprime uma redefini^iio radical da
“u ickle-down", deu infeio a um processo que contribuiu imen- samente para a revolu^So
do consumo, uma vez que deu inicio ao processo atra- v6s do qual o manufatureiro (e iddia de status e do uso dos bens para expressar status. Se antes os bens carrega- vam a
posteriormente o comerciante) fizeram de si mes- mos e stud antes de fenomenos sociais mensagem de status alravĞs de sna “patina”, agora eles a carrcgam atraves de seu aspecto
que nao cram analisados de outra maneira. Estes “etn6grafos do mercado” sc atcntiiram novo. era v^rdade para certos bens, como o vestuârio,
para padrees e regularidades lias circunstancias altamentedinamicas do seculo XVIII, desde o periodo elizabetano, mas agora passou a abarcar novas categorias de produtos,
fazendo do que aprendiam insiriimenios de marketing. A aplicagao deste conhecimento, como as ceramic as e a mobflia. Uma nova relaçâo entre a novidade c G status estava
por sua vez, realimentou o dinamismo da situa^ao e originou mudan?as ainda mais comcçando a scr cstabelecicla. Este Ğ urn topico que seni inais ani- plamentc explorado no
dramiti- cas. Pode-se «irgumentar que esta “observa?ao participante” antecipou os empre- proximo capfiulo. ,
‘III CULTURA & CONSUMO • A l'RODUÇÂO DO CONSUMO MODEKNO 41

Parece que no seculo XV111 os bens começaram a encarnar urn novo tipc de Cada vez mais, os indivıduos estavam preparados para sup or que “o self 6 construfdo
significado de status, que lhes rendeu implicaçöcs bastan te diversas para o siste- ma de atravös do consumo [e quc] o consumo expressa o self’ (1983:288). Esta conexiio entre
status e para a organizaçâo da sociedacle. E, tanıbeın, como se os bens esıivcsscm se consumo e indiviclualismo - em graııcle medida l'orjada no seculo XVIII, mas iniciada,
torııando os portadores de outros tipos de significado alem do de status. E possıvel que a como vimos, no söculo XVI - e uma das grandes liısöes cultıırais do mundo moderno.
funçâo de informadores de papöis sociais que os bens assıımem nos dias de hoje (Solomon Cada uma dessas ideologias podia agorausar a oulracomo ummecanismo poderoso para
1983) tenha comcçado a emergir neste periodo. Belk (1984a) sugeriu qııe o carâter seu pröprio avaııço. Sua conexio e:sua mulualidade continuam presen tes nos dias aluais
crescente tanto da diferenciaçâo de papeis quanto do anoııimaıo na sociedııde ocidental epodem ser vislumbradas em qualquer comercial que convida o observador a “ser tudo o
encorajou o uso dos bens como uma expressao da e um gtıia para a identidade social. que voce podc ser”.
Ambos, a dilcrcnciaçâo de p;ı- p6is eo anonimato, estavam j;1 bastante eııcanıinhados Ouıro desdobramento cultural ou ideacional que McKendrick nâo captura, em fuııçâo
neste perfoclo, e e comose os bens tivessem enmeçado a assumir este encargo semiötico de sua an âl ise basear-se no status, e o desenvolvimento de novas atitu- des. Como O’Neil
adicional. O significado cultural dos bens era cada vez mais um modo aıravâs do qual uma (1978) e Leach (1984) ressaltaram, a revoluçâo do consumo cxigiu uma reforma
socieda- de de anönimos podia m;ınter-sc ccntrada. Como coloca Salılins, os bens permi- fundamental decertas alitudes eperspeetivas. Umadas priıı- cipıiis foi a iııculcaçâo de ııma
tiranı âs sociedades ocidcntais contornar “a contradiçüo bâsica de su a constnıçâo como disposiçâo volııntâria para o consumo. O’Neil observa que “o/a consumidor(a) nâo nasceu,
um milagre da existcncia, uma sociedade coesa de perfeitos cstranhos” (1976:203). mas loi produzido(a) pelo processo que o/a ensinou a querer querer...” (1978:224). Esle
Antes de deixarmos o töpico da moda, vale ob.servar as vârias implicaçöes da processo de instruçâo acon- lece nccessariamentc para cada nova geraçâo de
obsolescencia por ela gerada. Primeiro e mais simples, a moda tem o efeito de cxigir que coıısumidores, e precisou: por- lanıo, ser empreendido para a primeira delas, sendo
os objetos sejam substiluıdos seguidamente. Esta simples conseqiien- cia da moda razoılvcl sup or que esta vi- veu algum tempo no söculo XVIII.
contribuiu para converter o consımıo cm uma atividade nova e mais freqiienle, e tambem Como nota McKendrick, mudıınças fundameııtııis eslavam acontecendo na (iefiııiçâo
em um novo l’ardo, O consumidor linha ile declicar mais tempo â atividade de compra; o cuktıral <lc tempo e de espaço. No seculo XVIII, tornou-se possıvel prosseguır nas
mais importanıe, contııdo. era qnc prccisava dispor de mais tempo para o aprendizado do atividades de consumo cluraııte loda a semana e por toda a <irea urbana. O espaço e o
consumo. Agora o consumidor linha necessidade de todo uın coııjunlo de informaçöes tempo esLavam sendo reconlîgıırados pai’a acomodar o con- sumo e para fazer del e um
adicionais para dislinguir o bcm que estava na moda do que nâo estava, c para saber qual elemen to central da atividade social c do in teresse pessoal. Thompson examinou a
mensagem ele/ela estaria enviando com sua compra. reconfiguraçâo do tempo em funçâo dos propösi- tos de uma nova organizaçSo industrial
Os cunsumidores ocupavam agora um mu nd o prccııchido por bens que cncarnavanı (1967). Um estudo similar 6 necessârio para observar a reconfiguraçSo do tempo em
mensagens. Cada vez mais, eram rodeados por objetos carregados de sentido que sö funçâo dos propösitos de uma nova organizaçâo do consumo.
podiam ser lidos por aqueles que possuısscm um conhecimenıo do cödigo-objeto. Assim,
os coıısumidores eslavam, por necessidade, se torn an- do semioticistas em uma nova
mfdia e mestres em um novo cödigo. Em suma, cada vez mais o comportamcnto social
convertia-se em consumo c o indivfduo era mais e mais subordinado a um papel de
consumidor.
O que significa ser definido como consumidor? Um dos temas nos quais a cxplatıaçâo
baseada no status de McKendrick nâo loca 6 em como a revoluçâo do consumo foi ao
mesmo tempo causa e conseqiiencia de novas definiçöes cultu- rais da pessoıı. Como
Ivlauss (1985) e omros aııtropölogos subseqüentes (ex. Carrithers, Collins e Lukes 1985)
apontaram, o conceito de pessoa varia de çukura para cultura, e a noçâo prevaleceııte de
pessoa nas culluras ocidentais & alla- menle peculiar. A rcvoluçiîo do consumo teve um
papel fundamental na modula- çâo do conceito ocrdental de pessoa, mas trabalhos
academicos histöricos sobrc esta questao sâo escassos. Uma abordagem fascinante apar
ece em Campbell (1983). que argumenıa que os novos padröcs de consumo sâo ao mesmo
tempo causa e conseqiiencia de definiçöes românıicas do self. A insisıencia românlica no
carâter ıînico e autönomo do self, bem como em sua realizaçâo atraves da expcriencia e da
criatividade, ao mesmo tempo deriva-se da e corrobora para a revoluçâo do consumo.
42 CULTURA & CONSb’MO A I'RODUCAO DO CONSUMO MODERNO 43

A reconfigura?iio <Jo espa?o, por sua vez, loi esludada um pouco melhor. Braudel da sociedade. Uma por^ao crescente do tempo e da aien^ao tem de ser dedicada ao
(1973) argumenta que a privacidade foi unia inovagiio do seculo XVI11, e observa o modo processo de consumo, 6 necessArio um montamc maior de in format ao para a execu^ao
pelo qual esta iddia foi exprimida em novas formas deconsLru- ?iio e em uma nova bem-sucedida desta litre fa, e uma parte maior do mundo do individuo 6 ocupada por
mobflia para a casa (cf. Tuan 1982:52-85). Aqui lambem l)a raziio para pensnr que o objetos carregados de mensagens. Novos coi\ceilos de pessoa estavam conduzindo a novos
seculo XVIII meramentc levou adiante uma inovagao do s6culo XVI. Hoskins (1953) padrdes de consumo, ao mesmo tempo cm que eram por elcs conduzidos.
menciona a subsLancial reconstrufao da Inglalerra para acomodar novas ideias de Em resumo, o seculo XVIII viu a transforma^ao do consumo e do mundo no qual esta
privacidade. Evidentemcnte, csta no?ao cultural vital de espa?o estava transformando os se deu. 0 consumo estava comegando a se instalar de modo mais fre- queinc, cm nuiis
bens de consume do periodo, ao mesmo tempo em que estava sendo iraiisformada por lugiires, sob novas influcncias, dcsempenhado por novos grupos, em busca de novos bens
cles.1’ e em fungao de novos propositos sociais e cukurais. O “mundo dos bens’* estava se
O seculo XVIII e um perfodo importantc na hist6ria do consume lambem por causa constituindo firmemente como coextensive ao mundo da vida social.
do numero de pessoas que, entao, se tornaram aptas a participar como consumidoras. 0
consumo do periodo elizabeiano era em grande parte restrito ft classe nobre. enquanto CONSUMO NO SECULO XIX
outros gnipos sociais apenas olhavam com admira^ao c desdem. O sdculo XVIII deu
oportunidadc para que estes grupos sociais tomas- sem parte plenamente na rcvolu?ao do Nao houve boom de consumo no seculo XIX. A revolu^ao do consumo, neste
consumo. Sua participa^ao fez deste o primeiro perfodo de “consumo de massa" na momento, ja havia se in si a I ado como umacaracterislica estrutural da vida social. O que
tradi^ilo ocidcntal.18 comc^ara como uma inodcsta dinamica confinada a um canto da sociedade bavia sc
convertido cm scu centro magndtico. A traiisforma^ao que se iniciou no s6culo XVI c sc
Ao irabalhar com fontes secundiirias, 6 dificil acompanhar na histfiria do con- sumo
expandiu no s6culo XVIII era, por volta do seculo XIX, um fato social permancntc.
os desdobramentos elizabetanos sdculo XVIII adenlro. Estd claro. contu- do, que a
Prolundas mudanfas no consumo haviam gcrado profundas mudangas na sociedade e estas,
compra-para-si mais que a compra-para-a-famflia coniinuou c, de laio, McKendrick sugere por sua vez, haviam produzido ainda mais modi- ficagoes no consumo. Por volta do seculo
explicitamenle que esLa transigao s6 foi por firn completada no seculo XVIII. no que se re XIX, consumo e sociedade estavam incxtricavclmente ligados em um continuo processo
fere h grande mnioria das catcgorias de produtos e a maior parie dos grupos sociais. O bem de mudan^as. NHo houve, portanto, nenhum “boom de consumo” no seculo XIX, porque
de consumo lambem coniinuou a trans- formar-se, passando de objeio com “p;Uina" para havia agora lima rela(;ao dinamica, continua e permanente entre as mudan^as no consumo
objelo na moda. A moda, por sua vez. converleu-se indubiiavelmente na categoria de c as sociais, as quais, juntas, conduziam a perpetua transforma^ao do Ocidente.
design prepondcranle para a maior parte dos bens de consumo do seculo XVIII. Com esta
Algumas das mudan?as deste periodo sao essenciais para o nosso entendi- mento do
mudanQa nas propriedades simb61icas dos bens de consumo. csies vier;mi a assumir um
moderno caraler do consumo. Tais mud an gas incluem a emergencia da loja de
signi- ficado muito diferente enquanio salvaguardas da mobilidade social. Como veremos
departamento, que contribuiu de modo fundamental para a namreza e para ◦ contexlo da
no proximo capflulo, esics bens agora ajudavam a disfarfar o status de ori- gem de seus
atividade de compra, bcm como para a namreza da in formamao e da influencia as quais
donos e, deste modo. encorajavam a mobilidade social. Em suma. o processo de tomacla
estava subnietido o consumidor. 0 seculo XIX viu tanibem o surgimcnlo de novos “estilos
de decisao do coiisumidor era cad a vez mais informado pe- l;is novas considera^Oes de de vida de consumo” e de seus respecti- vos novos padroes de intera^ao entre pessoas e
status e de moda que haviam surgido no seculo XVI. 0 que parcce ser uma inovatjiio do coisas. Surgiram novas lecnicas de marketing, tais como o emprego de novas est6ticas e de
seculo XVIII e o crescimcnto explosive do consumo no espafo e no tempo. Outra novidade motivos cukurais e sexuais arquitetados para adicionar valor aos produtos. Mais e mais
do perfodo i a explosao das escolhas, bem como a participaciio dos grupos subordinailos. significados sociais estavam sendo embutidos nos bens, atrav6s de novos c mais
E posstvel obser- var. ainda, novos tip os e montimtes de publicidade. uma nova sofisticados
intensidade do conlrole da moda sobre os bens de consumo, um crescimento da
mecanismos de transferencia de sentido. Mudaiifas sociais geravam novas e premen les
obsolcscencia, e um aumento ger al na sofisticaQilo das t6cnicas de markeling, assim
neccssidades de comunica^ao, que a linguagem dos bens poderia rcivin- dicar responder. 0
como modifi- callies nas detiniijoes de pessoa e de desejo.
sdculo XIX viu a inirodu?ao de elementos que ainda hojc caracterizam o consumo.
As implicates c as conseqiicncias destes desenvolvimentos sao impressio- nanies. Os :■
produtorcs haviam aprendido a explorar a dinamica social, da qual o efeito “trickle-down”
Dream Worlds: mass consumption in nineteenth century France, de Williams. 6 nosso
6 um exemplo, e a seutilizar do poder da competifao social. Esie era o infeio de um
guia principal para o consumo neste periodo, e transfcre nossa aten?ao para o oulro lado do
esforco para compreender e manipular o mercado que continua ate os dias atuais. A
canal”, da Inglaterra para a Fran?a, Surprecndentemente, os padroes de consumo
necessidade de comprar para si mesmo e a freqiien- Le reconipra no curso de uma vida,
esiabelecidos pela aristocracia sobreviveram fi desirui^iio da corle fraiicesa no sficulo
anibos resultados da obsolescencia, tern pro- fiindos cfcitos para os membros individuals
44 CULTDRA & CONSUMO
A PRODU^AO DO CONSUMO MODERNO 45

XVIII. A mudan^a imporlanie, do ponio de vista do consumo, t'oi que -a proilu?iio de Williams aborda cada um desses estilos de vida emergentes, lentando chegiir a um
certos bens Lransferiu-se do rcino privado da domesticidade nobre para a esfera publica do acordo acerca do desenvoivimento de uma sociedade de consumo. 0 estilo de consumo de
mercado. Nos anos de 1790, os chefs se mudiiram dos hotdis aristocrilicos para os massa, por exemplo, e visto como um artefato de novas t6cnicas de marketing. 0 estilo de
restaurantes piiblicos, cnquatilo as cosiureiras e os alfaiates que antes haviam servido a consumo elitista 6 tornado como uma tentativa de riva- lizar com os excessos e a
palrOcs nobres abriram lojas publicas. De modo crescenie, o consumo publico, riiais que o banalidade de uma sociedade burgucsa preocupada com bens e indil'erente a ideias e a
privado, pas- sava a ser o foco do Lrabalbo dos produtores dos bens de luxo (Williams normas de conduta. O estilo de consumo democriltico 6 cncarado como uma tentativa de
1982:48). A Revolucao Franccsa, que tan to mudou aFran?a do seculo XV111, deixou os afastar os/as consumidores(as) de massa de sua preocupafiio com bens, criando uma
gostos da massa de consumidores fraiiceses relativameiite malterados. Mesmo a maneira de consumir que in- centivassc a simplicidade de estilos de vida e a dignidade do
hoslilidadejacobina a esies gosios e o consumo aristocraiico que ha via sido ins- pirado por homem eomum. Emb ora estas cxpli canoes sejam esclarecedoras, el as tamb<5m refletem,
Rousseau parecem nao ter tido efeitos nos padroes de consumo do sdculo seguinle. A por ouiro lado, as limiiagOes do ponto de vista de Williams. Cada uma delas recorre
burguesia da Franca do seculo XIX coniinuou aspirando ao que Williams chama de exces- sivamente ao pressuposto, que orienta o livro, de que os bens de eonsumo sao
“modelo cortes” de consumo. De fato, cles se apodcra- ram dos padroes de consumo da distra?oes tolas que os indivfduos compram guiados somente pelos motivos mais
aristocracia, ulilizando-os ccmo armas cm sua contfnua batalha por um status social mais desprezfveis e mais superficiais. Mui to raramente Williams alimcnta a possibili- dade de
alto (Williams 1982:53). que os bens de consumo fossem fascinantes para os consumidores do s6culo XIX por se
constitufrem cada vez mais como suportes do significado cultural e como uma nova
Esta apego francos ao modelo aristocratico de consumo nao continuou por todo o
oportunidade para a definifao de si e do mundo.
s6culo XIX; foi, durante scu curso, suplantado por tres estilos de consumo adicionais e,
evenlualmente, mais importantes. Williams explicita cada um des- tes estilos com grande E possfvel cncarar cada um dos estilos de vida abordados por Williams como um novo
habilidade e eloqtiencia. O primeiro deles era o estilo de vida do consumo de massa, que experimento dos poderes expressivos dos bens. 0 modelo aristocratico de consumo .cortes
adotava novas e l'aiiliisticas id6ias de iuxiiria, mesmo enquanto preservava paralelamente foi o mais inicial destes experimentos. Como veremos no proximo capftulo, a “patina” que
as da aristocracia. Este modelo de consumo era especial men te instigado pelo espantoso selecionava os bens atravSs deste modelo teve um carSter particularmentc significative,
desenvoivimento das lojas de departamentos, ao qual faremos referencia mais larde. 0 forjado para fins sociais tamb6m eles muilo parliculares. El a permilia fl aristocracia
segundo modelo era o estilo de vida da elite, que insistia em crer que um modo especial de codificar suas reivindica^Oes de status de uma forma que desencorajava reivindicafoes
consumo era capaz de criar uma nova, aristocracia, colocando acima da massa aqueles imitadoras ou falsificadas, Este modelo sobreviveu nos sdculos XVII, XVIII e XIX como
cujo visiio estciica e artfslic;. iosse superior. Este era o modelo de consumo inspirado por um dos esquemas alravds dos quais os bens podiam ser convertidos em suportes de
Beau Brummel e pel os dandis que seguiam seu exemplo, taino na Inglaterra quanto na significado cultural. 0 esludo de Williams nos permite perceber alguns dos modelos de
Franca. Os dandis ridicularizavam os excessos do consumo burgues e aristocrAtico e se consumo concorrentes que aparcceram no s6culo XIX para desafiar o modelo da pilina.
deciaravam como a nova elite, uma aristocracia que fazia jus a este nome pelo bom gosto, Cada um destes estilos representa um novo modo de explorar o carater cultural dos bens de
e nao pela civilidade e pelas boas maneiras. O terceiro modelo era um modo democritico consumo no cumprimento de novos objelivos culturais.
de consumo, que sc derivou do movimento das artes decorativas. Este movimento tambfim 0 esiilo de consumo de massa i. uma oportunidade particularmentc interes-
se opunha Jis pretensoes aristo- crAticas da burguesia. Nao busenva, porSm, forjaruma santeparadeterminar quais significados adicionais podem ser investidos nos bens. Alguns
nova aristocracia, mas um modo de consumo que fosse acessfvel, modesto e dignificante. desles significados eram novas no?oes de status. Outros, ainda, eram re- ferentes nSo ao
Williams sugere que o que distinguiu o consumo do steulo XIX foi a emergencia deste status, mas a tod a uma nova disposifao de significados culturais. Tanto as exposi^oes
“agrupa- mento dis'intivo de estilos de vida interdependentes” (1982:110), bem como o quanto as lojas de departamentos da Franca do final do s6cu- lo XIX cultivavam um estilo
firn da proeminencia do modelo cortes de consumo. de design interior que Williams chamou de “ex6ti- co-ca6tico" (1982:71). Interiores
extravagaiites entulhados de alusoes contradi-
t6rias a diferentes temas 6tnicos, geogriificos e mesmo niflicos eram comuns. Na visao Williams sugere que o objelivo simb61ico desta nova estelica era cm. Consti- tufa-se.
pessimista de Williams, isto represcnta o uso crcsccntc da arte a service do com6rcio. 0 meramente, na tentaliva de “agrupar tudo o que se revel ass e distante do comum"
"delirio ornamental” desses lugares publicos exprime, na perspecti- va da autora, “a (1982:71)-. Mas e possfvel dizer, tambem, que vemos nesse periodo o uso dos bens para
submissiio da verdade, da coerencia, do gosto e de quaisquer outras considera^Oes aos comunicar mensagens muito miiis coerentes e intencionais. Para que o esiilo de consumo
objelivos dos negdeios” (1982:64). Se, por urn lado, pode ter sido de fato isso mesmo, por de massa possa ser plcnamentc comprccndido, e nccessdria uma anilise mais cuidadosa
oulro, foi lamb6m, e talvez mais imporlan- le. um experimento nas novas habilidades desses experimentos, que seja men os pre- cipitada em supor uma anarquia estetica e um
expressivas dos bens de consumo.30 compromisso moral. 0 projeio maior de Williams leva-a a afirmar que a experimenta^ao
44 CULTDRA & CONSUMO
A PRODU^AO DO CONSUMO MODERNO 45

estdtica do periodo era voltada para a criafSo de um mundo de sonho. Alguem precisa, Um dos grandes desenvolvimentos do s6culo XIX foi a emergencia da loja de
agora, examimir as evidencias sob oulro ponto de vista; & neccssario determinar se o tlepariamento. Williams sublinha a similaridade entre esta e o mundo das exposi- goes do
“delfrio ornamental” do seculo XIX tern mais coerencia c significado do que Williams perfodo. A autora demonstra que tanto as lojas de departamenlos quanto as exposi?3es
supos. O estilo elitista de conc::>no e uma manifestafiio mais 6bvia do uso dos bens para usaram o design sem prccedentes de seus interiores para criar um novo ambieniepara o ato
moldar significados culiurais e para servir-lhes de suporte. 0 cultivo deste esiilo de elite e de fazer compras e de consumir. Sua escala extravagan- te e envolvcnte e seu estilo
nada men os que um esfor^o em utilizar a linguagem emergente dos bens para gerar um ex6tico-ca6tico permitia-lhes criar uma “nova e deci- siva conjunfao entre desejos
conjunto tinico de conceitos culturais capaz de cspecifi- car uma nova definifao de pessoa imaginativos e materials, entre sonhos e comer- cio...” (1982:65). Williams tamb6m
e uma nova definiQao da rela?ao des la pessoa com a sociedade mais ampla, bem como observa que as possibilidades comerciais da nova mfdia do cinema foram imediatamente
um grupo de conceitos c de valores que funcionasse como diretriz para a afao social. A vislumbradas e exploradas.13 Expo- sifoes, lojas de departamentos e filmes: todos elcs
linguagem dos bens estava sen do utilizada aqui muitodeliberadamenteecom total deram contributes igual- menic importanles para o mundo de sonho do consumo de massa.
habilidade para empreender um a to de invengiio social: a cria^ao de uma nova Mais imporiante, talvez, do que esta contribuifao para a est6tica do consumo foi a
organiza^ao de vid a social. I novadoes deste tipo eram iuiteriormente impossfveis, nao contribui^iio dcstas tres instancias para o processo de compra. Em primeiro lugar, as tres
somente porque uma sociedade tradicional nao toleraria uma tai experimema^So, como representavam um esfor^o para expor o consumidor a uma serie de estfmulos persuasivos
tambem porque nao havia nenhum sistema de discurso que viabilizasse o ato necessfirio de e informativos sem quaiquer expectativa de que lais eslf- muios pudessem rcsullar em uma
repensar c de in ven tar, do qual poderia emergir um novo conceito de vida social. compra imediata. Os consumidorcs cram cnco- rajados a passear pelas lojas de
Podemos encar;ir o dandi, que funciona como epitome deste novo estilo elitista de departamentos A vonlade, absorvendo suas fan- tisticas representa?oes de mu nd os
consumo, como uma figura que, de maiicira muito autoconsciente, lira vantagem de uma cxdlicos e de bens de consumo, assim como eram autorizados a participar deste ambiente
sociedade desordenada para forjar um espa?o p-.ira si prdprio que, antes, nao existia para extraordinario dispensados de qual- quer obriga?to. 0 objelivo reldrico do mercado havia
ningu6m. Na pessoa de Beau Brummel, podemos ver nada men os que a revogafao dos mudado. Este dedicava-se, agora, a “despertar o desejo livremente oscilante”, ao invfis de
podcres de intluencia que, luiteriormentc, haviam pertenci- do exclusivamenic ao monarca. meramente "a compra imediata de ilens especfficos" (1982:67).
Em ambos os casos, a condi^ao necessiria para esta inovafao social era a’ posse de um
meio de comunica^ao, o que somente poderia ser obtido pelo dominio de um cresceme
inventdrio de produtos investi- dos de um novo significado e de um novo potcncial para
significar.21
No caso do movimento de reforma das artes decorativas e da emergencia do consumo
democrAtico, vemos o potcncial expressivo dos bens explorado de um modo diferente. 0
significado encamado pelos bens tern a inten^ao, neste caso, de ressocializar “o povo”,
mudando seus conceitos de si mesmo e de sociedade e, principalmente, transformando
suas aspira?oes sociais atrav6s da modifica^ao de suas concepgoes accrca do consumo e
dos bens de consumo. Este experimento na linguagem dos bens ganha o sentido de
proselitismo. Utiliza os bens como suportes de um novo conceito dos prdprios bens em
uma comunidade insuspeita. Se os dandis usaram os bens para criar e anunciarum novo
estilo de vidapara si mesmos, os advogados do consumo democrAtico os utilizaram
compropOsitos inslruciomus, em sua tentaliva de reformar um grupo social que nSo o seu
prbprio.
Cada um desses estilos de vida identificados por Williams nos permile vis- lumbrar o
processo maior e mais complexo atravds do qual a sociedade ocidental buscoti explorar e
extralr o significado cultural e o valor comunicativo de um novo e vital meio-de intera?ao
que tao subitamente chegou suas maos. De falo : nao e exagero afirmar que a rcvolu^ao do
consumo forneceu alguns dos recursos culturais que eram necessArios para fazer frente ao
deslocamento social forjado pela revolufao industrial. Parte significativa da histdria do
consumo deve consis- tir no estudo deste desdobramento. -
CULTURA & CONSUMO A l'KODUÇÂO DO CONSUMO MODERNO

48 49

Em segundo lugar, quando a compra foi enipreendida na loja de deparlameiuo, sua bens, conseguia modulâ-los e transformâ-los. Quando esta loja de departamento lundiu
inslituiçâo leve caracierîsticas muito diferentes. Os preços dos bens de consu- mo em bens e significado cultural, tan to a cultura quanto o significado soireram uma revisâo. A
exibiçâo nâo estavam sujeitos a processos de bargaııha. Eranı, ao conirârio, üxos, e os brevidade com queMiller trata esta questao 6, portanto, especial- menlc problemülica,
consumidores cç' ; »cntianı com cles no aio da compra ou, simplesmente, nâo uma vez que o ponio 6 intrigante e mereceria um esiudo mais cuidadoso. Vemos aqui o
compravam. Williams suge; eque este novo padrâo de inıeraçâo enire mercado e uso dos bens como uma espĞcie de “operador” histörico ecultural (Boon 1973).
consumidor encorajou uma nova passividade por parie do consuinidor. Operadores sâo sfmbolos materials que ajudam a reorgaııizar o significado cultural da
Em lerceiro lugar, a loja de departamenio eslimulou a ıntroduçâo do crediio. 0 “eslrulura global”, a firn de que as novas contingencias hislöricas possam ser
empr^stimo tornou-sc possfvel airavös da criaçâo de um “sistema de compra \ pres- taçâo incorporadas â ordem cultural existenle (McCracken 1983b: Sahlins 1977, 1981).
de larga cscala, impessoal e racionalizado” (1982:93). Subitamente, o que era inacessivel A terccira observaçSo de Miller 6 a de que a posse do significado lıislörico e cultural
cstava ao alcance das m3os. Esta iııovaçâo, em especial, contribuiu para que o consumo por parte dos bens era a agencia pela qual um grupo social socializava ouıro. O autor
moderno adquirisse um que de sonhc, como nota Williams. sugere que o Bon Marc ltd e seus caiâlogos se tom aram uma especie de “carlilha
Michael B. Miller amplia nossacompreensâo das lojas dedepartamentos sig- cultural” que mostrava para uma determinada classe “como ela deveria se vesıir, como de
nificativamcnte em The Bon Marche: Bourgeois Culture and the Depariament Store veri a mobiliar sua casa c como deveria g aslar seu tempo de lazer" (1981: 183). Um
1869-1920 (1981). A abordagem de Miller assemelha-se ü de Williams, â medida que esiudo da difusâo scria, aqui, uma oportunidade mais imeressanie para fuıuros trabalhos.
insiste que a loja de departamento deve ser encarada nâo somente como um reflexo de Mas este töpico c ainda mais promissor se tornado como umd oportunidade para o
padröes de consumo cm iransformaçâo, mas lambĞm como um agente decisivo que estudodo poder hegemönico das coi- sas. Elizabeth I aprendeu a governor atravös de
alivamente contribuiu para a cultura na qual este consumo ocorria. Como Williams, objetos e seu consumo, e ires seculos mais tarde este instrumento de governo conlinuava
Miller examina a contribuiçâo da loja de departamento para a iransformaçâo dos gostos, a ser explorado. Em termos gerais, Miller demonstra, com uma sofisticaçâo incomum,
das preferencias, do comportamenio de compra, da relaçâo enire comprador e vendedor, e como a loja de departamento funcionou como um locus importante para a conjunçâo
das lecnicas de marketing. entre cultura e consumo no seculo XIX.23
O interesse maior de Miller e, precisamentc, na abordagem da influencia da loja de O sĞculo XIX assistiu â criaçâo de uma interaçâo permanente entre o consumo e a
departamento na cultura da Fraııça do seculo XIX. O auıor começa com a afir- maçâo do mud an ç a social. 0 consumo agora engendrava uma constan te mudança social. Esta, por
determinativo papel cultural da loja de departamento. “Muito mais que um espelho da sua vez, engendrava consiantes reformas naquele. A relaçâo dialelica entre essııs duas
cultura burguesa na França, o Bon Marche dcu forma e defiııiçâo ao pröprio significado forças originou um mccanismo que ajudou a conduzir a "grande iransformaçâo" atraves
do conceilo de um esülo de vida burgues” (1981:182). Miller examina sistemalicamente, dos seculos XIX e XX. Este mecanismo violava consistentemente, agora, uma das leis
em seguida, como a loja de deparlainento irabalhou para’ modular e (ransferir significado liındamentais da termodinâmica. Nâo ne- ccssitava para si de nenhuma fonte de energia
cultural. Sua primcira observaçâo e a de que os bens venclidos peki loja de departamento externa. Havia criado sua pröpria diııâmica, que poderia atö sucumbir, mas nâo iria
davam expressao material a valores da burguesia. Os bens torn avam concretos estes jamais se esgotar.
valores e davam-lhes uma “realidade pröpria” (1981: ISO). Miller sugerc que valores Em Williams, temos um esiudo do consumo no sĞculo XIX que traça o declinio do
ftmdamentalmente importanies, tais como a “respeilabilidade" e a “conyicçâo”, estavam “modelo corles de consumo” e a ascensâo de quatro estilos de vida compeiiti- vos, cada
ancorados no vestuârio c na mobilia da burguesia. A16m disso, tamböm as dislinçöes que um dos quais expressa uma resposta diversa para problcmas e dificul- dadcs
segmenlam as catego- rias cerimoniais burguesas de espaço e tempo estavam impressas caractcrfsticos da vida cm uma sociedadc de consumo. Sugcri que esses estilos de vida
no vestuârio c n;i mobflia. Nessa breve discussâo, os bens sâo tornados como dando uma poderiam tambĞm ser tornados como experimcntaçöes na explora- çâo do poder cultural
contribui- çâo fundamental para o poder de influencia que tais valores tinham na c expressivo dos bens.
burguesia. Miller e seu esiudo aproximam-se mais que qualquer oulro dos hisioriadorcs Tan to em Williams quanto em Miller temos um esiudo da importância fundamental
consi- derados aqui das discussöes presentes nos uabalhos de Salilins (1976) e de da loja de departamento para os desenvolvimentos deste periodo. Williams sublinha o
Douglas e Isherwood (1978) acerca das propriedades cullurais dos bens de consumo. papel da loja em mud ar a estĞtica e os esttmulos do ambienle da compra, em criar um
A segunda observaçâo de Miller 6 mais ambiciosa. Ele argumcnla que, h meçi id a novo padrâo de interaçâo entre comprador e vendedor, c em
que o Bon Marche investia valores, aütudes e aspiraçöes da burguesia nos
50 CULTURAL CONS UMO
A PRODUÇÂO DO CONSUMO MODERNO 51

desenvolver inovaçöes, lais como o crĞdito. Miller observa a manipulaçâo, por parte da consumo conspfcuo que tiveram profundas conseqiiencias para seu relacionamento com
loja de departamento, das propriedades signiiicativas dos bens. Essas lojas nâo apenas suas famflias e localidades. Gastando cada vez mais e mais em fun^So de seus propdsitos
tornavam certos valores manifestos urn tanto mais imanenles nas vidas dos consumidorcs, mais imediatos, esses nobres se retiraram de seus contratos recfprocos com a familia e
como tamb6m contribuiam para transformar tais valores. Finalmen te, os bens das lojas de com a localidade. Para a famflia, esta retirada teve o efeito deajudar acstreitarscu cscopo e
departamento se tornaram instrumentos de instruçâo e de polîtica. Em termos gerais, pode- corporati vidade. Para a localidade, teve o efeito de diminuir a influencia dos superiores.
se dizer que a poderosa dinâmica resultaiiteda rclaçSo dialĞtica enire consumo e mııdança
Quaiido tomamos^a hist6ria da revolufao do consumo no scculo XVIII, ve- mos que
social encontrou na loja de deparla- mento um locus ffsico c urn lar institucional.
□ consumo havia se aproximado um pouco mais do ceniro do paleo histdrico.
Enquanto caradterfslica estnitural per- manente da sociedade modern a, ela tinha agora um
lnstiiucionalmente, ele adquiriu uma presen^a mais ativa e mais formal. Os mcr cad ores
lugar para se instalar.
eram agora “profissionais de marketing” c mesircs nos efei- tos de difusao c na nova midi
a da comunicagao. 0 numero de bens escava em tirmc ascensao c era possfvel compra-los
CONCLUSÂO em mais lugares e em mais oporiunida- des que antes. ◦ poder transformador da moda
Este capîtulo dedicou-se a revisar a literatura rcccnte ac'erca da produçâo do consumo atingia agora mais categorias de produtos e havia crescido a freqiiencia com que a moda
moderno. Examinou, para tai, tres momentos cruciais na histöriado consumo. Esta tarefa mudava, o que exigia compras mais constantes e um escopo mais amplo de conhecimenlo
nâo representa um inventârio perfeito das qucstocs que devem ser formuladas por futuros social. A moda tambem destruiu o sisiema “patina" que tao bem havia funcionado como
historiadores do consumo. Prctendc/ao contrârio. apresen lar-se como um mapa do uma salvaguarda do status. Mas o mais notiivei de ludo, ceriamente. foi o faio de que o
momento presenle, de acordo com o qual cerias fronteiras podem ser esclarecidas, um consumo era agora uma alividade de massa. A met^fora epidemica usada pel os
alcrta contra certos riscos pode ser dado, certas oportunidades podem ser evidenciadas, e coniemporaneos era adequada. 0 vfrus que antes havia se restringido a uma comunidade
um vasıo e diversitıcado ierriıö- rio pode se torn ar mais compreensfvel. arisiocrAtica men or havia agora infcctado a todos.
E uma curiosidade para a sociologia do conhecimento que o papel da revolu- çâo do Por voila do s6culo XIX a revolufao do consumo havia se instalado como um fato
consumo na "grande ıraıısformaçâo” tenha sido sistematicamcnic c por tanto tempo social permanente. A vigorosa dial^tica que ligava mud an fa no consumo e mudan^a
ignorado. E uma curiosidade adicional que este periodo de neg I i genci a pareça ter term social era agora uma realidade esirutural. Esia revolufao, com efeiio, linha ate mesmo
in ado lao subitamente com o surgimento nao de um, mas de vdrios trabalhos substanciais cncontrado um locus institucional, um espa^o pr6prio: a loja de dcpariamenio. Esia nova
dedicados a este töpico. Se a causa desta longa ne- gligencia nâo 6 aparente, suas insiituiQao ajudou a mudar a natureza da est6tica pela qual os bens cram ncgociados,
conseqiiencias, entretanto, o sâo. A historia do consumo nâo tem histöria, nâo tem uma introduzindo tecnicas podcrosamente persuasivas no cinema e na decora^ao que ainda
comunidadc nem tamp one o uma tradi- çSo academicas. E, nas palavras de T.S. Kuhn, continuam a ser refinadas. A loja de (Jeparta- mento lamb6m mudou a natureza mesma do
“prc-paradigmAtica”. Ou, talvez seria m;ıis acurado dizer, e “rccöm-nascida”. lugar no qual as pessoas consumiani, o que elas consumiam, a informa^ao de que
A ausencia de uma tradiçâo academica confcre a este campo uma necessâria precisavam para consumir e os cstilos de vida aos quais cstc novo consumo era devotado.
diversidade de qualidade e de ııbordagem. Cada um dos autores examin ados aqui teve de Ajudou a criar o significado carrcgado polos bens c mesmo a “rccscrcvc-lo” quaiido a
assumir nâo apenas as responsabilidades academicas de praxe, mas tam- b6m as mudaii^a social assim o demandava. Finalmente, as lojas de departamentos foram agentes
implicadas em todo empreendimento pioneiro. Cada um deles teve de ene on ırar seti de difusao, funcionando como vastas sal as de aula nas quais os cidadaos do sdculo XIX
pröprio caminho em um territörio nao-mapeado. Cada um deles sofreu o que Veblen podiam aprender as arLes e as habilidades de seu novo e vital papel como consu- midores.
chamou “a penalidade de tomar a iniciativa”. Se os ires trabalhos falharam cm iluminar A revolu^ao do consumo nao podia estar melhor instalada.
completamente o mecanismo dialeiico que tuz do consumo e da vida social instancias Novos experimentos na manipulagao das propriedades cullurais e simbdlicas dos bens
muluamente transformadoras no Ocidcntc moderno, 6 porque eles nâo puderam foram os maiores e mais negligenciados segredos da histdria do consumo. Elizabeth e sua
vislumbrar plcnamente o terreno que eles pröprios estavam ajudando a explorar c a iiristocracia foram talvez os primeiros consumidores a ier a oportunidade de experimentar
reconhecer. esta nova midia. Por vclia do sScuio XIX, esla midia havia se tornado amp 1 amente mais
Este tour de sete 16guas galope pela histöria do consume nos permiie apre- ciar complicada e poderosa, lanto como um meio de inven^ao cultural quanto como urn meio
plenamente certos detalhes, eventos e atores. Observamos como a revoluçâo do consumo de expressao simbolica. Agora todos os grupos sociais se engajavam nesta criativa
fiincionou ao mesmo tempocomo causaeconsequenciana transfor- mafao da Inglatcrra empress, em urn esforgo ao mesmo tempo para construir e para acomodar-se a um mundo
elizabetana. Capturados pelo uso estrat6gico que Elizabeth fez do consumo como um perigoso e fluido. Com o crescimento da desorganizacao c da indetermina^io social,
instrumento de governo, os nobres elizabetanos foram conformados cm padrdes de devido em alguma medida a prdpria revolu?ao do consumo, era agora necessirio para
todos recorrer ao uso dos poderes expressivos c culturais constitutivos desta nova midia. 0
52 CliLTURA &. CONSUMO

uso deste inventirio e inslrumento cultural nao era lanto uma oportunidade arbitriiria, mas indivfduos de alta classe para se distinguirem dos de baixa classe, bem como para poUciar
mites uma ncccssidade cada vcz mais urgcntc. e conformar a mobilidade social. Como um sistema de consumo, el a funcionou como
A revolu^ao do consumo 6 um estranho capftulo na bistdria etnogrdfica das espficies. csteio e base para a organiza^ao social ate o momento em que, no sdculo XVIII, se
O primeiro momento de sua hist6ria foi, possivelmente, uma comuni- dade humana que eclipsou. Suplantada pelo sistema “moda” de consumo, a pAtina recolheu-se em sua
voluntariamente acolheu um agente nHo religioso de mudan^a social e permitiu-lhe posifao atual: uma estratfigia de status us ad a somente pelos muilo ricos. Este capftulo
transformar-se em uma base conlinua e sistematica para virtualmente toda e qualquer pretende estabelecer um sentido te6rico para a pfitina, inspirando-se em Veblen e Peirce,
caracterfstica da vida social. A comunidade acade- mica nao lardou em reconhecer bem como ira?ar a carrcira do sistema patina antes e depois do seculo XVIII.
aextensao da “grande transforma^ao”. rampouco demorou para dcclarar a grande
iransforma?ao como um tdpico vital de estudo academico. Foi, no entanto, extraordinSria A CULTURA MATERIAL E A MENSAGEM DE STATUS 0 campo da culiura
e lncxplicavelmentc lenia em conlent- plar a contribui?ao da revolu?ao do consumo aqui. material estabeleceu uma detalhada compreensao das proprieda- des simb61icas que se
Os trabalhos examinados nes- te capftulo sugcrem que esta reticencia esta agora chegando aderem aos objelos de manufatura humana. Mapeou cuida- dosamente a variedade, a
ao fim. Ha agora tan to um precedente quanto uma base para o estudo da revolucao do profundidade e os diversos usos comunicativos dessas propriedades, e estamos de posse
consumo.
agora de um meticuloso registro de como a culiura material produz culiura material. De
DOIS particular interesse nesta literatura 6 a liabilidade da culiura maicrial em carreg ar
mensagens de status. Academicos de diversas escolas das ciencias sociais buscaram
demonstr ar como os indivfduos e as comunidades usam objetos inanimados para
“Sempre mais querido em nossos pensamentos” reivindicar, para legitimar c para compctir por signilicado de status. N3o 6 exagerado dizer
que o status tern sido uma aspicie de “idcia Oxa” para certas comunidades de academicos.
Patina e a representa^iio de status antes e depois do seculo XVIII Apesar de iodo esse cuidadoso traballio, contudo, o estudo do simbolismo do status ainda
e incompleto. Nao possufmos uma iddia sistcmAtica do que viriam a ser as propriedades
simbblicas mais importantes referentes ao status. Ainda nao formulamos uma id6ia
No primeiro capftulo, abordamos cm vasto ambito a histdria do consumo. Neste capftulo, daquilo que este capftulo chamard de “patina”.
voltaremos nossas aten^oes para um aspecto particular desta histdria, o sistema “pAtina" Este capftulo examina a id6ia de pStina em quatro partes. A primeira delas define e
de consumo. A pdtina, tomada como uma propriedade ao mesmo tempo ffsica c simbdlica discute o conceito de “pdtina”. A segunda considera as teorias exisientes acerca da
dos bens de consumo, foi um dos meios mais impor- tantes de que dispunham os reprcsenta?ao do status atrav6s da culiura material, e oferece uma teo-

ria formal da pitina como um meio de representa?ao de status. A terceira fornece urn breve mordidos, lascados, oxidados e usados, esses objetos comegam a adquirir “patina".
hisi6rico da piiina no Ocidcnte nioderno, sublinhando parlicularmenie como o simbolismo Nas sociedades ocidentais, essa propriedade ffsica 6 tratada como proprieda- de
de status da patina foi afetado (e amplamente deslocado) pelo ad ven to do sistema de mod simbdlica. Nessas sociedades, a superffeie que se acumula nos objetos rece- beu uma
a no sdculo XVIII. A ultima parte aborda a pAtina no mundo moderno e discute seu papel signitica;ao simb6l;ca e foi explorada com propositos sociais. Foi cap- turada a firn de
atual nas represer>ta?6es de status corrcntes. codificai iima'vi:al e incomum men sagem de status. 0 que torn a essa mensagem incomum
e o t'ato de que el a nao e, cstritamente lai undo, reteren- te reivindicapao de status. Esta
ultima, mensagem rclativamentc simples e ate mesmo banal, 6 entregue a outros aspectos
PATINA: PROPRIEDADES FISICAS E SIMBOLICAS
do simbolismo de status, mais munda- nos. A piitina tern uma carga simbdlica muito mais
DA CULTURA MATERIAL
importaiite, ade sugerir que as reivindicafoes de status existentes sao legftimiis. Sun
A piiiina e, cm primciro lugar. uma propriedadc fisica da cultura material. Con- siste nos fun^ao nao eade reivindi- car status, mas, sim, a de autenticS-lo. A pitina funciona como
pequenos signos da idade que se acumulam na superticie dos objelos. Mobilia, prataria, uma cspficie de prova visual do status.
cutelaria, constru^oes, retratos, J6ias, roupas e outros objetos de manufatura humana Um exemplo do sdculo XVI servird para ilustrar o que se pretende aqui. Uma famflia
sofrem um gradual afastamento de sua condi^ao intacta original. Conforme entram em elizabctana usava pratos de prata para reivindicar status (Jones 1917). Ulilizava-os para
contato com os elementos e com os outros objetos do mundo, sua superffeie original representar sua posigao elevada, riqueza, opulcncia e gosLO. Tomada por si mcsnui. esta
adquire, el a pnSpria, uma outra superticie. Con- forme vao sendo continuamente rcivindica^ao de status nao teria necessidadc da pAtina. Praios perfeitamente novos,
52 CliLTURA &. CONSUMO

intciramente livres de piiiina, poderinm fazer um constrangedor apelo visual a uma alia Qualquer sociedade que dependa de represenia?oes de status cstd sujeita il pos-
posi^o. Mas a piiiina adicionava algo vital a este simbolismo. Demonstrava que o sibilidade deste tipo de fraude. Com suaintensa mobilidadeecrescente anonimato, as
simbolismo de status dos pratos tinha fundamento. Dizia que os donos dos praios nao cram sociedades ocidentais foram espccialmente flageladas por este problema. Uma inevitiivel
aspiraines ao scu simbolis- nio. Funcionava como uma esp6cie de prova da longevidade da decorrencia disso foi a cria^ao, por parte de tais sociedades, de um con- junto de antfdotos
familia e da ilura- §ao de seu status de bem-nascidos. Neste senlido, a reivindicagao de simb61icos, os quais elas buscariam proteger de embustciros.
status dos pratos estaria praticamente nua sem a cobertura tmamente trabalhada da pdlina
com a qual o tempo, o acidcnte e, mais importiuite, a propriedade de longa-data
contemplaram a superffeie da prata. A presen?a desta pStina reassegura a um observador
que os pratos lem sido uma posse da famflia por varias gera^oes e que, portanto, a famflia
niio 6 rec6m-chegada k sua presente posifao social.
E diffcil superestimar o valor dcstc lipo de propriedade simb61ica. Um dos maiorcs
riscos das reivindicagoes de status feitas atraves da cultura material e a facilidade com que
podem scr falsificadas. Qualquer recem-chegado dotado do neccssario bom gosto e
dinheiro pode comprar os objetos conelatos posifiio de bem-nascido. Com efeilo, [oda e
qualquer gera^ao no Ocidentc da Idade M6dia e da Primeira Modernidade presenciou
mercadores sisicmaticamenie adquirirem os enfeites e adornos de alta posifiio jumamente
com a compra de um feudo e seu eslilo de vida (Hexter-1961; Thrupp 1948). E o
argumento de Macfariane que esta e uma caracterfstica definidora do Ocidcnte: a de
encorajar uma mobilidade constante e relativamente desembarafada de posifao social
(Macfariane 1978). Em um tai contexto social, a presen?a de uma propriedadc simb61ica
capaz de afirmar (ou trair) adura^ao do status e de fornecer paraisso uma evidencia visual
da autenticidadc de sua reivindicajao era de fato uma pe^a muito valiosa do simbolismo. O
principal secretiirio de Elizabeth, o grande Lorde Burghley, resu- miu o assunto de modo
conciso: “A fidalguia niio e outra coisa senao antigos ricos” (.Burghley 1930).

ESTUDOS DE STATUS ANTERIORES


E UMA TEORIA DA PATINA
Goffman, em um trabalho pioneiro intitulado “Symbols of Class Status”, obser- vou que
“um simbolo de status nem sempre 6 um bom teste para o status” (Goffman 1951). A
dificuldade, ressalta ele, 6 que esses simbolos podem ser usados deum modo
“fraudulento". Em toda comunidade, alguns membros se engajam em atos de falsa
representa?ao de status. No sficulo XVI, Sir Thomas Elyot expressou sua irritagao com o
“.ilfaiate ou barbeiro [que], excessivamente adomado, sc dissr- muhiria para parecer um
cavalheiro” (Elyot 1907)
Esta dificuldade cresccu conforme as pessoas iransferiram-se de sociedades de rela?
ao face a face, nas quais o status de cad a individuo era de conhecimento geral, para
sociedades relativamente anonimas, nas quais o status precisava frequentemente scr
inferido a parlir das posses lisicas individuals. Form e Stone observaram estc fenomeno
social e notaram. tambiim cles, a oportunidade af gcrada para a falsillca- ?ao do status. Os
auiores falam de um status “temporariamente apropriado atraves da 'correta' demonstraeao
e manipula^ao dos simbolos” (Form e Stone 1957).
56 CULTURA & CONSUMO
“SEMPRE MAIS QUERIDO EM NOSSOS FENSAMENTOS" 57

Exislem muitos destes aiilidotos. Um dos pioneiros foi a legislajao suntuSria. 24 Por um distin^Oes muito sutis que pcrmitiriam este tipo de discrimina^ao social.
simples expediente de urn aio do Parlamenio. a Inglatena declarou ilegal a falsifica?ao do Uma terceira estrategia e lorn ar o status contingenie da posse de certos obje- tos
status e criou o desestfmulo do julgamento edapuni?ao (Baldwin 1926; McCracken 1982a; hermeticamente guardados. Esta estratSgia possui uma longa e distinta hisl6- ria. Os selos
Hooper 1915). Esta puni?5o era severa e algumas ve- zes humilhante. Um certo '^mas e as insignias de altos oficiais foram associados com as formas ocidentais de governo de
Bradshaw, um alfaiate mercador elizabetano, foi preso por um oficial da Coroa, que sua origem aos di as de hojc. Os militarcs ocidentais tambem fizeram um exlenso uso
cumpriu a lei, dilacerando e a?oiiando seu “cxcessivo” vesiuSrio. Com suns roupas entao deles. A dificuldadc desia idcnica cstava em demaiidar uma autoridade adequadamente
em farrapos, Bradshaw ioi poslo p;ira desfilai- pel as runs da cidndc, e quando alcan(;ou constitufda para supervisionar a atri- buigao e o uso desses' objetos (ex: honrarias
sua casa o processo reco- megou, agora sob a plena visla de seus vizinhos (Hooper 1915: concedidas pela corte, o desembai- nhar das armas para anunciar uma chegada). Esta
441). Apesar de loda cssa ferocidade na puni^ao, a legislagao sunluiria era cada vez mcnos autoridade geralmente achava bastante Heil conceder honras, mas viriualmente impossfvel
c men os encarada como um meio efetivo para lidar com a- falsa represenia^ao do status, e reavS-las. Uma vez concedidos, estes signos de status nao podiam ser recuperados. 0
a Inglaterra nao mais projetou leis desie lipo depois do sficulo XVI. Ostensivamente o resultado disso e que lais honrarias nao eram muito lluidas. Nao refleliam de um modo
modo mais eficaz i disposiQao do Estado, o ato legislativo revelou-se um fracasso e uma perfeita- mente corrente o presente e apropriado estado de aloca^ao de status.
op?ao pouco usada.
Consideremos agora a estrategia implfcita napropriedade simbdlica aqui chamada de
Pode ser apenas especula<;ao, mas parece haver uma razao l(5gica para que a “pSiina”. Este mode de lidar com os aspirantes tern certas vantagens. Primeiramente, a
legislafao suniuiria finalmente falhasse em conirolar a'falsa rcprcsenta(;ao do status. O estraiegia da pdtina separa muito nilidamente os pertencentes ao grupo dos forasteiros. 0
problema com esta legislagao nao era seu fracasso em detectar e punir os crimes contra a observador 6 capaz de dizer com um passar de olhos sobre as posses fisicas daquele que
exclusividade. Seu problema era que esta detecgao e puni^ao era posta em maos erradas e reivindica status se seu apelo tern ou nao fundamento. A piilina dessas posses diz
chegava muito tarde. Era necessftrio que uma reu- niao de legisladores deliberasse sobre o plenamente que elas tern estado na famf- lia do reivindicador de status hi virias gera^oes.
que era ou nao o vestu^rio apropriado para cada grupo social, e. que depois algu6m.ficasse A ausencia de patina diz, lao plenamente quanto, que “esta riqueza 6 de novo rico”. Nesta
responsSvel pela execu^ao da lei. e, s6 entao, que aqueles que a ofendessem fossem medida, a pStina funciona tilo bem quanto qualquer outro dos mecanismos de delec^ao de
detectados e punidos. Este processo era embara?oso e desajeitado e, tai como qualquer status que foram apreciados ereconhecidospelas ciencias sociais. De modo aindamais
remedio legal, eflciente apenas a longo prazo e para a coletividade. Nada faziapara significalivo, a pStina e bem-sucedida em incorporar muitas das vaniagens de tais
prolcger o i ndividuo que pudesse ter sido vftima de um ato de falsificagao de status. Niio mecanismos, ao fiiesmo tempo em que Lranscende muitas de suas desvantagens. Em
era dada primeiro qualquer advertencia da falsificafao. A detec?ao e a puni?ao para a falsa primeiro lugar, a patina concede a oporiunidade de imediata detec^ao e punigao, a qual
representagao do status revelaram ser, como oulros assuntos sociais, algo que seria mellior cabc nao a algum ageniedo estado, como na legislagao suntu^ria, mas a qualquer alor
deixar nas maos dos indivfduos. social. El a criava uma categoria de simholismo de status que era imediatiunenle detectivel
Uma outra cstratfigia atravfis da qual as sociedades buscaram chegar a um acor- do por todos. A primcira vista, mites mesmo de enlrar em imera(;5o social, o observador era
com a falsifica?ao do status poderia ser chamada de a “marca invisivel”. Nela, certos capaz de us ar a pitina para fin alidades de taxagao de status, determinanclo por si mesmo
grupos sociais cullivavam determinados lipos de conhecimento (de musicas, poemas, a legitimidade ou a fraude.
jogos, daii^as, vinhos, decoro, vestufirio e assim por diante) e faziam deles os signos
Em segundo lugar, a patina tern a virtude da estrategia da “marca invisivel”. 0
cruciais c mais podcrosos do pcrtencimento (Bourdieu 1984; Davis 1958; Douglas e
simbolismo de status da patina 6 frequentemente melhor conhecido e comprcen- dido por
Isherwooc! 1978). 0 que ha de mais sagaz nesta estraiegia e que cla e lrequentemente
aqueles cujo apelo por status 6 de longa-data do que pelos novatos. Sombart aponta para a
invisivel p;ira aqueles contra os quais 6 utilizada. 0 aspirante pode. por excmplo,
tendencia dos novos ricos em trair suas origens atravfes de certos estilos de consumo
idenLificar como seu favorito o compositor errado. Ele teria, assim, anunciado deimediato
(1967). A pAtina funciona como um c6digo secreto
seu status de forasteiro, lao plenamente quaiito se ele livesse posto uma placa no pescojo
anunciando “nao 6 um dos nossos”. Mas, provavel- mente, elepermanecerA totalmente
alheio emrela^ao a seu erro e a suas conseqiien- cias. Esta estrategia teve sucesso por
muito tempo, e permanece como um modo ativo de descobrir embusteiros. Sua
desvantagcm 6 que rcqucr um mundo social extremamente bem organizado e intimamente
ligado, com um grupo estdvel de participantes - o tipo de mundo que aparece, por
exemplo, na flc?ao de Henry James. Qualquer mundo que seja mais poroso, mais
rapidamentc em transformagao ou mais anonimo niio pode esperar estabelecer e manler as
5K CULTURA & CONSUMO
"SEMPRE MAIS QUERIDO EM NOSSOS PENSAMENTOS" 59
imediaiamente inteligfvel por aqueles cuja posifao 6 genu in a e beni dissimulado para quantidade de pAtina que se deposita sobre suas posses.
qualquer aspirante, por mais sofisticado que seja. Mas o melhor de ludo d que esta A primcira coisa a ser observada sobre esta descri^ao 6 que ela faz da patina um tipo
estraldgia tem uma univcrsalidade que a “marca invisfvel” nao tern. Mesmo em mundos peculiar de simbolismo. Com o advento da lingiifstica estrutural e a influ- encia de
de status porosos, em iransforma?ao e anonimos, a estratcgia da pitina continua a servir a Saussure, estava na mod a insistir em uma definifao restrita do significa- do e argumentar,
seu prop6sito discriminatdrio. mais particularmenle, que a rela^iio entre o significante e o signiiicado era iirbitraria. Esta
Finalmente, - pStina lem uma ceria fluidez e, portaiito, rcfiete com fugacidade acurada perspecliva atlrmu que, pclo menos para o proces- so de conmnica^ao por excelencia, a
o presente estado da alocafao de status. A patina surge somente em ob- jetos de valor linguagem, n3o b^ nenhuma conexao -‘natu- ral” entre significante e significado. A
financeiro. Quaiido uma famflia sofre uma perda de rccursos finan- ceiros, e controviirsia esti no signiiicado lingiiistico advir n3o da conexao entre os dois, mas da
eveniualmcnte for^acia a vender alguns de seus objctos com pdtina em [roca de seu valor “estrutura” darela^ao entre conjuntos de significantcs e de significados. Tai controversia
em dinhciro. A verdadcira tragedia desic ato (e a verdailcira dificuldade em decidir reside no cora^ao mesmo do estruturalismo cujo vulto cresce agora tiio imensamente em
emprecnde-lo) advdm do fate de que nao silo apenas os objetos que serao perdidos, imis certas partes da an- tropologia cm particular e das cicncias sociais em gcral (Culler 1975;
tambfim scu considerdvel valor em status. Uma vez que uma famflia de elevada posigao Levi-Strauss 1963; Sahlins 1976; de Saussure 1966).
eslcja neste caminlio, se desfaz sistema- licamente dos objetos que a ajudam a lcgitimiir A teoria da patina proposla aqui diverge desta abordagem. 0 presente iirgu- mento
suas reivindicates de status. eprecisimiente o de que a patina, enquanto um “significante”, represent;! o status,
Em suma, o simbolismo de status dapAtina possui vArias vantageiis maiiiiesias na enquanto um “significado”, por causa da conexao “natural" entre ambos. E justamente
deteccao da falsa representafao do status. Alem disso, 6 uma tccnica que loi usada porque a patina 6 uma especie de signo nSo-arbitrArio que eia permite ao observador
consistente e extensivamente nas comunidadcs de status ocidentais. Tem liui- cionado co inferir certos tipos de informa?ao economica e de status sobre os proprictirios dos objetos.
mo uma salvaguarda de valor inestiindvel, conlrolando a mobilidade de status que toi A patina e, cm primeiro lugar, uma propriedade ffsica e, somente entao, uma propriedade
tolerada e encorajada no Ocidente em rapida transforma?ao. Apesar de tudo isso, as simbblica das coisas. Esta lhe concede a "real” conexao com a coisa que ela significa. A
cicncias sociais nao conccderam um tratamento formal ao estudo do simbolismo de status. firn de compreender a patina como uma instancia de simbolismo de status, devemos ir
Nao 6 um exagero dizer que a pAtina foi complelamente negligenciada no mundo al6m do que esta atual- mente na moda em certos cfrculos analfticos.
academico. Vejamos agora se uma teoria da patimi pode ser formulada de modo apermilir
Nao M nada de radical ou de temeririo nesta discordancia. Isto porque a abordagem
fis ciencias sociais reconhece-la c lidar com ela.
aqui proposta jA apareceu antes no estudo do simbolismo de status da culiiira material. De
falo, estava presente no trabalho de um academico que e possivelmente o pai do moderno
UMA TEORIA DA PATINA estudo do simbolismo de status, Thorstein Veblen. Em The theory of leisure class, Veblen
A patina de um objeto permite-lhe iuncionar como uma midia para uma mensa- gem de assume a posi?ao de que o vestuArio e outras categorias da cultura material fazem seus
status de vital importancia. O objetivo desta mcnsagem nao c apclar por status, mas, apelos por status funcionando como “boas evidencias a primeira vista" da renda (Veblen
sim .verificar as reivindica^Oes feitas. ApAtinaviabilizatal vcrifica- fSo ao permitir que o 1912). Seu argumento controvcriido e simplcsmcnte o de que os observadores leem no
observador se engaje em um processo de inferencia sobre um indivfduo que esteja fazendo custo de um ariigo de vestuirio o poder de compra do indivfduo que o veste. Esta e uma
apelos por status. Este processo consiste, gros- seiraniente, nos seguintes pressupostos: formulafiio pr6-simb61ica. Nao postula o claborado aparato tedrico exigido pe- ■os
estruturalistas do sficulo XX. Nao nccessita de “c6digos”, “mensagens”, “ca- deias
1) Um objeto adquire patina em propor(;iio direta i sua idadc.
sintagmiiticas”, “classes paradigmAticas”, “codificadores” e “decodificadores”. Dispensa,
2) A idade de um objeto c direnmienteproporcional’adura^ao de sua possepor parte
com efeito, a pr6pria no^ao de “interpreta?ao”. A teoria de Veblen pressupoe
de uma famflia (com o pressuposto de que a familia o teria comprado novo).
simplesmente um observador inteligentc capaz de formular inferencias a partir do custo
3) A dura^ao da posse familiar de um objeto represenla a extensao de tempo durante dos bens quc tiguram em atos de consumo conspfcuo. No esquenia de Veblen, o
a qual esta famflia gozou de um certo nfvel de renda discricion;iria c caprichosa. observador niio estJi “dccodificando” men- sagens simb61icas, ele ou ela estd “inferindo”
4) A dura?ao deste nfvel de renda representa a extensao ds tempo durante a qual esta implicates simb61icas.
famflia desfrutou de um certo status social. Uma proposta muito similiir esiA sendo tcita aqui em rela^ao i patina. Como os bens
Di to de um modo mais simples, a pdtina permite a seguin le inferencia: quanto de consumo discutidos por Veblen, a pitina representa as rei vindicates de status
maior a patina em certos objetos, mais longo foi o tempo durante o qual o proprie- tiirio confvrindo-lhes uma evidencia visual a partir da qual o observador pode proceder a certas
gozou de certo status. Isso permite ao observador ler a dura^ao do status de uma famflia na inferencias, Nenhum “cbdigo” sublinha este ato comunicalivo. Nenhum “codificador" ou
60 CULTURA & CONSUMO “SEMI’RE MAIS QUERIDO EM NOSSOS PENSAMENTOS" 61

“decodificador” C necessirio para que a pitin a possa cumprir sua tarcfa simb61ica. Ela A honra era iluida e mulAvcl, em grande medida, porque a ordem social dcste periodo
irabalha sobrc urn outro princfpio, que estd fora do alcance explanat6rio do paradigma era ela pr6pria altamente dinamica. A mobilidade era, entao, incessante. Famflias se
estruturalisla. clevavam e despencavam na hierarquia, com apenas uns poucos as- cendentes capazes de
A melhor maneira de caractcrizar este princfpio 6 com a teoria de Charles Sanders conquistar c manter a grandeza por mais de algumas gera- Qoes (Stone e Stone 1984).“ A
Peirce e sua defini^ao de “(cone" (Peirce 1932). De acordo com Peirce, um fcone e um moeda corrente deste movimento era a honra. A famflia cuja honra houvesse crcscido
signo que reproduz algumas das qualidades da coisa que significa. Um exemplo de um ascendia na hierarquia. A famflia cuja honra houvesse sido manchada cilia. A honra era o
fcone na linguagem 6 a onomatop6ia na qual o veiculo signico (ex: “buzz”) imita a coisa combustfvel da mobilidade.
que significa (i.e., o zumbido da abelha). Oulros exem- plos de fcones incluem diagramas Um dos aspectos mais imporlantes da mobilidade de status neste periodo era a
que sao eslruturalmente isomdrficos aos obje- tos que representam e as r6plicas nas quais transi(;ao de uma posi?ao nao-nobre para uma nobre. Esta era, por exemplo, a transigao
propriedades ffsicas do sinal e as do objeto assinalado sSo indistingufveis (Silverstein que era exigida de um mercador antes que sua famflia pudesse ser vista como membro da
1976). sociedade nobre. Mas era essa a transigao tambem parapeque- nos proprietarios rurais,
Emuosso exemplo, a pAtina funcionacomo um fcone El medida que a coberlu- ra na profissionais e classes nao-comerciais que buscassem reivindicar uma posi^iio nobre. Esta
superffcie dos objetos reproduz a dura?ao do apelo por status de uma famf- lia (passos transmuta^ao de substancia social era extre- mamenle diffcil. Alem de tudo, ela exigia que
inferenciais de 1 a 4, acima). A piiina mostra a dura^ao dareivindica- Q5O de status por um indivfduo e uma famflia atra- vessassem o quc era inquestionavelmcnte a distingao
pane da famflia, demonstrando a idade do objeto que ela ador- na. Neste caso, a rela^iio social melhor definida e mais fortemente guardada em uma sociedade preocupada com
cntre significante e significado 6 ainplamente natural e motivada. 25 A pitina se presta a um distingoes (Stone 1965: 49). Esta transifao constitufa-se, talvez, no evento unico de
objetivo comunicativo precisamenle por causa de suas qualidades ffsicas e do tipo de reivindicafao no qual se depositava toda a honra acumulada.
informa^ao que pode ser inferido a partir destas qualidades. 0 simbolismo de status da Os comentaristas do periodo elizabetaiio se referem i regra das “cinco gera- Qoes”
patina pode ser alheio ils conven^oes estruturalisias prevalecentes, mas 6 nilo obstante (Cooper 1970:16; Feme 1586:87).27 Este era o numero de gera^oes que era exigido para
prontamente com- preensfvel nos termos te6ricos propostospor Peirce. Destaperspectiva, uma famflia acumular honra e posifao suflcientes para ser enca- rada como plenamente
uma abor- dagem iconica do podcr cxpressivo da pitina 6 mais util. nobre. Somente um periodo tao longo quanto este poderia lavar a miicula da vulgaridade
pleb6ia. Somente um aprendizado social desta dura^iio poderia conlemphir uma famflia
com direitos de plena participa^ao nos privilegios da posi?ao nobre.
UMA HISTORIA DA PATINA
Estas cinco gera^oes de aprendizado constituiam um periodo no qual se espe- rava
A estrat^gia patina de representa?ao do status 6 ainda hojc amplamente utilizada, como que a famflia se comportasse como a famflia nobre quc aspirava ser. A 16gi- ca era, pelo
veremos na sc^ao final dcste -apitulo. Mas sua majiil'cstafao moderna 6 uma versao p; visto, a de que cinco geragOes de aparencia nobre poderiam engen- drar uma nobreza real.
ilida d;. aiiiefior. Isto porque a estral6gia da pfilina havia sido um ponto de apoio A expectativa era a de que a familia dedicasse sua riqueza aquisifSo de um estilo de
fundamental para os processos alrav6s dos quais as comunidadcs protegiam-se da falsa residencia, de vestuSrio, de mobiliSrio e de hospitalidade que caraclerizava aqueles que
representa^ao do status. Foi, por exemplo, preeminen'.c nos perfodos medieval e da eram de posifao elevada. Investimentos muito subs-
primeira modernidade na hisidria europeia. Com o advento da revolu^So do consumo e do
sistema de moda no s6culo XVIII, a eslratSgia da pfitina foi substancialmenie eclipsada.
Examinemos esta estrategia antes e depois deste desenvolvimento.
A PATINA EM ASCENSAO
As famflias inglesas medievais e da primeira modernidade podem ser encaradas como
corporates dedicadas a criar, aumentar e validar a honra (James 1974. 1978). A honra era a
mais preciosa das posses de uma famflia, a base de sua posigao social e o “estandartc de
ouro” do qual dependia o grupo familiar a firn de negociar suas iransagocs sociais. 0 mais
notivel no quc se refere A honra era seu carflter dinamico (Marston 1973). As famflias
eram capazes tan to de desLruf- la quanto de faze-la crescer. Antjes posilivas eram
necessiirias para manle-la. A honra estava em constante mudan^a em sua quantidade e
qualidade.
62 CULTURA & CONSUMO "SEMPRE MAIS QUERIDO EM NOSSOS 1'ENSAMENTOS” 63

lanciais de dinheiro no exaio e correto pacoie de bens de consuino eram, porianio, uma ediversas, coriio notamos no capilulo precedenie. O que nos interessa aqui 6 o desen
parte essencial do processo de enobrecimeiito no qual a famflia havia embar- cado. Como volvimenio de um novo tipoeritmo de mudançana moda. A Ingla- terra do sĞcıılo XVIII
coloca Stone, “o dinheiro era o meio de adquirir e manter o status social, mas nao era sua viu a taxa de mudança na moda crescer dramaticamente. Aquilo que antes levava uma
essencia: o icido teste era o mododc vida...” (Stone 1965:50). Nao 6 diftcil pcrceber por ddcada para se transferir atraves de um ciclo de moda, agora levava apenas um ano.
que a patina era tSo ulil para uma sociedade com lais caracterfsticas sociais. A pitina Aquilo que antes levava um ano, agora levava apenas uma eştaçüo. E, ainda mais ııotâvel,
conl'eria aos indivfduos uma forma visual de deierminar em que posi?ao uma familia ealegorias de objetos antes intocâveis pel a moda estavam agora sendo inclufdas neste
estava no processo demobilidade e no de tornar-se de boa eslirpe c bem-educada. Quando inccssante processo de mudança (Braudel 1973:315-25). Os “profissionais de marketing"
os bens de- consumo de uma famflia possufam pitina, estava claro que o processo de agora compreendiam as dinâmicas da moda e trabalhavam para aumentar sua intensidade.
iransforma^ao havia se instalado por completo. A pitina informava que a famflia havia Novas tecnieas para criar novos estilos e colocar os antigos em deserddito estavam sendo
vivido de uma maneira nobre por varias gera^oes e, portanto, era legftimo que agora cons- liintemente desenvolvidas (McKcndrick el al. 1982:34-99). Este foi o locus do
vivesse assim tamb6m. Esta simples propriedade ffsica e simb61ica concedia aos mcm- nascimcnto do sistema de moda que domina o consumo dos dias atuais.
bros desta sociedade ferozmente hierarquizada urn meio de se protegerem contra a falsa Para a estratfigia pâlina de represeııtaçâo do status, as conseqiiencias deste
representafiio do status. desenvolvimento foram cataclfsmicas. Subitamente, os indivfduos de elevada posiçâo
Nao podemos, por6m, ver a piitina somente do ponto de vista de familias indivi- podiam encontrar mais status cm objetos novos que nos antigos. Pior que isso, a nova
duais, mas tambem da sociedade como urn iodo. Desta perspectiva, a pitina emerge como preocupaçâo com a moda nas residencias, no mobiliârio, na cutela- ria, na prataria e na
um aspecto essencial de urn processo mais iimplo, atraves do qual esta sociedade converlia cerâmica significava que os indivfduos de elevada posiçâo estavam passando dos objetos
dinheiro em status, plebeus em nobres e, neste processo, maiitinha con- soantes riquezae que tinham pâtina para aqueles que nâo linham. Novamente nas palavras de McKendrick,
posi^ao social. Que a sociedade se compusesse de uma rigida hie- rarquia era uma das “a novidade tornou-se uma droga irresistfvel” (1982:10). Com a novidadeem ascensâo,
realidades da vida inplesa neste periodo. Uma outra realidade era que ela se constituia apâtinaentrouem declînio. O fim da pitina como meio preeminente decontrole da falsa
como paleo de uma intensa e constante mobilidade. representaçüo do status integra uma s6rie de eventos infelizes para o sistema de status. 0
Para acomotlar estas duas realiuades poiencialmenle hostis, era liecessirio dolar-se de primeiro deles foi simplesmente que nâo havia mais um modo de discernir atravös da cul-
algum modo de absorver a nova riqueza sem romper com a ordem social. 28 Era necessflrio tura material a diferença entre os de posiçâo elevada e os ricos de baixa posiçâo. Quaiido a
permilir o ingresso dos novos ricos na hierarquia, mas nao de uma maneira que ultima moda era a coqueluche, qualquer um com o bom gosto e os recursos necessiirios
corrompesse a hierarquia de status existente ou que encorajasse embusteiros. A regra das podia obter a inovaçâo mais recente e utilizâ-la para propo- sitos de status. Isto significou
cinco gera?oes satisfazia essa cxigencia: viabiiizava a entrada, mas somente com o tempo
que a riqueza de primeira geraçüo tornava-se agora indistinguivel da nobreza de cinco
e somente depois de um processo de qualifica?ao. A virtude dn patina era que ela permitia
geraçöes.
a esta sociedade tomar publicamente dcmonsiravel em que posi- ( ; ao os indivfduos
O segundo evento seguiu-se irresistivelmenle ao primeiro. Havia agora uma explosao
estavam. A patina t'azia com que aqueles que apenas gozavam de riqueza mas que ainda
de cumportiimento imiiativo por parte dos consumidores de baixa posiçâo. A moda havia
nao estavam qualificados para ufiia posi^ao elevada pudessem ser identificados como
apagado um dos mais importantes meios de diferenciar os pertencentes is classes alias e
tal.Ela marcava aqueles quehaviam complctado seu aprendi- zado. Em resumo, a pAtina
baixas. Os que estavam em baixa posiçâo podiam agora falsificar uma posiçâo elevada
agia como uma espficie de salvaguarda, banaiido aspiran- tes a posi?5es elevadas e
sem medo de serem detectados. McKendrick documenta o feroz e esmagador entusiasmo
admitindo os que a el as pertenciam.
com o qual isso era feito, mas nâo se dâ conta de que o fim da estrat6gia da patina ajudou
a torn ar possfvel esta orgia de emıılaçâo de status.2’
A PATINA EM ECLIPSE
A pdtina sofreu um eclipse no s6culo XVIII, em fun^iio do dramiWco apareci- mento de
uma “sociedade de consumo” neste periodo. Como vimos no capitulo anterior, a Inglaterra
sucumbiu, subitamente, ao que um observador contempora- neo chamou de “loucitra
epidemica”. Conduzidos por novos gostos e preferfencias e expostos a um reluzente
conjunto de novas op?ocs de consumo, os ingleses sc enlregaram ao que um observador
moderno chamou de “uma convulsâo de aqui- siçâo e gasio” (McKcndrick et al. 1982). Os
ingleses descobriram o consumo conspfcuo em uma cscala modern a (Braudel 1973).
As conseqiiencias desta revoluçâo do consumo foram extraordiiuiriamenle numerosas
64 CULTURA & CONSUMO "S EM PRE MAIS QUERIDO EM NOSSOS fENSAMENTOS” 65

0 terceiro even to constitui-se das implicaçöes sistemicas da imitaçâo dos su- nao pode reivindicar uma posi?ao nobre, condnua a fazer-se util. A pitina pode ate nao
bordinados. Quando os individuos de baixa posiçâe comcçam a tomar empresla- do dos de mais conuolar a representa^ao do status, mas e ainda uma sen’s dedicada e habilidosa
alta posiçâo seus marcadores de status, estes ültimos siio forçados a transfcrirem-se para desta causa.
outros marcadores. Este “cfcito trickle-down", ideniificado pela primeira vez por Simmel. Wiirner e Lunt, em seu cldssico estudo do staius na Amdrica, Yankee City,
operou pr r todo o perfodo da primeira modernidade (Simmel 1904 、 Mas ag?-.sem a vislumbram a patina em diversas ocasiOcs. Em sua discussao das "antiguidades, bens de
pâüna para proteger detcrminados marcadores de status, este padrâo de difusâo assumiu heranga de famflia e outras propriedades que foram legadas do passado", os au tores no
uma nova proporçâo e uma nova velo- cidade. Agora, virlualmente qualqucr marcador de tarn a importancia de tais objetos para a rela^ao entre as gera^oes: “A licran?a dc objetos
status podia ser imitado por grupos subordinados ricos. Como resultado, os grupos süperi rituais do passado e seu uso por descendentes vivos conferem aos inembros das classes
ores cram forçados a adotar ouıras inovaçocs em lodas as catcgorias de produtos. Nâo superiorcs um aparato simbdlico que liga os sentimentos dos vivos com os dos mortos. A
havia trögua. Mal o grupo dos superiores criava uma inovaçio, es ta era, lamb6m, casa, sua mobflia c seus jardins se tornam, assim, expres- soes smibolicas nao apenas da
apropriada pelos grupos subordinados, e um outro movimento era cııtSo novamente rcla;ao entre os membros da famflia, mas tiimbem du relafSo entre os vivos e os mortos".
necessiî- rio. As classes aristocrâticas haviam se tornado prisionciras de um ciclo de “çaça (Warner e Lunt 1941:107).
e perseguiçâo”.30 As novas modas que el as antes adotavam por capricho, agora tinham de
adotıır por nccessidade. Sem a estraLĞgia da p Atin a para protege-las dos apelos Warner e Lunt observam a pitina mais diretamente quando comentam sobre as casas
frauduleııtos por status, o tiııico recıırso de protcçao era continuamenıc inventar novas das famflias de classe alta-alta. "Uma casa com uma linhagem distinta 6 uma evidencia
modas.31 concreta de status de alta classe". Os autores tambfim notam como esses objetos podem
O advenıo do sistema de moda abriu a possibilidadı; da imitaçâo e, com ela, a da ajudar uma famflia a acumular status. “... depois de umas poucas gera(;oes, as ‘novas
perdados sımbolos. Tal perda, por sua vez, conduziu a ainda mais inovaçöes. O pessoas’ que nioram nessas casas e que adotam um comportamento de alia classe se
surgimento deste sistema anunciou o fim da pâtina como um meio de controlar a falsa tornarSo membros de antigas famflias e entrarao na classe alta-alta” (1941:107,108). Mas
representaçâo do status, o que privou os gnıpos de posiçâo devada de sua linha de fren te nada mais dramAtico atesta a presen?a da estrategia da patina no novo mundo que o
de defesa contra ess a fraude. Os grupos de posiçâo elevada eram agora forçados a epis6dio do veleiro.
continuamente adoıar novas modas para recri'ar a distinçâo que era antes fornecida pela Uma das famflias de mais alia posii;iio em Yankee City, os Altons, foi for^ada por
pâtina. Eram agora, em um senıido mais que figuralivo dil frase, prisioneiros da moda. cxigencia financeira a vender um de seus mais prezados objetos de staius. Era um modelo
Na mesma medida em que este episödio foi traumâıico para os grupos de alta posiçâo de veleiro que rcpresenlava a atividade atrav6s da qual os Altons liaviam conquistado sua
e para a histöria de suas cstratdgias de status, teve efeitos benignos dc ııııı ponto de vista forttina e, mais lmportanic, nele estava implicada a dura- ?ao da reivindicafao de uma alta
mais geral. O advcnto do sistema dc moda dc alocııçSo de status significoıı qııe uma nova posi(;ao por parte da familia. Os Altons aprecia- vam o valor de status dc seu veleiro e
consistencia enire riqueza e posiçâo social tornou-sc possıvcl. Agora um indivfduo podia levaram-no a Boston, onde um negociante foi instruido a vende-lo “na surdina". Esta
converter sua renda em status imediatamen- tc, sem necessidade de uma longa, estrategia, contudo, nao evitou.que os Starrs, uma lamilia de novos ricos e de grande
dispendiosa e arriscada espera por cinco gera- çöes. Isto permiıiu que o sistema dc status ambii^iio social, comprasse o veleiro e o cxibisse em sua casa de Yankee City (Warner e
incorporasse a mobilidade ascendcnte de modo imediato. Tornou possıvcl, tamböm, que Lunt 1941:131). O episddio do veleiro nos mostra uma America na qual a patina
este sistema recompensasse aqueles que por força de iııiciaiiva ou talcnıo houvesscm permanece ativa; nos mostra uma famflia tcniando se apropriar dc um objeio com patina a
provado ser mereccdo- res de um avanço. Este novo sistema de alocaçâo de status fim de utiliza-lo para converter fortuna em posi^io e para legilimar apelos de status. Por
favorecia a inicialiva e a proeza mais que a mera posiçâo. Encorajava uma nova um lado, isio nos reafirma que a p3tina era ainda uma esiratdgia de staius na America
mobilidade e o rcco- nhecimenıo da habilidade. A eslrategia da pâtina havia servido ü ocidental nos anos de 1930. Por outro, nos reports o quanto esta estrat6gia lutvia
causa dc uma relaıiva rigidez, fixaç3o e imobilidade. O sistema de moda servi a â causa da diminufdo e sido distorcida no novo mundo. 0 subterfugio
mobilidade. Devemos nos perguntar que contribuiçâo o fim da pâtina deu, neste senıido
em particular, para a transformaçâo do Ocidente.
A PATINA NO MUNDO MODERNO

A piitina continua viva no mundo modemo. Foi deslocada pela moda. mas nao
inteiramente suplanlada. Permanece urn meio utii de discrimina^ao entre o novo e o velho
staius. Emboh nao seja mais a lerrive) salvaguarda, o teste imperdoavel de quern pode ou
66 CULTURA & CONSUMO
Lois ROGET
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empreendido pelos Starrs era desconhecido no mundo elizabetano. Uma lai em- prcsa nao
teria sido levada a s6rio nestc periodo; nenhuma famflia poderia espc- rar se apropriar de sensibilidade a moda, comcfam muito rapidamentc a mostrar sua idade mais
status desta maneira.3’ convincentemente que seu status. Por voila da segunda gera?ao, elas nao esiao
A estrategia da pAtina foi notada por outros cstudos mais recentes nas ciencias desenvolvendo uma patina cada vez mais e mais distinta, mas, sim, estao se tornando um
sociais. Prail, eni seu exemplar cstudo, “The house as na expression of social worlds", estorvo. De fato, a no?5o mesma de uma heranfa de famflia, embora iiiiida esleja ativa no
teve vislumbres da cxistencia da pAtina enlre famflias de posifao cleva- da cm Vancouver, modo como as famflias coneebem suas posses e as distribuem de geragao cm gera^ao,
Columbia Britimica (Pratt 1981). A autora ideniificadois gru- pos neste trabalho, os guarda tSo pouca semelhan^a com a opers^iio elizabetana da piilina que obscurece nossa
“Sliauglmcssy", caracterizados por urn ponto de vista tradi- cional, antiga fortuna, educa? pereepfao accrca de um mecanismo de status que fora uma vez tao dislinto. Para a massa
ilo cm escolas privadas e gostos classicos para o design de interiores, e os “Vancouver da sociedade, a no?5o de pdiina 6 ela mesma desesperanfadamente aiitiga, uma no^ao
Ocidentais", caracterizados por urn ponto de vista mais moderno, nova riqueza, educa^ao fascbiaiite mas fora de moda. A palina, se ainda vive, o faz em diminutos enclaves sociais,
cm escolas publicas e gostos muito mais antenados com a moda. Pratt sugere que o nos quais conserva-se como salvaguarda com tod a sua perspicacia anterior, mas com
primeiro grupo, o das mulheres “Shaughnessy", seria preocupado com um design de muito pouco de sua gldria original.
๒ teriores classic» e especialmentc ligado ii mobflia passada de gera^o cm gerayito porque
teria uma mentalidade convencional e indiferenle <ls influencias da midi a. 0 que a autora
nao percebe e que esla liga^ilo reflele o fato de que este mobiliSrio herda- do e coberto por
patina e sc presla a ateslar a dura^Ho da reivindica^iio de status por parte da lamilia.11
A incapacidade de Pratt em perceber a operagiio de uma estrategia da patina por paric
das mulheres “Shaughnessy” tambdrn a impede de compreender que as mulheres
“Vancouver Ocidentais” adotam uma csirategia de alia moda essencial- mente por razdes
reativas. As mulheres “Vancouver Ocidentais” silo dad as a um cstilo de mobiliiirio e
vestuArio extremamente sensivel moda. Pratt atribui esta sensibilidade ao lato de que
essas mulheres seriam individualisias ("baixo nivcl, baixo grupo”) de um modo que as
mulheres “Shaughnessy” nao seriam. 0 que ela nao pcrcebc 6 que as mulheres “Vancouver
Ocidentais” reconhecem que o carater rccente de suas posi?3es elevadas as impede de
fazer uso da estrategia da pitina. El as nilo possuem objetos com pAlina atravds dos quais
poderiam apelar por status. Sua resposla 6, portanto, fazer o melhor possfvel em uma
siluayiio diffcil, utilizando-se para isso do potencial de conferir status da moeda corrente
da moda, de uni modo agressivo econscicncioso. Impossibilitadas de usar a pAtina,
utilizam sua terrivel rival, a moda, para fazer suas rei vindicates de status.* 1 Sem uma
id6ia formal da pitina, Pratt 6 incapaz de analisar a estetica e os principios sociais que
molivam o grupo “Shaughnessy" ou as eslraldgias reativas de seus rivais de "dinheiro
novo”.
Por essas evidencias, percebemos que a estrategia da patina estd viva na socie- dade
contemporanea. Parcceria ser o caso, contudo, de que ela recuou de um uso mais geral e se
conslilui agora na preocupado apenas dos grupos de posi^ao mais elevada. Para o resio da
sociedade, seria de vaior menor. Virtualmente ningudm compra m6veis com a expectativa
de que eies lerao valor utilitSrio e simb61ico para as prdximas gera?oes. Ningu6m na
massa da sociedade compra uma casa com a id6ia de que ela viri a ser um “sftio familiar”.
Alguinas famflias de classe mfidia e m6dia-alta comprarao pratarias com a expectaliva de
que elas ser5o passadas de gera^ao em geragao comb “heranga de famflia” e, de fato,
muilas famflias de classe m6dia usam essas colefoes por causa de sua significaQilo de
patina: Contudo, tais cole?6es, espccialmente aqnelas que guardam qualquer trago de
Lois ROGET 69

TRES rela^ao com suns posses. Lois vinha de uma famflia que havia ocupado a mesma casa de
fazenda local por sete gerafOes. Niio surprecndeiitemente, a famflia possuta um senso
exlraordi- nariamente forte de sua prdpria conlinuidade, e Lois, um sentimento tamhem ele
muito intenso de ser umu descendenie. Ambos foram muito bcm ilustrados reccnte- mente.
Lois Roget qiiando Lois loi ittstada a lomar uma posi(;iio cm uma sociedade de restau- r ; t(;ao de
tgrejas, em fun<;ao de sua mae ler dela participado aitieriomieiiie. (“Minha mae foi uma
Uma consumidora curatorial em um mundo moderno diretora deste conselho, entao adivinha s6 quern esta nele agora?”) A regiao de Gresham
foi paleo da vida representaliva desta longeva famflia, c quando Lois ocupou este cargo,
ela o fez como uma representame da famflia. A famflia do marido de Lois (“0 pessoal do
Este capilulo da continuidade ao niovimciit'j dcsccndenie que vienios lazciulo. dos John”, como ela os chama) tambem senle-se apta a reivindicar uma cadeia inintcmtpta de
assuntos inais gcrais para os mais particulares. Focalizaremos agora nossas aten^oes em varias gera?5es e lamb6m ele, John, parece ter um forte scntimenio de si mesmo como um
uina breve anAlisc de uma unica consumidora modema, Lois Rogel. 0 quc 6 noliivel na descendente.
Sra. Rogel 6 seu engajamento em um padriio de consumo que tinha praticamentc Estas duas famflias fazcndciras haviam consintido um grande e impaciante estoque
desaparecido por compleio da modema America do Norte c que nao prevalecera em de mobiliirio dom6siico, e usaram esies mdveis como uma esp6cie de arquivo.
nenlium lugar no Ocidente desde o periodo da primeira modernidadc. Com efeito, me semi Ittscreveram suahist6ria em suas posses. Relaiivamentepoucas famflias tiorle-amcricanas
um pouco como um naturalista do seculo XLX que tivesse trope^ado em uma espficie ha cxibem este entusiasmo especial pelo uso da culturn material para signillcitr sua
muilo considerada extinta. Aqui, vivendo no seculo XX e em circunstancias domeslicas conlinuidade, c cu me perguntava como os Rogcls haviam deseitvolvido este hdbito.
quasc ordindrias, esiava uma mulher com um padrao de consumo foriemcnie “curatorial". Talvez isso fosse uma tradifao rural, mas tambfim era possfvel que .eles livessem
Uma analise desta vida nos permile perscrutar a “realidadc viva” do consumo antes da aprendido esta li(3o das pr6prias coisas. A final de contas, eles possu(ram pelo mcnos dois
cria(;ao do mercndo moderno, forncccndo-nos um modesto sentido dn consumo tai como objetos doiados de notdveis podcres de insintfao. A casa de fazenda na qual a famflia
ele exisliu naquele que Lasleit chamou de "o mundo que perdemos”. havia vivido por sete gcra^oes e um deles. Aqui esiava, em circtinsiancias mais modesias
O estilo de consumo de Lois Rogel nao aparece cm parte alguma da liieralura do que as normalrnerite preiettdidas pela expressSo, um “feudo familiar”, um ccntro para a
revisada no primeiro ou no segundo capftulo. Tampouco foi caplurado, c prova- velmcnte famflia, uma prova de sua longevidade, um container para suas memdrias. Conforme cada
nao o pode ser. em qualquer trahalho academico que esieja sendo escri- to agora. Fatos de gera^ao a deixava de heran^a para a seguinte, esia casa de fazenda deve ler dado uma
uma natureza etnogrAfica tao delicada quase nunca sohrevi- vem. A reconsiru?ilo deste vtvida li^ao para a famflia do poder mnemonico das coisas.
padrao de consumo de modo pleno, a panir do exem- plo de um indivfduo vivo, 6 um Igualmenie importante como fonte de instru^So talvez lenha sido a escritura da
empreendimento arriscado, carregado de possibi- lidades de erro e de representa^Oes fazenda. Esia 6, como a descreve Lois, “um papel pergaminho com mrt selo vcrmelho que
cquivocadas. Se 6 tentado aqui, e com a cspc- r ail fa de que as vaniagens possam mosira quc [;i fazendal foi paga em libras c pences”. Muilos obje- los fimcionam como
prevalecer sobrc os perigos. Klulos para cerias rcivindicafOes sociais, mas aqui lemos um tftulo quc cjim lilulo
A sepilo Hiuil deste capftulo considcra as implicates do consumo curatorial para o mesmo. A famflia o conservou c estimou por seu valor hist6rico c social c, ao fazer isso,
individuo. 0 padriio de consumo da Sra. Roget a provia de imponantes confortos. aprendeu alguma coisa sobre o valor simbdlico das coisas. Tanto a casa de fazenda quanto
coniiniiidades e seguran<;as que, geralmentc, se enconiram ausentes no mundo mo- derno. a escritura demonstraram vivamente Ji famflia que os objetos podem servir como um
Mas, ao mesmo tempo, uunbcni funciunava no sentido de cjnstrangerccoagir sna arquivo, e 6 possivclmente em fun?ao deles que a famflia possui seu entusiasmo por
existcncia de maiieiras que muitos de n6s considcnirfamos intoleraveis.1 if. • colecionar e conservar. Para esta famflia, coisas de significado foram lalvez uma fonte
inicial de instru- fao no significado das coisas.
LOIS ROGET: CONSUMIDORA CURATORIAL
A lieran?a de famflia de Lois consiste eni um amplo conjunlo de mbvcis, legado de
Lois Rogel era a deientora das posses de sua famflia. 2 Sua casa era liieralmente lotada de um espanloso numero de parentes. A especial significafiio historiea e memorial desics
objctos herdados de sua famflia e da famflia de seu marido. Sua atitude em rela^ao a elcs m6veis constaniemente sc impfie sobre sua euradora. Lois frequentemenie levanta os
era carregada de um sentido de responsabilidade. Dcveres fa- miliares a obrigtivam a olhos do livro que esta lendo para coniemplar uma mesa ou uma cadeira que a faz
acumular, a exibir e a conserv.ir esses objetos, Eslc padrao curatorial de consumo afeiava record<u' do parente que a possuiu. Traia-se de um retorno individual, como uma imagem
muitos aspectos de sua vida. Seu objeiivos, seus coitccitos de famflia, sua liga^ao com o ou nma memdria que ela pode optar por vislumbrar ou deixar escapar, ou ainda por
lugar onde vivia, sua rcla^ao com scus fiihos, tudo isso era forlemente implicado por sua explorar em exauslivo detalhc. Lois segue uma ou ouira destas op^Oes, dependendo de seu
70 CULTURA & CONSUMO Lois ROGET 7!

humor. A present;;» cons- laiite dcste arquivo visual lorna a liistSria familiarsempre as que nao o siio. Ela tende a se demorar nas pegas familiares e a reci tar; os membros da
presentc e ubfqua. Lois pode retornar a ela da mesma maneira que relormiria a leiiura de famflia e as historias a eles associadas. As oulras pc^as nao-familiares, por oulro lado, sSo
sen livre, rcto- mando a narraiiva em seu momento de lazer. freqiientemente rejeitadas como sendo “nao-significalivas” ou “s6 uma cadeira”.
Os parentes estSo liio bem represenlados que eu semi que ela cstava lendo para m:m A alitude de Lois em reia?3o ils antiguidades foi especialmente ilustrativa da
sua irvore gene;il6gica ao inv6s de me mostrar sua sala de eslar. Cada um dos objeios profundidade e da nalureza de seu seniimenlo curatorial por suas coisas. Lois gosta de
linha sua proveniencia, que inclufa a menfao do lermo de paren- tesco apropriado a seu olhar as antiguidades que estao sendo postas Ji venda, mas ela jamais consideriiria
dono anterior. Um tio ingles 6 relembrado por alguns “pequenos pratos”, e a miiravilliosa comprar alguma. Ela nao tern inicresse em possuir objetos por causa de sua idade, beleza,
av6 de Lois por uma cadeira no corrcdor. Freqiicntemente a proveniencia ird incluir caracterfsticas estilfsticas ou associates his(6ricas. Nao tern inlercsse nas antiguidades
alguma coisa sobre o carrier, a casa, a vida do proprietirio. e talvez uma bistdria relaliva h enquanto antiguidades. Todas as coisas sob sua posse siio valorizadas c conservadas por
pe?a e il sua conota(;iio p;ira Lois. Mas a diversidade e o conjunto da informa?ao familiar sua conexao com a famflia.
recordados nestes objeios nem por isso implicam em que Lois seja discursiva ou confusa E interessante observar o modo atravds do qual Lois interpreta seu papel de euradora.
quando discuie as memdrias de ■. ../i pe?a de'mobilia. Muito pelo contnkio, ela <S precisa Qualquer bom curador sente a responsabilidade de preservar os objeios de uma maucira tai
e quasc academica quando recita a histdria que vive em seus bens de fanulia. Afinal de que seu cuidado persists mesmo quaiido elepr6prio jinao esieja prcsenic. Quando se trata
comas, ela esil falando nao por si mesma, mas pel a lamdia. do cuidado de objetos, a sucessao 6 uma ques- tao-chave. Lois treinou cuidadosamente sua
Algumas vezes o significado arquivfstico desses bens referc-se as importan- tes filha para substituf-la em suas responsabilidades curaloriais. Ela ensinou a esta crian^a
cerimonias no passado da fanulia. 0 casamcnto da mac de Lois, por exemplo, e recordado (agora na faixa dos quaren- ta an os) a reverencia por estes objetos eahisidria familiar a
por “este pequeno pote verde de biscoitos”. Mas esta coleQao de coisas lambem inclui eles atrelada. Ela atd mesmo deu a sua filha a chance de pratic;ir, colocando na casa dela
objetos de valor memorial criados pcla pr6pria vida domes- tica de Lois. Objetos viirias das pe§as da colefiio.
comemoram seu casamcnto, a gradua^ao de seus filhos, a aposenladoria de seu marido,
Esta responsabilidade por providenciar a continuidade do cuidado com a co- le<;ao
seus aniversirios de casamcnto, e uma serie de outros eventos familiares. Alguns desses
traz consigo cerias ansiedades, contudo. Em primeiro lugar, Lois se per- gunta sc sua filha
objeios foram presenlcados a ela pclas gera^des mais novas, a quern um dia eles iriio
lerA de fato o espa^o c a inclinafilo para prolcgcr plenamente a cole^ilo. Com toda. a
retornar carregados de significado familiar historico. Esta famflia nao 6 apenas um sftio
cerleza, a filha expressa grande emusiasmo pel a missilo e, al6m disso, foi bem treinada,
para o significado hisi6rico, mas lambSm um lugar para sua manufatura.
mas e se... Perspectivas aterradoras se precipilam sobre a euradora e ela se pergunta se fez
O segundo conjunto de significados eontidos nessas posses de famflia e rela- tivo uo de fato o suficiente. Combinam-se aqui ansiedades curaloriais e maternais para atormeniar
primciro e tern a ver com o lugar. As famflias de Lois e de seu marido tern um forte senso Lois e forjar seu medo quanto ao futuro da cole?ilo familiar.
de pertencimento a esta Area local. NSo 6, de fato, um exagero dizer que a famflia 6
ligada localidade com uma intensidade similar il que liga suas gera^oes umas fls oulras.
La?os de famflia e la^os com o lugar encomram-se emaranhados. A mobflia da casa de
Lois lambem expressa esse la?o com o local, relembrando as casas de fazenda existentes
por toda a 4rea. Os mbveis sao feitos da madeira que vem das fioreslas locais. S3o,
ademais, fabricados pelos marce- neiros locais. Foram admirados e cobi?ados por centenas
de residentes locais. Logo, essas cois;is sao parte da loealidade tanto quanto o s3o os
Rogels.
Assim, Lois estS de posse de objetos que sao canegados de uma profunda
significado, Ela aprecia o fato de que ela prbpria, como resultado, e carregada com uma
responsabilidade muito profunda. A longevidade da famflia, o vigor de suas coiiexoes
corporalivas e seu la?o com a localidade sSo expressos em suas posses. Sua obriga?ao 6
providenciar para que estas pe§as lao importantes sejam preservadas de quiiisquer danos,
exibidas de modo adequado e transinilidas para a gera(;ilo seguinle.
O senso de Lois acerca de suas responsabilidades curaloriais e a for<;a eom que este
se manifests ficam evidentes do prinefpio ao fim durante a entrevista. Quando instada a
descrever suas posses, ela faz uma forte e consistente distin^iio entre as pc^as familiares e
CULTÜRA & CONSL'MO
72
Lois ROGET 73
Em segundo lugar, estii claro que o lllho deLois 6 absolutamente desprovido de Nestas ocasiöes, as luzes sSo apaga- das e as crianças tem uma refeiçSo especial ao
sentimento curatorial. Elc exprcssou intercsse em uma - e apenas uma - pepi da cole?ao: redor da lamparina.
um servi^o de ch5 que tem o nome da famflia gravado. Scu inieresse por esta Esle e um uso liabilidoso da coleçâo. Utiliza um objeto canegado de signifi- caçilo
pe^ademonsira, ironicamenie, o quao pequena e, na realidade, sua sensibilida- dc f;ımiii;ır lıistörica para criar um even to carregado de significaçiio familiar
curatorial. Isio porque, dcntro de loda a cole^So, o que capturou seu olh;ir foi contemporânea. Mas, melhor que isso, cria um even to infantil memoriivcl para uma
justamente a unica pe^a marcada com o nome da familia. Todas as ouiras pe^as, muilas gcraçâo, fazendo uso de um objeto que foi parte da intancia de uma ouira geraçâo. 0
delas muiio mais carregadas de • ignifica^So familiiir, segundo o modo de pensar de objeto passarâ a ser posse dos netos, e evocarâ para eles niio apenas sua iniancia, mas a
Lois, loram p.,. cic igno.’aa’as. Apesar de ser um bom e dcdicado fillio, esia crian?a nao infância de sua av6. Seu passado ir.i corner um objeto que coıuĞm ele pröprio o passado
tern feeling para o projeto que laiito preocupa sua mSe. da famflia. Lois criou uma exposiçâo viva que coloca o observador outrora passivo em
Mas a maior dc-todas as fontes da ansiedade de Lois 6 o fato de que seus filhos contato participativo com uma peç;ı de muscu, e uma geraçüo de outro modo distante
recusam-se a falar sobrc a cole^iio e sua eventual disposi?ao. Lois adoniria pregur atrds em contato com sua linhagem.
de cada uma de suas pet;as uma ctiqueia que identi ficasse o filho que a herdaria. O ritual da famflia de Lois pode ser visto como uma tĞcnica para acomodar
Coniudo, seus lllhos simplesmente se rccusam a escula-lu quando cl a aborda esic eventos de sigııificaçüo familiar c corporativa no passado dos indivfduos. Esta lecnica
tdpico. “Eu lento fazer com que eles assumam um cbmpromisso, veja voce, porque eles lem o efeilo de transformar o passado individual (e, deste modo, tambem o indivfduo)
certiunente gostaram de algumas coisinhas [da cole?ao]. Eles ficam rindo de mim, eles em parte da famflia. Podemos tomâ-la como uma especie de ativida- de “seguradora” do
pensam quo n6s [Lois e scu m;irido] vamos viver para semprc”. Este 6 um conflito grupo de liıüıagem. E atravös dela que a linhagem inlegra em si cada geraçâo,
interessante. Por um lado, Lois eslii tentaiido salisfazer sua responsabilidadc curatorial, providenciando assim sua pröpria continuidade e preservaçâo. Em termos analflicos,
providenciando para que seus filhos a assumam quaii- do ela vier a falecer. Ela estA estamos testemunhando aqui o uso das relaçöes pessoa- objeto p:tra criar relaçöes
preocupada em garantir que sua propria mem6ria e a da sua famflia scrao preservadas pessoa-pcssoa.
depois de sua morte. Seus filhos, por outro lado, nao querem parlicipar de uma
0 fato de que Lois escolheu a lamparina para este ritual & interessante. Seria
discussilo que busque olbar adiame, para um mo- menio em que sua mae ji fari parte da
apenas acidental que, quando os netos se reûnem â luz da lamparina, s3o ao mesmo
linhagem. Querem reier a memdria de sua mSe e de sua famflia preservadas em vida.
tempo reunidos no pequeno cfrculo familiar? Seria acidental que a chama que cria esta
Cada uma das partes, portanto, esta csiruluralmente disposta de modo a contradizcr os
piscina de )uz tambem cria necessariamenie a escuridao circundante para a qual
desejos da ouLra.
ftmeiona como proleçâo? Seria acidental que as lamparitias sejam freqiientemente
fi, portanto, de especial inieresse que Lois nao tenlia feilo leniativas de recru- lar a
usadas com propositos memorials e como sfmbolo de susteııtaçâo da fe e da devo- çâo?
gcra^ao seguinie dos seus filhos. Seus netos, como veremos, foram insiiga- dos a
Quando Lois escolheu uma de suas posses para criar um pequeno ritual familiar de
valorizar e a apreciara eolefao. Mas. ao que parecc, nao foram plcnamentc insirufdos a
coniinuidadc, ela dispös de grande sone ou de notâvel habilidade.
respeiio de sua significa^ao hisidrica. Niio conheccm todas as hist6- rias depositadas
nessas coisas. Esta 6 uma importante oportunidacle perdida. Ou- iros dos enirevisiados Ser uma curadora nem sempre foi uma tarefa fâcil. Lois recemcmenie teve
planejaram iransferir a cole?ao de Lois por eslAgios no longo da vida de seus netos, de problemas com suas acomodaçöes fi’sicas. Por vinie e ires anos, ela viveu cm uma
modo que eles nao s6 ja csiariam bcm conscienies de sua significafiio, mas lambfm casa'que era praticamentc perfeitu para o armazenamento e a exibiçâo, uma c;isa de
treinados nas responsabilidades de curadores. tijolos vermclhos de grandcs c helas proporçöcs. O exterior assemelhava-sc foriemcnte
iis demais casas de fazenda locais tanio em malerial quanto cm mode- 1() e, portanto,
impunha-se com uma certa propricdadc. 0 interior era muiio grande e clispunha de uma
UMA EXPOSIQAO INTERATIVA sala de esiar, uma sala dejaniar c um corredor que, juntos, ofereciam um espaço de
Mas esta gera<;iio mais recente de uma lamilia longcva teve a chance de participar na exibiçüo muiio gracioso. HA ires anos, coniudo, Lois e seu marido se mud;tram para sua
significagilo memorial da cole^ao de sua av6. De fato, um dos modos mais efetivos “casa de aposentadoria”. Agraciada com uma ou duas caracierfsticas de primeira
pelos quais Lois interpreta seu papel curatorial 6 alravfis de uma poldica de "exposifdes qualidade e muito mais manejâvel no que se referc ?t limpeza, esta casa era, coniudo,
inicrativas”. Em sua sala de esiar, ela tem uma pequena lamparina a 6!eo qua! ela 6 um desastre do ponto de vista curatorial.
muito apegada. Em suas paiavras: “Quando eu era pequena e n6s niio tfnhamos hydro
(i.e.. luz elfiirica), eu costumava levar uma lamparina como essa para a cama toda noile,
e por isso ela significa tanio para mim”. Esta lamparina e posta no centro da mesa na
epoca do Natal, como enfeite. TambĞm 6 posta af quando os netos vem visitar a avö.
Em primeiro lugar, era modern a e portanto praticamente inapropriada como lu- gar para Antes de irmos al6m, portanto, & necessSrio insistir que esta niio e uma metii- fora
74 exibir a cole?ao. Em scgundo lugar, era pcquena, o quc significou que algumas
CULTURA coisas
& CONSUMO ociosa. Lois.realmentc atrcla uma significa^ao histdrica e poderosamente mnemonica75a
Lois ROGET
liveram de ser rcmovidas da exposifao e que as pe?as remancs- centes produziam um seus objetos. Ela de fato cncara sua colegao como orgaiiizada a partir de um prinefpio
efeilo dramaticameme diferente. especifico, c a protege da intromissao de pe^as quc sejum meramente antigas. Ela fez de
A mudanQa diminuiu substancialmenie a habilidade de Lois em monlar adc- si mesma a guardia de cada pe?a e de sua provenien- cia e, a!6m disso, cuitivou um
quadamenle a exposi^ao; mas. ainda assim, ela persisiiu. Embora lenha lamenta- do um sucessor. Nao 6, portanto, Lois quem 6 conformada u metilfora, mas, sim, a melafora
pouco as dificuldadcs imposias por sua residcncia atual. comprecndeu que estas nao que se conforma a ela.
eram nada se comparadas is quc se seguiriam. Compreendcu quc a pr6xima mudan^a,
para um apartamento ou para uma casa de repouso, levaria a uma configura^iio ainda CONSUMO CURATORIAL E CONSUMO MODERNO: UM
mcnor, naqual cla leria quc virlualmcnte ab;mdonar suas lenlativas de exibir c CONTRASTE
armazenar a colc^ao. Atualmenle, uma parte tao considcri- vel de seu senlimento de si
O aspecto curatorial do consumo de Lois e, claramente, raro e quase excemrico. A maior
ancorava-sc no e realizava-se atraves do seu papel como curadora da timiflia quc lhe era
pane dos consumidores modern os niio nulre um interesse curatorial por suas posses. De
impossivcl imaginar (e para nos, impossi- vel especular) as conseqiiencias que esta
fato, poucos de n6s possuem objetos que admitiriam um trata- mento desta natureza.
mudanga poderia susciiar.
Nao h;i virtual men te uenhuma categoria de produto que seja passada de gcra^ao cm
Por enquajilo, Lois conlinua com suas responsabilidades. Como quiilquer curador
gcrafilo, com a possivcl c eventual exccgao da cute- laria, da louga e de certos itens de
sabe. as eoleejoes precisam eslar submetidas a um culuvo e a um zelo contmuos. Um
arte e de mobflia. E, mesmo estas poucas cxce^oes, tendo sido transmitidas de uma
dos atuais projetos de Lois 6 encoiUrar uma cadeira que )he permi- ta completar um
gera^ao para a seguinte, dificilmcnie serao passadas para uma terceira. Tornou-se rara a
conjunto que loi deixado por uma lia. Situates deste lipo sao as unicas nas quais Lois
transfercncia multigeracional. Estc 6. cvidentemente, um desenvolvimento moderno,
considera a compra de um objeto antigo. A justificaliva para uma tai compra csti na
cujas origens foram loca- lizadas no scculo XVIII por Neil McKendrick (1982), que
alega^ao de que ela lornara a cole?ao mais completa. Curadores e, partieularmenie,
argumenta quc a piirtir dcsic periodo a famflia progressista e individual lornou-sc cada
especialistas em restaura^ao sabem o quao lreqilentemenic um pequeno artificio ajuda a
vez men os e men os disposia a herdar suas posses e cada vez mais e mais disposta a
revel ar a verdade essencial de um objelo ou de uma cole?ao. Lois tamb6m tern grande
compra-las.
prazer em restaurar uma pet;a familiar deleriorada, restabelecendo sua gloria original.
Em ambos os casos, o da compra ou o da restaura^iio, ela esli trabalhando a colc^ao a Portanto, nao hA duvida de que Lois e como uma ave rara. Com efeito, seu padrao
firn de aumentiir scu valor memorial. curatorial de consumo faz dela um caso-limite muito valioso. Ela e uma esp6cie de
Por mais extensa que seja a colc^ao, porfim, ela nao basta para mobilinr a casa exce?ao que nos ajuda a perceber as regras que govern am os pad roes de consumo
inieira, e e necessArio comprar virias pegas menores ou maiores. Till tarefa compli- ca- cleitos como principals atualmente. Vamos observar mais de perto a nalurczn de seu
se com o veio dado por Lois il compra de antiguidades, mencionado ajitcrior- meute. consumo curatorial. Quais sao suas origens c quais sao suas im- plicafOcs para Lois e
Lois precisa comprar pejas que se conformem de algum modo a cole^ao mas que. ao para sua famllia, qual e sua significa^ao, sob o ponlo de vista da rcla<;ao pessoa-objeto?
mesmo tempo, nao sejam clas prbprias realmente aiitigas. Ela solucio- nou esse Como essa famflia diferc de outras quc dispdem de uma inclina?ao mais convencional?
problema de exibi^o escolhendo pc?as cuja apiirencia fosse simultanea- mente No padrao convencional da sociedade contemporanea, cada famflia escolhe seus
envelhecida e muito discrcta. Juntas, estas propriedades garaniiam que as pe^as bens de consumo por si mesma. Cada vez mais as ciencias sociais encaram esfe ato de
compradas nao chamariam atcn?ao para si mesmas c pcniiiliajn que iuncio- nassem
como “jogadores caf6-com-leite”, que criavam um pano de (undo p;ira as pet;as escolha como algo que cnvolve a famflia em um ato de construfiio de identidade. A
realmente importantes, seru ameaQar scu lugar de proemincncia. famflia esta comprando nao apenas o pacote economico de utilida- ■Kit <
Claramente, portanto, as relates pessoa-objeto nesta famflia constituem. era parte,
um padrao podcroso e consistenie. N6s o chamamos aqui de “consumo curatorial” e o
definimos como um padrao de consumo no qual um indivfduo lida com suas posses
como tendo um forte valor mnemonico, e nulre um senso de responsabilidade em rela?
ao a essas posses que prescreve sua conserva^ao, ex- posifiio e transmissao segura. A
dificuldade desta abordagem 6 que ela amea^a esconder a pessoa. A metafora que escala
Lois como uma curadora amea^a fazer estes aspecios completamente extraordinarios de
seu consumo parecerem meras extensoes del a prbpria. Faz com que pare?am simples
operates da metAfora, mais que caracterfsticas incomuns e muito reais de uma vida.
76 CULTURA & CONSI.'MO Lois ROGET 77

de, mas iamb6m um conjunlo de sign os que se prestarao a represenlar e a consliluir o modernos, nos deparamos com a confrontagao ckissica enire a corpora^ao c o indivfduo.
cardter familiar (McCracken 1986b). A famflia con venci onal e enlao convocada a fazer Is to porque Lois, cn quanto indivftluo, e submergida deniro da corp ora? Ho. Ela dispoe
uma sele^ilo clenirc uma gama de possfveis bens de consumo e dentrc o muito variado do conforto, da continuidade, da seguran?a e da capaci- dadede envolvimento destare)a?
conjimio dc significados cullurais que eslcs bens cairegam. ao. Como parte da corpora^ilo, Lois foi agraciada com um modo de def inir a si mesma e
Sob um ponto de vista, podemos dizer que este proccsso de escolha e I'otpi- do. O a seu mundo, e abenpoada com um pode- roso senso de pertencimento. Foi presenteada
lato de que ncnhum bem 6 legado ii famflia moderna a compete a fazer suas pr6prias at6 mesmo com uma espdeie de imorlalidade. Ela vivera nesses objetos e neles seri
escolhas. Sob um ouiro ponto de vista, conludo, podemos dizer que este proccsso de iembrada. Mas como parte da corporafao ela tambtSm sofrerd a perda da individualidade
escolha 6 livre. A auscncia de bens herdados deixa a famflia com uma -‘ficha limpa” que e a diminuigao da liberdade de desenvolvimento e de expressao. As familias modernas,
lhe permite construir um ambieme fisico e simbblico a seu redor sem o peso de uma por outro lado, experimentam uma limita^ao cm suas conexoes com as gcrafoes antcriores
bagagem liiera! ou figurativa. Em suma, o ato de csco- lha que confronta a famflia e fiituras. Nao h;i clareza e profundidade de defini^iio quepossam ser depreendidas dos
moderna 6 ao mesmo tempo uma necessidade e uma oporiunidade. Cad a famflia pode e ancestrais. Nao hfi tampouco qualquer senso de continuidade, precedencia ou tradi^ao do
deve fazer seu pr6prio conjunto de decisoes de consumo e se aproveitar dos significados qual se possa exlrair uma definipao. Cada famflia (e. cada vez mais, cada indivfduo)
conlidos nos bens de consumo. prccisa forjar seu prOprio caminho, tcccndo um senso de si a partir dos seus pr6prios
Ademais, a necessidade e a oportunidade de consumo da famflia moderna lem uma recursos e dos bens de consumo h sua disposi^ao. No 1 ugar deste legado, contudo, ha
perpetua qualidade. As familias sao com freqiicncia ao mesmo tempo livres c lor^adas a uma imensa gama de possibilidades de escolha. Cada vez mais, a famflia constitui-se
lazer uma cominua siirie de compras c, com cada uma clcssas mudaiiQiis, a soi’rer uma como um quadro em branco, no qual apenas ela propria csta autorizada a escrever.
translorma^ao em sen pr6prio conceito de si. Em ccrto sentido. as familias modern as nao Lois 6 uma curiosidade, quase um retrocesso. Seu padrao de consumo um dia l'oi o
tern a possibilidadede herdar as coisas; estas nao necessariamente sao legadas Els familias predominante. Como nos conta McKendrick, ate o sdculo XVIII, a maior parte dos
por suas manifesta^oes anteriorcs. Em resumo, as familias convencionais tern um acesso indivfduos herdava muito mais do que comprava e eram, desta forma, hcrdciros nao
livre e forgado a um vasto e mutAvel corpo de significado atrav6s de suas escolhas de apenas das posses de seus ancestrais, mas tambem do significado nelas embutido. Este
consumo. padrao de consumo era uma das maneiras pelas quais os indivfduos permaneciam
Lois, por outro lado, tem um padrao de consumo com implicates muito dife- rentes. submersos na corpora^ao. Claramente. contudo. o in- dividuo noOcidcnte tem lugido ils
Ela teve suas escolhas estritamente constraiigidas. Sua heran^a det6m por preempgao uma agarras dccontrole das corpora?oes. do ambiente domestico e oulros. Stone (1977)
grande parte de suas decis3es de compra, e as escolhas que lhe restam sao tomatlas com documenta este proccsso lai como ocorrcu no perfodo de 150()a 1800. Por voila do sdculo
um olhar cuidadoso para proteger a preeminencia e o c;irater da cole^ao. A16m disso, XVIII, um novo padrao de corpora^ao c de consumo emergia rapidamente, um padrao no
essas posses herdadas chegam carregadas com um significado muito particular: os lugares, qual o indivfduo era ao niesmu tempo livre e constnuigido a fazer suas pr6prias escolhas
as pcssoas, os eventos das geragoes anteriorcs. Para Lois, portanto, hi muito pouca de consumo c de defini- ?ao de si. '
oporiunidade discricioniifia, lan- to em suns posses quanto nos significados delas Os objetos linham um papel-chave tanto no padrao antigo quanto no novo. Para o
advindos. velho si sterna da famflia e da heran^a, o movimento dos bens de uma gcra^ao para a
Este lapso de oporiunidade elctiva constitui, sem duvida, uma condi^ao com a qual seguinte constilufa um imporlante m6lodo de preservagao da
muita genie sonha. Representa para essas pessoas um dos aspectos mais valiosos de uma
sociedade pr6-industrial e pr6-consumista, na qual o indivfduo tem sua vida ordennda pel
a tradi^ao cpelacontinuidade. Cada gcra^aoe herdeira e beneficiaria dos valorcs e dos
significados das prcdecessoras. Nem os indivfcluos ncm as gera^oes precisam reinventar a
si prdprios; ao inv6s disso, podem con tar com o trabalho dos ancestral,. ,
Por outro lado, este padrao de consumo 6 dotado de caracteristicas potencial- mente
ciuisativas. A heranca de ob.jetos tern direito de preempfao sobre as opor- tunidades de
escolha, e a heran(;a de m6veis e bens delimita a gama de significado a qual o herdeiro
terfl acesso. NSo 6 exagero dizer que hfl muito pouco espago para Lois em suas posses,
porque elas pr6prias jfl estao carregadas de significado, fruto do trabalho dvido por fazer-
sc memdria de sete gerafQes. Com efeito. esses objetos sao tao plenamente “pre-
gravados” que tom;ir posse deles e arris- car-se a ser atolado por seu significado. Sua
simples present representa um ; i insistencia di aria c-cloquente na famflia como
linhagem e em Lois comn uma descendentc. Esta tirania e capitalizada pelo fato de que
uma vez accitas essas coisas, o dono e entao transformado em administrador.
Na diferenya entre o padrao curatorial de consumo de Lois c os padrocs mais
78 CULTURA & CONSiJMO
Lois ROGET 79

corpora^ao, garantindo sua continuidade, relransmitindo seus valores, e uazcndo para um tipo de “lar” que o rcstantc de n6s s6 consegue imaginar vagamente. Sua casa 6 um
dentro da linhagem cada uma das sucessivas gera^oes. Lois nos permitin vislumbrar lugar de stirprcendcnlc significa^ao. E riciunenle tra- balhada e profundamente
como este antigo sistema (uncionava como um meio de comunicar significados de uma enraizada. 0 que cla pensa dos “lugares" nos quais o resto de n6s vivc? Eu lhe mostrei
gcrafao para a seguintc. uma fotografia de uma sala de cstar moderna e ela rcagiu dcmonsirando discordar
Para o novo sistema, os bens sao igualmente importantcs. Constituem uma das honestamente do mainstream.
fontes is quais a famflia e seus indivfduos recorrem a fim de obtcr um signi- ficado que LR: "Bom, claro que esLa nao e absolutamente a minha ideia do que seja uma
nao mais lhes 6 legado pela linhagem. Tais bens sao uleis dcsta forma somente porque caj>a. Isso e moderno.”
sao produtos de um sistema gerador de significado e porque sao perpenjamente revistos 0 “lugar” em que Lois vive reverbera de significado e a famflia inteira faz-se ouvir
por novas circunstancias sociais. A grande e geral aceiLa- ^ao de scu significado os quando a mem6ria desliga essa reverbera^ao. Os outros lugares, aqueles nos quais a
lorn a pralicamente inuteis para as gera(,:ocs sucessivas. Como resullado, eles agora maioria de n6s vive, nao reverberam. Ela nao consegue ouvir nada neles c clcs nao
r;iramente Lransmiliam-sc de uma gera?ao para ouLra; e muito ocasionalmente se despertam ncla qualquer sentimento. Ela nao tern “sentimenio” por esses lugares
prestavam it memorializa^ao das geragocs passadas enquanto uma corpora^ao em porque, cm sua perspeedva e dentro de seu senso das rela^oes pcssoa-objcto, nao ha
qualqucr senfido subslancial. 0 uso dos objclos como um registro da familia e como um qualqucr sentimento neles. Vivemos cm lugares que nao tern hisldria, o que, para
meio de sua conlinuidadc sc lornou algo muito dificil de se alcan^ar no novo padrao de alguns de n6s, 6 animador. Podemos escrever sobre esses lugares como um alo de auto-
consumo. expressao e autodefini^ao. Mas, para Lois, esses lugarcs sao vazios e intensamente
Entao, o que Lois tern que n6s nao temos? Esla 6 uma outra maneira de pcr- guntar frivolos.
qual 6 a natureza daquilo que Lcsleil(1971) chamou de “o mundo que n6s perdemos"?
Quando se pedc que Lois de conta do valor de suas aniiguidades, eis o que ela.diz:
CONCLUSAO
LR: ‘‘Bom, elas siio prcciosas, nao tan to por seu v:ilor, inas h medida que posso
olhar para elas e saber exatamen',. J_e que caca clas vieram." Lois c sua colegao sao meramente, em certo sentido, diferentes versoes cla famflia.
Ambos sao conseqiiencia de um empreendimento familiar que se estende por sete
GM: "VocE se pega fazendo isso de tempos cm tempos?"
gera^dcs. Ambos sao arlefatos hist6ricos de certo tipo. Os objetos da cole^ao sao Lao
LR: “Ah, sim. Quando e.u olho o buffet, sci que as lias o colocavam na sain dcnsamcnic inveslidos da memdria de seres humanos, e os seres human os, tao
clejantar." 0 passado continua a viver no presente. Lois vive em um mundo que 6 rico densamente investidos do significado dessas grandiosas antigas peg as de mobilia, que
em pertcncimento. Os objetos ffsicos que a rodciam falam continuamente para el a os dois pareccm constituir diferentes momentos de um processo hislorico que
acerca de seus familiarcs c de suas vidas. As posses da famflia reclamaram seu infinitamente convcrte anccstrais em objetos e objetos em descendentes. Lois e uma
arquivamento. Mas elas sao muilo mais do que isso. A cultura material de uma casa participante em um processo que quase jii se desvane- ccu por compleio. Ela 6, nesta
como a de Lois con fere ao passado uma cena presen^a. Como resuka- do, Lois vive em medida, a curadora nao somente do passado de sua famflia, mas Lambem cle um
passado ocidenial muilo mais amplo.
GM: “Como vocG se sente cm rela^ao a um lugar como esse?" LR: “Eu nao tenho qualquer sentimento por cle, absolutamentc nenhum."
Parte II

TEORIA
QUATRO

Esta segunda parte do livro 6 dedicada a assuntos tedricos. E aqui que tentarcmos dar conta,
sob um ponlo de vista icbrico, das propriedades significativas dos bens de consumo e da
interpcnetravao entrc cullura e consumo. As cicncias socials tern sido exccssivamenle lentas
em (Jcscnvolver pesquisas tebricas ncsta area, que foi vitimada tamb6m por algumas I'alsas
guinadas importanles. O argumen to do “produto como linguagcm” foi lima delas. No
capitulo 4, examinaremos esle argumento con forme foi utilizado no estudo do simbolismo do
vestuArio. De- monstraremos aqui que a comparafiio linguagem-vestuario 6 infundada. No
capitulo 5, 6 feita uma tentativa de transcender a abordagem “iinguagem-produto” e de criar
uma explica^ao te6rica mais satisfatdria das caracterfsticas culturais e das propriedades
simbdlicas dos bens de consumo.
Vestuârio como linguagem
Uma liçâo objetiva no estudo das propriedades expressivas da cultura material

HA itlguns anos, uma iıova e influente metâfora capturou a atençâo das ciencias sociais. Esta
metâfora sugeria uma similaridade essencial eııtre a linguagem e objetos inanimados. De
sûbito, virou moda falarda “linguagcm” do vestuârio, da comida, das casas. Esta metâfora
ajudou a chamar a atençSo para as propriedades simbölicas da cultura material c dos bens de
AS PROPRIEDADES EXPRESSIVAS DA
consumo. Mas criou, tambem, con- cepçöes completamente equivocadas sobre o que sâo
CULTURA MATERIAL
essas propriedades simbölicas e sobre como elas operam. Este capitulo sugere que o
vestuârio, uma das mais expressivas categorias de produto, ııao e proveitosamente O estudo do vestuirio enquanto uma instancia da cullura material tem diversas
comparâvel com a linguagem. Argumenta-se aqui que o vestuârio 6 um sis tema de dimensoes.3 Este capftulo se focalizarA em apenas uma delas: o vestuirio como uma
comunicaçâo muito diferente. cuja significaçâo cultural nâo poderi ser plenamente avaliada midia expressiva. A primeira se^ao do capftulo cxaminarfi tematicamente a literatura
ai6 quc a mctiifora “linguagem” seja abaııdonada ou revisada. anlropol6gica que trata o vestuario a partir deste ponlo de vista. Consi- derarA como o
estudo do vestuario foi usado para examinar categorias, principios e processos culturais,
bem como a distancia social e mudan^as sociais. A segunda se^ao do capitulo cxaminard
crftica e empiricamente a controvdrsia ampla- mente difundida dc que o vestuario pode
ser encarado como um tipo de linguagem. Buscarei demonstrar que a metifora quc trata o
vestuario como linguagem e sob um aspccto problemitica. Argumen larei quc a metifora
oculta de n6s muito do quc e importante para nossa comprcensao do vestuirio como um
meio dc comunica?ao. A terceira se^So do capftulo es tender A as implica?Oes deste
argumento para o estudo mais gerai da cultura material. Argumentarei que se e para a
melifora que liga cultura material e linguagem continuar a ser usada, 6 preciso quc isso
seja feito nao mais como um estudo de comparafao, mas como um estu- do de contrastt?.
Devemos nos preocupar muito mais com as diferen^as entre
84 CULTURA & CONSUMO VESTUARIO COMO LINGUAGEM

linguagcm e cultura material e muito menos com as similaridades entrc ambas. Farei mengao invesligadas atravds da andlisc do vestuario.4 0 projeto do autor, embora lenha sido
a quatro oporlunidades de pesquisa que seguem esia perspeciiva. Espera-se que este expressado na linguagem do Cfrculo Lingiifstico de Praga, e compalfvel com os termos
cmprecndimcnto de tres etapas sc preste a urn proposiio maior: avanfar e esclarecer urn de anilise introduzidos por Saussure (1966) e mais tarde uliliza- dos para propGsilos
aspecio de nosso crcscenie intercsse no carater expressi- vo da cultura material, nao-lingiifsticos por L6vi-Strauss (1966).5 A inclumentiria folk mordvia 6 tratada como
E evidentc qu? os desenvoivimentos te6ricos dos ullirnos anos, pariicular- mente aqueles uma colefao de “sistemas de diferen^as” materials, os quais codificam uma colesilo de
realizados nas areas da antropologia simbblica, estruiural e semi6tica. encorajaram um “sistemas de diferenfas” conceiiuais parale- los. Assim, por exemplo, as discrimina^oes
interesse perenc nos aspectos expressivos da cultura material. Em 1S75. Pitt-Rivers expressou de faixa etiria dos morSvios (um sistema de difcren?as que discrimina categorias de
scu interesse na cultura material como “os signos e simbolos apareiitcs de idcias mciitais pessoa por idade) cncontram correspondSncia e representa?ao nas indumentlrias usadas
cspecincas” (1906:23). Mas nao loi senao ha relativamente pouco tempo que nos tornamos por eles em diferen- tes idades (indumeniarias que constituem, elas prdprias, um
preparados ic6ri- ca e metodologicamcnte para demonstrar como a cultura material conseguc sistema de diferen- 9as que discrimina categorias de pessoa por distribui^ilo diferencial
dar expressao exterior is idfiias inleriores. O u-abalho de L6vi-Strauss, cm particular, nos da cor, do modelo, do tecido e das demais caracteristicas do vestudrio). Outras
abriu um caminho para investigar a cultura material tomando-a como consti- tuindo-sc de categorias de pessoa, como as definidas pel a classe, pelo sexo, pelo status marital, pela
dados etnogrificos nos quais a cultura 6 feita material. Nas maos de L6vi-Strauss e de oulros, ocupa?3o etc, iamb6m sao evidentes no vestufirio morfivio, o qual se presta, assim, a
a analisc estrutural demonstrou como as caicgorias, os prinefpios e os processos que dar-lhcs representa^iio material no mundo social. Categorias de tempo, de espapo e de
constituem a cultura podem ser discernidos em objetos concretos e tangfveis de cultura
atividade tamb6m estao represeniadas nas roupas. No trabalho de Bogatyrev. temos
material.
uma demonstra^ao relativamente abrangentc de como o vestu- Ario torn a manifestos
Este c ouiros desenvolvimentos tedricos correlates fizeram avan^ar o estudo da cultura
sistemas conceituais de diferenfas que nSo teriam, de outro modo, “corrclativos
material, al?ando-o a uma nova posifiio de importancia. 'Hveram, as- sim. um papel
objetivos" nao-lingiifsticos.
significativo na reabilitagSo destc campo e em sua retomada do estado de negligencia e
desd^m em que havia sido posto desde o dcclfnio do piiradigma evolucionista. Piira o 0 vestuario 6, nesta medida, uma oportunidade para estabelecer as coordena- das
antropblogo inleressado em examinar a cultura, o estudo da cultura material 6 uma recente c bisicas dentro das quais um mundo foi dividido pela cultura. Obviamente, nem todas as
vital oporlunidatle. distinfOes que organizam o mundo folk morfivio sao evidentes para Bogatyrev na
A situa^ao reabililada da cultura malarial e amplamciite reconhecida e nSo precisa indumentdria nativa, mas 6 legftimo afirmar que, nela, tornaram-se acessiveis para o
receber enlase especial aqui. O que uiio e lao amplamente reco- nhecido. coniudo, e que a autor todos os eixos fundamenlais de acordo com os quais este mundo I’oi ordenado. E
reviializa^ao da cultura materia) trouxe il ton a novas oporlunidades para controversia, caracterfstico do vesluSrio funcionar como registro das e guia para as categorias
imprecisao e‘antropologia imperfciia. Con forme a cullura material funci on a mais e mais culturais. Como coloca Sablins em seu estudo do vestuirio americano contemporaneo:
vigorosamenic como anfi- tria para a atividade etnogrSfica, exoria-se a necessidadc de "... o sistema de vestuirio americano remonta a um esquema muito complexo de
redobrar a vigi- lancia com a qual esia alividade reticle sobre si mesma. Este capilulo 6 uma categorias culturais e A rela?ao entre elas, constituin- do um verdadeiro mapa- nao e
tentaLiva de ir ao encontro desta responsabilidade, esclareeendo uma das con- sequeneias exagero dizer-para o universcrcultural" (1976:179).
tedricas implicitas em nossos esforgos de lidar com a cullura material eomo uma midia
express!va. O VESTUARIO E O ESTUDO DE PRINCIPIOS CULTURAIS Ijfc.. :
Se’as categorias culturais s3o evidentes no vestuArio, o mesmo se dii com os Bk.^incfpios
ANTROPOLOGIA F FSTUPO DO VESTUARIO: culturais.4 0 vestuiirio revela tanto os temas quanto as rela?6es for-
UMA REVISAO TEMA7ICA
Os cstudos existentes sobre o vesiuArio como mfdia expressiva revel am di versos mod os
nos quais o vestuiirio pode ser visto como uma manifesta^ao concre- la de “ideias meniais
parliculares”. Nesta scfilo, rcvisarci esses csiudos visan-
do demonstrar o que o estudante da cultura material pode esperar descobrir a respeito
da cultura atrav6s da andlise do vestuirio.

O VESTUARIO E O ESTUDO DE CATEGORIAS CULTURAIS


Bogatyrev, em seu pior^eiro esludo da indumeniiria folk moravia (1971), demons- trou
o numero e a variedade de categorias culturais que podem ser discernidas e
CULTURA&CONSUMO
mais
86 que servem a uma cullura, enquanto id6ias norteadoras e bases reais ou imaginarias, de Muito poucos s3o os esludos que examinam este uso do vestuSrio. Um raro esfor^o, o
acordo com as quais suas categorias sao orgaiiizadas. Poderia- mos usar qualqucr oulro de estudo deT. Turner sobre os ornamenios corporais doslchikrin (1969), demonslra o quanto a
uma s6ric de esludos como nossa ilusira^ao etiiografica, 0 estudode Adam (1973)sobre I6gica da transiQao de faixa etikia deste grnpo brasileiro encontra-se inscrita nadecora^ao
osprodutos texteis dossumbaneses, odeDrewal (1983) sobre a arte iorubi, o de Schwarz pessoal que acompanha o rito depassagem. H. Kuper (1973b) considcrou o ritual dos Ncwala
(1979) sobre o vesiuArio sul-americaiio, e meus prbprios esfor^os (1982a) para dar coma da do Sudoesle da Africa e Wolf (1970), o simbolismo das cores de um ritual de lulo chines.
legisla^ao suntuaria e dos ornamenios dos vestidos elizabetanos; lodos eles rcvelam como Winick (1961) faz uma referenda de passagem ao uso dos sapalos como marcadores de
prinefpios culiu- rais pronlamenic organizadores podem ser depreendidos do vestuiirio. No Lransi^ao na America do Norte contemporaiica, mas esludos detalhados deste fenomeno sao
caso de Adam, 6 demonstrado que o design textil explicita ires padroes formais b^si- cos, os quase incxistentes. Aqui, tamb6m. o estudo do vestuirio funciona como um pro- dulivo
quais lambdm sao observados na orgaiiiza^ao sumbancsa das disiin<;oes espaciais, das "caminbo" paru o estudo de um universo significativo.
priiticas de casamento, das negocia^oes formais, da linguagem ce- rimonial, da organizafao
social e das disiin^oes da ocasiao e do tempo do ritual. Os prinefpios que organizam esses di
O VESTUARIO E O ESTUDO DA DISTANCIA SOCIAL
versos aspectos da vida social encontram- se, assim, representados no design abstrato dos
produtos texteis. Em meu estudo do vestufirio elizabetano, busquei mostrar como a 0 estudo do vestuirio apresenta outras oportunidades para a reflexao sobre a culttira. Uma
contradiQSo enirc id6ias hicrar- quicas c igualitiirias que informavam a organiza?iio do abordagem da distancia social, por exemplo, foi emprcendida por Murpby (1964), atravds do
mundo social eram variadamente representadas e mediadas pelo design da omamenia^ao dos anAlise do veu dos Tuareg, e por Messing (1960), alrav6s da aprecia^ao da toga etiope. 0 v6u
giboes e culotes elizabetanos. Em ambos os estud os, os prinefpios de todo um mundo 6 usado pelos Tuareg para legilimar dil'ereiifas de status, mudan^as no tom de um
encontr.am-se entrelafados no pr6prio tecido de seu vestuSrio. relacionamento, e sobretudo para tirar o individuo de silua^iio nas quais papeis conflitantes
Vale enfalizar que o vesluirio 6uma fonte particularmente valiosa de evidencia para o criam expectativas t;tm- b6m elas conflitantes. Para os etfopes, a toga 6 usada para criar
estudo de prinefpios culturais. Categorias cullurais estiio antes de qualqucr categoria distancia social de acordo com o humor e pitra refletir diferen?as de status, papel e fungao.
lingiifslica e podem, portaiitn, ser exLrafclas do informante com relaliva facilidade atravfes Nestas duas instancias, encontramos o vestuArio sendo usado como um meio de
do te.c,'<n.unho verbal. Prinefpios culturais, por outro lado, sao freqiientemente menos comunica^ilo mais ativo, individual e variado. 0 uso do vestu^rio para repre- sentar
explfcitos e conscientemenie al(mentados pelo informame e, portanto, mais dificeis de obter categorias, prinefpios e processos culturais 6 uma empresa amplamenie coletiva, na qual o
atrav6s de tficnicas convencionais de entrevistas. O que nao 6 explfcito de modo consciente indivfduo en quail to comunicador desempenba um papel rela- livamente passivo. No
para o inlormantc pode, contudo, fazer- se ouvir pela disLribui?ao c pelo design exemplo fornecido por Murphy e Messing, o vestuirio permile ao individuo comunicar uma
caractertslicos descu vesluArio. informa^ao particular em uma base mais ativa, idiossincratica e mul^vel.Em resumo,
cstamaiiifeslafao do earlier expres- sivo do vestuiirio 6, para usar a distin?ao semi6tica
padrao, mais da alfada da parole que da langue. O estudo deste aspecto do vestudrio abre a
O VESTUARIO E O ESTUDO DE PROCESSOS CULTURAIS O vesludrio 6,
possibilidade de exitminar a cultura da maneira como ela e exercida pelos individuos em suas
assim. um meio atruv<?s do qual categorias e prinefpios culLurais s2o codificados e tornados
negociaQoes da vida cotidiana. Permite-nos observar a cultura material enquanto um meio de
manifesios. Por ser dotado de lais capacidades, 6 lam- bCm um valioso meio de comunicafiio
comunica?ao ativo e rotineiro.
para o ritual em geral, e para os ritos de passagem em particular. Carrcgado de potencial c
efeito semidtico, o vesluArio e uma das principals oportunidades para o cxercicio dos podcres
metafdricos (Fernandez 1977) e perl'ormalivos (Tambial) 1977) do ritual. 0 vestuiirio lam- O VESTUARIO E O ESTUDO DA MUDAN^A E DA HISTORIA Atravds do
b6m pode ser usado para marc ar c mesmo efetivitr a transifSo de uma categoria cultural para vestuario, tamb6m 6 possivel empreender o estudo da mudanfa e da hist6ria. H. Kuper
outra, que sc da no rito de passagem. Cada um dos tres estAgios descritos por Van Gennep (1973a) examinou o papel do vestudrio no sudoeste da Africa colonial. A autora demonstrou,
(1960) e elaborados por V. Turner (1967) pode ser representado no ritual e atualizado para os entre outras coisas, o uso do vestudrio como um instrumento ao mesmo tempo da influencia
participantes e observadores atravds do uso estrategico do aspecto comunicalivo do vestuiirio hegemonica do Ocidente e da tentati- va indfgenade resistencia. Deminha parte (1985a),
(cf. Leach 1961). busquei mostrar como o ves-
VESTUARIO COMO LINGUAGEM 87

tuario pode ser usado como um operador hist6rico que se presta nao somente a daiido forma e ordem culturais a um mo- mento histdrico altamente inovador e dinamico.
refletircircunstancias histdricas mutantes, mas lamb^m fiinciona como mecaiiis- mo que cria O vestuirio desempenha scu papel diacronico de varias maiieiras. Umn de suas principals
e conslitui esta mudantja em tcrmos culturais. Tomando a cor da vesiimenta de dois grupos na manifest.enqharito reflexo e agc.nte deinudanga & o fenome- no da moda (Barthes 1983;
corte de Elizabeth I, tenlei moslrar como o vestud- rio serve como um agenle da hisl6ria. Gibbins e Gwyn 1975; Kidwell c Christman 1974; Richardson e Kroeber 1940; Roberts 1977;
CULTURA&CONSUMO
Sapir
86 1931; Schwartz 1963; Simmel 1904; Wills c Midgley 1973). Sob esta ou ouiras formas, aplicar modelos lingiiisticos ao estudo de fen omen os nao-lingiifsticos (por exemplo, L6vi-
o vestuirio As vezes e a confirmafao da mudanfa e, Jis vezes, aquilo que dA inicio a ela. Slrauss 1963).
Algumas vezes e um meio de constituir a natureza e os termos de um conflito polfiico; outras, E prcciso observar, ainda, que a metdfora foi usada tao livremente que come- ?ou a virar
um meio de criar consenso. Algumas vezes 6 instrumento deuma tcnlaliva de domi- nafao; moda e a tomar os contornos fixos de um saber convencional. O que um dia foi uma vfvida e
outras, o arsenal da resistencia e do protesto. iluminadora sugestao de similaridade convertia-se, cad a vez mais c mais, em algo afirmado
Estes variados aspectos da relafiio entre vestuario e histdria niio foram am- plamente como fato explfciio. Este ultimo desenvolvi- mento na liistdria dessa met^fora transformou
cstudados. Mas sao, cles tambfim, a cultura material em estado clinami- co e ativo. Neste radicalmente seu valor como mecanismo retbrico e instrumento academico. Enquanto
papel diacronico, o vestuario lunciona como um mecanismo comunicativo atravds do qual a “metSfora morta”, ela agora ameajava encobrir na mesma medida em que uma vez havia se
mudanQa social 6 contemplada, proposta, inicia- da, refor^ada e negada. Seu estudo nos prestado a revel;ir. Embotava nosso senso crftico da mesma forma como. anles, havia esti-
permite observ;ir o aspecto expressivo da cultura material sob uma de suas formas m;iis mulatlo nossas faculd'ades imaginalivas.
radicalmente criativas7 O tempo, porlimto, viria a scpultar esta metAfora ou a reabililS-la. E necessA- rio
Em suma, os esiudos anteriores acerca do vestuiirio revel am o quanto da cul- tura pode analisar a relafao entre vestudrio e linguagem e determinar onde vigoram as similaridades e as
ser examinado a partir da.cullura material das roupas. Processos, prin- cfpios e categorias diferenfas. Este novo escrutfnio da metiiforapromete uma id6ia mais clara das propriedades
culturais, distancia social, comunicafao cotidiana e histdria; tudo isto 6 acessfvel ao estudaiite expressivas do vestuiirio e das outras instancias da cultura material que parecem dar voz ii
da cullura material atrav6s da aiiilisc do veslu^- rio. Nao 6, de fato, um exagero argumentar cullura.
que todo &ste material etnografico e as “idSias primiirias” que ele represcnla silo ambos nao
apenas acesstveis, mas particularmente comprecnsfveis, quando contemplados sob esta
RELATÖRIO DE PESQUISA E COMENTARIO CRITICO Afim de invesligar
perspecliva. 0 vestuario faz a cullura material de modos diversos e esclarecedores.
algumas das similaridades ediferenças existetiles entrelin- raagem e vesluârio, um estudo foi
empreendido durante o outono e o inverno de O objetivo deste estudo foi delinear um projeto
O VESTUARIO COMO LINGUAGEM: de pesquisa que 0 vesLuirio 6 “decodificado" ou interpretado pelo observador. Epi estıiiipinâis
REQUIEM PARA UMA METAFORA amplo ajudarü a substanciar as descobertas deste proieto inicial.
E caracterıslicü deste e de ouiros estudos do vcsLuıirio rccorrer a uma melaforii espccîfica ao
falar do aspecto expressivo das roupas. A literaiura critica sugcrc, conlinuamentc, que o
vesluârio 6 uma espĞcie de linguagem. Assim, Bogatyrev nota a semelhança enire a in—folk
e a linguagem morâvias (1971:84), Turner chama a linguagem corporal tchikrin de um lipo de
“linguagem simb61i-r ca"( 1969:96), Wolf fala do “vocabulürio” do sistema simbölico das
vestimenu^ de luto chinesas (1970: 189), Messing denomina a toga etfope de “linguagpph
nâo-verbal” (1960:558) e Nash se refere a um aspecto do vesluârio contcmpörâ^ neo como
“linguagem silenciosa” (1977:173). A comparafiio elaboradapor Sahlins 6 detalhada e inclui
refcrcncias & “sinlaxe”, h “semantica" e h. “gramAtica” do vestuario (1976:179). Neich 6
ainda mais rigoroso em sua compara?ao e advoga o uso de um “modelo lingtifsiico explfciio”
para o estudo da decora^ao pessoal em Nova Guine (1982:214). Esta tendencia a comparar o
vestudrio il linguagem nao se limila aos estudos antropol6gicos; existe no trabalho de outros
cientistas sociais (Gibbins 1971; Gibbins e Schneider 1980; Holman 1980b, 1980c, 1981;
Roach e Eicher 1979; Rosenfeld e Plax 1977), bem como no de outros escritores populares
(por exemplo, Lurie 1981).8
Claramente, nem sempre esta compitra^ilo entre linguagem e vestuArio e feila com o
mesmo grau de seriedade e convic?ao. Algumas vezes ela funciona apenas como ornamento
ret6rico. A16m do mais, mesmo quando a metdfora 6 usada in- tencionalmcmc, 6 dificH
culpar a imagem da qual ela deriva. Isio porque esta e uma figura de linguagem de grande
auxflio e que 6 bem-sucedida em iluminar certas propriedades compartilhadas pelo vestuSrio
e pela linguagem. Parece, tam- bem, que a comparn^ao segue o mesmo viilido instinto que
inspirou tanto trabalho e progresso na antiopologia receiite, dando continuidade tradigao de
90 CULTURA & CONSUMO VESTUARIO COMO LINGUAGEM 91

mas csie pilotoj<i nos forncce dados suficientes para formular a questao levanta- da este cariter dual da linguagem que lhe permite figurar simultaneamente como um meio de
nestecapfiulo.10 comunicacao colctivo c sistcmSlico e como um instrumento de poder expressivo
Foi enquanio examinava as vinte e cinco horas de testemunlios em cntrcvistas geradas infinitamente variado.
pelo esiudo-piloio que comecei a ter s6rias dtividas acerca da sabedoria de uma profunda Este modelo da linguagem 6, para os presentes propdsitos, bem ilustrado por Ncich
compara?ao linguagem-vestu^rio. A fim de demonstr ar este cclicismo, 6 neccssJirio recorrer (1982), em seu estudo dadccora^ao pessoal em Monte Hagen, Nova Guine. Neich sugere que
brevemen te aos termos e conceitos da lingiifstica estrutural. podemos tratar esta decora^ao pessoal como um c6digo que especifica escolhas
O discurso, argumenlam Jackobson e Halle (1956:58-62), implica na opera- fao de dois paradigmaticas apropriadas para uma combinafao sintagmatica. 0 haganes cscolhc uma
princfpios lingiiisticos (cf. Saussure 1966; Barthes 1967). Um dos prinefpios, o da seleQao, unidade decorativa de cada classe paradigmiitica e combina as unidades selecionadas em uma
ocorre quatido o f al ante elegc uma unidade lingiifstica de cad a classe paradigmiitica para cadeia sintagmatica, seu enxoval de roupas. Cria o haganes , assim, uma mensagem sobre seu
preencher cad a uma das “lacunas” que for- mam a frase. Cada classe consiste em todas as status e seu papcl em situa^oes formais e informais? Seja ele ou ela um doador, um aju- dante
unidades que podem potencial- mentc preencher a mesma lacuna em uma dada frase, Essas do doador, um guerreiro etc, is to pode ser lido pelo observador na decora- fao de sen corpo.
unidades sao capazes de subslitufrem-se umas its oulras e, portanto, desfrutam de uma rela^ao Para Neich, esta decoragao demonslra ambos os princfpios da liuguagem. 0 autor argumenta
de equi- valencia. Mas sao definidas tambfim pela diferen?a entre uma e outra e, portanto, que adecora^ao pessoal dos liagancses, examilia- da h luz de um modelo lingufstico
desfrutam de uma rela(;ao de contraste. As unidades de eada classe puradigmatica podem ser estrutural, revela um carater semelhante ao da linguagem, e que poderiamos chami-lo de uma
encaradas como urn piano vertical, no todo nao-dissimilar, da engre- nagem rolanie que “scmi6tica ou sistema de signos” (1982:2]7) (cf. Barthes 1967:111).
compOe o mecanismo das lacunas. Essas unidades fleam a postos para tomar scus lugares e, Minhas pesquisas sugerem que a aplica^ao do modelo lingiifstico estrutural ao vestuirio 6
assim, mud ar o significado da frase. Quando o falante emprega o prinefpio de scle?ao, evoca problemAtica. Apes ar de o vestudrio comportar uma semelhan^a com a linguagem em alguns
uma unidade de cada classe paradigmAtica e, deste modo, explora o sistema de contraste que aspcctos, afasta-se dela de um modo fundamental. Ironicamente, as ocasioes em que o
cada uma dessas classes representa. vestuArio se con forma mais plenamente a linguagem e aos seus principios de sele^iio e
O segundo principio lingiifstico, o da combinafao, ocorre quando o falante combina as combina^ao sao aquelas em que falha completamcnic enquanto mecanismo semi6tico. Ou,
unidades selecionadas das classes paradigmiilicas em uma cadeia sintagmilica. Esta consiste dito de outra maneira, quaiido, enquanto c6digo, o vestu^rio mais se assemclha a linguagem,
nas virias lacunas para as quais existem alternativas paradigm^ticas. Regras de combina?ao 6 tambem quando e menos bem-sucedido como meio de comunica?ao. Hi, nesta medida, uma
especi fleam como as unidades devem ser acordadas em uma cadeia sinlagmAtica. Este e o diferen^a fundamental cnlre linguagem c vestuario, que precisa ser levada em conla se
piano horizontal da linguagem. que lhe conlcrc scu aspecto linear e discursivo. Qualquer pretendemos fazer uma anilisc bcm-succdida do aspccto comunica- tivo do vestuiirio.
cadeia sintagmalica cria um contcxto seqiiencial, que atua sobre o significado de cada Examinaiido meus dados de pesquisa, busquei determinar como os in forman- les
unidade, con- forme estas vao entrando no discurso. A unidade, definida por suas relates interpretavam cxemplos do vestuArio. A avalia^ao externa de uma tai atividade interna 6,
paradigmaticas, 6 submetida a um processo adicional de defini^ao quando 6 con jugada com claro, extremamente diffcil. 0 mfiximo que eu poderia esperar fazer era estabelecer um
oulros ileus em uma cadeia sintagmatica. padriio caracterfstico de interpretagao, com a expectativa de que este padriio se constitufsse
()c(5digo de qualquer linguagem panicukir consiste em uma especifica<;ao das unidades em um guia fidedigno para a atividade interior.
das classes paradigmiticas e das regras para su:i combina(;ao sintagmitica. O eddigo Embora esta ûltima pressuposiçâo fosse em si mesma problem<itica, me p;irccia que de fato
estabelece como os princfpios de sele?ao e de combina- ?ao devem ser usados em qualquer havia um padrao caracterfstico, eque este padrâo efeiivamente l'unci- onava, pelo menos de
exerefeio lingufstico particular. uma forma negaliva, para laııçar dûvidas sobre uma das supostas similaridades enire
Cada falante de uma linguagem e ao mesmo tempo constrangido e licenciado pelo c6digo linguagem e vcstuiirio.11
que informa seu uso de tai linguagem. Ele ou ela nao tern escolha senao aceitar o modo pelo Os informantes foram insiados a responder a uma sĞrie de slides que relrala- vam uma
qual caractensticas dislintas foram definidas e combinadas para formar fonemas. Ele ou ela variedade de instâncias do vestuirio contemporaneo norie-americano. Houve tres categorias
niio tern escolha senao aceitar o modo pelo quid os fonemas foram definidos e combinados de resposias a esses slides. Tais cutegorias represeniam nfveis de relativa facilidadc de
para formar morfemas. A criagao de frases fora dos morfemas tambfim 6 constrangida, mas inıerpretaçâo.
aqui o falante desftuta de um limi- tad o poder discricionirio e de liberdade combinat6ria. Este Na primcira categoria de inıerpretaçâo. os informantes foram rApidos e cm n ad a
poder discricionSrio cresce quaiido o falante combina frases em elocu^oes. Neste est^gio, a hcsitanics cmsuas leiluras do vestuârio rctriitailo. pc modo caraclcnstico, deram suas
a?ao de regras compulsdrias de combina?ao jd cessou por completo. 0 falante nao 6 mais respostas ao slide quase que insiantaneamenie. Selecionando um ler- mo de nosso vocabulârio
constrangido, mas livre em sua atividade combinat6ria. Jackobson e Halle sc refe- rem a esta de tipos sociais, o infomıaııte identificaria a pessoa relraiada como uma “dona-de-casa”, um
caracterfstica da linguagem como “uma escala ascendenle de liberdade” (1956:60). Na base “hippie”, um “execuiivo” etc. Algumas vezes esie termo seri a acompanhado de um adjelivo
da escala, o falante 6 constrangido por completo; no topo, ele ou ela e completamente livre. E demogrâfico (por exemplo, “classe mĞdia”, “inculto", “abastado").
92 CULTURA & CONSUMO VESTUARIO COMO LINGUAGEM 93

E dilTcil avaliar, a parlir destes signos externos, exatamenle que processo intern o havia um quebra- cabeças. Engajava-se em uma çaça por pistas que lhe permitissem retirar a ambi-
ocorrido. Mas parccia improvâvel que o in form ante livessc cxccuta- do uma “leitura” das giiidade de uma mensagem potencialmente opaca.
roupas retraladas em qualquer aspecto semelhanie aos termos que assöciamos propriamente â Esta categoria de interpretaçâo tambdm nos permite ver o que aclvĞm desse cödigo
linguagem . quaiido confrontado com uma mensagem motlestamente nova. O informante nâo trata uma
Em primeiro lugar, nâo havia evidencia de uma leitura linear das roupas. Os informantes nova combinaçâo de partes do vestuârio como uma frase que podc ser tornada inteligıvel
nâo p;ırcciam comcçar su a atividade interpretative com uma lacuna do corpo e trabalhar em atravĞs da aplicaçao de um cödigo. Trata-a como um quebra-cabcças que pode ser resolvido
direçâo âs outras. Eles niio classificavam atraves da cadeia sintagmâtica a fim de determinar somente ignorando um de seus elementos con iradi tori os ou inventando uma histöria que
como cada seleçüo paradigmâlica motii- ficava o significado de outras selcçöes da propria explique a contradiçâo. Novamente, e talvez de modo' mais forte, vemos que o informante
cadeia. Pareciam, ao contrario, ler as roupas antes como um conjunto. Era claro que as roupas possuia recursos intcrpretalivos limitados. Ou o trajc se conformava a um dos termos contidos
eram examinadas para descobrir o efeito difercncial de suas vürias partes, mas a sucessiva em seu limitado conjunto exeg^tico, ou permanecia ambiguo. O exercicio da iibcr- ilade
combi- naçâo dessas paries nüo parecia desempenhar um,papel importante na formula- çâo do combinatöria por parte daquele que vestia o iraje analisado, ainda que em pcqueno grau, niio
significado pelo informante. As partes do vestuârio nâo se apreseniavam de modo linear ao criava discurso, mas confusao.
informante (uma vez que elas existem niio em seqtiencia, mas enquanto elementos co- A terccira, e ainda mais diffcil, categoria de interpretaçâo tambĞm se adequa ao padrâo
presentes), e tampouco o informante as lia desta forma. Ao contrârio, o vestuârio apresen tava notado aqui. Quando confrontados com trajes ainda mais anomalos, os informantes
as partes de sîıa “combinaçâo sinıagmâlica” simultaneamente, e era tambĞm assim que estas hesitariam, começariam suas respostas “aos trancos e barrancos”, e em seguida desistiriam do
eram lidas. esforço interpretativo como um todo, freqiientemente
Em segundo lugar, o significado das roupas era sempre dado em termos de ti m
vocabulârio limitado tie adjelivos e nomes. Por sua pröpria conta, os i nl'or- mantes buscavam
determinar o "loot:" das roupas perante este vocabulârio, Estes “looks” nâo constitufam um
conjunto depossibilidadcs infinitas, mas, sim, um universo delimitado. O infprmante nâo
demonstrou expectativas de que a men- sagem de uma roupa em'particalar constiıuîsse uma
nova peça de discurso. E, mais importante, ele ou el a nSo mostrou evidencia de possuir os
recursos interpreıativos necessârios para lidar com uma tai mensagem. Ele ou ela tinha ii sua
disposiçâo o uso somente de um limitado conjunto de adjelivos e nomes, que nâo permilia
inovaçüo.
Na segnndacategoria. os informantes experimentaram hesilaçâo c dificulda- de cm fazer a
interpretaçüo. Incapazes de fazer uma identificaçâo imediata de uma roupa. eles começavam
um exame mais euidatloso da “frase corporal” e de suas partes componentes. Freqiientementc,
fariam comcntârios do seguinte tipo: “Vamos ver. eles estâo veslindo ‘x’, entâo eles devem
ser ‘a’, mas eles tamhdm estâo veslindo ‘y’, entiio talvez eles sejam ‘b’.” Tipicamente. o
informante se queixaria entâo de que as partes da vestimenta “nâo combinam realmente”, e
que seria p ortan to dilicil ler o individuo rctratado. Este periodo de hesitaçüo c incer- leza
seria rcsolvido por uma ou duas cstrategias. Ou o informante tomaria o item mais salienle do
iraje e ofereceria seu significado como uma iııterpretaçâo da mensagem da roupa, ou ele/ela
tentaria conciliar mensagens contraditörias com uma vinheta explicativa (por exemplo, “Bom,
ele estü vestindo um blazerporque ele era um execuiivo, mas o blazer nâo combina com as
calças e com os sapatos porque ele perdeu o emprego e estâ â beira da falencia”).
Esta segunda, e mais dificil, categoria de interpretaçâo guarda uma caracte- rfstica similar
em relaçâo ü primeira. Novamente, aqui, nâo hâ evidencia de uma leitura linear de como a
frase corporal se apresenta. A despeito do fato de que o informante estava agora prestando
muito mais atençâo â frase corporal, ele apa- rentemente nâo estava lendo cada item da roupa
em sua rclaçâo sintagmâtica com os outros termos do vestuârio. De fato, parecia que o
informajite empregava sua leitura cuidadosa nâo para decodificar a frase, mas para resolver
94 CULTURA & CONSUMO VKSTUARIO COMO Ll?;GUAGEJ.l 95

com uma explica^ao do tipo: “Ah, ele [a pessoa relratada no slide] pode scr qual- quer um, eu considerAvcl aprccnsao. Ele reconhcce, primciro, que o vestuirio nao parccc ler a mesma
nao consigo ler este cara dejeilo nenhum”. O indivfduo reiratado no slide desviava tao liberdade combinat6ria que 6 evidente na linguagem; segundo, que o vesluiirio niio possui a
completamenle de um “I00K’ prescrito que era impossivel de ser lido mesmo em termos mesma qualidadc linear discursiva da linguagem; c tcrcciro, que ha entre os hAganeses
especulativos. Assim, quaiido o indivfduo retratado liiiha exercido a liberdade combinat6ria sintagmas do vestuario fixos - mensagens Uque o indivfduo nao mais precisa combin ar por si
caracterfslica da linguagem e come?ado a agrupar os elementos do vestudrio em uma nova mesmo” (182:221). Mas isto s3o apenas precau?oes. Neich insiste, por fim, que a decora^ao
combina^ao, o intdrpreie esta- va menos apto a dar um sentido h mensagem resultan te. No pessoal possui suficientc linearidade e liberdade de combinaf ao para ser agrupada juntamente
momen to em que o vestuiirio mais se aproximava da linguagem, menos bem-sucedido com a linguagem, e tralada de acordo com os termos de um modelo lingiilstico estrulural.
revelava-se cnquanto meio de comunica^ao. Meu ponto e que o modelo nao se aplica. Os esfor^os interpretativos dos meus in formantes
sugerem que o vestuArio nao dispoe de liberdade combinat6ria T e e portanto codificado e
decodificado de uma maneira totalmente incompatfvcl com o modelo lingiilstico estrulural..
DISCUSSAO .
Com efeito, eu iria al6mediria, como o fiz acima, que quan- do uma mensagem do vesiu^rio
A cxplica^ao mais compelente cleste comportanienio decodificador e, talvez. a de que temos exibe o aspecto combinat6rio da linguagem, torna- se ela mesma imprecisa. O modelo,
no veslu^rio um c6digo de tipo peculiar. Parece que o vcstuario como meio de comunica^ao portanto, nao apenas falha em iluminar aspectos do vcstuario, mas positivaincnte nos
nao tern um aspccto sintagmdtico genuino. O cddigo nao fornece regras de combina?ao para a desencaminha de nossa tentativa de comprc- endcr suas propriedadcs expressivas.
manipulagao das sele^oes piiradigmaticas com efeito semidtico. A combina?ao dos elementos
do vestu^rio nao 6, portanto, uma parte crucial da cria^ao de suas mensagens. Em resumo, o
AS PROPRIEDADES EXPRESSIVAS DA CULTURA MATERIAL
cddigo nao tern capacidade gerativa. Seus usuiiios nao desfrutam de liberdade combinat6ria.
RECONSIDERADAS
O codigo do vestuiirio, para usar os termos do argumento de Jackobson discu- tido
acima, 6 quase totalmente constrangido. Nao possui uma escala de liberdade asccndentc Os estudantes da cultura material recorreram mais de uma vez a um modelo de linguagem
completa. O c6digo cspecificou nao somcntc os componcnics Ja mensagem, mas tambem as para ajud<i-los em suas tentativas de compreender as propriedadcs expressivas de seus dados.
pr6prias mensagens. Essas mensagens vcm, por assim dizer, pr6-fabricadas. z Dado que aquele Este capftulo estd encarregado de sugerir que esta imagem critica 6, talvez, desaconselhAvel.
que veste nao tern liberdade combinat6ria, o int^rpretedo vestuArio examina o traje nao por Aqueles de n6s que buscam dar conta do aspecto expressivo da cultura material nestes termos
uma nova mensagem, mas, sim, por uma antiga, fixada pel a conven^ao. A liberdade estao condenados a tra- balhar sob a luz debil de uma metafora mal escolhida. Niio hd duvida
combinat6ria pode ser exercida por aquele que veste somente sob pen a de desnortear o intdr- de que esta meldfora ja encorajou insights e pesquisas valiosas. Mas, medida que continua-
prete. No vestuiirio, a liberdade combinat6ria nao pode ser exercida sem destituir o traje de mos a insistir nas similaridades entre cultura material e linguagem, permanecere- mos com
seus potenciais e efeitos combinatdrios. uma consciencia impcrfcila acerca de diferen^as importantes.
Este aspecto do c6digo do vestuirio foi antecipado por Jackobson. Em um artigo Isto nao 6 sugerir que a metdfora deva ser abandonada, mas sim que os lermos de nossa
intitulado “Language and its Relation to Other Communication Systems” (1971), Jackobson andlise devcm talvez ser modificados a fim de examin ar nao as similari- dades, mas as
argumenta que para certos meios de comunica^ao nao- lingufsticos, o c6digo e uma cole^ao diferen^as entre linguagem e cultura material. A met^fora iuncio- nara para n6s como estudo
de mensagens mais que um meio para sua cria^ao. Diferentemente da linguagem, que contrastivo, tao bem como funcionou um dia como estudocomparaiivo.
estabelece signos e as regras piira sua combina^ao em mensagens, um sistema tai como o
vestuiirio nao fornece oportu- nidade gerativa, e prccisa, portanto, especificiir antes de
qualqncr alo de comuni- cafao as mensagens de que o sistema 6 capaz (cf. Culler 1975:3-54).
E por causa da ausencia do principio de combina^ao (e da liberdade gerativa que
elepermite) que os informanles decodificam o vestu^rio conjuntamente como o fazem. O
processo decodificador consiste em identificar acuradamente uma mensagem cl ar a Qa
especificada pelo cddigo), atraves da prccisa identifica^ao de elementos altamente
redundantes e que sepressupoem mutuamente, dos quais se iraia a mensagem. Ou, ainda, este
processo consiste em confrontar-se com uma interpreta^ao dificultada por um conjunto
heterogeneo de elementos nao previsto pelo cddigo. Para o c6digo do vestu^rio, inova^ocs do
tipo das possuf- das pel a linguagem nao constituem uma oportunidade para comunica^ao,
mas sim uma barreira para ela.
Deve-se notar queNeich atribui um aspecto sintagmiitico ao vestuArio somente com
96 CULTURA & CONSUMO
VESTUARIO COMO LINGUAGEM 97

Deixe-me propor quairo l6picos que veni a luz quando seconsideram as dife- rencas culturais fundamentals. Permite cultura insinuar suas cren^as e pres- supostos no tccido
enire cultura material e linguagem cnquanto infdias expressivas. Por exem- plo, mesmo da vid a cotidiana, para af serem aprcciados mas nao observados. Tern, nesta
podemos considerar se os cddigos nao-lingiifsticos da cultura material co- municam ou medida, grande valor propagandfstico na cria^ao de um mundo de significado.
nao, caracierislicamenie, coisas que a linguagem propriamcnic dita nSo conse'gue. As A16m disso, a nao-conspicuidade das mensagens da cultura material tambem
cukur as encarregam a cultura material da responsabilidadc de comportar certas permite-lhes carreg ar significados quc niio poderiam ser tornados mais explfcitos sem o
mensagens que nao podem confiar ou nao coniiam <1 linguagem? Forge, poi exemplo, perigo de gcrar conuoversia, protesto e recusa. Particularmenle quando a mensagem 6 de
argumen t a (1970:288) que de lato e este o caso, e e provdvel que u m olhar cntico em teor polftico e codifica diferen^as de status, a cultura material consegue falar em voz
relafao i literatura etnogrfifica revelasse outras instancias nas quais a cultura material baixa. Declaragoes polfticas podem, portanto, ser empre- endicJas com diminuto risco de
empreende tarefas expressivas quc a linguagem nao performali7” <in nao ccnsegue contradeclara^ees (cf. Givens 1977; McCracken I982b:82).
performatizar.
Em terceiro lugar, 6 possfvel que a cultura material e a linguagem difiram na
Quando contemplamos a possibilidade de que a linguagem e a cultura material relativa universalidade de seus eddigos. Minhas pesquisas sugerem que dentro de uma
dillram em seus fins comunicalivos, torna-se particularmente importante cn- lender tinica comunidade discursiva que comparlilha um c6digo relativamente uniforme de
como ambas diferem enquanto meios comunicativos. Tomc, por exemplo, a aparente linguagem, podem existir diferencas rnuito marcadas no c6digo para o vestuirio.
diferen?a identificada neste capitulo enire os c6digos do vestuano e os da linguagem. Diferentes classes e grupos de idade codificarao e decodificarao as mensagens do
Argumentou-se que o vestufirio nao possui uma liberdade combinatdria e que 6, vestuirio de maneiras surpreendentemente disparatadas e com baixo grau de mutua
portanto, incapaz de eriar mensagens n o vas. Esta deserigao do vestuirio da a entender inleligibilidadc. 0 estudo do vestuirio e de outras instancias da cultlira material pode
que ele constitui, em certo sentido, um c6digo “fecha- do”. Isio sugerc uma fugaz funcionar, assim, como uma oporlunidadepara examinar a diversidade social e
semelhan^a enire o vesluirio e o pensamento mftico e a atividade do bricoleur deserita ideacional. O trabalho pioneiro de Bernstein (1971) sobre a diversidade de codigos de
por L6vi-Slrauss (1966:17). Como este pensamento e esta atividade. o vestu^rio abastece linguagem na Inglaterra contemporanea pode servir como modelo para este estudo, mas
a soeiedade com um conjunto fixo de mensagens. Encoraja o uso do c6digo visando novamente devemos nos atentar, aqui, a ma- neira como os c6digos da cultura material
mais a repeti<;ao semi6tica do que a inova^ao. Permitc a reprcscnta?ao de categorias, diferem deste modelo da linguagem, tan to quanto o fizemos no locante fl maneira como
principios c processos cullu- rais sem, ao mesmo tempo, incentivar sua manipula?ao se conform am a ele.
eriativa. A linguagem, por outro lado, 6 um cddigo muito mais “aberto", e se aproxima
Finalmente, deve-se observar que a cultura material enquanto meio de comu-
muito mais do pensamento cientffico e da atividade do engenheiro,- que, como
nicafao e severamente limilada no numero c na variedade de coisas que pode comunicar.
notouLevi-Strauss (1966: 19-20), estao constantemente eriando novas mensagens e
E ela nao pode exercer os poderes retdricos que a linguagem possui. Nenhum c6digo
fazendo com que os cventos tenham um efeito inovador sobre a estrutura. O vestu^rio e
nao-lingufslico nos permite comunicar o estado de saude de uma tia em Winnipeg, nossa
cons- Lante em suas responsabilidades semi6licas; a linguagem e mutavel.
opiniiio sobre o governo Thatcher, nossa avaliafiio do mais rccente romancista norte-
Em resumo, o vestudrio 6 um c6digo conservador. A cultura pode, portanto, confiar
americano. A cultura material viabiliza a repre- scnia^iio de somenie um numero muito
a esta instancia da cultura material mensagens que a linguagem poderia violar. Pode
limitado de coisas em apenas um numero muito limitado de formas. E nao pode ser
codificar n o vesluArio e n a cultura material informafoes que deseje tornar ptiblicas.
usada para expressar ironia, metiifora, ceiicismo, ambivalencia, surpresa, reverencia e
mas que nilo pretende ver transformadas. Como coloca M i les Richardson, “a cultura
sincera esperan^a. A cultura material admite um escopo expressivo muito pequeno.
material continua a ter uma cxisicncia, por assim dizer, paralela ao turbilhar e ao fluir
das opini(5es, atiludes e idfiias” (1974:4). O estudo das propriedades expressivas da cultura material precisa acertar contas
com u m paradoxo. A cultura material 6, como tentei demonstr ar neste capftulo,
Em segundo lugar, podemos nos perguntar se a cultura material enquanto meio de
extremamente limitada em seu leque expressivo. Privada da liberdade combinat6ria
comunica^ao trabalha de um modo mais subliminar c nao-ap;irentc quc a linguagem.
Sao suas mensagens menos explfcilas e sua interpretafio menos cons- cienteque as da
linguagem? E provSvel quepesquisas futuras respondam afirma- tivamente a esta
questao. A informa^ao scmidtica da cultura material parece, tipicamente, penetrar na
conscienciapelas bordas de um foco cenlral de preocu- pa^oes mais prementes.
0 cariter nao-conspfcuo da cultura material lhe con fere divers as v antagens
enquanLo meio de comunica^ao. Antes de mais nada, converte a cultura material cm
engenho incomum e em mecanismo obliquo a servi^o da representapao de verdades
98 CULTURA & CONSUMO

e do potencial gerativo, 6 um meio de comunicaçâo relativamente empobrecido. Logo, comunicar significado cultural (Douglas e Isherwood 1978; Sahlins 1976). Na ultima
figura como uma espĞcie de mistĞrio por que a çukura deva utilizâ-la para qualquer döcada, um corpo diverso de academicos fez da significaçâo dos bens deconsumo o foco de
intençâo comunicativa, quaiido possui a altemativa de um cödigo tâo sutil e sofisticado um estudo acadcmico renovado (Arnould e Wilk 1984; Baudrillard 1968, 1970; Belk 1982,
como a linguagem. A resposta a este paradoxo deve ser a de que a çukura material, a 1985; Bronncr 1983; Felson 1976;Furby 1978;Graumann 1974-75; Hirschman 1981;
despeito de todas as suas aparentes limitaçöes, possui certas virtudes nâo-compartilhadas Holman 1980a; Krampen 1979; Lciss 1983; Levy 1978; Prown 1982; Quimby 1978;
com a linguagem. Aparentementc, dispöe de vaiitagcns semıöticas que a tornam mais Rodman e Philibert 1985; Schlcreth 1982; Sellerberg 1976; Solomon 1983). O trabalho
apropriada que a linguagem para certos propösitos comunicativos. Busquei notar acima ires destes autores eslabeleceu uma especie de subcampo que atravessa as ciencias sociais, e
destas vantagens, e parece- me que o estudo da cultura material avançari com descobertas que agora se dedica com crescente clareza e profundidadc ao estudo das relaçöes pessoa-
de outros autores. A estrat^gia de pesquisa que expl ora as diferenças enire cultura material objeto. Este capitulo busca contribuir com uma nova perspectiva teörica a este campo
c linguagem promete, penso eu, um en ten dimen to mais prolundo da natureza expressiva emergente, mostrando que o signiHcado carregado pelos bens tern uma qualidade mövel
da cultura material. Promete revelar-nos como e por que el a funciona como uma mıdia de que as leorias prevalecenlcs nâo reconhecem.
comunicaçâo util. Uma das maiores limitaçöes das presentes abordagens ao estudo do significado
No restante deste livro, tcrcmos a oporlunidade de nos voltar para o paradoxo notado cultural dos bens tie consumo 6 que el as falham em observar que este significado esti
aqui. Teremos a chance de vislumbrar por que a cultura deve recorrer a um meio de constantemente em trânsito. O significado esti ininterruptamenle flu- indo das e em direçâo
comunicaçâo tâo rudimentar c tao dcsajcitado quanto a cultura material. A resposta geral âs suas diversas localizaçöes no mundo social, com a ajuda de esforços individuals e
para este mistdrio parece ser a de que a cultura material dispöe de uma funçâo instrumental coletivos de designers, produtores, publicitârios e con- sumidores. Hi uma trajetöria
poderosa e variada. Pode ser usada para performatizar certos tipos de açâo social e cultural. tradiciona! ao movimento deste significado. Usual-
Esta habilidade instrumental, csta capacidadc de se prestar â consıruçâo de si e do nıundo
tornam a cultura material indispensâvel A cultura. Se a cultura material e em certos
senlidos um meio de comuııicaçao imperfeito, possui por outro lado noıâvcis podcres
pragma- licos. No capitulo que se segue, teremos ocasiâo para documentor os diversos
modos pelos quais o significado da cultura material 6 posto a serviço da constru- çâo do
mundo social e cultural.
CINCO

Manufatura e movimento de significado no mundo


dos bens

Esle capitulo 6, sob alguns aspectos, o eixo de articulaçâo do livro. Revisila o capitulo
anterior, desenvolvendo de modo mais abrangente os termos teöricos lâ sugeridos.
Precisamös ir alöm das limitaçöes e d as banalidades hoje inerentes â abordagem “bens
como linguagem”, e este capitulo propöe um dos esquemas teöricos que poderfamos usar
para fazer isto. Mas este capitulo tamb6m retematiza os capıtulos de abertura deste livro.
Neles, sublinhei o processo histörico atravds doqual cultııra cconsumo tornaram-secada
vezmais dependentes. Neste capıtu- lo, busco demonstrar o presente estado desta relaçâo e
mostrar como cultura e coıısumo operam enquaiito sistema nos dias atuais.

CULTURA E CONSUMO
Os bens deconsumo tem uma significaçâo que vai alöm de seu carâter utilitârio e de seu
valor comercial. Esta significaçâo consiste largamente em sua habilidade em carrcgar e cm
100 CULTURA & CONSUMO MANUFATURA E MOVIMENTO DE SIGNIFICADO NO MUNDO DOS BENS 101
mente, ela parte de um mundo culturalmente constitufdo e se iransferepara o bem de ajudar a demonstrar parte da total complexidade do consumo atual e a revelar de modo
consumo. mais detalhado exata- mente o que 6 ser uma “sociedade de consumo”.

FIGURA
LOCALIZA( ; dES DO SIGNIFICADO CULTURAL: O MUNDO
CULTURALMENTE CONSTITUIDO
MOVIMENTO DE SIGNIFICADO
A localizaQao original do significado que reside nos bens 6 o “mundo culturalmente
constitufdo”. Este 6 o mundo da experiencia cotidiana atravds do qual o mundo dos
Mundo culturalmente constitufdo fenomenos se apresenta aos sentidos do indivfduo, totalmente molda- do e constiluido pel
as cren^as e pressupostos de sua cultura. Este mundo foi conformado pel a cultura de duas
Publicidade/ Sistema maneiras. A cultura detdm as “lentes” atrav6s das quais lodos os fenomenos sao vistos. Ela
Sistema de moda de moda determina como esses fenomenos serao apreendidos e assimilados. Em segundo lugar, a
4/ 4/ cultura 6 o “piano de a?ao” da alividade human a. Ela determina as coordenadas da a?ao
social e da atividade produtiva, especificando os comportamentos e os objeios que delas
emanam. Enquanto lente, a cultura determina como o mundo 6 vis to. Enquanto “piano de
a’fiio", ela determina como o mundo serH moldado pelo esfor^o humano. Em resumo, a
cultura constityi o mundo suprindo-o com significado. Este significado pode ser
caracterizado em termos de dois conceitos: categorias culturais e prinef- pios culturais.

ESTRUTURA DE SIGNIFICADO: CATEGORIAS CULTURAIS


As categorias culturais sao as coordenadas fundamentais do significado. 12 Re- presentam as
Explicaçâo 1 1 Localizaçâo do significado distin^oes bAsicas com as quais a cultura divide o mundo dos fenomenos. Por exemplo,
: Instrumento de transferencia de significado cada cultura cspecifica as categorias culturais do tempo. Em nossa cultura, essas categorias
incluem um elaborado sistema capaz de dis- criminar unidades tao finas quando um
“segundo” e tiio vastas quanto um “mile- nio". Menos prccisas mas nao men os
significativas sao as distin^ocs impostas entre tempo de lazer e de trabalho, tempo sagrado
Em scguida, este significado se afasta do objeto c se transfere para o consu- midor
e profano, e assim por diante. Cada cultura tamb6m especifica categorias sociais de espa?o.
individual. Em outras palavras, hi ires localizagoes para o significado: o mundo
Em nossa cultura. estas incluem categorias de medi?2o e aquelas de "ocasiao”. A flora, a
culturalmente constitufdo, o bem de consumo e o consumidor individual, bem conio dois
fauna e a paisagem dos mundos nalural e sobrenatural tamb6m sao segmentadas pela cul-
momentos de transferencia: mundo-para-bem e bem-para-indi vf- duo. E o objetivo deste
furaemum conjunto de categorias. Talvez as mais importantes categorias cultu- ' rais sejam
capftulo analisar esta trajet6ria, e mostrar onde estii loca- lizado o significado e como ele 6
aquelas que segmen tarn a comunidade hum ana em distinfSes de clas- se, status, genero,
transferido. Isto serA feito em cinco se^ocs. considerando cada um dos cincc momentos da idade e ocupafSo.
trajeidria por vez.
A apreciafao da qualidade m6vel do significado cultural em uma sociedade de Categorias culturais de tempo, espa^o, natureza e pessoa criam o vasto corpo das
consumo ajudard a iluminar cerlos aspectos dos bens, do consumo c da sociedade modenia. categorias. Juntas, elas dao origem a um sistema de distin^dcs quo organiza o mundo dos
Esta perspectiva nos demanda que olhemos os consumidores e os bens de consumo como fen omen os. E assim que cada cullura estabelece sua pr6pria visao de mundo peculiar, e c
estates intermedidrias do significado. Nestamedida, nos encoraja a atentar para as assim que cada uma delas expressa os enlendimentos e as regras apropriados a um contexto
propriedade^estrutura;s e dinamicas do consumo que nem sempre sao plenamente cultural e absurd amen te inapropriados para os demais. A cultura faz de si mesma um
enfatizaaas. Tarr‘bem nos incila a encarar atividades tais como a publicidade, o mundo da conjunlo privilegiado de tennos, dentro do qual virtualmcnte nada parcce estranho ou
moda e os rituais de consumo como inslrumentos de mo- vimento do significado. inimeligfvel para o indivfduo, c fora do qua! nao hA ordem, sistema, pressupostos seguros
incentiva-nos, aqui, a ateniarpara apresen?adeum grande e poderoso sistema no coraQao da ou comprecnsao pronta. Em suma, a cultura “constitui” o mundo, inveslindo-o com seus
sociedade moderna, queconfere a esta sociedade parte de sua coerencia e flexibilidade, prdprios significados particularcs. E dcste mundo assim constitufdo que parte o signitlcado
*•
cultural rumo aos bens de consumo.
ainda que funcione como fontc ininterrupta de incoerencia e de dcscontinuidade. Em suma,
uma compreensao plena da qualidade m6vcl do significado cultural e de consumo pode
102 CULTURA& CONSUMO MANUFATUR/\ E MOVIMEfCTO DE SIGNIFICADO NO MUNDO DOS BENS 103

CATEGORIAS CULTURAIS NA AMERICA DO NORTE Pouco importa que suasprdprias categorias. Conferem-lbes subs- tancia. Os objetos conlribuem, assim, para a
as categorias culturais na America do Norte parc?am ter suas prdprias caractcrfsticas construfao do mundo culturalmente constitufdo, prccisamente porquc sao um regislro vital
especiais. Em primciro lugar, elas possuem uma indetermina^ao que nao 6 normalmenle c visfvel do significado cultural que seria, de outro modo, intangfvel. Com efeito, nao 6
evidente em outras circunslancias etnogr^ficas. As categorias culturais de pessoa, por exagerado dizer que cles lem uma luncao "performativa" (Austin 1963; Tambiah 1977), il
exemplo, sao marcadas por uma persistente e notivel ausencia de clareza. As categorias medida que dao ao significado cultural uma concretude que ele nao teria para o indivi- duo.
A realizafiio material das categorias culturais desempenhaum papel vital na constituifiio
culturais de idade, por exemplo, nao sao bem definidas.
cultural do mundo. O significado que organizou o mundo loma-se, atrav6s dos bens, parte
Uma scgunda caracterfstica das categorias culturais na modern a America do Norte 6 visfvel e demonstr^vel deste.
sua aparente qualidade “eletiva”. Dedicada como e il liberdadc do indivi- duo, esta
sociedade permite a seus irembros declararem de acordo com suas pr6prias vontades as O processo atrav6s do qual uma cultura torna manifestos suas categorias culturais foi
culturais que presentemente ocupam. Exercendo estud ado em certo detalhe dentro da antropologia. A antropologia estrutural proporcionou
esta liberdade, os adolescentes declaram-se adultos, os membros da classe traba- lhadora um esquema tedrico para este estudo e diversas subespecialidades, tais como as
declaram-se membros da classe mddia, os idosos declaram-se jo vens, c assim por diante. O antropologias da arte, do vestuArio, da habita^ao e da cultura material, supriram dreas
pertencimento a uma categoria, qucna maioria das culturas 6 mais estritamente exclusivas de investiga?ao. Como resultado deste trabalho, agora um claro entendimcnto
especiflcado e policiado, 6, em ncfssa pr6pria, muilo mais um assunto de escolha te6rico do modo pelo qual mfdias lingiifsticas e cspccial- mente nao-lingiiislicas expressam
individual. Nesta cultura, os indivfduos sao em grande medi- Ja aquilo que reivindicam ser, categorias culturais (Barthes 1967; Levi-Strauss 1963, 1966: 116; Sahlins 1976; Sausune
mesmo quando essas reivindica^oes sao, daperspec- tiva de uma sensata avaliaf^o 1966), bem como um amplo leque de investigates emplricas na Area da organiza?iio
sociol6gica, implausiveis. espaciai (Doxtatcr 1984; H. Kuper ^72), das formas habitacionais (Bourdieu 1973; Carlisle
1982; Cunningham 1973; ;;Lawrance 1981,1982,1984; McCracken 1984a, 1986b), da arte
Uma tcrceira caracterfsuca das categorias culturais na America do Norte que precisa
(Fernandez 1966; :Greenberg 1975), do vestuirio (Adams 1973; Joseph 1986; McCracken
ser notada6 o fato de que elas estao submetidas a constante e riipida mudan- ?a. A
e Rotli 1986; Schwarz 1979), do omamento (G. Clark 1986; Drewal 1983), da tecnologia
qualidade dinamica das categorias culturais claramente contribui para sua indeterminafao.
Mais importante, contudo, 6 que esta qualidade tambdm torna as categorias culturais
sujeitas a esfor^os manipulativos do inaivfduo. Os grupos sociais podem buscar mudar seu
lugar no esquema calcg6rico, enquanto os profis- sionais de marketing podem tentar
estabelecer ou encorcyar uma nova categoria de pessoa (por exemplo, o “adolescente”, o
il
yuppie,,)t afim decriar um novo segmen- to de mercado. As categorias culturais na America
do Norte estao sujeitas a serem rcpensadas e rcarraiijadas por diversas partes interessadas.

A SUBSTANCIA^AO DE CATEGORIAS CULTURAIS


As categorias culturais siio a grade conceitual de um mundo culturalmente cons- litufdo.
Elas determinam como este mundo serS segmenlado em parcelas discre- las c inteligfveis,
e como essas parcelas scrao organizadas em um sistema coeren- le mais amplo. Apesar de
toda a sua importancia, contudo, essas categorias nao tern presenga subsiancial no mundo
que organizam. Elas sao o tablado sobre o qual o mundo esld suspenso, mas permanecem
invisfveis para lodos que nele vivem.
Mas as categorias culturais sao constantementc substanciadas nas prAticas liumanas.
Agindo de acordo com o “piano de acao” da cultura, os membros de uma comunidade estao
o tempo todo realizando as categorias no mundo. Estao constantcmentc determinando essas
distin^Oes, de modo a tornar o mundo que criam consistcnte com o mundo que imaginam.
Em certo sentido, os membros de uma cultura eslao constantemente engajados na
construfao e na constituifao do mundo em que vivem.
Um dos modos mais imporlantes no qual as categorias culturais sao subslanciadas 6
alrav6s dos objetos materials de uma cultura. Como veremos a seguir, esses objetos sao
criados de acordo com o “piano de a?ao" da cultura e, destamaneira, lomam relevantes as
10*1 CULTURA&CONSUMO MANUFATURA E MOV1MENTO DE SIGNIFICADO NO MUNDO DOS DENS 105

(Lechtman e Merrill 1977) e da comida (Appadurai 1981; Canoll 1982; Douglas 1971; que permitem distin- guir todos os fenomenos culturais, classificfi-los, e inter-relacionl-los.
Ortner 1978). 0 estudo desta cultura material ajudou a determinar de que modo e sob que Enquanto id6ias orientadoras do pensamento e da a^ao, cles encontram expressao em cada
forma as categorias culturais sâo substanciadas no mundo cultural- mente constituTdo.
aspeclo da vida social e, nao menos que cm iodo o res to, nos bens.
Ajudou a mostrar como o mundo 6 mobiliado com objetos materials que refletem a e
conlribuem para sua constituiçâo cultural. Esses prinefpios. como as categorias, sao substanciados pela cultura material cm geral
c polos bens de consumo em particular. Vale observar que as categorias c os prinefpios
A SUBSTANCIAÇÂO DAS CATEGORIAS CULTURAIS EM BENS Os bens culturais pressupoem-se muluamente c sua expressao nos bens 6 neccssariamente
sâo uma instância da cultura material. Sâo uma oportunidade para a ex- pressiio do simultaiiea. Os bens sao, portanto, incapazes de significar umas sem os outros. Quando os
bens mostram a dislin^ao entre duas categorias culturais, fazem-no codificando alguma
esquema categörico estabclcc^do pela cultura. Os bens sâo uma oportunidade para fazer
coisa do prinefpio de acordo com o qual tais categorias sao dislinguidas. Assim, o vestuirio,
culiurr. -..uierial. Como outras espĞcies de cultura material, eles penniıem a discriminaçâo
que evidencia uma discrimina- ?ao entre homens e mulberes ou entre as classes alia e
pûblica, visual, de categorias culturalmente especificadas, codificiindo-as sob a forma de
baixa, tamb6m moslra algo da natureza da diferen§a que se supoe existir entre essas
um conjunto de distinçöes delas pröprias. Categorias de pessoa, divididas em parcelas de
categorias.13 Comunica a suposta “delicadeza” das mulheres e a suposta “for^a” dos
idade, sexo, classe e ocupaçâo podem ser re- presentadas em um conjunto de disünçöes
homens, o suposlo “refinamento” da classe alta e a suposta “vulgaridade” da classe baixa.
materiais atravĞs dos bens. Categorias de espaço, tempo e ocasiao- tambfim podem ser O vesiu- 5rio comunica as propriedades que se supoe sercm inerentes a cada uma dessas
refletidas nesta mfdia de comunica- çâo. Os bens ajudam a substanciar a ordem da cultura. categorias, e isto funciona como base para a discriminafao. Aparentemente, as categorias
Di versos estudos examinaram o modo pelo qual os bens se prestam a esta de classe e de sexo nunca sao comunicadas sem esta indicacao de como eporquedevem ser
substanciaçSo. 0 estudo de Sahlins (1976) do simbolismo dos bens de consumo norte- dislinguidas. 0 mundo dos bens, diferentememedo da linguagem, nunca se engaja em um
airiericanos analisa os “sistemas" de alimento e de vestuârio e mostra sua correspondencia simples assinalar da diferen?a. E, com efeito, sempre mais acessfvel e mais revelador. Seus
a categorias culturais de pessoa. O'listudo de Levy (1981) da correspondencia entre tipos de signos sao sempre, em certo senti- do, mais motivados e menos arbitririos que os da
comida e categorias culturais de sexo e idade na sociedade americana & outra excelente linguagem.
ilustraçâo do modo pelo qual se pode abordar de um ponto de vista estruturalista a
Os prinefpios culturais na Amfirica do Norte moderna tern a mesma qualidade
informaçâo demogrâfi.ca contida nos bens. Ambos os estudos demonstram que a ordem
indeterminada, mutivel e eletiva das categorias culturais. Prinefpios tais como o
dos bens 6 modelada na ordem da cultura. Ambos demonstram que muito do significado
“naluralismo" podem cair em deserddito por uma ddcada, somente para serem reabilitados
dos bens pode ser referido âs categorias culturais nas quais a cultura seğmen ta o mundo. A
e avaiigar a um novo patamar de importancia na outra, como ocorreu nos anos 60. 14 0
substanciaçâo das categorias de classe em bens de consumo foi considerada por Belk,
prinefpio da “dcsarmonia", t3o iltil i estfiticapunk, antes nao era sequer um prinefpio, mas
Mayer e Bahn (1981, Coleman (183), Davis (1965), Forme Stone (1957), Goffman (1951),
meramente o lermo para fenomenos que dnham de algum modo fiigido i aplicacao bcm-
Sommers (1963, Vershure, Magel e Sadalla (1977) e Warner e Lunt (1941). A
sucedida de um outro prinefpio.
substanciaçao das categorias de genero nâo & tâo bem examinada, mas parece estar
A literatura ctnogrdfica sobre o significado dos objetos enquanto prinefpios pode ser
capturando mais a atençâo academica (Allison et al. 1980; Belk 1982; Levy 1959;
enconLrada em Adams (1973), Fernandez (1966), McCracken (1982a) c Drcwal (1983).
Hirschman 1984). A substanciaçâo das categorias de idade tambdm parece estar recebendo
Nao & abundante uma literatura substantiva que mostre a presen- fa e a natureza do
mais atençâo (Disman 1984; Olson 1985; Sherman c Newman 1977-78; Unruh 1983). Os
significado enquanto prinefpio nos objetos da sociedade norte- americana contemporanea.
bens, junlamcnic com oulras instâncias da cultura material, se prestam â substanciaçâo da
0 artigo de Levy faz uma referenda passageira a isso, assim como o faz Sahlins (1976), e a
cultura.
id6ia 6 implicitamente abordada no trabalho de Lohof (1969) acerca do significado
investido nos ciganos Marlboro. 0 tema tambdm vem a tona na tentativa de socidlogos de
ESTRUTURA DO SIGNIFICADO: PR1NCİPIOS CULTURAIS 0 significado fazer dos objetos indices de
cultural tamb6m consiste em “prinefpios cullurais”. Neste caso, o significado reside nâo
nas categorias de pessoa, atividade, espaço ou tempo, mas nas id6ias ou nos valores de
acordo com os quais estes e outros fenomenos culturais sao organizados, avaliados e
construfdos. Se as categorias culturais sao o resultado da segmenta?ao do mundo pela
cultura em parcel as discretas, os prinefpios culturais sao as idfiias atravfis das quais esta
segmenta^ao 6 performatizada. Sao os pressupostos licenciados ou as idSias organizadoras
106 CULTURA &CONSUMO MANIIFATURA B MOVIMEtrrO DE SIGNIFICADO NO MUNDO DOS BENS 107

status e de classe. Lauman e House (1970), por exemplo, buscaram estabelecer o 6 dado ao diretor um bem de consumo, cujas propriedades ffsicas e aspecto cktcrno sao
significado do mobiliArio domfistico, recorrendo aos princfpios de “moderno” c fixos e nao sujeitos i manipula^ao. O outro cle- mento, a representa^ao do mundo
“tradicional”. Felson, em seu estudo dos “eslilos de vida materiais" (1976), colo- cou algo culturalmenie constitufdo, 6 constrangido e livre cm propor^oes quasc identicas. O clientc,
que chamou de “fator bricabraque”, enquanlo Davis (1958) cunhou o termo “Bauhaus its vezes induzido pela pesquisa de marketing e por suas recomendacoes, especificard as
ajaponesado” para caracterizar um cerlo principio de design interior. 0 princfpio de propriedades a serem busca- das para o bem de consumo. Assim guiado, o diretor dispoe
“ciencia” (ou, mais especificamente, apreccupa?ao com o domfnio t6cnico da naturcza e a entao de um amplo cfrculo de controlc discriciondrio. Submetido somente ao
cren?a de que as atividades humanas podem ser positivamcnle transformadas alraves de constrangimento negati- vo das limitafoes or?amentdrias e ao constrangimento positivo de
inovafdes iccnoldgicas) foi o motivo preferido dos utensflios de cozinha e dos autombvcis uma contfnua “imagem da marca”, o diretor 6 livre para “disponibilizar” as propriedades
na America do Norie dos anos 50 c 60 (CsikszenLniihalyi e Rochberg-Halton 1981:52). simbd- licas desejadas de qualquer um dos quasc infinitos modos possfveis.
Academicos da subirea de cultura material dos cstudos americanos e da hist6ria da arte Este processo de disponibiliza?ao consiste em longas e elaboradas series de escolhas
fizeram a coniribui^ao mais notdvel a esie t6pico (Quimby 1978: Schlereth 1982). Prown (Dyer 1982; McCracken 1980; Sherry 1985; Singer 1986; Williamson 1978). A primeira
(1980) e Cohen (1982), por exemplo, cxaminaram os princfpios evidentcs na mobilia cscolha 6 diffcil. O diretor precisa idenlificar para seus prop6- sitos, com elareza suficienle,
americana.15 as propriedades procuradas para o bem em questiio. Isto is vezes resultara em um perfodo
EstA claro em qualquer um desses casos que, como as categorias, os principi-, os da de complicadas conversas entre clientc c diretor, nas quais ambas as partes alternadamente
cultura sao substanciados pelos bens de consumo, e que esses bens assim carregados conduziriio ou seguirilo uma A outra em uma aprecia^ao minuciosa das propriedades
buscadas para o bem. Em qualquer caso, a agencia de publicidade iniciard ela mesma
jyudam a forjar o mundo culluralmente constitufdo. Tanto as categorias quanto os
processos consulli- vos para estabelecer com satisfatdria nitidez seus prdprios objetivos. A
princlpios orgajiizam o mundo dos fenomen os, bem como os cs- for^os de uma
segunda escolha 6 igualmente diffcil, mas talvez menos consultiva. O diretor prccisa de-
comunidade em matiipular este mundo. Os bens substanciam ambos e, portanto, integrum o terminar onde residem as propriedades desejadas no mundo culluralmente cons- tilufdo,
mundo cul_lmente constitufdo ao mesmo tempo como objetos dele e como sua objeiiva?ao. uma vez que tern a sua disposi?3o um vasto leque de possibilidades para cscolber. O
Em rcsunio, os bens sao simultunca- menle as criaturas e os criadores do mundo “lugar” precisa ser selecionado, e a primeira decisao aqui e se o anuncio lera um contexto
culluralmente constituido. INSTRUMENTOS DE TRANSFERENCIA DE de fantasia ou um naturalista. Se o ultimo for escolhido, segue-se a nccessidade de decidir
se este contexto sera um interior ou um exterior. uma paisagem urbana ou rural, um
SIGNIFICADO: MUNDO-PARA-BENS
ambiente cultivado ou inexplorado. Tam- b6m 6 preciso escolher a que horas do dia e cm
O significado, assim, reside em primciro lugar no mundo cultui almente constituido. Para que momento do ano ele se siluarii. Se pessoas devem aparcccr no anuncio, c preciso
tornar-se inerente aos bens de consumo, prccisa desengajar-sc do mun- do e transferir-se determinar seu sexo, idade, classe e ocupafao. O vestuario, a postura corporal e o cstado
para o bem. O objetivo desta se?ao 6 observar duas das instilui- ^oes que sao usadas cmocional dessas pessoas tambem deve ser especificado (Goffman 1979). Essas sao as
atualmente como instrumentos desta iransferencia. Exami- narcmos as inslitui??es da partes do mundo culluralmente constitufdo que podem ser cvocadas no anuncio.
publicidade e do sistema de moda. Deve-se notar que o processo de sele?ao pode ser melhor ou pior conduzido de acordo
com a habilidadee o treinamento do diretor. Nao hi um caminho sim- ples entre as
PUBL1C1DADE propriedades desejadas para o bem de consumo c as partes do mundo culluralmente
cbnstitufdo que podem fomece-las na propaganda. Este 6, como
A publicidade atua como potcnte mdtodo de transierencia de significado, liinclin- do um
bcm de consumo a uma representafilo do mundo culluralmente constiLui- do dentro dos
moldes de um aiiuncio especffico. O diretor de cria^ao de uma agencia busca conjugar
esses dois clementos de tai modo que o espectador/leitor vislumbre uma similaridade
essencial entre eles. Quando esta equivalencia sim- b61ica 6 estabelecida com sucesso, o
espectador/leitor atribui ao bem de consumo cerias propriedades que cle ou el a sabe que
existem no mundo culluralmente constitufdo. As propriedades conhecidas do mundo
passam assim a residir nas propriedades desconhecidas do bem de consumo. A
iransferencia de significado do mundo para o bem foi realizada.
Os mecanismos de um processo de tai maneira complicado merecem uma ex- posigao
mais detalhada. O diretor de cria^ao preocupa-se em efetivar a conjunfao bcm-sucedida de
dois elementos. Um destes elementos 6 especificado pelo clicnte. Na maior parte dos casos,
108 CUI.TURA & CONSUMO
MANUFATURA E MOV1MENTO DE SIGNJHCADO NO MUNDO DOS DENS 109

ressaltam os profissionais do ramo de publicidadc, urn processo “criativo" no qual as sua similaiidade essencial. Cabe ao espectador/leitor perceber esta similaridadc c
seleçöes mais apropriadas para o anûncio nâo sâo tanto calculadas, mas sim efetuar a transferencia de propriedades significativas. 0 espectador/leitor e, nesta
vislumbradas. Imprecisâo e erro nesle processo criaüvo sâo nâo apenas pos- sfveis, mas medida, um participan te essencial no processo de Iransferencia de significado, como
extremamente freqiientes. Tamb6m deve-se notar quc o processo de seleçâo, por ser Williamson (1978:40-70) empenhou-se em sublinhar. O espectador/leitor prccisa
criativo, procede dos nfvcis inconscientes tanto quanto dos cons- cientes. Os diretores completar o trabalho do diretor.
nâo estâo scmpre plenamentc cientes de como e por que uma seleçâo 6 tcita, mcsmo A propaganda eum tipo de canal atravds do qual o significado estd constante-
quando esta seleçâo se apresen ta como obrigatöria e necessâria (por exemplo, Arlen mente fluindo. cm seu movimento do mundo culturalmente conslitufdo para os bens de
1980:99, 119). consumo. Atravds do anuncio, bens antigos e novos estao constantemcn- te
Em suma, o diretor prccisa escolher a partir das allernativas que foram destituindo-se de velhos significados e assimilando outros. Como participan- tes ativos
estabclecidas pel a rede de categorias eprincfpios culturais. nos termos da qual a neste processo, somos man lidos informados do atual cstado e estoquc de significado
cultura constituiu o mundo. Essas escolhas serâo detcrminadas pclu diretor, quc cultural presentes nos bens'de consumo. Nesta medida, a propaganda funciona para n6s
decidirâ quais categorias e princfpios mais claramcnie se aproximam do signifi- cado como um 16xico dos significados culturais correntes. Em grande parte, 6 ela que
que o clientc busca para o produto. Uma vez que este processo esteja com- pleto, urn mantdm a consistencia entre aquilo que Sahlins cha- mou de “ordem da cultura” e de
terceiro conjunto de escolhas precisa ser realizado. 0 diretor prccisa decidir exatamente “ordem dos bens” (1976:178).
como o mundo culturalmenle conslitufdo deve ser retratado na propaganda. Este
processo consistirâ em passar em revista todos os objctos nos quais o significado
O SISTEMA DE MODA
selecionado foi substanciado, e entao decidir quais deles serâo usados para cvocar tai
significado no anûncio. Em seguida 6 preciso decidir como o produto serâ apresentado O sistema de moda 6 men os frequentemente observado, estudado e compreendido
neste contexto altamenie plaiicjado. Con- vençöesT fotogrâficas e visuais serâo como um instrumento de inovimcnta^ao de significado, ainda que funcione, tam- b6m
exploradas aqui de modo a dar ao especta- dor/leitor a oporlunidade de vislumbrar uma ele, como um meio atravfis do qual os bens sao sistemaucamente investidos e
equivalencia essencial enire o mundo eo objeto. O diretor precisa conjugar esses dois desinvestidos de suas propriedades significativas. O sistema de moda 6 um instrumento
elementos, a firn de cncorajar uma ideııiificaçâo metaförica, uma “igualdade”, com o de movimenla^ao de significado um pouco mais complicado que a propaganda. No
consumidor em potcncial. 0 mundo e o bem precisam ser encarados como caso desta, o movimento 6realizado pela agencia de publicidade e por seus esforgos em
compartilhando uma harmonia especial. Precisam ser vistos como “fundidos”. Quando desprender o significado do mundo culturalmente consti- tufdo e transferi-lo para um
esta “igualdade" 6 vis- lumbrada, atravĞs de uma ou muitas exposiçöes a estfmulos, o bem de consumo, atrav^s de um anuncio. No caso do sistema de moda, o processo
processo de trans- ferencia tomou lug;ir. 0 significado transporlou-se do mundo dispoe de mais fontes de significado, agentes de transferencia e meios de
culturalmente conslitufdo para o bem de consumo. Este bem agora “figura como” urn comunicagiio. Parte desta complexidade adicional pode ser capturada notando que o
significado cultural de cuja carga estava previamentc imaculado.. mundo da moda atua de tres modos distintos para transferir o significado para os bens.
Imagens visuais e material verbal parecem assumir uma relaçâo muito particular O sistema de moda, em uma de suas capacidades, opera uma transferencia de
neste processo de ıransferencia. E principalmente o aspecto. visual da propaganda que significado do mundo culturalmente constiluido para os bens de consumo nota-
conjuga o mundo e o objeto, elementos entre os quais busca-sc fazer a transfcrSncia de velmente similar em carrier e em efeito i transferencia feita pela publicidade. Na midia
significado. 0 material verbal funciona sobrcludo como uma espĞcie de lcmbrete que <ie uma revisla ou de umjornal, evidencia-se o mesmo esforgo em conjugar o bsm a
instrui o espectador/leitor accrca das propriedades salien- tes que se supöe estarcm aspectos do mundo, com o objetivo de chegar ao mesmo processo de entrever
sendo expressas pela parte visual do anûncio. O texto. cspecialmentc as majichctcs, similaridades. O sistema de moda, nesta capacidade, toma novos eslilos de se vestir ou
torna cxpKcito o quc jâ estava implfcito na imagem. fornecendo iııstruçöes sobre como de mobiliar a casa e os associa a categorias e princfpios culturais estabelecidos. Assim,
a parte visual do anûncio deve ser lida. O componenle verbal permite ao diretor o significado transporta-se do mundo culturalmente conslitufdo para o bem. Este 6 o
conduzir a atençâo do espectador/leitor exatamente is propriedades significativas que aspecto mais simples desta capacidade do sistema de
se tem a intençâo de trans feri r 〔 cf. Barthes 1983:33-39; DVP; 1982:1^9-182;
Garfinkle 1978;Mocran 1985).
Tudo isso precisa, agora, ser decodificado com sucesso pelo espectador/leitor.
Vale enfatizar que este espectador/leitor 6 o autor final do processo de trans- ferencia.
0 diretor pode apenas fazer o mundo e o bem de consumo conjugarem- se, sugerindo

I
I 10 CULTURA & CONSUMO
MANUFATURA E MOVJMENTO DE SIGNIFICADO NO MUNDO DOS BENS

moda de disponibilizar significado e, ironicamenle, 6 aquele que Barthes (1983) achou fato, todos eles representam um desvio das converges culturalmente constitufdas da
mais perturbador e diffcil de interprciar plenamente. sociedade norte-americana modema, e todos eles ilustram a peculiar tendencia ocidental
Uma segunda capacidade do sistema de moda 6 que ele realmenie invenia, de modo para tolerar violates dram^ti- cas das normais culturais. Cada um desses grupos gera
modesto, novos significados culturais. Esia iııvençâo 6empreendida por “If- deres de novo significado cultural, mesmo que somente atrav6s do processo negalivo de violar
opiniâo”, que ajudam a moldar c a refill ar o significado cultural existente, encorajando a categorias culturais de iilade e status {hippies cpunks) ou de gencro Suas redcfini(;oes
reforma de categorias e prinefpios culturais. Estes sâo lfdcres de opiniâo “distanies”: dcslas categorias culturais e de uma s6rie de prinefpios culturais que os acompanha sao
indivfduos que, em virtude de scu nascimento, beleza, celebri- dadc ou façanhas, sâo incorporadas pelo mainstream cultural. Grupos inovadores deste tipo tornam-se
tidos cm alta conta. Esses grupos e indivfduos sâo fontes de significado para os de “provedores de significado”, mesmo quando se dedicam a subverter a ordem
posiçâo mais baixa. Islo 6 sugerido no fato de que suas inovaçöes de significado sâo estubelecida (como os hippies) e mesmo quando se obstinam em nao permitir que suas
cslimuladas pelas apropriaçöes imitaiivas dos que estâo posicionados abaixo (Simmcl inven^oes culturais sejam absorvidas pelo mainstream (como os punks, cf. Hebdige
1904).16 Classicamente, esies grupos de posi- çüo elevada constiluem uma elite social 1979; Martin 1981).
convencional: as classes alta-alta e alta- baixa. Elas silo, por exemplo, a origem do Se as fontes de significado sao mais dinamicas e numerosas, assim tambem o sao os
“visual preppie17". que foi ullimamenle ampla e profundamente propagado pelo efeito agenles que apanham este significado e realizam sua transfercncia para os bens de
“Irickc-down”. Mais recenlemente, esses grupos constiluem-se dos deliberadamente consimio. No caso do sistema de moda, esses agentes enquadram-se em du as categorias
nouveau riche'1 que agora predo- minam nos seriados noturnos. tais como “Dallas” e principais. Os designers de produlo sao uma delas. Estes sao, as vezes, os mais
“'binasti.f. c que p<irecem ler influenciado os hâbitos de consumo e de eslilo de vida dos conspfcuos dos indivfduos, que sc eslabelecem em Paris ou Milao como Arbitros do
norie-americanos. Es- trelas de cinema e da musica pop, reverenciados por seu status, design de roupas e envolvem a si mesmos, sempre que possive), em um culto de
por sua beleza e hs vezes por seu talento, tambâm integram este grupo relativamente personalidade. Arquitetos e designers de interiores Ss vezes assu- mem estatura
novo de lideres de opiniâo. Todos esses grupos inventam e disponibilizam uma especie aproximadamente comparSvel, e cxercem uma influencia interna- cional semelbante
de significado, que 6 largamente modulado pelas coordcnadas culturais prevaleccntes, (Kron 1983). Mas, com mais freqiicncia, esses designers nao siio tiio conhecidos; de
esiabclecidas pclos prinefpios c pelas categorias culturais. Esses grupos sâo lam- b6m fato, a maioria 6 anonima para todos os que nao sao de seu meio industrial (Clark 1976;
permeâveis a inovaçöes culturais, mudançasdeestilo, valoreatitude, os quais, em seguida. Meikle 1979; Pulos 1983). Os designers de automd- veis de Detroit sao o caso aqui,
passam adi ante para as classes subordinadas que os imitam. assim como os desenhistas de produto das indus- trias de moveis e deutcnsflios. (Figuras
Uma terceira cap?. •: Jfide do si'stema de moda 6 a de se engajar ııâo apenas na como Raymond Loewy s2o exce?ocs que confirmam a regra). A segunda categoria
iııvençâo de significados culturais, mas tambĞm’em sua reforma radical. Parte du consiste nos jornalistas de moda e nos observadores sociais. Os primeiros podem
significado cultural das sociedades industrials ocidentais esti submetida a mu- danças pertencer 4 imprensa ou ao cmema, e podem ser mais ou men os discrctos. Os segundos
constantes e profundas. A inslabilidade radical deste significado deve-sc ao fato de que s3o, Ss vezes, jornalistas que esludam e documentam novos desenvolvimentos sociais
as sociedades ocidentais sâo, na expressao de Claude Levi-Strauss (1966:233-234), (por exemplo, Lisa Birnbach 1980; Kennedy Fraser 1981; Tom Wolfe 1970; Peter York
“sociedades quentes”. Elas aceitam de bom grado, na verdade at6 mesmo encorajam, as 1980) ou, as vezes, academicos que empreendem uma pesquisa aproximadamente
mudanças radicals que scseguem ao deliberado esfor- ço humano e que sâo o efeiıo de similar, de um pon to de vista um tan to diferente (por exemplo, Roland Bartbes 1972;
forças sociais anönimas (Braudel 1973:323; Fox e Lears 1983; McKendrick ct al. Cbristopher Lasch 1979). Da mesma forma, pesquisadores de marketing eslao
19S2).1’ Como resultado, o significado cultural de uma sociedadc complexa, industrial, come^aiido a se prestar a este papcl (por exemplo, John Naisbitt 1982; Arnold Mitchell
ocidental, “quente” estii constantementc sofrendo mudanças sistcmâticas. Em 1983 e, possivelmente, John Molloy 1977).
contradiçâo com virtualmentc loda a etnografla precedcntc, viye-se ai em um mundo que t-. Esses dois grupos sao responsAveis pela transferencia de significado. Nor- malmente.
Ğ conslitufdo, nâo apenas culturalmente, mas tambem historicamente. Com efeito, nâo.6 eles estabelecem uma divisao do trabalho relativamente igualitaria.
exagcrado dizer que as sociedades quentes demandam lais mudanças e dependem delas
para con- duzir certos setores econömicos, soci ais c culturais do mundo ocidental (cf. B
arber e Loebel 1953; Fallers 1961). 0 sistema de moda funciona como um dos canais de
captura e de movimento desta categoria de significado altamente inovador.
Os grupos responsiiveis por esta reforma radical do significado sao, normal- mente,
aqueles que vivem k margem da sociedade: hippies, punks ou gays (Blumberg 1974;
Field 1970; Meyerson e Katz 1957). Na difusap da lideran^a, esses grupos inventam um
significado de lipo muito mais radical e inovador que o de seus pares da classe alta. De
112 CULTURA &. CONSUMO MANUFATURA E MOVIMENTO DE SIGNIFICADO NO MUNDO DOS DENS 113

Osjornalistas desempcnham aprimeira das duas etapas em quese divide o empreendi- bens'de consumo. Constiluem dois dos meios atravös dos quais o significado e investido
menlo. Funcionam como salvaguardas de uin certo lipo, ao faz.crein a critica das no “cödigo objeto". E graças a eles que os objetos de nosso mundo canegam tai riqueza,
inovaçöes culturais, sociais c est6ticas assim que elas aparecem, julgaiido algumas delas variedade e versatilidade de significado e podem funcionarpara n6s de mod o tüo
como importantes e ouiras como triviais. Assumelbam-se, nesle aspecto, fis salvaguardas diversificado, em atos de autodefiniçâo e de comunicaçâo social.20
do mundo da arte (Becker 1982) e da müsica (Hirsch 1972). E res- ponsabilidade deles
observar, o melhor que puderem. o redemoinho da massa de inovaçöes, e delerminar o que LOCALIZAÇÂO DO SIGNIFICADO CULTURAL: OS BENS DE
6 mera coqucluche e o que e realmcnte moda, o que e cfemero e o que vai durar. Dcpois CONSUMO
de terem completado sua difıcil e freqiientemcnte errönca tarefa de separar o joio do trigo,
sc engajam em um processo de dissemina- çâo atraves do qual tornam suas escollias Que os bens de consumo sâo o locus do significado cultural 6 um fato muito bcm
conhecidas. eslabelecido para se fazer necessâria uma demonstraçâo elaborada aqui. Como coloca
Deve-se admitir .jdos, na cadeia de difusSo (Rogers 1983), desempe- nham um papel Sahlins em relaçâo a uma categoria deproduto, o vestuârio, “considerado como um iodo, o
de salvaguarda c ajudam a desencorajar ou encorajar os goslos daqueles que recorrem a sistema do vestuârio americano implica em um esquema muito complcxo de categorias
eles enquanto Ifderes de opiniSo. Osjornalistas sâo cha- ves especiais nesle processo, culturais c das relaçöes enire elas, um verdadeiro mapa - nâo 6 exagerado dizer-do
porque fazem sentir sua influencia mesmo antes de uma inovaçüo passar para seus universo culltiral” (1976:179).
“primeiros adeptos” (Baumgarten 1975; Meyersohn e Katz 1957; Polegato c Wall 1980). 0 que pode ser dilo acerca do vestuârio pode ser dito de virtualmenie lodas as
Enquanto os jornalistas se prestam a diferenciar certas inovaçöes de outras, os categorias de produto de alta complexidade e de diversas outras de baixa com- plexidade.
designers dâo inicio â tarefa de conformar o significado dentro do mainstream e de Vestuiirio, transporte, comida, interiores e exteriores da habitaçâo, ornainentos; todos
invesli-lo nos bens de consume. Os designers diferem do diretor da agencia de publicidadc funcionam como mfdias para a expressao do significado cultural de acordo com o qual
na medida cm que ele ou ela estâ transformando nâo apenas as proprie- dades simbolicas nosso mundo foi constitufdo.21
do bem tleconsumo, mas tambĞm suaspropriedades ffsicas. Fora as feiras de ııegöcios e Que os bens possuem significado cultural 6 algo As vezes evidente e âs vezes oculto
de moda, atraves das quais somcnie alguiis dos consumido- res em potencial podem ser para os consumidores. Certas modalidades desta informaçâo, em especial o status, sSo
alcançados, os designers nâo dispöem, como a propaganda, de um contexto doador-de- alvo de preocupaçâo autoconsciente e de manipulaçâo. Nâo menos freqiientemcnte,
significado no qual ele ou ela pudesse inserir o bem de consumo. Ao contrârio, o bem de contudo, os consumidores individuals vem a perceber o significado cultural carregado
consumo deixarâ as mâos do designer e entrarâ em qualquer um dos contexlos que o pelos bens de consumo somente em circunstâncias ex- cepcionais. Aqueles que perderam
consumidor escollıer para ele. Assim, o designerprecisiL transformar o objeto de tai seus bens ao terem sua casa roubada, por empobrccimento sûbito, ou em funçâo de um
maneira, que o espectador/dono pos- s;i perceber que o objeto assim formül ado possui progressive despojamento ao longo dos ail os falam do intenso sentimento de perda e
certo significado cultural. O obje- to precisa deixar as milos do designer com suas novas mesmo de um profundo pcsar (Belk 1982:185). Os rituais de posse a serein disculidos
propriedades simbblicas plenamente expostas em suas novas propriedades ffsicas. abaixo lambdm sugerem que as propriedades significaiivas dos bens nâo sâo sempre
O designer, como o diretor, depende do espectador/dono para preencher o ato final de conspicuamcnlc cvi- d^ntes para seu dono, independentemente do quanto elas se prestam a
associaçâo. 0 designer depende do espectador/dono para cfetivar a trans- ferencia de informar e a co.ntrolaruçâo dele ou dela.”
significado do mundo para o bcm. Mas lid uma dificuldadc especial aqui. Diferentemente ^•'Forobscrvado no começo deste capftulo que a ultima döcada assistiu a um İransb'ordar
do diretor, o designer nâo dispöe das ferramentas altumeii- tc inancjilveis c retöricas da de trabalhos sobre a significaçâo cultural dos bens de consumo.
pubHcidade para encorajar e dirigir csta transferen- cia. O designer nâo 6 cap az de in
form ar o espectador/dono acerca das qualidades pretendidas para o bem. Estas precisam A abundância desta literaiura nos reafirma que o estudo do significado cultural carregado
esıar auto-evidenıes para o espectadur/ dono, que precisa cstar apto a prover-se do novo pelos bens 6 um empreendimento academico florescente. Nada nesta literatura, contudo,
significado. 6 nccessârio, por- laiito, que o espectador/dono tenha acesso tanto quanlo o atenia para a qualidade mövel deste significado, e islo bem pode 110s scrvir para fazer
designer îıs mesmas fontes de informaçâo sobre as novas modas em design. E prcciso que desta um prcssuposlo operativo na ârea. E tempo de perguntar, sislemâtica e
lhe seja dado o conhecimento em primeira miio do novo significado. assim ele ou cl a continuamcnte, de önde vem este significado, atraves de que meios 6 disponibilizado, para
poderâ identificar a significaçâo cultural das propriedades ffsicas do novo objeto. 0 quern se diriğe e önde vira a assentar-se.
designer, em suma, conta com ojomalista no começo do processo de trans- fcrencia de
significado, e depois novamente no final. O jornalista fornece novo significado para o INSTRUMENTOS DE TRANSFERENCIA DE SIGNIFICADO: BEM-
designer da mesma maneira que o faz para o receptor do iraba- lho deste designer. PARA-CONSUMIDOR
Em resumo, tanto a publicidade quanto o sis tema de moda sâo instrumentos para a
transfcrcncia de significado do mundo cultural ehisloricamente constituf- do para os
114 CULTURA & CONSUMO MANUFATURA E MOV[MENTO DE SİGNİFİCADO NO MUNDO DOS BENS 115

Jâ rastreamos agora o movimento do significado do mundo cultural e liistorica- mente propriedades simbölicas que o pai gostaria que o filho absorvesse (Furby 1978:312-313).
constitufdo para os bens deconsumo, considerando o papel dedois inslru- mentos neste O ritual de 'Lroca de presentes cstabelece um potente meio de influcncia interpcssoal.
processo. Resta observar como este significado, agora assentado nos bens de consumo, Permite aos indivfduos insinuar certas propriedades simbölicas na vida de um receptor-de-
pode ser transferido novamente. Resta observar como o significado 6 transportado do bem presentcs. Pcrmile-lhes iniciar a possibilidadc de transfe- rencia de significado. Em termos
de consumo para o consumidor. A firn de des- crever esie processo, 6 necessârio fazer mais gerais, todos os consumidorcs, enquanto doadores-de-presentes, sâo feitos agenles de
refcrencia a um outro conjunto de instru- mentos de transferencia de significado. transferencia de significado, â medida que distribucm seletivamente certos bens dotados
Este segundo conjunto de inslrumentos movimenta o significado do bem de de certas propriedades para recipientes que, de outra forma, poderiam ou nâo te-los
consumopara o consumidor. Tod os esses instrumentos par ecem quaiificar-se como eseolhido. A an il ise da troca de presentes, um estudo bem estabelecido nas cieııcias
inslâncias especiais de “açSo simbölica” (Mmm 1973; V. Turner 1969). A açâo simbölica, sociais (Davis 1972; Mauss 1970; McCracken 1983a; Sahlins 1972), jâ se encontra
ou “ritual”, como i mais convcncionalmcntc chamada, 6 um tipo dc açâo social dedicada â encaminha- da no campo da pesquisa de consumo (Bclk 1979; Scamon, Shaw e Bamossy
manipulaçâo do significado cultural, para propösitos de comunicaçâo e categorizaçâo 1982), e mcrece ser ainda mais explorada. E preciso alentar para o processo de escolha
coletiva e individual. O ritual 6 uma oportunidade para afirmar, evocar, assinalar ou atravĞs do qual o doador identifica o presenle dotado dos significados culturais que ele
revisar os sımbolos e significados convencio- nais da ordem cultural. O ritual 6, nesta esiâ procuraııdo passar adi ante ao recipiente. E preciso aıenıar timıbĞm para a
medida, uma poderosa e versâtil ferra- menıa para a maııipulaçâo do significado cultural. significaçâo da embalagem e da apresentaçâo do presente, bem como para o contexto
Sob a forma do clâssico “riıo de passagem”, 6 usado para mover um indivfduo de uma domöstico (momento e lugar) no qua! esta apresentaçâo e feicı. Estes aspeclos do ritual
categoria cultural de pessoa para outra, e deste modo um conjunto de propriedades domestico de dar presentes tem importância vital para as propriedades significativas dos
simbölicas pode ser abandonado (por exemplo, as de uma “criança”) c um oulro pode ser bens af trocados.
apropri- ado (por exemplo, as de um “adulıo”) (Van Gennep 1960; Turner 1967). Outras
formas de ritual dedicam-se a diferentes fins sociais. Algumas formas süo usadas para
RİTUAİS DE POSSE
conferir “realidade experimental" a certos princfpios e conceitos cullurais (Tambiah
1977). Outras sâo usadas para forjar certos contratos politicos (McCracken 1984c). Em Os consumidores despendem um bom tempo limpando, discutindo sobre, com- parando,
resumo, o ritual, em sua manipulaçâo do signilicado cultural, 6 posto a serviço de diversos refletindo sobre, mostrando ou mesmo fotografando muitas d as suas novas posses. As
fins. festas para celebrar a abertura de uma nova casa par ecem ser, âs vezes, uma oportunidade
para a exibiçâo, enquanto o processo de “personalizaçâo"
Na America do Norte, o ritual 6 usado p:ıra transferir o significado dos bens para os
indivfduos. Ele se presta a este propösito de quatro maneiras: os rituais dc troca, de posse,
de arrumaçâo e de despojamento. Cada um deles representa um eslâgio diferente em um
processo mais geral, atravös do qual o significado e movido do bem de consumo para o
consumidor individual.

RİTUAİS DE TROCA
Os rituais de troca na Am6rica do Norte contemporânea, especialmente aqueles do Natal e
dos aniversârios, tem na escolha, na compra e na apresentaçâo dos bens dc consumo uma
festa, e em sua recepçâo uma outra (Caplovv 1982; Cheal 1985,1986). Este movimcnlo
dos bens 6 potencialmentc tamböm um movimento de propriedades significativas.
Freqiientemente, o doador-do-presente escollıe um presenle porque este possui as
propriedades significativas que ele ou ela de- seja ver transferidas para o receptor-do-
prescnte. De fato,em muitas trocas dc presen les intenciona-se que o receptor do presente
seja tambĞm o receptor das propriedades simbölicas que o presente contem. Assim, por
exemplo, a mullıer que recebe um modelo particular de vestido 6 tambĞm tornada
receptora de um conceito particular dela mesma enquanto mıılher (Schwartz 1967). O
vestido contĞm este conceito e o doador convida a receptora a definir a si mesma nestes
termos. Similarmente, muitos dos presentes que circulam em fluxo contfnuo enire pais e
filhos süo motivados precisamente nestes termos. Os presentes para a criança cuntcm
! 16 CULTURA & CONSUMO MANUFATURA E MOVIMENTO DE SIGNIFICADO NO MUNDO DOS BENS 117

(Hirschman 1982a: 37-38; Kron 1983; Rapoport 1968, 1982) das casas funciona recorrcrS a um ritual de arruma^ao. O objelivo deste ritual e proceder ils dores
especialmente como ocasiâo para intensa comparaçâo, reflexao e discussâo. Ape- sar de caracicrfslicas necessdrias para assegurar que aquelas propriedades especiais e pereefveis
todas essas atividades terem uma luncionalidadc explfcita, todas elas pare- cem ter o efeito que residem em certas roupas, em certos pen- leados, em certos looks ser3o, por assim
adicional de permitir ao consumidor rcivindicar a posse do que 6 seu. Este processo de dizer, “insinuadas” para fora dos bens que lhes servem <Jc suporte e, aiiida que breve c
reivindicaçâo nâo 6 uma simples asserçâo de territorialidadc alravds da posse. E tambem precariamente, postas para viver no consumidor individual. Os riluais de “se arruinar para
uma tcnialiva de extrair do objel o as qualidadcs que lhe foram confcridai pel as lorças de sair”, atravds dos quais uma pessoa se apronta para uma “noitada”, sao um bom exemplo
marketing do mundo dos bens. Este processo pode ser observado de modo mais completo aqui, porque ilustram o tempo, a pacicncia e a ansiedade com os quais ele ou ela se
por sua ausencia. Ocasionalmcnte, o consumidor argumetitard que uma de suas posses, prepararA para o cscrutfnio publico caracterfstico de uma noite de gala ou de um jaittar
como urn carro, uma casa, urn artigo de vestuiirio. ou nm oulro bcm carreg ado de especial. Estes riluais cquipam o individuo que estA “saindo para um programa” com as
significado, “nunca rcalmcnte pareceu perteticcr a ’mim”. Hâ certos bens que o propriedades significaiivas especialmente glamorosas c exaltadas que residem nos
consumidor nunca reivindica com sucesso, porque nunca aspira com sucesso As “melhores” bens de consumo. Uma vez capturadas e assimiladas ao individuo, este
propriedades simbölicas nele conli- das. 0 bem torna-se um paradoxo: o consumidor o adquire novos poderes de confian^a, agressao e defesa. A linguagem com a qual a
possui sem o possuir. Suas propriedades simbölicas permanecem imövcis. Normalmente, publicidade descreve certas maquiagens, produtos para modelar o cabelo e roupas fornece
conludo, os indivf- duos dispöem com sucesso dos rituais de posse, c os adminislram para um conhecimento tScito das propriedades que podem ser obtidas desses bens atrav6s de
extrair as propriedades significativas que foram investidas nos bens de consumo. Quando rituais de arruma^ao especfficos.
isto ocorre, eles s2o capazes de ulilizar os bens como marcadorcs de tempo, espaço e As vezes nao 6 o consumidor, mas sim o bcm que precisa ser arrumado. Neste caso,
ocasi5o, e de recorrer â sua habilidadc de discriminar as categorias cullurais de classe, sao as propriedades do objeto que sSo pereefveis por natureza e carentes de constante
status, genero, idadc, ocupaçâo e estilo de vida. Os rituais de posse permitem ao manutenjao. A quantidade extraordindria de tempo e energia imensa- mente redundantes
consumidor ou â consumidora reivindicar e assumir um tipo de posse sobre o significado desperdi^ada com certos automdveis constitui, talvez, o mc- lhor exemplo aqui (Myers
de seus bens de consuino. Ajudam a completar o segundo estâgio da trajetöria de 1985:562). Este ritual de arrumafao “sobrecarrega” o objeto a firn de que este possa, em
movimento deste significado. Como vimos. as agcncias de publicidade e o mundo da troca, fornecer propriedades especialmente realfadas para seu dono. Novamente, aqui, o
moda transportam esle significado do mundo cultural e historicamenle constituido para os papel do individuo no investimenio de significado torna-seevidente. A aten?ao contfnua
bens. Atrav6s de seus riluais de posse, os indivfduos tratisferem esle significado dos bens dada aos bens de consumo, que contribui para que estes possam transmitir suas qualidadcs
para suas vidas. significativas, torna-se mais notadamente evidente quando estA ausente. Vcmos, por
Vale observar que os rituais de posse, especialmente aquelcs dedicados a exemplo, individuos idosos que cessaram esta atividade. Sherman c Newman relatam que
“personalizar” o objeto, parecem desempenhar, em pequena escala e para pro- pösitos os ocupantcs de casas de repouso que viam a si mesmos como cstando “no firn da linha”
privados, quase as mesmas atividades de Lransferencia de significado performatizadas se engajavam em um processo de “despojamento dos objetos significati- vos cm suas
pela agenda de publicidade. O alo de personalizaçâo 6, com efeito, uma tentativa de vidas” (1977-78: 188).
transferir significado do pröprio mundo do individuo para o bem rec6m-adquirido. 0 novo No campo da pesquisa do consumidor, o estudo do ritual foi significativa- mente
contexto, neste caso, 6 o complemento individual de bens de consumo, que assumiu agora avan^ado por Rook (1984,1985) - que observou o quanto o consumo 6 ritualizado,
significaoos tan to pessoais quail to publicos. De fato, 6 principalmente desta forma, assinalando o valor de estudA-lo a partir desta perspectiva - e por Rook e Levy (1982),
talvez, que uma posse anönima - manifesladamente, a criaçâo de um distante processo que examinaram o ritual de arrumacao e o simbolismo dos pr'oduios usados para esta fin
interpessoal de manul'atura de massa-e tornada uma posse que perlence a alguem e fala alidade.23 Esti claro que os rituais de arruma(;a(>
por ele ou ela. E desta maneira, talvez, que os indivfduos criam um “mundo de bens”
pessoal, que reflele suas pröprias experiencias e conceitos de si e do mundo. O significado
que a publicidade transfere para os bens 6 o significado da coletividade. O significado que
estes gestos pessoais transferem para os bens e o significado da coletividade tai como foi
modulado pcla cxpcricncia particular de um consumidty individuat.
RITUAIS DE ARRUMA^AO
E claro que parte do significado extrafdo dos bens tern uma natureza perecfvel. Como
resultado, o consumidor ou consumidora precisa extrair este significado de suas posses
repctidamente. No momento em que este contfnuo processo de transferencia de
significado dos bens para o consumidor se faz necessArio, o consumidor provavelmente
1 IS CULTURA &. CONSOMO
MANUFATURA E MOVIMHNTO DE SIGNIFICADO NO MUNDO DOS BENS 119

constituem um dos meios pelos quais os individuos efeiuam uma iransferencia de a fim de cvitar que aperda-de-signi- ficado ou o cont<igio-de-significado possa ocorrer.
propriedades simbdlicas. No caso destes rituais, o movimento do significado ocorre Todos esses rituais sao uma esp&ie de versao microsctSpica dos instrumentos de
entrc os bens de consumo e o consumidor. Os riluais de arrumafao ajudam a exirair o transferencia de significado que os fazem movimentar-sc no mundo dos bens. Cabe a
significado desses bens e a invesli-los no consumidor. eles traiisportar o significado dos bens para o consumidor.

RITUAIS DE DESPOJAMENTO LOCALIZAQOES DO SIGNIFICADO CULTURAL:


CONSUMIDORES INDIVIDUAIS
Os individuos que extraem significado dos bens <is vezes vem a encarar essas fontes
de significado cm termos pessoais. Passam a associar o bem as propriedades pessoais Quando o significado finalmente vem a se assentar no consumidor, esti complcta sua
que possui. Esta possivcl conl'usiio enlrc t) consumidor e o bcm de consumo estimula jornada atravds do mundo social. Este significado 6 utilizado para definir e orientar o
urecurso a um ritual de dcspojamento. Esie 6 emprcgado |)ara dois propdsilos. Quando individuo.de maneiras que estamos apenas comefaiido a contemplar. EstA claro que,
o individuocompra um bem que previamente perlenccu a outrem, tai como uma casa ou nesta cultura, os individuos tern uma cnorme liberdade para defi- nir o significado que
um carro, o ritual 6 usado para apagar o significado associado ao dono anterior. 0 buscam extrair dos bens. A primeira parte deste capftulo observa que a America do
despojamcnto permite ao novo dono cvitar o contato com as propriedades significativas Norte contemporanea deixa indefinida uma grande parcel a do indivfduo. Uma das
do dono anterior, bem como “libcr- lar” o significado da posse e rcivindicA-lo para si. maneiras atravfis das quais os indivfduos satisfa- zem a liberdade c a responsabilidade
0 segundo tipo de ritual de despojamcnto ocorre quando o indivfduo esti prestes de sua autodefinifao & pela sistematica apropria^ao das propriedades significativas dos
adispensar um bem, ou por o cstar dando ou por o estar vendendo. Serfi feita uma bens.
tentativa de apagar o significado que foi, por associa^ao, investido no bem. Em Com cfeito, esta nos serve bem como um meio para contemplarmos os
momentos de franqueza, os indivfduos-dariam a entender que se sentem “um pouco consumidores engajados no continuo empreendimento da cria^o de si. Cada vez mais
estranhos em rela^So a algudm usando meu casaco velho”. Com honeslidade ainda as ciencias sociaiij tratam o self e outros artefatos cukurais, lais como a linguagem e a
maior, confessam que temcm a destituigao do significado pessoal, um I eno men o que sociedade, como coisas que estao “sempre em produfao, em processo” (Bruner 1984:3;
se assemelhn a “t'usiio de idcniidades” que As vezes ocorre entre doares de orgaos e Bakhtin 1981:270; Gergen e Davis 1985; Handler e Ltanekin 1984; Kavanaugh 1978;
transplan- tados (Simmons, Klein e Simmons 1977:68). Ambos os rituais sugerem uma Sapir 1931). De acordo com esta visao, nao b5 nada fixo ou dado cm fenomcnos
pre- ocupafSo de que o significado dos bens possa ser traiisferido, obscurecido, con- culturais deste tipo. 0 self, a linguagem e a sociedade sao totalmen te criados e
fiindido, ou mesmo perdido quando os bens mudarem de maos (Douglas 1966). 0 bem, sustentados somente enquanto resultados de esfor^os contf- nuos e dcliberados. E
portanto, precisa SP : osvaziadc. do significado antes de ser passado adiiui- le, bem tempo, lalvez, de observar a contribui?ao feita pelos bens de consumo a este processo
como precisa ser novamentc limpo quando for incorporado pelo novo dono. O que criativo e performativo.
parece ser mera superstifao 6, na verdade, um reconhccimenlo im- plicito da qualidadc
Vcjamos o consumidor, por excmplo, como algu6m engajado em um “projeto
m6vel do significado investido nos .bens,24
cultural” (McCracken 1987a), cujo prop6sito c complelar o self. 0 sistema de consumo
Em suma, riluais pessoais sao usados de modo variado para transferir o significado supre os indivfduos com os materials culturais ncccssarios i realiza(, : ao de suas
contido nos bens para os consumidores individuais. Os rituais de troca sao usados para vuriadas c mutantes idfiias do que 6 ser um homem ou uma mu 1 her, uma pessoa de
direcionar bens carregados de certas propriedades significativas pai'a indivfduos que, mcia-idade ou um idoso, um pai, um cidadao ou um profissional. Todas essas no?6es
assim o supoe o doador-do-prcsenle, estilo necessitados de lais propriedades. Neste culturais estao concretizadas nos bens, e 6 atravfe de sua posse e uso que o indivfduo as
caso, o doador esta convidaiido o receptor a comparlilluir das propriedades que o bem assimila em sua prdpria vida. Como coloca Kavanaugh, “••■os indivfduos em uma
possui. Os rituais de posse silo empreendidos pelo dono de um bem a fim de sociedade ‘criam a si mesmos' ou definem-se cultural- mente atrav6s da objetificaQao
estabelecer acesso ils suas propriedades significativas. Esses rituais sio destinados a de modelos conceiluais [culturais] sob formas fenomenais culturalmen'te presorilas”
realizar a transferencia das propriedades de um bem para seu dono. Os rituais de (1987:67).
arruma^ao s3o usados paraefeiivar a Lransferen- ciacontfnua de propriedades
pereciveis, propriedades que provavelmente se des- vaneceriam quando de posse do
consumidor. Os rituais de arrumagao permitem ao consumidor “refresoar” as
propriedades que ele ou ela extraiu dos bens. Esses rituais tambdm podem ser usados
para manter e “avivar” certas propriedades significativas residentes nos bens.
Finalmente, os riluais de despojamento sao usados para esvaziar o significado dos bens,
120 CULTURAL CONSUMO

Claramente, a tarefa de autocompletar-se aLrav6s do consumo nao 6 fAcil, tampouco


6 sempre bem-sucedida, Muitos individuos buscam nos bens tipos de significado quenao
existem ai. Outros buscam se apropriarde tipos designifica- do.para os quais nao sao
considerados habilitados por um reconhecimenio socio- lfigico sensato. Outros, ainda,
tentam constituir suas vidas somente em termos do significado dos bens. Todas essas
patologias consumistas sao evidentes no consumo moderno, e todas elas ilusiram como o
processo de iransferencia de significado podc dar errado em fun^ao do indivfduo e da
coletividade.25 Em situates normais, contudo, o indivfduo usa os bens de maneira nao-
problematica para constituir partes cruciais de si c do mundo. Os imperativos 16gicos e Parte 3
os detalhes deste processo de constru^anje si e dq mundo airav&s dos bens sSo muito
pouco estudados e somente agora esl So sendo submeticlos a um exame rigoroso. Nossa
cultura submeteu suas crenfas e prAticas a um cstudo detalhado, com uma pro- fundidade
e um entusiasmo sem precedentes no registro elnogrifico. Com pro- fundidade e PRATICA
entusiasmo similares, tambdm fez das posses materials uma de suas prcocupa?6es mais
coercitivas. E, portanto, duplamentc dispare e desafonunado que o estudo do uso dos bens
na constru^ao de si e do mundo tenha sido negligcn- ciado de forma cao prolongada e
profunda.

CONCLUSAO
Foi apemis rccentemente que o campo das relagoes pcssoa-objeto escapou das li-
mita^oes impostas sobre ele por seu pai-ftmdador, Thorstein Veblen. 0 campo co- me?ou
a reconhecer que o significado cultural canegado pelos bens de consumo era
enormemente mais variado e complexo do que a atenfao vebleniana ao status era capaz
de disdnguir. Mas agora que o campo fez este avan^o, deveria considcrar a possibilidade
de fazer um outro. Deveria come^ar a dar conta da qualidade alie- niivel, m6vel e
manipulativa do significado. Este capftulo buscou encorajar este desenvolvimento,
fomecendo uma descri^ao te6rica da estrutura e do movimento do significado cultural
dos bens de consumo. Sugeriitrse qtie o significado reside em ires instancias: o mundo
culturalmente constituido, o bem de consumo e o con- sumidor individual. Identificaram-
se na publicidade, no sistema de moda c nos rituais de consumo meios atravfis dos quais
o significado 6 extrafdo e transferido entre essas instancias. A publicidade c o sistema de
moda movem o significado do mundo culturalmente constituido para os bens de
consumo, enquanto os rituais de consumo o transferem destes para o consumidor. Esta 6
a trajetdria do movimento do significado cultural nas sociedades modern as
desenvolvidas.
SEIS

Bens de consumo, construçâo de genero e uma


teoria trickle-down reabilitada
As primeiras ciuas paries desle livro sao dcdicadas ü histöria e â tcoria da relaçâo entre
cullura e consumo. Esta terceira parte tratarü dos usoş a serviço dos quais colocaıııos o
sigHiilcado cultural invcstido ııos ben s de consıımo. Considerare- mos como o
significado dos bens 6 utilizado para preservar ideais (capıtulo 7), para sustentar e A TEORİA TRICKLE-DOWN
transform ar eslilos dc vida (capftıılo 8),e para resistir â mudiuıça social ou dar infcio a
ela (capıtulo 9). No capftulo 6, refletiremos sobre como o significado dos bens sc insere A teoria trickle-down, estabelecida pela primeira vez por Simmel, era uma enge- nhosa
descriçâo da mudança na moda.1 A teoria süsten la que dois princıpios conflitanies agem
n;ı dcfiniçâo e na rede.finiçüo do genero,
como uma cspöcie de cngrenagem ou força motivadora para a inovaçâo. Grupos sociais
subordinados, seguindo o princfpio da imitaçâo, bus- cam estabelecer suas reivindicaçöes
por um novo status adotando o vestuârıo dos grupos supcriores. Estes, seguindo o
princfpio da diferenciaçâo, respondem ado- lando novas modas. Renunciam a antigos
marcadores de status e abraçam novos, abandon ando aqueles âs reivindicaçöes dos
grupos subordinados. Deste modo, o grupo superior conıinua a deter marcadores de
status peculiares a si, preservando a diferença de status quc pretende que tais marcadores
signifiquem.
A teoria suslenta que este processo dc imitaçâo e diferenciaçao lem um carâ- ter
progressivo. Os novos marcadores de status arquitetados pelo grupo superior estâo eles
mesmos sujcitos a uma eventual apropriaçâo subordinada, e eııtâo oıı- tros ainda mais
novos prccisarâo ser criados. Os comportamentos dos grupos süperi ores e subordinados
se revel am muluamenteprovocadores. Islo estabelece um ciclo dc mudanças quc sc
autoperpetua. Isto cria um mecanismo que conduz a moda adiante, em um conlfnuo
processo de inovaçâo.
A teoria tamböm süsten ta que o processo de imitaçao e diferenciaçâo tem um carâtcr
sucessivo. Os grupos süperi ores e subordinados que se engajam em uma aç5o
mutuamente provocativa sâo sempre grupos pröximos. Sâo sempre adj;ı- ccntcs uns aos
outros na escala social mais ampla. Por excmplo, um grupo subor- dinado nâo se
apropria de um estilo muito superior ate que este estilo tenha cascaleado e ehegado ao
grupo que e seu superior imediato.
A teoria trickle-down tem vârios pontos fortes. Primeiro, insere a difusâo da moda
em um contexto social. Permite-nos perceber como o movimento da moda se articula
com o sisiema social no qual se dcsenrola. A teoria pressupöe que este sistema consistirâ
na distribuiçSo diferencial de status, que seri constitufdo por grupos sociais classificados
como allos ou baixos. S üsten ta que o movimento da moda serâ dirigido pela nalııreza
hier<îrquica dessas rclaçöes sociais e pela

i
124 CULTURA & CONSUMO BENS DE CONSUMO, CONSTRUÇÂO DE GâNERO E UMA TEORİA TRICLE-DOWN REABILITADA 125

interaçüo social que essas relaçöes engendram. Em resumo, a teori a trickle-down nos fomece uma resumo, existem alguns grupos sociais que asccndem por seus prdprios esforgos, enquanto outros
compreensâo de como o contcxto social no qual o movimento da moda ocorre determinarâ sua conduzcm-se para ci ma somente sob a pressao dos que estao abaixo (e nunca em fungio de uma
direçâo, ritmo c dinâmica. pressao dirigida por eies mesmos)? As questoes nos compelem por si mesmas. Mas levantam
A leoria trickle-down nos pcrmite, tamb6m, cncarıır o comporüımcnto de diferen- les grupos tamb6m questOcs mais amplas que, por sua vez, tambdm nos incitam a refletir. Como os sistemas
sociais cm relaçâo â moda como cxpressocs de uma mesma 16gica subjacenle. Pernute-nos sociais s3o transformados por essas diferenfas no comportameniu cm rclagilo h moda? Como eles
percebcr que os dois motivadores de mudança na moda agcm em conjunto porque se pressupöem reagem k tensOes epressOes intern as que Lal comporta- mento deve acionar em lima hierarquia de
mutuamenie. Uma vez que haja imitaçâo, argu- menia a teoria, haverâ diferenciaçâo. Uma vcz que status? Estas oponunidades de pesquisa nao foram exploradas pel a comunidadc pesquisadora da
haja difercnciaçâo, havcrd imita- câo. A tcoria trickle-down nos mostra que os clemenlos que se moda. Esta falha deve ser, em parte, atribufda <1 insuficiSneia da teoria que orienta lais
pressupöem mutuamenie cm termos lögicos tomam-se mutuamenie provocaiivos cm lermos pensadores.
sociais. 0 terceiro ponto forte da teoria trickle-down 6 sua habilidade em fornecer ao observador da
Hâ dois problemas com csie aspeclo da leoria. Primeiro, vale observar que o lermo “trickle- moda os indfeios previos de uma mudanga iminente. A teoria dc Simmel permite ao observador
down” 6, de falo, uma designaçâo inapropriada ou, pelo men os. um erro de metafora. Islo porque prever que haverd mudan^a no comportamenlo dc um grupo em relafSo h moda a partir do
o que conduz cssa dinâmica de difusîlo nâo e. como implica o lermo, uma força similar â da momento cm que hd uma mudan^a no comportamento deum grupo prdximo. Logo queum grupo
gravidade, que puxa para baixo. O que diriğe a dinâmica 6 um padrâo ascendenic de “çaça e subordinado come?a a se apropriar de uma moda de um grupo superior, uma diferenciaf^o por
perseguiçâo”, gerado por um grupo social subordinado que “çaça” os marcadores de siaius de alia- parte destedposta em andamento. Reciprocamente, logo que um grupo superior come- ;a a se
classe, e por um grupo social superior que sc transfere em apressada ftiga para outros e novos diierenciar de um grupo subordinado, este empreendera novos atos de apropria^ao. Tirando o
marcadores. Ğ um movimento asccndente - e nâo desccndenle - que leva adiante esle sistema de “tempo de defasagem”, a motiva^ao para que um grupo mudc sua moda deriva diretamente da
difusao. mudanga levada a efeito por um outro grupo em seu comportamento. O observador da moda pode,
O segundo problema 6 que Simmel nâo cspecificou a operaçâo do efeilo trickle- down em entSo, “ler” o com- portamento futuro de um grupo no comportamento presen te de outro. Da
lodos os scus dctalhes e complexidades. O autor nâo conscguiu nolar que somente dois grupos no maneira como caminham as teorias previsionistas, isto efclivamentc funciona como um aviso
sistema social possuem um motivo unico para scu compor- tamento em relaçâo â moda. O grupo previo. A leoria dc Simmel estabelcce uma espdeie dc linha de alerta ante- cipado para o estudo da
mais altamente classificado age cxclusiva- menie com o propösiıo de diferenciaçâo (uma vez que difusao da moda.
nâo possui nenhum grupo acima para imitar). O grupo mais inferiormenıe classificado age somente Dotada desses pontos fortes, a teoria trickle-down encontrou ampla recep^So no estudo da
com o objetivo de imitaçâo (uma vez que nâo lem nenhum grupo mais baixo em relaçâo a quern moda em geral e do vestuirio em particular. A teoria foi us ad a, com especial rendimento, no
deva diferenciar-se). Mas, para lodos os grupos inıermediârios no sislema, os motivos para mudar estudo histbrico da moda. Foi, com efeito, identificada como um prinefpio fundamental de
de moda nao sâo I3o prognoslicâveis. Eles podem empreender uma mudança na moda com o cxplica^So para este campo de estudo (Brenninkmcycr 1963:51). A leoria trickle-down tambdm foi
objetivo dc imilaçâo, difercnciaçâo ou ambos. Esses grupos sociais süo, afinal de contas, usada com proveito no estudo das implicates sociolbgicas da moda contemporanea.2
superiores a determinado grupo e subordiııa- dos a outro. Tâm, portanto, oportunidadc de agir âs A despeito dc seu valor heurfstico e de sua ampla ado^ao, a teoria trickle-down Jem sido
vezes como imitadores e âs vezes como dilerenciadores. Qualquer dado ato de mudança na
recebida com crescente ceticismo nos illtimos anos. NSo 6 um exagero •dizer.que o venerdvel
modapode brotar a parlir de molivos imitalivos, diferencialivos ou da combinaçâo de ambos.
modelo tern sido submetido a ataques por tod os os lados. Ji. Horowitz (1975) argumentou que a
Exala- mente qual desses motivos eslâ em aç^o cm qualquer ato espccfilco dc mudança na moda 6
moda de elite foi suplantada pel a moda de •iiassa' e que a ultima envolvc pouca imita?3o dos
algo que nâo pode ser determinado a priori.
superiores por parle dos subordi- .hados (1975:291).3 King (1963) dA um golpe mais s6rio no
O fato de Simmel nâo ter conseguido observar a dualidade de motivos em açâo nos grupos
modelo argumentando
intermediârios tomou sua teoria insuficientemente apreciativa no que toca a alguınas realidades
empfricas quepretendia dar conta. Isto desestimulou um notâ- vel leque de oportunidades de
pesquisa, uma vez que obscureceu a cxistencia dc tais töpicos. A dualidade das çıotivaçöes ua
moda levanta divers as questoes. Existem alguns grupos sociais cönsislenlcmenlc mais imitalivos
que outros e alguns consis-
tentemente mais diferenciativos? Existem grupos sociais tao agressivamente imilativos a ponto
de moverem-se asccndentementc tao r^pido que nunca sentem a pressio da imita^ao vinda de
baixo? Criam estes grupos tamanha pressiio sobre os superiores que estes precisam empreender
mudan^as na moda sempre de um modo rcalivo e diferenciativo c nunca dc forma imitativa? Em
126 CULTURA & CONSUMO BENS DE CONSUMO, CONSTRUQAO DE aENERO E UMA TEORIA TRICLE-DOWN RBABIUTADA 127

que a exposifao da mfdia permite a ado?ao simultanea de novos estilos por todos os nfveis da casual. Nao hS, aparentemente, uma segunda adivinhacao que prove j a que os sfmbolos e estilos
sociedade. Cada nfvel, argumcnta o auior, 6 conduzido nSo pelo com- poriamento do grupo existentes entre os subordinados chegarao aos superiores por um efeito trickle-up.
superior em rela^iio A moda, mas por seus prdprios inveutores de moda. O percurso da difusao da Nenhuma dessas teorias estabelece uma dinamica que permita ao observador da moda
moda 6 melhor representado, afirma King, por urn modelo “in'tWe-alravessado”. A predizer, no momento mesmo deuma inovagao, o eventual aparecimen- to de uma segunda c
direcionalidade do modelo foi aindamais (im- damentalmeme dcsafiada por Field (1970) e reativa invenfao. Esta pareceria ser uma das principals vir- tudcs do conceilo de Simmel, e seria
Blumberg (1974), ambos os quais sublinbam a lrajet6ria “trickle-ascendenlc" de certos sfmbolos uma das perdas que a icoria da difusao da moda sofreria se fosse pennitido que a teoria trickle-
de status.4 down cafsse em desuso.
Blumer (1969) sugerc que a modaprecisa ser vista como um proccsso de “sele- ?iio coletiva”
no qual a teoria trickle-down nao desempenha um papel importanle. O vestuirio niio lira scu A TEORl.\ TRICKLE-DOWN REVISADA
prestigio da elite. Ao contnirio, “o seu potcncial para vir;ir moda” (1969:281) 6 determinado por
O declfnio da teoria trickle-down de uma posigao deproeminencia explanatdria lal- vez nao a tome
fatores independentes do controle da elite.
invillidapara todos ospropdsitos investigativos. Ela aindapodeservir aos pesquisadores da moda
Blumer argumentaque a teoria de Simmcl, embora apropriada para o estudo da moda europfiia
como uma das teorias atrav& das quais se podem elabo- rar considcra(;oes acerca do diverso e
dos sdculos XVI, XVII eXVin, e incapaz de dar contadamoda na sociedade moderna (1969:278).
complicatlo corpo de dados que conslitui o miuido da moda. A fim de remodelar a teoria trickle-
King e Ring argumenlam, de forma similar, que os niveis de “diferenciapao de cstilo” nao mais
down para o estudo da moda conlemporanea, conludo, enecessirio reCnar e complemeniar o
distmguem as classes sociais (1980:14). Este sentimento parece figurar como uma especic de
modelo de di versos modos. Eu empreendi esta revisSo te6rica & luz de um recente
conscnso entre a comu- nidade de academicos que se ocupam do estudo da difusao da moda,
desenvolvimento na moda contemporanea, especificamentc o comportamento de vestuSrio de
Pesquisas modernas, seguindo as descobertas de Katz e Lazarsfeld (1955) sobre os lfderes de
mulheres profissionais na America do Norte (ver Dillon 1980; Douglas e Solomon 1983).
opimao, e mais particularmente o trabalho de King (1963) acima referido, dedicam-se agora em
grande medida a idcntificar lfderes da moda (por exemplo, Baumgarten 1957; King c Ring 1980; Nos ullimos vinic e cinco anos, transforma?oes nos conceitos acerca das mullieres
Polegalo e Wall 1980; Sprolcs 1981: Summers 1970; e Tigerl, King c Ring 1980). A teoria de encorajaram mudan^as no vestuirio das americanas’. Cassel (1974) nota que o movimento
Simmel, antes lao central para o estudo da difusao da moda, amcaga assumir o status de feminista dos anos 60 e 70 produziu diversas inovagoes, inclu- indo o “uniforme” feminista radical
antiguidade tedrica. Foi relegada a velhos livros-texlos, esses museus das id6ias que uma vez (1974:87) e o “visual balnefirio” da Organi- zaf3o Nacional das Mulheres (1974:88). Ambos
foram uteis e que agora figuram como graciosas curiosidades antiquadas. criaram um novo estilo de ves- iLulrio para as mulheres: o primciro, apagaiido todas as
caractcrfsticas “femini- nas”; o segundo. exagerando-as agressivamente. Mais recentcmente, vimos
Uma das desvantap^^s. desses'novos modelos de difusao 6 que eles nao pos- suem o pOder de
sur- gir um lerceiro estilo de vestu^rio que, embora muito distinto de seus predecesso- res, tamb6m
previsao dateoria trickle-down. O modelo sugerido por Blumer, “sele^ao coletiva”, fornece pouco
reflate um conceilo transformado da feminilidadc e o esfor?o para represen tar este conceito em
alerta prSvio. Para antecipar novas modas, o observador da moda precisa esperar a "convergencia e
uma nova e diferente maneira de se vestir. z.. 0 trajeda profissional mulher de negdeios nao
[o] arranjo” do gosto para uma dire^ao especffica (Blumer 1969:283). Este 6 um processo tao
apaganem exagera a feminili- dade. Busca, ao contrSrio, dar il mulher executiva “um visual de
varidvel e amorfo que a previsao deverA sempre ser prematura. Uma vez que o processo tenha
resultado em uma sele^ao e uma moda tenba sido estabelecida, a teoria nao especifica nenhuma autoridade”, de ^cordo com o livro-decreio de John Molloy, The Woman’s Dressfor Sucess Book
conseqiiencia. Modas subscqiienLes cmergiriio de um proccsso tao mal definido quanto o que (1977:35). O visual de autoridade para a roupa da mulher de neg6cios & uma
estabelcceu.a moda enlito correnie. Blumer reconhece que novas modas sucedcm as antigas, mas
sua teoria nao estabelece bases para dar conta desta rela^ao (1969:283).:
O “ciclo de vida da moda” esbo?ado por Sproles (1981:121-22) idenlifica a irajet6ria de
dif>jsao da moda e os fatores que governam este processo. Mas a teoria de Sproles nao oferece
condi^oes para a previsao de uma nova moda cn- quaiito esta nao tiver entrado no ciclo de vida e,
mesmo ai, a previsao terii de engalfinhar-se contra imponder^veis, tais como a ado^ao de modas
por um Hder, a continuidade histdrica, as estratfigias demarketing, a disponibilidade da massa, a
periinencia social da hovidade e as pressoes da conformidade social. Similarmen te, o lfder da
moda, ou o “agente da mudanfa”, que agora recebe tanta aten- (;ao, nos oferece avisos antecipados
de carfiter limitado. A previsao s6 se torna possfvel quando essas liderangas comegam a responder
a uma nova moda. A “flutuagao do status”.(Field 1970) e os fenomenos de “lideran^a subculiural”
(Blumberg 1975) sao posilivamente, do ponto de vista das previsocs, descober- tos de modo
128 CULTURA & CONSUMO BENS BE CONSUMO, CONSTRUÇÂO DE G£NERO E UMA TEORIA TXICLE-DOWN REABILITADA 129

tentativa de isolar certas propriedades do vestutoo do homem executivo e incorpori-las Mas nâo sâo somente estas as revisoes necessirias para adaptar a teoria trickle- down üs
na moda fcminina. 0 objeiivo deste empreendimcnto 6 dar mu- Iher executiva circunstâııciiis modemas. TambĞm 6 preciso ter alguma id6ia tcörica do contexto cultural
credibilidadc, presen?a e autoridade no mundo dos ncgbcios. E possfvel pcrceber nesta ntfqual a imitaçâo e a diferenciaçSo sedâo. Na teoria de Simmel. faka cletivamcnlc uma
tentativa o mesmo esforgo, conduzido pelo mesmo motivo, que caracteriza os apreciaçâo deste contexto. Ela, p ortan to, nuo conscguc nos forneccr uma compreensâo mais
subordinados descriios por Simmel. Vemos mulhercs trabalhadoras, como qualquer detalhada dos motivos e fins particulares que ins- piram a mudaııça de moda. Nâo consegue nos
grupo subordinado, se apropriando do vesluario de um outro grupo a fim de reivindicar fonıecer a lögica e a subsıância da mudança que aborda. Uma complementaçâo tcörica das ideias
um status novo e igual. A roupa de neg6- cios, aparentemente, foi alvo do efeilo trickle- de Simmel, capaz de lhes permitir ot erec er uma deseriçâo do contexto cultural da mudança na
down. moda, demanda uma breve anâlise dos avanços recentes no estudo do simbolismo da moda. E
amplamente observado que o vesluârio tem uma l’unçâo comuııicativa cultural, atuante cm
E duvidoso se, cm uma primeira olhada, Simmel Accitaria este fenomeno como um
grande parte atrav6s de sua babilidadc para expressar categorias distintas dentro do status, da
exemplo de sua tcoria. Estd claro, certamenlc, que a teoria nSo preve uma aplica^ilo
idade, do genera, da classe, da ocupaçâo, do status marital, da religiao e da polftica (Bogatyrev
deste tipo, E isto porque existem diferen^as notdveis. Primeiro, a parte apropriadora 6um
1971; Kuper 1973a; Messing 1960; Murphy 1964; Neich 1982; Woll'1970). 5 O vesıuârio
pr” o.definidj nao por sua localiza^So social, mas pelo gcnc- ro. Segundo, OS grupos em
representa estas categorias culturais atraves de um proccsso de correspondencia. Na linguagem
qucstao nao se diferenciam por seu status relativo. Embora o status ocupacional de
do eslnituralismo, o vcsluâriu cons- tiiui um “sisLema material de diferenças” que corresponde
homens c mulheres possa difcrir, seu status social nao o faz necessariamente. Terceiro,
aese comunica com um “sistema conceitual de difereııças”? E deste modo que o vestuârio
vemos o efeito trickle-down ocorrer nao atravCs de uma ado?ao em massa de um artigo
permite i comuni- dade distinguir os superiores dos subordinados, os jovens dos velhos, os
ou estilo de vestuirio, mas atraves de uma sele^ao e adofao cuidadosas de somente certas
casados dos solteiros, os crenles dos incrödulos, e assim por diante.
propriedades. A teoria de Simmel possui, ainda assirn, uma certa utilidade para o esludo
deste fenomeno. Primeiramente, sua aplica^ilo nos permite ver, de um s6 golpe, uma TambĞm 6 amplamente observado que o cödigo expressivo fornecido pelo vestuârio para
similaridadc cssencial entre esla instancia do comportamento em rela^ao ao vestu^rio c esse propösito comunicativo terâ uma peculiar capacidade sinıbö- lica (Kuper 1973b; McCracken
instancias antcriorcs. A ado^Xo riipida c quase universal da catc- goria de vestuArio 1983a; Schwarz 1979). Os signos do vestuârio. iu-gumenta-se, nâo se prestam meramente a
“neg6cios” pode ser vista como um fenomeno estranho c peculiarmente moderno, mas distinguir uma categoria cultural de •putra. TambĞnı demonsıram, de maneira simbölica, como
ainda como uma outra manifestafao de um pro- cesso familiar. Em segundo lugar, a essas categorias sâo .^itas diferentes umas da outras. Em resumo, o vestuârio nâo somente marca a
L^İÇerença enire categorias culturais, mas tambdm espccifica a natureza da dife- r$a gue existc
teoria nospermite explicar este novo fenomeno da moda nos termos da for^a imitativa,
entre elas.
assimilativa e apropriativa colo- cada por Simmel. E, cm terceiro lugar, ela nos permite
perguntar se a apropria- gao do visual neg6cios pelas mulheres provocarS uma reafiio da _ Este modclo da natureza simbölica e cultural do vestuârio nos fornece uina
parte de quern este estilo foi imitado. Com efeito, a teoria nos convida positivamente a ^^sgi^tjVfiffl^is.cxata a partir da qual conlcmplar o fenomeno trickle-down que
deter- minar se estA sendo estabelecido aqui um inecanismo de mudan^a na moda que
Iodo^elb,gua| Ojye^tuâıjo foi usado na AmĞrica para representar a diştin-
iri criar ainda mais inovai?3es.
Sc a teoria de Simmel ainda 6 util, ela requer, nao obstante, uma revisao para que
possa ser aplicada nos dias modernos. Revisoes te6ricas da teoria trickle- down tais como as que
precisam ser feitas para acomotlar o vesluirio das mulheres profissionais silo, lalvez, caracterfslicas
daquelas que precisam ser feitas para adaptor a tcoria il moda moderna em gcral. Talvez seja
prcciso esperar que os grupos que assumem os papdis de subordinados e superiores no moderno
process* ,, trickle-down nio sejam definidos por sua estratificagao social. Eles podem, invfes disso,
ser dclineados ao lon&o de uma ou v&rias outras di ’ Veneto, e etmeidade). Talv er
sejKnecess-irioesB
seja possfvel que cxista alguma dıferença de status, esta nâo necessariamente sera definida em j'XestUiirio das,rtıulher(?ş profissionais representa. Atentemos cm primeiro lugar
termos de posiçâo social. A16m disso, deve-se esperar que a imitaçâo que ocorre ai nâo seja uma aşr^gmçdo^elaguji) Ojyes.tu.^o foi usado na America para representar a disiin-
apropriaçSo cm massa de um sfmbolo on de um estilo, mas sim um emprĞstimo selelivo, que fia^egoriaş vjnaşbulino’.’.e "feminino". 0 Quadro I fornece estes da-
atue preservando algumas carac- lerfsticas do grupo subordinado mesmo enquanto lhe permite
reivindicar o status do grupo superior de quern o empröstimo foi feito.
CULTURA & CONSUMO
BENS DE CONSUMO. CONSTRU(:AO DE OENERC E UMA TEORIA TKICLE-DOWN REABILITADA 131
130

conceituais^que distingue as categorias cullurais de masculino e leminino. Espe- cifica coino a contexto t3o importante quanto o social, no qual insistiu Simmel. 0 mdrito deste contexto cultural 6
dislin^ao entre homens e mulhcres 6 express a pelas caractcrfsticas 5imb61icas de sen vestuiirio. ode nos permilir ver com maior dctalhe c profundidade em que consiste o efeito trickle-down. No
caso das mulheres profissionais, ele nos permitc notar que o proccsso de imita^o empreendido por
um grupo subordinado 6 acionado por motivos mais espccfficos e na persegui- Ciio de fins mais
Quadro I propositados do que 6 possfvel perceber pela teoria de Simmel.
Simbolisme do vestuiirio e diferencia^ao de genero As mulheres, enquanto grupo subordinado no mundo do trabalho, niio imitam o grupo superior
Mulheres em resposta a uma vaga forga geral que leva a imitar. lampouco o fazem na simples busca por
Homens
Cnrfr Ha rnuoa Nao feito sob medida Feito sob medida maior prcstfgio c status. Sua motiva?ao 6 mais particukir e estrat6gica: 6, antes de qualquer outra
Macio, fino,lcvc Aspcro, espesso, pcsado coisa, escapar da praga do carater simb61ico de seu atual estilo de vestir. A teoria de Simmel trata
Cor Claras c policromAticaa Escuras c monocromiticas a mudan^a como um esfor^o para alcan^ar o novo; nao como um esfor^o para escapar ao antigo. O
Curvo. arredondado, dclicado e Quadrado c anguloso ato negalivo da desassocia^^o 6 o que precede o ato da imita?5o. E a fim de deixar para tris um
IVlUUvlV Elaborado Despojado
estilo de se vestir e suas conota^oes simbdlicas pejo- rativas que a mudanfa 6 contemplada e a
Estilo
Fonte: Adaptado de Sahlins (1976:190-191). imita?ao 6 empreendida.
Sc o inoiivo da imita?ao c deixado sum especificayiio pela teoria de Simmel, o mesmo ocorre
Estas distinfSes simbdlicas nao discriininam meramente umacategoria da ou- tra. com o Jim ao qual a imita0o 6 dedicada. As mulheres adotaram o traje de seus colegas homens no
Comunicam. tanibem, o que convcncionalmente lomamos como sendo a natu- reza da diferen^a ambiente de trabalho a fim de se apropriar das qualidades expressivas nele contidas. Imitaram em
entre homens e mulhercs. Deste ponto de vista estereotipado (e, agora, propriamente disputado), busca de um objeto social: a aceita^iio en- quanlo parceiras iguais e competentes no mundo do
parece ser peculiarmente adequado que os homens devam se vestir em trajes mais bem cortados, trabalho. A imitacao empenhou- sc em adquirir os complementos simbdlicos nos quais a
de tecidos pesados e Asperos; em cores escuras e mais monocromAticas; cm linhas angulares; e, competencia e a eqiiidade estao express as. Logo, a imitagSo nao sc caracterizou pela simples
por firn, cm urn estilo menos elaborado. Isto porque estas sao as qualicJades do vestuirio que, su- perseguifSo de prestfgio, nem se resumiu a a?3o de uma for^a generalizada; constituiu-se em uma
pOe-sc, representam mais adequadamente o carStcr culturalmentc prescrito para os homens. atividade propositada, motivada pela aprecia^ao dos compromissos simbfilicos de um estilo de sc
SupOe-se que, especialmente no trabalho, os homens devam ser discipli- nados, s6brios, estiveis vestir e das vantagens simbblicas implfcitas no outro estilo.
e circunspectos. As caracteristicas objetivas deste guarda- roupas codificam, portanto, as
supostas caractcrfsticas do homcm norte-americano. E, deste mesmo ponto de vista estereotipado
A PREVISAO E A TEORIA TRICKLE-DOWN
e espurio, considera-se apropriado que as mulheres se vistam em trajes de confcc^o menos
artesanal; de tecidos le- ves; de cores Claras epolicromiiticas; em modelos arredondados; com Se a teoria de Simmel nao conseguiu pcrccbcr o contexto cultural da imitafiio, tambdm deu conta
maior grau de elabora^ao. Estas caracterfsticas materiais e objetivas do vestufirio representam inadequadamente da diferenciacao. Novamente, aqui. a teoria postula uma for^a vaga e geral,
mais adequadamente as supostas qualidades intern as de quern o veste. Espcra-se que as quando um mecanismo fnuito mais especffico pode ser identificado. A insuficiencia da teoria neste
mulhcres, especialmente no trabalho, sejam indisciplinadas, supcrficiais, delicadas, aspecto 6 particularmente grave, uma vez que 6 com o processo de diferenciafSo que emergem
extravagantes, expressivas e voluveis. Em resumo, o vestuiirio dA conta simbolicamente das seus pode- res de previsao. Con forme a diferencia^ao 6 caracterizada em termos vagos e ^erais, a
categorias cullurais que ele prbprio dislingue. previsao acaba por ter a mesma qualidade imprecisa. Da maneira como ^bolocada, a teoria nos
No ambiente de trabalho, o carAter simbdlico do vestuario masculino c femi- nino assume permite dizer somente que o grupo superior empreendcra
especial significa^ao. As mullicres, enquanto grupo subordinado, descobrem-se designadas a urn
guarda-roupas que expressa qualidades que as dcsqualificam a uma participa^o.ativa e igual em
seu lugar de trabalho. Seu vestuirio anuncia uma ausenciade engenhosidade, competencia e con
fiabilidade. Os homens, enquanto grupo superior, possuem, por dislinfilo contrastantc, um

guarda-roupa que proclama e justifies sua posi^ao de destaque no trabalho. Seu vestuirio expressa
habilidade, disciplina e fidedignidade, exatamente as caracte- rfsticas mais uteis a seus pap6is
ocupacionais.
Esta descricSo simbfilica do vestuSrio 6 essencial para um entendimento adequado do efeito
trickle-down. DA conta do contexto cultural no qual a imita^ao e a difercnciacao acontecem - um
132 CULTURA & CONSUMO BENS DE CONSUMO, CONSTRU^AO DE G£NERO E UMA TEORIA TRICLE-DOWN REABILITADA 133

a diferenciaQao a partir da descoberta de que um grupo subordinado empreendeu a imita?ao. Nao mudan?a na moda, a teoria de Simmel dA um passo adiante. Observando que as mulheres,
nos permite especificar em que esta mudanga consist! ra. 0 forne- cimenlo de um contexto cultural enquanto grupo subordinado, se apropriaram do “visual de autoridade” do vcstuArio masculino. a
torn a possivel uma previsao mais exala. leoria sugere que serd a retomada desta vantagem simbdlica que conslituira o objelivo especflico
De acordo com a teoria de Simmel, a imitagao das mulheres enquamo parte subordinada de mais tuna inova0o na moda masctilina.
deveria provocar um ato de diferenciafao da parte superior. A teoria sugere que o processo serd Ccrtamcnte, o ‘'retorno herdica elegancia” que emergiu mis paginas da Esquire e na industria
empreendido pelos superiores a fim de resiabelecer os marcadores de status que silo da moda parece ser um esfor^o deliberado para resiabelecer o "visual de auioridade” em novos
distintivamente os seus prOprios. Uma interprelagiio mais culluralmente sofisticaaa da teoria termos masculinos. Nas palavras de Boucher, este retorno busca a “admira^ao” e permite que o
trickle-down nos permite dar um passo alfim. Estabelecemos que o processo de imita^ao 6 homem “sc vista ricamcnte e com autoridadc”. Com seus tecidos nobres, estilo elegante e
simbolicainente propositado e formulado niio somente para efetivar uma identidade de vestuirio acess6rios ousados, o visuiil heroico e deliberadamente exagerado onde a roupa masculina
com os superio- res, mas tambdm para se apropriar de seus distintivos de poder e de autoridadc. convencio- nal era apagada. E extravagante ondeesta 6 conservadora e sdbria. Esse jeito de vestir
Esta compreensao nos permite prever niio somente que os homens buscarao um novo estilo de 6, aparentemente, formulado paraser visualmente coercitivo, um auto-aniin- cio. Busca, iL moda
vesttuirio, mas tamb6m que buscarao um estilo no qual o poder e a autoridatle sejam do cortesao renascentisla, sair preemptivamente na frente de todas as reivindicagoes visuais de
restabelecidos. Enquanto grupo superior, os homens procurarao rcaliziir um ato de diferenciagflo status que competem entre si. 0 visual her6ico 6 um ato de agressao simb61ica que explora suas
que I’ari mais do que apenas rccriar um estilo exclusivo de vestuirio masculino. Eles buscarao qualidades de riqueza. exlrava- gancia e suntuosidade como instrumentos de polilica interpessoal.
tiunbem recriar um exclusivo visual de autoridade. Agindo como qualquer grupo superior, eles Ha pouca du- vida de que o estilo herdico busque criar um novo visual de autoridade depropor-
buscarao preservar nao somente seus marcadores de status superior, mas tambfim seus marcadores fOes particularmente assustadoras.
de poder mais elevado. Em oulras palavras, uma teoria trickle-down que forneQa um contexto Meu ponto 6 que a emergencia deste novo estilo na moda masculina poderia ter sido
cultural pode prever nao somente que acontecer^ uma mudan? a por parte dos superiores, mas prognosiicado antes de sua aparifao. A partir do momento em que as mulheres comegaram a se
tamb6m as propriedadcs simb61icas que o novo estilo buscarl Pode predizer ii2o apenas o fato, apropriar do “visual de autoridade", era possfvel predi- zer que um desenvolvimento
mas tambcm a dircfiio da mudanga. correspondente no vestuirio masculino seria busca- (io para reivindicar novamente este visual. E
Para ilusirar, deixe-me notar um recentc desenvolvimento da moda masculi- na, no qua! o claro que os detalhes exatos deste desenvolvimento n5o sSo prognostiedveis; que os homens
processo de diferenciagiio parece estar em andamento. A cole?ao de outono de roupas masculinas adotariam a “herbica elegancia” ao inv6s de um outro visual de autoridade nao poderia ser
apreseniada pel a edi?ao de setembro de 1983 da revista Esquire anunciava para os homens a antecipado. Mas 6 possfvel prever a apari^ao de um estilo de cardter e inten^ao similares. Em
emcrgencia de um “Retorno Her6i- ca Elegancia". Estc desenvolvimento 1’oi descrilo pelo redator resumo, uma teoria trickle-down culturalmente sofisticada permite ao observa- dor antccipar novas
da Esquire, Vincent Boucher (1983:38), como um retorno ao “refinamento”, A “grafa”, a “polidcz” modas ejulgar novos estilos de acordo com um conjunlo de cxpectativas altamentc expllcitas.
e & "opulencia”. Com efeito, a colefao era notavelmente suntuosa. Empregava te- cidos luxuosos, Informado dos motivos e objetivos simbblicos de modas imitaLivas anteriores, o observador lorna-
detalhes distintivos, punlios franccses, elaboradas abotoaduras. coletes e nolaveis acess6rios de sepresciente na antecipado de motlas diferencialivas futuras.
diversos tipos. 0 objetivo da colegao, sugeriu Boucher (1983:38), era expressar o “heroismo”
Este poder de previsao 6 um aperfeifoamento da teoria de Simmel. 0 aviso antecipado da
daquele que envergava os trajes; supunha-se que esies lhe renderiam “admiragao”. A
inova^iio na moda cstabelecido pela leoria trickle-down era limiia- do: podia prever o fato, mas
pressuposigao que conduzia este estilo era de que “o impulso para se vestirricamente ecom
nao o carSter da mudan^a. Complementada por uma teoria do simbolismo do vestuirio, ela se torn
autoridade e uma tradicional prerrogativa masctilina que nunca saiu de moda". Em resumo, o
a mais acurada. Pode especiticar
visual de “herdica elegancia” dcscrito por Boucher c formulado para ter signillcado politico
declarado; 6 explicitamente uma afirma?ao de poder.
Nao menos notSvel, neste desenvolvimento na moda masculina, 6 o desafio cis convengoes
que governaram longamente o vesluiirio masculino. O visual “he- r6ico” rompe deliberadamente
com o simbolismo conlido, conscrvador e despo- jado do vesluArio masculino. Mas, '■’.eve esta
ruptura radical com o c6digo do vestuirio nos surpreeiider? De jeito nenhum. Na verdade, a teoria
de Simmel a preve. A imiiagao dos homens por parte das mulheres borrou os contornos da
distin^ao cultural que se espera que o eddigo do vesluario represenle. E, portan- to, plenamenie
esperAvel que os homens, enquanto grapo superior, busquem res- labelecer a distin^ao (e o
c6digo) com uma inova^ao n;i moda deles prdprios.
Complemenlada por uma teoria simb61ica e uma nova aten^iio ao contexto cultural da
134 CULTURA & CONSUMO

com precisao aproximada a diregao da mudanfa e algumas de suas propricdades simbdlicas. Este capftulo examina outro uso pragmâtico dos bens de consumo. Neste caso, estamos
Tomadas em conjumo, cssas capacidades dcprevisSo munem o obscrva- dor da modadc uma linha preocupados nâo com a redefiniçâo do genero, mas com o cultivo de esperanças e ideais. Os bens
de aviso antecipado de ceria sofistica?ao. de consumo sâo pontes para tais esperanças c ideais. Sâo por nos utilizados para rccobrar estes
Este 6 um poder de previsao consideravelmente maior do que aquele que as presentes teorias significados culturais deslocados, para cultivar algo que de outra maneira estaria fora de nosso
dadifusao podem fomecer. Como notei, cssas teorias siio inca- pazes de relacionar difcrenles atos alcancc. Sob esta forma, os bens de cons’umo sâo um meio deperpetuamente renovar nossas
de comporiamenio em rela^ao i moda em termos causais. No mdximo, podem predizer a adogao de expectativas consumistas. O lado negro deste aspecto do consumo e que ele ajuda a aumentiir
modas em um grupo a partir do comportamenio em rela?ao moda de lfderes de oulro grupo. Nilo nosso apetite consumista, de modo que nunca alingimos uma “suficiencia” de bens e declaramos
podem prever a mudanfa em um grupo pela ocorrida em outro. Nem idcntificar os motivos ou as “Eu tenho o bastante”. Este aspecto do consumo tamböm ajuda a iluminar algumas das associaçöes
cstrat6gias simb6licas desses grupos. Essas deficiencias impossi- bilitam a previsao da dirc^ao e irracionais, fantâsticas e escapistas que fazemos com os bens de consumo. Iratar os bens como
das propricdades da mudan?a na moda. pontes para o significado deslocado ajuda a tomar essas questSes mais inteligfveis.

CONCLUSAO SIGNIFICADO DESLOCADO E BENS DE CONSUMO Este capflulo ofercce uma


Esie capflulo buscou demonsirar que a teoria trickle-down de Simmel podc ser reiomada de seu deseriçâo teörica de uma categoria pouco estudada de significado cultural. 7 Esta 6 aqui chamada de
atual esiado negligenciado e tornada util para o cstudo de cerias instancias da mudanca na moda na “significado deslocado”, porque consiste em um significado cultural que foi deliberadamente
sociedade contemporanea. Esta reabililagao requer diversos ajustes ledricos. Em primeiro lugar, o removido da vida cotidiana de uma comunidade e realocado em um domfnio cultural distante. 0
foco cla teoria precisa scr modificado. Os grupos devem ser definidos nao somente em termos do capflulo tamb6m busca dar conta teoricamente do papel do consumo na evocaçâo deste
status social hierArquico, mas tamb6m em termos das diferen^as de status estabelecidas pelo sexo, significado. 0 consumo 6 um dos meios pelos quais a cultura restabelecc o acesso a este significado
pela idade e pela etnicidade. Esses gnipos tamb6m devem ser vistos como engajados em uma que foi deslocado. Em suma, este capftulo 6 formül ado para mostrar o que & “significado
apropria^ao seletiva, mais que em um emprestimo total. MudanQas ainda mais significativas deslocado" e como ele 6 representado e mani- pulado alravds do sistema de consumo.
precisam ser feitas na enfase da teoria. Nao 6 o suficiente enfatizar o contexto social que O löpico "signillcado deslocado" nao foi amplamente esludado nas ciencias sociais. Os töpicos
preocupou Simmel. A teoria deve atenlar tambem para o contexto cultural da inovagao e da “ideais" e “valores” foram considerados (por Kluckhohn 1962; Rokcach 1979; Silverman 1969,
difusao da moda. 0 fornecimento de um contexto cullu-aJ habilita a teoria a dar conta dos motivos por exemplo), mas csscs estudos nâo abordaram a natureza estrategicamente “deslocada” deste tipo
e fins simb61icos de gn : Js-sociais engajados em um comportamenio cm rcla?ao i moda. Este, de significado cultural. Esta 6 uma prâtica lâo comum e ütil âs comunidades humanas que 6
em contrapartida, permile uma anSlisc mais pcnctraiite dos aios de imita^ao e de diferenciafao nos estranho que exis- tam lâo poucos conceitos teöricos para lidar com ela. E o objelivo deste capftulo
quais consiste o efeito trickle-down. E esta anii- lise, por sua vez, liberta a teoria de suas presentes fomecer tai conceito.
limiia0es. N2o 6 mais ncces- sArio ou util dar conta da imita?ao e da diferencia?ao nos termos
psicoldgicos e sociais gerais oferecidos por Simmel. O recurso a uma teoria simbdlica nos per-
mite dar conta desses atos cm termos ainda mais exatos.
O aporte de uma ser.sibilidade cultural para a teoria trickle-down lhe confere nova relcvancia
para o esiudo do comporiamento comemporiineo em rela^ao a moda. Tamb6m dii i teoria uma
habilidade de previsao mais sofisticada. Em um momento em que as teorias da difusao sofrem de
uma certa insuficiencia de sua capacidade de previsao, esta reabilitafao da teoria de Simmel tern
algo de reco- mend^vel. Permitc-nos restaurar uma venerAvel teoria, recolocando-a em uma posi?
ao de utilidade investigativa e restabelccendo algo de seu status anterior.
SETE

O poder evocativo das coisas


Bens de consumo e a preservaçâo de esperanças e ideais
136 CULTURA & CONSUMO O I’ODBK EVOCATIVO DAS CO1SAS 137

Se o estudo do significado deslocado nâo 6 abundante, o papel de objelos inanimados na social. Aqueles que, ao conlrArio.
represenıaçSo e na retomada de significado cultural e muito me- lhor compreendido. Na
direcionam-se para um.cinismo aberto e para uma aceitagao formal desta lacuna, devem lichir com
antropologla, as subdisciplinas do estruturalismo e (la cultura material examinaram, ambas, este
a perspecliva inadminislriivel de uma vida sem maiores objeii- vos e esperangas. A discrepancia
löpico (Douglas e Isherwood 1978; McCracken 1986a, 1986b; Reynolds e Stolt 1986; Sahlins
entre as reaiidades e os imperativos morais de uma comunidade nao tern remddio 6bvio.
1976). Os estudos americanos, nm campo que tambûnı usa o utulo de “cultura material”, fizeram
deste töpico o objeto de pesquisa inıensa e sofisticadâ (Prown 1982; Quimby 1978; Schlcrclli H5. coniudo, diversas estrat6gias il disposifao de uma cultura para o trata- mento deste aspccto
1982). No campo do comportamcnto do consumidor, urn in teresse de longa data nesle töpico foi cronico da vida social. As preocupagOes destc capftuloestao voltadas somciuc para uma delas,
aguçado por novas abordagens a este estudo (Belk 1982; Hirschman e Holbrook 1981; Holman aquela que pode ser chamada de esirategia do "significado deslocado”.
1980; Levy 1981; Mason 1981, 1984; Solomon 1983). A psicologia tambĞm abrigou novas Confrontada com o reconhecimcnto de que a realidade 6 inacessfvel aos ideals culturais, uma
pesquisas nesta ârea (Csikszenimihalyi e R-jiberg-Hsdton 1981; Furby 1978: Graumann 1974-75). comunidade podc deslocar esses ideais. Isto os removera da vida cotidiana e os iransportarA para
A sociologia, seguindo urn periodo de intenso interesse nos ;mos 50 (por exern- plo, Goffmaii outro universo cultural, para af serem manlidos ao alcance, mas fora de perigo. A cstratfigia do
1951; J. Davis 1956, 1958), parece eslar reiornando a estc topi co (Lauman e House 1970; Nicosia significado deslocado per- mite a uma cultura remover seus ideais em seguranfa.
e Mayer 1976; F. Davis 1985). 0 campo da lıistöria tambĞm estd começando a se dedicar a esta Mas a estratdgia faz mais do que simplesmente resgunrdar ideais culturais. Tambdm ajtida a
questao (Fox e Lears 1983; Lears 1981; McCracken 1985; McKenclrick 1982). A despeilo de Loda dar uma espdeie de demonstrafao empfrica deles. Ao serem transportados para um domfnio
a sua amplitude e peneıraçâo, este irabalho tambĞm falhou em considerar a categoria de cultural distante, os ideais passam a ser vistos como reaiidades praticaveis. Aquilo que, de outra
significado aqui chamada de “significado deslocado”.8 mancira, seria insubstaiiciavel e potencialmenie improvivel no mundo atual, 6 agora validado e de
Uma compreensSo mais clara do papel dos bens de con sumo na representa- çâo e na retomada certa forma “provado” por sua existencia em um mundo outro, distante. Com o deslocamento dos
do significado deslocado promete diversas contribuiçöes para o meio academico. Primeiro, ajudarâ ideais, a lacuna entre o real e o ideal pode ser reduzida a dificuldades locals, particukires. Passa a
a esclareccr uma das form;is pel as quais os objetos carregam significado. Isto, em contrapartida, refietir circunslancias mais contingentes que nccessirias. A estrategia do significado deslocado luta
ajudarâ a fazer avançar o presente esforço nas ciencias sociaispara compreender como os objetos contra a discrepancia entre o real e o ideal utilizando-se do astuto expediente de tirar o ideal da
funcio- nam como mfdias de comunicaçüo nilo-lingüfslica.’ Vislumbrar o papel dos bens na briga.
retomada do significado deslocado convcrte-sc, tamb6m, em novos insights accrca das
propriedadcs sistemâticas do consumo, hoje repudiadas como “irraci- onais”, “fantâsticas" ou ALOCAÇÖES PARA O SIGNIFICADO DESLOCADO
"escapistas". Ao funcionarcm como pontes para o signi- ficado deslocado, os bens ajudam a
perpetuamentc fomentar os gostos e as prei'e- rencias individuals e a prevenir que se atinja uma A cultura que recorre a estrategia do “significado deslocado” deve encontrar um lugar para seus
‘'suficiencia”. Nesta medida. os bens sâo parte essencial do sistema de consumo ocidental, bem ideais. HS muitas alternativas aqui. Os ideais podem ser removidos para um ndmero quase infinito
como da rclııtân- cia deste sistema em jamais admitir que “o bastante 6 o bastante”. Um entendi- de alocagoes nos continua do tempo e do espa^o. 0 continuum do tempo, por exemplo, 6 com
mento adequado do significado deslocado promete insights relativos a aspcctos atualmente freqiiencia transformado na aloca?ao de uma “idade do ouro”. O continuum da idade do ouro 6,
obscuros do consumo, sempre, um periodo hist6- rico para Q qual cxistem evidcncias e documentagao asseguraiido uma
abundaiicia. De faio, tai periodo nSo 6 senao um momento imensamente fictfcio, no qual a vida
social e imaginada como icnilo se conformado de modo perfeito aos ideais culturais. Uma versao
SIGNIFICADO DESLOCADO desta no?ao aparecc lias Metamorfoses de Ovfdio.
A lacuna enire o “real" c o “ideal” na vida social 6 um dos mais opressivos pro- blemas com o qual "De ouro foi esta primeira era. a qual. sem ser compelida, sem Icis, por sua propria vontade
uma cultura deve lidar. Nâo hi uma soluçâo simples. Aqueles que se refugiam em um ot.imismo manteve a fee fez o que era certo. Nâo havia medo de puniçâo ou palavras de amuaça que
ingenuo devem evcntualmenle aceitar que esta brccha e uma caracteristica permanentc da vida pudessem ser lidas nos bı asöcs; nâo havia mulüdâo suplicante fitando
A tradigao da “idade do ouro” 6 especialmente ativa no Ocidente, onde desde suas origens tedlogos cristaos propuseram “o outro mun- do” como um dogiha fundamental de f6. Mesmo os
hesiddicas e platonicas tern continuamente prcvado ser util como paraiso seguro para acalentados fil6sofos do seculo XVIII, que discordaram desie conceito cristao de futuro, criaram sua pr6pria
ideais. (Nisbet 1969:51). Von Gruncbaum cha- mou esta confian^a em um passado perfeito de versao dele a firn de ter um lugar para manter os dogmas a salvo das provas empfricas (Becker
“classicismo cultural”. 0 autor esclarcce que esia cstrategiado significado deslocado exisiiu nao 1932:150). O futuro 6 uma locagao versStil, dotada de muitas possibilidadcs ;il- ternativas: uma
apenas no Oci- dcntc, mas taml-i-m cm diversas tradifocs orientais (1964).’ comuna -a;ianarquista livre desua
temerosamente leis e de
face propriedades,
julgaclora; a democracia
mas. sem perfeita
julgamentos. na qual
viveu-se lodas as pessoas
em segurança."
As vezes, nao 6 um passado glorioso que se torn a o lugar de ideais nao-cum- pridos, mas sim sao plenamente livres c igtiais, o esiado socialism perfeito que coloca o bem connim frente dos
um dureo futuro. A tradifao ocidenial deu ampla demonslrafao tambtSm dcste lipo de alocagao. Os uiiercsses individuais, a perfeita sociedade laissez-faire na qual o individualismo economico
136 CULTURA & CONSUMO O I’ODBK EVOCATIVO DAS CO1SAS 137

decide todos os as- sunlos coleiivos. Alguns destes podem conslituir possibilidades realistas. Mas, significado deslocado nunca se desapontarA. Os continua do espaQO e do tempo sao aiifitrioes
mais importante, 6 que constiiucm locates temporals nas quais os ideais podem enconirar proie^ao inesgotSveis. Representam um vaslo experi- mento etnogriifico no qual elementos humanos
da possibilidade de contradigao. reconhecfveis sao combinados e recombinados cm configurates ricamenle diversas. Alguns desses
O futuro 6, em alguns aspectos, mais acomodativo que o passado enquanto reffigio para o experimen- tos devem seguriimente funcionar como razofiveis fac-sfmiles do que se deseja para
significado deslocado. E, afinal de contas, menos conslrangido pelo registro histbrico ou por fatos seu pr6prio tempo e espa(;o. Assim 6 possfvel a uma cultura proteger-se da desagradAvel
demonstriveis. O futuro nao tern limites se- nao os da imaginafSo que o contempla. E tabula rasa, possibilidade de falhar localmente em realizar ideais que constituem uma condifilo necessliria e
enquanto o passado possui certas nota^oes jd postas, As vezes inconvenientes. Como resultado, h;i universal.
talvcz algum principio de deslocamento do significado que diz que a escolha do passado ou do A estrat6gia do deslocamento 6 claramente mais do que uma vii fic?3o, um jogo que as
futuro como loca^ao dependerii do grau de iniplausibilidade do ideal a ser deslocado. Quanto mais culturasjogam para sua pr6pria di versao. E. na verdade, um dos m;iis poderosos mecanismos da
extremo for o grau desta implausibilidade, mais pro- viivel ser5 a transfcrencia do ideal para o hist6ria. Parte significaliva da riqueza dos registros etnografico e histdrico dccorre precisamente do
fuluro. esforgo em realizar ideais dis- cantes “aqui e agora". A estrategia do “significado deslocado” 6,
Mas o carAter “inespecffico" do futuro nao e somente uma vainagcm, como tambSm um ponto portanto, uma foiite vital para a transforma^ao hist6rica. Qualquer que tenha sido o sucesso obtido
fraco. Um passado de ouro 6 cap az de dar credibilidade aos ideais oullurais, pci a "demonslrafao” na persegui?ao dos ideais deslocados, 6 fato que ela tamb6m deu origem a urnaiespantosa coie?ao
de que estes um'a vez cxistiram. Periodos futuros nao podem estabelecer uma tai iiusao. Nao de desventuras e calamidades. A forga essencial da eslrate- ’.gia' do.deslocamento pode ser medida
ofcreccm base para o argu- meino de que os ideais sao pralicaveis porque uma vez o foram. Ao que pelo fato de que este catAlogo de desastres
parece, contudo. o “verdadeiro crente" ainda 6 capaz de enconirar locafao ftitura para seus ideais,
for?ando evidfincias de plausibilidade. A visao utdpica. pelo visto. tem suaprdpria facticidade.
Existe na mente do crente com tai vivacidade e auto- ridade que tem a for^a de um fato
demonstrivel. Ideais deslocados para uma locaQiio futura podem funcionar como sua propria
prova. Sao validados pela ima- gina^ao, verificados no ato do pensamento. Este bem pode ser um
ato de f6 (Manuel c Manuel 1979:27). Em suma, o futuro 6 uma loca?ao um tanto mais
acomodativa parao significado deslocado que o passado, mas, em contrapar Lida, dispoe de menos
autoridade.
Tambem 6 possivel transportar ideais alheios no continuum do espago. Em algum lugar dos
dias de hoje, 6 possfvel encontrar uma sociedade que aparente viver uma vida na qual “todos
mantem a f6 e fazem o que 6 certo”. Idealmcnte, esta sociedade e suficientcmente distantepara
assegurar que um exame minucioso nao seri facilmente empreendido, jd que tai escrutfnio 6 quase
sempre desapontador. Com esta condi^ao, o deslocamento no espa?o fimciona liio eHcazmente
quanto o deslocamento no tempo. As imperfeicoes de uma dada sociedade podem agora ser
desculpadas como aberra^oes locais. Os ideais encontrar am um lugar seguro.
algumas propriedades sisiemSlicas ao deslocamento do conhecimenlo ideal no espa?o. Os
pafses colonizados tendem a encarar o “pafs mae” ou a “terra patria” como o preenchimento
perfeito dos ideais locais. Esta concep?ao equivo- cada 6 encorajada especialmente pelos esforgos
de propaganda nos quais se engajam todos os colonizadorcs. E verdade, tambem, que essas
sociedades ten- dem a favorecer suas oposi^oes estruturais quando buscam novas locates fora. As
sociedades indusiriais tendem a manifestar certo apego epredilefao para com as sociedades
pastorais. E estas aspiram As oportunidades de perfei^ao que o desenvolvimenlo trarA.
Similarmente, as sociedades tradicionais admiram as modem as, e estas, em contrapar tida,
devolvem a gentileza. Em algum lugar no continuum do cspa^o, existe um “outro” perfeito em
termos do qual os ideais local meme imilcan^vcis podem ser formulados.
A cultura que busca lutar contra a discrepancia entre o real c o ideal atraves da esiraifigia do
140 CULTURA & CONSUMO O I'ODER EVOCATIVO DAS.COISAS 141

nâo a desencoraja. Que arelomadado significado deslocado tenha irazido ıragö- dia e desespero Timlo para os grupos quanto para os indivfduos situaçöes quase exiraordina- riamente
para virtualmente loda çukura nada fez no senlido de desacreditar a esıratĞgia, e cm nada diminuiu infelizes podem ser lornadas tolerâveis atraves do prudente desloca- mento de certos ideais
o entusiasmo com o qnal esta ainda 6 persegui- da. De lodas as cstratCgias airavös das quais uma eesperanças. A estratögiadodeslocamento habilitou tanto os indivfduos quanto os grupos a suportar
cultura pode luiar contra a discrepância enire o real e o ideal, a do significado deslocado deve as circunstâncias geradas pela pobre- za. pclo racismo, e por todo tipo de siatus despossufdo. Tâo
talvez ser encarada como a caracieristicamente imprudcnic ''favorita do genero”. importante 6 o papel do significado deslocado nessas vidas que nâo 6 possfvel renunci ar a ele sem
dramâticas conseqiiencias. Os indivfduos e grupos que desistem de seus signifi- cados dcslocados
sâo pronlamente levados ou ao desespero consumista ou â foroz rebel i âo. Conludo, 6 a medida do
SIGNIFICADO DESLOCADO DE ORDEM MICRO O que ocorrc cm grande escala,
terrivel poder do significado deslocado que ele consiga permaiiecer atraves de geraçöes de
par;ı naçöes c culluras, se dâ tamhem cm um;i cscala muito mcnor, para os indivfduos. Como as
desconteniamcnto, sem que seja desafi ado ou sem que se desista dele.
culturas, os indivîduos cxibem uma caracierfstica recusa em atribuir a falencia dos ideais aos
pröprios ideais. Como as culluras, os indivfduos preferem deslocar seus ideais, removendo-os do
“aqui e agora” para um outro tempo ou lug ar rclativamente seguro. Os indivfduos, como as O PODER EVOCATIVO DOS OBJETOS
culturas. encontram na estratâgia do significado deslocado um iruque ûlil. escamoteaçüo cap az de Sugeriu-se aqui que cad a cultura deve lidar com uma discrepância universal enire o real e o ideal,
sustentar a esperança, fazendo face aos impressio- nanies niveis de pessimismo. c que um dos caminhos para faze-lo 6 a eslratögia do significado deslocado. Deve-se observar
As esu-atcgiiis cvocadas pel os indivfduos assemelham-se as evocadas pel as culluras. Eles agora que esta estrat6gia gera dificuldadcs. Como a cultura restabelece o aces so a este significado
buscam locaçöes para seus ideais ibra, nos contimia do tempo e do espaço. Eles “descobrcm" uma deslocado? Esta seçâo do capflulo argumen tara que islo 6 feito, em parte, atravĞs de objetos
“idade do ouro” pessoal, 11a qual a vida se conformou as suas mais apaixonadas expectativas ou inanimados e bens de consumu aos quais tai problema 6 remclido. Os bens servem como ponies
aos mais nobres ideais: os anos felizes da infîincia ou talvez apenas um ünico feri ado de verâo. para o significado deslocado, taiito para os indivfduos quanto para os grupos. Constituem um dos
Com os ideais dcslocados para esta locaçiio iimplamente ficcional, as dificuldacles e os mecanis- mos que podem ser usados para ajudar na retomada deste significado.
desapontamentos do momento sâo tornados inertes e permite-se que a esperança se miintenha. A questao deslii retomada 6 delicada. 0 processo de deslocamento do significado e
Para os indivfduos incapazes de encontrar uma locaçâo satisfatöria no passa- do, o futuro se empreendido em primeiro lugar a fim de estabelecer uma esp&ie de imuiiidade epistemolögica
mostra mais acomodativo. Como foi notado acıma, o luturo e inespecffico e, portanto, livre de para os ideais. Quando uma tentativa e feita na dıreçâo de rctomar estc significado. devc-se tomar
constraiigimcntos. Que tipo de futuro se re velaria uma locaçâo para ideais satisfatöria 6 algo cuidado para garantir que esta imuiiidade nâo seja compro- melida. A retomada precisa ser
freqUentemente especificado por convençöes. Locaçöes convencionais incluem “Quando eu me realizada de tai modo que o significado deslocado seja irazido ao "aqui e agora” sem ter de tomar
casar...”, “quando eu luialmente me formar...”, "quando as oportunidades baterem â minha para si todas as responsabilidades(Jc uma permaiiencia plena. Quando o significado deslocado 6
porta...". Estes fııturos desejâveis sâo invençöes coletivas, sujeitas a modus volil- veis. Um futuro resgatado desualocaçüo temporal ou espacial, nâo deve ser exposto â possibilidade de refiitaçâo.
vi Lori ano favori io começava com “quando eu forreconhecido...” e era especialmente popular Em oulras palavras, nâo se pode pemiitir que o acesso desfaça o trabalho do deslocamento.
enire os serviçais domĞsticos que esperavam pel a descobcrta de que eram a prole ilegitima de Deixe-nos exami nar exatamente como os bens de consumo ajudam a rcalizar esta delicada
aristocratas sem filhos, de famflia an tig a e tremendamente ricos. tarefa. A discussao que se segue divide-se em duas partes. A primeira aiiali-
Novamente, parece ser verdade que a naLureza inespccifica do futuro 【 ıâu u impede de ter
grande poder de persuasüo. O erenle individual coııslröi uma locaçâo fııtura como fonte de
otimismo tâo convincente quanto uma locaçâo passada. O t'aio de nunca ter existido nâo minimiza
sua capacidade de validar ideais.
0 que nâo puder ser encontrado em um passado ou em um tuturo individuals pode ser buscado
no continuum do espaço. Os indivfduos encontram-se continuamente engajados no exame da vida
alheia, em busca de provas de que seus ideais pesso- ais sâo realizâveis. Esta tendencia 6 explorada
com fins polfticos no “culto de personalidades” e com fins comerciais no "star system"
hollywoodiano. Em ambos os casos a disposiçâo em projetar de bom grado os ideais pessoais para
fora da pröpria vida & usada para produzir efeito persuasivo. Este fenömeno foi bas- lante
estudado pelas diversas ciencias sociais, sob a rubrica das tcorias do "grupo de referencia disianıe”,
da “emulaçâo de status” e da “difusao", sem que tenha sido reconhccido o processo de
dcslocamento.
142 CULTURA &. CONSUMO
O FODER EVOCATIVO DAS COISAS 143

saii como os bens podcm servir como pontes antes do ato da compra. quando nao sao infancia. Este objeto, uma ponte potencial para o significado deslocado, ficou perdido
mais que um ripido lampejo aos olhos do iiidividuo. A segunda considerarA como os em meio h. colegao de objetos sem pre?o de Kane, nenhum dos quais pode funcionar
bens servem como pontes quando jfi se encontram de posse dos individuos. como a ponle que ele buscava tao urgentemenie.
Os bens funcionam como pontes mesmo quando ainda nao sao possuidos pelos A tr;ig6dia de Cidadao Kane deve-se ao fato de que o protagonista perdera contato
indivfduos, mas mcramcnte cobi^ados. Bcm antes da compra um objeto pode servir para niio somente com seu passado. mas tambem com a ponle que lhe permi- liria ganhar
conectar seu luturo dono com o significado deslocado. 0 indivf- duo antecipa a posse de acesso a este passado. Uma interprela^ao popular do filme encontra nele uma mensagem
um bcm e, com esse bcm, a posse de cerias circunslanci- as ideais que no momento “antimaterialista”. Mediocre, desencaminhado, Kane busca sua felicidade em coisas, em
cxistcm cm um local distantc. uma patologia de consumo. Mas a natureza real da dificuldade de K,ane nao e que ele
Neste caso, os bens ajudam o individuo a contemplar a posse de uma condiijao busca sua felicidade nas coisas. A estrategia do deslocamento leva todos n6s a tentativas
emocional, uma eircunstancia social ou mesmo todo um- estilo de vida, de algum modo similares. A naturezareal de sua dificuldade 6 que ele foi incapaz de determinar em qual
concretizando eles pr6prios ess as coisas. Tornam-se uma ponle para o significado de suas posses rcalmcntc (ou aparentemente) residia sua felicidade.
deslocado e uma versao idealizada da vida como deveria scr vivida. Quando sao Esses dois exemplos ilustram o uso dos objetos como pontes para o significado
imaginados, esses objetos permitem ao individuo enumerar um conjunto muito maior de deslocado somente em term os pessoais. E verdade tamb6m que os grupos fazem dos
posses, atitudes, circunstancias e oportunidades. Um exemplo simples disso 6 o uso da objetos o “correlativo objetivo” de ideais que foram transpostos para o passado ou para o
“casa de campo coberta de rosas”. 0 individuo pensa sobre a eventual posse de tai casa futuro. Esses objetos podem ser as bandeiras de cortes exila- das, os trajes nacionais de
de campo e, neste processo, reflete sobre a posse de todo um jeito de viver que um pafs subjugado, os elementos sagrados de lima religiiio que espera pelo milenio, ou
especifica mais ou men os explicitamente um ceno tipo de estilo de vida, de esposa, de o emblema de qualquer grupo que aspire a realiza^ao de ideais no momento nao
arranjo domfistico e assim por diante. A casa de campo torna-seo “correlativo objetivo” alcan^ados (Firth 1973). A “cabana de toras de madeira", enquanto sfmbolo de virtudes
deste diversificado pacote de significado deslocado. 10 De que mancira os bens cfvicas primordiais, serve na?ao como uma loca^ao para manler certos ideais politicos.
funcionam como esses correlativos ao significado deslocado 6 algo que sent discutido Os exemplos aqui sao infinitos. Significados deslocados coletivos podem ser
cm maior detalhe abaixo. atravessados por bens de consumo tao prontamente quanto os individuais.
O que e notdvel no uso dos bens como ponies 6 sua habiJidade cm cstabelccer o Ate aqui, discutimos sobre objetos que sao cobi?ados, e nao possuidos, pelos
acesso sem desfazer o trabalho do deslocamento. Sao capazes de realizar ambas as individuos. Mas a posse niio 6 incompalfvel com o uso de um bem como ponle para o
partes da eslral6gia do deslocamento sem comprometer nenhuma das duas. Quando os significado deslocado. Os individuos podem tomar posse de objetos sem deslruir seu
bens se lorn am o “correlativo objetivo” de certos significados cul lu- rais, fornecem ao valor estrat6gico. Normalmente, contudo, quando o individuo esco- lhe um bem para ser
individuo umaesp6cie de acesso ao significado deslocado, que de outro modo lhes seria ponte para o significado deslocado, escolhe algo que esta bem alem de seu poder de
inacessivel. F ermitem ao individuo participar neste sig- nificado e at6 mesmo, ;-,.i certo compra. Nao ha moiivo para aspirar iquilo que esia pruiilamenle ao alcance. Ou, mais
feniido, tomar posse dele. Mas os bens realizam este milagre scmi6lico sem, na precisamenle, o ilesejo raramenle aniadurece em aspira^oes quando o objeto de desejo
realidade, irazcr o significado deslocado i devas- tadora luz do mundo real. Os bens tem estd a mao. Logo, na maioria dos casos a ponte para o significado cstd t5o inacessivel
a capacidade de tornar acessfvel o signifi - cado deslocado sem torn^-lo ao mesmo quanto o pr6prio significado. Niio admite a compra imediata. Assim, quando o individuo
tempo vuinerdvel ao teste empfrico ou comprometer seu status diplomitico. efetivamente compra o bem, quase sempre se Lrata de uma exce^ao. Este, entao,
Os objetos podem ser orieniados-para-o-fuluro, como no caso da “casa de campo ullrapassa em valor e/ou em caratcr a escala do pacote de consumo presente nas posses
coberta de rosas", ou orientados-para-o-passado, como quando passam a representar uma do consumidor.
Cpoca mais feliz. Aqui, tambCm, um objeto vein a concrcti- zar um conjunto muito A motiva?ao para a compra excepcional 6, usualmente, antecipat6ria. Chega como,
maior de atitudes, relacionamentos e circunstancias, todos os quais sao convdcados pela cm uma competifiio de corrida, ofazo “conedor que conquista a diaiiteira”.
mem6ria e recitados em fantasia quando o individuo lembra de tai objeto.
Um bom exemplo aqui 6 a insfgnia "rosebud' (botao de rosa) que adoma um tren6
da infancia em Citizen Kane {CidadQo Kane). Este filme pode ser tornado como um
estudo sobre o significado deslocado e o consumo. Expl ora deliberadamente as irigicas
e ironicas implicates da falencia do protagonista em perceber que 6 seu passado (real ou
imaginado) o que ele busca tao desesperadamenie. e que a palavra "rosebud’ que evoca
tao poderosamente este cslado de felicidade 6, na verdade, o nome deste trend da
144 CULTURA i CONSUMO
O 1‘ODER EVOCAT1VO IMS COISAS 145

O bem 6 adquirido na antecipa^ao da compra eventual de um pacotemuiio maior de bens, torna-sc vulncrâvel â contradiçüo. A posse de um objeto que iimcionou como ponte para o
alitudcs e circunstaiicia, do qual 6 parte integrantc. Tais compras sao lojigainente significado deslocado coloca um perigo claro c presente aos ideais do indivfduo.
contcmpladas e imaginadas. Normalmenie, elas inclucm bens de “aho envolvimento”, A mais notâvel.ilusıraçâo disso ocorre de tempos em tempos quando indivfduos
como um carro, um re!6gio, uma pefa de roupa, um perfume ou gencros alimentfeios incsperadamente sâo contcmplados com riqueza suficiente para comprar todo c qualquer
cspcciais.11 Os indivfduos os compram a firn de tomar posse de uma pequena parte objeto que sempre usaram como ponte. Um comportamento de compra desta ordem
concreta do estilo de vida ao qual aspiram. Essas pontes servem como provas da efetivamente torna toda pome e toda locaçao subitamenle accssfveis. O significado
existencia desse estilo de vida, e mesmo como provas da capacidade do indivfduo de
deslocado do indivfduo nâo mais se encontra segura- mente fora de alcance. Uma mulher
reivindicS-lo. .
canadense recentemente ganhou 900 mil döiarcs cm uma loteria local e, entâo, conseguiu
Normalmenie, a aquisi<;ao do bem nao viola a regra do deslocamcnto. Nao convoca
gastar quase metade deste montan le em um periodo de ires seman as. Um repörter
o sistema maior do qual e parte, assim expondo-o ao jiilg;unento empirico e colocando-o
conversou com ela no final desta orgia de atividade consumista, e ela confidenciou a ele:
<1 prova. 0 que estA sendo comprado nao c a pome inlcira, mas uma pequena parte dela.
“Grande parte da diversüo e tirada da vida quando voce simplesmente sai e compra o que
A compra tern, na verdade. a qualidadc de evoca-la. E o consumo em excrcfcio Jndiv(di:o
quer que voce desejc. Nâo e tâo maravilhoso quanto voce pensa antes de ganbar. Acho
compreende claramente quo ele/ula nilo csta reivindicando toda a parcelfi de significado
que voefi nunca consegue voltar para o modo como era antes” (Rickwood 1984: A14).
deslocado que fora transportada para outro tempo e espaco. mas meramente uma pequena
Com cfeito, quando um indivfduo compra todas as coisas que serviram como ponies para
e antecipat6ria parte dela. Isto confere uma outra virtude h natureza concreta e discreta do
bem. Ele pode ser quebrado e usado para antecipar uma aquisi?5o maior. o significado deslocado e descobre que seus ideais permanecem irrealizados, a vida mud a
Mas, quando a compra efetivamente.evoca 6 sistema deslocado de signifi- cado, hA irrevogavelmente.
uma outia solucao. O indivfduo si'mplfesmentc desacredila o objeto obtido como ponte A dificuldade en fren tada pel a ganhadora da loteria o 6 tambĞm por qualquer
para o significado deslocado c trans fere este papel para um objeto que ele/cla ainda nilo indivfduo que desfrutc de grande fonuna, Grandes fortunas permitem ao indivf- duo
possui. O consumidor aspira a uma vida que, tlnal- mente, sejaplena, satisfeita. repleta. comprar virtualmente toda e qualquer coisa que elc/ela possa querer. Como resultado, o
Mas tiio logo esta compra 6 leita, o consumidor transfere a antccipacSo para um oulro consumidor desvaloriza a compra e mesmo transfere o status de “ponte” para outro objeto
objeto. Aquilo que foi buscado por tan to tempo 6 repentinamente desvalorizado e o ainda nüo possufdo. No momento em que qualquer coisa pode ser comprada quando dcr
indivfduo transfere-se para uma outra ponte, de modo que o significado deslocado p.ossa na lelha, n3o pode haver nenhuma locaçâo no espaço ou no tempo passive! de ser usada
permanecer des- locado. 0 processo de “trading up" 6 freqiientemente conduzido como refugio para os ideais pessoais. Elcs inmca podem dizer: “se cu pudessc pelo nicnos
exatamente desta maneira. ter uma casa de campo co- berta de rosas, cnıâo...” Nâo hi fclicidadc nem precııcİHiııcnto
HA uma outra solu^ao parao problema, que toma a forma da simples cvitafao. contingente na villa dos rcalmcntc ricos.
Sugeriu-se que as saias de estar sao o locus da famflia “exemplar”. Salas de estar sao Da mesma forma, contudo, hâ um caminho para fora deste dilema. E comprar o que e
lugiires onde as famflias vivem de acordo edm os mais altos padroes, com os idcais mais escasso e raro; 6 colecionar. A virtude de perseguir colecionâveis mais que meros bens de
precisos. Tendo inveslido a sala de estar com cste significado deslo- caiio. a famflia consumo 6 precisamente a de que eles tem sua pröpria insufi- cicncia. Coiccionâveis nâo
fastidiosamentc passa a evitar o local. estüo disponivcis para ninguĞm que disponha tie re- cursos. Sua disponibilidadc e
"Tipicos bandos dccorativos, com filas de veludo, itravessam as portas de entrada das reslringida pelo lalo de que nâo siio mais fabrica-
saias de estar da classe media: sofas protegidos. entre visitas sociais. por translucidas
capas piaslicus; familia; levando as tardes a eviiar o rccinlo, c uma concordancia
silenciosa. entre os consumidores de classe media, de que certos objetos sao impro-
prios ao lugar - cquipamentos de TV. telefoncs, poltronas rcclinantes. lrof(Sus. Ccrtas
pessoas senlem ale mesmo que livros nao perteneem ao local. Tudo para prolcger o
conceito imaculado da sala de estar. um nome irdnico para um aposento em que nin-
guem esta." (Kron 1983:93-94)
Mas a posse de objetos que funcionam como pontes para o significado deslo- cado 6
arriscada. Uma vez possufdos, esses objetos podem começar a colapsar a distância enire o
indivfduo e seus ideals. Quando uma “ponte” & adquirida, o proprietârio comcça a correr
o risco de submeter o significado deslocado â prova empfrica. Uma vez que aquele cano
que por tanto tempo foi o representativo de “como minha vida provavelmente serâ um
dia” torna-se parte efetiva da vida do indivfduo, o significado deslocado deixa de estar
plenamente deslocado. E agora uma parte incipiente do “aqui e agora” c, nesta medida,
146 CULTURAL CONSUMO O PODER EVOCATIVO DAS COISAS 147

dos (no caso das anligiiidades) oupelo fato de que nao sao produtos de maiiufatura de individual acerca do pr6prio futuro 6, de algum modo, centralizado em um peda?o
massa e podem, portanlo, reivindicar o carAter de unicos (no caso da arie). Nem mesmo material deste futuro. Para reiornar ao nosso exemplo, 6 a “casa de campo coberta de
um vasto poder de compra traz tais objetos ao alcance. ColccionAveis, unicos ou muito rosas” que representa um grande e divcrsificado feixe de condi^bes emocionais c de
raros, prccisam ser cagados, tirados de seus esconderijos, conquista- dos em uma disputa circunstancias sociais. Similar- menie, e o sonhado anel de casamento que se torna
com outros colecionadores. Quando os bens possuem esta especial iniangibilidadc, podem sfmbolo da bem-aventuran^a do malrimonio aspirado pelo indivfduo. A parte representa o
novamen le se lorn ar pontes. Torna-se possfvcl para o indivfduo tratA-los como coisas Ss todo.
quais um certo significado deslocado sc adere. Eles tern a toda importance qualidade de Em terceiro lugar, o valor economico desses objetos ajuda a conferir-lhes valor
estar al6m do alcance e podem, portanto, ftincionar como pontes para o significado simbdlico. 0 objeto desejado figura al6m do poder de compra individual, con forme
deslocado. O indivfduo pode agora fazer de conta que M uma loca?ao distante para seus convencionalmentedisposto. Equase ou totalmenteinaccssfvel. E, nesta medida, escasso e
ideais pesscais, c que cstes idcais serao realizados quando a ponle para eies for obtida. Em desejivel. Mas estas, significativamente, sao precisamente as propriedades do significado
resumo, os colecionAveis tom am o sonho possfvel novamente. 0 indivfduo aspira ilquele deslocado. Este significado 6, ele prdprio, escasso e desejSvel. Por sua$ pr6prias e um
miigico dia em que possuirii todos os Renoir que estiio de fora das eolegoes piiblicas.12 tanto diversas razoes, ele foi posto al6m do alcance do indivfduo e tornado
Deixe-nos apreender agora os precisos mecanismos do processo pelo qual os bens correspondentemente mais desejivel. Em outras palavras, o cariter economico dos objetos
funcionam como pontes. Como eles conseguem nos dar acesso condicional ao nosso desejados torna-os, de forma peculiar, bastante adequados para representar o significado
significado deslocado? A resposta para csla questao reside nas caracte- rfsticas fisicas, deslocado. A similaridade 16- gica entre ambos constrdi uma liga^ao peculiar enlre
economicas e estruturais dos bens, e a contribui^ao destas carac- teristicas constitui a significanle e significado. A quarta qualidade que confcre aos bens uma especial eficAcia
comunicagao nao-lingiifslica. Hfi quatro aspcctos dos bens que lhe^ conferem especial na represenia- fiio do significado deslocado 6 sua plenitude. Nas culluras de consumo
eficScia na expressao do significado deslocado. - Primeiro, difcreniemente dos signos de moder- nas, os bens reuiicm uma vasta colegao de objetos que exibem um leque muito
outras mldias de comunica^iio (por exemplo, a linguagem oral, a musica etc), esses signos considerftvel e finamente diferenciado de escassez e de custo. Como resultado, para a
sao concrctos e perenes.13 Tai caracterfstica lhes confcre uma especial maioria dos consumidores M sempre um nfvel mais clevado de consumo ao qua! podem
vantagemnarepresentafao c nareto- mada do significado deslocado. Este 6, por sua pr6pria aspirar. Esses nfveis mais elevados funcionam como uma garanlia de refiigio seguro para
natureza, insubstancial. Foi muito deliberadamente rcmovido do “aqui e agora” e tornado o significado deslocado. Mesmo que evenlualmenle um nfvel possa ser alcan^ado pelo
remoto. Como resultado, o acesso a ele 6 melhor eslabclecido quando e possfvel dar-lhe indivfduo, sempre haver A um outro ainda maior para o qual o significado pode ser
subs- tancia e facticidade. Os bens tern a virlude de sugerir e mesmo demonstrar esta deslocado.
substancia, atrav6s de seu prdprio carter substantivo. Em termos mais tc6ricos, pode-se Em suma, uma vez que os ideais foram removidos para novas loca^oes no tempo e no
arguruentar que a propriedade de concretudc passa do objeto signilicante para aquele espago, os bens podem servir como pontes para eles. Os bens permitem aos individuos c
significado. A casa de campo coberta derosas, por exemplo, confcre Jis condi^oes, aos grupos recobrar o significado deslocado sem traze-lo por comple- to para as
circunstancias e oportunidades abstratas por cla representada, algo de suapr6pria circunstancias demandantes do “aqui c agora”. Eles funcionam tao bcm nesta sua
substancia assentada, ccloridaeim6vel. Repentinamentc, a nopao abstrata de uma vida capacidade porque sao bem-succdidos em iransformar o significado abs- trato e
perfeitamente feliz, vivida com a esposa perfeita e empe- nhada em circunstancias inc^orp6reo em algo cxistente, plausfvel, passfvel de ser possufdo e, acima de tudo,
perfeitas adquire sua propria substancia. Na peculiar epistcmologia do senso comum, csla concreto. Representarn o significado deslocado servindo como sinfidoques para ele.
substancia tern diversas implicates nola- veis. Sugerc, com uma nova forQa, a Representam-no reproduzindo cm si pr6prios seu valor e escassez. Final- mente,
plausibilidade de uma circunstaucia imagi- uada. Sugere, com uma nova plausibiiidade, a representam esle significado criando uma s6riequase infinitamente expansivel de
posse destas circunstancias. Finalmen le, figura como uma espdeie de prova experimental locagoes, atravfis de uma diversidade finamente articulada.
da existencia do siguifi- cado deslocado. Esses signos concretos ajudam a fomentar a Bens “pontes” liormalmente tem tai capacidade quando constituem meramente
fiefao de que os intangiveis que representarn sao na verdade substanciais, e que podem ser aquisigoes antecipadas. Incvitavelmente, alguns deles encontram seu caminho nas posses
con- cretamente possuidos. Criam uma espficie de concretude que figura cmocional- individuals. Quando isto ocorre, o indivfduo deve rapidamente trans- ferir o status de
mente como uma esp6cie de “prova” do significado deslocado. “ponte” do objeto comprado para ouiro ainda niio adquirido. Assim o significado
Em segundo lugar, esses signos tern a vantagem de parecerem explorar um iropo deslocado permanece deslocado. Grandes fortutias, coiiiu- do, fruslram esta estrat6gia
retorico basianle conhecido por seus poderes persuasivos. Este tropo 6 a “sinedoque", uma colocando todo e qualquer ohjelo ao alcance do indivfduo. A estral6gia substituta
figura de linguagem na qual a parte e usada para representar o todo (Sapir 1977). A apropriada, aqui, 6 colecioniir. A unicidade ou a grande escassez dos colecionSvcis
sinddoque clissica aparece na expressao “todos os bravos ao conves”, na qual a parte permitem-lhes funcionar coino objelos al Cm do alcance e como pontes para o significado
“bravos" representa o todo “marujos”. Quando um objeto representa o significado deslocado.
deslocado, parece faze-lo precisamente desta maneira parte-pelo-todo. 0 conceito
f48 CULTURA & CONSUMOO PODER EVOCATIVO DAS COISAS 149

IMPLICAQOES DO EFEITO DO DESLOCAMENTO Venkatesan 1976), seguir-se, em alguns casos, prccisamenle il tlescobcrta infelizde que a
aquisifao de uma “ponte" nao forneccu de fato 0 acesso ao significado deslocado? Poderia
0 uso dos bens p;ira retomar o significado deslocado 6 um dos mccanismos do consunio
0 uso dos bens como forma de alterar humores (como no caso de uma compra para
na sociedade moderna. Contribui para perpeiuar o apetite consumista. Ajuda a declarar
“levantar 0 astral") tambem encontrar aqui uma explicagao? Certamentc, a no?ao dos bens
certas aquisigOes obsoletas (ocasiao cm que nao mais podem (imcionar como pontes) e
como pontes para 0 significado deslocado foi totalmente domeslicada e explorada pelos
ademandar a compra de novos bens. A perseguiQao ;to significado deslocado atravds dos
profissionais da propaganda. Este grupo consistentemenlc sugere, atrav6s de seus
bens Lorna o consumidor vivamenle atenLo as luxuosas categorias de bens c is inova?oes
aiiuncios, que os bens sao ponies e que sua aquisifiio dard ao consumidor acesso aos
dos produtos. Intluz a uma disposifiio para violar as restrifSes normais do saUrio e a fazer
ideais deslocados.
a compra excepcional. Tra- balha consiantemente para agu?ar o apetite e para aumeniar a
demaiida.
Todas essas coisas sao claramente boas para uma economia sadia. Silo, tiio O SIGNIFICADO DESLOCADO E A NATUREZA DA ESPERANQA EM
elaramente quanto, serios impedimentos para a criagao de uma sociedade na quid os UMA SOCIEDADE DE CONSUMO Uma das coisas que se esperava que este
goslos e as preferencias tern limites intemos, na qual uma suficiencia de bens se torna uma capituio tr;iria il luz 6 a mtima conexiio entre os bens de consumo c a csperanga na
realidade de consumo. Sem esses limites, sem esta suficiencia, niio pode haver uma nova sociedade de consumo. 0 significado deslocado nos ajuda a resistir is conclusoes
repartiQao de recursos dentro das economias do Ocidente nem entre as economias do pessimistas que os negbeios pessoais ou colefivos amea^am lan^ar sobre n6s. Permite-nos
primeiro e do terceiro muntlos. 0 uso dos bens para retomar o significado deslocado nos supor que, enquanto no mo- men to as coisas podem nao se conformar com as
compromcLc com um consumo que excede as ncccssidadcs l'fsicas e culturais mais expectativas ideais, hd uma epoca ou um lugar em que elas 0 fazem. 0 dcslocamento do
basicas. Compromete-nos com um siste- ma de consumo no qual o indivfduo sempre significado nos permite criar coragem. miuiter a esperaii^a. Os bens tambem ajudam a
alcanna a suficiencia como condi^ao temporaria, repudiada lao logo e estabelecida. 0 conscrvar a esperava ao sugcrircm que 0 significado deslocado pode scr retomado e
efeito do deslocameiiLo evita que as economias ocidentais conlrolem os impulsos que as realizado no “aqui e agora”. E, contudo, absolutamenlc essencial para n6s nunca sermos
conduzem, impedin- do-as de tomar as r6deas das formas motivadoras das quais retiram contemplados com 0 que quercmos. E neccssArio para nos que sempre nos sejam negados
sua energia social. Ate agora, esses aspectos do consumo foram repudiados como mera os bens que nos dariam acesso aos ideais distantes. Isto requer a constaiile expansao de
cobi- 9a e irracionalidade. De acortlo com a explica^ao atual, os consumidores com- pr; nossos desejos. As coisas que desejamos devem sempre estar al6m de n6s, sempre fora de
un bens luxuosos porque siio prisioneiros da extravagancia. Sao cativos de apdiLcs alcance. Para que os bens sirvam <1 causa da esperan^a, devem ser incansa- velmente
irracionais. Assim fala a vis2o tradicional. Narealidadc, 0 assuntoemais complicado e,
abastecidos. Precisamos ter sempre novos bens para fazer nossas pontes sc esperamos que
talvez, um tanlo desprezfvel. Nosso gosto por luxos, por bens alfim do nosso poder de
a esperan^a brotc eternamente.
compra convencional. nao 6 simplesmente cobifa, nao c ;tpe- nas auto-indulgenoia. E
tributivel tamb6m 1 nossa necessidade, enquanto gnipo e enquaiito individuos, de
restabelecer 0 acesso a ideais que deslocamos para loca?oes distantes no tempo e no espa?
o. Este fenomeno cultural e psico!6gico tern sua propria racionalidade peculiar. E de uma
s6 vez mais complicado, mais sisiemAtico e mais curioso do que reconhecemos a
prinefpio. •
A explicajao para 0 significado deslocado proposta aqui tambdm nos ajudarA, talvez,
a compreetider certas questSes mcnos macroscdpicas no campo do comporta- mento do
consumidor. Por cxemplo, saber que os bens sSo pontes para 0 significado deslocado
contribui para iluminar certas instancias da “patologia de consumo", como a chama
Schlereih (1982). Os momentos de consumo compulsivo, irracional e insu- portavel dos
indivfduos podem brotar de um esfor^o desesperado para reivindicar ccrtos signi ficados
que for;im por eles dcslocados. E faci I perceber. lambtim. que uma logica desagradavel e
autoperpetuante pode se estabelecer, 11a qtutl 0 inclividuo desesperado compra um bem
excepcional em busca do significado deslocado, descobre-o incapaz deUie fornccer
estesignificado, eentao e forfado a comprarum ouiro e aintla mais caro bem de consumo.
A^oes de consumo mais comuiis c constantes tamb6m podem ser iluminadas. Poderia a
“dissoniincia p6s-compra", liio freqiientcmenle rclerida na literatura (Cummings e
150 CULTURAL CONSUMO

CONCLUSÂO
OITO
Sugeriu Hanna Arendt (1958) que os objetos significativos seriam capazes de prevenir o
“abaiimcnio” e a deterioraçSo de nossos ideais de self& do mundo. Eles ajudariam, em
sua central capacidade mnemonica, a nos fazer lembrar quern e o que somos. Estc
capftulo fez uma reivindicaçâo outra e contrâria. Sugeriu que os bens sâo pontes para o Unidades Diderot e Efeito Diderot
significado dcslocado e, nesta medida, objetos que nos contam nao quem n6s somos, mas
quem n6s gostarıamos de scr. Sugeriu que o deslocamento do significado 6 uma Aspectos culturais negligenciados do consumo
estratdgia fiindamcntal que as culturas e os indivfduos usam para lidar com a
discrepância enire o “real” c o “ideal”. Quando o significado 6 rcalocado no espaço ou no
tempo, fica resguardado do teste empfrico, mas 6 tamb6m removido do accsso imediato. As "unidades Diderot” sâo complemcntaridades allamenleconsislenles de bens de
Os bens de consumo sâo pontes que permitem aos grupos e aos indivfduos rostabelcccr consumo. 0 “efeito Diderot” 6 uma força coercitiva que as mantĞm. A unidadc e o efeito.
uma espöcie limi- tada de accsso a este significado. AtravĞs dos bens, somos capazes de aqui nomeados por causa do filösofo iluminista fiances Denis Diderot, süo instnimcntos-
alimentar a posse de ideais que as circunstâncias presentes nos negam no momenro. De chave com os quais a cultura controla o consumo. 0 efeito Diderot 6 particularmente
lodos os tipos de significado cancgados pelos bens de consumo, o significado deslocado interessaiite porque 6 capaz de operar de duas maneiras totalmente diferentes. Pode
6, talvcz, o men os compreendido. Estc capftulo sugeriu um dos modos pelos quais compelir o/a consumidor/consumidora a permanecer deniro de seus padröcs de consumo
poderıamos começar a esludâ-lo. existentes. Mas, em uma segunda modalidade, pode for- çar o/a consumidor/consumidora
a transformar esses padroes de consumo para al6m de quiilqucr reconhecimento. Como- o
capftulo precedente, este detalha de que maııeira o consumo 6 conduzido e constrangido
por consideraçöes totalmente culturais. Neste caso, o fator cultural nâo 6 o deslocamento
do significado, mas a gestâo de sua consisiencia dirctamente atravös do conjunto de
comportamentos de compra do individuo. Este capftulo contempla as unidades Diderot, o
efeito Diderot e as implicaçoes das unidades e do efeito para nossa compreensâo da
publicidade, do estilo de vida e dos mecanismos de demanda de consumo.

A UNIDADE E O EFEITO DIDEROT: VISÂO PRELIMINAR A primeira


pcssoa a documcntar a unidade e o efeito Diderot considerados aqui foi Denis Diderot
(1713-1784). Como principal editor e autor da Encyclopedie, Diderot fez imp ortan te
contribuiçâo âcodificaçao e ao avanço do conhecimento n a França do seculo XVIII. A
tradiçâo filosöfica e o pröprio temperamen to de Diderot lcvaram-no a tralar de pesadas
questoes de um modo espirituoso e leve (Bowen 1964: viii). E, portanto, caracterfstico
tanto do academico quanto de scu tempo que Diderot tenha apresentado a dcscoberta com
a qual no momento nos ocupamos aqui emum pequeno c bem intencionado cnsaio
intitulado “Regrets on parting with my old dressing gown''.''*
Este ensaio começa com Diderot sentado em seu gabinete, confuso e melan- cölico.
De algum modo, esla sala de estudos sofreu uma transformaçâo. Forauma vez abarrotada,
despretensiosa, caötica e feliz. Agora era elegante, organizada, belamente ordenada e um
pouco severa. Diderot suspeitava que a causa desta transformaçâo era sua nova veste.
152 CULTUR.A & CONS (IMO UlUbROT u EFKITO OIDEKUI 153

Esta traıısformaçâo, nos conta Diderot, ocorreu graduaimente e por estdgios. Primeiro, ouunidades Diderot.18 No tocaiile a este ponto, Solomon c Assael afirmam apenas que os
a veste chegou, presente de um amigo. Delici ado com sua nova posse, Diderot permiliu consumidores “leem” o signi- ficado de um produto eSpecffico apartir daqueles que o
que ela substituısse seu "csfarrapado, humilde, conforıâvel e velho roupâo”. Este revelou-se acompanham.
o primeiro passo em um complicado c por firn aııgustiantc processo. Uma ou duas semanas Deixe-nos exarninar por que alguns bens de consumo pareccm “aiidar .juntos". Dcixc-
dcpois da chegada da nova veste, Diderot começou a pensar que sua eseri vaninha nâo nos considerar por que ccrtos complemenlos desses bens tem con- sistcncia cultural. I-IS
estava totalmenie â al tura do padrâo e a substituiu. Entâo a tapeçaria na parede da sala de Lres aspectos correlacionados liesta questao. Aconsistencia cultural dos bens de consumo
estudos pareceu um tail to surrada, e uma nova tevc de ser encontrada. Graduaimente, o reflete (1) a nalureza do significado contido nas coisas, (2) o modo pelo qual este
gabinete intci- ro. incluindo suas cadeiras, gravııras, estaıites de livros e rclögio, fora significado adenlra nas coisas, (3) a maneira atravds da qual o significado das coisas 6
julgado, descoberto insuficicnte e substituido. comunicado pelo “c6digo objeto”.
Tudo isso, conclui Diderot, era o trabalho de um “imperioso robe escarlale lque| forçou Como foi sublinhado no capflulo 5, o significado dos bens de consumo deriva da
tudo o mais a se conformar com scu pröprio tom elegante" (1964:311). Diderot olhava para posi(;ao que ocupam em um sistema de bens c da rcla^ao deste sisiema com um sistema de
trâs(;om ternnra e lamenLaçâo para sua aniiga veste, e sua "pert'eiia concordância- coin c categorias culturais. Por exemplo, o rel6gio Rolex retira seu significado de sua rela^ao com
rustante do pobre bricabraquc que preenchia meu aposento”. Elc havia perdido sua veste, todas as outras marcas de rel6gio e do modo pelo qual este conjunlo de produtos
seu bricabraque c, mais importante, a pröpria harmonia. “Agora a liarmonia estd dcstrufda. corresponde (e, portaiito, representa) a categorias culturais de pessoa, lugar, tempo e
Agora nâo hâ mais consis- tencia, n5o hâ mais unidade, e nâo hâ mais beleza” (1964:311). ocasiao. 0 Rolex 6 associado com categorias culturais especfficas de classe, sexo, idade e
Esta revelaçâo in teliz constitui o que e provavelmente o primeiro reconhecimento formal ocasiSo, por causa da corresponden- cia mais anipla enlrc o sisiema de rel6gios e o sisiema
de um fenomeiio culLural aqui chamado de “unidade Diderot” e de “efeito Diderot”.15 de categorias culturais.1’ E esla correspondencia entre as categorias culturais e os bens de
consumo que ajuda a determinar quais serao os bens que vao andar juntos. Todas as cate-
A UNIDADE DIDEROT E O SIGNIF1CADO DAS COISAS As transtornadas gorias de produtos sao organizadas a fim de corresponder ao mesmo conjunlo de categorias
culturais. Isto significa, forgosamente, que todas as categorias de produtos devem tambem
observaçöes de Diderot ajudam a sugerir que os bens de consu- mo, de alguma maneira
corresponder umas is outras. £ possfvel, portanto, tomar cada uma das categorias culturais e
complemen tares, sâo ligados por uma ceria comunalidade i>u unidade. Sugerem que essas
alinhii-las com cada uma das categorias de produtos, e assim suas distingoes intemas
coisas tem uma espĞcie de harmonia ou consis- tencia e de algum modo, portanto, “andam
figurarao em paralelo. Quando isto 6 feito, o equivalente cstrutural de uma marca em uma
juntas”. Podemos chamar esses pa- dröes de consistencia de “complementaridade de
categoria se torna evidente em todas as outras. Torna-sc possfvel combinar, por exemplo, o
produtos” e, em honra a seu observador, de “unidades Diderot”. sistema de rcl6- gios com o sistema de carros, e assim determinar, de um modo geral, quais
As unidades Diderot sâo bem conhecidas e diariamente exploradas pelos pu- reld- gios “sc cliio” com quais carros. Quando o co »junto de produtos rel6gios 6 posto lado
blicitirios, pelos designers de iodo tipo e, claro, pelos consumidores individuais. mas s3o a l : idn com o dos carros, torna-se aparcnle que o Rolex e o BMW sao cqui- valentes
menos compreendidas pelos cientistas sociais. Como argumentam Solomon e Assael estruturais. Ambos ocupam a mesma posi^ao relativa em suas respecli- vas categorias de
(1986), muito mais atençâo foi dada â substancialidade dos produtos que a sua produtos. Tem, nesla medida, um significado aproximadamcn- le coinparavel. O sisiema de
complementariclade. De acordo com a teoria microeconömica, por exemplo, o produto tem corrcspondcncias que organiza a rela?ao entre cultu- ra e bens de consumo cslabelecc um
valor isoladamente (cm seu feixe de uiilidades) e pode ser substilufdo por outros produtos esquema no qual o Rolex e o BMW figuram como cquivalentcs estruturais e, assim,
(que represeniem feixes de utilidadcs mais ou menos comparâveis).16 “andam juntos”.
Solomon e Assael, fazendo uma abordagem “gestâllica” â consistencia simböli- ca, A segunda parte da rcsposta ao mistSrio das unidades Diderot deriva do modo como os
eslâo enire os poucos cientistas sociais a remeier diretamente a esta questao. 17 Eles sugerem significados sc introdttzem nas coisas. Um dos modos pelos quais o
que as constelaçöes de produtos ocorrem porque estes, assim unificados, carregam em seu
todo informaçöcs sobre papöis. Seguindo um importanic irabitllio anterior de Salomon
(1983) sobre esta questao, os an tores sugerem que os bens sân usados para garaiitir sucesso
no desempenho societSrio de papfiis c que este sucesso nao e possfvel sem que os bens
sejam usados em sua configura?ao adequada. As constelafoes existem, argumentam eles,
porque os indivfduos precisam se utilizar da total complementaridade de produtos para
desempenhitr as partes que lhes cabem no drama da vida social. Por mais util queseja este
argumento, ele foge a questao de por que, a principio, existem constelagoes deprodutos
154 CULTURA & CONSUMO UNIDADES DIDEROT E EFEITO DIDEROT 155

signiticado adentra nas coisas 6 atrav6sdapublicidade edo sistemada nioda. 20 A fim de de consumo unificados por uma consistencia cultural. A natureza, as origens e a
depositar significado nas coisas, os diretores de cria^ao e os designers de produio e de comunica^^o do significado cultural dos bens de consumo. tudo isso ajuda a encorajar esta
moda descobrem equivalenies esiruturais .e os reijnem deniro dos limites de um anuncio consistencia. Os bens “andam juntos” em grande medida porque suas propriedades
para demonstrar que o significado inerente ao anuncio 6 inerente tambdm ao produto em simb61icas os agrupam. S3o os aspectos culturais sig- nificativos dos bens que contribucm
questao. Quanto a n6s, somos os cuidadosos estudantes dessas mensagens comerciais e, para lhes confcrir suas harmonias secretas. Resta considcrar a for^a cultural que ajuda a
como resultado, estamos consiante- mente sendc instruidcs tamo nas correspondencias entre preservar essas harmonias nas vidas individuais. As se^Oes que se seguem analisarao a
as categorias de produ- LOS quanto nas unidades que delas decorrem. Deste modo, a 16gica do efeilo Diderot e suas implicates para a vida na sociedade de consumo.
publicidade e o sistema da moda primeiro partem das consistencias do COdigo objelo, e em
seguida contribucm para forjA-las. AS UNIDADES DIDEROT E O CONCEITO DE ESTILO DE VIDA 0
Um segundo c de algum modo mais interessante aspecto do processo de airibui- Cao conceilo de estilo de vida tern sido provocativo e improdutivo quase que nas mesmas
do significado 6 o papel desempenhado pelos grupos inovadores. Gnipos tais como os proposes. Como observaram Kassaijian e Sheffet (1975) na metadc dos an os 70, o conceito
hippies, os yuppies e os punks inevitavelmente se engajam nos atos criati- vos de sele?ao e gerou uma grande quanlidade de estudos, mas boa parte desta definha em trabalhos
de combi nafao do consumo, quando revisitam o mundo consumisla em busca de sua academicos e sob a forma de manuscritos n3o publicados. Uma decada mais tarde,
prdpria e altamente caracterfstica complementaridadc de bens de consumo. Ao faze-lo, Anderson e Golden colocam a questao mais seriamente, observando que (depois de lalarsk)
ajudam a criar novos padrdes de consistencia de produtos.
se todas as pessoas que fazem pesquisa sobre estilo de vida fossem enfileiradas de ponta a
Antes dos yuppies, n3o havia conexao for?ada entre o Rolex e o BMW. No sistema ponta, clas (a) nunca chegariam a uma conclusao e (b) apontariam para todas as dire^oes ao
geral de correspondencias ・ eles apiireciam como loca^ocs aproximada- mente mesmo tempo (1984:406).
compardveis na correspondencia entre bens e categorias culturais de classe. Desta maneira, O apcloda id6ia de estilo de vida na pesquisa do consumidor 6 bastante claro. Aqui
embora se pudesse dizer que eles “andavam juntos”, ainda assim inexistia qualquer sen so estava uma id6ia que prometia superar a insuficiencia da segmenta^ao de mercado. Era
de associa^^o ineviidvel ou de que se pressupunham mutuamente de um modo particular. tamb6m um modo de lidar com um f enomeno aparentemente guia- do pel a “elasse” sem
Os yuppies (c, ironicamentc, a midia que tao rolineiramente escameceu deles) conferiram ter de se defrontar com os probiemas opcracionais e de defini^ao que assolam esta nogio
ao Rolex e ao BMW esta mutual idade, e os agruparam cm uma complemcnt<iridadc de (porexemplo, Myers e Gutman 1974; Rainwater, Coleman e Handel 1959). A16m disso, era
produtos cspecffica. Por me io dos esfor?os dos yuppies e da mfdia, o Rolex e o BMW sao uma maneira de perseguir questOes acerca da “personalidade”sem ter de abarcar todos os
agora bens que andam juntos com especial intimidade?1 , pressupostos do modelo de personalidade (por excmplo, Wells 1974). Finalmcnte, era
A parte final da resposta a consistencia cultural dos compiementares de consumo pode tamb6m uma forma de capturar ccrtos dctalhes etnogrdficos que o paradigma positivista e
ser encontrada na natureza da coinunicafao operada pel a cultura material. Como nota o quantitativo lendia a excluir da explicagSo (por cxemplo. Plummer 1971).
capftulo 4 deste livro, as mensagens da cultura material sao mais bem-sucedidas quando sao Talvez o aspecto apclativo mais poderoso da ideia de estilo de vida era que ela permilia
formadas por “elementos altamente redundan- tes, que se prcssupOem mutuamente”, e ao observador conceber ◦ consumo como um “fenomeno padroniza- do inter-relacionldo"
menos quando consistent em combina- ^Ses novas. Isto estd na natureza mesma da (Wells e Cosmas 1977:301). Isto era central. Lazer (1964), Levy (1963). Moore (1963) e
comunica^ao nao-lingufstica, de acordo com Jackobson (1971), e sc aplica igualmcnle para Plummer (1971), todos recoi±eceram que o con- ceito de estilo de vida permitia ao
o vestuario, a habitagao, os carros e todos os bens de consumo. Parcce ser o caso de que os observador rcunir dados que normalmente eram tratados em separado e vislumbrar padrdes
bens de consumo nao se comunicam bem quando cxistem isoladamente ou em grupos de inter-relagao de outro modo imperceptfveis. Havia uma forte convic^ao que esta visao
hctcrogeneos. O significado de um bem 6 mclhor (c, em alguns casos, somente) mais global, e somente ela,poderia capiurar verdades fundamentais sobre o consumo. Euma
comunicado quando este bem 6 cercado pel a complcmentaridade de outros bens que esperanga ainda mais ambiciosa era alimentada aqui. Lazer se perguntava se “os estudos
carrcgam a mesma significafao. Dentro desta complcmentaridade, M redundancia sufici- sobre estilo de vida poderiam fomentar a unificafao de descobertas e leorias relacionadas ao
ente para permitir ao observador idcntificar o significado do bem. Em outras pala- vras, as consumo" (Lazer 1963:132).
propriedades simbdlicas da cultura material sio lais que as coisas devem significar juntas se Por que. entao, o conceito dcveria se revclar tiio improdutivo? Foi-nos dado o
pretendem significar de modo absoluto. A compiemen taridade dos produtos determina as vislumbre de um parafso no qual os dados sao intcr-relacionados e todas as teori- as
associates provedoras dos acompanhantes de qualquer bem especffico, as quais ajudam a intcgradas, mas a cstrada para este parafso ainda estd longe de ser clara. 23 Parle do problems
torn ar seu significado. claro. A natureza da comunicado entre os produtos 6, portanto, 6, claramentc, que n3o dispomos das ferramcntas tebricas ne- cessdrias com as quais
outro fator que estimula as coisas a “andarem juntas’’.22 acessar a natureza e a complexidadc dos dados sobre estilo de vida. Mais especificamente,
Assim, hd pclo menos tres boas razoes pelas quais deve haver complementos de bens nao Lemos ;i leoria neccssiria com a qual capiurar a natureza inter-relacionada dos
156 CULTURA & CONSUMO UNIDADES DIDEROT E EFEITO DIDEROT 157

lenomenos de estilo de vida. for^ado a tirar significado cultural de um novo bem (isto 6, a vestc) enquanlo portador de
Pode-se, de fato, argumenlar que grande parte da mctodologia c da teoria tormulada significado privilegiado. e tornar iodo o restante de suas posses consislente com ele.
para o estudo do estilo de vida tem figurado como uma barrcira posi- Liva il comprecnsao Normalmentc, contudo. o efeito Diderot trabalba para preservar a significant) cultural do
da natureza inter-relacionada destcs fenomenos. Metodos e leorias convencionais tern o conjunto existente de bens, e para barrar a entrada de bens como o “intruso escarlate" de
ironico efeito de negligenciar e frequentcmente de fragmentar a unidade dos dados. Este 6 Diderot. Com efeito, se Diderot livessesido regulado pela opera?3o convencional do efeito
precisamente o efeito, por excmplo, da metodologia AIO (isto 6, Atitudes, Interesses e Diderot, ele nunca teria usado a nova veste, escrito “Regrets on parting my old dressing
Opinioes) que ainda 6 extensa- mente utilizada. Centenas de detalhes da vida e da gown", ou tido seu nome usado para os presentes objetivos de nomenelalura.
experiencia do entrevistado sao fisgados pela rede AIO, mas o mfitodo torna impossfvel 0 que e. entao, o efeito Diderot? Ele opera de ires formas. Em sua manifesta- 9&o mais
avaliar sua interconexao e peso relativo. As pe?as do estilo de vida s3o obtidas deuma constante, ele trabalha para prevenir que um estoque existenle de bens de consumo seja
forma que gar ante que sua unidade ficard completamente obscurecida ao olhar analftico. invadido por um objeto que carregue significado cultural in- consistenle com a do todo. Em
De modo b'pico, 6 o analista quern tenta juntar as pe(;as disparatadas dos dados, uma segunda modalidade, mais radical, ele opera como o fez no caso da veste de Diderot,
especulando sobre os prinefpios que as unificam. para for^ar a cria?ao de um novo conjunto inteiro de bens de consumo. Em uma terceira
Parece que import antes ferramentas mctodol6gicas para capturar as unidadcs do estilo atua?ao, o efeito Diderot 6 deliberadamente manipulado, explorado pelo individuo com
de vida estao sendo agora desenvolvidas e mais extensamcme adotadas no campo da objetivos simbdli- cos. Deixe-nos examinar cada uma dcssas formas por vez.
pesquisa do consumidor.24 0 que nao 6 tao 6bvio 6seo nccessario trabalho te6rico foi
empreendido. Com as distintas excc^oes de academicos tais como Assael, Holbrook, Moore O EFEITO DIDEROT:
e Solomon, nao ha virtualmenie nenhum traba- lho realizado nesta drea. Isto 6 IMPLICATES PARA A CONTINUIDADE
particularmente estranho quando sc compreende que foi precisamente para capturar padroes
Em seu modo convencional, o efeito Diderot protege os indivfduos da intrusao de objetos
unificados de dados que o conceito de estilo de vida foi d esen vol vido a prinefpio.
desestabilizadores em suas vidas. Protege-os de qualquer objeto que traga idfiias
Deixe-nos iniciar esta pesquisa com a compreensao de que as unidades de estilo de radicalmente novas i sua experiencia e ameace remodelar esta experiencia de acordo com
vida sao, cm parte e pclo menos, unidadcs Diderot. Podemos captura-las utilizando teorias seu pr6prio “piano de a?ao”. Nesta medida, o efeito Diderot contri- bui para a miuiulcn?ao
cstruturais do significado. As coisas andam juntas por causa de sua consistencia cultural das consislencias culturais do mundo material e, indireta- menle, para as continuidades da
interna. Os produtos trafegam em complementos por- que a cultura lhes con fere as mesmas experiencia e do autoconceito dos indivfduos.
propriedades simb61icas. Essas teorias da cultura podem ser usadas para er.tender o cardter
inter-relacionado do estilo de vida. Uma compreensao das unidades Diderot ajuda a
csclarecer os tijolos que constroem um estilo de vida. Uma comprecnsao do efeito Diderot
ajuda a escla- recer como esses tijolos man tem sua consistencia interna.
Da maneira como 6 atuaimente conduzido, o estudo do consumidor sobre estilo de vida
e quase que puramente empfrico. Observamos que hA feixes de atitudes, atividades, bens
deconsumo epadroes familiares, e estamos preparados para rotular e descrever estes feixes
como estilos de vida. Mas niio dispomos de um meio sistemAtico para compreender por
que os conteudos desses feixes andam juntos, e isto porque nao temos nenhuma teoria
acerca da natureza da unidade e nenhum senso sobre o prinefpio Diderot que parece
protege-la. Ha, talvez, algo a aprender com a especula^o de um csplendidamenle adornado
Sr. Diderot.

O EFEH’0 DIDEROT: COMO FUNCIONA


Para propositos formais, o efeito Diderot pode ser definido como “uma for?a que estimula o
indivfduo a manteruma consistencia cultural cm sua complementaridade de bens de
consumo”. Em seu ensaio “Dressing Gown”, Diderot nos apresenta o efeito Diderot sob
uma forma ins61ita e, portanto, especialmente conspicua. Nesta ocasiao. Diderot se viu
158 CULTURA & CONSIIMO UNJDADEÎ DIDEROT E EFEITO DIDEROT 159

As posses que pertencem a um individuo constituem o correlativo objetivo de seu Hâ, claro, um qucbra-cabeças aqui. Como a força que normalmenle preser- va uma
mundo emocional. Figuram como uma substancia^o dcsle mundo, prova de sua veracidade, complementaridade de produtos subitamente se convene no agenie de sua transformaçâo?
demonstrafiio de sua realidade. Como coloca Robert Hass, cm uma poema iniitulado Por que o efeito Diderol muda de uma força conservadora para uma inovadora?
"House”-. A resposta a esta questüo se concenlra na natureza especial de certos atos de compra c
“I am conscious of being de cerias categorias de produto. Aparcntemente, iıâ determinadas aqui- siçöcs nas quais os
Myself the inhabitant indivfduos fazem o que 6 hs vezes chamado de compra por “impulso" (Kollat e Willett
Of certain premises: 1967; Rook e Hoch 1985). Este conceito se revelou problcmâıico, e ao seu redor diversas
Coffee & bacon & Handel questoes ainda se revolvem sem resposta. Alguns definem a compra por impulso como
& upstairs asleep my wife.”23 aquela que nâo 6 planejada. A difi- culdade com esta definiçâo e que 6 possfvel argumentar
(1973:54-55) que o planejamento na verdade ocorreu, mas o fez abaixo do limiar da clareza consciente.
Uma outra definiçâo du compra por impulso a Grata como a aquisiçâo que nao apresenta o
Hass esti certo em sugcrir que as premissas da cxistencia de alguem sao câlculo usual de custo e beneffeio. De acordo com este esquema, o consumidor
inevitavelmente as premissas da cxistencia de algo (c vice-vcrsa). Rodeado por nossas normalmente age com perfeita racionalidade, cuidadosamente calculando o que gaııharâ e
coisas, estainos constantementc instriudos acerca de quern somos e do que aspiramos a ser, perderâ em cada transaçâo. Quando esta racionalidade 6 subitamente “abandonada” (como
Rodeados por nossas coisas, estamos proiegidos de muitas tor- fas que 110s desviariam na compra de um carro esportivo quando se buscava uma station wagon), a aquisiçâo e
para novos conccitos, priiticas c experiencias. Essas for- Qas inclucm nossos pr6prios atos declarada uma “compra por impulso”.26 Mas esta clclıııiçao 6 sujeita a uma objcçao similar:
de imagina^ao, as construcoes alheias, o cho- que de uma iragCdia pessoal, e o simples que a decisâo por impulso c uma deci- sâo racional processada em um nfvel
esquecimento. Como sugeriu Arendt, as coisas sao o nosso 1 astro. Elas nos estabilizam, suficientcmente profundo para que nâo pos- samos perceber o que a faz sistemâtica c
lembrando-nos de nosso passado, tornando este passado uma parte virtual substancial de prcvisfvel. Em qualquer um dos casos, hâ bases para duvidar - e. assim, para corromper o
nosso presente. conceito - sc hâ alguma coisa genuinamente “impulsiva” na compra por impulso.
O efeito Diderot fun ci on a para preservar a fun?ao de fazedores-de-continui- dade Talvez seja mais util, para os presentes propûsitos, chamar esta categoria de açâo de
das coisas, providenciando para que nenhum iniruso, ninguem que as desdiga, nenhuma re! “compra divergente’,.’. Para idenlifioar a compra divergen te, e necessârio apenas deler-
6rica de outros significados sejam autorizados a deslizar para deniro da experiencia de um minar se o consumidor se desviou de seu padrâo usual de consumo, a cargo daunidade
indivfduo e a sugerir novas possibilidades, como a veste de Diderot fez com ele. O efeito Diderot. Qualquer compra que nâo tcnhaprecedentcs entre os complementos cxistentes de
Diderot ajuda a nos proteger de chegadas virulentas quepossam infectar a economia bens de consumo se qualifica como um ato de compra divergente. A questao que surge,
dom6sticacom novas eperigosas nofoes. Ajuda a nos proleger de um presente “cavalo-dc- eııtâo, 6 o que move um consumidor a fazer uma compra divergente.
tr6ia” qUe traga nossas vidas significados sediciosos que assumirao o controle furtiva e
Fat orcs lais como anûncios sofisticados, merchandising, desenvol vimento dos
sagazmenie. Se as coisas da vida de um indivfduo ’bidam corstantemente a retom ar esta
produtos, e design podem servir como estimulantes para a compra divergente (Rook c Hoch
vida a ela mesma. a trazS-la de volta a si, eniao C o efeito Diderot que trabalha para mante-
1985). Claramente, amaquinaria do marketing irabalha constante- menle para iıısügar
las capazes de assim faze-lo, assegurando que somentc os signos mais puros e cristalinos se
“compras divergentes” e este c um ponlo ao qual retomaremos abaixo. Mas 6 tambern
achegarSo As nossas posses.
verdade que o efeito de deslocamenlo disculido no capilu- lo anterior lem a conseqtiencia
de encorajar esta categoria de compras. Quando o indivfduo estâ procuraııdo por um
O EFEITO DIDEROT E A TRANSFORMA^AO DA esconderijo seguro para seus ideais, o bem de consumo apropriado serâ freqiientemente um
COMPLEMENTARIDADE DE PRODUTOS que nao exista em sua atual complementaridade de produtos. Um indivfduo tamb6m pode
Quando o efeito Diderot alua como o fez no caw de Diderot, sob sua fomia radical, lem ser lev ado a uma
conseqiiencias completamente diferentes. Aqui ele tern o poder de iransformar total- mente
a existencia de algufim. A partir do momento de sua introdu?ao, um novo bem come^a a
demandar novos bens acompanhantes. O indivfduo queconsenle com a pri-
meirademandadescobrequeestadseguidaporcentenasdcoutras. Abuscaporconsis- lencia,
força mod vadora do efeito Diderot, 6 iıısaciâvel. Nâo se satisfaz at6 que lodos os bens
acompanhantes ao seu redor tenliam sido substitufdos por novos que sejam, por assim
dizer, “macacos de imiuçâo”, que homenageiam seu mestre anemedando-o.
160 CULTURA & CONSUMO UNIDADES DIDEROT E EFEITO DIDEROT 161

compra di vergen te por novos evcnlos e circunstancias. Sua coordcnadas de suas cxpcriencias e contemplar outros mapas total meme diferentes. Outros
progressao ao iongo do ciclo de vida, a mudan^a de um emprego vao al 6m da simples contemplaijao e fazem cotn- pr;is divergenles na csperan<;a de que
esses novos bens acionitraii lima profunda transformagao em suas compiementaridades de
para outro, um divorcio, perdas pessoais c todos os lipos de
produtos e em suas vidas. Estes indivfduos sao os bricoleurs do mundo do consumo,
transtornos podem funcionar como novos contexLos nos quais a constantcmente adotando elementos de significado que se tomam disponiveis para elcs e
compra divergenie parece plausivel e, talvcz, a:6 mesino obrigatoria. acolhendo-os em novas configurates. Eles esperam que uma nova compra - um cachimbo,
Mas uma das maiorcs oportunidadcs para o surgimento de um efcito um rel6gio ou um carro - opere uma revolta no interior de suas compiementaridades <le
Diderot radical & o recebimento de um presente. Isto 6, claro. produtos. Sua csperan^a e de que tai revolta transforme seu mundo material e seu self,
precisamente o qne ocorreu na vida de Diderot. A veste radicalmente conferindo a ambos propriedades simb61icas inteiramente novas. Em uma cultura que
desestabilizadora nio foi compraila, mas gaiihada. "Presenies acrcdila que existc um “eu inteiramente novo” a ser descoberto em op^oes de consumo
divergenles” sao. portanto, uma catcgoria importantc a ser ainda nao experimentadas, esta tentativa deliberada de cxplorar o efeito Diderot 6 uma
possibilidade poderosamente apelativa. Da um pouco a medida do individualismo e do
considerada aqui. Argtimenia-se agora (McCracken 1983a, Schwartz
cariter fmpar das sociedades ocidentais modemas o fato de que acionemos voluntariamente
1967) que os presenies sao freqiienlementc ofcrtados com o objetivo em nossas vidas uma for?a t3o poderosamente transformadora e tiio polencialmentc
conscicnte ou in- consciente de manipular o receptor. A inten?ao 6 a alienante.
de que o presente aporte novos significados a complementaridade de
produtos do receptor, para que at atu- em sub-repliciamente como O EFEITO DIDEROT E O MOVIMENTO ASCENDENTE DA
novos pad roes de consumo. 0 doudor do presente espera que uma EXPECTATIVA DO CONSUMIDOR
transformafao desta complementaridade for jar A uma traiisfor-
E possfvcl que exista uma versao “rolante" do efeito Diderot. Nesta versao, o efeito atua
ma^ao daquele que 6 sei; dono. O.duador do presente espera que um por incrementos, pressionando o nfvel de expansao constantemente para cima. 0 efeito
efeito Diderot radical v;i precipitai-se sobre a vida do receptor. Diderot rolante tern as seguintes caracteristicas. Quando um indivfduo faz uma nova
Como uma ultima questao, vale perguntar se hfi categorms especilicas de bens que aquisifao em qualquer categoria de produto, ele se des- cobrc (quando o salSrio permite)
sejam especialmente suscitadoras de oportunidades para compras divergentes. Seriam comprando no topo de sua complementaridade de produtos, ou talvez um pouco al6m.
algumas categorias de bens de consumo especialmente boas em se esgueirar por entre as (Constraiigido pelo efeito Diderot sob sua forma convencional, ele tenderia a ficar dentro
defesas do efeito Diderot, invadindo a complementaridade de produtos e conduzindo-a a dos limiles de sua complementaridade existente, mas dirigido por estfmulos de marketing
uma rebeliao interna? Teriam os carros, o vestuSrio, os equipamentos de entretenimento, o ele se al?a alcm dela), O bem assim comprado pode, enl5o, atuar de acordo com o efeito
mobiliario ou os cosmelicos uma especial habilidadc nesta area? Teriam alguns bens um Diderot sob sua forma radical, for?ando as coisas ao seu redor a se conformarem com seu
potencial Diderot mais radical que outros? Tenderiam alguns grupos sociais a adotar certos tom elevado. 0 bem divergente exerce uma esp6cie de for?a gravitacional sobre seus
bens ou, mais especificamente, cerias marcas, como sen bem divergente de cscolha? Nao hi comple- mentos, de modo que quando a compra seguinte 6 feita, 6 escolhida de modo a se
pesquisa nesta Srea.21 combinar com o tom da compra anterior. Deste modo, toda a complementaridade de
produtos, con forme 6 substitufda pe?a por pe?a, vem a se alinhar h primeira compra. Uma
O EFEITO DIDEROT E A EXPERIMENTACAO PESSOAL Em Lucky Jim, vez que cste estdgio 6 alcanpado, uma nova compra divergente pode ser feita e o ciclo se
Kingsley Amis descreve um homem chamado “Beesley” e seu “curvo cachimbo niquelado, rein i ci a novamente.
ao redor do qual ele estava tentando cxercitar sua personalidade, como uma trepadeira se Esle 6 o efeito Diderot rolante sob sua forma passo a passo. Ele pode. entre- tanto, sc
enroscando treli^a acima” (1954:33). Esta e uma observafao romanesca do terceiro modo manifestar sob uma versao ainda mais dinamica, “espiral”. Sob esta forma espir;tl, o efeito
pelo qual o efeito Diderot opera em ccrtas vidas. Aparentemcnte. alguns indivfduos violam Diderot atua em coda compra, conduzindo os complemcn- tos sempre para cima. Nesta
alegremcntc o efeito Diderot, e buscam constantementc bens de consumo nos quais residam versao, cada nova compra 6 posicionada acima da anterior, de modo que nunca hd um
significados polencialmentc disruptivos. Elcs o fazem como parte de um proccsso de periodo no qual a complementaridade pode ser “fisgada” por completo a partir da compra
experimenta^iio pessoal, no qual novos conceilos de si c do mundo sao contcm- plados, divergente inicial. Neste padrao, cada compra compoe um novo modelo, o qual 6 repudiado
testados, adotados ou dispensados. Para estes indivfduos, a compra divergente 6 pela compra seguinte, e o coiisumidor fica preso em uma espiral sempre ascendcnte de
experimental, constitui uma oportunidade para tirar liccn^a momenta- nea do mapa de consumo.
162 CULTURA & CONSUMO
UNIDADES DIDEROT E EFEITO DIBEROT 163

O EFEITO DIG EROT E O EFEITO DE CATRACA subordinado expresso no mundo material, a unidade e o efeito Diderot podem
funcionar como uma espdeie de jaula.
Sob suas formas radicais e rolantcs, o eicito Diderot tern claramenle implicates de
"cairaca” p ; ira as despesas consumistas. Elc contribui para conduzir o padrilo de Mas as unidades e os efeitos Diderot podem ser lambdm mecanismos que ajudam
consumo ascendentemente e para evilar urn movimento descendente de relorno. E este a transform ar uma vida, tornando-a irreconhecfvel. Fazem-no quando atuam, como no
poder de funcionar como uma cairaca que ajuda a explicar a queixa comum cntre os caso da nova veslc de Diderot, para exigir que cada bcm de consumo na
consumidores de que o padrao de consumo parece sempreexceder o poder de compra, complementaridade de produtos seja substilufdo por outro. Isto lam- b6m tern
mesmo quando este poder conlinua a aumentar progressivamente. Reclam amos que implicates eslranhamente oposlas. Quando alguem meramente deseja, como Diderot,
nao hi satisfagao em obtcr urn nfvcl de consumo que. apenas um ou dois aiios airis, ser deixado S sua presente defini?ao do mundo e ao seu senso familiar das coisas, o
considerSvamos que nos faria alegremente exultantes. Tao logo cstabclecenw&esie efeito Diderot radical e destruidor c alienante. Contudo, para aqueles que se sen tern
nfvel, nos descobrimos aspirantlo a um nivel aincla mais allo. aprisionados (ou apenas limitados) por seu niainslream epor seus prdprios
autoconceitos, o efeilo Diderot 6 uma especie de presente, um modo de gerar as
Scitovsky (1976:152) explicou csteproccsso como um artefato de nossa confu- s3o
autodefini^oes pel as quais se aiiseia. Sob sua forma mais benig- na, o efeilo Diderot
entrc o conforlo e o prazer. Nfveis mais c mais clevados de consumo sao vislos como
carrega o potcncial para a continuidade em face da ruptura, e para a libera^ao em face
os loci do prazer , quando na realidade ofercccm apenas um conforto enior- pecido e
da opressao. Sob sua lorma men os benigna, carrega o potcncial para o rompimenlo
cniediaiite. Estamos inevilavelmenie infelizes e busciuido os novos prazc- res
com o familiar, e para o refreamento do oprimido. Para o sistema de marketing, as
prometidos por mais consumo, someiitcpara liciirmos mais uma vez desapo nta- dos.
implicates tamb6m siio notdveis e, aqui lambdm, dualistas. A unidade e o efeilo
Esla brilbaiitc descri<;iio deve expliciir piirte das insalisfafoes e do padrao cairaca da
Diderot podem funcionar como uma oportunidadepara mudar gostos e preferencias e
“economia sem alegria", mas taivez sejn tamb6m verdade que somos inclinados a
gerar novos padroes de consumo. Uma vez que o consumidor tenha sido persuadido a
consumir insatisfafOes porque somos cativos do efeilo Diderot. Este efeito, sob suas
fazer uma compra diver- gente initial, Iodo um conjunto de compras bem pode sc
formas radical e rolante, proibe a obten^ao da satisfafSo no consumo. Insiste que tai
seguir. Os esfor^os do marketing da decada de 50, por exemplo, pareccm ter criado
coisa nao existe, a suficiencia de bens, uma complemcntaridade de produtos que uma
padroes de consumo nos quais cada compra superava a anterior e o consumidor se
vez obtida pode ser considerada acabada. As vezes siio vestes, Jis vezes s5o carros, is
afastava deli- raiiiemente de um senso familiar das coisas com cada nova aquisi^ao.
vezes um novo cachimbo, mas continuamente admitimos objetos cm nossas vidas que
irao modificar radicalmente o conjunto de nossos complementos de produtos, e nos Mas tiuiib^m 6 verdadeiro que o efeito Diderot pode atuar para isolar o
forpar na dire^ao de novos nfveis de gasto. Em detenninados momentos, alcaiifaremos consumidor das influcncias do marketing. Isto ocorre quando as unidades e os efeitos
neste processo um nfvel de gasto que nos trard uma nova ielicidade. Mas, tao Diderot esii- nnilam um padrilo de consumo consisiente c imutSvel. 0 indivfduo
I'reqtienlemenlc quaiuo, 6 provivel que terminemos como Diderot, rodeados por uma plenamente gover- nado pclo efeilo Diderot, plenamente calivo das unidades Diderot.
nova.complement;iridade de bens que nao ciirrcga nc- nhuma relafiio nccess<iriaconi eslA seguro mesmo cm rela^ao is mais astutas e sofisticadas lentalivas de encorajar
nossos conccilos de. selfc do mundo. 0 efeito Diderot, sob suas formas radical c novos padroes de com- pra. Este indivfduo, deliberadamente ou niio, 6 simplesinenle
rolaiite, pode nos alien;ir de n6s mesmos. impenetravel.
Em suma, as revela?0es do esludo de Diderot tern certa utilidade para o estu- do
do consumo. Elas sugerem que as posses de cada indivfduo tern uma consis- tencia
CONCLUSAO
interna derivada de seu significado cultural. Sugerem ainda que a complementaridade
A unidade c o efeito Diderot siio curiosos fen omen os culturais. Paia o consumi- dor de produtos e governada por um efeito que funciona ou para preserv ; ir seu
individual, possuem implicates lanto conservadoras como radicais. Podem ajudiir a significado cxistente ou para transform^-lo radicalmente. As uni- dades Diderot e o
conservar a vida, protegendo-a da mudanga e da ruptura. Fazcm-no substanciando efeito Diderot merecem um lug ar no inventdrio de id6ias de que agora nos utilizamos
pensamentos c cmo^oes intcriorcs, fornecendo-lhes um 1 astro. Isio 6 algo muito para compreender as propriedades culturais do consumo. Promctem laii?ar luz bem
positivo quando o indivfduo 6 vflima de uma tragedia pessoa) c subitamente vulnerivel al6m do estudo do Sr. Diderot.
a novas defini^oes do self. Mas 6 clarainentc men os positivo quando o indivfduo se NOVE
descobre membro de um grupo dtnico, racial, religio- so ou de genero que lhe impos
um conjunto de autodefinifoes estereotipadas e subordinaiites. Para este indivfduo, a
gerajiio de continuidade proporcion ad a pel a unidade epelo efeito Diderot aprisiona-o
e frustra seus esforgos para seredelinir. Para aquelcs que encontram seu status
mudangas. 165
Consume, Mudança e Continuidade CONSUMO, MUDANÇA E CONTINUIDADE

As sociedades desenvolvidas ocidentais distinguiram-se como casos euiognificos


fmpares por sua submissao de bom grado mudan?a conlinua. Dife- renLcmente dos
munclos “tradicionais”, o Ocidente moderno fez de si mesmo, nas palavras de L6vi-
Slrauss, uma sociedade “quente”, compromelida por prinefpio ideoldgico com sua
BENS DE CONSUMO E HISTÖR1A propria Lransforma^iio atravfis da contfnua mudan^a (1966:233). Ainda nao foi
Os bens de consunıo e o comportamcnio desempenharam diversos c insuspeitos papdis suficientemente quesLionado exatamente como o Ocidente moderno se gerenciou com
nas ıraıısformaçöes em andamento no mundo moderno. De fato, sugeriu- se que o tan to sucesso para desafi ar precedentes emogrdfieos c sobreviver face a esta conlinua
primordial e decisivo comprometimento do Ocidente com a mudança c on tin u a mudan^a. Tampouco se perguntou o bastante como o Ocidente sustenta seu
derivou-se cm parte de sua inclinaçao por gostos de consumo mutâvcis. “Pode ter sido comprometimento com a mudanga quando formas conservadoras parccem predominar
apenas por coincidencia que o futuro que deveria pertencer as socieda- des tenha sido com tai autoridade cm toda parte nas comunidades human as.
volûvel o bastante para se importar com a mudança d:is cores, dos materiais e dos Parte das respostas para ambas estas questoes reside na rela^ao enlre os bens de
modelos das vestimentas. lan!o quanto com a ordem social e com o mapa do mundo - consumo com os quais o Ocidente moderno est;i lilo preocupado e a conn'nua mudaiifa
socicdades, is to e, que estavam prontas para romper com suas tiadi- çöes? Hâ uma com a qual ele precisa lidar permanentemente. Os bens sao, nas palavras de Sahlins,
conexao af, (Braudel 1973:323)" um “c6digo-objeto” (1976:178). Eles estabelecem uma mfdia na qual o significado
cultural pode ser manipulado de maneiras variadas. Os bens conslituem uma
Se os bens de consumo foranı importantes nas origens e nos desenvolvimen- tos
oportunidade para uma comunidade expressar e contemplar o significado cultural em
modernos da sociedadc ocidental, perinaneccm importantes para sua presente estrutura
uma mfdia outra que nao a linguagem, epara fazer isso de uma maneira que
e operaçâo. Os bens de consumo, carrcgados de significado, sâo objetos notörios no
positivamente corrobora tanlo para a reforma quanto p<ira a preservagao deste
processo de aııtotransformaçilo com o qual o Ocidente estâ compro- nıetido. Sâo
Significado. Os bens, enquanto “c6digos-objelos” de Sahlins, permitem que o
importantes e ubfquos agentes da mudança e da continuidade. NSo obstante, irabalhos
significado seja tornado visfvcl e que seja usado eomo um agenle de mudaiiya e de
academicos que a ten tem para a relaçao enire bens de consumo e mudança sâo
continuidade. E por causa destas capacidadcs que os bens fiin- cionam como meios
escassos. De modo ainda mais problemâıico, inexiste um es- quema teörico capaz de
pelos quais a conlinua mudan^a das sociedades desenvolvidas ocidentais e ao.mesmo
prover uma perspectiva geral a partir da qual se possa estudar esta relaçâo. E o objetivo
tempo encorajada e tolerada.
do presente capftulo começar a conslruir tai esquema.
No capftulo 5 deste livro, busquei dcscrever as origens, a estrutura e o movi-
niento do significado cultural carregado pelos bens de consumo. Resta, aqui, mostrar a OS BENS COMO INSTRUMENTOS DE CONTINUIDADE Como um
qualidade dinânıica deste significado. Os bens conslituem um versâtil instrumento de instrumento de continuidade, os bens funcionam em duas capacidades. Uma delas 6 o
manipulaçâo do signiilcado c ttm dos meios pelos qttais a socie- dade ao mesmo tempo “lastro” que eles criam quando se prestam a ser um registro publico e concrcto das
inicia a mudança social com a qual estâ compromclida por necessidade e por propösilo, caiegorias e principios existentes que conslituem a cultura. A outra 6 o modo pclo qual
c sobrevive a el a. os bens geram um "c6digo-objeto” que absorve a mu- daii?a e ajuda a configuri-la de
H5 algo mais em questao aqui, contudo, que uma mclhor compreensâo das acordo com os termos existentes sancionados pela cullura. Deixe-nos desen vol ver as
propriedades culturais e comunicativas dos bens de consumo. O estudo da relaçâo entre duas abaixo.
bens de consumo e mudança social contribuirâ, tamb^m, para uma in- vesıigaçâo por
muito tempo negligenciada da complexidade estrutural plena do sistema social norte-
americano. Braudel sugere que o Ocidente moderno podc ter se originado em uma
atilude peculiar em rela^So aos bens de consumo. Este capiLuloesta preparado para
sugerir que estas rela^oes permanecem nos dias atu- ais. Pode-se argumentar que o que
sustenta o Ocidente em sua extraordiniria experimentatjao da mudan^a social podc
consistir, em parte, no seu uso dos bens de consumo como instmmentos de mudanga c
de conLinuidadc. Os prdprios obje- tos que Braudel sugere ter nos ajudado a nos lanfar
a uma carreira de mudan^as inconsequcnlcs c constantes podem na verdade ser
importantes instrumentos no processo pelt) qual n6s sobrevivemos a estas mesmas
166 CULTURA & CONSUME CONSUMO. MUOANVA E CONTINUIDADE 167

Os objetos de consume sao parte do que Douglas e Isherwood chamarani “parte significados deste perfodo agora profundamente estraiiho. Neste processo, ela forneccu Ji
visivel” da culiura (1978:66). Eles ajudam a d;ir ils iddias da cultura, que s2o por sua culiura dos anos 50 p;ir- tc dos seus pressupostos lidos como certos, parte das suas
prdpria natureza intangiveis, uma ceriaconcretudc. Quando acultura 6 concreiizada sob a reivindicagoes de ser o unico meio sensfvel de ver o mundo. Se estivessemos diariamente
forma de objetos de consumo, torna-se mais estavel e con- sistentc. E removida, nas cercados por essas coisas, o mundo peculiar dos anos 50 comefaria a parecer plausfvcl
palavras de Miles Richardson, “do lurbilhao e do lluxo de opinifies. atitudes e id6ias’’ e agora como o fora entao. Teriamos provas concretas, sensoriais, do que sao agora ape- nas
lhe 6 conferida uma nova substancia e autoridade (1974:4). Em outras palavras, os bens ideias frageis e improviveis.
criam uma espdeie de lastro que atua contra o redemoinho cultural. Era com cstc aspccto Assim. os bens de consumo servem a cultura de um mo do pert'eitamente conservador.
dos bens que Arendt estava pre- o cup ad a quando nolou que “as coisas do mutido tern a Parte do poder deles, neste senlido, adv6m da natureza de seu simbolis- mo. Como
l‘un?ao de estabilizar a vida humana”.(1958:137).' observamos no quarto capflulo deste livro, os objetos difercm da linguagem na medida em
Os bens de consumo sao capazes de realizar este milagre pela cultura porque. como que manlem uma rela^ao “motivada” e “nao-arbilrSria” com as coisas que eles significam.
notamos no capitulo 5, clcs capturam as categorias e os prinefpios da culiura de uma forma Os signos lingiifslicos estiio bascados na simples diferenfa c carrcgam muito pouca
que os torna sempre presentes e convincentes de uma nova maneira. Ao exisur nos bens, a semclhati^a com as coisas que eles significam. que falamos deles como sendo “nao-
cultura passa a ser vivida em toda a parte no mundo material. Para qualquer urn lugar que molivados” e “arbitririos''. Mas os objetos de consumo nos permitem vislumbrar a base de
se olhe, em qualquer coisa feitapelo homem que se toque, ludo o que sc vc <3 formulado sua signifioagao. Exibem os prinefpios de acordo com os quais eles foram constitufdos.
de acordo com categorias c prinefpios culturais. Nos bens, a cultura se faz ubiqua. Sao anexados ao registro das coordenadas culturais de acordo com as quais eles c os
Mas os bens sao algo mais alCm de urn mero sinal diacrilico dacultura. Fazcin mais conceitos que eles significam foram formados.2
do que apenas exibi-la. Eles sao, de fato, muito semelhantes a urn anuncio. Buscam nao Esta caracterfstica dos objetos lhes confcrc uma extraordiniria rclcvanciapara o estudo
somente descrever, mas tambdm persuadir. Quando a cultura transparece nos objetos, do mundo dos bens. Saber que os bens carregam esses prinefpios culturais e comcfar a
busca se t'azer aparentar inevitavel, surgindo como os unicos termos nos quais qualquer entender como eles servem como uma espdcic de quadro no qual o significado deste uni
um pode constituir seu mundo. A cultura usa os objetos para convencer. verso cultural 6 inscrito. Bens dotados de prinefpios tern uma capacidade performativa
Grupos que desejam relormar a sociedade, mudar a cultura, sao com freqtien- cia (Austin 1963; Tambiah 1977). Sao capazes de cri- ar ou por em a?ao pressupostos c-cren?
impotentes contra este aspecto conservador dos bens. Grapos radicals podem disputar com as culturais. Conferem-lhes uma realidade, uma faclicidade. aquilo que Douglas e
sucesso os prinefpios politicos e sociais nos quais esta bascada a sociedade. Mas revela-se Isherwood chamariam de uma concretudc que de oulro modo nao tcriam. O cardter
muito mais di ffeii romper com amigos idea is a partir ilc seus mais seguros e talvez mais performativo dos bens signi- fica que eles podem incorporar de modo visivel certos
persuasivos loci, os objetos fisicos do mundo material. Por exemplo. seguramente em parte dogmas da cultura. Aqui lambem os bens podem ser vistos como assumindo uma
por causa da.profundidade.com a qua! esta sociedade uiscfeveu as categorias c os significado “hegemonica” (Thompson 1974:387). Podem se introduzir como portadores de
prinefpios culturais de “masculi- nidadc” e “feminilidade” no eddigo objeto e no mundo significado na retdrica da persuasao com a qual um grupo conquista a obediencia de outro.
material que e tao diffcil lidar com o problema do sexismo. Sc o sexismo persiste e de fato Esta significado 6 tomada ainda maior pelo l'ato de que os bens comunicam seu
ate mesmo contintia a ilorescer, deve scr em alguma medida porque, como nolou Goffman significado sotto voce.3 Isto faz deles um meio especialmente eficaz e sub-repticio para a
tao brilliaiiLemenle em Gender Adverlisemenis (1979). es'.eredlipos sexistas cs- tao comunicaçâo de certas mensagens polfticas potencialmente controversas. Comunicadas
profundamente enraizados mesmo nos detalhes mais sutis da vida cotidiana e do cbdigo atravâs dos bens, essas mensagens sâo cm grande medida oculta- das da percepçâo
objeto. E devido a esta capacidade que o signiticado nos bens assume uma significa^ao consciente do receptor (McCracken 1982b). Elas, nâo obstante, entram naconsciencia, para
hegemonica. at fixar residencia e exercer sua influencia. Por exem- plo, mensagens que s3o
Materials culturais produzem cultura material. Eles a torn am palp^vel, presente e comunicadas desla maneira sub-reptfcia sâo capazes de persuadir uma classe inferior de
ubiqua. Para emprestar a par^frase do pocta Hass, quattdo a cultura sc insinua na nossa sua “indignidade” sem se apresen tar sequer uma vez â luz de um escruttnio pleno. As
paisagem ffsica, na nossa moradia e em scu mobilifirio. as pre- missas de nossa existencia mensagens carrcgadas pclos bens de consu- mo ajudam a minimizar a possibilidade de um
sao tamb6m as premissas de nossa existencia. Ideolo- gia e mundo material sao uma coisa exame mais de perto, de uma compreensao consciente e de uma asserçâo contrâria.
s6. A segundacapaciciadc dos bens 6 a de servir co mo um “cödigo-objelo” estabilizador,
E esta ligafSo poderosamente persuasiva entre id6ia e realidade que explica nossa atraves de sua habilidade em “desarniar” ccrtas inovaçöes e dimi- nuir seu po ten ci a I
dificuldiide em vislumbrar as realidades de nossos ancesirais. Mesmo os prdximos anos 50 enquanto agentes de mııdança. 0 uso do vestuârio e do mobi- liârio residencial para formül
agora nos parecem um tempo profundamente diferentee, em muitos aspectos, quase ar e anunciar uma nova icientidade social por parte de grupos insatisfeitos 6 o caso nıais
inimagindvel. Parle de nossa dificuldadc devc-se sim- plcsmcnte a nao vivermos no notâvel em questao aqui. Na busca da redefiniçâo, esses grupos sâo, potencialmente, os
mundo dos botoes tie pressao, dos carros rabos-dc- peixe. dos cinzeiros assimelricos e <la agentes de mudanças sociais altamente deseslabilizadoras. Eles uesafiam as conveııçöes de
sociabilidadc Tupperware (Hine 1986). Esta colepao de objetos emitiu c conduziu os acordo com as quais as categorias cumrais fie pessoa sâo definidas. E normalmentc o caso,
168 CULTURA & CONSUMO CoNSUMO・ MUDANÇA E COKTINUIDADE 169

con- tudo, que esses grupos deem voz a seus protestos atravds da disıribuiçâo estrate- gica Quando a adolescencia cmergiu cnquanto unidade plausfvel ııa calegorizaçâo da idade
das propriedades simbölicas dos bens de consuino. Ironicamentc, e justa- mente esta parte (Giliis 1981:133), ela exigiu signos para sua significaçîio. O cödigo-objeto no qu;ıl as
do protesto social que ajuda a desfazer seu potencial para desestabiiizaçâo. O cödigo- categorias de idade existeutes estavam codificadas respondeu simplesmente se cxpaııdindo
objeto funcionacomo um conjunlo dinânüco, aberto, que pode ser rearranjado para a fim deincorporâ-la. Uma mudançaem categorias culturais foi aceita dc tal maııeira que o
acomodar o crialivo simbolismo de produto dos grupos sociais emergentes. Como sistema mais âmpio decategorias conlinuou a ser representado sem perda ou rompimenlo
colocaSalilins, o cödigo-objeto atua como um conjunto aberto, scnsfvel a eventos os quais de significado. Os bens de consumo ajudar;ım a anunciar e a modelar esta nova categoria
ao mesmo tempo orquestra e assimila, produzindo versöes expandidas de si mesmo” cultural de idade e a conferir-lhe um lugar coerente em um conjuııto maior de categorias.
(1976:184). O vestuürio, em particular, constitui-se como uma oportunidade para declarar a exislencia
Quando “hippies", “punks”, “gays”, “feministas”, “jovens republicanos” e outros desla nova categoria de um modo que demonstrou o fato e a natureza da relaçâo para o
grupos radicals usam os bens de consumo para declarar sua diferença, o cödigo de que se conjunlo m<üor de categorias. O vestuârio servin como uma mıdia coleliva de expressâo
utilizani os torna compreensfveis para o restate da socicdade e assimilâveis dentro deum na qual uma sociedade ins- creveu e, eııtiio, lez os ajustes para uma mudança cultural
conjunto maior de categorias culturais. Grupos radicais podem expres- sar seu protesto na fundamental.
linguagem dos bens, mas ao f;ize-lo, inevitaveLmente criam men- sagens que todos podem Âs vezes nilo sâü as categorias que eslüo sob a pressâo da mudança, mas os signos
ler. O ato de protesto e, por fim, um ato de participaçâo em um conjunto de sîmbolos e que as representam. Aqui tamböm o cödigo-objeto exibeuma certa fluidez e a habilidade
significados compartilhados. Abarcado peia cultura e por suas n-udias de comunicaçilo, o para persistir na comunicaçSo de importantes distinçöes culturais. O uso dos ciganos para
“ato” de protesto se tonia um ato de confomudade retörica. 0 uso do cödigo-objeto por significar categorias culturais de genero 6. talvez, o melhor caso em qucstüo (Schudson
grupos sociais radicais tem o efeito nâo-intcnci- onal de encontrar para eles um lugar no 1984). No começo do presente SĞCUİO, a distinçâo cultural enire iıomens e mulheres era
conjunto cultural mais amplo. expressa atravĞs de distinçöes de cödigo-objeto entre fumantes (homens) e nâo-fumantes
O cödigo-objeto tem, claramente, poderes profundamente conservadores. E capaz de (mulheres). Como as mulheres começa- ram a fumar, este simbolismo foi comprometido.
encompassar at6 mesmo suas pröprias divergencias. Pode torn ar inteli- gfveis atd mesmo O cödigo-objeto logo restabele- ceu a distinçâo entre homens c mulheres sob a forma de
elas. Quando grupos radicais usam os bens para expressar sua insatisfaçâo e sua nova uma nova diferenciaçâo, enire os ııâo-usuârios de filtros, queeram homens, e as usuârias de
identidade, convidam o cödigo-objeto a eri ar uma versâo expandida de si mesmo. Quando filtros, que eram mulheres. Preocupaçöes com a saûde levsıram os homens a mudar para os
este assim o faz, grupos radic;us, marginais e anömalos sâo assimilados no sistema. filtros, e a nova distinçâo simbölica foi compromelida tambĞm. O cödigo-objeto
respondeu com adistinçiio entre cigarros “fortes" para os homens e “fracos” p;ıra as
A mudança que ameaça as categorias culturais e sua representaçâo nos ben s ııâo 6,
mulheres. Esta distinçâo foi ela pröpria comprometida quando os homens comcçaram a
obviamente, sempre trabalho de um grupo social auloconsciente. As vezes Ğ o resultado
mudar para os cig;ırros ligin. Com este desenvolvimento, as propriedades fisicas nâo mais
de forças sociais que estâo a!6m do controle e da compreensâo dos atores sociais. Uma
puderam ser usadas para diferenciar os cigarros de acordo com o genero, c o iiÖciigo-
mudança desta ordem ocorreu quando a AmĞrica do Norte se deseobriu quase de repente
objeto passou a recorrer somente A diferença de imagens.
de posse de uma nova categoria cultural de idade: a adolesccncia. Neste caso, o cödigo-
Neste caso, a mudança social, sob a forma de uma traıısformaçao nas preocupa- çoes
objeto ajudou uma sociedade a ajustar as contas com este ııovo fenömeno, encontrando
com a saûde, apagou continuamente os signos com os quais sc prelendia expres- sâr a
meios para sua expressâo no simbolismo dos bens. Esta oportunidadc dc cxpandir o cödigo
distinçâo entre categorias culturais. Os cigarros usados para comunicıır a dite-
simbölico ajudou no processo de abcrlura do conjunto dc categorias culturais.

reııçîi enire homens e nıy> : ıeres foran repelidıımenle tornados inapropriados. Vemos. significados culturais existentes. Neste caso, os bens siio uma mfdia cri;uiva na qua! a
coniudo, que o cödigo-objelo ioi bem-succdido em reinvenlar continuamenie este invençâo pode tomar lugıtr atravĞs da expcrimentaçâo com os signilicados culturais
simbolismo. Esta ingenuidade e esta versalilidade, aparentemente infinitas, siio um existentes. No outro caso, os bens servem como uma oportu- nidade para um grupo se
importantc aspecto do poder conservador do cödigo-objeto. Ajudam-no a funcionar conio eııgajar em um düîlogo interno e extemo, no qual as mu- danças sâo conıempladas,
um inslnimento de continuidade, que coloca ?ı disposiçâo da cultura um meca- nismo debatidas e, entâo, anmiciadas. No primeiro caso, os bens siio usados como uma
semiötico que aLribui coordenadas culturais familiares a uma nova situaçâo. oportunidade p:ıra a criatividade c para a experimenta- Ç2o. No segundo, sâo usados como
um meio de rellexao e de descoberta intemas e externas; meio este que ajuda a moldar e a
formalizar o processo criaiivoJ
OS BENS COMO INSTRUMENTOS DE MUDANÇA
Os bens atuam cm sua primeira capacidade quando ajudam um grupo a criar uma
Os bens fiincionam lamb6m como instrumeiHos de mudança, de duas manciras. Uma
nova definiçâo de sic a revisar a catcgoria cultural fl qual pcrtence. O signi- ficado
delas 6 a capacidade de servir como uma oportunidade de moclehir um novc conceito
presente nos bens permile ao gntpo se engajar em um processo de definiçâo que 6 üs vezes
cultural atraves do uso seletivo, da combinaçâo nova e da iııovaçâo pre- medilada dos
168 CULTURA & CONSUMO CoNSUMO・ MUDANÇA E COKTINUIDADE 169

paralelo e ils vezes independente do discurso lingiifslico com o qual este mesmo grupo Uma segunda capacidade dos bens, como inslrumenlos de mudança, 6 a de funcionar
contempla sua autodefiniçâo. O cödigo-objeto torna-se uma ionte de novo significado e de como uma oportunidade para o discurso tan to no interior do gnipo inovadör quanto entre
novo vocabukirio. Os bens sâo um meio pelo qual o grupo pode repens;ir a si mesmo. este e a sociedade mais ampla. Os grupos iiiovadores usam os bens piira inforniar seus
Os bens conlribuem para este processo de invençâo porque carrcgam um re- gistro de membros de possfveis inovaçöcs adicionais, bem como do presente conscnso. Assim
categorias e de prinefpios culturais. A primeira atilude do grupo que intenciona inovar 6 ntilizados. os hens servem como uma especie de bolctim iiiformalivo. Os “membros” do
dispensar os bens de consumo que carregam sua definiçâo convencional. A segunda 6 clube sâo mantidos inlormados. Enviam mensagens uns para os outros e para a
começar a adotar os bens de outros grup os, para as- sim experimentar e talvez se apossar coletividade, c lais mensagens mudam conLinuamciite. Gradualmenle, um consenso e
das propriedades significativas qnc tides residem. Por cxemplo, as feministas radicals dos eslabeiccido e as mensagens vâo se torn and o mais escassas e menos controversas.
aiios 60 delibcradamente se desassociiiram de um vestuario que dava voz fls ciUcgorias Quando os bens sâo usados para se dirigir i sociedade mais ampla, podemos nos referir â
culturais convcncio- ııais de gencro c aos prinefpios culturais nos quais esta disiinçâo se sua utilizaçâo nao como um bölelim informativo, mas como uma espöcie de mural. Neste
baseava. Este grupo, entâo, buscou vestimentas nas quais rcsidissem outros conccitos cu 1 caso, o grupo anuncia para um publico muito mais generico sua insatisfaçâo com as con
turais. Fin al men te, se llxou nas roupas us ad as pelos hopicns das classes trabalhaduras, ven
deste modo se iransportando atravds de categorias culturais tan to de genero como de
classe, perseguindo um conjunto apropriado de sfmbolos (Cassel 1974).
A manipulaçâo do significado atravös dos bens se assemelha â atividade do bricoleur
descritu por L6vi-Strauss em The savage mind [0 pensanienlo selvagem] (1966) em um
aspccto, e sedistancia dela em outro. Como o bricoleur, o inovador de significado precisa
usar partes e peças deum sistema previo para criar uma nova mensagem. Mas,
diferentementedo bricoleur, o inovador designificado eslû, como na famosa frase com a
qual Levi-Slrauss caracteriza a conduta do cientista, "...sempre cm busen desla otitra
mensagein, que poderia ser arrancada de um interlocutor a clespeito de sua reticencia em
se pronunciar sobre questoes cujas res- postas ainda nâo foram formuladas." (1966:20,
enfases no original)

Novas mensagens silo buscadas atravös da combinaçâo de material familhir de


manciras nâo-convencioııais. Combinaçâo c rccombinaçâo ocorrem ate a emergen- cia de
um conceito e uma estetica que ajudem a dar substâııcia ao dese jo de um grupo de se
diferenciar do grupo principal. Para usar uma frase bem conhecida dos antropölogos, os
bens sâo “bons para pensar” (Tambiab 1969). Especialmente ncs-.. te contcxto dinâmico,
elcs funcionam para os grup os que intencionam inovar como uma midia para a
contcmplaçao de novas configuraçöes de significado.
Exemplos do uso dcsta capacidade crialiva dos bens sâo abundantes. 0 caso que o
preseme autor conhece melhor e o uso do vestuârio, e especialmente das cores deste
vestuârio, pelos cortesâos e conselheiros elizabetanos como meios de definir novos grupos
na corte de Elizabeth (McCracken 1985a). Neste caso, a cuidadosa disposiçâo do
simbolismo das cores permiliu a esses dois grupos definir a si mesmos como um grupo de
in teresse na corte, como um cliente da monar- ca, e como um oponente de seus opositorcs.
Aqui, categorias culturais de ûpoca foram criadas atravĞs do rearranjo e da nova
combinaçâo de prinefpios culturais. Um exemplo mais proximo dos dias modernos pode
ser encontrado na maneira pela qual as mulheres dos sĞculos XIX e XX usaram o
vestuârio para formular um novo conceito de si mesmas como niulhcrcs. mâes,
trabaihadoras e esposas. O vestuârio forncccu uma midia na qual noçöes experimentais
puderam ser cria- das e contcmpladas. As “cerouias” forajn um desses experimentos; o
“visual au- toritilrio” toi um oulro, mais recente (Cassel 1974; Roach 1979).
172 CULTURA & CONSUMO .NOTAS 173

foes existemes e indica, na linguagem dos bens, exaiamente quais iddias e valo- res maneiras pela qual esta sociedade sobrevive como uma das mais impression antes
alternatives preiende defender. A rea?ao publica (normalmente sob a forma de gritos de cxcentri- cidadcs no registro ctnogrufico: uma sociedade que faz da mudança sua constaii-
protestos) retorna ao grupo radical para inform ar o processo de auiodefinigao. Os bens, te, e da ıransformaçâo radical seu mötodo empfrico. O que Braudel sugere que foi
assim, funcionam como uma dupla mfdia de comunica- fao: tanto como boletins decisive) para as origens deste experimento histörico tâo peculiar permanece de- cisivo
inl'ormativos para mensagens intern as, quanto como murais para as ex tern as. nos dias atuais. Os bens ingressam no processo histörico da vida modern a conw agentes
Esses dois usos dos bens como um instrumenio de mudan?a podem ser cncara- dosem vitais de continuidade e mudança. Entre os bens e o carâter dinâmi- co do niundo moderno
seqiiencia. A primeiracapacidade dos bens cadeser um meio dedivisar um novo conceilo ha, como diria Braudel, uma “conexao”.
de grupo, c a segunda 6 a de ser um meio de noticiar o emprecn- dimento e
suas.conscqiiencias. Mas 6 verdade, lambcm, que hi uma rcld^So nuiis complicada aqui,
na qual um uso dos bens como inslrumento de mudanca csii constantemente interagindo NOTAS
com o oulro. Espccificainente falando, a cxperimenia- ?ao e sua dec;;iragao publica s6
podem ser separadas para propdsitos hcurfsticos.
Introdu^ao
1
Os arquitetos responsaveis por ess a amplia^ao do campo sao mu i Los para listar
CONCLUSAO: AS IMPLICATES ESTRUTURAIS DA RELAQAO exausti- vamentc. Uma listaparcial inclui: Anderson (1986), Bagozzi (1975), Belk (1984b,
ENTRE BENS DE CONSUMO E SIGNIFICADO CULTURAL 1986b), Bloch (1986), Block c Brucc (1984), Deshpande (1983), Firat (1985), Friedman
0 papel que os bens desempenham na negociagao da constante mudan?a social 6 tao (1985b), Gardner (1985), Hirschman c Holbrook (1980), Holbrook (1985), Holbrook e
Hirschman (1982). Holman (1980a). Kassaijian (186), Kehret-Ward (1985), Kehret-Ward
fundamental quanto inexplorado. Nao 6 um exagero dizer que os bens e o c6digo-objeio c Yalch (1984), Levy (1981), Mayer (1978), Mick (1986), Nicosia c Mayer (1976), Pollay
sao um dos meios pelos quais esia sociedade perdura, face a ex- ceniricidades etnogrdficas (1986), Rook (1985), Sherry (1985), Solomon (1983), Sommers (1983), Wallendorfe
quase esmagadoras. Compromctida com ;i contfnua mudan?a, esta 6 uma sociedade na Reilly (1983) e Wells (1986). Um reconliecimenio mais particular da conlribui^iio desses
qual o centro nao deve se manter, na qual a ordem deve se desintegrar assiduamente. Que e de oulros autores aparecc nos capftulos que se seguem.
isio nao acontcfa, deve-se cm par- le ao papel desempenhado pelos bens, permitindo 2
Novamcnte, apenas uma lista parcial daqueles que contribulram para que cssa reivindi-
estruturar uma expressao rela- livamente consistentc face ao potencial dcstniidor de ca^ao da antropologia pelo estudo do consumo c da sociedade contcmporanca fosse pos-
mudanfas sociais radicais; e deve-se t;mib6m il sua habilidade em contribuir para esta sfvel aqui: Appadurai (1986), Barthes (1972). Basso (1984), Baudrillard (1968. 1970),
mudanQa quando el a se torn a necessdria diame de transforma^oes cstruturais incvitSveis. Boon (1973), Bourdicu (1984), Bruner (1984), Ccdrcnius (1983), Dominguez (1986),
Douglas e Isherwood (1978), Gillin (1957), Glassie (1973), Greenhouse (1985). Lewis
Paradoxiilmente, o eddigo-objeto funciona como um meio pelo qual a sociedade ao (1969). Mertz e Pcrmcntier (1985), Messerschmidl (1981). Miner (1956). Ratlije (1978).
mesmo tempo encoraja e resiste As mudangas. Ele ajuda os grupos sociais a estabelecer Reynolds c Stott (1986), Rodman e Philibert (1985), Sablins (1976. 1977), Schneider
maneiras altcrnativas de encarar a si mesmos, maneiras que cstao fora das e sao contrArias (1968), Shweder c LeVine (1984), Silverstein (1976) e Singcr(1984).
As deflni?oes culturais existenles. Mas ele tambem serve para ajudar a sociedade a 3
Para evitar a tradu^ao de marketers para marketeiros. que tern conota$3o pejorabva em
incorporar essas mudanfas na cslruLura cultural exis- tente e a disseminar scu potencial portuguGs. optou-se por traduzir por “profissionais de marketing”. (N. do E.)
descslabilizador. O c6digo-objeto 6 como a face de Janus. Busca afastar-se da inovapao c
dirige-se a cla. Busca afastar-sc da tradi^So e dirige-se a cla. Funciona ao mesmo tempo
conv) um inslrumento de mudan?a e de continuidade.
A contribuifao feita pelos bens para a mudan^a social nao foi bem compreen- dida.
Este capftulo nao fez mais do que sugerir uma das abordagens tedricas que poderiam ser
lomadas neste estudo. Resta empreender agora cstc trabalho sob a forma de investigates
emptricas em todos os campos que, atualmentc, cstao preocupados com as relaçöes
“pessoa-objeio”. Todas as ciencias sociais (e es- pecialmente aqueles subcampos
preocupados com o “significado” e com a “cul- tura’\o braço de cultura material dos
estudos americanos, e a ârea de simbolis- mo de produto do comportamento do
consumidor tem contribuiçöes a fazer. Vale enfatizar que hâ algo mais em jogo aqui que
uma compreensao mais clara das propriedades comunicativas e culturais dos bens de
consumo, embora esta nao constitua em si mesma um objetivo academico pequeno. O que
tamb6m pode scr obtido por este estudo conjunto c plural e uma compreensâo de uma das
174 CULTURA & CONSUMO NOTAS 175

Um. A produçâo do consumo moderno foi a transforma^ao do cspa^o domestico. Busca-sc compreende-la atxaves do estudo de
4
como modifica^oes na cultura material orientam mudan^as nos padroes de socialidadc
“Consumo", aqui como no restiinte do livro, rcfcrc-se ao processo pelo qual os bens c os (por cxemplo, as preocupafoes com a privacidadc) e de como lais mudan^as aluam de
sen'iços de consumo sao criados, comprados e usados. Esta definiçâo amplia a visâo volta na cultura material, for^ando sua contfnua transforma^ao. Considcragocs sobre estc
(rajicion<d. adicionando â enfase tradicionalmente colocada no uto da compra o tbpico for.im elaboradas no contexto da America do seculo XX por C. Clark (1986), Cohn
desenvolvimento do p)x)diito que Decessariamenle antecede a compra cm si e o uso do (1979), Hayden (1981), Jackson (1976), West (1976) c Wright (1980).
pivduto que deve seguir-se a elu.
IS
5 Barreiras a esta plena participa^ao, sob a forma de legislateao suntuaria, pararam de scr
A revisiio :i ^eguir rcloma as conlribuiçöes monogrâficas cbaves para a hisloria do
escrilas no sdculo XVI nalnglalcna (Baldwin 1926; Hollander 1984; Hooper 1915: Phillips
consumo. P«ira uma revisüo mais ampla da literatura, ver McCracken 1987b.
e Staley 1961). E uma ironia moderna o fato de que hojc sejam feitas leis para proteger os
6
No original, "whiggish”. ref eren cia ao Whig, partido polılico surgido na Gra-Brclanha direilos do consumidor, e nao para restringi-los. Mils, ironias a parte, a distribui^iio dife-
depois da revoiuçâo de 1688, que pleilcava a subordinaçâo da Coro a ao Parlamento e foi. rencial da rend a faz da parlicipa^ao igualitaria no consumo uma das metas mais distantes
em mcados do s.öculo XIX. substilufdo pelo Partido Liberal; ou ao parlido Je mesmn e improvaveis para uma."sociedade de consumo” (Firal 1986).
nomc que $e formou nos EUA em 1834 como advcrsârio dos democratas. mais larde 19
O autor refcre-se ao Canal da Mancha, trecho de mar enlre a ilha britanica e a face
transiormado no Parlido Rcpublicano. (N.do T)
fraiicesa do continente europeu. (N. do T.)
7
Pai a um tratamento desta e de outras questocs metodologicas na hisloria do consumo. 20
Schlereth, em duas brilhantes pe^as de revisao e conccitualiza^ao (1982, 1983),
ver McCracken 1985c e 1987b.
mapenu a literntura histdrica sobre as propriedades culturais dos lares, da mobilia
” Spufford (1984: 4) tambem sugeriu que Me Kendrick avaliou erroneamente a imporiân- domestica, do vestuario. dos brinquedos, da comida, (las ferramentas e de uma serie de
cia do seculo XVIII na hislöria do consumo, observando que o que elc ali'ibui a esle scculo outras ealegorias de produtos.
jâ e aparente no anterior. 21
Uma abordagem completa do consumo dandi ainda csta por ser escrita. Os trabalhos
9
Este ponto e explorado no capftulo 6. academicos exislcnlcs (Moers 1960; Smith 1974) demonstr am que este e um episodio-
10
No original, “whiggisb". Nova mcnçâo ao conservadorismo liberal dos exLintos chavc na histdria do consumo, c que estudd-lo mais a fundo iria permitii' avan9 ; ir
parlidos Whi^. (N. do T.) subslan- cialmente cm nossa comprccnsao da intera9ao historica enlre cultura e consumo.
22
11
As lentaiivas de comcntadores sociais, eruditos, clerigos c teöricos politicos de A intima rela^iio enlre os filmes animados c os novos padroes de consumo e disculida
comprc- ender arevoluçâo do consumo nâo sâo rastreadas aqui, mas foram, lodas elas. tambem por O’Guinn, Faber e Rice (1985). Emb ora nao haja um estudo cquivalcnle sobre
Iratadas por Appleby (1976, 1978), Hirschman (1977,1982b), Honl e Ignatieff (1983), a rela^ao entre consumo e literatura, Harris (1981), Friedman (1985a, 1985b) e Shell
Horowitz (185), Sbi(1985). Stone (1984), Tbirsk (1978), Vichcrt (1971) c Wiener (1981). (1978, 1982) estabeleceram intcressantes pontos de partida. Para a rcla^ao entre consumo
12
e arte, ver os provocalivos trabalhos de Barrel (1984) e de Berger (1972).
Sobre esle ponto, ver Hexter (1961), James (1974, 1978), Kelso (1929) c Marslon
23
(1973). Para um brilhaiile.esludo da conjungao entre cuJtura e consumo na America do seculo
13
XX. ver a exlraordindria analise de Allen (1983) de como a Container Corporation sc
Pai a outros tratamentos recentes da lose de Weber, ver Marshall (1980.1982) e Poggi utilizou da cultura para negociar produtos e dos produtos para negociar a cultura. Uma
(1983). H Um cxemplo mais espccıfico de competiçâo enire cl izabe tanos de posiçâo varia^ao deste mesmo tema pode ser cncontrada no estudo de Harris (1978) sobre o em-
devada e de seu uso dos bens de consumo para negociar tai competiçâo pode ser prestimo e a competi9ao que sc instalarain entre os museus americanos, as exposi^ocs e o
enconlrado em McCracken (1985a). O uso mais convencional do simbolismo dos bens de setor varejisla no seculo XX.
consumo no periodo elizabetano para express ar cateporias culturais e para disputar com o
confiito de principios culturais e disr^>xlo em McCracken (1982a). Dois. “Sempre mais querido em nossos pensamentos” Z4 Uma estralcgia ainda
15
Sobre o marketing e suas origens histöricas, ver Dixon (1980,1981). Fullerton (1984). mais anterior represenla □ que poderia scr uma solu^uo perfeita para o problema. A
Hollander e Rassuli (1985) e Hollander c Savitt (1983). nobreza da China antiga, do Egilo e da Peninsula Maia marcava suas crian^as com
16 deformidades ffsicas que nao podiam ser imitadas e falsiHcadas. O Ocidente nao rccorrcu
A publicidade cullivou sistematicamcnte umamfdia depois du oulra, caplurando nesle
processo urn volume cada vez maior do espaço publico. A deseriçâo de McKcndrick pode a csla cstrategia, optando. ao conlrario, por fazer das posses ffsicas e (las caracterfsticas
scr complementada por estudos da publicidade sob a forma de letreiros (Hendon e Muhs sociais as mareas rcvcladoras daposi^ao elevada.
Î985). jomais(Presbry 1968), catâlogos (Boorstin 1973:128). trade cards (Welch 1986) ere 25
Nao pretendo sugerir que a patina enquanto leone seja absolutamente natural em seu
vistas (Pollay 1985). O plcno significado cultural c social deste desenvolvimento histörico simbolismo. Mesmo no caso de sfmbolos icOnicos, pcrmanece sendo neccssario para a
e tema agora de um intenso debate. Ver. por cxcmplo, Belk e Pollay (1985). Cowan comunidade assinalaiite decidir e formalizar exatamcnte quc informa^ao sera infcrida a
(1982), Ewen (1976), Leiss. Kline e Jlially (1986), Marcliand (1985). Pollay (1986), Pope parlir deles. O significado dos (cones deve ser “culturalmcnte constitufdo’’ a fim de se
(1983) e Schudson (1984), para nomeiir apenas alguns poucos dos que recentemcnte prcsiai’ a sou propdsito comunicativo.
contribuiram para estc vital debate. 26
Notando como poucas famflias de mcrcadores sustcnlavam scus feudos e seu status
17
Uma das importantes mudan^as espaciais ocorridas ao longo da revolu^ao do consumo nobre por mais de uina unica gera^ao. Stone e Stone lancam duvidas sobre o grau de
176 CULTURA & CONSUMO NOTAS 177
2
mobilidade que teria existido no maximo topo da sociedade inglesa. A prcocupa^ao deste Lois Roget tinha. na 6poca desta enlrevista. setenta c oito anos de idade. Ela nasceu cm
capilulo refere-se a mobilidade por todo o cxtrato superior da sociedade, cuja existencia uma fazenda de familia e cresceu em uma pequena comunidade rural no sul de Ontario.
era relativamenlc bem estabelecida. Como sublinham Stone c Stone, se houvesse razao Foi cducada nas escolas da regiiio c em uma universidade local na qual ela graduou-sc em
para duvidar da existencia de uma "elile aberta ,’, haveria nfveis ainda mcnores de ccticis- ciencias da saude. Teve dois filhos. ambos agora na casa dos quarenta anos. Seu marido e
mo no debate acerca da “pequena nobreza aberta” (1984:404).
um profissional com alia forma^ao, agora aposentado. Foram casados por muito mais de
27
Cinco geracoes era o periodo maximo exigido, e alguns argumentarn que a uansforma- quarenta anos e. durante todo este penodo, viveram em Gresham. Gresham e uma ciclade
^ao rcqueria apenas quatro ou ties geracoes. de 100 mil habitantes no sul de Onldrio. Lois e seu marido viveram lima existencia inlei-
28
Ver o Homo Hierarchictis (1972), de Dumont, para uma discussiio de uma sociedade ramentc urbana, de elasse media e profissional, a despeito de seus fortes la^os com a
hierirquica quc foi incapaz de mantcr consistentes a riqueza c o status. tradi^ao e com a comunidade fazendeiras, das quais ambos sc originaram. Quatro.
29
McKendrick sc volta delibcradamcntc parascus eolegas das ciencias sociais a fiin de Vestuario como linguagem
obter ferramentas conoeituais parr comprccndur os notavcis desenvolvimcnlos do seculo 1
XVIII. Encontra e faz bom us«- da norao de Veblen de con sumo conspfcuo e da Uma versiio anterior deste capitulo foi apresentada na scssao E-26 (Cultura Material) do
concep^iio de Simmel de consumo competilivo - mas nao faz o mesmo cm rela^ao a tcoria 11° Congresso Internacional de Antropologia c CiGncias Elnoldgicas, Vancouver,
da patina. Columbia Britunica, 24 de agosto de 1983. Devo agradccimcntos aos meus eolegas da
30
Universidade da Columbia Britunica, com os quais discuti o artigo: Peter Ashmore, Ron
Este conceito c o da tcoria “trickle-down” serao discutidos no capftulo seis. Goldman. Anne Lcwison. Marg Meiklc. Judy Robertson e Cathy Tyhurst. Por fim,
31
Steiner e Weiss (1951) sugerem quc outra cstiategia que o indivfduo de alia elasse foi agradecimentos sao devidos tambem ao Killam Trust e ao Departamento de Antropologia
fbrea- do a adotar devido a usurpafiio de sens marcadorcs de status era o cultivo de um e Sociologia, pclo suportc quc me proporcionaram durante o tempo em quc fui um bolsista
eslilo de consumo mais "moderaclo” (o quc ajudava a “apanhar” os aapirantes ao fazer Killam de pos-doutorado na Universidade da Columbia Britanica, periodo no qual foi
seus esfor^os parecercm conspfcuos). Gostaria de aigumentar que este estilo modcrado e conduzida a pesquisa para a realiza^iio deste artigo.
na verdade um parceiro e uma conseqOencia da estratdgia da paUna. Os bens com patina 4
Um tratamento mais detalhado do conceito de "categorias culturais” e dado no prdximo
cram incvitavelmente menos obvios, menos ‘ mostravcis" e menos *’buscadores de
capftulo. Um lcque muito mais amplo de bens de consumo tambem estd atrelado a elas. s
aten^ao" que os novos.
Pouco importa que o tratamento empreendido por Bogatyrev do carater expressivo do
32
Nao cstd claro tambem que isso tenba sido lcvado a serio mesmo na America dos anos vestuario seja nivelado por baixo pclo uso que o autor fez do lermo e do conceito de
de 1930. O individuo de aka posi^ao que relatou cstc ato de falsa representa^ao de status o "fun^ao”. Ainda que a inaioria das fungous que Bogatyrev identifica na indumentariafolk
repudiou dizendo: “O que voce podia esperar?” A implica^ao aqui e a de que a familia mordvia Lcnhu uma genuina importancia semiolica, duas delas, a funjao ’“pratica" e a
Starr era de baixa posiftio e demonstrou isso atravds do lance que fez pcla cultura material
fun^ao “estetica", nao tern qualqucr valor semibtico. Niio representam categorias cullu-
de umainaneira gauche e auloderrotista. Warner e Lunt notam ainda quc a elasse alta-alta
rais. A imprecisiio neslc ponto reduz o valor do trabalho de Bogatyrev enquanto guia
de Yankee City fez planejados esforcos para mauler scus trofdus de status e nao permiur
que eles cafssem nas maos do "grupo que oscilava de baixo para cima”. Is to sugere que os ledrico parn o estudo do vestuario e de sua representa^ao de categorias culturais. O traba-
grupos de posi?ao elevada estavam de fa to com medo que os de baixa posi^ao pudessem lho permanece, contudo, um exemplo valioso do que pode ser feito nesla area do ponto de
tirar cerias vantagens de status dos objetos com patina (1941:109). vista etnogralico. Oplei por disculi-lo nos lermos de um eslruluralismo lardio.
6
” Este e apenas um dos equfvocos de leilura que Pratt comete cm um trabiilho quc c. O conceito de “principios culturais" tambem sera desenvolvido com mais detalhes no
apcsar disso, extremamente capaz. A autora tambem falha em percebcr que a dcdica^iio capitulo 5. ■
dos Shaughnessy a trabalhos voluntaiios e molivada pula associa^ao de longa-data do 7
Este aspeclo da cultura material c dos bens de consumo e cxplorado no capftulo 9.
servi^o comunitario com o allo status. Pratt sugere quc as mulheres Shaughnessy se dedi-
cam a cste trabalho somente por altrufsmo. ’ Para um exemplo lie compara^ao de uma outra instiincia da cultura material com a
w linguagem ,ver Forge (1973).
Barber e Loebel (1953) tambem notaram a existencia de dois grupos de allo status de
mulheres ・ e utilizaram uma distin^ao de “dinheiro vellio/dinheiro novo" para difcrcncia-
los. Eles tambem observaram que o grupo do dinheiro velho insislia cm modus brilanicas
classical・ enquanlo o grupo do dinheiro novo se inclinava para as modas parisienses.
Tres. Lois Roget
1
A pesquisa na qual este estudo de caso se bascia foi financiada pclo Centro de Pcsquisa
Gerontoldgica da Universid?de de Guelph e pelo Consclho de Pcsquisa em Humaiudades c
Ciencias Sociais do Canada. O projeto e descrito em detalhcs em McCracken (1987c). Este
estudo de caso em particular c baseado em seis horas de en Ire vistas por mim conduzidas
com um indivfduo que aqui chainaremos de Lois Roget, ocorridas cm suacasa cm
Gresham. Ontario, no final de maio de 1985.
178 CULTURA&CONSUMO NOTAS 179
9 21
O pre-les te consîstiu na colcçâo de um grupo de quarenla slides. Cada um deles registra Uma das catcgorias de produto que provavelmentc Valeria um cstudo cultural e a dos
uma instuncia do vesluario u .ado por um transcuntc do centro da cidade de Vancouver, no carros (Belasco 1979: Fl ink 1975; Lewis c Goldstein 1983; Moorhouse 1983; Era 197]).
outopQ」-1982 Cs indivıduos foram fotografados no local c sem enquadramenlo especial. 22
Podcria parecer que esta cultura e sistcmdlica cm sua supressao da consciencia do indi-
Os quarenta slides foram mostrados para uma amoslragem de dez sujeitos cm entrevislas viduo accrca das propriedades culturais de suas posses. Contudo, as explosivas dificulda-
individuals. A seguinle questao foi colocada para cada sujeito a rcspeito de cada slide: “O des que rotineiramente se fazem acompanhar do cstabclecimento do divdrcio c das pro-
que vocc pode me dizer so bre csta pessoa com base em sua. roupas?” Os sujeitos foram priedades de heran^a a Les tarn o quao mod esta e nao-sistematica esta consciencia e.
encorajados a dar uma rcsposta exaustiva para esta questao e postos a vontadc para faze-lo
23
sem intcrvençüo do entrevistador. “Sugcstöcs” (por cxemplo, "E este casaco?’’) foram Os trabalhos de Kehret-Ward (1985) c de Kchret-Ward e Golden (1986) contribuinim
introduzidas depo i s que o sujeilu bavia complelado sua resposla inici al. As entrevistas recentemcnte para o cstudo do ritual e do consumo.
foram longas: nenhuma del as levou menos de dııas horas e meia. Buscou-se uma resposta 24
Minbas pesquisas recentes sugerem que ccrtas familias sentem uma obriga^ao de esto-
nâo-premedilada. nâo- dirigida, delaihada e espontûnca. car suas velhas posses por um periodo de um ou dois anos no porao de suas casas antes de
10
Este segundo proje to foi realizado desde a eserita deste artigo (McCracken e Roth permilir quc cslas sejam cncaminhadas para um deposito do Exercito da Salva^iio. Isto
1986). Este estuclo foi quantitativo, controlado por um instrumento de pesquisa mais represenla uma cspccie de periodo para “dar um gelo”, durante o qual o objeto e
rigoroso, e mais abrangente (n = 360) que o piloto ıelatado aqui. Scus resultados foram, desinveslido de seus significados e associates espcciais. Objctos quc sao de tai maneira
contudo, substancialmente os mesmos. e sugerem quc os indivıduos se engajam em um carregados de significado que nao podem recebcr um “gelo” (e screm dispensados) sao,
processo de “decodificaçâo” do vcstuârio mu i to diferente daquele que usam para a cm algumas familias, estocados pennanentemcnlc no sotao.
linguagem. 25
O estuclo das patologias de consumo ainda esta por ser empreendido de modo sistema-
"Deve ser notado que esta fonte de evidencia ・ enquanto base para a consideraçâo dos Lico. Trabalhos pioneiros parliram de Benjamin (1969), Goldberg (1985), Groiimo (1984),
princıpios de seleçâo e de combinaçâo, 6 problemâtica cm dois aspcctos. Primeiro, ela
Marcus (1985), McCracken (1986b), O’Guinn, Faber e Krych (1987 e Pittman (1985).
considera a atividade comunicativa nâo no momento da codificaçâo, ou da criaçâo da
mensagem, mas no momento de sua decodificaçâo. Hâdiversas vantagens metodolögicas Seis. Bens de consumo, construgao de genero
para esla escolha de evidCncia, c c ccrto tambem quc o que c vcrdadciro no processo de
codificaçâo deve sc-lo tambem para o processo de decodificaçâo. Em segundo lugar, nâo e e uma teoria tricle-down reabilitada
ccrteza absoluta quc o que se pode cxlrair neslas ocasiöes de entrevisla mantenha qualqucr ’ Esta abordagem da Lcoria trickle-down ignora a influfincia de Tarde (1961), Spencer
relaçüo neccssâria com o que ocorre nas mûnles dos informanles quando eles decodificam (1897) e Veblen (1912).
o vcstuârio cm oulras situaçöes sociais mais espontâneas. :
Ver Barber eLobel (1953) e Fallers (1961). A medida do quanto e difundida a teoria de
Simmel nos cfrculos academicos estd no fato de que nem Barber e Lobcl num Fallers
Cin co. Manufatura e movimento de significado no mundo dos bens Esta12
reconhecem sua contribuiijao.
abordagem du cultura destou da convencîonalmentc adotada nas pesquisas de con- 3
sumidor, que tratam cultura como valores (por cxemplo, Henry 1976). “Valores” como Horowitz contradiz cste argumento na ultima parte de seu artigo (1975:293).
conceito estâo incluıdos na prese»(e formulaçâo, mas estâo submelidos îı discussüo dos 4
Goffman, cm urn visiomirio c caracteristicamcnte brilhantc fragmento de scu trabalho,
"princıpios culturais”. qucsGana sc simbolos emprestados dos subordinados nao sao usados pclos superiores
ls
como simbolos de status (1951: 3O3nl). Dcve-sc notar. ainda. que Field nos fomece so-
Paı a mais a respeito deste ponlo, ver o capîtulo 6. mcnlc metade da ilinamica trickle. Elc niio nos faia se os subordinados mudam suas mo-
Ver Bryson (1983) para um bom tratamenlo da ideologia ocidental do natıır;dism<> das quando estas sao adoladas pclos superiores. Peter York (1980) sugcre que isto ocorre
15
em alguns casos.
Uııı eslınlo rcccnlc de alla qualidadc acerca(,lı)s princıpios cullurais ıjuc se leflelenı
5
nos bens de consumo pode ser enconlrado em Objects of Desire (1986), de Forty, espccial- Este ponto e desenvolvido mais extensamente nos capitulos 4 e 5.
mente no capîtulo 4, "Differentiation in Design". 6
Este tdpico do simbolismo do vestuario cm geral c abordado em Brooks (1981),
16
Este ponto serâ desenvolvido longamente no capîtulo 6. Cordwell e Schwarz (1979). Holman (1980b, 1980c. 1981). McCracken (1983b) e Roach e
17
Eicher (1965).
Preppie e um termo quc se refere a uma pessoa bem-sucedida, bem-educada e jovem,
correspondendo a um cstilo de vcstuârio ou comportamento norte-americano c<u aclerısti- Sete. O poder evocativo das coisas
co de certos grupos sociais. (N. do E.) 7
Este artigo d fruto de pcsquisa financiadapelo Killam Trust c pelo Consclhö de Pcsquisa
18
“Novos ricos”. Em frances no original. (N. do T.) cm Human id ades e Ciencias Sociais do Canada. A assistSncia dessas instituiçöes e
19 gratamen te rcconhecida aqui. O artigo beneficiou-se dos comcntârios de Russel Belk,
Esta questiio sera explorada no capftulo 9. Mary Ellen Roach Higgins, e dos me us colegas na Universidade de Guelph. Victor Roll) c
20
Ires outras abordagens uo sistema de movimenta^ao de significado podem scr encon- Montrose Sommers.
tradas em Gottdiener (1985), Hirschman (1986a) e Wemick (1984). 8
Na verdade, o pröprio esforço do presente aulor para comprccnder o significado
180 CULTURA & CONS UM O NOTAS 181

17
possuido pclos bens (McCracken 1986a) laiha em dar conta desla categoria de signincado Ver Holbrook c Moore (1981a. 1981b) e Holbrook e Dixon (1985) para oulras impor-
cultural. tantes conlribui^oes ao estudo dos produtos cm sua combina^ao. Ver especialmentc
9
A prdtica de inventar o passado para scrvir as necessidades do presenle possui uma Holbrook e Moore (1981b) para uma revisiio de uma pro eminence literatura psicoldgica ,K
longa e distinta lıistöria; ver Handler e Linnckin (19S4) e Hobsbawm e Ranger (1983). Ha. ialvez. alguns problcmas logicos aqui. E de conhecimcnLo geral que os papeis sociais
111
de um individuo freqiientemenle niio sao consistentes enlre si c que o indivfduo ha vezes
Um exemplo notâvel deste lipo de pontc-para-o-significado emergiu na pcsquisa levada
descobre-se cncurralado entre eles. Ja foi sugcrido que produtos isolados podem scr usados
a efcito na Universidade de Guelph no verâo de 1985. Um dos entrevistados falou sobre o
barco a vela ciiribenho que ele iria possuir um dia. A compra desse barco conduziu-o â para proteger ๐ indivfduo deste conflilo de papeis (Murphy 1964), mas Solomon e Assael
promess a de cerias qualidacles no momento ausentes em sua vida. A longa e delalhada nao dao qualquer indica^ao de exatamente como constclagoes de produtos refle- tem e
entrevista demonstrou, contudo, que essas nâo eram as qualidades quo o entrevistado, de acomodam estas confusocs de papeis.
modo real is U, provavelmente realizaria em sua vida. “Transport ad as para um b;ircu no 19
Este ponto foi abordado mais delalhadamcnte no capftulo 4.
Caribe, ess as qualidades (de autonomia. auto-realizaçâo, completa mobilklade e merecido
20
isola- mento) es tavam agora sob seu domfnio, mas nâo uo seu alcance’’ (McCracken Este ponto tambem foi examinado mais detalhadamente no capitulo 4.
1986c:63). 21
Esta situa^ao por si mesma impoe uma questao: por que os yuppies escolheram esses
11
O lermo "alto envolvimcnto” foi emprestado da literatura sobre comportamenlo do bens em particular, e nao outros, para criiir sua complementaridade de produtos? A res-
consumidor e se aplica a posses que tern marcado significado cullural, bcm como valor posta parccc ser que os yuppies eram conduzidos pela prcocupa^ao com prinefpios
ulililiirio. Esta definiçâo conforma-se aproximadamcntc aquela de “envolvimcnto do ego", culturais espccfficos (ver capitulo 4 para uma defini^ao e uma cxplica^iio deste termo),
oferecida por Muncy e Hunt (1984:193). tais como uma tradi^ao conscrvadora, status do dinheiro antigo, succsso profissional, gosto
12
O alo de colecionar e um töpico de novo in teresse nas ciencias sociais c no consumo; “refinado” c cultivo do corpo, e portanto escolheram bens que mclhor pudessem dar voz a
ver Belk (1982), Benjamin (1969) e Danet (1986). esses principios. A prcocupa^ao com o status levou-os a categoria dos rcldgios de alto
pre^o, mas a escolha cspccffica de um Rolex foi estimulada por sua associa^ao com os
B
A importancia da concretude de um objeto para sua capacidade de servir como um esportes e com a satisfa^ao com a aparencia ffsica. A mesma inquieta^ao conduziu-os a
simholo foi observada em diversos lugures na literatura: Basso (1984:44-45), Forty uma certa categoria de carros. mas foi a prcocupa^ao com o gosto e com a elegancia que
(1985:66) e Richardson (1974:4), para citar alguns nomes. os instigou a escolher o BMW. Ver Belk (1986a) para outra maneira de dar conta da
rela^ao enle o eslilo de vida yuppie e a complementaridade d& consumo.
Oito. Unidades Diderot e efeito Diderot 22
Esta discussao tern como suportc uma recente pcsquisa feita por McCracken e Rotli
H
Algo como “Lamentos por deixar para trâs minha antiga veste". (N. do. T.) (1986). Vale ohservar que Solomon e Assael (1986) lambem defendem que o significado
15
Um excmplo maisrecentedo efeilo.Diderote relatado aqui parasugerir queo efeito opera dos produtos depende da presen?a de produtos associados. Esta afirma^ao deriva de
compelindo o consumo moderno lanlo quanlo o fez com o consumo do seculo XVIU. Em principios psicoldgicos sociais mais que de lingiiisticos/antropoldgicos e fornece base
uma conversa casual, um professor na Universidade de Cliicago me contou que ele dirigia inlerdisciplinar para o argumento.
um Volvo pelas mais prâlicas das razöes. Sugeri que havia, talvez. razöes culturais, simhö- n
Alguns poderiam aigumcntar que o trabalho do Instituto de Pcsquisa Stanford e seu
licas. para sua escollia. Para provar rneu ponlo sugeri como allemativa pant seu Volvo um Projeto VALS (Mitchell 1983) e a fina-flor (e a justificativa) da abordagem ao estilo de
carro que eu compraria, faria o seguro e maiHeiia, de modo que nao lhe cuslaria absoluta- vida, mas isso nao podc ser verificado enquanlo por^des substanciais das descobertas da
mente nnda usa-lo. Ele pro nt amen te concordou que esta escolha seria a mais racional a pcsquisa permanecerem um palrimonio inacessfvel a analise academica. Ha tambem o
ser tornada por ele. Eu entao insisli em pequenas mudanças cosmetics no carro, mudanças problema adicional gerado pelos objelivos morais deste empreendimento (Atlas 1984) e (ie
que afetariam sua aparencia, mas nâo sua utilidade. Eslas incluiriam suas iniciais em suas lipologias de estilo de vida. o que colabora para climinuir sua vcracidade etnografica.
painel entre as janclas traseira e lateral, revestimento de pelc para os bancos e para o porta-
lama, um enfeite de capo que mostrava um cavalo com as patas dianteiras levan lad as e
um dado paia o espelho relrovisor. Depois de um momento de reflexao, ele concordou que
essas mud an- ?as superficiais tornariam o carro “menos dtil para mim” c dcclinou minha
hipotetica oferta. A consistencia dos complementos do produto c o efeilo Diderot sao duas
coisas que prof- bcm professores da Universidade de Chicago de aceitar presentes deste
tipo.
16
O afastamento de uma defini^ao da significado do produto com base em uma rela^ao
de um para um entre produtos e seu significado se assemelha ao descnvolvimento posto
em andamento na lingiiistica por Saussure, que insistiu que o significado advdm nao de
uma rela(jao de um para um entre significantc e significado, mas de sistemas de rela^ocs
nos quais tais termos se apresentam. Solomon c Assacl nao compreendem este ponto, c
afirmam que a iradi^ao semidtica preocupa-se com a rela^ao entre o signo e scu
simbolismo.
182 CULTUKA & CONSIJMO
REFER^^C:IAS BIBLIOGRAFJCAS 183

24
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25
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Handel/ c subindo as escad as minba mulher adormccida”. CriLical Review and Recommendation", in Advances in Consumer Research, Vo). 11. ed.
26
Deixo de I ado qualquer observa^ao acerca de como estc conccito tem a especial vanla- Thomas C. Kinnear, Provo. UT: Association for Consumer Research, 405-411.
gem de dcscanir dados andmalos que o modelo do bomem racional de outra maneira Anonymous (1959), Cyvile and (Jncyvile. A Discourse Very Profitable, London.
acbaria problematicos.
Appadurai. Aijun (1981), “Gastro-Politics in Hindu South Asia", American Ethnologist, 8
27
Esta pcsquisa bcm pode cbegar a conclusoes muilo estranbas. Um BMW pode se re (3 Agosto). 494-511.
velar como scndo a “compra divergcnte” vital para a eventual aquisi^iio de um Rolex. E
clc falo concebivel (ainda que um pouco contra-inluilivo) que scja mais util para a Rolex ___________, cd. (1986), The Social Life of Things: Commodities in Cultural Perspective.
fazer propaganda do BMW do que de scus proprios relogios. Cambridge: Cambridge University Press.
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oportunidade para o estudo bistorico, como Scblereth tao bem sublinhou (1982, 1983, ___________(1978). Economic Thought and Ideology in Sevcnteenth-Centiuy England,
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Advances in Consumer ReaearchNQ\. 11. ed. Thomas C. Kinnear. Provo. UT: Association
2
Impressionantes abordagens bistdricas dos prinefpios cullurais e dos objetos de for Consumer Research, 748-752.
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4
O Grupo Biimingbam tem sido especialmente atuante em explorar os meios pelos quais
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