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ETA - ESTÚDIO DE TREINAMENTO ARTÍSTICO

APRESENTA
NÚCLEO DE TEATRO MUSICAL

Obra e Letras de: Músicas de:


Alain Boublil e Jean-Marc Natel Claude-Michel Schönberg

Baseado no livro de: Roteiro original de:


Victor Hugo Alain Boublil e Jean-Marc Natel

Adaptação para Português (PT-BR) baseada na tradução de:


Cláudio Botelho
Realizada por:
Allan Abla, Heroz, Giovanna Raposo e Rafael dos Reis
Direção:
Eric Côco

Originalmente produzido por:


Robert Hossein
Originalmente produzido no Palace Theatre, em Londres por:
West End, Cameron Mackintosh e Peter Farag
NÚMEROS MUSICAIS

ATO I

Prólogo (Olhai, Olhai) Valjean, Coro


O Que Eu Fiz? Valjean
Ao Final Desse Dia Fantine, Coro
Lindas Moças Fantine, Coro
Um Sonho Que Sonhei Fantine
Quem Sou Eu? Valjean
Vem Pra Mim (Morte de Fantine) Fantine, Valjean
Confronto Valjean, Javert
Castelo Lá No Céu Cosette Jovem
Seu Anfitrião Thénardier, Madame, Coro
Olhai Gavroche, Marius, Enjolras, Coro
Estrelas Javert
Vermelho e Preto Marius, Enjolras, Coro
Ouçam Todos a Cantar Marius, Enjolras, Coro
Eu vivi Cosette, Valjean, Eponine, Marius
No Meu Coração Cosette, Eponine, Marius
Mais Um Dia Todos
ATO II

Subindo as Barricadas Enjolras, Javert, Coro


Só pra mim Eponine
A Chuva Fina Cai Eponine, Marius
A Viver Valjean
Suicídio de Javert Javert
Nessas Mesas e Cadeiras Marius
Nada Coro
Coro de Casamento Coro
Mendigos da Festa Thénardier, Madame
Epílogo: Final Todos

1
NOTA DO AUTOR

“Enquanto, por efeito de leis e costumes, houver proscrição social,


forçando a existência, em plena civilização, de verdadeiros infernos, e
desvirtuando, por humana fatalidade, um destino por natureza divino;
enquanto os três problemas do século — a degradação do homem pelo
proletariado, a prostituição da mulher pela fome, e a atrofia da criança pela
ignorância — não forem resolvidos; enquanto houver lugares onde seja
possível a asfixia social; em outras palavras, e de um ponto de vista mais
amplo ainda, enquanto sobre a terra houver ignorância e miséria, obras
como esta não serão inúteis.”

Victor Hugo

2
PERSONAGENS

JEAN VALJEAN (Heroz)

INSPETOR JAVERT (Hebert Romagna)

FANTINE (Lumi)

COSETTE JOVEM (Giovanna Raposo)

COSETTE (Leticia Lopes)

SR. THÉNARDIER (Allan Abla)

SRA. THÉNARDIER (Julia Cardoso)

ÉPONINE (Isabella Alcantara)

MARIUS (Vinicius Oliveira)

ENJOLRAS (Victor Ribeiro)

GAVROCHE (Bernardo Gums/Gyovana Ferreira/Nayara Ungarato)

CORO

3
DESCRIÇÃO DAS PERSONAGENS

JEAN VALJEAN
Homem encarcerado por 19 anos devido ao roubo de um pedaço de pão para alimentar
seu sobrinho que passava fome e tentativa de fuga da prisão; durante o encarceramento
sofreu nas mãos de Javert, foi liberto em condicional com o estigma de grande perigo as
consequências de sua injustiça social até que abandonou sua antiga identidade,
tornando-se prefeito de uma cidadezinha e dono de negócios. Seu caminho se cruza com
o de Fantine, visto que prometeu a ela cuidar de sua filha, Cosette.

INSPETOR JAVERT
Inspetor fanático pela justiça, que revela ter vindo também da pobreza, nascido na
prisão; encontrou na lei e na ordem uma forma de se afastar dos traumas e dores de sua
origem, sem possuir nenhum escrúpulo para punir aqueles que julga infratores; nutre
uma obsessão por Valjean, pois vê nele um disruptor do modelo ideal de vida e
comportamento que moldou para si, determinado a caçá-lo e colocá-lo sob sua justiça a
qualquer preço.

FANTINE
Mãe vítima da injustiça social e fadada à pobreza; foi abandonada grávida de Cosette
pelo pai da criança e, sem ter a quem ou ao que recorrer, volta a sua cidadezinha de
origem para trabalhar arduamente numa fábrica de tecidos, deixando sua filha aos
cuidados dos Thénardier; após ser demitida injustamente pelo capataz da fábrica, vende
seus cabelos, dentes e, eventualmente, seu corpo; é brutalmente atacada ao negar
serviços a um guarda, perseguida por Javert e salva por Valjean, dono da fábrica da qual
foi demitida.

COSETTE
Menina doce, sonhadora e triste; vive com os Thénardier após ser deixada por sua mãe,
Fantine, em busca de uma vida melhor para elas; sofre e é explorada em sua casa por
seus tutores, até encontrar Valjean, que a adota; cresce junto ao pai adotivo, sem que ele
conte a ela quem ele realmente é, uma jovem exuberante e feliz; se vê numa paixão
conturbada junto a Marius, em meio ao cenário da revolução, e sem saber o segredo que
esconde seu pai.

4
SR. THÉNARDIER
Dono de um bar/hospedagem na cidadezinha, famoso por sua hospitalidade, bom
humor, carisma e bom tratamento com os clientes e quem passa por lá, mas na verdade é
um trambiqueiro que furta e aplica golpes em todo mundo o quanto é possível; se
importa apenas com sua família, a seu modo, não se importa em nada com Cosette e
possuí caráter jocoso, desengonçado e ardiloso.

SRA. THÉNARDIER
Esposa do Sr. Thénardier, é dona junto ao marido de um bar/hospedagem e pratica junto
a ele trambiques e furtos com os clientes; semelhante à madrasta da Cinderella, é má
com Cosette, fazendo de tudo para que ela não se sinta em casa nem parte da família,
afastando-a também do convívio com sua filha, Éponine; tem o humor ácido, foge da
aparência de mulher delicada, é cínica e sem escrúpulos.

ÉPONINE
Filha dos Thénardier, não tem ideia do que se passa em casa quando criança e, após a
falência dos pais, cresce em más condições financeiras; esperta, viva e sagaz, torna-se
amiga de Marius, que era hóspede no negócio de seus pais, se apaixonando pelo garoto;
ressentida, sente ciúmes de Cosette, por ter crescido em melhores condições e ter o
amor daquele que gosta, mas mesmo assim continua junto à Marius, inclusive ajudando
a ele e seus amigos na revolução dos estudantes.

MARIUS
Jovem estudante e militante político, é um dos cabeças e mais inteligentes de seu grupo
de revolucionários e exemplo para eles; se vê perdidamente apaixonado por Cosette,
pensamento que até o faz esquecer da causa por um breve instante; é alegre, leve e
carismático, maduro para idade.

ENJOLRAS
Parceiro de Marius, é a parte fervorosa e visceral da revolução; não apresenta a leveza e
o carisma de seu companheiro, mas é um rapaz forte, sempre pronto para agir e pronto
pra luta; focado, se chateia ao ver Marius dividir a atenção da causa com Cosette, porém
se entendem futuramente e lutam juntos; acaba por perder a vida pela causa e morre
como “mártir”.

GAVROCHE
É um garoto, criança, que anda junto com os revolucionários, servindo de mascote e
garoto de recados; é, com a melhor das intenções, aquela criança insolente, esperta,
malandra e que sabe se virar nas ruas e é inflamado pelo espírito revolucionário de seus
companheiros mais velhos.

5
OS MISERÁVEIS

PRÓLOGO

[Coro e Valjean estão puxando o barco. Javert e soldado observam. Música 01 -


Prólogo Olhai, olhai!]

CORO:
Olhai, Olhai
Pro chão, olhai pro chão
Olhai, olhai
A eterna escuridão

PRISIONEIRO 1 [LUCAS]:
No céu o sol
Não há de arrefecer

CORO:
Olhai, olhai
Não há o que escolher

PRISIONEIRO 2 [RAFA]:
Não fiz, não fui
Oh! Deus! Vem me acudir!

CORO:
Olhai, olhai
Que Deus não vai ouvir

PRISIONEIRO 3 [GUSTAVO]:
Depois daqui
Me espera uma mulher

CORO:
Olhai, olhai
Ninguém vos vai querer

PRISIONEIRO 4 [LUCAS]:
Hei de voltar
E me vingar
Sem perdão

CORO:
Olhai, olhai
Pro chão, olhai pro chão

PRISIONEIRO 5 [RAFA]:
Oh Deus, meu Deus
Paraí meu coração

6
CORO:
Olhai, olhai
Escravo tu serás
Pisai, pisai
Na cova em que estarás

[Coro canta “Olhai, olhai” ao fundo]

JAVERT:
Número: 23612. Venha até aqui, seu tempo chegou! Sabe o que é isso?

VALJEAN:
Estou livre??

JAVERT:
Livre nunca! Ladrão é ladrão e vai levar essa marca por toda vida! Condicional com um
atestado de grande perigo para a sociedade

VALJEAN:
Eu só roubei um pão. Meu sobrinho, ainda bebê...morria de fome nos braços de minha
irmã! Roubei só pra salvar a vida dele

JAVERT:
Vai caçar um jeito de se estrepar se não andar dentro da lei!

VALJEAN:
Dessa sua lei eu só fui escravo, passei 19 anos preso nisso aqui igual um animal!

JAVERT:
Cinco porque roubou, o resto por tentar fugir, 23612

VALJEAN:
Meu nome é Jean Valjean!

JAVERT:
Pois vai ser esse número daqui até depois da terra lhe comer! Como última tarefa, ajude
a arrumar aquele barco e traga ela aqui antes de ir!

[Valjean vem puxando o barco sozinho. Todos surpresos, inclusive Javert]

[Saem Javert e Valjean enquanto coro guarda o barco]

CORO:
Olhai, Olhai
Pro chão, olhai pro chão
Olhai, olhai
A eterna escuridão

[Fazendeiros e Valjean abrem para a direita do palco]

7
VALJEAN:
Senhor! Finalizei os deveres do estábulo, posso tomar um café?

FAZENDEIRO [LUCAS]:
Pegue aí, e outra coisa...(entrega dividendos) Aqui não dá mais pra tu ficar. Pega tuas
coisas,aí teu pagamento...pode ir!

VALJEAN:
Mas isso é metade do pagamento normal, sendo que eu trabalhei dobrado!

[Fazendeiro 2 entra]

FAZENDEIRO [RAFA]:
Bandido não tinha que ter direito a nem um centavo! Pau que nasce torto não endireita
mais! Raspa fora, ladrão!

[Fazendeiros voltam ao coro; Valjean dá a volta por trás do coro]

CORO:
Não fiz, não fui
Oh Deus, vem me acudir
Olhai, olhai
Que Deus não vai me ouvir

[Taberneira e Valjean abrem para a esquerda do palco]

TABERNEIRA [BERNARDO]:
Aqui não tem lugar pro senhor não e a cozinha já tá fechada, sinto muito, mas cabô
tudo!

VALJEAN:
Uma lasca de pão, mistura sobrada, nada? Não sou cachorro pra ser enxotado assim!

[Trabalhador entra]

TRABALHADOR [GUSTAVO]:
Some daqui por bem ou vai por mal que aqui não tem vez pra marginal, não!

[brigam brevemente]

[Taberneira e trabalhador voltam ao coro]

CORO:
No céu, o sol
Não há de arrefecer
Olhai, olhai
Não há o que escolher

[Valjean caminha sem rumo até o meio do palco]

8
VALJEAN:
Então essa é a lei! Passaporte direto pro inferno com uma corda no pescoço que é a
liberdade que essa “justiça” me deu! (se recolhe após caminhar) Chão frio é serventia da
casa

[Coro se abre, entra bispo]

BISPO [RAFA]:
Meu senhor, acorda! Aqui tu vai morrer de frio, venha! Durma conosco! Temos cama,
pão e vinho, descanse e amanheça o dia melhor!

CORO:
Olhai, Olhai
Pro chão, olhai pro chão
Olhai, olhai
A eterna escuridão

VALJEAN:
A prata…o aparelho de jantar…os garfos, pratos, taças, valem mais que tudo que eu já
botei a mão em toda minha vida! Quanta riqueza num só lugar!…por que confiou em
mim?

[Sai bispo pelo centro, coro se fecha]

VALJEAN:
Eu fico agradecido de todo coração! Mas é tanto pra se deixar na vista de quem não tem
mais nada! Só isso, agora já tenho o necessário e só me resta fugir quando nascer o
dia…

[Entram guardas e coro abrindo para lateral/centro]

GUARDA 1 [BERNARDO]:
Conta agora a tua história

GUARDA 2 [LUCAS]:
Vamos ver se vai colar

GUARDA 1:
Hóspede, uma ova!

GUARDA 2:
Qual trouxa você quer que acredite que o bispo colocou um mendigo desse em casa por
bondade no coração, pra ouvir história furada?

GUARDA 1:
E pra agradecer a companhia do pé rapado deu esse tanto de prata de presente!

[Coro se abre, entra bispo]

9
BISPO [RAFA]:
Meu senhores, agradeço seu serviço, cuidado e atenção! Mas a verdade é que abriguei
sim esse meu amigo e lhe presenteei com esses artefatos! Inclusive o amigo parece que
esqueceu ainda uma sacola...(para Valjean, pertinho) Use essa nova chance como um
meio para mudar seu destino e não um fim. (para todos) Vá em paz, amigo, e os
senhores também!

[Sai bispo, coro se fecha]

CORO:
Olhai, olhai
Escravo tu serás
Pisai, pisai
Na cova em que estarás

[Coro sai. Música 02 - O que eu fiz + Ao fim desse dia]

VALJEAN:
Eis o que eu sou
Meus Deus, eu sou o que sou
Que animal eu virei
Que grande mal me tomou
E já é tarde demais
E já não dá pra voltar
E nada restou
Só meu ódio a gritar
Os gritos em vão
Ninguém vai ouvir
Neste lugar de onde
Nunca vou sair!

Se havia mais que isso aqui


Há vinte anos eu já perdi
Tiraram de mim o sol da manhã
Levaram meu nome
Mataram valjean
Me atirando naquela prisão
Por um simples pedaço de pão!

Mas mesmo assim


Por que será?
Deixei tocar meu coração
Por esse homem que me chama
De irmão e me deu
Comida e cama
E me entregou nas mãos de Deus
Será por que?
Só tenho ódio em meu olhar
E ódio é tudo o que me vê!

10
Só vingança e rancor
Nesse meu coração
Dessa vida eu só levo
Essa amarga lição

Mas as palavras que ele diz


Despertam algo que eu não quis
Ele me fala em liberdade
Vergonha então me vem atormentar
Que alma julga que eu terei?
Eu já nem sei!
Que sonhos hão de me assaltar?
Como é viver dentro da lei?

Eu procuro, mas perdi


E a noite que já vem
Os meus olhos, o que verão?
Meus pecados, nada além

Eis que agora eu irei


Escapar de jean valjean
Jean valjean que diga adeus
À nova história que já vem!

[Sai Valjean]

FIM DO PRÓLOGO

11
1º ATO

[Entram pobres]

OS POBRES:
Ao final desse dia
És um dia mais velho
E não há outra vida
Pro pobre viver
É uma guerra, é lutar
E ninguém quer perder a partida
Mais um dia sob o sol
Quando acabar
Menos um nessa vida

Ao final desse dia


É um dia mais frio
E a camisa que vestes
Não vai te esquentar
Ninguém sabe, ninguém viu
Ninguém ouve as crianças chorando
E o inverno que já preveniu
Vem pra matar
É a morte chegando

Ao final desse dia


A esperança te espera
E o sol da manhã
Já querendo raiar
Como as ondas a quebrar
Como a fúria dos ventos soprando
Tem a fome a galopar
Tem as somas que vão somando
E a conta, quem vai pagar?
Quando o dia acabar

[Sai coro masculino. Entram capataz, garotas e Fantine]

CAPATAZ [LUCAS]:
Ao final desse dia
Não ganhas um puto
Quem só fica sentado
Não leva um tostão
Tem os filhos pra comer
As crianças precisam de pão
E tem sorte quem tem seu lugar

GAROTA 1 [DAYANE]:
E o seu colchão

12
TRABALHADORAS:
E que Deus nos ajude!

GAROTA 2 [NAYARA]:
Olha só como bufa o seu capataz
Com seu hálito podre e tremores nas mãos

GAROTA 3 [BERNARDO]:
É que a tal da Fantine não quer se render
Os favores que pede, ela sempre diz não

GAROTA 1:
E o patrão que nunca vê
Os desmandos do seu capataz

GAROTA 3:
Se Fantine não se cuidar
Digo a você
Não trabalha aqui mais

[Entra coro masculino]

OS POBRES:
Ao final desse dia é um dia cumprido
É no bolso a promessa de um dia melhor
Pague as contas, o aluguel
Faça mágica e corte a despesa
Corte a carne do pastel
Faça o pouco crescer sobre a mesa
Tudo só pra recomeçar
Quando o dia acabar

[Sai coro masculino, com as bacias. Música 03 - Instrumental para a cena “Ao final
desse dia”]

GAROTA 2:
Olhem, aqui, meninas! [retira carta de Fantine em jogo de “bobinho”] Dona Fantine
recebeu uma carta [se protege atrás das garotas e lê] “Cara Fantine, é preciso pressa!
A criança está doente e necessita cuidados urgentes! Mande dinheiro o mais rápido o
possível”!

FANTINE:
Me devolve! [toma a carta de volta com violência] Morde tua língua antes de falar dos
outros que seu marido nem sonha o que você faz! Quem tá atolado na lama tem lugar de
julgar ninguém!

[Fantine e garotas brigam]

[Entra Valjean]

13
VALJEAN:
Que baderna é essa aqui? Isso aqui não é circo, minha gente, é lugar de trabalho! Sou
prefeito da cidade e dessa lavanderia e aqui eu quero paz [ao capataz] Separa a briga e
descobre o que aconteceu, com paciência e compreensão.

CAPATAZ[LUCAS]:
Quem começou essa zorra?

[Sai Valjean]

GAROTA:
Foi essa aqui [aponta para Fantine] que além de ser ruim de serviço e se achar melhor
que todo mundo, tem filha escondida pra sustentar, vai saber os horrores ela faz pra tirar
dinheiro extra além daqui, meu deus, uma vergonha pra nós!

FANTINE:
Eu tenho uma filha sim! Abandonada pelo pai, eu e ela! Tive que deixar a menina com
um casal onde ela nasceu em troca de pagamento todo mês pra eles, pra vir atrás de
ganhar a vida e poder voltar pra ela, por isso preciso do dinheiro!

GAROTAS [intercalando]:
Tá vendo onde isso vai dar? Essa aí só da despesa e problema...dá problema pro senhor
e problema pra gente. A gente aqui pra trabalhar e essa querendo cama macia, manda a
vadia pro olho da rua antes que a gente tem que pagar o preço!

CAPATAZ:
Eu sabia, bem que tinha o que desconfiar, que gata que cria garra uma hora arranha! A
coitadinha que bate no peito pra dizer que é santa é quem tá causando a zorra! Faz a
virgem de manhã e de noite, a cortesã!

GAROTA:
Ela vive rindo da sua cara e arruma homem por trás dos pano

GAROTAS [intercalando]:
É vadia, é problema! Já chega disso, seu capataz

CAPATAZ:
Tá certo! O patrão não quer problema e tá todo mundo de saco cheio, some daqui,
mulher! Anda! Pra rua que é cama quente!

[Saem garotas e capataz]

FANTINE:
Ao final desse dia é um dia cumprido
É no bolso a promessa de um dia melhor
Pague as contas, o aluguel
Faça mágica e corte a despesa
Corte a carne do pastel
Faça o pouco crescer sobre a mesa

14
Tudo só pra recomeçar
Quando o dia acabar

[Sai Fantine. Entram marinheiros. Música 04 - Lindas Moças]

MARINHEIRO 1 [ALLAN]:
Sinto cheiro
Cheiro de mulher
Vou jogar a âncora
No porto e me perder

MARINHEIRO 2 [GUSTAVO]:
Lindas moças
Sinto pelo ar
Cheio dessa fome
De quem veio lá do mar

MARINHEIRO 3 [RAFA]:
Marinheiro quer se alimentar!

[Entram mulheres]

MULHERES:
Lindas moças
Quem que vai querer?
Somos todas frutas
Tá na hora de colher
Lindas moças
Prontas pra levar
Seja pela proa
Pela popa, é só pegar
Pega e paga: preço a combinar!

[Saem marinheiros e mulheres. Entram Fantine e velha senhora]

VELHA SENHORA [BERNARDO]:


Vem cá, meu bem
Que coisa linda que tens
Me deixa ver…

FANTINE:
Madame, eu posso vender!

VELHA SENHORA:
Pago três tostões

FANTINE:
Mas três é pouco demais

15
VELHA SENHORA:
Por cinco então
E tu precisa, eu sei
É só dizer

FANTINE:
É só o que tenho…

VELHA SENHORA:
Problema seu!

FANTINE:
Ao menos dez!

VELHA SENHORA:
É cinco só!
Meu bem, a vida
É mesmo um nó!

[Sai Fantine e velha senhora. Entram mulheres]

MULHERES:
Lindas moças
Pela escuridão
Prontas pra qualquer
Que seja a sua pretensão

PROSTITUTA 1 [GYO]:
Meia hora
Muita sarração!
Quem quiser a noite toda
Paga a condução

TODAS:
Rapidinha – tá na promoção!

[Saem mulheres. Entram Crone e Fantine]

CRONE [RAFA]:
Mas vejam bem
Que lindos cachos que tens
Mas é demais
E tem um preço, eu sei
Eu dou a mais

FANTINE:
Me larga, deixa-me em paz

CRONE:
Que preço, então?

16
Dez francos eu te darei
É só dizer

FANTINE:
São dez a mais…

CRONE:
É só dizer

FANTINE:
O que fazer? São dez a mais
Que vão enfim salvar Cosette

[Sai Crone e Fantine. Entram mulheres]

PROSTITUTA 2 [DAYANE]:
Tão cansada
Já não posso mais
Dói-me tanto o ventre
E as feridas são demais

[Entra cafetão]

CAFETÃO [GUSTAVO]:
Fica fria
Finja, meu amor
Que outras fazem fila
Pra sofrer da sua dor

PROSTITUTA 3 [NAYARA]:
Faço em dobro
Seja como for

[Entram Fantine e homens]

CAFETÃO:
Aquela tal
De onde apareceu?

PROSTITUTA 1:
Ela é a tal
Que o cabelo vendeu

PROSTITUTA 2 :
Um filho tem
E é preciso manter

CAFETÃO:
Se desgraçou!
Eu devia saber

17
Linda moça, junte-se aos amigos
Linda moça!

PROSTITUTA 3:
Nessa vida tudo é algoz
Não és mais do que qualquer de nós
Se essa vida te afundou no lamaçal
Ganhe a vida

PROSTITUTA 2:
Vendendo o seu mingau

PROSTITUTA 1:
Venda tudo
Tudo o que tiver

PROSTITUTA 2:
Venda tudo
Venda-se mulher

[Sai Fantine e homem de mãos dadas]

MULHERES:
Velhos, moços, venha o que vier
Ratos e lagartos, só não vem quem não quiser
Pobres, ricos, chefes da nação
Quando tira a calça
Todo mundo tem bundão
Tem dinheiro, eu nunca digo não!

Lindas moças
Prontas pra levar
Todos fazem fila
Mas nenhum vai demorar

PROSTITUTA 1:
Vamos, venha, nobre capitão

PROSTITUTA 2:
Venha com a certeza de que eu
Nunca digo não

[Entra Fantine. Saem mulheres, cafetão e homens]

FANTINE:
Vida fácil
Cama pra deitar
Ninguém faz idéia que
Há um ódio a me queimar

18
Eis o meu cadáver
Venham todos me usar

[Entra Bamatabois]

BAMATABOIS [RAFA]:
Que isso, tem carne nova na praça? Vem cá, mocinha, foge não!

FANTINE:
Me deixa em paz!

BAMATABOIS:
Tá de brincadeira, ô putinha? Tá querendo se ferrar sem ganhar?

FANTINE:
Sai daqui, rato nojento! Mesmo puta igual eu sem nada no mundo tem direito a negar!
(num impulso, fere o guarda)

BAMATABOIS:
Vaca desaforada, agora que tu me paga! Agora que eu acabo com a tua raça! Tá achando
que é quem? Eu sou a ordem, a lei, e agora tu vai pagar caro o que tu fez!

FANTINE:
Meu senhor, me perdoa! Eu...foi sem querer, não fiz por mal! Me perdoa, eu imploro!

BAMATABOIS:
Vai pedir teu perdão pra quem te come!

[Sai Bamatabois, prostitutas ficam a frente do palco. Fantine grita, logo após,
prostitutas saem. Música 05 - Um sonho que sonhei]

FANTINE:
Já houve um tempo de homens bons
De palavras gentis
E de vozes mansas
Já houve um tempo de outros tons
E de tantas canções
E de tantas lembranças
E tanto mais
Que já não há

Eu tinha um sonho pra viver


Um sonho cheio de esperança
De que um amor não vai morrer
E Deus perdoa e não se cansa

Eu era forte e sem temor


E os sonhos eram de verdade
Não tinham preço nem valor
Canções e sons pela cidade

19
Mas a noite então caiu
E na noite tantas feras
Me rasgaram o coração
E tudo aquilo que eu sonhei

Foi num verão que ele surgiu


Me oferecendo a primavera
E prometeu e não cumpriu
Pois foi embora e eu fiquei

E hoje eu sonho que ele vem


E nos seus braços eu me entrego
Mas sei que é sonho e nada além
Dos velhos sonhos que eu carrego

Eu tinha um sonho pra viver


Mas eis que a vida foi mais forte
E de repente eu acordei
Mataram tudo
O que eu sonhei

[Entram Javert e Bamatabois. Boca de cena - meio]

JAVERT:
Que há, guarda? Houve agressão? Todo cuidado é pouco nesse ninho de cobra
disfarçado de mulher! Ferir um homem de bem é inadmissível! Quero a história toda em
detalhes.

BAMATABOIS:
O senhor não vai acreditar, inspetor! Eu tranquilamente caminhando no cumprir do
dever quando essa vagabunda louca veio me atacar, olha!

FANTINE:
Por favor, senhores, eu imploro perdão! Se não tiverem piedade de mim, pelo menos da
minha filha que eu preciso criar, por favor!

JAVERT [Prendendo Fantine]:


Há 20 anos que atuo na justiça e há 20 anos escuto a mesma ladainha de uma gentinha
que não presta pra nada além de mentir, sem pudor nem honradez!

[Entra Valjean acompanhado de uma das putas]

VALJEAN:
Inspetor Javert, espera! Deixe a moça, vamos ter ponderação, escutar o que ela diz! Ela
parece sincera e tudo foi apenas um mal entendido

JAVERT:
Mas seu prefeito, é inadmissível…

20
VALJEAN:
Você cumpriu o seu dever de garantir a ordem, inspetor. De castigo já basta o que o
destino reservou pra essa infeliz, deixe estar!

JAVERT:
Mas seu prefeito…

VALJEAN [indo até Fantine]:


Seus olhos, moça...você me é familiar, tenho certeza que já te vi em algum lugar...

FANTINE:
Sem dó, meu senhor, que nem meu orgulho eu tenho mais! Seu capataz tratou de me
desgraçar a vida sem eu ter feito nada e o senhor assistiu a tudo parado, sem mover um
dedo só sequer!

VALJEAN:
Você...você era da fábrica, naquele dia de confusão?

FANTINE:
A minha filha doente na beira da morte, eu fazendo tudo que podia trabalhando tanto
quanto as outras e fui enxotada por intriga e ciúme, sem razão...

VALJEAN:
Eu..eu...lhe peço perdão! Mil perdões! Não sabia de nada e recomendei ao capataz
resolver tudo com calma e paciência...Eu que peço, por favor, me deixa te ajudar e
compensar esse mal!

FANTINE:
Se existe mesmo um deus ele que me leve daqui que não há nada que o senhor possa
fazer!

VALJEAN:
Eu irei...irei te compensar esse mal!

[Fantine sai às pressas. Música 06 - Barulho de cavalo relinchando c/ som de


cavalgadas e de acidente]

JAVERT:6
Seu prefeito! E aqui, como fica a situação…

HOMEM 1 [VICTOR]:
Cuidado!

HOMEM 2 [GUSTAVO]:
A carroça!!!

[Entra Fauchelenvent embaixo da carroça e pessoas observando]

21
VALJEAN:
Senhor! (corre até Fauchelevent atropelado e tenta ajudá-lo) Por deus, homens!
Ninguém vai me ajudar salvar esse senhor?

HOMEM 1 [VICTOR]:
Fique longe, seu prefeito

MULHER [GYO]:
O peso vai ceder

CORO [falando em confusão]:


Se mexer aí vai cair tudo, seu prefeito! Vão morrer dois ao invés de um!

[Valjean levanta a carroça e salva o morto tal e qual pegou a bandeira da França
ou outro elemento enquanto preso]

FAUCHELEVENT [LUCAS]:
Seu prefeito, salvou minha vida! Não sei como começar a te agradecer!! (os homens se
cumprimentam)

[Sai homem, mulheres e Fauchelevent]

JAVERT [para si]:


Impossível...que força é essa! Um homem nessa idade conseguir levantar...igual aquele
desgraçado, alma infeliz, 23612

[Valjean percebe as balbúcias de Javert em sua direção e vai até ele]

JAVERT [para si]:


Cala a boca, Javert, perdão, meu deus!

VALJEAN:
Diga lá, inspetor, quero poder escutar o que te incomoda!

JAVERT:
Senhor prefeito, nada incomoda. Me admirou como o senhor conseguiu salvar o infeliz,
só vi força igual uma vez na vida...um miserável que ficou foragido por 10 anos! Mas,
conseguimos capturá-lo e hoje, mesmo negando desesperadamente, vai a julgamento!
Nem Jean Valjean consegue se esconder pra sempre!

VALJEAN:
Mas inspetor, se o homem nega assim com tanto desespero, certo que foi devidamente
averiguado e recolhidas as devidas provas para acusá-lo, não?

JAVERT:
Fui eu quem prendi o homem, senhor prefeito, conheço o desgraçado melhor que
qualquer um, como a palma de minha mão! Provas pra que se ele tem uma marca
inconfundível no corpo que quando for exposta o condenará, se deus for justo, à morte!

[Sai Javert]

22
VALJEAN:
A chance que eu pedi a deus...se condenarem esse homem eu me torno realmente livre
até morrer! Já cheguei tão longe nessa farsa que consegui negócio, empregados, famílias
que dependem de mim...esse outro infeliz por certo que não deve ter nada e ninguém
chorará seu destino...agora se eu falar a verdade eu me estrepo e tudo o que eu construí
e um mundo de gente que depende de mim vem abaixo...

[Música 07 - Quem sou eu?]

VALJEAN:
Quem sou eu?
Pra condenar assim um outro ser
E me furtar da culpa, e me esconder

Um inocente em meu lugar


Caminha pra se acabar

Quem sou eu?


Pra me ocultar eternamente assim
E me esconder do homem que há em mim

E até a morte me levar


Meu nome nunca pronunciar
E mentir

Como é que eu vou olhar alguém assim?


Como é que eu vou poder olhar pra mim?

Minh’alma eu pus nas mãos de Deus


E que ele guie os passos meus
E é só por Deus que estou aqui
Só Deus mostrou o que eu não vi

Quem sou eu?


Quem sou eu?

[Entram Juíz, prisioneiro, Javert e guarda]

VALJEAN:
Sou Jean Valjean!

Então, Javert, você errou


E este homem não pecou
Quem sou eu?
Dois, três, seis, um, dois!
[Todos saem. Entra Fantine já deitada e enfermeira, que a posiciona no meio do
palco. Música 08 - Vem pra mim (Fantine’s Death)]

FANTINE:
Vem já dormir, Cosette

23
Cosette, está tão frio!
Você brincou demais
Já vai escurecer

[Entra Cosette criança de branco]

FANTINE:
Vem deitar, que o sol já vai embora
Vem pra mim, que a noite não demora
Vem comigo, e eu vou cantar baixinho
Até você dormir, eu vou cantando de mansinho…

[Entra Valjean]

VALJEAN:
Oh Fantine, não há o que esperar
Mas Fantine, eu juro por meu Deus

FANTINE:
Vê, senhor, crianças a brincar

VALJEAN:
Fica em paz, fica em paz, por favor

FANTINE:
Vê, Cosette…

VALJEAN:
Eu hei de protegê-la

FANTINE:
Por favor…

VALJEAN:
Eu vou cuidar de tudo

FANTINE:
És tão bom, vieste como um anjo

VALJEAN:
Ninguém vai maltratar Cosette
Enquanto estou por perto

FANTINE:
Minhas mãos,
Senhor, eu vos entrego

VALJEAN:
Não há o que temer

24
FANTINE:
E Cosette
A vós estou deixando

VALJEAN:
Eu juro proteger

FANTINE:
Vou dormir, a noite não demora
Avise a Cosette que eu a verei
Quando acordar…

[Fantine estica o braço para Cosette. Fantine morre, sai Cosette. Entra Javert.
Música 09 - O confronto (Confrontation)]

JAVERT:
Valjean, então
Agora somos nós
Prefeito, eu sei
Seu tempo terminou

VALJEAN:
Antes que vá me condenar, Javert
Antes de tudo desabar em mim
Escute bem, há algo que é só meu

Eu prometi a essa pobre mulher


Que vou salvar, eu juro que vou
Que vou cuidar da filha que ficou
Três dias só… E eu vou voltar
Três dias só…

JAVERT:
Você enlouqueceu!
São tantos anos a fugir
Tantos anos eu atrás
E agora eu peguei

VALJEAN: JAVERT:
Mas creia em mim, pode crer Eu jamais irei mudar
Há um juramento e eu vou cumprir Tu jamais irás mudar
Não sou mais o que já fui Não, 23612
Já não sou mais quem rouba um pão

Agora é só a lei!
Minha história já mudou Sem conversa, nem pensar
E eu não vou morrer assim Dessa vez é o fim
Sem consertar um erro tão cruel… Eis que a história reverteu

25
Jean Valjean não é ninguém

Ouça o que eu direi, Javert Não me fale em salvação


Sou mais forte que você E no preço a se pagar
Toda força que há em mim Quem nasceu em meio aos cães
Meu sangue ainda é meu! Faça tudo pra mudar

Ouça o que eu direi, Javert Ninguém sabe de Javert


Eu farei o que eu puder Que nasceu numa prisão
Se é preciso te matar Que foi pária igual você
Eu cumpro o meu papel Tinha nada pra perder

VALJEAN:
Um juramento eu vou fazer

JAVERT:
Não há lugar pra se esconder

VALJEAN:
Essa criança vai vingar

JAVERT:
E onde quer que você vá

VALJEAN:
Essa criança vai crescer

VALJEAN e JAVERT:
E sempre lá eu hei de estar!

[Sai Valjean, Javert e Fantine. Entra Cosette Jovem. Música 10 - Castelo la no


ceu|CASTLE ON THE CLOUD]

COSETTE JOVEM:
Tem um castelo lá no céu
Onde eu vou sempre me esconder
Lá nada tenho que varrer
No meu castelo lá no céu

Lá tem brinquedos só pra mim


Tantas crianças pra brincar
Lá todo sonho aconteceu
No meu castelo lá no céu

Uma figura de mulher


Que sempre vem pra me ninar
Que linda é

26
E no seu calor
Me diz: Cosette, tu és o meu amor

Eu sei que existe esse lugar


Lá não tem choro e não tem dor
Lá onde o sonho aconteceu
No meu castelo lá no céu

[Entra Madame Thénardier]

MADAME THÉNARDIER:
Ah, mas olha só, que lindo! Que anjinho! Fugindo da obrigação fingindo de boa
mocinha, ai de ti que se eu te pego eu te envergo, menina! Sua mãe paga uma merreca
que não sobra nem pra tirar o ranço das suas lambanças! Pega esse balde e some daqui,
vai pro poço pegar água e trazer pra cá que é o mínimo, moleca insolente! Maldita hora
que eu te botei dentro de casa, ai que burra que eu fui! Peste, tal mãe, tal filha, da pior
das laias...Éponine, meu amor, vem cá, toma aqui filha! Que linda meu bebê com esse
chapéu! Como é bom ver uma menina que sabe andar, se vestir, se comportar...Cossette,
que merda, ainda tá aqui?! Cadê a água que eu pedi? Ta achando que vai chorar até
encher esse balde? Te mete pra fora e vai pro poço antes que eu perco a cabeça!

COSETTE JOVEM:
Não, por favor, lá fora, não, tá muito escuro agora!

MADAME THÉNARDIER:
Cala a boca! Mimada! Eu já mandei uma, mandei duas e na terceira eu vou esquentar
teu lombo pra aprender virar gente!

[Sai Cosette. Entram Sr. Thénardier e fregueses]

FREGUÊS 1 [LUCAS]:
Bora lá, rapaz

FREGUÊS 2 [GUSTAVO]:
Manda ver o que é bom, chefia

FREGUÊS 3 [RAFA]:
Enche o copo até o talo

THÉNARDIER:
Essa é da boa, tu vai gostar! Se não, não me chamo Thénardier!

FREGUÊS 4 [GYO]:
Para com essa falação e bora encher a cara, meu povo!

THÉNARDIER:
Claro, seu bundão! Tudo bem, freguesia!

FREGUÊS 1 [LUCAS]:
Essa merda tá pior

27
FREGUÊS 2 [GUSTAVO]:
Mas pra mim foi sempre assim

Entra música - Master of The House

[Música 11- Seu anfitrião|Master Of The House. Entra freguês]

THÉNARDIER:
Entra M’sieur
Vem se sentar
Peço atenção
Pra me apresentar
Sou o patrão
Dou meu suor
Não poupo a mão
Pra dar o melhor

Outro como eu
Tu não conheceu
Um cara tão capaz
Que só faz o seu…

Seu anfitrião
Chefe de vocês
Que não poupa esforço
Pra ‘agradá’ o freguês!
Sabe divertir
Sabe acompanhar
Mais que tudo, sabe a hora de parar

Pronto pra qualquer parada


Sempre pra qualquer favor
Mas é melhor saber que
Tudo tem um preço, meu senhor

Seu anfitrião
Chefe do quartel
Pronto pra esquecer
Seu troco no chapéu
Água no licor
Óleo no balcão
Escorrega o cotovelo
E abre a mão!

Todo mundo é meu compadre


Todo mundo é amigão!
Mas claro que eu também preciso
Então no fim eu meto a mão

28
THÉNARDIER e CORO:
Seu anfitrião
Sempre a controlar
Sempre vigiando
Pra não se estrepar
Pronto pra servir
Sempre ao seu dispor
Pároco e filósofo e até doutor
Todo mundo é camarada
Todo mundo é como irmão

THÉNARDIER:
Mas é melhor cuidar do bolso
Pois eu tenho comichão

[Entra freguês]

THÉNARDIER:
Entre M’sieur
Vem se sentar
Tire o chapéu
Vem relaxar
Mas isso aqui
Pesa demais
Pode deixar
Que eu guardo lá atrás

O melhor pernil
Já vem vindo aí
Ninguém jamais serviu
Como eu sirvo aqui

Santa refeição
Dá pra acreditar
Que esse picadinho
É mesmo de babar?

Pombo por faisão


Gato por filé
Dentro da salsicha
Eu já nem sei quem é!

Fora os quartos lá de cima


Disponíveis pra casal
Preço camarada
Mais as taxazinhas no final…

Taxa pra deitar


Extra pra roncar

29
Dez por cento que é
Pro rato não entrar

Banho a combinar
Taxa pro sabão
Pra fazer espuma
Tá na promoção

E no fim, lá vem a conta


Meio quilo de papel
Quanto mais eu somo
Muito mais eu tomo
Deus, mas essa conta é um troféu!

THÉNARDIER e CORO:
Seu anfitrião
Sempre a controlar
Sempre vigiando
Pra não se estrepar
Pronto pra servir
Sempre ao seu dispor
Pároco e filósofo e até doutor!
Todo mundo é camarada
Todo mundo é bom freguês!

THÉNARDIER:
Bando de panacas
Ai! Por que não morrem de uma vez!

MADAME THÉNARDIER:
E eu que sonhei
Com um príncipe galã
Pois olha o sapo
E eu agora sou a rã

“Seu anfitrião”
Olha o que ele faz
Pároco e filósofo
E que merda mais?

Cérebro de cú
Bafo de leitão
Diz que é bom de cama
Mas não tem pintão

O destino foi carrasco


E me deu esse animal
Eu queria ter um lar
Mas hoje eu vivo num curral

30
THÉNARDIER e CORO:
Seu anfitrião

MADAME:
Seu afanador

THÉNARDIER e CORO:
Pároco e filósofo

MADAME:
Enganador!

THÉNARDIER e CORO:
Pronto pra servir
Sempre ao seu dispor

MADAME:
Bêbado, hipócrita e
Bajulador!

THÉNARDIER e CORO:
Todo mundo faça um brinde
Pra patroa e o patrão!

THÉNARDIER:
Todo mundo vai brindar

MADAME:
Todo mundo vou roubar

TODOS:
Todo mundo vai brindar, sim
Ao nosso anfitrião

[Saem todos. Entram Cosette Jovem e Valjean. Cosette no poço (boca de cena -
com o balde para fora do palco) - Valjean chega e ela se assusta]

VALJEAN:
Olá…Cosette? Venho em nome de sua mãe! Eu e Fantine somos grandes amigos e ela
me mandou para que te buscasse e cuidasse de você! Primeiro precisamos acertar as
contas com os Thenardiers, pode me levar até eles?

[Cosette e Valjean vão juntos até chegar à casa dos Thénardiers. Sra. Thénardier
entra com Sr. Thénardier e vai até ela com fúria e disfarça ao perceber Valjean]

[Entram M. & Madame Thénardier]

MADAME THÉNARDIER:
Ah, sua desgra… ças a Deus querida! Onde você estava? Vai jantar, vai! [abraça a
menina forçadamente e empurra ela para fora de cena]

31
VALJEAN:
Eu encontrei essa criança sozinha no meio da floresta à essa hora da noite, como pode
isso? Bom, vim pra ajudar e me disponho a pagar toda e qualquer compensação pra
levar Cosette comigo.

MADAME THÉNARDIER:
Seu casaco, senhor, da aqui...

VALJEAN:
Prometi à mãe dela no leito de morte que cuidaria da menina como se fosse minha e falo
agora em nome de Fantine, que descanse em paz, que a partir de hoje estou em seu
lugar; Cosette é agora minha filha!

THÉNARDIER:
Seja muitíssimo bem-vindo aqui, senhor…

MADAME:
Vem sentar

THÉNARDIER:
Vem beber

VALJEAN:
Levarei Cosette comigo! Aqui uns honorários pelo tempo da garota com vocês!

THÉNARDIER:
Ele quer levar nosso bibelô, nossa mina de ouro, menina linda, formosa, sentirei tantas
saudades da Colette!!

MADAME:
Cosette…

THÉNARDIER:
Cosette! Sinto muito por Fantine, pobre alma, que descanse em paz!

MADAME THÉNARDIER:
Que generosidade a do senhor! Mas sabe, né, a menina adoeceu, ferveu de febre, tanto
remédio, a inflação na farmácia, longe de mim abusar da sua generosidade senhor, mas
sabe…

THÉNARDIER:
E aliás, hoje em dia o mundo anda tão de cabeça pra baixo. não é mesmo?

MADAME THÉNARDIER:
As coisas andam perigosas, como a gente vai saber o que lá o senhor quer com a nossa
menina…

VALJEAN:
Já, já! Toma aqui mais umas notas pros senhores. Grato pelos seus serviços e não vai
demorar a ficarem muito bem pelas saudades da garota!

32
[Saem M. & Madame Thénardier]

VALJEAN [chamando Cosette]:


Cosette, pegue apenas o que conseguir e traga um agasalho que está frio! Vamos embora
daqui pra um lugar melhor!

COSETTE:
E lá terá um castelo pra eu brincar??

VALJEAN [chamando Cosette]:


Um castelo enorme com várias princesas e amigos, vamos!

[Música 12- Castelo No Céu X Olhai, Olhai (Reprise). Saem Cosette Jovem e
Valjean. Entram mendigos e Gavroche]

MENDIGOS:
Olhai pra ver, mendigo aos vossos pés
Olhai, por Deus, e tende compaixão
Olhai pra ver
São ratos de convés
Olhai, olhai
Que todos são irmãos

GAVROCHE:
Oi, como vai, eu sou Gavroche
Eis o meu povo, eis o meu chão
Nada pra ver além do pó
Nenhum refresco pra visão

Eis minha escola, minhas páginas


Eis os barracos Saint Michelle
Sobre as migalhas, bocas ávidas
Brigam por ossos, sob o céu
Pobres são
Livres são
Sigam-me, sigam-me!

MENDIGOS:
Olhai, por Deus, e tende compaixão
Olhai, olhai, que todos são irmãos

[Entra Marius e Enjolras]

MARIUS:
Cadê os líderes daqui
Cadê quem faz andar o show?

ENJOLRAS:
É só um homem, só Lamarque
Fala com a voz de quem calou

33
TODOS:
Fome e solidão
Ilhas de terror
Tudo por um magro pão
Em nome do senhor

SOLO FEMINIO:
Por amor do senhor

TODOS:
Do senhor
Do senhor
Do senhor

MARIUS:
Lamarque doente, muito mal
Dizem que está chegando ao fim

ENJOLRAS:
Por isso a revolta é geral
Quando vai chegar, enfim…
O dia que não iremos mais temer?
E as barricadas vão se erguer!

[Entram M. e Madame Thénardier e Éponine]

GAVROCHE:
Vejam, lá vai Thenardier
Toda família se ferrou
Teve uma casa pra viver
Mas foi na rua que acabou
São uma gangue
De facínoras
Até a filha dele faz
É Eponine, pequena víbora
Pronta pra dar um bote a mais

Quem dá mais?
Quem de nós?
Ai de nós!
Ai de nós!

MENDIGOS:
Olhai, por Deus, e tende compaixão
Olhai, olhai, que todos são irmãos

THÉNARDIER:
Prestem atenção, seus idiotas! Você! Vai ficar de vigia! Você, minha filhinha linda,
chora como a gente ensaiou, ok? O resto dos beberrões, concentrem-se em não foder
tudo!

34
MADAME THÉNARDIER:
Praga de estudantes, sujando tudo, fazendo balbúrdia!

MARIUS:
Ei, Éponine! Éponine! Ta sumida, que aconteceu? Por onde anda? Como vai a vida?

ÉPONINE:
Nada de mais, estou sempre por aqui.

MARIUS:
Isso porque a polícia ainda não te pegou!

ÉPONINE:
Quantos livros você carrega, que inteligente! Sabe, eu também gosto de ler. Sou mais
inteligente que parece.

MARIUS:
Ah! Mas sua inteligência é das ruas!

ÉPONINE:
O seu cabelo já cresceu!

MARIUS:
Você é sempre tão gentil

[Entram Valjean e Cosette]

MADAME THÉNARDIER:
Psiu! Éponine! Atenção!

ÉPONINE:
Some daqui!

MARIUS:
Mas, Éponine…

ÉPONINE:
Melhor você sair, vai embora!

[Sai Marius esbarrando em Cosette no caminho]

THÉNARDIER:
Oh por favor, m’sieur, teria um trocado que seja? Veja, a criança está nas últimas, olha a
cara de doente! Ela precisa comer, pelo amor de Deus! E que ele te dê em dobro! Mas…
Pera aí, esse mundo é pequeno demais! Você não é o…

MADAME THÉNARDIER:
Foi o que levou nossa Cosette!

35
VALJEAN:
É o que? O senhor seria quem? Está entorpecido?

THÉNARDIER:
Socorro! Tem um ladrão aqui! Alguém chama a polícia!

ÉPONINE:
A polícia está vindo, e o inspetor Javert também!

[Entram Javert e guarda]

[Sai Cosette e Valjean]

JAVERT:
Mas confusão outra vez? Por conta de um zé ninguém? Você, me conte já o que se passa
aqui! Tudo que eu vejo é um bando de urubus… mas aquele ali é diferente…aquele eu
sei quem é. O senhor, me ajude a encontrá-lo já!

[Sai Madame, Eponine, Gavroche e mendigos]

THÉNARDIER:
Bem… eu não sei de nada, eu estava apenas passando quando aquele marginal me
atacou. Mas eu vi, eu vi a marca no peito.

JAVERT:
Mas será que é possível? Um bandido que foge ao ouvir meu nome…e a garota junto
dele… será que é Jean Valjean outra vez?

THÉNARDIER:
Não querendo atrapalhar… eu já to indo, ok? Boa sorte e se você pegá-lo, lembra que
fui eu quem te ajudou.

[Sai Thénardier]

JAVERT:
Deixa ele correr! Deixa ele fugir! Eu vou atrás desse desgraçado pra sempre até o
inferno! O resto, sumam daqui!

[Música 13 - Estrelas|Stars]

JAVERT:
Lá dentro das trevas
Um homem que foge
Órfão da graça
Órfão de Deus

Deus que me escute


Não hei de cansar
A buscá-lo nos breus
A buscá-lo nos breus

36
Na escuridão ele vai
Enquanto eu sigo o senhor
Quem caminha do lado dos justos
Terá o seu valor

E quem cair
O inferno verá
Terá, o horror!

Ah! As estrelas são


São incontáveis
Enchem as trevas
De ordem e luz

E sentinelas são
Mudas e sós
Céu que a todos conduz
Deus que a todos conduz

E não se soltam do céu


E nunca vão se soltar
Girando e girando
E voltando outra vez
Para o mesmo lugar!

Pois quem cair


O inferno verá
Terá, o horror!

E assim há de ser
Assim foi escrito
Nas estrelas e páginas
Que quem for fraco
E sair da luz
Irá pagar

Deus me dê forças
Hei de buscá-lo
Como um troféu!
Eu não vou ceder
Eu juro, na lei
Das estrelas no céu!

[Sai Javert. Entra Gavroche cantarolando]

GAVROCHE:
O inspetor se acha muito
Mas quem manda aqui sou eu
Meu teatro nunca fecha
Se a cortina não desceu

37
Sou Gavroche! Creia em mim!
Tudo fica bem no fim…

[Sai Gavroche. Entra Éponine]

ÉPONINE:
Cosette! Cosette! É claro, a gente cresceu juntas, eu me lembro dela!

[Entra Marius]

ÉPONINE:
Meu Deus! Que mundo pequeno…

MARIUS:
Pelo amor de Deus, Éponine, quem é ela?

ÉPONINE:
Javert maldito, ele nunca vai conseguir!

MARIUS:
Éponine! Quem ela é?

ÉPONINE:
Ah, uma tonta aí! Mas pra que quer saber?

MARIUS:
Éponine, encontre ela!

ÉPONINE:
E eu ganho o que com isso?

MARIUS:
O que você quiser, Éponine! Só pedir!.

ÉPONINE:
Que aconteceu que você mudou do nada? Eu não quero nada não!

MARIUS:
Éponine, faz por mim, por favor! Descubra onde ela mora, mas não conte ao seu pai! Eu
preciso saber!

[Saem Marius e Éponine. Entram estudantes. Música 14 Café ABC (Música de


fundo)]

ESTUDANTE 1 [RAFA]:
Já começaram os preparativos em Notre Dame.

ESTUDANTE 2 [LUCAS]:
Na Rue de Bac, a pressão já é forte.

38
ESTUDANTE 3 [GUSTAVO]:
É isso! Todos prontos pra lutar! Nossa mensagem espalhada por toda Paris.

ENJOLRAS:
Também já sinto o sangue ferver, mas precisamos de foco. Existe uma grande luta que
espera por nós e não vai ser fácil. Os guardas não vão ter dó. Vão tentar destruir nossos
sonhos. Mas unidos conseguiremos, camaradas!

[Entra Marius]

ENJOLRAS:
Marius chegou!

ESTUDANTE 1 [RAFA]:
Que cara é essa? Parece que viu assombração…

ESTUDANTE 2 [LUCAS]:
Um vinho vai resolver…

MARIUS:
Talvez foi assombração…ela veio, iluminou minha vida, e depois sumiu…

ESTUDANTE 3 [GUSTAVO]:
Por Deus! Marius encontrou o amor! Seus olhos só dizem “ooh” e “ahh”. Vamos deixar
tudo para amanhã, porque o garanhão aqui precisa de uma bebida!

ENJOLRAS:
Larga o menino, vamos focar no que importa!

[Música 15 - Vermelho e preto|Red And Black]

ENJOLRAS:
Já é tempo de ser cada qual o que é
Encontrar seu lugar e lutar! Brincadeira não é!
Já pensaram talvez que há um preço a pagar?
Já pensou que é mais que um jogo pra brincar?
As cores já não são as mesmas pra se olhar…

Há vermelho pra lutar! Não à antiga escuridão!


Há vermelho amanhecer! Não à eterna escuridão!

MARIUS:
Você deve entender
essa tal sensação
Essa coisa que dentro nos toca
Com tanto prazer

Você deve entender


Esse novo sentir
Pode o mundo mudar

39
e tudo se inverter
O certo errado ser
Errado é não viver!

Há vermelho em meu olhar!


Não, não tê-la é escuridão!
Há vermelho a desejar!
Não, não tê-la é escuridão!

ENJOLRAS:
Marius, é preciso crescer
Eu sei que é forte o que sentiu
Mas não há tempo pra sonhar
Não dá pra contemplar o amor
Ao som e à fúria do tambor
A vida agora é só lutar

CORO:
Há vermelho no rancor!
Não, à triste escuridão!
Há vermelho amanhecer!
Não, a triste noite, não!

ENJOLRAS:
Revisem as armas e avisem todos: a hora chegou!
Ei, chega de beber, todos prontos pra luta?

ESTUDANTE [LUCAS]:
Só um conhaque para coragem!

[Entra Gavroche]

GAVROCHE:
Ouçam, ouçam aqui! O general Lamarque morreu! [Música 16- Musica de Suspense
(Morte do General Lamarque)]

ENJOLRAS:
Lamarque… morreu? Lamarque morreu por nós!Sua morte agora é um sinal! Vamos,
companheiros, todos na rua!

[Música 17- Canção do povo|Do You Hear The People Sing]

ENJOLRAS:
Ouçam todos a cantar
Eis nossa fúria na canção
Eis os acordes de um povo
Contra toda escravidão!

Corações a disparar
Como os tambores em furor

40
Há uma vida a despertar
Em um novo amor!

ESTUDANTE 1 [RAFA]:
Cada vez aumenta mais
A multidão atrás de nós
Ninguém aguenta mais,
Seremos todos uma voz!

ESTUDANTE 2[LUCAS]:
Cantemos então
A canção de uma luta feroz!

[Entra coro]

CORO:
Ouçam todos a cantar
Eis nossa fúria na canção
Eis os acordes de um povo
Contra toda escravidão

Corações a disparar
Como os tambores em furor
Há uma vida a despertar
Em um novo amor!

ESTUDANTE 3[GUSTAVO]:
Nossas mãos num gesto só
Vão a bandeira costurar
Quanto sangue e quanto pó
Quando a bandeira desfraldar
O sangue dos bravos
Regando os canteiros e o mar!

CORO:
Ouçam todos a cantar
Eis nossa fúria na canção
Eis os acordes de um povo
Contra toda escravidão

Corações a disparar
Como os tambores em furor
Há uma vida a despertar
Em um novo amor!

[Saem todos. Entra Cosette. Música 18 - IN MY LIFE| EU VIVI]

COSETTE:
Será
Que a vida começou em mim, enfim?

41
Não há
Ninguém pra me dizer que o amor é assim
O que há com você, Cosette?
Você sempre viveu em si
Há tanto que aprender
Há tanto mais que eu vi

Eu vivi
Entre tantas perguntas
Respostas de sim e de não
Eu vivi
Em silêncio ouvindo ao longe
O som de uma certa canção

De um lugar
Que um dia eu sonhei pra mim
Um lugar
Que é tão longe daqui
Longe de mim

Ele sabe de mim?


Nada dele eu sei.
Saberá que eu vivi?
Sonhará o que eu sonhei?

Eu vivi
Pela vida esperando vencer
Pra chegar só aqui
Vem pra mim
Eis-me aqui

[Entra Valjean]

VALJEAN:
Oh, Cosette
Que tanta solidão
Eu sinto tão triste que é você
Mas creia, faria o que eu pudesse
Que tudo acontecesse
Pra nada mais doer em você
Mas já não sei o que fazer

COSETTE:
É tão pouco o que eu sei
É tão mais que eu não sei
Da criança que eu fui
Tanto tempo lá atrás

Você nada diz


Nada pode dizer

42
Que segredo cruel
Eu não devo saber?
Cruel como a como a prisão
Viver na escuridão

Eu vivi
Tendo tudo o que eu quero
Carinho, calor e um lar
Mas papai, oh papai
Em teus olhos sou sempre
A criança perdida a vagar

VALJEAN:
Por favor!
Por favor, eu não quero falar
Por favor
Há palavras que a dor
Deve calar

COSETTE:
Eu vivi
E agora eu preciso saber
A verdade que há sobre mim
Quem sou eu… De onde eu vim!

VALJEAN:
Saberás
Quando Deus entender
Que tu deves saber
Tu verás!

[Sai Cosette e Valjean. Entra Marius e Éponine]

MARIUS:
Eu vivi
Pra chegar esse dia em que ela
Entrou como um sol
Eu a vi
Tudo em volta deixou de existir
Ela agora é meu norte e farol!

Éponine, nada paga


Esse seu favor
Foi você que me deu afinal
A chave do amor
E eu me sinto voar, eu me sinto feliz!

ÉPONINE:
São facadas em mim
Tudo mais que ele diz!

43
Eu vivi
Uma vida inteira e nunca
Senti nada assim
Ele está… Todo em mim!

MARIUS & ÉPONINE:


Eu vivi
Pra chegar só aqui
Eu vivi

MARIUS:
Esperei

ÉPONINE:
Eu sonhei!

[Sai Éponine. Marius atira uma pedra na casa de Valjean para chamar Cosette.
Entra Cosette. Música 19 - No meu coração]

MARIUS:
No meu coração
Só cabe você
Me sinto tolo por dizer
Meu Deus, não sei
Nem mesmo o nome, eu não sei
Ah, por favor
Diz pra mim
Por Favor

COSETTE:
No meu coração
O sol já nasceu

MARIUS:
Meu nome é Marius Pontmercy

COSETTE:
Cosette, o meu

MARIUS:
Cosette, eu não sei o que dizer!

COSETTE:
Então, não diz!

MARIUS:
Louco estou

COSETTE:
Eu, feliz

44
MARIUS:
No meu coração

MARIUS & COSETTE:


O sol já nasceu

MARIUS:
Meu mundo agora é todo seu
Cosette, Cosette!

COSETTE:
É como um sonho acontecer

MARIUS:
É sonhar

COSETTE:
É viver

[Entra Éponine]

MARIUS:
No meu coração

(ÉPONINE), COSETTE & MARIUS:


(Ele nunca vai sonhar)
Só cabe você

(ÉPONINE) & MARIUS:


(Já nem há porquê sonhar)
Um só olhar eu compreendi

COSETTE & (ÉPONINE):


E eu também
(As palavras que ele diz)

(ÉPONINE) & MARIUS:


(Não pra mim)
Hoje eu sei
(Não pra mim)
(Não por mim)

COSETTE:
Como eu sei

(ÉPONINE), MARIUS & COSETTE:


(No seu coração)
Não é sonho, não mais
(Pra ele nada sou)
Não é mais, é real!

45
[Saem Éponine, Marius e Cosette. Entram Thénardier e bêbados]

BÊBADO 1 [RAFA]:
É aqui! É essa casa!

BÊBADO 2[LUCAS]:
É aqui que ele se esconde!

THÉNARDIER:
Senhores! Esse tem dinheiro! Ele comprou Cosette de mim, mas foi muito barato.
Agora, viemos cobrar o juros!

BÊBADO 3[GUSTAVO]:
Tanto faz, só quero que sobre para mim!

[Entra Éponine]

THÉNARDIER:
Seu puto! Vai ter para todos nós!

ÉPONINE:
Pai…

THÉNARDIER:
Éponine? Sai daqui, vaza, some!

ÉPONINE:
Eu já vim aqui, e juro aos senhores, não tem nada. Só um homem velho e sua filha. Não
há dinheiro ou bens de valor.

THÉNARDIER:
Tá, tá, tá… agora vê se desaparece da nossa frente.

BÊBADO 1[RAFA]:
Vai embora!

BÊBADO 3[GUSTAVO]:
Tá tarde para uma garotinha!

BÊBADO 2[LUCAS]:
Obedece ao seu pai, hein!

ÉPONINE:
Se vocês invadirem… eu vou gritar!

THÉNARDIER:
Grita, meu anjo, grita, e eu faço você se arrepender!

ÉPONINE:
Ahhhhhhhhh!!!

46
THÉNARDIER:
Puta merda! Corram! Fujam!

[Saem bêbados]

THÉNARDIER:
Quanto a você, nem volte para casa se não quiser apanhar!

[Sai Thénardier. Entram Cosette e Valjean. Sai Éponine]

VALJEAN:
Por Deus, Cosette! Que gritos são esses? Pulei da cama de susto, parecia uma algazarra!

COSETTE:
Fui eu, papai!! Quando gritei, espantei os homens que arrombaram aqui, contei 3!

VALJEAN:
Será Javert? Finalmente conseguiu nos alcançar? Maldito destino que não se escapa!
Cosette, minha filha, pegue suas coisas! Corre! Precisamos ir pra onde estejamos
seguros!

[Sai Cosette. Música 20 - Mais um dia|One Day More]

VALJEAN:
Só mais um!
Um outro dia, um destino a mais
A estrada torta onde eu não sigo em paz
Pois hão de vir atrás de mim
Atrás da marca de Caim
Só mais um

[Entra Marius]

MARIUS:
Como eu cheguei até aqui?
Como eu irei sem teus abraços?

VAJEAN:
Só mais um

[Entra Cosette]

MARIUS & COSETTE:


Eu já não sei viver sem ti
Eu só respiro entre os teus braços

[Sai Valjean. Entra Éponine]

ÉPONINE:
Mais um dia e eu tão só

47
MARIUS & COSETTE:
Vou te ver mais uma vez?

ÉPONINE:
Mais um dia e eu sem ele

MARIUS & COSETTE:


Eu nasci pra te encontrar

ÉPONINE:
Minha vida é como um nó

MARIUS & COSETTE:


Eu prometo te esperar

ÉPONINE:
E ele nunca vai saber

[Entra Enjolras]

ENJOLRAS:
Mais um dia pra vencer

MARIUS:
Vou atrás do meu amor?

ENJOLRAS:
Pelo sol da liberdade

MARIUS:
Ou irei com meus irmãos?

ENJOLRAS:
Nossas tropas vão crescer

MARIUS:
Meu destino em minhas mãos

ENJOLRAS:
É preciso decidir

[Entra coro]

CORO:
Lutar por nós
Gritar, vencer

[Entra Valjean]

48
VALJEAN:
Só mais um…

JAVERT:
Mais um dia de revoltas
E vão todos se queimar
Estudantes e os seus livros VALJEAN:
Vão com sangue se molhar Só mais um…

[Entra M. & Madame THÉNARDIER]

THÉNARDIERS:
Olha aquele ali
Pega aquele lá
Tira a sorte grande
Quem souber jogar
Puxa por aqui
Tira pra levar
Lá pr’onde eles vão
Ninguém vai precisar

ESTUDANTES REBELDES:
Mais um dia, um novo tempo
(As bandeiras desfraldar)
Todo homem vai ser rei
(Todo homem vai ser rei)
Há um novo firmamento
(Há um mundo a conquistar)
Ouçam todos a cantar

MARIUS:
Eu vou seguir
Eu vou lutar!

VALJEAN:
Só mais um…

MARIUS, COSETTE (ÉPONINE): JAVERT:


Como eu cheguei até aqui? Eu irei bem junto a eles,
(Mais um dia e eu tão só) Eu irei onde eles vão
Como eu irei sem teus abraços? Pra saber os seus segredos

VALJEAN:
Só mais um… E os planos que farão

49
MARIUS & COSETTE (ÉPONINE): JARVERT: THÉNARDIERS:
Eu já não sei viver sem ti Mais um dia de revolta Olha aquele ali, pega aquele lá
(Passa o dia e eu tão só) E vão todos se queimar Tira a sorte grande, quem souber jogar
Eu só respiro entre os teus braços Estudantes e os seus livros

VALJEAN:
Só mais um dia pra viver
Só mais um dia pra perder

TODOS:
Só mais um dia pra saber
Da nossa guerra ou nossa paz
Mais um sol
Só mais um
Só um mais!

FIM DO 1º ATO

50
2º ATO

[Entra Enjolras, Marius, Éponine e estudantes. Música 21 - Building The


Barricade]

ENJOLRAS:
Nesse ponto aqui
Barricadas vão se erguer
A cidade nos guarda
No seu coração
Que venham com tudo
E logo verão, não!
Eu preciso saber
Qual a força que têm

[Entra Javert]

JAVERT:
É bem fácil pra mim
Conheço-os bem
Pois já fui
Um dos seus
Já lutei,
Vai por mim

ESTUDANTE 1[RAFA]:
Todos hão de lutar

[Sai Javert]

ESTUDANTE 2[LUCAS]:
E se empenhar
Eles vão
É se estrepar

ESTUDANTE 3[GUSTAVO]:
Todos tem que lutar!

MARIUS:
Éponine, o que faz aqui?

ÉPONINE:
Sei que eu não posso ficar aqui, vim só para te ver.

MARIUS:
Sai daqui, é perigoso demais!

ÉPONINE:
Está tão preocupado comigo, isso significa que me ama?

51
MARIUS:
Se quer me ajudar, aqui! Leve esta carta a Cosette, por favor.

ÉPONINE:
Mal olha para mim, e nem quer saber…

[Sai Enjolras, Marius, Éponine e estudantes. Entra Éponine e Valjean]

ÉPONINE:
Senhor, trago essa carta para Cosette, vem de um rapaz das barricadas.

VALJEAN:
Pode entregar pra mim, deixa que eu entrego.

ÉPONINE:
Mas é uma carta pra Cosette!

VALJEAN:
Eu te asseguro que ela vai receber. Pode ir.

[Sai Éponine]

VALJEAN [Lendo a carta]:


“Cara Cosette, tens o meu coração e agora vais partir. Você coloriu meu mundo com tua
luz e teu olhar sobre o meu. E se eu morrer na batalha, que isso seja um adeus, pois, tu
me amas, e eu sinto o mesmo! Que Deus me traga salvo e são de volta a você. De seu
sempre. Marius”

[Sai Valjean. Entra Éponine. Música 22 - Só Pra Mim|On My Own]

ÉPONINE:
E eis então mais uma vez
Que eu estou aqui sozinha
Nem um amigo pra falar
Nenhuma voz além da minha
Já vai anoitecer
E ele vai aparecer

À noite eu ando por aí


Quando a cidade está dormindo
Eu penso nele e sou feliz
E de repente estou sorrindo
O mundo vai dormir
Eu vou sonhar, eu vou sentir

Só pra mim
Eu finjo que ele chega
São pra mim
As flores que ele trouxe
Invento que estou entre os seus braços

52
E se eu fechar os olhos
Ele vem guiar meus passos

Já choveu, e as ruas refletindo


Vão se encher
De estrelas, como rios
Faz escuro
Mas tudo brilha tanto
Que eu vejo nosso amor
Em cada curva do caminho

Mas eu sei que é tudo só em mim


Só pra mim é que eu confesso esse amor
Só eu sei como é amar assim
Pois sonhei e amei por nós

Eu amo até nascer o dia


Vem o sol
E ele vai embora
Sem ele, o mundo é só o mundo
As árvores e as ruas envelhecem num segundo

Eu amo e vão passando os dias


Aprendi a só viver fingindo
Em volta, o mundo vai girando
E eu giro em volta dele
Nesse amor que não tem fim!

Eu amo, o amo, eu amo


Mas sei que é só pra mim…

[Sai Éponine. Entram Enjolras, Marius e rebeldes]

ENJOLRAS:
Liberdade enfim!

MARIUS:
Os guardas vão chegar! Mantenham-se firmes, rapazes!

ENJOLRAS:
Não percam a fé! Não deixem cair!

ESTUDANTE 1[RAFA]:
Se eu devo morrer para ser finalmente livre, quero para mim a mais dura batalha!

ENJOLRAS:
Se eles ousam nos atacar, vamos revidar com tudo!

OFICIAL DO EXÉRCITO [GYO]:


Rendam-se agora ou será tarde demais! Os guardas já os cercaram!

53
ENJOLRAS:
Ah, mas eles vão nos ouvir! Não vamos nos render!

TODOS:
Ah, mas eles vão nos ouvir! Não vamos nos render!

ESTUDANTE 3 [GUSTAVO]:
Ele voltou

[Entra Javert]

JAVERT:
Me ouçam, senhores! Eu sei como eles são, como pensam, como agem. Precisamos nos
planejar bem ou a derrota é certa!

ENJOLRAS:
Muito bem! Se conhece os planos deles, nos diga.

JAVERT:
Eles não vão atacar essa noite. Querem esperar até ficarmos sem comida. Aí é quando
eles se enfrentam.

[Entra Gavroche]

GAVROCHE:
Mentiroso! Boa tarde, seu polícia, como vai, tudo bem? Esse cara é o famoso inspetor
Javert! Um farsante! Eu sou pequeno, mas sou muito esperto! Vamos acabar com ele!

ESTUDANTE 1[RAFA]:
Bravo, garotinho, bravo.

ESTUDANTE 2[LUCAS]:
E então? O que faremos com esse rato imundo?

ENJOLRAS:
Vamos amarrá-lo e deixar o povo decidir o que fazer com ele.

JAVERT:
Me matem logo! Não vão tirar nada de mim! Vamos, acabem logo com isso!

ENJOLRAS:
Levem ele lá pros fundos, decidimos depois!

[Saem Enjolras, Javert, dois estudantes e Gavroche]

ESTUDANTE 3[GUSTAVO]:
Eles estão atirando!

[Sons de tiros]

54
[Entra Éponine]

MARIUS:
Éponine! O que você está fazendo aqui? Perdeu a cabeça?

ÉPONINE:
Fiz o que você pediu, entreguei a carta ao pai. E agora eu já não aguento mais…

MARIUS:
Éponine, que foi? Há algo estranho em você…

[Música 23 - A chuva fina cai|A Little Fall of Rain]

ÉPONINE:
Tudo bem, Marius
Agora nada dói
A chuva fina cai
E não machuca mais
Você chegou pra não doer
Chegou pra me cuidar
Chegou pra me aquecer
E eu sei que as flores vão crescer

MARIUS:
Você não vai morrer
Oh, por favor
Eu vou curar você
Com meu amor

ÉPONINE:
Me abraça então
E fique aqui
Junto aqui
Dentro aqui

MARIUS:
Vai nascer um novo sol
E outros muitos mais
E eu não te deixo mais…

ÉPONINE:
Eu já não sinto mais
A dor, a chuva vai levar
Só vai ficar você
Só vou lembrar você
E vou dormindo assim te amar

Abençoada a chuva
Que te traz
O céu se abre e eu vou

55
Seguindo em paz
Um pouco mais
E eu vou partir
Bem longe, eu vou dormir

ÉPONINE & (MARIUS):


(Por favor)
Tá tudo bem, M’sier
Marius (Oh Épon)
Agora nada dói
A chuva fina cai
E não machuca mais
(Sou eu!)

[Entram Enjolras e estudantes]

ÉPONINE & (MARIUS):


É só o que eu pedi
(Vou ficar aqui)
(Bem do seu lado)
Chegou pra me cuidar
Chegou pra me aquecer
E assim (E eu sei)
As flores vão…
(Que as flores vão crescer)

[Éponine morre]

ENJOLRAS:
A primeira a morrer, a primeira a derramar sangue…

MARIUS:
Seu nome é Éponine. Teve uma vida triste, mas nunca teve medo.

ESTUDANTE 1[RAFA]:
Lutemos em nome dela!

ESTUDANTE 2[LUCAS]:
Do seu heróico amor!

ESTUDANTE 3[GUSTAVO]:
E esse homem de uniforme aqui? O que a gente faz com ele?

[Entra Valjean]

VALJEAN:
Sou voluntário pra luta!

ESTUDANTE 2[LUCAS]:
Com essa idade? Acha que aguenta o tranco? Tem idade para ser avô!

56
ESTUDANTE 3[GUSTAVO]:
E vem em um uniforme oficial! Muito suspeito!

VALJEAN:
Sim, posso ajudar! E o uniforme foi para eu conseguir chegar até aqui!

ENJOLRAS:
Então pega essa, vai nos ajudar! E se ousar de nos trair, vai pagar com sangue!

ESTUDANTE 1[RAFA]:
Tem um pelotão avançando contra nós!

ESTUDANTE 2[LUCAS]:
Várias tropas, homens aos montões!

ENJOLRAS:
Fogo!

[Sons de tiros]

ESTUDANTE 3[GUSTAVO]:
Atiradores!

ESTUDANTE 1[RAFA]:
Estão recuando!

ESTUDANTE 2[LUCAS]:
Vencemos dessa vez!

ENJOLRAS:
Mas eles vão voltar! E a você, devo agradecer, nos ajudou bastante. Realmente é um
homem habilidoso!

VALJEAN:
Não há o que agradecer! Mas poderia pedir um favor?

ENJOLRAS:
Se estiver ao meu alcance…

VALJEAN:
Me dê o tal do Javert. Eu cuido dele!

[Entra Javert]

JAVERT:
Está tudo uma bagunça, a lei não existe mais!

ENJOLRAS:
Faça o que bem quiser, agora Javert é seu!

57
VALJEAN:
E agora nós

JAVERT:
É, Valjean…agora é nós! Tanto corri atrás de ti que acabei encurralado! Faça de mim o
que quiser, Valjean, tenha sua vingança! Mata-me

VALJEAN:
Não vim aqui atrás de vingança, muito menos o que matar!

JAVERT:
Como assim?

VALJEAN:
Some daqui, Javert, vai!

JAVERT:
Pense bem, Valjean.

VALJEAN:
Só fuja…

JAVERT:
Uma vez ladrão, sempre ladrão. Se me deixar vivo vou atrás de você para sempre. Isso
só acaba quando um de nós morrer!

VALJEAN:
Não é possível, homem! Só enxerga o próprio umbigo! Não vê um palmo além do
próprio nariz! Cabeça dura igual pedra! E se eu sair dessa aqui vivo, a própria vida vai
dar um jeito de me botar no teu caminho de novo…vou estar no velho endereço da Rue
Plumet.

[Sai Javert]

[Som de tiro]

ENJOLRAS:
Fique a postos, todos. Essa noite não vamos dormir! Podem atacar a qualquer momento!

[Música 24 - A viver|Bring Him Home]

VALJEAN:
Deus do céu
Vais-me ouvir?
Vais olhar
Este jovem por mim?

Dai-lhe o sol
Dai-lhe a luz
E mostrai

58
Ensinai
A viver
A viver
A viver

Ele é o filho que eu sonhei


Que Deus jamais me concedeu
Os dias vão
Um por um
Mais um verão
Passou por mim
E velho estou
Estou no fim

Dai a paz
Que ele quer
Ele é bom
Ele pode aprender
Sois o sol
Sois o mar
Onde eu vou
Descansar

Se eu morrer, vou morrer


Dai-lhe o sol pra viver
Pra viver
Pra viver

ENJOLRAS:
Os outros não virão, os que não morreram por tiro, morreram de fome, mas não vamos
desistir, ficaremos juntos! Sempre!

[Sons de tiros]

ENJOLRAS:
O que aconteceu?

ESTUDANTE 1[RAFA]:
A gente tá quase sem munição!

MARIUS:
Vou sair na rua pra revistar os corpos e ver consigo algo!

ENJOLRAS:
Não posso deixar você morrer!

MARIUS:
Mas alguém tem que fazer alguma coisa!

59
VALJEAN:
Eu vou! Na minha idade já não faz diferença!

GAVROCHE:
Mas é preciso de alguém rápido!

ESTUDANTE 1[RAFA]:
Você não, garoto!

ESTUDANTE 2[LUCAS]:
O garoto vai se estrepar

GAVROCHE:
Olha só! Tô quase lá!

[Gavroche canta de trás da barricada]

Eu sou pequeno, sou


Mas sei como fazer
Meus dentes são pequenos
Mais eu sei morder

[Som de tiro]

Não chute um pobre cão


Se grande ele não é
Os dentes do filhote
Vão rasgar seu pé

[Gavroche sobe a barricada]

E ele cresce e não esquece


Nunca o seu chu…

[Som de tiro. Gavroche morre]

OFICIAL DO EXÉRCITO[GYO]:
Atenção pro que vamos dizer: rendam-se agora ou vamos investir com tudo!

ENJOLRAS:
A gente morre, mas mata também!

ESTUDANTE 1[RAFA]:
Eles vão sofrer!

ESTUDANTE 2[LUCAS]:
Vamo entregar pra eles o inferno!

ENJOLRAS:
Podem vir!

60
[Sons de tiros. Enjolras e Estudantes morrem, Marius cai no chão ferido, Valjean
sai arrastando Marius. Entram Javert e soldados tirando os corpos. Todos saem e
o cenário muda para o esgoto. Entra Thénardier arrastando um corpo]

THÉNARDIER:
Oh, mil perdões M’sieur, só vou pegar um dente aqui! E outro anel ali! Não é como se
você fosse usar ainda, não é mesmo? Ah, não me olhe com essa cara, tem muitos corpos
por Paris, alguém precisa fazer essa faxina. E por que não eu? Agora você fique aqui
com os ratos e eu vou no varejão vender tudo isso.

[Sai Thénardier. Entra Valjean carregando Marius. Valjean cai. Entra Thénardier
roubando Marius]

THÉNARDIER:
Mas que belo anel! Lindo camafeu! Mas seria um crime penhorar tal beleza! Muito
obrigado, meu senhor! E no garotinho aqui, o coração já parou, mas consigo escutar o
tic-tac do relógio! Tantas frutas boas nesse pomar!

[Thenadier tenta roubar Valjean, que acorda]

THÉNARDIER:
Valjean? Esse mundo é pequeno demais!

[Sai Thénardier. Entra Javert]

VALJEAN:
Mas não podia ter melhor hora pra um reencontro, ein, Javert! O rapaz é um bom
homem, tá pelo fim e precisa de um médico urgente!

JAVERT:
Eu te avisei que não ia te deixar em paz!

VALJEAN:
E promessa é dívida! Só mais uma hora, até eu encaminhar o rapaz pra alguém que o
salve…depois sou todo seu e vai poder finalmente me botar dentro da sua lei!

JAVERT:
Do que sai da sua boca eu já tô farto! Vou te botar dentro da minha lei é agora!

VALJEAN:
O menino tá no fim, Javert! Olha pra ele e se ainda te restou um pingo de humanidade e
senso de justiça me deixa salvar ele!

JAVERT:
Vai, Valjean…leva seu rapaz, salva a vida dele! Vou te esperar pra acertar as contas,
23612

[Sai Valjean carregando Marius. Música 25 - Suicídio de Javert - Javert's Suicide]

61
JAVERT:
Mais uma vez
Esse demônio que vem
Me perseguir outra vez
E dar-me o troco também
Quando ele pôde vingar
E decretar o meu fim
Pra se livrar
Do seu passado e de mim
Um gesto só
Só um golpe fatal
Mas ele quis que eu vivesse afinal

Não vou viver pela mão de um ladrão


Não vou dever minha vida ao mal
Eu sou a lei e a lei não tem dó
Eu vou cuspir a palavra final
Sobre toda a piedade que houver
Pois vai ser Valjean ou Javert!

Como é possível conceber


O seu domínio sobre mim
Um homem que eu vivi caçando
A vida me dá, me deixa vivo
A minha morte em suas mãos
Por que não fez?
A minha hora já chegou
Mais vivo estou… No inferno estou!

É preciso pensar
Se a verdade ele diz
Deve ser perdoado
Seu destino infeliz?

E hoje eu ando a duvidar


Logo eu que nunca duvidei
Meu duro coração balança
Meu mundo caiu, e tudo é sombra

Ele é o mal ou é o bem?


O sim ou o não?
Se hoje a vida me salvou
Desatinou-me o coração

Eu me afundo em confusão
Céu de chumbo sobre mim
No vazio, olhos meus
Os princípios não têm fim

62
Desse mundo vou sair
É o mundo Jean Valjean
Já não há lugar pra mim
Já não há um amanhã…

[Javert Morre. Entram mulheres. Música - Nada (Turning)]

CORO DE MULHERES:
Fim da luta
Diga quem sobrou
Jovens das trincheiras
Nenhum deles retornou

Não sabiam
Nem como atirar
Só queriam ver
Um mundo novo despertar

Morrem todos, nada vai mudar…

Nada muda
Nada vai mudar
Todo ano é mais
Uma outra boca pra criar

Velha história,
E pra que sofrer?
E pra que rezar
Se nada vai acontecer?

Nada nada nada nada nada


Pra fazer!

Nada, nada, nada outra vez


Horas viram dias e os dias viram mês
Nada muda, nunca vai mudar
Tudo sempre volta ao ponto
De recomeçar

Tudo volta e vai recomeçar…

[Saem mulheres. Entra Marius. Música 26 - Tantas Mesas e Cadeiras|Empty


Chairs at Empty Tables]

MARIUS:
Há uma dor que segue muda
Gosto amargo que não sai
Tantas mesas e cadeiras
E ninguém se senta mais

63
Era aqui que se encontravam
Foi aqui que começou
O amanhã que procuravam
E o amanhã jamais chegou

Dessa mesa lá no canto


Viram o mundo renascer
Tantas vozes levantaram
E ainda posso ouvir
Seus gritos bravos e as canções
Seus últimos momentos
Nas trincheiras quando o sol nasceu

[Entram rebeldes ao fundo como fantasmas]

Meus amigos, me perdoem


Todos mortos, e eu aqui
Há uma dor que segue muda
Gosto amargo que eu bebi

São fantasmas na janela


Mais fantasmas pelo chão
Tantas mesas e cadeiras
E ninguém se senta, não

Meus amigos, não se apaga


Essa dor nos olhos seus

[Saem rebeldes]

MARIUS:
Nessas mesas e cadeiras
Já não há amigos meus

[Entra Cosette]

COSETTE:
Cada dia é um passo a mais em seu novo caminho, Marius

MARIUS:
Ainda me pergunto quem foi que me trouxe vivo da batalha…

COSETTE:
Não pense muito nisso! De agora em diante temos um ao outro e sempre estarei aqui!

[Entra Valjean]

MARIUS:
Senhor, nunca vou poder agradecer o suficiente por me permitir casar com Cosette! Me

64
deu o maior presente da minha vida, me acolhendo em sua família e confiando a mim o
nosso amor!

[Sai Cosette]

VALJEAN:
Preciso que se cale agora e me escute, rapaz, tenho algo sério pra dizer! Minha filha
sempre soube que eu escondia algo e eu engoli esse segredo a seco por muito tempo e
tempo é algo que já não tenho mais. Houve uma vez um homem, Jean Valjean. Roubou
um pão pra ajudar a irmã e passou boa parte, muito, encarcerado sem perdão nenhum
até ser solto em condicional. Mudou de vida, foi pra longe, arrumou profissão, cresceu,
se fez na vida…até que um dia precisou fugir, forjar um novo nome…ele fez tudo por
amor e cuidado com uma filha que a lhe deu, pra que ela crescesse bem e segura e
concluído sua missão é preciso que ele vá e a deixe viver bem e feliz!

MARIUS:
Foi pela Cosette, o senhor é Jean Valjean! Mas…pra que ir agora? Não há nada que
possamos fazer? Cosette, coitada, vai sofrer demais com a sua ausência, ela te ama
muito!

VALJEAN:
Fala pra ela que eu tive que viajar, tinha coisas pra resolver, dívidas de muito
antes…não quis me despedir, seria triste demais pra mim e não poderia ir em paz! Só
me prometa que ela nunca saberá da verdade!

MARIUS:
Sei o quanto a ama e que faria tudo pelo seu bem. Se acha que assim ela será mais feliz
e segura, pode contar comigo e ir em paz!

[Entra Marius, Cosette e convidados do casamento. Música - Coro de Casamento


(Wedding Chorale)]

CORO:
Bate o sino
Pois o dia chegou
Que os anjos todos
Venham se juntar

Para cantar
Pelo amor que vingou
E a paz assim
Pra sempre abençoar

MAJOR DOMO [GUSTAVO]:


O barão e a baronesa de Thenard
Desejam cumprimentar o noivo

[Entra M. e Madame THÉNARDIER]

65
THÉNARDIER:
Ora pois, meu bom gajo! Onde foi que nos conhecemos? Será que foi em um jantar com
o rei?

MARIUS:
Não, Barão de Thenard, jamais frequentei um lugar tão nobre. Espera…Sai daqui,
Thénardier. Não sei o que está tramando, mas não vai funcionar!

MADAME THÉNARDIER:
Eu falei, não vai dar! Mostra logo pra ele!

THÉNARDIER:
Enfim, viemos cobrar nossos quinhentos francos, por favor!

MARIUS:
E por que eu daria toda essa grana a vocês?

MADAME THÉNARDIER:
Ah, mas vai pagar!

THÉNARDIER:
O homem que você defende é um assassino! Se me lembro bem… vi Valjean
carregando um corpo morto, um cadáver. E ele usava um anel muito lindo, um anel
igual a esse!

MADAME THÉNARDIER:
E tem mais, lembro bem que foi na noite de tiros na barricada.

MARIUS:
Como assim? Isso é meu! Então foi isso, Valjean me salvou aquela noite… e você
Thénardier, tome aqui seus quinhentos francos!

[Soca Thénardier]

MARIUS:
Vem Cosette, meu amor!

[Saem Marius e Cosette. M. e Madame Thénardier brigam, derrubam objetos de


prata acidentalmente, chamando atenção da festa. Rapidamente disfarçam.
Música - Mendigos da festa (Beggars of the Feast)]

THÉNARDIER:
Isso é demais
Isso é que é
Nós dois ali
Além da ralé

Conde pra lá
Duque pra cá

66
Olha essa aí
Que bicha vulgar!

Dá pra acreditar
Que hoje eu tô aqui?
Comendo canapé
Com a melhor “Paree”!

Olha só pra mim


Seu anfitrião
Nessa contradança
Eu vou passando a mão

MADAME THÉNARDIER:
Entre os figurões
Gente tão gentil
Todos falam baixo
E olham de perfil

THÉNARDIER:
Todo mundo vai à igreja
Pra rezar ao Salvador

MADAME & THÉNARDIER:


E a gente aqui vai recolhendo
Cada benção de valor

[Saem convidados]

MADAME & THÉNARDIER:


Todos no salão
Dança até cansar
Todos vão parando
E a gente vai ficar
Vamos resistir
Sempre somos nós
Morre todo mundo
E continua nós

Nós é quem conhece o truque


E o truque é continuar
No fim a gente vai pro inferno
E lá no inferno vai dançar!

[Saem M. & Madame Thénardier. Entra Valjean. Música - Epílogo: Final


(Epilogue: Finale)]

VALJEAN:
Na sombra só eu espero
E conto as horas pra dormir

67
Sonhei um sonho em que Cosette
Se faz chorar porque eu morri

Sozinho eu fico a rezar


Que Deus os possa iluminar
São meus filhos, oh, Deus,
Em vossas mãos, convosco estão

Deus do céu, vem buscar


Esse seu servidor
Onde estás?
Eu irei te encontrar
Pra viver
Junto a ti
Junto a ti

[Entra Fantine como fantasma]

FANTINE & (VALJEAN):


M’sieur, cansado estás
(Estou pronto, Fantine)
M’sieur, deixai teus fardos
(É a hora do fim)
Criaste o meu bebê
(Ela é tudo pra mim)
E vais estar com Deus

[Entra Cosette e Marius]

COSETTE:
Papai!! Meu pai, o que aconteceu? Você foi embora logo no casamento sem falar nada,
o que tá acontecendo com você?

VALJEAN:
Minha filha, meu coração fica muito feliz em poder te ver mais uma vez…Me perdoem,
os dois.

MARIUS:
Eu que devo pedir desculpas, por não te agradecer o suficiente! Cosette, seu pai me
salvou, naquele tempo da barricada, quando todos morreram, ele me carregou igual um
filho e conseguiu salvar minha vida.

VALJEAN:
Já agradecem demais por estarem aqui comigo, meu filho! Agora sim, eu posso ir em
paz!

COSETTE:
Ir como, papai? Não! Vai ficar aqui com a gente!!

68
VALJEAN:
Meu último segredo, filha, aqui, toma! Quando eu descansar você lê! Tua mãe morreu
buscando uma vida melhor pra vocês duas. No leito de morte dela eu prometi que eu
cuidaria sempre de você e honrei minha promessa com todo o amor e prazer do mundo!

[Música - Epílogo: Final (Epilogue: Finale]

FANTINE:
Vem pra mim, pois nada mais importa
Toda dor ficou atrás da porta
Deus do céu, olhai-o com piedade

VALJEAN:
Perdoa meus pecados
E me leva em tua glória

[Entra Éponine como fantasma]

VALJEAN, FANTINE & ÉPONINE:


Pela mão, levai-me aos teus domínios
Por amor, o amor que nunca morre
A verdade que paira sobre tudo
Amar o semelhante
É como estar bem junto a Deus

[Entra coro]

CORO:
Ouça o povo a cantar
Dentro da noite o seu refrão
Eis a canção de todo um povo
Que atravessa a escuridão

Como a chama que acendeu


E que jamais vai se apagar
Sombras da noite vão sumir
Quando o sol raiar

Vão viver em liberdade


Pelos pátios do senhor
Caminhar por entre as flores
Sem as facas do terror
Correntes quebradas
E todos terão seu valor

Todos juntos numa voz


Em nossa marcha nesse chão
E bem pra lá de todos nós
Um novo mundo em construção

69
Ouça o povo a cantar
Junto aos tambores em furor
Há uma vida a despertar
E um novo amor!

Todos juntos numa voz


Em nossa marcha nesse chão
E bem pra lá de todos nós
Um novo mundo em construção

Ouça o povo a cantar


Junto aos tambores em furor
Há uma vida a despertar
E um novo amor
Ah, um novo amor!

BLACKOUT
[FIM]

70

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