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A <ABC sublinhava então que OS cenógrafos modernistas triunfavam em Paris <e invadiam

tudo> - palcos, estúdios, salões, No Teatro Novo>, o pano de boca, de inspiração algo futurista,
era de Mário Eloy e o cenário de Pacheko, para um bailado de Francis, em 25; em 28, coube a
Barradas realizar cenários para os bailados de Luis Turcifal-Reis Santos.

Soares, que já em 19 e 20, no S. Carlos (<A Luz de um Vitral>) e no D. Maria (<A Borboleta>, de
Vera de Lima), apontara caminhos modernos de cenografia, compôs igualmente cortinas para
revistas que subiam à cena, como <A Rambóia> (1928), <Chá de Parreira> e <Canto da Cigarra>
(ambos de 30) e <Fogo de Vistas> (1933).

Com a sua fantasia, as revistas constituíam, de resto, um veículo ideal para a introdução de
novo gosto nos palcos lisboetas. Um magazine anunciava que assim se passava em Paris 3- e
peças populares como <Chic-Chics (1925), <Pó-de-Arroz> (1926), <0 Sete e Meio> (1927), <0
Ricocó> (1929), <Feira da Luz> (1930), <Pernas ao Léu> (1933), tiveram cortinas, cenários ou
figurinos modernistas de Almada, Sara Afonso e Tom, de Barata Feyo e Stuart, de Barradas e
Leitão de Barros, de Paulo Ferreira, de Ruy Gameiro, ou de M. A. Lima Cruz que, estreando-se
em 28 em "A Carapinhada> montada por Eva Stachino, com esta vedeta ficou trabalhando,
lembrando-se de Bakst e de Erté. 0 próprio arquiteto Raul Lino, que fora cenógrafo de bailados
de Almada em 19, desenhou, em 25, os cenários e os figurinos para a <Salomé> de Oscar
Wilde, no Politeama, imprimindo um <carácter lunar> à sua modernidade.

Cenógrafos profissionais e figurinistas, como José Barbosa e Pinto de Campos, já em 27 (Água-


Pé) ou a partir de 31 (<Viva o "Jazz">), entraram em gosto modernista, adaptando-o ao público
revisteiro, e passaram a dominar o mercado que baniu artistas mais difíceis ". Arte precária, a
cenografia correu paredes meias, no período que nos ocupa, com as artes gráficas, do cartaz,
do anúncio e das capas de livro, e com artes decorativas comerciais.

Já vimos como nos salões <modernistas> e <fantasistas> do Porto, entre 15 e 16, houve a
novidade de secções de cartazes, com obras de Soares (que então anunciava um <atelier>
próprio, e de Barradas, de <Arte e Publicidade>), Basto, Diogo e Almada, pioneiros do género.
São notáveis, pela sua simplificação gráfica, os cartazes de Almada dos chocolates da <Suíça>
(1922), das bolachas <Aliança> (1923) ou o da peça <A Casaca Encarnada>, no Politeama
(1923), com a sua animada composição duma orquestra de <jazz>. Em 26, no Salão de Outono,
O <atelier> Arta apresentava uma dúzia de cartazes, metade dos quais consagrados ao Bristol-
Club. Nobre fez um excelente cartaz estilizado para a <Voga>, em 28; Bernardo (e Martins
Barata) desenhariam cartazes, em 29, para uma Sociedade Portuguesa de Filmes que tinha O
arquiteto Cottinelli Telmo na direção artística, Barradas e Stuart realizá-los-iam para o filme
<Lisboa>, de Leitão de Barros, Almada para a <Canção de Lisboa> (1933) de Cottinelli. <Os
artistas apoderam-se (do cartaz) fazem-no sumptuoso e decorativo como um fresco> escrevia
um cronista, em 28.

Mas a publicidade animava também OS magazines (e mais raramente os jornais),


modernizando-se, por voltas de 27, com as propostas do <atelier> Arta, a primeira organização
de publicidade que se fundou em Lisboa - e sobretudo, com a contribuição definitiva dum suíço
chegado em 27, com seu gosto germânico dum expressionismo geométrico, Fred Kradofler
(1903- 1968), que seria o mestre confessado dos grafistas portugueses dos anos 30-40. As
empresas gráficas Libânio da Silva (que expôs no II Salão de Outono; lá era impressa a
<Contemporânea>, justificação bastante da sua qualidade) e Irmãos Bertrand (que O Arta e
Kradofler reclamavam) asseguravam estas artes de impressão - que em raras capas de livros de
A. Ferro, ilustradas por Barradas, Soares, Almada, Basto ou (sobretudo) por Bernardo Marques,
tomavam caminhos modernistas, para além daqueles, simbolistas, que Pacheko já abordara em
12, em livros de Sá-Carneiro.

Nestas artes de consumo imediato entravam também então os anúncios luminosos -


<admirável "féerie" de lâmpadas coloridas> de um <publicidade (que) começava a engrinaldar
(Lisboa) de luzes>, com as suas <legendas modernistas>. Esses <lumes> beneficiaram, em fins
de 34, da técnica dos tubos de néon - mas em 28 já se reconhecia O seu papel na paisagem
urbana. Pela mesma altura, começavam a contar salões ou feiras comerciais. A das Caldas da
Rainha, em 27, que, sob a direção de Paulino Montés (1897-) já teve modestos pavilhões de
linhas ortogonais, tal como, cinco anos depois, a Exposição Industrial Portuguesa, ou como o I
Salão de Outono da Elegância Feminina e Artes Decorativas, promovido pela <Voga> na SNBA,
em 28, decoração de Montes com a colaboração de Soares (que, com uma fantasia algo
cubista, obteve uma medalha de ouro de 1º prémio para o seu <stand>), de Botelho e Martins
Barata (medalhas de prata) de Nobre, Stuart, Emmerico, Ruy Gameiro e outros. As <soirées
smart> ali promovidas tiveram para eco no <Baile das Artes>, no ano seguinte, no clube de
Maxim's, decorado para o efeito por Soares (que dirigiu os trabalhos), Emmerico, Barradas,
Meneses Ferreira e outros. Ao mesmo tempo, houve um Salão da Primavera comercial no
Porto, onde interveio um recém-chegado, Tomás de Melo (Tom). O gosto<arts déco>, definido
e triunfante na exposição parisiense de 25, com seus tiques gráficos e seus luxos mundanos,
estava, bem entendido, presente nestas realizações que constituíam uma espécie de
desinência provinciana, menos exagerada que timidamente hesitante. Nas fachadas dos
prédios, nos seus ferros, em painéis de mosaico, surgiram elementos deste gosto- e ainda nos
anos 40 eles seriam visíveis. No vestíbulo do novo Teatro do Ginásio, inaugurado em fins de 25,
e no Café Chiado, decorado em 27 pelos Rebelos de Andrade, a adoção foi notável. Nos
interiores burgueses, o <arts déco> introduzia-se também, impondo, já nos anos 30, novos
processos técnicos de construção de mobiliário, em placas de contraplacado folheado de
madeiras preciosas que podiam recurvar-se ao gosto dos modelos que sobretudo a revista
“Mobilier & Décoration" fornecia ou inspirava.

António Soares, voltando de uma visita a exposição de Paris, queixava-se da falta de gosto e de
iniciativa moderna dos industriais portugueses na produção - à qual um pequeno <atelier> de
artistas, a Íbis, de Sara, Ofélia e Bernardo, expondo no II Salão de Outono, fazia insuficientes
propostas decorativas em barros, vidros, <bibelots>, brinquedos...

Mas Soares queixando-se também ausência de representação oficial portuguesa em Paris (só
dois trabalhos de Ernesto Canto, lá residente, figuraram na exposição), lançava o alarme a
propósito do que certamente iria à magna exposição anunciada em Sevilha, em 29. Jorge
Colaço, sentindo-se visado, como responsável pela representação respondeu e houve polémica
no <Diário de Lisboa>. Ao fim e ao cabo, e apesar da intervenção do Jovem arquiteto Jorge
Segurado em 27, para que o pavilhão português tivesse expressão actual, numa arquitectura
<racional> ele foi, mais uma vez, em estilo D João V embora decorado já com painéis
modernizantes, de Manta, Barradas e Lino António.

A pintura caminhara mais depressa que a arquitetura, nestes anos 20. Em vão, logo em 1920,
uma Sociedade Financeira, Lda., apresentaria à Câmara lisbonense largos planos de
desenvolvimento sectorial da capital, com grandes eixos viários (de Alcântara a Benfica, de
Sete-Rios a Luz, da Rotunda a Campolide e a Campo de Ourique, da beira-rio à Estrela, ou
prolongando Av. Almirante Reis até ao Areeiro) e dois vastos bairros, de grande e pequena-
burguesia, a norte do Parque Eduardo VII, O <Bairro de França", ou entre Santa Apolónia, Alto
de João e Penha de França. Lisboa, cidade <abandonada e suja>, com seu desleixo e seu mau
gosto que A. Ferro denunciava em 25, crescia então sem planos de conjunto - sem, ao menos,
plantas totais, que não eram levantadas desde 1911! Em 26 a Câmara nomeou, enfim, uma
comissão para estudar um plano de conjunto e, apesar de ciosas oposições patrióticas, decidiu,
no ano seguinte chamar um especialista francês, J. C. Forrestier, que veio aconselhá-la em 28. A
rede estrutural estabelecida estava ainda então determinada pelas Avenidas Novas e Avenida
D. Amélia-Almirante Reis abertas nos princípios de século. Para servir esta cidade ocasional, um
metropolitano era sonhado em 21 e outro anunciado para muito breve, em 25 "7, mas sem
qualquer verosimilhança.

Em 29, <O Notícias Ilustrado> perguntará aos jovens arquitetos qual seria a obra mais urgente a
fazer. Bairros de habitações económicas, respondeu Pardal Monteiro, uma escola de Belas-
Artes, disse Carlos Ramos, enquanto Paulino Montes afirmava que estava tudo por fazer e
Jorge Segurado pedia que <se urbanizasse de factos>. Tertuliano Marques brincou com a
pergunta, Cottinelli recusou responder, por comodismo confessado e polémico.

A cidade satisfazia-se, entretanto, com construções de moradias prédios de rendimento, Para


uma média e pequena- burguesia, numa população que aumentava de 485 para 592 000
habitantes, entre 1920 e 30. As classes pobres, de uma <Lisboa de angústia>, essas não tinham
alojamento, apesar de um decreto socializante de Abril de 19 (aliás precedido por um decreto
sidonista de Abril de 18) que fazia criar cinco “bairros sociais" (só inaugurados a partir de 34 e
35), <pequenas vilas> de teor semi-rural, dentro da mentalidade ainda provincial e naturalista
dos governantes da I República - que o regime seguinte perfilharia num decreto de Outubro de
28. A realidade era, porém, no malogro sucessivo de doze bairros económicos da Câmara,
entre 27 37, a dos bairros da <lata> ou <das minhocas>, <free towns> que podiam chamar-se
caricatamente <da Liberdade>... Do lado pequeno-burguês. na zona oriental, mais pobre, com
eixos na Avenida Almirante Reis e na Rua Morais Soares, os prédios eram produto lúgubre de
<gaioleiros>, tomando à sua conta uma arquitetura que não conhecia arquitetos.

Estes (e eram pouco os diplomados, numa Escola de Belas-Artes que, reformada em 11, exigia
nova reforma de ensino que só teria lugar em 32), na sua maior parte prolongavam ainda a
corrente afrancesada de luxo, de Ventura Terra ou Norte Jor, ou, mais ainda, as correntes
revivalistas do fim do século, neorromânicas ou na tradição <quinhentista> proposta por Raul
Lino, que dera caricaturalmente, uma arquitetura dita <tradicional>, de vaga definição. O
ensino de mestre J. L. Monteiro 3", apoiado em Vignola e em Garnier, era cada vez menos
operante. A revista <Arquitetura Portuguesa>, fundada em 1908 e que duraria até 58, dividia,
de resto, os estilos dos edifícios que reproduzia em três categorias: <Tradicional português>,
<português moderno> e <nacional modernizado>. À primeira secção pertenciam 99 % das
construções selecionadas nas suas páginas... A revista <Arquitetura", criada em 27 (e que teria
vida acidentada até à atualidade), prestava outra atenção à obra dos novos - que era parca e
hesitante, poucos ousando desfitar <a tradição>. Nos magazines, por vezes interessados em
arquiteturas antigas, nada se lia sobre obras modernas - e, em 25, foi exceção um artigo
elogioso e muito ilustrado sobre Mendelsohn, ou, em 28, a reprodução de casas de Le
Corbusier e de Mallet-Stevens, sem esquecer, porém, que, em 23, o célebre monumento de
Tatlin à Ill Internacional fora depreciado, A evolução do gosto era, porém, lenta e equivocada
em obras de passagem, com desenhos de fachadas que estilizavam <ordens> clássicas numa
simplificação, ou em pormenores modernizantes. Era caso de Carlos Ramos, na fachada de um
prédio pombalino na Rua do Ouro, já anunciada em 22, ou de Jorge Segurado, na Companhia
dos Elétricos, na Rampa de Santos, em 27, obras extremamente cuidadas. Um edifício do
mesmo gosto, em 25, a Companhia dos Telefones, de Touzet, fora considerada polemicamente
uma construção europeia> .

Se uma ou outra obra agira já, no interior de fórmulas aceites, a sua originalidade não tivera
consequências--e era O caso muito pessoal do próprio Raul Lino, desde os primeiros anos do
século, ou de Álvaro Machado, campeão do neorromântico, em 1909 3+. Em 1910, a
<Arquitetura Portuguesa>, referindo-se a Leonel Gaya, falava de <estilo modernista> do século
XX em oposição à <estilização> do século XIX, mas fazia-o sem qualquer propriedade estética.
Os jovens não podiam tirar lições desta situação antes se confundiam, propondo projetos <à
antiga portuguesa> como Jorge Segurado e Eugénio Correia, em 19, ou como Cottinelli Telmo e
Carlos Ramos para a Exposição do Rio, em 22, ou complicadamente arqueológicos, como
Ramos, para a Exposição Colonial de Paris, em 30, ou túmulos monumentais manuelinos, como
Cristino da Silva, ou ligando-se ao tradicionalista Tertuliano Marques, como Cristino e Ramos,
em equipa constituída, em 24, para realizar obras que se diziam <nacionais modernizadas>; ou
como Pardal Monteiro desenhando em boa receita neorromânica a igreja adventista de Lisboa,
em 24. Já antes, porém, em 23, obtivera ele o prémio Valmor com uma notável ornamentação
modernizada e, logo depois, um gosto <arts déco> lhe garantirá, em 28, a Estação do Cais do
Sodré e de novo lhe proporcionará O prémio Valmor, em 29, numa excelente moradia de
requintados pormenores 360 Todos eles, porém, iam atualizando os seus códigos e ganhando
uma consciência formal modernizante - e esperando uma possibilidade de se revelarem, ou de
darem o salto... O gosto <arts déco>, inserido entre os artistas históricos ecléticos e o
modernismo desejável, combinava-se, porem, com um <estilo vienense> nascido nos anos 10
com Otto Wagner e 1. Hoffmann, que chegava então a Lisboa, trazido por revistas que
apresentavam modelos facilmente copiáveis ou ecleticamente adaptáveis por engenheiros e
mestres-de-obras mais ou menos hábeis, e ate pelos anos 30 fora. É indispensável atentar
nessa circunstância para se entender a evolução da prática arquitetónica urbana neste
alongado período.

Cristino, que expôs em 25 os desenhos realizados durante a sua estada em Paris, mostrando
novos rumos possíveis, desenhou, no mesmo ano, os planos do Cinema Capitólio, a primeira
das obras modernas de fôlego, que adiante analisaremos. Carlos Ramos, autor dos projetos de
um bairro operário para Olhão, em 26, com notável consciência de valores estruturais,
sobretudo traçou, em 28, O vasto projeto do Instituto de Oncologia, que seria abandonado e
do qual resultaria apenas, da sua autoria, O pavilhão do rádio. Pardal Monteiro projetou sede
lisboeta da Ford, na Rua Castilho, em 30, edifício-pavilhão também de total empenho
modernista, e sobretudo estudou o grande projeto do Instituto Superior Técnico, em 27, de
que voltaremos a ocupar-nos. Cottinelli Telmo expôs no Salão de Outono, de 26 um projeto
para o Stand Fiat, Para a Avenida da Liberdade que teve outro projeto, realizado, de Cassiano.

Neste conjunto incipiente (em que assumiam papel edifícios destinados a técnicas ou
comércios modernos, ou ao seu ensino) anuncia-se, em meados e fins de 20, a evolução
favorável que se verificaria logo no inicio do decénio seguinte, em conjuntura política favorável
para <obras públicas> de utilidade e prestigio, como veremos.

Já nesse processo se integrou um dos primeiros monumentos modernos a erigir em Portugal,


não em Lisboa mas no Funchal, para comemorar Gonçalves Zarco, o descobridor da ilha -
primeira estátua de uma longa série que definiria a escultura nacional mais característica até
aos primeiros anos 70, ao fim do regime que a encomendara.
Arrastavam-se então em Lisboa as obras dos monumentos ao Marquês de Pombal, aos Mortos
da Guerra Peninsular e aos da Grande Guerra, que só seriam inaugurados em princípios dos
anos 30; o de Zarco, pelo contrário, foi rapidamente terminado e, dotado dum pedestal de
Cristino, foi exposto, em Outubro de 28, na Avenida da Liberdade, antes de ser embarcado para
Madeira. Uma copia seria mostrada, em 29, na Exposição de Sevilha. O seu autor era o
madeirense Francisco Franco, um dos Cinco Independentes de 23, a quem o Funchal devia, já
em 19, outro monumento a Gonçalves Zarco, busto dramático emergindo do pedestal, e, no
cemitério local, um monumento de bom realismo expressionista, erguido à memória das
vítimas do bombardeamento alemão de 18.

Carlos Ramos levantara já um pequeno monumento aos Mortos da Guerra de 1914-18 em


Olhão, em 27, obra específica de arquiteto e de medíocre concepção; agora, porém, era a
escultura que naturalmente contava – e aquela que Franco apresentava, severamente
modelada, numa lembrança dos valores antigos da pintura de Nuno Gonçalves, inovando numa
imagística naturalista, no vulto e nos quatro baixos-relevos, propunha um modelo que seria
oficializado. O público foi preparado para a aceitar: a exposição da estátua em Lisboa ia <servir
para ensinamento do público e para que não se aumentassem as esculturas de " vieux-style"
que por Portugal abundavam. Aos Lisboetas ia ser dado apreciar uma obra que merecia ser
meditada para bem da escultura nacional e dos nossos olhos cansados do espetáculo de
estéticas velhas e revelhas>.

... Estas não cediam, porém, de bom grado, a sua posição no gosto na vida nacionais. Não só a
SNBA e o Museu de Arte Contemporânea as defendiam: os velhos (e novos) naturalistas
reagiam e agrupavam-se. Em Janeiro de 25, Falcão Trigoso expunha na Bobone quadros que
anão resultavam de qualquer artificiosa ou extravagante estilização de "atelier"", mas <de um
intenso trabalho de muitos anos (..) e também do contacto quase constante com Natureza>;
era a crítica de uma <praxis> a outra "praxis> que se exibia no mesmo momento no I Salão de
Outono... Dois anos depois, constituía-se o Grupo Silva Porto, com a <consciência de vir
prestando Arte Nacional um apreciável serviço> 36. Reinava nele Carlos Reis - e no ano
seguinte, em 28, Malhoa seria objeto de uma homenagem nacional e oficial em que
comungaram direitas e esquerdas políticas.

<O homem moderno, não podendo criar, destrói. Vivemos em plena decadência do sentido
estético>, afirmava solenemente um jornalista, em 27. Era a <Cultura do Feios>. Mesmo o
<Diário de Lisboa>, simpatizante, não deixava de publicar desenhos humorísticos estrangeiros
contra a Pintura moderna, já desde 22 tal como o fará o <Notícias Ilustrado>, em 28 ou 29, e
outras publicações de grande público - e o próprio Emmerico não se coibirá de troçar dos
camaradas, em 22...

Outro ataque, mais grave e que perdurará, foi de ordem política. <A Ideia Nacional>, pré-
fascista, acusara o futurismo de <desordem>, em 16; em meados dos anos 20, já tardiamente,
sublinhavam-se triunfos modernistas na Rússia soviética, e informava-se que, ali, <os futuristas
eram oficialmente protegidos pelo Governo> 39. Em 25, um ensaio de Mário Saa (1895--1971),
curiosamente obsessivo, <A Invasão dos Judeus>, ligava bolchevistas, judeus e modernistas
numa mesma reprovação e numa mesma imagem terrorífica...

Para este companheiro dos modernistas, todos eles eram judeus ou descendentes de judeus:
de Pessoa a Sá-Carneiro, de Raul Leal a Ferro, de Pacheko a Diogo, e Amadeo, e Almada, e
Alberto Cardoso, Teles Machado, Alice Rey-Colaço, Bernardo Marques - cristãos-novos ou
sefardins sem desculpa... Como, aliás, já o era Columbano, preferido pelos republicanos, ao
contrário de Carlos Reis, preferido pelos monárquicos cristãos-velhos. <Por toda a parte
futuristas, modernistas ou de qualquer modo revolucionários são incontestavelmente de
estirpe judaica. Não exagero>, afiançava Saa, acrescentando: <Em Portugal são eles os hebreus
incircuncisos.> E os novos, de alegre mocidade, alegre inquietação, alegre desespero>
levantam-se e explodem, <com a intensidade dos gases reclusos>

Hostilidade, franca ou manhosa, desinteresse, ignorância, estupidez - em Portugal <era


impossível viver>, concluía Almada, em 26. Uma crise gravíssima, económica, política e
ideológica, abatia-se então sobre ○ Pais, que uma ditadura militar estabilizaria numa situação
conservadora de variados matizes, refletindo, pela direita, a conjuntura internacional

No momento exato da sua eclosão, Guilherme Filipe lançou, em Coimbra, um manifesto


fazendo a apologia duma <Ditadura da Arte e do Bom Gosto> - preocupações bem arredadas
do espírito dos autores do <putsch> militar de 28 de Maio; o folheto foi, porém e
curiosamente, distribuído com a ajuda das forças armadas implicadas no "putsch> 37. Simples
peripécia, em nada a proclamação de Filipe (que logo a seguir voltou para Madrid) influiu no
decorrer dos acontecimentos - artísticos ou políticos ...

Barradas desejara partir em 23 para o Brasil, mas voltara; Viana partiu em 25 para Paris,
Almada abandonou Portugal em 27, no mesmo ano que o jovem Eloy, um para Madrid outro
para Paris e Alemanha. Só António Soares não arredava de Lisboa. Outros, de resto,
regressavam do estrangeiro, por volta de 26: Abel Manta, Dordio Gomes, Diogo de Macedo,
Francisco Franco. Muito do destino de uns e de outros, e da arte portuguesa do decénio
seguinte, decide-se neste jogo de saídas e de entradas.

Almada jurara, em 25, num momento de cólera, nunca mais voltar <a aparecer em público
como artista> 37. Rebentara então o último sonho da sua juventude, no bailado que recusara
violentamente retomar, em situação equívoca, No ano seguinte, definir-se-á o sonho da sua
maturidade com a <descoberta> do políptico de S. Vicente de Fora.

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