Você está na página 1de 4

A ARQUITETURA EM PORTUGAL NOS ANOS 20

Para se compreender melhor esta arquitetura, que teve lugar nos anos 20 e 30 do século XX,
nada melhor que nos referirmos aos arquitetos e suas obras marcantes em Lisboa desta época.

Porfírio Pardal Monteiro, nascido em 1897 e que morreu em 1957, tem uma vastíssima obra
em Lisboa e é um dos mais importantes arquitetos da história da arquitetura portuguesa.
Marcou o início do modernismo português com o IST e marcou o fim deste com a Igreja de
Nossa Senhora de Fátima em 1938. A Estação Ferroviária do Cais do Sodré, de 1923-30, é da
sua autoria e representa uma expressão monumental, pelas suas dimensões e implementação
urbana, e um grande afastamento do ecletismo pela desvalorização da ornamentação e pelo
afirmar de uma linguagem geometrizada de gosto Arte Déco que ainda denuncia uma certa
“timidez” no assumir do betão como elemento estético material mas que neste caso permitiu
construir vastos espaços cobertos e iluminados através de grandes aberturas. Almada
Negreiros criou para a estação um mosaico geometrizado de gosto Arte Déco.

INE de Pardal Monteiro: Arte Déco e o primeiro modernismo

De Pardal Monteiro é o “Campus” Universitário do Instituto Superior Técnico, de 1927-35, uma


obra gigantesca e de grande monumentalidade, já nitidamente em conformidade com o
regime e com a subscrição de Duarte Pacheco; uma obra já livre de decorativismo (este apenas
surge na entrada principal mas de uma forma relativamente discreta e organizada em painéis)
onde se assume claramente um jogo de volumes de cariz moderno e livre povoado de largos
janelões.

No seu espólio desta fase figura ainda o edifício do Instituto Nacional de Estatística
enquadrado nos limites do IST, com uma planta em “V” e fachadas racionais e de largos
janelões e onde apenas figura alguma decoração Arte Déco na fachada principal como atesta
um painel vitral de motivos geometrizantes e de cores vivas.

Reitoria da Cidade Universitária: influência clássico-moderna


Um dos expoentes máximos de inovação nesta fase é o arquiteto Cristino Silva, 1896-1976,
com o seu Cinema Capitólio. É um dos paradigmas do resultado do betão na arquitetura e das
inovações técnicas e sociais protagonizadas por invenções como o cinema. É um edifício de
estética racional modernista e de influência Arte Déco (especialmente na fachada frontal).
Representa um programa misto já que tinha teatro, cinema e cervejaria e tinha grandes
inovações técnicas como as primeiras escadas rolantes do país.

Inovação modernista no Cinema Capitólio de Cristiano

Jorge Segurado (1898-1990) tem como sua obra principal deste período a Casa da Moeda, um
edifício que integra funções administrativas e produtivas (tem oficinas), ou seja, um programa
misto tal como o cinema Capitólio, e de características modernas únicas pela sua aproximação
aos modelos modernos holandeses. A entrada principal é pautada por um interessante jogo de
volumes e revestimentos que marcam a diferença em relação ao resto do edifício de grande
racionalidade modernista. Do mesmo arquiteto é o Liceu D. Filipa de Lencastre obra moderna
com terraços e coberturas planas, vastas aberturas e uma articulação de volumes circulares e
retos na fachada principal (de entrada).

Liceu D. Filipa de Lencastre: ampla cobertura plana de betão

O arquiteto José Conttinelli Telmo (1897-1948) foi quem projetou a Estação Fluvial Sul Este (de
1928-1929), uma obra que afirma o valor da estrutura com um amplo espaço retangular
amplamente iluminado por todas as faces e com um vão de 17 metros. Mais tarde será um dos
principais arquitetos do Estado Novo.

Cassiano Branco (1897-1969) é considerado o mais inventivo, visionário e autónomo de todos


os arquitetos desta geração. Foi mesmo o que desta geração de ouro mais resistiu às pressões
do regime que mais tarde iriam se sentir (só cedeu no seu edifício da Praça de Londres) e foi
mesmo posto de parte no grupo de arquitetos chamados a projetar a Exposição do Mundo
Português de 1940 enquanto que outros, como o José Conttinelli Telmo se passearam no dia
da inauguração da exposição ao lado de Oliveira Salazar. É um caso à parte. Foi posto de parte
em termos das várias encomendas públicas, por isso fez um outro percurso: o dos chamados
prédios de rendimento. A sua ação nesta área é criativa, inovadora e renovadora em Lisboa e
pauta-se em edifícios de fachadas ritmadas, de articulações volumétricas e jogos de
verticalidade/horizontalidade numa criativa exploração das potencialidades do betão. É visível
uma certa influência do arquiteto parisiense Mallet Stevens, cuja obra pôde conhecer, mas foi
capaz de conferir uma grande dignidade aos prédios de rendimento.

O Hotel Victória é uma inventiva obra modernista de 1933 que joga ritmadamente a
horizontalidade das aberturas e volumes retos com os volumes circulares das varandas. No
primeiro andar há uma intenção de lhe conferir um aspeto mais nobre pelo emprego de
revestimentos em mármore e aplicações metálicas que se repetem nas varandas.

O Hotel Vitória de Cassiano Branco

Já o Teatro Éden (1930-37) apresenta uma fachada monumental que se aproxima claramente
da Arte Déco. O modernismo é guardado para o seu interior com largos vãos em betão e
complexas escadarias. O projeto foi alteado posteriormente.

Cassiano fez também inúmeros projetos que não saíram do papel: uns por falta de coragem
dos responsáveis (como um projeto que fez para a praia da Costa da Caparica) outros por
serem autênticas utopias…

Teatro Éden de Cassiano (hoje já adulterado)


Ainda Carlos Ramos se destacou numa das mais modernas intervenções, modernas no sentido
de uma maior consonância com o modernismo internacional no Pavilhão do Rádio (já
demolido) de 1927-33 em que se destaca o volume único com cobertura plana e superfícies
lisas sem decoração.

De se assinalar a existência de um percurso paralelo a este, onde ainda se construía em estilos


tradicionais, num seguimento da arte eclética e do classicismo de Ventura Terra onde na linha
da frente surgem arquitetos como os irmãos Rebelo de Andrade, Raul Lino, Norte Júnior e Vila
Santos. Os Rebelo de Andrade foram os mais "radicais" do tradicionalismo. A sua obra do
Palácio dos Desportos (hoje conhecido como Pavilhão Carlos Lopes) é o expoente máximo de
um neobarroco da mesma época que, por exemplo, o moderníssimo Liceu D. Filipa de
Lencastre. Esta vertente tornou-se um dos focos de discussão e conflito com o
desenvolvimento do modernismo tendo como homem forte o teórico Raul Lino na publicação
de diversas obras sobre a Casa Portuguesa.

Pavilhão Carlos Lopes

Entretanto no final dos anos 30, o modernismo, ou arquitetura internacional, deixou de


responder às exigências do regime. Houve uma mudança de intenção: a modernidade, a
inovação e a criatividade foram substituídos pelo tradicionalismo, nacionalismo e por um
modelo que imposto pelo Estado-Novo de influências nos regimes totalitários europeus que se
considerou servir melhor os interesses do regime de ordem, lei, poder ou glória.

Há que ter em consideração que para o povo os valores artísticos tradicionais eram muito mais
inteligíveis numa sociedade que durante séculos enraizou a cultura barroca e do decorativismo
como o ideal. Se a arquitetura servia a política então tinha que impressionar este mesmo povo.

A discussão do início do século XX regressou em favor de um retorno ao tradicionalismo, ou


aquilo a que foi chamado de “restauração cultural”. Mais grave foi o facto de certas
tecnologias de construção ainda não serem dominadas na totalidade trazendo consigo vários
problemas como a rápida degradação de edifícios e maus isolamentos provocando infiltrações
de água. Uma certa ingenuidade até na acultura da forma como é utilizado o betão.

Você também pode gostar